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Como rever o estilo e o conteúdo de um texto literário Apresentação O estilo diz respeito ao modo particular de o autor escrever, usar a linguagem e compor suas obras. Em relação ao conteúdo, nem todo texto literário está ligado à ficção, e muitas vezes é subjetivo, por isso podem existir diferentes interpretações. Ademais, o texto literário contém figuras de linguagem, sentido conotativo, intertextualidade e sentidos metafóricos das palavras, que tornam o texto mais expressivo. Quando compreendemos as características e o estilo desse tipo de texto nas obras clássicas e contemporâneas, é possível entender as diferentes maneiras de estruturar um texto, juntamente com seus respectivos temas. Cada texto apresenta características próprias, como também pode se assemelhar a outros textos do mesmo gênero, e isso facilita o estudo e a compreensão deles. Portanto, você vai perceber que o contexto sócio-histórico é essencial para entender os textos, seus respectivos estilos e sua linguagem, variações e registros. É na interação leitor-texto-autor que se constrói diferentes sentidos e saberes acerca da literatura e da cultura dos povos. Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai estudar o estilo e o conteúdo de um texto literário. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Examinar os conceitos de um texto literário.• Esclarecer os propósitos do texto literário no cenário contemporâneo.• Interpretar o texto literário à luz dos estilos literários.• Desafio Ao ler um texto literário, é fundamental observar a maneira como ele foi escrito, os recursos que o escritor utilizou para convencer o leitor. O autor se preocupa com cada palavra do texto. Seu objetivo, portanto, não é apenas transmitir ideias e informações; ele quer que o texto tenha beleza, que emocione o leitor. Sendo assim, acompanhe a seguinte situação. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://statics-marketplace.plataforma.grupoa.education/sagah/53f61f2f-4c91-455f-a8a7-ed9f33fb3843/b2d8b270-f6fa-447d-bb4e-5edc7354ff17.jpg Apresente as semelhanças e diferenças entre eles, analise se foram escritos em épocas diferentes e elabore uma análise que mostre se os textos fazem parte da realidade, como eles podem emocionar o leitor e como podem ser relacionados com as respectivas épocas em que foram escritos. Infográfico Na literatura, os conceitos se ampliam de acordo com a perspectiva teórica dos autores e dos contextos históricos. Assim, ter apenas uma definição do que é um texto literário pode minimizar a análise das obras, porque uma obra literária participa de todo um processo e o relaciona com fatos culturais. Nessa direção, também é importante compreender os intertextos e suas relações nas obras literárias, a fim de estabelecer relações de sentido mais amplas sobre os textos estudados. Conheça no Infográfico um pouco mais sobre o conceito de texto literário e do papel do escritor com base na concepção greco-romana e na perspectiva de Pound, crítico literário e poeta. Além disso, entenda que desde a Idade Média se primava pela materialidade linguística na escrita. Por fim, conheça as relações intertextuais mais utilizadas nos textos literários. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://statics-marketplace.plataforma.grupoa.education/sagah/9e97ce82-ae32-4bd7-b5bc-7c384957270e/1e742c72-1bed-4b9c-9e95-98ad8ccf4520.jpg Conteúdo do livro Reconhecer o texto literário é primordial, principalmente por causa de sua carga estética. A discussão sobre a função e estrutura desse tipo de texto é pertinente, porque é difícil o leitor compreender as ambiguidades e metáforas presentes na literatura, uma vez que o texto literário apresenta uma escrita diferenciada, um aprimoramento com o uso das palavras, sem deixar de considerar os aspectos conotativos e seus enigmas. Sendo assim, o texto literário é muito mais artístico, sobressaindo sua função estética, que pode provocar diferentes emoções no leitor. É uma construção textual que segue as normas da literatura e apresenta funções e características próprias. No capítulo Como rever o estilo e o conteúdo de um texto literário, compreenda um pouco mais sobre o texto literário, o estilo de texto e as correntes literárias, a fim de retomar o contexto histórico. Reconheça também o que é um texto literário e a valoração desse tipo de texto, identificando os textos literários na contemporaneidade. Por fim, aprenda a interpretar um texto literário. Boa leitura. ESCRITA LITERÁRIA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Examinar os conceitos de texto literário. > Esclarecer os propósitos do texto literário no cenário contemporâneo. > Interpretar o texto literário à luz dos estilos literários. Introdução A literatura assim se denomina por consistir em um trabalho diferenciado com a linguagem, deslocando os sentidos das palavras, atribuindo-lhes significados inusitados e inovadores, enriquecendo o uso da língua. Assim, os textos literários são baseados na imaginação do escritor/artista e, por isso, são subjetivos. A sua função é entreter o leitor, de modo que estão intimamente relacionados com a arte. Por serem artísticos, não têm compromisso com a objetividade e com a transparência das ideias. Neste capítulo, vamos definir os conceitos relacionados ao texto literário, de forma que o leitor seja capaz de compreender o seu compromisso com o objeto linguístico e com a estética. Além disso, vamos discutir a multissignificação, a variação, a liberdade de criação, a complexidade, a linguagem conotativa, entre outras características do texto literário que acabam por subverter as normas da gramática tradicional. Para isso, vamos tratar da valoração do texto literário, Como rever o estilo e o conteúdo de um texto literário Zuleica Aparecida Michalkiewicz ou seja, de como ele é visto na contemporaneidade, trabalhar a plurissignificação e a intertextualidade, e analisar um texto repleto de sentidos. Texto literário: o que é? O texto literário assume um papel importante na busca pela formação do sujeito com competência criativa, consciente social e culturalmente, a ele oportunizando uma nova maneira de repensar a sociedade e o mundo. De fato, a leitura do texto literário é um acontecimento que provoca reações, estímulos, experiências múltiplas e variadas, dependendo da história de cada indivíduo. Não só a leitura resulta em interações diferentes para cada um, mas cada sujeito poderá interagir de modo diferente com a obra em outro momento de leitura. A literatura também pode desenvolver o senso crítico. Mesmo na leitura silenciosa, levantam-se discussões mentais sobre um aspecto ou outro, enfrentam-se dilemas morais e se ampliam os conhecimentos e as opiniões sobre alguma situação ou tema. Quem escreve se posiciona, ou posiciona os personagens, contando algo a partir de um determinado ponto de vista. Assim, entramos na história a partir da perspectiva de outra pessoa, e nos é possível concordar, discordar, acreditar, desconfiar, reelaborar as narrativas e pensar. A palavra literário tem origem no latim litterarĭus e significa “aquilo que é relativo à leitura, à escrita”. Já a palavra literatura significa “letra” e vem do latim litteris. Observe que esta se refere mais ao ato de escrever, enquanto aquela diz respeito à leitura, ou seja, como ler as letras. Diante da origem das palavras, você já começa a notar as diferenças de um texto literário, que não é simplesmente um texto com informações a respeito de algo, mas um texto repleto de conotações, variações e estética. Isto é, trata-se um texto escrito para despertar as emoções no leitor pelo uso da linguagem poética com função estética, respeitando os estilos de cada escritor. O texto literário apresenta características próprias a fim de criar uma interação entre o leitor e escritor. Para isso, faz usode pontuações diferen- ciadas, figuras de linguagem e um vocabulário selecionado pelo escritor especificamente para atrair a atenção na hora da leitura, visando a conduzir o leitor pelas teias literárias da obra. Dessa forma, o escritor constrói uma musicalidade, um ritmo no texto para tocar a sensibilidade de quem o lê. Antes de vermos um exemplo, vamos retomar as funções de linguagem (Figura 1). Como rever o estilo e o conteúdo de um texto literário2 Figura 1. Funções da linguagem. Em relação às características da função poética, destaca-se o uso de: � linguagem elaborada; � figuras de linguagem; � palavras em sentido conotativo; � expressões do cotidiano com valor metafórico. Observe o seguinte fragmento de texto literário. “Antes bonita, olhos de viva mosca, morena, mel e pão. Aliás, casada. Sorriram-se. Viram-se. Era infinitamente maio e Jó Joaquim pegou o amor.” (Desenredo, Guimarães Rosa) O fragmento da crônica de Guimarães Rosa apresenta uma linguagem simples, mas os arranjos metafóricos são evidentes. A metáfora da mosca atraída pelo mel, os olhos grandes e negros, como se fosse uma mosca, deixa claro a atração entre os personagens. A escolha de frases curtas demonstra a aceleração do coração de Jó ao ver a morena. Além disso, o escritor faz alusão a pegar o amor como se fosse um vírus. Contrariando a linguagem comum, a escolha vocabular surpreende o leitor e conduz a uma sensação diferenciada durante o ato de ler sobre o que seria apaixonar-se. Como você pode perceber, a linguagem literária é permeada de expressi- vidade e beleza. Ainda que mais ou menos valorado, o texto literário é aquele que toca o leitor, que fala o que é simples, que define o que muitos de nós gostaríamos de dizer. Como rever o estilo e o conteúdo de um texto literário 3 Valoração do texto literário Para que um texto seja validado, é preciso passar pelo consenso de de- terminadas instituições, uma vez que o conceito de texto literário é social e historicamente construído. Quando uma obra é lançada, ela passa pela apreciação da crítica especializada, pelo público leitor, pela instituição es- colar, pela academia, que são instituições legitimadoras do saber. Após toda a apreciação é que o texto ganhará o estatuto de texto literário. Muitas obras que hoje têm valor literário internacional levaram tempo para serem assim aceitas. Inclusive, Compagnon (2003, p. 227) observa que “A avaliação de textos literários deve ser diferenciada do valor da literatura em si mesmo. Mas é claro que os dois problemas não são independentes: um mesmo critério de valor preside, em geral, à distinção entre textos lite- rários e não literários, e à classificação de textos literário em si”. Ou seja, o autor relaciona os critérios de avaliação de texto literário como operacionais. É possível, então, comparar um texto literário em relação ao outro. Por exem- plo, pode-se afirmar que Iracema, de José de Alencar, é menos literário que O cortiço, de Aluísio de Azevedo. Tudo vai depender dos critérios de quem faz a análise. Porém, vale ressaltar que esses critérios precisam ser elucidados para justificar a sua complexidade. Como o conceito de ser ou não texto literário é social e historicamente construído, não se pode deixar de mencionar que, até o século XVIII, o público leitor era formado pela sociedade polida e elitizada (ZAPPONE; WIELEWICKI, 2005). Depois dessa época, começou a surgir uma classe intermediária, que não estava relacionada às discussões dessa camada mais intelectualizada. Portanto, os críticos precisam considerar para qual público leitor a obra é destinada. Candido (2006, p. 84), ao discutir o sistema literário, afirma que: A literatura é, pois, um sistema vivo de obras, agindo umas sobre as outras e sobre os leitores; e só vive na medida em que estes a vivem decifrando-a, aceitando-a, deformando-a. A obra não é produto fixo, unívoco ante qualquer público; nem este é passivo, homogêneo, registrando uniformemente o seu efeito. São dois termos que atuam um sobre o outro, e aos quais se junta o autor, termo inicial desse processo de circulação literária, para configurar a realidade da literatura atuando no tempo. Como rever o estilo e o conteúdo de um texto literário4 Dessa forma, o autor deixa evidente que há influência das obras sobre os leitores, bem como dos leitores sobre as obras. O aspecto social citado por Candido (2006) reitera que a literatura e o conceito de texto literário estão relacionados com a sociedade em que eles surgem. Não se pode deixar de destacar que os padrões de referência para uma obra ser considerada literária sempre foram os cânones da literatura. Por mais que a literatura tenha se distanciado desse purismo, hoje valorizando mais as questões culturais, a ideia de cânone permanece viva, sobretudo quando se refere às comparações. Aqui, convém trazer a concepção de cânone, porque está imbricada na valoração de poder: “A formação de um cânone tem uma função específica: preservar uma estrutura de valores que seja considerada como fundamental seja para o indivíduo ou para o grupo; esses valores cons- tituem uma norma, sob a qual este ou aquele se guia” (CORRÊA, 1995, p. 324). Assim, vemos que as verdades vão sendo reiteradas, construindo uma tradição que, muitas vezes, configura a tradição de uma literatura. Por isso, Corrêa (1995, p. 325) destaca que o “[...] cânone obrigatoriamente reflete características positivas reguladoras de um comportamento compatível com a sociedade em questão”. Essa definição está atrelada a jogos de interesse e de poder dentro dos contextos históricos. A herança do método positivista de classificação de autores e obras representantes da cultura do país constrói uma memória coletiva, e essa memória é que constrói os cânones de uma nação e, por conseguinte, a referência histórica. Portanto, conhecer o percurso histórico da literatura auxilia a compreender a concepção de texto literário, uma vez que está rela- cionada ao contexto social, histórico e cultural. O texto literário no contexto contemporâneo Antes de mais nada, vamos brevemente retomar as correntes literárias, vi- sando a lembrar que cada uma delas teve o seu ápice em contextos históricos específicos (Figura 2). Como rever o estilo e o conteúdo de um texto literário 5 Figura 2. Cronologia das correntes literárias. Fonte: Adaptada de Soares (2018). Trovadorismo 1189 Classicismo 1527 Humanismo 1434 Brasil Era Colonial Era Nacional Arcadismo 1756 Realismo 1865 Parnasianismo 1882 Pré-Mordernismo 1902 Pós-Modernismo 1945 Barroco 1580 Romantismo 1825 Naturalismo 1875 Simbolismo 1890 Modernismo 1922 Embora essas correntes literárias tenham tido início em determinado momento, não significa que as suas características desapareceram quando uma nova escola literária surgiu. Todas as características passaram a conviver e, assim, as obras literárias passam a ter características múltiplas. Isto é, os textos românticos apresentam características barrocas e os textos do realismo apresentam características românticas. Isso significa que as carac- terísticas podem ser utilizadas em épocas diferentes, e por isso encontramos a intertextualidade. Ao se fazer referência a textos de épocas passadas, apropria-se de determinadas características, mas enfatiza-se as característi- cas da atual escola. Há, então, uma sobreposição que nos permite identificar melhor o contexto histórico. Veja, no trecho a seguir, a um exemplo bem atual de características que eram encontradas nas cantigas de maldizer, que começaram a circular por volta de 1189. Num golpe de olhar Ganhou meu coração Mas eu não imaginava a decepção Por ela fui fiel, tão cego eu fiquei Ir no night-futebol, amigos eu deixei Foi irracional o que ela fez Mas vou deletar Ah, ah Sua insensatez Renata ingrata, trocou meu amor por uma ilusão Renata ingrata, quem planta sacanagem, colhe solidão Como rever o estilo e o conteúdo de um texto literário6Até pra namorar a bela foi atriz Fingindo que eu era o que ela sempre quiz A lua entristeceu, o céu mudou de cor Renata foi embora e a deprê ficou Foi irracional o que ela fez. (Latino, Renata, 2004) As cantigas de maldizer eram objetivas e cantadas. Pareciam as críticas diretas e, muitas vezes, agrediam verbalmente. Ainda, o autor da cantiga mencionava o nome da pessoa com o objetivo de ofendê-la diretamente. Essas mesmas caraterísticas aparecem na canção do cantor Latino, que, ao cantar a música intitulada Renata, expõe que ela foi ingrata, que o trocou por outra pessoa. O objetivo de ofendê-la fica evidente, porque faz alusão ao nome da amada. Evidentemente, a linguagem sofreu alterações devido aos contextos históricos bastante distintos, mas não se pode negar que as características desse tipo de texto literário ainda podem ser encontradas nos textos literários da contemporaneidade. As mudanças das escolas literárias acontecem devido às mudanças das respectivas épocas. Elas envolvem os contextos políticos, sociais e culturais, e fazem as manifestações artísticas adquirirem novas características: Os manuscritos não são um documento inerte, mas um acontecimento num tempo e espaço próprios, ligados a uma série de condições de possibilidades históricas com as quais estão intrinsecamente relacionados. / Não se trata, pois, de partir dos documentos e chegar a um processo de criação, mas de entender as tensões, as contradições, as descontinuidades nas quais eles operam e que operam neles (PINO; ZULAR, 2007, p. 156-157). A chamada literatura contemporânea teve início em meados do século XX, após o pós-modernismo. Na década de 1960, o contexto histórico revelava uma euforia política e econômica durante o governo de Juscelino Kubitschek. Essa euforia teve reflexos na cultura e, por conseguinte, em diversos movimentos artísticos, como no cinema novo, na bossa nova, na vanguarda, no teatro de arena e na televisão. O país então vivia um período ditatorial e, portanto, os artistas precisa- ram encontrar caminhos de expor a sua arte de maneira velada. Esse clima se estendeu até 1985, quando começou o movimento “Diretas já”. Claro que muitos outros acontecimentos e mudanças estavam ocorrendo, e por isso é tão importante conhecer os contextos históricos, visando a compreender o cenário das produções literárias. Como rever o estilo e o conteúdo de um texto literário 7 Os caminhos que os artistas foram encontrando ao longo de todo esse contexto histórico refletem a multiplicidade cultural. Assim, muitos autores afirmam que, na contemporaneidade, tem-se uma junção das diversas escolas literárias. Isso resultou em caraterísticas mais democráticas na literatura contemporânea. No bojo da literatura atual, a principal característica do texto literário é a plurissignificação, ou seja, os vários sentidos e significados valorizados dentro da linguagem conotativa. A escrita ultrapassa o real para a ficcio- nalidade, transfigurando e recriando a escrita. A subjetividade apresenta o olhar individualizado a partir de experiências e emoções pessoais. A ma- nipulação da palavra vem revestida da linguagem poética, na qual o autor apresenta a visão particular diante dos anseios e das pretensões humanas. Essas características que foram construídas ao longo da história se misturam, na contemporaneidade, com a multiplicidade cultural e com a vastidão de gêneros literários, espraiando-se nos diferentes suportes de divulgação do texto literário. Dessa forma, no cenário literário atual, observa-se a ruptura entre a arte erudita e a arte popular. A arte erudita valoriza obras com valores universais, de artistas com conhecimento técnico, ao passo que a arte popular traz temas que giram em torno da vida cotidiana, dos costumes, das crenças e da religiosidade popular. Nesse sentido, a intertextualidade permite o diálogo com múltiplos textos de diferentes épocas: Ela permite uma retomada dos textos literários, das letras de músicas e das poesias que nunca saem de moda, pois a literatura trabalha com o sentido textual e seus temas estão sempre presentes na memória do leitor retomando-os de tempos em tempos para reelaborá-los dando espaço para se fazer o novo (BONA, 2013, p. 10). O ecletismo é outra característica da literatura atual, misturando estilos e contemplando diferentes gostos. Os diferentes estilos históricos agregam uma única combinação nas obras atuais. Além disso, apresentam-se dentro de uma variedade de narrativas. O fato é que o quadro literário atual é muito diverso e passível de diferentes olhares. Ademais, não se pode deixar de destacar que a literatura contem- porânea está em curso, então é difícil estabelecer critérios mais definidos. O que se pode analisar, por enquanto, é que há diferentes tendências, que ora retomam as caraterísticas clássicas, ora apresentam inovações peculiares. Como rever o estilo e o conteúdo de um texto literário8 Mais do que questões estéticas, os textos literários guardam memória, cultura e história, fornecendo meios para compreender o mundo. Da compreensão à análise do texto literário A literatura sempre esteve presente em todas as civilizações até a atualidade. Seja por meio dos livros, dos desenhos, da música e da fala, trata-se de manifestações de linguagem verbal ou não verbal que, por meio da função estética, constrói dizeres que são belos e envolventes em um nível mais sensível e profundamente humano. Compreender os textos literários é muito mais que decodificar as letras que, juntas, trazem uma informação, estabelecendo a comunicação. É, so- bretudo, mergulhar fundo na história, nos conflitos sociais, nas culturas, nos valores, nas crenças e nos dogmas, sentindo determinadas situações por meio de personagens, versos, rimas e sons. É sentir por meio do olhar do outro, é rever e entender muito do que se vive na atualidade, compreender o início, as relações de poder, os jogos de interesse, as marginalizações, a estrutura de um mundo que gira globalizado com todas as esferas da vida. No entanto, na literatura, tudo é envolto em subjetividades que conduzem cada leitor a uma interpretação única. É por meio da literatura e do texto literário que o homem se constrói como sujeito e cidadão, que compreende a si e às dinâmicas sociais do mundo. Para a interpretação, é preciso sempre ter em mente que autor e leitor se completam no exercício da leitura, por meio de um trabalho colaborativo que vem mediado pelas vivências que unem leitor-texto-autor. Assim, não há uma regra a ser seguida, porque nem o autor, nem o leitor têm o monopólio da interpretação. Há múltiplas construções de sentidos que podem ser es- tabelecidas a partir de um texto, especialmente o texto literário. Interpretar tem relação com a natureza, ou physis, segundo os gregos. Porém, essa natureza diz respeito à natureza natural, à natureza humana e à natureza das coisas quando o sentido do texto emerge como força, transpa- recendo o que se oculta ao primeiro olhar. Portella (1977) disse que a imitação Como rever o estilo e o conteúdo de um texto literário 9 é a natureza da literatura, porque a literatura vem à tona na representação do que é vivido e do viver. Um texto está sempre em construção. Dessa forma, um texto não é um produto, mas uma negociação de sentidos, a depender da sua historicidade. O sentido de um texto é uma reconstrução que considera o tempo e o espaço, e eles desempenham um papel relevante para esclarecer o contexto. Ao ob- servar a proximidade temporal, a contemporaneidade e a distância espacial e temporal, tem-se os primeiros passos para iniciar os sentidos. A começar pela intencionalidade do autor, estão os aspectos práticos. Por isso, sempre se considera a biografia do autor, o seu espaço social e o seu ambiente histórico, que são elementos capazes de alterar a compreensão do texto, evidenciando o lugar de fala de quem escreve. Na materialidade do texto, estão expressos a língua, a cultura,o estilo e as habilidades do autor para articular as ideias mantendo a textualidade e a gramaticalidade. Ao reunir todos esses elementos, inicia-se o processo de dialogismo textual, em que começam as tensões e os conflitos sobre as verdades do autor e as verdades do leitor, mediadas por meio do texto. É um momento de subjetividade para a formação de juízos de valor quando o texto vive e (re)vive na perspectiva do leitor e da crítica. O texto literário é permeado de complexidades e variados sentidos, por isso é fonte de interpretações inesgotáveis. Há diversas leituras desse tipo de texto devido à polissemia, o que torna o texto literário uma obra sempre aberta, no sentido de nunca estar pronta para a construção de sentidos. Nessa direção, as verdades do texto vão de encontro às verdades do leitor. A interpretação de obras literárias carrega verossimilhança, que remete a um local difuso entre aquilo que é real e aquilo que é imaginado. Por isso, muitas vezes, o leitor é arremessado em contradições, naquilo que não está dito, na elipse e na tensão, caracterizando o lugar do desconfortável, porque mexe intrinsicamente com o leitor. Portanto, para interpretar um texto literário, é preciso ficar atento: � à ambiguidade, ou seja, aos duplos sentidos estabelecidos pelo autor; � ao acervo semântico compartilhado, isto é, jogos de sentido, variações linguísticas, uso dos aspectos formais língua, registros, etc.; � à defasagem espaço-temporal, pois, embora muitos textos apresen- tem uma linearidade temporal, há aqueles que quebram com o linear presente, passado e futuro; � à reconstrução de sensibilidade, ou seja, estabelecer a comunhão entre as motivações emocionais do autor e a sensibilidade do leitor; Como rever o estilo e o conteúdo de um texto literário10 � às experiências compartilhadas, isto é, dividir as experiências do texto na construção de sentidos; � ao prazer de ler, pois ler é construir saberes, aprender, ter prazer de ver o mundo por outros olhares. Quando lemos uma história e choramos, criamos empatia pelos persona- gens, envolvemo-nos, sofremos com os infortúnios, torcemos pelos casais, entendemos que aquele personagem não é totalmente bom ou totalmente mal, estamos interagindo com o texto. Candido (2006) já defendia que a Literatura é um direito que não deve ser negado a ninguém, pois negar o acesso ao texto literário seria negar, ao outro, o direito de conhecer a si mesmo. Neste capítulo, vimos que a análise literária é o ato de decompor um texto no intuito de observar cada componente que o constitui. Ou seja, analisar uma obra literária envolve estudar os seus aspectos integrantes. Desse modo, você pode compreender, interpretar e assimilar os sentimentos e valores que o autor quis expressar, além de construir múltiplos sentidos e estabelecer diversas relações devido à intertextualidade, à polissemia e ao trabalho diferenciado com a linguagem. Referências BONA, S. M. P. A intertextualidade na literatura: uma viagem no tempo. Curitiba: Cadernos do PDE, 2013. (Os Desafios da Escola Pública Paranaense na Perspectiva do Professor PDE). CANDIDO, A. O escritor e o público. In: CANDIDO, A. Literatura e sociedade. 9. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006. p. 83-98. COMPAGNON, A. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo Horizonte: UFMG, 2003. CORRÊA, A. A. Historiografia, cânone e autoridade. In: CONGRESSO DE ESTUDOS LIN- GUÍSTICOS E LITERÁRIOS DO PARANÁ, 8., 1995, Umuarama. Anais [...]. Umuarama: CELLIP, 1995. p. 323-328. PINO, C. A; ZULAR, R. Escrever sobre escrever: uma introdução crítica à crítica genética. São Paulo: Martins Fontes, 2007. PORTELLA, E. Dimensões I. 3. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1977. SOARES, E. Literatura: cronologia dos movimentos literários. 2018. Disponível em: https://caduceueflordelis.wordpress.com/2018/09/06/literatura-cronologia-dos- -movimentos-literarios/. Acesso em: 8 ago. 2021. ZAPPONE, M. H. Y.; WIELEWICKI, V. H. G. Afinal, o que é literatura? In: BONNICI, T.; ZOLIN, L. O. (org.). Teoria literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas. 2. ed. Maringá: Eduem, 2005. p. 19-29. Como rever o estilo e o conteúdo de um texto literário 11 Leituras recomendadas BARICH, L.; DINTEL, F. Como melhorar um texto literário: um manual prático para dominar as técnicas básicas de narração. Belo Horizonte: Gutenberg, 2014. PROENÇA FILHO, D. A linguagem literária. 2. ed. São Paulo: Ática, 1987. ROSA, J. G. Tutameia. 9. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967. Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Como rever o estilo e o conteúdo de um texto literário12 Dica do professor A literatura utiliza vastamente o recurso intertextual. Em face disso, a intertextualidade é um importante fator da leitura literária. O texto literário proporciona um feixe de relações intertextuais, de diferenças e tensões em que se representa certa realidade. Assim, o poeta é aquele que cria, que faz linguagem, mas também se apropria das palavras, de tradições, de criação. A intertextualidade acontece na produção e na recepção da grande rede cultural, de que todos participam, uma vez que escrita e leitura são faces da mesma moeda. O leitor é um ator nessa cena e participa da imensa teia dialógica, quando traz para o texto que está lendo sua bagagem de leituras de outros textos, de variadas linguagens e diferentes gêneros. O diálogo pode ser feito entre texto verbal ou não. No entanto, algumas vezes essas relações são mais explícitas, ao passo que outras não são tão evidentes. Um olhar mais atento ao conhecimento construído pode auxiliá-lo nessa análise. Veja na Dica do Professor os aspectos da intertextualidade, isto é, a relação entre os textos. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/cee29914fad5b594d8f5918df1e801fd/11d759c23f87b6ac6fe0993ac2f5a1cf Exercícios 1) Figuras de linguagem, também chamadas de "figuras de estilo", são recursos estilísticos utilizados na linguagem oral e escrita que aumentam a expressividade da mensagem. Existem várias figuras de linguagem: umas são mais conhecidas; outras, menos. Umas são mais utilizadas na linguagem oral; outras, na linguagem escrita. Sendo assim, leia o trecho do seguinte poema: "Aquela que era moça no mar vira peixe mas peixe sem se mexer peixe que não nada. Nada!" (Olga Savary, "Morte de Moema") O poema apresenta um recurso sonoro na figura de linguagem chamada: A) aliteração. B) paranomásia. C) metáfora. D) eco. E) assonância. Os recursos de linguagem utilizados na produção do texto literário são muitos. Observe o texto a seguir e analise como o poema concreto usa o trabalho com a linguagem: Solitário Solidário Soli ário Solitário Solitário Soli ário Solidário Solitário Soli ário Solidário Solidário Soli ário (Ronaldo Azeredo, no livro Poesia concreta) 2) O espaço em branco nas palavras da terceira coluna leva o leitor a ter uma efetiva participação na construção do poema. (Isto é, pode ser preenchido com "T" ou "D".) Transformar o leitor em coautor é uma das características da poesia moderna. Entretanto, pode-se afirmar que o autor explicita sutilmente sua opção, porque: A) remete à ideia de solidão. B) remete à ideia de solitude. C) remete à ideia de solidariedade. D) remete à ideia de insociável. E) remete à ideia de sozinho. A intertextualidade ocorre quando um texto está inserido em outro texto, podendo acontecer de maneira implícita ou explícita. Muitos compositores e escritores brasileiros utilizaram esse recurso,elaborando um texto novo com base em um já existente, os chamados "textos- fontes", considerados fundamentais em determinada cultura, por fazerem parte da memória coletiva de uma sociedade. Observe os dois textos a seguir: Texto 1: No meio do caminho (Carlos Drummond de Andrade) No meio do caminho tinha uma pedra Tinha uma pedra no meio do caminho Tinha uma pedra No meio do caminho tinha uma pedra Texto 2: 3) O que revela a comparação entre os recursos expressivos que constituem os dois textos? A) As linguagens que constroem significados nos dois textos permitem classificá-los como pertencentes ao mesmo gênero. B) O Texto 1 perde suas características de gênero poético ao ser vulgarizado por histórias em quadrinho. C) Os textos são de gêneros diferentes, porque, apesar da intertextualidade, foram elaborados com finalidades distintas. D) O Texto 2 pertence ao gênero literário, porque as escolhas linguísticas o tornam uma réplica do Texto 1. E) A escolha do tema, desenvolvido por frases semelhantes, caracteriza-o como pertencente ao mesmo gênero. 4) O sentido conotativo é usado no texto literário para expressar um sentido diferente daquele que é comum, trazendo a plurissignificação. Leia os versos a seguir e, depois, assinale a alternativa que explica o sentido conotativo do verbo "atravessar", usado nos versos. "O trem de ferro atravessou a rua, enquanto os carros esperavam." "[O trem de ferro] atravessa a noite, a madrugada, o dia." "[O trem de ferro] atravessou minha vida, virou só sentimento." A) No primeiro verso o sentido é conotativo e, nos dois últimos, é denotativo. B) No primeiro e no último verso, o sentido é conotativo, e o segundo verso tem sentido denotativo. C) Os dois primeiros versos têm sentido denotativo, e o último verso, conotativo. D) O primeiro verso tem valor denotativo, e os dois últimos, conotativo. E) Os três versos apresentam sentido conotativo. O texto literário é um texto escrito numa linguagem especial e diferente, um trabalho atento com as palavras e com as construções estitlísticas, com o objetivo de causar alguma emoção no leitor. O exemplo a seguir ilustra a linguagem literária. O relógio (João Cabral de Melo Neto) 1. 5) Ao redor da vida do homem há certas caixas de vidro, dentro das quais, como em jaula, se ouve palpitar um bicho. Se são jaulas não é certo; mais perto estão das gaiolas ao menos, pelo tamanho e quadradiço de forma. Uma vezes, tais gaiolas vão penduradas nos muros; outras vezes, mais privadas, vão num bolso, num dos pulsos. Mas onde esteja: a gaiola será de pássaro ou pássara: é alada a palpitação, a saltação que ela guarda; e de pássaro cantor, não pássaro de plumagem: pois delas se emite um canto de uma tal continuidade que continua cantando se deixa de ouvi-lo a gente: como a gente às vezes canta para sentir-se existente. 2. O que eles cantam, se pássaros, é diferente de todos: cantam numa linha baixa, com voz de pássaro rouco; desconhecem as variantes e o estilo numeroso dos pássaros que sabemos, estejam presos ou soltos; têm sempre o mesmo compasso horizontal e monótono, e nunca, em nenhum momento, variam de repertório: dir-se-ia que não importa a nenhum ser escutado. Assim, que não são artistas nem artesãos, mas operários para quem tudo o que cantam é simplesmente trabalho, trabalho rotina, em série, impessoal, não assinado, de operário que executa seu martelo regular proibido (ou sem querer) do mínimo variar. 3. A mão daquele martelo nunca muda de compasso. Mas tão igual sem fadiga, mal deve ser de operário; ela é por demais precisa para não ser mão de máquina, a máquina independente de operação operária. De máquina, mas movida por uma força qualquer que a move passando nela, regular, sem decrescer: quem sabe se algum monjolo ou antiga roda de água que vai rodando, passiva, graçar a um fluido que a passa; que fluido é ninguém vê: da água não mostra os senões: além de igual, é contínuo, sem marés, sem estações. E porque tampouco cabe, por isso, pensar que é o vento, há de ser um outro fluido que a move: quem sabe, o tempo. 4. Quando por algum motivo a roda de água se rompe, outra máquina se escuta: agora, de dentro do homem; outra máquina de dentro, imediata, a reveza, soando nas veias, no fundo de poça no corpo, imersa. Então se sente que o som da máquina, ora interior, nada possui de passivo, de roda de água: é motor; se descobre nele o afogo de quem, ao fazer, se esforça, e que êle, dentro, afinal, revela vontade própria, incapaz, agora, dentro, de ainda disfarçar que nasce daquela bomba motor (coração, noutra linguagem) que, sem nenhum coração, vive a esgotar, gôta a gôta, o que o homem, de reserva, possa ter na íntima poça. Qual das alternativas a seguir apresenta as principais características do texto literário? A) Sentido conotativo; subjetividade; figuras de linguagem; plurissignificação. B) Sentido conotativo; objetividade; figuras de linguagem; unissignificação. C) Sentido denotativo; subjetividade; figuras de linguagem; plurissignificado. D) Sentido conotativo; subjetividade; figuras de linguagem; unissignificação. E) Sentido denotativo; objetividade; figuras de linguagem; unissignificação. Na prática A análise literária nos incentiva a pensar sobre como e por que um poema, conto, romance ou peça foi escrito. Assim, para compreendê-lo, é preciso decompor um texto em suas partes constitutivas, a fim de perceber o valor e o relacionamento que guarda em si, para melhor interpretar e sentir a obra como um todo completo e significativo. Acompanhe Na Prática a análise de um poema com base nesse processo. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://statics-marketplace.plataforma.grupoa.education/sagah/eced2293-dff8-4a18-b3af-38dcf8958b72/771e2afc-18bf-41f9-bce4-5bfb5b6f5a4c.jpg Saiba + Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: Semiótica e sua aplicação ao texto literário: uma proposta interdisciplinar de usar a teoria e prática em sala de aula Neste texto, acompanhe a descrição de situações de leitura e a ênfase dada nas formas de representação que determinam a apreensão de sentidos específicos nos poemas e textos narrativos. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Como analisar obras literárias de forma criativa? Neste vídeo, veja estratégias de como ler o texto poético com base na seguinte afirmação: "Num texto poético, nenhum dos leitores, nem o autor, leitor privilegiado, detém o monopólio da interpretação". Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Literatura comparada Neste livro, acompanhe, pela perspectiva histórica, o aprofundamento em textos literários que nos auxiliam a compreender esse tema. http://www.revistadialogos.com.br/Dialogos_19/Dial_19_Ricardo_USA.pdf https://www.youtube.com/embed/G0uO-McSYyc Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://viewer.bibliotecaa.binpar.com/viewer/9788595020412