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Histórico e Preceitos Legais da BNCC Base Nacional Comum Curricular Diretor Executivo DAVID LIRA STEPHEN BARROS Gerente Editorial ALESSANDRA VANESSA FERREIRA DOS SANTOS Projeto Gráfico TIAGO DA ROCHA Autoria MAYCON SILVA AGUIAR AUTORIA Maycon Silva Aguiar Olá. Sou bacharel em Letras – Português e Literaturas e em Letras – Português e Latim pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e licenciado em Letras pela Universidade Federal Fluminense. Sou mestre em Linguística (2018) e em Filosofia (2019) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Atualmente, sou doutorando em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e atuo como professor colaborador no curso de Especialização em Gramática Gerativa e Estudos de Cognição – Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. ICONOGRÁFICOS Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que: OBJETIVO: para o início do desenvolvimento de uma nova competência; DEFINIÇÃO: houver necessidade de apresentar um novo conceito; NOTA: quando necessárias observações ou complementações para o seu conhecimento; IMPORTANTE: as observações escritas tiveram que ser priorizadas para você; EXPLICANDO MELHOR: algo precisa ser melhor explicado ou detalhado; VOCÊ SABIA? curiosidades e indagações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias; SAIBA MAIS: textos, referências bibliográficas e links para aprofundamento do seu conhecimento; REFLITA: se houver a necessidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou discutido; ACESSE: se for preciso acessar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast; RESUMINDO: quando for preciso fazer um resumo acumulativo das últimas abordagens; ATIVIDADES: quando alguma atividade de autoaprendizagem for aplicada; TESTANDO: quando uma competência for concluída e questões forem explicadas; SUMÁRIO Legislação Educacional Brasileira ....................................................... 12 A Educação e as Legislações Educacionais ............................................................... 12 As Principais Legislações Educacionais Nacionais Anteriores à Base Nacional Comum Curricular .................................................................................................... 17 Políticas Públicas Educacionais de Inclusão Social .....................28 Histórico, Objetivos e Práticas da BNCC ........................................... 37 Definição de Base Nacional Comum Curricular .......................................................37 A BNCC e o Currículo Escolar .................................................................44 9 UNIDADE 01 Base Nacional Comum Curricular 10 INTRODUÇÃO Caro aluno, a Base Nacional Comum Curricular foi instituída, por completo, em 2018, mas descende de uma longa trajetória de batalhas travadas no âmbito das políticas educacionais brasileiras. Trata-se de um documento normativo que arrola quais aprendizagens devem ser obtidas pelos alunos no decorrer da Educação Básica, à vista dos princípios e dos propósitos acionados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), a qual, por sua vez, visou a regulamentar, de maneira mais específica, os direitos garantidos à área pela Constituição Federal de 1988. No decorrer das quatro unidades que compõem esta disciplina, abordaremos, juntos, os principais estabelecimentos da Base Nacional Comum Curricular, atribuindo grande destaque às três etapas da Educação Brasileira: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Novo Ensino Médio. Para isso, nesta unidade, discutiremos as bases legais do sistema educacional brasileiro; o histórico de iniciativas legais que culminou na Base Nacional Comum Curricular; a relação entre esse documento e os currículos escolares; e os conceitos básicos adotados pelo documento. Para que você seja capaz de participar mais ativamente de nosso diálogo, é muito importante que tenha lido, previamente, dois dos mais importantes marcos da educação brasileira: o texto integral da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, promulgada em 1996 e modificada posteriormente; e o texto integral da Base Nacional Comum Curricular. Esses documentos estão disponíveis, respectivamente, nos seguintes endereços eletrônicos: • http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm • http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_ EF_110518_versaofinal_site.pdf Se desejar, realize uma pesquisa sobre outros documentos normalizadores da Educação Brasileira, sobretudo o que citarmos no decorrer deste material. Nestas escassas páginas, por muitas vezes, tivemos de decidir quais assuntos abordar; quais assuntos apresentar de maneira bastante resumida; e quais assuntos omitir. Portanto, quanto mais você agir autonomamente em relação à sua aprendizagem, maior será o proveito desta disciplina no futuro desempenho de profissão. Pronto? Então, vamos lá! Base Nacional Comum Curricular http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf 11 OBJETIVOS Caro aluno, seja bem-vindo à Unidade 1 – Histórico e preceitos legais da BNCC. Nosso objetivo é auxiliar você a desenvolver as seguintes competências profissionais: 1. Compreender o contexto histórico e as diversas formas de aplicação dos principais normativos educacionais instituídos desde a Constituição Federal de 1988. 2. Entender como a legislação educacional brasileira trata de questões étnico-raciais e ampara portadores de necessidades especiais no âmbito das políticas públicas relacionadas à Educação. 3. Entender o contexto de formação e os objetivos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), verificando sua importância para o desenvolvimento da eficiência educacional. 4. Identificar as diferenças e as aderências da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) aos currículos escolares, definindo até que ponto existe liberdade, flexibilidade e autonomia curricular por parte das instituições de ensino. Preparado? Vamos em frente! Base Nacional Comum Curricular 12 Legislação Educacional Brasileira OBJETIVO: Neste capítulo, conheceremos parte relevante dos documentos que regulam o sistema educacional brasileiro. Faremos isso com vistas a mensurar a estratificação de nosso sistema educacional; a reconhecer todas as etapas que o formam; e a descobrir como as políticas públicas se sucederam na trajetória rumo à Base Nacional Comum Curricular.. A Educação e as Legislações Educacionais As capacidades de educar-se e de educar semelhantes é inerente aos seres humanos. Por seu intermédio, temos acesso a heranças culturais, por um lado, e a bens e a serviços disponíveis e valorizados em sociedade, por outro lado. Considerando esse papel fundamental associado à educação, justifica-se a sua inclusão no conjunto de direitos fundamentais dos brasileiros reconhecido pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado, mais especificidade, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996) – e por leis que a modificaram. Figura 1 – Legislação Fonte: Freepik. Base Nacional Comum Curricular 13 Portanto, embora isso pareça óbvio, na medida em que o direito à educação é assegurado em lei, todos os brasileiros têm direito a aprender. De acordo com Gadotti (2005), quando evidenciamos essa constatação, reconhecemos que o direito à educação não se limita à possibilidade de frequentar a Educação Básica; envolve, para além disso, primordialmente, o direito a receber educação de qualidade, de modo a consolidar aprendizagens relevantes para uma atuação ética em sociedade. Nesse sentido, a escola é elevada à posição de principal centro de desenvolvimento dos âmbitos cognitivo, ético, social e cultural dos indivíduos. DEFINIÇÃO: Entendemos comoRio de Janeiro: Forense, 1984. Base Nacional Comum Curricular Legislação Educacional Brasileira A Educação e as Legislações Educacionais As Principais Legislações Educacionais Nacionais Anteriores à Base Nacional Comum Curricular Políticas Públicas Educacionais de Inclusão Social Histórico, Objetivos e Práticas da BNCC Definição de Base Nacional Comum Curricular A BNCC e o Currículo Escolareducação, na esteira de Raposo (2005), o “ato ou efeito de educar-se; o processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral do ser humano, visando a sua melhor integração individual e social” (RAPOSO, 2005, p. 1). Portanto, trataremos, em todo este livro, de uma vertente de educação dinâmica e integradora, com o intuito de formar alunos capazes de intervir nas questões que mobilizam (os diversos contextos da) a sociedade brasileira. A prática de educação – isto é, a execução de atividades que propiciem a aprendizagem de outrem – pode ser formal e não formal. Uma das diferenças fulcrais entre essas modalidades é o seu caráter institucional. No Quadro 1, elencamos as principais características associadas a cada modalidade. Quadro 1 – Diferenças entre educação formal e não formal Fonte: Adaptado de Gadotti (2005). Base Nacional Comum Curricular 14 A importância da institucionalidade das práticas educacionais está em sua sistematização. Não considere que essa afirmação é tautológica. Utilizamo-la para ressaltar que, se são institucionalizadas, as práticas educacionais facilitam o trabalho dos agentes que as executam, influenciando todos os níveis de organização – as mencionadas etapas – de nosso sistema educacional, das salas de aula às escolas e ao país como um todo; e facilita, ainda, a participação ativa dos alunos em seus processos de ensino-aprendizagem. Os principais representantes das práticas de educação formal são, em nosso país, as escolas públicas e as escolas particulares, que correspondem à Educação Básica; e as universidades, também públicas e particulares, que estão ligadas à Educação Superior. Não é difícil identificar, tomando essas instituições como exemplos, que as atividades pedagógicas que realizam são organizadas, intencionais e, normalmente, sequenciais. Figura 2 – Educação Superior Fonte: Freepik. Como base da educação formal brasileira, há um conjunto de leis as quais expandem, fundamentalmente, os posicionamentos sobre educação da Constituição Federal de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases Base Nacional Comum Curricular 15 da Educação Nacional. A legislação educacional envolve desde as práticas pedagógicas até a maneira como são incorporadas às esferas municipal, estadual e federal do Estado. Logo, dominar o conteúdo dos principais documentos normalizadores da educação brasileira impactará tanto nas suas práticas pedagógicas que assumirá em seu cotidiano quanto na forja do seu perfil enquanto docente. Você perceberá, mediante as reflexões que faremos, que ter conhecimento a respeito de legislação educacional fornece credibilidade à sua atuação como professor. NOTA: Dentre os elementos pelos quais a legislação educacional se responsabiliza estão as diretrizes curriculares, elementos em que as instituições se espelharão para montar seus próprios currículos. São exemplos de diretrizes curriculares as Diretrizes Curriculares Nacionais e a Base Nacional Comum Curricular. Enquanto as Diretrizes Curriculares Nacionais focam na forma de estruturar currículos, a Base Nacional Curricular visa ao detalhamento dos conteúdos mínimos que os currículos montados devem conter. Portanto, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) e a Base Nacional Comum Curricular não são currículos fechados e passíveis de serem adotados pelas instituições escolares. Tendo comentado rapidamente sobre a educação formal, veremos agora o que são práticas de educação não formal. Como se pode imaginar, trata-se de atividades pedagógicas menos hierarquizadas e, por isso, mais flexíveis. Costumeiramente são realizadas em espaços desvinculados do sistema formal de ensino, embora possam acontecer, também, nesses espaços, ao contrário do que estipula o senso comum dos educadores. O conceito de educação não formal se baseia na ideia de que, apesar de as escolas serem essenciais para a formação e para o desenvolvimento dos indivíduos, não são os únicos ambientes que propiciam experiências de aprendizagem. Assim sendo, os contextos cultural e social, que estão presentes, também, na construção de práticas de educação formal, são Base Nacional Comum Curricular 16 os elementos mais fundamentais da caracterização dos espaços não formais de educação, como são os casos, dentre outros, de museus, de movimentos sociais e de igrejas. Figura 3 – Museu do Amanhã, Rio de Janeiro Fonte: Pixabay. Considerando que a evasão escolar – a ausência de indivíduos em idade escolar nos estabelecimentos educacionais – é um problema prevalente em nosso país, os espaços não formais de educação assumem uma importância ímpar para a transmissão de conhecimentos. Ainda que crianças e adolescentes estejam afastados das escolas, poderão, em outros ambientes de seus contextos social e cultural, adquirir conhecimentos importantes – por exemplo, um indivíduo que tenha abandonado a escola aos 14 anos com o intuito de se inserir no mercado de trabalho, trocará, durante o convívio com seus colegas, informações sobre o cenário político brasileiro; e fará isso mesmo sem ter estudado, formalmente, conceitos como os de partido político e de democracia. Base Nacional Comum Curricular 17 SAIBA MAIS: Educadores brasileiros como Rubem Alves, José Carlos Libâneo, Paulo Freire e Moacir Gadotti focam a educação não formal e apresentam possibilidades de transformação dos indivíduos e da sociedade advindas dessa prática. Paulo Freire, por exemplo, afirma que o “homem não pode participar ativamente na história, na sociedade, na transformação da realidade se não for ajudado a tomar consciência da realidade e da sua própria capacidade de transformar” (FREIRE, 1977, p. 48). Em seu sistema de pensamento, a educação não formal cumprirá, à sua maneira, os objetivos da educação formal, quando o acesso às instituições que a execução não for possível. As Principais Legislações Educacionais Nacionais Anteriores à Base Nacional Comum Curricular Uma das principais preocupações da pedagogia é a definição das funções de aluno e de professor. Com o decorrer do tempo, conforme os contextos e as demandas histórico-sociais se sucederam, aluno e professor tiveram seus papéis nos processos de ensino-aprendizagem ressignificados. De acordo com Gadotti (2007, p. 41), atualmente: O professor precisa saber de muitas coisas para ensinar. Mas, o mais importante não é o que é preciso saber para ensinar, mas como devemos ser para ensinar. O essencial é não matar a criança que existe ainda dentro de nós. Matá-la seria uma forma de matar o aluno que está à nossa frente. O aluno só aprenderá quando tiver um projeto de vida e sentir prazer no que está aprendendo. O aluno quer saber, mas nem sempre quer aprender o que lhes é ensinado. A caracterização apresentada por Gadotti (2005) é, ao mesmo tempo, fruto de desenvolvimentos do pensamento pedagógico e da fermentação política e social ocorridos, nas últimas décadas, em nosso país. Base Nacional Comum Curricular 18 NOTA: Devemos ter grande atenção às vertentes pedagógicas práticas no Brasil. Certamente, recebemos influências de vertentes pedagógicas e de pensadores estrangeiros, troca que é comum no âmbito das áreas de conhecimento. Porém, sobretudo a partir da década de 1980, encontramos, aqui, vertentes pedagógicas que podem ser consideradas tupiniquins, concentradas na análise e na solução de problemas educacionais típicos do território brasileiro. Nesse sentido, nesta seção, conheceremos alguns dos produtos mais concretos da associação entre pensamento pedagógico e fermentação política e social, produtos esses que culminariam na Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018): a legislação educacional de meados da década de 1980 até o início da década de 2010. Figura 4 – Documentos legais Fonte: Freepik. Base Nacional Comum Curricular 19 Constituição Federal de 1988 A Constituição Federal de 1988, documento maisimportante de nosso regimento jurídico, demarca o fim do período ditatorial e o início da reabertura democrática. No início da década de 1980, depois de intensa resistência ao regime militar por parte de vários setores da sociedade brasileira e depois de considerável pressão internacional, conquistou-se o espaço necessário para que o país retornasse à democracia plena. Em 1983, com o recrudescimento da mobilização popular, desencadeou-se o episódio conhecido como Diretas Já, dentre cujas principais reivindicações estava a participação popular nas eleições para cargos públicos. Políticos, cientistas, professores, personalidades e pessoas comuns saíram às ruas, protestando, abertamente, contra a manutenção de militares nos cargos do Poder Executivo. Embora não possa ser declarado vitorioso, foi um movimento essencial para o fim da ditadura militar. Coube à Constituição Federal de 1988 garantir que o retorno à democracia fosse feito sobre bases equânimes, de acordo com as proposições da Declaração Universal de Direitos Humanos (ONU, 1948). Para que isso fosse possível, diversos direitos sociais foram garantidos, sem possibilidade de alienação, independentemente das razões alegadas, à população brasileira, dentre os quais está a educação. Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição [...]. Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 2021, on-line). Na Constituição de 1988, uma seção inteira do capítulo terceiro é dedicada à educação, de que o artigo 205, citado anteriormente, faz parte. Está claro, nesse artigo, o estatuto universal associado à educação – até a promulgação do documento, existia, em nosso país, direito à Base Nacional Comum Curricular 20 escolaridade, com limitação da gratuidade do serviço aos indivíduos cuja carência pudesse ser atestada. Como uma consulta a essa seção revela sem grandes dificuldades, todas as disposições a respeito da Educação partem da obrigatoriedade, por parte do Estado, de permitir que seus cidadãos usufruam de um sistema educacional de qualidade, ainda que seja admitido o funcionamento de escolas particulares. Uma mudança considerável da constituição cidadão, no que tange à educação, em relação a outras constituições brasileiras, está nos anos de escolaridade considerados mínimos: basicamente, são incluídos a Educação Infantil, que incumbia às políticas de assistência social, e o Ensino Médio. No entanto, a regulação mais específica de nosso sistema educacional, conforme aconteceu com inúmeros tópicos presentes na carta magna, viria alguns anos depois, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1996, em que surge, também, a expressão Educação Básica. Figura 5 – Comício a favor das “Diretas Já”, no Largo da Prefeitura de Porto Alegre Fonte: Agência Senado. Base Nacional Comum Curricular 21 Estatuto da Criança e do Adolescente O Estatuto da Criança e do Adolescente foi incluído em nosso ordenamento jurídico como resposta às reinvindicações sociais em prol da proteção da infância e da adolescência. Sancionado em 13 de julho de 1990, trata-se da principal normalização das condutas estatais a respeito de atos lesivos praticados contra e por crianças e por adolescentes. Logo em seu artigo 1º, são identificados os segmentos populacionais que formam o público-alvo do documento: • Crianças, que correspondem aos indivíduos de até 12 anos de idade (incompletos); • Adolescentes, que são os indivíduos de 12 a 18 anos de idade (incompletos); e • Casos excepcionais, que se referem a indivíduos de 18 a 21 anos de idade, mediante à ocorrência de um dos casos expressos. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1990). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional é, até hoje, quanto à educação, a mais importante de nosso regimento jurídico. Em seu âmbito, encontramos não somente a regulamentação da Educação Básica, mas também a da Educação Superior. Base Nacional Comum Curricular 22 SAIBA MAIS: Como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) não inclui a Educação Superior no rol da Educação Básica, o Estado não é obrigado a oferecer esse segmento gratuitamente. Por outro lado, a Educação Superior pública é uma realidade em nosso país e é reconhecida, internacionalmente, por sua qualidade. A origem da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 remonta, como vimos, à Constituição Federal de 1988 e reflete a luta, por décadas, de educadores brasileiros, dentre os quais se destaca Darcy Ribeiro, por um sistema educacional mais equânime e mais eficiente. É a segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – a primeira é a de 1971. De modo geral, o documento reitera os direitos relacionados à educação garantidos à população brasileira pela Constituição Federal de 1988; estipula, mais claramente, questões apontadas na carta magna, como são casos da educação de portadores de necessidades especiais e de povos originários de nosso território; e define as competências do poder público quanto à educação. Figura 6 – Sistema educacional brasileiro e competências do poder público Educação Infantil Inclui creches para crianças de 0 a 3 anos de idade; e pré-escolas para crianças de 4 e 5 anos de idade. Apenas a oferta de pré-escolas é obrigatória. É de competência dos municípios. Ensino Fundamental Divide-se em anos iniciais (do 1ª ao 5ª ano), destinado a crianças a partir dos 6 anos de idade; e em anos finais (do 6º ao 9º ano). É de competência dos municípios, mas pode, suplementarmente, ser oferecido pelos estados. Em geral, os municípios oferecem escolas de anos iniciais, enquanto os estados cuidam de escolas de anos finais, mas isso não é uma regra. Não exige que os alunos tenham concluído a Educação Infantil. Ensino Médio Compreende três séries (1º , 2º e 3º ano) e se direciona a adolescentes concluintes do Ensino Fundamental. É de competência dos estados. Educação Superior Mesmo que não seja obrigatória, a Educação Superior é de competência da União. Pode ser oferecida, também, por estados e por municípios, com a condição que tenham atendido, com eficiências, as demandas dos níveis pelos quais são responsáveis. Exige a conclusão do Ensino Médio. Fonte: Elaborada pelo autor (2022). Base Nacional Comum Curricular 23 Além do ensino regular, que corresponde à organização presente na Figura 6, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional prescreve cinco diferentes modalidades de ensino: • Educação Especial, que visa ao atendimento de portadores de necessidades especiais, estipulando que frequentarão, preferencialmente, as escolas de Ensino Regular, como fomento à sua integração e à quebra de paradigmas sociais eugenistas. • Educação Profissional e Tecnológica, que, incluindo o Ensino Regular, prepara os estudantes para atuarem no mercado de trabalho, dotando-os de profissão de nível técnico reconhecida pelo Ministério da Educação. • Educação a Distância, que visa ao atendimento de públicos diversos de estudantes, garantindo-lhe condições específicas de tempo e de acesso às aulas, com intermédio de tecnologiascom esse fim. • Educação de Jovens e Adultos, que visa ao atendimento de indivíduos que não tiveram acesso à Educação Básica na idade apropriada, respeitando suas necessidades específicas de ensino- aprendizagem. • Educação Indígena, que visa ao oferecimento de Educação Básica a comunidades originárias do território brasileiro, garantindo-lhes o direito de estudar sua língua materna e de ter a própria cultura respeitada. Dos Princípios e Fins da Educação Nacional Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; Base Nacional Comum Curricular 24 III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância; V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII - valorização do profissional da educação escolar; VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX - garantia de padrão de qualidade; X - valorização da experiência extraescolar; XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. XII - consideração com a diversidade étnico-racial (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013); XIII - garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida (Incluído pela Lei nº 13.632, de 2018); XIV - respeito à diversidade humana, linguística, cultural e identitária das pessoas surdas, surdo-cegas e com deficiência auditiva (Incluído pela Lei nº 14.191, de 2021) (BRASIL, 1996, on-line) Parâmetros Curriculares Nacionais Os Parâmetros Curriculares Nacionais são diretrizes curriculares e auxiliam tanto as instituições escolares, visto que influenciam a construção de Projetos Político-Pedagógicos e de currículos escolares; quanto os docentes, visto que subsidiam seus planejamentos pedagógicos, suas estratégias didáticas e sua seleção de conteúdos curriculares. Criado entre 1997 e 1998, o documento se estrutura de acordo com as seguintes disciplinas: língua portuguesa, matemática, ciências naturais, história e geografia; arte; educação física; apresentação dos temas transversais e ética; meio ambiente e saúde e pluralidade cultural e orientação sexual (BRASIL, 1997). Os Parâmetros Curriculares Nacionais, referenciais para a renovação e reelaboração da proposta curricular, reforçam a importância de que cada escola formule seu projeto educacional, compartilhado por toda a equipe, para que a melhoria da qualidade da educação resulte da Base Nacional Comum Curricular 25 corresponsabilidade entre todos os educadores. A forma mais eficaz de elaboração e desenvolvimento de projetos educacionais envolve o debate em grupo e no local de trabalho. Os Parâmetros Curriculares Nacionais, ao reconhecerem a complexidade da prática educativa, buscam auxiliar o professor na sua tarefa de assumir, como profissional, o lugar que lhe cabe pela responsabilidade e importância no processo de formação do povo brasileiro (BRASIL, 1997). Direcionados, igualmente, às redes pública e privada de ensino, os Parâmetros Curriculares Nacionais selecionam e apresentam os elementos considerados fundamentais de cada disciplina escolar de acordo com três critérios: a faixa etária dos alunos; a necessidade de normalizar os conteúdos escolares em todo o território nacional; e guiar os educadores na elaboração de currículos. Diferentemente do que acontece com os documentos de que falamos até aqui, os Parâmetros Curriculares Nacionais não são obrigatórios, mas são uma referência muito importante para as práticas pedagógicas da Educação Básica. Isso acontece, sobretudo, porque a maneira como foi concebido, muito inovadora para padrões brasileiros, possibilita que sejam adotados em realidades escolares muito diferentes. SAIBA MAIS: Os Parâmetros Curriculares Nacionais consistem em um assunto complexo. Para conhecer suas propostas de forma mais abrangente, leia o artigo Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio, formação docente e a gestão escolar, de Oliveira et al. (2013). Quando for possível, reserve um tempo e leia o documento na íntegra, disponível aqui. Base Nacional Comum Curricular http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro01.pdf 26 Diretrizes Curriculares Nacionais As Diretrizes Curriculares Nacionais são fundamentadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) e normalizam o planejamento curricular (propostas pedagógicas, estruturação, articulação e avaliação) no âmbito do sistema educacional brasileiro. São obrigatórias para a Educação Básica, o que as tornam conhecidas como Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. Atualmente, mesmo após a existência da Base Nacional Comum Curricular, mantêm-se válidas: são documentos complementares, não documentos mutuamente excludentes. Em que pese, entretanto, a autonomia dada aos vários sistemas, a LDB, no inciso IV do seu artigo 9º, atribui à União estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os municípios, competências e diretrizes para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum. A formulação de Diretrizes Curriculares Nacionais constitui, portanto, atribuição federal, que é exercida pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), nos termos da LDB e da Lei nº 9.131/95, que o instituiu. Esta lei define, na alínea “c” do seu artigo 9º, entre as atribuições de sua Câmara de Educação Básica (CEB), deliberar sobre as Diretrizes Curriculares propostas pelo Ministério da Educação. Esta competência para definir as Diretrizes Curriculares Nacionais torna-as mandatórias para todos os sistemas. Ademais, atribui-lhe, entre outras, a responsabilidade de assegurar a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação nacional (artigo 7º da Lei nº 4.024/61, com redação dada pela Lei nº 8.131/95), razão pela qual as diretrizes constitutivas deste Parecer consideram o exame das avaliações por elas apresentadas durante o processo de implementação da LDB” (BRASIL, 2013). Base Nacional Comum Curricular 27 RESUMINDO: Nesta seção, demos os primeiros passos em direção a um conhecimento abrangente da Base Nacional Comum Curricular, foco desta disciplina. Inicialmente, diferenciamos o conceito de educação formal do de educação não formal e discutimos o direito universal à educação por parte dos brasileiros. Em seguida, destacamos alguns dos marcos legais da educação anteriores à Base Nacional Comum Curricular mais importantes, como são os casos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, dos Parâmetros Curriculares Nacionais e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica. Por fim, tivemos a oportunidade de ler e de analisar, com um razoável grau de aprofundamento, alguns textos dos documentos selecionados. Base Nacional Comum Curricular 28 Políticas Públicas Educacionais de Inclusão Social OBJETIVO: Neste capítulo, conheceremos parte das políticas públicas educacionais de inclusão social. Deter-nos- emos, especificamente, em como os documentos legais estudados no capítulo anterior e documentos complementares contemplam as relações étnico-raciais, a educação escolar indígena e a inclusão das pessoas com deficiência, resguardando o caráter universal de nosso sistema de educação. Desde antes da invasão portuguesa ao território indígena brasileiro (AGUIAR,2019; AGUIAR; SOUZA; PEREIRA, 2020; BONFIM; DURAZZO; AGUIAR, 2021), a convivência entre diferentes etnias e diferentes culturas descreve nosso território, que era compartilhado por centenas de povos originários. O aporte de europeus e a escravidão de povos originários do continente europeu tornou esse cenário mais complexo: sob a chancela do governo português, a supremacia branca e o extermínio da diversidade étnica se transformaram em políticas de Estado. Por essa razão, a história do Brasil, sobretudo a partir de 1888, ano em que finalmente reconhecemos a liberdade de afrodescendentes, é marcada por movimentos sociais em prol do fim da segregação étnico- racial, do preconceito estrutural e de condições equânimes de acesso aos direitos constitucionais. SAIBA MAIS: Durante boa parte do século XIX, houve um intenso movimento abolicionista no país, que envolvia, inclusive, uma filha do Imperador Dom Pedro II, a Princesa Isabel. Caso deseje saber mais sobre isso, leia o breve artigo As camélias do Leblon e a abolição da escravatura, disponível aqui. Base Nacional Comum Curricular http://antigo.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/o-z/FCRB_EduardoSilva_Camelias_Leblon_abolicao_escravatura.pdf http://antigo.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/o-z/FCRB_EduardoSilva_Camelias_Leblon_abolicao_escravatura.pdf 29 Em decorrência de uma valorização exacerbada da branquitude e das raízes europeias, assistimos, ainda hoje, à desvalorização das heranças culturais africanas e indígenas, ampliando a desigualdade inscrita em nossa sociedade. Contudo, apesar de todo o desestímulo que as causas étnico-raciais e indígena sofrem no país, algumas conquistas foram obtidas em períodos recentes, que são os casos da Lei nº10.639 e nº 11.645, aprovadas, respectivamente, em 2003 e em 2008. 115 anos após a abolição da escravidão, a Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, determinou a obrigatoriedade do ensino da(s) história(s) e da(s) cultura(s) afrodescendentes na Educação Básica. Esse foi um passo sem precedentes na legislação educacional brasileira, uma vez que, ao serem inseridas nos currículos escolares, essas questões são visibilizadas e reconhecidas como legítimas. Na prática, a Lei nº 10.639 ampliou os currículos escolares, de modo a contemplar as diversidades culturais, raciais, sociais e econômicas existentes no Brasil e a propiciar a reformulação de práticas pedagógicas ultrapassadas. Portanto, avaliamos que esse seja um exemplo de política pública afirmativa modelar, porque não incutiu mudanças despropositadas no sistema educacional brasileiro, mas, em vez disso, permitiu que a história do maior grupo étnico de nossa sociedade seja contada com fidedignidade. Base Nacional Comum Curricular 30 NOTA: É importante destacar que reeducar a sociedade para as relações étnico-raciais é tentar desenraizar o racismo e o preconceito com que convivemos há muitos séculos. A noção de raça está ligada à ideia de traços biológicos definitivos, como são os casos de cor de pele, de cabelo e de olhos. Por sua vez, o conceito de etnia é, principalmente, de base social. Assim: Para reeducar as relações étnico-raciais, no Brasil, é necessário fazer emergir as dores e medos que têm sido gerados. É preciso entender que o sucesso de uns tem o preço da marginalização e da desigualdade impostas a outros. E então decidir que sociedade queremos construir daqui para frente (BRASIL, 2003, on-line). Como a Diretriz para Educação das Relações Étnico-Raciais nos apresenta, documento que explicita como a Lei nº 10.639 deveria ser praticada, essa reeducação fará com que diferentes grupos étnico- raciais compartilhem vivências, para, então, construir a sociedade justa preconizada pela Constituição Federal de 1988. Nesse processo, as instituições escolares são essenciais, visto que são responsáveis por aos cidadãos o entendimento de nossa história e de nossa formação social; e os professores devem estar preparados para desfazer os equívocos corriqueiros sobre os conceitos de raça, de etnia e de racismo, de forma que o aluno compreenda sua própria história. Base Nacional Comum Curricular 31 SAIBA MAIS: Compreender bem os conceitos de raça, de etnia e de racismo é um passo fundamental para o seu desenvolvimento enquanto ser humano, enquanto cidadão brasileiro e, principalmente, enquanto educador. Para conhecer mais sobre esses assuntos, leia o artigo Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia, de Kabengele Munanga, professor da Universidade de São Paulo. Acesse-o clicando aqui. Em 2008, outro avanço marcou a legislação educacional brasileira no que tange à inclusão de grupos sociais vulneráveis: a Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008, que, como a Lei nº 10.639 modifica o texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, adicionando-lhe a obrigatoriedade do ensino da(s) história(s) e da(s) cultura(s) indígenas na Educação Básica: Torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro- brasileira e indígena. § 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. § 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro- brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.” (BRASIL, 2008, on-line). Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, a educação escolar indígena é assegurada por lei: “o ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem” (BRASIL, 1988, on-line). Amparados, ainda, pela Base Nacional Comum Curricular https://www.ufmg.br/inclusaosocial/?p=59 32 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e pelo Plano Nacional de Educação, os povos originários de nosso território conquistaram, igualmente, o direito à educação diferenciada, bilíngue e intercultural. Contudo, como aconteceu no caso dos afrodescendentes, para que suas tradições e suas línguas fossem afirmadas frente aos estigmas sociais, era necessário que os currículos escolares abaixassem a seletividade em relação às nossas narrativas históricas. A Lei nº 11.645, de 2008, cumpriu esse papel. Figura 7 – Povos originários do território brasileiro Fonte: Wikimedia Commons. A garantia de educação escolar diferenciada e de qualidade surge e se reflete em valorização das línguas maternas, dos saberes da formação de professores oriundos das comunidades originárias. Por exemplo: quando pensamos no processo de ensino-aprendizagem de povos indígenas, devemos, primordialmente, discutir se lhes servirá o material didático confeccionado para alunos de uma metrópole. Base Nacional Comum Curricular 33 Certamente, a questão que vimos acima não é possível: mudam- se os contextos socioculturais, mudam-se, igualmente, as demandas educacionais e das funções sociais dos conteúdos curriculares. Sem material didático direcionado à realidade dos povos originários, os processos de ensino-aprendizagem são comprometidos e podem ser inviabilizados. SAIBA MAIS: Reserve um tempo para ler e estudar o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro- Brasileira e Africana, que estão disponíveis nosseguintes endereços eletrônicos, respectivamente: • https ://www.uel .br/projetos/leafro/pages/ arquivos/DCN-s%20-%20Educacao%20das%20 Relacoes%20Etnico-Raciais.pdf • https://www.ufmg.br/copeve/Arquivos/2017/fiei_ programa_ufmg2018.pdf Não se furte a essas leituras. São materiais indispensáveis para a sua atuação como educador! Antes de encerrarmos este capítulo, destacaremos a Educação Especial, prevista na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. O contexto histórico subjacente à educação de pessoas com necessidades especiais – indivíduos que, de acordo com o Estatuto da Pessoas com deficiência, apresentam incapacitação permanente física, mental, intelectual e/ou sensorial –, até chegar à garantia legal de Educação Especial, é longo e árduo, perpassando por quatro fases: • Exclusão, fase em que os portadores de necessidades especiais eram considerados inválidos e não eram excluídos do sistema formal de educação. Base Nacional Comum Curricular https://www.uel.br/projetos/leafro/pages/arquivos/DCN-s%20-%20Educacao%20das%20Relacoes%20Etnico-Raciais.pdf https://www.uel.br/projetos/leafro/pages/arquivos/DCN-s%20-%20Educacao%20das%20Relacoes%20Etnico-Raciais.pdf https://www.uel.br/projetos/leafro/pages/arquivos/DCN-s%20-%20Educacao%20das%20Relacoes%20Etnico-Raciais.pdf https://www.ufmg.br/copeve/Arquivos/2017/fiei_programa_ufmg2018.pdf https://www.ufmg.br/copeve/Arquivos/2017/fiei_programa_ufmg2018.pdf 34 • Segregação, fase em que os portadores de necessidades especiais começaram a ter acesso à alfabetização, relegados à clausura de instituições específicas. Figura 8 – Pessoa com deficiência Fonte: Freepik. • Integração, fase em que os portadores de necessidades especiais deveriam adequar-se às condições do Ensino Regular caso desejassem ter acesso ao sistema formal de educação. • Inclusão, fase em que os portadores de necessidades especiais foram, finalmente, acolhidos pelo sistema educacional brasileiro, em meio às classes regulares, tendo suas necessidades respeitadas. A Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva nos trouxe, em 2008, concepções de atuação da Educação Especial nos sistemas de ensino inéditas. Uma dessas concepções é a de atendimento educacional especializado, modalidade complementar ou suplementar à formação dos portadores de necessidades especiais. Esclareçamos que a permanência de portadores de necessidades especiais em salas de aula regulares não foi substituída pelo atendimento Base Nacional Comum Curricular 35 educacional especializado, que é realizado no contraturno das aulas regulares como forma de reduzir as barreiras e as dificuldades de aprendizagem específicas dos indivíduos. Figura 9 – Inclusão de pessoas com deficiência Fonte: Pixabay. Para que a inclusão dos portadores de necessidades especiais no sistema educacional brasileiro seja universal, é premente que nosso paradigma educacional seja modificado. Isso deve acontecer com vistas à superação das desigualdades e das diferenças e ao desenvolvimento integral dos alunos – social, afetivo, moral, político e físico, por exemplo –, independentemente de suas possíveis condições. Mais recentemente, em 2020, o Decreto nº 10.502 instituiu a Política Nacional de Educação Especial: equitativa, inclusiva e com aprendizado ao longo da vida, considerado, por educadores e por cientistas, um pernicioso retrocesso. O documento prevê a circunscrição de portadores de necessidades a instituições especializadas, ignorando os avanços relativos à inclusão e retornando à era da segregação. O último marco sobre educação inclusiva de que falaremos é o reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais (Libras) como meio de Base Nacional Comum Curricular 36 comunicação legal dos surdos, com a promulgação da Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Mas não deixemos que isso engane, caro aluno: dessa lei resulta que situações oficiais de comunicação devem prever o uso de Libras, enquanto a língua portuguesa permanece como a única oficial do Brasil. Por outro lado, desde 2005 o ensino de Libras se tornou obrigatório nos cursos superiores de licenciatura, de pedagogia e de fonoaudiologia de nosso país, como forma de assegurar que os profissionais dessas áreas, críticos para o desenvolvimento de surdos, saibam como tratá-los adequadamente. VOCÊ SABIA? Portadores de necessidades especiais não são apenas pessoas com deficiências. Essa categoria engloba, também, portadores de transtornos globais do desenvolvimento, como é o caso de autistas, e portadores de altas habilidades e de superdotação. RESUMINDO: Neste capítulo, descobrimos como a legislação brasileira ampara as relações étnico-raciais, a educação escolar indígena e o processo de inclusão das pessoas com deficiência, elementos que foram invisibilizados pelos detentores de poder durante a maior parte da história de nosso país. Inicialmente, abordamos as Leis nº 10.639, de 2003, e nº 11.645, de 2008, responsáveis por converter as histórias e as culturas de afrodescendentes e de povos originários de nosso território em tópicos obrigatórios dos currículos escolares brasileiros, democratizando o acesso a essas informações e combatendo a discriminação baseada na ignorância. Por fim, tratamos das políticas de inclusão de portadores de necessidades especiais. Base Nacional Comum Curricular 37 Histórico, Objetivos e Práticas da BNCC OBJETIVO: No decorrer deste capítulo, compreenderemos o que a Base Nacional Comum Curricular é e ficaremos a par de como foi criada. Embora seja mais curto do que os demais, seu conteúdo não é menos importante.. Definição de Base Nacional Comum Curricular Caro aluno, apesar de, nos capítulos anteriores, mencionarmos a Base Nacional Comum Curricular, a famosa BNCC, em diversos contextos, você conseguiria, a esta altura, definir o que esse documento é? Demos-lhe uma pista quando abordamos as Diretrizes Curriculares Nacionais: afirmamos que se trata de uma referência para a construção dos currículos escolares. Isso, porém, não é suficiente para esclarecer as verdadeiras dimensões da Base Nacional Comum Curricular. Figura 10 – Base Nacional Comum Curricular Fonte: Brasil (2018). Base Nacional Comum Curricular 38 Com o intuito de lhe apresentar uma definição clara e concisa do que seja a Base Nacional Comum Curricular, recorremos ao próprio documento: A Base Nacional Comum Curricular] é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento (BRASIL, 2017, p. 7). Temos, a partir de agora, um terreno sólido em que nos apoiar: trata-se de um documento cujo objetivo é garantir que, durante a permanência dos estudantes na Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio), adquiram todas as habilidades e as competências consideradas relevantes para a sua vida em sociedade. Por essa razão, o documento elenca conhecimentos de várias naturezas (científicos, artísticos, culturais, sociais e emocionais), defendendo uma perspectiva integradora e transdisciplinar de construção de aprendizagens. O caráter da Base Nacional Comum Curricular, além de ser compulsório, é unificador, ao menos no nível da idealização dos currículos, como forma de evitar que a qualidade da Educação Básica varie em função de variáveis geográficas e sociais. Contudo, não é correto supor que o documento defina um mesmo currículo para todo o país. Em vez disso, é elencado um conjunto mínimo de habilidades e de competências que devem ser ensinados aos alunos brasileiros, e, a partir desse conjunto, estados, municípios e instituições escolares criarão seus currículos autonomamente.Base Nacional Comum Curricular 39 Figura 11 - Unificação da qualidade educacional Fonte: Elaborada pelo autor (2022). A Base Nacional Comum Curricular está dividida em quatro partes: • Na primeira, “Textos introdutórios”, localizamos uma apresentação do documento e dos fundamentos pedagógicos; • Na segunda, “Competências gerais”, encontramos um conjunto de dez habilidades e saberes que, de acordo com o Ministério da Educação, os estudantes devem adquirir e aprimorar ao longo da Educação Básica; • Na terceira, “Competências específicas”, somos apresentados aos conjuntos de habilidades e de saberes das diferentes áreas do conhecimento, em função das suas diferentes etapas e dos componentes curriculares; Base Nacional Comum Curricular 40 • Na quarta, “Direitos de Aprendizagem ou Habilidades”, nos deparamos com um conjunto de saberes associados à prática dos objetos de conhecimento de cada etapa da Educação Básica, os quais podem ser conteúdos, conceitos e processos. Apesar de ter sido finalizada em 2018, não é uma proposta recente. De acordo com Arnhold e Martins (2021), desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pelo menos, existe a previsão de que um documento dessa natureza fosse desenvolvido. Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais (BRASIL, 1988, on-line). Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos (BRASIL, 1996, on-line). Figura 12 – Educação Infantil Fonte: Pixabay. Base Nacional Comum Curricular 41 Nas Diretrizes Curriculares Nacional, o intento está, se isso for possível, mais claro do que nos documentos citados: Artigo 14. A base nacional comum na Educação Básica constitui-se de conhecimentos, saberes e valores produzidos culturalmente, expressos nas políticas públicas e gerados nas instituições produtoras do conhecimento científico e tecnológico; no mundo do trabalho; no desenvolvimento das linguagens; nas atividades desportivas e corporais; na produção artística; nas formas diversas de exercício da cidadania; e nos movimentos sociais. § 1º Integram a base nacional comum nacional: a) a Língua Portuguesa; b) a Matemática; c) o conhecimento do mundo físico, natural, da realidade social e política, especialmente do Brasil, incluindo-se o estudo da História e das Culturas Afro-Brasileira e Indígena, d) a Arte, em suas diferentes formas de expressão, incluindo-se a música; e) a Educação Física; f) o Ensino Religioso (BRASIL, 2013, on-line). O Plano Nacional de Educação referente ao decênio 2014-2024 reforça, mais ainda, a criação de um documento regulador universal: 15.6) promover a reforma curricular dos cursos de licenciatura e estimular a renovação pedagógica, de forma a assegurar o foco no aprendizado do (a) aluno (a), dividindo a carga horária em formação geral, formação na área do saber e didática específica e incorporando as modernas tecnologias de informação e comunicação, em articulação com a base nacional comum dos currículos da educação básica, de que tratam as estratégias 2.1, 2.2, 3.2 e 3.3 deste PNE (BRASIL, 2014, on-line). Além dos documentos legais a que fomos apresentados no capítulo anterior, a elaboração da Base Nacional Comum Curricular está associada à realização de uma série de conselhos, de seminários e de consultas públicas, passando por sucessivas etapas de idealização, de esboço e de redação, até sua versão atual ter sido obtida. Base Nacional Comum Curricular 42 Durante todo o processo de construção da Base Nacional Comum Curricular, tanto especialistas em educação quanto leigos foram ouvidos, de modo que as propostas concretizassem, de fato, os anseios do país. Nas Figuras 13, 14 e 15 estão alguns dos principais marcos de cada uma das três versões da Base Nacional Comum Curricular. Figura 13 – Marcos da primeira versão da Base Nacional Comum Curricular 06/2015 Seminário Interinstitucional com vistas à formulação 10 da Base Nacional Comum Curricular. 07/2015 Instituição da Portaria nº 592 pelo Ministério da Educação, a fim de elaborar a primeira versão da Base Nacional Comum Curricular . 09/2015 Publicação da primeira versão da Base Nacional Comum Curricular sem a inclusão do Ensino Médio. Fonte: Elaborada pelo autor (2022). Figura 14 – Marcos da segunda versão da Base Nacional Comum Curricular 03/2015 Fim da consulta pública sobre a primeira versão da Base Nacional Comum Curricular. 03 a 055/2015 Especialistas da Universidade de Brasília analisam as contribuições da consulta pública. 05/2016 Publicação da segunda versão da Base Nacional Comum Curricular. Fonte: Elaborada pelo autor (2022). Figura 15 – Marcos da terceira versão da Base Nacional Comum Curricular 05/2016 Consulta pública sobre a segunda versão da Base Nacional Comum Curricular. 04/2017 Publicação da terceira versão da Base Nacional Comum Curricular. 07/2016 Circulação nacional e preparação das orientações da Base Nacional Comum Curricular para as instituições de ensino. Fonte: Elaborada pelo autor (2022). Base Nacional Comum Curricular 43 A versão final da Base Nacional Comum Curricular concernente ao Ensino Fundamental foi concluída em 2017, enquanto a referente ao Ensino Médio foi concluída em 2018 e reestruturou, completamente, essa etapa de ensino. RESUMINDO: Neste capítulo, percebemos que a criação da Base Nacional Comum Curricular não é uma iniciativa pontual; está prevista, ao contrário, em uma série de documentos legais mais antigos, como são os casos da Constituição Federal de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Em seguida, exploramos, mesmo que o tenhamos feito de maneira abreviada, os marcos da elaboração desse documento, que demandou o comprometimento de diversos segmentos sociais. Por fim, destacamos a importância que a proposta de realinhamento dos fundamentos teóricos e metodológicos para a Educação Básica feita pela Base Nacional Comum Curricular alcança no contexto sociopolítico atual. Base Nacional Comum Curricular 44 A BNCC e o Currículo Escolar OBJETIVO: Agora que temos uma noção ampla do que é a Base Nacional Comum Curricular e de como influenciou o sistema educacional brasileiro, discutiremos, neste capítulo, razões pelas quais a Base Nacional Comum Curricular difere de um currículo escolar. Considerando que no capítulo anterior contemplamos a definição do que é a Base Nacional Comum Curricular, iniciaremos este com a definição de currículo. De acordo com Saviani (2016), o conceito de currículo é tomado, em sentido amplo, ou como um conjunto de disciplinas que formam o repertório de um curso ou como um conjunto de conteúdos que perfazem uma disciplina. A primeira acepção do termo, ainda que remeta a abordagens pedagógicas de cunho tradicional, está muito próxima da que temos assumido nesta disciplina. Por sua vez, a segunda acepção é sinônima do conceito de programa de disciplina. Figura 16 – Currículo escolar e práticas educacionais Fonte: Freepik. Base Nacional Comum Curricular 45 No sentido que currículo tem para nós, é verdadeiro afirmar que reúne, além de um conjunto de disciplinas, toda uma gama de elementos teóricos e práticos necessários à construção dos Projetos Político- Pedagógicos e das práticas educacionais das instituições de ensino. Podemos concluir, então, que cada currículo escolar é único, na medida em que descenda de demandas socioculturais atreladas à realidade das instituições de ensino e dos alunos queas frequentam. Se refletirmos um pouco sobre o que acabamos de ler, perceberemos que a Base Nacional Comum Curricular não é compatível com o conceito de currículo. Ao folheá-la, você deve ter notado que não existe, em nenhuma de suas mais de 500 páginas, a imposição de estratégias didático-pedagógicas e de conteúdo. Ao contrário, você deve ter reparado, certamente, que o documento propõe um caminho lógico, sustentado por aprendizagens essenciais e por competências, que deve ser seguido pelas instituições de ensino no processo de elaboração de seus currículos. Embora simples, a pergunta “o que é currículo?” não tem encontrado uma resposta fácil. Desde o início do século passado ou mesmo desde um século antes, os estudos curriculares têm definido “currículo” de formas muito diversas, e várias dessas definições permeiam o que tem sido denominado currículo no cotidiano das escolas. Indo dos guias curriculares propostos pelas redes de ensino àquilo que acontece em sala de aula, currículo tem significado, entre outros, a grade curricular com disciplinas/ atividades e cargas horárias, o conjunto de ementas e os programas das disciplinas/atividades, os planos de ensino dos professores, as experiências propostas e vividas pelos alunos. Há, certamente, um aspecto comum a tudo isso que tem sido chamado currículo: a ideia de organização, prévia ou não, de experiências/situações de aprendizagem realizadas por docentes/redes de ensino, de forma a levar a cabo um processo educativo. Sob tal “definição”, no entanto, se esconde uma série de outras questões que discutiremos ao longo deste e dos demais capítulos, e que vêm sendo objeto de disputas na teoria curricular (LOPES; MACEDO, 2003, p. 15). Base Nacional Comum Curricular 46 A construção curricular das instituições de ensino, por sua vez, como não é segredo para nós, tem de seguir uma série de orientações legais, seja de seus municípios, seja de seus estados, seja da União. Nesse ponto, reside o caráter obrigatório da Base Nacional Comum Curricular: quando estipula um conjunto de aprendizagens essenciais e de competências a ser adotado em toda a amplitude de nossa federação, o documento não limita a construção de curriculares e garante – teoricamente, ao menos – que todos os estudantes brasileiros tenham acesso a processos de ensino-aprendizagens de qualidade idêntica. Do outro lado da equação, para além das normas jurídicas e das instituições de ensino, há, ainda, os professores, que criarão objetivos de aprendizagem e decidirão com quais conteúdos curriculares trabalhar a partir das orientações da Base Nacional Comum Curricular, a partir dos demais documentos educacionais normalizadores e a partir do currículo e do Projeto Político-Pedagógico vigentes em suas escolas. Na Figura 17, esquematizamos as várias camadas envolvidas na elaboração de um currículo e no planejamento e na prática docente. Figura 17 – Camadas envolvidas na elaboração de um currículo e no planejamento e na prática docente Fonte: Adaptada de Brasil (2018). Base Nacional Comum Curricular 47 Conforme está estipulado nessa configuração, para além de orientações e de atribuições pedagógicas adaptáveis à realidade de cada instituição de ensino, os currículos estaduais e municipais funcionam como uma espécie de ferramenta intermediária de gestão para a implementação e para o acompanhamento de políticas públicas de educação, dentre as quais se incluem, obviamente, a Base Nacional Comum Curricular. Quando explicamos, há pouco, que a Base Nacional Comum Curricular reverte o foco no conteúdo, algo típico de abordagens pedagógicas tradicionais, em foco nas capacidades dos alunos, além de os processos de ensino-aprendizagem adquirirem funções sociais inequívocas, a ideia de currículo escolar sofre, também, uma mudança radical. De conjunto de disciplinas e de estratégicas didático-pedagógicas, o currículo escolar se torna algo íntegro e cíclico, fundamentado na transversalidade de conteúdos e de áreas de conhecimento. Arriscamo- nos a defender que o documento aposta na “indisciplina”, considerando que esse termo acione a ausência de lacunas entre as disciplinas escolas. NOTA: A Base Nacional Comum Curricular demonstra claramente a compreensão de que currículos escolares são construções socioculturais, o que os torna sujeitos às volatilidades de nossa sociedade e, consequentemente, a reformulações. Nesse contexto, não temos nenhuma margem para considerá-los um mero elenco de disciplinas, de estratégias pedagógicas e conteúdo. Na Base Nacional Comum Curricular são apresentadas ações essenciais para a prática dos currículos escolares. São essas ações os elementos que nos permitem, na condição de educadores, ajustar as orientações do documento ao contexto sociocultural de nossas instituições escolares e de nossos alunos. Base Nacional Comum Curricular 48 Quadro 2 – Ações direcionadas à prática dos currículos escolares Contextualizar os conteúdos dos componentes curriculares, identificando estratégias para apresentá-los, representá-los, exemplificá-los, conectá-los e torná-los significativos, com base na realidade do lugar e do tempo nos quais as aprendizagens estão situadas. Decidir sobre formas de organização interdisciplinar dos componentes curriculares e fortalecer a competência pedagógica das equipes escolares para adotar estratégias mais dinâmicas, interativas e colaborativas em relação à gestão do ensino e da aprendizagem. Selecionar e aplicar metodologias e estratégias didático-pedagógicas diversificadas, recorrendo a ritmos diferenciados e a conteúdos complementares, se necessário, para trabalhar com as necessidades de diferentes grupos de alunos, suas famílias e cultura de origem, suas comunidades, seus grupos de socialização etc. Conceber e pôr em prática situações e procedimentos para motivar e engajar os alunos nas aprendizagens. Construir e aplicar procedimentos de avaliação formativa de processo ou de resultado que levem em conta os contextos e as condições de aprendizagem, tomando tais registros como referência para melhorar o desempenho da escola, dos professores e dos alunos. Selecionar, produzir, aplicar e avaliar recursos didáticos e tecnológicos para apoiar o processo de ensinar e aprender. Criar e disponibilizar materiais de orientação para os professores, bem como manter processos permanentes de formação docente que possibilitem contínuo aperfeiçoamento dos processos de ensino e aprendizagem. Manter processos contínuos de aprendizagem sobre gestão pedagógica e curricular para os demais educadores, no âmbito das escolas e sistemas de ensino. Fonte: Brasil (2018). Na forma dessas ações, encontramos outro valioso instrumento que converte a Base Nacional Comum Curricular em um documento que, de fato, apresenta a potencialidade de ser comum. Não se trata de instruções complexas e específicas de quais conhecimentos ensinar e quais estratégias usar para fazer isso, mas, sim, de práticas passíveis de implementação no cotidiano de grande parte das escolas brasileiras: Base Nacional Comum Curricular 49 • Fala-se em selecionar e aplicar metodologias e estratégias didático-pedagógicas diversificadas, não em utilizar metodologias e estratégias didático-pedagógicas tecnológicas. • Fala-se em construir e aplicar procedimentos de avaliação formativa de processo ou de resultado que levem em conta os contextos e as condições de aprendizagem, não em construir e aplicar procedimentos de avaliação de dependam de uma ferramenta específica. • Fala-se em criar e disponibilizar materiais de orientação para os professores, bem como manter processos permanentes de formação docente, não em criar e disponibilizar materiais de formação continuada que sejam de um tipo único. Portanto, às instituições escolares, está resguardado o direito de se apropriar das orientações da Base Nacional Comum Curricularque for mais adequada às suas capacidades. Figura 18 – Instituição escolar Fonte: Pixabay. Base Nacional Comum Curricular 50 De acordo com as concepções da Base Nacional Comum Curricular, a formação em nível de Educação Básica deve ser abrangente e abarcar as dimensões acadêmica, social e emocional. Para que esse objetivo seja cumprido, o documento se vale de uma mudança de orientação teórico- metodológica, sobretudo em relação às orientações curriculares, a partir da assunção de um conjunto de aprendizagens essenciais – saberes baseados em competências que devem ser adquiridos e desenvolvidos pelos estudantes ao longo da Educação Básica. Com a substituição do “saber saber” pelo “saber fazer”, a Base Nacional Comum Curricular obsta, diretamente, contra a manutenção de currículos de orientação tradicional que não questionam a relevância dos conteúdos curriculares para os objetivos de aprendizagem das aulas e para a atuação dos alunos em sociedade. Isso nada tem que ver com o negligenciamento de conhecimentos que costumavam ser ensinados no passado; trata-se, ao contrário, de apresentar aos alunos as funções sociais dos seus novos conhecimentos. Ao adotar esse enfoque, a BNCC indica que as decisões pedagógicas devem estar orientadas para o desenvolvimento de competências. Por meio da indicação clara do que os alunos devem “saber” (considerando a constituição de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores) e, sobretudo, do que devem “saber fazer” (considerando a mobilização desses conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho), a explicitação das competências oferece referências para o fortalecimento de ações que assegurem as aprendizagens essenciais definidas na BNCC (BRASIL, 2018, p. 13). As aprendizagens essenciais e as competências gerais são acionadas durante todas as etapas da Educação Básica. Isso significa que não se esgotam depois de terem sido exploradas ao longo de um segmento. Na verdade, são elementos cíclicos e funcionam como eixo das competências específicas e dos currículos escolares. Na Figura 19, indicamos as competências gerais propostas pela Base Nacional Comum Curricular. Base Nacional Comum Curricular 51 Figura 19 – Competências gerais propostas pela Base Nacional Comum Curricular Fonte: Elaborada pelo autor (2022). Quando analisamos a Figura 19, concluímos, sem grande esforço, que a Base Nacional Comum Curricular mobiliza seus esforços em prol de uma extensa transformação social, elegendo as instituições escolares como o ponto de partida para mudanças. Outra evidência de realinhamento de orientação teórico- metodológica está no conceito de competência, que atravessa todas as proposições da Base Nacional Comum Curricular. Trata-se da capacidade dos estudantes de mobilizar elementos das dimensões acadêmica (conceitos e procedimentos), social (práticas e habilidades) e emocional (capacidades cognitivas) em favor da resolução de problemas de seu cotidiano (BRASIL, 2018). Base Nacional Comum Curricular 52 Em outros países, a estruturação de diretrizes curriculares e de currículos mínimos se fundamenta no conceito de competência há mais tempo, como recomendam a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que coordena o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) e a Organização das Nações Unidas (BRASIL, 2018). RESUMINDO: Neste capítulo, cumprimos o propósito de acentuar as diferenças entre a noção de currículo e o conteúdo da Base Nacional Comum Curricular. Para isso, definimos o que são esses elementos e os cotejamos, recorrendo a vários teóricos. Em seguida, evidenciamos que o documento apresenta uma série de orientações direcionadas à elaboração de currículos por parte das instituições escolares e dos professores. Por fim, mencionamos as aprendizagens essenciais e as competências gerais postuladas pela Base Nacional Comum Curricular, critérios que devem ser acionados, ciclicamente, durante todas as etapas da Educação Básica, como meio de garantir uma educação de qualidade para os estudantes brasileiros. Base Nacional Comum Curricular 53 REFERÊNCIAS ARNHOLD, D. T.; MARTINS, L. R. A Base Nacional Comum Curricular como política pública de equidade: discussões e perspectivas. Formação de Professores em Revista, Taquara, v. 2, n. 1, p. 118-127, 2021. BRASIL. Atendimento Educacional Especializado – Deficiência Mental. Secretaria de Educação Especial. Brasília: MEC/SEESP, 2007. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Centro Gráfico, 1988. BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. 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