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Os intelectuais e os ideais iluministas
Compreender o movimento iluminista como matriz do pensamento ocidental.
Prof.ª Rodrigo Perez
1. Itens iniciais
Propósito
Expor aos profissionais que lidam com o conhecimento que o pensamento ocidental emerge a partir do
contexto do iluminismo e suas influências políticas.
Objetivos
Identificar as transformações mentais que na Europa resultaram na formação da modernidade
epistemológica.
Examinar a filosofia iluminista, que na Europa do século XVIII se tornou o mais emblemático dos
sistemas filosóficos modernos.
Analisar os principais sistemas filosóficos advindos do iluminismo: liberalismo, marxismo e positivismo.
Reconhecer as principais críticas ao iluminismo, sobretudo aquelas de conservadores e intelectuais
decoloniais.
Introdução
É comum encontrarmos nos livros de História da Filosofia um capítulo dedicado ao iluminismo, geralmente
definido como o sistema filosófico burguês que se afirmou no século XVIII, sobretudo a partir da Inglaterra e
da França.
Poderíamos melhorar essa definição, pois é pouco dizer que o iluminismo foi uma “filosofia burguesa”. Seria
mais adequado definir o iluminismo como a consolidação das transformações mentais que, na Europa, desde o
século XVI estavam produzindo aquilo que aprendemos a chamar de “modernidade”. A sobreposição da razão
à religião, a implosão dos limites apriorísticos para a capacidade cognitiva humana, a visão da história como
processo evolutivo.
Essas são as teses iluministas fundamentais, que não foram inventadas no século XVIII, mas se consolidaram
plenamente nesse período. O objetivo dos nossos estudos é entender como os valores iluministas
condicionaram a atividade intelectual, tanto no que se refere ao desenvolvimento de um tipo de pensamento
especulativo e interessado em teorizar sobre o processo histórico, como no surgimento de autores críticos ao
iluminismo.
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1. A pré-história do iluminismo
A revolução epistemológica que fundou a modernidade
Epistemologia da modernidade
No livro A modernização dos sentidos, o historiador alemão Hans Ulrich Gumbrecht examina a construção do
período histórico que aprendemos a chamar de “modernidade”.
Durante a Idade Média, ao contrário, a autoimagem predominante do homem o teria apresentado como
parte de uma criação divina, cuja verdade ou estava além da compreensão humana, ou, no melhor dos
casos, era dada a conhecer pela revelação de Deus. Mais do que produzir conhecimento novo, a tarefa
da sabedoria humana era proteger do esquecimento todo saber que tivesse sido revelado – e tornar
presente essa verdade revelada pela pregação, e, sobretudo, pela celebração dos sacramentos. O
deslocamento central rumo à modernidade, por conseguinte, está no fato de o homem ver a si mesmo
ocupando o papel do sujeito da produção do saber (o qual, na teologia protestante, muda o status dos
sacramentos para os de meros atos de comemoração).
(GUMBRECHT, 2010, p. 11)
Para o autor, a modernidade é um momento complexo e plural da história humana, que teria sido fundado no
século XVI, prolongando-se até nossos dias. Gumbrecht propõe a categoria “cascatas de modernidade” para
tentar compreender as diversas fases da modernidade, que deixam heranças para o momento posterior, e
inovam em parte em relação ao anterior. O autor fala, então, em quatro cascatas:
Primeira cascata de modernidade
A descoberta do novo mundo no século XV e as revoluções modernas no
século XVIII.
Segunda cascata de modernidade
A geopolítica revolucionária (1780-1830).
Terceira cascata de modernidade
Os movimentos artísticos de meados do século XIX até as vanguardas do
século XX.
ou , por Jan Matejko.
Quarta cascata de modernidade
A revolução da tecnologia da informação no final do século XX, que se
prolonga até os nossos dias.
Nos interessa aqui a primeira cascata, em que foram formulados os valores epistemológicos fundacionais da
modernidade, que no século XVIII seriam condensados em um sistema filosófico relativamente coerente que
se tornaria a síntese do pensamento moderno: o iluminismo.
Como sugere Gumbrecht na citação que nos serve como epígrafe, a revolução que deu origem à modernidade
foi epistemológica, sendo marcada pela afirmação de valores que inauguraram novas formas de produzir
saberes. Se antes, no período que aprendemos a chamar de Idade Média, as formas de produção de
conhecimento eram prefiguradas pela ideia da onisciência divina, a modernidade entregou ao homem a
possibilidade do pleno conhecimento.
Resumindo
Via de regra, a cultura epistemológica medieval partia da premissa de que o conhecimento perfeito, total
e completo pertencia a Deus, cabendo aos homens a possibilidade de um conhecimento lacunar,
imperfeito e permitido pela autoridade divina, representada, em última instância, pela Igreja Católica
Romana.
Já a cultura epistemológica moderna, que começa a se afirmar no século XVI, deslocou a autoridade do
conhecimento de Deus para o método, naquilo que podemos chamar de “revolução cartesiana”.
Foi implodida, assim, a tese teológica/
metafísica que atribuía a Deus a prerrogativa do
conhecimento perfeito. Essa possibilidade
passa a estar aberta à inteligência humana,
desde que se domine o método adequado ao
objeto. O método, entendido como os
procedimentos operacionais acionados pelo
sujeito cognoscente em seus esforços de
conhecer determinado aspecto da realidade,
passa a ser a principal autoridade
epistemológica.
Qualquer impossibilidade em conhecer
determinado objeto, portanto, não é mais
explicada pela onisciência divina ou pela
limitação humana intrínseca, mas, sim, pela
insuficiência metodológica. A modernidade, ao
menos em tese, atribuiu à inteligência humana a possibilidade do conhecimento total e perfeito.
Constructos políticos da racionalidade
Racionalidade
Inaugura-se, assim, na Europa um momento de muito entusiasmo com a ciência, de crença na capacidade da
racionalidade científica em resolver todos os dilemas humanos. O filósofo alemão Friedrich Nietzsche
(1844-1900), escrevendo no século XIX, que foi o apogeu da modernidade racionalista, vaticinou que “Deus
estava morto”.
O aforismo nietzscheano costuma ser muito mal-interpretado, como se o autor tivesse decretado a
morte de Deus como ser existente. Na verdade, Nietzsche estava interpretando a própria
modernidade, sugerindo que a Europa moderna havia matado Deus e o substituído pela ciência,
tratada pelo filósofo como outro tipo de religião, tão violenta e opressora quanto o cristianismo.
Todos esses valores epistemológicos, no entanto, não foram produzidos em abstrato, na mente dos filósofos e
pensadores. Foram o resultado de experiências sociais concretas concentradas nos séculos XVI e XVIII, que
nas principais cidades europeias alteravam a mentalidade coletiva, inaugurando novas maneiras de se
relacionar com os mistérios da existência humana. Entre essas experiências concretas, podemos destacar:
O fortalecimento das atividades comerciais e da urbanização das
principais cidades europeias, o que resultou na formação de grupos
sociais intelectualizados menos suscetíveis ao controle da Igreja Católica.
O enfraquecimento da Igreja Católica com as reformas religiosas e com o
princípio do “sacerdócio individual” defendido pelo luteranismo, segundo
o qual o cristão poderia, por si só, ler e interpretar as escrituras, em ato
religioso individual e intelectualizado.
O desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação, como a
máquina de imprensa, que potencializou a circulação de textos.
O desenvolvimento de novas tecnologias de transporte, como a
navegação a vapor, que encurtaram distâncias e potencializaram a
circulação de ideias.
O desenvolvimento da Medicina, que aumentou a expectativa de vida da
população, controlando doenças infectocontagiosas e alimentando
ambiente de euforia com as descobertas científicas.
A chegada às Américas, que possibilitou aos cientistas europeus
explorarem um novo mundo de fauna e flora até então desconhecido. A
“exploração” europeia na Américados tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto,
2006.
LOCKE, J. Tratado sobre o entendimento humano. São Paulo: Brasiliense, 1976.
MANNHEIM, K. Conservative thought. Londes: ED P&C, 1987.
MARCONDES, D. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1997.
TOQUEVILLE, A. de. O antigo regime e revolução. Brasília: Companhia Ed. Nacional, 1983.
TRANFAGLIA, N. Liberalismo (VERBETE). In: BOBBIO, N. Dicionário de Política. Brasília, UNB, 1995. p. 686-708.
Os intelectuais e os ideais iluministas
1. Itens iniciais
Propósito
Objetivos
Introdução
1. A pré-história do iluminismo
A revolução epistemológica que fundou a modernidade
Epistemologia da
modernidade
Primeira cascata de modernidade
Segunda cascata de modernidade
Terceira cascata de modernidade
Quarta cascata de modernidade
Resumindo
Constructos políticos da racionalidade
Racionalidade
Descartes e a linha de pensadores dessa revolução
Pensadores
Atividade Discursiva
A formação do pensamento iluminista
A formação do pensamento iluminista
Conteúdo interativo
Vem que eu te explico!
A modernização dos sentidos
Conteúdo interativo
O mundo em transformação
Conteúdo interativo
Descartes
Conteúdo interativo
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2. As ideias iluministas
A burguesia e o iluminismo
Burgueses
Urbanização
Desenvolvimento científico
Organização institucional nos moldes do
liberalismo
Euforia e a intelectualidade
Luzes
Esclarecimento e liberdade
Liberdade
Liberdade
Individualismo
Igualdade jurídica
Atividade Discursiva
Intelectuais clássicos do pensamento iluminista
Intelectuais clássicos do pensamento iluminista
Conteúdo interativo
Vem que eu te explico!
Valores iluministas
Conteúdo interativo
Kant
Conteúdo interativo
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3. Matrizes do pensamento: as heranças do iluminismo
Liberalismo
O pensamento liberal
Marxismo
O pensamento marxista
Positivismo
O pensamento positivista
Atividade Discursiva
A herança do pensamento iluminista
A herança do pensamento iluminista
Conteúdo interativo
Vem que eu te explico!
Liberalismo
Conteúdo interativo
Marxismo
Conteúdo interativo
Positivismo
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4. A crítica aos iluministas
A crítica conservadora
Os conservadores
Edmund Burke
Crítica à modernidade colonial
As teorias críticas à modernidade colonial
Atividade Discursiva
Os críticos ao pensamento iluminista
Os críticos ao pensamento iluminista
Conteúdo interativo
Vem que eu te explico!
Conservadores
Conteúdo interativo
As teorias críticas à modernidade colonial
Conteúdo interativo
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5. Conclusão
Considerações finais
Podcast
Conteúdo interativo
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Referênciasnão foi apenas mercantil/econômica,
mas também científica/epistêmica.
Descartes e a linha de pensadores dessa revolução
Pensadores
Essas experiências sociais concretas foram sendo apropriadas, interpretadas, pelos pensadores da época,
que aos poucos foram desenvolvendo as ideias que se tornariam o fundamento filosófico da ciência moderna.
Nomes como Nicolau Copérnico (1473-1543), Galileu Galilei (1564-1642), Francis Bacon
(1561-1626), Isaac Newton (1643-1727) e René Descartes (1596-1650) se notabilizaram por
sistematizar grande parte dos princípios metodológicos e valores conceituais da cultura científica
moderna, como “verdade”, “experimentação”, “dedução/indução”, “prova”.
Os escritos filosóficos de René Descartes traduzem com precisão a concepção moderna de racionalidade
científica. Uma das principais características do pensamento cartesiano é o estilo que o autor utilizou na
produção dos seus principais tratados: as Meditações (1642) e o Discurso do Método (1637).
Diferentemente dos textos anteriores, nos quais os autores adotavam um estilo abstrato e impessoal,
Descartes utiliza quase sempre a primeira pessoa do singular, o que se configura como uma espécie de
reivindicação da sua autoridade sobre aquele estudo. Essa individualização do conhecimento é uma das
grandes marcas da concepção moderna de ciência, na qual o cientista é um especialista em determinado
conjunto de saberes. Nas palavras do próprio Descartes:
Desde a infância nutri-me das letras, e, por haver persuadido de que por
meio delas se podia adquirir um conhecimento claro e seguro de tudo o que
é útil à vida, sentia um imenso desejo de aprendê-las. Mas, logo que
terminei todos esses anos de estudos (ao cabo dos quais se costuma ser
recebido na classe dos doutos), mudei inteiramente de opinião. Achava-me
com tantos dúvidas e indecisões, que me parecia não ter obtido outro
proveito, ao procurar instruir-me, senão o de ter revelado mais a minha
ignorância.
(DESCARTES; 1978, p. 213)
Em Descartes, a autoridade maior do conhecimento não é o “homem”, entendido como sujeito abstrato, e sim
o procedimento metodológico adequado à especificidade do objeto em questão. A promessa passa a ser que
todo e qualquer objeto pode ser explorado (epistemicamente falando) pela inteligência humana, desde que se
conheça o método adequado para tal.
O objetivo que a modernidade coloca à inteligência humana, portanto, passa a ser o constante aprimoramento
dos procedimentos científicos. A promessa era a possibilidade futura do conhecimento total e perfeito. Todo
esse ambiente de euforia em relação à capacidade cognitiva humana preparou o terreno para o florescimento
do iluminismo.
Atividade Discursiva
Atividade Discursiva
O objetivo que a modernidade coloca à inteligência humana, portanto, passa a ser o constante aprimoramento
dos procedimentos científicos. A promessa era a possibilidade futura do conhecimento total e perfeito. Todo
esse ambiente de euforia em relação à capacidade cognitiva humana preparou o terreno para o florescimento
do iluminismo.
Chave de resposta
A modernidade foi fundada por aquilo que podemos chamar de “Revolução cartesiana”. Discuta a
Revolução cartesiana.
Podemos chamar de “Revolução cartesiana” o deslocamento que funda a cultura científica moderna no
sentido de esvaziar a ideia da onisciência divina e afirmar a autoridade do método no processo de
construção do conhecimento.
A modernidade foi fundada por aquilo que podemos chamar de “Revolução cartesiana”. Discuta a Revolução
cartesiana.
Podemos chamar de “Revolução cartesiana” o deslocamento que funda a cultura científica moderna no
sentido de esvaziar a ideia da onisciência divina e afirmar a autoridade do método no processo de construção
do conhecimento.
A formação do pensamento iluminista
A formação do pensamento iluminista
Assista agora a um vídeo em que são comentados os elementos mais importantes para a formação do
pensamento iluminista.
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Descartes
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Questão 1
Podemos dizer que a revolução que fundou a modernidade foi epistemológica. Marque entre as alternativas
abaixo aquela que melhor complementa essa afirmação.
A
A revolução epistemológica que fundou a modernidade consistiu na afirmação dos valores religiosos
protestantes na conjuntura da reforma luterana, no século XVI.
B
A revolução epistemológica que fundou a modernidade consistiu na reafirmação dos valores teológicos
medievais, na conjuntura da contrarreforma católica, no século XVI.
C
A revolução epistemológica que fundou a modernidade consistiu na afirmação, a partir do século XVI, de
valores como o antropocentrismo e o método cartesiano, que se tornariam o alicerce de uma nova forma de
produzir conhecimento.
D
A revolução epistemológica que fundou a modernidade consistiu na afirmação, no século XVI, do criacionismo,
doutrina científica que havia sido rejeitada na Idade Média.
E
A revolução epistemológica que fundou a modernidade consistiu na afirmação, no século XVI, dos valores
políticos liberais-democráticos.
A alternativa C está correta.
O estudante precisa saber que "epistemologia" é algo relativo ao conhecimento. Quando falamos, portanto,
em uma "revolução epistemológica" fundando a modernidade, nos referimos a uma série de valores que
inauguram novas formas de produzir saberes sobre a realidade.
Questão 2
Há diferenças importantes entre as culturas epistemológicas moderna e medieval. Assinale entre as opções
abaixo aquela que melhor apresenta essas diferenças.
A
A cultura epistemológica moderna busca inspiração no esoterismo oriental, enquanto a cultura epistemológica
medieval esteve fundada no cristianismo ocidental.
B
A cultura epistemológica moderna foi fundada pelo cristianismo neopentecostal, enquanto a cultura
epistemológica medieval reforçou os dogmas católicos.
C
A cultura epistemológica moderna esteve fundada no cristianismo ocidental, enquanto a cultura
epistemológica medieval buscou inspiração no esoterismo oriental.
D
A cultura epistemológica moderna reforçou os dogmas católicos, enquanto a cultura epistemológica medieval
foi fundada pelo cristianismo neopentecostal.
E
A cultura epistemológica medieval afirmava o princípio da onisciência divina, enquanto a cultura
epistemológica moderna afirmou a autoridade do método.
A alternativa E está correta.
O estudante precisa saber que a cultura epistemológica moderna afirmou a possibilidade da inteligência
humana em criar o conhecimento perfeito.
2. As ideias iluministas
A burguesia e o iluminismo
Burgueses
O historiador alemão Reinhart Koselleck é autor do livro Crítica e Crise: uma contribuição à patogênese do
mundo burguês, referência importante para os estudos a respeito do pensamento iluminista.
O advento da inteligência burguesa tem como ponto de partida o foro interior privado com o qual o
Estado havia confinado seus súditos. Cada passo para fora em direção à luz, um ato de esclarecimento.
(...). Em 1670, sob o domínio absolutista dos Stuart, John Locke, pai espiritual do iluminismo burguês,
começou a trabalhar em seu Ensaio sobre o entendimento humano, que se tornou um dos escritos
sagrados da burguesia moderna, servindo como orientação para a defesa da existência de uma esfera
privada e inviolável pelo Estado.
(KOSELLECK, 1999, p. 49)
Segundo o autor, a origem do iluminismo está na Inglaterra da segunda metade do século XVII, na conjuntura
da crise institucional que derrubou o absolutismo monárquico. Naquela altura, como já vimos no módulo
anterior, as teses do racionalismo moderno já circulavam pela modernidade europeia. Mas foi na crise inglesa
que a euforia racionalista ganhou contornos políticos.A monarquia absolutista fundada na teoria da origem divina do poder real foi confrontada pela euforia
racionalista que havia sido produzida nos primeiros anos da Revolução Científica, passando a ser associada à
tirania e ao misticismo religioso, identificados com o atraso que deveria ser superado pelas luzes da razão.
John Locke (1632-1704) foi o primeiro pensador a sistematizar a crítica política em termos racionalistas.
No Tratado sobre o entendimento humano, publicado em 1689, Locke desenvolveu, em termos pretensamente
racionais, os fundamentos do liberalismo político. Soberania popular, limitação jurídica ao poder do Estado,
direitos individuais. Esses valores foram tratados por Locke como representantes da racionalidade política, de
um modo de vida coletivo mais evoluído e compatível com os “avanços do espírito humano” experimentados a
partir do século XVI. Nas palavras do próprio Locke:
Para entender o poder político corretamente, e derivá-lo de sua origem,
devemos considerar o estado em que todos os homens naturalmente
estão, o qual é um estado de perfeita liberdade para regular as suas ações
e dispor de suas posses do modo como julgarem acertado, dentro dos
limites da lei da natureza, sem pedir licença ou depender da vontade de
qualquer outro homem, tendo nas paredes da sua casa as fortalezas de sua
liberdade. (...) Embora os súditos tenham abdicado de todo seu poder para
colocá-lo à disposição do Estado, e por isso não possam agir contra um
cidadão além do que é autorizado pelas leis do país, ainda assim eles
conservam a capacidade de formar uma opinião boa ou má, de aprovar ou
reprovar os atos daqueles com quem convivem e dialogam. Os cidadãos
não têm nenhum poder executivo, mas possuem e conservam o poder
espiritual do juízo moral.
(LOCKE, 1976, p. 23)
Ao invés de afirmar a origem divina do poder real, Locke menciona a “lei da natureza”, diretamente derivada de
uma racionalidade intrínseca ao humano. Por ser racional, então, os homens seriam dotados de um “juízo
moral” [racional] que os tornaria naturalmente incompatíveis à tirania da teocracia monárquica. A razão, então,
passa a não estar relacionada apenas ao processo de construção científica do conhecimento, sendo
incorporada à vida coletiva, em todos os seus aspectos.
Começa a ganhar forma nesse momento uma concepção do tempo histórico segundo a qual a
história é um processo em constante movimento evolutivo que, impulsionado pela razão, caminha no
sentido da superação do atraso, entendido como o ruralismo, o misticismo religioso e o absolutismo
monárquico.
Novamente quem nos serve de referência é o historiador alemão Reinhart Koselleck, que argumenta ter sido a
invenção desse novo conceito de história a grande “transformação mental” que inaugurou a modernidade. As
sociedades europeias ocidentais passariam a se considerar parte desse processo histórico em movimento,
ocupando nele posição evolutivamente superior.
Essa tese se transformaria no pilar do iluminismo, tornando-se parte, também, da dominação
colonial europeia sobre outras regiões do mundo, na medida em que se estabeleceu a ideia de que
os europeus seriam superiores, “civilizados”, enquanto os não europeus seriam inferiores e
“bárbaros”.
A relação entre o iluminismo e o poder colonial passaria a ser denunciada na segunda metade do século XX,
com o surgimento do pensamento decolonial e pós-colonial. Esse é o tema da última seção de nossos
estudos. Por ora, continuamos tentando entender melhor o iluminismo e o pensamento dos seus principais
filósofos.
Para além da ideia de “revolução burguesa”, podemos entender o iluminismo como a consolidação, no século
XVIII, dos valores epistemológicos modernos que vinham sendo produzidos desde o século XVI, com sua
associação à política e difusão por todos os campos da vida social.
As ciências, as artes e as ideias políticas manifestaram o culto à razão, entendida como o aspecto definidor da
natureza humana. É nesse momento que a categoria homo sapiens começa a ser usada para definir a natureza
humana. Antes de ser uma categoria pertencente ao vocabulário da Biologia, o termo homo sapiens traduz
toda a euforia racionalista que caracterizou a filosofia das luzes. Sendo naturalmente racionais, aos homens
caberia desenvolver ainda mais seu potencial racional, num constante movimento rumo ao “progresso”, uma
das principais ideias do repertório conceitual iluminista.
, por Joseph Wright de Derby (1768).
Inerente a todos os seres humanos, a razão se manifestaria plenamente apenas em alguns deles, aqueles
considerados mais “desenvolvidos”, a partir de certos critérios definidos pela mentalidade europeia, tais como:
Urbanização
Sociedades urbanizadas eram consideradas mais desenvolvidas que sociedades rurais.
Desenvolvimento científico
A ciência cartesiana foi considerada mais evoluída que outros tipos de saberes, como aqueles
praticados pelas sociedades que hoje conhecemos como “tradicionais”.
Organização institucional nos moldes do liberalismo
Sociedades organizadas institucionalmente no sentido de limitar o poder do Estado, defender a
propriedade privada e os direitos individuais são consideradas mais evoluídas do que sociedades que
organizam o poder de outras formas.
Euforia e a intelectualidade
Luzes
Podemos falar, portanto, em uma dupla euforia na Europa das luzes. Primeiro, a afirmação da natureza humana
racional. Em seguida, a convicção de que a Europa ocidental, sobretudo Inglaterra e França, havia
desenvolvido o potencial racional humano mais do que qualquer outra sociedade em qualquer outro momento
da história. O progresso era uma certeza, estava em marcha avançada e os europeus tinham a missão de
difundi-lo pelo mundo, nem que fosse pela força. Eram tempos “revolucionários”.
Como mostrou a filósofa alemã Hannah Arendt, o iluminismo reformulou o conceito de “revolução”. Se antes a
palavra era usada para definir o movimento cíclico dos corpos celestes, agora passa a significar o ponto de
ruptura que acelera a marcha do progresso. Nas palavras da autora:
O conceito moderno de revolução, inextricavelmente ligado à noção de que
o curso da história começa de um novo rumo, de que uma história
completamente nova, uma história nunca antes conhecida ou narrada está
para se desenrolar, era desconhecido antes das duas grandes revoluções
no final do século XVIII. (...) Somente onde ocorrer mudança, no sentido de
um novo princípio, onde a violência for usada para constituir uma forma de
governo completamente diferente, para dar origem à formação de um novo
corpo político, onde a libertação da opressão almeje, pelo menos, a
constituição da liberdade, é que podemos falar de revolução.
(ARENDT, 1988, p. 27-28)
História como processo evolutivo, progresso, revolução como momento de ruptura e aceleração do processo
histórico. O iluminismo produziu um novo vocabulário, com alteração no sentido de palavras antigas e mesmo
com a invenção de novas palavras. A própria noção de “ilustração”, ou ainda “esclarecimento”, evidencia como
as ideias iluministas afetaram a linguagem. Segundo Danilo Marcondes, esses termos produzem:
Por meio da metáfora da luz e da claridade, uma oposição às trevas, ao obscurantismo, à ignorância, à
superstição, ou seja, à existência de algo oculto, enfatizando, ao contrário, a necessidade de o real, em
todos os seus aspectos, tornar-se transparente à razão. O grande instrumento do iluminismo é a
consciência individual, autônoma em sua capacidade de conhecer o real; suas armas são, portanto, o
conhecimento, a ciência, a educação.
(MARCONDES, 1997, p. 202)
O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) talvez tenha sido quem melhor formulou essa relação entre
história, processo e progresso racional, tão cara ao iluminismo. Para Kant, a história consiste no curso
regulador da natureza, a realização da própria natureza do homem. Trata-se das linhas gerais, do curso
regular que orienta o caos das ações dos homens no mundo.
A história, que se ocupa da narrativa dessas manifestações, por mais profundamenteocultas que
possam estar as suas causas, permite esperar que, com a observação, em suas linhas gerais, do
jogo da liberdade da vontade humana, ela possa descobrir aí um curso regular.
Dessa forma, o que se mostra confuso e irregular nos sujeitos individuais poderá ser reconhecido, no conjunto
da espécie, como um desenvolvimento continuamente progressivo, embora lento, das suas disposições
originais. É propósito da natureza que os homens não saibam plenamente qual seja o movimento natural das
coisas.
Ao agirem livremente no mundo, os homens realizam o próprio telos natural do homem como espécie. História
como realização de um plano oculto da natureza, que tem em seu direcionamento precisamente a constituição
desse Estado cosmopolita, por meio do contínuo processo de esclarecimento, possível pelo uso público da
razão e pelo exercício da plena liberdade racional.
Em Crítica da razão pura, publicada em 1781, Kant explicita sua visão do processo histórico.
Esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio
é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu
entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio
culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de
entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si
mesmo, sem a direção de outrem. Tem coragem de fazer uso de teu próprio
entendimento, tal é o lema do Esclarecimento.
(KANT, 1974, p. 21)
Em outras palavras, trata-se da possibilidade de plenitude do homem, em termos de desenvolvimento de suas
capacidades.
Esclarecimento e liberdade
Liberdade
, por Eugène Delacroix (1830).
A humanidade se dividiria em dois estágios distintos de desenvolvimento: a menoridade e maioridade, sendo o
“esclarecimento” o critério de distinção entre um e outro. “Esclarecimento” entendido, é claro, à luz dos
critérios europeus, conforme já vimos anteriormente. É importante destacar também que a relação entre os
estágios não é necessariamente cronológica, pois grupos humanos considerados em “menoridade” ainda
existiam naquela altura (sociedades nativas da América, por exemplo) e, exatamente, por isso, deveriam ser
tutelados e conduzidos à “maioridade”.
, por Emil Doerstling (1893).
Novamente, vemos como o iluminismo foi
instrumento para a dominação colonial. De todo
modo, na citação de Kant fica evidente aquela
que foi a principal tese do iluminismo: a razão
emancipa, liberta, e é o maior patrimônio
humano. O pressuposto básico da tese sugere
que todos os homens são dotados de uma “luz
natural, que é a própria razão”, que os torna
capazes de conhecer o real e agir livremente.
A tarefa da filosofia, e da inteligência em geral,
seria potencializar essa natureza racional.
Nesse sentido, há no iluminismo um caráter
pedagógico como projeto de formação do
indivíduo. Outros valores são importantes no repertório iluminista, tais como:
Liberdade
Com a defesa da livre iniciativa individual, seja
no comércio seja na política, em crítica direta ao
mercantilismo e absolutismo, taxados de
obscurantistas e pré-racionais.
Individualismo
Que define o indivíduo autônomo e
autodeterminado como a célula social
fundamental.
Igualdade jurídica
Em confronto direto aos privilégios
aristocráticos da nobreza.
Como podemos perceber, o iluminismo propunha a reorganização da sociedade, incluindo a ruptura com
estruturas políticas vigentes. Não à toa, as ideias iluministas inspiraram conflitos, revoluções, como a
Independência dos EUA (1776) e a Revolução Francesa (1789-1799).
Consideramos autoevidentes as seguintes verdades: todos os homens foram criados iguais, e dotados
por seu criador de determinados direitos inalienáveis, dentre os quais se incluem a vida, a liberdade e a
busca da felicidade, e é para assegurar esses direitos que os governos foram instruídos.
(DECLARAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA DOS EUA, 1776)
Logo acima e a seguir, temos, respectivamente, os documentos emblemáticos da Independência dos EUA
(Revolução Americana) e da Revolução Francesa. Na citação anterior, vemos Thomas Jefferson (1743-1826),
liderança da Revolução Americana e 3° presidente dos EUA, associando direitos naturais à liberdade e
felicidade.
Os representantes do povo francês constituídos em assembleia nacional, considerando que a ignorância,
o esquecimento e o desprezo pelos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da
corrupção dos governos, resolvem estabelecer em uma declaração solene os direitos naturais
inalienáveis e sagrados do homem.
(DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO, 1789)
Uma vez dotados de direitos inalienáveis, os homens somente deveriam se submeter a governos que não
corrompem esses direitos. Com isso, a legitimidade do poder é deslocada do plano divino para o plano
humano. Legítimo não seria o governo que se autoproclama designado por Deus, mas, sim, aquele que
respeita direitos naturais e fundamenta suas ações em critérios racionais.
O condicionamento tem natureza política, o que acaba legitimando a possibilidade da insurgência, ou da
“revolução”, para usarmos categoria cara ao próprio iluminismo. Em seguida, está o trecho daquele que talvez
seja o documento que melhor sintetizou os valores que fundam a modernidade: a declaração universal dos
direitos do homem e do cidadão, de 1789. Novamente, vemos a ideia de que existem direitos que pertencem à
natureza, sobre os quais nenhum tipo de poder pode interferir, a não ser no sentido de garanti-los.
Apesar da importância dos “textos revolucionários”, o grande documento programático do iluminismo foi a
Enciclopédia, que reuniu textos dos grandes pensadores do iluminismo, como Voltaire, Diderot, D’Alembert e
Rousseau. A publicação começou em 1751, sob a direção de Denis Diderot, e a edição completa chegou a ser
censurada pelo parlamento francês em 1759, por ser considerada subversiva pelo poder instituído. Segundo
Ernst Cassirer:
A enciclopédia consiste fundamentalmente em uma súmula das grandes descobertas científicas e
técnicas da época bem como dos grandes desenvolvimentos filosóficos e artísticos que marcaram o
progresso da humanidade no período moderno. O termo enkyklios paideia significa literalmente “ciclo
completo de aprendizado” e reflete a pretensão pedagógica e reformista de seus idealizadores, que
pretendiam com isso tornar o saber acessível, libertando o homem da ignorância e das superstições e,
dessa forma, transformando a sociedade; uma sociedade de homens cultos, dominando os princípios
básicos do conhecimento técnico e científico, seria forçosamente mais livre e igualitária.
(CASSIRER, 1992, p. 81)
Pretensão: essa talvez seja uma boa forma de definir as aspirações do pensamento iluminista. Pretensiosas,
ambiciosas, crentes de que a razão era, efetivamente, o motor do progresso humano e, por isso, deveria ser
cultivada em todos os aspectos.
A existência coletiva humana, inclusive, teria este objetivo: potencializar ao máximo a razão,
naturalmente inerente aos homens. Como já sabemos, a partir do iluminismo, forjou-se certa leitura
do processo histórico, marcada pela ideia de movimento evolutivo, do futuro como a morada do
progresso.
Essa concepção iluminista de história se desdobrou em diversas filosofias que, ao longo dos séculos XIX e XX,
inspiraram diferentes tipos de comportamento político. Na próxima seção, estudamos essas heranças
iluministas.
Atividade Discursiva
Atividade Discursiva
Essa concepção iluminista de história se desdobrou em diversas filosofias que, ao longo dos séculos XIX e XX,
inspiraram diferentes tipos de comportamento político. Na próxima seção, estudamos essas heranças
iluministas.
Chave de resposta
O filósofo alemão Immanuel Kant foi quem melhor formulou a relação entre processo histórico e progresso
racional, tão cara ao iluminismo. Discuta a reflexão desenvolvida por Kant.
Kant formulou melhor que qualquer outro a ideia de a história ser impulsionada pela razão, pela busca
humana por “esclarecimento”. Temos em Kant, portanto, a ideia de um processo históricoevolutivo,
segundo o qual o tempo é vetor de conhecimento.
O filósofo alemão Immanuel Kant foi quem melhor formulou a relação entre processo histórico e progresso
racional, tão cara ao iluminismo. Discuta a reflexão desenvolvida por Kant.
Kant formulou melhor que qualquer outro a ideia de a história ser impulsionada pela razão, pela busca humana
por “esclarecimento”. Temos em Kant, portanto, a ideia de um processo histórico evolutivo, segundo o qual o
tempo é vetor de conhecimento.
Intelectuais clássicos do pensamento iluminista
Kant formulou melhor que qualquer outro a ideia de a história ser impulsionada pela razão, pela busca humana
por “esclarecimento”. Temos em Kant, portanto, a ideia de um processo histórico evolutivo, segundo o qual o
tempo é vetor de conhecimento.
Intelectuais clássicos do pensamento iluminista
Neste vídeo o prof. Rodrigo Perez debate alguns autores considerados clássicos do pensamento iluminista,
como Russeuau e Diderot.
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Vem que eu te explico!
Valores iluministas
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Kant
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Verificando o aprendizado
Questão 1
As teses do racionalismo moderno já circulavam pela mentalidade europeia desde o século XVI, mas foi
apenas em meados do século XVII que ganharam dimensão de contestação política. Assinale entre as
alternativas abaixo aquela que melhor complementa a afirmação.
A
Foi no século XVII, em meio à Independência dos EUA, que as teses do racionalismo moderno ganharam
dimensão política e passaram a inspirar aqueles que desejavam a independência das colônias europeias na
América.
B
Foi no século XVII, em meio às reformas religiosas na Europa, que as teses do racionalismo moderno ganharam
dimensão política e passaram a inspirar a reação ao catolicismo.
C
Foi no século XVII, em meio à Revolução Inglesa, que as teses do racionalismo moderno ganharam dimensão
política e passaram a inspirar a restauração do absolutismo monárquico.
D
Foi no século XVII, em meio à Revolução Francesa, que as teses do racionalismo moderno ganharam dimensão
política e passaram a inspirar as críticas ao absolutismo monárquico.
E
Foi no século XVII, em meio à Revolução Inglesa, que as teses do racionalismo moderno ganharam dimensão
política e passaram a inspirar as críticas ao absolutismo monárquico.
A alternativa E está correta.
O estudante precisa saber que foi na segunda metade do século XVII, na conjuntura da crise do
absolutismo monárquico inglês, que o racionalismo moderno ganhou dimensões políticas, associando razão
ao combate às tiranias teocráticas vigentes na época.
Questão 2
O iluminismo fez parte do funcionamento do poder colonial. Assinale entre as alternativas abaixo aquela que
melhor complementa essa afirmação.
A
O iluminismo fez parte do poder colonial na medida em que definiu as sociedades europeias ocidentais como
superiores em relação às outras partes do mundo, legitimando, assim, a dominação e o poder europeu.
B
O iluminismo fez parte do poder colonial na medida em que definiu as sociedades europeias ocidentais como
inferiores em relação às outras partes do mundo, legitimando, assim, a subordinação europeia.
C
O iluminismo fez parte do poder colonial na medida em que o liberalismo como a filosofia política mais
evoluída, o que legitimou o domínio inglês sobre outros países da Europa ocidental.
D
O iluminismo fez parte do poder colonial na medida em que definiu a França como capital cultural do mundo, o
que legitimou o domínio francês sobre outros países da Europa ocidental.
E
O iluminismo fez parte do poder colonial na medida em que definiu a Europa oriental como superior às outras
partes do mundo, legitimando, assim, o império soviético.
A alternativa A está correta.
O estudante precisa saber que o iluminismo fez parte do poder colonial porque legitimou a divisão do
mundo em sociedades mais evoluídas (Europa ocidental) e menos evoluídas (regiões colonizadas).
, por Howard Chandler Christy (1940).
3. Matrizes do pensamento: as heranças do iluminismo
Liberalismo
O pensamento liberal
Estudar a relação dos intelectuais com o iluminismo nos convida a refletir sobre os desdobramentos da
filosofia das luzes, sobre sua capacidade de inspirar pensadores, ideias e comportamento político para além
do século XVIII. É exatamente este nosso propósito agora.
, por John Trumbull (1819).
Como já sabemos, a ideia de processo histórico evolutivo é a matriz do pensamento iluminista, e inspirou
diversas filosofias da história que beberam na fonte da ilustração. Essas filosofias da história serviram como
matrizes para interpretações da realidade e até mesmo para comportamentos políticos ao longo dos séculos
XIX e XX. Começamos pelo liberalismo.
O cientista político italiano Nicola Tranfaglia chama a atenção para a dificuldade que envolve a definição do
“liberalismo”, especialmente no que se refere à recorrente confusão entre os termos “liberal” e “liberalismo”.
O autor argumenta que é possível falar em “liberais” desde o século XVI, quando na conjuntura das guerras
civis religiosas europeias foram sistematizados valores como a inviolabilidade do espaço doméstico, direito à
propriedade privada e liberdade de culto.
Não seria absurdo dizer que a noção de “indivíduo” e suas
correlatas como “individualidade” e “liberdade individual”
foram o ponto de partida para o pensamento liberal. A
individualidade, quer do indivíduo particular quer da nação,
passar a ter o direito à livre manifestação, e isso passa a ser
considerado, antes de qualquer coisa, um preceito moral
indiscutível.
A liberdade encarada dessa forma provocou mudanças
estruturais e conflitos nas sociedades europeias entre os
séculos XVI e XVIII. Na vida econômica, a ruptura dos laços
corporativos e dos privilégios feudais possibilitou o
enriquecimento de novos agentes econômicos.
No campo político, formou-se uma opinião pública esclarecida que, pela livre discussão, exerce controle sobre
o governo. Em todos os campos da vida social, política e cultural, a luta se dá contra a opressão clerical,
contra o autoritarismo do Estado e pela laicidade dos negócios públicos, especialmente do ensino. Como já
sabemos, John Locke foi um dos primeiros a sistematizar com mais clareza esses valores, que são comuns ao
liberalismo e ao iluminismo.
Apesar de os valores liberais já circularem pela Europa desde o final do século XVI, foi apenas no
século XIX, sob os efeitos do conceito iluminista de processo histórico, que se tornaram uma
doutrina política capaz de influenciar o mundo inteiro.
Com o avanço da industrialização, da urbanização e do iluminismo nos principais países da Europa ocidental,
as teses liberais passam a ser acionadas como recursos para a interpretação da realidade, sendo
consideradas parte de um dever histórico inexorável, como se o destino da história humana fosse a constante
evolução dos valores liberais, até o momento de consolidação da utopia, onde o Estado, entendido como
autoridade central e externa aos indivíduos, seria reduzido ao mínimo possível, e subordinado à sociedade
civil formada por cidadãos proprietários cientes de seus direitos individuais. Nas palavras do autor:
Em outras palavras, não podemos olhar para o liberalismo como sendo uma simples ideologia política de
um partido, mas como uma ideia encarnada em instituições políticas e em estruturas sociais. (...)
Nenhum pensamento liberal se opõe a que o Estado limite a liberdade natural ou o espaço de arbítrio de
cada indivíduo. Isso, porém, com duas condições bem definidas: a primeira consiste na preocupação de
conciliar o máximo espaço de arbítrio individual (o homem contra o Estado repressivo) com a
coexistência dos arbítrios alheios, com base num princípio de igualdade jurídica; a segunda impõe que,
para limitar a liberdade natural, deve ser utilizado, como instrumento, o direito – a norma jurídica geral
válida paratodos –, um direito que seja expressão de um querer comum.
(TRAFAGLIA, 1995, p. 690-693)
O fortalecimento das teses liberais foi tão grande a ponto de, no século XIX, o Estado liberal, entendido como
aquele que respeita os direitos individuais, ter se tornado símbolo do apogeu da evolução política humana. As
instituições liberais passaram a ser exportadas para outras regiões do mundo, especialmente para a América,
que na época se tornava independente do colonialismo europeu.
Era como se não existisse alternativa “civilizada” ao liberalismo, como se estivesse ali o destino obrigatório de
toda sociedade que pretendesse pertencer ao conjunto das nações desenvolvidas. As ideias liberais
pautaram, também, a discussão econômica, com aquilo que aprendemos a chamar de “liberalismo econômico”.
De David Ricardo (1772-1823) e Adam Smith (1723-1790), chegando até a “Escola Austríaca do
Pensamento Político”, passando por Herbert Spencer (1820-1903), a ideia da “liberdade econômica”
foi se tornando complemento obrigatório ao liberalismo político. “Liberdade econômica” passa a ser
sinônimo de não regulamentação, de “livre-mercado”, de ausência de controle sobre o trabalho e a
produção social da riqueza.
Até o fortalecimento do marxismo, na segunda metade do século XIX, o liberalismo praticamente tinha o
monopólio da ideia de “libertação humana”. Isso mudou com a mundialização das teses marxistas, que
modificaram a concepção liberal de liberdade, produzindo outra ideia de utopia e inspirando diferentes tipos
de instituições e comportamentos políticos. É isso que estudaremos a seguir.
Marxismo
O pensamento marxista
Ilustração que mostra Marx e Engels na redação do jornal , editado pelo primeiro.
Costumamos chamar de “marxismo” o conjunto de teses sobre a história humana e o capitalismo moderno
elaboradas por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) em meados do século XIX. Essas teses
se consolidaram no final do século XIX como inspiradoras do comportamento político socialista, que se
tornaria um dos principais protagonistas da história do século XX. Nos interessa aqui, especialmente, a
filosofia da história marxista e seu diálogo crítico com o liberalismo.
É necessário pontuar que, em diversos aspectos, o marxismo é herdeiro do iluminismo, tanto no que se refere
aos aspectos que o caracterizam como filosofia da história como na relação estabelecida entre crítica e razão.
Tal como o iluminismo, o marxismo também vê a história com “H”, ou seja, como processo em movimento,
impulsionado por forças motoras. Na lógica marxista, a história se movimenta dialeticamente, a partir da luta
travada entre as classes sociais envolvidas no processo produtivo: os proprietários e os trabalhadores. Nas
palavras de Marx e Engels no Manifesto Comunista, publicado em 1848:
Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e companheiro, numa
palavra: opressores e oprimidos em constante oposição têm vivido uma guerra ininterrupta, ora franca,
ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma transformação revolucionária, da
sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em luta.
(ENGELS; MARX, 1999, p. 07)
A filosofia da história marxista, portanto, sugere uma ontologia fabril ao humano, aquilo que Marx chamou de
homo faber. Tendo o trabalho como ontologia, os homens estão constantemente buscando a reprodução de
sua vida material, ou seja, de recursos para se alimentar, vestir, morar e ter acesso a estilos de vida
considerados confortáveis.
Daí que costumamos dizer que Marx e Engels formularam o “materialismo histórico”, metodologia científica
que tem o objetivo de ler a sociedade a partir das práticas de reprodução da vida material. Na filosofia da
história marxista, o século XVIII foi um momento de aceleração do processo histórico, de singular evolução da
capacidade produtiva humana.
A burguesia europeia teria sido a primeira classe revolucionária no sentido moderno do termo, na medida em
que, ao romper com as forças do atraso herdadas da Idade Média (misticismo religioso, absolutismo
monárquico, privilégios da aristocracia rural), teria consolidado uma nova ordem social, política e econômica: a
democracia liberal de massa em sociedades urbanas e industrializadas, o que teria permitido a formação do
operariado, que na utopia marxista é a última classe revolucionária, aquela responsável para fundar o “mundo
novo”, entendido como a abolição da propriedade privada e da divisão de classes. Novamente, recorremos ao
Manifesto Comunista:
Vemos, pois, que a própria burguesia moderna é o produto de um longo processo de desenvolvimento,
de uma série de revoluções no modo de produção e de troca. Cada etapa da evolução percorrida pela
burguesia era acompanhada de um progresso político correspondente. (...) A burguesia desempenhou na
história um papel eminentemente revolucionário. Onde quer que tenha conquistado o poder, a burguesia
calcou aos pés as relações feudais, patriarcais e idílicas. Todos os complexos e variados laços que
prendiam o homem feudal a seus “superiores naturais” ela os despedaçou sem piedade, para só deixar
subsistir, de homem para homem, o laço do frio interesse, as duas existências do pagamento à vista.
(ENGELS; MARX, 1999, p. 10)
É curioso identificar nas palavras de Marx e Engels tom quase elogioso com a burguesia, que é a classe a ser
destruída pela revolução comunista tão defendida pelos autores. Entendemos o ponto quando percebemos
que o “elogio” à burguesia se dá pela tese de que não existe proletariado no feudalismo, de que o
campesinato rural não tem potência revolucionária. Para existir a “verdadeira” revolução é necessário existir a
consolidação da ordem burguesa, entendida como industrialização, urbanização e destruição dos poderes e
valores feudais.
Outra herança importante que o iluminismo legou ao marxismo foi a relação entre crítica e razão. No livro A
ideologia alemã, publicado em 1867, Marx e Engels elaboram os fundamentos da crítica marxista.
As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe que é a força
material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem à
sua disposição os meios de produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção
espiritual, o que faz com que a ela sejam submetidas as ideias daqueles aos quais faltam os meios de
produção espiritual. As ideias dominantes nada mais são do que a expressão ideal das relações materiais
dominantes concebidas como ideias, portanto, a expressão das relações que tornam uma classe a
classe dominante, portanto, as ideias de sua dominação.
(ENGELS; MARX, 1979, p. 7)
A rebelião contra a ordem estabelecida não se daria apenas na ação política/armada, mas também pela crítica
intelectual, elaborada racionalmente, contra as representações falseadoras da realidade forjadas pelo poder
burguês. Tal como o liberalismo, o marxismo também inspirou condutas políticas ao longo do século XIX e XX.
Retrato de Auguste Comte, por Johan Hendrick
Hoffmeister (1851).
Karl Marx e Friedrich Engels, os primeiros timoneiros do socialismo científico.
Mas como os valores eram diferentes, as condutas políticas também foram tornando-se até rivais. O
liberalismo via a liberdade como direito individual e a propriedade privada como algo inalienável. Já o
marxismo via a liberdade como um direito coletivo, que envolvia também direitos sociais, como alimentação e
habitação, e pregava a abolição da propriedade privada.
A herança iluminista, contudo, não ficou restrita ao liberalismo, chegando também ao positivismo.
Positivismo
O pensamento positivista
Talvez nenhum sistema moderno de pensamento tenha levado as teses iluministas ao extremo como fez o
positivismo. Tendo o filósofo francês Augusto Comte (1798-1857) como seu principal doutrinador, o
positivismo teve vida longa na cultura intelectual ocidental, chegando ao Brasil, onde inspirou diretamente os
militares envolvidos com a Proclamação da República.A filosofia da história positivista foi marcada por um
tamanho culto à razão que chegou a se converter em uma
religião laica, na qual a ciência se tornou objeto de culto. O
credo positivista define a razão como o motor da história
humana, que caminharia em sentido progressivo do estágio
menos racional para o mais racional. Augusto Comte
chamou de “Estado Teológico” o momento da história
humana de menor desenvolvimento racional, que já teria
sido superado na Europa e ainda existiria fora do velho
mundo.
O “Estado Teológico” é caracterizado por Comte da
seguinte maneira:
Estágio evolutivamente inferior, onde os fenômenos são explicados pelo sobrenatural, por entidades cuja
vontade arbitrária comanda a realidade. Assim, busca-se o absoluto e as causas primeiras e finais ("De
onde vim? Para onde vou?"). A fase teológica tem várias subfases: o fetichismo, o politeísmo e o
monoteísmo.
(COMTE, 2002, p. 21)
Existiria, em seguida, um momento de transição, intermediário, quando:
Já se passa a pesquisar diretamente a realidade, mas ainda há a presença do sobrenatural, de modo que
a metafísica é uma transição entre a teologia e a positividade. O que a caracteriza são as abstrações
personificadas, de caráter ainda absoluto: "a Natureza", "o éter", "o Povo", "o Capital".
(COMTE, 2002, p. 28)
Por último, Comte define o “Estado Positivo”, mais evoluído e que teria sido alcançado pela Europa moderna,
tendo no iluminismo seu momento de fundação.
É o apogeu do que os dois anteriores prepararam progressivamente. Neste, os fatos são explicados
segundo leis gerais abstratas, de ordem inteiramente positiva, em que se deixa de lado o absoluto (que é
inacessível) e busca-se o relativo. A partir disso, atividade pacífica e industrial torna-se preponderante,
com as diversas nações colaborando entre si.
(COMTE, 2002, p. 32)
O século XIX, continua Comte, seria o momento de aceleração do progresso na Europa ocidental. Estaria em
marcha o último salto evolutivo, projetado para se consolidar no século XX, onde as sociedades humanas
seriam racionalmente planificadas. No positivismo, portanto, a ciência não é apenas o esforço humano no
sentido de melhor compreensão da realidade. É vetor da felicidade, promessa da harmonia universal.
“Promessa”. Temos aqui uma boa forma de definir o legado da filosofia das luzes, o principal
argumento mobilizado pelos intelectuais que beberam na fonte do iluminismo. Como a matriz do
pensamento iluminista é a ideia de que a história se move em sentido progressivo, o futuro é sempre
lido na chave da promessa, da espera pelo progresso, que pode ser o “Estado mínimo”, a revolução
comunista ou o Estado positivo, respectivamente, no liberalismo, no marxismo e no positivismo.
Porém, seria equivocado acreditar que a relação dos intelectuais com o iluminismo se deu apenas na chave da
promessa do progresso. Também existiram, e existem, os críticos, os céticos que desconfiaram da euforia
racionalista e a associaram à violência ocidental contra outros povos e culturas. São essas críticas que
estudaremos na próxima seção.
Atividade Discursiva
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Porém, seria equivocado acreditar que a relação dos intelectuais com o iluminismo se deu apenas na chave da
promessa do progresso. Também existiram, e existem, os críticos, os céticos que desconfiaram da euforia
racionalista e a associaram à violência ocidental contra outros povos e culturas. São essas críticas que
estudaremos na próxima seção.
Chave de resposta
1) É possível dizer que no Manifesto Comunista, publicado em 1848, Marx e Engels desenvolveram uma
leitura quase elogiosa da burguesia. Desenvolva essa reflexão.
O estudante precisa saber que não se trata, exatamente, de um elogio, mas, sim, da própria filosofia da
história marxista, que trata a burguesia como a classe revolucionária que fundou o capitalismo industrial,
dentro do qual pode nascer o proletariado.
2) A filosofia da história positivista explica a história humana a partir da ideia de estágios evolutivos.
Desenvolva essa afirmação.
O estudante precisa saber que a filosofia da história positivista pressupõe a existência de três estágios
evolutivos: o estágio teológico, menos evoluído e caracterizado pelo misticismo religioso, o estágio
intermediário, no qual o misticismo se associa ao racionalismo, e o estágio positivo, de império categórico
da razão e da ciência.
A herança do pensamento iluminista
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sociedade.
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Liberalismo
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Marxismo
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Positivismo
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Verificando o aprendizado
Questão 1
A utopia liberal foi uma das mais importantes da modernidade. Assinale entre as alternativas abaixo aquela
que melhor define a utopia liberal.
A
A utopia liberal consistia na crença de que o processo histórico caminha no sentido da consolidação dos
valores cristãos, sendo o “reino da igreja” o ponto final da evolução humana.
B
A utopia liberal consistia na crença de que o processo histórico caminha no sentido do acirramento da luta de
classes, sendo o comunismo o ponto final da evolução humana.
C
A utopia liberal consistia na crença de que o processo histórico caminha no sentido de consolidação dos
valores racionais científicos, sendo o “Estado Positivo” o ponto final da evolução humana.
D
A utopia liberal consistia na crença de que o processo histórico caminha no sentido da incorporação dos
valores das sociedades tradicionais americanas à cultura europeia, sendo a globalização simétrica o ponto
final da evolução humana.
E
A utopia liberal consistia na crença de que o processo histórico caminha no sentido da consolidação de
valores como liberdade individual e direito à propriedade, sendo o Estado mínimo o ponto final da evolução
humana.
A alternativa E está correta.
O estudante precisa saber que o liberalismo via a história humana como a consolidação dos valores liberais
forjados no século XVI, sobretudo a liberdade individual.
Questão 2
Em diversos aspectos, o marxismo herdou valores e conceitos do iluminismo. Assinale entre as alternativas
abaixo aquela que melhor complementa essa afirmação.
A
O marxismo herdou do iluminismo os valores da liberdade individual e do direito à propriedade privada.
B
O marxismo herdou do iluminismo os valores dos privilégios aristocráticos e o direito à propriedade privada.
C
O marxismo herdou do iluminismo a ideia de que a história é um processo em movimento e a relação entre
razão e crítica.
D
O marxismo herdou do iluminismo a ideia de que a Igreja Católica deveria governar o Ocidente e a relação
entre razão e crítica.
E
O marxismo herdou do iluminismo a ideia de que a história é um processo em movimento e a ideia de que a
Igreja Católica deveria governar o Ocidente.
A alternativa C está correta.
O estudante precisa saber que o marxismo é um dos desdobramentos do iluminismo, sobretudo no que se
refere à filosofia da história progressista e à associação entre razão e crítica.
, por Théodore Chassériau (1850).
4. A crítica aos iluministas
A crítica conservadora
Os conservadores
Podemos dividir os intelectuais críticos ao iluminismo em dois grupos: os conservadores, que em fins do
século XVIII e ao longo do século XIX desconfiaram da validade da euforia racionalista, e os críticos da
modernidade colonial, que em meados do século XX associaram o iluminismo às violências cometidas pelos
países europeus contra outros povos e territórios.
Segundo Karl Mannheim, as linhas mestras do
conservadorismo moderno foram delineadas
entre o século XVIII e o século XIX, quando,
com autores como Edmund Burke (1729-1797) e
Alexis de Tocqueville (1805-1859), o conteúdo
do pensamento liberal-burguês,como
sabemos, ganhou seus contornos mais sólidos
com o iluminismo, no século XVIII. Mannheim
argumenta que o conservadorismo é uma
reação crítica às ideias que inspiraram a
Revolução Francesa, uma reação que não deve
ser lida na chave de negação da modernidade,
mas, sim, como uma modernidade alternativa à
modernidade burguesa.
Diz o autor que:
Para o conservadorismo, a modernidade burguesa recalcou aquilo que há de mais vital no pensamento
humano, solapando tudo quanto é tradição. Apenas entre a nobreza, camponeses e pequena burguesia
as tradições seriam mantidas vivas, ficando a burguesia e o proletariado cada vez mais imersos na nova
ordem.
(MANNHEIM, 1987, p. 76)
Uma das principais críticas conservadoras ao iluminismo é, exatamente, a crença de que a história é um
processo em movimento orientado para o progresso. A ideia de que o futuro seria a representação e que o
passado era o atraso a ser superado soava prepotente para a lógica conservadora.
A revolução iluminista pregava a ruptura com o passado em nome do progresso, legitimando, inclusive,
sacrificar vidas que já existiam em função de vidas que ainda viriam a existir, no futuro. Já o conservadorismo
defendia o presente como o resultado do acúmulo, dos valores que passaram pelo teste do tempo, devendo o
futuro ser solidário com as tradições.
O passado, então, não é visto como aquilo que deve ser superado, e sim como o inventário de aprendizados
que deveria inspirar a caminhada humana. E o futuro não é visto como qualitativamente melhor, como o
necessário desdobramento do progresso. É tratado como possibilidade a ser construída, em constante
diálogo com a tradição. Vejamos como Burke e Tocqueville, entre fins do século XVIII e meados do século XIX,
desenvolveram essa discussão.
Edmund Burke
Gravura que representa uma festa literária na casa de
Sir Joshua Reynolds em 1851, na qual também está
presente Edmund Burke.
Nas suas Reflexões sobre a Revolução Francesa, publicado pela primeira vez em 1790, o intelectual e político
irlandês Edmund Burke desenvolveu uma crítica à França revolucionária. Aparentemente, o texto é uma análise
da conjuntura política da época, mas seria equivocado reduzi-lo apenas a isso. Trata-se de um sofisticado
tratado sobre o pensamento liberal-burguês, o iluminismo, sobretudo no que se refere ao entusiasmo com a
ruptura revolucionária e à crença eufórica da razão e na convicção de que a capacidade cognitiva humana
seria ilimitada.
A mudança social e cultural, portanto, deve ser gradual e guiada pela prudência, que é a primeira de
todas as virtudes, bem como o guia supremo de todas as demais. Um estadista sabe que uma grande
sociedade humana é complexa e que soluções simples para tais problemas podem ser erradas e
autodestrutivas. Sabendo disso, procede com cautela, baseando-se em bons resultados, caso sejam
obtidos, mas disposto a abandonar certas políticas, caso não obtenham êxito. (...) É prudente também
reconhecer os limites da visão humana, algo que os autodenominados iluminados não foram capazes de
fazer.
(BURKE, 1989, p. 32)
Podemos ver Burke desenvolvendo uma dupla crítica aos principais ideólogos do iluminismo, aos
“autodenominados iluminados”. Primeiro, nega a ideia de que a mudança social deve se dar no ritmo da
ruptura revolucionária, como se coubesse ao presente servir como o curto momento de quebra e de
aceleração do processo histórico. Para Burke, as mudanças devem acontecer (o que demonstra que ele não é
um reacionário), mas em ritmo prudente, de forma gradual, e à luz das experiências conhecidas e do
repertório cognitivo acumulado no tempo.
Na leitura conservadora do tempo histórico
inaugurada por Burke, o passado não é o atraso
a ser superado pelo movimento progressivo da
história, como sugeriam os iluministas. Por
outro lado, o passado também não é idealizado,
como se fosse a fonte de todas as virtudes e
algo a ser resgatado pela ação política humana,
como acreditavam os reacionários.
O passado é visto como acúmulo de
conhecimento que deve iluminar os passos
humanos no tempo. Em seguida, Burke
questiona a pretensão cognitiva dos filósofos
iluministas de que tudo poderia ser conhecido
pela razão e que a ciência seria capaz de
resolver todos os dilemas humanos.
O conservador irlandês destaca os limites da capacidade cognitiva humana e a importância de reconhecê-los.
Alguns anos depois, no livro O Antigo Regime e a Revolução, publicado em 1856, o intelectual e político Alexis
de Tocqueville desenvolveu argumentos semelhantes.
Os ilustrados tinham predileção pelas amplas generalizações, pelos sistemas legislativos feitos à pressa
e uma harmonia pretensiosa. O mesmo gosto por reformar as instituições em moldes novos, engenhosos
e originais; o mesmo desejo de remodelar toda a constituição segundo as regras da lógica e de um
sistema preconcebido em vez de tentar melhorar as suas passagens defeituosas. O resultado foi quase
um desastre; pois que o que constitui mérito no escritor pode bem ser um vício no estadista, e aquelas
mesmas qualidades que fazem a grande literatura podem conduzir a revoluções catastróficas. (...) Os
ilustrados tratam o passado como o defunto a ser enterrado, o que faz com o que o espírito humano
vague sem rumo pela história.
(TOCQUEVILLE, 1972, p. 43)
Tal como Burke, Tocqueville denuncia aquilo que acredita ser um comportamento intelectual prepotente por
parte dos “ilustrados”. A certeza de tudo saber para melhorar completamente as instituições humanas, como
se fosse possível começar do zero, depurando completamente os erros do passado, ao invés de melhorar o
que era necessário melhorar.
Em Tocqueville encontramos também a crítica à temporalidade iluminista, à expectativa de que o progresso
histórico, inexoravelmente, levava à superação do passado, entendido como atraso. Ao implodir a ponte que
une presente e passado, a “pretensão ilustrada”, argumenta Tocqueville, faz com que o futuro aconteça sem
referências sólidas, o “espírito humano vague sem rumo”.
Durante muito tempo, o conservadorismo moderno foi a principal crítica ao iluminismo. Na segunda metade do
século, porém, à luz dos processos de descolonização, outra crítica foi formulada.
Crítica à modernidade colonial
As teorias críticas à modernidade colonial
Na década de 1950, o poeta e dramaturgo martiniquenho Aimé Césaire (1913-2008) publicou o seu Discurso
sobre o colonialismo, texto que se tornou o tratado de fundação daquilo que passaria a ser chamado de
“crítica pós-colonial à modernidade colonial”, que se se fortaleceu no debate público internacional após a
Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Churchill, Roosevelt e Stalin na Conferência de Yalta, em fevereiro de 1945.
No texto, Césaire criticou as pretensões universalistas da racionalidade europeia e reivindicou o “direito à
personalidade” para os povos oprimidos pela colonização moderna. Para o autor, a colonização contraria os
valores da civilização e sua sobrevivência significava que a Europa estava contrariando suas próprias
doutrinas, especialmente no que se refere ao iluminismo.
Embora tanto pregasse o progresso e a civilização, a mesma Europa moderna forjada na ilustração impôs a
outras regiões do planeta um regime de dominação violento e opressor.
A verdade é que a civilização dita «europeia», a civilização «ocidental», tal como a modelaram dois
séculos de regime burguês, é incapaz de resolver os dois problemas maiores a que a sua existência deu
origem: o problema do proletariado e o problema colonial; que, essa Europa acusada no tribunal da
«razão» como no tribunal da «consciência», se vê impotente para se justificar; e se refugia, cada vez
mais, numa hipocrisia tanto mais odiosa quanto menos susceptível de ludibriar.
(CÉSAIRE, 1997, p. 13)
O argumento formulado por Césaire foi aprofundado ao longo dos anos e retomado por importantes autores. O
sociólogo peruano Aníbal Quijano (1928-2018) demonstrou como a própria filosofia da história iluminista fez
parte do conglomerado do poder colonial, que envolve, entre outras coisas,o aspecto ideológico, garantido
pelo próprio iluminismo.
Desde o século XVIII, nos principais centros hegemônicos desse padrão mundial de poder, nessa
centúria, não sendo por acaso a Holanda (Descartes e Spinoza), e a Inglaterra (Newton, Locke), desse
universo subjetivo, foi elaborado e formalizado um modo de produzir conhecimento que dava conta das
necessidades cognitivas do capitalismo; a mediação, a externalização (ou objetivação) do cognoscível
em relação ao conhecedor, para o controle das relações dos indivíduos com a natureza e entre aqueles
em relação a esta, em especial a propriedade dos recursos da produção.(...) seu caráter e pela sua
origem, eurocêntrico. Denominado racional, foi imposto e admitido no conjunto do mundo capitalista
como a única racionalidade válida e como emblema da modernidade. As linhas matrizes dessa
perspectiva cognitiva mantiveram-se, não obstante as mudanças dos seus conteúdos específicos, das
críticas e dos debates, ao longo da duração do poder mundial do capitalismo colonial e moderno. Essa é
a modernidade, racionalidade, que está agora finalmente em crise.
(QUIJANO, 2009, p. 74)
Ao supor que a história seria um movimento em eterna marcha evolutiva, o iluminismo definiu as sociedades
europeias (especialmente França e Inglaterra) como estando em momento mais adiantado do processo, mais
próximos do progresso, o que justificaria sua tutela sobre sociedades consideradas mais atrasadas.
Assim, a colonização, operando com a lógica binária do atrasado X o evoluído, conseguia sua legitimação
ética. Colonizar povos primitivos faria parte do processo histórico. É nesse ponto que o iluminismo é criticado
por Aníbal Quijano. Antes de ser um sistema filosófico voltado à emancipação da humanidade, o Iluminismo
teria sido, segundo os críticos pós-coloniais e decoloniais, uma ideologia de poder e violência.
Atividade Discursiva
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Assim, a colonização, operando com a lógica binária do atrasado X o evoluído, conseguia sua legitimação
ética. Colonizar povos primitivos faria parte do processo histórico. É nesse ponto que o iluminismo é criticado
por Aníbal Quijano. Antes de ser um sistema filosófico voltado à emancipação da humanidade, o Iluminismo
teria sido, segundo os críticos pós-coloniais e decoloniais, uma ideologia de poder e violência.
Chave de resposta
Discuta a crítica pós-colonial e decolonial ao iluminismo.
O estudante precisa saber que os críticos da modernidade colonial associaram o iluminismo à violência
colonial perpetrada pelos países da Europa contra outras regiões do mundo.
Discuta a crítica pós-colonial e decolonial ao iluminismo.
O estudante precisa saber que os críticos da modernidade colonial associaram o iluminismo à violência
colonial perpetrada pelos países da Europa contra outras regiões do mundo.
Os críticos ao pensamento iluminista
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Assista agora a um vídeo em que são apresentados os pontos de vista dos intelectuais que se opuseram ao
pensamento iluminista.
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Conservadores
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As teorias críticas à modernidade colonial
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Verificando o aprendizado
Questão 1
A crítica conservadora ao iluminismo questionou a ideia de que a história é um processo em movimento
progressivo, propondo, assim, outra forma de organizar o tempo histórico. Assinale, entre as alternativas
abaixo, aquela que melhor apresenta essa leitura conservadora do tempo histórico.
A
Segundo a leitura conservadora do tempo histórico, o passado representa o acúmulo dos conhecimentos
humanos e deve iluminar o presente e o futuro.
B
Segundo a leitura conservadora do tempo histórico, o passado representa o atraso a ser superado pelo
presente e pelo futuro, pois a história seria um processo em constante movimento progressivo.
C
Segundo a leitura conservadora do tempo histórico, o passado representa a evolução, e é a ele que a
humanidade deve voltar, em constante movimento histórico regressivo.
D
Segundo a leitura conservadora do tempo histórico, o passado representa o que de melhor já existiu na
história humana e deve ser imitado pelo presente e pelo futuro.
E
Segundo a leitura conservadora do tempo histórico, o passado é o atraso que deve ser superado pelo
presente, porém imitado pelo futuro, já que a história seria um processo em constante movimento
progressista.
A alternativa A está correta.
O estudante precisa saber que a leitura conservadora do tempo histórico considera o passado como
inventário de tradições que precisa iluminar o presente e o futuro, e não exatamente ser imitado.
Questão 2
Edmund Burke e Alexis de Tocqueville fizeram duas grandes críticas ao iluminismo. Assinale entre as
alternativas abaixo aquela que melhor apresenta essas críticas.
A
As críticas apontam para o teor sociológico do iluminismo, marcadamente marxista e católico, enquanto os
conservadores são liberais e protestantes.
B
As críticas apontam para o teor religioso do iluminismo, marcadamente ateu e agnóstico, enquanto os
conservadores eram cristãos, na vertente católica ou na vertente protestante.
C
As críticas foram direcionadas à leitura iluminista do tempo histórico, marcadamente progressista e
evolucionista, e à pretensão cognitiva dos filósofos iluministas.
D
As críticas foram direcionadas à leitura iluminista do tempo histórico, marcadamente reacionária, e à timidez
cognitiva dos filósofos iluministas.
E
As críticas foram direcionadas à leitura iluminista do tempo histórico, marcadamente progressista, e à timidez
cognitiva dos filósofos iluministas.
A alternativa C está correta.
O estudante precisa saber que os conservadores questionaram tanto a filosofia iluminista da história, que
apresentava leitura progressista do tempo histórico, como a grande pretensão cognitiva dos filósofos da
ilustração.
5. Conclusão
Considerações finais
Neste conteúdo, nos debruçamos sobre as diversas relações possíveis que a intelectualidade vem
construindo com as teses do iluminismo desde o século XVI. Vimos como antes mesmo do século XVIII, teses
do liberalismo burguês já vinham sendo desenvolvidas e como, para além do século XVIII, elas foram
endossadas e criticadas.
Assim, percebemos como as ideias filosóficas não são o simples resultado da imaginação criativa dos
filósofos, mas, sim, produtos da interação desses pensadores com a realidade que os cerca. A realidade é
pensada, elaborada e traduzida em conceitos, teses, ideias.
Algumas dessas ideias têm vida longa, sendo recebidas, apropriadas, negadas pelas gerações posteriores.
Esse é o caso das ideias iluministas.
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Para saber mais sobre os assuntos tratados neste conteúdo, leia:
O antigo regime e revolução, de Alexis de Tocqueville.
Tratado sobre o entendimento humano, de John Locke.
Assista aos filmes:
O cavalo de Turim , (2011) de Bela Tarr.
Manderlay (2005), de Lars von Trier.
E um bom canal para assistirmos é a Casa do Saber.
Referências
ARENDT, H. Da Revolução. São Paulo: Ática, 1998.
BURKE, E. Reflexões sobre a Revolução Francesa. Rio de Janeiro: EDIPRO: 2014.
COMTE, A. O catecismo positivista. São Paulo: Contexto, 2001.
DESCARTES, R. Discurso sobre o método. São Paulo: Brasiliense, 1978.
ENGELS, F.; MARX, K. O manifesto comunista. São Paulo: Fonte Digital, 1999.
ENGELS, F.; MARX, K. A ideologia alemã. São Paulo: Ciências Humanas, 1979.
GUMBRECHT, H. U. Modernização dos sentidos. São Paulo: 34, 2010.
KANT, I. Resposta à pergunta: o que é esclarecimento? Rio de Janeiro: Petrópolis, 1974.
KOSELLECK, R. Crítica e Crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Rio de Janeiro:
Contraponto, 1999.
KOSELLECK, R. Futuro Passado: Contribuição à semântica