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MÓDULO 1 EDUCAÇÃO POLÍTICA PARA CIDADANIA Política, uma questão nossa de todo dia EMANUEL FREITAS SILVA CLÊNIA TRINDADE LUCENA CAVALCANTE Copyright @ 2023 by Fundação Demócrito Rocha FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR) Presidente Luciana Dummar Diretor Administrativo-Financeiro André Avelino de Azevedo Gerente-Geral Marcos Tardin Gerente Editorial Lia Leite Gerente de Marketing e Design Andréa Araújo Gerente de Audiovisual Chico Marinho Gerente de Projetos Raymundo Netto Analistas de Projetos Aurelino Freitas e Fabrícia Góis Analista de Contas Narcez Bessa UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (UANE) Gerente Educacional Prof. Dr. Deglaucy Jorge Teixeira Coordenadora Pedagógica Profa. Ms. Jôsy Braga Cavalcante Coordenadora de Cursos Esp. Marisa Ferreira Secretária Escolar Márcia Doudement Desenvolvedora Front-End Isabela Marques Estagiários(as) em Mídias e Tecnologias para Educação Ágata Ribeiro e Alisson Aragão Estagiários(as) em Letras Bianka Silva, Lucas Gomes Gonçalves e Wesley Militão Fernandes Mendes Este fascículo digital é parte integrante do projeto Político Eu?!: Programa de Educação Cidadã, em atendimento ao Termo de Fomento Nº 01/2023, celebrado entre a Câmara Municipal de Fortaleza e a Fundação Demócrito Rocha. Todos os direitos desta edição reservados à: Fundação Demócrito Rocha Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora Cep 60.055-402 - Fortaleza-Ceará Tel.: (85) 3255.6006 - 3255.6276 fdr.org.br fundacao@fdr.org.br POLÍTICO, EU!?! – PROGRAMA DE EDUCAÇÃO POLÍTICO-CIDADÃ Concepção e Coordenadora Geral Valéria Xavier Coordenadora de Conteúdo Monalisa Soares Coordenadora Editorial Lia Leite Revisor Daniel Oiticica Projeto Gráfico e Editora de Design Andrea Araujo Designer Gráfico Mariana Araujo e Welton Travassos Ilustrador Carlus Campos Analista de Projetos Daniele de Andrade Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD P769 Político, Eu!?! - Programa de Educação Político-Cidadã [recurso eletrônico] / organizado por Monalisa Soares ; ilustrado por Carlus Campos. - Fortaleza : Fundação Demócrito Rocha, 2023. 96 p. ; PDF ; 7.500 KB. – (6v.) ISBN: 978-65-5383-069-1 (MÓDULO 1 – Política, Democracia e Cidadania) ISBN: 978-65-5383-070-7 (MÓDULO 2 – Estado brasileiro: estrutura e funcionamento) ISBN: 978-65-5383-071-4 (MÓDULO 3 – Poder Legislativo: conhecendo a Câmara Municipal) ISBN: 978-65-5383-072-1 (MÓDULO 4 – Cidadania participativa: a participação política na socie- dade democrática) ISBN: 978-65-5383-073-8 (MÓDULO 5 – Educação política e cidadania: práticas pedagógicas no ensino fundamental e médio) ISBN: 978-65-5383-074-5 (MÓDULO 6 – O papel da escola para a aprendizagem dos/as jovens sobre participação política e cidadania) 1. Educação. 2. Política. 3. Cidadania. 4. Democracia. 5. Práticas pedagógicas. I. Soares, Mon- alisa. II. Campos, Carlus. III. Título. CDD 370 2023-2500 CDU 37 2 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste SUMÁRIO 1. Apresentação ...................................................................... 4 2. A vida cotidiana e a política do dia a dia ................................. 6 3. Em busca de uma definição de política ................................... 9 Referências ....................................................................... 14 EDUCAÇÃO POLÍTICA PARA CIDADANIA 3 1 APRESENTAÇÃO EXERCÍCIO DE REFLEXÃO EXPRESSÃO O QUE SIGNIFICA EM QUE SITUAÇÕES PODE SER UTILIZADA EXPRESSÃO QUE PODE SUBSTITUÍ-LA “isso é uma indicação política” “não é uma indicação técnica, mas política” “politicamente correto” “politização do Judiciário” Nossa comunicação, na vida cotidiana, por vezes se vale do uso de palavras que, fugindo de uma definição ideal, tornam incompreensíveis seus sentidos mais au- tênticos. Com isso, as palavras passam a significar diversas coisas ao mesmo tem- po, muitas delas, inclusive, contraditórias. Se fizéssemos uma rápida enquete para saber o que aqueles(as) que estão perto de nós entendem por política que respos- tas obteríamos? Com toda certeza, muitas! Diversas e, possivelmente, contraditórias! Política, para alguns, poderia apare- cer com o sentido de “aquilo que um(a) político(a) faz”, restringindo a Política Você já deve ter feito a si mesmo(a) a pergunta que nomeia este Pro- jeto: “Político, eu?”, “Política, eu?”; provavelmente, ela se seguiu às respostas do tipo “deus me livre!”, “sai dessa!”, “tô fora!”, “jamais”. Ou, quem sabe, embora não tenha feito a si tal questão, já deve ter escutado tais respostas de outras pessoas. Esses tipos de resposta, muitas vezes, evocam um sentido pejorativo do termo “política” que se constrói à medida em que a Política, com P maiúsculo, tem sua ima- gem corroída por práticas que a mobilizam para justificar os mais diversos interesses e finalidades. Cotidianamente, ouvimos di- versas expressões que são utilizadas para, de um modo ou outro, definir ou dar senti- do ao termo “política”, como as seguintes: “isso é uma decisão política” “não é indicação técnica, mas política” “politicamente incorreto” “politização do Judiciário” Antes de prosseguirmos, gostaria de convidar você a relembrar situações em que tais expressões são utilizadas. Você verá que elas estão mais presentes em nosso dia a dia do que poderíamos imagi- nar. Agora, com isso em mente, complete o exercício a seguir: àqueles(as) que exercem mandatos eleti- vos no Estado; para outros, política também poderia ser um qualificativo usado para en- tender uma nomeação para um cargo em que não tivesse sido observado o critério da competência. Se falarmos de Democracia, ela seria, talvez, definida como a mera esco- lha de uma maioria ou uma escolha produ- zida após escutar várias pessoas; Cidadania, por sua vez, constaria como alguma coisa que diz respeito aos cidadãos, termo tam- bém confuso e impreciso nos usos cotidia- nos que dele se fazem. Os diferentes termos relacionados à política são, muitas vezes, usados com significados diversos. 4 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste Um exemplo para refletirUm exemplo para refletir Vamos pensar, por exemplo, sobre o significado do termo “populismo”. Sempre que um governante adota medidas populares, como a redução de im- postos com o intuito de baixar preços de mercadorias, ou sempre que se anun- ciam políticas públicas de auxílio aos que mais necessitam, os(as) políticos(as) são taxados(as), sobretudo pela imprensa especializada (mas também, por intelectu- ais, economistas e adversários políticos), de “populistas”. Ou seja, não se consideram os conteúdos das decisões, suas motivações, ou mesmo suas repercussões. E, assim, a expressão vai sendo mobilizada para nome- ar práticas e decisões diversas, abarcando uma vastidão que, consequentemente, esvazia seu significado. Partindo desses exemplos, nós, os auto- res deste fascículo, e você temos a seguin- te tarefa: compreender o que significam os termos “política, democracia e cidadania”, identificando os modos como eles se re- lacionam entre si e como moldam a vida em sociedade, dando forma ao nosso coti- diano. Um desafio que enfrentamos nessa jornada é o fato de a política ser apresenta- da e identificada com ações e práticas que despertam sentimentos de desconfiança, desinteresse, descrença. Assim, para al- cançarmos sucesso em nosso percurso de aprendizagem, precisamos conhecer me- lhor esse tema, tanto em suas definições teóricas quanto em suas práticas, de modo que possamos assumir nossa condição de sujeitos políticos (no sentido pleno da pa- lavra), cidadãos e democratas. Neste fascículo, refletiremos sobre os sentidos do termo política, seus usos coti- dianos e o significado mais preciso possível em que podemos empregá-lo; por associa- ção, compreenderemos também sobre democracia e cidadania. Esperamos, ao final dessa jornada compreensiva da polí- tica, levar você à resposta que se espera à pergunta que nomeia o Projeto. Que você possa dizer “sim,sou político!”, “sim, sou política!”, e possa compartilhar esta res- posta em tom propositivo e compreensivo a outros(as), sobretudo aos jovens, com o intuito de que também possam responder positivamente à questão. Por isso, convida- mos você a participar ativamente do curso, convidar outras pessoas e compartilhar a iniciativa. Vamos juntos(as)? EDUCAÇÃO POLÍTICA PARA CIDADANIA 5 T odos os dias, ao levantarmos, encontramos uma rotina a ser cumprida, dentro ou fora de casa. Ir à escola num horá- rio predeterminado, realizar atividades próprias a este espaço social; ir ao tra- 2 A VIDA COTIDIANA E A POLÍTICA NO DIA-A-DIA balho sem chegar atrasado e lá realizar as tarefas que nos cabem; comparecer a uma entrevista de emprego; ir ao mé- dico para uma consulta agendada, den- tre outras coisas que podemos fazer em nossa vida cotidiana. VIDA COTIDIANA Vamos de dica de leitura?Vamos de dica de leitura? A vida cotidiana pode ser compreendida como o espaço temporal em que se desenrola a vida de todos nós, homens e mulheres. É nela, na vida cotidiana, que existimos, que nossa biografia e nossas possibilidades se constroem. Não é possí- vel existir sem experienciar a vida cotidiana. Uma boa reflexão sobre a ideia de co- tidiano e como ele se estrutura pode ser encontrada na obra da socióloga húngara Agnes Heller (1929-1919). A autora possui dois livros sobre o tema: “Sociologia da Vida Cotidiana” e “O Cotidiano e a História”. No primeiro livro, de caráter mais teóri- co, ela nos apresenta uma caracterização dos elementos que organizam nossa exis- tência enquanto um “cotidiano”. Já no segundo livro, encontramos as discussões delineadas na primeira obra, apresentadas numa forma mais didática, esmiuçando e tornando menos complexo para nosso entendimento. Te convidamos a conhecer as ideias de Heller, iniciando por este último livro, para que, articulando a leitura com suas vivências, você possa exercitar a empreitada de analisar a vida cotidiana. Que tal? 6 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste Consideremos os três exemplos dados acima: ir à escola, ir ao trabalho e ir a uma consulta médica. Fatos do cotidiano de muitos(as) brasileiros(as). Exatamente por isso, tidos como “banais”, no sentido de “cor- riqueiros”. Nada excepcional, ou seja, nada fora do cotidiano. Elas revelam ações que re- alizamos além de nossas casas, correto? necessários para a vida em sociedade? A resposta é: essa mesma sociedade, através de diversos mecanismos. Pensemos, de maneira geral não fomos consultados(as) sobre o que queríamos aprender na escola, nem mesmo se quería- mos ir a uma escola A definição do conjunto de saberes a serem apreendidos nas esco- las é realizada por meio de representantes do povo que votam projetos de lei como a chamada Lei de Diretrizes e Bases da Edu- cação (LDB) e seus ajustes, tornando disci- plinas obrigatórias aquelas que foram apro- vadas como tais. Uma definição política, portanto. E quanto aos anos que devemos passar na chamada escola básica, é decisão diretamente feita por cada um(a) de nós? Também não! Tudo é matéria de “projeto de lei”, que envolve um amplo processo que Mas, se pararmos para pensar detalha- damente o que significa cada uma delas, quais são seus elementos constituintes, será que encontraremos algum elemento da política nelas? Antes de prosseguirmos com essa reflexão, que tal você mesmo preencher o quadro abaixo? Vamos lá? Análise de Situações Complete a tabela escrevendo na coluna 2, os elementos políticos presentes na situ- ação da coluna 1: ANALISE A SITUAÇÃO ESCREVA OS ELEMENTOS POLÍTICOS PRESENTES NA SITUAÇÃO 1. Ir à escola 2. Ir ao Trabalho 3. Ir a uma entrevista de emprego Agora que você já completou o qua- dro com suas respostas, vamos pensar juntos(as) acerca de cada uma das situa- ções. A começar, o que significa ir à escola? Ora, todos(as) nós passamos, um dia, por essa atividade cotidiana, enquanto éramos estudantes. Você que nos lê, inclusive, pode ainda o ser, ou pode trabalhar em uma es- cola, sendo esse o seu cotidiano atual. Es- tamos tratando, contudo, da ação realizada por crianças, adolescentes e jovens de irem cotidianamente a um estabelecimento de ensino apreender conhecimentos tidos como necessários para sua vida em socie- dade. Sendo a escola uma instituição so- cial, que reúne duas gerações distintas com o intuito de socializar conhecimentos, cabe uma pergunta: quem define esse conjunto de saberes e conhecimentos tidos como EDUCAÇÃO POLÍTICA PARA CIDADANIA 7 se inicia com uma proposição e passa por diversos debates, seja em espaços políticos propriamente ditos (como os Parlamentos – Câmaras Municipais, no caso das cida- des, Assembleias Legislativas, no caso dos estados ou Congresso Nacional), seja em espaço técnicos, como grupos criados por secretarias de educação. Logo, educação é política! Fruto de decisões políticas, no me- lhor sentido do termo, certo? Mas, sair de casa para trabalhar, o que isso tem a ver com política? Ora, podemos aqui pensar em alguns termos que relacio- nam mundo do trabalho e política. Vejamos: trabalhar de carteira assinada ou por con- trato envolve relações trabalhistas regidas por leis (há, inclusive, um ramo do direito intitulado “direito do trabalho” e mesmo um “Tribunal Superior do Trabalho”, incluindo a ideia de um “salário mínimo”, uma jornada de trabalho que não pode ser excedida, di- reitos de contratação e de demissão dentre tantas outras coisas que, da política, regem seu trabalho). Isso sem falar naqueles(as) que, estando desempregados(as), necessi- tam de políticas públicas, as mais diversas, para reduzir os prejuízos pela falta de ocu- pação, como o seguro desemprego. Assim, trabalho inclui política! Agora você deve estar pensando: “tudo bem, ir à escola e trabalhar envolvem uma série de decisões políticas que, tomadas por outras pessoas, permitiram que eu encontrasse um Sistema Escolar e uma Justiça do Trabalho aptas a conduzirem re- lações escolares e de trabalho. Ok! Mas, o que ir ao médico tem a ver com política? Aí já é demais, não é?” Não, não é! Ir ao médico, mesmo que para uma consulta na rede privada, envol- ve ser atendido por um profissional que estudou, realizou estágios, possui um re- gistro em um Conselho Regional, tudo isso regulamentado pela... decisão política! Isso sem falar que, em caso de um atendi- mento na rede pública, estaríamos a falar de um Ministério da Saúde, de um Sistema Único de Saúde, de redes de assistência básica, de unidade de pronto atendimento etc. Ou seja, olhando para a saúde vemos muita... política! Poderíamos continuar nossa reflexão falando de segurança pública e violência, de preços de combustíveis e do transporte público, qualidade e preço dos alimentos, da situação de ruas e avenidas, de sanea- mento básico, relações entre os gêneros e de tantas outras coisas que, embora não pareçam à primeira vista, são permeadas por decisões políticas. Nosso percurso até aqui destaca, portanto, o lugar da Política, em nossa vida cotidiana. 8 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste Estamos agora em condições de propormos a você um passo a mais em nossa caminhada, um passo não tão fácil assim de reali- zar. Queremos encontrar uma definição, a mais precisa possível, do que vem a ser po- lítica. Será que conseguiremos? De partida, convém dizer que a Política é um objeto de estudo polissêmico, variá- vel, presente em diversas disciplinas aca- dêmicas – Filosofia, História das Ideias, Sociologia, Direito, Ciência Política e mais. Vários saberes dedicam-se à tarefa que também nos pomos aqui: a de tentar encontrar uma definição o mais precisa e objetiva de “política”. Assim sendo, é preciso dizer sempre em que sentido o termo está sendo emprega- do, ou seja: quando falamos de “política” do que estamos falando? Logo, quando nos pomos a estudar a política estamos es- tudando o quê? Para qualquer cidadão(ã)comum o ter- mo “política” parece familiar, faz parte de sua linguagem cotidiana, pois o emprega para descrever a conduta de vários sujei- tos, sobretudo daqueles(as) que têm na política sua principal atividade. Na Universidade, e também na escola, aprendemos que um dos primeiros movi- mentos a serem feitos quando se estuda algo é buscar compreender sua etimologia, ou seja, as origens dos termos em questão. Para fazer isso com o termo “política”, fo- mos em busca de uma importante obra, organizada pelo cientista político italiano Norberto Bobbio (1909-2004), intitulada Dicionário de Política (2004). Precisamen- te no verbete “política”, vemos as seguin- tes considerações, que transcrevemos de modo livre: O termo “política” provém dos vocábu- los gregos: 1- ê polis: a Cidade, a região, a reu- nião dos cidadãos que formam a cidade (portanto, em sua origem, diz respeito à citè, à sua gestão, seus cuidados; 2- ê politeia: o Es- tado, a Constituição, o regime político, a República, a cidadania; 3- ta politica: plural de políticos, as coisas políticas, tudo o que diz respeito ao Estado, ao regime político; 4- ê politikè (techné): a arte política (atividade); 5- politica pragmateia: estudo da vida dos homens em comum. Como vemos, política significa, ao mes- mo tempo, cidade, gestão, Estado, consti- tuição, cidadania, políticos, arte, técnica, vida em comum. Certamente, você conhe- cia alguns desses sentidos, não é mesmo? Se não, eles apresentam alguma dificulda- de de compreensão para você? Caso sim, você pode consultar diretamente a obra que citamos, tudo bem? 3 EM BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO DE POLÍTICA EDUCAÇÃO POLÍTICA PARA CIDADANIA 9 QUADRO 2 POLÍTICA Opa, vamos a outras dicas?Opa, vamos a outras dicas? Então, sei que você deve estar ansioso(a) para nossas “dicas de leitura”, comuns em um curso como este, não é mesmo? Quando se trata de um tema tão complexo como o nosso, temos tantas opções que fica até difícil escolher quais sugerir. Mas vamos lá: se você prefere uma discussão mais “clássica”, ou seja, uma obra que seja considerada como referência e tenha, ao mesmo tempo, o peso da “autoridade” reconhecida do autor, você poderia partir da obra “A Política”, escrita por Aristóteles (384 aC-322). Nela você encontrará definições do que seja a política em termos de exercício de poder. Ou- tra obra tida como “clássica”, e na qual você já deve ter pensado, é “O príncipe” de Maquiavel (1469-1527), na qual o italiano, ao escrever diversos conselhos ao soberano, nos vai mostrando o que é a política em suas dimensões internas, dando ênfase aos elementos que compõem uma decisão política. Filmes e séries também são excelentes meios através dos quais podemos compreender o que seja a Política. Você pode sentar e ver, por exemplo, a série “The family” (Netflix) ou mesmo “O Conto da Aia” (Globo Play). Que tal? Vamos, então, prosseguir em nossa busca. Para isso, faremos aqui referência a outra importante obra, O que é política? (1993), da filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975). Você pode pesquisar um pou- co sobre a vida dela, uma mulher judia que esteve presente em diversas discussões im- portantes do seu tempo (sobretudo aquelas que diziam respeito ao avanço dos totalita- rismos – nazismo, fascismo e stalinismo) e cuja obra filosófica abrange uma infinidade de temas que, por isso mesmo, falam direta- mente às questões que enfrentamos. No livro O que é política? há um capí- tulo que guarda muita relação com o nosso tema (como, aliás, grande parte da obra de Arendt), em que a autora discute se, diante de um mundo destruído por guerras entre nações e a liberdade ceifada por regimes totalitários, poderia haver ainda algum sentido para a política, compreendendo esta como a relação primordial entre os indivíduos na vida em sociedade. Para res- ponder a essa questão, a autora começa por nos admoestar o seguinte: Em nosso tempo, ao se preten- der falar sobre política, é preciso começar por avaliar os precon- ceitos que todos temos contra a política – visto não sermos políti- cos profissionais [...] os preconcei- tos contra a política, a concepção de a política ser, em seu âmago interior, uma teia feita de velhaca- ria, de interesses mesquinhos e de ideologia mais mesquinha ainda. (ARENDT, 2002, p. 08). Como lembra o que se passa em nosso tempo, não é? O que a autora está nos di- zendo, com uma atualidade precisa, é que um dos primeiros movimentos a ser rea- lizado por aqueles(as) que, como nós, se aventuram na compreensão daquilo que seja a política é tomar ciência dos diversos preconceitos, das imagens prévias, visões estereotipadas que circulam sobre ela. Es- sas imagens, mesmo que sejam construídas mentalmente e que circulem pela socieda- de com bastante força por estarem apoiadas 10 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste nas ações dos governos, na classe política, adquirem força de verdade, formando-se uma tradição, um modo de pensar a polí- tica que não possibilita a transposição des- sa limitação, ocasionando o descrédito e a apatia que tão bem conhecemos. Isso se deve, conforme vimos acima, tanto às práticas daqueles que são os(as) políticos(as) profissionais, que por vezes se assemelha a “uma teia feita de velhaca- rias”, como à confusão e pouca precisão das ideologias, que parecem expressar, em diversas ocasiões, mais interesses particu- lares e pouco de interesses coletivos, nem mesmo guardando relação com aquilo que deveriam representar: visões de mundo com projetos coletivos de sociedade. Tais preconceitos, nos lembra Arendt, são perigosos porque, em se tratando da atividade política, ou seja, daquela ativida- de que diz respeito à condução de nossas vidas em coletividade, podem levar ao fim dela mesma, jogando fora “a criança junto com a água do banho”. De modo que, ao mirarmos nas práticas que não condizem com o que se espera da política, acabamos por atingir a própria política em si, desacre- ditando-a e deslegitimando-a. Não é justa- mente assim que se sentem muitos(as) de nós, sem expectativa nenhuma em relação à política? Isso posto, a autora argumenta: O perigo é a coisa política de- saparecer do mundo. Mas os pre- conceitos se antecipam; jogam fora a criança junto com a água do banho, confundem aquilo que seria o fim da política com a políti- ca em si, e apresentam aquilo que seria uma catástrofe como ineren- te à própria natureza da política e sendo, por conseguinte, inevitável (ARENDT, 2002, p. 10). Juntando o diagnóstico que a autora faz quando escreve o texto, nos anos 1960, com o diagnóstico que podemos também elaborar de modo similar ao nosso tempo, qual alternativa nos restaria? Será que você e nós poderíamos fazer algo? O que nos caberia nessa tarefa de lidar com os pre- conceitos em relação à política? Caso haja alguma coisa a se fazer, cabe a nós, sujeitos que não lidamos profissionalmente com a política, ou caberia somente àqueles(as) que são dela “empregados(as)”? Não haverá outra saída senão lidar com a natureza daquilo que são os preconcei- tos, ou seja, visões deturpadas das coisas e dos indivíduos. Um preconceito é uma vi- são prévia, anterior, independente de qual- quer experiência que mostre o contrário daquilo que o costume ou a tradição dizem sobre algo. Daí a necessidade de, como diz a autora, a política ter de “lidar sempre e em toda a parte com o esclarecimen- to e com a dispersão de preconceitos” (ARENDT, 2002, p. 13). É o movimento que estamos fazendo aqui, correto? Saber que existem os preconceitos em relação ao que EDUCAÇÃO POLÍTICA PARA CIDADANIA 11 seria a política e saber da necessidade de enfrentá-los, para o bem da cidadania. PARA SABER MAIS: POLÍTICOS PROFISSIONAIS IDEOLOGIAS VISÕES DE MUNDO CLASSE POLÍTICA Políticos(as) profissionais podem ser entendidos(as) como aqueles(as) que “vivem da política”, no sentido de fazerem dela sua atividade profissional, dela retirando seu sustento. Uma importantecaracterização destes(as) e de como se diferem daqueles(as) que vivem “para a política”, que seriam os(as) “políticos(as) por vocação”, pode ser encontrado numa importante obra da Ciência Política, escrita- pelo alemão Max Weber (1864-1920), intitulada Ciência e Política: duas vocações. Ideologias políticas podem ser definidas como um con- junto sistemático de ideias sobre elementos da vida social (tais como: economia, trabalho, educação, relação entre os gêneros, segurança pública, etc.), a partir dos quais decisões políticas são tomadas por governantes que se identificam com uma ou outra dessas ideologias, sendo as mais conhecidas aquelas que nomeamos, vagamente, como “esquerda” e “direita”, mas sendo em número de três aquelas que mais representam as correntes surgidas no sé- culo XIX e que ainda regem os movimentos políticos: social- ismo, liberalismo e conserva- dorismo. Sobre o assunto, ler a recente obra da advogada Gabriela Prioli, Ideologias, lançada em 2022. Visões de mundo, muito próximas das ideologias, se estruturam como sistemas que orientam a vida dos indivíduos em sociedade. Formuladas a partir de valores, crenças e interesses, elas se legitimam por portarem um status de naturalidade ou obviedade, pondo-se como inegociáveis por serem admitidas como no plano da “essência” ou da “verdade das coisas”. Uma discussão importante sobre o tema é trabalhada por Thomas Swoell (1930-...) em Conflito de visões: origens ideológi- cas das lutas políticas. Uma das mais importantes definições da Ciência Política é a de “classe política”, defin- ida como o conjunto de indi- víduos que, dentre todos(as) os(as) cidadãos(ãs), são os(as) responsáveis pelas decisões políticas propriamente ditas, ou seja, o grupo governante. Uma excelente caracteriza- ção desse grupo pode ser encontrada na obra A Classe Política, do italiano Gaetano Mosca (1858-1941). 12 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste Agora parece que temos condições de avançar em busca da nossa definição, não é mesmo? Antes disso, porém, convém con- versarmos um pouco sobre os elementos que constituem a política. O primeiro deles, e talvez o mais importante, seja o “poder”, uma vez que a política é muitas vezes definida como “exercício de alguma forma de poder”. Quando um governo, de qualquer uma das três esferas (municipal, estadual ou federal), decreta um novo imposto de pa- gamento obrigatório, isso é expressão de um poder que detém. Ao decidir, depois de muita discussão (técnica e política), pela imposição de um novo tributo, o governo influencia comportamentos de diversas pessoas (no caso em questão, o compor- tamento será o pagamento do imposto). A política, assim, é o terreno das diversas implicações de relações de poder! Mas, se a política tem a ver com o poder e se o poder visa a alterar o comportamen- to das pessoas, é evidente que o ato polí- tico de poder possui dois aspectos: a) um interesse; b) uma decisão. E aqui nos va- lemos das ideias de outro importante autor, desta vez brasileiro, para avançarmos nessa definição: João Ubaldo Ribeiro (1941-2014), que talvez você conheça não como pensa- dor político, mas como romancista, autor de obras como O Sorriso do Lagarto (1989) e Viva o Povo Brasileiro! (1984). Para o autor (RIBEIRO, 1998), a política diz respeito a algo que responde a três per- guntas: “quem manda? Por que manda? Como manda?”. Mando é igual a poder. Logo, quem tem o poder, como o tem e por que o tem? Ou, se quisermos, podemos formular assim: quem decide? Por que de- cide? Como decide? Assim pensando, definimos a política como a arte de exercer o poder de decidir! Política é tomada de decisão e esta pode, ou deseja, influenciar ou modificar com- portamentos (seja por meio de impos- tos, leis, comportamentos, padrões etc.). Logo, essas decisões não são tomadas no vazio, mas estruturadas a partir de inte- EDUCAÇÃO POLÍTICA PARA CIDADANIA 13 resses coletivos, de grupos diversos pre- sentes na sociedade, que almejam, por meio da decisão política, fazer com que seus interesses sejam transformados em decisões políticas. Você pode estar lem- brando do primeiro artigo de nossa Cons- tituição Federal, promulgada em 1988, que em parágrafo único diz: “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Você lerá mais sobre a Constituição nos próximos fascículos, certo? Avançando mais um pouco em nossa definição, podemos dizer que a política pode ser compreendida como um processo através do qual interesses são transforma- dos em objetivos e os objetivos são condu- zidos à formulação e tomada de decisões efetivas. Isso quer dizer que a política é um processo por meio do qual, partindo-se de interesses diversos, se busca formular ações e tomar decisões que dirão respeito a todos. Este fato está, como diz o autor, no centro da política. Contudo, importa deixar claro que a po- lítica não se ocupa de todos os processos de formulação e tomada de decisões, mas somente daqueles que afetem, de alguma forma, a coletividade. O processo decisó- rio mais importante em uma democracia, como a nossa, é a eleição, ou seja, o pro- cesso que nos leva ao voto. Candidatos(as) disputam a nossa decisão para, a partir disso, decidirem muitas coisas por/para nós, pelos quatro anos seguintes. Interes- sante, não é? Nossa escolha na urna refe- rendará um conjunto de outras decisões que regerão nossas vidas por um tempo. É a condução de nossa própria existência co- letiva, com reflexos imediatos sobre nossa existência individual, nossa prosperidade ou pobreza, nossa educação ou falta de educação, nossa felicidade ou infelicidade, como lembra Ribeiro (1998). Dito tudo isso, temos agora condições de afirmar que: a política envolve o co- mum, a coletividade, a pólis; ela não é algo solitário, individual, intra-humano, ou pró- prio do “si mesmo”; ela está na cidade, está fora, está nos outros e com os outros; seria, portanto, em seus próprios termos, algo do plano do “nós”. Ela constitui-se como o conjunto daquilo que é coletivamente demandado, dentro de uma organização territorial, congregando formas de vida, maneiras de pensar e horizontes. A política, como atividade humana, requer e produz interação, diálogo, argu- mentação, persuasão, cálculo, planeja- mento. Isso ocorre, especialmente, quando falamos de política em uma democracia. Um aspecto a ser destacado é que tudo isso requer de nós, e não apenas dos(as) políticos(as) profissionais, uma disposição para participar dos processos de tomada de decisões e organização da sociedade, ou seja, ao exercício do poder de que fala a Constituição. É isso que nos permite exer- citar nossa cidadania, agindo em defesa de direitos e interesses, conferindo direção e orientação a todos(as) nós, como sujeitos e membros de grupos, coletividades, clas- ses sociais, entre outros. Somente assim é possível conquistar e manejar o poder que, nos termos constitucionais, pertence a to- dos e a cada um(a) de nós. Por isso mesmo, podemos concluir esse primeiro módulo dizendo que a política é constituída pelos seguintes atores: pesso- as, cidadãos(ãs), grupos, mercado, associa- ções, políticos(as) e técnicos(as). Nessa lis- ta, onde você está? Onde gostaria de estar? Sabemos que, como sujeito e brasileiro(a), você já está nos dois primeiros lugares; com este Curso esperamos que se reconheça como um importante ator político, um(a) cidadão(ã) pleno(a), que responda positiva- mente à pergunta: “Político(a), eu? Sim, sou! E há como não ser?”. 14 Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste REFERÊNCIAS: ARENDT, Hannah. O que é política? 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de Po- lítica. 11.ed. Ed. UNB: Brasília, 1998. RIBEIRO, João Ubaldo. Política: quem manda, por que manda, como manda. 3.ed.rev. por Lucia Hippolito.Rio de Janei- ro: Nova Fronteira, 1998. EDUCAÇÃO POLÍTICA PARA CIDADANIA 15 AUTORES: Clênia Trindade Lucena Cavalcante Doutoranda em Políticas Públicas (UECE), mestre em Sociologia (UFC) e Bacharel em Direito (UFMA). Emanuel Freitas da Silva Bacharel e mestre em Ciências Sociais (UECE, UFRN) e doutor em Sociologia (UFC). Desenvolve pesquisas nas áreas de teoria política, eleições e religiões, sendo Bolsista de Produtividade (BPI-FUNCAP). Professor de Teoria Política da UECE, atuando nos cursos de Pós-Graduação em Sociologia e em Políticas Públicas e na Gra- duação em Ciências Sociais. Autor do livro Carisma e renovação da tradição católica em Fortaleza (Edições Waldemar Alcânta- ra) e organizador dos livros Eleições Muni- cipais 2020: cenários, disputas e resultados políticos e Atores Políticos e Dinâmicas Eleitorais, ambos pela EdMeta/UECE. Apoio: Parceria: Realização: