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Enrique Leff
A e d it o r a ( I I ) i « |
VOZES % * > /
PNUMA
4® Edição
C o l e ç ã o E d u c a ç ã o A m b i e n t a l
- Desenvolvimento e meio ambiente - As estratégias de
mudanças da Agenda 21 (José Carlos B a r b i e r i ) _________________
r-, , _ , , , r, /-t ~ ' • ASSOCIAÇÃO BRASJfRA D€ DR3TOS REPROG«ÁHCOS
- Educaçao ambiental - Reflexões e praticas . „
contemporâneas (Alexandre de Gusmão Pedrini (Org.)
- Democratização e gestão ambiental - Em busca do ° DmEn°
desenvolvimento sustentável (Francisco A. Brito e João
B.D. Câmara)
- Educação ambiental - Uma metodologia participativa de 
form ação (Naná Minninni Medina e Elizabeth da 
Conceição Santos)
- A modernidade insustentável - As criticas do 
ambientalismo à sociedade contemporânea (Héctor Ricardo Leis)
- A emergência do paradigma ecológico - Reflexões ético-filosóficas para o 
século X X I (M.L. Pelizzoli)
- Canibais da natureza - Educação ambiental, limites e qualidade de vida 
(Célia Jurema Aito Victorino)
- Saber ambiental - Sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder 
(Enrique Leff)
- O contrato social da ciência - Unindo saberes na educação ambiental 
(Alexandre de Gusmão Pedrini (Org.)
Dados In ternacionais de C atalogação na Publicação (CIP) 
(C âm ara B rasileira do L ivro, SP, Brasil)
Leff, Enrique
Saber ambiental : sustentabilidade, racionalidade, complexidade, 
poder / Enrique L e ff; tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth - 
Petrópolis, RJ : Vozes, 2001.
Título original: Saber am bien tal: sustentabilidad, racionalidad, 
complejidad, poder.
ISBN 85.326.2609-2
Bibliografia
1. Desenvolvimento sustentável 2. Economia ambiental 
3. Educação ambienta! I. Título.
01-2964 CDD-304.2
índices p ara catálogo sistem ático:
1. Saber ambiental : Sociologia 304.2
Enrique Leff
SABER AMBIENTAL
Sustentabilidade, racionalidade, 
complexidade, poder
4a Edição
Tradução dc 
Lúcia Mathilde Endlich Orth
A 'a.
( f i EDITORA V t
VOZES I
P N U M A
2005
© 1998, Enrique Leff 
Título original: Saber ambiental: Sustentabilidad, racionalidad, 
complejidad, poder
Direitos de publicação em língua portuguesa:
Editora Vozes Ltda.
Rua Frei Luís, 100 
25689-900 Petrópolis, RJ 
Internet: http://www.vozes.com.br 
Brasil
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida 
ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou 
mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema 
ou banco de dados sem permissão escrita da Editora.
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SAO PAULO • (11)3315-2000 Rua Hannamann, 352 - Pari CEP 03031-040
Editoração e org. literária: Ana Kronemberger 
ISBN 85.326.2609-2
Universidade Federal de Pernambuco 
BIBLIOTECA CENTRAL / CIDADE UNIVERSITÁRI 
CEP 50.670-901 - Recife - Pernambuco - Brasil 
Reg. n® 7031 -16/1272005
Título: SABER AMBIENTAL : SUSTENTABILIDADE ....
http://www.vozes.com.br
A memória de meus avós paternos
Esther e Philip 
e meus avós maternos 
Margarita e Abraham.
\
A memória de meu filho 
Sergio L eff Fortes
SUMÁRIO
Nota à terceira edição, 8 
Prefácio, 9
I T ) Globalização, ambiente e sustentabilidade do 
desenvolvimento, 15
2. Dívida financeira, dívida ecológica, dívida da razão, 32
3. Economia ecológica e ecologia produtiva, 42
4. Democracia ambiental e desenvolvimento sustentável, 56 
f 5. A reapropriação social da natureza, 65
6. Ética ambiental e direitos culturais, 83
7. Ambiente e movimentos sociais, 96 
8^)Cidadania, globalização e pós-modemidade, 118
' 9. O conceito de racionalidade ambiental, 133
10. A formação do saber ambiental, 145
11. Sociologia do conhecimento e racionalidade 
ambiental, 155
12. Matematização do conhecimento e saber ambiental, 167
13. O inconsciente in(ter)disciplinar, 180 
^ 1 4 . Psicanálise e saber ambiental, 1 8 7 ^
15. Universidade, interdisciplinaridade e formação 
ambiental, 199
16. Conhecimento e educação ambiental, 222
17. Educação ambiental e desenvolvimento sustentável, 236
18. A pedagogia do ambiente, 253
19. Cultura, epistemologia política e apropriação 
do saber, 262
20. Habitat/Habitar, 282
'2 1 . Demografia e ambiente, 296
22. Tecnologia, vida e saúde, 310
-► 23 Qualidade de vida e racionalidade ambiental, 319des­
de a administração e a contabilidade ambiental até novas teo­
rias que intemalizam a natureza e a cultura como potenciais 
para um desenvolvimento sustentável (Leff, 1994a; 2000).
Conflito de interesses pelo desenvolvimento sustentável
A problemática ambiental converteu-se numa questão 
eminentemente política. Os conflitos socioambientais emer­
gem de princípios éticos, direitos culturais e lutas pela apro­
priação da natureza que vão além da intemalização dos cus­
tos ecológicos para assegurar um crescimento sustentado. As 
identidades culturais e os valores da natureza não podem ser 
contabilizados e regulados pelo sistema econômico. A pobre­
za, a degradação ambiental, a perda de valores e práticas cul­
turais e a eqüidade transgeracional; a produtividade natural e 
a regeneração ecológica, a degradação entrópica de massa e 
energia, o risco e a incerteza - todas estas “externalidades” - 
constituem processos incomensuráveis que não podem ser 
reabsorvidos pela economia conferindo-lhes um padrão co­
mum de medida através dos preços de mercado (Kapp, 1983).
O discurso e as políticas da sustentabilidade estão abrin­
do um campo heterogêneo de perspectivas alternativas, mar­
cado pelo conflito de interesses em tomo da apropriação da 
natureza. Nos países do Norte, suas preocupações se concen­
tram nos problemas ambientais globais (mudança climática, 
aquecimento da Terra, chuva ácida, perda de biodiversidade)
45
gracihelem
Highlight
que, rompendo os equilíbrios ecológicos do planeta, colocam 
em perigo a sustentabilidade do sistema econômico. As con­
dições ecológicas da produção e da preservação do ambiente 
são consideradas como um custo que deve ser internalizado 
pelo sistema econômico, levando a uma capitalização crescen­
te da natureza. Seus problemas mais visíveis são o controle da 
contaminação e a disposição de rejeitos gerados pelos altos ní­
veis de produção e consumo. A ética ambientalista se orienta 
para os valores do ócio gerado pela sociedade pós-materialista, 
ao mesmo tempo em que uma moral conservacionista se opõe 
ao estilo de vida do hiperconsumo, e uma ecologia social se 
funda nos princípios de uma gestão local, descentralizada e 
democrática dos recursos (Bookchin, 1989).
Certamente as ideologias do conservacionismo ecológi­
co não são exclusivas das instituições do Norte. Com a globa­
lização do discurso do desenvolvimento sustentável penetra­
ram nas políticas e nas ações ecologistas dos países do Sul. 
Muitos governos embarcaram numa política neoliberal e al­
guns deles reivindicaram inclusive seu direito de consumir 
seus recursos naturais para impulsionar seu crescimento eco­
nômico e atenuar a brecha que os separa dos países ricos, não 
atendendo ao convite da comunidade internacional de contri­
buir para uma solução global dos problemas ambientais.
Não obstante o que acabamos de dizer, nos países pobres 
estão em andamento novos desenvolvimentos teóricos e pers­
pectivas políticas face à sustentabilidade, a partir de uma per­
cepção mais crítica e consciente de suas condições ecológi­
cas, culturais, econômicas e políticas. Desta maneira, na Amé­
rica Latina vem sendo construído um conceito de ambiente, 
entendido como um potencial produtivo que emerge da inte­
gração sinergética de processos ecológicos, culturais e tecno­
lógicos. O ambiente é constituído de um sistema complexo 
através da articulação de diversas ciências e do amálgama de
46
diversos saberes, para conduzir um processo de gestão demo­
crática e sustentável dos recursos naturais (Leff, 1986).
É assim que dos países tropicais do Terceiro Mundo emer­
ge um novo paradigma de produção, baseado no potencial 
ecológico de sua geografia e na pluralidade de suas identida­
des étnicas. Este paradigma ambiental promove a sustentabi­
lidade a partir de suas bases ecológicas e culturais, através da 
descentralização da economia e da diversificação dos tipos 
de desenvolvimento, mobilizando a sociedade a reapropri- 
ar-se de seu patrimônio de recursos naturais e a autogerir seus 
processos de produção.
Mas os efeitos da globalização econômica se combinam 
hoje com processos ecológicos em escala planetária, gerando 
uma espiral negativa de degradação ambiental que está alte­
rando a dimensão dos problemas. A complexidade se apre­
senta como potenciais sinergéticos, mas também como efei­
tos destrutivos. Assim, o aquecimento global, produzido pela 
crescente emissão de gases de efeito estufa, provenientes do 
crescimento da produção para o mercado, está mudando as 
condições climáticas nas quais se desenvolvem práticas tra­
dicionais de uso do solo como o roçado, a derrubada e a quei­
ma. Desta forma, a globalização econômica junto com as mu­
danças ambientais globais estão deslocando as práticas tradi­
cionais de produção. As formas tradicionais de uso do fogo 
deixam de ser práticas sustentáveis e controladas converten­
do-se em verdadeiros riscos, provocando incêndios incontro- 
láveis de pastagens e florestas, encadeando seus efeitos e ace­
lerando o aquecimento global, as mudanças climáticas, a seca, 
a contaminação, a perda econômica de colheitas e a destrui­
ção da biodiversidade.
No Sul, o ambientalismo não surge da abundância, mas 
da luta pela sobrevivência em condições de uma crescente 
degradação socioambiental. Assim, tanto os camponeses e os
47
povos indígenas, como a população urbana marginalizada, 
estão se organizando e lutando em resposta à extrema pobre­
za gerada pela destruição de seus recursos naturais, à degra­
dação de suas condições de produção e à falta de equipamen­
to e saneamento básico. Os movimentos ambientais são lutas 
de resistência e protesto contra a marginalização e a opressão, 
e reivindicações por seus direitos culturais, pelo controle de 
seus recursos naturais, pela autogestão de seus processos pro­
dutivos e a autodeterminação de suas condições de vida. Estas 
lutas pela erradicação da pobreza vinculam a sustentabilida­
de à democracia; entrelaçam-se com a reivindicação de suas 
identidades culturais, com a reapropriação de conhecimentos 
e práticas tradicionais e o direito das comunidades para de­
senvolver formas alternativas de desenvolvimento.
A sustentabilidade aparece como uma necessidade de 
restabelecer o lugar da natureza na teoria econômica e nas 
práticas do desenvolvimento, intemalizando condições eco­
lógicas da produção que assegurem a sobrevivência e um 
futuro para a humanidade. Não obstante, a busca de consen­
sos sobre “nosso futuro comum” (CMMAD, 1988) não uni­
fica as visões do futuro nem as estratégias de passagem para 
o desenvolvimento sustentável: o discurso sobre a sustenta­
bilidade não é homogêneo nem está livre do conflito de inte­
resses — muitas vezes opostos - dos atores sociais que mobi­
lizam e resistem a este processo de mudanças históricas, não 
só como visões diferenciadas entre países, mas dentro de 
cada nação. Da vontade de capitalizar a natureza através do 
mercado à descentralização da economia e à construção de 
uma racionalidade am biental baseada em princípios 
não-mercantis (potencial ecológico, eqüidade transgeracio­
nal, justiça social, diversidade cultural e democracia), a sus­
tentabilidade se define através de significados sociais e es­
tratégias políticas diferenciados.
48
Eqüidade, distribuição e sustentabilidade
A economia ecológica questiona os fundamentos da eco­
nomia a partir da percepção de seus limites ecológicos e entró- 
picos, abrindo um campo de pesquisa sobre as condições eco­
lógicas da sustentabilidade. Desta maneira, concentrou seu in­
teresse nos problemas de escassez de energia e recursos, na 
contaminação e nos meios tecnológicos para resolvê-los. As 
questões da eqüidade e da distribuição são consideradas como 
“problemas de limites” que surgem da pressão que uma popu­
lação crescente exerce sobre recursos escassos e o impacto de­
sigual da degradação ambiental (Costanza, 1989).
A condição de escassez, base da ciência econômica, pas­
sou do processo de substituição contínuade recursos esgota­
dos para uma escassez global induzida pela expansão econô­
mica. O conceito de escassez expandiu-se para incluir o esgo­
tamento de “meta-recursos” (Erlich, 1989), entendido como 
o efeito multiplicador da degradação dos serviços ambientais 
e do potencial produtivo dos ecossistemas. Porém a destrui­
ção ecológica e o esgotamento dos recursos não são proble­
mas gerados por processos naturais, mas determinados pelas 
formas sociais e pelos padrões tecnológicos de apropriação e 
exploração econômica da natureza. Os problemas de eqüida­
de e distribuição foram gerados pela acumulação capitalista, 
muito antes que ela alcançasse seus limites ecológicos. É a ra­
cionalidade intrínseca do crescimento econômico que destrói 
as condições ecológicas e culturais da sustentabilidade ao in­
crementar o transfluxo (throughput) de matéria e energia, ge­
rando uma escassez global de recursos, resultante da destrui­
ção ecológica, da degradação ambiental e do incremento da 
entropia ( 0 ’Connor, 1988, 1998; Leff, 1994a, 2000).
Além dos limites ecológicos ao crescimento e de suas pos­
síveis soluções tecnológicas e econômicas, os conflitos e es­
tratégias de poder pela apropriação da natureza estão deter-
49
-3ionaia 
hojo 
• jdjn
minando as formas sociais sancionadas e legitimadas de aces­
so e uso dos recursos naturais. Como afirma Martínez Alier 
(1995), a ciência não oferece critérios para avaliar os confli­
tos distributivos. Estes não podem estabelecer-se a partir de 
critérios de racionalidade econômica ou racionalidade ecoló­
gica, porque nenhum sistema de avaliação pode estabele­
cer-se independentemente da política.
Ao “naturalizar” os limites do crescimento, a economia 
ecológica se separa do campo da ecologia política. Ao redu­
zir as condições ecológicas da sustentabilidade à resolução 
^ de problemas ambientais e demográficos, a distribuição dos 
o custos sociais e ecológicos desaparece de seu foco teórico. 
uj Como resultado, a economia ecológica se preocupa em atua­
lizar as preferências futuras dos consumidores, mas exclui o 
problema da eqüidade intergeracional, sob o falso argumento 
de que este já teria sido resolvido pela economia da abundân­
cia (dotando todo cidadão do Primeiro Mundo de alimento, 
moradia e dois carros), e transferindo a justiça social para 
um problema de sustentabilidade das instituições sociais 
(Proops, 1989). Desta maneira, as ideologias da pós-escassez 
(Inglehart, 1991) e o propósito de desmaterializar a produção 
(Hinterberger e Seifert, 1995) penetraram nos enfoques da 
economia ecológica ao problema da sustentabilidade.
Bioeconomia, produtividade ecotecnológica e 
neguentropia
A economia ecológica reconhece a importância de con­
servar a base de recursos e os equilíbrios ecológicos. Entre­
tanto, subestimou o potencial produtivo da natureza, particu­
larmente dos complexos, produtivos e biodiversos ecossiste­
mas tropicais. Enquanto as estratégias de produção desenvol­
vidas pelas civilizações meso-americanas foram subjugadas 
pelo imperialismo ecológico (Crosby, 1986) gerado pela as-
50
censão do capitalismo e pelo processo de industrialização, os 
intuitos dos fisiocratas em ver na natureza a fonte do valor 
(Kuczynski e Meek, 1980) foram esquecidos com a legitima­
ção da ciência econômica que colocou os fundamentos da 
produção na produtividade do capital, na força de trabalho e 
na mudança tecnológica. O triunfo da racionalidade moder- 
nizadora interrompeu assim a evolução de formas alternati­
vas de etnoecodesenvolvimento.
Hoje em dia, a economia está desprovida de uma teoria 
do valor (Leff, 1980;Naredo, 1987; Martínez Alier e Schlüp- 
mann, 1991; Altvater, 1993). A teoria econômica não conta 
com meios objetivos para medir as equivalências para o inter­
câmbio de valores de uso (menos ainda para a medição de va­
lores não-econômicos). Os preços de mercado são sinais fal­
sos da escassez de recursos e do potencial da natureza; não 
podem servir de indicadores para uma determinação racional 
dos fatores produtivos nem para internalizar os custos das ex- 
ternalidades ambientais. Mais ainda, o socialismo pré-ecoló- 
gico deixou de ser “a alternativa” (Bahro, 1979) ao capitalis­
mo antiecológico, abrindo o campo à construção de um novo 
ecossocialismo (Leff, 1994a, 2000; 0 ’Connor, 1998).
Conseqüentemente, a economia deve ser reconstruída. 
Isto levanta a questão de fundamentar uma nova teoria da 
produção que intemalize as condições ecológicas e sociais do 
desenvolvimento sustentável; que leve em conta os comple­
xos processos ambientais gerados pelo potencial ecotecnoló- 
gico de diferentes regiões, mediado pelos valores culturais e 
pelos interesses sociais das populações: os sistemas simbóli­
cos, os estilos étnicos e as práticas produtivas, através dos 
quais são valorizados os recursos potenciais da natureza; as 
regras sociais estabelecidas pelos direitos de acesso e apro­
priação, e pelas formas de exploração dos recursos naturais; 
os padrões tecnológicos que permitem a regeneração ecoló­
gica e a reciclagem do lixo.
A “bioeconomia” de Georgescu-Roegen reconhece os li­
mites impostos pela segunda lei da termodinâmica ao objeti­
vo de um crescimento sustentável; mas não oferece uma nova 
medida de valor nem um modo alternativo de produção. O 
potencial de auto-organização da natureza e a produtividade 
primária dos ecossistemas foram subvalorizados e desconhe­
cidos. Desta maneira, a racionalidade econômica gerou uma 
crescente apropriação destrutiva da produtividade ecológica 
do planeta (Vitousek, 1986), desestimando ao mesmo tempo 
a possibilidade de construir uma bioeconomia a partir da pro­
dutividade neguentrópica de biomassa e de biodiversidade a 
partir do fenômeno da fotossíntese1.
O potencial da energia solar concentrou-se em seu uso 
tecnológico e limitou-se por causa dos custos atuais dos cole­
tores solares e da concorrência com outras fontes de energia. 
Entretanto, foram bloqueadas outras perspectivas de desen­
volvimento e aproveitamento da capacidade das florestas tro­
picais biodiversas e de sistemas agroflorestais como coleto­
res e transformadores biológicos da energia radiante do Sol 
em biomassa, desconhecendo os problemas da agricultura 
ecológica para reduzir os insumos de fontes não renováveis 
de energia e de recursos naturais, e da ecologia produtiva para 
equilibrar e reverter a degradação entrópica gerada pela capi­
talização da natureza e pelo processo de industrialização.
O potencial de formação de biomassa através da fotossín­
tese pode converter-se na base de um paradigma alternativo 
de produção. A produtividade primária líquida dos ecossiste­
1. Vitousek ctal. (1986) fizeram uma estimativa de que os humanos se apropriam de apro­
ximadamente 40.4 petajoules (1 Pj = 106 quilocalorias) da produtividade primária li­
quida (PPL) do planeta, cuja produção potencial de 58.1 Pj está sendo fortemente redu­
zida devido à transformação dos padrões de uso do solo (9.0 devido aos usos agrícolas, 
1.4 à transformação de florestas cm pastagens, 4.5 à dcsertificação c 2.6 à urbaniza­
ção). Desta maneira, os autores argumentam que os 40% da PPL potencial são usados c 
se perdem devido à intervenção humana, enquanto que poderiam contribuir para o in­
cremento da biodiversidade como condição da sustentabilidade c fonte de valor econô­
mico, e prognosticam que “com os atuais padrões de exploração, distribuição c consu­
mo, o incrcmcnto da população não poderia sustentar-se sem cooptar mais da metade 
da PPL terrestre”.
52
mas tropicais pode alcançar colheitas anuais sustentáveis de 
até 10% em formação de nova biomassa (Rodin et al., 1975; 
Leigh, 1975;Lieth, 1978). Estes níveis de produtividade eco­
lógica podem parecer baixos, comparados com agrossiste- 
mas artifícializados; mas se forem internalizados os custos 
ecológicos e avaliada a sua eficiência a longo prazo, a agri­
cultura capitalizada mostra seu caráter insustentável (Leff, 
1994a, cap. 7; 2000).
Por outro lado, o manejoprodutivo dos ecossistemas, 
através de processos de regeneração seletiva ou de sistemas 
de cultivos múltiplos agroflorestais e agroecológicos, pode 
gerar uma colheita permanente de recursos naturais e uma 
oferta sustentável de satisfatores com altos níveis de produti­
vidade ecotecnológica. O manejo múltiplo e produtivo dos 
recursos da biodiversidade pode gerar níveis cada vez mais 
altos de produtividade sustentada através da inovação e apli­
cação de novas biotecnologias que incrementem a produtivi­
dade primária dos ecossistemas naturais, satisfazendo assim 
as necessidades fundamentais de populações crescentes.
Ao valorizar a importância da fotossíntese como um pro­
cesso neguentrópico, a bioeconomia poderia construir uma teo­
ria positiva da produção, capaz de equilibrar a produção natural 
de biomassa com a degradação entrópica da matéria e da energia 
que entram no processo econômico, seja no metabolismo dos 
organismos vivos ou nos processos de transformação tecnológi­
ca. Esta aproximação da ecologia produtiva a uma economia 
sustentável oferece importantes perspectivas de desenvolvi­
mento às regiões tropicais; permite foijar uma nova economia, 
amalgamando a produtividade ecológica com os valores cul­
turais e com o potencial científico-tecnológico2.
2. Neste sentido, Theotonio dos Santos (1993:99) assinala que “a possessão de energia so­
lar e das imensas reservas de biomassa, assim como a acumulação gigantesca de biodi­
versidade do planeta, converte os países tropicais (...) numa base estratégica para as no­
vas tecnologias que se desenvolvem no final do scculo XX, anunciando um novo pa­
drão tecnológico que alterará substancialmente a estrutura gcopoiítica mundial [e] in­
sistimos sobre o papel decisivo das relações sociais de produção, da educação, do trei­
namento sob a direção de um projeto econômico c social libertário c progressista”.
53
Em contraste com a economia ecológica, a ecologia políti­
ca reconhece as lutas populares pela eqüidade e pela democra­
cia e os movimentos ambientalistas que se opõem à capitaliza­
ção da natureza, reclamando o controle direto de seu patrimô­
nio de recursos naturais. A resistência social à degradação am­
biental e a resposta dos danos ecológicos mobiliza a intemali- 
zação dos custos ecológicos que não são contabilizados pelos 
instrumentos econômicos e pelas normas ecológicas.
Porém a característica mais importante destes movimen­
tos emergentes não é tanto servir de correia de transmissão 
dos custos ecológicos invisíveis ao mercado para o interior da 
racionalidade econômica, mas sua contribuição para a cons­
trução de outra racionalidade produtiva, sobre bases de sus­
tentabilidade ecológica, eqüidade social e diversidade cultu­
ral. Através da reafirmação de seus direitos à autogestão de 
seu patrimônio de recursos naturais e culturais, as comunida­
des estão internalizando as condições para um desenvolvi­
mento sustentável. Neste sentido, estão revalorizando a pro­
dutividade ecológica e os valores culturais integrados nos sa­
beres e nas práticas tradicionais de uso de seus recursos.
Esta nova racionalidade produtiva não só está sendo cons­
truída como uma proposta teórica, mas está sendo mobilizada 
pela emergência de novos atores sociais do ambientalismo de 
base (Leff, 19966, 2000), ressignificando o discurso da sus­
tentabilidade dentro dos valores e interesses que orientam um 
processo de reapropriação social da natureza. Este paradigma 
de produtividade ecotecnológica sustentável busca reduzir a 
destruição ecológica, o esgotamento de recursos e a degrada­
ção entrópica, incrementando a produtividade ecológica e 
ampliando a contribuição da produção neguentrópica de bio- 
massa no processo produtivo global. Este paradigma está 
sendo internalizado por grupos indígenas e camponeses em
E c o lo g ia p o l í t ic a e e c o lo g ia p r o d u t iv a
54
suas lutas para recuperar o controle de seus processos produ­
tivos, o que inclui a autogestão da biodiversidade na qual ha­
bitam e as biotecnologias que geraram como saberes e técni­
cas para a transformação do meio no qual coevoluíram atra­
vés da história (Hobbelink, 1992; Leff, 1995).
A construção deste paradigma ecoprodutivo permitiria es­
tabelecer novos equilíbrios ecológicos e dar bases de sustenta­
bilidade ao processo econômico, equilibrando a produção ne- 
guentrópica de recursos biológicos com a degradação entrópi- 
ca dos processos tecnológicos. Além disso permitiria aliviar a 
pobreza e melhorar a qualidade de vida de uma população cres­
cente através de um processo descentralizado de produção, 
aberto a diversos tipos de desenvolvimento, em harmonia 
com as condições ecológicas e culturais de cada região.
4 - DEM OCRACIA AMBIENTAL E 
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL*
Mudança global, deterioração ambiental e pobreza
A degradação ambiental emerge do crescimento e da 
globalização da economia. Esta escassez generalizada se 
manifesta não só na degradação das bases de sustentabilida­
de ecológica do processo econômico, mas como uma crise 
de civilização que questiona a racionalidade do sistema so­
cial, os valores, os modos de produção e os conhecimentos 
que o sustentam.
A natureza se levanta de sua opressão e toma vida, reve­
lando-se à produção de objetos mortos e à coisificação do 
mundo. A superexploração dos ecossistemas, que os proces­
sos produtivos mantinham sob silêncio, desencadeou uma 
força destrutiva que em seus efeitos sinérgicos e acumulati- 
vos gera as mudanças globais que ameaçam a estabilidade e 
sustentabilidade do planeta: a destruição da biodiversidade, a 
rarefação da camada estratosférica de ozônio, o aquecimento 
global. O impacto dessas mudanças ambientais na ordem eco­
lógica e social do mundo ameaça a economia como um cân­
cer generalizado e incontrolável, mais grave ainda do que as 
crises cíclicas do capital.
A problemática ambiental abriu um processo de transfor­
mação do conhecimento, expondo a necessidade de gerar um
* Texto redigido com base numa exposição feita no Colóquio de Inverno, “Los grandes 
câmbios de nuestro tiempo: la situación internacional, América Latina y México”, reali­
zado na Cidade do México de 10 a 21 de fevereiro de 1992, publicado por Unam/Cona- 
culta/FCE, 1993.
56
gracihelem
Highlight
método para pensar de forma integrada e multivalente os pro­
blemas globais e complexos, assim como a articulação de 
processos de diferente ordem de materialidade. Deste modo, 
o conceito de ambiente penetra nas esferas da consciência e 
do conhecimento, no campo da ação política e na construção 
de uma nova economia, inscrevendo-se nas grandes mudan­
ças do nosso tempo.
A questão ambiental não se esgota na necessidade de dar 
bases ecológicas aos processos produtivos, de inovar tecno­
logias para reciclar os rejeitos contaminantes, de incorporar 
normas ecológicas aos agentes econômicos, ou de valorizar o 
patrimônio de recursos naturais e culturais para passar para 
um desenvolvimento sustentável. Não só responde à necessi­
dade de preservar a diversidade biológica para manter o equi­
líbrio ecológico do planeta, mas de valorizar a diversidade 
étnica e cultural da espécie humana e fomentar diferentes for­
mas de manejo produtivo da biodiversidade, em harmonia 
com a natureza.
A gestão ambiental do desenvolvimento sustentável exi­
ge novos conhecimentos interdisciplinares e o planejamento 
intersetorial do desenvolvimento; mas é sobretudo um convi­
te à ação dos cidadãos para participar na produção de suas 
condições de existência e em seus projetos de vida. O desen­
volvimento sustentável é um projeto social e político que 
aponta para o ordenamento ecológico e a descentralização 
territorial da produção, assim como para a diversificação dos 
tipos de desenvolvimento e dos modos de vida das popula­
ções que habitam o planeta. Neste sentido, oferece novos prin­
cípios aos processos de democratização da sociedade que in­
duzem à participação direta das comunidades na apropriação 
e transformação deseus recursos ambientais.
O neoliberalismo vem ocupando os espaços abertos pela 
queda do socialismo real, do burocratismo das economias 
planejadas e da ineficácia do Estado benfeitor. O capitalismo
57
gracihelem
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Highlight
global penetrou em todos os interstícios da individualidade, 
da subjetividade e do cotidiano, convertendo a ambição de 
ganho no valor mais alto do homem, em motivação para a 
inovação, em razão de ser no mundo. O mundo acabou fican­
do apenas com o capitalismo real - mais real e transparente 
do que nunca - levando à sua mais clara expressão os princí­
pios da liberdade do m ercado-do intercâmbio sem fronteiras 
de mercadorias - aos quais em última análise não escapam 
nem a natureza nem a cultura. O mundo bipolar transita para 
uma nova configuração do poder, marcado pelo domínio de 
uma globalidade homogeneizante e unidimensional. Diante 
desta perspectiva, a utopia ambiental mobiliza a sociedade a 
construir uma nova racionalidade social e produtiva, abrindo 
novas opções a um processo de governabilidade democrática 
do desenvolvimento sustentável.
As mudanças ambientais em nível global estão concen­
trando a maior atenção da comunidade científica mundial. 
Mas esses processos são efeito e estão vinculados a uma or­
dem econômica e uma racionalidade social também globais, 
que estabeleceram seu predomínio em escala mundial, pene­
trando nas políticas nacionais e nas economias locais. O em­
pobrecimento das maiorias também deixou de ser um fenô­
meno localizado e controlado, para converter-se na mais cla­
ra manifestação do fracasso da racionalidade econômica, seja 
no capitalismo ou no socialismo. Hoje, o número de pobres é 
maior do que nunca antes na história da humanidade, e a po­
breza extrema avassala mais de um bilhão de habitantes do 
planeta. Este estado de pobreza ampliada e generalizada não 
pode ser atribuído às taxas de fertilidade dos pobres, às suas 
formas irracionais de reprodução e à sua resistência a inte- 
grar-se no desenvolvimento. Hoje a pobreza é resultado de 
uma cadeia causai e de um círculo vicioso de desenvolvimen­
to perverso-degradação ambiental-pobreza, induzido pelo 
caráter ecodestrutivo e excludente do sistema econômico do­
minante (Leff, 1994c).
58
Esta “produção de pobreza” resultante da globalização 
do mercado esteve associada a um processo de destruição de 
identidades culturais, desarticulação do tecido social e “des­
mantelamento dos atores coletivos” (Zermeno, 1996). Mas 
ao mesmo tempo, um amplo processo de democratização está 
sendo impulsionado por uma nova força social para resolver 
de maneira pacífica e consensual os conflitos que o mundo 
moderno está atravessando, abrindo canais de participação 
para reconstruir as condições de sobrevivência da cidadania e 
reorientar os tipos de desenvolvimento da humanidade, lan­
çando uma corrente de ar fresco e criativo ao cerco homoge- 
neizante do macroprojeto neoliberal.
Democracia e sustentabilidade
Os economistas contrapõem o ambiente como externali- 
dade econômica ao ambiente como potencial no manejo sus­
tentável e sustentado dos recursos. Entretanto, não basta con­
siderar o ambiente como um custo frente aos benefícios do 
crescimento econômico; não obstante os esforços por capita­
lizar a natureza e o homem para ajustá-los aos mecanismos de 
valorização do mercado, existem processos ecológicos e va­
lores humanos impossíveis de serem reduzidos ao padrão de 
medida do mercado. O neoliberalismo ambiental e o discurso 
do “crescimento sustentável”, apesar do intuito de incorporar 
as bases ecológicas e as considerações de longo prazo na ra­
cionalidade econômica, não podem assimilar o sentido, os 
princípios e as condições de uma gestão democrática do de­
senvolvimento sustentável: a eqüidade social, a diversidade 
cultural, o equilíbrio regional, a autonomia e capacidade de 
autogestão das comunidades e a pluralidade de tipos de de­
senvolvimento. Se a economia se define como o processo de 
produção e distribuição de riqueza, este pode transformar-se 
e fundar-se em outras bases produtivas. A mudança de para­
digma não só é possível, mas impostergável.
59
Na confluência dos múltiplos interesses em jogo na tran­
sição para uma ordem econômica sustentável, abre-se um 
amplo espaço de concordâncias e um espectro de modelos so­
ciais alternativos. Neste processo, parece pouco realista en­
frentar o projeto neoliberal tão-somente com os valores de 
uma ética conservacionista. Um dos grandes desafios que a 
sustentabilidade enfrenta é a construção do conceito de ambi­
ente como um potencial produtivo sustentável, isto é, mate­
rializar o pensamento complexo numa nova racionalidade 
social que integre os processos ecológicos, tecnológicos e 
culturais, para gerar um desenvolvimento alternativo.
O conceito de produtividade ecotecnológica conjuga a 
produtividade ecológica dos ecossistemas com a inovação de 
sistemas tecnológicos adequados à sua transformação, man­
tendo e melhorando a produtividade global através de projetos 
de uso integrado dos recursos, sujeitos à estrutura e funções de 
cada ecossistema e à capacidade de autogestão das comunida­
des e dos produtores diretos. Este projeto parte das necessida­
des das comunidades e de seus conhecimentos sobre o meio e 
seus recursos; das condições de apropriação de seu ambiente 
como meio de produção e do produto de seus processos de tra­
balho; da assimilação da ciência e da tecnologia moderna a suas 
práticas tradicionais para constituir meios de produção mais 
eficientes, respeitando suas identidades culturais.
O desenvolvimento sustentável converte-se num projeto 
destinado a erradicar a pobreza, satisfazer as necessidades 
básicas e melhorar a qualidade de vida da população. A ges­
tão ambiental não se limita a regular o processo econômico 
mediante normas de ordenamento ecológico, métodos de ava­
liação de impacto ambiental e instrumentos econômicos para 
a valorização dos recursos naturais. Os princípios de raciona­
lidade ambiental oferecem novas bases para construir um 
novo paradigma produtivo alternativo, fundado no potencial 
ecológico, na inovação tecnológica e na gestão participativa
60
dos recursos; uma nova racionalidade social que amalgama 
as bases democráticas e os meios de sustentabilidade do pro­
cesso de desenvolvimento.
A sustentabilidade do processo de desenvolvimento im­
plica o reordenamento dos assentamentos urbanos e o estabe­
lecimento de novas relações funcionais entre o campo e a ci­
dade. Desta forma, além das oposições entre crescimento eco­
nômico, conservação ecológica e preservação do ambiente, 
ou entre desenvolvimento urbano e rural, promovem-se no­
vas economias sustentáveis, baseadas no potencial produtivo 
dos sistemas ecológicos, nos valores culturais e numa gestão 
participativa das comunidades para um desenvolvimento en- 
dógeno autodeterminado. Daí surge o desafio de gerar estra­
tégias que permitam articular estas economias locais com a 
economia de mercado nacional e mundial, preservando a au­
tonomia cultural, as identidades étnicas e as condições ecoló­
gicas para o desenvolvimento sustentável de cada comunida­
de; isto é, de integrar as populações locais num mundo diver­
so e sustentável.
Para levar esta proposta a níveis concretos de ação será 
preciso incorporar esta visão produtiva aos programas de “de­
senvolvimento social”. Além de seu caráter assistencial de fa­
zer frente aos impactos do desemprego, da marginalização e da 
pobreza, os programas de “solidariedade” e “aproveitamento 
integral dos recursos” devem promover o desenvolvimento 
das capacidades produtivas das comunidades. Neste sentido, 
poderão integrar-se os projetos produtivos das comunidades 
indígenas, rurais e urbanas, fundados em suas capacidades de 
autogestão, com programas nacionais de ordenamento ecoló­
gico do território e descentralização econômica.
Abre-se assim a possibilidade de passar das políticas de 
conservação, descontaminaçãoe restauração ecológica, e dos 
programas de desenvolvimento social que incluem o alívio 
da pobreza dentro das políticas de recuperação econômica,
61
para uma economia sustentável, fundada em princípios de ra­
cionalidade ambiental. Desta maneira, fortalecer-se-ão as 
economias locais e regionais baseadas no manejo produtivo 
dos recursos, na complementação da oferta ambiental de di­
ferentes ecossistemas e na integração de mercados regionais. 
Estas economias locais sustentáveis poderão articular-se es­
trategicamente à economia de mercado, antepondo porém os 
princípios de racionalidade ambiental aos de racionalidade 
econômica. E desta maneira que se estará construindo uma 
passagem para a sustentabilidade global, estribada na diver­
sidade das condições locais de um desenvolvimento demo­
crático e sustentável.
Transição democrática, gestão ambiental e apropriação 
social da natureza
Como conseqüência dos conflitos socioambientais pro­
vocados pela racionalidade econômica dominante e pela cen­
tralização do poder, novos atores sociais têm vindo à cena po­
lítica fazendo novas reivindicações de melhoria da qualidade 
do ambiente e da qualidade de vida, como também de espaços 
de autonomia cultural e autogestão produtiva. O movimento 
ambiental incorpora novas reivindicações às demandas tradi­
cionais pelos direitos humanos e pela justiça social, assim 
como para satisfazer as necessidades básicas e as aspirações 
de desenvolvimento material e cultural da sociedade, contri­
buindo para gerar uma cultura política mais plural e para dar 
sentido aos processos de governabilidade democrática.
Os princípios de gestão ambiental e de democracia parti­
cipativa propõem a necessária transformação dos Estados na­
cionais e da ordem internacional para uma convergência dos 
interesses em conflito e dos objetivos comuns dos diferentes 
grupos e classes sociais em tomo do desenvolvimento sus­
tentável e da apropriação da natureza. O fortalecimento dos
62
gracihelem
Highlight
projetos de gestão ambiental local e das comunidades de base 
está levando os governos federais e estaduais, como também 
intendências e municipalidades, a instaurar procedimentos 
para dirimir pacificamente os interesses de diversos agentes 
econômicos e grupos de cidadãos na resolução de conflitos 
ambientais, através de um novo contrato social entre o Estado 
e a sociedade civil.
A gestão ambiental participativa está propondo, além da 
oportunidade de reverter os custos ecológicos e sociais da cri­
se econômica, a possibilidade de integrar a população margi­
nalizada num processo de produção para satisfazer suas ne­
cessidades fundamentais, aproveitando o potencial ecológi­
co de seus recursos ambientais e respeitando suas identidades 
coletivas. Assim estão surgindo “iniciativas descentradas” para 
construir uma nova racionalidade produtiva, fundada em prá­
ticas de manejo múltiplo, integrado e sustentado dos recursos 
naturais, adaptadas às condições ecológicas particulares de 
cada região e aos valores culturais das comunidades.
As reivindicações do ambientalismo promovem os direi­
tos humanos por um ambiente sadio e produtivo, e reconhe­
cem o direito das minorias étnicas de preservar sua língua, 
seus territórios e sua cultura, incluindo o acesso e apropria­
ção de seus recursos ambientais como fonte de riqueza e base 
de um desenvolvimento econômico sustentável. Assim a pers­
pectiva ambiental do desenvolvimento transcende a via uni- 
dimensional do crescimento econômico, abrindo múltiplas 
opções produtivas, novas formas de vida social e uma diver­
sidade de projetos culturais.
A perspectiva ambiental do desenvolvimento incorpora 
as condições e potenciais ecológicos aos processos de produ­
ção e traça cenários prospectivos que orientam as aplicações 
do conhecimento científico, assim como a assimilação de tec­
nologias ambientais apropriadas aos próprios produtores, 
como condição de fortalecer sua capacidade de autogestão.
gracihelem
Highlight
Coloca-se assim a possibilidade de repensar a produção e o 
desenvolvimento das forças produtivas como um processo 
aberto à recuperação e melhoramento de práticas tradicionais 
de uso dos recursos, integrando os saberes e valores nos quais 
se arraigam as identidades culturais dos povos ao conheci­
mento científico e aos avanços da tecnologia moderna.
Assim a cultura ambiental enriquece as perspectivas da 
transição democrática, estabelecendo não só a preservação da 
diversidade cultural e biológica, mas apresentando um projeto 
de democracia direta, inscrevendo as demandas de participa­
ção da sociedade numa política plural e numa economia des­
centralizada. Deste modo, os princípios da gestão ambiental 
do desenvolvimento abrem possibilidades promissoras aos po­
vos da América Latina e do Terceiro Mundo para a construção 
de um projeto histórico diverso como seus ecossistemas e suas 
etnias, responsável pelo destino das gerações futuras e solidá­
rio com as exigências atuais de justiça social, erradicação da 
pobreza e melhoria da qualidade de vida das maiorias, fundado 
no potencial oferecido pelo aproveitamento sustentável e eqüi- 
tativo de seus recursos naturais (Leff, 1994c).
Não obstante, a transição para um desenvolvimento sus­
tentável não se fará por força da necessidade ou do instinto de 
sobrevivência da sociedade. A história mostrou ad nauseam 
e ad mortem como as ideologias, os interesses e o poder são 
capazes de burlar os mais elementares princípios morais de 
convivência pacífica entre os humanos. Estas mudanças não 
serão alcançadas sem uma complexa estratégia política, ori­
entada pelos princípios de uma gestão democrática do desen­
volvimento sustentável, mobilizada pelas reformas do Esta­
do e pelo fortalecimento das organizações da sociedade civil.
Isto implica uma nova ética e uma nova cultura política 
que irão legitimando os direitos culturais e ambientais dos 
povos, constituindo novos atores e gerando movimentos so­
ciais pela reapropriação da natureza.
64
5 - A REAPROPRIAÇÃO SOCIAL 
DA NATUREZA*
Os custos ambientais e o valor da natureza
A reintegração da natureza na economia enfrenta o pro­
blema de traduzir os custos de conservação e restauração, as­
sim como os potenciais ecológicos numa medida homogênea 
de valor, atualizável e homologável com os preços de merca­
do. A valorização dos recursos naturais está sujeita a tempo- 
ralidades ecológicas de regeneração e produtividade que não 
correspondem aos ciclos econômicos; da mesma maneira os 
valores e interesses sociais que definem o significado cultu­
ral, as formas de acesso e os ritmos de extração e transforma­
ção dos recursos naturais constituem processos simbólicos e 
sociais, de caráter extraeconômico, que não se traduzem nem 
se reduzem a valores e preços do mercado.
Não existe um instrumento econômico, ecológico ou tec­
nológico capaz de calcular o “valor real” da natureza na eco­
nomia. Contra a pretensão de reduzir os diversos valores do 
ambiente a uma unidade homogênea de medida, William 
Kapp (1983) advertiu que na avaliação comparativa da racio­
nalidade econômica, energética e ambiental, intervém pro­
cessos materiais heterogêneos. Além do mais, a economia 
permaneceu desprovida de uma teoria do valor capaz de con­
tabilizar de maneira racional, objetiva e quantitativa os cus­
* Texto elaborado a partir do artigo “De quién cs la naturalcza? Sobre la rcapropiación so­
cial de los recursos naturales”, cm Gacela Ecológica, n. 37, Mcxico, 1NE Scmamap, de­
zembro de 1995, p. 58-64. Uma versão resumida foi publicada cm Formación 
Ambiental, vol. 7, n. 15, 1996.
65
tos ambientais e o valor dos recursos naturais. Estes depen­
dem de percepções culturais, direitos comunais e interesses 
sociais que se estabelecem fora do mercado. Assim, a inter- 
nalização dos custos ecológicos e das condições ambientais 
da produção implica a necessidade de caracterizar os proces­
sos sociais que determinam o valor da natureza.
A revalorização da natureza induzida pelo ambientalis-mo emergente está se refletindo na economia pela alta dos 
preços dos recursos e dos custos ambientais. Porém, o movi­
mento ambiental não só transmite os custos ecológicos ao sis­
tema econômico como uma resistência à capitalização da na­
tureza; as lutas sociais para melhorar as condições de susten­
tabilidade e a qualidade de vida abrem um processo de rea- 
propriação social da natureza. Portanto, o ambientalismo está 
propondo tanto a descentralização do processo de desenvol­
vimento, como uma reconstrução das próprias bases do pro­
cesso produtivo. Nesta perspectiva, o desenvolvimento sus­
tentável não se limita a tornar compatíveis a conservação e o 
desenvolvimento, intemalizando as condições ecológicas 
para um crescimento sustentado da economia; também leva a 
pensar o ambiente como um potencial para um desenvolvi­
mento alternativo, isto é, para construir um novo paradigma 
produtivo que integre a natureza e a cultura como forças pro­
dutivas (Leff, 1993). A natureza converte-se assim num meio 
de produção, objeto de uma apropriação social, atravessado 
por relações de poder.
Nesta perspectiva, as condições ecológicas e comunais 
da produção são o suporte de uma nova racionalidade pro­
dutiva; nela se entrelaçam de maneira sinergética processos 
de ordem natural, tecnológica e cultural para gerar um po­
tencial ecotecnológico que foi desconhecido pela ordem 
econômica dominante. A sustentabilidade, fundada em princí­
pios de eqüidade, diversidade e democracia, abre perspecti­
vas sociais mais amplas que o simples reverdecimento da
66
economia através do cálculo dos custos da preservação e da 
restauração ambiental. Desta forma, o ambientalismo gera 
novas teorias e valores que questionam a racionalidade eco­
nômica dominante, orientando a ação social para a constru­
ção de outra racionalidade produtiva, fundada nos potenciais 
da natureza e da cultura.
Distribuição ecológica e justiça ambiental
A categoria de distribuição ecológica foi formulada para 
compreender as extemalidades ambientais e os movimentos 
sociais que emergem de “conflitos distributivos”; isto é, para 
explicar a carga desigual dos custos ecológicos e seus efeitos 
nas variedades do ambientalismo emergente, incluindo os mo­
vimentos de resistência e justiça ambiental. A distribuição eco­
lógica designa “as assimetrias ou desigualdades sociais, espa­
ciais, temporais no uso que os humanos fazem dos recursos e 
serviços ambientais, comercializados ou não, isto é, a diminui­
ção dos recursos naturais (inclusive a perda de biodiversida­
de) e o custo da contaminação” (Martínez Alier, 1997).
Neste sentido, a distribuição ecológica compreende os 
processos extra-econômicos (ecológicos e políticos) que vin­
culam a economia ecológica à ecologia política, em analogia 
com o conceito de distribuição que transfere a racionalidade 
econômica para o campo da economia política. O conflito 
distribucional introduz na economia política do ambiente as 
condições ecológicas de sobrevivência e produção, como tam­
bém o conflito social que emerge das formas dominantes de 
apropriação da natureza e da contaminação ambiental. A dis­
tribuição ecológica aponta para processos de valorização que 
ultrapassam a racionalidade econômica em seus intuitos de 
atribuir preços e custos crematísticos ao ambiente, mobili­
zando atores sociais por interesses materiais e simbólicos (de 
sobrevivência, identidade, autonomia e qualidade de vida),
67
além das demandas estritamente econômicas de emprego e 
distribuição da renda.
Face à economia convencional que pretende internalizar 
as extemalidades através da atribuição de direitos de proprie­
dade e preços a bens e serviços ambientais, a economia ecoló­
gica reconhece a distribuição econômica (da riqueza e da ren­
da) como determinante da valorização da natureza. A catego­
ria de distribuição ecológica incoipora assim o conflito gera­
do pela distribuição desigual dos custos ecológicos do cresci­
mento e sua intemalização através dos movimentos sociais 
em defesa do ambiente e dos recursos naturais. Os conflitos 
de distribuição ecológica expressam desta maneira a politiza- 
ção do campo das extemalidades.
A distribuição ecológica levanta pois o véu economicista 
para descobrir na infravalorização ecológica e na produção 
de pobreza os mecanismos privilegiados que mantêm a or­
dem econômica globalizada; neste sentido, aparece como 
um conceito critico da economia convencional e denúncia 
de suas estratégias de dominação ecológica e cultural. Entre­
tanto, não consegue escapar do cerco da racionalidade eco­
nômica. O ambiente é concebido como um custo do processo 
econômico, não como um potencial para um desenvolvimen­
to alternativo.
A noção de distribuição ecológica representa um termo 
conciliador entre a economia ecológica e a ecologia política 
(entre uma racionalidade econômica e uma racionalidade am­
biental). Desta maneira, concebe-se a apropriação excedente 
de biomassa de uma sociedade com relação à sua produção 
biológica, ou o depósito de rejeitos contaminantes além da 
capacidade de confinamento, absorção e diluição de seu es­
paço ambiental, como uma dívida ecológica', isto implica que 
ela poderia ser saldada com uma distribuição mais eqüitativa 
dos custos e potenciais ecológicos, ou ser compensada atra­
68
gracihelem
Highlight
vés de movimentos por justiça ambiental dentro da ordem 
econômica prevalecente.
No fundo, os “conflitos de distribuição ecológica” apare­
cem como conseqüência da negação da ecologia dentro da ra­
cionalidade econômica e da apropriação desigual dos recur­
sos ecológicos, dos serviços ambientais e do espaço atmosfé­
rico; isto é, resultam de um processo de apropriação destruti­
va, gerada por uma racionalidade produtiva antinatura. Cer­
tamente os movimentos de resistência à capitalização da or­
dem da cultura e as reivindicações compensadoras pelos da­
nos causados à natureza são uma resposta a estas formas de 
iniqüidade e injustiça dentro da ordem econômica, institucio­
nal e jurídica dominante. Porém, o “ecologismo dos pobres”, 
além de distinguir-se por seus objetivos (luta pela sobrevi­
vência) dos valores pós-materialistas (qualidade de vida) dos 
ricos, propõe projetos produtivos e sociais alternativos, onde 
toda luta pela eqüidade e pela justiça se trava a partir de prin­
cípios de diversidade e diferença, de identidade e autonomia, 
e não das transações e compensações estabelecidas pelas re­
gras de valorização, negociação, complementação e distribui­
ção da globalização econômico-ecológica.
A dívida ecológica contraída com os países pobres e po­
vos espoliados ao longo de quinhentos anos de imperialismo 
ecológico (Crosby, 1986) estabelece uma brecha que não 
pode ser salva pela negociação de termos justos de intercâm­
bio e compensação, ou pelo poder dos movimentos de justiça 
ambiental. Nos dias de hoje, as organizações indígenas e cam­
ponesas reclamam a apropriação de seu patrimônio histórico 
de recursos ecológicos e culturais para conservá-los e trans­
formá-los através de valores culturais e princípios de auto- 
gestão, isto é, de processos que rompem as regras do jogo da 
ordem econômico-ecológica estabelecida, e suas formas de 
percepção e negociação da sustentabilidade. Neste campo 
emergente da ecologia política, o discurso pela apropriação
69
da natureza, pela autogestão da produção, pela diversidade 
cultural e pelas identidades étnicas define mais claramente o 
campo do conflito ambiental do que as categorias de impacto, 
custo, dívida e distribuição ecológica que se estabelecem den­
tro do discurso dominante da globalização.
Não obstante seu valor simbólico para ecologizar e politi­
zar a economia, a categoria de distribuição ecológica não 
rompe com os conceitos que fundam a racionalidade econô­
mica. O uso analógico do conceito de distribuição e sua apli­
cação ao campo das extemalidades não chegam a fundar um 
novo paradigma de produção sustentável. Não é um conceito 
que oriente a construção de uma nova racionalidadeproduti­
va e social fundada na diversidade cultural e nos potenciais 
ecológicos, que elimine pela base as causas da insustentabili- 
dade e da desigualdade.
Incomensurabilidade, diferença e mudança de 
paradigma
Considerando a impossibilidade de reduzir os processos 
ambientais a valores de mercado, que se deduz do princípio 
de incomensurabilidade, não podem existir preços “ecolo­
gicamente corretos” mas tão-somente preços “ecologica­
mente corrigidos” por indicadores e normas ecológicos (Mar- 
tínez Alier, 1995). As influências culturais, sociais e institu­
cionais na valorização das extemalidades não coincidem 
com nenhum balanço contábil de custo-benefício, nem é 
possível atribuir taxas de desconto para atualizar preferênci­
as e valorizações futuras.
Diante da impossibilidade da teoria marginalista de in­
corporar as extemalidades ambientais atribuindo-lhe preços, 
os movimentos sociais ambientalistas contribuem para ele­
var os custos ecológicos no cálculo econômico (Leff, 1985).
70
Contudo, as limitações impostas pelos movimentos de resis­
tência à apropriação capitalista da natureza (e da cultura), as 
ações e negociações compensadoras e os movimentos pela 
justiça ambiental dificilmente poderiam dar às extemalidades 
ambientais seu valor justo e real. Os pobres são espoliados e 
vendem barato seus recursos ambientais, mas a intemalização 
dos custos ambientais não se dará como uma “equalização” 
dos níveis de renda em escala mundial, e sim pela eficácia das 
estratégias de poder dos movimentos ambientalistas.
Estas estratégias de poder - de resistência e negociação - 
surgem de valores culturais e simbólicos, como também de 
interesses sociais e políticos que não permitem dirimir os con­
flitos ambientais em termos estritamente econômicos. Neste 
sentido, afirmar que os movimentos sociais operam como um 
“mecanismo” que intemaliza os custos ecológicos levando-os 
ao seu justo valor, é uma formulação sugestiva, mas limitada. 
Na verdade, não há normas internas da economia nem da eco­
logia que permitam equacionar a questão da justiça ambiental, 
uma vez que não se trata de valores estritamente econômicos 
nem exclusivamente ecológicos que definem os “custos” e os 
sentidos mobilizadores em defesa da natureza e da apropriação 
dos potenciais ecológicos. A legitimação e força destes valores 
ambientalistas dependem da formação de consciências coleti­
vas, da constituição de novos atores sociais e da condução de 
ações políticas através de novas estratégias de poder em socie­
dades com democracias imperfeitas, onde a consciência am­
biental é pervertida pelas formas de simulação, cooptação e 
controle dos poderes dominantes.
O “empoderamento” (empowerment) das pessoas como 
proposta para “distribuir o poder” resulta numa formulação 
voluntarista e vaga, que não permite compreender nem orien­
tar os movimentos sociais de justiça ambiental pela incorpo­
ração de princípios de eqüidade às condições de sustentabili­
dade. O poder não é um bem que pode ser subministrado e re­
71
partido, mas uma relação de forças que surge no confronto de 
interesses diferenciados. A difer(a)ncia do poder que se mani­
festa como “essa discórdia ‘ativa’ em movimento, de forças di­
ferentes e de diferença de forças, que Nietzsche opõe a todo o 
sistema da gramática metafísica em toda parte onde governa a 
cultura, a filosofia e a ciência” (Derrida, 1989: 53), também 
se expressa no campo conflitivo do ambiental, face ao projeto 
de unidade do Estado-nação e do mundo globalizado.
O que está por trás dos conflitos de distribuição ecológica 
são estratégias de poder em tomo de paradigmas sociais e ra­
cionalidades produtivas alternativas. É isto que se manifesta 
no cenário dos movimentos ambientalistas, e não só a exi­
gência de uma compreensão econômica, a obtenção de co­
tas de participação na tomada de decisões e o prorrogar para 
as gerações futuras a sustentabilidade do planeta, onde as 
opções estão prefixadas e limitadas pelos critérios e interes­
ses dominantes da globalização. É nesta ordem preestabele- 
cida que se definem os conflitos ambientais globais, os pro­
jetos de implementação conjunta, as compensações frente a 
dívidas e danos ecológicos já causados, conforme as regras 
de negociação dos centros financeiros, empresariais e tecno­
lógicos dominantes.
O campo conflitivo da ecologia política extrapola uma 
análise de “distribuição ecológica” que acaba remetendo a 
um cálculo econômico. Além do problema da incomensura­
bilidade, o conflito ambiental abre um processo de diferenci­
ação de forças e processos. Na cena política estão surgindo 
novos movimentos sociais que articulam a defesa do ambien­
te e dos recursos com suas lutas pela democracia, pela auto­
nomia e a autogestão. Portanto, o conflito ambiental se apre­
senta num campo estratégico e político heterogêneo, onde se 
mesclam interesses sociais, significados culturais e proces­
sos materiais que configuram diferentes racionalidades, onde 
o “ecológico” pode continuar subordinado (por razões estra­
72
tégicas, táticas e históricas) a reivindicações de autonomia 
cultural e democracia política, como exemplificam diferen­
tes movimentos camponeses e indígenas no México e na Amé­
rica Latina.
A categoria de distribuição ecológica é inespecífíca para 
compreender os conflitos ambientais e ecológicos gerados 
pelo impacto da economia sobre o ambiente e a qualidade de 
vida do povo. Considerar o conflito socioambiental como um 
campo de lutas ecológicas distorce as relações que a defesa 
da “ecologia” mantém com as lutas pela autonomia cultural e 
pela democracia. Ou pode velar o caráter “ambiental” (e não 
meramente ecológico) de um movimento dos cidadãos em 
defesa de sua identidade coletiva, onde o problema de distri­
buição ecológica (entre o uso privado e o uso comunitário do 
ambiente) não se resolve através de uma negociação em torno 
de um conflito econômico-ecológico, com critérios técnicos 
de impacto ambiental e de custo-beneficio. Neste sentido es­
tão surgindo movimentos sociais que integram a resistência 
cultural como defesa de um estilo de vida, e a defesa do meio 
ambiente como um processo de reapropriação de seu entorno 
e seu patrimônio de recursos naturais.
A noção de distribuição ecológica em sua transposição 
analógica ao campo das extemalidades não alcança o estatuto 
de um conceito teórico: não ocupa na economia ecológica o 
lugar que tem a distribuição econômica na economia sraffia- 
na ou na economia marxista, justamente por não ser conse­
qüente com o princípio de incomensurabilidade. Neste senti­
do, a categoria de distribuição ecológica reconhece os fatores 
extra-econômicos que valorizam o ambiente, mas não os cap­
ta em sua especificidade: condições de conservação e produ­
tividade ecológica sustentável, significado cultural dos re­
cursos, estratégias de poder na valorização das extemalida­
des ambientais, processos de reapropriação da natureza e do 
processo produtivo. A crise da racionalidade econômica leva,
além da refuncionalização e abertura da economia ambiental 
para a ecologia, a propor estratégias de poder face a paradig­
mas alternativos, nos quais o ambiente não seja tratado como 
uma extemalidade (ou conflito de distribuição ecológica 
dentro da ordem econômica prevalecente), mas como o po­
tencial de uma nova racionalidade produtiva.
Neste contexto, a incomensurabilidade entre ecologia e 
economia não só implica a impossibilidade de estabelecer 
valores econômicos independentemente da atribuição de di­
reitos de propriedade e da distribuição da renda, e dar valo­
res presentes a contingências futuras incertas. O sentido da 
incomensurabilidade leva a pensar a produção sustentável 
como um sistema complexo, integrado por processos ecoló­
gicos, tecnológicos e culturais de diferentes ordens de mate­
rialidade, com diferentes espacialidades, temporalidades e 
significações, que imprimem diferentes formas de valoriza­
ção do ambiente.
A categoria de racionalidade ambiental internalizaa in­
comensurabilidade dos processos que a constituem (poten­
cial ecotecnológico, diversidade étnica, significado cultural), 
como um princípio epistemológico e político, rompendo com 
a ordem homogeneizante e dominante, incluindo os enfoques 
críticos da economia ecológica. A incomensurabilidade des­
tes processos não só se apresenta como uma dificuldade de 
traduzir as variáveis energéticas e ecológicas em medidas de 
mercado. O princípio de incomensurabilidade no campo da 
economia política do ambiente vai além da impossibilidade 
de encontrar um padrão de medida comum para custos e be­
nefícios extra-econômicos. O confronto entre racionalidade 
econômica e racionalidade ambiental implica um conceito 
mais forte de incomensurabilidade. Trata-se, num sentido 
kuhniano (Kuhn, 1962), da oposição de paradigmas irredutí­
veis, isto é, de serem intraduzíveis a preços do mercado e aos 
códigos do capital os valores e processos ambientais. Além
das dissimetrias e desigualdades de uma economia ecologi- 
zada, o conflito ambiental coloca em jogo a construção de pa­
radigmas alternativos de desenvolvimento.
Para isto será necessário criar os conceitos que permitam 
apreender os processos que orientam a construção dessa racio­
nalidade ambiental, diante da globalização econômico-ecoló­
gica, baseada em princípios de eqüidade social, diversidade 
cultural e sustentabilidade ecológica. Isto implica novos 
princípios de valorização da natureza, novas estratégias de 
reapropriação dos processos produtivos e novos sentidos que 
mobilizem e reorganizem a sociedade.
Eqüidade e diversidade cultural
O ambiente aparece como um sistema produtivo fundado 
nas condições de estabilidade e produtividade dos ecossiste­
mas e nos estilos étnicos das diferentes culturas que os habi­
tam. A articulação de processos ecológicos, tecnológicos e 
culturais determina as formas de apropriação e transforma­
ção da natureza e gera uma produtividade ecotecnológica sus­
tentável. Esta racionalidade ambiental não se constrói de 
cima para baixo, como um processo de planificação que im­
poria às comunidades e às nações as leis de uma nova ordem 
ecológica global. A construção desta nova ordem social se 
orienta por valores culturais diversos e se defronta com inte­
resses sociais opostos; nela se entrelaçam relações de poder 
pela reapropriação da natureza e pela autogestão dos proces­
sos produtivos.
E nas comunidades de base e em nível local que os princí­
pios do ambientalismo tomam todo o seu sentido como po­
tencial produtivo, diversidade cultural e participação social, 
para a construção desta nova racionalidade produtiva. Este 
processo propõe o caráter específico e irredutível dos proces­
75
sos materiais, como também das formas de significado cultu­
ral que definem o potencial ambiental do desenvolvimento. 
Não existe uma medida quantitativa e homogênea que possa 
englobar estes processos diferenciados, dos quais depende a 
produção sustentável de valores de uso, ou que possa dar con­
ta de seus efeitos na qualidade de vida da população, que se 
define por normas e valores culturais diversos.
A produção sustentável não se reduz a uma medida de 
massa e energia nem a um cálculo quantitativo de valor-tra- 
balho. O desenvolvimento sustentável encontra suas raízes 
nas condições de diversidade ecológica e cultural para gerar 
um paradigma de produtividade ecotecnológica sustentável, 
a fim de estabelecer um equilíbrio entre a formação neguen- 
trópica de biomassa através da fotossíntese e a produção de 
entropia gerada pela transformação de matéria e energia nos 
processos tecnológicos e metabólicos. Esses processos de­
pendem da preservação dos ecossistemas que sustentam a 
produção de recursos bióticos e serviços ambientais, da efi­
ciência energética dos processos tecnológicos, dos processos 
simbólicos subjacentes à valorização cultural dos recursos 
naturais e dos processos políticos que determinam a apropri­
ação social da natureza.
O princípio de eqüidade é indissociável dos objetivos do 
desenvolvimento sustentável. Além de ser um compromisso 
com as gerações futuras, apresenta-se como uma questão de 
solidariedade intrageracional, que implica tanto a distribui­
ção dos custos ecológicos como o acesso dos atuais grupos 
sociais aos recursos ambientais do planeta. A questão levan­
tada pelo processo de reapropriação social da natureza ultra­
passa a abordagem da eqüidade como um problema de distri­
buição ecológica; isto é, como uma repartição mais justa dos 
custos da degradação e contaminação ambiental, uma melhor 
avaliação do acervo de recursos dentro das contas nacionais e 
uma melhor distribuição da renda.
76
A questão da eqüidade na reapropriação da natureza não 
se limita a resolver os conflitos ambientais através de uma 
avaliação dos custos e benefícios derivados das formas atuais 
de exploração e uso da natureza, ou pela atribuição de “pre­
ços justos”, de direitos de propriedade e de formas adequadas 
de uso dos recursos. A democracia ambiental questiona a 
possibilidade de alcançar a justiça em termos da comensura- 
bilidade de custos e da equivalência de necessidades, deman­
das e direitos sobre os recursos que se definem através de sen­
tidos culturais diversos e dos interesses heterogêneos de gru­
pos sociais que se expressam nas lutas e estratégias pela apro­
priação da natureza.
A reapropriação da natureza requer um princípio de eqüi­
dade na diversidade (Grünberg, 1995); isto implica a autono­
mia cultural de cada comunidade, a autodetenninação de suas 
necessidades e a autogestão do potencial ecológico de cada 
região em formas alternativas de desenvolvimento. Estes 
processos definem as condições de produção e as formas de 
vida de diversos grupos da população com relação ao manejo 
sustentável de seu ambiente. Os direitos de propriedade se 
definem como resultado das estratégias de poder e da eficácia 
dos movimentos sociais pela apropriação da natureza, em 
práticas alternativas de uso dos recursos que dependem de 
condições culturais e sociais diferenciadas.
Desta maneira, a eqüidade não pode ser definida por um 
padrão homogêneo de bem-estar; não depende apenas da re­
partição do acervo de recursos disponíveis e da distribuição 
dos custos de contaminação do ambiente global. A partir da 
perspectiva de uma racionalidade ambiental, os objetivos de 
eqüidade e de sustentabilidade implicam abolir o domínio do 
mercado e do Estado sobre a autonomia dos povos, gerando 
condições para a apropriação dos potenciais ecológicos de 
cada região, mediados pelos valores culturais e pelos interes­
ses sociais de cada comunidade.
77
Direitos coletivos, democracia ambiental e 
apropriação da natureza
Além dos valores do conservacionismo e do biocentris- 
mo, o ambientalismo se define por princípios de eqüidade, 
sustentabilidade, diversidade, autogestão e democracia. As 
lutas das comunidades indígenas e camponesas, como tam­
bém do urbanismo popular, estão associando os novos direi­
tos culturais com reivindicações pelo acesso e apropriação da 
natureza, nos quais subjazem estratégias de poder, valores 
culturais e práticas de produção alternativas. Estão sendo in­
corporadas aos novos direitos culturais e ambientais deman­
das para autogerir as condições de produção e os estilos de 
vida dos povos. Isto implica um processo de reapropriação da 
natureza como base de sua sobrevivência e como condição 
para gerar um processo endógeno e autodetenninado de de­
senvolvimento (Moguel, Botey e Hemández, 1992).
As condições de existência das comunidades dependem 
da legitimação dos direitos de propriedade sobre seu patri­
mônio de recursos naturais, de seus direitos a preservar, sua 
identidade étnica e sua autonomia cultural, para redefinir 
seus processos de produção e seus estilos de vida. Neste sen­
tido, os novos direitos indígenas e ambientais vêm questio­
nando e transformando a norma estabelecida pelo sistema de 
regulamentação jurídica da sociedade, para abrir caminho a 
novas demandassociais e novas utopias. As reivindicações 
dos grupos indígenas, em suas lutas pela dignidade, pela au­
tonomia, pela democracia, pela participação e autogestão vão 
bem além das reivindicações de justiça em termos de uma 
melhor distribuição dos benefícios derivados do modo de 
produção, do estilo de vida e do sistema político dominantes.
Isto nos leva a perguntar: De quem é a natureza? Quem 
outorga os direitos para povoar o planeta, explorar a terra e os 
recursos naturais, para contaminar o ambiente? Estes direitos
78
são decisões que se legitimam e (con)descem das alturas do 
poder sobre as pessoas como a fatalidade de uma lei natural, 
ou é a mobilização dos povos que transforma as relações de 
poder para redistribuir os custos ecológicos, reapropriar-se 
dos potenciais da natureza, fundar novos paradigmas de de­
senvolvimento e construir novas utopias?
A reapropriação da natureza traz novamente ao cenário 
social a questão da luta de classes, não sobre a apropriação 
das forças produtivas industrializadas, mas sobre os meios e 
as condições naturais da produção. Porém, ao contrário da 
apropriação dos meios de produção e das forças naturais de­
sencadeadas pela tecnologia, o ambientalismo propõe a apro­
priação da natureza dentro de um novo conceito de produção - 
fundado nos potenciais ecológicos, tecnológicos e culturais - 
que orienta estratégias alternativas de uso dos recursos.
Diante do esbulho e marginalização de grupos majoritá­
rios da população, da ineficácia do Estado e da lógica do mer­
cado para prover os bens e serviços básicos, a sociedade se le­
vanta reclamando seu direito de participar na tomada de deci­
sões das políticas públicas e na autogestão dos recursos pro­
dutivos que afetam suas condições de existência. Estes movi­
mentos estão se fortalecendo com a legitimação das lutas so­
ciais pela democracia.
No terreno do ambiente, os novos direitos humanos estão 
incorporando a proteção dos bens e serviços ambientais co­
muns da humanidade, assim como o direito de todo ser huma­
no ao pleno desenvolvimento de suas potencialidades; pouco 
a pouco, as lutas das comunidades por sua autonomia local e 
regional vão reivindicando o direito aos seus recursos naturais. 
Aos novos direitos culturais (espaços étnicos, línguas indíge­
nas, práticas culturais) estão sendo integradas demandas po­
líticas e econômicas das comunidades que incluem o controle 
coletivo de seus recursos, a autogestão de seus processos pro-
dutivos e a autodeterminação de seus estilos de vida.s Estes 
novos movimentos sociais estão redefinindo direitos de pro­
priedade e formas concretas de acesso, posse, apropriação e 
aproveitamento dos recursos naturais.
A conservação e manejo da biodiversidade está se trans­
formando num caso paradigmático da contraposição de inte­
resses na apropriação da natureza. As estratégias das empre- • 
sas transnacionais de biotecnologia para apropriar-se da ri­
queza genética dos recursos bióticos opõe-se aos direitos das 
populações indígenas dos trópicos sobre seu patrimônio his­
tórico de recursos naturais. Esta questão não poderá ser resol­
vida através de uma compensação econômica, pois é impos­
sível contabilizar o valor econômico “real” da biodiversidade 
(resultado de séculos de coevolução) através do tempo de tra­
balho investido na preservação e produção do material gené­
tico, do valor atual de mercado de seus produtos, ou de seu fu­
turo potencial econômico.
O aproveitamento da biodiversidade coloca um dilema: a 
apropriação da natureza pelo capital através dos direitos de 
propriedade intelectual, ou a legitimação dos direitos dos po­
vos indígenas sobre seu patrimônio de recursos naturais e 
culturais, efeito da evolução biológica e das formas culturais 
de seleção de espécies e uso dos recursos (Hobbelink, 1992; 
Martínez Alier, 1994). Neste sentido, os povos da floresta 
amazônica reclamaram seu direito de autogerir suas reservas 
extrativistas. No México, o estabelecimento da Reserva Cam- 
pesina de Biodiversidade dos Chimalapas está levando as co­
munidades a lutar pela regularização da propriedade de suas 
terras e a exercer um controle efetivo sobre o uso de seus re­
cursos. A inserção das comunidades indígenas e camponesas 
no âmbito da globalidade está gerando importantes lutas de 
resistência e um processo de ressituação no mundo da globa­
lização. Isto está levando à constituição de novas identidades 
e sua tradução numa força política (Escobar, 1997a).
80
Neste sentido, os povos indígenas e as comunidades rurais 
estão ressignificando o discurso da democracia e da sustenta­
bilidade para reconfigurar seus estilos de etnoecodesenvolvi- 
mento. Isto está desencadeando movimentos inéditos pela rea­
propriação e autogestão produtiva da biodiversidade, do habi­
tat no qual evoluiu a cultura destas comunidades ao longo da 
história e onde haverão de definir seus futuros projetos de vida.
Autonomia, autogestão e democracia
As possibilidades de erradicar a pobreza e melhorar a 
qualidade de vida das populações indígenas e camponesas 
dependem das condições de acesso, manejo e controle de 
seus recursos produtivos. Assim, o princípio de gestão par­
ticipativa dos recursos se integra a lutas emergentes por uma 
democracia a partir das bases. Esta democracia no proces­
so produtivo vai além da democracia formal e representati­
va. Ela aponta para uma reapropriação dos recursos natu­
rais e para a gestão coletiva dos bens e serviços ambientais 
das comunidades.
Neste sentido, alguns dos novos movimentos sociais nas 
áreas rurais da América Latina fazem exigências além das 
reivindicações tradicionais na esfera econômica (por empre­
go, por melhores salários e por uma melhor distribuição da ri­
queza), ou na esfera política (por uma maior participação na 
tomada de decisões e pela pluralidade na política dos parti­
dos), ou na esfera cultural (pela defesa de valores culturais e 
pela diversidade étnica). Os movimentos rurais emergentes 
não só se unificam em sua rejeição das políticas neoliberais 
que geram exploração econômica, marginalização política, 
segregação cultural e degradação da natureza. Não lutam ape­
nas por uma maior eqüidade e participação dentro da ordem 
estabelecida, mas para construir uma nova ordem social; por 
uma reforma do Estado que inclua os povos indígenas em
81
condições de igualdade, o que significa reconhecer suas iden­
tidades étnicas e seus direitos culturais (González Casanova 
e Roitman, 1996; Leff, 19966, 2000).
Essas lutas sociais pela democracia mobilizam a constru­
ção de uma nova ordem política e um novo paradigma produ­
tivo. Embora este germe ambientalista nem sempre transpa­
reça nas estratégias discursivas dos movimentos populares 
emergentes - centrados em lutas pela dignidade e pela auto­
nomia das comunidades indígenas e camponesas; pela demo­
cracia como condição de reapropriação de seus meios cultu­
rais e ecológicos de produção - muitos deles começam a ex­
pressar demandas pela revalorização de suas práticas tradi­
cionais de vida e pela autogestão de seus processos produti­
vos, dentro de suas reivindicações de autonomia cultural 
(Instituto Indigenista Interamericano, 1990;DíazPolanco, 1991; 
Torres, 1997; Gómez, 1997).
Nesta perspectiva, o desenvolvimento sustentável vai além 
do propósito de capitalizar a natureza e de ecologizar a ordem 
econômica. A sustentabilidade ambiental implica um proces­
so de socialização da natureza e o manejo comunitário dos re­
cursos, fundados em princípios de diversidade ecológica e 
cultural. Neste sentido, a democracia e a eqüidade se redefi­
nem em termos dos direitos de propriedade e de acesso aos 
recursos, das condições de reapropriação do ambiente.
As lutas das sociedades camponesas e indígenas estão se 
renovando nesta perspectiva ambientalista. Hoje, a luta por 
suas identidades culturais, seus espaços étnicos, suas línguas 
e costumes está entrelaçada com a revalorização de seu patri­
mônio de recursos naturais e culturais. Buscam assim recupe­rar o ambiente que habitaram e onde se desenvolveram histo­
ricamente, para reapropriar-se de seu potencial produtivo e 
orientá-lo para o melhoramento de sua qualidade de vida e de 
suas condições de existência, definidas por seus valores cul­
turais e suas identidades étnicas.
82
6 - ÉTICA AMBIENTAL E DIREITOS 
CULTURAIS*
Ética, valores e racionalidade ambiental
Todo sistema econômico e social é construído sobre pres­
supostos éticos, quer estejam incorporados ao aparelho instin­
tivo da raça ou da espécie - como nas doutrinas sociobiológi- 
cas (Wilson, 1975) - , quer provenham do desenvolvimento da 
cultura e do processo de assimilação-adaptação-transforma- 
ção do meio através das práticas produtivas, ou se concebam 
como princípios morais intrínsecos do ser humano.
As doutrinas econômicas são construídas - de maneira 
explícita ou implícita - sobre teorias e pressupostos morais. 
Uma indagação sobre a natureza e a causa da riqueza das 
nações de Adam Smith segue sua Teoria dos sentimentos mo­
rais, e Weber viu o espírito do capitalismo na ética do protes­
tantismo. A racionalidade econômica fundou-se no pressu­
posto de agentes econômicos que, conduzidos por uma “mão 
invisível”, traduzem suas condutas egoístas num bem co­
mum; e a ética do trabalho, a frugalidade e a poupança estive­
ram associadas à reinversão de lucros e excedentes para ace­
lerar a acumulação do capital.
Este processo, fundado na racionalidade econômica e no 
direito privado, gerou uma corrida desenfreada das forças pro­
* Texto redigido com base na exposição “La ética dei ccodesarrollo: hacia una racionalidad 
ambiental”, feita no II Congresso Internacional de Ética c Desenvolvimento, Universi- 
dad Autônoma de Yucatán, 3-8 de julho de 1989, publicada na Revista de la Universidad 
Autônoma de Yucatán, fevereiro de 1990, p. 33-45.
83
dutivas, ignorando as condições ecológicas de sustentabilida­
de da vida no planeta. Suas conseqüências foram não só a de­
vastação da natureza - do sistema ecológico que é o suporte fí­
sico e vital de todo sistema produtivo mas também a trans­
formação e destruição de valores humanos, culturais e sociais.
Em tomo do princípio da igualdade dos direitos indivi­
duais, da poupança e do trabalho, do lucro e da acumulação, 
do progresso e da eficiência, construiu-se uma ordem inter­
nacional que levou à concentração do poder econômico e po­
lítico, à homogeneização dos modelos produtivos, dos pa­
drões de consumo e dos estilos de vida. Isso levou a desesta- 
bilizar os equilíbrios ecológicos, a desarraigar os sistemas 
culturais e a dissipar os sentidos da vida humana. A busca de 
status, de lucro, de prestígio, de poder, substituiu os valores 
tradicionais: o sentido de enraizamento, equilíbrio, pertença, 
coesão social, cooperação, convivência e solidariedade.
O progresso econômico colocou o mundo às portas de 
uma sociedade de “pós-escassez”, fundada em valores 
pós-materiais e liberada dos constrangimentos da necessida­
de (Inglehart, 1991). Para os países industrializados, esta or­
dem global, polarizada e desigual, propõe uma nova ética 
frente à abundância, o desperdício e o uso do tempo livre. No 
entanto, para os países “subdesenvolvidos” se traduz num 
problema de sobrevivência, pobreza crítica, satisfação de ne­
cessidades básicas e dignidade humana.
A racionalidade teórica e instrumental constitutiva da 
modernidade e sua expressão através de seus valores, seus 
códigos de conduta, seus princípios epistemológicos e sua ló­
gica produtiva geraram a destruição da base de recursos natu­
rais e das condições de sustentabilidade da civilização huma­
na. Isto desencadeou desequilíbrios ecológicos em escala pla­
netária, a destruição da diversidade biótica e cultural, a perda 
de práticas e valores culturais, o empobrecimento de uma po­
84
pulação crescente e a degradação da qualidade de vida das 
maiorias. Esta crise do crescimento econômico leva a fundar 
um desenvolvimento alternativo sobre outros valores éticos, 
outros princípios de produção e outros sentidos societários, 
sem os quais a vida humana não será sustentável.
Toda formação social e todo tipo de desenvolvimento es­
tão fundados num sistema de valores, em princípios que ori­
entam as formas de apropriação social e transformação da na­
tureza. A racionalidade ambiental incorpora assim as bases 
do equilíbrio ecológico como norma do sistema econômico e 
condição de um desenvolvimento sustentável; da mesma for­
ma se funda em princípios éticos (respeito e harmonia com a 
natureza) e valores políticos (democracia participativa e eqüi­
dade social) que constituem novos fins do desenvolvimento e 
se entrelaçam como normas morais nos fundamentos materi­
ais de uma racionalidade ambiental.
Deste modo, a racionalidade ambiental se funda numa 
nova ética que se manifesta em comportamentos humanos 
em harmonia com a natureza; em princípios de uma vida de­
mocrática e em valores culturais que dão sentido à existência 
humana. Estes se traduzem num conjunto de práticas sociais 
que transformam as estruturas do poder associadas à ordem 
econômica estabelecida, mobilizando um potencial ambien­
tal para a construção de uma racionalidade social alternativa.
As transformações na estrutura de produção, nos paradig­
mas do conhecimento e nos sistemas de valores implícitos 
nos princípios, objetivos e fins de uma racionalidade ambien­
tal mostram a necessidade de analisar seus fundamentos e es­
tratégias em termos de uma matriz de racionalidade que inte­
gra os valores e conhecimentos sobre os processos materiais 
que dão suporte a um paradigma ecotecnológico de produ­
ção, com a instrumentalidade de um processo participativo 
de gestão ambiental (Leff, 19946).
85
A ética ambiental propõe um sistema de valores associa­
do a uma racionalidade produtiva alternativa, a novos poten­
ciais de desenvolvimento e a uma diversidade de estilos cul­
turais de vida. Isto supõe a necessidade de ver como os princí­
pios éticos de uma racionalidade ambiental se opõem e amal- 
gamam com outros sistemas de valores: como se traduzem os 
valores ambientais em novos comportamentos e sentidos dos 
agentes econômicos e dos atores sociais. Trata-se de ver os 
princípios éticos do ambientalismo como sistemas que regem 
a moral individual e os direitos coletivos, sua instrumentação 
em práticas de produção, distribuição e consumo, e em novas 
formas de apropriação e transformação dos recursos naturais.
O conceito de ambiente implica, pois, além de um equilí­
brio entre crescimento econômico e conservação da natureza, 
a possibilidade de mobilizar o potencial ecotecnológico, a cria­
tividade cultural e a participação social para construir formas 
diversas de um desenvolvimento sustentável, igualitário, des­
centralizado e autogestionário, capaz de satisfazer as necessi­
dades básicas das populações, respeitando sua diversidade 
cultural e melhorando sua qualidade de vida. Isto implica a 
transformação dos processos de produção, dos valores sociais 
e das relações de poder para construir uma nova racionalida­
de produtiva com a gestão participativa da cidadania.
Neste sentido, os enunciados de valor que plasmam o dis­
curso ambientalista questionam os princípios morais, as re­
gras de conduta e os interesses promovidos pela racionalida­
de econômica, gerando uma consciência crítica a respeito das 
instituições que mantêm as estruturas econômicas e de poder 
dominantes.
Racionalidade econômica e valores humanos
A civilização judeu-cristã, com sua pretensa superiorida­
de do homem sobre os demais seres vivos, gerou um processo
de dominação da natureza através da ciência. A racionalidade 
capitalista se construiu em torno de uma doutrina econômica 
que aspira a uma cientificidade fundada numa racionalidade 
formal e em sua eficácia técnica, cada vez mais afastadas da 
subjetividade e dos valores, o que levou à superexploração de 
recursos e ao desequilíbrio dos ecossistemas naturais.
A ética, como sistema de valores que deve orientarsível da poluição, mas o conceito da complexidade emergen­
te onde se reencontram o pensamento e o mundo, a sociedade 
e a natureza, a biologia e a tecnologia, a vida e a linguagem. 
Ponto de inflexão da história que induz uma reflexão sobre o 
mundo atual, do qual emergem as luzes e sombras de um novo 
saber. De um saber atravessado por estratégias de poder em 
tomo da reapropriação (filosófica, epistemológica, econômi­
ca, tecnológica e cultural) da natureza. [
O ambiente é esse saber que se verte sobre a enganosa 
transparência dos sinais do mercado globalizado e do ilumi- 
nismo do conhecimento científico e moderno, da eficácia da 
tecnologia e da racionalidade instrumental, precipitando seus 
saberes subjugados. É o prisma que recebe o raio concentra­
do de luz projetado por este mundo homogeneizado da ciên­
cia, do progresso e da globalização, para refratar um feixe de 
luzes divergentes, de cores e matizes diversos, onde se entre­
laçam tempos ontológicos, tempos históricos, tempos do pen­
samento e tempos subjetivos.
E um pensamento e uma vida que aí se entrelaçam. Olho-me 
nestes textos e vejo a trama e os traços que unem sua história 
com a minha. Ano de 1968, tempos de juventude, de rebeldia, 
de busca de sentido do ser no mundo. Tempos em que surge 
uma reflexão sobre um futuro incerto e inapreensível a partir
10
gracihelem
Highlight
da saturação da modernidade: limites do crescimento e do to­
talitarismo; fim do socialismo real; emergência da complexi­
dade e da democracia. Germe de mudanças, reatando a histó­
ria do mundo.
Este livro traz inscritas as marcas desta história que não é 
só a evolução de um pensamento que reflete a crise ambiental. 
É a re-volta para a crise do mundo atual daquele pensamento 
emancipador que mobilizou a geração de 1968, que a impeliu 
a questionar o autoritarismo e a repressão de nossas idéias e 
nossos impulsos; que levou às ruas milhares de estudantes no 
México, em Paris, e em todo mundo, os quais, à voz de “a 
imaginação ao poder” saímos a buscar espaços de liberdade e 
democracia. As sacudidelas daquele tempo abriram as com­
portas ao desejo de saber que levou minhas reflexões dos trin­
ta anos a plasmar-se no campo da problemática ambiental 
que irrompia no mundo naquele momento.
No mínimo, é justo que a história em que me formei reco­
nheça estas origens, saudando os companheiros e companhei­
ras com os quais compartilhei o despertar de um mundo que 
começava a mudar e derrubar suas fortalezas opressivas. Seja, 
pois, este livro pre-texto para recordar esses tempos de forja e 
de gesta nos quais se aninharam estes desejos, onde se assen­
taram convicções e solidariedades, formas de entendimento e 
posicionamento num mundo em transformação que hoje vol­
tam a ocupar seu lugar na história.
Este livro é um olhar para a emergência e construção des­
te conceito de ambiente que ressignifica as concepções do 
progresso, do desenvolvimento e do crescimento sem limite, 
para configurar uma nova racionalidade social que se reflete 
no campo da produção e do conhecimento, da política e das 
práticas educativas. O ambiente emerge assim de seu campo 
de extemalidade das ciências, do poder centralizado e da ra­
cionalidade econômica. O saber ambiental sacode o jugo de
11
sujeição e desconhecimento ao qual foi submetido pelos pa­
radigmas dominantes do conhecimento.
O conceito de ambiente gera portanto uma corrente que 
vai se entrelaçando nas tramas da sustentabilidade e nas arti­
manhas do discurso do desenvolvimento sustentável, defi­
nindo categorias de racionalidade e de saber ambiental, pro- 
blematizando o avanço das ciências e da interdisciplinarida- 
de, para penetrar com sua visão crítica no campo das etno- 
ciências, do habitat, da população, do corpo, da tecnologia, 
da saúde e da vida. Assim o conceito de ambiente vai colo­
cando à prova seu sentido questionador, transformador e re- 
criativo nos domínios do saber.
O texto ordena assim seu curso a partir do questionamento 
do discurso do desenvolvimento sustentável, da capitalização 
da natureza e da homogeneização cultural; contorna o campo 
da economia ecológica e da ecologia política; vai irrigando o 
tema da democracia e da apropriação social da natureza; abas­
tece-se na corrente da ética, dos movimentos sociais e da cida­
dania. Chega assim ao ponto de ancoragem de seus conceitos 
básicos: saber ambiental e racionalidade ambiental.
Com eles vai fertilizando o campo do conhecimento e do 
saber, traçando uma nova vertente para a sociologia do co­
nhecimento, abrindo os canais da subjetividade e do sentido 
diante da objetividade e da matematização do conhecimento, 
penetrando as profundezas do inconsciente para desentra­
nhar o sentido da interdisciplinaridade e do desejo de saber. O 
saber ambiental desemboca no terreno da educação, questio­
nando os paradigmas estabelecidos e abastecendo as fontes e 
mananciais que irrigam o novo conhecimento: os saberes in­
dígenas, os saberes do povo, o saber pessoal. Vai descobrindo 
as relações de poder que atravessam as correntes do saber em 
temáticas emergentes, onde confluem diversos campos disci- 
plinares para desembocar na qualidade de vida como fim últi­
12
mo do desenvolvimento sustentável e do sentido da existên­
cia humana.
Os capítulos do livro formam um caleidoscópio no qual o 
conceito de ambiente adquire novas luzes e matizes, onde os 
reflexos de cada tema sobre os outros vão delineando novas 
vertentes e abrindo novos campos de aplicação. O saber am­
biental, crítico e complexo, vai se construindo num diálogo 
de saberes e num intercâmbio interdisciplinar de conheci­
mentos; vai constituindo um campo epistêmico que proble- 
matiza os paradigmas estabelecidos para construir uma nova 
racionalidade social. Cada capítulo é um “breviário” que con­
densa estes temas. Sua fonte original são notas, exposições e 
escritos elaborados nos últimos dez anos. Em todo caso, os 
textos foram revisados e retrabalhados, sintetizados ou am­
pliados e reordenados para dar integralidade e coerência a 
este volume.
Este livro não aspira integrar um sistema de conhecimen­
tos acabados sobre o meio ambiente. Trata-se tão-somente do 
germe de um saber em construção. Seus capítulos são “frag­
mentos de um discurso amoroso” (Barthes), movidos por um 
desejo de saber, que, como todo desejo amoroso, tropeça com 
seu entorpecimento, busca a luz e se precipita em seus pró­
prios abismos. Estes textos revelam um saber pessoal, forjado 
na minha relação com um mundo em reconstrução, que anun­
cia a transição de uma modernidade saturada e uma “pós-mo- 
dernidade” que começa a desabrochar, sem saber ainda como 
definir-se e decifrar-se. Sobre estes escritos poder-se-ia di­
zer, com letra e música de bolero mexicano: “no pretendo ser 
tu dueno... pero en el alma llevas ya sabor a m i \
Na elaboração do livro fui acompanhado por amigos de 
diversos países que através de leituras, comunicações e en­
contros estimularam minhas reflexões. Seus nomes estão 
aqui inscritos e com sua sabedoria dão colorido a estas pági­
13
gracihelem
Highlight
nas. Outros seres certamente também deixaram nas entreli­
nhas sua presença invisível.
Hoje, como sempre, minha dívida maior é com Jacquie, 
minha companheira de vida, e com nossos filhos, Sergio e Ta- 
tiana. O amor por eles é a própria trama de minha vida, a fonte 
que alimenta este livro.
Setembro de 1998
1 - GLOBALIZAÇÃO, AM BIENTE E 
SUSTENTABILIDADE DO DESENVOLVIMENTO*
A crise ambiental e o princípio de sustentabilidade
O princípio de sustentabilidade surge no contexto da 
globalização como a marca de um limite e o sinal que reorien- 
ta o processo civilizatório da humanidade. A crise ambiental j 
veio questionar a racionalidade e os paradigmas teóricos que 
impulsionaram e legitimaram o crescimento econômico, ne­
gando a natureza. JA sustentabilidade ecológica aparece as­
sim como um critério normativo para a reconstrução da or­
dem econômica, como uma condição para a sobrevivência 
humana e uma vida 
dos seres humanos, surge com as primeiras civilizações. O 
desenvolvimento do capitalismo gerou um pensamento críti­
co. Do socialismo utópico ao socialismo científico, do mar­
xismo ao racionalismo crítico, foi construído um pensamento 
que procura vencer a “falsa consciência” e a “alienação do 
homem”. Este pensamento crítico não só se apresenta como 
resposta à exploração da força de trabalho, mas também como 
resposta ao impacto da sociedade industrial e ao império da 
razão tecnológica sobre os valores morais e os sentidos exis­
tenciais que fundamentam a qualidade da vida humana. A 
guerra nuclear foi a mais clara e dramática expressão do po­
der sobre-humano da ciência e da técnica colocadas a serviço 
da destruição da humanidade.
Os valores ambientais surgem contra a cultura do poder 
fundado na razão tecnológica e na racionalidade econômica. 
Face à produção em massa, ao desenvolvimento centraliza­
do, ao congestionamento das megalópoles, à homogeneiza­
ção da cultura, á produção e ao consumo, aos sistemas hierár­
quicos e autoritários de tomada de decisões, reivindicam-se 
os valores da subjetividade, da diversidade cultural, da de­
mocracia participativa e da tolerância; seguindo Gandhi, são 
valorizados a autodeterminação, o desenvolvimento endóge- 
no, os saberes tradicionais e os sistemas de complementação 
e de ihtercâmbios comunitários. A ética ambiental reivindica 
os valores do humanismo: a integridade humana, o sentido da 
vida, a solidariedade social, o reencantamento da vida e a ero- 
tização do mundo.
87
Para a economia, a natureza e a vida humana são apenas 
fatores da produção, objetos e força de trabalho. Entram como 
elementos fracionados e indiferenciados; os humanos (empre­
gados) recebem um salário que lhes permite satisfazer necessi­
dades (criadas pelo sistema) através do consumo. Deste modo 
não se percebe o trabalho como um processo vital - seu valor 
criativo - donde deriva uma satisfação, desprezando-se os 
valores e qualidades incomensuráveis da atividade humana.
Economistas como Sen, Tsuru e Schumacher, Georges- 
cu-Roegen e Daly questionaram os fins e fundamentos da eco­
nomia regida pela acumulação e pelo crescimento; por um 
ideal de progresso cujo êxito se reflete no incremento do PNB, 
sem importar-se se ele é constituído de mísseis e armas ou de 
bens cosméticos; pela superexploração de recursos não reno­
váveis e pela superprodução de mercadorias subvencionadas 
pela subvalorização da natureza, pela destruição das florestas e 
pela contaminação do planeta. A racionalidade econômica ge­
rou assim uma sociedade do ter e não do ser (Fromm); os senti­
dos da existência vão se racionalizando com o cálculo econô­
mico. Isto levou à necessidade de propor “uma economia 
mais nobre, que não tenha medo de discutir o espírito e a 
consciência, o propósito moral e o significado da vida”1.
A crescente tecnologização da sociedade prometia passar 
do momento da necessidade (da exploração e da alienação) 
ao reino da liberdade. Estes princípios levaram a configurar 
um “socialismo de rosto humano” (Richta, 1968). Hoje se pre­
tende abrir os canais do progresso ao desenvolvimento pleno 
das faculdades humanas, ao superconsumo da era pós-indus- 
trial e a uma ética do tempo livre. Os ajustes da nova ordem 
internacional e suas novas alianças para o progresso permiti­
riam reduzir a brecha entre países pobres e países ricos, elimi­
1. Introdução de T. Roszak a E. Schumacher (1973), p. 9.
nando as barreiras para a difusão da tecnologia e conseguindo 
um equilíbrio econômico com base nas vantagens comparati­
vas de cada país.
Entretanto, justamente no fim dos anos 60, ao tempo em 
que surgiam em todo mundo os movimentos estudantis como 
uma necessidade de emancipação (Marcuse, 1969), rompen­
do a repressão mantida pelos valores do progresso a todo cus­
to, pela acumulação de capital e pela centralização do poder 
do Estado, surge uma nova consciência sobre os limites do 
crescimento, o desequilíbrio ecológico do planeta e a destrui­
ção da base de recursos da humanidade (Meadows et al., 
1972). A crise ambiental rompe o mito do desenvolvimentis- 
mo levantando novos problemas globais gerados pelos efei­
tos sinergéticos e acumulativos de crescimento econômico e 
destruição ecológica.
Os problemas ambientais tomaram uma primeira impor­
tância desde que foram difundidos ao mundo por ocasião da 
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Hu­
mano, celebrada em Estocolmo em 1972: o desmatamento, a 
perda de diversidade genética dos recursos bióticos, a extinção 
de espécies, a erosão dos solos e a perda da fertilidade das ter­
ras, a desertificação, a contaminação química da atmosfera, 
dos solos e dos recursos hídricos, a produção e a disposição de 
resíduos tóxicos e lixo radiativo, a chuva ácida gerada pela in­
dustrialização e destruição da camada foliar das florestas, o 
aquecimento global e a rarefação da camada de ozônio.
Com esses processos de degradação ambiental conju­
ga-se uma série de efeitos econômicos, sociais e culturais que 
afetam as maiorias espoliadas. Assim, a deterioração ambien­
tal, junto com a crise econômica e financeira dos países da 
América Latina, produziu um processo generalizado de em­
pobrecimento, marginalização social e precariedade das con­
dições de saúde da população. A pobreza crítica e a degrada­
ção ecológica estão associadas à imposição de modelos tec­
nológicos e projetos de colonização que provocaram migra­
ções, assentamentos precários, desemprego e desnutrição; 
condições de amontoamento e uma vida insalubre e indigna; 
o desarraigamento das comunidades de seus espaços étnicos, 
a destruição de suas identidades culturais e o abandono de 
práticas tradicionais de uso dos recursos.
Esta destruição da base de recursos do planeta e seu im­
pacto nos valores culturais e humanos gerou a necessidade de 
orientar as formas de desenvolvimento para eliminar a pobre­
za crítica e passar da sobrevivência à melhoria da qualidade 
de vida. A ecologia situa o ser humano dentro da trama vital 
do processo evolutivo. Reivindicam-se assim os valores as­
sociados à qualidade de vida, o prazer estético, o desenvolvi­
mento intelectual e as necessidades afetivas, através da re­
construção do ambiente. Além do direito a um bem-estar fun­
dado na satisfação de necessidades básicas (vestido, traba­
lho, educação, moradia), a Carta dos Direitos Humanos in­
corporou o direito a um ambiente sadio e produtivo, inclusive 
os novos direitos coletivos para a conservação e aproveita­
mento do patrimônio comum de recursos da humanidade, 
pela dignidade e pelo pleno desenvolvimento das faculdades 
de todos os seres humanos.
Ética ambiental e qualidade de vida
A racionalidade social, orientada pelos fins do progresso 
e pela eficiência, levou à desvalorização da natureza e à de­
gradação dos valores humanos. Por isso, o humanismo e o 
pensamento crítico se colocam a necessidade de questionar a 
ética implícita no modelo de modernidade e de retraçar os ob­
jetivos e o sentido do desenvolvimento. De Weber a Marcuse 
vem sendo apresentada a necessidade de corrigir os efeitos de 
uma cega racionalidade instrumental, através de uma racio­
90
nalidade substantiva que reoriente o desenvolvimento mate­
rial e as aplicações da ciência. O racionalismo crítico e a ética 
ambientalista buscam não só despertar o ser humano de seu pe­
sadelo desumanizante, de seu alheamento da técnica, e recupe­
rar seus valores essenciais; seu propósito é criar condições 
para a criatividade de todos, a realização de seus potenciais, 
abrir as opções para a heterogeneidade de sentidos da vida, 
para o encantamento da vida e novas formas de solidariedade 
social. Com o imperativo de conseguir uma vida digna para a 
raça humana, coloca-se o propósito de promover um desen­
volvimento orientado pelo conceito de qualidade de vida:
[A qualidade de vida emerge como] o supremo valor moral 
de nosso tempo (...) o que implica que em nenhuma das ati­
vidades e motivaçõesdo homem tentar-se-á sujeitar aos 
mecanismos da uniformidade, da repetição ou da necessi­
dade lógica, nem aos imperativos da produção e do rendi­
mento, a singularidade própria e incomparável dos seres 
vivos, sua iniciativa e sua espontaneidade criadora. Talvez 
o valor qualidade de vida possa hoje ser aceito pela primei­
ra vez na história com caráter eficazmente universal e não 
como vaga aspiração humanitária, pois pela primeira vez o 
homem acedeu a uma tomada de consciência global da es­
pécie humana, podendo desta forma sentir-se responsável 
diante dela e propor-se objetivos concretos e práticos que 
afetam toda a humanidade. Graças às conquistas da técni­
ca, e de modo especial aos avanços dos meios de comuni­
cação social, este reconhecimento é hoje muito mais real 
do que nunca, mas também mais dramático, menos idealis­
ta, pois nos defronta com a triste constatação de que a hu­
manidade em seu conjunto está mal organizada, está desper­
diçando suas potencialidades e degradando as condições 
de sua existência e (...) alterando os equilíbrios mais ele­
mentares de sua sobrevivência (Blanch, 1981).
O conceito de qualidade de vida está penetrando em todas 
as classes sociais. Estas exigências ambientalistas transcen­
dem as aspirações por um melhor “nível de vida”; suscitam 
de novo o direito à terra e ao trabalho, as tradicionais deman­
91
das de emprego e salário, como também de satisfação das ne­
cessidades básicas através do consumo e da oferta de satisfa- 
tores de uma economia de bem-estar (Leff, 1988). A cons­
ciência ambiental se coloca como consciência de todo o gê­
nero humano, convocando todo indivíduo como sujeito mo­
ral para construir uma nova racionalidade social2.
O homem pré-moderno via seu destino pendente de for­
ças desconhecidas e incontroláveis. O homem moderno, em 
seu afa de controlar a natureza através da ciência e da tecno­
logia, ficou preso por uma racionalidade e por processos que 
dominam sua vida mas ultrapassam sua capacidade de deci­
são e entendimento. São processos que desencadeiam catás­
trofes naturais criadas pela tecnoburocracia, mas que ela não 
controla; técnicas com as quais se produzem os satisfatores 
que consumimos, mas cujos princípios de operação nos são 
alheios; contaminação criada pelo homem, mas cujos efeitos 
sobre a nossa vida desconhecemos.
Portanto, o desenvolvimento sustentável surge com o pro­
pósito de conseguir um ordenamento racional do ambiente, 
sem exigir que o ambiente funde uma nova racionalidade, 
que a degradação ambiental não se resolva com os instrumen­
tos da racionalidade econômica. Neste sentido, a questão am­
biental está ampliando o marco dos direitos civis, políticos, 
econômicos, sociais e culturais. Os sistemas jurídicos estão 
se transformando para atender os conflitos de apropriação e 
manejo dos bens comuns. Desta forma surgiram, dentro dos
2. “Do fato desta tomada de consciência nasce a necessidade de elaborar uma escala de valo­
res, uma ética, de dimensões planetárias e de natureza o mais concreta possível. O pro­
grama axiológico de que agora necessitamos deverá romper as diversas carapaças cultu­
rais nas quais foram idealizados outros programas, de fato menos universais, como pude­
ram sê-lo uma ética individualista burguesa, uma ética de classes sociais, as éticas nacio­
nalistas, ou as que são polarizadas por uma ideologia ou uma cosmovisão demasiado ex­
clusivistas. Hoje a consciência de classe ou a consciência nacionalista, embora válidas 
cm si mesmas, devem reconhecer o substrato último em que se apóiam, isto é, a consciên­
cia dc toda a espécie” (Blanch, 1981: 330). Mas também é preciso rcconhcccr que estes 
valores gerais se concretizam cm valores culturais específicos dc cada grupo étnico c 
cm sujeitos sociais heterogêneos com diferentes interesses dc elasse.
92
“direitos da solidariedade”, o direito de todos os humanos de 
beneficiar-se do “patrimônio comum à Humanidade” (Gross, 
1980). Estes novos direitos incorporam princípios sobre a 
propriedade coletiva dos recursos naturais, orientados para a 
conservação e a administração dos bens comuns, como o fun­
do do mar e o espaço ultraterrestre. Mas os conflitos em tomo 
da apropriação e manejo da biodiversidade - nos quais se an­
tepõem os direitos de propriedade intelectual das empresas 
de biotecnologia aos direitos das comunidades que habitam 
essas reservas de biodiversidade - deixam bem claro que os 
valores éticos continuam sujeitos aos interesses econômicos.
Embora os direitos ambientais tenham convertido a “hu­
manidade” em sujeito do direito internacional, isto não quer 
dizer que todos os seres humanos tenham o mesmo direito de 
beneficiar-se do “patrimônio comum da humanidade”. Na 
realidade os Estados são os únicos sujeitos deste novo direito 
internacional. Assim, foram estabelecidos muito mais convê­
nios e normas para o comportamento da comunidade de na­
ções, do que princípios para o acesso social e comunitário aos 
recursos ambientais. A exploração dos recursos naturais con­
tinua mais sujeita aos direitos privados de propriedade, do 
que aos direitos de apropriação das comunidades. As normas 
jurídicas sancionam condutas individuais que geram efeitos 
nocivos para o ambiente, sem definir o campo dos novos direi­
tos coletivos que reorientam as formas de produção e apropri­
ação dos bens comuns da natureza.
Diversidade cultural e apropriação social da natureza
A ética ambiental vincula a conservação da diversidade 
biológica do planeta ao respeito à heterogeneidade étnica e 
cultural da espécie humana. Ambos os princípios se conju­
gam no objetivo de preservar os recursos naturais e envolver 
as comunidades na gestão de seu ambiente. Entrelaçam-se
93
aqui o direito humano a conservar a própria cultura e tradi­
ções, o direito de forjar seu destino a partir de seus próprios 
valores e formas de significação do mundo, com os princí­
pios da gestão participativa para o manejo de seus recursos, 
de onde as comunidades derivam suas formas culturais de 
bem-estar e a satisfação de suas necessidades.
O respeito à diversidade étnica, além de seu valor huma­
no intrínseco, tem implicações para as estratégias de apropri­
ação e manejo dos recursos naturais. Nas sociedades tradicio­
nais, sua estrutura social e suas práticas de produção estão in­
timamente relacionadas com processos simbólicos e religio­
sos que estabelecem um sistema de crenças e saberes sobre os 
elementos da natureza que se traduzem em normas sociais so­
bre o acesso e uso dos recursos. Assim, tradicionalmente na 
índia nunca se cortam as árvores de Ficus religiosa, nem se 
matam as cobras, nem se permite a pesca nos tanques sagra­
dos (Gagdil, 1985). Estas proibições religiosas foram institu­
cionalizadas através de rituais e atuam como normas sociais 
sobre o uso dos recursos, traduzindo-se em práticas pruden­
tes de manejo dos bens comuns da natureza.
Dentro do sistema de castas, cada grupo social adquire o 
controle sobre certos recursos em localidades particulares e, 
apesar das diferenças sociais, mantêm interesses comuns e 
compartilham os recursos da natureza. Estas práticas incluem 
também restrições sobre os territórios que diferentes grupos 
podiam explorar, sobre as estações nas quais se permite a ex­
ploração, sobre os métodos empregados e as espécies que não 
devem ser utilizadas.
As civilizações pré-colombianas do trópico indo-ameri- 
cano coevoluíram numa relação íntima com a natureza. To­
das estas culturas desenvolveram práticas sofisticadas e cria­
tivas de uso múltiplo e sustentável de seu meio./A construção 
de uma racionalidade ambiental implica o resgate destas prá­
94
ticas tradicionais, como um princípio ético para a conservação 
de suas identidades culturais e como um princípio produtivo 
para o uso racional dos recursosijEstes princípios se expressam 
como reivindicações das próprias comunidades indígenas e 
rurais, que lutam por preservar seus valores culturais associa­
dos à apropriação de seu patrimônio de recursosnaturais.
Neste sentido, os princípios e valores ambientais estão 
sendo sistematizados por conceitos e teorias que os articu­
lam com as bases materiais de uma nova racionalidade pro­
dutiva (de uma produtividade ecotecnológica), através de 
instrumentos técnicos, normas jurídicas, políticas científi­
cas, movimentos sociais e estratégias políticas que consti­
tuem os meios de uma racionalidade ambiental, orientando 
a reapropriação social da natureza e a gestão ambiental do 
desenvolvimento.
95
7 - AM BIENTE E M OVIM ENTOS SOCIAIS*
Origem e sentido do movimento ambientalista
A problemática ambiental do desenvolvimento deu lu­
gar a um movimento, na teoria e na prática, para compreender 
suas causas e resolver seus efeitos na qualidade de vida e nas 
condições de existência da sociedade. O custo social da des­
truição ecológica e da degradação ambiental gerada pela ma- 
ximização do lucro e dos excedentes econômicos a curto pra­
zo deram pois impulso à emergência de novos atores sociais 
mobilizados por valores, direitos e demandas que orientam a 
construção de uma racionalidade ambiental.
A contaminação ambiental, a exploração excessiva dos 
recursos naturais e os desequilíbrios ecológicos; as crises de 
alimento, de energia e de recursos gerados pelos padrões do­
minantes da produção, distribuição e consumo de mercadori­
as; e os custos ambientais da concentração industrial e da 
aglomeração urbana, levaram já há trinta anos a estabelecer 
os limites da racionalidade econômica. Entretanto, a percep­
ção da problemática ambiental não é homogênea e cobre um 
amplo espectro de concepções e estratégias de solução. As 
manifestações da crise ambiental dependem do contexto geo­
gráfico, cultural, econômico e político, das forças sociais e 
dos potenciais ecológicos sustentados por estratégias teóri­
cas e produtivas diferenciadas. Neste sentido, não pode haver 
um discurso nem uma prática ambiental unificados.
* Redigido com base no artigo “El movimiento ambientalista cn Mcxico y cn America Lati­
na”, Ecologia: Polilica/Cullura, vol. 2, n. 6, Mcxico, 1998.
96
Neste campo teórico-ideológico no qual se desenrola o 
discurso do desenvolvimento sustentável, concebemos o am­
biente muito mais como um potencial produtivo para um de­
senvolvimento alternativo, do que como um custo ou um li- 
mitante do crescimento (Leff, 1994a, 20006).
Já desde a Declaração de Cocoyoc (1974) e do Informe 
sobre o Desenvolvimento e a Cooperação Internacional da 
Fundação Dag Hammarskjõld (1975), manifestaram-se cla­
ramente os diferentes interesses e preocupações dos países 
industrializados e dos países do Terceiro Mundo diante da pro­
blemática ambiental. Os primeiros privilegiam uma perspecti­
va conservacionista da natureza e uma política de remediar os 
efeitos contaminantes dos processos de produção. Assim, pro­
movem novas soluções técnicas, a partir de uma “distribuição 
mais eqüitativa das indústrias contaminantes em nível interna­
cional” (Nações Unidas, 1971), até a inovação de tecnologias 
“descontaminantes”, sujeitas à sua rentabilidade no mercado. 
Para deter as tendências da degradação ambiental, propôs-se 
o controle demográfico e o freio ao crescimento econômico 
(Meadows et al., 1972; Daedalus, 1973), buscando um equi­
líbrio entre crescimento e conservação.
De uma perspectiva latino-americana, foi colocada a ên­
fase nas mudanças sociais, políticas e institucionais necessá­
rias para aproveitar racionalmente os recursos existentes e o 
potencial produtivo das regiões subdesenvolvidas, a fim de 
satisfazer as necessidades básicas de suas populações (Herre- 
raetal., 1976). O desenvolvimento deste potencial ambiental 
funda-se no aproveitamento da produtividade ecológica dos 
recursos naturais e da energia social contida nos valores cul­
turais e nas práticas tradicionais de uso dos recursos de dife­
rentes regiões e localidades, através do planejamento transe- 
torial do ecodesenvolvimento, da autogestão comunitária e 
da descentralização das atividades produtivas, com o objeti­
97
vo de gerar um desenvolvimento sustentável, endógeno e au­
to-suficiente.
A ativação deste potencial ambiental para um desenvol­
vimento sustentável implica a necessidade de gerar as condi­
ções econômicas e políticas que permitam a participação co­
munitária na definição de suas necessidades, na autogestão 
de seus recursos e na produção de seus satisfatores, assim como 
na inovação, assimilação e adaptação de tecnologias ecologi­
camente adaptadas. Desta maneira, o conceito de ambiente 
promove um desenvolvimento sustentável e eqüitativo, base­
ado na autonomia cultural, na autodeterminação tecnológica 
e na independência política dos povos.
Assim, a perspectiva ambiental enriquece as categorias 
tradicionais de análise dos processos de desenvolvimento eco­
nômico e social. O desenvolvimento sustentável das forças 
produtivas, além de depender da produtividade do capital, do 
trabalho e do progresso científico-tecnológico, deve fun- 
dar-se na produtividade dos processos ecológicos de suas di­
ferentes regiões e nos valores culturais de suas populações. 
Neste sentido, as relações sociais de produção estão entrela­
çadas numa trama ecológica que sustenta um sistema de re­
cursos naturais e condiciona suas formas de reprodução e 
aproveitamento.
A incorporação destes novos processos dentro das estraté­
gias do ecodesenvolvimento levou a propor novamente os tra­
dicionais métodos de planejamento econômico (Sachs, 1982; 
Gutman, 1986). O potencial ambiental de cada região, a auto­
gestão comunitária dos recursos, o desenvolvimento de tecno­
logias apropriadas, o respeito pelos valores culturais e pela di­
versidade étnica, assim como pela recuperação e enriqueci­
mento científico das práticas tradicionais de uso dos recursos, 
abre canais para uma gestão participativa dos recursos e para 
um desenvolvimento sustentável (Leff, 1994a, 20006).
98
Diante das dificuldades dos governos para incorporar e 
instrumentar os princípios promovidos por esta perspectiva 
ambiental do desenvolvimento, a problemática ambiental pro­
moveu a emergência de novos movimentos sociais em res­
posta à destruição dos recursos naturais, à degradação dos 
serviços ambientais e ao déficit dos serviços públicos, que in­
cidem na degradação da qualidade de vida da população.
A crise ambiental incorpora novas demandas às reivindi­
cações tradicionais de democracia, justiça social e de pro­
priedade territorial das lutas populares. A questão ambien­
tal não só incide sobre o problema da distribuição do poder e 
da renda, da propriedade formal da terra e dos meios de pro­
dução, e sobre a incorporação da população nos mecanis­
mos de participação nos órgãos corporativos da vida econô­
mica e política. As demandas ambientais promovem a parti­
cipação democrática da sociedade no uso e manejo dos re­
cursos atuais e potenciais, assim como a construção de novos 
estilos de desenvolvimento, fundados em princípios de sus­
tentabilidade ecológica, eqüidade social, diversidade étnica e 
autonomia cultural.
Assim a consciência ambiental foi sendo configurada 
dentro de um discurso antidesenvolvimentista; os princípios 
de descentralização, autogestão e autodeterminação, sem 
apregoar a autarquia de comunidades e nações, são valores 
que mobilizam a sociedade numa luta antiindependentista. 
A emancipação dos povos na perspectiva ambiental vai 
mais além de sua independência política formal, questio­
nando a incidência da ordem econômica internacional no 
esgotamento de seus recursos e reclamando um direito para 
o aproveitamento endógeno e democrático. Deste modo a 
política do ambientalismo transforma as relações de poder 
nos níveis nacional e internacional, questionando os benefí­
cios produzidos pela economia de mercado e oferecidos pelo 
Estado benfeitor.
99
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O ambiental reabre o conflito entre exploração e liberta­
ção numa nova perspectiva. Justamente quando a segunda re­
volução científíco-tecnológicaabria as portas para uma liber­
dade além da escassez, soa o alarme ecológico para mostrar a 
fase oculta do progresso e da modernidade, através de seus 
efeitos na exploração excessiva da natureza. Surge assim a 
consciência ambiental para assinalar a contradição da sobre­
vivência face à afluência; dos valores pós-materiais face à 
pobreza e à degradação ambiental.
A crise ambiental gerou novas orientações para o proces­
so de desenvolvimento e novas demandas para os movimen­
tos sociais (ecologismo/ambientalismo). Seus objetivos mos­
tram a necessidade de incorporar uma “dimensão ambien­
tal” ao campo do planejamento econômico, científico, tec­
nológico e educativo, induzindo novos valores no compor­
tamento dos agentes sociais e problematizando todo um 
conjunto de disciplinas científicas que são o suporte da ra­
cionalidade econômica e tecnológica dominantes. A cons­
trução de uma racionalidade ambiental implica portanto a re- 
orientação do progresso científico e tecnológico numa pers­
pectiva interdisciplinar que articula os processos sociais e na­
turais para a gestão social do desenvolvimento sustentável 
(Leff, 1986/2000).
O saber ambiental questiona os comportamentos associa­
dos às práticas de consumo derivadas da sociedade pós-in- 
dustrial e os interesses disciplinares que obstaculizam a pro­
dução de estudos integrados do processo de desenvolvimen­
to; da mesma forma, problematiza as ideologias que orientam 
as demandas das classes trabalhadoras e dos movimentos po­
pulares para satisfazer suas necessidades básicas através do 
acesso ao mercado de trabalho e da redistribuição da renda.
A incorporação das classes trabalhadoras e das popula­
ções rurais ao progresso e à modernidade significou a degra­
100
dação de suas condições de vida: exploração econômica, de­
semprego, marginalização social, inacessibilidade aos servi­
ços públicos, desarraigamento cultural, emigração territorial, 
destruição de seus recursos naturais, abandono de suas práti­
cas tradicionais e perda de seus meios de subsistência. A qua­
lidade de vida dos grupos majoritários da população não de­
pende de seu acesso a um tempo livre criado pelo incremento 
da produtividade do trabalho. A erradicação da pobreza e a 
satisfação de suas necessidades básicas não se conseguiu acio­
nando os mecanismos do mercado e as políticas compensa- 
doras do Estado.
Esta situação é mais notória nos grupos marginalizados 
do processo econômico nacional, mais dependentes de suas 
condições de enraizamento territorial e de sua integração cul­
tural no nível local, para definir suas necessidades materiais e 
espirituais, e alcançar níveis básicos de auto-suficiência e 
bem-estar. Nenhum salário real compensa a perda da integri­
dade cultural dos povos e a degradação do potencial produti­
vo de seus recursos, do progresso para a morte étnica e a des­
truição ecológica, muito mais efeito de uma racionalidade 
econômica do que de uma catástrofe natural.
O ambientalismo abre portanto um processo de ressigni- 
ficação do mundo atual. Além das deficiências do sistema 
produtivo para satisfazer as demandas dos consumidores, pro­
põe uma crítica radical das necessidades. A perspectiva am­
biental do desenvolvimento oferece um enfoque global e in­
tegrador sobre a realidade social; é um olhar inquisidor que se 
lança a partir de um futuro possível sobre o processo histórico 
passado para abrir canais à reconstrução da realidade social. 
O ambientalismo é um movimento pela diversificação das 
condições de existência e dos projetos de vida dos povos, que 
se projeta da heterogênese do mundo para uma diversidade 
de tipos de desenvolvimento. É uma utopia que mobiliza a
101
ação para a construção de uma nova racionalidade produtiva 
e um projeto alternativo de civilização.
Esses critérios permitem esclarecer o sentido no qual o 
ambientalismo reorienta os objetivos e estratégias dos movi­
mentos sociais. Contudo, as reivindicações dos movimentos 
ambientalistas não podem desvincular-se das raízes históri­
cas das lutas camponesas, operárias e populares pela defesa 
da terra, do trabalho e de suas condições gerais de vida. Esta 
premissa cobra valor sobretudo nos países da América Latina 
e do Terceiro Mundo, onde prevalecem formas arcaicas de 
exploração das classes trabalhadoras e das populações rurais, 
de espoliação de seus recursos naturais e de destruição de 
seus valores culturais. Neste sentido, a consciência ambiental 
mobiliza novos atores políticos num processo de reapropria­
ção da natureza que traz consigo a transformação das rela­
ções de produção e a geração de novos potenciais de produ­
ção para um desenvolvimento sustentável.
Os movimentos ecológicos ou ambientalistas não emer­
gem numa arena política deserta. Seus propósitos convergem 
e se somam aos de muitas causas populares e movimentos so­
ciais que surgem em resposta à administração pública seto- 
rializada, tecnocrática e antidemocrática, e a regimes políti­
cos centralizados e totalitários. Abriu-se assim a busca de no­
vos espaços de autonomia cultural e participação democráti­
ca nas decisões e na gestão dos processos que determinam as 
condições de vida de diferentes grupos sociais, onde se plas­
mam suas aspirações, desejos e demandas.
As demandas de transetorialização das políticas públicas, 
de abertura de novos espaços de autogestão, de reorganiza­
ção interdisciplinar do saber e de distribuição territorial das 
atividades produtivas questionam as práticas ideológicas, ad­
ministrativas, econômicas e políticas prevalecentes. O am­
bientalismo é um movimento multidimensional que questio­
102
na os modos de produção, os estilos de vida e os critérios de 
produção e aplicação dos conhecimentos no processo de de­
senvolvimento. O ambientalismo abre-se assim para um novo 
projeto de civilização, orientado para a construção de uma 
nova racionalidade social e produtiva.
Isto coloca a transformação do Estado como “lugar” de 
confronto dos interesses contraditórios e de concentração dos 
objetivos comuns das diferentes classes e grupos sociais, e 
como instância responsável pelo planejamento do desenvol­
vimento e pelo ordenamento ecológico em nível nacional, a 
fim de gerar as condições necessárias a uma apropriação mais 
eqüitativa dos recursos ambientais e a uma gestão mais parti­
cipativa dos povos no aproveitamento dos recursos naturais e 
produtivos.
No movimento ambientalista articulam-se as lutas das 
comunidades indígenas, das organizações camponesas, ope­
rárias e populares, com as causas da classe média urbana, as 
associações de base e os grupos ecologistas. Neste processo 
de recomposição social surgem novas organizações profis­
sionais, órgãos não-governamentais, grupos privados e asso­
ciações civis que buscam oportunidades de participação nos 
espaços econômicos e políticos abertos pela problemática 
ambiental. Este processo vai abrindo novas frentes de luta, 
novas estratégias políticas, novas fórmulas de negociação e 
novas táticas de concentração entre o Estado e a sociedade.
O ambientalismo mobiliza a arena política para estabele­
cer novas alianças, pactos e acordos, para a consecução dos 
objetivos comuns de diferentes grupos e setores sociais, res­
peitando a pluralidade política e a autonomia das organiza­
ções sociais. Ao mesmo tempo, os princípios ambientais pro­
movem um processo de descentralização econômica e de au- 
togestão comunitária dos recursos, transferindo poderes e res­
ponsabilidades aos governos locais (dos Estados e municí­
103
pios). Este processo de descentralização está gerando uma 
nova rede de relações econômicas, políticas e sociais.
Caracterização do movimento ambientalista
Nos anos recentes, novos atores sociais vêm ocupando a 
cena política. Dos conflitos que nascem da racionalidade so­
cial dominante emergem movimentos sociais caracterizados 
por suas novas demandas, formas de organização e estraté­
gias de luta, dinamizando e transformando as formas de exer­
cício e luta pelo poder. Entre osmovimentos feministas e es­
tudantis, das minorias étnicas e das organizações urbano-po- 
pulares, emergem os grupos ambientalistas e ecologistas. A 
caracterização destes novos movimentos sociais dentro da 
sociologia política não tem sido tarefa fácil, tanto devido à 
novidade, variedade e dinamismo de suas manifestações, 
como devido ao seu caráter complexo, transclassista e mul- 
tissetorial e às suas formas variáveis de expressão e de con­
centração política. Tudo isto dificulta a sistematização de 
suas experiências, a tipificação de suas estratégias e a previ­
são de suas tendências (Frank e Fuentes, 1988; Viola, 1987; 
Viola e Boeira, 1990; Garcia Guadilla e Blauert, 1992; Vieira 
e Viola, 1992; Guha e Martínez Alier, 1997).
O ecologismo emerge, junto com os novos movimentos 
sociais, como “portador de uma cultura político-democrática 
(...) trazendo novos valores, perspectivas, métodos e aproxi­
mações à arena política” (Mainwaring e Viola, 1984). Entre 
estes valores, destacam-se as demandas de maior participa­
ção nos assuntos políticos e econômicos que se referem à or­
ganização democrática, à igualdade e justiça social, à autono­
mia e autogestão comunitárias e ao estabelecimento de rela­
ções políticas horizontais. Nos movimentos ecologistas ou 
ambientalistas, estes valores estão vinculados à construção 
de uma nova racionalidade social e produtiva, abrindo pers­
104
pectivas a um desenvolvimento alternativo. As alianças po­
pulares e as novas estratégias de conciliação do Estado com 
as organizações políticas e a sociedade civil prevêem a neces­
sidade de incorporar o estudo destes movimentos sociais den­
tro do campo da sociologia política.
A construção de uma racionalidade ambiental não depen­
de fundamentalmente da produção de “tecnologias apropria­
das” ou do revigoramento da economia. Colocar em ação 
uma estratégia ambiental de desenvolvimento implica a ati­
vação de práticas sociais alternativas, a partir da transforma­
ção das relações de poder no saber e na produção. Daí a im­
portância da análise sociológica e politológica sobre a emer­
gência e a eficácia dos movimentos ecologistas ou ambienta­
listas em sua luta pelo poder, na transformação das institui­
ções setoriais e dos interesses disciplinares estabelecidos; so­
bre suas formas novas de “fazer política” e suas táticas de in­
serção nos aparelhos do Estado; sobre seus confrontos e con­
ciliações com distintas frações do Estado e diferentes grupos 
de póder econômico e político (corporações empresariais, 
instituições públicas, partidos políticos); sobre a implemen­
tação de novos instrumentos e práticas para a gestão e apro­
priação dos recursos e seu impacto sobre as condições de 
existência e a qualidade de vida de diferentes grupos sociais.
A perspectiva ambiental problematiza o conhecimento 
dos movimentos populares, a organização política e a mu­
dança social. As categorias e conceitos tradicionais, com 
base nos quais se analisavam as relações sociais de produção, 
a divisão de classes da sociedade e as frações políticas do 
Estado são insuficientes para caracterizar os movimentos so­
ciais e as organizações políticas do ambientalismo. O qualifi­
cativo “verdes” para designar estes movimentos dos grupos 
políticos tradicionais é uma classificação mais pitoresca, mas 
que não permite apreender a diversidade de suas origens, mo­
tivos, objetivos, manifestações e formas de organização.
O ambientalismo introduz valores na ação social e na or­
ganização política; gera novas formas de participação, estra­
tégias de mudança social e relações de poder. Os movimentos 
ambientalistas surgem mais como uma consciência viva e 
criadora do que como uma resistência cega. Mas, ainda que 
os princípios do ambientalismo introduzam novas motiva­
ções, objetivos e perspectivas de mudança social no campo 
político, as próprias circunstâncias nas quais se manifesta a 
problemática ambiental obstaculizam a tradução desta cons­
ciência crítica em estratégias de poder eficazes e vias claras 
para transitar para uma racionalidade ambiental. Junto com 
a “falsa consciência” criada pela ideologia do ecologismo 
(Enzensberger, 1974) e as “estratégias fatais da globaliza­
ção” (Leff, 1996a), a desmobilização da sociedade é resulta­
do do desconhecimento das causas, como também da tardia 
manifestação dos efeitos da degradação ambiental. Produz-se 
assim uma paralisia da ação entre o alarme catastrofista, a in­
certeza do longo prazo e a visão dos futuros possíveis; um es­
paço congelado entre uma utopia mobilizadora e uma reali­
dade avassaladora e paralisante que a consciência ambiental 
e o conhecimento científico não conseguem dissolver.
Um aspecto importante do estudo dos movimentos am­
bientalistas é a congruência entre os objetivos explícitos que 
levam à organização destes grupos, associações, uniões e coa­
lizões, e á eficácia de suas práticas concretas de ação e mobi­
lização. Também é necessário avaliar a congruência do dis­
curso ecológico oficial, das políticas do desenvolvimento 
sustentável e de sua base jurídica, com os programas e ações 
concretas das diferentes instâncias do governo para a prote­
ção, saneamento e gestão do meio ambiente. Por outro lado, é 
necessário analisar a política econômica e as estruturas de po­
der dominantes, para verificar sua compatibilidade ou resis­
tência a incorporar os princípios de uma gestão ambiental do 
desenvolvimento: descentralização econômica, ordenamen­
106
to ecológico do território, erradicação da pobreza, autogestão 
comunitária.
Portanto, o movimento ambiental se expressa num pro­
cesso contraditório de participação-marginalização, abertu- 
ra-repressão, conciliação-mediatização. As estratégias do am- 
bientalismo podem levar a uma maior participação e a uma 
gestão democrática dos recursos, ou então à marginalização 
das experiências emergentes do ecologismo das instâncias 
reais de poder e de tomada de decisões sobre o processo de 
desenvolvimento.
O caráter “ambiental” dos movimentos sociais envolve 
problemas metodológicos para sua investigação. A incorpo­
ração de valores ambientais às estratégias políticas e às práti­
cas dos movimentos sociais só pode definir-se em função de 
um conjunto de princípios e objetivos que conformam uma 
racionalidade ambiental, com referência à qual podem ser 
avaliadas as suas ações. Neste sentido, os atos de consciência 
e seus efeitos na organização social e na mobilização política 
são “ambientais” enquanto internalizam um certo “paradig­
ma ambiental” , e enquanto suas práticas produtivas e polí­
ticas constituem atos de “racionalidade ambiental” (Leff, 
19946). Sem uma perspectiva teórica e metodológica no es­
tudo dos movimentos ambientais, corre-se o risco de reduzir 
o campo de visibilidade aos grupos e organizações “ecologis­
tas”, ou de perder de vista o caráter ambientalista de movi­
mentos que não se autodesignam como tais.
O precedente propõe os seguintes problemas teóricos e 
práticos ao movimento ambientalista:
d) Até que ponto a racionalidade ambiental, como pa­
radigma de um desenvolvimento alternativo, con­
tém um projeto de produção, de organização social e 
estratégia política capaz de aglutinar diferentes se­
tores da cidadania e partidos políticos, para gerar
opções e possibilidades de ação que mobilizem a 
formação de atores sociais que se inscrevam neste 
processo de transformação através de seus compor­
tamentos privados e ações públicas?
b) Até que ponto a problemática ambiental que afeta de 
modo desigual diferentes grupos sociais, ao criar 
uma nova percepção sobre a globalidade e comple­
xidade dos problemas do desenvolvimento, incor­
pora princípios e objetivos capazes de dar coesão 
aos interesses de diferentes grupos afetados, para criar 
demandas comuns e uma estratégia eficaz de trans­
formação social?
c) Qual é a capacidade da racionalidade econômica do­
minante e das estruturas de poder para resolver com 
seus meios e instrumentos a problemática social ge­
rada pela crise ecológica- para incorporar as condi­
ções de sustentabilidade, eqüidade e democracia - e 
para dissolver as estratégias do ambientalismo?
A racionalidade ambiental coloca assim os seguintes de­
safios e condições ao estudo dos movimentos sociais:
a) analisar a democracia como condição das práticas do 
ambientalismo e do efeito democratizante dos mo­
vimentos ambientalistas;
b) investigar o impacto do discurso ambientalista - 
seus propósitos, valores e práticas - no discurso po­
lítico e nas políticas econômicas, como também na 
ressignificação das demandas e reivindicações dos 
grupos sociais;
c) esclarecer as estratégias de poder destes novos movi­
mentos da sociedade civil para transformar a racio­
nalidade dominante, incorporando os valores éticos 
e princípios produtivos do ambientalismo;
108
d) observar qual tem sido a internalização dos princí­
pios do ambientalismo nos direitos culturais emer­
gentes e na perspectiva de um desenvolvimento na­
cional fundado num estado multiétnico.
A questão fundamental é saber se, além de sua emergên­
cia espontânea, estes movimentos se autodefinem e organi­
zam em torno de princípios e objetivos compartilhados, que 
criem coalizões, pactos e frentes de ação; que incorporem 
seus objetivos nos programas dos partidos políticos e nas lu­
tas populares; que gerem estratégias de transformação social, 
de organização política e de alternativas de desenvolvimento. 
Coloca-se assim o problema da racionalidade da ação social e 
da eficácia política dos movimentos ambientalistas; de suas 
competências, divisões e alianças; de suas conciliações e dis­
sidências em relação ao Estado e da capacidade do Estado de in­
corporá-los, apoiá-los, cooptá-los, desviá-los, fragmentá-los, 
neutralizá-los, marginalizá-los, isolá-los ou dissolvê-los, 
quando não de reprimi-los e aniquilá-los.
Isto leva a interrogar as formas de organização e a eficá­
cia das estratégias de luta dos movimentos ambientalistas. 
Pode ser que na defesa de seu princípio de autonomia estas 
organizações careceram das condições e meios concretos 
para criar um movimento generalizado de transformação so­
cial, confinando-se num espaço de “solidariedade marginal” . 
Alguns autores acham, pois, que:
Estes novos movimentos sociais não caem no padrão tradi­
cional dos interesses de grupo na área política. A maior 
parte dos grupos de interesses tradicionais eram vistos sob 
a ótica de demandas negociáveis, geralmente de natureza 
material. Em contraste, os novos movimentos sociais são 
vistos em grande parte sob a ótica de relações sociais, mui­
tas vezes como sendo relativamente apolíticos; suas nego­
ciações com o Estado e suas demandas são freqüentemente 
de natureza simbólica e moral. Um dos paradoxos destes 
novos movimentos é que parte de seu impacto político de­
109
riva de sua forma “apolítica” de fazer política. Este aspecto 
de seu impacto político está ligado a uma limitação signifi­
cativa e a uma contradição interna, visto que estes meios 
“apolíticos” de fazer política podem limitar sua capacidade 
de transformar regimes políticos. Neste caso, embora re­
presentem algo novo em termos de cultura política, podem, 
em última instância, ser marginalizados como pequenos 
movimentos culturais alternativos, com capacidade limita­
da para transformar a sociedade em seu conjunto (Mainwa- 
ring e Viola, 1984).
A autonomia do movimento ecologista apresenta a difi­
culdade de integrar suas demandas locais - fragmentadas e 
restringidas - a um processo solidário de mudança social glo­
bal. Isto coloca por sua vez o desafio de incorporar os princí­
pios de racionalidade ambiental tanto às demandas popula­
res, como aos programas de governo, de maneira que sejam 
capazes de redefinir os problemas de desemprego, pobreza, 
marginalidade, desigualdade, participação, necessidades bá­
sicas e qualidade de vida que constituíram os motivos de rei­
vindicações sociais antigas e de demandas apoiadas pelos 
partidos políticos estabelecidos.
Talvez a transformação mais importante e promissora seja 
a emergência dos atuais movimentos indígenas, nos quais a le­
gitimidade de seus novos direitos culturais está adquirindo 
uma eficácia simbólica na transformação das relações de po­
der e nas formas de fazer política. Nestes movimentos pela de­
mocracia e pela diversidade étnica é despertado o germe de um 
ambientalismo popular, capaz de arraigar os princípios ambi­
entais em práticas culturais e produtivas renovadas. E nesta 
perspectiva que os agrupamentos camponeses e os povos indí­
genas poderiam reclamar o direito de autogerir seus recursos e 
que os direitos pela autonomia cultural poderiam ativar movi­
mentos sociais pela reapropriação da natureza.
A perspectiva ambiental não só propõe a incorporação de 
novas demandas dentro das reivindicações e das formas de or­
110
ganização política tradicionais, mas uma complexificação e 
ressignificação das demandas da cidadania emergente. Surge 
assim a questão da capacidade dos movimentos ambientais de 
conduzir estas demandas sociais dentro de uma racionalidade 
alternativa, de seu potencial mobilizador para construir novas 
formas de convivência, relações políticas e organizações pro­
dutivas, frente à racionalidade econômica dominante, aos seus 
interesses e inércias institucionais, que buscam dissolver o am­
biente nas estratégias da globalização econômica.
Ambientalismo/ecologismo
Os movimentos ambientalistas caracterizam-se pela di­
versidade de suas motivações, seus interesses e suas ações; sua 
heterogeneidade transcende uma classificação formal segun­
do suas origens de classe ou suas vinculações partidárias, de­
pendendo antes das diferentes concepções e estratégias em que 
se inscrevem suas práticas. A especificidade de cada movi­
mento ambientalista provém das condições culturais e do meio 
ecológico onde se desenvolve, como também das circunstân­
cias políticas, econômicas e institucionais onde se inscreve e 
adquire sua identidade através de suas práticas concretas.
Em todo movimento ambientalista — como em qualquer 
movimento social - sua forma de organização e sua própria 
história de luta geram as condições de uma tomada de cons­
ciência, abrindo os espaços onde podem enraizar-se suas es­
tratégias e concretizar-se seus propósitos. Assim, um movi­
mento ecológico promovido por estratos médios da popula­
ção pode incorporar em suas ações outras demandas popula­
res e estabelecer alianças de classe com organizações mais 
radicais. Por sua vez, os movimentos camponeses, indígenas 
e urbano-populares, através da incorporação de uma cons­
ciência ambiental, podem enriquecer suas demandas imedia­
tas por melhoras salariais, por seu direito à terra, à moradia e
111
aos serviços públicos, para incidir na tomada de decisões mais 
complexas sobre os padrões de uso de seus recursos, sobre 
novos modelos de urbanização e formas de assentamento, so­
bre processos de trabalho mais satisfatórios, sobre novos es­
quemas de organização social e produtiva que afetam a curto, 
médio e longo prazos suas condições e sua qualidade de vida. 
Daí pode surgir uma força real para internalizar uma perspecti­
va ambiental no programa dos partidos políticos, que permita 
traduzir os enunciados dispersos sobre a problemática ambien­
tal do discurso oficial em medidas, ações e instrumentos efica­
zes de uma política ambiental de desenvolvimento, abrindo 
espaços de participação para a sociedade civil.
Os princípios gerais do ambientalismo encontram condi­
ções ecológicas e culturais mais ricas e perspectivas concei­
tuais e politicamente mais complexas nos países do Terceiro 
Mundo do que nos países altamente industrializados. Nos paí­
ses do Norte, o movimento ecológico se orienta para a con­
servação da natureza e o controle da contaminação, ao mes­
mo tempo que os problemas associados à exploração excessi­
va dos recursos são transferidos aos países mais pobres. Para 
estes últimos, localizados em sua maior parte em ecossiste­
mas mais frágeis e complexos daszonas tropicais, a defesa de 
seus recursos e o aproveitamento de seu potencial ecológico 
para um desenvolvimento sustentável estão associados à 
transformação da ordem econômica internacional e à cons­
trução de uma racionalidade de produção alternativa.
Além do pensamento ecologista e das práticas conserva- 
cionistas dos países ricos, o ambientalismo dos países pobres 
se orienta para um processo de mudanças econômicas, tecno­
lógicas e sociais, numa perspectiva renovada e enriquecida. 
Desta maneira, a formação de uma consciência ambiental 
converte-se num processo ideológico e político que mobiliza 
os atores sociais a transformar suas relações sociais de produ­
ção e a abrir novos caminhos de desenvolvimento das forças
produtivas baseadas na produtividade ecológica, no poten­
cial tecnológico e nos significados culturais dos povos. Neste 
sentido, os movimentos ambientalistas transcendem o campo 
de ação do ecologismo conservacionista, orientando suas de­
mandas sociais e políticas para a construção de uma nova ra­
cionalidade social e produtiva, capaz de gerar um desenvol­
vimento eqüitativo, sustentável e endógeno.
Os movimentos ambientais mostram uma enorme diver­
sidade ideológica e praxeológica. Assim, encontramos movi­
mentos antinucleares, movimentos pela defesa dos recursos e 
de resistência diante da deterioração ambiental ocasionada pe­
los projetos de desenvolvimento industrial; movimentos con­
tra a hipertrofia e contaminação urbana; de prevenção dos de­
sastres ambientais, inclusive através de uma correta disposição 
do lixo tóxico e perigoso; movimentos de protesto contra os 
processos de criação de gado, contra o desmatamento e contra 
as práticas de monocultura, movimentos em favor da conser­
vação da natureza, da diversidade genética dos recursos e das 
espécies biológicas; em prol do desenvolvimento de tecnolo­
gias alternativas e da promoção de processos de autogestão.
Estes movimentos caracterizam-se por sua composição 
pluralista e pela heterogeneidade de seus atores sociais que 
vão conformando alianças em torno de objetivos comuns: a 
sobrevivência da espécie humana, a conservação da nature­
za, a diversidade étnica, a auto-suficiência alimentar, a segu­
ridade social, o equilíbrio ecológico, a qualidade de vida e a 
participação comunitária na gestão dos recursos. Porém é di­
fícil passar desta lista de problemas que mobilizam diferentes 
grupos sociais ao estabelecimento de uma tipologia específi­
ca dos diversos movimentos e grupos ambientalistas, com 
base em sua fidelidade formal, discursiva ou prática aos seus 
princípios e objetivos, e em suas estratégias políticas, em 
suas alianças de classe e em suas filiações partidárias.
113
Em todo caso, é possível fazer uma distinção entre os mo­
vimentos “ecologistas do Norte” e os movimentos “ambien­
talistas do Sul”1. O ecologismo dos países altamente indus­
trializados surgiu como uma ética e uma estética da natureza, 
como uma busca de novos valores que surgiriam das condi­
ções de “pós-materialidade” (Inglehart, 1991) que produziria 
uma sociedade da abundância, livre das necessidades básicas 
e da sobrevivência. São “movimentos de consciência” que 
desejariam salvar o planeta do desastre ecológico, recuperar 
o contato com a natureza, mas que não questionam a ordem 
econômica dominante. Por sua vez, os movimentos ambien­
talistas nos países pobres surgem em resposta à destruição da 
natureza e ao esbulho de suas formas de vida e de seus meios 
de produção; são movimentos desencadeados por conflitos 
sobre o acesso e o controle dos recursos; são movimentos 
pela reapropriação social da natureza vinculados a processos 
de democratização, à defesa de seus territórios, de suas iden­
tidades étnicas, de sua autonomia política e sua capacidade 
de autogerir suas formas de vida e seus estilos de desenvolvi­
mento. São movimentos que definem as condições materiais 
de produção e os valores culturais das comunidades locais.
1. Estes movimentos são melhor caracterizados por seus objetivos c estratégias do que pe­
las noções com as quais são designados. De maneira geral, associou-se de início o ter­
mo ecologia ao manejo dos recursos (green issues), c ambiente aos efeitos da contami­
nação (brown issues). Contudo, desde sua irrupção com a crise ambiental, estas noções 
foram arrastadas pelo discurso político c seus usos institucionais foram adotando signi­
ficados práticos diversos, sem um esclarecimento e sistematização de seu sentido con­
ceituai. Só muito lentamente o significado destes termos foi sendo depurado da polisse- 
mia c ambivalência de seus usos primários, até ir adquirindo um sentido conceituai 
mais preciso. Desta maneira, pouco a pouco as instituições dedicadas à proteção da na­
tureza c ao uso sustentável dos recursos estão mudando sua denominação de agencias 
de ecologia a agências do meio ambiente (ministérios, comissões, conselhos). A eco­
nomia ambiental não se distingue da economia ecológica pela precisão de seus adjeti­
vos; a primeira é um ramo da economia convencional que busca atribuir valores econô­
micos à natureza, enquanto que a segunda busca um enfoque que permita inter-rclacio- 
nar processos econômicos c ecológicos (cf. cap. 3 deste volume). Mesmo no campo da 
economia ecológica fala-se ao mesmo tempo de “distribuição ecológica” e de “confli­
tos ambientais”; c só recentemente o “ecologismo dos pobres” ou “ecologismo popu­
lar” está sendo reconccitualizado como movimento ambientalista (Martínez Alicr, 
1995; Guha c Martínez Alier, 1997).
114
Considerando as condições em que surgem e se desenvol­
vem estes movimentos nos países subdesenvolvidos, e ten­
do em vista seus objetivos de transformação social, convém 
qualificá-los como ambientalistas de preferência a ecolo­
gistas; o contexto político, cultural e econômico em que sur­
gem, assim como seus interesses e suas estratégias de luta, 
transcendem as visões dos grupos ecologistas dos países in­
dustrializados. Os grupos sociais que se mobilizam pelos 
princípios de uma racionalidade ambiental nos países do 
Terceiro Mundo incorporam em suas formações ideológi­
cas um conceito de ambiente mais rico e complexo que o 
conceito de ecologia que está na base do conservacionismo 
dos países centrais.
Porém, uma justificação mais forte para designar estes 
novos movimentos sociais como ambientalistas é que o direi­
to ao acesso democrático aos recursos, seus significados cul­
turais e as condições para um desenvolvimento sustentável 
não são guiados por uma racionalidade ecológica. O ambien­
talismo não pretende restabelecer as condições ecológicas de 
inserção da espécie humana na natureza. Estes grupos se mo­
bilizam por princípios de racionalidade ambiental que incor­
poram as condições ecológicas em novas formas de signifi­
cação cultural e de organização social; que constituem novos 
valores e sentidos existenciais; que fundam novas estratégias 
de produção e orientam os diferentes tipos de desenvolvi­
mento de cada comunidade.
A ideologia de um movimento social não é uma questão 
acidental em sua mobilização concreta. A conceitualização de 
um processo social não só configura o campo das possibilida­
des de transformação social, mas canaliza as ações para a con­
secução de certas metas e objetivos sociais. Os movimentos 
sociais que surgem mobilizados por um conceito de racionali­
dade ambiental encontram assim em suas perspectivas de aná­
lise a orientação de suas ações e de suas estratégias políticas.
115
O ecologismo arrasta consigo o significado das políticas 
remediais, das ações cosméticas e das soluções tecnologistas 
dos países industrializados. Mais ainda, internaliza em suas 
análises da realidade e em suas ações o “imperialismo gnoseo- 
lógico” baseado numa “ecologia generalizada” (Morin, 
1980). A ecologia, como disciplina científica, apresenta-se 
como ciência por excelência das inter-relações, como uma 
“ciência das ciências”, onde os processos sociais se reduzem 
às estruturas biológicas das populaçõeshumanas e às suas 
adaptações e assimilações de seu entorno ecológico (Wilson, 
1975). Inclusive a ecologia social busca sua justificação 
epistemológica numa ecologização do pensamento dialético 
(Bookchin, 1990; Leff, 1999). O ambientalismo coloca a ne­
cessidade de gerar perspectivas mais ricas para entender a ar­
ticulação dos múltiplos processos que integram o ambiente e 
as relações sociedade-natureza, para derivar uma nova racio­
nalidade produtiva, fundada no manejo integrado dos recur­
sos (Leff, 1994a, 20006).
O ambiente configura um conceito e um objeto mais com­
plexo que o pensamento ecologista; a partir da ótica questio- 
nadora das extemalidades geradas pelos critérios produtivis- 
tas de curto prazo, problematiza a racionalidade social im­
posta pela ordem econômica dominante. O ambiente, enten­
dido como o potencial produtivo que gera a articulação siner- 
gética da produtividade ecológica, a inovação tecnológica, a 
autogestão produtiva e a participação popular, é um projeto 
mais rico que o da adaptação tecnológica dos processos pro­
dutivos a um funcionalismo ecologista. O ambientalismo se 
orienta assim para o melhoramento da qualidade de vida atra­
vés de novas alternativas de desenvolvimento fundadas no 
potencial ambiental das diferentes regiões e comunidades.
Ativar e colocar em prática este potencial depende da 
ação social e da organização política que se infere das estraté­
gias do movimento ambiental. Os princípios de diversidade,
116
diferença e autonomia cobram sentido no campo de disper­
são do movimento ambientalista. Nesta perspectiva, já não se 
trata de reordenar o todo social com demandas homogêneas, 
mas abrir canais a reivindicações sociais mais localizadas e 
específicas, que muitas vezes não se expressam através das 
instâncias de representatividade e mediação da ordem políti­
ca institucionalizada, mas da ação direta. Desta maneira, as 
demandas dos grupos ecologistas, feministas e pacifistas vão 
se diferenciando, ao mesmo tempo que vão se multiplicando 
e dispersando as lutas sociais por novos direitos ambientais, 
culturais e coletivos (Leff, 2001). Face ao sentido reintegra- 
dor dos movimentos sociais emergentes oferecido pelo cará­
ter complexo de um ambientalismo que rejeita todo propósito 
unificador, homogeneizante e totalitário, as expressões, as 
mobilizações e as lutas sociais pela reapropriação da nature­
za, da vida e da cultura vão se diversificando, sem encontrar 
estratégias efetivas de poder, capazes de enfrentar o poder 
dissuasivo da globalização; sem haver podido constituir ali­
anças onde a diversidade política e cultural encontre uma via 
para plasmar solidariedades que permitam avançar na des- 
construção do logocentrismo e da unificação do mercado, 
dando lugar a um mundo organizado através de suas diversi- 
dades e diferenças.
Neste contexto surge a cidadania buscando dar resposta 
aos desafios da globalização na passagem para a pós-mo- 
dernidade.
8 - CIDADANIA, GLOBALIZAÇÃO E 
PÓS-M ODERNIDADE*
O silêncio como prelúdio da ação e da mudança
O silêncio tem sido uma expressão de resistência e uma 
tática de luta que, através de sua eficácia simbólica, conse­
guiu enfrentar o poder totalitário. Exemplo disto têm sido as 
passeatas silenciosas de protesto pelo genocídio e contra a in­
dústria nuclear; ou o pacifismo de Gandhi e o movimento 
Chipko em defesa de suas florestas na índia. O silêncio tem 
sido a resposta à violência das armas e ao diálogo da guerra; o 
silêncio tem sido a reação das comunidades indígenas diante 
da apropriação forçada de seus saberes. O silêncio tem sido 
uma música que acompanha a paz. Mas o silêncio também é 
efeito de uma violência simbólica provocada pela política 
neoliberal e pelo discurso da pós-modemidade, calando as 
consciências, esvaziando o pensamento e eliminando os refe­
rentes a partir dos quais se pode construir uma nova utopia.
Neste contexto, a ética ambiental manifesta uma resistên­
cia frente ao niilismo e à desmoralização deixados pelo des­
moronamento das ideologias modernas e pela perda de senti­
dos do pensamento da pós-modernidade. Frente ao poder do 
Estado e do mercado, a cidadania reclama seu direito de parti­
cipar nos processos de produção e abastecimento de serviços
* Texto redigido a partir de uma exposição na Conferência “Los ciudadanos frente a Ia glo- 
balización: impactos socialcs, políticos y culturales”, organizada pela Rede de Ação 
Ecológica c pelo International Forum on Globalization, Santiago do Chile, 29 c 30 de 
março de 1996.
118
básicos, assim como na tomada de decisões que afetam suas 
condições e sua qualidade de vida.
A crise ambiental marca um ponto de inflexão na história, 
onde se desvanecem os suportes ideológicos e as certezas 
subjetivas que geraram os paradigmas de conhecimento e os 
dogmas do saber no ambivalente progresso da modernidade.
Diante de um mundo finito e esgotado, as energias mobi- 
lizadoras de novos projetos societários parecem dissipar-se 
na entropia do sem-sentido teórico e prático. Deste vazio 
emerge o movimento ambiental, forjando novas utopias na 
virtualidade do possível, apoiadas em forças materiais desco­
nhecidas, nos processos negados e nos saberes subjugados 
pela racionalidade econômica e científica dominante.
Além da alienação tecnológica, o capitalismo real exerce 
seu poder repressivo através de suas estratégias de silencia- 
mento e de simulação: no indizível e na indecisão diante do li­
mite. O capitalismo real gera uma razão de força maior - o es­
tado permanente de urgência provocado pela crise econômica 
e ecológica - diante da qual é preciso atuar de acordo com as 
leis cegas do mercado e as normas dos poderes estabelecidos. 
As utopias se precipitam no abismo do fim da história.
A pós-modemidade substitui a construção social de uto­
pias por um jogo de realidades virtuais. Tendo enterrado a fa­
talidade do destino e a construção de sentidos, as lutas pela li­
berdade diante da sujeição do poder e do projeto científico da 
modernidade para dominar e controlar a natureza, a pós-mo- 
dernidade anuncia o esboço de desígnios e uma saturação de 
sinais que gera a dessignificação do mundo. O pensamento 
perde seu sentido como razão teórica e prática. Esta é a vio­
lência simbólica das estratégias do silêncio que a hiper-reali- 
dade do mundo pós-modemo instaura nas consciências (Bau- 
drillard, 1993).
119
Esta violência já não se exerce apenas através da pilha­
gem de terras e recursos, mas pelo despojamento de saberes e 
práticas, pela carência de conhecimentos, pela perda de idéi­
as e pela falta de perspectivas de ação. O que esta estratégia 
de silêncio impõe é o esvaziamento do que hoje pode ser pen­
sado como campo de possibilidades diante do obscurantismo 
hegemônico das leis cegas do mercado. Diante do poder sim­
bólico desta razão totalitária, ficamos sem fala para afirmar 
nosso lugar no mundo, sem palavras para significar e dar sen­
tido à nossa existência, sem um pensamento capaz de orientar 
a construção de nosso futuro. Ficamos paralisados diante do 
desmoronamento dos referentes teóricos, axiológicos e pra- 
xeológicos, desarmados diante da incerteza, impotentes di­
ante das estratégias fatais da globalização, de uma hiper-rea- 
lidade inescapável que penetra nosso tecido vital, aniquilan­
do o pensamento crítico e a ação criativa. Da impossibilidade 
do inconsciente de realizar os sonhos, passamos à impotência 
histórica de sonhar.
Diante do cerco onipresente e impenetrável da razão eco­
nômica, diante do círculo perfeito - mais absoluto do que a 
Idéia hegeliana- da globalidade planetária, a consciência ci­
dadã assoma entre os interstícios e as falhas deste mundo, fe­
chado e acabado, àprodução de novos sentidos civilizatórios, 
de novos valores e referentes mobilizadores de novas utopias 
capazes de preencher os vazios de subjetividade e de ação so­
cial; de pensar o inédito e a alternativa; de construir uma cul­
tura política da diferença e de conceber a diversidadecomo 
um potencial.
Os novos atores destes processos de mudança histórica 
estão se forjando nos movimentos cidadãos, no meio urbano 
e no meio rural. A energia social reprimida e as forças conti­
das pela história transbordam sobre a realidade, anunciando a 
possibilidade de pensar novos futuros. Diante do bloqueio 
econômico das idéias, irrompem estalidos sociais, mobiliza-
120
cões cidadãs e lutas de resistência; ações e reações face à glo­
balização que estão transformando o mundo para passar para 
outro mundo. Diante da desarticulação e dissolução dos mo­
vimentos sociais, o saber ambiental emerge de seu sonho (pe­
sadelo?) legitimando novos direitos humanos e despejando 
novas vias de transformação histórica. De suas lutas de resis­
tência, a cidadania desperta para a invenção de novas utopias.
A ética ambiental reanima a vontade nietzscheana de po­
der como um desejo de vida que rompe o silêncio, reabrindo 
os sentidos da história. O saber ambiental é mobilizado por 
essa vontade de poder querer, que vincula o conhecimento a 
uma ética do desejo1. A qualidade de vida não busca o trans- 
bordamento dos imperativos pulsionais nem a satisfação de 
necessidades reguladas pela racionalidade econômica. É bus­
ca de sentidos, abertura do desejo e norma diante do reconhe­
cimento dos limites.
A proibição, o limite e a utopia
A crise ambiental expressa o limite na ordem do real. A 
lei como limite, constitutiva da cultura e da subjetividade, 
manifesta-se agora na ordem econômica e ecológica. A mor­
te entrópica do planeta abre um processo de ressignificação 
da produção. A economia política desemboca numa política 
da vida. A proibição como lei foi internalizada na cultura para 
extemalizar-se na economia. Desta maneira o desejo insaciá­
vel abriu suas comportas numa demanda infinita de mercado­
rias transbordando sobre a natureza finita.
O Édipo, como lei constitutiva da cultura, como lei de 
proibição do incesto, como norma de consangüinidade e con-
“A vontade de poder... c antes a designação de uma força, para Nictzsche a força da vida, 
desejante, pujante. Esta força aponta não tanto para querer o poder como para aumentar 
a possibilidade de querer para poder querer, buscando sempre um mais, um plus" 
(Saal, 1998: 172-173).
121
dição de sobrevivência e convivência, foi internalizada (em­
bora transgredida como toda lei) pela humanidade; enquanto 
que a entropia como limite e condição de sustentabilidade é 
negada e pervertida pelo discurso do crescimento sustenta­
do. Abre-se aí a diferença entre a proibição e o limite abso­
luto entre a morte que, como limite, significa a vida e a re­
lança para os imaginários da reencamação, para o além, 
para o reino dos céus (e dos infernos), e para a morte entró- 
pica do planeta, que questiona os fundamentos ideológicos 
do crescimento e do progresso, sem ter encontrado ainda os 
caminhos para reconduzir a significação da vida dentro de 
uma nova economia.
Vivemos um mundo onde a perda de sentidos existenciais, 
a desesperança generalizada pela marginalização, pelo de­
semprego e pela pobreza, e o fastio da abundância geram uma 
reação cega que tende a desvalorizar a própria vida. Hoje já 
não há mortes românticas, sobrecarregadas de gozos patéti­
cos onde se cantava a natureza e onde a natureza era o reflexo 
da alma. Hoje se morre de inanição de sentidos. É esta a en­
cruzilhada da civilização moderna, marcada pela lei-limite, 
onde o saber e a ação paralisam diante da saturação de um 
mundo fechado.
Fernando Savater (1983-1994) nos lembra, citando Gil- 
les Deleuze, que “todos pensamos desde a própria ponta do 
que sabemos até o que ignoramos”. Percebemos hoje a crise 
da racionalidade econômica sobre a qual foi construída a ci­
vilização moderna. E ao mesmo tempo nos desencontramos 
num mundo sem referentes teóricos nem apoios ideológicos 
para orientar uma práxis transformadora da realidade; para 
construir o novo mundo guiados por uma praxeologia que 
oriente e viabilize a passagem para uma sustentabilidade fun­
dada na democracia e na recriação dos sentidos existenciais.
O colapso ecológico aparece como uma crise de civiliza­
ção na qual permanecemos suspensos (pasmados?). Este abis-
m0 entre o mundo finito, acabado e cercado por seu conheci­
mento de si e pelo saber especulativo do mundo novo, asse­
melha-se à mudança paradigmática entre o mundo fechado 
da Idade Média e a abertura ao universo infinito da moderni­
dade (Koyré, 1979); somos como “aquele arqueiro imagina­
do por Lucrécio em seu De rerum natura [diante da] infmitu- 
de inconcebível do cosmos: quando chegou ao próprio extre­
mo do universo finito postulado por outros, lançou uma fle­
cha”. Acontece que nesse ponto de projeção para o vazio infi­
nito, só nos “resta a impaciência de irmos nós mesmos atrás 
da flecha, como se só contasse o que estivesse além do que sa­
bemos” (Savater, 1983/1994: 20).
E este é o desafio do saber ambiental diante do limite da 
razão economicista. Não basta neste caso o diagnóstico certei­
ro da finitude do mundo e do fim da história. No limite do pa­
radigma neoliberal, é necessário empreender o caminho da 
flecha lançada ao espaço desconhecido para criar (e não des­
cobrir) novos mundos. Devemos buscar pegadas, rastrear os 
sinais das respostas possíveis na imaginação sociológica e na 
criatividade política, das motivações e das estratégias da ci­
dadania diante da globalização.
O que abre a “difer(a)ncia” (Derrida, 1989) no mundo 
não é a expressão de um ser prescrito na positividade^e sua 
presença; não a consciência como auto-reflexão do ser; não 
o devir da história como expressão de uma essência e desen­
volvimento de um código preestabelecido; não uma trans­
cendência como movimento teleológico de um projeto; não 
a clonagem de uma realidade ensimesmada. A utopia am­
biental emerge como a ressignificação do ser e da existência 
desde o limite: a compulsão da língua, a marca da morte, a lei 
da entropia.
A iídifer(a)ncià''‘ como ressignificação desde o limite se 
coloca “como gasto sem reserva, como perda irreparável de
123
presença, como usura irreversível da energia, como pulsão de 
morte e relação com o outro que interrompe em aparência 
toda economia” (Derrida, 1989: 54). Ao mesmo tempo, a po­
lítica da diferença desocupa o campo da utopia onde se des­
dobram novas potencialidades e alternativas a partir do im­
pensável e do indizível. Neste renascimento das utopias, na 
busca antiparadigmática do conhecimento, emergem novos 
atores sociais num processo de reapropriação da natureza e 
de recriação de seus modos de vida.
A globalização econômica como processo conduzido pelo 
sentido civilizatório para a realização do homo economicus 
como o estado mais acabado do sentido da existência huma­
na, e o disfarce do discurso da sustentabilidade, que encobre 
o limite da capitalização da natureza e da cultura, formam 
uma cortina de fumaça e uma realidade incontestáveis. A ca­
pacidade de simulação, de perversão e sedução do discurso 
da sustentabilidade resulta mais grave que a violência direta e 
a queima de livros pela Inquisição durante as ditaduras que 
tentaram esmagar a poesia e o pensamento crítico. A estraté­
gia de poder do hiper-realismo da globalização se baseia no 
ocultamento de seus mecanismos de repressão. Daí sua eficá­
cia e impunidade.
A capitalização da vida e a forja de novas utopias
A globalização aparece como a mudança histórica mais 
importante da ordem mundial na transição para o novo milê­
nio. Este processo tende a dissolver as fronteiras nacionais, 
homogeneizando o mundo através da extensão da racionali­
dade do mercado a todos os confins do orbe. Neste sentido, as 
novas estratégias do poder do capital na etapa da globaliza­
ção ecologizada não se reduzem à exploração direta dos re­
cursos, mas a uma recodificação do mundo, das diferentes or­
124
dens de valor e de racionalidade, à forma abstrata de um siste­
ma generalizado de relações mercantis.
Face à globalização econômica, os movimentosda cida­
dania estão legitimando novos valores e direitos humanos 
que estão detonando o surgimento de projetos sociais inédi­
tos na história. A cidadania emerge configurando novos ato­
res sociais fora dos campos de atração das burocracias esta­
tais e dos círculos empresariais, que reclamam a autodetermi­
nação de suas condições de existência e a autogestão de seus 
meios de vida.
A cidadania surge como uma reação contra a ordem esta­
belecida, mas sem uma clara condução estratégica de suas 
ações. Fora dos canais institucionais e sem a orientação de su­
portes ideológicos prévios, caminha por veredas sem sinais 
que previnam sua queda nos abismos da incerteza e do caos. 
A cidadania avança numa viagem invernal, onde os ventos 
com força de furacões fazem girar os cata-ventos sem dire­
ção, onde a neve sepulta as pegadas deixadas no caminho. 
Como viajantes sem rumo que fazem o caminho ao andar so­
bre rotas minadas de sinais enganosos e confusos. A cidada­
nia se abre caminho impulsionada por um desejo de vida, en­
tre o sortilégio dos sentidos e os contra-sentidos causados 
pela perversão do poder no saber. Seu futuro se apresenta 
como um espaço virtual num campo de possibilidades ainda 
indefinidas, para abrir a ordem fechada e unidimensional da 
racionalidade econômica.
A cidadania forja seus sentidos através de estratégias de 
poder, legitimando um espaço próprio nos processos de to­
mada de decisões, diante do Estado e da empresa. Todavia, a 
nova ordem unipolar não se democratiza através de uma dis­
tribuição tripartida de poderes, com a descentralização de um 
poder concentrado, ou pela outorga de um poder aos grupos 
sociais marginalizados dos benefícios (cada vez mais duvi­
125
dosos) da ordem estabelecida. A autonomia do cidadão já não 
se propõe como uma tomada ou distribuição do poder; não se 
trata da apropriação dos meios de produção, de controle polí­
tico e de coerção estabelecidos pelos aparelhos ideológicos 
do Estado.
A questão ambiental emerge de novos valores e novos 
princípios que levam à reorganização social e da produção 
para a reapropriação da natureza e da cultura. Isto implica o 
estabelecimento de novas relações sociais de produção e de 
novos sentidos civilizatórios, donde emerge um poder feito 
de uma nova matéria, sujeito a novas regras. Daí que hoje os 
efeitos simbólicos de uma estratégia antibelicista possam de­
sarticular a produção de armamentos nucleares, ou a legiti­
mação dos direitos indígenas possam desarmar a prepotência 
do Estado autoritário. A fortaleza dos movimentos da cidada­
nia depende de sua capacidade de inventar novas estratégias 
de poder, capazes de burlar o poder tecnoburocrático e de 
construir uma nova racionalidade social.
A emergência da cidadania como novo projeto social co­
loca a possibilidade de forjar novas utopias face ao mundo 
homogeneizado que anuncia o fim das ideologias e da histó­
ria; a imaginação sociológica e a criatividade política se con­
frontam com o desafio de gerar novas estratégias de poder, 
capazes de vulnerar as fortalezas construídas em torno dos in­
teresses do capital, para arraigar na natureza e na cultura uma 
nova racionalidade produtiva. Trata-se da criação de novos 
sentidos para a existência, cujo impulso inicial surge da sacu­
dida da opressão física e moral gerada pela racionalidade so­
cial dominante. Entretanto, o ambientalismo não se limita às 
suas lutas de resistência; o ambientalismo não reduz suas es­
tratégias a criar contrapesos à ordem dominante nem a espe­
rar a derrocada do capitalismo como condição para a constru­
ção de uma nova sociedade. A utopia ambiental propõe a 
criação de uma nova ordem social.
126
O poder mais consolidado que deve ser desconstruído é a 
ideologia neoliberal; é a armadura mais difícil de desarmar, 
apesar de serem evidentes seus efeitos ecodestrutivos, seu 
jnipacto na produção de pobreza, o desmoronamento das ins­
tituições e a desmoralização da sociedade. Não só não se sus­
tenta na balança do paradigma mecanicista em que se funda, 
como ainda seus alicerces sofrem colapso numa economia 
que se move pelas leis cegas do mercado, cegas inclusive ao 
poder da narcoeconomia e da narcopolítica, pela volatilidade 
da produção sustentável de satisfatores diante da aceleração 
das transações monetárias (nem sequer materializadas em 
ouro ou em papel moeda), e à desintegração ecológica desen­
cadeada pela degradação entrópica do planeta.
Eqüidade, igualdade, diversidade
O movimento ambiental abre novas vias para alcançar a 
sustentabilidade ecológica e a justiça social. No neoliberalis- 
mo globalizado, a iniqüidade já não provém só do caráter ex- 
cludente e gerador de pobreza do capitalismo. O sistema tam­
bém produz uma maior necessidade de distinção do que de 
diferenciação, de status do que de identidade. Diante dos li­
mites do crescimento, propôs-se a igualdade social e a distri­
buição da renda como condição para equilibrar o desenvolvi­
mento com a proteção do ambiente. Hoje em dia, diante dos 
padrões prevalecentes de consumo, a eqüidade converte-se 
num despropósito. Só em pensar que cada indivíduo dos paí­
ses pobres (China, índia, por exemplo) pudesse ter acesso a 
um carro e a um refrigerador, faria estourar o planeta!
A eqüidade no consumo igualitário da racionalidade eco- 
nomica globalizada é impossível, e as restrições auto-impos- 
tas pelos grupos ecologistas do Norte (o poder e soberania do 
consumidor) pouco haveriam de contribuir para minorar a 
pressão das massas empobrecidas sobre o ambiente, em sua
127
reivindicação de elevar seus níveis de renda e satisfazer suas 
necessidades básicas através de uma “distribuição mais eqüi- 
tativa do consumo”.
A desigualdade ambiental não se resolve intemalizando 
os custos ecológicos na lógica do mercado, nem invertendo a 
relação do impacto da pobreza sobre a capacidade de carga 
do ecossistema; a eqüidade diante da sustentabilidade deve 
levar a perceber como a racionalidade tecnológica e econô­
mica afeta os equilíbrios ecológicos existentes e as formas 
culturais de acesso e transformação da natureza, gerando no­
vas formas de desigualdade social e de distribuição ecológica 
dos recursos entre os diferentes atores sociais.
A eqüidade na sustentabilidade não pode ser proposta a 
não ser como um direito à diversidade cultural, o que implica 
uma diferenciação das formas sociais de produção e de con­
sumo. As culturas não só definem nichos ecológicos e nor­
mas sociais de acesso aos recursos que permitem controlar a 
pressão social sobre os recursos, mas ao mesmo tempo a di­
versidade de tipos étnicos coloca diferentes sentidos diante 
do consumo de recursos naturais. O efeito de competição que 
gera igualdade diante de um tipo globalizado de consumo se 
dispersa e desativa na convivência de diferentes formas cul­
turais de vida. Por outro lado, a igualdade como homologa­
ção das formas de consumo gera a ambição de distinção dian­
te do outro. Caim mata Abel no âmbito da competição frater­
na. Na cultura da competição, à medida que se reduz a distân­
cia social, cresce a tensão pela distinção, que se concretiza na 
acumulação de bens. Na diversidade cultural, a competição 
se dissolve em outra maneira de olhar a alteridade, como 
complementaridade, cooperação, solidariedade e integrali- 
dade do múltiplo.
Isto leva a desconstruir as noções prevalecentes de rique­
za e de pobreza e a defini-las como construções culturais.
128
Neste sentido, Vandana Shiva assinala a necessidade de “se­
parar uma concepção cultural que considera pobreza a sub­
sistência, da experiência material da pobreza que resulta da 
despossessão e da privação” (Shiva, 1993a: 32). Na visão 
ocidental, as sociedades de auto-subsistência são vistas como 
“pobres” porque não se ajustam aos critérios de bem-estar 
através do consumo da economia de mercado. Entretanto, é a 
transformação das economias de subsistência para inte- 
grá-las ao mercado que converte estas comunidades em socie­
dades pobres; não só emsuporte para chegar a um desenvolvimento du­
radouro, questionando as próprias bases da produção.
A visão mecanicista da razão cartesiana converteu-se no 
princípio constitutivo de uma teoria econômica que predomi­
nou sobre os paradigmas organicistas dos processos da vida, 
legitimando uma falsa idéia de progresso da civilização mo­
derna. Desta forma, a racionalidade econômica baniu a nature­
za da esfera da produção, gerando processos de destruição eco­
lógica e degradação ambiental. O conceito de sustentabilidade 
surge, portanto, do reconhecimento da função de suporte da 
natureza, condição e potencial do processo de produção.
A crise ambiental se toma evidente nos anos 60, refletin- 
do-se na irracionalidade ecológica dos padrões dominantes
* Texto redigido com base no artigo “La insoportable levedad dc la globalización. La capita- 
lizaeión de la naturaleza y las estrategias fatales de la sustentabilidad”, Revista de la Uni- 
versidad de Guadalajara, n. 16 (1996). Uma versão resumida foi publicada em 
Formación Ambiental, vol. 7, n. 16 (1996).
15
gracihelem
Highlight
de produção e consumo, e marcando os limites do crescimen­
to econômico. Desta maneira, inicia-se o debate teórico e po­
lítico para vaTorizar a natureza e internalizar as “extemalida- 
des socioambientais” ao sistema econômico.íDeste processo
crítico surgiram as~estratégias do ecodesenvolvimento, pro­
movendo novos tipos de desenvolvimento fundados nas con­
dições e potencialidades dos ecossistemas e no manejo pru­
dente dos recursos (Sachs, 1982). A economia foi concebida 
como um processo governado pelas leis da termodinâmica 
que regem a degradação de energia em todo processo de pro­
dução e consumo (Georgescu-Roegen, 1971). O sistema eco­
nômico viu-se imerso num sistema fisico-biológico mais am­
plo que o contém e lhe dá seu suporte de sustentabilidade 
(Passet, 1979). Daí surgiram os novos paradigmas da econo­
mia ecológica, buscando integrar o processo econômico com 
a dinâmica ecológica e populacional (Costanza et al., 1996).
Emergência do ambiente e discurso da sustentabilidade
O discurso do desenvolvimento sustentável foi sendo le­
gitimado, oficializado e difundido amplamente com base na 
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o 
Desenvolvimento, celebrada no Rio de Janeiro, em 1992. 
Mas a consciência ambiental surgiu nos anos 60 com a Pri­
mavera Silenciosa de Rachel Carson, e se expandiu nos anos 
70, depois da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio 
Ambiente Humano, celebrada em Estocolmo, em 1972. Na­
quele momento é que foram assinalados os limites da racio­
nalidade econômica e os desafios da degradação ambiental 
ao projeto civilizatório da modernidade. A escassez, alicerce 
da teoria e prática econômica, converteu-se numa escassez 
global que já não se resolve mediante o progresso técnico, 
pela substituição de recursos escassos por outros mais abun­
dantes ou pelo aproveitamento de espaços não saturados para
16
o depósito dos rejeitos gerados pelo crescimento desenfreado 
da produção.
Na percepção desta crise ecológica foi sendo configurado 
um conceito de ambiente como uma nova visão do desenvol­
vimento humano, que reintegra os valores e potenciais da na­
tureza, as externalidades sociais, os saberes subjugados e a 
complexidade do mundo negados pela racionalidade mecani- 
cista, simplificadora, unidimensional e fragmentadora que 
conduziu o processo de modernização. O ambiente emerge 
como um saber reintegrador da diversidade, de novos valores 
éticos e estéticos e dos potenciais sinergéticos gerados pela 
articulação de processos ecológicos, tecnológicos e culturais. 
O saber ambiental ocupa seu lugar no vazio deixado pelo pro­
gresso da racionalidade científica, como sintoma de sua falta 
de conhecimento e como sinal de um processo interminável 
de produção teórica e de ações práticas orientadas por uma 
utopia: a construção de um mundo sustentável, democrático, 
igualitário e diverso (Leff, 1986).
Portanto, a degradação ambiental se manifesta como sin­
toma de uma crise de civilização, marcada pelo modelo de 
modernidade regido pelo predomínio do desenvolvimento da 
razão tecnológica sobre a organização da natureza. A questão 
ambiental problematiza as próprias bases da produção; apon­
ta para a desconstrução do paradigma econômico da moder­
nidade e para a construção de futuros possíveis, fundados nos 
limites das leis da natureza, nos potenciais ecológicos, na pro­
dução de sentidos sociais e na criatividade humana.
Neste processo de reconstrução são elaboradas as estraté­
gias do ecodesenvolvimento (Sachs, 1982),postulando a ne­
cessidade de fundar novos modos de produção e estilos de 
vida nas condições e potencialidades ecológicas de cada re­
gião, assim como na diversidade étnica e na autoconfiança 
das populações para a gestão participativa dos recursos. As
17
gracihelem
Highlight
propostas do ecodesenvolvimento são traçadas num momen­
to em que as teorias da dependência, do intercâmbio desigual 
e da acumulação interna de capital orientavam o planejamen­
to do desenvolvimento.
Não obstante, antes que as estratégias do ecodesenvolvi­
mento conseguissem vencer as barreiras da gestão setoriali- 
zada do desenvolvimento, reverter os processos de planeja­
mento centralizado e penetrar nos domínios do conhecimen­
to estabelecido, as próprias estratégias de resistência à mu­
dança da ordem econômica foram dissolvendo o potencial 
crítico e transformador das práticas do ecodesenvolvimento. 
Daí surge a busca de um conceito capaz de ecologizar a eco­
nomia, eliminando a contradição entre crescimento econô­
mico e preservação da natureza.
A uma década da Conferência de Estocolmo, os países do 
Terceiro Mundo, e da América Latina em particular, viram-se 
atravancados na crise da dívida, caindo em graves processos 
de inflação e recessão. A recuperação econômica surgiu en­
tão como uma prioridade e razão de força maior das políticas 
governamentais. Neste processo foram configurados os pro­
gramas neoliberais de diversos países, ao mesmo tempo que 
avançavam e se complexificavam os problemas ambientais 
do orbe. Começa então naquele momento a cair em desuso o 
discurso do ecodesenvolvimento, suplantado pelo discurso 
do “desenvolvimento sustentável”. Embora muitos dos re­
presentantes de ambos os discursos concordassem, as estraté­
gias de poder da ordem econômica dominante foram trans­
formando o discurso ambiental crítico, submetendo-o aos di­
tames da globalização econômica.
As estratégias de apropriação dos recursos naturais no 
processo de globalização econômica transferiram assim seus 
efeitos para o campo teórico e ideológico. O ambiente foi ca­
indo nas malhas do poder do discurso do crescimento susten­
18
gracihelem
Highlight
tável. Porém, o conceito de ambiente cobra um sentido estra­
tégico no processo político de supressão das “extemalidades 
do desenvolvimento” - a exploração econômica da natureza, 
a degradação ambiental, a desigual distribuição social dos 
custos ecológicos e a marginalização social - que persistem 
apesar da ecologização dos processos produtivos e da capita­
lização da natureza.
A pedido do secretário-geral das Nações Unidas, em 1984, 
foi criada a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desen­
volvimento para avaliar os avanços dos processos de degrada­
ção ambiental e a eficácia das políticas ambientais para enfren- 
tá-los. Depois de três anos de estudos, deliberações e audiên­
cias públicas, a Comissão publicou suas conclusões num do­
cumento intitulado Nosso futuro comum (CMMAD, 1988), 
também conhecido como Informe Bruntland.
Nosso futuro comum reconhece as disparidades entre as 
nações e a forma como se acentuam com a crise da dívida dos 
países do Terceiro Mundo. Busca entretanto um terreno co­
mum onde propor uma política de consenso, capaz de dissol­
ver as diferentes visões e interesses de países, povos e clas­
ses sociais, que plasmam o campo conflitivo do desenvolvi­
mento. Assim começou a configurar-se umatermos relativos (como marginaliza­
das do sistema), mas em termos absolutos, ao solapar seus 
meios naturais de produção de subsistência.
O processo de modernização desloca as economias tradi­
cionais de subsistência, impondo processos de despossessão 
de terras e saberes, gerando desigualdades sociais pelas con­
dições não eqüitativas de distribuição e acesso aos recursos 
naturais. Por isso, a questão da eqüidade na sustentabilidade 
não pode ser resolvida com uma melhor distribuição da renda 
ou uma melhor “distribuição ecológica”, já que enfrentam a 
impossível intemalização dos custos ecológicos não valori­
zados diretamente pelo mercado. A eqüidade ambiental não 
passa por um ajuste de custos (de contas) entre valorização 
ecológica e contabilidade econômica, mas pela contraposi­
ção de duas racionalidades culturais e produtivas diferentes. 
Neste sentido, a racionalidade ambiental afirma a diversida­
de como fonte e condição da eqüidade; a diferença como a 
forja de novas identidades que haverão de conjugar-se em 
formas solidárias na construção de outro mundo.
As estratégias de poder da cidadania emergente
Perante o poder de simulação e dissolução dos movimen­
tos sociais e da crítica social que fazem os poderes estabeleci­
dos, entre as rachaduras dos poderes anquilosados, está se re­
129
construindo hoje a sociedade civil. As respostas da cidadania 
face à globalização surgem como formas de resistência dian­
te da capitalização da natureza e da cultura, da produção ma­
terial e simbólica. O movimento ambiental cidadão não pro­
põe uma redistribuição de poder nem reclama um melhor ba­
lanço dos custos ecológicos do processo econômico, mas 
abre novos processos políticos e jurídicos para a apropriação 
social da natureza] O movimento ambiental não é uma fuga 
ao passado, mas a invenção de um novo futuro; não é a recusa 
da ciência, mas a fusão dos saberes tradicionais e do conheci­
mento moderno.t
A ciência e a tecnologia já não são exclusivamente meios 
de dominação do homem e exploração da natureza, mas obje­
tos de apropriação desigual para fundar projetos civilizató- 
rios diferenciados. São armas de dois gumes. A microeletrô- 
nica e as telecomunicações não são ferramentas para subju­
gar os despossuídos, mas instrumentos de luta em defesa dos 
direitos humanos que enlaçam um movimento solidário in­
ternacional. Também abriram a possibilidade de transmitir os 
fatos ocultados pelos mecanismos dos poderes estabelecidos 
e de mostrar o uso ilegítimo da violência e do poder do Esta­
do. Deste modo, os meios tecnológicos gerados pela globali­
zação estão sendo convertidos em instrumentos de poder e li­
beralização para as classes dominantes.
Com as armas da pós-modemidade cibernética, o subco- 
mandante Marcos conseguiu subverter o poder vertical do 
Estado mexicano, lançando ao mundo os comunicados de 
“durito” pela Internet. Através dos meios de comunicação es­
tabeleceu-se uma solidariedade internacional e convocou-se 
a cúpula da humanidade frente ao neoliberalismo. Em outro 
caso, um vídeo que devia provar a inocência das autoridades 
no assassinato de camponeses em Aguas Blancas, no estado 
de Guerrero, no México, voltou-se como um bumerangue 
contra seus executores, ao mostrá-los crivando os campone­
130
ses e semeando em seus corpos provas falsas de sua ameaça 
contra os “guardiães da ordem”. Os tiros de graça se refletem 
no olhar acusador do povo.
Vários exemplos mexicanos recentes mostram os sinais 
das novas relações de poder que surgem do conflito ambien­
tal e do processo de emancipação dos grupos dominados da 
população. Em sua luta pela democracia, o movimento do 
Exército Zapatista de Libertação Nacional foi reconhecido 
como uma força política com direito de participar na refor­
ma do Estado. O reconhecimento à cultura e à autonomia 
dos povos indígenas está exigindo seus direitos a autodeter- 
minar suas formas de organização social. Isto certamente 
vai ajudar a recuperar seu patrimônio de recursos naturais e 
culturais e a colocá-los a funcionar dentro de novas formas 
de autogestão produtiva.
Neste sentido, os “chimas”, antigos habitantes da região 
de Los Chimalapas, a reserva de biodiversidade mais rica do 
México, vêm reconhecendo seus direitos de propriedade da 
terra e sua recusa de serem peças de museu de uma reserva 
étnica e co-partícipes das novas formas de exploração dos re­
cursos da biodiversidade. Estes camponeses indígenas que 
habitam esta Reserva Campesina de Biodiversidade, assim 
decretada pelo governo federal, estão descobrindo que a bio­
diversidade representa o patrimônio de recursos naturais e 
culturais com o qual coevoluíram na história. Eles, assim 
como os demais povos indígenas que habitam as regiões bio- 
diversas do planeta, estão enfrentando uma alternativa:
1) ver as empresas de biotecnologia do Norte apropri- 
ar-se desse patrimônio através de seus “direitos de 
propriedade intelectual” , e receber uma compensa­
ção pelo serviço que oferecem à globalização eco- 
nômico-ecológica ao concessionar seu habitat e sua 
riqueza a uma empresa;
131
2) converter-se em novos sujeitos históricos, capazes 
de reapropriar-se de seu patrimônio de recursos na­
turais e culturais, recuperando seus saberes biotec- 
nológicos tradicionais, enriquecendo-os com conhe­
cimentos modernos; reivindicar o direito de apro­
priar-se da ciência e da tecnologia modernas para in­
crementar suas capacidades de produção e conser­
vação dessa biodiversidade, em vez de aceitarem ser 
sujeitos passivos e ceder seus direitos sobre seus re­
cursos (Torres, 1997).
Outro caso significativo de luta pela democratização do 
Estado tem sido o protesto contra a contaminação de Pemex 
(a empresa estatal responsável pela exploração dos hidrocar- 
bonetos e seus derivados) no estado de Tabasco, no México, 
que é ao mesmo tempo um protesto pela política esbanjadora 
na gestão da paraestatal e contra a cessão do patrimônio de 
um recurso estratégico aos poderes neoliberais. Este movi­
mento contra a contaminação e de resistência à venda da in­
dústria petroquímica é uma luta ambientalista que vincula o 
reconhecimento ao valor do recurso com sua gestão racional 
e democrática. A ameaça de uma possível privatização da in­
dústria petroquímica suscitou uma resistência e uma mobili­
zação da cidadania com respostas criativas. Como reação di­
ante das especulações de privatização para capitalizar a in­
dústria, o Partido da Revolução Democrática lançou uma 
convocatória nacional para a compra das ações da empresa 
entre mexicanos.
Neste sentido, vão se configurando os novos atores so­
ciais e as novas estratégias de poder da cidadania, para for­
jar, em oposição à modernidade, um mundo novo, onde a 
racionalidade ambiental recebe, conjuga e dispersa as lu­
zes e as vozes pela democracia, pela sustentabilidade e 
pela justiça social.
132
9 - 0 CONCEITO DE RACIONALIDADE 
AMBIENTAL*
O processo civilizatório da modernidade fundou-se em 
princípios de racionalidade econômica e instrumental que 
moldaram as diversas esferas do corpo social: os padrões tec­
nológicos, as práticas de produção, a organização burocráti­
ca e os aparelhos ideológicos do Estado. A problemática 
ecológica questiona os custos socioambientais derivados de 
uma racionalidade produtiva fundada no cálculo econômi­
co, na eficácia dos sistemas de controle e previsão, na uni­
formização dos comportamentos sociais e na eficiência de 
seus meios tecnológicos. A questão ambiental estabelece 
assim a necessidade de introduzir reformas democráticas no 
Estado, de incorporar normas ecológicas ao processo econô­
mico e de criar novas técnicas para controlar os efeitos conta- 
minantes e dissolver as extemalidades socioambientais gera­
das pela lógica do capital.
Além destes propósitos normativos, o conceito de ambi­
ente abre novas perspectivas ao processo de desenvolvimen­
to, sobre novos princípios éticos e potenciais ecológicos, pro­
pondo uma transformação dos processos econômicos, políti­
cos,tecnológicos e educativos para construir uma racionali­
dade social e produtiva alternativa. O discurso ambientalista 
- mesmo em suas formas menos radicais, orientadas a refun- 
cionalizar a ordem econômica dominante mediante a incor­
poração de normas ecológicas e a aplicação de novos instru­
* Texto redigido a partir de um artigo publicado cm Formación Ambiental, vol. 4, n. 7,1993.
133
mentos econômicos - mobiliza um conjunto de mudanças so­
ciais e transformações institucionais para internalizar as ba­
ses ecológicas e sociais de um desenvolvimento sustentável.
Sob a perspectiva ambiental do desenvolvimento susten­
tável, as contradições entre a lógica do capital, os processos 
ecológicos e os sistemas vivos não resultam da oposição de 
duas lógicas abstratas; sua solução não consiste em subsumir o 
comportamento econômico na lógica do vivo ou em internali­
z a r - como um conjunto de normas - as condições de sustenta­
bilidade ecológica na dinâmica do capital. As contradições en­
tre a racionalidade ecológica e a racionalidade capitalista se 
dão através de um confronto de diferentes valores e potenciais, 
arraigados em esferas institucionais e em paradigmas de co­
nhecimento, através de processos de legitimação com que se 
defrontam diferentes classes, grupos e atores sociais.
A lógica da unidade econômica rural e o estilo étnico pró­
prio de uma cultura remetem a racionalidades sociais consti­
tuídas como sistemas complexos de ideologias-valores-práti- 
cas-comportamentos-ações, que são irredutíveis a uma lógi­
ca unificadora. Neste sentido, a racionalidade ambiental não 
é a expressão de uma lógica, mas o efeito de um conjunto de 
interesses e de práticas sociais que articulam ordens mate­
riais diversas que dão sentido e organizam processos sociais 
através de certas regras, meios e fins socialmente construí­
dos. Estes processos especificam o campo das contradições e 
relações entre a lógica do capital e as leis biológicas; entre a 
dinâmica dos processos ecológicos e as transformações dos 
sistemas socioambientais.
Além da possível ecologização da ordem social, a resolu­
ção da problemática ambiental e a construção de uma racio­
nalidade ambiental que oriente a transição para um desen­
volvimento sustentável requer a mobilização de um conjunto 
de processos sociais: a formação de uma consciência ecoló­
134
gica; o planejamento transetorial da administração pública e 
a participação da sociedade na gestão dos recursos ambien­
tais; a reorganização interdisciplinar do saber, tanto na pro­
dução como na aplicação de conhecimentos. A possível des- 
construção da racionalidade capitalista e a construção de uma 
racionalidade ambiental passa, pois, pelo confronto de inte­
resses opostos e pela conciliação de objetivos comuns de di­
versos atores sociais.
Toda racionalidade social articula um sistema de teorias e 
conceitos, de normas jurídicas e instrumentos técnicos, de 
significações e valores culturais. Desta maneira, opera atra­
vés de uma racionalidade teórica, instrumental e substantiva, 
estabelecendo critérios e legitimando ações dos agentes so­
ciais. A categoria de racionalidade ambiental integra os prin­
cípios éticos, as bases materiais, os instrumentos técnicos e 
jurídicos e as ações orientadas para a gestão democrática e 
sustentável do desenvolvimento; por sua vez, converte-se 
num conceito normativo para analisar a consistência dos prin­
cípios do ambientalismo em suas formações teóricas e ideo­
lógicas, das transformações institucionais e programas go­
vernamentais, assim como dos movimentos sociais, para al­
cançar estes fins. Neste sentido, a categoria de racionalidade 
ambiental funciona como um conceito heurístico que orienta 
e promove a praxeologia do ambientalismo e que ao mesmo 
tempo permite analisar a eficácia dos processos e das ações 
“ambientalistas”.
A racionalidade ambiental se constrói e concretiza numa 
inter-relação permanente de teoria e práxis. A questão am­
biental, incluída sua problemática gnoseológica, surge no 
terreno prático de uma problemática social generalizada que 
orienta o saber e a pesquisa para o campo estratégico do po­
der e da ação política. Assim, a categoria de racionalidade 
ambiental não só é útil para sistematizar os enunciados teóri­
cos do discurso ambiental, mas também serve para analisar
135
seu potencial e coerência em sua expressão no movimento 
ambientalista, na dialética que se estabelece entre o poder 
transformador do conceito ao “incorporar as condições de 
aplicação do conceito no próprio sentido do conceito” (Ba- 
chelard, 1938/1948: 73)'. Neste sentido, a construção de uma 
racionalidade ambiental depende da constituição de novos 
atores sociais que objetivem através de sua mobilização e 
concretizem em suas práticas os princípios e potenciais do 
ambientalismo.
A racionalidade capitalista esteve associada a uma racio­
nalidade científica e tecnológica que busca incrementar a ca­
pacidade de certeza, previsão e controle sobre a realidade, as­
segurando uma eficácia crescente entre meios e fins. O saber 
ambiental questiona a racionalidade científica como instru­
mento de dominação da natureza e sua pretensão de dissolver 
as extemalidades do sistema através de uma gestão racional 
do processo de desenvolvimento. Neste sentido Marcuse ad­
vertiu que:
No desenvolvimento da racionalidade capitalista, a 
irracionalidade se converte em razão: razão como 
desenvolvimento frenético da produtividade, como 
conquista da natureza, como incremento da riqueza 
de bens; mas irracional, porque a alta produção, o do­
mínio da natureza e a riqueza social se convertem em 
forças destrutivas (Marcuse, 1968/1972).
A racionalidade ambiental incorpora um conjunto de va­
lores e critérios que não podem ser avaliados em termos do 
modelo de racionalidade econômica, nem reduzidos a uma 
medida de mercado. Seus princípios constituem uma estraté-
1. “Esse racionalismo dialético nào pode scr automático nem pode ser de inspiração lógica: 
é preciso que seja cultural, isto é, que nâo se elabore no segredo de um gabinete, na me­
ditação de possibilidades mais ou menos cvancscentcs de uma mente pessoal. É neces­
sário que o racionalista (...) se instrua sobre a evolução da ciência humana; e necessá­
rio, por conseguinte, que aceite uma longa preparação para receber a problemática de 
seu tempo” (Bachclard, 1973: 60).
136
aia conceituai que orienta a realização dos propósitos ambi­
entais, frente aos constrangimentos que a institucionalização 
do mercado e a razão tecnológica impõem ao seu processo de
construção.
A racionalidade ambiental se constrói mediante a articu­
lação de quatro esferas de racionalidade:
a) uma racionalidade substantiva, isto é, um sistema 
axiológico que define os valores e objetivos que ori­
entam as ações sociais para a construção de uma ra­
cionalidade ambiental (v. gr. sustentabilidade ecoló­
gica, eqüidade social, diversidade cultural, demo­
cracia política);
b) uma racionalidade teórica que sistematiza os valores 
da racionalidade substantiva articulando-os com os 
processos ecológicos, culturais, tecnológicos, polí­
ticos e econômicos que constituem as condições 
materiais, os potenciais e as motivações que susten­
tam a construção de uma nova racionalidade social e 
produtiva;
c) uma racionalidade instrumental que cria os vínculos 
técnicos, funcionais e operacionais entre os objeti­
vos sociais e as bases materiais do desenvolvimento 
sustentável, através de um sistema de meios efica­
zes;
d) uma racionalidade cultural - entendida como um sis­
tema singular e diverso de significações que não se 
submetem a valores homogêneos nem a uma lógica 
ambiental geral - , que produz a identidade e integri­
dade de cada cultura, dando coerência a suas práti­
cas sociais e produtivas em relação com as potencia­
lidades de seu entorno geográfico e de seus recursos 
naturais.
R a c io n a l id a d e a m b ie n ta l s u b s t a n t iv a
O discurso ambiental é conformado por um conjunto devalores que dão novos fundamentos e reorientam o processo 
de desenvolvimento. Estes princípios éticos e teóricos podem 
resumir-se nos seguintes:
1) fomentar o pleno desenvolvimento das capacidades 
(produtivas, afetivas e intelectuais) de todo ser hu­
mano, satisfazer suas necessidades básicas e melho­
rar sua qualidade de vida;
2) preservar a diversidade biológica do planeta e res­
peitar a identidade cultural de cada povo;
3) conservar e potenciar as bases ecológicas de susten­
tabilidade do sistema de recursos naturais como con­
dição para um desenvolvimento sustentável;
4) preservar o patrimônio dos recursos naturais e cultu­
rais - inclusive do saber autóctone e das práticas tra­
dicionais das comunidades - por seus valores intrín­
secos e culturais, e não só por seu valor no mercado;
5) arraigar o pensamento da complexidade em novas 
formas de organização social e produtiva, integran­
do processos de diferentes ordens de materialidade 
e racionalidade;
6) construir formas alternativas de desenvolvimento a 
partir do potencial ambiental de cada região - do sis­
tema complexo de recursos ecológicos, tecnológi­
cos e culturais - e das identidades étnicas de cada 
população;
7) distribuir a riqueza, a renda e o poder, através da des­
centralização econômica, da gestão participativa e 
da distribuição democrática dos recursos ambien­
tais de cada região;
138
8) atender às necessidades e aspirações da população, 
a partir de seus próprios interesses e contextos cul­
turais;
9) erradicar a pobreza e a guerra, estabelecendo meios 
pacíficos para dirimir os conflitos ambientais;
10) fortalecer os direitos de autonomia cultural, a capa­
cidade de autogestão de recursos naturais e a auto­
determinação tecnológica dos povos.
Estes princípios e valores devem ser sistematizados e 
operacionalizados através de teorias, métodos e políticas que 
os articulem com suas bases materiais (mobilização de pro­
cessos naturais, tecnológicos e sociais), com a promoção de 
programas científicos, estratégias políticas, instrumentos téc­
nicos, normas jurídicas e movimentos sociais, com o fim de ir 
construindo novas relações de produção e novas forças pro­
dutivas para um desenvolvimento sustentável.
Racionalidade ambiental teórica
A racionalidade ambiental não pode definir-se tão-so- 
mente em termos de sua racionalidade substantiva (que su­
bordina a realidade aos valores), mas deve fundar-se em pro­
cessos materiais que dão suporte aos valores qualitativos que 
orientam a reconstrução da realidade e de novas formas de 
desenvolvimento. Estes princípios gerais orientaram a elabo­
ração de uma teoria crítica da produção e do desenvolvimen­
to sustentável.
O conceito de racionalidade ambiental constitui, assim, 
uma categoria crítica para a construção de uma racionalidade 
produtiva alternativa. Tomando congruentes os postulados e 
Princípios ambientais, permite ativar um conjunto de proces­
sos materiais e desencadear as sinergias de suas complexas
articulações, dando suporte a novas estratégias produtivas 
fundadas nos potenciais do ambiente.
Daí emerge um novo paradigma de produção, fundado 
na articulação de níveis de produtividade ecológica, cultural 
e tecnológica, dentro de um processo prospectivo e dinâmico 
que orienta as práticas científicas, tecnológicas e culturais. 
Propõe-se assim a articulação de um sistema de recursos na­
turais com um sistema tecnológico apropriado e com siste­
mas culturais que dão suporte material e sentidos diferencia­
dos à construção de ecossistemas produtivos integrados às 
forças produtivas e às relações sociais, políticas e econômi­
cas de diferentes formações socioambientais.
A racionalidade teórica ambiental sistematiza os postula­
dos do discurso ambientalista e dá coerência à organização 
dos diferentes processos naturais e sociais que constituem o 
suporte material de uma nova racionalidade produtiva, con- 
trastável em seus espaços de aplicação com as práticas produ­
tivas derivadas da lógica do mercado e da razão tecnológica. 
Desta forma, a racionalidade teórica gera critérios para avali­
ar projetos e formas alternativas de desenvolvimento.
Racionalidade ambiental instrumental
O desenvolvimento sustentável fundado nos princípios 
de racionalidade ambiental incorpora valores culturais e pro­
cessos ecológicos que são incomensuráveis e irredutíveis ao 
cálculo econômico e à eficiência tecnológica. Porém, não es­
capa à necessidade de gerar meios adequados aos seus fins, 
para conseguir realizá-los. A intemalização destes princípios 
ambientais na organização social e produtiva requer instru­
mentos técnicos, ordenamentos jurídicos, arranjos institucio­
nais e processos de legitimação que traduzam os propósitos 
do desenvolvimento sustentável em ações, programas e me­
canismos que dêem eficácia aos seus objetivos.
140
Colocar em prática os princípios do desenvolvimento 
sustentável exige elaborar novos instrumentos para imple­
mentar os projetos de gestão ambiental: inventários e méto­
dos de avaliação das contas do patrimônio de recursos natu­
rais e culturais (Cepal, 1991; Sejenovich e Gallo Mendoza, 
1996); indicadores sobre o potencial ambiental, o desenvol­
vimento humano e a qualidade de vida; métodos de avaliação 
do impacto ambiental. Esta racionalidade técnica ou instru­
mental inclui a produção de ecotécnicas e tecnologias “lim­
pas”, assim como os ordenamentos jurídicos, os instrumen­
tos econômicos e os arranjos institucionais que conformam 
os meios eficazes para a gestão ambiental. Mas também faz 
parte desta esfera de racionalidade a eficácia das estratégias 
de poder que mobilizam os atores sociais para promover as 
mudanças políticas e sociais que permitam a emergência e 
operatividade desta racionalidade ambiental.
Racionalidade cultural
Os princípios de racionalidade ambiental levam a conce­
ber a sociedade nacional como um Estado multiétnico que in­
tegra diversas organizações comunitárias e identidades cul­
turais. Neste sentido, o desenvolvimento sustentável deve 
integrar as diferentes formações socioeconômicas e grupos 
étnicos de uma nação, e implica a participação das comunida­
des na percepção, gestão e manejo de seus recursos. A racio­
nalidade cultural deriva do princípio de diversidade estabele­
cido pela racionalidade ambiental substantiva e de sua coe­
rência teórica, mas ao mesmo tempo é um elemento de sua 
eficácia técnica.
Os saberes técnicos e as práticas tradicionais são parte in­
dissociável dos valores culturais de diferentes formações so­
ciais; constituem recursos produtivos para a conservação da 
natureza e capacidades próprias para a autogestão dos recur­
sos de cada comunidade. Desta maneira, satisfazem suas ne­
cessidades básicas e orientam seu desenvolvimento dentro de 
estilos étnicos e formas diversas de significação cultural.
Racionalidade am biental/racionalidade capitalista
A construção de uma racionalidade ambiental resulta de 
um conjunto de processos que integram diferentes “esferas 
de racionalidade”. Estes processos vão legitimando a tomada 
de decisões, dando funcionalidade a suas operações práticas 
e eficácia a seus processos produtivos. O conceito de raciona­
lidade conecta os processos “superestruturais” da razão com 
a racionalidade dos processos que constituem a base produti­
va. Desta forma, nas práticas de apropriação e transformação 
da natureza se confrontam e amalgamam diferentes raciona­
lidades: a racionalidade capitalista de uso dos recursos; a ra­
cionalidade ecológica das práticas produtivas; a racionalida­
de dos estilos étnicos de uso da natureza.
A racionalidade capitalista não se combate apenas com 
os valores de uma nova ecosofia - da “ecologia profunda” 
(Naess e Rothenberg, 1989; Devall e Sessions, 1985) ou da 
filosofia da ecologia social (Bookchin, 1989, 1990). A des- 
construção da racionalidade capitalista requer a construção 
de outra racionalidade social. E a partir deste lugar de exter- 
nalidade e marginalidade que lhe atribui a racionalidadeeco­
nômica que o paradigma ambiental projeta seus juízos éticos, 
seus valores culturais e seus potenciais produtivos sobre os 
efeitos da produtividade e do cálculo econômico guiado pelo 
sinal único do lucro.
A realização do conceito de racionalidade ambiental é a 
concretização de uma utopia. Esta não é a materialização de 
princípios ideais abstratos, mas emerge como uma resposta 
social a outra racionalidade que teve seu momento histórico 
de construção, de legitimação e de tecnologização. A racio­
nalidade ambiental surge de outros princípios, mas dentro da
142
racionalidade capitalista que plasma a realidade econômica, 
política e tecnológica dominante. O processo que vai de seu 
surgimento até a consolidação de suas propostas é um pro­
cesso de transição para a sustentabilidade, caracterizado 
pelas oposições de perspectivas e interesses envolvidos em 
ambas as racionalidades, mas também por suas estratégias 
de dominação, suas táticas de negociação e seus espaços de 
complementaridade.
A constituição de uma racionalidade ambiental e a transi­
ção para um futuro sustentável exigem mudanças sociais que 
transcendem o confronto entre duas lógicas (econômica-eco- 
lógica) opostas. É um processo político que mobiliza a trans­
formação de ideologias teóricas, instituições políticas, fun­
ções governamentais, normas jurídicas e valores culturais de 
uma sociedade; que se insere na rede de interesses de classes, 
grupos e indivíduos que mobilizam as mudanças históricas, 
transformando os princípios que regem a organização social.
Portanto, a racionalidade ambiental não é a extensão da 
lógica do mercado à capitalização da natureza, mas a resul­
tante de um conjunto de significações, normas, valores, inte­
resses e ações socioculturais; é a expressão do conflito entre o 
uso da lei (do mercado) por uma classe, a busca do bem co­
mum com a intervenção do Estado e a participação da socie­
dade civil num processo de reapropriação da natureza, orien­
tando seus valores e potenciais para um desenvolvimento sus­
tentável e democrático.
Assim como cada ciência apresenta condições específi­
cas para transformar-se a partir da problematização induzi­
da pela perspectiva ambiental em seus paradigmas de co­
nhecimento, assim cada nação, cada Estado e cada povo en­
frentam diferentes situações para dessujeitar-se dos meca­
nismos dominantes do mercado, desmontar o mecanismo 
tecnológico, desarmar os aparelhos ideológicos e burocráti­
143
cos, com o propósito de construir uma racionalidade social 
alternativa, a partir dos princípios éticos e das bases materi­
ais do ambientalismo.
A racionalidade ambiental se constrói desconstruindo a 
racionalidade capitalista dominante em todas as ordens da 
vida social. Neste sentido, não só é necessário analisar as 
contradições e oposições entre ambas as racionalidades, mas 
também as estratégias para construir uma nova economia 
com bases de eqüidade e sustentabilidade; de uma nova or­
dem global capaz de integrar as economias autogestionárias 
das comunidades e permitir que construam suas próprias for­
mas de desenvolvimento a partir de uma gestão participativa 
e democrática de seus recursos ambientais.
144
10 - A FORM AÇÃO DO SABER AMBIENTAL*
A construção de urna racionalidade ambiental implica a 
formação de um novo saber e a integração interdisciplinar do 
conhecimento, para explicar o comportamento de sistemas 
socioambientais complexos. O saber ambiental problemati- 
za o conhecimento fragmentado em disciplinas e a adminis­
tração setorial do desenvolvimento, para constituir um cam­
po de conhecimentos teóricos e práticos orientado para a re- 
articulação das relações sociedade-natureza. Este conheci­
mento não se esgota na extensão dos paradigmas da ecologia 
para compreender a dinâmica dos processos socioambien­
tais, nem se limita a um componente ecológico nos paradig­
mas atuais do conhecimento. O saber ambiental excede as 
“ciências ambientais”, constituídas como um conjunto de es­
pecializações surgidas da incorporação dos enfoques ecológi­
cos às disciplinas tradicionais - antropologia ecológica; ecolo­
gia urbana; saúde, psicologia, economia e engenharia ambien­
tais - e se estende além do campo de articulação das ciências 
(Leff, 1986/2000), para abrir-se ao terreno dos valores éticos, 
dos conhecimentos práticos e dos saberes tradicionais.
O saber ambiental emerge do espaço de exclusão gerado 
no desenvolvimento das ciências, centradas em seus objetos 
de conhecimento, e que produz o desconhecimento de pro­
cessos complexos que escapam à explicação dessas discipli­
nas. Exemplo disto é o campo de extemalidades no qual a 
economia situa os processos naturais e culturais, e inclusive a
Texto redigido com base num artigo publicado em Formación Ambiental, vol. 4, n. 7, 
1993.
145
ineqüítativa distribuição da renda e a desigualdade social ge­
rada pela lógica do mercado e pela maximização de benefí­
cios a curto prazo.
O discurso ambiental vai se conformando a partir de uma 
posição crítica da razão instrumental e da lógica do mercado, 
que emerge da natureza extemalizada e do social marginaliza­
do pela racionalidade econômica. Os pontos cegos e os impen­
sáveis dessa razão modemizante - o ambiente excluído, opri­
mido, degradado e desintegrado - não se preenchem ecologi- 
zando a economia, mas transformando seus paradigmas de co­
nhecimento para construir uma nova racionalidade social. Sob 
esta perspectiva, o ambiente transforma as ciências e gera um 
processo de ambientalização interdisciplinar do saber.
O método analítico e a consciência subjetiva como prin­
cípios do conhecimento do ser e da matéria, e o mecanismo 
como causa eficiente de sua transformação, orientaram o pro­
gresso das ciências e das tecnologias, como também suas 
aplicações ao processo econômico. O estruturalismo crítico, 
o pensamento da complexidade e o discurso ambiental pro­
vocaram uma crítica da razão analítica e da autoconsciência 
do sujeito como princípios do conhecimento objetivo e da 
unificação do saber. Contribuíram para estas mudanças no 
discurso científico e ideológico os avanços da cibernética e 
da termodinâmica de sistemas abertos na compreensão dos 
processos de desestruturação (entrópicos) e de organização 
da matéria (neguentrópicos), assim como das características 
de auto-organização, generatividade, criatividade e produti­
vidade dos sistemas complexos. Isso estabeleceu os limites 
do pensamento mecanicista para apreender o desenvolvi­
mento dos processos da vida e da economia (Piaget, 1969; 
Georgescu-Roegen, 1971; Canguilhem, 19716, 1977; Prigo- 
gine e Stengers, 1984; Morin, 1977, 1980, 1993).
A desorganização ecossistêmica do planeta e a crescente 
entropia dos processos produtivos, guiados pela razão tecno­
146
lógica e pela lógica do mercado, criaram a necessidade de en­
foques integradores do conhecimento para compreender as 
causas e a dinâmica de processos socioambientais que, por 
sua complexidade, excedem a capacidade de conhecimento 
dos paradigmas científicos dominantes, exigindo uma recom­
posição holística, sistêmica e interdisciplinar do saber (Apos­
tei et al., 1975; Bertalanffy, 1976; Garcia, 1986, 1994, 2000; 
Leff, 1981,1986,2000a, 2001; Jolivet, 1992). Isso deu origem 
a um método e um paradigma da complexidade, capazes de 
pensar o real de maneira integrada e muítidimensional. Daí 
surgiram um método construtivista e uma ecologia generaliza­
da para tratar de compreender os processos de organização da 
matéria complexa e as relações entre processos de diversas or­
dens de materialidade (físicos, biológicos, simbólicos).
Neste processo surge o conceito de ambiente referido a 
um objeto complexo, integrado por processos de ordem natu­
ral, técnica e social, cujas causas e objetivos não podem ser 
absorvidos num modelo global, por complexo, aberto e holís- 
tico que pretenda ser. Os processos ecológicos, econômicos, 
tecnológicos e culturais que confluem num sistema socioam- 
biental são conformados pelosinteresses e racionalidades de 
atores sociais e organizações institucionais diversos. O saber 
ambiental é constituído não só pela confluência de discipli­
nas científicas estabelecidas, mas pela emergência de um con­
junto de saberes teóricos, técnicos e estratégicos, atravessa­
dos por estratégias de poder no saber (Foucault, 1969, 
1980), donde se depreende seu sentido teórico e o potencial 
de suas aplicações.
O racionalismo crítico de Bachelard combatia a razão ho- 
mogeneizante ao afirmar que:
O racionalismo integral deve ser um racionalismo dialético 
que decida a estrutura na qual deva comprometer-se o pen­
samento para informar uma experiência. (...) A questão 
não é definir um racionalismo geral que compilaria a parte
147
comum dos racionalismos regionais. Por esta via não se en­
contraria senão um racionalismo mínimo. (...) As estrutu­
ras se apagariam. Pelo contrário, trata-se de multiplicar e 
de afinar as estruturas, o que do ponto de vista racionalista 
deve ser expresso como uma atividade de estruturação, co­
mo uma determinação da possibilidade de múltiplas axio- 
máticas para enfrentar a multiplicação de experiências 
(Bachelard, 1949: 133).
Neste sentido, o pensamento da complexidade e dos prin­
cípios de racionalidade ambiental se comprometem e infor­
mam (mas nunca uniformizam) uma multiplicidade de expe­
riências e práticas que adquirem sua concreção no singular de 
cada cultura e configuram a especificidade do local, e que, a 
partir de sua diversidade, estruturam esta nova racionalidade.
A partir da complexidade da problemática ambiental e 
dos múltiplos processos que a caracterizam, questionou-se a 
fragmentação e a compartimentalização do conhecimento 
disciplinar, incapaz de explicá-la e resolvê-la. Entretanto, a 
retotalização do saber proposta pela problemática ambiental 
é mais do que a soma e a articulação dos paradigmas científi­
cos existentes; implica a transformação de seus conhecimen­
tos para internalizar o saber ambiental emergente. A necessá­
ria inter e transdisciplinaridade do saber ambiental transcen­
de os alcances de um paradigma globalizante, a unificação 
das homologias estruturais de diferentes teorias, ou a integra­
ção de saberes diversos por uma metalinguagem comum1.
Mais do que uma dimensão, uma variável ou um espaço 
de integração dos saberes constituídos, o ambiente é um pro­
cesso de transformação do conhecimento impulsionado por 
uma crise da racionalidade econômica e instrumental da mo­
dernidade. Mais do que um paradigma oniabrangente do sa­
1. Como assinala Lyotard (1979:67, 104), “o vínculo social c dc linguagem, mas não c feito 
de uma fibra única. E uma textura onde se cntrccruza (...) um número indeterminado dc 
jogos dc linguagem que obedece a regras diferentes (...) Não há na ciência uma meta­
linguagem geral dentro da qual todas as demais possam ser transcritas c avaliadas”.
148
ber, uma ecologização do conhecimento, um método geral 
para o desenvolvimento das ciências, ou uma reorganização 
sistêmica dos saberes atuais, a questão ambiental problemati- 
za, sob uma perspectiva crítica, toda uma plêiade de conheci­
mentos teóricos e técnicos, para incorporar neles um saber 
com plexo , transformando assim as ciências historicamente 
constituídas, legitimadas e institucionalizadas.
O saber ambiental está em processo de gestação, em bus­
ca de suas condições de legitimação ideológica, de concreção 
teórica e de objetivação prática. Este saber emerge de um pro­
cesso transdisciplinar de problematização e transformação 
dos paradigmas dominantes do conhecimento; transcende as 
teorias ecologistas, os enfoques energetistas e os métodos ho- 
lísticos no estudo dos processos sociais. Neste sentido, inte­
gra fenômenos naturais e sociais e articula processos materi­
ais que conservam sua especificidade ontológica e epistemo- 
lógica, irredutível a um metaprocesso homologador e a um 
logos unificador.
O saber ambiental confronta assim a transparência da lin­
guagem e a consciência do sujeito como pilares da racionali­
dade científica fundante da modernidade. O saber ambiental 
busca a recuperação do sentido; mas esta não aparece como 
uma fuga da ordem simbólica para fora do campo do interes­
se social e da produção, como uma emancipação do simbóli- 
co-cultural para fora da ordem sócio-histórica. O saber am­
biental não se esgota na finalização (aplicação) do conheci­
mento existente para resolver problemas complexos; não é a 
retotalização e o acabamento do conhecimento fracionado 
por uma aproximação holística, num método interdisciplinar 
e numa teoria de sistema. Emerge da falta insaciável de co­
nhecimento que impele o saber para a busca de novos senti­
dos de civilização, novas compreensões teóricas e novas for­
mas práticas de apropriação do mundo.
149
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As construções teóricas do saber ambiental não se con­
trastam, confirmam ou refutam com a realidade existente e na 
objetividade do real, mas na potencialidade de suas produ­
ções históricas sustentadas em processos materiais e no senti­
do das ações sociais que mobilizam a construção de uma 
nova racionalidade. A partir de sua marginalidade, o saber 
ambiental faz falar as verdades silenciadas, os saberes subju­
gados, as vozes caladas e o real submetidos ao poder da obje- 
tivação cientificista do mundo.
O saber ambiental subverte o logocentrismo e descons- 
trói o círculo fechado das ciências e da racionalidade homo- 
geneizante e unidimensional da modernidade. Emerge das 
margens da filosofia (Derrida, 1989) que animou a epopéia 
do progresso científico. O saber ambiental inscreve-se na 
busca de novas matrizes de racionalidade que dêem espaço 
aos sentidos não formalizáveis; ao incomensurável, ao diver­
so e ao heterogêneo; a categorias (racionalidade ambiental) 
que abram o campo a uma multiplicação de experiências. O 
saber ambiental se constrói a partir de sua falta de conheci­
mento, integrando os princípios e valores que animam a ética 
ecologista, as sabedorias e práticas tradicionais de manejo 
dos recursos naturais e as ciências e técnicas que servem de 
suporte às estratégias do desenvolvimento sustentável. Este 
saber não conforma um corpo unitário de conhecimentos, 
mas vai sendo constituído em relação com a estrutura teórica 
e o objeto de conhecimento de cada ciência. Desta forma, o 
saber ambiental emergente transforma os paradigmas do co­
nhecimento das ciências naturais e sociais. Cada ciência im­
põe as condições epistemológicas e os interesses disciplina- 
res à reconstrução de seus paradigmas, num processo hetero­
gêneo e desigual do qual emergem as disciplinas ambientais.
As ciências sociais formaram o cerco mais resistente à 
incorporação do saber ambiental, por causa do enraizamen­
to que nelas tiveram as ideologias teóricas provenientes do
150
naturalismo, do mecanicismo e do subjetivismo metodoló- 
aicos. Estas cristalizaram nos paradigmas do contrato social 
o equilíbrio econômico, o ordenamento jurídico e a submis­
são ideológica, nos quais se apóiam as relações dominantes 
de poder.
Na consciência ambiental são gerados novos princípios, 
valores e conceitos para uma nova racionalidade produtiva e 
social, e projetos alternativos de civilização, de vida, de de­
senvolvimento. O saber ambiental abre assim uma perspecti­
va ao progresso do conhecimento, questionando os dogmas ideo­
lógicos e problematizando os paradigmas científicos com 
base nos quais foi constituída a civilização moderna.
A emergência do saber ambiental abriu novas frentes para 
o desenvolvimento das disciplinas sociais: a relação entre 
cultura e natureza, a complementaridade entre geografia e 
ecologia, a influência do meio na consciência e no comporta­
mento social, as bases ecológicas de uma economia sustentá­
vel e a análise da dinâmica de sistemas socioambientais com­
plexos. Desta maneira, o saber ambiental transforma o cam­
po do conhecimento gerando novos objetos interdisciplina- 
res de conhecimento,novos campos de aplicação e novos 
processos sociais de objetivação onde se constrói a racionali­
dade ambiental.
O saber ambiental se constitui através de processos polí­
ticos, culturais e sociais, que obstaculizam ou promovem a 
realização de suas potencialidades para transformar as rela­
ções sociedade-natureza. O objeto das “ciências am bien­
tais” não surge da recomposição interdisciplinar dos cam­
pos atuais do conhecimento, nem da ecologização das ciên­
cias sociais. É um processo teórico que se dá através de mo­
vimentos sociais e mudanças institucionais que incidem na 
concretização do conceito de ambiente, em suas condições 
de aplicação e na transformação que induz nos paradigmas 
“normais” do conhecimento.
151
O saber ambiental é pois gerado num processo de cons­
cientização, de produção teórica e de pesquisa científica. O 
processo educativo permite repensar e reelaborar o saber, na 
medida em que se transformam as práticas pedagógicas cor­
rentes de transmissão e assimilação do saber preestabelecido 
e fixado em conteúdos curriculares e nas práticas de ensino.
O saber ambiental não só adquire um sentido crítico, mas 
também prospectivo, que vai sendo internalizado em diferen­
tes áreas do conhecimento teórico e prático, ampliando seu 
campo de compreensão, com um maior poder explicativo das 
ciências sobre os processos complexos da realidade socioam- 
biental, do qual deverão derivar instrumentos mais eficazes de 
prevenção, controle e manejo do meio ambiente (Leff, 1987).
O saber ambiental coloca o problema da articulação das 
espacialidades e temporalidades de diferentes processos na­
turais e sociais: a harmonização e conflito entre os ciclos eco­
nômicos e ecológicos, entre a valorização econômica e os va­
lores culturais; entre a maximização dos ganhos, dos tempos 
de regeneração dos recursos naturais e dos processos de ino­
vação e assimilação tecnológica; entre os diferentes espaços 
ecológicos, geográficos, culturais, políticos e econômicos onde 
se concretizam as ações da gestão ambiental.
A aplicação do saber aos programas de gestão ambiental 
levanta a necessidade de elaborar indicadores interprocessu- 
ais capazes de analisar, avaliar e monitorar sistemas e proces­
sos ambientais complexos (a qualidade de vida; a valorização 
econômica, cultural e social dos recursos; os impactos ambi­
entais e as mudanças globais; o condicionamento ambiental 
da dinâmica demográfica e do espaço urbano/regional), nos 
quais intervém processos de diversos níveis de materialidade 
e ordens de racionalidade.
152
O saber ambiental leva a um diálogo e amálgama de sabe- 
res, desde os níveis mais altos de abstração conceituai até os 
níveis do saber prático e cotidiano onde se expressam suas es­
tratégias e práticas. Na convergência destes processos, encru­
zilhada da recomposição do conhecimento, o saber ambiental 
leva a marca da diferença. Da mestiçagem de saberes não sur­
ge uma fusão perfeita de suas diferenças, mas um novo tecido 
que entrelaça os fios do saber numa fuga de várias linhas de 
sentido e onde se conjugam novas forças sociais e potenciais 
ambientais, onde se funda uma nova ordem, entre o sensível e 
o inteligível. Ali se enlaça uma nova ética e uma nova episte- 
mé onde se forja uma nova racionalidade e se constituem no­
vas subjetividades2.
A gestão ambiental local parte do saber ambiental das co­
munidades, onde se funde a consciência de seu meio, o saber 
sobre as propriedades e as formas de manejo sustentável de 
seus recursos, com suas formações simbólicas e o sentido de 
suas práticas sociais, onde se integram diversos processos no 
intercâmbio de saberes sobre o ambiente:
a) O saber ambiental de cada comunidade inserido em 
suas formações ideológicas, suas práticas culturais, 
suas técnicas tradicionais.
2. Neste sentido, Emma León (1998) afirmou que “além de seu caráter axiológieo c ético, o 
saber ambiental tem um forte componente cpistcmico que não deve ser entendido 
como uma teoria do conhecimento cientifico, mas como um ângulo dc leitura referente 
aos pontos cie situação a partir dos quais os suj citos constroem suas relações dc apropri­
ação do mundo c se constituem a si mesmos. O que foi dito traça as teorias do conheci­
mento no campo dc reflexão dos saberes c das práticas culturais, na perspectiva dc uma 
revisão das matrizes geradas pelos âmbitos dc sentido. Assim, a categoria dc racionali­
dade ambiental produz efeitos na construção dc significados c dc conteúdos dc realida­
des que se concretizam cm planos dc organização, gestão c administração, mas que re­
metem a um plano constituinte das lógicas dc estruturação que dão configuração c sen­
tido às relações dc apropriação do mundo e da natureza. Na ordem epistcmica, isto sig­
nifica que a clássica premissa das relações dc apropriação, enunciada sob a figura sujei- 
to-objeto (onde a natureza seria objeto dc manipulação, consumo c domínio), dá lugar a 
uma premissa constitutiva c estruturante das relações entre o sujeito c sua realidade, 
cuja mútua mediação leva tal realidade e sujeito a formar-se na prática c através da cx- 
pcricncia” .
153
b) O saber ambiental que é gerado na sistematização e 
no intercâmbio de experiências de uso e manejo sus­
tentável dos recursos naturais.
c) A transferência e aplicação de conhecimentos cientí­
ficos e tecnológicos sobre um meio ambiente, sua 
apropriação cultural e sua assimilação às práticas e 
saberes tradicionais de uso dos recursos.
Isto abre novos temas à antropologia ambiental: o estudo 
da cotidianidade, dos saberes culturais e suas possibilidades 
de hibridação com conhecimentos e técnicas modernos para 
incrementar o potencial ambiental e as capacidades de auto­
gestão das comunidades.
As estratégias acadêmicas, as políticas educativas, os mé­
todos pedagógicos, a produção de conhecimentos científi- 
co-tecnológicos e a formação de capacidades se entrelaçam 
com as condições políticas, econômicas e culturais de cada 
região e de cada nação para a construção de um saber e uma 
racionalidade ambientais que orientam os processos de re­
apropriação da natureza e as práticas do desenvolvimento 
sustentável.
154
11 - SOCIOLOGIA DO CONHECIM ENTO E 
RACIONALIDADE AMBIENTAL*
A crise ambiental deu origem a um questionamento da 
racionalidade econômica dominante, assim como das ciên­
cias, dos conhecimentos e saberes que serviram de suporte 
teórico e de meios instrumentais ao processo civilizatório, 
fundado no domínio do homem sobre a natureza. Esta pro- 
blematização ambiental do conhecimento implica transfor­
mações do saber que vão além da construção de um paradig­
ma reintegrador dos conhecimentos fracionados através de 
um enfoque sistêmico, de um método interdisciplinar, ou de 
um processo de finalização das ciências (Bõhme et al., 
1976), entendido como a aplicação dos conhecimentos teóri­
cos motivada pela demanda social para a solução de proble­
mas ambientais.
Os princípios e objetivos do ambientalismo expressam 
uma falta constitutiva das ciências. Esta falta de conheci­
mento é uma falta no conhecimento que não é reintegrável 
pelo progresso das ciências, de modo a virem eliminando 
suas impurezas e seus espaços de irracionalidade. O saber 
ambiental é o ponto de não conhecimento que impulsiona a 
produção do saber, sabendo que este é um processo insaciá­
vel e interminável de produção de conhecimentos. Neste 
sentido, o saber ambiental emergente leva a redefinir seus 
objetos de estudo e a refundar seus métodos de análise da
Texto redigido com base numa exposição feita no Seminário dc História e Metodologia da 
Ciência, organizado pelo Centro dc Investigação c Estudos Avançados (Cinvcstav), na 
Cidade do México, a 28 dc abril dc 1993.
155
realidade. É nesta perspectiva de reconstrução do conheci­
mento que a racionalidade ambiental propõe um forte pro­
grama à sociologia do conhecimento.
Esta sociologia ambiental do conhecimento muda o ân­
gulo de visibilidade das relações sociedade-natureza, domi­
nado pelos fundamentosepistemológicos, pelas “ciências exa­
tas” (o positivismo lógico) e sua colonização ecologista, para 
métodos integradores de processos de ordem natural e social 
através da articulação de ciências e paradigmas teóricos que 
respondem a processos de diferentes ordens de materialidade 
e racionalidade. Dali exerce uma crítica aos enfoques emer­
gentes (biossociologia, ecologia humana, energetismo so­
cial), que subsumem a ordem simbólica e social nos proces­
sos de ordem física e biológica, para abrir um campo de refle­
xão sobre as determinações e condições sociais (históricas, 
econômicas, culturais, políticas) do saber ambiental (Leff, 
1986/2000, 2001).
A teorização do ambiental nesta perspectiva tem implica­
ções importantes para a epistemologia e para a teoria do co­
nhecimento. Assim, diante do positivismo e do racionalismo 
que as teorias científicas pretendem contrastar, refutar ou ve­
rificar, com a objetividade da realidade dos fatos, as constru­
ções teóricas da racionalidade ambiental se avaliam na po­
tencialidade de sua virtual objetivação como projeto históri­
co, fundado nos processos materiais que o sustentam, nos 
processos de significação que mobilizam novos atores so­
ciais para a realização de suas utopias e das condições socio- 
políticas nas quais se desenvolvem (obstaculizando ou pro­
movendo) suas estratégias de poder.
Este programa de sociologia do conhecimento abre um 
campo de estudo das condições ambientais (ecológicas e so­
ciais) que induzem estes processos de produção e transforma­
ções do conhecimento na construção de uma racionalidade
156
ambiental. Esta racionalidade adquire um sentido mais amplo 
e concreto nos países do Terceiro Mundo e nas regiões tropi­
cais, onde o ambiente constitui um potencial produtivo e um 
movimento transformador da racionalidade social. Neste sen­
tido, o ambiente, como sistema complexo, funda um paradig­
ma produtivo gerador de sinergias produtivas que surgem da 
articulação de processos ecológicos, tecnológicos e culturais.
A transformação do conhecimento a partir dos princípios 
de racionalidade ambiental é um processo que se defronta 
com as barreiras teóricas de cada disciplina e com a rigidez 
institucional das esferas onde funcionam os saberes legitima­
dos, através de uma matriz de interesses opostos, diferencia­
dos e desiguais dos atores que mobilizam e se enfrentam no 
campo da luta ambiental. Ali os movimentos sociais pela rea­
propriação de saberes, práticas e estilos de vida tradicionais e 
alternativos confrontam os paradigmas dominantes das ciên­
cias (economicismo, biologismo, energetismo, tecnologis- 
mo), e sua vontade cientificista e tecnocrática para resolver a 
problemática ambiental.
A transformação do conhecimento à qual induz a questão 
ambiental como uma problemática social generalizada não 
pode ser simplesmente entendida como uma resultante dos 
interesses (de classe) que orientam o desenvolvimento das 
ciências ou suas orientações práticas para a resolução de pro­
blemas concretos. Trata-se de um questionamento às ciências 
a partir de sua negação e extemalização do ambiente. Esta 
perspectiva reconhece o “peso específico” dos paradigmas 
teóricos constituídos na história das ciências (sua estrutura 
conceituai e seu objeto de conhecimento, a partir dos quais 
constrói seus referentes no real), e que estabelecem as condi­
ções de possibilidade para transformar-se intemalizando o 
saber ambiental emergente.
A sociologia ambiental do conhecimento estuda pois a 
transformação das ciências ao serem problematizadas pelo
157
saber ambiental, mas inclui também toda uma gama de sabe­
res práticos, sintonizados com os princípios e objetivos, com 
os valores e os meios instrumentais da racionalidade ambien­
tal. Esta postura se distancia das filosofias do conhecimento 
que vêem no discurso ambiental apenas uma questão ética 
que afetaria o comportamento dos seres humanos, impulsio­
naria novos direitos humanos, geraria uma nova força social, 
ou que orientaria as aplicações do conhecimento para o de­
senvolvimento sustentável, mas que não afetaria os funda­
mentos das ciências e os processos cognitivos. Sob esta pers­
pectiva, o ambientalismo contribuiria para a construção de 
uma axiologia no campo da filosofia, mas não teria implica­
ções epistemológicas para o desenvolvimento das ciências; 
os fundamentos das ciências, os processos de produção de 
conhecimentos, a objetividade e compreensão de seus obje­
tos de conhecimento, suas condições de verificação e falsifi­
cação ficaram a salvo da revolução ambiental.
As transformações do conhecimento, induzidas pela cons­
trução de uma racionalidade ambiental, transcendem a cons­
tituição de um paradigma interdisciplinar integrador dos di­
ferentes processos que confluem numa problemática am­
biental (ecologia, cibernética, termodinâmica de sistemas aber­
tos). Ela não nega o valor e o potencial destes novos paradig­
mas e métodos, mas coloca ênfase na relação que a reconstru­
ção do mundo, exigida pela crise ambiental, mantém com a 
reconstituição do conhecimento, enquanto este tem sido o 
instrumento teórico, ideológico e tecnológico da racionalida­
de socioeconômica dominante.
Estas transformações do conhecimento afetam sobretudo 
as ciências sociais, nas quais seu referente real se constitui e 
transforma como efeito do conhecimento, do saber e das nar­
rativas sobre o mundo externo construído pelos discursos das 
ciências sociais. Neste sentido, a perspectiva ambiental do 
saber é atravessada pelo campo do poder. A racionalidade
158
ambiental, como formação social, se constrói a partir de seu 
discurso teórico, mas se expressa na realidade através de mu­
danças sociais que se refletem em transformações do conhe­
cimento e suas aplicações em novas formas de organização 
social e produtiva.
As transformações do conhecimento induzidas pelo sa­
ber ambiental têm, pois, efeitos epistemológicos (mudanças 
nos objetos de conhecimento), teóricos (mudanças nos para­
digmas de conhecimento) e metodológicos (interdisciplinari- 
dade, sistemas complexos). O ambiente constitui um campo 
de externalidade e complementaridade das ciências. Em tor­
no de cada objeto de conhecimento constrói-se um saber am­
biental que problematiza e transforma seus paradigmas de 
conhecimento. Exemplos disto existem nos desenvolvimen­
tos recentes da economia, da antropologia, da geografia, do 
direito e da sociologia:
Economia: Para esta disciplina, o ambiente é constituído 
por um campo de extemalidades, excluído de seu objeto de 
conhecimento. A racionalidade econômica exclui a valoriza­
ção dos potenciais ecológicos e os serviços ambientais, os 
processos de degradação entrópica, os valores culturais, os 
direitos humanos, a qualidade de vida, os processos de longo 
prazo e as preferências futuras dos consumidores. O saber 
ambiental questiona a economia construída como uma racio­
nalidade antinatura e a curto prazo, sem bases de sustentabi­
lidade e de eqüidade. Neste sentido problematiza tanto os 
pressupostos evolucionistas da economia marxista (o adven­
to do socialismo pelo desenvolvimento das forças produtivas 
e o domínio da ciência sobre a natureza), como a economia de 
mercado e a tecnologia como mecanismos de controle e solu­
ção da escassez de recursos e dos desequilíbrios ecológicos. 
Desta maneira, as limitações da economia para internalizar 
suas extemalidades (os processos ecológicos que sustentam a 
produção; os valores culturais que significam e dão sentido
159
ao processo de desenvolvimento; a eqüidade, a distribuição e 
a democracia) mostram a necessidade de construir um novo 
paradigma produtivo.
Direito: O saber ambiental incorpora os novos direitos 
humanos a um ambiente sadio e produtivo, os direitos comu­
nitários à autogestão de seu patrimônio de recursos e à norma- 
tividade social sobre as condições de acesso e uso dos bens co­
muns da humanidade. Isto questiona a ordem jurídica constituí­
da sobre os princípios do direito privado e abre umnovo cam­
po de direitos culturais, ambientais e coletivos a um ordena­
mento jurídico que responda a novas formas de propriedade e 
apropriação dos meios de vida e de produção, promovidos por 
processos emergentes de socialização da natureza.
Antropologia e etnociências: A antropologia ecológica 
está evoluindo a partir da antropologia cultural de Steward - 
que via no nível de integração sociocultural a especificidade 
da articulação da organização cultural com as condições de 
seu meio ambiente - e da lei básica de evolução de White - 
que via no incremento do controle e uso de energia a lei de 
evolução cultural (Adams, 1975), para o neofuncionalismo e 
neo-evolucionismo que incorporam princípios de racionali­
dade energética e ecológica na explicação da organização 
cultural (Rappaport, 1971), e a adaptação funcional das po­
pulações à “capacidade de carga” dos ecossistemas (Vessuri, 
1986). Também as etnociências estão passando por um ques­
tionamento epistemológico a partir da perspectiva da racio­
nalidade ambiental, que leva à análise do diálogo, ao amálga­
ma e às relações de poder entre os saberes locais, autóctones e 
tradicionais, com as ciências e tecnologias modernas (cf. cap. 
19 deste volume).
Geografia e ecologia: Estas disciplinas estabelecem no­
vos campos de colaboração (Bertrand, 1982; Tricart, 1978 e 
1982; Tricart e Killian, 1982), para espacializar a ecologia e
160
dar escalas temporais à geografia, com o propósito de cons­
truir unidades operacionais de manejo dos recursos naturais. 
Daí surgiram novos ramos da geografia física, a ecologia da 
paisagem e a geografia humana, como também novos métodos 
para integrar a análise cartográfica da geografia descritiva com 
as explicações dos processos dinâmicos dos ecossistemas (To­
ledo, 1994). A ecologia funcional gerou conceitos como resi- 
liência, taxa ecológica de exploração e capacidade de carga, 
que respondem á necessidade de internalizar os efeitos das 
práticas produtivas e dos processos econômicos na estrutura e 
funcionamento dos ecossistemas (Gallopín, 1986).
O saber ambiental surge num sentido prospectivo e numa 
perspectiva construtivista, onde os conceitos se produzem 
numa relação dialética com seus momentos de expressão na 
construção de seu referente empírico: a realidade social. Isso 
exige uma perspectiva epistemológica na qual o sentido da 
ciência não é o de um processo de desenvolvimento do conhe­
cimento, no qual as teorias vão adquirindo maior compreensi- 
vidade e força explicativa através de sua verificação e falsifi­
cação com uma realidade preexistente (Popper, 1979). Na 
perspectiva ambiental do conhecimento, os conceitos encarnam 
interesses e estratégias de poder que orientam a construção da 
realidade social a partir de juízos de valor e através de proces­
sos sociais de significação fundados no potencial de processos 
materiais (das sinergias de suas relações na constituição de sis­
temas complexos), que são apreendidos na construção de no­
vos objetos (interdisciplinares) de conhecimento.
Neste sentido, é possível propor uma dialética entre a 
construção do conhecimento e a construção do real. Assim, 
por exemplo, a economia fundada na racionalização de recur­
sos escassos, na lógica do mercado e no equilíbrio de fatores 
produtivos legitimou a ideologia da ordem econômica e insti­
tucionalizou seu funcionamento, criando agentes econômi­
cos, produzindo sujeitos do consumo e ajustando o compor­
tamento humano às leis ditadas pelo mercado. Por sua vez, o 
conceito de racionalidade ambiental orienta a construção de 
uma realidade social e uma racionalidade produtiva fundadas 
em novos valores éticos e bases de produtividade, que partem 
de outros princípios de realidade: diversidade, complexida­
de, interdependência, sinergia, equilíbrio, eqüidade, solidarie­
dade, sustentabilidade e democracia.
A sociologia ambiental do conhecimento exige uma pos­
tura antiempirista que vai além do racionalismo crítico, en­
quanto não admite a realidade dada e suas tendências como 
base de verificação dos paradigmas dominantes do conheci­
mento. Apresenta-se como uma posição que parte do fato de 
pensar a realidade social sob a ótica de sua negatividade para 
abrir uma perspectiva construtivista do conhecimento. Neste 
sentido, Marx contribui para a crítica da economia clássica 
introduzindo o conflito de classe e convertendo-a numa eco­
nomia política; Georgescu-Roegen (1971) faz uma crítica ra­
dical à economia, ao mostrar as raízes materiais de todo pro­
cesso econômico e seu limite marcado pela lei da entropia, 
abrindo o campo da economia ecológica. O pensamento da 
complexidade leva assim a construir um novo paradigma da 
produção, como um sistema de relações entre processos eco­
lógicos, tecnológicos e sociais.
Esta postura crítica e antiempirista, que tem afinidade 
com os princípios da racionalidade ambiental, transfere o 
campo da sociologia do conhecimento para uma epistemolo- 
gia política. Nesta perspectiva, o conhecimento é concebido 
dentro de um campo de relações de poder no saber, donde 
emergem estratégias conceituais para a construção da reali­
dade social. O processo de produção teórica e o valor cientí­
fico do conhecimento não se estabelecem como um proces­
so progressivo que vai ajustando os conceitos a uma realida­
de preestabelecida. O real social sempre é construído por 
ideologias teóricas e práticas, por utopias que geram sentido
162
(Mannheim, 1936/1972). Nesta perspectiva, a construção de 
conceitos mobiliza forças materiais e processos que existem 
como potência na natureza e na sociedade.
Partindo desta perspectiva, é possível pensar o ambiente 
como um espaço de articulação de processos de diferentes 
ordens de materialidade e racionalidade, capazes de gerar 
um potencial ambiental de desenvolvimento, e não como 
uma externalidade ou um custo do sistema econômico. A 
partir destes princípios epistemológicos foi possível cons­
truir o conceito de produtividade ecotecnológica, que arti­
cula processos de produtividade ecológica, tecnológica e 
cultural, e de racionalidade ambiental, que articula siste­
mas de valores, conceitos, instrumentos e comportamentos, 
dando coerência a um paradigma produtivo alternativo (Leff, 
1994a, 2000Ò). Estes conceitos levam à construção de no­
vas bases materiais que sustentam este paradigma como po­
tencial e mobilizam a ação social para sua realização, através 
de uma nova teoria da produção e sua concretização em pro­
jetos alternativos de desenvolvimento.
As formações teóricas e ideológicas, assim como as práti­
cas do ambientalismo surgem, pois, com um sentidoprospec- 
tivo, reorientando valores, instrumentando normas e estabe­
lecendo políticas para construir uma nova racionalidade so­
cial. Desta maneira, o saber ambiental adquire um sentido 
prático e estratégico na reconstrução da realidade social. O 
saber ambiental vai se configurando a partir de seu espaço de 
externalidade e negatividade, como um novo campo epistê- 
mico, no qual se desenrolam as bases conceituais e metodoló­
gicas para abordar uma análise integrada da realidade com­
plexa, na qual se articulam processos de diferentes ordens on- 
tológicas (física, biológica, simbólica). Neste sentido, o sa­
ber ambiental fundamenta, orienta e promove um processo 
de transição para uma nova racionalidade social, que incor­
pora as condições ecológicas e sociais de um desenvolvimen­
to sustentável.
O saber ambiental e a racionalidade ambiental não são 
pois princípios epistemológicos para a reunificação do saber 
ou para a integração interdisciplinar das ciências. São catego­
rias que funcionam como estratégias conceituais, que se 
constroem e concretizam através de múltiplas inter-relações 
entre a teoria e a práxis. A problemática gnoseológica e epis- 
temológica do ambientalismo surge de uma problemática so­
cial generalizada que orienta o saber para os fins de uma ra­
cionalidade ambiental, através do campo estratégico do po­
der e da ação política. Assim,a categoria de racionalidade 
ambiental não só é útil para sistematizar os enunciados teóri­
cos do discurso ambiental, mas também para analisar sua 
coerência em seus momentos de expressão, estabelecendo-se 
uma dialética entre o poder transformador do conceito no real 
e sua própria construção através de suas aplicações (Bache- 
lard, 1938/1948).
A sociologia do saber ambiental abre um campo de estu­
do sobre seus condicionamentos sociais, de maneira que pos­
sam estabelecer-se explicações causais sobre a produção de 
conhecimentos, crenças e saberes, a partir de um determina­
do contexto social. Estes condicionamentos sociais não im­
plicam necessariamente uma rejeição ou uma incompatibili­
dade com os critérios de racionalidade interna das ciências. 
As explicações racionais sobre a adequação das teorias à rea­
lidade e seus efeitos de conhecimento não cedem diante de 
um determinismo social abstrato que submeteria a racionali­
dade das ciências a leis gerais da sociedade, ou uma corres­
pondência direta entre interesses de classes e formas de co­
nhecimento. Face à epistemologia racionalista e à filosofia 
analítica, que fundam suas explicações do conhecimento em 
normas internas de racionalidade, critérios de falsificação e 
condições de validação do conhecimento na experiência do
164
niundo empírico e da realidade objetiva, a sociologia do sa­
ber ambiental permite estabelecer as correlações entre os cri­
térios epistemológicos internos das ciências e o contexto só- 
cio-histórico no qual se gera, se aplica e se legitima este co­
nhecimento (Olivé, 1985).
A sociologia do saber ambiental abre assim uma perspec­
tiva de análise das contradições e formas de convivência en­
tre os enunciados descritivos, explicativos, valorativos e pro- 
positivos que se entremesclam nas formações teóricas e ideo­
lógicas do discurso ambiental, e os princípios de racionalida­
de econômica e da lógica do mercado, que se constituíram na 
norma da racionalidade legitimada pela realidade existente 
mas que reduz o campo de construção do real possível.
Assim, os princípios de racionalidade ambiental consti­
tuem um metaparadigma, no sentido de que permitem avaliar 
o caráter ambiental dos paradigmas emergentes de conheci­
mento, das organizações sociais e produtivas e de diferentes 
ações políticas e comportamentos sociais. Desta maneira, fun­
cionam como uma estratégia conceituai que mobiliza os pro­
cessos sociais para objetivar as forças materiais e os valores 
que mantêm uma racionalidade produtiva alternativa. Este 
metaparadigma cria suas condições de verificação, na medida 
em que, como verdade potencial, mobiliza os processos so­
ciais capazes de objetivar as forças materiais que mantêm uma 
nova racionalidade social, fundada nos princípios e objetivos 
do ambientalismo. Neste sentido, a racionalidade ambiental se 
constrói num processo histórico de produção de verdades; de 
objetivação das forças materiais que conformam o potencial 
ambiental de desenvolvimento; de legitimação de novos va­
lores; de instrumentação de novos princípios; de legalização 
de novas regras, normas e condições ambientais.
A racionalidade ambiental propõe assim uma crítica radi­
cal ao conceito de racionalidade histórica, onde a realidade
165
social aparece como expressão de leis naturais, imanentes e 
necessárias da história, manifestas na evolução do ser huma­
no, no desenvolvimento das forças produtivas, no consumo 
exponencial de energia, na razão tecnológica, na centraliza­
ção do poder e no triunfo da racionalidade econômica. A 
construção da racionalidade ambiental (a adequação de seus 
meios a seus fins), passa pela legitimação ideológica de seus 
princípios; a legalização de suas normas; a teorização, cienti- 
fização dos processos que lhe dão suporte material; e a instru­
mentação de seus meios eficazes.
O conceito de racionalidade ambiental é uma colocação 
teórica para analisar a transformação dos paradigmas de co­
nhecimento e a transição para novas formas de organização so­
cial. Estas mudanças de racionalidade não implicam a apropri­
ação dos próprios meios (de conhecimento, de produção) por 
outra classe, ou uma melhor distribuição econômica, ecológi­
ca ou espacial das próprias forças produtivas. A transformação 
do conhecimento e das formas de gestão dos recursos produti­
vos não se consegue pela tomada do poder do aparelho do 
Estado nem por um golpe de Estado às ciências e ao saber.
Desta ruptura epistemológica e desta postura sociológica 
sobre as relações entre o saber, o conhecimento e o real, são 
deduzidos os princípios conceituais para pensar o ambiente 
como um potencial produtivo e a racionalidade ambiental 
como a articulação de valores, significações e objetivos que 
orientam um processo de reconstrução social, onde o pensa­
mento da complexidade se abre caminho na encruzilhada da 
democracia, da eqüidade e da sustentabilidade, num campo 
atravessado pelas estratégias de poder no saber.
166
12 - MATEMATIZAÇÃO DO CONHECIM ENTO E 
SABER AMBIENTAL*
As medições da ciência e o sentido do saber
Q ue relação existe entre as matemáticas e o saber ambien­
tal emergente, orientado pelos propósitos práticos de um de­
senvolvimento eqüitativo e sustentável, um saber que ainda 
está longe de ter axiomatizado ou formalizado seus conheci­
mentos e de se ter constituído como um paradigma científico?
O espaço desse saber ambiental está além dos limites em 
que se estabeleceu a racionalidade econômica e a matemati- 
zação das diferentes ordens do saber, como critérios de legiti­
mação do conhecimento científico, situando o saber ambien­
tal num campo de externalidade à ordem social estabelecida e 
à racionalidade das ciências. Entretanto, o saber ambiental se 
relaciona com diversos campos matematizáveis do conheci­
mento, com métodos sistêmicos e interdisciplinares e com 
formações discursivas e conhecimentos técnicos sem preten­
são de cientificidade, que conformam um campo heterogê­
neo de saberes em tomo do desenvolvimento sustentável.
As ciências exatas se demarcaram dos saberes argumen- 
tativos por causa da diferença do conhecimento matematizá- 
vel. O número, a equação, o algoritmo e o sistema distingui- 
ram o conhecimento científico dos saberes das “ciências” so­
ciais. Isto não evitou que as matemáticas tenham colonizado
Texto redigido com base numa exposição feita no Seminário Matemáticas c Ciências So­
ciais, realizado pelo Centro dc Investigações Interdisciplinares cm Ciências c Humani­
dades da UNAM, dc 25 dc fevereiro a Io dc março de 1991.
167
o território do social. Assim as correntes neoclássicas da eco­
nomia e da sociologia formularam suas teorias marginalistas 
com as quais um conjunto de processos e realidades foram fi­
cando à margem de seus modelos e de suas curvas de equilí­
brio, despencando e afogando-se no oceano do não matema- 
tizável, do não quantificável, do incomensurável. O que esca­
pava à norma da racionalidade científica foi ignorado, nega­
do. Mas o que foi habitando este mar de extemalidades, o que 
escapava ao cálculo e à medição, não foi o ambiente margi­
nal, mas o ambiente substantivo: a valorização do ser huma­
no e da natureza, o avanço da pobreza extrema e da desnutri­
ção das maiorias, a perda da biodiversidade e a destruição da 
base de recursos naturais, o desflorestamento e a erosão dos 
solos, a degradação do ambiente e da qualidade de vida.
Esses pontos cegos da racionalidade científica não elimi­
nam o valor e a utilidade das matemáticas e sua fecunda apli­
cação ao entendimento racional da realidade. Mas é na defi­
nição dos objetos de conhecimento de cada ciência, de suas 
estratégias epistemológicas e seus métodos de pesquisa que 
se estabelece a relação entre o real e suas formas de conheci­
mento. Daí se deduz não só a tematização do campo conceitu­
ai de cada paradigma e sua abertura ou fechamento a outros 
terrenos do conhecimento e da realidade, mas também a defi­
nição do que é correlacionável, numerável, quantificável. Aí 
seestabelecem as relações entre esferas ontológicas e cam­
pos epistêmicos que transcendem suas homologias estrutu­
rais e matematizáveis. Cada projeto teórico produz os dados, 
as significações sobre a realidade e as articulações possíveis 
com outros discursos teóricos; os fatos formalizáveis e a sei­
va ontológica que transborda o sinal matemático fertilizando 
o processo do conhecimento.
O saber ambiental articula processos que correspondem a 
diferentes ordens materiais, que são incomensuráveis e irre­
dutíveis a uma unidade de medida. O terreno do saber am­
168
biental tem por referente um sistema complexo, onde a for­
malização matemática reduz a especificidade ontológica e o 
sentido existencial destes processos. A. Lichnerowicz(1975: 
147- 148) assinala assim as limitações do isomorfismo na apre­
ensão de objetos ontológicos diferentes:
O matemático trabalha sempre com um dicionário quase 
perfeito e freqüentemente identifica sem escrúpulos obje­
tos de natureza diferente quando um (...) isomorfismo lhe 
assegura que só estaria dizendo a mesma coisa duas vezes 
em duas línguas diferentes. O isomorfismo toma o lugar da 
identidade. O Ser se encontra colocado entre parênteses, e 
é precisamente esta característica não ontológica que dá às 
matemáticas seu poder, sua fidelidade e sua polivalência. 
(...) Podemos tecer uma matemática de uma textura arbitra­
riamente cerrada, mas a onda ontológica escorrerá neces­
sariamente nela.
No poder da matematização e na abstração do número 
produz-se uma dessubstantivação do real; perde-se o sentido 
dos processos, sua significação subjetiva e sua especificidade 
material. A economia neoclássica oferece um bom exemplo 
do poder ordenador (racional) da formalização matemática e 
sua impotência para conter o transbordamento de suas exter- 
nalidades socioambientais, a redução dos valores humanos à 
ordem contábil e o sentido da existência humana a suas ações 
racionais na lógica do mercado1.
A economia matemática tentou estender seus instrumen­
tos analíticos para “internalizar suas extemalidades”. Assim, 
os preços-sombra atribuem valores aos serviços ambientais, 
aos valores éticos, a tudo isto que não se valoriza em forma 
natural” no processo de formação dos preços de mercado, 
utilizando para isto apreciações pessoais, estimações consen­
suais ou tendências institucionais. A economia neoclássica
Diante da dcspcrsonalizaçâo do ser humano ao ser reduzido a um número, para fins de 
sua exploração ou extermínio, a sabedoria hebraica conta as pessoas dizendo: “não é 
um, não 6 dois, não e três...”
postula que os efeitos ecodestrutivos do processo econômico 
não se devem à impossibilidade de seus paradigmas de valo­
rizar e quantificar os recursos naturais, os valores culturais e a 
dignidade humana, mas ao fato de não haver incluído esses 
“fatores externos” dentro do cálculo econômico. E a solução 
é simples: chamar esses fatores de capital natural, institucio­
nal, social, humano, e atribuir-lhes um preço (Gutman, 1986; 
cf. cap. 1 deste volume).
O ambiente é justamente esse campo de extemalidades 
que permaneceu marginalizado, desterrado e anatematizado 
do território do matematizável e quantificável pela raciona­
lidade econômica. A globalização e complexificação do am­
biente leva à necessidade de gerar novas perspectivas epis- 
temológicas e metodológicas, capazes de pensar 3 interde­
pendência entre estes processos físicos, biológicos e so­
ciais, que correspondem a diferentes ordens ontológicas e 
esferas de racionalidade, para apreender sua causalidade 
múltipla e suas relações estruturais dentro de sistemas am­
bientais complexos.
A questão ambiental abre deste modo um campo de dis­
persão e diversificação de saberes. Esta perspectiva gnoseo- 
lógica contrasta com o projeto positivista de unificação das 
ciências, e com a teoria geral de sistemas (Bertalanffy, 1976) 
que procura articular os diferentes campos do conhecimento 
nos espaços “ashurados” (assegurados) onde se sobrepõem 
suas homologias estruturais.
Porém, nem todos os saberes ambientais são construídos 
ou podem dar lugar a estruturas homologáveis e a saberes 
matematizáveis. Daí 0 fracasso das tentativas de subsumir a 
articulação de processos incomensuráveis num padrão ho­
mogêneo: 0 economicismo que busca integrar um capital na­
tural, humano, institucional, através das medidas unificado­
ras do mercado; 0 energetismo social que busca abrir um cam­
170
po generalizado para a análise econômico-ecológica fundada 
num cálculo de fluxos de energia dos processos produtivos e 
a circulação ecológica dos dejetos da produção e do consu­
mo; o pensar que o cálculo econômico e o fluxo de energia 
possam amalgamar-se numa mistura perfeitamente miscível 
e fluir pelo mesmo encanamento conceituai.
A construção do saber ambiental aparece assim como 
uma estratégia teórica oposta ao projeto unificador da ciência 
“normal”. A articulação de lógicas, de conhecimentos e de 
saberes, que a construção de uma racionalidade ambiental re­
quer, confronta o reducionismo teórico ao qual levam as ana­
logias conceituais, os isomorfismos estruturais e a unificação 
terminológica de diversas formalizações científicas. Neste 
sentido, o saber ambiental rompe a inércia do movimento 
centrípeto da cientificidade sobre a base da matematização 
dos campos conceituais, abrindo um processo de reconstru­
ção de diversos paradigmas teóricos e a produtividade de um 
diálogo de saberes.
Isto leva a uma tematização diferenciada do campo am­
biental e a novas estratégias para a articulação de ciências e 
saberes. O saber ambiental privilegia o qualitativo frente ao 
quantificável da realidade social. O conceito de qualidade de 
vida, como propósito do processo de desenvolvimento, colo­
ca a necessidade de elaborar novos indicadores interdiscipli- 
nares, onde os valores e significações sociais se integrem 
com as mediações sobre processos de ordem natural.
Sistemas ambientais: modelos e prognósticos
A recente história do saber ambiental e os estudos de 
prospectiva propiciaram uma aproximação ao instrumental 
matemático. Mediante a aplicação de modelos matemáticos 
extrapolaram-se as tendências conjugadas de conjuntos de
variáveis e simularam-se diversos cenários futuros. O estudo 
pioneiro mais importante no campo do desenvolvimento sus­
tentável foi o promovido pelo Clube de Roma: Os limites do 
crescimento (Meadows et al., 1972). Esta análise prospectiva 
entrelaça as tendências no crescimento da população e da 
economia, do uso de energia, da contaminação e do esgota­
mento de recursos finitos, através de um modelo matemático, 
para diagnosticar os limiares além dos quais se chegaria a 
uma catástrofe ecológica.
Este modelo deu lugar ao “antimodelo latino-america­
no”. Com o sugestivo e crítico título de Catástrofe ou nova 
sociedade (Herrera et al., 1976), este estudo mostrava que os 
limites ao desenvolvimento não eram físicos, nem provi­
nham da explosão demográfica ou da limitação dos recursos 
naturais. O modelo latino-americano demonstrou que os re­
cursos naturais eram vastos (e é possível que ainda o sejam 
hoje) para gerar um processo de desenvolvimento sustentá­
vel, com a condição de redefinir as necessidades básicas, re­
distribuir a riqueza, aproveitar os potenciais ecológicos e reo- 
rientar o tipo de desenvolvimento.
Os diferentes resultados destas aplicações do instrumen­
tal matemático, da informática e dos métodos de simulação 
não provêm da maior ou menor perfeição do modelo cons­
truído, mas das perguntas básicas, dos pressupostos teóri- 
co-ideológicos e da seleção das variáveis pertinentes (Garcia, 
1986, 1994). A existência vai se modelando através dos mo­
delos que os cientistas fazem da realidade, cujas percepções e 
preconceitos são, por sua vez, moldados por ideologias teóri­
cas e interesses sociais (Feyerabend, 1982).
O saber ambiental não se constrói só com a aplicação da 
matemática ou da teoria de sistemas aos paradigmas e méto­
dos das ciências “ambientais”.estratégia polí­
tica para a sustentabilidade ecológica do processo de globa­
lização e como condição para a sobrevivência do gênero hu­
mano, através do esforço compartilhado de todas as nações 
do orbe. O desenvolvimento sustentável foi definido como 
“um processo que permite satisfazer as necessidades da po­
pulação atual sem comprometer a capacidade de atender as 
gerações futuras”.
O discurso da “sustentabilidade” leva portanto a lutar por 
um crescimento sustentado, sem umajustificação rigorosa da 
capacidade do sistema econômico de internalizar as condi­
ções ecológicas e sociais (de sustentabilidade, eqüidade, jus­
19
tiça e democracia) deste processo. A ambivalência do discur­
so da sustentabilidade surge da polissemia do termo sustaina- 
bility, que integra dois significados: um, que se traduz em 
castelhano como sustentable, que implica a intemalização 
das condições ecológicas de suporte do processo econômico; 
outro, que aduz a durabilidade do próprio processo econômi­
co. Neste sentido, a sustentabilidade ecológica constitui uma 
condição da sustentabilidade do processo econômico1.
Todavia, o discurso da sustentabilidade chegou a afirmar 
o propósito e a possibilidade de conseguir um crescimento 
econômico sustentado através dos mecanismos do mercado, 
sem justificar sua capacidade de internalizar as condições de 
sustentabilidade ecológica, nem de resolver a tradução dos 
diversos processos que constituem o ambiente (tempos eco­
lógicos de produtividade e regeneração da natureza, valores 
culturais e humanos, critérios qualitativos que definem a qua­
lidade de vida) em valores e medições do mercado. O Infor­
me Bruntland oferece uma perspectiva renovada à discussão 
da problemática ambiental e do desenvolvimento. Com base 
nisso foram convocados todos os chefes de Estado do planeta 
à Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e 
Desenvolvimento, celebrada no Rio de Janeiro, em junho de 
1992. Nesta conferência foi elaborado e aprovado um progra­
ma global (conhecido como Agenda 21) para regulamentar o 
processo de desenvolvimento com base nos princípios da 
sustentabilidade. Desta forma foi sendo prefigurada uma po­
1. Aqui, c preciso diferenciar claramente o sentido das noções de “desenvolvimento susten­
tável”, "sustentabilidade "c “crescimento sustentado” nas estratégias do discurso am­
biental neoliberal, da noção de sustentabilidade constitutiva do conceito de ambiente, 
como marca da ruptura da racionalidade econômica que negou a natureza c como uma 
condição para a construção de uma nova racionalidade ambiental (Lcff, 1994o, cap. 12: 
“Disjuntivas do desenvolvimento sustentável: mudança social ou racionalização do 
capital”). Em castelhano, diferenciei ambos os sentidos conceituais utilizando o termo 
sostenible para referir-me ao ambientalismo neoliberal, e sustentable no sentido de 
uma racionalidade ambiental. É mais difícil fazer esta diferenciação conceituai em lín­
gua portuguesa. De forma arbitrária, sem dúvida, ao longo do livro usarei o termo “sus­
tentável” como sinônimo dc sustentable e “sustentado” como sinônimo de sostenible.
20
lítica para a mudança global que busca dissolver as contradi­
ções entre meio ambiente e desenvolvimento.
Neste processo, a noção de sustentabilidade foi sendo di­
vulgada e vulgarizada até fazer parte do discurso oficial e da 
linguagem comum. Porém, além do mimetismo discursivo 
que o uso retórico do conceito gerou, não definiu um sentido 
teórico e prático capaz de unificar as vias de transição para a 
sustentabilidade. Neste sentido, surgem as dissensões e con­
tradições do discurso sobre o desenvolvimento sustentável 
(Redclift, 1987/1992); seus sentidos diferenciados e os inte­
resses opostos na apropriação da natureza (Martínez Alier, 
1995; Leff, 1995).
Estes interesses se manifestaram nas dificuldades para 
conseguir acordos internacionais sobre os instrumentos jurí­
dicos para orientar a passagem para a sustentabilidade. Neste 
sentido, alguns países do Norte se recusaram a assinar uma 
declaração com força jurídica obrigatória sobre a conserva­
ção e desenvolvimento sustentával das florestas, e manifesta­
ram sua resistência e seus interesses desde a aprovação, rati­
ficação e protocolo da convenção sobre a diversidade bioló­
gica. Por trás destes acordos estão em jogo as estratégias e di­
reitos de apropriação da natureza. Nestas negociações, os 
países do Norte defendem os interesses das empresas trans- 
nacionais de biotecnologia para apropriar-se dos recursos ge­
néticos localizados no Terceiro Mundo através dos direitos 
de propriedade intelectual. Ao mesmo tempo, grupos indíge­
nas e camponeses defendem sua diversidade biológica e étni­
ca, isto é, seu direito de apropriar-se de seu patrimônio histó­
rico de recursos naturais e culturais.
O ano de 1992 marcou também os quinhentos anos da 
conquista dos povos da América Latina, da colonização cul­
tural e da apropriação capitalista do território que fora o habi­
tat dos povos pré-hispânicos, das culturas meso-americanas e
21
andinas. A emancipação dos povos indígenas aparece como 
um dos fatos políticos mais relevantes do fim do século. Eles 
foram conquistando espaços políticos para legitimar seus di­
reitos a seus territórios étnicos; suas línguas e costumes; sua 
dignidade, sua autonomia e seus direitos de cidadania. Está se 
forjando uma nova consciência dos povos indígenas sobre 
seus direitos de autogerir os recursos naturais e o entorno 
ecológico onde se desenvolveram suas culturas.
A problemática ambiental surge nas últimas décadas do 
século XX como o sinal mais eloqüente da crise da racionali­
dade econômica que conduziu o processo de modernização. 
Diante da impossibilidade de assimilar as propostas de mudan­
ça que surgem de uma nova racionalidade (ambiental) para re­
construir as bases éticas e produtivas de um desenvolvimento 
alternativo, as políticas do desenvolvimento sustentável vão 
desativando, diluindo e deturpando o conceito de ambiente.
Se nos anos 70 a crise ambiental alertou para a necessida­
de de frear o crescimento diante da iminência do colapso eco­
lógico (Meadows et al., 1972), agora o discurso neoliberal 
afirma que já não existe contradição entre ambiente e cresci­
mento. Os mecanismos de mercado se convertem no meio 
mais certo e eficaz de internalizar as condições ecológicas e 
os valores ambientais ao processo de crescimento econômi­
co. Nesta perspectiva, os problemas ecológicos não surgem 
como resultado da acumulação de capital. Para a proposta 
neoliberal teríamos que atribuir direitos de propriedade e pre­
ços aos bens e serviços da natureza para que as clarividentes 
leis do mercado se encarreguem de ajustar os desequilíbrios 
ecológicos e as diferenças sociais, a fim de alcançar um de­
senvolvimento sustentável com eqüidade e justiça.
O discurso dominante da sustentabilidade promove um 
crescimento econômico sustentável, eludindo as condições 
ecológicas e termodinâmicas que estabelecem limites e con­
22
dições à apropriação e transformação capitalista da natureza. 
Neste sentido, procura-se incorporar a natureza ao capital 
mediante uma dupla operação: por um lado, tenta-se interna­
lizar os custos ambientais do progresso; além disso, instru- 
mentaliza-se uma operação simbólica - um “cálculo de signi­
ficação” (Baudrillard, 1974) - que recodifica o homem, a cul­
tura e a natureza como formas aparentes de uma mesma es­
sência: o capital. Assim os processos ecológicos e simbólicos 
são reconvertidos em capital natural, humano e cultural, para 
serem assimilados ao processo de reprodução e expansão da 
ordem econômica, reestruturando as condições da produção 
mediante uma gestão economicamente racional do ambiente.
Deste modo, a ideologia do desenvolvimento sustentável 
desencadeia um delírio e uma inércia incontrolável de cresci­
mento (Daly, 1991). O discurso da sustentabilidade monta 
um simulacro que, ao negar os limites do crescimento, acele­
ra a corrida desenfreada do processo econômicoAs estratégias do saber am­
biental ultrapassam as correlações possíveis do já dado, para
172
abrir um processo de construção da história, sob novos prin­
cípios éticos e processos materiais que afetam as formula­
ções e desenvolvimentos das ciências. Crer nas regressões 
múltiplas para prognosticar o futuro ambiental coloca-nos di­
ante do risco de perder de vista a determinação de suas cau­
sas. assim como a produção estratégica de conhecimentos 
para construir outros futuros possíveis.
As aplicações das ferramentas da matemática à proble­
mática ambiental vêm sendo multiplicadas com a crescente 
globalização dos efeitos ambientais do crescimento econô­
mico e do desenvolvimento da tecnologia. Surgiram assim 
novas técnicas de diagnóstico e monitoramento, desde a apli­
cação dos sensores remotos para a avaliação dos recursos na­
turais, até os sistemas de informação geográfica. Estas técni­
cas constituem um poderoso instrumento de diagnóstico; per­
mitem projetar tendências e fazer prognósticos sobre mudan­
ças ambientais. Contudo, seu uso não vem necessariamente 
associado ao desenvolvimento de métodos para a análise de 
sistemas ambientais complexos, das relações epistêmicas en­
tre ciências naturais e ciências sociais, e da imbricação de 
processos de diferentes ordens de materialidade: física, bio­
lógica, cultural, econômica, tecnológica e social. As mate­
máticas poderão articular os campos formalizáveis das ciên­
cias, mas não poderão estabelecer os vínculos e o diálogo en­
tre os conhecimentos e os saberes que conformam o campo 
da racionalidade ambiental.
Mudança global, ciências sociais e sistemas complexos
O caráter global e complexo dos problemas ambientais, 
com seus efeitos transfronteiriços e transdisciplinares, susci­
tou a necessidade de encontrar métodos capazes de articular 
processos sociais e naturais de diferentes escalas espaciais e 
temporais, e de diferentes ordens conceituais, em enfoques
173
compreensivos que expliquem os fenômenos multicausados 
e heterogêneos que constituem os sistemas ambientais. A di­
ficuldade com a qual se defronta este projeto está não só na 
possibilidade de identificar as variáveis significativas, de or­
denar processos quantificáveis e de analisar suas interações e 
relações como componentes de um sistema modelável. O 
problema maior surge da incerteza que caracteriza todo prog­
nóstico ambiental quando ele é projetado para cenários futu­
ros possíveis (Gallopín, 1983).
A interdisciplinaridade, na perspectiva da mudança glo­
bal, foi proposta com o projeto sobre as dimensões humanas 
da mudança global “The Human Dimensions of Global Change 
Programme” (HDGCP), lançado em 1987 (Ifias/ISSC/ONU, 
1988). O projeto parte da aceitação de que o projeto do “Pro­
grama Internacional da Biosfera e da Geosfera” não poderia 
continuar modelando seus dados e pretendendo simular a 
realidade físico-biológica sem incorporar “variáveis huma­
nas” que vêm tendo cada vez maior peso nesses processos de 
mudança global.
Porém, as ciências sociais e a dimensão humana foram 
incorporadas ao estudo das mudanças globais predominante­
mente dentro dos paradigmas das ciências exatas e seus mo­
delos prospectivos, ou no marco epistêmico de uma ecologia 
generalizada. Buscou-se assim desenhar novos modelos que 
relacionem sistemas naturais e humanos, nos quais as ativi­
dades humanas se definem quer em termos de fluxos físicos 
(processos demográficos, metabolismo industrial, fluxo de 
materiais e energia nos processos de produção e consumo), 
ou fluxos de informação (cultura, valores, tomada de deci­
sões) (Ifias, ONU/ISSC/USSR Academy of Sciences, 1990; 
Ifias/ISSC/ONU/Unam, 1990).
Os modelos físicos pareciam falhar por falta de informa­
ção sobre a sociedade, e o programa se lançou à busca de no­
174
vos dados que pudessem preencher as lacunas de seus mode­
los matemáticos, sem uma análise das condições epistemoló- 
aicas e metodológicas para integrar conhecimentos das ciên­
cias físico-biológicas e dos processos socioculturais, para 
identificar os processos que são modeláveis e previsíveis 
dentro das mudanças socioambientais globais. Desta manei­
ra o humano e o social foram sendo integrados através de suas 
manifestações em processos de ordem física dentro de siste­
mas homogêneos de informação. Esta metodologia continua 
legitimando uma racionalidade social bem particular - a nova 
ordem mundial hegemônica - imposta pela civilização mo­
derna ocidental, como um destino natural inelutável. Dentro 
dessa razão de força maior, só restaria à ciência prever, prog­
nosticar e avaliar os impactos desta racionalidade econômica 
nos sistemas naturais, analisar as vulnerabilidades sociais e 
ambientais que pudessem surgir das taxas cada vez mais ace­
leradas de mudança global, e criar estratégias para mitigar es­
ses impactos e adaptar-se a eles.
O Seminário do HDGCP, realizado na Cidade do México, 
em novembro de 1990, abriu novas perspectivas conceituais 
e metodológicas para o estudo dos sistemas ambientais. Di­
ante do desafio de encontrar métodos para incorporar a di­
mensão humana das mudanças globais, surgiu a necessida­
de de criar modelos heurísticos e instrumentos de explora­
ção. Assim se estaria abandonando a concepção exclusiva 
do modelo como instrumento de prognóstico, para passar a 
definir estratégias conceituais e metodológicas capazes de 
eliminar as causas dessas tendências, possibilitando o co­
nhecimento da articulação de diferentes processos, assim 
como a construção coletiva de novas racionalidades sociais e 
de futuros alternativos.
Aos poucos vai se aceitando que a compreensão dos pro­
blemas ambientais requer novas metodologias nas ciências 
sociais, inclusive o desenvolvimento de novos conceitos nos
175
sistemas de contabilidade econômica e a criação de novos 
campos interdisciplinares (Jacobson e Price, 1990). Abre-se 
assim a possibilidade de analisar os diferentes níveis de inter- 
determinação dos processos que conformam os sistemas so- 
cioambientais complexos, assim como o desenvolvimento de 
estratégias e projetos locais que orientem não só a adaptação 
diante das mudanças globais, mas também a construção de 
novas racionalidades e formas de desenvolvimento.
O que foi dito coloca diferentes questões à integração de 
processos macro e micro dos conhecimentos científicos com 
os saberes locais. Nesta relação, os níveis superiores estabe­
lecem condições aos processos de nível inferior, ao mesmo 
tempo que as estratégias locais que constroem uma nova ra­
cionalidade ambiental se agregam para gerar processos no ní­
vel superior e alcançar escalas regionais e globais. Neste sen­
tido, os sistemas econômicos mundial e nacional estabele­
cem as condições legais, institucionais, econômicas e tecno­
lógicas que fixam os recursos e conhecimentos disponíveis 
para a gestão ambiental local. Por sua vez, os projetos de au­
to-suficiência e autogestão promovidos pelos movimentos de 
base se articulam com a economia nacional, influindo na eco­
nomia mundial e nas mudanças globais do planeta.
O saber ambiental reorienta a produção de conhecimen­
tos científicos e tecnológicos para a construção de novos pa­
radigmas de produção. Aí o ambiente, como sistema comple­
xo, articula os valores culturais das comunidades - que defi­
nem suas necessidades e valorizam seus recursos para satis­
fazê-las - , a produtividade dos recursos naturais dos ecossis­
temas que habitam, a produtividade tecnológica de seus pro­
cessos de trabalho, e a produtividade social que provém das 
formas de organização produtiva de cada comunidade e suas 
formas de articulação com a economia de mercado (Leff, 
1994a, 20006).
176
A “função objetivo” deste paradigma é a elevação da qua­
lidade de vida da população e não a maximização do valor 
econômico produzido; uma parte substancial da produção 
são valores de uso para o autoconsumo, que não passam pelos 
circuitos de formação de preços nem circulam em forma de 
mercadorias. O sistema pode ser avaliadoatravés da monito­
ração da estabilidade e produtividade sustentada do sistema 
complexo de recursos, mas não busca maximizar o fluxo de 
energia e materiais no ecossistema.
A incomensurabilidade do valor econômico, dos valores 
culturais e da eficiência energética impedem estabelecer uma 
função-objetivo que possa ser satisfeita por um algoritmo e 
uma unidade homogênea de medida. Mas fomentam a cons­
trução de diversas unidades ambientais de produção que ge­
ram efeitos sinergéticos positivos no equilíbrio dos ecossiste­
mas, na eliminação da pobreza e no desenvolvimento susten­
tável. Neste sentido, a racionalidade ambiental incorpora sa­
beres e conhecimentos que contribuem para cumprir com ob­
jetivos sociais primordiais que não puderam ser resolvidos 
com a aplicação dos modelos de prognóstico e de aplicação 
das ciências exatas e pela racionalidade econômica.
Desmonte da lógica unitária e construção do 
saber ambiental
Da visão matematizável, endurecida pela hegemonia da 
racionalidade científica, surge a pergunta sobre o sentido das 
ciências sociais. Na própria fonte das ciências humanas e so­
ciais está aquilo que Mills (1967) chamou de imaginação so­
ciológica. O conhecimento social, além de contribuir para 
contrastar e validar os dados da realidade, também é um saber 
Prospectivo, no sentido que Mannheim (1936/1972) atribuiu 
as utopias: como construções ideais que mobilizam os atores 
sociais para sua realização. A energia social, além de me­
177
dir-se em calorias, se manifesta sobretudo pela sua capacida­
de criativa, inovadora e organizativa.
Daí se coloca a possibilidade de conceber uma nova ra­
cionalidade social que, partindo dos valores e identidades dos 
povos, permita aproveitar o potencial dos ecossistemas e das 
forças da natureza amplificadas pela ciência e pela tecnolo­
gia, para satisfazer as necessidades básicas e melhorar a qua­
lidade de vida das maiorias. A preocupação pelos problemas 
ambientais globais está eludindo o problema fundamental 
das relações sociedade-natureza nas comunidades de base e 
no esboço de estratégias de desenvolvimento sustentável no 
nível local (Cepaur, 1989). Urge assim encontrar metodolo­
gias para integrar processos de diferente escala de magnitude 
(local, regional, nacional, global), processos de dimensões in- 
comensuráveis e de diversa ordem conceituai.
A necessidade de entender o ambiente como um sistema 
complexo confronta o positivismo lógico em sua busca de 
unidade do conhecimento e uniformidade do saber. A ques­
tão ambiental abre assim uma nova perspectiva epistemoló- 
gica para compreender o desenvolvimento do conhecimento. 
A lógica da dispersão discursiva não postula o reino da anar­
quia conceituai como libertação de toda ordem que reduz a 
formalidade teórica à sujeição. O saber ambiental se constitui 
através da desconstrução dos paradigmas dominantes do co­
nhecimento e através da produção e articulação de saberes, 
para construir novas racionalidades sociais possíveis. Para 
isto é necessário derrubar as fortalezas da “ciência normal”, 
levantar as comportas que permitam o fluxo interdisciplinar 
de conhecimentos e abrir um diálogo produtivo entre saberes.
Neste projeto inscrevem-se os desenvolvimentos meto­
dológicos que, mediante a identificação de variáveis signifi­
cativas e processos de diferentes ordens de materialidade, 
permitem analisar a dinâmica dos sistemas ambientais com­
178
plexos. Assim podemos entender os efeitos das decisões so­
bre o uso dos recursos e a aplicação de modelos tecnológicos 
ein sua vulnerabilidade, estabilidade e desestabilidade dos 
ecossistemas e dos sociossistemas; a perda de fertilidade e de 
biodiversidade, a degradação dos solos, sua erosão e deserti- 
ficação; a marginalização, desnutrição e pobreza das popula­
ções (Garcia et al., 1981, 1982, 1986, 1988a, 19886),
Esta perspectiva ambiental do conhecimento, ao romper 
com o projeto unitário de A Ciência - de sua formalização e 
matematização como critérios últimos de legitimação do co­
nhecimento - abre a construção de um saber ambiental que 
transforma conhecimentos, gera novos sentidos e produz ver­
dades que mobilizam a reconstrução da realidade, libertando 
processos naturais e sociais que permaneceram subjugados e 
agrilhoados pela racionalidade científica, tecnológica e eco­
nômica dominante.
1 3 - 0 INCONSCIENTE IN(TER)DISCIPLINAR*
N o processo de transição da modernidade para a pós-mo- 
dernidade, enfrentam-se as tendências da unidade do conhe­
cimento e da homogeneização cultural, com a valorização da 
diversidade e da diferença. Estas tendências se refletem nas 
posições subjetivas diante do saber e no campo da interdisci- 
plinaridade. Aí o sujeito, dividido em e por seu desejo, dife­
renciado por sua sociedade, aspira por cobrir sua falta de sa­
ber com uma imagem de corpo inteiro, total, irrepreensível, 
ocultando seu desconhecimento sob o manto unitário de A 
Ciência, integrado pelos retalhos dos saberes disciplinares. A 
nostalgia de uma totalidade originária, a ambição de um sa­
ber absoluto marcam um retomo mítico a um saber total, an­
terior à divisão constitutiva do desejo de conhecer.
O projeto interdisciplinar surge com o propósito de reori- 
entar a formação profissional através de um pensamento ca­
paz de apreender a unidade da realidade para solucionar os 
complexos problemas gerados pela racionalidade social, 
econômica e tecnológica dominante. Este projeto busca fun­
damentar-se num método capaz de fazer convergir os olhares 
dispersos dos saberes disciplinares sobre uma realidade ho­
mogênea, racional e funcional, eliminando as divisões esta­
belecidas pelas fronteiras dos territórios científicos, cance­
lando o espaço próprio de seus objetos de conhecimento, para 
reconstruir um mundo unitário.
* y\ partir tlc um texto escrito originalmente em 1984, como prólogo à segunda edição do i 
vro lnterdisciphnariedad, dc Roberto Follari (1982). Versões anteriores foram publica 
das cm Formación Ambiental, vol. 1, n. 2, 1990-1991, c na Revista de la Vniversida 
Guadaiajara, n. 10, 1998.
A especificidade teórica das ciências absorve-se num sis­
tema generalizado de conhecimentos, que busca complemen­
tar suas estruturas teóricas e abrir caminho a um intercâmbio 
analógico de conceitos num campo terminológico unificado. 
Daí o propósito de construir uma tecnologia interdisciplinar; 
orientada por um objetivo prático, comum a diferentes cam­
pos do saber.
A redução do sentido conceituai de diferentes teorias ci­
entíficas às suas homologias estruturais, numa teoria geral de 
sistemas, associa-se com o desenvolvimento unidimensional 
da tecnologia e sua implantação aos mais diversos contextos 
ecológicos e culturais. Esta racionalidade científico-tecnoló- 
gica constitui um projeto oposto à produtividade do hetero­
gêneo, ao potencial do diferenciável, à integridade do especí­
fico e à articulação do diverso que fundamentam uma racio­
nalidade ambiental.
A produtividade primária dos recursos naturais, decor­
rente de sua complexa organização ecossistêmica, vem sendo 
degradada pela uniformização da colheita de mercadorias su­
jeitas ao cálculo univalente do lucro econômico. A produtivi­
dade dialógica dos sentidos teóricos, que resulta do encontro 
dos discursos científicos, reduz-se à síntese lógica de seus 
enunciados, à analogia de seus significados sintáticos, ao iso- 
morfismo de suas estruturas conceituais. A produtividade po­
tencial do intercâmbio disciplinar dissolve-se no consenti­
mento de uma linguagem comum à produção unidimensional 
de idéias e à cultura de estilos de vida homogêneos.
Nesta solução utilitária esfumam-se as complexas estru­
turas ecológicas e culturais construídas durante um longo 
processo de coevolução e heterogênese histórica. O triunfo 
d° progresso unitário subjuga a ressignificação do mundo às 
ordens de um Estado de urgência e ao poder do pragmatismo 
•deológico dominante, gerando um processo de desorganiza­
ção cultural, degradação do ambientevivido, erosão do solo 
habitado. Desta forma, inverte-se o processo neguentrópico 
fundado na crescente complexidade, produtividade e criati­
vidade das estruturas materiais constitutivas da matéria iner­
te, da substância viva, da ordem simbólica.
Diante das revoluções sociais e culturais, das revoltas estu­
dantis e dos movimentos de libertação, da efervescência teóri­
ca e crítica que deram vazão à história, à sexualidade e ao saber 
nos anos 1960, surge o projeto interdisciplinar como um meca­
nismo de controle e de solução das crises energéticas, de recur­
sos e de valores, que abatem a civilização tecnológica de nosso 
tempo, como uma norma sobre as pulsões, sobre a produção 
de saberes, sobre as aspirações profissionais.
A interdisciplinaridade busca construir uma realidade 
multifacetária, porém homogênea, cujas perspectivas são o 
reflexo das luzes que sobre ela projetam os diferentes enfo­
ques disciplinares. O conhecimento global ao qual aspira se 
conforma na convergência de um conjunto de visões parciais 
que se integram organicamente como um código de obje- 
tos-sinais do saber. A totalidade holística que os métodos in- 
terdisciplinares buscam difere da totalidade característica do 
pensamento simbólico, assim como do corpo integrado de 
conceitos donde os discursos científicos deduzem seu senti­
do próprio, constitutivo de seus objetos de conhecimento e de 
estruturas teóricas indissociáveis em partes, em variáveis, em 
fatores, em dimensões.
Diante desta concepção da totalidade teórica, como viga­
mento de níveis de integração, coerência e sentido do conheci­
mento, o holismo ao qual aspira o pensamento interdisciplinar 
aparece como uma visão projetada para um objeto teórico ine­
xistente e imaginário que levita sobre campos concretos de 
aplicação; que se precipita no buraco de sua origem (insigni­
ficante (hole), antes de alcançar seu ente totalizador, seu 
ser-total.
182
Nestas tendências do pensamento homogeneizador proli­
feram as correntes globalizadoras e colonizadoras do pensa­
mento científico: logicismo, biologismo ecologismo; tantos 
“ismos” que sacodem as estruturas do conhecimento científi­
co Aspiração generalizadora que se traduz num poder totali­
tário do saber sobre as condições de emergência, produção e 
articulação das ciências. A vontade de uma totalidade sistê­
mica como projeto metodológico afoga o processo de produ­
ção dos objetos de conhecimento das ciências, a historicidade 
do saber que depende das lutas ideológicas pelo conhecimen­
to, o caráter emancipador do saber e a pulsão epistemofílica 
do sujeito da ciência.
A sistematização do saber, a normalização das ações so­
ciais, a uniformização dos estilos culturais aparecem como o 
sinal unitário do regime totalitário do valor de câmbio. A teoria 
geral de sistemas pretende englobar os diferentes campos do 
conhecimento sob o signo analógico de identidade, ocultando 
a especificidade teórica que produz a organização e a integri­
dade conceituai das ciências. Fascínio por um sistema trans- 
disciplinar que ultrapassa as fronteiras do conhecimento para 
promover a livre transferência de noções tecnológicas entre 
continentes científicos. Sistema monetário que legitima a ple­
na situação de saberes, o livre intercâmbio de mercadorias-co- 
nhecimento que acompanham a capitalização da natureza.
A lei do valor, que outrora havia parcelado as tarefas pro­
dutivas para igualar toda força de trabalho frente aos meios 
de produção do capital, impõe agora sua legalidade como 
norma ao trabalho intelectual; estabelece uma regra de equi­
valência entre os modos de pensar, sobre os métodos de pes­
quisar, sobre as formas de conhecer, sobre as alternativas so­
ciais de aplicação do saber, levando à desvalorização do co­
nhecimento diante dos imperativos pragmáticos do capital.
183
O eficientismo tecnológico como meio e finalidade do 
progresso elimina as contradições e a polissemia dos discursos 
científicos. A equivalência de todos os saberes no intercâmbio 
disciplinar reduz o sentido teórico do conceito para construir 
operadores nocionais e terminologias funcionais para um flu­
xo contínuo do saber, para o projeto de uma perfeita circulari­
dade das ciências, para a promoção de um comércio sem fron­
teiras dos produtos intelectuais, técnicos, ideológicos.
A produtividade dialógica e dialética dos discursos cien­
tíficos se esgota no reconhecimento especular e no sentido 
especulativo dos saberes uniformizados por uma linguagem 
comum. O saber se acopla à unidade dos homens face à trans­
formação da mercadoria, único objeto que deve ser renova­
do, diversificado e multiplicado continuamente para ser con­
sumido num ato massivo, para capturar todos os olhares di­
vergentes, para burlar a satisfação da demanda sempre laten­
te, para devorar o insaciável desejo de ser.
Mas a história do conhecimento não se desdobra numa su­
perfície recoberta de mosaicos de diferentes disciplinas cientí­
ficas e técnicas. Não é a área de confluência dos saberes dados. 
Não é o ponto de convergência de suas utilidades práticas. Não 
é a realização de uma demanda social imposta como juízo pe­
nal sobre o desenvolvimento das ciências para a resolução dos 
problemas econômicos e socioambientais imediatos. A dialé­
tica do conhecimento não é processo de identificação ou lugar 
de coincidência, mas princípio de dissidência, de divergência e 
dispersão dos discursos científicos, tendente a satisfazer a falta 
de conhecimento. Não é um círculo tautológico do saber, mas 
um espaço de expansão do conhecimento a partir das ressigni- 
ficações teóricas sobre processos materiais e ordens ontológi- 
cas diferenciadas. Processo no qual a criatividade do pensa­
mento e as mudanças sociais se entrelaçam na busca de novos 
sentidos de civilização e de alternativas de organização para o 
desenvolvimento dos povos.
184
O projeto interdisciplinar inscreve-se dentro da ressignifi- 
cação da vida e da reconstrução do mundo atual. Mas não serão 
os princípios de uma totalidade holística ou de uma visão sistê­
mica que haverão de suturar as feridas abertas pela divisão do 
ser, pelo controle tecnológico da sociedade ou pela opressão 
do poder totalitário. A prática interdisciplinar pode fazer con- 
fluir uma multiplicidade de saberes sobre diversos problemas 
teóricos e práticos; mas não pode saturar os vazios do conheci­
mento nem dar às ciências uma compreensão totalizante do 
real. Torres de observação pluridisciplinar poderão ser edifica- 
das sobre um campus universitário, mas a convergência dos 
olhares num objetivo prático não conseguirá construir o tão 
desejado objeto unitário e universal de A Ciência.
A interdisciplinaridade não é pois um princípio episte- 
mológico para legitimar saberes, nem uma consciência teóri­
ca para a produção científica, nem um método para a articula­
ção de seus objetos de conhecimento. É uma prática intersub- 
jetiva que produz uma série de efeitos sobre a aplicação dos 
conhecimentos das ciências e sobre a integração de um con­
junto de saberes não científicos; sua eficácia provém da espe­
cificidade de cada campo disciplinar, bem como do jogo de 
interesses e das relações de poder que movem o intercâmbio 
subjetivo e institucionalizado do saber.
O movimento interdisciplinar é uma revolta intelectual 
na qual, ao cessar a agitação dentro do fluido miscível do sa­
ber, as homologias estruturais de sua substância conceituai 
encontram novas superfícies de contato; os estamentos disci­
plinares mudam de hierarquia em função da correlação das 
forças teóricas e ideológicas em jogo. Mas somente poderão 
instigar revoluções no seio das ciências quando o encontro de 
diferentes disciplinas científicas e técnicas produzir um novo 
objeto de conhecimento (Canguilhem, 1977).
O questionamento inquisidor sobre uma ciência a partir 
do olhar externo e estranho de outra disciplina, a partir dos
185
efeitos que suas aplicações produzem em seus campos expe­
rimentais e na transformação da realidade, pode levantarno­
vamente alguns problemas teóricos e gerar um processo de 
assimilação de novos conceitos e metodologias de pesquisa. 
Mas o objeto teórico de cada ciência e a especificidade disci­
plinar de cada especialidade imporão as condições do que 
pode ser repensado teoricamente, do que deve ser retrabalha- 
do na prática de pesquisa, do que se entretece numa nova es­
trutura de conhecimentos.
O processo interdisciplinar mobilizará a produção de no­
vos conhecimentos, enquanto às disciplinas particulares lhes 
reste um potencial a desenvolver em seu intercâmbio com ou­
tros saberes; enquanto os sujeitos do saber conservem um im­
pulso por conhecer o desconhecido, a necessidade de descobrir 
e construir algo real além do restrito horizonte de visibilidade 
da realidade; enquanto exista uma capacidade para conjeturar 
o que não é dedutível a partir da análise sintética do dado; en­
quanto não se esgote a necessidade emancipadora de construir 
novas utopias nem a curiosidade por explorar alternativas 
além das opções que as situações herdadas e as tendências atu­
ais oferecem; enquanto continue vivo o impulso por saber, o 
pensamento crítico e o movimento criador das idéias.
186
14 - PSICANÁLISE E SABER AMBIENTAL*
Ambientalizar a psicologia ou psicanalisar o ambiente: 
Encontro de dois saberes frente à ciência
O saber ambiental, a partir das perspectivas do pensa­
mento da complexidade, surge nos espaços de extemalidade 
dos paradigmas dominantes do conhecimento, transforman­
do os conceitos e métodos de diferentes disciplinas. Desta 
maneira, a economia, o direito, a antropologia e a sociologia 
vêm internalizando as condições ambientais que redefinem 
seus objetos de conhecimento e seus campos de estudo (Leff 
etal., 1986/2000; Leff et al., 1994).
Também a psicologia vem se “ambientalizando”. Desta 
maneira, analisa as formas como as condições ambientais 
afetam as capacidades cognitivas, mobilizam os comporta­
mentos sociais e causam impacto à saúde mentaOTambém o 
campo emergente da psicologia ambiental contribui para a 
análise das percepções e interpretações das pessoas sobre seu 
meio ambiente, vinculando-se ao terreno da psicologia social 
no estudo da formação de uma consciência ambiental e seus 
efeitos na mobilização dos atores sociais do ambientalismo.
(Contudo, o encontro do saber ambiental com a psicanáli­
se se apresenta num espaço que não é o da complementarida­
de nem da articulação de seus saberes, mas de seus paralelis- 
mos, suas solidariedades e suas disjunções.^E talvez seja em 
relação com o saber que funda suas práticas e em sua cumpli-
* Conferência apresentada no Primeiro Encontro Latino-Americano de Psicologia Am­
biental, ENEP Iztacala, UNAM, T-3 de julho de 1998.
187
>r
cidade na subversão do conhecimento científico que se enca­
ram de frente esses saberes.
O projeto científico da modernidade abre uma nova via à 
aventura do conhecimento a partir da constituição do sujeito 
de A Ciência que, a partir da certeza de seu pensamento tenta 
construir um conhecimento objetivo, livre de todo traço de 
subjetividade e emotividade, para alcançar a verdade, a iden­
tidade do conhecimento com o real. Este sujeito autoconsci- 
ente converte-se no princípio e ao mesmo tempo no maior 
obstáculo para alcançar o conhecimento objetivo.
Bachelard mostrou a necessidade de fazer uma “psicaná­
lise” dos interesses subjetivos que constituem a base afetiva 
do saber, para derrubar os obstáculos epistemológicos e abrir 
as vias à formação de um espírito científico capaz de aceder 
ao conhecimento objetivo. Neste sentido, “descobrir os obs­
táculos epistemológicos é contribuir para fundar os rudimen­
tos de uma psicanálise da razão” (Bachelard, 1938/1948:61).
Bachelard vai à busca de um racionalismo crítico que 
questiona essa pretensão universalista do conhecimento e as 
soluções solipsistas do idealismo fundado no logocentrismo, 
nas possibilidades de formalização que se assentam na iden­
tidade do real e encontram sua justificação na identificação 
do eu, na certeza do sujeito e na verdade do cogito cartesiano 
que sustentam o projeto epistemológico da racionalidade ci­
entífica. Desta maneira, a ciência chega “a expulsar todo psi- 
cologismo e a fundar logicamente o conhecimento objetivo”. 
Mas, “esse duplo êxito é a própria ruína do interesse do co­
nhecimento, é a impossibilidade de trabalhar ao mesmo tem­
po a diferenciação da realidade e a diferenciação dos pensa­
mentos” (Bachelard, 1949: 131-132).
Perante a ótica do saber ambiental - que observa as falhas 
do iluminismo científico e do triunfalismo tecnológico - o 
progresso da ciência, empurrado pelo impulso de saber e por
188
sua vontade de controlar e dominar o real, provocou a destrui­
ção da natureza, exilando-a de sua terra natal, acelerando a 
morte entrópica do planeta, subjugando as culturas forjado- 
ras de sentidos e desconhecendo em sua passagem seus sabe­
res. A objetividade da ciência deixou que lhe escorresse o real 
que hoje fala em nome da natureza violada, denunciando o 
poder dominador do conhecimento científico.
A emergência do saber ambiental questiona as bases éti­
cas e epistemológicas da racionalidade científica e econômi­
ca que fundam e mantêm o projeto de modernidade que de­
sembocou na crise ecológica. Mas o que poderia a psicanálise 
trazer a esta iniciativa? A pulsão epistemofílica reata a aven­
tura do conhecimento a partir da perspectiva aberta pelo sa­
ber ambiental, como aquela falta de conhecimento que im­
pulsiona um processo interminável de produção de conheci­
mentos (Leff, 1986/2000).
O encontro frente a frente entre saber ambiental e saber 
psicanalítico não produz a “ambientalização” da psicanálise 
mediante uma introjeção de suas perspectivas epistemológi­
cas e políticas; tampouco permite “psicanalisar” o ambienta- 
lismo com o propósito de eliminar as subjetividades que o ha­
bitam e sanear sua patologia discursiva, erradicando o discur­
so perverso do desenvolvimento sustentável. Tanto o saber 
ambiental como a psicanálise compartilham a impossibilida­
de de conhecer a verdade que impulsiona o saber, que ascen­
de para os cimos da racionalidade científica, e destas alturas 
se precipita sobre a natureza e a cultura.
Neste encontro de saberes emergem dois temas privilegia-' 
dos sobre os quais discorrem a psicanálise e o saber ambiental:
1) A lei como limite a partir do qual se ordena a teoria 
sobre o campo do possível na ordem do real.
2) A relação entre o conhecimento, o saber e a verdade.
189
A Ie i- l im ite e a p r o ib iç ã o
Tanto a psicanálise como o saber ambiental se fundam 
numa lei-limite a partir da qual se questionam os saberes 
“pré-científicos” e se organiza um novo campo teórico. A cas­
tração, a divisão dos sexos, o Édipo e a proibição do incesto or­
ganizam as formações do inconsciente, objeto da psicanálise, 
demarcando-o do biologismo e do energetismo pré-freudiano 
que imperavam no campo da psicologia (Lacan, 1976). De 
modo análogo, o saber ambiental reconhece na segunda lei da 
termodinâmica a lei-limite que questiona a falsa fundamenta­
ção mecanicista da economia (Georgescu-Roegen, 1971). Daí 
se observa a destruição ecológica e a morte entrópica causadas 
pelo crescimento econômico, abrindo o campo à construção 
de uma racionalidade ambiental.
A degradação da natureza aparece nesta perspectiva como 
efeito da racionalidade econômica que nega e desconhece a 
natureza, que tenta reduzir e capitalizar a ordem da vida e da 
cultura. Esta análise se situa além do psicologismo que vê na 
destruição da natureza o triunfo do instinto de morte sobre o 
instinto de vida - de Tânatos sobre Eros. Pois o que o encon­
tro da psicanálise com o saber ambiental descobre não é uma 
essência autodestrutiva do ser humano, mas como sua pulsão 
para uma verdade impossível de alcançar o lançou a uma epo­
péia científica para dominar a natureza, transferir seu in­
saciável desejo à ordem do econômico, para um horizonte 
ilimitado de crescimento que lheé vedado na ordem da cultu­
ra pela lei de proibição do incesto. E é neste rodeio que o 
mal-estar da cultura se converte num processo destruidor da 
vida e da natureza.
Pois caso se tratasse de deter um instinto de morte como 
causa do ecocídio, pouco poderia fazer a “consciência am­
biental” para desativar suas determinações genéticas. Tra­
ta-se então de ver a destruição da natureza através do rodeio
190
do saber; de um saber que emerge da falta insaciável do co­
nhecimento e que busca um ideal de completitude, um espe­
táculo sem limites, um crescimento sem fronteiras, gerando 
uma racionalidade que, em sua autojustifícação, se cega di­
ante do limite. Por outro lado, a lei-limite abre um processo 
emancipador do saber, forjador de utopias e de sentidos civi- 
lizatórios, pelos quais a cultura avança a partir do desejo de 
vidá)e da erotização do mundo.
Aos olhos do saber ambiental, a economia fundou-se 
numa lei (mecânica) fora da lei (simbólica) da proibição, do 
limite. Face à cultura e ao inconsciente que se fundam na lei 
de Édipo e na proibição do incesto (onde o funcionamento da 
lei no registro do simbólico estrutura o real e funda o imagi­
nário), a ordem econômica se funda numa ideologia do pro­
gresso infinito das forças produtivas; de uma escassez fictícia 
que impulsiona a emergência de uma ciência encarregada de 
racionalizar recursos e equilibrar fatores produtivos. A eco­
nomia aparece assim como um processo imaginário que, sem 
fundamento nas leis que instauram a ordem simbólica e que 
regem o real da natureza, gera uma hiper-realidade, uma de­
formação, uma monstruosidade, uma metástase do real (Bau- 
drillard, 1973).
As leis da termodinâmica estabelecem o limite que leva a 
ressignificar o processo econômico e a construir uma nova 
economia fundada no real da entropia e nos processos de sig­
nificação da cultura. A partir daí se coloca a emergência de 
uma racionalidade ambiental, onde se articula o potencial da 
natureza com a tecnologia e com a ordem da cultura. Num pa­
ralelismo com a articulação da ordem simbólica, imaginária e 
real nas formações do inconsciente, as formações ambientais 
integram a ordem (real) da natureza - aquela ordem ontológi- 
ca que existe antes da linguagem e da cultura - , através de 
significados que provêm da ordem (simbólica) da cultura, 
através do imaginário do conhecimento e da tecnologia. A
191
entropia como lei-limite reata a ordem da natureza, a técnica 
e a cultura. A lei-limite trança os três registros e os coloca em 
tensão numa nova racionalidade produtiva.
O ecocídio da economia é seu desconhecimento da natu­
reza, sua precipitação para a morte entrópica do planeta por 
sua autocomplacência no progresso e sua embriaguez de cres­
cimento. A crise ambiental atual mostra essa negação dos li­
mites da produção que, em vez de ressignifícar a vida econô­
mica, persiste em sua compulsão à repetição numa obsessão 
pelo crescimento infinito. Neste sentido, o ecocídio não apa­
rece como a manifestação primeira de uma pulsão de morte, 
mas como a imposição da racionalidade econômica que des­
conhece e nega a lei-limite da natureza.
Nesta perspectiva, o saber ambiental não se enlaça com o 
discurso economicista em busca de suas complementarida- 
des, suas interfases sistêmicas, suas relações interdisciplina- 
res. O ambiente emerge como sintoma do limite que deve re­
organizar o processo produtivo; como irrupção de uma nova 
racionalidade (no conhecimento, na produção) a partir da fal­
ta, da cisão, da incompletitude; como ponto de fuga para a di­
ferenciação de racionalidades culturais e estilos de vida.
Conhecimento, saber, verdade
O saber ambiental e o saber psicanalítico avançam por di­
ferenciação, não por fusão inter ou transdisciplinar. Ambos 
se encontram na desnaturalização da natureza e em sua ins­
crição na ordem simbólica. O saber ambiental é um saber en­
raizado na organização ecossistêmica da natureza, mas está 
sempre incorporado à subjetividade e à ordem da cultura. 
Desta maneira, a natureza como objeto de apropriação social 
é sempre uma natureza significada. O saber ambiental se de­
marca assim do projeto de ecologização do pensamento filo­
192
sófico, da ética e das ciências sociais que geraram o ecologis- 
mo como ideologia.
Na emergência do saber ambiental podemos encontrar 
uma gênese similar ao advento do sujeito: num primeiro mo­
mento reconhece no reflexo imaginário do discurso ecologis­
ta seu corpo desmembrado e fracionado. Esse ambientalismo 
infantil busca recompor suas mutilações no olhar especular 
integrador que a teoria de sistemas, o pensamento da comple­
xidade e os métodos da interdisciplinaridade oferecem. O 
ambientalismo entra em diálogo com os paradigmas estabe­
lecidos, busca seus campos de complementaridade e, a ponto 
de identificar-se com seu outro dominador no discurso do de­
senvolvimento sustentável, descobre a força transformadora 
de seu saber, sua pulsão vital e seu desejo de emancipação; re­
conhece a falta de conhecim ento que o impele a d iferen­
ciar-se e a não confundir-se com outros saberes. Por isso, o 
saber ambiental é desconstrução dos saberes consabidos e 
construção, a partir de sua alteridade, de novos conhecimen­
tos, de novas utopias, de novos direitos e novas identidades 
que impulsionam a história para frente.
A palavra nunca chega a tocar a coisa, o conceito jamais 
se confunde com o processo que apreende e significa, o mito 
é sempre a dança ritual do real. Na modernidade surge o diá­
logo metafórico e dialético entre o conceito e o real, entre a 
natureza e a poesia. O conceito abstrato procura tocar a reali­
dade empírica, a ciência dominar a natureza. O pensamento 
da pós-modemidade dissolve o diálogo entre a palavra e a coi­
sa, entre o símbolo e seu referente. A modernidade desembo­
ca numa hiper-realidade irrefreável e inapreensível, num 
jogo do código que simula mas já não decodifica o real, na 
dessubstantivação e no sem-sentido de toda teoria, na irreve­
rente irreferenciabilidade de todo discurso, num processo 
inelutável para a morte entrópica (Baudrillard, 1973).
193
Saber ambiental e saber psicanalitico abrem novamente a 
história do conhecimento, o sentido do saber e o lugar do sujei­
to. Ambos os saberes combatem as postulações cientificistas 
(estruturalistas) que pretendem eliminar o sujeito numa cres­
cente objetividade do conhecimento. Assim, a afirmação sobre 
a ciência como “ideologia da supressão do sujeito” (Lacan), 
enfrenta a proposta a partir do estruturalismo de um “processo 
sem sujeito” (Althusser). O saber ambiental é movido pela pul- 
são de conhecimento, mas surge como um saber personaliza­
do, definido por interesses, sentidos existenciais e significados 
culturais de sujeitos históricos. O saber ambiental implica co­
locar em jogo a subjetividade na produção de conhecimentos, 
e traz consigo uma apropriação subjetiva do saber para ser 
aplicado em diferentes práticas e estratégias sociais.
O iluminismo científico busca a verdade na certeza do su­
jeito da ciência, na coerência lógica de seus enunciados, na 
matematização de suas funções. O saber psicanalitico e o sa­
ber ambiental reconhecem a incerteza, a incomensurabilida- 
de, a complexidade e a incompletitude do conhecimento. O 
saber psicanalitico não pretende constituir-se numa ciência 
do sujeito convertido em objeto de conhecimento. A psicaná­
lise admite que “o sujeito é esse real incontornável do qual 
depende todo saber, mas que, por sua vez, não pode ser apre­
endido pelo saber” (Saal, 1998:127). A psicanálise não busca 
esgotar as determinações sobre o sujeito. Tem muito mais em 
vista a disjunção entre o saber e a verdade; a verdade à qual 
faltam palavras para dizer-se. Daí se desconstrói a ilusão do 
projeto científico que busca a identificação do ser e da ciên­
cia, do conceito e do real, do sujeito e do objeto, das palavras 
e das coisas. O saber ambiental emerge do campo de extema- 
lidade dos núcleos de racionalidade científica. É o indizível,o ignorado, o desconhecido pela ciência; ocupa o lugar da ver­
dade, do real incontornável pelas ciências.
194
Mas não devemos confundir a verdade com aquele im­
pulso indizivel que arrasta cada sujeito ao saber, com a verda­
de como projeto epistemológico que busca a identidade entre 
o saber e o real, problema que não se reduz a reconhecer a ver­
dade como causa do saber. A impossibilidade de que o sujeito 
saiba sua verdade não corresponde aos limites com os quais 
se defrontam as estratégias teóricas para construir conceitos e 
objetos de conhecimento para apreender o real. Pois se a pala­
vra nunca se identifica com a coisa, certamente a eficácia tec­
nológica fala da aproximação da ciência e do real, embora 
isto gere o desconhecimento e a negação da própria natureza 
em sua vontade de dominá-la.
Na psicanálise a verdade fala sem poder dizer-se; é o into­
cável na palavra, o invisível diante do olhar. A partir da cas­
tração, da divisão dos sexos, a partir da falta em saber, a ver­
dade impulsiona a busca do conhecimento. Daí a disjunção 
entre saber e verdade e a impossível fusão do conhecimento 
com a verdade e o real. O saber ambiental emerge da opressão 
do conhecimento, do desconhecimento do saber gerado pelo 
projeto científico, subjugando e fragmentando saberes, es­
magando identidades, economizando e tecnologizando o co­
nhecimento, fixando seu olhar na realidade empírica ou ele­
vando-o à idéia abstrata e à perfeição matemática. Se não há 
relação sexual que devolva ao sujeito sua incompletitude 
constitutiva, o saber ambiental descobre que não há uma rela­
ção interdisciplinar capaz de cumular os vazios e desconheci­
mentos das ciências para restituir à racionalidade científica o 
que perdeu de verdade e saber para constituir seu paradigma 
de cientificidade.
Saber ambiental e psicanálise se encontram em sua re­
sistência a qualquer saber totalitário, a todo imperialismo 
científico (mesmo aquele proveniente da ecologia como 
ciência das ciências, como saber da complexidade e das in­
terdependências). Ambos os saberes se encontram nessa
195
/*
pulsão para a vida que incita a busca do conhecimento. Se a 
psicanálise abre os canais do saber do indivíduo diante do 
impossível encontro com a verdade, o saber ambiental abre 
as vias da história através da construção de novos valores, 
saberes e conhecimentos.
O saber da psicanálise responde à demanda do sujeito de 
saber sua verdade. Não tem em vista a história nem as ciên­
cias; tem em vista a pulsão básica do ser humano a partir das 
formações do inconsciente. Sem dúvida se nutre de outros 
discursos teóricos e filosóficos para armar o saber que guia sua 
prática; a partir daí encontra as raízes profundas do mal-estar 
na cultura e sabe o que as ciências não podem conhecer em 
sua vontade de saber. Se na psicanálise o real e a verdade fa­
lam sempre com vozes veladas, o saber ambiental descobre o 
real da economia - a natureza negada - , falando a partir de 
sua exclusão na teoria e no discurso econômico.
O saber é fonte de certezas e identificações. O sujeito se 
afirma pelo que acha que sabe. A psicanálise questiona toda 
certeza que opera desconhecendo a verdade como causa. O 
saber ambiental questiona a racionalidade científica que 
cerceia a natureza e cerca a história. Mas desencadeia novos 
saberes, propicia o diálogo e hibridações com o conheci­
mento, gera novas identidades fundadas em sua relação com 
saberes mutantes, implica processos de reincorporação e rea- 
propriação de novos conhecimentos. O saber ambiental 
combate pois as certezas de paradigmas legitimados e insti­
tucionalizados e capta as manifestações de outros saberes, de 
outros sentidos e significações, a partir dos quais se cons- 
troem novas utopias.
Na busca de sua verdade, o inconsciente lançou o sujeito 
para identificações coletivas com ideologias de massas que 
geraram os dramas históricos produzidos pelos poderes tota­
litários e pelos fundamentalismos de nosso tempo. O saber
196
ambiental se confronta com a tenacidade das identificações 
com o saber disciplinar; além do questionamento do saber 
psicanalitico sobre o sujeito científico que emerge de sua au- 
toconsciência e da certeza de sua existência a partir de seu 
pensar, o saber ambiental observa o sujeito formado num pa­
radigma científico, de onde fala de certa maneira sobre o 
mundo, adota certos gestos e ostentações, finca seus valores 
em “sua ciência”, e elabora suas certezas sobre o mundo que 
ultrapassam o campo de sua prática científica. Destas identi­
dades surgem os interesses disciplinares como obstáculos 
epistemológicos.
O saber ambiental olha assim a dispersão do discurso da 
sustentabilidade e das posições subjetivas que sustentam suas 
narrativas. Abre-se assim um campo de confronto de identi­
dades, sentidos e práticas do ambientalismo. E ali se forjam 
novas identificações com o saber no campo acadêmico; fun- 
dam-se novas identidades culturais e se constituem novos 
atores sociais em relação com as significações diferenciadas 
dos discursos da sustentabilidade.
Na perspectiva desta multiplicação de subjetividades no 
campo do saber ambiental, a verdade como falta de conheci­
mento desencadeia os desvarios do conhecimento em seu afã 
de apreender o real: lança o sentido emancipador do saber 
para o campo do poder no saber (Foucault, 1980), onde se de­
batem as diferentes posturas e imposturas perante o desen­
volvimento sustentável. Ali se enlaça esse real (formação do 
inconsciente) que empurra ao saber com o real dos campos 
epistemológicos onde se produzem conhecimentos; o saber 
da psicanálise dialoga com os objetos das ciências, com a his­
tória e a linguagem a partir do real da castração e das forma­
ções do inconsciente.
O real para o qual aponta a psicanálise é tão inacessível 
como é inapreensível o real que as ciências buscam capturar,
197
mas respondem a diferentes ordens ontológicas e a diferentes 
estratégias epistemológicas: o primeiro está em relação entre o 
saber consciente e a verdade do inconsciente; as ciências, entre 
o conhecimento e as ordens da realidade ontológica. O saber 
psicanalitico tenta fazer o sujeito falar a partir de sua incom- 
pletitude fundamental e constitutiva para desencadear seu de­
sejo; o saber ambiental faz com que o conhecimento avance a 
partir de sua falta de saber para abrir os canais da história.
Para a psicanálise a verdade indizível lança o sujeito à 
fala, à busca de saber. O saber ambiental, colocado na órbita 
da construção social, fala dos interesses e utopias que mobi­
lizam o conhecimento; legitima e racionaliza ações, entrela­
çando-se nas tramas do poder. O saber ambiental fala dos 
efeitos de dominação do conhecimento e da função estratégi­
ca do saber.
O saber psicanalitico discorre sobre a verdade. É um sa­
ber que sabe que não sabe, que crê saber porque é impossível 
saber a verdade, que sabe que o sujeito não poderá dizer a ver­
dade que o impulsiona. É um saber que sabe o que não poderá 
encontrar, mas que busca desencadear e desviar a pulsão de 
vida para outros saberes. Assim, a psicanálise como teoria do 
inconsciente se atribui um saber que guia sua prática. É um 
saber que afirma não saber o que lhe demanda o sujeito, mas 
que deve saber como conduzir esta demanda de saber. E o sa­
ber ambiental sabe que os saberes constituídos pela racionali­
dade científica dominante aceleram a morte entrópica, e pro­
cura abrir caminhos para a sustentabilidade através da consti­
tuição de novos saberes.
Assim, a partir de seus enfoques tangenciais, psicanálise e 
saber ambiental desconstroem as certezas da modernidade e 
abrem novos horizontes de possibilidades à vida e à história.
15 - UNIVERSIDADE, INTERDISCIPLINARIDADE 
E FORM AÇÃO AMBIENTAL*
Dependência tecnológica e desenvolvimento sustentável
A crescente complexidade e o agravamento dos proble­
mas socioambientais, gerados pelo triunfo da racionalidade 
econômica e da razão tecnológica que a sustenta, levaram a 
colocar a necessidadede reorientar os processos de produção 
e aplicação de conhecimentos, assim como a formação de ha­
bilidades profissionais, para conduzir um processo de transi­
ção para um desenvolvimento sustentável. Esta necessidade 
é maior nos países periféricos, onde a fragilidade e dependên­
cia de seus sistemas científico-tecnológicos, a desvinculação 
dos processos produtivos e a inadequação às suas condições 
sociais, culturais e ambientais são causa e expressão de seu 
subdesenvolvimento.
A dependência científico-tecnológica manifesta-se como 
uma relação disfuncional entre o custo e as condições de 
aquisição do conhecimento importado; nas capacidades de 
cada país, cada indústria e cada comunidade para sua apro­
priação, adaptação e operação; no desaproveitamento e des­
truição dos recursos naturais e culturais devido à implanta­
ção de modelos tecnológicos externos; e no intercâmbio de­
sigual entre produtos primários e mercadorias tecnológicas 
estabelecido pelas condições do mercado. Esta dependência 
adquire novos significados na perspectiva do desenvolvi­
* Texto redigido a partir do artigo “Las ciências socialcs y la formación ambiental a nivel 
universitário", Revista Interamericana de Planificación, vol. XXI, n. 83-84, 1987, 
p. 106-126.
199
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mento sustentável, face às novas formas de apropriação ci­
entífica e tecnológica da natureza e às estratégias da nova 
ordem mundial para o manejo sustentável dos recursos am­
bientais do planeta.
O discurso desenvolvimentista definiu a crença de que a 
transferência de tecnologia moderna seria o meio mais eficaz 
para reduzir as disparidades entre os países industrializados e 
os países em desenvolvimento. Acreditou-se que uma articu­
lação funcional do sistema científico-tecnológico ao sistema 
econômico e produtivo estabelecido, assim como o aprovei­
tamento das vantagens comparativas oferecidas pela dotação 
de recursos humanos, naturais e tecnológicos de cada país, 
fecharia a brecha entre países ricos e pobres, dissolvendo as 
desigualdades regionais e sociais internas num processo de 
homogeneização tecnológica e cultural.
Neste sentido, a agenda econômico-ecológica da globali­
zação reforça a dependência científico-tecnológica dos paí­
ses do Sul, ao exigir a transferência de tecnologias limpas dos 
países do Norte (em condições preferenciais), em vez de prio­
rizar o fortalecimento de uma capacidade científica e tecno­
lógica própria, destinada a incrementar o potencial ambiental 
e o aproveitamento endógeno de seus recursos naturais.
Nesta problemática de dependência e desenvolvimento 
desigual, a crise ambiental marca os limites ecológicos e so­
ciais da racionalidade produtiva dominante. Daí nasce uma 
consciência ambiental que enfrenta o mito do desenvolvi- 
mentismo e a esperança de alcançar os benefícios da globa­
lização econômico-ecológica. As estratégias de apropria­
ção da natureza (a biodiversidade) e o controle dos equilí- 
brios ecológicos (a mudança climática) dos centros de po­
der econômico, científico e tecnológico dos países do Norte 
geram uma desigual distribuição dos custos e potenciais 
ecológicos, assim como das oportunidades de acesso e apro­
veitamento dos recursos do planeta, nos níveis nacional, re­
gional e mundial.
A internacionalização da racionalidade econômica e tec­
nológica dominante provocou a superexploração dos recur­
sos e a degradação do potencial produtivo dos ecossistemas 
dos países subdesenvolvidos. A produção de mercadorias, 
orientada pela maximização dos lucros e dos excedentes eco­
nômicos a curto prazo, gerou processos crescentes de conta­
minação da atmosfera, de solos e recursos hídricos; desmata- 
mento, erosão e desertificação; perda de fertilidade dos solos, 
de biodiversidade e de produtividade de seus ecossistemas; 
destruição das práticas tradicionais e valores culturais consti­
tutivos da diversidade étnica e das identidades dos povos; 
falta de estímulos ao desenvolvimento científico-tecnológico 
para gerar uma capacidade endógena para o uso sustentável 
dos recursos.
A partir de uma perspectiva ambiental, a articulação dos 
conhecimentos existentes com o sistema econômico vigente 
orienta a pesquisa científica, a inovação tecnológica e a for­
mação de profissionais às demandas explícitas do mercado 
e do aparelho produtivo instalado, desestimulando a produ­
ção de conhecimentos e capacidades para construir uma ra­
cionalidade ambiental. A perspectiva ambiental do desen­
volvimento subverte e transcende as políticas econômicas, 
tecnológicas e educativas prevalecentes, orientando os pro­
cessos produtivos para o aproveitamento do potencial am­
biental de cada região, fundado na articulação de seus siste­
mas ecológicos, tecnológicos e culturais, para satisfazer as 
necessidades básicas e melhorar a qualidade de vida da po­
pulação. Esta estratégia requer políticas educativas e de 
ciência e tecnologia que gerem os conhecimentos, capacida­
des e habilidades para conduzir um processo endógeno de de­
senvolvimento sustentável.
201
A reorientação das atividades acadêmicas e da pesquisa 
que leva à construção de uma racionalidade ambiental impli­
ca a incorporação do saber ambiental emergente nos paradig­
mas teóricos, nas práticas disciplinares de pesquisa e nos 
conteúdos curriculares dos programas educacionais. Este sa­
ber se concretiza em contextos sociais, geográficos e cultu­
rais particulares e encontra condições desiguais de assimila­
ção nas diferentes disciplinas e nas instituições de pesquisa e 
de educação superior. A questão ambiental gera assim um sa­
ber que leva a uma transformação dos conhecimentos, dos 
conteúdos educacionais e da gestão social dos recursos natu­
rais, reorientando os sistemas de pesquisa, de educação e de 
produção.
Universidade, sociedade e ambiente
Embora as universidades e instituições de educação su­
perior gozem de autonomia formal (liberdade de pesquisa e 
de cátedra), suas atividades acadêmicas são afetadas pelos 
valores dominantes da sociedade na qual estão inscritas. Sua 
articulação com estas se estabelece através da demanda ex­
pressa de profissionais portadores de conhecimentos e de ha­
bilidades úteis e funcionais para o sistema, e da canalização 
de recursos que repercutem na orientação de suas atividades. 
Deste modo, o mercado define vocações e cria interesses pro­
fissionais que internalizam a função eficientista, produtivista 
e utilitarista da racionalidade econômica dominante na for­
mação de “capital humano”.
A valorização do conhecimento, a capacidade técnica e 
as habilidades profissionais por parte da sociedade repercu­
tem nas orientações adotadas pelo trabalho acadêmico nas 
universidades. O prestígio social atribuído ao professor e ao 
pesquisador, os estímulos e obstáculos ao desenvolvimento
202
de linhas temáticas dentro dos paradigmas dominantes em 
cada disciplina, as demandas explícitas de profissionais no 
mercado de trabalho, o sentido de participação no processo 
de produção e transmissão do conhecimento, as aspirações 
da ascensão social pela aquisição de títulos e competências 
profissionais, assim como a remuneração e as possibilida­
des de realização pessoal no trabalho intelectual e docente 
produzem um conjunto de motivações e frustrações que in­
fluem na organização dos programas de ensino e de pesquisa 
nas universidades.
Estas influências e interesses determinam as possibilida­
des de transformar as estruturas educacionais mediante a ino­
vação de métodos pedagógicos, a renovação de planos de es­
tudo, a reorganização curricular ou a reorientação das ativi­
dades científicas nas universidades. Estas condições sociais 
do trabalho acadêmico se traduzem em estímulos ou desestí- 
mulos de professores, pesquisadores e estudantes para intro­
duzir novos projetos de formação profissional e de pesquisa 
científica. Neste contexto se coloca o projeto de incorporar o 
saber ambiental nas universidades.
A reorientação da pesquisa, a reelaboraçãodos conteúdos 
curriculares e dos métodos pedagógicos, na perspectiva do 
desenvolvimento sustentável, implicam a construção de um 
saber ambiental e sua internalização nos paradigmas científi­
cos e nas práticas docentes que prevalecem. Este processo se 
defronta com obstáculos que provêm da institucionalização 
dos paradigmas dominantes, legitimados e arraigados nos 
critérios de valorização do conhecimento no meio acadêmico 
e na sociedade em seu conjunto. A formação ambiental se 
projeta assim a contracorrente das demandas e interesses da 
vida acadêmica das universidades e da racionalidade econô­
mica dominante.
As perspectivas metodológicas e os conteúdos concretos 
dos programas educacionais relativos ao ambiente dependem 
da própria conceitualização da problemática ambiental, dos 
processos que a constituem e de sua inscrição dentro de uma 
racionalidade social e um determinado processo de desenvol­
vimento. As condições de dominação econômica e de depen­
dência tecnológica dos países do Terceiro Mundo, a caracte­
rização de suas causas e seus efeitos sobre a superexploração 
de seus recursos e a degradação de seus ecossistemas, sua di­
versidade étnica e seu potencial ecológico para um desenvol­
vimento alternativo fazem com que a questão ambiental apa­
reça como uma dimensão mais complexa do que nos países 
industrializados.
Não obstante os diferentes significados que adota nos 
países do Norte e do Sul, o conceito de ambiente vem evolu­
indo de uma perspectiva naturalista ou ecológica para a in­
corporação dos processos sociais que determinam a proble­
mática ambiental (Leff [coord.], 1986, 2000; Leff [coord.], 
1994)'. Apesar desta evolução conceituai, nos programas de 
educação ambiental predominou uma visão ecologista. Neste 
sentido, incorporaram-se conceitos básicos de ecologia, como 
também de técnicas de avaliação e controle de impactos am­
bientais nas carreiras tradicionais. Menores têm sido os es­
forços por ambientalizar as ciências sociais e por incorpo­
rá-las à produção de um saber ambiental e dos conhecimentos
1. “A atenção conccntrou-sc cm primeiro lugar sobre os problemas de conservação dos re­
cursos naturais c de preservação da vida animal c vegetal (...) de um ambiente conside­
rado essencialmente cm seus aspectos biológicos c físicos, passou-se a uma concepção 
mais ampla, que dá lugar a seus aspectos econômicos c socioculturais, c que sublinha 
melhor as correlações existentes entre esses diversos aspectos. (...) A concepção do 
ambiente, reduzida a seus aspectos naturais, não permite apreciar nem as interações en­
tre seus elementos, nem a contribuição que as ciências sociais podem trazer à compre­
ensão c ao melhoramento do ambiente humano. (...) Sc c verdade que os aspectos bioló­
gicos c físicos constituem a base natural do ambiente humano, as dimensões sociocul­
turais c econômicas definem (...) as orientações c os instrumentos conceituais e técni­
cos que permitem ao homem compreender c utilizar melhor os recursos da biosfera 
para a satisfação de suas ncccssidadcs” (Uncsco, 1980: 22-23).
204
necessários para construir uma racionalidade ambiental 
(Leff, 1994b f.
Saber ambiental e transformações do conhecimento no 
processo educacional
A racionalidade econômica dominante gerou formações 
teóricas e ideológicas que legitimam os valores do mundo 
ocidental, como também os meios científicos e tecnológicos 
que buscam elevar a produtividade das forças produtivas. O 
interesse social inseriu-se assim no desenvolvimento históri­
co das ciências e nos paradigmas de conhecimento que domi­
nam as práticas acadêmicas e de pesquisa. Com a emergência 
da crise ambiental, o processo educacional orientou um pro­
cesso de conscientização para regular condutas sociais que 
evitem efeitos negativos sobre o ambiente e criar habilidades 
técnicas para resolver problemas ambientais. A educação re­
lativa ao ambiente concebe-se como um “treinamento em 
proteção ambiental”, ou como uma “instrução que permita 
aos estudantes resolver problemas ambientais e lhes dê uma 
visão e convicções como base para um comportamento res­
ponsável com a natureza” (Hundt, 1986: 41). São apenas in­
cipientes os programas de formação ambiental orientados 
para a construção de uma racionalidade alternativa, capaz de 
compreender, promover, mobilizar e articular os processos 
naturais, tecnológicos e sociais que abram as opções para ou­
tro desenvolvimento.
A perspectiva ambiental do desenvolvimento não só ques­
tiona os comportamentos da sociedade da opulência e da 
abundância diante dos limites físicos que se opõem à sua con­
servação e expansão. Implica também a reformulação crítica
2- Na Amcrica Latina são ainda incipicntcs os programas dc cducação ambiental no campo 
das ciências sociais, sintoma da distância que existe entre uma conccitualização pró­
pria sobre a problemática ambiental do desenvolvimento c sua incorporação nos pro­
gramas dc pesquisa c dc formação (PNUMA, 1985, 1995; PNUMA/Uncsco, 1988).
205
dos paradigmas do conhecimento nos quais se aninharam 
formações ideológicas que respondem aos interesses de clas­
ses e de grupos sociais que apóiam este modelo de desenvol­
vimento. Destas teorias surgem os instrumentos de planeja­
mento e os critérios de tomada de decisões dos agentes eco­
nômicos que afetam as formas de valorização e apropriação 
dos recursos naturais, assim como os processos de degrada­
ção ambiental e a distribuição de seus custos econômicos e 
ecológicos.
A ética ambiental promove uma mudança de atitudes, as­
sociada à transformação dos conhecimentos teóricos e práti­
cos nos quais se funda a racionalidade social e produtiva do­
minante. Os requisitos de conhecimentos para a construção 
de uma racionalidade ambiental dependem da perspectiva 
ideológica e política que deu origem à sua demanda. Esta de­
termina as estratégias conceituais e metodológicas para a pro­
dução de conhecimentos, reorientando a pesquisa e o desen­
volvimento tecnológico. Isto não quer dizer que todos os pa­
radigmas científicos se vejam questionados pelas diferentes 
perspectivas ideológicas dentro das quais se propõe a proble­
mática ambiental, ou que os recursos técnicos provenientes 
dos conhecimentos especializados existentes não possam 
aplicar-se à solução de problemas ambientais pontuais: análi­
se de toxidez, tratamento de águas, reciclagem de lixo, tecno­
logias “limpas” e economia de energia.
Muitos programas de pesquisa necessários para induzir 
um manejo sustentável de recursos não questionam os para­
digmas, métodos e técnicas de diversos ramos científicos. 
Assim, os estudos sobre a capacidade de carga dos ecossiste­
mas, sobre sua produtividade ecológica e as condições de re­
generação de seus recursos sujeitos a regimes alternativos de 
manejo integrado e de culturas combinadas, não discutem as 
teorias e métodos correntes da ecologia. Da mesma maneira, 
o estudo de recursos potenciais, de sua produtividade bioló­
gica e suas formas de aproveitamento gera novos objetos de
206
pesquisa, mas não novos objetos teóricos ou métodos de ex­
perimentação para a fitologia, a biotecnologia, a toxicologia 
ou a tecnologia de processos.
Entretanto, na análise das causas, dos fatores condicio- 
nantes e das vias não técnicas de resolução da problemática 
ambiental, articulam-se processos de diversas ordens de ma­
terialidade que remetem à reconstrução do conhecimento. 
Sob esta perspectiva, a problemática ambiental requer a cria­
ção de um corpo complexo e integrado de conhecimentos so­
bre os processos naturais e sociais que intervém em sua gêne­
se e em sua resolução. Neste sentido, o potencial ambiental 
de cada região integra as condições ecológicas, culturais e 
tecnológicas que reorganizam a produção na perspectiva de 
um desenvolvimento sustentável.
A construção desta racionalidade exige a transformação 
dos paradigmas científicos tradicionais e a produção de no­
vos conhecimentos, o diálogo, hibridação e integração de sa­
beres, assim como a colaboração dediferentes especialida­
des, propondo a organização interdisciplinar do conhecimen­
to para o desenvolvimento sustentável. Isso gera novas pers­
pectivas epistemológicas e métodos para a produção de co­
nhecimentos, assim como para a integração prática de diver­
sos saberes no tratamento de um problema comum (Apostei 
et al., 1975). Traçam-se assim novas estratégias teóricas para 
a produção científica e a inovação tecnológica, orientadas pe­
los problemas da gestão ambiental e pelas perspectivas do de­
senvolvimento sustentável (Leff [coord.], 1986, 2000).
A necessidade de compreender a complexidade da pro­
blemática ambiental, bem como os múltiplos processos que a 
caracterizam, provocou um questionamento da fragmenta­
ção e da compartimentalização de um saber disciplinar, inca­
paz de explicar e resolver esta problemática. Mas a retotaliza- 
ção do saber que a problemática ambiental requer não é a 
soma nem a integração dos conhecimentos disciplinares her­
dados. A inter e transdisciplinaridade que o saber ambiental
207
exige não é a busca de um paradigma globalizante do conhe­
cimento, a organização sistêmica do saber e a uniformização 
conceituai por meio de uma metalinguagem interdisciplinar 
(Leff, 1981). Além do propósito de gerar um paradigma onia- 
brangente, de ecologizar o saber ou de formular uma metodo­
logia geral para o desenvolvimento do conhecimento, o saber 
ambiental problematiza o conhecimento, mas sem desconhe­
cer a especificidade das diferentes ciências historicamente 
constituídas, ideologicamente legitimadas e socialmente ins­
titucionalizadas (Leff, 1986).
O que a problemática ambiental propõe às ciências - 
quanto à produção de conhecimentos - e às universidades - 
quanto à formação de recursos humanos - transcende a cria­
ção de um espaço acadêmico formado pela integração das 
disciplinas tradicionais ou a geração de um campo homogê­
neo e totalizador das “ciências ambientais”, de valor univer­
sal. A incorporação do saber ambiental às práticas científicas 
e docentes vai além de uma exigência de atualização dos cur­
rículos universitários a partir da internalização de uma “di­
mensão” ambiental e de um pensamento ecológico, generali- 
zável aos diferentes paradigmas do conhecimento.
O saber ambiental não nasce de uma reorganização sistê­
mica dos conhecimentos atuais. Esta se gera através da trans­
formação de um conjunto de paradigmas do conhecimento e 
de formações ideológicas, a partir de uma problemática so­
cial que os questiona e os ultrapassa. O saber ambiental se 
constrói por um conjunto de processos de natureza diferente, 
que gera sentidos culturais e projetos políticos diversos, que 
não cabem num modelo global, por holístico e aberto que ele 
seja. A lógica dos processos ecológicos, culturais e tecnoló­
gicos envolvidos está integrada com a racionalidade das for­
mações teóricas, das organizações produtivas, das estruturas 
institucionais e de interesses sociais diversos, onde se mobili­
za e se concretiza o potencial para a construção de uma racio­
nalidade ambiental que conduz as práticas do desenvolvi­
mento sustentável.
208
A transformação do conhecimento induzida pelo saber 
ambiental é um processo mais complexo do que o da intema- 
lização de uma nova “dimensão” no corpo das diferentes dis­
ciplinas científicas e técnicas estabelecidas. Cada ciência, 
cada disciplina impõe suas condições teóricas e institucio­
nais para a produção e intemalização de um saber ambiental, 
num processo desigual e heterogêneo do qual emergem as 
disciplinas ambientais. Algumas formações teóricas são mais 
dúcteis à mestiçagem e ao amálgama de saberes, como o 
mostram os atuais paradigmas das disciplinas antropológicas 
que incorporaram os conceitos e métodos das análises ener­
géticas e ecossistêmicas nos estudos da organização produti­
va e das sociedades tradicionais (Vessuri, 1986). Outros para­
digmas, como os da economia, apresentam estruturas concei­
tuais mais resistentes à incorporação dos processos ecológi­
cos, o longo prazo, os valores humanos e as significações cul­
turais no cálculo econômico (Gutman, 1986).
A produção de um saber ambiental, assim como sua incor­
poração nos programas universitários de pesquisa e docência 
são processos atravessados por relações de poder. A elabora­
ção de programas de educação ambiental se sustenta numa 
análise crítica das condições de assimilação do saber ambien­
tal dentro dos paradigmas legitimados do conhecimento, na emer­
gência de novos conceitos e métodos das disciplinas ambien­
tais e na elaboração de métodos pedagógicos para a transmis­
são do saber ambiental. Nestes processos se elaboram os con­
teúdos curriculares de novas carreiras ou especializações am­
bientais e se esboçam os métodos para seu ensino.
Interdisciplinaridade e educação ambiental
A problemática ambiental irrompeu com a emergência de 
uma complexidade crescente dos problemas do desenvolvi­
mento, exigindo a integração de diversas disciplinas científí-
209
cas e técnicas para sua explicação e sua resolução. Desta for­
ma, propôs-se a reconstrução do conhecimento disciplinar a 
partir de enfoques holísticos e aproximações sistêmicas para 
a formação de novas habilidades profissionais. A interdisci- 
plinaridade no terreno educacional surge como um projeto 
pedagógico “com o propósito de treinar inteligências capazes 
de apreender, quase na forma de uma percepção gestáltica, a 
unidade do real” (Boisot, 1975).
Desde a conferência de Estocolmo sobre o Meio Ambi­
ente Humano, celebrada em 1972, a educação ambiental foi 
apresentada como um meio prioritário de alcançar os fins de 
um desenvolvimento sustentável. Depois, a Conferência Inter- 
governamental de Educação Ambiental, celebrada em Tbilisi, 
em 1977, estabeleceu os princípios gerais que deviam orien­
tar os esforços de uma educação relativa ao ambiente. A edu­
cação ambiental entende-se, portanto, como a formação de 
uma consciência fundada numa “nova ética que deverá resis­
tir à exploração, ao desperdício e à exaltação da produtivida­
de concebida como um fim em si mesma”. Este processo de 
formação e conscientização
não só deve sensibilizar, mas modificar as atitudes e fazer 
adquirir os novos enfoques e conhecimentos [que] a inter- 
disciplinaridade exige, isto é, a cooperação entre as disci­
plinas tradicionais indispensáveis para apreender a 
complexidade dos problemas do ambiente e para a formu­
lação de suas soluções (Unesco, 1980: 8-19)3 .
Não obstante a validade do propósito interdisciplinar no 
campo do saber ambiental, avançou-se pouco desde seus prin­
cípios gerais para novas formas institucionais de organização
3. “A educação relativa ao ambiente (...) tem como meta permitir ao ser humano compreen­
der a natureza complexa do ambiente, tal como ele resulta da interação dc seus aspec­
tos biológicos, fisicos, sociais, econômicos c culturais. (...) Em conseqüência (...) de­
verá ofcrcccr (...) os meios para interpretar a interdependência desses diversos ele­
mentos no espaço e no tempo, para favorecer uma utilização mais sensata c prudente 
dos recursos do universo para a satisfação das necessidades da humanidade" (Uncs- 
co/Uncp, 1985: 12).
210
e avaliação da pesquisa científica, novos métodos pedagógi­
cos que incorporem o pensamento da complexidade e o saber 
ambiental em novos programas educacionais orientados para 
o desenvolvimento sustentável, fundado numa racionalidade 
ambiental. A experiência mostrou a rigidez institucional das 
universidades, onde o conhecimento continua compartimen- 
tado em campos disciplinares, em centros, faculdades, insti­
tutos e departamentos.
O saber ambiental é mais do que um conhecimento com­
posto pelo amálgama dos saberes atuais ou pela conjunção 
das diversas disciplinas para resolver um problema concreto. 
O saber ambiental questiona os paradigmas dominantes do 
conhecimento para construir novos objetos interdisciplinares 
de estudo. Esta prática teórica se dá dentro de cada ciência e é 
este conhecimento transformadoque deve ser incorporado 
nos novos programas educacionais. Neste sentido, a interdis- 
ciplinaridade na produção de conhecimentos e nos processos 
educacionais enfrenta obstáculos epistemológicos, metodo­
lógicos e institucionais. Longe disto, a interdisciplinaridade 
na educação relativa ao ambiente se tem apresentado como 
uma visão meramente instrumental de aplicações do conhe­
cimento, como o propósito de
desenvolver uma pedagogia de projetos interdisciplinares 
com vistas a realizar uma ação específica concernente ao 
ambiente. Neste momento, as diferentes disciplinas tradi­
cionais não existem mais por si mesmas (...) elas se conver­
tem em instrumentos indispensáveis à realização desse 
projeto. O ponto de partida não é mais a disciplina mas um 
projeto educativo baseado na ação a realizar frente ao am­
biente, propondo soluções alternativas a um problema, ou 
chegando a um ordenamento do espaço, vinculado com um 
conjunto de objetivos a alcançar (...). Em função das neces­
sidades inerentes ao projeto [as disciplinas] juntam seus 
esforços para estudar o mesmo fenômeno através de óticas 
diferentes e complementares (Unesco/Unep, 1985: 15).
211
A interdisciplinaridade na educação ambiental orientou-se 
por um fim prático, perdendo de vista as bases teóricas e epis- 
temológicas que estabelecem as condições para a articulação 
de saberes orientada por uma racionalidade ambiental4. Po­
rém, as ciências não se submetem sem conflitos e resistências 
a um projeto de integração proveniente de uma demanda ex­
terna, seja por um projeto educativo ou pela necessidade de 
resolver um problema prático. Sua possível integração de­
pende de sua capacidade diferenciada para assimilar um sa­
ber ambiental complexo numa perspectiva comum de análi­
se. Em muitos casos, a cooperação interdisciplinar transcen­
de a integração dos saberes disponíveis, induzindo um pro­
cesso de reorganização de conhecimentos, métodos e técni­
cas de diversas disciplinas, que transformam seus conceitos e 
abrem novos campos de aplicação.
Abre-se aí uma diversidade de métodos interdisciplina­
res, dentro da especificidade teórica das disciplinas e da espe­
cificidade ontológica dos processos que caracterizam uma 
problemática ambiental5. Este princípio epistemológico e me­
todológico é necessário para evitar todo reducionismo das 
complexas causas desta problemática, como também para 
orientar os processos de pesquisa e as ações sociais para a 
construção de uma racionalidade ambiental, para caminhar 
rumo a um desenvolvimento sustentável.
4. Para uma análise crítica do projeto interdisciplinar, a partir dc uma perspectiva epistemo-
lógica crítica e da perspectiva da América Latina, cf. Follari, 1982 c 1990; Leff (comp.) 
1977; Leff, 1981, 1986, 2001.
5. “As disciplinas e campos que devem conjugar-se possuem, cada qual, um corpus distin­
tivo dc conhecimentos, um complexo característico dc estruturas teóricas c estratégias 
heurísticas, c usam uma variedade dc métodos c técnicas para desenvolver c expandir 
esse corpo dc conhecimentos c dc explicações estruturais que constitui efetivamente a 
disciplina, com seus pressupostos filosóficos [ontológicos] distintivos c inclusive con- 
flitivos. E claro que estes traços que caracterizam as várias disciplinas não têm ordens 
dc importância iguais c constantes. Não existe um caminho único para a atividade in­
terdisciplinar bem-sucedida, não há uma solução única para conseguir uma integração 
interdisciplinar” (Moss, 1986: 75-76).
212
Os conhecimentos e métodos necessários para compre­
ender e resolver uma problemática ambiental dependem das 
condições geográficas, ecológicas, políticas, econômicas e 
culturais que constituem o entorno no qual se inserem as uni­
versidades para formar profissionais competentes. É neste 
ambiente que repercute a aplicação dos conhecimentos gera­
dos nas práticas sociais e na organização produtiva de dife­
rentes comunidades. A partir das diferentes perspectivas con­
ceituais e contextos sociais, nos quais se inscreve a educação 
ambiental, podem ser definidos diversos graus de incorpora­
ção da dimensão ambiental6.
A reestruturação de conteúdos de diferentes matérias e a 
reorientação dos temas de estudo das disciplinas tradicionais 
implicam um processo de produção e transformação do co­
nhecimento para a elaboração de conteúdos ambientais de di­
versas matérias, carreiras e pós-graduações. Nesta perspecti­
va, a educação relativa ao ambiente implica mudanças nos 
conteúdos educacionais que vão além de uma melhor inte­
gração das diversas disciplinas contidas nos programas curri­
culares tradicionais. Os objetivos da educação ambiental não 
se alcançam com o ensino de métodos sistêmicos, com uma 
prática pedagógica interdisciplinar ou com a incorporação de 
uma matéria de caráter integrador - a ecologia - dentro dos 
programas existentes. A educação ambiental exige a criação 
de um saber ambiental e sua assimilação transformadora às 
disciplinas que deverão gerar os conteúdos concretos de no­
vas temáticas ambientais.
6. Estas “modalidades vão da simples introdução dc noções sobre o ambiente nas discipli­
nas tradicionais à total integração delas cm tomo dc um projeto dc ação comunitária so­
bre o ambiente, passando pelas convergências dc disciplinas que apresentam algumas 
afinidades conceituais c metodológicas. (...) Entre as modalidades dc incorporação da 
educação relativa ao ambiente (...) convem assinalar a reorientação dos temas de estu­
do das disciplinas tradicionais. (...) Entretanto, a via mais recomendável parece ser a de 
revisar c reestruturar o conjunto de conteúdos dc diferentes matérias (...). Enfim, o mé­
todo mais complexo, mas talvez também o mais satisfatório, consiste cm romper os 
compartimentos tradicionais e integrar o conteúdo de diversas matérias do programa 
num marco ligado aos problemas principais do ambiente” (Unesco, 1980: 39-40).
213
O saber ambiental nas ciências naturais, 
tecnológicas e sociais
A questão ambiental não é apenas um problema ecológi­
co ou técnico. Sua solução não se reduz a incorporar normas 
ecológicas aos agentes econômicos ou dispositivos tecnoló­
gicos aos processos produtivos. O saber ambiental se consti­
tui a partir de uma nova percepção das relações entre proces­
sos naturais, tecnológicos e sociais, na qual estes últimos 
ocupam um lugar preponderante em sua gênese e em suas 
vias de resolução.
A produção e a incorporação do saber ambiental no pro­
cesso de desenvolvimento e nas práticas acadêmicas vincu- 
la-se aos interesses e comportamentos de diversos atores so­
ciais (empresários, funcionários, planejadores, produtores e 
consumidores, cientistas e tecnólogos, comunidades locais 
e educadores) que incidem na percepção e uso dos recursos 
reconhecidos e potenciais, na organização da produção e na 
inovação de padrões tecnológicos para sua exploração e 
transformação, bem como nos hábitos de consumo da socie­
dade. Assim, a consciência ambiental promove ações e mo­
biliza forças sociais que propiciam o aproveitamento sus­
tentável dos recursos e a redução dos níveis de contamina­
ção, melhorando as condições ambientais e a qualidade de 
vida da população.
A intemalização do saber ambiental nas disciplinas natu­
rais, tecnológicas e sociais é um processo desigual. As ciên­
cias sociais são talvez as mais resistentes, pois nelas se incor­
poraram os paradigmas teóricos que, partindo de uma filoso­
fia natural e de uma praxeologia mecanicista, cristalizaram 
nos princípios do direito privado, do contrato social, a racio­
nalidade econômica e uma razão tecnológica, legitimando as 
estruturas de poder, os arranjos institucionais e a organização
214
produtiva que conformaram a racionalidade social contra na- 
tura da civilização moderna.
A incorporação do saber ambiental às ciências naturais 
opera-se como um avanço “mais orgânico” no desenvolvi­
mento de seus paradigmas tradicionais (os desenvolvimentos 
da ecologia no terreno da biologia). Por sua vez, as discipli­para a morte 
entrópica. A racionalidade econômica desconhece toda lei de 
conservação e reprodução social para dar curso a uma degra­
dação do sistema que transcende toda norma, referência e 
sentido para controlá-lo. Se as ecosofias, a ecologia social e o 
ecodesenvolvimento tentaram dar novas bases morais e pro­
dutivas a um desenvolvimento alternativo, o discurso do neo- 
liberalismo ambiental opera como uma estratégia fatal que 
gera uma inércia cega, uma precipitação para a catástrofe.
A fatalidade de nosso tempo se expressa na negação das 
causas da crise socioambiental e nessa obsessão pelo cresci­
mento que se manifesta na ultrapassagem dos fins da raciona­
lidade econômica.
Somos governados não tanto pelo crescimento, mas por 
crescimentos. Nossa sociedade está fundada na prolifera­
ção, num crescimento que prossegue apesar de não poder 
ser medido por nenhum objetivo claro. Uma sociedade ex- 
crescente cujo desenvolvimento é incontrolável, que ocor-
23
re sem considerar sua autodefinição, onde a acumulação de 
efeitos anda a par com o desaparecimento das causas. O re­
sultado é um congestionamento sistêmico bruto e uma dis- 
função causada por (...) um excesso de imperativos funcio­
nais, por uma espécie de saturação. As próprias causas ten­
dem a desaparecer, a tom ar-se indecifráveis, gerando a in­
tensificação de processos que operam no vazio. Na medi­
da em que existe uma disfunção do sistema, um desvio das 
leis conhecidas que governam sua operação, existe sempre 
a perspectiva de transcender o problema. Mas quando o 
sistema se precipita sobre seus pressupostos básicos, ul­
trapassando seus próprios fins a ponto de não poder en­
contrar nenhum remédio, então não estamos diante de uma 
crise mas de uma catástrofe... O que chamamos crise é de 
fato a antecipação de sua inércia absoluta (Baudrillard, 
1993:31,32).
A retórica do desenvolvimento sustentável converteu o 
sentido crítico do conceito de ambiente numa proclamação de 
políticas neoliberais que nos levariam aos objetivos do equilí­
brio ecológico e da justiça social por uma via mais eficaz: o 
crescimento econômico orientado pelo livre mercado. Este 
discurso promete alcançar seu propósito sem uma fundamen­
tação sobre a capacidade do mercado de dar o justo valor à na­
tureza e à cultura; de internalizar as extemalidades ambientais 
e dissolver as desigualdades sociais; de reverter as leis da en­
tropia e atualizar as preferências das futuras gerações.
Isto leva a fazer a pergunta sobre a possível sustentabili­
dade do capitalismo como um sistema que tem o irresistível 
impulso para o crescimento, mas que é incapaz de deter a de­
gradação entrópica que ele gera ( 0 ’Connor, 1994). Diante da 
crise ambiental, a racionalidade econômica resiste à mudan­
ça, induzindo com o discurso da sustentabilidade uma estra­
tégia de simulação e perversão do pensamento ambiental. O 
desenvolvimento sustentável converteu-se num trompe d 'oeil 
que distorce a percepção das coisas, burla a razão crítica e 
lança à deriva nossa atuação no mundo.
24
O discurso do desenvolvimento sustentável vai engolin­
do o ambiente como conceito que orienta a construção de 
urna nova racionalidade social. A estratégia discursiva da 
globalização gera uma metástase do pensamento crítico, dis­
solvendo a contradição, a oposição e a alteridade, a diferença 
e a alternativa para oferecer-nos em seus excrementos retóri­
cos uma re-visão do mundo como expressão do capital. A 
realidade já não é só refuncionalizada para reintegrar as ex- 
ternalidades de uma racionalidade econômica que a rechaça. 
Além da possível valorização e reintegração do ambiente, 
este é recodificado como elemento do capital globalizado e 
da ecologia generalizada.
A reintegração da economia ao sistema mais amplo da 
ecologia dar-se-ia pela homologia de sua raiz etimológica: 
oikos. Mas nesta operação analógica desconhecem-se os pa­
radigmas diferenciados de conhecimento nos quais se desen­
volveu o saber sobre a vida e a produção. Desta forma, os po­
tenciais da natureza são reduzidos à sua valorização no mer­
cado como capital natural; o trabalho, os princípios éticos, os 
valores culturais, as potencialidades do homem e sua capaci­
dade inventiva são reconvertidos em formas funcionais de 
um capital humano. Tudo pode ser reduzido a um valor de 
mercado, representável nos códigos do capital.
O discurso do desenvolvimento sustentável inscreve-se 
assim numa “política da representação” (Escobar, 1995), que 
simplifica a complexidade dos processos naturais e destrói as 
identidades culturais para assimilá-las a uma lógica, a uma ra­
zão, a uma estratégia de poder para a apropriação da natureza 
como meio de produção e fonte de riqueza. Neste sentido, as 
estratégias de sedução e simulação do discurso da sustentabili­
dade constituem o mecanismo extra-econômico por excelên­
cia da pós-modemidade para a reintegração do ser humano e 
da natureza à racionalidade do capital ( 0 ’Connor, 1993), ge­
rando formas mais sofisticadas, sutis e eficazes para a explora­
ção do trabalho e a apropriação dos recursos naturais, que a 
aplicação da violência direta e a lógica pura do mercado.
O capital, em sua fase ecológica, está passando das for­
mas tradicionais de apropriação primitiva e selvagem dos re­
cursos das comunidades do Terceiro Mundo, dos mecanis­
mos econômicos do intercâmbio desigual entre matérias-pri­
mas dos países subdesenvolvidos e dos produtos tecnológi­
cos do Primeiro Mundo, a uma nova estratégia que legitima a 
apropriação econômica dos recursos naturais através dos di­
reitos privados de propriedade intelectual. Esta estratégia eco­
nômica é complementada com uma operação simbólica que 
define a biodiversidade como patrimônio comum da humani­
dade e recodifica as comunidades do Terceiro Mundo como 
parte do capital humano do planeta.
As estratégias fatais do neoliberalismo ambiental resul­
tam de seu pecado capital: sua gula infinita e incontrolável. O 
discurso da globalização aparece como um olhar glutão que 
engole o planeta e o mundo, mais do que como uma visão ho- 
lística capaz de integrar os potenciais sinergéticos da nature­
za e os sentidos criativos da diversidade cultural. Esta opera­
ção simbólica submete todas as ordens do ser aos ditames de 
uma racionalidade globalizante e homogeneizante. Desta for­
ma, prepara as condições ideológicas para a capitalização da 
natureza e a redução do ambiente à razão econômica.
O discurso da sustentabilidade busca reconciliar os con­
trários da dialética do desenvolvimento: o meio ambiente e o 
crescimento econômico. Este mecanismo ideológico não sig­
nifica apenas uma volta de parafuso a mais da racionalidade 
econômica, mas opera uma volta e um torcimento da razão; 
seu intuito não é internalizar as condições ecológicas da pro­
dução, mas proclamar o crescimento econômico como um 
processo sustentável, firmado nos mecanismos do livre mer-
Í2 6
, y ,/r7 H
cado como meio eficaz de assegurar o equilíbrio ecológico e 
a igualdade social.
Por sua vez, a tecnologia se encarregaria de reverter os 
efeitos da degradação ambiental nos processos de produção, 
distribuição e consumo de mercadorias. A tecnologia, que 
contribuiu para o esgotamento dos recursos, resolveria o pro­
blema da escassez global, fazendo descansar a produção num 
manejo indiferenciado de matéria e energia; os demônios da 
morte entrópica seriam exorcizados pela eficiência tecnoló­
gica. Os sistemas ecológicos reciclariam os rejeitos; a biotec­
nologia inscreveria a vida no campo da produção; o ordena­
mento ecológico permitiria relocalizar e dispersar os proces­
sos produtivos, estendendo o suporte territorial para um maior 
crescimento econômico. A vontade de manter um crescimen­
to econômico sustentado e de desmaterializar a produção 
provocam um salto mortal para o vazio: o sistema produtivo 
recicla os rejeitos em suas próprias entranhas; a máquina anu­
la a lei natural que a cria. O desenvolvimento sustentável con­
verte-se na nova pedra filosofalnas tecnológicas desempenham uma função instrumental 
dentro da racionalidade econômica, e seus desenvolvimentos 
para adaptar-se aos objetivos do desenvolvimento sustentá­
vel não transtornam os princípios físicos, biológicos, mecâ­
nicos e termodinâmicos nos quais se fundam. A incorporação 
de normas ecológicas e a internalização de custos ambientais 
ao projeto de equipamentos e de processos produtivos modi­
fica os projetos tecnológicos para gerar tecnologias mais lim­
pas e melhor adaptadas aos sistemas ecológicos. A inovação 
tecnológica orientada para o desenvolvimento sustentável 
abre assim novos campos de pesquisa (biotecnologia, tecno­
logia ecológica), mas não modifica as leis físicas e biológicas 
nas quais se fundam os processos tecnológicos.
Entretanto, a construção de uma racionalidade ambiental 
implica novas formas de organização social e produtiva, va­
lores culturais, formas de significação e relações de poder 
que impõem a transformação das disciplinas sociais que ex­
plicam os processos ideológicos e o comportamento dos ato­
res sociais que participam nestes processos. Desta maneira, 
os movimentos sociais em torno de seus direitos culturais e 
da apropriação dos recursos naturais estão gerando novos 
princípios jurídicos; a internalização dos custos ambientais, a 
valorização dos recursos naturais e as considerações a longo 
prazo reclamam um novo paradigma econômico. A constru­
ção de uma racionalidade ambiental implica pois a descons- 
trução da concepção mecanicista do processo econômico, 
que se traduziu em instrumento de exploração dos recursos 
naturais e de controle social.
215
A problemática ambiental gera novas perspectivas para a 
análise sociológica dos movimentos sociais: sobre os interes­
ses e valores que mobilizam uma tomada de consciência so­
bre a exploração excessiva dos recursos naturais, a degrada­
ção ambiental, a perda de valores culturais e a destruição de 
práticas tradicionais; sobre a desigual distribuição dos custos 
ecológicos do crescimento econômico e a participação social 
na gestão dos recursos das comunidades; sobre os processos 
de inovação tecnológica e organização produtiva para a auto- 
gestão econômica de seus recursos; sobre a reestruturação do 
Estado e a participação dos cidadãos na organização institu­
cional e no processo de tomada de decisões.
A incorporação do saber ambiental - constituído por es­
tes processos sociais - às disciplinas naturais e tecnológicas 
vai além da internalização de critérios ecológicos na análise 
das relações sociedade-natureza e nos estudos das disciplinas 
sociais, geográficas, etnológicas e antropológicas (geografia 
humana, antropologia ecológica, ecologia humana, sociobio- 
logia, etnoecologia, etc.). O saber ambiental questiona por­
tanto os reducionismos ecologistas e energetistas, como tam­
bém o determinismo biológico e geográfico destas discipli­
nas; partindo daí gera estudos mais complexos e concretos 
sobre a articulação dos processos que incidem num contexto 
social e num espaço geográfico, integrando as condições so­
ciais, políticas, econômicas e culturais aos fenômenos natu­
rais (ecológicos, geofísicos) que incidem nos processos pro­
dutivos de uma formação social.
A incorporação destes aspectos sociológicos do saber 
ambiental às disciplinas tecnológicas introduz novas consi­
derações para a avaliação do impacto ambiental, para a loca­
lização industrial, o projeto urbano, o desenvolvimento tec­
nológico e a produção agrícola. Estes critérios ambientais re- 
orientam a inovação dos processos produtivos para sistemas 
tecnológicos apropriados, que integram as condições ecoló­
216
gicas de cada região, bem como os valores culturais e as con­
dições de assimilação e apropriação destas tecnologias pelos 
produtores diretos e pelas comunidades locais. Assim, os 
processos tecnológicos se orientam para a conservação e de­
senvolvimento do potencial ambiental de cada região, para 
satisfazer as necessidades básicas e melhorar a qualidade de 
vida de seus habitantes.
Deste modo, a construção de uma racionalidade ambien­
tal implica a incorporação dos critérios sociológicos do saber 
ambiental na formação de economistas, ecólogos, tecnólo­
gos, engenheiros, empresários e administradores públicos, a 
fim de que estes critérios se convertam em princípios norma­
tivos de sua prática profissional.
Incorporação do saber ambiental no nível universitário
A ambientalização da educação é um processo mais com­
plexo do que a ensamblagem de disciplinas dispersas, que sua 
integração sistêmica e a colaboração de especialistas proveni­
entes de diversos campos do conhecimento para tratar (pesqui­
sar, ensinar) um problema em comum. A produção e a incor­
poração do saber ambiental nas universidades se dá num pro­
cesso de abertura dos paradigmas teóricos, das barreiras insti­
tucionais e dos interesses disciplinares, onde se demarcam as 
práticas acadêmicas dos centros de educação superior.
Esta transgressão da ordem universitária não só requer 
conhecimento dos obstáculos a salvar para a reorganização 
dos saberes constituídos, mas também uma reflexão sobre a 
natureza do saber ambiental que se pretende inscrever em 
suas práticas de pesquisa e docência, sobretudo no âmbito 
das ciências sociais (Leff [coord.], 1994).
A incorporação do saber ambiental na formação profis­
sional requer a elaboração de novos conteúdos curriculares 
de cursos, carreiras e especialidades. A formação numa disci­
217
plina ambiental implica a construção e legitimação desse sa­
ber, sua transmissão na aula e sua prática no exercício profis­
sional. A formação do saber ambiental, sua dispersão temáti­
ca e a especificidade de suas especializações depende das 
transformações possíveis dos paradigmas científicos tradi­
cionais onde se insere o saber ambiental. A orientação da for­
mação de habilidades profissionais deve considerar o con­
texto geográfico, cultural e político no qual deverão exer­
cer-se, assim como as problemáticas ambientais particulares 
às quais deverão responder estas capacidades. Nestas condi­
ções surge o saber que deverá plasmar-se em conteúdos curri­
culares, estratégias de pesquisa e métodos pedagógicos para 
a formação ambiental.
A formação do saber ambiental, sob esta visão crítica e 
prospectiva, não alcançou uma maturidade suficiente para 
permear os paradigmas científicos e as estruturas acadêmicas 
dominantes das universidades, sobretudo a partir da perspecti­
va histórica, política, geográfica e cultural dos países do Tercei­
ro Mundo. Se é que existe um cúmulo de saberes práticos, ain­
da não se criou um novo paradigma, como um conhecimento 
positivo para a construção e operação de uma racionalidade 
produtiva que incorpore o potencial ambiental ao desenvolvi­
mento das forças produtivas e às identidades culturais de nos­
sas sociedades. Pelo que dissemos, dentro da necessária rela­
ção que deve existir entre a pesquisa e a docência para a incor­
poração do saber ambiental na vida acadêmica, a prática teóri­
ca é fundamental para o processo de formação do saber am­
biental. As práticas docentes dependem da produção destes 
novos conhecimentos para a elaboração de conteúdos curri­
culares que incorporem os novos paradigmas ambientais.
A construção do saber ambiental passa pela constituição 
de seu conceito e de um espaço para sua objetivação prática. 
Sua formação se opera através de relações de poder que obs- 
taculizam ou promovem a gestação, emergência e realização 
de seu potencial transformador das relações entre as forma-
218
ões sociais e seu entorno natural. Este saber ambiental nasce 
de um processo de transformação do conhecimento que se es­
tabelece em relação direta com suas condições de aplicação. 
A racionalidade ambiental, como uma estratégia alternativa 
de desenvolvimento, articula assim a esfera de racionalidade 
teórica com a esfera de racionalidade instrumental (técnica, 
operativa) de seus princípios. E um processo social, síntese 
de teoria e práxis,que asseguraria o perpetuum 
mobile do crescimento econômico.
O discurso do desenvolvimento sustentável pressupõe que 
a economia entrou numa fase de pós-escassez, isto é, que a 
produção, como base da vida social, foi superada pela moder­
nidade. Esta estratégia discursiva desloca a valorização dos 
custos ambientais para a capitalização do mundo como forma 
abstrata e norma generalizada da sociedade. Este simula­
cro da ordem econômica pretende ter libertado o homem 
das cadeias da produção, reintegrando-o à ordem simbólica 
(Baudrillard, 1980).
Se é certo que o processo de transição para a modernidade 
gerou estas novas formas de sujeição ideológica nas estraté­
gias discursivas da globalização, nem a pobreza extrema, nem 
a não satisfação das necessidades básicas, nem a deterioração
27
das condições de vida das maiorias permitem supor que foi 
superada a produção como condição de vida. A operação 
simbólica do discurso do desenvolvimento sustentável fun­
ciona como uma ideologia para legitimar as novas formas de 
apropriação da natureza às quais já não só poderão opor-se os 
direitos tradicionais pela terra, pelo trabalho ou pela cultura. 
A resistência à globalização implica a necessidade de desati­
var o poder de simulação e perversão das estratégias desta 
nova ordem econômica. Para isto é necessário construir uma 
racionalidade social e produtiva que, reconhecendo o limite 
como condição de sustentabilidade, funde a produção nos po­
tenciais da natureza e da cultura.
O discurso do desenvolvimento sustentável inscreve as 
políticas ambientais nos ajustes da economia neoliberal para 
solucionar os processos de degradação ambiental e o uso ra­
cional dos recursos ambientais; ao mesmo tempo, responde à 
necessidade de legitimar a economia de mercado que resiste à 
explosão, à qual está predestinada por sua própria “ingravi- 
dez” mecanicista. Assim, precipitamo-nos para o futuro sem 
: ̂ uma perspectiva clara para desconstruir a ordem antiecológi- 
ca herdada da racionalidade econômica e para caminhar para 
uma nova ordem social, orientada pelos princípios de susten­
tabilidade ecológica, democracia participativa e racionalida­
de ambiental (Leff, 1994a).
O discurso oficial do desenvolvimento sustentável pene­
trou nas políticas ambientais e em suas estratégias de partici­
pação social. Dali convida diferentes grupos de cidadãos (em­
presários, acadêmicos, trabalhadores, indígenas, trabalhado­
res rurais) a somar esforços para construir um futuro comum. 
Esta operação de cooperação busca integrar os diversos ato­
res do desenvolvimento sustentável, mas dissimula seus inte­
resses diversos num olhar especular que converge para a re- 
presentatividade universal de todo ente no reflexo do argên- 
teo capital. Dissolve-se assim a possibilidade de divergir di-
28
ante do propósito de alcançar um crescimento sustentável, 
uma vez que este se define, em boa linguagem neoclássica, 
como a contribuição igualitária do valor que o capital huma­
no adquire no mercado como fator produtivo. A cidadania 
global emerge da democracia representativa, não para convo­
car o cidadão integral, mas suas funções sociais, fragmenta­
das pela racionalidade econômica: como consumidor, legis­
lador, intelectual, religioso, educador.
O neoliberalismo ambiental busca debilitar as resistências 
da cultura e da natureza para subsumi-las dentro da lógica do 
capital. Seu propósito é legitimar o espólio dos recursos natu­
rais e culturais das populações dentro de um esquema combi­
nado, globalizado, onde seja possível dirimir os conflitos 
num campo neutro. Através deste olhar especular (especula­
tivo) pretende-se que as populações indígenas valorizem 
seus recursos naturais e culturais (sua biodiversidade e seus 
saberes tradicionais) como capital natural, que aceitem uma 
compensação econômica pela cessão desse patrimônio às 
empresas transnacionais de biotecnologia. Seriam estas as ins­
tâncias encarregadas de administrar racionalmente os “bens 
comuns”, em benefício do equilíbrio ecológico, do bem-estar 
da humanidade atual e das gerações futuras.
Diante destas estratégias de apropriação econômica e 
simbólica da natureza e da cultura, emerge hoje uma ética 
ambiental que propõe a revalorização da vida do ser humano. 
Esta ética se expressa nas lutas de resistência das comunida­
des indígenas e camponesas a serem convertidas em reservas 
etnológicas, a ceder seu patrimônio de recursos naturais e a 
renunciar à sua identidade cultural. Esta reivindicação, que é 
hoje da humanidade inteira, já foi expressa em 1854 pelo che­
fe Seattle em resposta à oferta do Grande Chefe Branco de 
Washington para comprar as terras dos índios peles-verme- 
lhas e transferi-los para uma reserva:
29
Como se pode comprar ou vender o firmamento ou o calor 
da terra? Se não somos donos da frescura do ar nem do bri­
lho das águas, como poderiam vocês comprá-los? Cada 
parcela desta terra é sagrada para o meu povo. Cada flores­
ta reluzente de pinheiros, cada grão de areia nas praias, 
cada gota de orvalho nos bosques fechados, cada outeiro e 
até o som de cada inseto é sagrado à memória e ao passado 
do meu povo. A seiva que circula pelas veias das árvores 
leva consigo as memórias dos peles-vermelhas. Somos 
parte da terra e ela é parte de nós. As flores perfumadas são 
nossas irmãs; o veado, o cavalo, a águia, todos eles são nos­
sos irmãos. Os penhascos escarpados, os prados úmidos, o 
calor do corpo do cavalo e do homem, todos pertencemos à 
mesma família. (...) A água cristalina que corre nos rios e 
regatos não é simplesmente água, mas também representa 
o sangue de nossos antepassados. O murmúrio da água é a 
voz do pai de meu pai (...) e cada reflexo fantasmagórico 
nas claras águas dos lagos conta os fatos e memórias das vi­
das de nossa gente.
Sabemos que o homem branco não compreende nosso 
modo de vida. Ele não sabe distinguir entre um pedaço de 
terra e outro, pois é um estranho que chega de noite e toma 
da terra o que precisa. A terra não é sua irmã, mas sua ini­
miga, e uma vez conquistada, segue seu caminho, deixan­
do para trás a tumba de seus pais. Seqüestra a terra, 
arranca-a de seus filhos. Pouco lhe importa. Tanto a tumba 
de seus pais como o patrimônio de seus filhos são esqueci­
dos. Trata sua mãe, a terra, e seu irmão, o firmamento, como 
objetos que se compram, se exploram e se vendem como 
ovelhas ou como contas coloridas. Seu apetite devorará a 
terra deixando atrás de si só um deserto.
Que seria do homem sem os animais? Se todos fossem ex­
terminados, o homem também morreria de uma grande so­
lidão espiritual. Porque o que acontece com os animais 
também acontecerá com o homem. Tudo está entrelaçado. 
Tudo o que acontece à terra, acontecerá aos filhos da terra. 
O homem não teceu a trama da vida, ele é apenas um fio.
Mas vocês caminharão para a destruição, rodeados de gló­
ria, inspirados na força do Deus que os trouxe a esta terra e 
que por algum desígnio especial lhes deu domínio sobre ela
30
e sobre os peles-vermelhas. Onde está a floresta? Onde está 
a águia? Termina a vida e começa a sobrevivência.
Também hoje os processos de emancipação dos grupos 
indígenas estão gerando diversas manifestações de resistên­
cia diante das políticas da globalização e da capitalização da 
vida; é daí que emergem as estratégias das comunidades para 
auto-administrar seu patrimônio de recursos naturais e cultu­
rais. Está havendo um confronto de interesses para assimilar 
as condições de sustentabilidade aos mecanismos do merca­
do diante de um processo político de reapropriação social da 
natureza. Este movimento de resistência se articula à constru­
ção de um paradigma alternativo de sustentabilidade, no qual 
os recursos ambientais se convertem em potenciais capazes 
de reconstruir o processo econômico dentro de uma nova ra­
cionalidade produtiva, propondo um projeto social baseado 
na produtividade da natureza, nas autonomias culturais e na 
democracia participativa (Leff, 1994a).
Neste sentido,o conceito de ambiente se defronta com as 
estratégias fatais da globalização. O princípio de sustentabili­
dade surge como uma resposta à fratura da razão modemiza- 
dora e como uma condição para construir uma nova raciona­
lidade produtiva, fundada no potencial ecológico e em novos 
sentidos de civilização a partir da diversidade cultural do gê­
nero humano. Trata-se da reapropriação da natureza e da re- 
invenção do mundo; não só de “um mundo no qual caibam 
muitos mundos”2, mas de um mundo conformado por uma di­
versidade de mundosv abrindo o cerco da ordem econômi- 
co-ecológica globalizada.
2. Formulação do subcomandantc Marcos c expressão do “sonho zapatista” (Lc Bot, 1997).
31
2 - DÍVIDA FINANCEIRA, DÍVIDA ECOLÓGICA, 
DÍVIDA DA RAZÃO*
As dívidas, seus devedores, seus danos
N a perspectiva da sustentabilidade não há uma, mas três 
dívidas. Todas elas surgem do mesmo pecado original, mas 
levam a diferentes formas de redimi-lo, de saldar o endivida­
do como contrato assumido, e a diferentes formas de tomar 
posição como devedores do perdido. Isto abre um rombo que 
se bifurca entre a dor da morte e a luta pela vida, para recupe­
rar o que não devia ter sido alienado - os recursos e as mentes 
- a via para deixar de ser devedores permanentes do sistema, 
para bater-se em duelo para recuperar o próprio.
Daí três dívidas e três posições diante da dívida:
a) A dívida financeira: assumida ou não assumida, pa­
gável ou não pagável, negociável, refinanciável.
b) A dívida ecológica: incomensurável, mas capaz de 
ser revalorizada, internalizada, redistribuída.
c) A dívida da razão: que abre o caminho do dessujeita- 
mento, da ressignificação, da construção de um de­
senvolvimento alternativo, fundado numa nova ra­
cionalidade produtiva.
* Texto redigido com base na exposição feita na conferência “A dívida externa c o fim do mi­
lênio”, organizada pelo Parlamento Latino-Americano c pelo Congresso da República da 
Venezuela, de 10 a 13 de julho de 1997.
A dívida financeira e o jogo da globalização econômica
A dívida financeira aparece como uma perda no jogo do 
sistema econômico globalizado. Isto levou a uma crise que 
afeta as condições de produção sustentável dos países subde­
senvolvidos, cujos recursos são dessangrados pelos condutos 
de uma dívida contraída com altas taxas de juros.
Na aceitação das regras do jogo do mercado financeiro 
introduzem-se furtivamente as condições de desigualdade, 
mas sem indício de falha legal. As condições foram estabele­
cidas. Apostou-se e perdeu-se. O juro composto decompôs 
nosso sistema econômico e social, degradando suas bases 
ecológicas, culturais e sociais de sustentabilidade; aparece 
como uma voragem que, como um câncer, devora toda possi­
bilidade de reposição, de regeneração.
A dívida é impagável. O cadeado trava, põe em xeque o 
desenvolvimento, assedia os recursos e impõe-lhes suas con­
dições de exploração para saldar a dívida contraída: para con­
tinuar sendo sujeitos de crédito, de credibilidade; para apos­
tar novas inversões que continuariam extraindo recursos para 
pagar a dívida. Se esta dívida não devastou ainda mais os re­
cursos do Terceiro Mundo, é porque a própria crise econômi­
ca limitou as capacidades de reinversão dos capitais; ou por­
que foram reaplicados em países onde se prognosticam me­
lhores condições de rentabilidade.
A queda do socialismo real abriu campos promissores aos 
capitais em busca de inversão nos países que eufemisticamen- 
te se denominam “em vias de transição”, calando seu destino 
real: ou o paraíso do mundo capitalizado, ou os abismos da 
derrocada ecológica. Esta falta de reinversão no Terceiro Mun­
do também mostra que o montante da dívida não significa uma 
condição real para o funcionamento do sistema, mas afeta so­
mente a distribuição de seus benefícios econômicos. O que se
33
negocia são as condições de extração e repartição de lucros fa­
bulosos através das operações financeiras.
A dívida implicou num acordo das regras do jogo que não 
só institui ganhadores e perdedores, mas que coloca os se­
gundos em posição de devedores permanentes para o desen­
volvimento sustentável do jogo da dívida. Para que haja dívi­
da, os países devedores devem assumir os termos que os en- 
gancham como iguais, num jogo desigual, sempre com a pro­
messa de que aprendendo a apostar na roleta da globalização 
econômica - das vantagens comparativas, da valorização da 
natureza - certamente se fechará a brecha entre ricos e po­
bres. Seduzidos pela idéia de eliminação da diferença, os paí­
ses pobres foram arrastados pelos torvelinhos do capital mun­
dial, pelas artimanhas do capital financeiro. Os países deve­
dores se fascinaram com as miragens do progresso e perde­
ram o jogo. Lançaram-se à perdição na embriaguez do cresci­
mento. Trocaram a vida por tequila. O efeito tequila é justa­
mente a desvalorização da vida como sentido e potência, 
além do erro de cálculo e da corrupção das finanças.
Neste enredo da dívida, os países do Terceiro Mundo pe­
dem que se perdoe a dívida, pedem um trato preferencial, pe­
dem ajuda para inscrever-se no jogo da globalização. Mas 
não buscam dessujeitar-se dessa racionalidade econômica; 
não vislumbram outra via de desenvolvimento. Querem crer 
que as falhas do mercado e as perversões do sistema financei­
ro serão salvas; que o crescimento econômico restituirá a dí­
vida histórica com o subdesenvolvimento através do finan­
ciamento do Norte e da transferência de tecnologia em ter­
mos preferenciais.
Portanto, a dívida econômica funciona como um meca­
nismo ideológico que consolida a dependência como dívida 
moral. Pensa-se que Deus dá, que a dívida como um deus ca­
pitalizado será dadivosa com os pobres. Quando os países po­
34
bres viram sua pobreza como efeito da rapina dos países in­
dustrializados, surgiram as teorias da dependência e do sub­
desenvolvimento, as ideologias da libertação, as lutas de eman­
cipação. Quando o subdesenvolvimento se converte num 
problema de desajustes, de desvantagens, de má sorte, pedi­
mos perdão e nos lamentamos dos governos corruptos, dos 
financistas que erraram o cálculo, das falhas (passageiras) do 
mercado.
Os devedores desta dívida pedem sua remissão, novos 
créditos, uma nova oportunidade para mostrar que podem ser 
bons sócios e pagadores responsáveis no negócio da globali­
zação econômica. Mas não mudam o modo de ver nem o 
rumo. A origem se desvanece no horizonte do passado; na 
perda da memória histórica; no espólio dos saberes tradicio­
nais, subjugados e dominados pela ciência e pela tecnologia 
modernas. Não resta mais do que o presente avassalador, o 
pragmatismo globalizador. Não há projeção para o futuro 
fora das inércias que agitam o inundo atual; não há alternativa 
nem opção; não resta mais do que pedir misericórdia e justiça 
para continuar sendo parte de um mundo que gravita fora da 
história, movido pela insensatez econômica.
A dívida ecológica: revalorização da vida e 
redistribuição dos custos do crescimento
A economia ecológica trouxe à superfície o corpo sub­
merso do iceberg da dívida. O jogo da dívida não é uma ques­
tão moral sujeita a um cálculo estritamente econômico. O que 
está em jogo não é a dívida financeira do Terceiro Mundo, 
mas a dívida oculta do Primeiro e Segundo Mundos: o hiper- 
consumo do Norte e a superexploração ecológica do Sul, a pi­
lhagem, a rapina e a devastação dos recursos do mundo “sub­
desenvolvido” que alimentou o desenvolvimento industrial,
35
esvaziando seus potenciais produtivos e deteriorando seus 
recursos ambientais.
Estas “extemalidades” do sistema econômico constituem 
uma dívida mais profunda, que solapa as bases do desenvol­
vimento. O subdesenvolvimento não é a condição de atraso 
na corrida do crescimento econômico; o subdesenvolvimen­
to é o aniquilamento dos potenciais próprios de nossos países 
para conseguir um desenvolvimento sustentável, diverso como 
seus recursos ecológicos e suas culturas. A dívida externa é 
tão-somente um reflexo dadívida das extemalidades.
A dívida ecológica refere-se à subvalorização atual dos 
recursos naturais (os hidrocarbonetos, as matérias-primas) 
que subvencionam e financiam o desenvolvimento agrícola e 
industrial do Norte. Desta maneira, o petróleo barato do Sul 
subsidia a agricultura capitalista do Norte, criando um círcu­
lo perverso que desloca a agricultura de subsistência das zo­
nas rurais do Terceiro Mundo, que gera os sem-terra e a perda 
de saberes tradicionais. E esta “lavada de recursos” é legiti­
mada pela exatidão do cálculo econômico que extemaliza 
como lixo tudo aquilo que não se submete às suas medidas, 
desvalorizando o ser humano, a cultura, a natureza. As novas 
inversões de capitais aparecem como verdadeiras inversões 
térmicas: o crescimento econômico destrói as riquezas bioló­
gicas incrementando o aquecimento global do planeta.
Neste sentido, abre-se um debate não só pela injustiça 
distributiva do sistema econômico, mas pela distribuição eco­
lógica, entendida como a repartição desigual dos custos e po­
tenciais ecológicos, dessas extemalidades econômicas que 
são incomensuráveis em termos dos valores do mercado, mas 
que se assumem como novos custos a serem internalizados, 
seja por via dos instrumentos econômicos, das valorizações 
ecológicas ou dos movimentos sociais que surgem e se multi­
plicam em resposta à deterioração do ambiente.
Mais em reconhecimento de um imperativo ecológico do 
que de uma dívida, o engenho negociador propôs imediata­
mente depois da crise financeira dos anos 80 a troca de dívida 
por natureza. Alguns países latino-americanos se prontifica­
ram a explorar esta fórmula para abater parte de suas dívidas, 
reconvertendo-as num mecanismo para financiar a conserva­
ção da natureza. Outros países se viram menos tentados pela 
filantropia ecológica do Norte. Não só porque a examinaram 
com mais perspicácia e reclamaram com mais veemência seu 
poder de decisão no manejo das reservas da natureza, mas 
também porque os montantes que os organismos ecologistas 
estavam dispostos a inverter não eram significativos em rela­
ção aos montantes da dívida.
Com o avanço da ecologização da globalização econômi­
ca, sem tardar essa cosmetologia verdosa das negociações da 
dívida foi suplantada por mecanismos mais sutis e sofistica­
dos. Na perspectiva das ações orientadas para um futuro co­
mum, os mecanismos de “implementação conjunta” foram 
sendo traduzidos em empréstimos e doações para a proteção 
da natureza e a pesquisa da biodiversidade. Estes donativos 
do Norte se traduziram em inversões em bioprospecção; são 
o cavalo de Tróia no qual desembarcam cientistas e biotec- 
nólogos do Norte, não para proteger a natureza, mas para 
apropriar-se de sua riqueza genética. Neste processo de im­
plementação conjunta, os países do Sul poderiam ser com­
pensados com uma porcentagem das regalias provenientes 
da comercialização da biodiversidade; mas como confirmam 
estudos recentes neste terreno, na realidade estas regalias 
não chegam a materializar-se, e em alguns casos essa trans­
ferência de saberes e recursos é trocada por um pacote de ci­
garros. As atuais estratégias de apropriação da natureza, mo­
vidas pelos imperativos da globalização e da sustentabilida­
de, parecem atualizar o espólio e sujeição de quinhentos anos 
dos povos indígenas.
37
A dívida ecológica é mais vasta e profunda do que a dívida 
financeira. Não só é impagável, mas é incomensurável. Não se 
trata do saldo de uma má negociação ou da perda de uma apos­
ta no lucro econômico descarrilada pelos desvarios das taxas 
de juros. Trata-se de um espólio histórico, da pilhagem da na­
tureza que se dissimula numa presumível superioridade nas 
capacidades intelectuais e empresariais do Norte, de uma con­
jugação mais eficaz e eficiente de seus fatores produtivos.
Hoje esta pilhagem se projeta para o futuro através dos 
mecanismos de apropriação da natureza por via da etnobio- 
prospecção e dos direitos de propriedade intelectual do Norte 
sobre os direitos de propriedade das nações e povos do Tercei­
ro Mundo. A biodiversidade representa seu patrimônio de re­
cursos naturais e culturais, com os quais coevoluíram na his­
tória, o habitat onde se arraigam os significados culturais de 
sua existência. Estes são intraduzíveis em valores econômi­
cos. É aqui que se estabelece o limiar entre o que é negociável 
e barganhável entre dívida e natureza, e o que impede dirimir 
o conflito de distribuição ecológica em termos de compensa­
ções econômicas.
Os devedores da morte da natureza pedem que se intema- 
lizem os custos da deterioração ambiental, que as vítimas dos 
holocaustos ecológicos sejam indenizadas, que sejam valori­
zados os recursos naturais e incorporados às contas nacio­
nais, que aquele que contamina pague pelo que fez. Pedem 
que haja compensação justa para os governos e as comunida­
des do Terceiro Mundo no negócio da biodiversidade. Mas 
esta dívida ecológica não poderá dirimir-se no campo da glo­
balização econômica. O que se anuncia é justamente o dessu- 
jeitamento dessa ordem na qual não se vislumbra uma eqüi­
dade possível.
Eis a razão por que alguns povos indígenas, grupos so­
ciais e indivíduos estejam se distinguindo desses processos
38
gracihelem
Highlight
gracihelem
Highlight
gracihelem
Highlight
de valorização e negociação, e que uma parte importante - 
embora ainda silenciosa - do movimento ambientalista se 
manifeste por meio de lutas de resistência e de dessujeita- 
mento da globalização. Estas lutas mostram muito mais sua 
decisão de legitimar novos direitos culturais, ambientais e 
coletivos do que a disposição de negociar uma compensação 
pelos danos sofridos como resultado do impacto ecológico 
ou a aceitar uma distribuição dos benefícios da comercializa­
ção da natureza.
A dívida da razão: racionalidade ambiental e 
desenvolvimento sustentável
A dívida financeira poderá ser perdoada; a dívida ecoló­
gica, valorizada segundo os parâmetros do mercado, os códi­
gos do capital ou a expressão das forças políticas no mercado 
ou nos tribunais de justiça. Porém, uma vez saldadas as con­
tas, satisfeitas as demandas e reivindicações, restam seus de­
vedores sujeitos à mesma razão, atados às mesmas causas, no 
jogo da repartição dos custos e benefícios deixados por uma 
ordem homogeneizante, unipolar, que dita as normas do co­
mércio, do intercâmbio, da justiça e da eqüidade.
Estas dívidas são o legado de uma razão constitutiva da 
modernidade na qual estamos inseridos. É uma dívida com a 
razão que quis libertar o homem e os povos da ignorância mi- 
tifícadora, das cadeias da escassez, e que acabou ocultando 
seus intuitos, impondo uma razão que escraviza, sujeitando a 
razão às normas da racionalidade econômico-tecnológica e 
aos efeitos da racionalização gerada pela razão do poder. Este 
movimento da razão certamente nos legou o conhecimento 
científico, o pensamento crítico, a liberdade e a democracia; 
mas também nos legou uma razão cegante do mundo (a mão 
invisível, as leis cegas do mercado) que nos aterram porque 
em sua invisibilidade burlam e eludem a razão.
39
A meta iluminista da modernidade e a emancipação do 
homem através da razão converteram-se em alienação, ao 
não poder compreender as causas (embora conheça as ra­
zões) que movem o mundo no qual vivemos - nem as leis do 
mercado que nos salvarão se nos dobrarmos com fé cega ao 
seu governo global; nem os mecanismos tecnológicos que 
governam a produção, fascinando-nos com sua potência ga- 
láctico-espacial, biotecnológica e eletrônica - , porque esca­
pam à nossa capacidade de entendimento, de decisão, de ação. 
A dívida externa aparece então como processo de alienação, 
de reendividamento.
A dívida sempre foi um mecanismo de sujeição ideológi­
ca e econômica. O desenvolvimento endógeno, autodetermi- 
nado, implica uma dessujeição da dívida. Isto vai além da re­
negociação e do refinanciamento do crescimento e dos ajus­
tes econômicos, e leva a repensar as condições e potenciaispara um desenvolvimento sustentável, fundado numa racio­
nalidade ambiental. Diante da racionalidade econômica e 
instrumental que domina o processo de globalização, a racio­
nalidade ambiental se funda em novos princípios éticos, va­
lores culturais e potenciais produtivos.
A globalização econômica está gerando uma retotaliza- 
ção do mundo sob o valor unidimensional do mercado, superex- 
plorando a natureza, homogeneizando culturas, subjugando 
saberes e degradando a qualidade de vida das maiorias. A ra­
cionalidade ambiental gera uma reorganização da produção 
baseada no potencial produtivo da natureza, no poder da 
ciência e da tecnologia modernas e nos processos de signifi­
cação que definem identidades culturais e sentidos existenci­
ais dos povos em diversas formas de relação entre os seres 
humanos e a natureza. A sinergia na articulação destes pro­
cessos faz com que na racionalidade ambiental o todo seja 
mais do que os processos que a constituem, gerando um pro­
40
cesso produtivo sustentável, aberto à diversidade cultural e à 
diversificação das formas de desenvolvimento.
Este é o grande desafio, o da dívida que se mantém agri- 
lhoada ao desenvolvimento autodeterminado, democrático e 
sustentável dos povos da América Latina e do Terceiro Mun­
do. Um desafio que obriga a questionar os mecanismos de 
submissão que nos mantêm em dívida pennanente, como apên­
dices dependentes da ordem mundial.
Os devedores desta dívida pedem para escapar desta ar­
madilha, querem cortar o cordão umbilical da dependência e 
da opressão, querem desvincular-se da globalização. Pedem 
um mundo novo onde se possa saldar a dívida da unificação 
forçosa do desenvolvimento unidimensional e se abram os 
canais de um desenvolvimento diversificado. Pedem uma 
nova verdade, uma nova racionalidade para entender o mun­
do em sua complexidade, em sua diversidade. Estes são os 
desafios com os quais se defronta o projeto civilizatório da 
humanidade ao vislumbrar o próximo milênio.
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3 - ECONOM IA ECOLÓGICA E ECOLOGIA 
PRODUTIVA*
A construção da economia ecológica
A crise ambiental coloca em questão os fundamentos da 
racionalidade econômica. Por isso surgiram diferentes res­
postas, desde as filosofias da natureza até os novos movimen­
tos sociais que buscam integrar a democracia participativa, a 
descentralização econômica e a reapropriação da natureza 
como um sistema ambiental produtivo. Neste contexto, a eco­
nomia ecológica e a ecologia política vão sendo configuradas 
como novos campos teóricos e de ação política, distinguin- 
do-se da economia ambiental (a economia neoclássica dos 
recursos naturais e a da contaminação ambiental), contrapon­
do novos enfoques ao objetivo de internalizar as extemalida- 
des ambientais através dos mecanismos do mercado.
A economia fundada nos princípios da mecânica dester­
rou a vida e a natureza do campo da produção, minando as 
condições de sustentabilidade ecológica do desenvolvimen­
to. A extrapolação das extemalidades econômicas para o ter­
reno dos conflitos socioambientais está mobilizando a re­
construção do processo de produção em novas bases.
A revolução copemicana deslocou a Terra do centro do uni­
verso, derrubando a ordem cósmica e sacudindo as hierarquias 
sociais que sustentavam as relações feudais de poder. A convul­
* Texto redigido com base na conferência intitulada “From Ecological Economics to Pro- 
ductive Ecology: Perspective on Sustainable Development from the South”, apresentada 
na III Conferência da Sociedade Internacional de Economia Ecológica, San José, Costa 
Rica, de 24 a 28 de outubro de 1994, publicada em Costanza et al. (1996).
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gracihelem
Highlight
são dos fundamentos que sustentam hoje a ordem econômica 
dominante nos coloca diante do desafio de transformar, a partir 
de suas bases, o paradigma insustentável da economia.
A resistência a esta mudança paradigmática levou a eco­
nomia neoclássica a ajustar os ciclos econômicos, atribuindo 
preços de mercado à natureza, com a esperança de que as 
mercadorias poderão continuar circulando de maneira contí­
nua em torno da esfera (perfeita) da ordem econômica. Por 
sua vez, a economia ecológica está construindo um novo pa­
radigma teórico, abrindo as fronteiras interdisciplinares com 
diferentes campos científicos (ecologia, demografia, tecno­
logia, termodinâmica, antropologia, teoria de sistemas), para 
valorizar e incorporar as condições ecológicas do desenvol­
vimento. Conseqüentemente surgiram diferentes estratégias 
conceituais e abordagens metodológicas que se fundem no 
crisol da sustentabilidade.
As propostas teóricas da economia ecológica estendem-se 
também à ecologia humana. Nela floresceram as perspectivas 
neomalthusianas que consideram a sustentabilidade através de 
uma relação entre crescimento populacional, escassez de re­
cursos e limites ecológicos, onde uma “capacidade de carga” 
dos ecossistemas fixaria os limites ao crescimento econômico 
e demográfico. Por sua vez, alguns enfoques da antropologia 
ecológica estão reduzindo a racionalidade da apropriação cul­
tural da natureza a uma contabilidade energético-social. O dar- 
winismo social e a síntese sociobiológica estão ecologizando 
(colonizando) a ordem simbólica e social.
A bioeconomia de Georgescu-Roegen (1971) fez uma 
crítica radical à economia a partir da perspectiva da segunda 
lei da termodinâmica. Daí surge a concepção do processo 
econômico como uma transformação produtiva de massa e 
energia sujeitas à degradação irreversível de energia útil (que 
se manifesta em última instância sob a forma de calor) de
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gracihelem
Highlight
todo processo metabólico e produtivo. Este inelutável pro­
cesso de degradação da energia, exacerbado pelo ritmo acele­
rado de crescimento econômico, manifesta-se no aquecimen­
to global do planeta pela crescente produção de gases de efei­
to estufa e a diminuição da capacidade de absorção de dióxi­
do de carbono, por causa dos processos de desflorestamento, 
levando à morte entrópica da vida na Terra.
A partir de uma visão ecossistêmica da produção, a eco­
nomia ecológica busca subsumir a economia dentro da ecolo­
gia, considerada esta como uma teoria mais abrangente, a ciên­
cia por excelência das inter-relações. Desta forma sugere-se 
reordenar a economia dentro da ecologia, introduzindo um 
conjunto de critérios, condições e normas ecológicos a serem 
respeitados pelo sistema econômico (Passet, 1979). A econo­
mia ecológica lança um olhar crítico sobre a degradação eco­
lógica e energética resultante dos processos de produção e 
consumo, tentando sujeitar o intercâmbio econômico às con­
dições do metabolismo geral da natureza.
Entretanto, a produção continua sendo guiada e domina­
da pela lógica do mercado. A proteção do meio ambiente é 
considerada como um custo e condição do processo econô­
mico, cuja “sustentabilidade” gravita em torno dos princípios 
de sua racionalidade mecanicista e sua valorização a curto 
prazo. A ecologia questiona a economia sem refundar as ba­
ses da produção nos potenciais da natureza e da diversidade 
cultural. Sem uma nova teoria capaz de orientar o desenvol­
vimento sustentável, as políticas ambientais continuam sen­
do subsidiárias das políticas neoliberais.
Nesta busca por internalizar as condições ecológicas de 
uma produção sustentável, a economia ecológica está fazen­
do seu nicho acadêmico, embora ainda não definível por um 
paradigma teórico e um programa de pesquisa acabado (Cos- 
tanza, 1989). A economia ecológica ainda não cortou o cor­
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dão umbilical que a prende à economia neoclássica dos recur­
sos naturais em sua concepção do ambiente como um custo 
ou um limite (e não como um potencial). Mas suas fronteiras 
estão se abrindo à complexidade emergente, à distribuição 
ecológica e à democracia política, onde travam as lutas so­
ciais pela apropriação dos recursos naturais e os serviços am­
bientais (Funtowicz e Ravetz, 1994; Martínez Alier, 1995). 
Daí surgem diferentes perspectivas da sustentabilidade,

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