Prévia do material em texto
Material elaborado a partir de GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios, LENZA, Pedro. Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 14ª Edição, 2023. 1. Sentença - “Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução”. O legislador, ao formular essa definição, valeu-se tanto do conteúdo do pronunciamento judicial quanto de sua aptidão para pôr fim ao processo. Extingue o processo sem resolução de mérito – artigo 485 CPC – sentença terminativa; I - indeferir a petição inicial; II - o processo ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes; III - por não promover os atos e as diligências que lhe incumbir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias; IV - verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; pressupostos positivos e negativos V - reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada; VI - verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual; VII - acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência; VIII - homologar a desistência da ação; IX - em caso de morte da parte, a ação for considerada intransmissível por disposição legal; e X - nos demais casos prescritos neste Código. Extingue o processo com resolução de mérito – artigo 487 CPC; - acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção; II - decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição; III - homologar: a) o reconhecimento da procedência do pedido formulado na ação ou na reconvenção; b) a transação; c) a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção. MATERIAL COMPLEMENTAR – DIREITO PROCESSUAL CIVIL III Curso: DIREITO Período: 6º Professor: GUILHERME SONCINI DA COSTA Disciplina: DIREITO PROCESSUAL CIVIL III - SETENÇA 1.2. Requisitos essenciais da sentença Relatório - que deverá conter os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo. Motivação - O juiz deve expor as razões pelas quais acolhe ou rejeita o pedido formulado na petição inicial, apreciando os seus fundamentos de fato e de direito (causas de pedir) e os da defesa. Dispositivo - É a parte final da sentença, em que o juiz decide se acolhe, rejeita o pedido ou se extingue o processo, sem examiná-lo. 1.3. A preferência pela resolução de mérito quando possível (art. 488) O processo terá alcançado sua finalidade principal se o juiz puder resolver o mérito, proferindo seja sentença de acolhimento ou rejeição da pretensão posta em juízo, seja qualquer outra das sentenças previstas no art. 487. Nesse caso, a sentença será definitiva e terá força de coisa julgada material. Se o processo tiver de ser extinto sem resolução de mérito, nas hipóteses do art. 485, ele não terá atingido a sua finalidade última. A sentença será meramente terminativa, sem força de coisa julgada material. 1.4. Defeitos da Sentença Sentença extra petita - o juiz julga ação diferente da que foi proposta, sem respeitar as partes, a causa de pedir ou pedido, tais como apresentados na petição inicial (arrigo 492 CPC). O juiz só pode inovar em relação aos fundamentos jurídicos do pedido, já que ele os conhece (jura novit curia), mas não em relação aos fáticos, nem em relação aos pedidos. Prevaleça o entendimento de que haverá nulidade, sanável por ação rescisória, caso haja o trânsito em julgado. Há, no entanto, forte corrente doutrinária que sustenta a ineficácia de sentença, que padecerá de um vício insanável. Sentença infra ou citra petita - aquela em que o juiz deixa de apreciar uma das pretensões postas em juízo, não aprecia um dos pedidos, quando houver cumulação. Em caso de apelação: a) anulá-la, e determinar a restituição dos autos à instância de origem, para que profira outra, desta feita completa, se não puder desde logo examinar o pedido; b) julgar o pedido não apreciado, em vez de anular a sentença, desde que todos os elementos para tanto estejam nos autos (art. 1.013, III). 1.5. Possibilidade de correção da sentença O tema vem tratado no art. 494 do CPC, que contém duas regras fundamentais: depois que o juiz publica a sentença, ela não mais pode ser alterada, exceto a) houver necessidade de lhe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou lhe retificar erros de cálculo b) forem opostos embargos de declaração 1.6. Efeitos da sentença Denominam-se “efeitos” as consequências jurídicas que da sentença podem advir e que dependerão do tipo de tutela postulada pelo autor, pois a sentença deve ficar adstrita a tal pretensão. Pode-se dizer que há três tipos de tutela nos processos de conhecimento: a declaratória, a constitutiva e a condenatória. Declaratória - a que o juiz declare a existência ou inexistência de uma relação jurídica, ou a autenticidade ou falsidade de um documento (CPC, art. 19). Constitutiva - É aquela que tem por objeto a constituição ou desconstituição de relações jurídicas. Não se limitam a declarar se uma relação jurídica existe, mas visam alterar as relações jurídicas indesejadas. Condenatória - A sentença condenatória impõe ao réu uma obrigação, consubstanciada em título executivo judicial. É aquela que impõe uma obrigação que precisa ser cumprida. 1.7. A sentença e os fatos supervenientes O art. 493 do CPC contém norma importante: “Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença”. Um exemplo poderá ajudar a esclarecer a aplicação do art. 493. O CPC determina que, no julgamento das ações possessórias, o juiz conceda ao autor a medida possessória mais adequada para o caso concreto. Pode ocorrer que, no curso da ação, o tipo de agressão à posse se altere: o que antes era ameaça ou turbação se convola em esbulho. Compete ao juiz, no momento da sentença, de ofício ou a requerimento do autor, levar em consideração as alterações fáticas supervenientes, concedendo a medida judicial mais adequada. Da mesma forma, eventuais alterações legislativas, que possam ser aplicadas desde logo, devem ser consideradas pelo juiz, com a observação das ressalvas constitucionais de que a lei nova não pode retroagir em detrimento do ato jurídico perfeito e dos direitos adquiridos. 1.8. Efeitos secundários da sentença Nos itens anteriores, foram examinados os efeitos principais da sentença: condenatórios, constitutivos ou declaratórios. Mas dela podem decorrer outras consequências, não diretamente relacionadas à pretensão formulada. Por exemplo, em caso de improcedência, as liminares concedidas em favor do autor no curso do processo serão revogadas, ainda que não tenha havido manifestação expressa do juiz a respeito, uma vez que aquilo que foi decidido em caráter provisório não pode subsistir ao definitivo. Haverá revogação, ainda que seja apresentada apelação com efeito suspensivo, já que a suspensão afeta apenas o cumprimento ou execução da tutela concedida, mas não os efeitos reflexos, como os relativos às liminares. Outro efeito reflexo é a condenação do vencido nas verbas de sucumbência; ou a fixação do termo inicial para a incidência de correção monetária sobre o valor fixado a título de indenização por danos morais, nos termos da Súmula 362 do STJ (que a determina a partir do arbitramento do valor, o que normalmente ocorre na sentença). 2. COISA JULGADA A coisa julgada é mencionada na Constituição Federal como um dos direitos e garantias fundamentais. O art. 5º, XXXVI, estabeleceque a lei não poderá retroagir, em prejuízo dela. Essa garantia decorre da necessidade de que as decisões judiciais não possam mais ser alteradas, a partir de um determinado ponto. Do contrário, a segurança jurídica sofreria grave ameaça. É função do Poder Judiciário solucionar os conflitos de interesse, buscando a pacificação social. Ora, se a solução pudesse ser eternamente questionada e revisada, a paz ficaria definitivamente prejudicada. A função da coisa julgada é assegurar que os efeitos decorrentes das decisões judiciais não possam mais ser modificados, se tornem definitivos. É fenômeno diretamente associado à segurança jurídica, quando o conflito ou a controvérsia é definitivamente solucionado. Coisa Julgada - A sentença produz numerosos efeitos. Pode condenar o réu, constituindo um título executivo; constituir ou desconstituir uma relação jurídica ou declarar algo, afastando uma incerteza que existia entre os litigantes. E, ainda, produzir efeitos secundários, já examinados. Ora, a coisa julgada não é um dos efeitos da sentença, mas uma qualidade deles: a sua imutabilidade e indiscutibilidade. Foi a partir dos estudos de Liebman que se delineou com maior clareza a distinção entre a eficácia da sentença e a imutabilidade de seus efeitos. O trânsito em julgado está associado à impossibilidade de novos recursos contra a decisão, o que faz com que ela se torne definitiva, não podendo mais ser modificada. Há casos em que ela já produz efeitos, pode ser executada, mas não há ainda o trânsito em julgado, pois eventuais recursos ainda pendentes não são dotados de eficácia suspensiva. A eficácia da decisão ou sentença não está necessariamente condicionada ao trânsito em julgado, mas à inexistência de recursos dotados de efeito suspensivo. 2.1. Formas de manifestação da coisa julgada É comum que se diga que há duas espécies de coisa julgada: a formal e a material. Mas isso não é tecnicamente exato, porque ela é um fenômeno único. A material e a formal não são propriamente dois tipos, espécies de coisa julgada, mas duas formas de manifestação do mesmo fenômeno. A formal é a imutabilidade dos efeitos da sentença no próprio processo em que foi proferida; e a material, a imutabilidade dos efeitos da decisão de mérito em qualquer outro processo. 2.2. Decisões que se revestem de coisa julgada Todas as sentenças ou acórdãos tornar-se-ão imutáveis nos processos em que foram proferidos, quando não houver mais a possibilidade de recurso. Todos estão sujeitos à coisa julgada formal. Mas nem todas as decisões impedirão a renovação de idêntica ação, nem todas estão sujeitas à coisa julgada material. A primeira condição é que a decisão, seja interlocutória, seja sentença, seja acórdão, tenha examinado o mérito: só as decisões definitivas, nunca as de extinção sem resolução de mérito, meramente terminativas, fazem coisa julgada material. Além disso, ela diz respeito ao processo de conhecimento, pois só nele o juiz profere decisão ou sentença decidindo, de vez, a pretensão. Não há falar-se em coisa julgada material da sentença que encerra o processo de execução, porque ela não é de mérito. O mérito na execução consiste na pretensão em obter satisfação a um direito, não uma sentença. A sua função, na execução, é apenas dar por terminado o processo, sem dar uma resposta à pretensão posta em juízo. Também não há coisa julgada material nas decisões que apreciam tutelas provisórias, já que elas não resolvem o mérito. 2.2.1. Coisa julgada rebus sic stantibus A expressão rebus sic stantibus traduz a ideia de as coisas permanecerem iguais, idênticas. Em regra, havendo coisa julgada material, não é mais possível rediscutir a questão já definitivamente julgada. Mas há certas situações, expressamente previstas em lei, em que a imutabilidade dos efeitos da decisão só persiste enquanto a situação fática que a ensejou permanecer a mesma, ficando autorizada a modificação, desde que haja alteração fática superveniente. Os exemplos mais esclarecedores são as ações de alimentos, e as indenizatórias por ato ilícito, em que há fixação de pensão alimentícia de cunho indenizatório (art. 533, § 3º, do CPC). A regulamentação do direito material é de ordem tal a impedir que a questão fique definitivamente julgada, uma vez que o valor da pensão está sempre condicionado à capacidade do devedor, e à necessidade do credor, podendo ser revisto sempre que uma ou outra se alterarem. Diante disso, a coisa julgada deve adaptar-se, adquirindo o caráter rebus sic stantibus. A sentença que examina a pretensão a alimentos é definitiva, enquanto não sobrevier alteração fática, que justifique a sua revisão. A todo tempo, mesmo depois da sentença definitiva, há possibilidade de rediscutir e rever o valor, desde que haja alteração fática. Não é possível modificá-la, mantidas as circunstâncias originárias. O artigo 505, I, do CPC estende essa solução às demais situações em que haja relações jurídicas continuativas: “Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença”. 2.2.2. Coisa julgada secundum eventum litis A coisa julgada material pressupõe decisão de mérito, seja de procedência ou de improcedência. Mas há casos em que o legislador a exclui, conforme o fundamento utilizado pelo juiz, ainda que ele tenha examinado a pretensão posta em juízo. Os exemplos mais relevantes são os da ação civil pública e da ação popular, em que não haverá coisa julgada material, quando houver improcedência por insuficiência de provas (art. 16 da Lei n. 7.347/85 e art. 18 da Lei n. 4.717/65); mas haverá, se houver sentença de procedência, ou de improcedência por qualquer outro fundamento, que não a insuficiência ou deficiência de provas. 2.3. Limites objetivos da coisa julgada Consiste no problema de identificar o que efetivamente não pode mais ser discutido em outros processos. A princípio, a coisa julgada é qualidade dos efeitos da decisão de mérito. É o que decorre do disposto no art. 502 do CPC. Mas nem todo o conteúdo da decisão tornar-se-á indiscutível, mas tão somente aquilo que ficar decidido a respeito da pretensão formulada. 2.3.1. A coisa julgada e as questões prejudiciais Antes do mérito, o juiz deve examinar duas ordens de questões antecedentes, chamadas prévias. São elas as preliminares e as prejudiciais. As preliminares são as questões processuais, cujo acolhimento impede o exame do mérito. São aquelas enumeradas no art. 337 do CPC. Já as questões prejudiciais são os pontos controvertidos cujo deslinde repercutirá sobre o julgamento de mérito. Por exemplo: em ação de alimentos, de procedimento comum, a paternidade, desde que controvertida, é prejudicial; se o juiz, na fundamentação da sentença, entender que o réu é pai do autor, a sentença possivelmente será de procedência; se entender que não, será certamente de improcedência. O acolhimento de uma preliminar impede o julgamento de mérito. Já o exame da questão prejudicial não impede, mas repercute sobre o teor da decisão, podendo levar ao acolhimento ou à rejeição dos pedidos formulados. A questão prejudicial não constitui o mérito da demanda. No entanto, para que o juiz possa decidir o mérito, ele terá de, previamente, passar pela questão prejudicial, e o que concluir repercutirá no resultado. Ela é uma espécie de premissa sobre a qual assenta o julgamento, pois versa sobre a existência ou inexistência de relação jurídica que subordina o que será decidido a respeito da questão principal. É apreciada incidentemente no processo. No exemplo da ação de alimentos, de procedimento comum, para o juiz decidir no dispositivo se condena o réu ou não ao pagamento de pensão, terá de enfrentar na fundamentação a questão prejudicial da paternidade.2.4. A eficácia preclusiva da coisa julgada A coisa julgada material impede que aquilo que foi decidido no dispositivo da decisão ou sentença venha a ser rediscutido em outros processos. O art. 508 do CPC contém importante regra, que dá a extensão daquilo que não mais poderá ser rediscutido: “Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas, que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido”. Isto é, reputar-se-ão apreciadas não apenas as matérias deduzidas, mas as dedutíveis pelas partes. Na petição inicial, o autor tem de fundamentar o seu pedido, apresentando os fatos em que se baseia. O fato que motiva a pretensão constitui a causa de pedir, um dos elementos da ação. A decisão que rejeita o pedido, fundado em determinado fato, não pode mais ser rediscutida, depois do trânsito em julgado. Mas é possível formular o mesmo pedido, com fundamento em outro fato, distinto daquele anterior, pois, sendo a causa de pedir distinta, não haverá reiteração de ações, mas uma nova. Por exemplo: se uma pessoa propuser ação reivindicatória, aduzindo que é titular do bem porque o usucapiu, o fundamento de fato em que se baseia o pedido é a propriedade decorrente da usucapião. Se o juiz julgar improcedente o pedido, não haverá empecilho para que, tempos depois, o autor formule a mesma pretensão, contra o mesmo invasor, aduzindo que agora adquiriu o bem, pois o fato que agora a sustenta é a propriedade decorrente da aquisição do bem. Mas, mantida a mesma causa de pedir, e os demais elementos, reputam-se afastados todos os argumentos que o autor poderia trazer para convencer o juiz a acolher a sua pretensão. Os fatos que o réu apresentar para fundamentar o seu pedido de que a pretensão inicial seja desacolhida não constituem um dos elementos da ação. São elementos identificadores da ação os fatos em que se baseia a pretensão do autor, mas não aqueles em que a defesa está fundada. Por isso, caso acolhida a pretensão do autor, reputam-se repelidas todas as defesas que o réu apresentou, como as que ele poderia ter deduzido e não o fez. Por exemplo: em ação de cobrança, o réu defende-se alegando que fez o pagamento. O juiz repele a alegação e julga procedente a demanda, condenando-o. Ele não poderá, mais tarde, ajuizar ação declaratória de inexistência do débito, por força de compensação, pois sendo esta matéria de defesa, reputa-se repelida ainda que o réu não a tenha deduzido. 2.5. Limites subjetivos da coisa julgada Dizem respeito às pessoas para quem a sentença torna-se indiscutível. É clássica a afirmação de que “a coisa julgada faz lei entre as partes”, assertiva que encontra respaldo no art. 506 do CPC: “A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”. Tal como escrita a regra, a coisa julgada poderá beneficiar terceiros, mas não prejudicá-los. No Código de 1973, a vedação era de que a coisa julgada prejudicasse e beneficiasse terceiros. Trata-se da adoção da coisa julgada in utilibus. Um exemplo é dado pelo art. 274, do Código Civil: “O julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais mas o julgamento favorável aproveita-lhes, sem prejuízo de exceção pessoal que o devedor tenha direito de invocar em relação a qualquer deles”. Assim, proferida sentença favorável a um dos credores solidários, todos, inclusive os que não participaram do processo, serão beneficiados. Mas a extensão da coisa julgada não alcança os devedores, ainda que solidários, que não tenham sido incluídos no polo passivo. A decisão favorece os demais credores solidários, mas não alcança devedores que não tenha sido demandado. A regra fundamental foi e continua sendo que a coisa julgada alcança as partes, mas não terceiros (embora eventualmente possa beneficiá-los). 2.6. Mecanismos pelos quais se pode afastar a coisa julgada A coisa julgada material impede a rediscussão daquilo que ficou decidido em caráter definitivo. Mas o CPC prevê mecanismos pelos quais se pode afastá-la, seja desconstituindo-a, seja declarando-lhe a inexistência. Tais mecanismos são: - ação rescisória, prevista no art. 966 do CPC; - a impugnação ao cumprimento de sentença, quando o objeto for desconstituir ou declarar ineficaz o título; - a ação declaratória de ineficácia (querela nullitatis insanabilis). 2.7 Relativização da coisa julgada Um dos grandes dogmas do processo civil foi sempre o da coisa julgada. São conhecidas as frases: “coisa julgada transforma o certo no errado”, ou “faz existente o inexistente”. Durante dois anos a contar do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo, há possibilidade de ajuizamento da ação rescisória, quando ainda é possível desconstituí-la. Mas, ultrapassado esse prazo, não haveria mais como afastá-la, nem mesmo naquelas situações em que manifesto o equívoco na decisão judicial, ou evidentes os danos que poderiam dele decorrer. Esse dogma, que durante muitos anos permaneceu inatacável, tem sofrido alguns abalos nos últimos anos. Não se discute que o fenômeno da coisa julgada deve ser preservado e que, sem ele, haveria grave comprometimento da função pacificadora das decisões judiciais. Mas isso não afasta o risco de, por meio da coisa julgada, poderem ser eternizadas situações tão nocivas, ou ainda mais, que aquelas que adviriam da rediscussão posterior da decisão. Por isso, já há alguns anos, por força das lições, sobretudo do Ministro José Augusto Delgado e de Humberto Theodoro Junior, às quais foram acrescentados novos argumentos por Cândido Rangel Dinamarco, tem-se falado na relativização da coisa julgada. Trata-se da possibilidade de, em situações excepcionais, afastar a coisa julgada, mesmo que já tenha sido ultrapassado o prazo de rescisória. O fundamento teórico é a existência de direitos e garantias fundamentais tão ou mais importantes do que a coisa julgada, que não poderia prevalecer se confrontada com eles. Como ensina Cândido Dinamarco: “Não há uma garantia sequer, nem mesmo a coisa julgada, que conduza invariavelmente e de modo absoluto à renegação das demais ou dos valores que elas representam. Afirmar o valor da segurança jurídica (ou certeza) não pode implicar desprezo ao da unidade federativa, ao da dignidade humana e intangibilidade do corpo etc… É imperioso equilibrar com harmonia as duas exigências divergentes, transigindo razoavelmente quanto a certos valores em nome da segurança jurídica, mas abrindo-se mão desta sempre que sua prevalência seja capaz de sacrificar o insacrificável”. Exemplo pode ilustrar situações em que a coisa julgada deverá ser afastada, ainda que ultrapassado o caso da ação rescisória. - o das ações de investigação de paternidade, quando posterior realização de exame científico de material genético comprova que o resultado do processo não retrata a verdade dos fatos. Se, de um lado, há o direito à segurança jurídica, de outro, há o direito individual das pessoas de figurarem como filhos ou pais de quem efetivamente o são. Nesse caso, mesmo que já ultrapassado o prazo da ação rescisória, será possível rediscutir a questão. 3. Ação Rescisória Esgotados os recursos, a sentença transita em julgado. Não é mais possível rediscuti-la nos mesmos autos, pois haverá coisa julgada formal, que afeta todas as sentenças, terminativas ou definitivas. Se o julgamento for de mérito, haverá também a coisa julgada material sobre todas as decisões de mérito, que projeta seus efeitos fora do processo e impede que as partes rediscutam em qualquer outro aquilo que tenha sido decidido sobre os pedidos. Em casos excepcionais, porém, a lei permite a utilização de ação autônoma de impugnação, cuja finalidade é desconstituir a decisão de mérito transitada em julgado. Nela, ainda é possível postular a reapreciação daquilo que foi decidido em caráter definitivo. Trata-se da ação rescisória. Não se trata de um recurso, poispressupõe que todos já se tenham esgotado. Exige que tenha havido o trânsito em julgado da decisão de mérito. Consiste em uma ação cuja finalidade é desfazer o julgamento já tornado definitivo. Ela não cabe em qualquer circunstância. O art. 966 enumera as hipóteses de cabimento. Pode- se dizer, de maneira geral, que é o veículo adequado para suscitar nulidades absolutas que contaminaram o processo ou a decisão. O rescindido é a decisão (rectius, o seu dispositivo). Mas, como o processo se caracteriza por ser uma sequência de atos interligados e coordenados, que se sucedem no tempo e visam ao provimento jurisdicional, a existência de um vício no seu curso pode contaminar todos os atos subsequentes e, por conseguinte, a decisão de mérito. 3.1. Outros mecanismos de impugnação das sentenças transitadas em julgado 3.1.1. ações anulatórias ou declaratórias de nulidade (art. 966, § 4º do CPC) Há dois outros mecanismos, além da rescisória, pelos quais se pode impugnar uma sentença transitada em julgado. Um deles é a ação anulatória ou declaratória de nulidade, prevista no art. 966, § 4º, do CPC que cabe contra os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução. Sempre que a sentença for apenas de homologação, como ocorre quando há acordo entre os litigantes, a ação rescisória não será o mecanismo adequado para impugnação, mas as ações anulatórias ou declaratórias de nulidade, previstas para os atos jurídicos em geral. O que torna obrigatória a transação não é a homologação judicial, mas o acordo de vontades. A sentença é proferida apenas para extinguir o processo, mas não é ela que confere obrigatoriedade ao acordo. Por isso, o que deve ser rescindido não é a sentença, mas o ato de disposição de direito homologado. Ou seja, o objeto da rescisão é a transação, ou ato de disposição dos litigantes. Como a transação ou disposição é negócio jurídico civil, a rescisão opera-se na forma da lei civil, que prevê hipóteses de nulidade ou anulabilidade dos atos jurídicos em geral. Em caso de nulidade, caberá a ação declaratória, e em caso de anulabilidade, ação anulatória. São elas as adequadas para impugnar acordo em separação consensual, partilha de bens ou a transação. 3.1.1. Decisões que reconhecem prescrição e decadência Elas põem fim ao processo, com resolução de mérito; no entanto, não julgam a pretensão do autor. Por isso, são chamadas falsas sentenças de mérito: a lei as considera de mérito para que possam revestir-se da coisa julgada material. A cassação de tais decisões, depois do trânsito em julgado, exige ação rescisória, e não a anulatória ou declaratória, porque estas só cabem quando a intervenção do juízo é meramente homologatória, sem conteúdo decisório. O reconhecimento da prescrição ou da decadência decorre de um pronunciamento judicial, em que o juízo verifica os prazos e examina a existência de causa suspensiva ou interruptiva. Não há apenas manifestação de vontade das partes, mas efetiva decisão judicial. Daí o cabimento da rescisória. 3.2. Juízo rescindente e juízo rescisório O art. 974 do CPC, ao estabelecer que “julgando procedente o pedido, o tribunal rescindirá a decisão, proferirá, se for o caso, novo julgamento (…)”, aponta para a existência de dois momentos: o juízo rescindente, aquele em que o órgão julgador rescinde a decisão impugnada; e o juízo rescisório, em que, se for o caso, procede-se a novo julgamento. Por meio do juízo rescindente, o órgão julgador vai desconstituir aquilo que, da decisão de mérito, foi alcançado pela coisa julgada material: o dispositivo da decisão de mérito, já transitada em julgado. Não podem ser objeto de ação rescisória as outras partes da decisão ou sentença, elencadas no art. 504 do CPC (os motivos e a verdade dos fatos; em síntese, a fundamentação). Não havendo coisa julgada sobre elas, não existe interesse para a rescisória. Só o dispositivo é que se torna imutável e pode ser objeto dela. O juízo rescisório pressupõe que tenha sido acolhida, ao menos em parte, a pretensão rescindente. Afinal, se nenhuma parte do dispositivo tiver sido desconstituída, não haverá razão para uma nova decisão. Se apenas uma parte for desconstituída, o novo julgamento referir-se-á tão somente a ela; se todo o julgamento anterior for desconstituído, o órgão julgador promoverá novo julgamento, que abrangerá integralmente os limites objetivos e subjetivos da lide originária, mas que deles não poderá desbordar. Os limites do novo julgamento na ação rescisória são os limites da lide originária. Ainda que a decisão rescindida seja uma sentença, o tribunal que julgar a ação rescisória terá competência para promover o novo julgamento, em substituição ao anterior. 3.3. Natureza jurídica da ação rescisória A sua natureza primordial é desconstitutiva. Isso porque toda ação rescisória tem de ter o juízo rescindente, o pedido de desconstituição total ou parcial do julgamento anterior transitado em julgado. Mas, além dele, quando for o caso, a rescisória poderá ter também o juízo rescisório, em que o tribunal proferirá novo julgamento da questão anteriormente decidida. O juízo rescisório pode ter qualquer tipo de natureza: condenatória, constitutiva ou declaratória. E, sendo condenatória, pode ainda ter natureza mandamental ou executiva lato sensu. 3.4. As condições da ação rescisória 3.4.1. O interesse Só tem interesse em propô-la aquele que puder auferir algum proveito da rescisão, alguma melhora de sua situação, caso o julgamento anterior seja rescindido e outro seja proferido em seu lugar. Para isso, é preciso que o autor da ação rescisória não tenha obtido o melhor resultado possível no processo cujo julgamento se quer rescindir. Flávio Yarshell ensina que “é também a partir do que foi julgado no dispositivo da sentença que se determina o interesse de agir na ação rescisória, havendo grande afinidade desse tema com o do interesse recursal: o que justifica a impugnação, de um modo geral, é o julgamento desfavorável e cuja modificação possa levar, por alguma forma, a situação mais favorável do que aquela imposta à parte ‘sucumbente’”1. É possível que ambos os litigantes tenham interesse em ajuizá-la, havendo sucumbência recíproca. E ambos poderão postular a rescisão com o mesmo fundamento. Assim, por exemplo, se a sentença é extra petita, tanto o autor quanto o réu podem requerer a rescisão por essa razão. 3.4.2. O trânsito em julgado como condição indispensável para o ajuizamento da ação rescisória Enquanto não há trânsito em julgado, a decisão deverá ser impugnada por meio do recurso adequado. Só quando não for mais possível a interposição do recurso, após o trânsito, surgirá o interesse de agir para a ação rescisória. Mas não é necessário que se tenham esgotado todos os recursos possíveis, enquanto o processo ainda estava pendente, bastando que ele tenha se encerrado, exaurindo-se, por preclusão, as oportunidades para recorrer. É possível a rescisória de uma sentença, ainda que contra ela, no prazo apropriado, não tenha sido interposto recurso nenhum. Basta apenas que tenha havido o trânsito em julgado. Sem ele, falta interesse de agir, porque por meio dos recursos ainda é possível obter a cassação da decisão. 3.4.3. A legitimidade 3.4.3.1. Quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou singular As partes são os principais legitimados da ação rescisória. Por partes entende-se o autor e o réu da ação originária e aqueles que, em razão de intervenção de terceiros, assumiram essa qualidade. É o caso do denunciado e dos chamados ao processo. Nessas duas hipóteses, a intervenção de terceiro adquire natureza de verdadeira ação. O denunciado e os chamados figurarão como litisconsortes do denunciante e do chamante. 3.4.3.1. A legitimidade do terceiro juridicamente prejudicado O terceiroque tem interesse jurídico é aquele que poderia ter ingressado no processo, na qualidade de assistente. Há dois tipos de assistência: a simples e a litisconsorcial. Na simples, o terceiro não é titular da relação jurídica discutida em juízo, mas de relação a ela interligada ou conexa. Por isso, o assistente simples não é atingido pela coisa julgada material, o que, em princípio, afastaria o seu interesse para ingressar com a ação rescisória. Mas se a sentença lhe for desfavorável, será atingido pela justiça da decisão, que, conquanto não se confunda com a coisa julgada, impede que as questões decididas na fundamentação da sentença sejam reexaminadas em outros processos. Ou seja, em relação ao assistente simples, a sentença projeta seus efeitos para fora do processo, não sob a forma de imutabilidade decorrente da coisa julgada, mas da justiça da decisão (CPC, art. 123). Por isso, parece-nos que terá interesse e legitimidade para a rescisória. Em contrapartida, se o terceiro interessado não ingressou como assistente simples, não é atingido pela justiça da decisão e não tem interesse em ajuizá-la. Aquele que poderia ingressar como assistente litisconsorcial será alcançado pela coisa julgada, ingressando ou não, razão pela qual estará legitimado a propor a ação rescisória. 3.4.3.1. O Ministério Público O art. 967, III, letras a, b e c, enumera as hipóteses de legitimidade do Ministério Público: se não foi ouvido no processo, em que lhe era obrigatória a intervenção; quando a decisão rescindenda é o efeito de simulação ou colusão das partes, a fim de fraudar a lei, ou em outros casos em que se imponha sua atuação. Elas referem-se à situação em que ele não atuou como parte, pois se foi autor ou réu poderá valer- se do art. 967, I. Não o tendo sido, poderá ajuizar a rescisória em razão de nulidade do processo, exatamente por sua não intervenção, nos casos em que ela é obrigatória; e mesmo quando a sua participação como fiscal da ordem jurídica não era necessária, mas verifica-se que houve simulação ou colusão, que as partes se uniram para obter, por meio do processo, um resultado ilegal ou fraudulento. Por fim, poderá ajuizá-la também nos outros casos em que a lei imponha sua atuação. Já foi decidido, por exemplo, que “o MP também está legitimado a pedir a rescisão de sentença em que há comprometimento de interesses públicos indisponíveis” (RSTJ 98/23). Em todos os casos, deverão figurar no polo passivo da rescisória os autores e réus da ação originária, já que todos serão afetados. 3.4.3.3. Aquele que não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção Há casos em que a lei determina a intervenção obrigatória de determinadas pessoas ou entes no processo. É o caso, por exemplo, do curador especial em favor do réu revel citado fictamente ou do réu revel preso. Se eles não forem ouvidos e o juiz proferir decisão de mérito desfavorável ao curatelado, eles estarão legitimados a propor ação rescisória.