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NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO SUMÁRIO 1 AS ORIGENS DAS NEUROCIÊNCIAS .................................................................... 3 1.1 A Visão do Encéfalo na Grécia Antiga .............................................................. 4 1.2 A Visão do Encéfalo durante o Império Romano .............................................. 5 1.3 A Visão do Encéfalo da Renascença ao Século XIX......................................... 6 1.4 A Visão do Sistema Nervoso no Século XIX ................................................... 10 1.5 Nervos como Fios ........................................................................................... 11 1.6 Localização de Funções Específicas em Diferentes Partes do Encéfalo ........ 12 1.7 A Evolução do Sistema Nervoso ..................................................................... 16 1.8 O Neurônio: A Unidade Funcional Básica do Encéfalo ................................... 18 2 AS NEUROCIÊNCIAS HOJE ................................................................................. 19 2.1 Níveis de Análise............................................................................................. 19 2.2 Neurociências Moleculares ............................................................................. 20 2.3 Neurociências Celulares ................................................................................. 20 2.4 Neurociências de Sistemas ............................................................................. 20 2.5 Neurociências Comportamentais .................................................................... 21 2.6 Neurociências Cognitivas ................................................................................ 21 3 OS NEUROCIENTISTAS ....................................................................................... 21 4 O PROCESSO CIENTÍFICO .................................................................................. 23 4.1 Observação ..................................................................................................... 23 4.2 Replicação ...................................................................................................... 24 4.3 Interpretação ................................................................................................... 24 4.4 Verificação ...................................................................................................... 24 5 O USO DE ANIMAIS NA PESQUISA EM NEUROCIÊNCIAS ................................ 25 5.1 Os Animais ...................................................................................................... 25 5.2 Bem-estar dos Animais ................................................................................... 26 5.3 Direitos dos Animais ........................................................................................ 27 5.4 O Custo da Ignorância: Distúrbios do Sistema Nervoso ................................. 28 6 NEUROCIÊNCIA E A EDUCAÇÃO ........................................................................ 30 6.1 Processos de aprendizagem ........................................................................... 31 6.2 Plasticidade cerebral ....................................................................................... 32 6.3 Fatores que contribuem para a aprendizagem ................................................ 32 6.4 O papel da memória no processo de aprendizagem ....................................... 33 6.5 A consolidação da memória ............................................................................ 34 6.6 A construção da memória ............................................................................... 34 6.7 Memória e emoção.......................................................................................... 38 6.8 Emoção e a aprendizagem ............................................................................. 39 6.9 Aprendizagem significativa .............................................................................. 40 7 PLASTICIDADE NEURAL: AS BASES NEUROBIOLÓGICAS DO .................. 41 APRENDIZADO ........................................................................................................ 41 8 A TEORIA VYGOTSKIANA E A NEUROCIÊNCIA COMO FERRAMENTA DA .... 53 APRENDIZAGEM ..................................................................................................... 53 8.1 O Conhecimento Da Neuropsicologia Para Formação Dos Educadores ........ 56 8.2 A Contribuição Da Neurociência No Processo De Ensino E Aprendizagem ... 59 9 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ........................................................................................ 63 NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 3 1 AS ORIGENS DAS NEUROCIÊNCIAS Você provavelmente já sabe que o sistema nervoso – o encéfalo, a medula espinhal e os nervos do corpo – é crucial para a vida e permite que você sinta, se mova e pense. Como surgiu essa concepção? Há evidências que sugerem que até mesmo nossos ancestrais pré-históricos compreendiam que o encéfalo era vital para a vida. Registros arqueológicos incluem muitos crânios de hominídeos, datando de um milhão de anos atrás, ou mais, e que apresentam sinais de traumatismo craniano fatal, provavelmente causado por outros hominídeos. Há cerca de 7 mil anos, as pessoas já perfuravam os crânios uns dos outros (um processo denominado trepanação), evidentemente não com o objetivo de matar, mas de curar (Figura 1.1) Esses crânios mostram sinais de cicatrização pós-operatória, indicando que esse procedimento teria sido executado em indivíduos vivos e não em um ritual ocorrido pós-morte. Alguns indivíduos aparentemente sobreviveram a múltiplas cirurgias cranianas. Não está claro o que os cirurgiões dessas épocas esperavam conseguir, embora se tenha especulado que esse procedimento poderia ser utilizado para tratar cefaleias ou transtornos mentais, talvez oferecendo aos maus espíritos uma rota de escape. Escritos recuperados de médicos do Egito antigo, datando de quase 5 mil anos atrás, indicam que eles já estavam bastante cientes de muitos dos sintomas NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 4 de lesões encefálicas. No entanto, também está claro que, para eles, o coração, e não o encéfalo, era a sede do espírito e o repositório de memórias. De fato, enquanto o resto do corpo era cuidadosamente preservado para a vida após a morte, o encéfalo do morto era removido pelas narinas e jogado fora. O ponto de vista que sugeria ser o coração a sede da consciência e do pensamento permaneceu até a época de Hipócrates 1.1 A Visão do Encéfalo na Grécia Antiga Considere a noção de que as diferentes partes de seu corpo são diferentes porque servem a diferentes propósitos. As estruturas dos pés e das mãos, por exemplo, são muito diferentes, pois realizam funções distintas: podemos andar sobre nossos pés e manipulamos objetos com nossas mãos. Assim, parece haver uma clara correlação entre estrutura e função. Diferenças na aparência predizem diferenças na função O que podemos prever sobre a função da cabeça observando sua estrutura? Uma inspeção rápida e poucos experimentos (p. ex., fechar os olhos) revelam que a cabeça é especializada para perceber o ambiente com os olhos e ouvidos, o nariz e a língua. Mesmo uma dissecção grosseira pode traçar os nervos a partir desses órgãos através do crânio, até entrarem no encéfalo. O que você pode concluir do encéfalo a partir dessas observações? Se sua resposta é que o encéfalo é o órgão das sensações, então você chegou à mesma conclusão de muitos eruditos gregos do século IV a.C. O mais influente deles foi Hipócrates (460-379 a.C.), o pai da medicina ocidental, que acreditava que o encéfalo não apenas estava envolvidonas sensações, mas que seria a sede da inteligência. Entretanto, essa visão não era universalmente aceita. O famoso filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) ateve-se firmemente à crença de que o coração era o centro do intelecto. Qual função Aristóteles reservava para o encéfalo? Ele acreditava que o encéfalo era um radiador, cuja finalidade seria resfriar o sangue que se superaquecia com o coração que fervilhava. O temperamento racional dos seres humanos era então explicado pela grande capacidade de resfriamento do encéfalo. NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 5 1.2 A Visão do Encéfalo durante o Império Romano A figura mais importante na medicina romana foi o escritor e médico grego Galeno (130-200 d.C.), que concordava com a ideia de Hipócrates sobre o encéfalo. Como médico dos gladiadores, ele provavelmente testemunhou as infelizes consequências de lesões cerebrais e da medula espinhal. Contudo, as opiniões de Galeno acerca do encéfalo foram certamente mais influenciadas por suas muitas e cuidadosas dissecções de animais. A Figura 1.2 ilustra o encéfalo de uma ovelha, um dos objetos de estudo preferidos de Galeno. Duas partes principais são evidenciadas: o cérebro, na parte anterior, e o cerebelo, na parte posterior. Do mesmo modo pelo qual podemos deduzir a função a partir da estrutura das mãos e dos pés, Galeno tentou deduzir a função a partir da estrutura do cérebro e do cerebelo. Tocando o encéfalo recém-dissecado com o dedo, observa-se que o cerebelo é bastante duro, ao passo que o cérebro é bastante suave. A partir dessa observação, Galeno sugeriu que o cérebro deve receber sensações, enquanto o cerebelo deve comandar os músculos. Por que ele propôs essa distinção? Ele entendia que, para memórias serem formadas, as sensações deveriam ser impressas no encéfalo. Naturalmente, isso deveria ocorrer no cérebro, por ser mais macio NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 6 Independentemente de quão improvável esse raciocínio possa ser, as deduções de Galeno não estavam tão longe da verdade. O cérebro está, de fato, bastante comprometido com as sensações e percepções, e o cerebelo é primariamente um centro de controle motor. Além do mais, o cérebro é um repositório da memória. Veremos que esse não é o único exemplo na história das neurociências em que a conclusão geral está correta, mas parte de um raciocínio errôneo. Como o encéfalo recebe as sensações e movimenta os membros? Galeno abriu um encéfalo e observou que o seu interior era oco (Figura 1.3). Nesses espaços vazios, chamados de ventrículos (de modo similar às câmaras do coração), existia um fluido. Para Galeno, essa descoberta ajustava-se perfeitamente à teoria de que o corpo funcionava de acordo com o equilíbrio entre quatro fluidos vitais, ou humores. As sensações eram registradas e os movimentos iniciados pelo movimento dos humores a partir dos – ou para os – ventrículos encefálicos, através dos nervos, o que se acreditava serem tubulações ocas, como os vasos sanguíneos. 1.3 A Visão do Encéfalo da Renascença ao Século XIX A visão de Galeno a respeito do encéfalo prevaleceu por quase 1.500 anos. NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 7 Durante a Renascença, o grande anatomista Andreas Vesalius (1514-1564) adicionou mais detalhes à estrutura do encéfalo (Figura 1.4). Contudo, a teoria ventricular da função encefálica permaneceu essencialmente sem questionamentos. De fato, esse conceito foi reforçado no início do século XVII, quando inventores franceses construíram aparelhos mecânicos controlados hidraulicamente. Esses aparelhos apoiavam a noção de que o encéfalo poderia ser semelhante a uma máquina em sua função: o fluido bombeado para fora dos ventrículos através dos nervos poderia literalmente “bombear” e causar o movimento dos membros. Afinal de contas, os músculos não “incham” quando se contraem? Um grande defensor dessa “teoria da mecânica de fluidos” para o funcionamento encefálico foi o matemático e filósofo francês René Descartes (1596- 1650). Embora ele acreditasse que essa teoria poderia explicar o encéfalo e o comportamento de outros animais, Descartes também pensava que ela não poderia explicar todo o espectro do comportamento humano. Ele considerava que, diferente de outros animais, as pessoas possuíam intelecto e uma alma dada por Deus. Assim, Descartes propôs que os mecanismos encefálicos controlariam apenas a parte do comportamento humano que é semelhante ao de outros animais. Capacidades mentais exclusivamente humanas existiriam fora do encéfalo, na “mente”*. Descartes acreditava que a mente era uma entidade espiritual que recebia sensações e comandava os movimentos, comunicando-se com a maquinaria do encéfalo por meio da glândula pineal (Figura 1.5). NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 8 Hoje, algumas pessoas ainda acreditam que existe um “problema mentecérebro”, e que de alguma maneira a mente humana é distinta do cérebro**. Contudo, como veremos na Parte III, as modernas pesquisas em neurociências apoiam uma conclusão diferente: a mente tem uma base física, que é o encéfalo. Felizmente, durante os séculos XVII e XVIII, outros cientistas romperam com o foco tradicional dos ventrículos e começaram a examinar a substância encefálica mais cuidadosamente. Eles observaram, por exemplo, dois tipos de tecido encefálico: a substância cinzenta e a substância branca (Figura 1.6). Qual relação estrutura-função foi, então, proposta? A substância branca, que tinha continuidade com os nervos do corpo, foi corretamente indicada como contendo as fibras que levam e trazem a informação para a substância cinzenta. No final do século XVIII, o sistema nervoso havia sido completamente dissecado e sua anatomia NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 9 geral descrita em detalhes. Reconheceu-se que o sistema nervoso tinha uma divisão central, consistindo no encéfalo e na medula espinhal, e uma divisão periférica, que consistia na rede de nervos que percorrem o corpo (Figura 1.7) NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 10 Um importante avanço na neuroanatomia veio com a observação de que o mesmo padrão geral de elevações (chamadas de giros) e depressões (chamadas de sulcos e fissuras) pode ser identificado na superfície do encéfalo de todos os indivíduos (Figura 1.8). Esse padrão, que permite a divisão do cérebro em lobos, conduziu à especulação de que diferentes funções poderiam estar localizadas nos diferentes giros do encéfalo. O cenário estava armado para a era da localização cerebral. 1.4 A Visão do Sistema Nervoso no Século XIX Revisaremos como o sistema nervoso era compreendido no final do século XVIII: • Lesão no encéfalo pode causar desorganização das sensações, dos movimentos e dos pensamentos, podendo levar à morte. • O encéfalo se comunica com o corpo através dos nervos. • O encéfalo apresenta diferentes partes identificáveis e que provavelmente executam diferentes funções. • O encéfalo opera como uma máquina e segue as leis da natureza. Durante os cem anos que se seguiram, aprendemos mais sobre as funções do encéfalo do que foi aprendido em todos os períodos anteriores da história. Esse NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 11 trabalho propiciou a sólida fundamentação sobre a qual se baseiam as neurociências atuais. Agora, veremos quatro ideias-chave que surgiram durante o século XIX. 1.5 Nervos como Fios Em 1751, Benjamin Franklin publicou um panfleto intitulado Experimentos e Observações em Eletricidade, que levou a uma nova compreensão dos fenômenos elétricos. Na virada do século, o cientista italiano Luigi Galvani e o biólogo alemão Emil du Bois-Reymond haviam mostrado que os músculos podiam ser movimentados quandoos nervos eram estimulados eletricamente, e que o próprio encéfalo podia gerar eletricidade. Essas descobertas finalmente derrubaram a noção de que os nervos se comunicam com o encéfalo pelo movimento de fluidos. O novo conceito era de que os nervos eram como “fios” que conduzem sinais elétricos do e para o encéfalo. O problema não resolvido era se os sinais responsáveis pelo movimento nos músculos utilizavam os mesmos “fios” que registravam a sensação na pele. Uma comunicação bidirecional por meio dos fios era sugerida pela observação de que, quando um nervo do corpo é cortado, geralmente existe a perda simultânea da sensibilidade e do movimento na região afetada. Entretanto, também se sabia que em cada nervo do corpo há muitos filamentos finos, ou fibras nervosas, cada um deles podendo servir como um “fio” individual, carregando informação em diferentes sentidos. Essa questão foi respondida por volta de 1810, por um médico escocês, Charles Bell, e um fisiologista francês, François Magendie. Um fato anatômico curioso é que, logo antes de se ligarem à medula espinhal, as fibras dividem-se em duas ramificações, ou raízes. A raiz dorsal entra na porção posterior da medula espinhal e a raiz ventral entra na medula mais anteriormente (Figura 1.9). NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 12 Bell testou a possibilidade de que essas duas raízes espinhais carregassem informações em diferentes sentidos, cortando cada raiz separadamente e observando as consequências em animais experimentais. Ele observou que, cortando somente as raízes ventrais, havia paralisia muscular. Posteriormente, Magendie demonstrou que as raízes dorsais levavam informações sensoriais para a medula espinhal. Bell e Magendie concluíram que, em cada nervo, existia uma mistura de muitos “fios”, alguns deles carregando informação para o encéfalo e para a medula espinhal, e outros levando informação para os músculos. Em cada fibra motora ou sensorial, a transmissão se dava exclusivamente em um único sentido. Os dois tipos de fibras aparecem unidos na maior parte da extensão do feixe, mas estão anatomicamente segregados quando entram ou saem da medula espinhal. 1.6 Localização de Funções Específicas em Diferentes Partes do Encéfalo Se diferentes funções estão localizadas em diferentes raízes espinhais, então diferentes funções também poderiam estar localizadas em diferentes regiões do encéfalo. Em 1811, Bell propôs que a origem das fibras motoras era o cerebelo, e o destino das fibras sensoriais era o cérebro. Como se poderia testar essa proposta? Uma maneira seria usar a mesma estratégia que Bell e Magendie utilizaram para identificar as funções das raízes espinhais: destruir essas partes do encéfalo e testar a ocorrência de déficits motores e sensoriais. Essa abordagem, na qual partes do , NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 13 determinado partes do sistema nervoso são sistematicamente destruída para averiguar sua função, é encéfalo são sistematicamente destruídas para determinar sua função, é denominada método de ablação experimental. Em 1823, o estimado fisiologista francês Marie-Jean-Pierre Flourens utilizou esse método em diferentes animais (sobretudo em pássaros) para mostrar que o cerebelo realmente tem um papel na coordenação dos movimentos. Ele também concluiu que o cérebro estava envolvido na percepção sensorial, como Bell e Galeno já haviam sugerido. Diferentemente de seus antecessores, porém, Flourens apoiou suas conclusões em um sólido embasamento experimental. E o que dizer a respeito das circunvoluções na superfície do encéfalo? Teriam elas também diferentes funções? Essa ideia era irresistível para um jovem estudante de medicina austríaco, chamado Franz Joseph Gall. Acreditando que as saliências na superfície do crânio refletiam circunvoluções na superfície do encéfalo, Gall propôs, em 1809, que a propensão a certos traços de personalidade, como a generosidade, a discrição ou a destrutividade, podia estar relacionada com as dimensões da cabeça (Figura 1.10). Para sustentar sua alegação, Gall e seus seguidores coletaram e mediram cuidadosamente o crânio de centenas de pessoas, representando uma grande variedade de tipos de personalidades, desde os muito talentosos até criminosos psicopatas. Essa nova “ciência”, que relacionava a estrutura da cabeça com traços de personalidade, foi chamada de frenologia. Embora as alegações dos frenologistas NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 14 nunca tenham sido levadas a sério pela comunidade científica, eles realmente tomaram a imaginação popular da época. De fato, um livro- -texto de frenologia, publicado em 1827, vendeu mais de 100 mil cópias. Um dos críticos mais acirrados da frenologia foi Flourens, o mesmo homem que havia demonstrado experimentalmente que o cerebelo e o cérebro realizavam diferentes funções. Suas críticas eram bem fundamentadas. Para começar, o formato do crânio não se correlaciona com o formato do encéfalo. Além disso, Flourens realizou ablações experimentais, mostrando que determinados traços não estão isolados em porções do cérebro especificadas pela frenologia. Flourens também defendia, contudo, que todas as regiões do cérebro participam igualmente de todas as funções cerebrais, uma conclusão que posteriormente se mostrou errônea.A pessoa a quem é geralmente atribuído o mérito de influenciar a opinião da comunidade científica em relação ao estabelecimento da localização das funções cerebrais foi o neurologista francês Paul Broca (Figura 1.11). Broca foi apresentado a um paciente que compreendia a linguagem, mas era incapaz de falar. Após a morte do paciente, em 1861, Broca examinou cuidadosamente o encéfalo deste e encontrou uma lesão no lobo frontal esquerdo (Figura 1.12). Com base nesse caso e em muitos outros casos semelhantes, Broca concluiu que essa região do cérebro humano era especificamente responsável pela produção da fala. Experimentos consistentes realizados a seguir ofereceram suporte à ideia da localização das funções cerebrais em animais. Os fisiologistas alemães Gustav Fritsch NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 15 e Eduard Hitzig mostraram, em 1870, que a aplicação de uma pequena corrente elétrica em uma região circunscrita da superfície cerebral exposta de um cão podia promover movimentos específicos. O neurologista escocês David Ferrier repetiu esse experimento com macacos. Em 1881, ele mostrou que a remoção dessa mesma região do cérebro causava paralisia muscular. Da mesma forma, o fisiologista alemão Hermann Munk, utilizando o método da ablação experimental, apresentou evidências de que o lobo occipital do cérebro estava envolvido especificamente na visão. Como veremos na Parte II deste livro, hoje sabemos que existe uma clara divisão de trabalho no cérebro, com diferentes partes realizando funções bem distintas. O mapa atual da divisão de funções cerebrais rivaliza mesmo com o mais elaborado dos mapas produzidos pelos frenologistas. A grande diferença é que, ao contrário dos frenologistas, os cientistas de hoje exigem evidências experimentais sólidas antes de atribuir uma função a uma porção do encéfalo. Ainda assim, Gall parece ter tido, em parte, uma ideia geral correta. É natural nos questionarmos por que Flourens, o pioneiro da localização das funções cerebrais, foi levado a crer que o cérebro agia como um todo e não podia ser subdividido. Esse talentoso experimentalista pode ter perdido a ocasião de observar a localização cerebral por muitas diferentes razões, mas parece claro que uma das razões era seu desdenho visceral por Gall e pela frenologia. Ele não podia concordar nem remotamente com Gall, a quem considerava um lunático. Isso nos recorda que a ciência, para o melhor ou para o pior, era e ainda é um tema sujeito tanto aos dons quanto às fraquezasda natureza humana. NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 16 1.7 A Evolução do Sistema Nervoso Em 1859, o biólogo inglês Charles Darwin (Figura 1.13) publicou A Origem das Espécies. Esse trabalho seminal articula uma teoria da evolução: cada espécie de organismo evoluiu de um ancestral comum. De acordo com essa teoria, as diferenças entre espécies surgem por um processo que Darwin denominou seleção natural. Como resultado do mecanismo de reprodução, os traços físicos dos filhos algumas vezes são diferentes dos traços de seus pais. Se esses traços assegurarem uma vantagem para a sobrevivência, a própria prole apresentará maior probabilidade de sobreviver e reproduzir, assim aumentando as chances de que os traços vantajosos sejam passados para as próximas gerações. Ao longo de várias gerações, esse processo levou ao desenvolvimento de traços que distinguem as espécies hoje: nadadeiras nas focas, patas nos cães, mãos nos guaxinins, e assim por diante. Essa simples compreensão revolucionou a biologia. Hoje, evidências científicas em muitos campos, da antropologia à genética molecular, apoiam de forma esmagadora a teoria da evolução pela seleção natural. NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 17 Darwin incluiu o comportamento entre os traços herdados que poderiam evoluir. Por exemplo, ele observou que muitas espécies de mamíferos apresentam as mesmas reações quando amedrontadas: aumento das pupilas dos olhos, aumento dos batimentos cardíacos, piloereção. Isso é verdadeiro para o ser humano assim como para o cão. Para Darwin, as similaridades nesse padrão de resposta indicavam que essas diferentes espécies evoluíram de um ancestral comum, que possuía o mesmo traço de comportamento, o qual era vantajoso, presumivelmente porque facilitava a fuga de predadores. Como o comportamento reflete a atividade do sistema nervoso, podemos inferir que os mecanismos encefálicos que formam a base dessa reação de medo devem ser similares, se não idênticos, entre as espécies. A ideia de que o sistema nervoso de diferentes espécies evoluiu de ancestrais comuns e que, portanto, pode apresentar mecanismos comuns é o racional para relacionar os resultados em experimentos em animais com os realizados em seres humanos. Por exemplo, muitos dos detalhes da condução do impulso elétrico ao longo de fibras nervosas foram descobertos primeiro na lula, mas hoje se sabe que se aplicam igualmente para seres humanos. Grande parte dos neurocientistas atuais usa modelos animais para examinar processos que eles querem compreender em seres humanos. Por exemplo, os ratos mostram claros sinais de dependência química se lhes for dada a chance de autoadministrarem cocaína repetidamente. Como consequência, ratos são excelentes modelos para estudos que visam compreender como as drogas psicoativas exercem seus efeitos sobre o sistema nervoso. Em contrapartida, muitos traços comportamentais são altamente especializados para o ambiente (ou nicho) que uma espécie ocupa. Por exemplo, macacos que saltam de galho em galho têm um sentido de visão muito apurado, ao passo que ratos andando furtivamente em túneis subterrâneos têm uma visão fraca, mas um tato altamente desenvolvido por meio de suas vibrissas. Essas adaptações se refletem na estrutura e nas funções do encéfalo de cada espécie. Comparando as especializações dos encéfalos de diferentes espécies, os neurocientistas foram capazes de identificar quais partes do encéfalo eram responsáveis pelas diferentes funções comportamentais. Exemplos em macacos e ratos são mostrados na Figura 1.14. NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 18 1.8 O Neurônio: A Unidade Funcional Básica do Encéfalo O refinamento do microscópio no início do século XIX proporcionou aos cientistas sua primeira oportunidade de examinar tecidos animais em magnificações maiores. Em 1839, o zoólogo alemão Theodor Schwann propôs aquilo que viria a ser conhecido como teoria celular: todos os tecidos são compostos por unidades microscópicas, denominadas células. Embora as células no encéfalo tenham sido identificadas e descritas, na época ainda havia controvérsia e era discutido se a “célula nervosa” individual era de fato a unidade básica para a função encefálica. As células nervosas comumente têm um determinado número de projeções ou processos finos, que se estendem a partir de um corpo celular central (Figura 1.15). Inicialmente, os cientistas não eram capazes de decidir se os processos de células diferentes se fundiam, como fazem os vasos sanguíneos no sistema circulatório. Se eles se NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 19 fundissem, o termo “rede nervosa” de células neurais conectadas poderia representar a unidade elementar da função encefálica 2 AS NEUROCIÊNCIAS HOJE A história moderna das neurociências ainda está sendo escrita, e suas descobertas, até aqui, formam a base deste livro. Serão discutidas as descobertas mais recentes nos próximos capítulos. Antes, porém, veremos como a pesquisa em neurociências é conduzida atualmente e a razão pela qual ela é tão importante para a sociedade. 2.1 Níveis de Análise A história demonstrou claramente que compreender como o encéfalo funciona é um grande desafio. Para reduzir a complexidade do problema, os neurocientistas o fragmentaram em pedaços menores para uma análise sistemática experimental. Isso é denominado abordagem reducionista. O tamanho da unidade de estudo define aquilo NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 20 que é frequentemente denominado nível de análise. Em ordem ascendente de complexidade, esses níveis são: molecular, celular, de sistemas, comportamental e cognitivo. 2.2 Neurociências Moleculares O encéfalo tem sido considerado a mais complexa porção de matéria no universo. A matéria encefálica consiste em uma fantástica variedade de moléculas, muitas das quais são exclusivas do sistema nervoso. Essas diferentes moléculas têm diferentes papéis, os quais são cruciais para a função do encéfalo: mensageiros que permitem aos neurônios comunicarem-se uns com os outros, sentinelas que controlam quais materiais podem entrar ou sair dos neurônios, guias que direcionam o crescimento neuronal, arquivistas de experiências passadas. O estudo do encéfalo nesse nível mais elementar é realizado pelas neurociências moleculares. 2.3 Neurociências Celulares O próximo nível de análise é constituído pelas neurociências celulares, que abordam o estudo de como todas essas moléculas trabalham em conjunto para conferir aos neurônios* suas propriedades especiais. Entre as perguntas formuladas nesse nível temos: quantos diferentes tipos de neurônios existem e como eles diferem em suas funções? Como os neurônios influenciam outros neurônios? Como os neurônios se interconectam durante o desenvolvimento fetal? Como os neurônios realizam as suas computações? 2.4 Neurociências de Sistemas Constelações de neurônios formam circuitos complexos que realizam uma função em comum, como a visão ou o movimento voluntário. Assim, podemos falar no “sistema visual” e no “sistema motor”, cada um possuindo seus próprios circuitos dentro do encéfalo. Nesse nível de análise, chamado de neurociências de sistemas, os neurocientistas estudam como diferentes circuitos neurais analisam a informação sensorial, formam percepções do mundo externo, tomam decisões e executam movimentos. NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 21 2.5 Neurociências Comportamentais. Como os sistemas neurais trabalham juntos para produzir comportamentos integrados? Por exemplo, existem diferentes sistemas para executar diferentes formas de memória? Onde, no encéfalo, agem as drogas que alteram a mente e qual é a contribuição normal desses sistemas para a regulação do humor e do comportamento? Quais sistemasneurais são responsáveis pelos comportamentos específicos de cada gênero? Onde são criados os sonhos e o que eles revelam? Essas são questões estudadas pelas neurociências comportamentais 2.6 Neurociências Cognitivas Talvez o maior desafio das neurociências seja a compreensão dos mecanismos neurais responsáveis pelos níveis mais elevados de atividade mental humana, como a consciência, a imaginação e a linguagem. Pesquisas nesse nível, chamadas de neurociências cognitivas, estudam como a atividade do encéfalo cria a mente. 3 OS NEUROCIENTISTAS “Neurocientista” é uma designação que soa tão impressionante quanto “cientista espacial”. No entanto, todos nós, como você, já fomos estudantes um dia. Por algum motivo – talvez porque quiséssemos saber a razão pela qual nossa visão era fraca, ou porque algum familiar tenha perdido a fala após um acidente vascular encefálico (AVE) –, começamos a compartilhar de um desejo de saber como funciona o encéfalo. Talvez você também venha a compartilhar conosco esse desejo. Ser um neurocientista é muito gratificante, mas não é algo fácil de alcançar; são necessários muitos anos de treinamento. Pode-se começar ajudando a realizar pesquisas em um laboratório de pesquisa durante ou após a faculdade e, então, seguir para a pósgraduação e obter um título de mestre ou doutor (ou ambos). Em geral, isso é seguido por anos de pós-doutorado, nos quais se aprendem novas técnicas ou maneiras de pensar, sob a supervisão de um neurocientista estabelecido. Por fim, o “jovem” neurocientista está pronto para iniciar seu trabalho em uma universidade, instituto ou hospital. De maneira geral, a pesquisa em neurociências NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 22 (assim como os neurocientistas) pode ser dividida em três tipos: clínica, experimental* e teórica. A pesquisa clínica é principalmente conduzida por médicos. As principais especialidades médicas dedicadas ao sistema nervoso humano são: a neurologia, a psiquiatria, a neurocirurgia e a neuropatologia (Tabela 1.1). Muitos dos que conduzem as pesquisas clínicas continuam a tradição de Broca, tentando deduzir as funções das várias regiões do encéfalo a partir dos efeitos comportamentais de lesões. Outros conduzem estudos para verificar os riscos e os benefícios de novos tipos de tratamento. Apesar do óbvio valor da pesquisa clínica, os fundamentos de todos os tratamentos médicos do sistema nervoso foram, e continuam sendo, baseados nas neurociências experimentais (ou básicas), as quais podem ser realizadas por médicos ou doutores em ciências, não necessariamente formados em medicina. As abordagens experimentais utilizadas para se estudar o encéfalo são tão amplas que incluem quase qualquer metodologia concebível. As neurociências são altamente interdisciplinares; expertise em uma determinada metodologia, contudo, pode diferenciar um neurocientista de outro. Desse modo, há neuroanatomistas, que usam microscópios sofisticados para traçar conexões no encéfalo; neurofisiologistas, que utilizam eletrodos para avaliar a atividade elétrica no encéfalo; neurofarmacologistas, que utilizam fármacos para estudar a química da função encefálica; neurobiólogos moleculares, que sondam o material genético dos neurônios, buscando informações acerca da estrutura das moléculas no encéfalo; e assim por diante. A Tabela 1.2 lista alguns dos tipos de neurocientistas experimentais. A neurociência teórica é uma disciplina relativamente jovem, na qual os pesquisadores utilizam ferramentas matemáticas e computacionais para compreender o encéfalo em todos os níveis de análise. Na tradição da física, os neurocientistas teóricos tentam extrair um sentido das vastas quantidades de dados gerados pelos cientistas experimentalistas, com o objetivo de ajudar a focar os experimentos em questões de maior relevância e estabelecer os princípios matemáticos da organização do sistema nervoso. NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 23 4 O PROCESSO CIENTÍFICO Neurocientistas de todas as disciplinas se esforçam para estabelecer fatos a respeito do sistema nervoso. Independentemente do nível de análise que escolham, eles trabalham de acordo com o método científico, que consiste em quatro etapas essenciais: observação, replicação, interpretação e verificação 4.1 Observação As observações são geralmente realizadas durante experimentos desenhados para testar determinada hipótese. Bell, por exemplo, hipotetizou que as raízes ventrais continham as fibras nervosas que controlavam os músculos. Para testar essa ideia, ele realizou o experimento no qual seccionou essas fibras e observou se resultava alguma paralisia muscular ou não. Outros tipos de observação derivam de um atento olhar ao mundo a nosso redor, ou da introspecção, ou de casos clínicos de seres humanos. Por NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 24 exemplo, as observações cuidadosas de Broca o levaram a correlacionar uma lesão no lobo frontal esquerdo com a perda da capacidade de falar 4.2 Replicação Qualquer observação, seja experimental ou clínica, deve ser replicada. Replicação simplesmente quer dizer repetir o experimento em diferentes indivíduos ou fazer observação similar em diferentes pacientes, tantas vezes quantas forem necessárias para se descartar a possibilidade de que o fato observado tenha ocorrido apenas por acaso. 4.3 Interpretação Uma vez que o cientista acredite que a observação é correta, ele a interpreta. A interpretação depende do estado de conhecimento (ou ignorância) naquele momento histórico e das noções pré-concebidas que o cientista tenha. As interpretações, portanto, nem sempre resistem ao teste do tempo. Por exemplo, no momento em que fez sua observação, Flourens não sabia que o cérebro de um pássaro era fundamentalmente diferente do de um mamífero. Assim, ele concluiu erroneamente, a partir de ablações experimentais em pássaros, que não existia a localização de certas funções no cérebro de mamíferos. Além disso, como dissemos antes, seu profundo desprezo por Gall certamente influenciou essa interpretação. A questão é que a interpretação correta frequentemente não é feita até muito tempo depois das observações originais. De fato, grandes avanços às vezes ocorrem quando antigas observações são reinterpretadas sob uma nova luz. 4.4 Verificação A última etapa do processo científico é a verificação. Essa etapa é distinta da replicação que o pesquisador original realizou. A verificação significa que a observação é suficientemente robusta para que qualquer cientista competente, ao seguir precisamente os protocolos do observador original, poderá reproduzi-la. Em geral, uma verificação bem-sucedida significa que a observação é aceita como fato. Entretanto, nem todas as observações podem ser verificadas, algumas vezes, devido a NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 25 imprecisões no artigo original ou a uma replicação insuficiente. Contudo, geralmente insucessos na verificação se devem ao fato de que inúmeras variáveis adicionais, como a temperatura ou a hora do dia, contribuíram para o resultado original. Assim, o processo de verificação, se afirmativo, estabelece novos fatos científicos e, se negativo, sugere novas interpretações para a observação original. Ocasionalmente, lemos na imprensa leiga o relato de algum caso de “fraude científica”. Os pesquisadores precisam competir duramente por fundos de pesquisa limitados e sofrem considerável pressão para “publicar ou morrer”. Por conveniência, uns poucos pesquisadores publicaram “observações” que, de fato, nunca foram feitas. Esses casos de fraude, porém, são raros, graças à própria natureza do método científico. Em pouco tempo, outros cientistas percebem que são incapazes de verificar a observação fraudulenta e questionam como ela pode ter sido feita. O fatode este livro ter sido preenchido com tanto conhecimento acerca do sistema nervoso testemunha o valor do processo científico. 5 O USO DE ANIMAIS NA PESQUISA EM NEUROCIÊNCIAS A maior parte do que sabemos sobre o sistema nervoso vem de experimentos realizados com animais. Na maioria dos casos, os animais são mortos para que o encéfalo possa ser examinado pela neuroanatomia, neurofisiologia e/ou neuroquímica. O fato de que os animais são sacrificados para o conhecimento humano levanta questões a respeito da ética da pesquisa com animais. 5.1 Os Animais Inicialmente, coloquemos o assunto em perspectiva histórica. Ao longo da história, os seres humanos consideraram os animais e os seus produtos como fontes renováveis de recursos que podem ser utilizados para alimento, vestimenta, transporte, recreação, esporte e companhia. Os animais utilizados para pesquisa, educação e testes foram sempre uma pequena fração daqueles utilizados para outros propósitos. Nos Estados Unidos, por exemplo, o número de animais utilizados em todos os tipos de pesquisa biomédica é muito pequeno, se comparado ao número de animais mortos para servirem de alimento. O número usado especificamente para a pesquisa em NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 26 neurociências, por sua vez, é muito menor. Experimentos em neurociências são conduzidos utilizando várias espécies diferentes, desde caramujos até macacos. Em geral, a escolha da espécie é ditada pela questão sob investigação, o nível de análise e o grau em que o conhecimento a ser gerado pode ser relacionado com seres humanos. Via de regra, quanto mais básico for o processo sob investigação, mais distante poderá ser o animal escolhido em sua relação evolutiva com seres humanos. Assim, experimentos que buscam compreender a base molecular da condução do impulso nervoso podem ser realizados em uma espécie tão distinta de nós quanto a lula. Por outro lado, compreender as bases neurais do movimento e dos distúrbios de percepção em seres humanos requer experimentos em espécies mais próximas de nós, como o macaco. Hoje, mais da metade dos animais utilizados para pesquisa nas neurociências são roedores – ratos ou camundongos –, criados especificamente para esse propósito. 5.2 Bem-estar dos Animais No mundo desenvolvido, a maioria dos adultos instruídos se preocupa com o bem-estar dos animais. Os neurocientistas compartilham dessa preocupação e trabalham para garantir que os animais sejam bem tratados. A sociedade, contudo, nem sempre valorizou o bem-estar dos animais, como se reflete em algumas das práticas científicas do passado. Por exemplo, nos seus experimentos do início do século XIX, Magendie utilizou filhotes de cachorro sem anestesia (tendo sido posteriormente criticado por essa prática pelo seu rival científico, Bell). Felizmente, uma maior consciência da importância do bem-estar dos animais levou a melhorias significativas na maneira como são tratados os animais na pesquisa biomédica. Hoje, os neurocientistas aceitam certas responsabilidades morais pelos animais experimentais: 1. Animais são utilizados somente para experimentos necessários, que possibilitem avanços no conhecimento do sistema nervoso. 2. Todos os procedimentos necessários para minimizar a dor e o estresse experimentados pelo animal (uso de anestésicos, analgésicos, etc.) são realizados. 3. Todas as possíveis alternativas ao uso de animais são consideradas. NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 27 O cumprimento desse código de ética é monitorado de diferentes maneiras. Primeiro, as propostas de pesquisa devem passar previamente por um crivo realizado pelo Institutional Animal Care and Use Comitee (IACUC) *, o que é obrigatório por lei federal nos Estados Unidos**. Os membros dessa comissão incluem um veterinário, cientistas de outras disciplinas e representantes leigos da comunidade. Após passar pela revisão do IACUC, as propostas são avaliadas quanto ao mérito científico por um grupo de neurocientistas reconhecidos. Esse passo garante que somente aqueles projetos que valham a pena sejam realizados. Então, quando os neurocientistas submetem suas observações para publicação em periódicos especializados, os artigos são cuidadosamente revisados por outros neurocientistas para avaliação tanto do mérito científico quanto dos cuidados para com o bem-estar animal. Problemas com qualquer um desses itens podem levar à rejeição do trabalho, o que, por sua vez, pode acarretar a perda do financiamento para aquele projeto de pesquisa. Além desses procedimentos de monitoramento, leis federais estabelecem normas estritas para os cuidados e o acondicionamento de animais de laboratório. 5.3 Direitos dos Animais A maioria das pessoas aceita a necessidade da experimentação em animais para o avanço do conhecimento, desde que seja realizada de maneira cuidadosa e com o devido respeito ao bem-estar animal. Entretanto, uma minoria ruidosa e bastante violenta quer a abolição total do uso de animais para propósitos humanos, incluindo a experimentação. Essas pessoas apoiam uma posição filosófica, frequentemente denominada direitos animais. De acordo com esse modo de pensar, os animais têm os mesmos direitos legais e morais que os seres humanos. Se você ama os animais, é possível que simpatize com esse ponto de vista. Considere, porém, as seguintes questões: você seria capaz de privar-se e à sua família de procedimentos médicos que foram desenvolvidos usando animais? A morte de um camundongo é equivalente à morte de um ser humano? Ter um animal de estimação seria a mesma coisa que a escravidão? Comer carne seria o equivalente moral do assassinato? Você acha que é eticamente incorreto matar um porco para salvar uma criança? Controlar a população de roedores nos esgotos ou de baratas em sua casa equivale moralmente ao Holocausto? NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 28 Se a sua resposta é não para alguma destas questões, então você não se encaixa na filosofia dos direitos dos animais. Bem-estar animal – uma preocupação que todas as pessoas responsáveis compartilham – não deve ser confundido com “direitos dos animais”. Ativistas dos direitos dos animais têm combatido intensamente a pesquisa com animais, algumas vezes com sucesso alarmante. Eles têm manipulado a opinião pública com repetidas alegações de crueldade nos experimentos com animais, que são distorcidas de forma grosseira ou simplesmente falsa. Vandalismo tem sido praticado em laboratórios, destruindo anos de dados científicos obtidos com muito trabalho e centenas de milhares de dólares em equipamentos (pagos pelos contribuintes). Com ameaças de violência, eles têm levado muitos pesquisadores a abandonar a ciência. Felizmente, isso está mudando. Graças ao esforço de um razoável número de pessoas, cientistas e não cientistas, essas falsas alegações dos extremistas têm sido expostas, e os benefícios para a humanidade das pesquisas com animais têm sido mostrados (Figura 1.16). Considerando-se o elevado custo, em termos de sofrimento humano, resultante de distúrbios do sistema nervoso, os neurocientistas assumiram a posição de que é nossa responsabilidade usar, de maneira sábia, todos os recursos que a natureza proporciona, incluindo os animais, para obter o conhecimento de como o encéfalo funciona na saúde e na doença. 5.4 O Custo da Ignorância: Distúrbios do Sistema Nervoso A moderna pesquisa em neurociências é cara, mas o custo da ignorância acerca do funcionamento do encéfalo é muito maior. A Tabela 1.3 lista alguns dos distúrbios que afetam o sistema nervoso. É provável que sua família tenha sofrido o impacto de uma ou mais dessas doenças. Analisaremos algumas delas, a fim de verificar seus efeitos sobre a sociedade. A doença de Alzheimer e a doença de Parkinson são ambas caracterizadas por degeneraçãoprogressiva de determinados neurônios no encéfalo. A doença de Parkinson, que resulta em um prejuízo incapacitante do movimento voluntário, afeta atualmente mais de 500 mil norte-americanos*. A doença de Alzheimer leva à demência, um estado de confusão caracterizado pela perda da capacidade de aprender novas informações e de recordar conhecimentos previamente adquiridos. Estima-se que a demência afete 18% das pessoas acima de 85 anos**. O NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 29 número de norte-americanos com demência totaliza mais de 4 milhões. De fato, é reconhecido, hoje, que a demência não é um desfecho inevitável do envelhecimento, como se acreditava anteriormente, mas um sinal de uma doença encefálica. A doença de Alzheimer progride sem piedade, roubando de suas vítimas primeiro suas mentes, depois o controle sobre as funções básicas corporais e, por fim, suas vidas; a doença é sempre fatal. Nos Estados Unidos, o custo anual para os cuidados de pessoas com demência é maior que 100 bilhões de dólares, e continua crescendo a uma velocidade alarmante. A depressão e a esquizofrenia são transtornos do humor e do pensamento. A depressão é caracterizada por sentimentos esmagadores de derrota, baixa autoestima e culpa. Mais de 30 milhões de norte-americanos irão, em algum momento de suas vidas, experimentar um episódio de depressão maior. A depressão é a principal causa de suicídio, com mais de 30 mil mortes a cada ano nos Estados Unidos*. A esquizofrenia é um transtorno psicótico grave, caracterizado por delírios, alucinações NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 30 e comportamento anormal. Em geral, a doença inicia no começo da vida produtiva – adolescência e começo da vida adulta –, podendo persistir por toda a vida. Mais de 2 milhões de norte-americanos sofrem de esquizofrenia. O Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos (NIMH) estima que transtornos mentais, como a depressão e a esquizofrenia, custam aos Estados Unidos mais de 150 bilhões de dólares por ano. O acidente vascular encefálico (AVE) é a quarta causa de morte nos Estados Unidos. As vítimas de AVE que não vão ao óbito, mais de meio milhão de pessoas a cada ano, têm grande probabilidade de ficarem permanentemente incapacitadas. O custo anual do AVE nos Estados Unidos é de 54 bilhões de dólares**. A dependência de álcool ou de drogas afeta quase todas as famílias nos Estados Unidos. O custo, em termos de tratamento, perda de salários e outras consequências excedem os 600 bilhões de dólares por ano***. Esses poucos exemplos ilustram apenas a superfície do problema. Mais norte-americanos são hospitalizados com distúrbios neurológicos e transtornos mentais do que com qualquer outro grupo importante de doenças, incluindo doenças cardíacas e câncer. Os custos econômicos das disfunções encefálicas são enormes, mas perdem importância se comparados com o custo emocional que atinge as vítimas e suas famílias. A prevenção e o tratamento das doenças mentais requerem a compreensão da função normal do encéfalo, e esse conhecimento básico é o escopo das neurociências. A pesquisa em neurociências já contribuiu para o desenvolvimento de tratamentos efetivamente melhores para a doença de Parkinson, para a depressão e para a esquizofrenia. Novas estratégias estão sendo testadas para se recuperar neurônios que estão morrendo em pacientes com a doença de Alzheimer e naqueles que sofreram AVE. Grande progresso tem sido alcançado na compreensão de como as drogas e o álcool afetam o encéfalo e como levam à dependência. O material deste livro demonstra que se sabe muito sobre a função do encéfalo. No entanto, o que sabemos é insignificante se comparado àquilo que ainda temos de aprender.1 1 Texto extraído: Neurociências: Passado, Presente e Futuro. Disponível em: http://srvd.grupoa.com.br/uploads/imagensExtra/legado/B/BEAR_Mark_F/Neurociencias_4Ed/Lib/Am ostra.pdf. Acesso em: 06/08/2019 às 14:11h. http://srvd.grupoa.com.br/uploads/imagensExtra/legado/B/BEAR_Mark_F/Neurociencias_4Ed/Lib/Amostra.pdf http://srvd.grupoa.com.br/uploads/imagensExtra/legado/B/BEAR_Mark_F/Neurociencias_4Ed/Lib/Amostra.pdf http://srvd.grupoa.com.br/uploads/imagensExtra/legado/B/BEAR_Mark_F/Neurociencias_4Ed/Lib/Amostra.pdf http://srvd.grupoa.com.br/uploads/imagensExtra/legado/B/BEAR_Mark_F/Neurociencias_4Ed/Lib/Amostra.pdf NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 31 6 NEUROCIÊNCIA E A EDUCAÇÃO Os atuais avanços na área científica permitem que educadores e cientistas dialoguem acerca dos mecanismos de desenvolvimento do processo de aprendizagem do ser humano. Neste sentido, as pesquisas recentes na área da neurociência, possibilitam que educadores conheçam os mecanismos de desenvolvimento do órgão responsável pela aprendizagem, ou seja, o Sistema Nervoso. As neurociências são ciências naturais, que descobrem os princípios da estrutura e do funcionamento neurais, proporcionando compreensão dos fenômenos observados. A. Educação tem outra natureza e sua finalidade é criar condições (estratégias pedagógicas, ambiente favorável, infraestrutura material e recursos humanos) que atendam a um objetivo específico, por exemplo, o desenvolvimento de competências pelo aprendiz, num contexto particular. Segundo Alves R., a neurociência é um guia para a elaboração de estratégias de ensino para cientistas educacionais, portanto fornece um embasamento importante para a modelagem de novas práticas educacionais por profissionais da área pedagógica. 6.1 Processos de aprendizagem O cérebro aprende para bem-estar do ser humano e para garantir a sua sobrevivência nas mais variadas condições de vida. Comportamentos dependem de processos que ocorrem no cérebro. MORA (2004) define a aprendizagem como o processo em virtude do qual se associam coisas ou eventos no mundo, graças à qual adquirimos novos conhecimentos. O sistema nervoso se modifica durante toda a vida, no entanto dois momentos são fundamentais para o seu desenvolvimento: o nascimento e a fase da adolescência. Os cuidados na primeira infância e a interação do bebê com o meio em que vive são fundamentais para o intenso desenvolvimento do sistema nervoso. Nesta fase, as redes neurais são mais sensíveis às mudanças quando novos comportamentos são aprendidos progressivamente. Na fase de educação infantil, a exposição a estímulos emocionais, sensoriais, motores e sociais variados, contribuirá para a manutenção das sinapses já estabelecidas e para a formação de novas sinapses gerando novos comportamentos. NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 32 A falta de estímulo nos primeiros anos de vida pode levar a perda de sinapses e a futura dificuldade de aprendizagem, porque o cérebro delas ainda não teve a oportunidade de utilizar todo o potencial de reorganização de suas redes neurais. As modificações ocorridas na adolescência preparam o indivíduo para a fase adulta. Aprendizes são indivíduos em transformação. Seus cérebros, portanto, estão sempre em processo de gradual mudança. O cérebro do adolescente ainda está em desenvolvimento, principalmente na chamada área pré-frontal, parte mais anterior do lobo frontal, envolvida com as funções executivas, ou seja, com a elaboração das estratégias de comportamento para solução de problemas e auto-regulação do comportamento (Herculano-Houzel, 2005). Nesta fase da vida há uma diminuição da taxa de aprendizagem de novas informações, mas a capacidade de usar e elaborar o que já foi aprendido serão expandidas. 6.2 Plasticidade cerebral Em todas as fases da vida há possibilidades de aprendizagem e de aquisição de novos comportamentos. A plasticidade cerebral é a capacidade de fazer e desfazer ligações com os neurônios como consequência das interações constantes com o ambienteinterno e externo do corpo. Treino e a aprendizagem possibilitam a criação de novas sinapses durante toda a vida e a inatividade ou doenças podem ter feito inverso. A grande plasticidade entre o fazer e desfazer associações entre as células nervosas é a base da aprendizagem e permanece ao longo de toda a vida. NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 33 6.3 Fatores que contribuem para a aprendizagem Contribuem para a aprendizagem do ser humano os seguintes fatores: um lar saudável com ambiente familiar adequado, bons exemplos e uma boa escola. Além disso, segundo CONSENSA E GUERRA (2011), fatores relacionados à comunidade, família, escola, ao meio ambiente em que vive a criança e à sua história de vida interferem significativamente na aprendizagem. Para o desenvolvimento da aprendizagem, faz-se necessário considerar os aspectos culturais, sociais, econômicos e também pelas políticas públicas de educação. Nesse sentido, as neurociências oferecem mais uma contribuição para a abordagem da aprendizagem. 6.4 O papel da memória no processo de aprendizagem Memória é a aquisição, a formação, a conservação e a evocação de informação. A aquisição é também chamada de aprendizagem: só se 'grava' aquilo que foi aprendido. A evocação é também chamada de recordação, lembrança, recuperação. Só lembramos aquilo que gravamos, aquilo que foi aprendido (Izquierdo, 2002, p. 9). CARVALHO, F. (2010) menciona que "percepção é a capacidade de associar as informações sensoriais à memória e à cognição, de modo a formar conceitos sobre o mundo, sobre nós mesmos e orientar nosso comportamento" (Lent, 2001, p. 557). MORA (2004) denomina memória o processo pelo qual conservamos esses conhecimentos ao longo do tempo. Os processos de aprendizagem e memória modificam o cérebro e a conduta do ser vivo que os experimenta. Segundo LENT, o processo de aquisição de novas informações que vão ser retidas na memória é chamado aprendizagem. Através dele nos tornamos capazes de orientar o comportamento e o pensamento. Memória, diferentemente, é o processo de arquivamento seletivo dessas informações, pelo qual podemos evocá-las sempre que desejarmos, consciente ou inconscientemente. De certo modo, a memória pode ser vista como o conjunto de processos neurobiológicos e neuropsicológicos que permitem a aprendizagem (Lent, 2001, p. 594). As múltiplas redes neurais podem ser estimuladas por meio de estratégias pedagógicas que utilizem recursos multissensoriais. A repetição do estímulo produz NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 34 sinapses mais consolidadas, gerando aprendizagem e transformação do comportamento resultante de registros transitórios da memória de longa duração. 6.5 A consolidação da memória A consolidação da memória ocorre durante o período de sono, no qual o cérebro reorganiza suas sinapses, eliminando as que estão em desuso e fortalecendo as importantes para comportamentos do cotidiano do indivíduo. Para que a aprendizagem ocorra de maneira duradoura, é necessário que haja a re-exposição aos conteúdos e às diferentes vivências em complexidade crescente e em forma espiral. Os demais fatores importantes para a consolidação da memória são: • Exercícios físicos aumentam a quantidade de fatores neurotróficos que contribuem para estabilização das sinapses e para manutenção e formação de memórias. • Dieta balanceada, incluindo proteínas, carboidratos, gorduras, sais minerais e vitaminas, possibilita o funcionamento das células nervosas, a formação de sinapses e a formação da mielina, estrutura que participa da condução das informações entre redes neurais. • Adequada atividade respiratória, pois problemas respiratórios perturbam o sono. • Ausência de anemia, pois a mesma reduz a oxigenação dos neurônios. • Ausência de dificuldades auditivas e visuais, pois se não forem facilmente detectadas podem dificultar a aprendizagem. Resumidamente, é importante o aprendiz estar em boas condições de saúde para aprender bem. 6.6 A construção da memória Os estudos sobre como se dá o processo de memorização são recentes. No livro Em Busca da Memória: o nascimento de uma nova ciência da mente, Kandel (2009) traz a perspectiva histórica de pesquisas acerca do funcionamento cerebral e constata que há muito tempo, estudos têm sido utilizados para entender como se dá o processo de construção das memórias. NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 35 A formação das memórias é bastante complexa e exige cada vez mais estudos. No entanto, o que se sabe até o momento é que existem mecanismos básicos para sua formação, chamados de “estágio espontâneo”. Esse estágio compreende desde a seleção inicial, a consolidação até a recordação e algumas vezes a mudança ou a perda de memória, o esquecimento (CARTER et al, 2009). Sobre a seleção, Carter et al (2009) afirma que o cérebro tem mecanismos próprios para o armazenamento de informações que poderão ser úteis no futuro e “passar em branco” informações desnecessárias. Nesse processo, pode acontecer que informações importantes sejam negligenciadas e as irrelevantes armazenadas. Na consolidação, as experiências são selecionadas para a memorização a partir de memórias já existentes e retidas por um período apropriado. Há possibilidade de a informação ser mal classificada e ocorrer falhas na consolidação (CARTER et al, 2009). A recordação acontece a partir do acontecimento em questão, pois ele estimula a lembrança de memórias adequadas e que já estão armazenadas, sendo que, toda vez que essa memória é recordada ela também sofre uma leve alteração para acomodar uma nova informação. Essa alteração, ainda que leve, pode criar memórias falsas (CARTER et al, 2009). Quanto ao esquecimento, que acontece com a maioria das informações que recebemos, são esquecidas tão logo registradas, a menos que sejam atualizadas regularmente (CARTER et al, 2009). Quanto ao esquecimento, que acontece com a maioria das informações que recebemos, são esquecidas tão logo registradas, a menos que sejam atualizadas regularmente (CARTER et al, 2009). A figura, mostra de forma simplificada, como a rede neural trabalha na formação das memórias: NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 36 Outro ponto a ser considerado na formação da memória é a repetição. Sobre isso Izquierdo (2009, p. 37) afirma que “a repetição reforça as memórias, provavelmente recrutando cada vez mais circuitos nervosos para reforçar o armazenamento”. Assim, o que faz com que as memórias se fixem é a atenção que damos a determinada situação e o valor emocional depositado sobre ela. Na estrutura cerebral, as memórias recebem algumas classificações, a saber: memória de trabalho; memória de curto prazo e memória de longo prazo. A memória de trabalho é a memória “relâmpago”, isto porque ela persiste por poucos minutos no córtex pré-frontal e na integração com córtex entorrinal, hipocampo e a amígdala (CAMMAROTA et al, 2008). Esse tipo de memória é aquela que utilizamos para registrar rapidamente um número de telefone, até que anotemos em algum lugar, então ela se perde e não fica armazenada em nenhum outro espaço do cérebro. A memória de curto prazo, dura de 30 minutos a 6 horas, enquanto que a de longo prazo permanece horas, dias e até anos. Tanto a memória de curto quanto a de longo prazo faz o mesmo percurso cerebral, entretanto são armazenadas em lugares diferentes (CAMMAROTA et al, 2008). Interessante que alterações extremas no lobo temporal medial, mais especificamente no hipocampo, destroem a capacidade de converter uma memória de curto prazo em memória de longo prazo. Kandel (2009) afirma isso com base no resultado da pesquisa realizada por William Scoville e Brenda Milner, por aproximadamente 30 anos, com o paciente H. M que foi atropeladopor uma bicicleta aos 9 anos e sofreu um ferimento na cabeça que resultou em epilepsia. H. M. passou por várias cirurgias sem muitos resultados, mas por fim, Scoville propôs como última NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 37 tentativa, remover a face interna do lobo temporal em ambos os lados do paciente, assim como o hipocampo. A cirurgia teve êxito em diminuir as crises de H. M., mas deixou-o com uma perda de memória devastadora, da qual ele jamais se recuperou. Depois dessa cirurgia, ele permaneceu o mesmo homem inteligente e gentil, mas tornou-se incapaz de converter quaisquer novas memórias em memórias permanentes. Porém, a memória de longo prazo, armazenada antes do acidente, permanecia intacta, e ele se lembrava perfeitamente, inclusive de muitos episódios da infância. A conclusão foi que a região do hipocampo é fundamental para a formação da memória de longo prazo, no entanto, não é nessa região que a memória se fixa. Kandel (2009, p. 149) ressalta ainda que hoje, temos razões para acreditar que a memória de longo prazo é armazenada no córtex cerebral. Além disso, seu armazenamento ocorre na mesma área do córtex cerebral que processou a informação originalmente – ou seja, as memórias das imagens visuais são armazenadas em diferentes áreas do córtex visual e a memórias das experiências táteis são armazenadas no córtex somatossensorial. O processo de formação de memória de longa duração é lento e frágil, pois consiste em uma série de etapas concatenadas que, se uma delas falhar, toda informação se perde (CAMMAROTA et al, 2008). A memória de longa duração subdivide-se em memória explícita ou declarativa e memória implícita ou procedimental, como visualizadas na próxima figura NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 38 Kandel (2009) apresenta que a memória explícita e a memória implícita são processadas e armazenadas em áreas diferentes do cérebro. Explica que a memória explícita é direcionada a pessoas, objetos e lugares. Fica guardada no córtex préfrontal, em curto prazo e após esse estágio é convertida em memória de longo prazo, passando para o hipocampo. Na sequência é armazenada nas áreas do córtex que correspondem aos sentidos envolvidos – ou seja, nas mesmas áreas que processam inicialmente a informação. Já a memória implícita, responsável pelas habilidades, hábitos e aquelas resultantes de condicionamento, é armazenada no cerebelo, no estriado e na amígdala. A memória explícita ainda se subdivide em duas: memória semântica e memória episódica. A memória semântica contém informações de fatos e eventos cotidianos que fazem parte do que somos capazes de lembrar, mas não sabemos como foi armazenado. Já a memória episódica, diferente da semântica, reserva informações de fatos ou eventos que lembramos e por isso, sabemos o momento em que foi armazenada, como por exemplo, a festa do nosso casamento, o primeiro beijo, a aprovação no vestibular, etc. A memória implícita “reserva informações das quais não temos acesso consciente, tal como um procedimento automático (dirigir um automóvel, dirigir um documento)” (CAMMAROTA et al, 2008, p 246). Ainda discorrendo sobre a formação das memórias de longo prazo, Pergher et al (2008) afirma que há um subsídio importantíssimo que dá suporte para os acontecimentos se fixarem na memória, a emoção. Defendemos que para tudo ocorrer “perfeitamente” na consolidação das memórias, precisamos, além de processos neurológicos bem estruturados, do fator emocional, que tem forte influência na fixação das memórias. Sobre isso dissertaremos no próximo tópico. 6.7 Memória e emoção Iniciamos com a questão: O que leva nosso cérebro a armazenar certas informações e descartar outras? Como foi explanado anteriormente, a consolidação das memórias é possível por conta dos processos neurológicos organizados. Para, além disso, acreditamos que isto é possível graças ao envolvimento emocional. Argumentamos que o ambiente social influencia a aprendizagem, assim é certo que o NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 39 “ambiente emocional” também tem papel importante na fixação da mesma. Mas por que os fatores emocionais são fundamentais? Onde encontramos explicação para isso? Desde Charles Darwin (1809-1882) até Walter Cannon (1871- 1945), importantes trabalhos e estudos foram desenvolvidos. Um dos mais recentes é o de Cannon “que reconhece a importância do sistema nervoso central, considerando-o como produtor das experiências subjetivas e emocionais, em especial o hipotálamo, região de grande influência nas emoções” (SARMIENTO et al, 2007, p. 25). Sobre as emoções, há algumas que chamamos de primárias e que diferenciam o ser humano de outros seres, são elas: alegria, tristeza, medo, nojo, raiva e surpresa. Essas emoções podem ser consideradas inatas à espécie humana e atuam como mecanismo de sobrevivência (PERGHER et al, 2008). Entendendo que vivemos constantemente sob descarga emocional, seja ela expressiva ou não, quando chegamos ao final de um período, o que “resta” na memória são as experiências de maior carga emocional, que acabam se fixando na memória. Já as de menos carga emocional, praticamente imperceptíveis, perdem-se no decorrer das horas. Sobre isso, Sarmiento et al (2007) explica que fatores emocionais estão intimamente relacionados à memória de longo prazo e consequentemente, com a aprendizagem. O atrelamento das emoções com a fixação das memórias acontece porque as áreas cerebrais envolvidas na memória também fazem parte do sistema límbico, que está diretamente relacionado com as emoções. Sobre as áreas cerebrais envolvidas na memória, há uma região em que ficam armazenadas as “memórias emocionais”. Essas memórias são armazenadas juntamente com a emoção vivenciada no momento. Esse fato explica porque costumamos lembrar episódios passados que foram marcantes (KANDEL, 2009). Sobre a relação emoção/memória, com base em Pergher et al (2008) destacamos que se o indivíduo estiver num estado de humor, como a alegria, ele recordará com facilidade das memórias relativas a esse estado de humor, isso acontecerá em qualquer estado de humor. Se relacionarmos essa ideia com o trabalho em sala de aula, fica mais fácil entendermos porque os alunos não se recordam de informações na hora da prova, pois estão em estado de “pressão emocional” e fica difícil, nesse estado, recuperar informações armazenadas num estado de humor diferente. NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 40 Conforme Sarmiento et al (2007) a emoção é fundamental no processo de fixação das memórias. Tendo em vista que emoção e memória são fundamentais na aprendizagem, discutiremos no próximo tópico os entrelaçamentos desses constructos, base da nossa construção social.2 6.8 Emoção e a aprendizagem Segundo a neurociência, as emoções também desempenham um papel decisivo para o sucesso da aprendizagem Posner e Raichle (2001), retomando os estudos de Friedrich e Preiss, lembram que o sistema límbico, formado por tálamo, amígdala, hipotálamo e hipocampo, avalia as informações, decidindo que estímulos devem ser mantidos ou descartados, dependendo a retenção da informação no cérebro da intensidade da impressão provocada nele. A consciência da experiência vivenciada é atingida quando, ao passar pelo córtex cerebral, compara-se a experiência com reflexões anteriores. Assim, quando conseguimos estabelecer uma ligação entre a informação nova e a memória preexistente, são liberadas substâncias neurotransmissoras - como a acetilcolina e a dopamina - que aumentam a concentração e geram satisfação. É dessa maneira que emoção e motivação influenciam a aprendizagem. Os sentimentos, intensificando a atividade das redes neuronais e fortalecendo suas conexões sinápticas, podem estimular a aquisição, a retenção, a evocação e a articulaçãodas informações no cérebro. Diante desse quadro, os autores defendem a importância de contextos que ofereçam aos indivíduos os pré-requisitos necessários a qualquer tipo de aprendizado: interesse, alegria e motivação. Conforme Lent, "a razão é fortemente relacionada com a emoção. De um modo ou de outro, nossos atos e pensamentos são sempre influenciados pelas emoções" (Lent, 2001, p. 671). As emoções orientam a aprendizagem. As emoções como raiva, medo, ansiedade, prazer, alegria, mantêm conexões com neurônios de áreas importantes para formação de memórias. A aprendizagem significativa que desencadeia emoções positivas no educando favorece o estabelecimento de memórias. As emoções negativas, por outro lado, podem impedir a adequada aprendizagem. Podemos concluir que o processo de aprendizagem depende da saúde como um todo do indivíduo e não apenas do sistema nervoso. NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 41 6.9 Aprendizagem significativa Estudos afirmam que a aprendizagem ocorre em conexão com experiências préexistentes e que façam sentido no cotidiano do educando. O cérebro seleciona o que é necessário para sobrevivência e o bem-estar e retém o conhecimento à estrutura cognitiva do aprendiz. GUERRA (2011) afirma que dificilmente um aluno prestará atenção em informações que não tenham relação com o seu arquivo de experiências, com seu cotidiano ou que não sejam significativas para ele. O cérebro seleciona as informações mais relevantes para nosso bem-estar e sobrevivência e foca atenção nelas. Memorizamos as experiências que passam pelo filtro da atenção. Memória é imprescindível para a aprendizagem. Para AUSUBEL (1963, p. 58), a aprendizagem significativa é o mecanismo humano, por excelência, para adquirir e armazenar a vasta quantidade de ideias e informações representadas em qualquer campo de conhecimento. Aprendizagem significativa é o processo através do qual uma nova informação (um novo conhecimento) se relaciona de maneira não arbitrária e substantiva (não-literal) à estrutura cognitiva do aprendiz. É no curso da aprendizagem significativa que o significado lógico do material de aprendizagem se transforma em significado psicológico para o sujeito. NOVAK destaca que uma teoria de educação significativa, precisará considerar que os aprendizes pensam, sentem e agem e deve possibilitar novas e melhores maneiras por meio das quais os seres humanos podem fazer isso, ampliando a consciência do aprendiz. Um evento educativo, segundo Novak, é uma ação para trocar significados (pensar) e sentimentos entre aprendiz e professor Outros fatores também influenciam a aprendizagem (ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2006). Aprendizes privados de material escolar adequado, de ambiente para estudo em casa, de acesso a livros e jornais, de incentivo ou estímulo dos pais e/ou dos professores, e pouco expostos a experiências sensoriais, perceptuais, motoras, motivacionais e emocionais essenciais ao funcionamento e reorganização do SN, podem ter dificuldades para a aprendizagem, embora não sejam portadores de alterações cerebrais.2 2 Texto extraído: HELPA, Juliana Pompeo. Neurociência Aplicada À Educação. Disponível em: http://www.atuacaovoluntaria.org.br/upload/neurociencias-aplicada-a-educacao- julianapompeohelpa.pdf.Acesso em: 06/08/2019 às 14:31h. http://www.atuacaovoluntaria.org.br/upload/neurociencias-aplicada-a-educacao-juliana-pompeo-helpa.pdf.Acesso http://www.atuacaovoluntaria.org.br/upload/neurociencias-aplicada-a-educacao-juliana-pompeo-helpa.pdf.Acesso http://www.atuacaovoluntaria.org.br/upload/neurociencias-aplicada-a-educacao-juliana-pompeo-helpa.pdf.Acesso http://www.atuacaovoluntaria.org.br/upload/neurociencias-aplicada-a-educacao-juliana-pompeo-helpa.pdf.Acesso http://www.atuacaovoluntaria.org.br/upload/neurociencias-aplicada-a-educacao-juliana-pompeo-helpa.pdf.Acesso http://www.atuacaovoluntaria.org.br/upload/neurociencias-aplicada-a-educacao-juliana-pompeo-helpa.pdf.Acesso http://www.atuacaovoluntaria.org.br/upload/neurociencias-aplicada-a-educacao-juliana-pompeo-helpa.pdf.Acesso http://www.atuacaovoluntaria.org.br/upload/neurociencias-aplicada-a-educacao-juliana-pompeo-helpa.pdf.Acesso http://www.atuacaovoluntaria.org.br/upload/neurociencias-aplicada-a-educacao-juliana-pompeo-helpa.pdf.Acesso http://www.atuacaovoluntaria.org.br/upload/neurociencias-aplicada-a-educacao-juliana-pompeo-helpa.pdf.Acesso http://www.atuacaovoluntaria.org.br/upload/neurociencias-aplicada-a-educacao-juliana-pompeo-helpa.pdf.Acesso http://www.atuacaovoluntaria.org.br/upload/neurociencias-aplicada-a-educacao-juliana-pompeo-helpa.pdf.Acesso http://www.atuacaovoluntaria.org.br/upload/neurociencias-aplicada-a-educacao-juliana-pompeo-helpa.pdf.Acesso http://www.atuacaovoluntaria.org.br/upload/neurociencias-aplicada-a-educacao-juliana-pompeo-helpa.pdf.Acesso http://www.atuacaovoluntaria.org.br/upload/neurociencias-aplicada-a-educacao-juliana-pompeo-helpa.pdf.Acesso http://www.atuacaovoluntaria.org.br/upload/neurociencias-aplicada-a-educacao-juliana-pompeo-helpa.pdf.Acesso http://www.atuacaovoluntaria.org.br/upload/neurociencias-aplicada-a-educacao-juliana-pompeo-helpa.pdf.Acesso http://www.atuacaovoluntaria.org.br/upload/neurociencias-aplicada-a-educacao-juliana-pompeo-helpa.pdf.Acesso http://www.atuacaovoluntaria.org.br/upload/neurociencias-aplicada-a-educacao-juliana-pompeo-helpa.pdf.Acesso NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 42 7 PLASTICIDADE NEURAL: AS BASES NEUROBIOLÓGICASDO APRENDIZADO O cérebro reúne um conjunto de estruturas determinantes para a interação de cada indivíduo com o mundo em que vive. Sua organização difere ao longo do desenvolvimento, crescimento e envelhecimento e reflete as experiências vivenciadas por cada um. Ferrari, Toyoda e Faleiros (2001) apontam que as relações entre os eventos ambientais e o repertório de respostas comportamentais são produto da história filogenética, ontogenética e cultural de cada indivíduo e resultam em alterações na forma, tamanho e funções do sistema nervoso. Portanto, trata-se de uma estrutura adaptável, passível de sofrer mudanças e transformações e por isso recebe o adjetivo “plástico”. Este termo visa enaltecer sua alta capacidade de adaptação e resposta a estímulos, e, destoa de ideias antigas de que o cérebro seria imutável. Neste contexto encontramos vários termos que buscam explicar esta capacidade de transformação, por exemplo: plasticidade neural, plasticidade neuronal e plasticidade cerebral. O termo plasticidade neuronal refere-se mais especificamente a alterações celulares, envolvendo os neurônios. Já plasticidade cerebral indica reorganizações de funções e estruturas cerebrais, localizados, portanto, no maior órgão do sistema nervoso, o cérebro. Por fim, entende-se que o termo mais abrangente seja plasticidade neural, que descreve alterações ao nível do sistema nervoso, que pode englobar uma ou ambas as anteriormente descritas. Neste texto, utilizaremos o termo plasticidade neural para todos os processos adaptativos, sejam teciduais, funcionais ou estruturais. Como nosso interesse está no aprendizado, uma das funções cognitivas do ser humano, nosso olhar se volta para o cérebro e a plasticidade que acontece neste local. Todavia, temos que ter em mente que processos plásticos ocorrem também em outros locais como a medula espinal, nervos e até mesmo no Sistema Nervoso Entérico (SNE), o chamado segundo cérebro, ou cérebro do Intestino. NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 43 Fonte: drauziovarella.uol.com.br Vamos inicialmente pensar no cérebro visto ao nível microscópico, o que chamamos de tecido nervoso. Em cortes muito finos, normalmente após técnicas de coloração, e com ampliação de 400 a 1000 vezes, é possível ver que o cérebro é constituído de dois tipos de células especiais, ascélulas da neuroglia e os neurônios. As células da neuroglia (conhecida como células da glia) representam o maior número de células do cérebro, porém, os neurônios parecem ser essenciais nas funções cognitivas que conhecemos. Consideramos aqui como funções cognitivas aquelas funções cerebrais básicas que possibilitam que recebamos e processemos os diferentes estímulos e as respostas aos mesmos (Maia, 2011). De acordo com este autor, seriam: pensamento, elaboração de raciocínio e da emoção, características estas marcantes do ser humano. Quando pensamos em neurônios sempre nos vem à mente uma célula repleta de prolongamentos e bastante “ramificada”, ou seja, uma célula que se comunica com muitas outras por meio das sinapses. É a partir destas sinapses que todas as funções cerebrais ocorrem, desde o planejamento e coordenação de atividades motoras, até as cognitivas. Neurônios são células bastante especializadas e são formados no início da vida embrionária. Aproximadamente até o final do primeiro trimestre de vida embrionária o embrião já possui cerca de 80% dos neurônios que terá durante sua vida toda. Nesta fase possuem uma forma diferente do que a encontrada ao longo do desenvolvimento e vida adulta, sendo ainda pouco ramificados e menores. A partir de então, durante o desenvolvimento, passam por NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 44 crescimento e ramificações, num processo chamado de maturação neural, que ocorre devido a uma forma de plasticidade. Nos adultos, a maioria dos neurônios perde a capacidade de se dividir e formar novas células, porém, em algumas poucas regiões cerebrais essa propriedade, chamada neurogênese, se mantém (Lent, 2008; Snyder et al, 2011). A neurogênese humana já está bem descrita especialmente numa área cerebral chamada hipocampo, o que contribui com as complexas funções de aprendizado e memória dos seres humanos (Uziel, 2008). Já a capacidade de formar novos prolongamentos e ramificações, alterando grandemente seu formato, direcionamento, tamanho e número de sinapses em resposta às influências ambientais não é perdida (Lazarov; Marr, 2013). Portanto, as mudanças podem envolver alterações morfológicas, mas também metabólicas e neuroquímicas, potencializando as sinapses (Ferrari; Toyoda; Falleiros, 2001). Mas, neurônios sozinhos não são capazes de desempenhar funções, dependem de conjuntos, os chamados circuitos neuronais. Estes circuitos envolvem um número variável de neurônios localizados a diferentes distâncias, mas, que quando ativados resultam em uma função, que pode ser um movimento, uma sensação, um pensamento, uma memória, uma imagem, etc. Este circuito neuronal é, portanto, a unidade funcional do sistema nervoso, e também do cérebro (Lent, 2008). Os circuitos neurais são verdadeiros sistemas neuronais e são modelados de acordo com as demandas e experiências. A formação de circuitos na vida embrionária e fetal ocorre a partir de programações genéticas e estímulos bioquímicos do próprio meio interno e, posteriormente de estímulos externos que o feto pode perceber já durante os últimos meses da gestação. Durante a formação dos circuitos neurais ocorre a eliminação de numerosos neurônios já que são gerados números excessivos na vida embrionária. Nesta fase da maturação neural além do crescimento e ramificação dos neurônios ocorre a seleção, ou seja, aqueles que não estejam envolvidos em vias neurais passam a ser eliminados, morrendo por um processo chamado de apoptose. Começamos a nos questionar se durante o nosso desenvolvimento e crescimento quantos de nossos neurônios participaram de circuitos neuronais e sobrevieram, e, quantos foram eliminados? Na sequência buscamos uma relação entre este número e possíveis diferenças nas habilidades cognitivas humanas. A NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 45 determinação do número de neurônios traz discussões amplas há muito tempo e, atualmente, o número estimado de neurônios para os seres humanos adultos está em torno de 88 bilhões!! (Lent, 2008). Todavia, o número absoluto de neurônios não é determinante. Já o número de neurônios corticais parece ser importante, especialmente na diferenciação de nossas funções cognitivas quando comparadas com outras espécies animais da escala zoológica. O córtex cerebral é a camada externa do cérebro, que circunda todas as projeções e reentrâncias denominados giros e sulcos. No córtex estão os neurônios responsáveis pelas principais funções cognitivas superiores. Os humanos têm a maior densidade de neurônios no córtex do que os demais mamíferos (Roth; Dicke, 2005). Mas, e em relação à comparação entre seres humanos? Neste sentido, Dias (2010) apresenta o termo reserva cognitiva como sendo as “economias neuronais” formadas por circuitos em redundâncias e neurônios com funções divididas com outros, nos adultos. Continua afirmando que o principal fator determinante para a formação desta reserva e sobrevivência de um maior número de neurônios parece ser o nível de desenvolvimento intelectual. Conclui afirmando que a reserva cognitiva é formada a partir da realização contínua de tarefas intelectualmente desafiadoras e que pode ser importante no processo de reabilitação em casos de lesões como Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs). Na espécie humana, o sistema nervoso é considerado bastante imaturo ao nascimento, já que os bebês são dependentes da mãe por um período relativamente longo, no entanto, há indicativos de que já existe capacidade inicial de aprendizado (Domingues, 2007). Portanto, desde o nascimento o cérebro do bebê está ávido por estímulos que serão determinantes para a sua organização interna e formação de capacidades motoras e cognitivas. O período em que se verificam maiores mudanças no desenvolvimento cerebral, é na infância, quando a criança passa a ter novas experiências. Assim: “...depois de ocorridas essas mudanças plásticas, a arquitetura do cérebro geralmente se torna mais difícil de modificar no futuro, ou porque os axônios e as sinapses adicionais não estão mais disponíveis, ou porque as vias bioquímicas que modificam a força sináptica mudam com o passar do tempo” (Aamodt; Wang, 2013, p. 76). A adolescência é também um período dinâmico, o qual apresenta novos interesses e comportamentos bem como também a busca de relacionamentos fora do NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 46 âmbito familiar. Com isto o cérebro de um adolescente passa também por uma reorganização, atingindo o número de sinapses dos adultos à medida que chega a puberdade. Porém, ao comparar as sinapses realizadas na infância e na adolescência, estas segundo Aamondt e Wang (2013, p. 112), apresentam “[...] um quarto menos de energia do que no início da infância”. Mas, as eliminações de sinapses, as quais são consideradas acontecimentos naturais, não terminam neste período. Apesar de não ser o foco deste texto, é preciso apontar que a plasticidade neural pode ter ritmos diferentes em distintas áreas cerebrais, que variam especialmente com a idade. Aos períodos em que predomina a plasticidade em uma área cerebral denomina-se períodos críticos (ou janelas de oportunidade). Domingues (2007) aponta como sendo um período em que ocorrem alterações no cérebro relativa uma função, aumentando sua potencialidade de desenvolvimento e aprendizado daquela (s) habilidade (s). Apesar de não ser o foco deste texto, é preciso apontar que a plasticidade neural pode ter ritmos diferentes em distintas áreas cerebrais, que variam especialmente com a idade. Aos períodos em que predomina a plasticidade em uma área cerebral denomina-se períodos críticos (ou janelas de oportunidade). Domingues (2007) aponta como sendo um período em que ocorrem alterações no cérebro relativa uma função, aumentando sua potencialidade de desenvolvimento e aprendizado daquela (s) habilidade (s).Verifica-se atrofia cerebral e dilatação dos sulcos e ventrículos, causados pela perda de neurônios. Porém, ressalta que ao mesmo tempo ocorrem processos regenerativos com aumento dos dendritos dos neurônios remanescente promovendo a reorganização funcional mesmo na velhice, ou seja, plasticidade neural. As aprendizagens adquiridas são armazenadas no cérebro, por meio de neurônios e sinapses, porém podem ocorrer perdas neuronais através de fenômenos naturais, ou questões ambientais (como acidentes, etc). No entanto a aprendizagem nunca irá para, pois com estímulos externos e contatos com ambientes diferentes, sempre haverá algo novo o qual se estimulado e relembrado, será armazenado e os neurônios ativados. Sobre a relação entre a neuroplasticidade e o aprendizado Borella e Sacchelli (2009) após revisarem a literatura cientifica concluíram que esta é aprendizadodependente e não simplesmente uso-dependente. Portanto a plasticidade ocorre por meio do aprendizado assim como o aprendizado estimula a plasticidade. NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 47 Como os estados mentais são obtidos a partir de diferentes padrões de atividades neurais, a aprendizagem é alcançada por meio de conexões neurais, podendo ser fortalecida ou não, de acordo com a qualidade da intervenção pedagógica (Relvas, 2012). Portanto, a interação com o meio é essencial para a plasticidade, todavia, outros estímulos também tem a capacidade de afetá-la, dentre elas, o uso de substâncias psicoativas, hormônios, medicamentos anti-inflamatórios, dieta, fatores genéticos, doenças mentais e lesões cerebrais (Kolb, Gibb, Robson, 2003). Dentre os hormônios que influenciam a plasticidade estão aqueles envolvidos com a resposta ao estresse, que em excesso podem influenciar negativamente, levando a perdas cognitivas e depressão (Snyder et al, 2011). Os hormônios gonadais também influenciam a estrutura cerebral. Como exemplo, no caso das mulheres, estudos sugerem que a variação hormonal durante o ciclo menstrual induz a ativação de diferentes áreas corticais para a efetivação da linguagem (Fernandez et al, 2011). Ainda sobre os efeitos plásticos dos hormônios sobre a estrutura e função cerebral devemos ressaltar os hormônios gonadais. Atualmente, na abordagem da neurociência, considera-se o processo de diferenciação do cérebro masculino e feminino algo natural iniciado na vida pré-natal pela ação do hormônio testosterona (Domingues, 2007; Lara; Romão, 2013). Estas autoras, bem como os demais estudiosos da neurociência ressaltam que a “influência hormonal na diferenciação e expressão sexual é importante, mas o processo de socialização do indivíduo é reconhecidamente fundamental para a construção da sua sexualidade e terá implicações na expressão sexual” (Lara; Romão, 2013, p.1). Portanto, sem a intenção de reduzir este assunto tão complexo, mas sim de oferecer a percepção de que NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 48 diferentes fatores influenciam a plasticidade neural apresentamos estas relações hormonais com a formação cerebral. A plasticidade também é importante na definição ou redefinição de comportamentos. Cada indivíduo tem um padrão característico de comportamento que reflete sua história pessoal de reforço, e, um sistema nervoso único resultante de sua história de interação com o ambiente externo. Portanto, caracterizando uma individualidade neural e comportamental. Esta individualidade contribui para compreendermos respostas distintas aos mesmos estímulos como, por exemplo, nos exercícios de reabilitação ou em atividades desenvolvidas em salas de aula. Muito tem se falado dos exercícios cerebrais, chamados de “ginástica cerebral”, “neuróbica” ou “malhação cerebral”. Estudos demonstram que o estímulo diferenciado do cérebro realmente contribui para a plasticidade, como por exemplo, os apontados na sequência. Merece destaque o treinamento musical que contribui para a melhora cognitiva em geral por meio de processos neuroplásticos por estimular diferentes vias como a decodificação visual da informação, a atividade motora, a memorização de longos trechos de música e aperfeiçoamento auditivo (Relvas, 2009; Rodrigues; Loureiro; Caramelli, 2010). Ainda envolve emocionalmente os participantes contribuindo para o desenvolvimento de ritmo, percepção auditiva, coordenação motora e controle emocional. Por isso, o convívio com a música, sua prática e audição são elementos essenciais na aprendizagem, reabilitação e manutenção da saúde cerebral e mental. O treinamento cognitivo também pode resultar em mudanças neuronais significativas que podem ser verificadas até mesmo em exames de imagem mostrando que mesmo NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 49 idosos inclusive aqueles com comprometimento cognitivo mantem a capacidade de plasticidade. Neste caso, acredita-se que o cérebro organize novos circuitos neuronais visando substituir eventuais perdas celulares (Belleville et al, 2011). Muito livro tem sido publicado visando oferecer aos leitores atitudes e estímulos simples que mudem a rotina, alterem as vias neurais mais usadas e de algum modo contribuam para a plasticidade neural (Katz; Rubin, 2000; Herculano-Houzel, 2007;). É inegável o fato de que novos estímulos e desafios contribuem para a neuroplasticidade. Mas, não é completamente consensual a relação entre o estímulo intelectual como o treinamento de memória e a melhora das funções cognitivas e inteligência. Slagter (2012) apresenta autores que inferem que atividades desafiadoras e significantes contribuem para melhoria no aprendizado por meio do desenvolvimento cognitivo, outros, no entanto, que esta melhora seria resultado de maior motivação. Independente da compreensão da forma exata, podemos verificar que o treinamento cognitivo é uma forma de promover a neuroplasticidade e o aprendizado e deve ser traduzido como um estilo de vida em que o cérebro é ativo. Vivermos cercados de desafios, novidades, estímulos que usem os diferentes sentidos especiais, certamente contribuem para uma melhor capacidade intelectual. Mas, o que aponto como treinamento cognitivo não é a repetição enfadonha de estímulos de memória como decorar cartões, frases e sequencias numéricas. Na verdade, está “ginástica cerebral” envolve a busca de desafios como aprendizado de novos idiomas, atividades motoras, palavras, entre outras. Este tema tornou-se comum nas livrarias, oportunizando que o cidadão conheça mais sobre este aspecto da neurociência. Vigotski (1930) apud Silva (2012) sumariza este assunto como: “Damo-nos cada vez mais conta da manifesta diversidade e do caráter inconcluso das funções cerebrais. É muito mais correto admitir que o cérebro encerra enormes possibilidades para o aparecimento de novos sistemas. Essa é a principal premissa. (Vigotski, 1930 apud Silva, 2012, s/p). Por outro lado, este “modismo” em busca de um melhor desenvolvimento cerebral, de certo modo, tem promovido o que Ortega (2009) chama de “Autoajuda cerebral” oferecendo respostas mirabolantes e irreais bem como reforçando a ideia que o autor resume como a “redução da pessoa humana ao cérebro” contribuindo para a “crença de que o cérebro é a parte do corpo necessária para sermos nós mesmos, no qual se encontra a essência do ser humano, ou seja, a identidade pessoal entendida NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 50 como identidade cerebral” (Ortega, 2009, p.3). Neste sentido, se percebe em muitas áreas uma “certa rejeição daquilo que se refere ao estudo do cérebro como sendo mecanicista e reducionista, o que é uma interpretação apressada e pouco substanciosa” (Silva, 2012, p. 254). Esta autora ressalta que apesar das preocupações e de interpretações equivocadas que possam ser feitas da obra de Vigotski o cérebro e seu funcionamento integrou e devecontinuar integrando os fundamentos da psicologia históricocultural, em sua melhor tradição. Sobre a área educacional Silva (2012) complementa que: “... a escola, permeável e permeando a sociedade, tem sede de saber sobre o cérebro, muitas vezes para continuar justificando seus fracassos através da culpabilização dos alunos, mas outras vezes por querer saber mais desse mundo misterioso que envolve o ensino e a aprendizagem” (Silva, 2012, p. 254). O risco apresentado pela autora, infelizmente tem sido observado em nosso cotidiano, especialmente com os processos de medicalização vistos diariamente. É lamentável que o conhecimento das características cerebrais que deveria ser libertadora e asseguradora de infinitas possibilidades dentro das diferenças individuais do sujeito tornem-se deterministas e instrumentos de rótulos. Portanto, a abordagem da relação entre neurociência e educação bem como a relação específica entre plasticidade neural e aprendizado deve ser feita ciente da importância de uma abordagem séria e com embasamento científico, sob o risco de cair no modismo ou reducionismo apontados anteriormente. Esta é a linha que temos procurado seguir ao longo de todo este texto, bem como na abordagem educacional apresentada abaixo. Relvas (2012), ao considerar o conhecimento científico produzido pela neurociência associado ao materialismo histórico que evidencia o desenvolvimento humano não apenas pela genética, mas, também pelo social aponta que a escola deve ser geradora de estímulos que pesquisas relatam resultar em aumento de córtex cerebral. Este desenvolvimento cerebral durante o aprendizado, segundo a autora, estaria relacionado ao que Vigotsky chamou de zona de desenvolvimento proximal. Ainda sobre o papel da escola na plasticidade cerebral aponta que: “Considerando-se o fato das funções psicológicas serem produto da atividade cerebral, faz-se imprescindível que se compreendam a flexibilidade e mutabilidade do cérebro como sendo um sistema plástico que se modifica no decorrer da história humana, bem como em seu desenvolvimento NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 51 ontogenético. Essas mudanças ocorrem basicamente pelas diferenças nos padrões de relacionamento estabelecidos entre os homens no curso de sua história, não permitindo, portanto, a dissociação da natureza humana diante das suas relações sociais” (Relvas, 2012, p.129). Muniz, Silva e Coutinho (2013) afirmam que o conhecimento da neurociência quando aplicado à área da educação e utilizado como base para a pesquisa educacional leva a uma nova abordagem, a qual denomina Neuroeducação. Acredito que é preciso que os professores e gestores educacionais compreendam as bases do funcionamento e plasticidade neural para oferecer estímulos adequados qualitativa e quantitativamente aos estudantes. O professor precisa revitalizar práticas cotidianas na sala de aula, despertando potencialidades e melhorando as já existentes (Flor; Carvalho, 2011; Relvas, 2012). Acredito, assim como Maia e Thompson (2011) que quando temos a consciência do processo de formação, desenvolvimento e amadurecimento cerebral, o que os autores denominam metacognição, temos recursos valiosos na reabilitação cognitiva e nas adaptações pedagógicas para alunos com necessidades educacionais especiais. Um dos aspectos importantes é o funcionamento associativo do cérebro, ou seja, toda nova informação é inicialmente comparada com as que já temos anteriormente armazenadas nas diferentes formas de memória (visual, auditiva, motora, etc). A nova conexão neural a ser formada por meio do novo aprendizado ocorrerá ancorada a circuitos já existentes. O novo conhecimento estará, portanto, associado a outro pré-existente. Silva (2012) aponta que a esta formação de memória Vigotski denominou mnemotécnica, ou memorização baseada em sinais, já que um objeto ou informação anteriormente neutro passa a ter a função de signo, assim, no que chama de memorização cultural a conexão se dá através de um sinal qualquer como mediação. Assim, podemos dizer que o cérebro busca sentido durante o aprendizado, ou seja, a cada novo desafio interpretado como estímulo neural, procura-se associar com a vida cotidiana, as experiências pregressas e atuais, e, assim registrá-lo de forma que possa ser recuperado quando necessário. Toda vez que compreendemos claramente o porquê da informação e facilmente identificamos onde pode ser utilizada temos maior chance de memorizá-la e torná-la parte efetiva da rede neural que se reflete em nossas funções cognitivas. A informação mal compreendida e mal armazenada pode gerar NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 52 uma forma de confusão mental e, por isso, o educador tornase responsável por apontar pistas e estabelecer pontes para a construção do conhecimento do educando (Relvas, 2009). Lima (2009) considera que a plasticidade possibilita que o cérebro funcione de forma “interdisciplinar”, já que para novos aprendizados as áreas já desenvolvidas (as memórias já formadas) podem ser “aproveitadas”. Neste contexto, para que haja aprendizado é preciso ter sentido e o professor deve estar sempre atento a esta questão. Há grande vinculação entre cognição, afetividade, emoções e motricidade. O sistema límbico, parte do cérebro cujas conexões sinápticas iniciam nossas emoções participa do processo de aprendizagem do ser humano, inclusive na escola (Lima, 2009). Considera-se que o novo aprendizado envolva a formação de nova memória que por sua vez depende de áreas cerebrais (como o hipocampo) ligados ao sistema límbico, ou seja, modulado pela emoção. A partir deste conhecimento deve-se ter em mente que toda ação de ensino deve considerar as emoções tanto de quem ensina quanto de quem aprende, pois, sua interação serão constitutivas nos processos cerebrais envolvidos na aprendizagem (Relvas, 2012; Lima, 2009). Esta autora exemplifica com situações do cotidiano escolar em que o estudante pode sentir-se ameaçado ou amedrontado, o que pode gerar ansiedade e inquietude. Pode ainda gerar uma memória de experiência negativa com uma matéria específica ou de forma generalizada em estar na escola podendo resultar em indisciplina, animosidade, fracasso e evasão escolar. Domingues (2007) afirma ainda que a emoção é decisiva para a criação de parâmetros, e, consequentemente aprendizado, já que o cérebro funciona como um todo e envolve desde a individual percepção e o resgate emocional e informativo do registro anterior de memória para que possam organizar novos circuitos. Muitos outros fatores influenciam a plasticidade neural e consequentemente o aprendizado, como, a influência dos ritmos biológicos sobre o aprendizado. O conhecimento da cronobiologia oferece aos professores e gestores a identificação de diferenças individuais quanto aos ritmos circadianos. Portanto, processos como a atenção predominam em algumas horas do dia e a sonolência em outras. Como o aprendizado depende da atenção, nem todos os estudantes terão biologicamente o cérebro preparado para aprender nos mesmos horários. Apesar da maioria dos sujeitos serem capazes de adaptações, alguns, definidamente matutinos ou vespertinos podem sofrer com mal adaptação que resulta NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 53 em sonolência, menor aprendizado, agitação e fracasso escolar (Louzada; Menna Barreto, 2007). Deve-se incluir dentro da compreensão de individualidade também o aspecto rítmico. Ao concluirmos este texto fica a percepção de que o cérebro é realmente um órgão muito complexo e seu funcionamento, a mente ainda mais. Esta complexidade pode ser expressa nas palavras de Nicolelis (2011) de que ao mesmo tempo em que o cérebro é nossa essência, nossos comportamentos e características individuais, também nos torna parte de um coletivo. Portanto, somos seres únicos e especiais,resultado de nossos genes, mas principalmente das oportunidades, impressões, vivências, dores, violências e aprendizados. Mas, apesar de únicos, não estamos prontos, muito pelo contrário, estamos em constante transformação. Aceitar esta condição é investir em melhores condições de função cerebral e mental que resultem em longevidade e qualidade de vida. Também é gerar ações e mecanismos para contribuir com o desenvolvimento completo dos seres humanos sob nossa tutela em uma sala de aula. Devemos nos conscientizar que não podemos definir o futuro ou a essência de um ser humano apenas por poucas e limitadas avaliações que muitas vezes demonstram mais o fracasso de um sistema educacional do que de um ser humano. Portanto que sirva de estimulo aos leitores para estudar e se aprofundar de forma responsável sobre a relação entre a neurociência e a educação.3 8 A TEORIA VYGOTSKIANA E A NEUROCIÊNCIA COMO FERRAMENTA DA APRENDIZAGEM Na teoria de Vygotsky, as relações entre desenvolvimento e aprendizagem são pontos importantes, em que o mesmo valoriza a ação pedagógica e a intervenção, além de considerar que é a aprendizagem que promove o desenvolvimento10. Na visão de Vygotsky13, autor russo de fundamentação marxista, o aprendizado é um aspecto necessário e fundamental para que as funções psicológicas superiores se estabeleçam. O indivíduo desenvolve-se, em parte, graças à maturação do organismo individual, mas é o aprendizado que provoca a interiorização da função psíquica. Portanto, entender o porquê da criança não aprender implica em analisar como se dá 3 Texto extraído: SANT´ANA, Débora de Mello Gonçales. Plasticidade neural: as bases neurobiológicas do aprendizado. Disponível: NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 54 o processo inverso, ou seja, como ela aprende. A obtenção de sucesso no processo de aprendizagem está ligada à integração do objeto e material a ser aprendido em uma atividade que faça sentido para a criança e que envolva objetos que ela possa perceber. É também importante que ela se sinta atraída para os elementos que precisam ser assimilados. É pouco provável a existência de sucesso mediante metodologias que envolvem apenas o pedir que se preste atenção, que se concentre, estude ou lembre. Crianças pequenas podem se concentrar e lembrar-se de ações das quais elas foram protagonistas, mas precisarão com frequência do suporte de um assistente com mais conhecimento e destreza intelectual. Para idealização de métodos eficazes de instrução das crianças em idade escolar, relacionados ao conhecimento sistemático, faz-se necessário entender o desenvolvimento dos conhecimentos científicos no interior da criança, assim como compreender o que acontece no cérebro infantil e os conceitos científicos que lhe ensinam na escola, além da relação entre assimilação da informação e o desenvolvimento interno de um conceito científico na consciência da criança. Segundo Vygotsky, um conceito é algo mais do que a soma de certas ligações associativas formadas pela memória; é mais do que um simples hábito mental: é um complexo e genuíno ato de pensamento que não pode ser ensinado apenas pela repetição permanente. Na verdade, só pode ser realizado quando o próprio https://www.alfaebeto.org.br/wpcontent/uploads/2015/12/Neurobiologia_da_Aprendizegem.pdf. Acesso em: 09/08/2019 às 15:40h. desenvolvimento mental da criança tiver atingido o nível necessário. A expansão dos conceitos pressupõe o desenvolvimento de muitas funções intelectuais: atenção deliberada, memória lógica, abstração, capacidade para comparar e diferenciar, entre outras. Esses processos psicológicos complexos não podem ser dominados somente através da aprendizagem inicial. A experiência prática mostra que é impossível ensinar os conceitos de uma forma direta. A instituição escolar tem como função trabalhar com os conceitos científicos, sistematizando e organizando os conteúdos, pois a apropriação destes conceitos por parte do educando prepara para a formação dos seus processos psicológicos superiores. É um dever da escola socializar os conteúdos já elaborados pela https://www.alfaebeto.org.br/wp-content/uploads/2015/12/Neurobiologia_da_Aprendizegem.pdf https://www.alfaebeto.org.br/wp-content/uploads/2015/12/Neurobiologia_da_Aprendizegem.pdf https://www.alfaebeto.org.br/wp-content/uploads/2015/12/Neurobiologia_da_Aprendizegem.pdf NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 55 humanidade, de forma que os alunos possam participar do processo de humanização. Nesse processo, conforme menciona Facci14, o professor tem papel primordial. Ele é o mediador entre o aluno e o conhecimento, por isso, lhe cabe intervir na zona de desenvolvimento proximal dos alunos e conduzir a prática pedagógica considerando a potencialidade de cada educando. A mediação do professor implica, necessariamente, ensinar. Considerando a zona de desenvolvimento proximal da teoria vygotskiana, compreende-se que ao chamar a atenção do educando para o que ele fez antes e lembrar-lhe de qual é seu objetivo final, o educador estará ajudando a manter seu lugar na tarefa e evitando sua submersão total na atividade imediata. Sendo assim, mostrar, lembrar, sugerir e elogiar serve para orquestrar e estruturar as atividades do educando sob a orientação de alguém que seja mais perito. Ao ajudar a criança a estruturar suas atividades, nós estamos auxiliando a fazer coisas que ela não pode fazer sozinha até chegar o momento em que se torne tão familiarizada com as exigências da tarefa a ponto de desenvolver perícia local e experimentar as coisas por si só. Vygotsky afirma que essas atividades externas e sociais são gradualmente internalizadas pela criança, conforme ela passa a regular sua própria atividade intelectual. É importante compreender como o ensino pode impulsionar o desenvolvimento das competências cognitivas, mediante a formação de conceitos e desenvolvimento do pensamento teórico, como também os meios pelos quais os alunos podem melhorar e potencializar sua aprendizagem. Refere-se ao saber como fazer, para estimular as capacidades investigadoras dos alunos, ajudando-os a desenvolver competências e habilidades mentais. Portanto, uma prática docente a serviço de uma pedagogia voltada para a formação de sujeitos pensantes e críticos deverá enfatizar em suas investigações as estratégias pelas quais os alunos aprendem a internalizar conceitos, competências e habilidades do pensar, postura para lidar com a realidade, resolver problemas, tomar decisões e formular estratégias de ação. A concentração é um bom indicador de interesse e potencial. O poder de concentração das crianças é influenciado por diversos fatores, e apresenta um papel importante sobre o quanto as crianças aprendem e a rapidez com que o fazem. A capacidade de se manter em uma atividade e ignorar distrações são, de fato, um sintoma da estrutura do intelecto da criança, e mudanças no tempo de concentração relacionam-se ao desenvolvimento intelectual. Na ótica de Blank et al.18, alguns NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 56 profissionais da educação afirmam que as perguntas dos professores são ferramentas poderosas para incentivar os alunos, crianças ou adolescentes, a ouvir e a pensar. Contudo, para serem efetivadas, faz-se necessário que sejam de caráter apropriado e no nível de exigência correto para que os alunos se beneficiem delas. Os autores18 apresentam um esquema para classificar perguntas, analisando e avaliando a fala do professor com crianças pré-escolares e de ensino fundamental. Blank et al.18 expõem a análise de algumas perguntas, por exemplo: “como isto se chama? ”. Uma pergunta relacionada a um objeto comum implica exigências de nível relativamente “baixo” e permite uma faixade respostas bastante restrita, talvez apenas uma única palavra. Outras, como: “por que isso aconteceu? ”, podem exigir mais reflexão e explicação. Outras ainda, como: “o que você pensa a respeito de...? ”, podem não ter nenhuma resposta óbvia ou correta, mas exigir raciocínio analítico e julgamento informado. Sigel & McGillicuddy-Delisi afirmam que o uso de perguntas abertas por parte dos pais aos seus filhos facilita o desenvolvimento da educabilidade em crianças, por convidarem-nas a se distanciar das consequências imediatas, de curto prazo, de suas experiências. Ao desenvolver essas ações, a criança é forçada a descentralizar o pensamento e a refletir sobre suas próprias atividades; em consequência, torna-se mais analítica, menos impulsiva e consegue um controle mais efetivo de sua própria aprendizagem. Para Vygotsky, a instrução formal ou informal constitui o principal veículo para a transmissão cultural do conhecimento. Apenas por meio da interação com os representantes vivos da cultura é que uma criança pode vir a adquirir, incorporar e desenvolver ainda mais esse conhecimento. As habilidades cognitivas e as formas de estruturar o pensamento do indivíduo são resultado das atividades praticadas de acordo com os hábitos sociais da cultura em que o indivíduo se desenvolve. Consequentemente, a história da sociedade na qual a criança se desenvolve e a história pessoal dessa criança são fatores cruciais que vão determinar sua forma de pensar. Fundamentando-se na obra de Cosenza & Guerra, as estratégias de aprendizagem que têm mais chances de obter sucesso são aquelas que levam em conta a forma do cérebro de aprender, sendo importante respeitar os processos de repetição, elaboração e consolidação. Como também faz diferença utilizar diferentes canais de acesso ao cérebro e de processamento da informação. A comunicação entre NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 57 a comunidade de educadores e a de neurocientistas precisa ser uma via de mão dupla, pois estes necessitam ser envolvidos nos conflitos reais do cotidiano escolar. A interação dos mesmos possibilitará o surgimento de estudos e pesquisas que venham avaliar o sucesso ou não de determinadas práticas pedagógicas em relação ao funcionamento neural. Sternberg & Grigorenko afirmam que as pessoas podem ser inteligentes e criativas e ainda assim agir de forma tola quando não conseguem interagir com aspectos práticos do ambiente que as cerca 8.1 O Conhecimento Da Neuropsicologia Para Formação Dos Educadores. Os educadores, ao conhecerem o funcionamento do sistema nervoso, podem desenvolver melhor seu trabalho e fundamentar sua prática diária com reflexos no desempenho e na evolução dos educandos. Podem intervir de forma mais efetiva nos processos de ensino e aprendizagem, sabendo que esse conhecimento precisa ser criticamente avaliado antes de ser aplicado de forma eficiente no cotidiano escolar. Os conhecimentos agregados pela Neuropsicologia podem contribuir para um avanço na educação em busca de melhor qualidade e resultados eficientes na vida do indivíduo e na sociedade. Hardiman & Denckla comentam a relevância do que denominaram a ciência da educação, trazendo à tona uma abordagem que vem se consolidando nos últimos anos, especialmente nos Estados Unidos, através de um novo campo multidisciplinar de conhecimento e de atuação profissional nas áreas da docência e da pesquisa educacional: A Neuroeducação. Para estas autoras, a nova geração de educadores, impreterivelmente, necessitará levar em conta o conhecimento gerado por pesquisas das neurociências ao articular, planejar e desenvolver seus projetos de ensino e de aprendizagem. Quando se trata da aprendizagem, existem alguns princípios e padrões comuns que podem ser adequados para todos, mas existem também situações que são específicas (individuais, resultantes da experiência vivida por cada um) e que, portanto, o educador precisa conhecer para poder relativizar ou tratar de maneira diferenciada. Não conseguiremos, de um momento para outro, romper com uma longa tradição centrada em ensinar e avaliar de uma única maneira e de forma padronizada. A formação de educadores não se limita a um aprendizado de técnicas educativas, NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 58 mas avança no sentido de constituição dos sujeitos, o que torna essencial a criação de modos de ser e fazer. É fundamental que educadores conheçam as estruturas cerebrais como interfaces da aprendizagem, já que os estudos da biologia cerebral vêm contribuindo para a práxis em sala de aula, para o entendimento das dimensões cognitivas, motoras, afetivas e sociais, no redimensionamento do educando e suas formas de interferir nos ambientes pelos quais perpassam. É importante compreender que a dificuldade de aprender não é uma situação isolada e que diversas vezes apresenta a necessidade de uma avaliação diagnóstica de especialistas para o tratamento das desordens do aprender. É imprescindível entender que tal processo é sinalizado e, por isso, torna-se indispensável o conhecimento do educador com o objetivo de discernir os sinais que constantemente são manifestados em sala de aula. O aprendizado é um processo complexo e dinâmico que resulta em modificações estruturais e funcionais do SNC. As alterações ocorrem a partir de um ato motor e perceptivo, que, elaborado no córtex cerebral, dá início à cognição. No processo neuropsicológico do ato de aprender, a atenção, a memória e as funções executivas assumem um papel de fundamental importância. Os distúrbios atencionais e das funções corticais de percepção, planejamento, organização e inibição comportamental também têm sua importância no processo neuropsicológico, visto que a memória é essencial em todos os processos de aprendizagem, e seus distúrbios não permitem reter as informações. É essencial compreender que o SNC coordena as tarefas internas e externas do organismo, construindo uma integração e procurando manter o equilíbrio do sujeito com o mundo externo. A ativação de uma área cortical, determinada por um estímulo, provoca modificações também em outras áreas, pois o cérebro não funciona como regiões isoladas. O acontecimento se dá em virtude da existência de um grande número de vias de associações, precisamente organizadas atuando nas duas direções. Segundo Oliveira et al., o processo de aprendizagem promove a plasticidade no momento em que ocorrem modificações estruturais e funcionais nas células neurais e suas conexões. Tais modificações também aparecem na representação dos mapas corticais (representações cognitivas) que sofrem alterações neste processo, decorrentes das experiências vivenciadas pelo sujeito. Morris & Fillenz relatam que a eficácia da aprendizagem é influenciada pelo nosso estado emocional, já que NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 59 apresentamos tendências para lembrarmos melhor os acontecimentos associados a experiências particularmente felizes, tristes ou angustiantes. Como também nos recordamos melhor dos acontecimentos quando estamos atentos. O cérebro mostra plasticidade neuronal (sinaptogênese), entretanto, maior densidade sináptica não determina maior capacidade generalizada de aprender. Estudantes precisam sentir-se “detentores” das atividades e temas que são relevantes para suas vidas. O ambiente escolar precisa de atividades préselecionadas como possibilidade de escolha de tarefas, que aumenta a responsabilidade do aluno no seu aprendizado. Segundo De-Nardin & Sordi28, faz-se necessário analisar a prática pedagógica, levando a conscientização aos educadores da necessidade de liberar espaço na instituição escolar para vivenciar momentos que proporcionem a problematização e interações com o meio, levantamento de hipóteses, como também experiências práticas, que envolvam situações de elaboraçãodo conhecimento próprio do educando. O educador é mediador e colaborador da produção da consciência e memória, trocando a dispersão pela atenção consciente. Para tunes et al., é importante ressaltar que a vivência na escola perpassa por um processo significativo, despertando o desenvolvimento integral do indivíduo. As múltiplas inteligências implicam novos paradigmas para a educação, pois afirmam que os alunos são construtores do seu conhecimento. Nessa compreensão, o aluno deve ser considerado em seu contexto geral, e este possui outras inteligências. O educador é o facilitador do processo de aprendizagem, e não um transmissor de informações prontas. A teoria das inteligências múltiplas afirma que existem habilidades para compor atividades diversificadas, produzidas por tipos diferentes de inteligência. O professor precisa conhecê-las para compreender a singularidade de seus alunos. Segundo Gardner, cada inteligência atua por meio de sistemas neurais distintos e independentes. Na concepção de Cosenza & Guerra , a educação pode se beneficiar dos conhecimentos neurocientíficos para o planejamento de suas práticas pedagógicas, desenvolvendo atividades que fortaleçam os circuitos neuronais. Também pode permitir a exploração das potencialidades do SNC de forma criativa e autônoma, além de sugerir intervenções significativas para melhoria do aprendizado de seus educandos. Os conhecimentos científicos agregados à educação podem interferir de maneira mais efetiva nos processos de ensino e aprendizagem. NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 60 8.2 A Contribuição da Neurociência no Processo de Ensino e Aprendizagem. A Neurociência proporciona para os educadores novas estratégias de ensino e aprendizagem. Sendo assim, quando os estudantes são estimulados e valorizados em sala de aula por meio de um método dinâmico e prazeroso, surgem alterações na quantidade e qualidade de conexões sinápticas, resultando em um processo cerebral positivo, que aumenta as suas possibilidades de resultados eficazes. No desenvolvimento de ações dinâmicas relacionadas à aprendizagem, existem diferentes maneiras de implementar inovações de ensino, como o uso de jogos pedagógicos e didáticos, métodos de associação de informações e imagens e atividades envolvendo os cinco sentidos. Cosenza & Guerra1 afirmam ainda que não aprendemos tudo o que estudamos de um dia para o outro e muito menos o que apenas presenciamos na sala de aula. É importante que assuntos estudados possam ser examinados em diferentes contextos, pois a consolidação, resultante de novas conexões entre as células nervosas e do reforço de suas ligações, demanda tempo e nutrientes e, portanto, não ocorre de imediato. Compreendendo que estudar é uma ação aprendida, considera-se necessário proporcionar aos educandos o desenvolvimento de suas habilidades de estudo, e os educadores devem se posicionar como mediadores e facilitadores desse processo, explicando as regras do jogo, ou seja, que é necessário utilizar métodos específicos para que haja resultados mais eficazes. Pode-se definir o aprendizado como a modificação de um comportamento que surge em resposta a uma imposição exercida pelo meio. A principal característica do aprendizado é a aquisição de uma determinada informação. Em animais, essa aquisição é determinada pela intensidade dos estímulos e nos seres humanos ela também está relacionada a fatores motivacionais. A amígdala é um centro nervoso regulador dos processos emocionais. Esses processos estão envolvidos no fenômeno da motivação, que é importante para a aquisição do conhecimento. As emoções podem facilitar a aprendizagem, mas o estresse tem efeito contrário. O ambiente escolar bem planejado pode facilitar as emoções positivas e evitar as emoções negativas. A motivação para a aprendizagem pode ser verificada por meio de observações diretas de comportamentos, pelo julgamento de outros e por relatos e autoavaliações. As observações diretas estão NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 61 associadas à análise dos comportamentos de um estudante que poderiam ser indicativos de aspectos motivacionais. Como exemplo, pode-se colocar o estudante de frente a algumas opções de atividades e averiguar como este escolhe a tarefa, seu esforço na manutenção e realização da ação e a persistência frente às dificuldades ou obstáculos. Algumas definições de motivação apresentadas por Pfromm e Pintrich & Schunk consideram a importância da motivação para que uma ação seja iniciada e sustentada. O envolvimento e a persistência nas tarefas escolares são essenciais e mostram adequadamente esta característica da motivação relacionada à iniciação e à sustentação de um comportamento. O envolvimento também possibilita a aquisição de novos conhecimentos e habilidades, o que atinge a motivação, aumentando o valor da atividade no futuro. Além disso, alunos motivados demonstram interesse pelas tarefas e geralmente trabalham com mais vontade. Cosenza & Guerra alertam a respeito do uso destes conhecimentos em soluções simplistas: “Embora muitas vezes se observe certa euforia em relação às contribuições das neurociências para a educação, é importante esclarecer que elas não propõem uma nova pedagogia nem prometem soluções definitivas para as dificuldades da aprendizagem.”. Então, estes conhecimentos representam uma reorientação de direção e um acréscimo para romper com os conceitos conservadores, historicamente cultivados sobre o aprender e ensinar. Segundo a teoria de Ausubel, os conhecimentos prévios dos alunos devem ser valorizados para construir estruturas mentais, utilizando como meio mapas conceituais que permitem descobrir e redescobrir outros conhecimentos. Os pesquisadores Fenker & Schütze atentam para a importância da apresentação de novos conteúdos aos alunos, antes da exploração e levantamento de conhecimentos prévios. Segundo estes pesquisadores, os conhecimentos prévios podem e devem ser trabalhados, mas não nos momentos iniciais das aulas. Tais dinâmicas podem favorecer a dispersão diante de temas já conhecidos pelos alunos. Saberes desconhecidos ativam áreas cerebrais que melhoram significativamente a memória. Estudos indicaram que as “novidades” potencializam as atividades no hipocampo, favorecendo o aprendizado e a memória, além de sua duração. Essas descobertas são de grande importância para a área educacional. Os educadores podem utilizar tais descobertas para estruturar suas aulas de forma mais eficaz, desenvolvendo aulas nas quais serão apresentadas novas informações e, NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 62 posteriormente, revendo os conteúdos anteriores, em que os alunos podem vivenciar situações que reflitam o contexto da vida real, de forma que a informação nova se “ancore” na compreensão anterior. Aprendizagem, cognição, memória e ensino estão correlacionados e correspondem às atividades fundamentais que ocorrem na escola. A escola é, sobretudo, um lugar onde pessoas se reúnem para ensinar e aprender. As interações do sujeito com o ambiente levam a modificações sinápticas e ao surgimento de novas sinapses por reforço das conexões neurais com atividades úteis. Do contrário, as ligações sinápticas pouco usadas tornam-se mais fracas ou desaparecem. As escolhas das conexões que serão preservadas e potencializadas dependerão dos estímulos que o cérebro recebe. Compreende-se que é importante ser seletivo com as informações que devemos ou gostaríamos de processar, pois a memória de curto prazo, muitas vezes, não consegue processar tudo que é exigido dela. Em alguns momentos, torna-se necessário limitar os estímulos e privilegiar a informação que deve ser aprendida. Lembrando que o cérebro se dedica a aprender aquilo que ele entende como significante. A melhor maneira de desenvolver aprendizagem é fazer com que oconhecimento novo esteja de acordo com as expectativas, e que tenha ligações com o que já é conhecido e considerado como importante para o educando. Sabe-se que essa memória é transitória, caso não haja novas ativações da mesma experiência, o aprendizado não é consolidado. Vale ressaltar que a aprendizagem consolidada só se fará com a formação e estabilidade de novas conexões sinápticas, o que requer tempo e esforço pessoal. A repetição é imprescindível no processo de aprendizagem, pois leva à proficiência, fazendo com que o sujeito se torne fluente em determinada área de conhecimento, além de refinar habilidades básicas e reduzir o esquecimento. Contudo, repetir leva à desmotivação, necessitando de estratégia que disfarce sua prática e produza motivação para seu desenvolvimento. O educador pode trabalhar o mesmo conteúdo em contextos diferenciados, tais como: textos de diversos gêneros, filmes, brincadeiras, entre outras ações. A repetição também pode ser executada em tarefas avançadas e desafiadoras, da qual necessitará reforçar o conteúdo anterior para solucionar o desafio proposto. Dessa forma, estará contribuindo para o NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 63 armazenamento de informações na memória de longo prazo ou consolidando conhecimentos, assim como aquisições de novas aprendizagens4. 9 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ASSMANN, H. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. DEMO, Pedro. Professor do futuro e reconstrução do conhecimento. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. EYSENCK, Michael W.; KEANE, Mark T. Manual de Psicologia Cognitiva. Porto alegre: ARTMED, 2007. F MORA, Francisco. Como Funciona o cérebro. Tradução de Maria Regina Borges Osório. Porto Alegre: Artmed, 2004. POZO, Juan Ignácio. Aprendizes e mestres: a nova cultura da aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2002. 4 Texto extraído: SOUSA, Anne Madeliny Oliveira Pereira de. ALVES, Ricardo Rilton Nogueira. A neurociência na formação dos educadores e sua contribuição no processo de aprendizagem. Disponível em: pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v34n105/09.pdf.Acesso em: 09/08/2019.Acesso em: 09/08/2019 às 18:11h. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v34n105/09.pdf http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v34n105/09.pdf http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v34n105/09.pdf http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v34n105/09.pdf http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v34n105/09.pdf NEUROCIÊNCIAS APLICADAS À EDUCAÇÃO 64