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337 31 Fármacos Vasoativos e Inotrópicos Os fármacos vasopressores e inotrópicos são agentes, frequentemente, utilizados nos pacientes críticos para otimizar a pressão ar- terial, o débito cardíaco e a perfusão tecidual. Os fármacos vasopressores provocam vaso- constrição, aumentando a resistência vascular periférica e a pressão arterial, enquanto os inotrópicos aumentam a contratilidade do miocárdio. Neurotransmissores, agonistas e receptores adrenérgicos Os neurotransmissores são moléculas li- beradas pelo neurônio pré-sináptico em res- posta a uma despolarização e se difundem através da fenda sináptica para se ligar a um receptor pós-sináptico. A maioria dos neu- rotransmissores é composta de moléculas hidrofílicas e eletricamente carregadas no pH fisiológico, de maneira que não ultrapassam livremente as membranas celulares. O termi- nal pré-sináptico tem a capacidade de produ- zir, armazenar e liberar o neurotransmissor. Após a sua liberação, o neurotransmissor é inativado através de reações químicas ou recaptado pelo terminal pré-sináptico para a sua posterior reutilização. Eles podem ser classificados quimicamente em cinco grupos: aminas biogênicas, colinérgicos, aminoácidos, peptidérgicos e purinérgicos. As aminas biogênicas incluem a noradre- nalina, adrenalina, dopamina, serotonina e histamina. A noradrenalina, dopamina e adrena- lina são consideradas catecolaminas, pois possuem um grupo catecol e outro amina em sua molécula. Todas as catecolaminas são sintetizadas pela mesma via, a partir do aminoácido tirosina (Figura 31.1). A primeira enzima desta rota metabólica é a tirosina-hidroxilase que converte tirosina em dopa. Ela está localizada no citosol das células da medula adrenal dos terminais simpáticos e de algumas áreas do sistema nervoso central. A enzima citosólica ami- F l á v i o E d u a r d o N á c u l V a n e s s a E s t a t o E d u a r d o T i b i r i ç á Leonardo Quadros Leonardo Quadros Leonardo Quadros M A N U A L D E M E D I C I N A I N T E N S I V A – A M I Breversamente e inativada pela pi- ruvato desidrogenase kinase. O dicloroaetato (DCA) inibia ação da kinase, o que faz com que a PDH se mantenha na forma ativa, não fosforilada. Disfunção hepática induzida pela sepse O lactato é metabolizado primariamente pelo fígado (60%), rins (30%) e coração (10%). No fígado, os hepatócitos periportal captam o lactato e o utilizam como substrato para a produção de glicogênio e glicose via ciclo de Cori. Na situação em que ocorra disfunção he- pática em decorrência da resposta inflamatória secundária a sepse, o clareamento do lactato se torna lentificado o que levará um tempo maior para se normalizar. Importante ressaltar que em pacientes com insuficiência hepática crônica e que se encontram estáveis no ambulatório, os níveis de lactato sérico são normais. Entretanto se apresentarem algum distúrbio que gere au- mento da produção de lactato, este levará maior tempo para clarear em decorrência da disfunção hepática, o que faz com que a diminuição do clareamento per se não justifica a hiperlactate- mia nesta população de pacientes33-35. Coleta de hemoculturas e culturas apropriadas A coleta de hemoculturas é fundamental para que se possa identificar o agente causador da infecção. As hemoculturas devem ser cole- tadas no mínimo em duas amostras e no máxi- mo em três amostras, sendo que cada amostra corresponde a um par de 10 mL de sangue. As Figura 89.2: Ação do dicloroacetato. Glicose Piruvato Lactato Acetil CoA Membrana mitorondrial CO 2 + H 2 O + 36 ATP ATP Fosfatase PDH (ativa) Pi Piruvato desidrogenase DCA PDH-P (inativa) KinaseCadeia respiratória 921 S E P S E G R A V E E C H O Q U E S É P T I C OC A P Í T U L O 8 9eventos adversos quando comparado a dopami- na, apesar de não diminuir a mortalidade42. Em pacientes com choque séptico, a noradrenalina demonstrou estar associada a menor risco de Figura 89.3: Relação entre a persistência da hipotensão em pacientes que receberam antibioticoterapia inadequada. Risco de morte em relação ao atraso no início da terapia antimicrobiana adequada. O aumento do risco de morte é perceptível já na segunda hora após a instalação da hipotensão arterial, quando comparado com a primeira hora. Modificado de Kumar et al.22. Ra zã o de p ro ba bi lid ad e de ó bi to (in te rv al o de c on fia nç a 95 % ) 100 10 1 Tempo do início da hipotensão (horas) 1-1,99 2-2,99 3-3,99 4-4,99 5-5,99 6-8,99 9-11,99 12-23,99 24-35,99 >36 923 S E P S E G R A V E E C H O Q U E S É P T I C OC A P Í T U L O 8 9 65 mmHg. • Diurese: ◆ Débito urinário de 0,5 mL/kg/hora. • Saturação venosa: ◆ Central de oxigênio (SvcO2) maior que 70%; ◆ Mista de oxigênio (SvO2) maior que 65%. As variáveis citadas acima foram estudadas por Rivers et al.30, mas pode se agregar o clarea- mento do lactato. O clareamento do lactato pode substituir a SvcO2 como meta a ser atingida, visto que não mostrou ser inferior em relação à mor- talidade quando foi comparada à SvcO2 44. Além desta possibilidade, a perseguição da normali- zação do lactato como meta, e a utilização desta variável como guia terapêutico mostrou que é possível diminuir a mortalidade hospitalar45. Nos Figura 89.4: início da infusão de fluidos na sepse grave. Em alguns pacientes será necessário infundir mais rápido e alguns também necessitarão de alíquotas maiores de fluidos. Outros pacientes precisarão receber a alíquota inicial em tempo maior. A monitoração e o acompanhamento durante a infusão de fluidos, em pacientes graves, são imprescindíveis. Reposição volêmica inicial 30 mL/kg em 40 min Reavaliar a nececidade de infusão de nova alíquota de fluídos. Corrigido hipovolemia? Corrigido hipotensão? Normalizado lactato? Hipovolemia ou hipotensão arterial ou heperlactatemia Lactato > 36 mg/dL ou choque séptico Reposição volêmica inicial 30 mL/kg em 40 min Ressuscitação precoce dirigida por metas Sepse grave ou choque séptico M A N U A L D E M E D I C I N A I N T E N S I V A – A M I Bpode-se perceber que a abordagem precoce é a chave para a redu- ção da mortalidade ao longo dos anos. Além de que entre as intervenções que contemplavam o pacote de 24 horas, a única que apresenta grande impacto na mortalidade é a estratégia protetora de ventilação mecânica. A proteína C ativada re- combinante foi retirada do mercado por não ter demonstrado em estudos de fase III benefícios no tocante à redução de mortalidade49,50. Figura 89.6: Algoritmo de ressuscitação precoce dirigida por metas. IOT = intubação orotraqueal; VM = ventilação mecânica; PVC = pressão venosa central; ΔPP = variação de pressão de pulso; VVS = variação de volume sistólico; IDVCI = índice de distensibilidade de veia cava inferior; ΔPVC = delta de pressão venosa central; PAM = pressão arterial média; SvcO2 = saturação venosa central de oxigênio. Ressuscitação precoce dirigida por metas Cateter venoso central e arterial Sondagem vesical (diurese 8 – 12 mmHg – respiração espontânea ou PVC > 12 – 15 mmHg – ventilação mecânica Desafio hidrico 500 – 1.000 mL cristalóides Índice cardíaco > 15% Parâmetros de fluído reponsividade (∆PP, VVS, IDVCI, ∆PVC) Reverte necessidade de IOT e VM em caso noradrenalina em doses crescentes, independente da função respiratória NoradrenalinaPAM > 65 mmHg Sim Sim Sim Sim Sim Sim Não Não NãoNão Não Não Metas atingidas Monitorização SvcO 2 ≥ 70% Clearance de lactato ≥ 20% Dobutamina até 20 μg/kg/min SvcO 2 ≥ 70% Clearance de lactato ≥ 20% Transfusão de concentrado de hemácias para hematócrio > 30% Hematócrito > 30% M A N U A L D E M E D I C I N A I N T E N S I V A – A M I B 65 mmHg se hipotensão após fluídos – Se lactato > 4 mmol/L ou hipotensão persistente após fluídos – Cateter venoso central e monitorização da PVC ≥ 8 mmHg – Monitorizar a saturação venosa central ≥ 7)% – Medir novamente o lactato se o valor inicial era elevado Pacote de 6 horas – Diagnóstico Coleta de lacto hemocultura – ATB em: 3 horas – PS 1 hora – UTI – Reposição volêmica – Vasopressor – Cateter central PVC SvcO 2 Pacote de 24 horas Corticoides Proteína C ativada Controle da glicemia (na Tabela 89.1. TABELA 89.1: Terapia adjuvante no tratamento da sepse grave e choque séptico Prevenção de infecção Descontaminação digestiva seletiva ou descontaminação oral seletiva podem ser aplicadas com o objetivo de redução de pneumonia associada a ventilação mecânica nas instituições em que esta medida é efetiva Uso de clorexidina oral pode ser utilzada para descontaminação de cavidade oral para de redução de pneumonia associada a ventilação mecânica Uso de hemocomponentes Após a correção da hipoperfusão tecidual e na ausência de outras situações como insuficiência coronária, sangramento ativo, hipoxemia grave, é recomendado que a transfusão de hemácias ocorra somente quando o nível de hemoglobina se encontrar abaixo de 7,0 g/dL com o alvo entre 7,0 e 9,0 g/dL Não utilizar eritropoietina para tratar anemia associada a sepse grave Plasma fresco congelado não deve ser utilizado para correção de exames da coagulação na ausência de sangramento ou procedimentos invasivos Não utilizar complexo antitrombinico para o tratamento de sepse grave ou choque séptico Nos casos de sepse grave indicar transfusão de plaquetas profiláticas quando a contagem de plaquetas for inferior a 10.000/mm3 (10 x 109/L) na ausência de sangramento aparente. É recomendado a transfusão profilática de plaquetas quando a contagem forefeitos da dopamina dependem, basica- mente, da dose em que ela é utilizada. Em doses baixas ( 10 µg/kg/min), ativa os receptores α1 dos vasos, produzindo vasoconstrição. A dopami- na também produz vasoconstrição das veias pulmonares, o que pode provocar aumento da pressão capilar pulmonar quando aferida por monitoração hemodinâmica com um cateter de artéria pulmonar. Parte do seu efeito no miocár- dio é secundário à liberação de noradrenalina armazenada nos terminais sinápticos (efeito indireto), o que explicaria a atenuação dos seus efeitos após infusão prolongada, bem como a re- duzida eficácia em pacientes com tônus simpá- tico maximizado, como ocorre na insuficiência cardíaca crônica. Dependendo da dose utilizada, a dopamina pode ser empregada com o objetivo de aumen- Leonardo Quadros Leonardo Quadros Leonardo Quadros Leonardo Quadros Leonardo Quadros M A N U A L D E M E D I C I N A I N T E N S I V A – A M I Bem pacientes com insuficiência hepática ou renal graves1,14-16. Estudos comparativos entre drogas vasopressoras Com relação à capacidade de restaurar a pressão arterial O objetivo primário das drogas vasopres- soras é reverter a hipotensão arterial por meio de uma vasoconstrição e, consequentemente, melhorar a perfusão tecidual. Martin et al.17 estudaram 32 pacientes com choque séptico randomizados para receber dopamina ou no- radrenalina após ressuscitação volêmica e de- monstraram que o grupo que recebeu dopamina teve sucesso em restaurar a pressão arterial em apenas 31% dos casos, contra 93% no grupo que recebeu noradrenalina. Entre os pacientes que não responderam à dopamina, 90% apresenta- ram boa resposta à noradrenalina. Outros estu- dos mostraram que a adrenalina é equivalente à noradrenalina combinada ou não à dobuta- mina com relação à capacidade de atingir uma pressão arterial alvo em pacientes com choque séptico18,19. Por outro lado, a vasopressina é um agente vasoconstritor superior à noradrenalina segundo uma avaliação realizada na micro- circulação de hamsters utilizando microscopia intravital20 enquanto Daley et al.21 recentemente demonstraram que a vasopressina não é infe- rior a noradrenalina em relação ao objetivo de atingir uma pressão arterial determinada em pacientes com choque séptico. Com relação à mortalidade Adrenalina e noradrenalina combinada ou não com dobutamina são equivalentes com re- lação à mortalidade segundo um estudo em 280 pacientes com choque séptico18,19. Por sua vez, Sakr et al.22 mostraram que pacientes críticos que recebem dopamina morrem mais, enquan- to Povoa et al.23 publicaram um estudo que mostrou que os pacientes críticos tratados com noradrenalina apresentavam uma mortalidade mais elevada. Esta diferença de resultados entre os estudos de Sakr e Povoa provavelmente se deve a diferença entre as populações analisadas. O estudo VASST24, por sua vez, demonstrou que a vasopressina não reduziu a mortalidade quando comparada com a noradrenalina em pacientes portadores de choque séptico depen- dentes de catecolaminas. Mais recentemente, M A N U A L D E M E D I C I N A I N T E N S I V A – A M I Bin sep- tic shock Ann Pharmacother. 2013;;47:301-10 22. Sakr Y, Reinhart K, Vincent JL et al. Does dopamine administration in shock influence outcome? Results of the Sepsis Occurrence in Acutely Ill Patients (SOAP) Study. Crit Care Med 2006;34:589-97. 23. Povoa PR, Carneiro AH, Ribeiro OS et al. Influence of vasopressor agent in septic shock mortality. Results from the Portuguese Com- munity-Acquired Sepsis Study (SACiUCI study). Crit Care Med 2009;37:410-16. 24. Russell JA, Walley KR, Singer J et al. VASST Investigators. N Engl J Med 2008 Feb. 28;358(9):877-87. 25. De Backer D, Biston P, Devriendt J et al. Comparison of dopamine and norepineph- rine in the treatment of shock. N Engl J Med 2010;362:779-89. 26. Secchi A, Ortanderl JM, Schmidt W et al. Effects of dobutamine and dopexamine on hepatic micro and macrocirculation during experimental endotoxemia: an intravital mi- croscopic study in the rat. Crit Care Med 2001;29:597-600. 27. De Backer D, Creteur J, Silva E et al. Effects of dopamine, norepinephrine, and epinephrine on the splanchnic circulation in septic shock: which is best? Crit Care Med 2003;31:1659-67. 28. Nygren A, Thoren A, Ricksten SE. Vasopres- sors and intestinal mucosal perfusion after cardiac surgery: Norepinephrine vs. phenyl- ephrine. Crit Care Med 2006;34:722-29. 29. Meier-Hellmann A, Bredle DL, Specht M et al. The effects of low-dose dopamine on splanch- nic blood flow and oxygen uptake in pa- tients with septic shock. Intensive Care Med 1997;23:31-37. 30. Duranteau J, Sitbon P, Teboul JL et al. Ef- fects of epinephrine, norepinephrine, or the combination of norepinephrine and dobu- tamine on gastric mucosa in septic shock. Crit Care Med 1999;27:893-900. 31. Nacul FE, Guia IL, Lessa MA et al. The effects of vasoactive drugs on intestinal functional capillary density in endotoxemic rats: intravital video-microscopy analysis. Anesth Analg 2010 Feb. 1;110(2):547-54. 32. Yang Y, Qiu HB, Zhou SX et al. Comparison of norepinephrine-dobutamine to dopamine alone for splanchnic perfusion in sheep with septic shock. Acta Pharmacol Sin 2002;23:133-37. 33. Seguin P, Bellissant E, Le Tulzo Y et al. Effects of epinephrine compared with the combina- tion of dobutamine and norepinephrine on gastric perfusion in septic shock. Clin Pharma- col Ther 2002;71:381-88. 34. Hartemink KJ, Groeneveld AB. Vasopressors and inotropes in the treatment of human septic shock: effect on innate immunity. Inflamma- tion. 2012 35:206-13. 35. Russel JA, Fjell C, Hsu JL, et al. Vasopressin compared with norepinephrine augments the decline of plasma cytokine levels in septic shock. Am J Respir Crit Care Med. 2013; 188:356-64. 345 32 Avaliação da Perfusão Tecidual Introdução A perfusão dos tecidos é um processo fisiológico necessário para sustentar a oxige- nação e a nutrição a nível celular, e pode ser conceituada como o produto do fluxo capilar pelo conteúdo de nutrientes e de oxigênio ofe- recidos aos tecidos1,2. Portanto, duas variáveis são importantes: fluxo e conteúdo de oxigê- nio. Fluxo pode ser entendido como débito cardíaco e sua distribuição, enquanto a análise do conteúdo leva em consideração a concen- tração sérica de hemoglobina, a saturação e a pressão parcial de oxigênio arterial2. Na prática clínica a perfusão e a oxigena- ção são frequentemente avaliadas, sendo as variáveis de perfusão global como o lactato e a saturação venosa de oxigênio as mais co- mumente monitoradas em UTI. Nos últimos anos, diversos trabalhos apontam para variá- veis de avaliação de perfusão regional, como marcadores precoces da hipoperfusão global. Assim, o intensivista deve utilizar as ferra- mentas disponíveis, com intuito de iden- tificar variáveis de monitoração regional e global que possibilitem o reconhecimento rápido da hipoperfusão, que se não restau- rada a tempo pode resultar em disfunção celular com consequente disfunção de múl- tiplos órgãos3,4. Monitoração da perfusão global Variáveis clínicas Tempo de enchimento capilar O tempo de enchimento capilar (TEC) é definido como o tempo decorrido para que um leito capilar distal recupere sua cor depois da digito-pressão aplicada cau- sando um breve período de isquemia5. A mensuração do TEC é um método rápido e razoavelmente reprodutível para avaliar o estado circulatório dos pacientes, sendo uma forma usada com frequência no exa- me físico de pacientes internados na unida- F e r n a n d o M a r c e l o I g n a c i o L a u r a N i c o l e t t i L o u r e i r o d e A l m e i d a L u c i a n o C e s a r P o n t e s A z e v e d o M A N U A L D E M E D I C I N A I N T E N S I V A – A M I Binicial de recuperação da sepse mui- tos pacientes apresentam-se em estado hiper- dinâmico e normotensos com fluxo sanguíneo renal aumentado, no entanto observa-se muitas vezes uma diminuição importante da taxa de filtração glomerular. Em contraste a recupera- ção da sepse é caracterizado por uma taxa de filtração glomerular normal, apesar do retorno basal do tônus vascular, com consequente nor- malização de valores do fluxo sanguíneo renal11. O aumento do fluxo sanguíneo renal com consequente diminuição da taxa de filtração glomerular acima citado, pode ser explicado pela dilatação simultânea das arteríolas aferen- tes e eferentes durante o estado séptico, que podem levar a uma diminuição da pressão hidrostática transmembrana devido a uma di- minuição da pressão do capilar glomerular com subsequente diminuição da filtração glomerular mesmo em estados de normotensão11. Pressão arterial média e pressão de perfusão A pressão arterial é o principal determinante da perfusão dos órgãos sendo resultante de uma variação entre tônus vasomotor representada pela resistência vascular sistêmica e o débito cardíaco (PA = DC x RVS)2. A pressão arterial média (PAM) por sua vez pode ser calculada C A P Í T U L O 3 2 347 A V A L I A Ç Ã O D A P E R F U S Ã O T E C I D U A L 65 mmHg em pacientes criti- camente enfermos. Diversos estudos de peque- na casuística tiveram resultados controversos em termos da necessidade de manutenção de valores mais elevados de pressão arterial mé- dia para tratamento do choque circulatório. Mesmo em pacientes previamente hipertensos, que teoricamente poderiam se beneficiar de re- gimes pressóricos mais elevados nessa fase, não existe consenso de quais valores de PAM são adequados13. Do mesmo modo, na fase inicial da ressuscitação do choque o paciente não deve permanecer mais de 30 minutos com hipoten- são arterial importante (PAMa ati- vidade de enzimas pH-dependentes, na via gli- colítica, que promovem a produção de lactato2. De qualquer modo, o nível sérico de lactato é resultado de múltiplos mecanismos, mas sua expressão clínica é de mau prognóstico para Figura 32.1: Produção do lactato: o piruvato (produto da glicólise) na ausência de oxigênio é metabolizado pela lactato desidrogenase com consequente formação de lactato. Sangue Glicose Glicose H+ Glicólise Citosol Piruvato Piruvato Entrada de lactato do sangue, e saída para distribuição para outros tecidos Lactato desidrogenase Lactato Lactato Oxigênio Oxigênio Oxigênio Piruvato desidrogenase Ciclo de Krebs Mitocôndria C A P Í T U L O 3 2 349 A V A L I A Ç Ã O D A P E R F U S Ã O T E C I D U A Ldemonstrado, condições que Figura 32.2: Relação entre oferta e consumo de O2 e presença do DO2 crítico. DO 2 L i m i a r a n a e r ó b i c o DO 2 crítico VO 2 C A P Í T U L O 3 2 351 A V A L I A Ç Ã O D A P E R F U S Ã O T E C I D U A L 70%9,32,33. Na reanimação tardia de pacientes críticos em geral, a estratégia de elevação da SvO2 para níveis acima de 70% não se associa a uma me- lhor evolução, sendo, então, bem caracterizada como uma ferramenta para uso nas primeiras seis horas do tratamento dos pacientes com choque séptico34. No trauma e no choque hemorrágico, quan- do a SvcO2 foi mantida abaixo de 65%, os pacientes necessitaram de mais tempo de in- ternação e mais procedimentos cirúrgicos32. No pós-operatório de cirurgia cardíaca, os pacien- tes evoluem com menos tempo de internação na UTI e menor grau de disfunções orgânicas se estiverem com a hemodinâmica otimizada com SvO2 ≥ 70% e lactatoalém de ser um indicador tardio de choque17. Não existem estudos prospectivos randomizados de grande porte que tenham avaliado esse marca- dor como estratégia de reanimação volêmica de pacientes graves. Monitoração regional da micro- -hemodinâmica Capnografia regional Nos últimos anos muitas técnicas de ava- liação regional da perfusão tissular têm sido propostas. Neste contexto, a tonometria gástrica esteve inicialmente disponível como método de monitorização de perfusão tecidual gástrica, uma vez que a hipoperfusão esplâncnica ocorre precocemente nos estados de choque, podendo antecipar os marcadores globais de hipoper- fusão, como lactato, SvO2 e BE. A capnografia também pode ser realizada em região sublingual ou intestinal40. A tonometria gástrica, consiste na mensu- ração do CO2 do tecido gástrico intraluminal (Figura 32.5), sendo representado pelo gradien- te da pressão de CO2 (gap-PCO2) entre tecido- -artéria ou pH intracelular (pHi). Normalmente esse gradiente de PCO2 entre tecido gástrico e sangue arterial representa o balanço entre a produção local de CO2 e o clearance do mesmo. Durante a hipóxia tecidual, o CO2 é produzido por ânions de hidrogênio, que são tamponados com bicarbonato do tecido local, o que por sua vez aumenta a quantidade de CO2 produzido pelo metabolismo oxidativo normal. A quanti- dade de CO2 produzida quer aerobicamente ou devido hipóxia tecidual, será removido (wash out) se o fluxo sanguíneo for mantido. Em es- tados de baixo fluxo, a PCO2 gástrica aumenta Figura 32.5: Tonometria gástrica: o CO2 luminal difunde-se para o balão do tonômetro. CO2 CO2 CO2 CO2 CO2 CO2 M A N U A L D E M E D I C I N A I N T E N S I V A – A M I Bde 24 horas foram consideradas como terapia adjuvante a sepse grave e ao choque séptico, agregando as outras orientações que já consta- vam nas diretrizes. Entre as diretrizes SSC 2012, o que deve se destacar é a necessidade de realizar a busca ativa dentro das instituições, sendo a chave principal para o sucesso desta ação, o treinamento e o comprometimento da equipe. É importante en- fatizar que a instituição deve estar disposta a ser facilitadora para otimizar o que for necessário para melhorar a abordagem e início do trata- mento, bem como promover a disseminação da informação. Para realizar implementação do protocolo, as áreas de emergência, laboratório, farmácia, centro cirúrgico e terapia intensiva são fundamentais que estejam alinhadas com o propósito. Os responsáveis pelas respectivas áreas citadas devem ser sensibilizados quanto à necessidade da disponibilidade do tratamento antimicrobiano precoce, devendo a primeira dose ser rapidamente disponibilizada; também são necessárias rapidez na coleta das hemocul- turas, e liberação de exames, como o lactato sé- rico. Estas atitudes corroboram para aumentar a conformidade junto ao protocolo. Documentos elaborados pela comissão de controle de infec- ção hospitalar (CCIH) da instituição podem auxiliar na decisão do esquema de antibiotico- terapia a ser iniciado. O pacote de seis horas engloba as seguintes ações: • Reconhecimento precoce da sepse grave ou choque séptico; • Dosagem de lactato sérico; • Coleta de hemoculturas e culturas apropriadas; • Início da antibioticoterapia na 1a hora após o diagnóstico; • Infusão de fluidos; • Início do vasopressor; • Ressuscitação precoce dirigida por metas. Pacote de ressuscitação das primeiras seis horas Lactato A partir do reconhecimento da sepse grave ou choque séptico, deve-se imediatamente re- alizar a coleta do lactato. Salienta-se a impor- tância da coleta do lactato por se tratar de um marcador de gravidade, e é o divisor de águas no tocante à necessidade de iniciar a infusão de fluidos bem como de direcionar o paciente para o algoritmo de ressuscitação precoce diri- gida por metas. Pacientes com valores elevados acima da normalidade apresentam disfunção metabólica, e tem maior chance de evoluir para óbito do que aqueles com valores normais. Pacientes com valores intermediários de lactato, entre 2,0 e 3,9 mmol/L têm aumento da chance do risco de morte em quase 2,5 vezes maior do que aqueles com valores dentro da normalidade (odds ratio 2.33 (95% CI: 1,23 – 4,39; p = 0,009). Aqueles com valores de lactato superior a 4,0 mmol/L apresentam chance de evoluir a óbito quase que cinco vezes a mais do que aqueles com valores dentro da normalidade23. Assim a monitoração dos níveis sérios de lactato podem contribuir na estratificação da gravidade desta população de pacientes graves24. Acompanhar a resposta ao tratamento é outra indicação im- portante da monitoração do lactato, que além de demonstrar a gravidade provém informações sobre o prognóstico do paciente. Aqueles pa- cientes que conseguem apresentar clareamento (redução) do lactato maior que 10%, têm maior sobrevida25. Isto pode estar relacionado a me- nores níveis séricos de mediadores inflamató- rios (Figura 89.1). Talvez a justificativa esteja associada ao fato de que com a readequação da perfusão tecidual com maior rapidez e o menor tempo de permanência de hipoperfusão (hipó- xia celular) tecidual acarretaria em menor dano celular e consequentemente contribuiria para a diminuição da resposta inflamatória26. A intensidade da hipóxia tecidual na apre- sentação do início do quadro está associada a resposta inflamatória, ou seja quanto mais grave a intensidade da hipóxia tecidual, maior a resposta inflamatória, da mesma forma que também pode se observar um número maior de disfunções orgânicas e maior mortalidade27,28. Quando os níveis de lactato se encontram acima de 4 mmol/L (36 mg/dL) há indicação de iniciar o protocolo de ressuscitação precoce dirigida por metas. Baseado no estudo de Rivers et al., a ressuscitação precoce dirigida por metas (EGDT – Early Goal Directed Therapy) levou a redução de mortalidade significativa, tanto 919 S E P S E G R A V E E C H O Q U E S É P T I C OC A P Í T U L O 8 9 15%. Características da curva ROC para clareamento de lactato em 2 h > 15%. Lactate – lactato. MAP – pressão arterial média. Modificado de Scott et al.31. Lactato a 15% 2 h – Depuração Se ns ib ili da de Lactato – 2 h – depuração Curva ROC = 0,863 95% IC, 0,77 – 0,96 p = 0,0001 1 0,8 0,6 0,4 0,2 0 0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 Especificidade Lactato – 2 h MAP Índice de choque Lactato de momento basal Excesso de base Linha de referência M A N U A L D E M E D I C I N A I N T E N S I V A – A M I B