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HISTOLOGIA E EMBRIOLOGIA AULA 5 Profª Fernanda Eliza Toscani Burigo 2 CONVERSA INICIAL O tecido muscular, em suas diferentes variantes, é essencial para a sustentação do organismo, auxiliando-o na sua locomoção (em conjunto com os ossos), na distribuição de nutrientes e oxigênio (compõe o coração) e na movimentação de estruturas (como ocorre com os movimentos peristálticos do trato digestório), nas contrações uterinas e nos movimentos de brônquios e bronquíolos, no trato respiratório. Suas células, altamente adaptadas e especializadas à contração, apresentam formato alongado, com o citoplasma repleto de proteínas contráteis (os miofilamentos) e são grandes consumidoras de ATP. Considerando suas funções e características, pode ser subdividido em: músculo estriado esquelético, encontrado nos membros, face, pescoço e abdômen, sendo importante na locomoção; músculo estriado cardíaco, compõe o miocárdio (ou coração); e músculo liso, essencial ao peristaltismo realizado pelo trato digestório e na constituição dos órgãos e estruturas dos tratos respiratório e geniturinário. Para esta aula, apresentamos os seguintes objetivos: 1. Geral: Conhecer os diferentes tecidos musculares e o processo de contração muscular. 2. Específicos: • Caracterizar o tecido muscular; • Reconhecer anatômica e fisiologicamente o músculo estriado esquelético; • Reconhecer anatômica e fisiologicamente o músculo estriado cardíaco; • Reconhecer anatômica e fisiologicamente o músculo liso; • Compreender o processo de contração muscular e movimento. TEMA 1 – CARACTERÍSTICAS GERAIS, FUNÇÕES, COMPOSIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DO TECIDO MUSCULAR Com origem com base na mesoderme do embrião, o tecido muscular desempenha funções essenciais à homeostase do organismo. Conforme citado anteriormente, atua diretamente na sustentação e na locomoção do organismo, 3 além de ser fundamental na distribuição de substâncias, movimentando-as por todo o corpo. Constituído por células especiais, que passam a ser denominadas de fibras musculares, devido ao fato de serem alongadas, possuírem filamentos proteicos citoplasmáticos específicos, que lhes confere grande capacidade de contração. Tais filamentos, principalmente constituídos pelas proteínas actina e miosina, se dispõem ao longo do citoplasma, sendo essenciais à função de contração e irão constituir a unidade contrátil dos músculos (com exceção do músculo liso): o sarcômero (Figura 1), cuja estrutura será descrita a seguir. Figura 1 – Unidade contrátil: o sarcômero Créditos: Aldona Griskeviciene / Shutterstock A actina G, proteína globular na forma de monômero, sofre a polimerização, tornando-se um arranjo de moléculas composto por 2 cadeias filamentosas (actina F), semelhante a um colar de pérolas, conforme demonstra a Figura 2. Tal proteína, associada a outras duas, denominadas tropomiosina e https://www.shutterstock.com/pt/g/Aldona+Griskeviciene 4 troponina, constitui os filamentos finos do sarcômero e regula a interação entre os filamentos finos e grossos. Enquanto a tropomiosina se apresenta sob forma de duas cadeias filamentosas dispostas sobre o filamento de actina, a troponina se organiza em três subunidades, ancoradas à tropomiosina, com funções definidas: subunidade TnC, com afinidade pelo cálcio, íon fundamental à contração muscular; subunidade TnI, que impede a ligação entre os filamentos de actina e miosina e a subunidade TnT, responsável por unir as subunidades da troponina à tropomiosina (Figura 3). Figura 2 – Filamentos de actina Créditos: Michael Rosskothen / Shutterstock Figura 3 – Filamentos finos, demonstrando a actina, troponina e tropomiosina Créditos: Blamb / Shutterstock https://www.shutterstock.com/pt/g/mr1805 https://www.shutterstock.com/pt/g/blamb 5 Já a miosina, cujo aspecto lembra um bastão, constitui os filamentos espessos ou grossos do sarcômero; é uma proteína formada por uma porção alongada, denominada cauda, composta por duas cadeias entrelaçadas e, na extremidade, duas porções globulares, com sítios de ligação com o ATP e com a actina, denominada cabeça da miosina. Entre a cauda e a cabeça, há uma espécie de dobradiça, estrutura flexível que permite a adequação conformacional da molécula, de acordo com a necessidade (Figura 4). Figura 4 – Estrutura da miosina Créditos: extender_01 /Shutterstock Com base na compreensão das proteínas contráteis, em sua função, atuação e conformação, vamos destacar agora a estrutura do sarcômero, a unidade contrátil. Cada sarcômero apresenta (conforme demonstra a Figura 5) 2 (duas) linhas Z, linha transversal escura, que delimita o sarcômero; 2 (duas) semibandas I (Isotrópica), formadas pelos filamentos finos de actina, tropomiosina e troponina – bandas claras; 1(uma) banda A (Anisotrópica), composta por filamentos finos e espessos de miosina – bandas escuras – e 1(uma) linha H, que compreende uma região clara no centro da banda A. O deslizamento da actina sobre a miosina caracteriza a contração muscular, https://www.shutterstock.com/pt/g/extender_01 6 ocasionando o encurtamento do sarcômero, conforme será abordado detalhadamente no tema 5. Figura 5 – Estrutura do sarcômero Créditos: Emre Terim / Shutterstock Além disso, é importante ressaltar que as fibras musculares, devido às suas especificidades, possuem denominações diferenciadas para alguns de seus componentes celulares. Por exemplo, as mitocôndrias são denominadas de sarcossomas; o retículo endoplasmático de retículo sarcoplasmático; o citoplasma passa a ser denominado de sarcoplasma; e a membrana plasmática de sarcolema. Repare que todos têm o prefixo sarco, uma referência ao sarcômero, característica exclusiva das fibras musculares. Quanto à matriz extracelular, é predominantemente formada por fibras reticulares e pela lâmina basal, mas pode haver a secreção de colágeno, elastina, proteoglicanas e fatores de crescimento, importantes na adesão entre as células, em especial no músculo liso. 7 De acordo com suas funções, localização e características peculiares, o tecido muscular pode ser classificado em três subtipos, conforme demonstra a Figura 6: • Estriado esquelético, relacionado aos movimentos de locomoção – junto com os ossos constitui o sistema esquelético; • Estriado cardíaco, forma o coração; • Liso, sustenta órgãos internos – vísceras. Figura 6 – Tipos de tecido muscular Créditos: Sakurra / Shutterstock As principais características de cada subtipo estão resumidas no quadro a seguir e serão detalhadas nos temas que seguem. 8 Quadro 1 – Resumo das principais características dos tipos de músculo CARACTERÍSTICAS MÚSCULO LISO MÚSCULO ESTRIADO ESQUELÉTICO MÚSCULO ESTRIADO CARDÍACO CONTRAÇÃO Involuntária Lenta e fraca Voluntária Rápida e forte Involuntária Moderada COMANDO Sistema nervoso autônomo Sistema nervoso central Sistema nervoso autônomo LOCALIZAÇÃO Vísceras (tubo digestório, vias respiratórias e geniturinárias, útero), cílios e pelos Músculos locomotores (membros), parede abdominal, face, pescoço Coração – Miocárdio e veias pulmonares (junção com o coração) FIBRAS Alongadas e afiladas; núcleo central e único Cilíndricas, longas – união de células (sincício); polinucleadas Bifurcadas e pequenas; um ou dois núcleos REGENERAÇÃO Boa capacidade Não possuem Não possuem CARACTERÍSTICAS EXCLUSIVAS Miofibrilas sem faixas transversais (liso) Podem aumentar de tamanho; estão ligadas aos ossos Discos intercalares = junções = células anastomosadas Fonte: elaborado pela autora TEMA 2 – MÚSCULO ESTRIADO ESQUELÉTICO Com ampla diversidade de formas e modos de ação, o músculo estriado esquelético contempla uma variedade de músculosque desempenham a importante função de sustentação e locomoção do organismo, estando localizado sobre os ossos (por isso denominado esquelético), compondo os membros, o abdômen, a face e o pescoço, além de formarem o globo ocular e a língua. É um músculo de contração voluntária e vigorosa, a fim de permitir o movimento de todo o esqueleto. Possui comando do sistema nervoso central, por isso sua movimentação é consciente. Tal contração possui controle de grandes nervos motores, os quais se conectam com a unidade motora com base nas junções neuromusculares – também denominadas de placa motora ou junção mioneural, conforme demonstra a Figura 7. 9 Figura 7 – Placa motora ou junção mioneural Créditos: Designua / Shutterstock As fibras musculares esqueléticas são fibras longas, com cerca de trinta centímetros, cilíndricas e polinucleadas, cujos núcleos se encontram na periferia celular, localizadas logo abaixo do sarcolema (Figura 8). Estas se agrupam em feixes, compondo os fascículos, os quais são circundados por tecido conjuntivo, fundamental na vascularização, inervação e união das fibras dos músculos. O epimísio, camada de tecido conjuntivo denso, rico em colágeno, reveste todo o músculo; já o perimísio, derivado do epimísio, envolve os fascículos, sendo constituído por tecido conjuntivo frouxo. Por fim, o endomísio ocupa os espaços entre as fibras musculares individuais, sendo formado por uma delicada camada de fibras reticulares e matriz extracelular, conforme pode ser observado na Figura 9. https://www.shutterstock.com/pt/g/designua 10 Figura 8 – Fibras musculares esqueléticas Créditos: Jose Luis Calvo / Shutterstock Figura 9 – Organização do músculo estriado esquelético Créditos: Teguh Mujiono / Shutterstock https://www.shutterstock.com/pt/g/Jose+Luis+Calvo 11 2.1 Estrutura das fibras musculares esqueléticas A fibra muscular esquelética é envolta por uma lâmina basal e também por células satélites, importantes na manutenção, reparo e regeneração do músculo esquelético no adulto (Figura 10). É importante destacar que as fibras esqueléticas adultas não se regeneram, mas quando esse tecido é lesionado, entram em ação as células satélites, as quais possuem capacidade de multiplicação, podendo se fundir com as fibras já existentes, promovendo a regeneração e possível aumento do músculo. No entanto, podem aumentar seu volume citoplasmático (hipertrofia), o que varia conforme alguns fatores, como nutrição, prática de atividades físicas, idade e sexo. Figura 10 – Células satélites e o desenvolvimento do músculo Créditos: Molecular Sensei / Shutterstock O sarcolema projeta longos túbulos transversais, os túbulos T, os quais se conectam com o retículo sarcoplasmático (com altas concentrações de cálcio). A conexão se dá pelo contato do túbulo T com as cisternas do retículo, constituindo a união de dois sacos laterais do retículo sarcoplasmático com um túbulo T central, formando um complexo denominado de tríade. Os túbulos T circundam cada miofibrila na junção entre as bandas A e I (descritas anteriormente) e, ao sofrer a despolarização, que se propaga pelo sarcolema e se distribui rapidamente por todo o sarcoplasma, os íons cálcio ativam o deslizamento entre os miofilamentos de actina e miosina, promovendo a contração muscular. O sarcômero é a unidade contrátil, e a repetição de sarcômeros no sarcoplasma constitui as miofibrilas e forma as estriações transversais características dos músculos estriados. Toda sua estrutura foi descrita no tema 1 e pode ser reforçada na Figura 11. 12 Figura 11 – Estrutura dos sarcômeros e contração muscular Créditos: VectorMine / Shutterstock Grande parte do citoplasma das fibras esqueléticas é ocupado por miofibrilas envoltas por mitocôndrias, uma vez que as fibras musculares são muito dependentes da respiração aeróbica – e sua alta produção de ATP – para a efetiva contração. 2.2 Tipos de fibras musculares esqueléticas A atividade muscular em diferentes partes do corpo e, também entre diferentes organismos, é muito variável. Enquanto alguns músculos se contraem 13 quase que constantemente, outros se movimentam de forma rápida e com curta duração. Assim, as fibras que compõem tais músculos necessitam de características diferenciadas, a fim de cumprir rigorosamente com suas funções. Dessa forma, podemos classificar as fibras esqueléticas em dois tipos principais: a. Lentas ou vermelhas: dependem diretamente do metabolismo aeróbico, sendo ricas em mitocôndrias. São adaptadas à atividade muscular prolongada, sendo resistentes à fadiga. Apresentam alta concentração de mioglobina, uma molécula similar à hemoglobina, responsável por armazenar e transportar o oxigênio; b. Rápidas ou brancas: fibras relativamente grandes dependem das vias anaeróbicas para sintetizar energia, em especial, a fermentação láctica. Apresentam poucas mitocôndrias e baixa concentração de mioglobina, por isso são mais claras e denominadas de brancas. No entanto, são ricas em glicogênio, matéria-prima para a fermentação. São encontradas em músculos cuja contração, apesar de esporádica, é brusca e intensa, como o bíceps e o tríceps. É importante ressaltar que, nos seres humanos, os músculos compreendem uma mistura dos dois tipos de fibras e as proporções de cada um deles estão relacionadas à determinação genética, apesar de os treinamentos físicos terem capacidade de alterar tais proporções. Já nas aves, pode-se observar a diferença na distribuição de fibras brancas e vermelhas de acordo com sua atividade: em aves migratórias, cujo voo é intenso, há predomínio de fibras vermelhas nos músculos peitorais e brancas nas patas, ao passo que nas aves domésticas, como a galinha, cuja atividade de voo é breve, os músculos peitorais são constituídos predominantemente por fibras brancas, e a coxa e sobrecoxa são formadas por fibras vermelhas, devido à atividade intensa desses membros. TEMA 3 – MÚSCULO ESTRIADO CARDÍACO O músculo estriado cardíaco, localizado no coração (miocárdio) e nas junções das veias pulmonares com este, possui comando do sistema nervoso autônomo e, por essa razão, apresenta contração involuntária e moderada. Recebe nervos do sistema parassimpático (nervo vago), os quais diminuem os 14 batimentos cardíacos e inervação do sistema simpático, que acelera os batimentos. Ainda, células do nodo sinoatrial (o marcapasso natural) despolarizam-se constantemente, gerando impulsos que se propagam por todo o órgão. Suas fibras, bem menores do que as do músculo estriado esquelético, são bifurcadas e podem conter entre um e dois núcleos, localizados na região central da célula, conforme demonstra a Figura 12. Em seu citoplasma, também estão bem evidenciadas as estriações transversais, em decorrência do posicionamento dos sarcômeros – por isso, também denominado estriado. As proteínas contráteis e suas funções são muito similares às do músculo estriado esquelético, diferindo-se principalmente pela posição dos túbulos T. Além disso, nas fibras cardíacas, o retículo sarcoplasmático apresenta-se menos desenvolvido do que no esquelético e distribui-se de forma irregular. Nesse tipo de músculo, os túbulos T estão associados a somente uma cisterna do retículo sarcoplasmático, constituindo, assim, as díades (e não tríades, como no músculo esquelético). Figura 12 – Miocárdio e as fibras musculares cardíacas Créditos: Kateryna Kon / Shutterstock 15 Cerca de 40% do volume citoplasmático é ocupado por mitocôndrias, demonstrando a dependência do metabolismo aeróbico e a ininterrupta necessidade de ATP. Como reserva energética, armazenam glicogênio e gotículas de lipídios. Além disso, contam com um grande suprimento de mioglobina, uma vez que são grandes consumidoras de oxigênio. Outracaracterística importante é que, por serem células permanentes e de longa duração (ou seja, não se regeneram), armazenam grânulos de lipofucsina, pigmento característico desses grupos celulares. Uma característica exclusiva do músculo cardíaco é a presença dos discos intercalares, estruturas complexas, constituídas por complexos juncionais (interdigitações, desmossomos e junções de adesão), os quais impedem que as fibras se separem durante os batimentos cardíacos e por junções comunicantes, que permitem a passagem de íons entre as fibras, favorecendo a propagação rápida da despolarização e a sincronia da contração. De acordo com Junqueira e Carneiro (2018), “Essas junções podem ser vistas ao microscópio óptico como traços transversais que aparecem em intervalos irregulares ao longo da célula”, e pode ser vista no detalhe da Figura 13. Figura 13 – Discos intercalares entre as fibras musculares cardíacas Fonte: Andrighetti, S.d. Por fim, no citoplasma das fibras cardíacas, há grânulos de secreção que armazenam a molécula precursora do hormônio peptídeo natriurético atrial (ANP, atrial natriuretic peptide), substância que atua sobre os túbulos renais, diminuindo a capacidade de reabsorção de água e sais minerais, promovendo a 16 diurese. Tal ação é antagônica à da aldosterona (secretada pelas suprarrenais), que atua aumentando a pressão arterial, enquanto o ANP a diminui. TEMA 4 – MÚSCULO LISO É assim denominado pelo arranjo de suas proteínas contráteis, que, diferentemente dos músculos estriados, não se dispõem em forma de estriações transversais, mas sim de forma irregular ao longo de todo citoplasma, com os filamentos de actina e miosina se entrecruzando em diversas direções, constituindo uma estrutura tridimensional, conforme demonstra a Figura 14. Figura 14 – Disposição das proteínas contráteis na fibra muscular lisa Créditos: Designua / Shutterstock Possui contração involuntária, pois, assim como o músculo cardíaco, é comandado pelo sistema nervoso autônomo, porém é contínua, lenta e fraca, promovendo a contração de toda a massa muscular, ao invés de unidades motoras individuais. A ação hormonal, por exemplo, da adrenalina, também pode interferir na contração do músculo liso, provocando seu relaxamento. Conforme demonstra a Figura 15, suas fibras são fusiformes, ou seja, são delgadas, alongadas e afiladas nas extremidades. Além disso, possuem núcleo único e central, e a quantidade de fibras varia de um órgão para outro, de acordo com as atividades funcionais de cada um. Os arranjos de fibras, denominados fascículos, são sustentados por tecido conjuntivo frouxo. As fibras se conectam entre si por junções comunicantes, as quais permitem a sincronização da contração desse tipo muscular. 17 Figura 15 – Fibras musculares lisas vistas sob microscópio óptico Créditos: Jose Luis Calvo / Shutterstock A estrutura interna citoplasmática é pobre em mitocôndrias, o retículo sarcoplasmático é reduzido (nesse caso, o cálcio, fundamental para a contração, não fica retido no retículo, mas sim é armazenado em vesículas no sarcoplasma); a reserva de glicogênio é baixa e não possui o sistema de túbulos T. O músculo liso é o único tipo muscular que apresenta ampla capacidade de regeneração ao longo de toda a vida do organismo. Assim, após sofrer lesões, suas fibras mantêm a capacidade de realizar contínuas mitoses (hiperplasia), permitindo o reparo do tecido lesionado. Esse tecido, que é encontrado compondo os órgãos internos (também sendo denominado de músculo visceral), tais como as estruturas dos tratos respiratório, digestório, genital e urinário, além dos vasos sanguíneos e músculo eretor dos pelos, é responsável pelos movimentos peristálticos, que promovem as contrações em ondas, de forma a propagar o conteúdo desses órgãos, como ocorre no sistema gastrointestinal. https://www.shutterstock.com/pt/g/Jose+Luis+Calvo 18 TEMA 5 – CONTRAÇÃO MUSCULAR A principal característica da contração muscular é o deslizamento dos filamentos de actina sobre os de miosina, provocando o encurtamento dos sarcômeros e, portanto, de todo o músculo. De acordo com Kierszenbaum (2004), o músculo encurta cerca de um terço de seu comprimento original. Para que a contração ocorra, há necessidade de alguns fatores, tais como íons cálcio e ATP. Apesar dos três tipos musculares apresentarem características semelhantes em suas fibras, como a estrutura das proteínas contráteis, os mecanismos de contração muscular em cada um podem sofrer algumas diferenciações, conforme será abordado a seguir. 5.1 Contração do músculo estriado esquelético A contração muscular no músculo esquelético tem início com um estímulo oriundo do sistema nervoso central (SNC). Esse estímulo chega até o músculo a partir dos nervos motores, os quais podem promover a inervação de uma ou até centenas de fibras musculares. O local de contato entre as fibras musculares e as terminações nervosas é denominado junção neuromotora, placa motora ou ainda, junção mioneural e está presente somente nos músculos esqueléticos. Nesse local, ocorre o sinal para despolarização do sarcolema, e, consequentemente, para iniciar a contração (Figura 16). Um importante neurotransmissor relacionado à despolarização é a acetilcolina, que, após ser liberada pelo axônio, se difunde pela membrana plasmática e se liga aos seus receptores presentes no sarcolema. As invaginações do sarcolema formam o complexo de túbulos T, que conduzem o estímulo nervoso até o retículo sarcoplasmático. 19 Figura 16 – Contração muscular do músculo estriado esquelético Créditos: VectorMine / Shutterstock Ao receber o estímulo, ocorre a abertura dos canais de íons cálcio, localizados no interior do retículo sarcoplasmático, liberando automaticamente uma grande quantidade desses íons no sarcoplasma. O cálcio liga-se à subunidade TnC da troponina, levando à mudança da conformação da proteína, o que deixa os sítios ativos da actina livres, permitindo a união da actina com a miosina. Nesse momento, a cabeça da miosina realiza a hidrólise do ATP (com atuação da enzima ATPase), liberando a energia necessária para a contração. Essa energia produz uma mudança na posição da cabeça da miosina, a qual é empurrada para o lado, permitindo a tração dos filamentos finos, que deslizam 20 sobre os filamentos grossos (Figuras 17 e 18). Uma característica microscópica da contração é a sobreposição completa das bandas A e I. Figura 17 – Mecanismo de contração muscular Créditos: Blamb / Shutterstock 21 Figura 18 – Detalhe da conexão entre os filamentos finos e grossos do sarcômero Créditos: Blamb / Shutterstock É de relevância destacar que, durante a contração, ambos os tipos de filamentos conservam seus comprimentos originais, ou seja, sua extensão não sofre alteração durante a contração. Os sarcômeros diminuem seu tamanho devido ao deslizamento dos filamentos finos e grossos uns sobre os outros. Para que a contração de um grupo muscular ocorra, milhões de actinas deslizam sobre milhões de miosinas (Figura 19). https://www.shutterstock.com/pt/g/blamb 22 Figura 19 – Filamentos finos e grossos Créditos: Sciencepics / Shutterstock Conforme o SNC para de mandar o estímulo, a despolarização da membrana termina, o cálcio é bombeado para as cisternas do retículo sarcoplasmático, as actinas voltam à posição inicial, com seus sítios ocupados pela subunidade TnI da troponina (as quais impedem a conexão entre actina e miosina) e a contração muscular é interrompida, ocorrendo o relaxamento do músculo. 5.1.1 Energia para a contração do músculo estriado esquelético Para que as fibras esqueléticas entrem em ação de forma abrupta, necessitam de processos que forneçam energia diretapara a contração muscular. O primeiro passo para a contração imediata é a reserva de ATP presente nas fibras esqueléticas, no entanto essa reserva só consegue disponibilizar energia para até 2 segundos de intensa atividade. Sendo contínua, aciona-se a reserva de fosfocreatina, uma molécula altamente energética, sintetizada com base na creatina. Tais reservas atuam no suprimento imediato de energia e, por estarem disponíveis em nível celular, não dependem da respiração. Em atividades que dependem de rapidez e agilidade, como em uma prova de corrida de 100 metros rasos, reservas de ATP e fosfocreatina constituem as principais fontes energéticas para o funcionamento do músculo. https://www.shutterstock.com/pt/g/sciencepics 23 Caso a atividade muscular seja continuada, as fibras musculares passam a utilizar o glicogênio, armazenado no sarcoplasma. Essa molécula é transformada em glicose, a ser utilizada inicialmente sob forma anaeróbica, na fermentação, devido ao baixo suporte de oxigênio inicial. Na medida em que aumenta a concentração e o fornecimento de oxigênio às fibras, tem início a síntese de ATP pela respiração aeróbica. Caso os exercícios sejam intensos e contínuos, pode haver a depleção de oxigênio, tornando insuficiente a atividade aeróbica, obrigando a célula a produzir energia pela fermentação láctica, o que pode gerar lactato, que extravasa para o líquido extracelular, provocando as câimbras e a fadiga muscular. Além disso, atividades intensas, como as maratonas, levam ao consumo de lipídios, degradados pela ação da adrenalina (liberada pelas atividades físicas) sobre o tecido adiposo, gerando ácidos graxos livres, que serão transportados via sangue até as fibras musculares, gerando ATP. Vale observar que a prática de exercícios complexos e extenuantes estimula o consumo contínuo dos lipídios armazenados nos adipócitos, sendo um importante fator para o emagrecimento. 5.2 Contração do músculo estriado cardíaco As proteínas contráteis e sua organização nos sarcômeros das fibras cardíacas é idêntica à encontrada no músculo esquelético. No entanto, algumas diferenças podem ser identificadas: • Os túbulos T são muito maiores do que os presentes nas fibras esqueléticas, sendo encontrados ao nível da linha Z; • Os sarcômeros estão organizados em uma rede ramificada e contínua, espalhados por todo o citoplasma, não formando miofibrilas cilíndricas, como ocorre no músculo esquelético; • As mitocôndrias encontram-se em maior quantidade do que nas fibras esqueléticas, demonstrando a atividade metabólica intensa e contínua da fibra cardíaca; • Os sistemas de túbulos T formam as díades, nas quais um túbulo T interage somente com uma cisterna do retículo sarcoplasmático, diferentemente do músculo esquelético, no qual são formadas as tríades 24 (complexo de túbulo T + duas cisternas do retículo, conforme já discutido anteriormente); • O sarcolema das fibras cardíacas é dotado de proteínas transportadoras específicas, as quais controlam a liberação e a captura de íons importantes para as funções de sístole (contração) e diástole (relaxamento); • Os batimentos cardíacos, bem como os estímulos para a contração, são provenientes do próprio músculo, ou seja, miogênicos. O nó sinoatrial, marca-passo natural, gera o estímulo que irá induzir a contração das fibras; • As fibras de Purkinje, especializadas nos sistemas de condução do coração, são fibras muito ramificadas, ricas em glicogênio, que penetram nas paredes dos ventrículos, distribuindo rapidamente o impulso que determinará a contração dessas cavidades cardíacas; • Por fim, como possui comando do sistema nervoso autônomo, alguns mecanismos reguladores da contração do músculo cardíaco são dependentes de mediadores químicos, como a acetilcolina (moderador dos batimentos) e a adrenalina (acelerador dos batimentos), de acordo com as necessidades do indivíduo. 5.3 Contração do músculo liso As proteínas contráteis, no músculo liso, se dispõem na forma de feixes, não estando organizadas longitudinalmente como ocorre no músculo estriado (conforme já demonstrado na Figura 14). Tais feixes inserem-se em corpos densos citoplasmáticos (ancoramento) e também presentes na membrana plasmática. Assim, tanto o arranjo dos miofilamentos quanto o mecanismo de contração diferem dos músculos estriados. Em primeiro lugar, não há a organização em sarcômeros, uma vez que os filamentos proteicos estão dispersos por todo o citoplasma e inseridos no sarcolema. Dessa forma, a contração gera o encurtamento da fibra por completo, assumindo forma globular. Portanto, pelo fato de a actina e a miosina estarem ligadas aos corpos densos, quando deslizam uma sobre a outra, encurtam toda a fibra. Além disso, nas fibras lisas não há a troponina, fazendo com que a tropomiosina se associe à actina, estabilizando-a. 25 Os íons cálcio derivam de fora da célula (e não do retículo sarcoplasmático, como ocorre no músculo estriado), que, ao ocorrer o estímulo da fibra, são liberados diretamente no sarcoplasma, ligando-se a uma proteína especial, a calmodulina, ativando uma enzima específica, que permite a ligação da miosina com a actina. Quando os níveis de cálcio decaem, o músculo relaxa. O estímulo para a contração pode ser definido por excitação nervosa ou mediada por hormônios; por exemplo, o hormônio ocitocina, aplicado via intravenosa, pode estimular a contração do músculo do útero durante o parto. Como os receptores nas fibras musculares lisas são diferentes de acordo com as diferentes localizações que ocupam, podem responder a uma ampla variedade de hormônios diferentes. Conforme afirmam Young et al. (2007), “comparado com o músculo esquelético, o músculo liso é capaz de manter uma lenta força de contração devido a uma utilização muito baixa de ATP”. NA PRÁTICA • A distrofia muscular de Duchenne é uma doença genética que compromete seriamente a atividade dos músculos. Pesquise suas principais características, sintomas e possíveis tratamentos; • Você já ouviu falar no rigor mortis, definido pela rigidez muscular após a morte? Pesquise quais fatores celulares e metabólicos estão relacionados a essa situação; • Nas academias, é muito comum se ouvir falar sobre o uso dos anabolizantes para aumentar a massa muscular. Pesquise como tais substâncias atuam sobre as fibras musculares e quais os prejuízos que podem causar à saúde; • Pesquise como ocorre o infarto do miocárdio e quais os problemas correlatos a essa doença. Saiba mais A fim de compreender um pouco mais sobre a contração muscular, acesse o link a seguir e assista ao vídeo sobre o tema: CONTRAÇÃO muscular mecanismo molecular. João Guilherme, 23 jul. 2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=j-5959hSHCc>. Acesso em: 3 set. 2019. 26 FINALIZANDO Nesta aula, abordamos as principais características do tecido muscular, bem como suas funções e especificidades. Destacamos a estrutura dos sarcômeros e de suas proteínas constituintes e ressaltamos as diferenças entre os subtipos de tecido muscular, caracterizando-os. Por fim, foi explicado com detalhes o mecanismo de contração muscular. O resumo desta aula pode ser conferido no diagrama a seguir: Figura 20 – Mecanismo de contração muscular Fonte: elaborado pela autora. REFERÊNCIAS ABRAHAMSOHN, P. Histologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. ANDRIGHETTI, M. S. Tecido muscular. Slideplayer, S.d. Disponível em: <https://slideplayer.com.br/slide/334318/>. Acesso em: 3 set. 2019. GARTNER, L. P. Atlas colorido de histologia. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018. GLEREAN, A.; SIMÕES, M. I. Fundamentos de histologia para estudantes da área da saúde. São Paulo: Santos, 2013. JUNQUEIRA, L. C. U.; CARNEIRO, J. Histologia básica. 13. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018.KIERSZEMBAUM, A. L. Histologia e biologia celular: uma introdução à Patologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. TECIDO MUSCULAR CARACTERÍSTICAS FUNÇÕES COMPONENTES TIPOS: ESQUELÉTICO, CARDÍACO E LISO SARCÔMERO E CONTRAÇÃO MUSCULAR 27 LOPES, S.; ROSSO, S. 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