Prévia do material em texto
HMEC Oficina 01 Diagnóstico Clínico O reconhecimento de uma doença com base na anamnese e no exame físico constitui o diagnóstico clínico. Roteiro de Anamnese A anamnese permite que o entrevistador desenvolva a habilidade de escutar o paciente e/ou acompanhante, de ouvi-lo e de observá-lo, o que vai além de ter boas maneiras. Lembrar que o mais importante é abordado após o paciente ou acompanhante se sentir acolhido, muitas vezes já no final da consulta. A pergunta – e aí, gostaria de me falar mais alguma coisa? – pode ser um facilitador. 1) Identificação: Anotar os dados solicitados no prontuário – nome, naturalidade, filiação, procedência, endereço e telefone de referência, idade, sexo, data de nascimento e cor. 2) Informante: Anotar o nome e a ligação com a criança/adolescente (pais, tios, vizinhos), por exemplo. No final da consulta, descrever as características do informante, como: bom informante? Prolixo? Detalhista? Tímido? Confuso? Contraditório? Pessimista? Omisso? 3) Queixa Principal: É o motivo principal da consulta e deve ser anotado nas palavras do informante ou da criança/adolescente, se possível. Pode também ser escrito em termos técnicos. Perguntar: “O que está incomodando?”, “Porque veio à consulta?”, “Porque trouxe seu filho à consulta?” 4) História da moléstia atual: Após a narrativa espontânea do paciente/acompanhante deve-se explorar cada sintoma quanto à sua descrição detalhada, cronologia, quantificação, fatores de melhora e de piora dos sinais e sintomas, tratamentos realizados (nomes dos medicamentos, doses, tempo de uso e respostas), outras manifestações associadas e as diversas peculiaridades relativas a cada sintoma e circunstâncias que o acompanham. Importante avaliar a repercussão da doença sobre as atividades diárias, o apetite, o humor, o sono, o peso e a disposição. Investigar sobre a realização de consultas anteriores relativas às mesmas queixas, os diagnósticos, o contato com pessoas doentes e a situação do paciente no dia da consulta. OBS: Ao redigir a anamnese, deve-se procurar fazer uma síntese da história de uma forma organizada, em ordem cronológica dos fatos, reproduzindo fielmente o relato do paciente/acompanhante, traduzindo-se em termos médicos ou, quando julgar mais conveniente, registrando as próprias expressões do paciente entre aspas. 5) Anamnese especial: Anotar queixas relacionadas a cada sistema. Antes de fazer perguntas dirigidas para cada sistema em particular, deve-se perguntar se, além da queixa principal, há algum outro problema. 6) História pessoal ou pregressa: refere-se ao que aconteceu na vida do paciente (quando criança/adolescente perguntar da concepção até o dia da consulta). Colher e anotar dados relativos a: gestação e parto, período neonatal, alimentação pregressa e atual, vacinação, desenvolvimento neuropsicomotor e emocional, crescimento, medicamentos, banhos de sol, doenças anteriores. 7) Histórico familiar: Anotar informações sobre a idade, profissão, escolaridade e a saúde dos pais, irmãos e familiares mais próximos, doenças heredofamiliares e doenças semelhantes às do paciente. Perguntar sobre o uso de drogas, álcool e fumo. 8) História social: Perguntar sobre composição social, renda familiar, habitação, local onde o paciente dorme (se arejado, bate sol, mofo...). Deve-se ter cuidado para não causar constrangimento no paciente e familiares. 9) Conclusão: Ao final da consulta, deve-se fazer uma análise listando os problemas identificados à anamnese e ao exame físico, para orientar a elaboração das hipóteses diagnósticas e propostas de conduta. O paciente e acompanhante precisam ter suas queixas consideradas e suas expectativas atendidas. É importante explicar-lhes os achados dos exames físicos e as principais hipóteses diagnósticas. OBS: Lembrar que, em Pediatria, geralmente são estabelecidos cinco diagnósticos: a) Saúde ou doença; b) Alimentação; c) Vacinação; d) Crescimento; e) Desenvolvimento neuropsicomotor. Diagnóstico É definido, segundo Mason, “como uma série de procedimentos de ordem intelectual (cognitiva) e operacional (atitudes e habilidades) através dos quais se obtém uma resposta a um determinado problema clínico”. Sem diagnóstico não haverá terapêutica correta. Fatores que contribuem para o diagnóstico: · Conhecimento médico. Indispensável para que o profissional esteja familiarizado com os sintomas comuns na atenção primária (febre, síndromes dolorosas, dor torácica, cansaço, astenia, vertigens, tonturas, diarreias, infecções de vias respiratórias superiores (virais e bacterianas), tosse, insônia dentre outros); bem como as entidades nosológicas prevalentes em nosso país: doenças cardiovasculares (hipertensão arterial, dislipidemias, aterotrombose, insuficiência coronariana aguda e crônica, insuficiência cardíaca, acidente vascular encefálico), diabetes melito, osteoartrose, depressão, obesidade, doença pulmonar obstrutiva crônica, infecções do sistema urinário, dispepsias, doenças endêmicas (dengue, chikungunya, zika, tuberculose, malária, doença de Chagas, AIDS, hanseníase, enteroparasitoses e ectoparasitoses). · Obtenção de dados. Por meio da história clínica e do exame físico (incluindo dados objetivos e subjetivos como linguagem corporal, estado de humor, sinais de sofrimento, estado nutricional, estado geral). · Registros organizados. Documentação científica sistematizada (prontuário médico). · Tempo necessário para obtenção de um excelente prontuário médico. Dedicação de, em média, 30 a 50 minutos a cada paciente em consulta inicial. · Capacidade de integrar dados. Em conjuntos significativos, seguindo a lógica do raciocínio clínico. · Lista dos achados em ordem de importância e significância (lista de problemas) e a transdução linguística semiótica. Permite a elaboração de roteiro com o arcabouço diagnóstico, singular a cada profissional e mutante a cada dado agregado ou rejeitado. · Uso racional e criterioso de exames complementares. · Busca do diagnóstico conclusivo. Por meio da seleção da nosologia (classificação da doença) que explique da melhor maneira todos os achados. · Revisão do diagnóstico. Quando o curso clínico não for o esperado valorizando novos dados positivos. OBS: Em princípio, devemos ter como meta o diagnóstico de uma única doença que explique todas as queixas do paciente e os achados do exame físico; contudo, em pessoas idosas esta regra não pode ser aplicada, pois é comum apresentarem três ou mais doenças. Neste caso, é necessário hierarquizar os diagnósticos, ou seja, o que provoca mais sofrimento ou põe em risco a vida do paciente REGRAS PRÁTICAS: a) Faça sempre a sua (pessoal) observação clínica (anamnese e exame físico). Evite usar a observação clínica de outrem, para ganhar tempo ou agilizar o trabalho. b) Quanto menos precisas forem as definições da síndrome clínica, da entidade nosológica e da hierarquização do diagnóstico diferencial, mais difícil será a escolha e a seleção de exames complementares de maior especificidade e sensibilidade para confirmar o diagnóstico e eliminar as hipóteses diagnósticas não pertinentes. c) Quanto mais inadequada a anamnese, maior a dependência aos dados dos exames físico e complementares. d) Não se esqueça: quando chegamos ao final da história clínica, sem elementos ou noção de qual síndrome ou nosologia é a mais provável, dificilmente iremos mais longe com os exames físico e complementares. Sintoma é uma sensação subjetiva anormal percebida pelo paciente e não observada pelo examinador (inspeção, palpação, percussão e ausculta). Exemplos: dor, náuseas, dormência, insônia, má digestão. Sinal é um dado objetivo notado pelo paciente e observado pelo examinador através do método clínico ou de exames complementares. Exemplos: tosse, edema, cianose, presença de sangue na urina (hematúria) ou condensação pulmonar na radiografia de tórax. Síndrome (do grego syndromos – andar junto) é um conjunto de sintomas e/ou sinais que ocorrem associadamente e que podem ter diferentes causas. Exemplos: síndrome febril (hipertermia, taquicardia,taquisfigmia, sudorese, tremores, mialgias, artralgias), podendo se relacionar com infecções bacterianas, virais, fúngicas, neoplasias malignas. Outros exemplos: síndrome diarreica, síndrome dolorosa, síndrome consumptiva. Entidade nosológica é, em geral, uma doença bem definida com alteração de função de órgãos ou sistemas, ou mesmo perda destas funções com suas consequências e repercussões. Métodos de raciocínio diagnóstico Discutir e aprimorar as técnicas de anamnese é fundamental para a formação do médico e para o desenvolvimento da capacidade de fazer diagnóstico. - Diagnóstico por reconhecimento de padrões: este método é extensamente usado em dermatologia. A identificação da lesão e seus padrões muitas vezes permitem o diagnóstico sem testes adicionais - Diagnóstico por exaustão: de uma forma estruturada, o médico questiona sobre sinais e sintomas relativos aos diversos sistemas do paciente. - Diagnóstico por algoritmos: esta técnica torna-se cada vez mais comum com o desenvolvimento de diretrizes e “guidelines”. Pode-se usar algoritmos para se fazer diagnóstico de embolia pulmonar, insuficiência coronariana; entre outras. Também existem algoritmos que partem de sintomas. É o caso dos fluxogramas para avaliação de tosse crônica, dor torácica e diarréia. - Diagnóstico pelo método hipotético-dedutivo: A partir dos dados de anamnese o médico forma algumas hipóteses diagnósticas. Estas hipóteses serão testadas com novas perguntas, refinando-se a anamnese; e com testes laboratoriais, quando indicado. Com esta estratégia, o médico vai reduzindo sua lista de hipóteses diagnósticas aproximando-se do diagnóstico definitivo. Neste contexto, uma das formas de se criar listas de hipóteses diagnósticas é a partir de diagnósticos sindrômicos. Nesta linha, estabelecer diagnósticos sindrômicos pode contribuir para a sistematização das queixas do paciente e favorecer o estabelecimento dos diagnósticos etiológicos definitivos. Qual a importância do raciocínio diagnóstico? Quanto mais preciso for o diagnóstico, melhor será o plano terapêutico e o prognóstico desse paciente. O modelo que os médicos utilizam para solucionar problemas clínicos é muito semelhante à abordagem dos detetives diante de um crime ou dos cientistas quando confrontados com fenômenos inexplicados. Em cada uma dessas situações, um problema surge para o qual uma explicação segura não é imediatamente evidente e várias hipóteses são levadas em consideração. As informações necessárias à decisão sobre qual das hipóteses é correta requer a coleta de outras informações, a interrogação de testemunhas e a busca de pistas pelo detetive; a observação e a experimentação pelo cientista; e a entrevista, o exame físico e testes laboratoriais pelo médico. Princípios gerais da terapêutica Alguns aspectos que devem ser analisados em conjunto ao se instituir a terapêutica: · Qual a influência dessa doença na vida do paciente? · Trata-se de um episódio leve, moderado ou grave? · Que condições particulares teriam desencadeado a crise? · Qual é a história natural dos episódios anteriores? · Que medicamentos agem nessa doença? · Qual deles é o mais efetivo? · Têm eles efeitos colaterais importantes? · Existe alguma via de administração preferencial da medicação? · Qual é a experiência anterior do paciente com determinado medicamento presumivelmente ativo nos episódios? · Há necessidade de internação hospitalar ou é possível o tratamento ambulatorial? · A medicação prescrita é acessível à condição econômica da família? REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Semiologia Médica. Porto, C. Pediatria Ambulatorial. Leão, E. Diagnóstico sindrômico. Paolo José Biselli e José Antônio Atta. Rev Med (São Paulo). 2005 jul.-dez.;84(3-4):95-10 Processos de Desenvolvimento do Raciocínio Clínico em Estudantes de Medicina. Peixoto, José Maria, Santos, Silvana Maria Elói e Faria, Rosa Malena Delbone de. Revista Brasileira de Educação Médica [online]. 2018, v. 42, n. 1, pp. 75-83. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1981-52712015v41n4RB20160079 Raciocínio Clínico de Estudantes de Medicina no Ciclo Básico. Bregagnollo, Gustavo Henrique et al. Revista Brasileira de Educação Médica [online]. 2017, v. 41, n. 1, pp. 44-49. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1981-52712015v41n1RB20160014 Raciocínio clínico – o processo de decisão diagnóstica e terapêutica. Réa-Neto, A. Revista da Associação Médica Brasileira [online]. 1998, v. 44, n. 4, pp. 301-311. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-42301998000400009 Raciocínio Clínico e Pensamento Crítico: Desenvolvimento na educação médica. Aragão, J. C. S., & Almeida, L. da S. Revista de Estudios e Investigación en Psicología y Educación, (12), 19-23. Disponível em: https://doi.org/10.17979/reipe.2017.0.12.2259