Prévia do material em texto
04Aula A educação ambiental na visão dos teóricos Objetivos de aprendizagem Ao término desta aula, vocês serão capazes de: • ampliar os horizontes sobre educação ambiental; • perceber a amplitude da educação ambiental; • entender a pesquisa em educação ambiental. Nesta aula, apresentaremos algumas teorias sobre educação ambiental, organizadas por Luiz Antônio Ferraro Júnior, na obra Encontros e caminhos: formação de educadoras(es) ambientais e coletivos educadores (2005). Transcrevemos na íntegra alguns trechos dos artigos publicados para que vocês tenham uma ideia do conteúdo desse livro que vale a pena ser lido, principalmente por aqueles que já trabalham ou pretendem trabalhar com educação ambiental. Bons estudos! 30Educação e Sustentabilidade Ambiental 1- Teorias sobre educação ambiental 2- Abordagens e a pesquisa na educação ambiental 1- Teorias sobre educação ambiental Abrimos nossa aula com o texto Democracia, de Leroy e Pacheco (2005), para os quais: sem reconhecimento dos direitos humanos, não há democracia possível. [...] Os mesmos que veem negado seu direito à educação, à saúde, à moradia, ao emprego de qualidade, veem negado seu direito ao meio ambiente. A educação ambiental tem a responsabilidade de mostrar que os países que provocam o efeito estufa estão fazendo crescer as desigualdades entre eles e os países pobres; [...] (p. 134). Vejam o desenrolar do texto, a seguir. [...] Nossas relações humanas dependem, até mesmo no que diz respeito à nossa sobrevivência, das relações que mantemos com a natureza e com o planeta em si. Assim como de nada adianta ciência e tecnologia avançarem de forma aética, indiscriminada, acrítica em seus objetivos e instrumentos, a defesa do direito a uma vida de qualidade para todos os seres humanos deve ultrapassar de muito a garantia da satisfação das necessidades básicas. Isso envolve nossas relações com a própria Terra: seu ar, água, solo, clima, riquezas, etc. Para Refletir “A educação ambiental tem a responsabilidade de mostrar que os países que provocam o efeito estufa estão fazendo crescer as desigualdades entre eles e os países pobres; que são principalmente os habitantes desses últimos que mais sofrem as consequências das catástrofes decorrentes das mudanças climáticas.” Acima dos interesses particulares, acima da privatização e da mercantilização da natureza, a educação ambiental trabalha a afirmação de que os recursos naturais e o meio ambiente são “bens comuns” do país e da humanidade. Acima dos interesses particulares há o interesse geral da humanidade, a de hoje e a do futuro, de que cuidemos bem da nossa herança. No mesmo movimento reflexivo, o educando é convidado a mudar de postura ou fortalecê-la, a mudar ou fortalecer a sua relação com o meio ambiente, e a se inserir na tarefa democrática de fazer prevalecer o interesse coletivo da humanidade. Sem reconhecimento dos direitos humanos, não há democracia possível. Para os pobres, os excluídos, os invisíveis ou qualquer qualificação que se dê aos desiguais e subalternos, é quase impossível fazer valer seus direitos. [...]. Os mesmos que veem negado seu direito à educação, à saúde, à Seções de estudo moradia, ao emprego de qualidade, veem negado seu direito ao meio ambiente. A educação ambiental tem a responsabilidade de mostrar que os países que provocam o efeito estufa estão fazendo crescer as desigualdades entre eles e os países pobres; que são principalmente os habitantes desses últimos que mais sofrem as consequências das catástrofes decorrentes das mudanças climáticas; que são as populações que sofrem os impactos de um desenvolvimento que, no mesmo movimento, destrói a elas junto com a natureza, aprofundando a desigualdade. A Educação Ambiental tem que mostrar que a luta pelo meio ambiente é uma luta pela igualdade, e que a luta pela igualdade é uma luta pela democracia. A educação ambiental é uma educação amorosa, educação do cuidado para com a terra e para com a humanidade; educação para a paz, pois a guerra aniquila a vida, e a violência ofende a dignidade da humanidade. [...] Não aceita que o planeta e a vida se tornem mercadoria ou lixeira da humanidade. Quer reatar os laços humanos esgarçados pela dominação de uma minoria sobre o resto da humanidade e sobre a natureza, a partir de um claro reconhecimento das responsabilidades diferenciadas e de ações de reparo. Nesse sentido, a Educação Ambiental não pode passar por cima das diferenças e da diversidade humana. Pelo contrário, associa a rica diversidade do planeta (ecossistemas, vida, paisagens, etc.) à boa parte da diversidade humana (culturas, formas produtivas, práticas políticas, etc.) [...]. Em nome do “desenvolvimento sustentável”, colocando o crescimento a qualquer custo como meta e o cuidado para com o meio ambiente sob a condução do mercado, nega-se não só o princípio da equidade nas nossas relações com a natureza como, ainda, a ética, o direito à diversidade e compromete-se a própria democracia. Esquece- se de que ela é fruto de decisões da sociedade, e que não são os bens materiais que a definem, mas os valores, as concepções de mundo dessa sociedade, fazendo valer sua vontade ao longo do tempo e das gerações, através de processos democráticos. Esquece-se que o “desenvolvimento” que se quer é o da própria humanidade em consonância com a natureza, que será múltiplo e variado, pois só pode ser busca e fruto desta humanidade na sua múltipla diversidade. “À luz da democracia, definimos sustentabilidade como o processo pelo qual as sociedades administram as condições materiais da sua reprodução, redefinindo os princípios éticos e sócio-políticos que orientam a distribuição dos recursos ambientais. Em lugar de colocar a sustentabilidade como algo já definido, ela passa a ser tarefa nossa, pela qual se resgata a cidadania, se instaura o conflito na busca da boa sociedade e de um outro desenvolvimento. Nesse sentido, podemos estabelecer como nossa tarefa maior, a de forjar uma educação que nos ofereça as bases para construirmos um projeto civilizatório baseado numa outra relação dentro de cada sociedade; das sociedades entre si; e da humanidade com o meio ambiente e com os recursos naturais do planeta” (129-140). O texto Ação Comunicativa, de Sérgio Barreira F. Tavolaro (p. 17-25), critica o comportamento da sociedade moderna, apesar de toda evolução. Citando Weber (1989), ele diz que “As sociedades modernas construíram uma ‘gaiola de ferro’ para si mesmas [...]”. E completa: “No mundo moderno, os indivíduos tendem a interagir uns com os outros de maneira racional e instrumental, ou seja, como meios para a realização de fins desconectados de valores supremos e coletivamente compartilhados” (Weber, 1989 apud Tavolaro, 2005, p. 18). 31 Dessa maneira, aquele potencial emancipatório anunciado pelo Iluminismo pretensamente implícito no processo de racionalização e “destradicionalização” do mundo teria, na verdade, assumido uma aceta sombria, aprisionante, reduzindo as atividades e manifestações humanas a meros apêndices da eficiência técnica. Segundo Weber, portanto, ao cabo da racionalização e burocratização das mais diversas esferas de ação e convívio sociais, todas aquelas possibilidades de autonomização e liberação viram-se completamente frustradas (Tavolaro, 2005, p. 18). O autor recorre a Habernas (1984 e 1989) para argumentar mais sobre essa sociedade: Na medida em que as sociedades se racionalizam, entendimentos em relação à realidade física, social e subjetiva dos indivíduos deixam de se amparar em sistemas religiosos e passam a ser fruto de processos argumentativos, ou seja, de consensos racionalmente construídos através de interações sociais mediadas e constituídas pela linguagem (p. 18). Para Aline Viegas (2005, p. 73-81), em seu artigo Complexidade: uma palavra com muitos sentidos,, “Grande parte das práticas intituladas como sendo de educação ambiental ainda se apresentam em umaperspectiva conservadora. Isto porque, segundo Guimarães (2004), estas estão presas a uma ‘armadilha paradigmática’”. Conforme a autora, Esta armadilha paradigmática impossibilita que os educadores ambientais implementem práticas educativas em uma perspectiva crítica, mesmo quando sensibilizados e motivados por esta perspectiva da educação ambiental. Segundo Guimarães, esta armadilha paradigmática nos leva a uma “limitação compreensiva e incapacidade discursiva” sobre a problemática socioambiental. Um dos eixos para a formação de educadores ambientais é ‘exercitar o esforço de ruptura com a armadilha paradigmática’ (Guimarães, 2004, p. 173 apud Viegas, 2005, p. 79). Em Comunidades aprendentes, Brandão (2005, p. 86) ressalta que os seres humanos estão sempre aprendendo e é isso que nos faz racionais. Reconhece-se nisso o grande papel da educação como instrumento capaz de promover aprendizagem, mudança de paradigmas e a tomada de atitudes: Não somos quem somos, como seres humanos, porque somos racionais. Somos humanos e somos racionais porque somos aprendentes. Somos seres dependentes por completo do que aprendemos. Segundo ele, aprendemos bem mais do que os simples adestramentos dos animais com quem compartimos o planeta Terra. Aprendemos não apenas os saberes do mundo natural, mas a complexa teia de símbolos, de sentidos e de significados que constituem o mundo da cultura. Complementando, Spazziani e Gonçalves (2005, p. 106- 107), em Construção do conhecimento, afirmam que: Embora o ser humano tenha potenciais inatos de conhecimento e cognição, as funções psicológicas superiores tipicamente humanas – que envolvem o controle consciente do comportamento, ação intencional e a liberdade do indivíduo em relação às características do momento e espaço presentes resultam, em sua maior parte, de um processo social de aprendizagem e desenvolvimento. Assim, se o sujeito humano é isolado do contato da cultura humana, não desenvolve suas capacidades cognitivas básicas, que são alicerçadas historicamente na sociedade de seu tempo. “No que se refere às proposições que embasam a construção do conhecimento em Educação Ambiental, esta tem sido reconhecida, [...] como uma área crítica para promover transformações nos modos de compreensão e de relação da humanidade com o seu entorno”, afirmam. “Para tanto, um dos pilares para o desenvolvimento da educação ambiental é identificar as concepções sobre as questões sócio-ambientais e orientar e inspirar o desenvolvimento de sujeitos para que se apropriem de uma atitude crítica, dialética e participativa e de conhecimentos relacionados a essa realidade” completam (p. 108). Os autores acrescentam também: A educação ambiental, pela sua própria especificidade em potencializar ações interdisciplinares, participativas e de incremento da cidadania, tem sido um componente importante para se repensar as teorias e práticas que fundamentam as ações educativas, quer nos contextos formais e informais, com finalidades de constituírem verdadeiras comunidades de aprendizagem. As comunidades de aprendizagem passam a ser compreendidas como um espaço de convergência, divergência e contradição social, no qual entram em jogo inúmeros sentidos e significações da sociedade, presente em outras formas de vida social, e que historicamente se têm mantido ocultas às teorias e às pesquisas educativas dominantes. A função primordial da educação não é somente oferecer possibilidade de conhecimentos, mas propiciar o desenvolvimento do indivíduo naquilo que concerne a uma atuação competente no processo de seu aprendizado e de construção de sua subjetividade no contexto da vida cotidiana (p. 108). Em Estruturas e espaços educadores, Matarezi (2005, p. 163- 165) também fala sobre formação, educação e aprendizagem: [...] os esforços para inserção da Educação 32Educação e Sustentabilidade Ambiental Ambiental, em todos os níveis e esferas da sociedade, devem ocorrer também na perspectiva de que os espaços e/ou estruturas, com as quais convivemos e interagimos cotidianamente, sejam dotados de características educadoras e emancipatórias, que contenham em si o potencial de provocar descobertas e reflexões, individuais e coletivas simultaneamente [...]. [...] nossa formação e educação se processam nos diversos espaços e lugares de nossa vida e a aprendizagem se processa ao longo de toda a vida. [...]. [...] Assim posso considerar que o “meio ambiente” e a Educação Ambiental começam dentro de mim e também dentro de nós enquanto coletivo, grupo, movimento, sociedade. Onde há espaços a preencher e transformar e/ou onde é preciso criar o próprio espaço de ação e transformação capazes de preencher o vazio social externo e o vazio pessoal interno. Justiça ambiental Vamos agora ao texto de Henri Acselrad (2005, p. 219 a 228), intitulado Justiça ambiental: narrativas de resistência ao risco social ampliado, demonstrando que pode haver injustiça social também na área ambiental, com a sobrepujança dos mais ricos sobre os mais pobres. Transcrevemos a seguir os trechos principais: “[...] o Movimento de Justiça Ambiental surge nos EUA a partir de meados dos anos 1980, denunciando a lógica sócio- territorial que torna desiguais as condições sociais de exercício dos direitos. Ao contrário da lógica dita “Nimby” – “not in my backyard” (não em meu quintal), os atores que começam a unificar-se neste movimento propugnam a politização da questão do racismo e da desigualdade ambientais, denunciando a lógica que acreditam vigorar do “sempre no quintal dos pobres”. No Brasil, a Rede Brasileira de Justiça Ambiental, criada em 2001, expande a abrangência da denúncia para além da questão do racismo ambiental na alocação de lixo tóxico, que fundou a organização nascida no movimento negro dos EUA. A definição de justiça ambiental ampliou-se, designando o conjunto de princípios e práticas que: a) asseguram que nenhum grupo social, seja ele étnico, racial ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de operações econômicas, de decisões de políticas e de programas federais, estaduais, locais, assim como da ausência ou omissão de tais políticas; b) asseguram acesso justo e equitativo, direto e indireto, aos recursos ambientais do país; c) asseguram amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos ambientais e a destinação de rejeitos e localização de fontes de riscos ambientais, bem como processos democráticos e participativos na definição de políticas, planos, programas e projetos que lhes dizem respeito; d) favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direitos, movimentos sociais e organizações populares para serem protagonistas na construção de modelos alternativos de desenvolvimento, que assegurem a democratização do acesso aos recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso. As lutas por justiça ambiental combinam assim: 1) defesa dos direitos a ambientes culturalmente específico – comunidades tradicionais situadas na fronteira da expansão das atividades capitalistas e de mercado; 2) defesa dos direitos a uma proteção ambiental equânime contra a segregação sócio-territorial e a desigualdade ambiental promovidas pelo mercado; 3) defesa dos direitos de acesso equânime aos recursos ambientais, contra a concentração das terras férteis, das águas e do solo seguro nas mãos dos interesses econômicos fortes no mercado; mas também, 4) defesa dos direitos das populações futuras. Como? Pela interrupção dos mecanismos de transferência dos custos ambientais do desenvolvimento para os mais pobres. Pois o que os movimentos por justiça ambiental tentam mostrar é que enquanto os males ambientais puderem ser transferidos para os mais pobres, a pressão geral sobre o ambiente não cessará. Fazem assim a ligação entre o discurso genérico sobre o futuro e as condições históricas concretas pelas quais, no presente, se estádefinindo o futuro. Aí se dá a junção estratégica entre justiça social e proteção ambiental: pela afirmação de que para barrar a pressão destrutiva sobre o meio de todos, é preciso começar protegendo os mais fracos. A participação deve ser entendida como um processo continuado de democratização da vida dos cidadãos, cujos objetivos são: 1) promover iniciativas a partir de programas e campanhas especiais visando o desenvolvimento de objetivos de interesse coletivo; 2) reforçar o tecido associativo e ampliar a capacidade técnica e administrativa das associações e 3) desenvolver a participação na definição de programas e projetos de interesse coletivo, nas suas diversas possibilidades. O surgimento de políticas públicas pautadas pelo componente participativo, está relacionado com as mudanças na matriz sociopolítica por meio de um questionamento sobre o papel do Estado como principal agente indutor das políticas sociais. A noção de participação é pensada principalmente a partir da ótica dos grupos interessados e não apenas da perspectiva dos interesses globais definidos pelo Estado. Saber Mais O desafio que se coloca é de formular uma educação ambiental que seja crítica e inovadora, [...] voltada para a transformação social da população como um todo e não apenas um grupo restrito. O seu enfoque deve buscar uma perspectiva de ação holística que relaciona o ser humano, a natureza e o universo, tomando como referência que os recursos naturais se esgotam e que o principal responsável pela sua degradação é o ser humano. Cada pessoa deve se converter em “ator co-responsável na defesa da qualidade de vida. A Educação Ambiental como formação e como exercício de cidadania tem a ver com uma nova forma de encarar a relação do homem com a natureza, baseada em 33 uma nova ética, que pressupõe outros valores morais e uma forma diferente de ver o mundo e os homens. Ecopedagogia A proposta de Moacir Gadotti (2005, p. 239 a 244) em Pedagogia da práxisé de uma ecopedagogia, em que as primeiras reflexões se deram na Rio-92, pretende reeducar o olhar, o que significa: desenvolver a atitude de perceber e não ficar indiferente diante das agressões ao meio ambiente, criar hábitos alimentares novos, evitar o desperdício, a poluição sonora, visual, a poluição da água e do ar etc. e intervir no sentido de reeducar o habitante do planeta. “Enquanto o ambientalismo superficial apenas se interessa por um controle e gestão mais eficazes do ambiente natural em benefício do ‘homem’, o movimento da ecologia fundamentada na ética reconhece que o equilíbrio ecológico exige uma série de mudanças profundas em nossa percepção do papel que deve desempenhar o ser humano no ecossistema planetário. (Gutiérrez; Prado, 1999, p. 33, apud Gadotti, 2005, p. 242). O desenvolvimento sustentável só pode, de fato, enfrentar a deterioração da vida no planeta, na medida em que está associado a um projeto mais amplo, que possibilite o advento de uma sociedade justa, equitativa e includente [...] Só com o apoio forte dos trabalhadores da cidade e do campo, dos movimentos sociais e populares, podemos construir um novo modelo de desenvolvimento e de educação verdadeiramente sustentáveis. [...] a educação para a cidadania planetária está apenas começando e ela deve nos levar a uma educação para a cidadania cósmica. Os desafios são enormes tanto para os educadores quanto para os responsáveis pelos sistemas educacionais. Os currículos escolares, numa visão eco pedagógica, deverão incluir, desde os estudos infantis, não apenas o estudo do ambiente natural, mas a história da Terra e do Universo. A ecopedagogia nos ensina a olharmos para o céu. Sociobiodiversidade Nesse artigo Antonio Carlos Sant’Ana Diegues (2005, p. 305-311) relata a importância da biodiversidade para a vida das pessoas. A seguir destacamos os principais trechos escritos pelo autor. Você Sabia A preservação da diversidade biológica está contemplada principalmente na manutenção da diversidade genética, cuja preservação é necessária tanto para assegurar o fornecimento de alimentos, de fibras e medicamentos quanto para o progresso científico e industrial. E ainda, para impedir que a perda das espécies cause danos ao funcionamento eficaz dos processos biológicos (SUMÁRIO DA ESTRATÉGIA, versão brasileira, 1984 apud Diegues, 2005, p. 305). A destruição da vida selvagem e florestas hoje tem relativamente pouco a ver com as espécies em si, mas é decorrência das relações entre a população e a natureza e das relações entre as pessoas. O movimento conservacionista foi liderado por naturalistas, incluindo amadores e biólogos treinados. Ainda que sua contribuição tenha sido essencial, eles foram incapazes de resolver os problemas básicos da conservação porque os fatores limitantes não são de ordem ecológica, mas principalmente políticos, econômicos e sociais. As opiniões para a conservação têm que ser procuradas entre os políticos, sociólogos rurais, agrônomos e economistas. Em última análise, os usuários dos recursos naturais locais são aqueles que tomam as decisões (UICN, 1988, p. 33 apud Diegues, 3005, p. 305). Entre as populações tradicionais, povos indígenas, caiçaras, caboclos, ribeirinhos, sertanejos entre outros, “a diversidade da vida não é vista como ‘recurso natural’, mas sim como um conjunto de seres vivos que tem um valor de uso e um valor simbólico, integrado numa complexa cosmologia” (Diegues, 2005, p. 307). 2- Abordagens e a pesquisa na educação ambiental Diferentes abordagens da educação ambiental Apoiados no texto de Marília Freitas de Campos Tozoni-Reis (2008), vamos nos inteirar agora das diferentes abordagens em educação ambiental. Vejam também que a autora caracteriza a pesquisa em educação como essencialmente qualitativa porque, “na interpretação dos fenômenos educativos, preocupamo-nos em explorar as ações educativas desvelando uma realidade diversa, dinâmica, complexa e específica com o objetivo de compreender a realidade educativa da forma mais complexa e abrangente possível”. Para vocês entenderem melhor, isso significa que a pesquisa em educação lida com fenômenos não quantificáveis, produzidos por pessoas, cada qual vivendo sua própria realidade e situações diversas, em diferentes culturas, ambientes, graus de escolaridade, condições socioeconômicas e inúmeras outras variáveis que necessitam ser interpretadas. O texto a seguir serve de subsídio às pesquisas para o TCC II, que no curso de Pedagogia sempre se voltam para a área da educação, seja ela ambiental ou não. Então vamos à leitura. Pesquisa-ação em Educação Ambiental Aproximação conceitual sobre educação ambiental As preocupações humanas com o ambiente estão presentes de forma mais consistente nas diferentes sociedades já há algumas décadas. Também dessa forma encontramos a inclusão da educação ambiental como estratégia na busca de sociedades ambientalmente mais responsáveis. No entanto, embora reconhecida como uma necessidade da sociedade contemporânea, seus princípios, objetivos e estratégias não são iguais para todos aqueles que a praticam, caracterizando, do ponto de vista conceitual, diferentes abordagens educativas. Podemos identificar algumas dessas diferentes abordagens como: • disciplinatória-moralista, que orienta sua prática para “mudanças de comportamentos” ambientalmente inadequados, identificada também como “adestramento ambiental”; • ingênua-imobilista, que se pauta fundamentalmente 34Educação e Sustentabilidade Ambiental pela “contemplação” da natureza, centrando o processo educativo na sensibilização ambiental; • ativista-imediatista, que supervaloriza a ação imediata sobre o ambiente, substituindo o processo de ação-reflexão-ação pelo ativismo ambientalista; • conteudista-racionalista, que orienta o processo educativo para a transmissão de conhecimentos técnicos científicos sobre o ambiente, considerando que essa transmissão/ assimilação tem comoconsequência uma relação mais adequada dos sujeitos com o ambiente; • crítica-transformadora, que concebe a educação ambiental como um processo político de apropriação crítica e reflexiva de conhecimentos, atitudes, valores e comportamentos que têm como objetivo a construção de uma sociedade sustentável nas dimensões ambiental e social. Essas diferentes abordagens de educação ambiental indicam perspectivas adaptadoras-reprodutoras ou perspectivas transformadoras (Tozoni-Reis, 2007). A perspectiva adaptadora, caracterizada pela ideia de que a educação ambiental tem como tarefa a “adaptação” dos indivíduos a um “renovado” modelo de sociedade que, embora mais preocupado com o tema ambiental, não questiona o modelo de desenvolvimento em curso. Nessa perspectiva, com enfoques e estratégias diferentes (disciplinatória, ingênua, ativista e conteudista), tais abordagens contribuem para a reprodução das relações entre os grupos sociais e deles com o ambiente definidas pela modernidade. A perspectiva transformadora parte de análises críticas das relações entre os grupos sociais e deles com o ambiente em que vivem, compreendendo-as como relações históricas, cuja marca é a desigualdade social e a degradação ambiental. Essas diferentes perspectivas indicam que a ação educativa sobre o ambiente exige reflexão e análise para que, do ponto de vista prático e conceitual, seja construída de forma mais consequente e competente. No entanto, nosso posicionamento a favor da educação ambiental crítica nos leva a pensar na necessidade de compreendê-la melhor. Nosso ponto de partida para definir a educação ambiental como crítica é sua preocupação com os aspectos socioambientais das relações humanas, isto é, preocupamo-nos com as relações que os sujeitos estabelecem entre si e com o ambiente onde vivem, compreendendo-os – sociedade e ambiente – de forma crítica e transformadora. Podemos identificar aqui, portanto, a teoria crítica de interpretação da realidade como fundamento dessa abordagem na educação ambiental, cuja principal finalidade, segundo Loureiro (2005), é “construir conhecimentos que sirvam para a emancipação e para a transformação da sociedade”. Se a teoria crítica é uma forma de interpretar as relações sociais estabelecidas historicamente com o compromisso de contribuir para sua transformação, ela é a referência para a pedagogia crítica. Saviani (2005) afirma que a educação, na abordagem histórico-crítica, preocupa-se com a apropriação, pelos indivíduos singulares, dos saberes historicamente produzidos e que, “nessa nova formulação, a educação é entendida como mediação no seio da prática social global”, de modo que “a prática social se põe, portanto, como ponto de partida e como ponto de chegada da prática educativa”. A pesquisa qualitativa em educação Consideremos, então, em primeiro lugar, que educação ambiental é educação, o que nos leva a identificar como principal tarefa da pesquisa a produção de conhecimentos sobre os processos educativos ambientais. Isso significa dizer que o foco da produção de conhecimentos não são os temas ambientais gerais, mas o processo educativo voltado para a problematização do ambiente, isto é, o foco da produção de conhecimento é a educação para a formação humana que trate os temas ambientais em sua complexidade: conhecimentos sobre os processos educativos – inclusive na dimensão pedagógica – articulados às ciências ambientais. Consideremos também, em segundo lugar, que a produção de conhecimentos sobre um determinado fenômeno não é neutra. Então, se a abordagem que defendemos para a educação ambiental preocupa-se, fundamentalmente, com os aspectos socioambientais das relações humanas, compreendendo-os de forma crítica, transformadora e emancipatória, a pesquisa em educação ambiental tal como a compreendemos tem como principal objetivo produzir conhecimentos sobre processos educativos críticos com compromisso de transformação das relações sociais e ambientais na perspectiva da emancipação. Dessa forma, podemos afirmar que, se a educação ambiental é a ambientalização da educação, defendida aqui como crítica, transformadora e emancipatória, a tarefa da pesquisa em educação ambiental é produzir conhecimentos para esse processo de ambientalização da educação nessa perspectiva. Lembremos então que, superando a tradição empirista da pesquisa científica, na educação a pesquisa tem abordagem qualitativa. Mas, para que essa afirmação tenha um significado mais claro para todos, vejamos seus argumentos. Sem necessariamente colocar em oposição pesquisa quantitativa e qualitativa, caracterizamos a pesquisa em educação como essencialmente qualitativa porque, na interpretação dos fenômenos educativos, preocupamo-nos em explorar as ações educativas desvelando uma realidade diversa, dinâmica, complexa e específica com o objetivo de compreender a realidade educativa da forma mais complexa e abrangente possível. Nesse sentido, essa realidade não pode ser somente quantificável: é preciso buscar, para a sua interpretação, a totalidade, entendida como complexidade, do fenômeno social e humano; é preciso buscar as “qualidades” dos processos educativos para compreendê-los. Isso significa dizer que a produção de conhecimentos sobre os processos educativos é a interpretação – estudada, fundamentada, analisada, refletida – da realidade investigada que, sem perspectiva de neutralidade, é vista a partir dos paradigmas pelos quais compreendemos as relações sociais e ambientais. Muito se tem discutido sobre a abordagem qualitativa da pesquisa em educação. Pesquisadores das áreas das ciências exatas e naturais tendem a desconsiderar essa abordagem como científica. No entanto, já avançamos bastante na ideia de que é preciso considerar que os fenômenos humanos e sociais são “um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço 35 mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis” (Minayo, 2002). Na pesquisa qualitativa, portanto, a produção de conhecimentos sobre os fenômenos humanos e sociais está voltada muito mais para a compreensão dos fenômenos do que para a sua descrição. Isso diz respeito aos paradigmas da investigação científica, aos paradigmas de interpretação da realidade. Se por paradigma entendemos o modelo teórico em que se fundamenta a ciência, seus pressupostos epistemológicos (Kuhn, 2000), a insatisfação com os modelos teóricos dominantes na ciência moderna, hegemônicos no mundo acadêmico e científicos, ainda hoje, tem mobilizado os esforços, teóricos e práticos em direção à sua superação. Nas ciências humanas e sociais, no entanto, essas ideias não são novas: há muito se busca superar o paradigma dominante das ciências exatas e naturais em busca de novos referenciais para a interpretação da realidade humana e social. É com essas preocupações que tratamos a pesquisa qualitativa em educação e suas contribuições para o processo educacional, uma tarefa filosófica para os pesquisadores da educação, que exige a localização da relação sujeito-objeto como preocupação central: compreender a relação sujeito- objeto é compreender como o ser humano se relaciona com as coisas, com a natureza, com a vida. A relação sujeito-objeto, na investigação científica, é um problema central em todas as ciências, mas compreendido diferentemente a partir de diferentes abordagens, que estão relacionadas às concepções de mundo, de ciência e de produção de conhecimentos que fundamentam as ações investigativas. Sabemos das limitações – a rigor, da impossibilidade – das referências metodológicas das ciências naturais para o estudo dos fenômenos humanos e sociais. Essa impossibilidade é, no momento atual, suficientemente conhecida. Marx (1968), Capra (1993), Prigogine e Stengers (1997), Prigogine (1996), Morin (1999, 2002) e Morin, Ciurana e Motta (2003),entre outros, figuram como seus principais problematizadores. Outros autores e obras também têm colaborado nessa discussão, como Berman (1986), Santos (1989, 1995, 1997), Kuhn (2000) entre outros. Embora com ideias diferentes, o consenso teórico entre esses autores é a superação do paradigma mecanicista dominante na ciência moderna: vivemos uma nova concepção de ciência e de sociedade. A constatação de que a confiança epistemológica da ciência está abalada é o ponto de partida para a construção de uma nova forma de pensar e agir no mundo e na vida, para a construção de uma alternativa para a produção do conhecimento. Isso significa que a pesquisa em educação tem caráter essencialmente qualitativo e, sem perder o rigor metodológico, busca compreender os diversos elementos dos fenômenos estudados. A educação, em particular, investiga os fenômenos educativos, seja na educação escolar ou na educação fora da escola, nos diferentes e diversos espaços educativos da vida cotidiana dos sujeitos educadores e educandos. Esses fenômenos, na abordagem qualitativa, somente serão compreendidos se examinados à luz de sua complexidade histórica, política, social e cultural. Desse modo teremos a garantia de produzir conhecimentos comprometidos com a educação crítica e transformadora. Um ponto importante, portanto, a ser considerado na pesquisa em educação é a necessidade de garantir, na produção de conhecimentos sobre os processos educativos, qualidade metodológica, isto é, garantir à pesquisa em educação relevância científica. Abordagem qualitativa não significa falta de rigor científico, mas sim a busca de um rigor próprio, construído com base nas diferenças, bastante significativas, entre as referências científicas das ciências naturais e exatas e as referências científicas das ciências humanas e sociais. Esse nosso compromisso, como pesquisadores em educação, de construir nossos próprios critérios de rigor científico nos traz a responsabilidade de elaborar metodologias de pesquisa relevantes para a investigação do fenômeno educativo, metodologias pautadas pelo rigor teórico. Compreendemos como rigor a preocupação com teorias e procedimentos metodológicos que, embora não tenham o objetivo de aprisionar os pesquisadores e a realidade pesquisada – cujos pressupostos de neutralidade e objetividade são por nós combatidos e superados – nos permitam traçar os caminhos de investigação que garantam legitimidade à produção dos conhecimentos sobre os processos educativos. Caracterizamos a pesquisa em educação como essencialmente qualitativa porque, na interpretação dos fenômenos educativos, preocupamo-nos em explorar as ações educativas desvelando uma realidade diversa, dinâmica, complexa e específica com o objetivo de compreender a realidade educativa da forma mais complexa e abrangente possível. A pesquisa-ação na educação ambiental Se, por um lado, é responsabilidade dos pesquisadores garantir relevância científica à pesquisa em educação e em educação ambiental, por outro, é nossa responsabilidade garantir relevância social aos processos de produção de conhecimentos. Retomemos o pressuposto de que os processos educativos ambientais – críticos e transformadores – são processos sócio-históricos. Então, tomemos a pesquisa sobre esses processos como uma “prática social de conhecimentos” (Santos, 1989). Assim, essa prática, por ser social, tem também significado sócio-histórico. A pesquisa em educação ambiental, portanto, implica escolhas políticas na produção dos conhecimentos sobre os processos educativos ambientais. Com essas preocupações, podemos pensar, agora, nos princípios teórico-metodológicos dos processos educativos ambientais como forma de descobrir, neles, os princípios teórico-metodológicos da pesquisa em educação ambiental. A educação ambiental crítica e transformadora, educação emancipatória, tem caráter coletivo, dinâmico, complexo e contínuo de conscientização e participação social, articulando teoria e prática, marcada pela abordagem interdisciplinar (Tozoni-Reis, 2007). Consideremos que o momento atual da pesquisa em educação ambiental caracteriza-se por produções teórico- metodológicas relacionadas às diferentes modalidades da pesquisa qualitativa conduzidas com o rigor metodológico exigido para que sejam legítimas. 36Educação e Sustentabilidade Ambiental Nossas discussões acerca da importância da superação da tradição empirista da pesquisa científica indicam a necessidade de fazer a pesquisa em educação ambiental flexível, de forma a garantir criatividade nessa prática social. Nesse sentido, apontamos para processos de produção de conhecimentos que sejam originais, complexos e dinâmicos. Temos lançado mão da metodologia da pesquisa-ação na pesquisa em educação e na pesquisa em educação ambiental como caminho metodológico rico nessas possibilidades. No entanto, a pesquisa-ação tem sofrido uma certa desvalorização nos espaços acadêmicos. Essa desvalorização é resultado, por um lado, de sua própria banalização como metodologia de pesquisa e, por outro, de uma incompreensão – que chega a ser caracterizada como preconceito – de seu potencial investigativo do ponto de vista acadêmico-científico. Temos que reconhecer que alguns trabalhos anunciam essa metodologia como referência metodológica, mas não garantem rigor metodológico o suficiente para caracterizar as ações realizadas como um processo de investigação científica: apresentam, apenas, relatos de experiência em educação ambiental sem, pela análise, evidenciar a produção de conhecimentos exigida pela atividade de pesquisa. Dessa forma, sentimos a necessidade de aprofundar a reflexão sobre os aspectos metodológicos da pesquisa-ação. Consideremos a necessidade de reconhecer o potencial investigativo da metodologia da pesquisa-ação. Esse potencial se expressa pela principal característica da metodologia, que permite – mais do que permitir, ela exige – a articulação profunda e radical entre a produção de conhecimentos e a ação educativa. Isso significa dizer que a metodologia da pesquisa-ação refere-se a um tipo especial de produção de conhecimentos, comprometida com a ação-intervenção no espaço social em que realiza a investigação. No caso da pesquisa-ação em educação, a compreensão, pela investigação, do fenômeno educativo articula-se à ação de educar, isto é, o fenômeno educativo é investigado no próprio processo de educar. Trata-se, portanto, de radicalizarmos na superação da neutralidade da pesquisa científica: o ato investigativo está comprometido, profundamente, com o ato educativo crítico, transformador e emancipatório. Consideremos também o caráter político dessa intervenção educativa, que exige da pesquisa-ação a participação dos sujeitos envolvidos na produção de conhecimentos e na ação- intervenção: se a pesquisa-ação em educação ambiental refere- se a uma ação que tem por objetivo produzir conhecimentos sobre os processos educativos ambientais ao mesmo tempo em que realiza ações educativas ambientais, é preciso garantir, na pesquisa e na ação, a participação radical dos sujeitos. Nesse sentido, os participantes de um projeto de pesquisa-ação em educação ambiental deixam de ser “objetos” de pesquisa para realizarem-se como “sujeitos” da investigação científica e da ação educativa. A participação como princípio metodológico para a educação ambiental foi estudada por Jacobi (2005) como um “eixo estruturante”, pois com isso podemos enfrentar a necessidade urgente de transformação nas relações da sociedade com o ambiente. Dessa forma, a pesquisa-ação toma uma dimensão profundamente participativa, e por isso consideramos muito mais apropriado definir essa metodologia como pesquisa-ação-participativa do que como pesquisa-ação. No entanto, essa é uma consideração que diz respeito à ênfase que pretendemos dar à participação, isto é, temos o cuidado de não distinguir, do ponto de vista de seus fundamentos teóricos,a pesquisa-ação das pesquisas participativas ou participantes, entendendo todas elas como expressões da possibilidade de articulação, na pesquisa, da participação radical dos sujeitos nos processos de produção de conhecimentos em educação ambiental, participação essa que compreendemos como a mais intensa possível em cada processo particular. Uma outra consideração importante em nossas reflexões sobre essa metodologia diz respeito ao fato de que estamos nos referindo à produção de conhecimentos sobre a realidade, ao mesmo tempo em que ocorre um processo educativo participativo para o enfrentamento dessa mesma realidade. Então, é necessário considerar a própria realidade nessas reflexões. A pesquisa-ação-participativa é um processo de investigação e ação sobre uma determinada realidade, a “realidade concreta da vida cotidiana” (Brandão, 2005b). Dessa afirmação emerge o caráter coletivo da pesquisa-ação- participativa. Assim, o estudo coletivo da realidade concreta da vida cotidiana, que, portanto, é participativo, implica, além disso, um processo educativo coletivo e emancipador. O grupo, como expressão do caráter coletivo da pesquisa- ação-participativa em educação ambiental, é considerado, conforme propõe Brandão (2005), a “comunidade aprendente”. Novamente aí a neutralidade da ciência é descartada: trata-se de uma ciência política e socialmente comprometida, uma modalidade alternativa de pesquisa qualitativa que coloca a ciência a serviço da emancipação social (Demo, 1992). Nosso desafio é pesquisar e participar, investigar e educar, compreender e transformar. As ações, investigativas e educativas, coletivas, participativas, emancipadoras, sobre a realidade concreta da vida cotidiana dos sujeitos podem ser expressas também pela ideia da educação como um processo de conscientização. Temos encontrado a relação entre educação e conscientização muito presente nas propostas de educação ambiental. No entanto, em muitas dessas propostas falta precisão conceitual no que diz respeito à conscientização. Paulo Freire (1921-1997) é a principal referência para compreender a educação como um processo de conscientização: para ele, ato ação-reflexão é a unidade dialética que define o termo conscientização: Em primeiro momento a realidade não se dá aos homens como objeto cognoscível por sua consciência crítica. Em outros termos, na aproximação espontânea que o homem faz do mundo, a posição normal fundamental não é uma posição crítica mas uma posição ingênua. A este nível espontâneo, o homem ao aproximar-se da realidade faz simplesmente a experiência da realidade na qual está e procura. Essa tomada de consciência não é ainda a conscientização porque esta consiste no desenvolvimento crítico da tomada de consciência. A conscientização implica, pois, que ultrapassemos a esfera espontânea de apreensão da realidade, para chegarmos a uma esfera crítica na qual a realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o homem assume uma posição epistemológica (Freire, 1980, p. 26). 37 Assim, vemos que conscientização, diferentemente da forma como a encontramos em muitas propostas de educação ambiental, é um processo de reflexão e ação com caráter essencialmente político, que implica escolhas políticas articulando conhecimentos e ação para a transformação das relações homem-natureza, relações estabelecidas pela história complexa da organização da vida social no ambiente. A educação ambiental, e sua prática social de conhecimento, a pesquisa e, em particular, a pesquisa-ação-participativa são compreendidas como mediadoras das relações sociais e se pretendem conscientizadoras porque propõem a relação entre a ação e a reflexão, que se concretiza no processo educativo, na articulação entre conhecimentos, valores, atitudes e comportamentos. Conscientização é, portanto, uma dimensão do processo formativo construído ativa e refletidamente pelos sujeitos. É um processo de construção de um nível de consciência que se pretende crítica. Nesse sentido, a conscientização supera a apropriação de conhecimentos, referindo-se à articulação radical entre conhecimento e ação, compreendendo a ação como uma ação política, transformadora, libertadora e emancipatória. Uma das mais importantes ideias aí é a compreensão do processo de conscientização como histórico e concreto, portanto, um processo que não é imediato, o que implica compreendê-lo para muito além do espaço e do tempo das ações educativas pontuais, específicas. Conscientização, como princípio da pesquisa-ação-participativa em educação ambiental, não se refere aos resultados empíricos das ações de investigação e ações educativas, tampouco à aquisição aparente de conhecimentos sobre o ambiente, mas refere- se ao processo, complexo, de reflexão filosófica e política, rumo à construção histórica, pelos sujeitos sociais, de uma sociedade sustentável. A pesquisa-ação-participativa em educação ambiental, portanto, tem como princípios teórico-metodológicos a participação, o processo coletivo, a conscientização e, para ter relevância científica e social, refere-se também à articulação radical entre teoria e prática. Dito de outra forma: a pesquisa- ação-participativa em educação ambiental é práxis social. Tomemos os estudos de Konder (1992) sobre o “futuro da filosofia da práxis” como referência ara nossas análises. Esse autor identifica a origem e a trajetória histórica do conceito de práxis desde a Grécia antiga, quando a palavra configurava- se, ainda que imprecisamente, em oposição a poiésis (atividade produtiva) e a theoria (a busca da verdade). Depois disso, é no Renascimento que a reflexão sobre o papel da reflexão da ação ganha destaque na nova organização da vida, agora na cidade. Pensando na sua importância na modernidade, quando vemos a valorização da ciência prática em detrimento da reflexão, constatamos que é com a desvalorização da teoria e a supervalorização da prática que se constrói a ciência moderna, base também do projeto educativo moderno. Continuando suas análises, Konder (1992) identifica em Marx um momento fundamental do estudo da práxis: este pensador, ao definir o trabalho como atividade essencial – vital – humana, o faz em uma perspectiva de articulação radical entre teoria e prática. O conceito de práxis em Marx é definido como prática articulada à teoria, prática desenvolvida com e pelas abstrações do pensamento, como busca de compreensão mais consistente e consequente – concreta – da atividade prática humana: é prática eivada de teoria. Nesse sentido, a educação é práxis, é ação pensada, concreta, e a investigação sobre os processos educativos também tem essa perspectiva: articulação radical entre a teoria e a prática. É nessa perspectiva que podemos afirmar que o conceito de práxis é categoria central de análise da pesquisa- ação- participativa: a busca da compreensão da prática cotidiana pela ação-reflexão-ação. Assim, a pesquisa-ação-participativa em educação ambiental é uma metodologia de investigação e ação sobre os processos formativos que tem como objetivo maior a formação do sujeito ecológico (Carvalho, 2004), compreendendo- as (a investigação e a ação) como coletivas, participativas, conscientizadoras, emancipatórias e, principalmente, fundamentadas na práxis. Para finalizar, tomemos de um texto escrito em outro momento (Tozoni-Reis, 2005) algumas diretrizes norteadoras para a pesquisa-ação-participativa em educação ambiental como facilitadoras de nosso trabalho: • a proposta de investigação e ação caracteriza-se como atividade de pesquisa, isto é, relaciona-se à produção de conhecimentos ambientais e pedagógicos? • a proposta de investigação e ação cria oportunidades reais e concretas de participação dos envolvidos, garantindo-lhes tomada de decisões coletivas em todo o processo? • a proposta de investigação e ação é coletiva, compartilhada, caracteriza uma parceria entre o saber acadêmico e o saber não acadêmico?• a proposta de investigação e ação desenvolve ações educativas ambientais de forma crítica e emancipatória, superando as tendências tradicionais de educação e ensino? • a proposta de investigação e ação trata os temas ambientais de forma a tornarem-se temas geradores de reflexão e ação sobre o ambiente, contribuindo para o processo de conscientização? Disponível em: http://www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/pea/ v3n1/09.pdf. Acesso em 15 jun. 2011. Parece que estamos indo bem. Então, para encerrar esse tópico, vamos recordar: Retomando a aula 1 - Teorias sobre educação ambiental. Na seção, mostraremos várias teorias importantes sobre educação ambiental. 2 - Abordagens e a pesquisa na educação ambiental Falamos como se pode desenvolver a pesquisa na educação ambiental. 38Educação e Sustentabilidade Ambiental JÚNIOR, L. A. F. (org.) Encontros e caminhos: formação de educadoras(es) ambientais e coletivos educadores. Brasília: MMA, Diretoria de Educação Ambiental, 2005, 358 p. Vale a pena ler Vale a pena Educação ambiental no Brasil. Disponível em: https:// www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=1192&class=04. Acesso em: 16 mar. 2012. Vale a pena acessar The Story of Stuff, 2007. Documentário/Curta- metragem Vale a pena assistir Minhas anotações Ufa, acabou. Qualquer dúvida, entrem em contato por meio do quadro de avisos. Até a próxima aula.