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Leandro Silva, Marcos Mendes, Renildo Diniz e Valtenci Oliveira (orgs.) Revitalizando a igreja e sua liderança Coordenação editorial: Claudio Beckert Jr. Revisão: Josiane Zanon Moreschi Capa: Claudio Beckert Jr. e Josiane Zanon Moreschi Editoração eletrônica: Josiane Zanon Moreschi Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Silva, Leandro Revitalizando a igreja e sua liderança / organização Leandro Silva, Marcos Mendes, Renildo Diniz, Valtenci Oliveira. - Curitiba, PR : Editora Esperança, 2019. 144 p. ISBN 978-85-7839-289-5 1. Igreja 2. Liderança cristã 3. Eclesiologia I. Mendes, Marcos II. Diniz, Renildo III. Oliveira, Valtenci IV. Título CDD-262 Índices para catálogo sistemático: 1. Igreja 262 Salvo indicação, as citações bíblicas foram extraídas da Bíblia na versão Nova Almeida Atualizada © Sociedade Bíblica do Brasil, 2017. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total e parcial sem permissão escrita dos editores. Editora Evangélica Esperança Rua Aviador Vicente Wolski, 353 - CEP 82510-420 - Curitiba - PR Fone: (41) 3022-3390 comercial@editoraesperanca.com.br www.editoraesperanca.com.br “O novo livro da missão ALEF é um manancial de sabedoria teológica e missional para uma compreensão mais acurada da igreja brasileira. Carecemos de mais obras nesse sentido, para que as novas gerações sejam inspiradas à magnífica missão de plantar igrejas saudáveis que plantem igrejas saudáveis”. — Sérgio Queiroz, presidente da Igreja Cidade Viva e integrante do board da Atos 29 Global. “A revitalização é um dos assuntos urgentes para a igreja evangélica brasileira. Pesquisas e literaturas nesse tema são escassas no Brasil. Por isso dou as boas-vindas a este livro e recomendo que você reserve tempo e espaço em sua agenda para refletir sobre o conteúdo e as propostas aqui apresentados. Revitalização é, literalmente, uma questão de vida ou morte para a igreja. Que esse material seja revigorante em sua vida e ministério!” — Jorge Henrique Barro, fundador e professor de Teologia da Faculdade Teológica Sul Americana. Pastor Presbiteriano (IPB), graduado no Seminário Presbiteriano do Norte, mestrado e doutorado no Fuller Theological Seminary no campo da missiologia. “Há alguns anos, tenho acompanhado o trabalho da ALEF na mobilização das igrejas em Felipe Camarão na região metropolitana de Natal/RN. Não há dúvidas que as igrejas parceiras da ALEF são comunidades cristãs ativas que demonstram com a sua fé, palavra, obras e sinais que o Reino de Deus é presente entre os mais pobres e vulneráveis naquela cidade. Este livro é uma excelente ferramenta para Igrejas que querem se revitalizar e reafirmar seu compromisso com o evangelho integral de Jesus Cristo que promove transformação verdadeira e vida em plenitude para todos que estão cansados e oprimidos”. — João Helder Diniz, Lider Regional Visão Mundial América Latina e Caribe. “Recomendo a leitura deste livro para todos e todas que desejam vivenciar uma igreja fiel às Escrituras, dependente do Espírito Santo, sensível aos clamores da sociedade e que proclama o Evangelho por meio de palavras e atos concretos de amor.” — Bebeto Araújo, diretor nacional da Missão Aliança. “A Missão ALEF tem sido instrumento de Deus para animar e capacitar uma bela parcela dos líderes de igrejas evangélicas do Brasil, e tem feito isso com muito zelo e profundidade. Este livro é mais uma ferramenta para abençoar sua vida e seu ministério. Aproveite!” — José Marcos da Silva, pastor da Igreja Batista em Coqueiral, Recife/PE, fundador e presidente do Instituto Solidare. “São pessoas que amam o próximo, líderes que amam a Deus, pensadores que amam a verdade. “Ecclesia reformata et semper reformanda secundum verbum Dei”. Igreja reformada, sempre se reformando. Leitura estimulante por sua praticidade, relevante pelo contexto em que vivemos. Eu recomendo com alegria.” — Elsie Gilbert, editora da Rede Mãos Dadas, missionária da Equip International. “Com imensa satisfação recomendo a leitura e divulgação deste livro que chega em momento muito oportuno. Pastores e líderes com muita ou pouca experiência necessitam ser ‘remotivados’ ou orientados na linda missão da Igreja.” — Gerson Pinto Cardoso, Pastor na Igreja do Nazareno em Natal a 32 anos. Superintendente Distrital e Coordenador de Estratégia da Igreja do Nazareno para as regiões Norte e Nordeste do Brasil. “Nesta obra somos novamente surpreendidos pela iniciativa de um grupo de pensadores preocupados com a saúde da Igreja. São autores brasileiros, vivenciando a realidade de uma igreja que vê a eficácia da suas tradições questionada pelas aceleradas mudanças do nosso tempo, e que, por isso, precisa reinventar a forma de apresentar a mensagem do evangelho de Jesus Cristo e renovar suas práticas para poder dar conta da complexidade da tarefa que Jesus nos deixou, de discipular pessoas, etnias e nações. Desde que conheci a missão Alef, tenho tido sempre novas e gratas surpresas deste tipo, seja em encontros, cursos, publicações ou palestras. Certamente este é grupo de autores que se organizou para servir a Igreja com seus dons e talentos, e através deles provocar uma revitalização da igreja para que ela seja relevante nos tempos atuais.” — Gerhard Fuchs, coordenador da RENAS - Rede Evangélica Nacional de Ação Social e presidente da ACRIDAS - Associação Cristã de Assistência Social. Sumário Prefácio Jorge Henrique Barro 1 - Igreja: é preciso revitalizar Leandro Silva Virginio 2 - Novos líderes para um novo tempo: revitalizando a liderança eclesiástica Marcelo França 3 - Um discurso contextualizado: revitalizando a pregação Valtenci Oliveira 4 - O crescimento conceitual da igreja e a revitalização da educação teológica hoje Rosenaide Mendes 5 - Um novo homem, uma nova mulher: revitalizando o discipulado cristão Marcos Mendes 6 - Qual a tarefa da igreja hoje? Revitalizando a missão Renildo Diniz 7 - Uma igreja para a cidade: revitalizando e sendo revitalizado para revitalizar a cidade Manoel Araújo Posfácio Ronaldo Lidório Prefácio Jorge Henrique Barro 1 Se existe a necessidade de falar e tratar de revitalização , isso indica, por si só, que algo não vai bem. Isso porque o prefixo re indica a necessidade de uma volta ao ponto de partida , de re-visitar o estado original. Vários são os sinônimos, tais como: atualizar, recarregar, recriar, regenerar, rejuvenescer, renovar, reparar, restaurar, ressuscitar, reviver, reaver (e talvez outros mais). A necessidade de voltar ao ponto de partida se dá porque algo foi perdido ou se degenerou ao longo da história e no processo. Portanto, qualquer fala sobre revitalização relacionada à igreja precisa partir do reconhecimento de que algo não vai bem com ela e que se faz necessário voltar ao ponto de partida para, a partir daí, recomeçar como era no início! Por isso, então, é que falamos em re-vita -lização! Vita em Latim é vida . Assim, revitalizar é a ação de buscar de volta a vida que se perdeu em algum lugar, período ou época. 5Fs nos ajudam a entender as fases e elementos presentes no processo de uma igreja local, instituição ou organização: 1. Fundador Toda organização tem início com alguém que a fundou (podendo ser também um grupo de fundadores). Normalmente o surgimento dessa organização é fruto de uma visão, sonho, desejo a partir de necessidades percebidas e a organização surge como uma resposta ou solução (seja com, seja sem fins lucrativos). No campo eclesial , isso é verdadeiro em relação à plantação de igrejas, projetos sociais, ONGs, agências missionárias, pró-eclesiásticas, etc. Nesse início se percebe uma centralização na pessoa do fundador , fruto de sua visão carismática e entusiasta do projeto. 2. Fundação Esse líder almeja ver seu projeto crescendo e se desenvolvendo com bases sólidas porque quer que seu sonho ou visão se torne concreto, viável e relevante para cumprir as finalidades para as quais veio a existir. Ninguém que sonha com algo pensa em falência. Pelo contrário, pensa em fundaçõessólidas para que o mesmo, se possível, seja eterno. E é nesta fase que surgem as estruturas, os conceitos, os estatutos, as bases, as divisas, as leis, o que pode ou nã o ser feito. Um exemplo disso é o surgimento de uma igreja local que, quando nasce, normalmente o líder diz que não é para ser uma nova denominação , mas ao experimentar um crescimento numérico significativo já pensa em começar outras igrejas com o mesmo DNA, e assim surgem outras e mais outras. Logo se chega à conclusão de que precisa de treinamento para seus líderes e assim surge um instituto, um centro de capacitação e até mesmo um seminário. E aquela igreja local, junto à s outras, passa a ser uma denominação com suas normas, regras, leis, estruturas, hierárquicas e coisas do tipo. Tudo isso visando oferecer ao projeto uma fundação sólida em busca do seu desenvolvimento sustentável. 3. Fortalecimento Vencidas as duas fases anteriores o que se espera é que esse projeto tenha um crescimento expressivo, visível e seguro. Ninguém começa nada pensando em permanecer onde está. Quer mais abrangência, crescimento e visibilidade. Uns com motivações íntegras, outros, nem tanto. Uns focando no Reino de Deus, outros em seus reinos próprios. Aqui surgem riscos que podem pô r a perder o projeto, especialmente quando as ambições financeiras, autopromoção e coisas do tipo revelam outras intenções não explicitadas até então. Esse é o momento da encruzilhada – ou se experimenta um contínuo e progressivo crescimento (mesmo que não em velocidade acelerada) ou a estagnação colocará a perder tudo o que até aqui foi construído. Eis a encruzilhada : ou segue crescendo e se desenvolvendo ou entra em um desvio. Se entrar no desvio, surge o quarto F . 4. Fossilização Fossilização é o resultado de um processo de estagnação justamente pelo fato de abrir mão ou se esquecer do primeiro amor , ou seja, abandonar os motivos que levaram o projeto a existir. Essa é uma fase que pode justamente revelar que a liderança descansou inclusive no sofá do sucesso! Houve tanto crescimento e tanta relevância, a sensação e sentimento de que já se fez muito, de que temos o necessário para nos manter para o resto de nossas vidas conduz a uma estagnação conspiratória contra tudo o que se fez até aqui. A fossilização é o desvio do fluxo, da estrada principal, um contorno do qual normalmente não se acha mais o caminho de volta. O sonho se petrifica, o projeto perde a vitalidade, as pessoas se desencantam, a vida escapa pelos dedos. E é, nessa fase, que as pessoas revelam sua mais dura face cruel, na qual surgem as disputas pelos despojos, as acusações ocultadas pelo aparente sucesso, divisões e rachas, as separações. Estou seguro que você já assistiu a esse filme das divisões de igrejas e ministérios, infelizmente! É aqui que as pessoas começam a pensar e a refletir que a igreja precisa de revitalização ! Aqui? Não seria tarde demais? Não perdeu o tempo da história? Veio sobre mim a mão do SENHOR ; ele me levou pelo Espírito do SENHOR e me deixou no meio de um vale que estava cheio de ossos. Ele me fez andar ao redor deles, e eu pude ver que eram muito numerosos na superfície do vale e estavam sequíssimos. Então me perguntou: – Filho do homem, será que estes ossos podem reviver? Respondi: – SENHOR Deus, tu o sabes (Ez 37.1-3) É possível revitalizar uma igreja que chegou nesse momento de fossilização É difícil ter outra resposta que não a do próprio profeta: – SENHOR Deus, tu o sabes! Em outras palavras, é como se o profeta estivesse dizendo: “Sei lá, não tenho a mínima ideia, só o Senhor mesmo é que pode fazer alguma coisa!” Quando se chega ao estágio de fossilização, de petrificação das estruturas e da própria igreja, o resultado pode ser (salvo um milagre ) o quinto F . 5. Falência É a morte da visão e do sonho. Se encontra, não para celebrar mais um ano de exi stência do projeto. Nã o se trata de celebrar uma boda, de prata ou de ouro. Trata-se de um velório, da experiência da dor, de sepultar aquilo que um dia se sonhou. Quantos projetos ministeriais e igrejas já desapareceram por terem escolhido o caminho da fossilização? Igrejas com lideranças que se preocuparam mais com o M de manutenção do que com o M de missão ! Cuidaram tanto para manter o que conquistaram, como a tradição, o templo, o estilo de liturgia, e outras coisas mais que colocaram como que dentro de um vidro em conserva acreditando que, com isso, manteriam tudo como estava para o resto de suas vidas. Se você é daqueles que acha que uma igreja local não morre, convido-o a olhar algumas na Europa e nos Estados Unidos. Várias destas que inclusive tiveram notáveis, reconhecidos e renomados pastores, hoje servem apenas para visitas turísticas onde se pode tirar fotos e então dizer: “Estive aqui!” Esse processo pode ser visto no gráfico a seguir: Você deve estar se perguntando: “Qual a saída para essa evitar essa situação e encruzilhada?” Muitos líderes começam a pensar em revitalização da igreja quando a curva do fortalecimento Z fossilização já foi feita e mais, normalmente quando se está próximo da outra curva, a da fossilização Z falência . Quando se chega a essa fase ou momento já se está mais próximo de ressurreição do que revitalização ! Qual é então a melhor solução? Mudar quando tudo está bem e indo bem! Porém, a maioria das pessoas não pensa assim, infelizmente. Veja alguns casos comuns das nossas próprias experiências pessoais: casamento : há casais que esperam o casamento entrar em crises profundas para, então, mudar. Pode ser tarde demais! Mude quando tudo está bem para que continue bem! saúde : há pessoas que esperam a doença chegar para fazer exames. Pode ser tarde demais! É necessário fazer checkup preventivo para que o corpo fique e continue saudável! finanças : há pessoas que só resolvem cortar despesas e rever o orçamento quando o cheque especial está estourado ou cheio de dívidas. Pode ser tarde demais! É necessário ser organizado durante todo o tempo, fazer e cuidar do orçamento para viver de acordo com o que se ganha! estudos : há pessoas que se descuidam do processo contínuo de crescimento nos estudos e deixam para estudar no período de provas, na última hora. Pode ser tarde demais! Nos estudos 7 x 1 não é igual a 1 x 7. Estudar 7 horas em 1 dia não é igual que estudar 1 hora durante todos os 7 dias. Qual a questão essencial aqui? Esperar que a igreja entre em um processo de letargia espiritual, de perda de sua razão missional de existir, quando o primeiro amor já não se faz mais presente, as estruturas são mais importantes que as pessoas, a lei está acima de tudo porque no sábado não se pode curar pessoas ... pode ser tarde demais! É preciso pensar em revitalização como um processo permanente-dinâmico de crescimento contínuo , fruto de um fortalecimento bíblico-teológico- missiológico, uma espiritualidade contagiante e missional. O gráfico a seguir indica exatamente esse processo. Não espere a curva ser feita! Aja na fase do fortalecimento para que a curva/desvio não seja feita. Mude para ficar melhor e continuar crescendo. Arranque essa erva daninha do pensamento que diz que não é necessário fazer nada porque tudo está indo muito bem. Foi justamente por terem desprezado esse processo contínuo de crescimento revitalizador que Jesus escreveu as cartas para as igrejas da Ásia Menor conclamando que elas se arrependessem ! 2 Nada de curva ou desvio. Mantenha o processo de fortalecimento, siga em frente (linha pontilhada): O livro que você tem em mãos é um recurso precioso para esse processo de crescimento revitalizador . Os autores escrevem do ponto de vista de quem está firmemente empenhado na linha de frente do ministério, aliando reflexão profunda a muita experiê ncia prática. As perguntas ao final de cada capí tulo o tornam ainda mais relevante para o uso em pequenos grupos, na formação de líderes e também estudo individual. Que este material sirva para sua vida, ministério e igreja! Faça bom uso. E que o Espírito de Deus nos ajude a ser a igreja revitalizada queele planejou: Porei em vocês o meu Espírito, e vocês viverão. Eu os estabelecerei na sua própria terra, e vocês saberão que eu sou o SENHOR . Eu falei e eu o cumprirei, diz o SENHOR (Ez 37.14). Que assim seja, amém! Com carinho! Jorge Henrique Barro 1 Igreja: é preciso revitalizar Leandro Silva Virginio 3 Alguns anos atrás, fazíamos uma série de visitas a igrejas nas imediações do bairro de Felipe Camarão, na cidade de Natal, objetivando convidar pastores e líderes a participar de um encontro de formação. Era domingo à noite e nos encontrávamos nas imediações de uma das mais extensas ruas do bairro, próxima a vários morros, com diversas ruas e vielas e um grande número de famílias em vulnerabilidade social. Ali encontramos uma igreja que chamou nossa atenção devido à estratégica localização em uma das á reas de maior visibilidade na localidade. Enquanto nos aproximávamos, notamos um grupo não maior que cinco pessoas reunidas em clima de lamento. O próprio pastor veio nos atender. Enquanto conversávamos, descobri que eles estavam tendo seu último culto. Aquele líder, sozinho e desencorajado, vinha tentando desenvolver o ministério em uma das áreas mais desafiadoras da cidade. É possível que a plantação daquela igreja tenha sido motivada por um autêntico chamado pastoral, porém a complexidade dos desafios locais, aliados a imensos problemas eclesiais internos e à ausência de apoio, estavam levando-o a desistir do ministério e aquela igreja, literalmente, à morte. Com grande tristeza enquanto olhava com atenção o cartaz que acabávamos de lhe entregar, ele nos fez a pergunta que dificilmente esqueceremos: “Por que vocês não chegaram uma semana antes?” Atualmente não há mais vestígio algum de que um dia uma igreja existiu ali. Este está bem longe de ser um caso isolado. Nas periferias urbanas o número de comunidades de fé continua a crescer, mas há um enorme contingente de igrejas locais que se encontram ofegantes, estagnadas, incapazes de afetar o contexto em que se encontram presentes, carentes de apoio, capacitação e encorajamento para cumprir seu papel missional. Um estudo de caso que ilustra a urgente necessidade de revitalização O início da Missão ALEF no bairro de Felipe Camarão, na periferia de Natal, cerca de 15 anos atrás, foi motivado pela presença de dezenas de igrejas naquela localidade – que, à época, paralelamente era a detentora dos mais altos níveis de pobreza e violência da cidade. A pergunta-chave foi: “Por que há tantas igrejas nascendo neste bairro, entretanto isso não provoca mudanças na realidade local?” Foi esse o ponto de partida para um movimento de líderes comprometidos em ver o bairro e suas adjacências sendo transformados através de um esforço conjunto entre igrejas e a comunidade, e que viria a inspirar e se multiplicar em várias outras localidades ao longo destes anos. Entre os anos de 2006 e 2016, com financiamento da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, foram desenvolvidos projetos de pesquisa que mapearam a presença e impacto das igrejas evangélicas em Felipe Camarão 4 , identificando uma tendência desafiadora que nos parece comum a outras regiões socialmente vulneráveis: IGREJAS EVANGÉLICAS EM FELIPE CAMARÃO 2006 59 Entre 2006 e 2011 +37 Em 5 anos foram acrescentadas +37 igrejas, mas 12 fecharam as portas. -12 2011 84 Entre 2011 e 2016 +43 Em 5 anos foram acrescentadas +43 igrejas, mas 26 fecharam as portas. -26 2016 101 Conforme Orivaldo Pimentel Lopes Junior, pesquisador responsável e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN, destacou em e-mail a nós enviado: Em 10 anos foram organizadas 80 novas igrejas em Felipe Camarão. Se nenhuma igreja fechasse ou se mudasse do bairro, haveria, em 2016, 139 igrejas. Nesse período, no entanto, 38 igrejas fecharam ou saíram do bairro [...] A igreja tem que vencer esse período crítico de 5 anos. Das 38 igrejas que fecharam ou saíram, somente 5 superaram essa faixa de 5 anos e, ainda assim, fecharam. Todas as outras (33) fecharam/saíram com menos de 5 anos. 5 Quase metade das igrejas plantadas na região ao longo deste período fecharam suas portas ou se mudaram! É certo que há muitos aspectos sobre este dado que requerem maior reflexão, porém ele claramente aponta para o fato de que tão volumoso quanto o número de novas igrejas que nascem na periferia urbana, é também o daquelas que se encontram estagnadas e ofegantes, necessitando de urgente revitalização. Por outro lado, o contexto periférico urbano apresenta inúmeros desafios aos pastores e líderes das igrejas locais, tais como violência, famílias fragilizadas, alto índice de uso de drogas, gravidez precoce e abuso sexual. Uma comunidade de fé que não compreenda adequadamente seu papel diante dessa realidade não poderá impactá-la. Igrejas que estão morrendo não são capazes de transformar suas comunidades Felipe Camarão ilustra um cenário comum às comunidades empobrecidas de todos os rincões do país 6 . O ciclo de enfraquecimento de igrejas nas periferias passa por fatores como o isolamento e a estagnação. Imersas em uma intensa programação de atividades internas e firmemente apegadas às mesmas formas de atividade ministerial desenvolvidas ao longo dos anos, as igrejas enfrentam dificuldades para responder aos desafios de seu contexto local e se desenvolver de maneira saudável e relevante. Em um trabalho de pesquisa que estudou 20 igrejas locais no bairro, o sociólogo Arthur George Bezerra Jales identificou outro fator crítico: um perfil de liderança centralizador, voltado para a manutenção e não aberto ao envolvimento mais abrangente na missão. Ele apontou para a existência de “um personalismo de lideranças a qual condicionem as formas como os membros devem agir na igreja e uma centralização de poder que concretiza posturas que não garantem a participação dos membros das igrejas”. 7 Revitalização: Do que estamos falando? Quando falamos em revitalização de igrejas, é importante enfatizar que não estamos nos referindo ao crescimento numérico de congregações locais. Em nossa cultura, marcadamente identificada pela estética, temos a infeliz tendência de avaliar o desenvolvimento das comunidades de fé unicamente pelo tamanho de templos, número de pessoas e volume das entradas financeiras. Essa é uma tendência perigosa por pelo menos dois motivos: Primeiro, porque nem tudo que cresce em tamanho sinaliza saúde. Orlando Costas, em um artigo escrito ainda na década de 80 8 , usa os exemplos como o do câncer e da erva daninha para ilustrar que determinadas formas de crescimento na verdade são danosas à saúde de pessoas e da sociedade. Nem tudo o que cresce é bom. Nem tudo o que cresce é saudável. Segundo, porque o impacto que Deus espera de seu povo no mundo vai além do crescimento em quantidade. Na verdade, encontramos poucas referências ao crescimento numérico no livro de Atos. Em At 2.41 lemos que os que aceitaram a palavra de Pedro foram batizados, havendo um acr éscimo naquele dia de quase três mil pessoas . Em Atos 4.4 destaca: Porém muitos dos que ouviram a palavra creram, subindo o número desses homens a quase cinco mil . O livro de Atos, então, cessa de informar números, limitando-se a usar expressões como aumentando o número dos discípulos (At 6.1) e em Jerusalém, o número dos discípulos aumentava. Também um grande grupo de sacerdotes obedecia à fé (6.7). No restante do livro de Atos o que encontramos é uma ênfase muito maior no impacto, na missionalidade, na identidade e no foco da igreja. Logo no capítulo 8, após o martírio de Estêvão, inicia-se uma perseguição que impulsiona a igreja para Judeia e Samaria. Em seguida, vemos encontros transculturais como de Felipe e o Etíope (8.26-40) e de Pedro e Cornélio (capítulo 10), a conversão e o ministério de Paulo com uma ênfase profundamente missional, testemunhos de crentes dedicados a boas obras como Dorcas (9.36-41), e relatos como o do testemunho da igreja de Antioquia da Assíria, onde os discípulos foram, pela primeira vez, chamados de cristãos (11.26)e da acusação feita contra os discípulos em Tessalônica: Estes que promovem tumulto em todo o mundo chegaram também aqui (17.6). As cartas dos apóstolos – e também as do Senhor Jesus em Apocalipse – não trazem perguntas como “Quantos membros vocês têm? Qual o tamanho do prédio em que vocês se reúnem? Qual o volume das entradas financeiras?”. Elas refletem uma preocupação muito mais profunda com a maturidade da igreja, sua missão e seu impacto no mundo. Sendo assim, qual deve ser nossa postura? Foi o missiólogo Orlando Costas, o autor latino-americano que mais nos ajudou a entender o crescimento da igreja como um processo muito mais amplo e complexo, que propôs um critério teológico de avaliação baseado em três qualidades que fluem da natureza da igreja como comunidade do Espírito, corpo de Cristo e povo de Deus: Da referida natureza trinitária se derivam três qualidades ou princípios distintos de crescimento eclasiástico integral: espiritualidade, encarnação e fidelidade. A espiritualidade tem a ver com a presença e operação dinâmica do Espírito Santo no crescimento da igreja: se o crescimento responde à inspiração e motivação do Espírito e reflete seus frutos. Por encarnação se entende as raízes históricas de Jesus Cristo nas dores e aflições da humanidade e seu impacto no processo do crescimento da igreja. Em outras palavras, até que ponto a igreja está vivenciando o crescimento que reflete a compreensão, o comprometimento e a presença de Cristo entre as multidões desamparadas e dispersas? Finalmente, a fidelidade tem a ver com a coerência entre a ação da igreja e os propósitos de Deus para seu povo. Em outras palavras, até que ponto o crescimento da igreja responde às ações de Deus na Bíblia e seus desígnios na História? 9 Uma vez que, para Costas, a igreja local é uma comunidade caminhando para o Reino de Deus, atenta à Palavra de Deus, que vive a comunhão de seus membros e está a serviço da humanidade, seu crescimento deve apontar também em quatro direções: para a reprodução de seus membros, o desenvolvimento de sua vida orgânica, a profundidade na reflexão da fé e o serviço eficaz no mundo. É assim que falamos de quatros dimensões: numérica, orgânica, conceitual e diaconal . 10 Uma vez compreendidas estas quatro dimensões, Costas afirma que pode-se dizer que a igreja cresce integralmente quando recebe novos membros, se expande internamente, aprofunda seu conhecimento da fé e serve ao mundo [...] cresce qualitativamente quanto reflete em cada dimensão espiritualidade, encarnação e fidelidade. Somente o crescimento númerico se transforma em obesidade; o orgânico, em burocracia; o conceitual; em abstração teórica, e o diaconal, em ativismo social [...] Apenas integrando as dimensões mencionadas e as correlacionando com as qualidades referidas se pode dizer que há um crescimento normal, e portanto, saudável para a igreja e para sua missão no mundo. 11 Muitas igrejas não estão experimentando renovação em nenhuma destas quatro dimensões, enquanto outras têm se desenvolvido bem em parte destes aspectos, permanecendo, porém, estagnadas em outras áreas essenciais para um desenvolvimento saudável e transformador do seu contexto. Líderes cristãos comprometidos com a integridade de seu chamado ministerial se esforçarão para que, pela graça e para a glória de Deus, estas igrejas vivenciem um processo de revitalização e alcancem o equilíbrio saudável como comunidades locais de discípulos de Jesus profundamente engajadas na missão. Revitalização: Como ela se parece? O dicionário Michaelis define revitalização como “Ato ou efeito de revitalizar. Série de ações planejadas, a fim de dar nova vida a algo...”. 12 Em se tratando da igreja local, estamos nos referindo a sua vida e ministério. É Deus quem revitaliza sua igreja para a sua missão no mundo, porém os líderes cristãos têm o privilégio e a oportunidade de participar desse processo, uma vez que estes foram dados à igreja como dons para equipar todos os crentes para a participação na “obra do ministério”. E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, ao estado de pessoa madura, à medida da estatura da plenitude de Cristo... (Ef 4.11-13). Encorajo você, querido leitor, a ler e reler algumas vezes esse texto bíblico em seu contexto mais amplo, a partir do versículo 1 até o 16. Os líderes são chamados para equipar os discípulos de Jesus para o serviço ao mundo, e não para concentrar todo o poder em torno de uma agenda centralizadora de atividades congregacionais. Ainda na década de 90, Robert Linthicum, pesquisador pioneiro sobre ministério urbano, dedicou-se a um cuidadoso estudo da atuação de 39 igrejas urbanas de impacto em suas localidades nos Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia, América Latina, África e Ásia, para verificar se havia similaridades em seus ministérios, identificando aspectos relevantes ainda hoje para o trabalho de revitalização 13 . As igrejas por ele estudadas possuíam algumas características-chave: 1. Operavam sob um foco missionário comum, que foi compreendido e afirmado pela maioria da congregação. 2. Estavam comprometidas com o fato de que não existiam para si mesmas, mas para o mundo fora delas, percebendo claramente que este era o seu propósito, assumindo um compromisso com o evangelismo, com as necessidades da sua comunidade e com a luta por justiça social. 3. Desenvolveram meios para que os membros da igreja fossem revitalizados para descobrir seu ministério e equipados para exercê- lo junto com outros membros. E afirma, ainda: Não é tão simples que a igreja possua uma missão comum que todos concordem. Nem é simples que cada membro da congregação sinta que ele ou ela tem a responsabilidade tanto de proclamar a fé quanto de trabalhar pela justiça social. Mas é que sua igreja planejou alguma estrutura, algum meio de descobrir o ministério particular para o qual se sintam chamados e então são capazes de desenvolvê-lo dentro dos parâmetros daquela congregação. 14 A pesquisa concluiu que o ingrediente essencial para que uma igreja esteja em missão deve ser a criação e implementação de meios pelos quais seus membros sejam desafiados a descobrir seu próprio ministério e capacitados para levá-lo adiante junto com outros membros. Para isso, a igreja deve edificar sua ação ministerial em torno da doutrina da vocação. Parafraseando as palavras do Senhor Jesus: onde estiver o seu calendário aí estará o seu coração! Lamentavelmente, analisando os calendários de muitas comunidades de fé tenho percebido uma ênfase exacerbada em atividades internas, muitas vezes desgastantes, que absorvem boa parte da energia que poderia ser direcionada a mobilizar e equipar o povo de Deus para a missão de Deus na comunidade em que sua igreja se encontra presente. A principal descoberta das igrejas identificadas nessa pesquisa foi de que, para ser eficaz na sua cidade, a igreja deveria primeiramente fugir da tentativa de preservar a si mesma como instituição. Em vez disso: [...] tinha que se concentrar em se tornar um movimento. [...] Jesus disse certa vez: “Pois quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim, esse a salvará” (Lc 9.24). Jesus estava sendo muito profundo nesta afirmação, não apenas com relação ao cristão individualmente, mas também ao corpo de Cristo. Se toda a energia da igreja local é investida na tentativa de preservá-la, então preservação e continuidade serão exatamente o que escorrerá de suas mãos! 15 O processo de revitalização requer a coragem de reavaliar nossos calendários autocentrados de forma crítica, buscando diminuir nossa ênfase em programações internas, assumindo uma ênfase em equipar os cristãos para a missão e o serviço na comunidade, na cidade e no mundo. Linthicum enumera cincodesafios para que isso ocorra: 1. Redescobrir o referencial bíblico para uma teologia da vocação. 2. Como sermos sérios em relação a formação espiritual pessoal e corporativa. Uma pessoa não pode descobrir sua chamada a não ser dentro do contexto do cuidado e da alimentação de seu relacionamento com Jesus Cristo. É essa formação espiritual que sustenta a pessoa enquanto ela vive e realiza sua chamada, porque, se você for bem-sucedido em realizá -la enfrentará resistência espiritual. São pouquíssimas as pessoas na Bíblia que tiveram uma vida tranquila vivendo em sua chamada. E é o relacionamento com a Trindade que nos sustenta ao procurarmos viver sua chamada. É nesse ponto que a formação espiritual se torna verdadeiramente crí tica. Tal formação inclui: aumentar nossa sensibilidade e estimular nosso relacionamento com Deus; habilitar-nos a termos mais consciência do nosso ser interior; construir juntos relacionamentos de apoio e sermos responsáveis para com outros cristãos. 3. Descobrir maneiras de identificar para si mesmo a grande ferida do mundo para a qual você se sente pessoalmente chamado por Deus – permitir ao seu coração ser quebrantado com o que quebranta o coração de Deus, e não evitar a dor. E precisamos achar meios para capacitar outros cristãos para identificar suas feridas também. 4. Construir uma vida em comunidade, na qual cristãos chamados para a mesma necessidade humana se encontram e se unem não apenas pela dor em comum que sentem pelo mundo, mas também pela sua intensa busca de Deus e de seu cuidado para a formação espiritual e pessoal de cada um. 5. Sustentar os nossos dons e os dos outros, necessários para implementarmos a vocação. A Escritura nos fala de três tipos de dons que todos temos. Todos temos habilidades naturais e talentos, investidos em nós por Deus quando de nosso nascimento e, às vezes, provocados por disciplina e prática. Todos compartilhamos dos dons comuns aos cristãos (Gl 5.22,23). E, finalmente, existem dons espirituais específicos (1Co 12.27-30), que não podem ser acessados a menos que estejamos em um relacionamento dinâmico com Jesus Cristo e cheios do Espí rito Santo. 16 Devemos estar abertos a refletir sobre como nossas estruturas (programações, atividades, ministérios) refletem o que cremos. John Stott desenvolveu o termo “Estrutura Herética” 17 , para se referir a estruturas que repetimos acriticamente e que, na verdade, contradizem a declaração de fé ortodoxa que fazemos como igreja. Chan aplica esse conceito da seguinte forma: Suponhamos que a declaração doutrinal de sua igreja diga algo sobre o fato de todo crente usar seus dons espirituais para manifestar o Espírito Santo. Isso é boa teologia. Entretanto, deixe-me perguntar: Você está certo de que a estrutura da sua igreja não comunica uma teologia diferente? Essa estrutura demonstra que o dom de todo irmão realmente importa? Ou acaso ela sugere que o que vale são apenas os dons do pastor, dos líderes de ministério e de alguns músicos? Se a resposta for afirmativa, sua igreja se baseia em uma estrutura herética que certamente fala mais alto que a declaração teológica ortodoxa por ela anunciada. “O que conta não é a teologia que professamos, mas a que praticamos”. 18 Se declaramos doutrinariamente que a igreja existe para a glória de Deus e para serviço ao mundo, mas vivemos como uma instituição cuja energia é toda direcionada para atividades de manutenção que dizem respeito apenas a nós mesmos, o que acha que falará mais alto? Aquilo que afirmamos ou aquilo que praticamos? Olhe novamente para o calendário e lista de ministérios de sua igreja. O que essas estruturas comunicam? Uma pergunta que todo líder cristão seriamente preocupado com a revitalização da igreja em que serve deve fazer é: “Qual o meu papel na revitalização de cada cristão em nossa igreja local para o envolvimento prático na obra transformadora de Deus em nossa comunidade?” Os verbos da revitalização A caminhada para a revitalização passa pela disposição dos líderes cristãos em vivenciar com a igreja um processo que passa por diferentes estágios, alguns dos quais identificamos nestes verbos: Aprender – abertura e humildade para aprendizagem junto a outras igrejas locais e ministérios que estão atuando de forma transformadora em seus contextos; Encarnar – aprofundando-se no conhecimento da comunidade em que a igreja está inserida, entendendo seu perfil demográfico e realidade sociopolítica, cultural e espiritual, em interação com os atores sociais locais e discernindo as ações que podem ser desenvolvidas em missão de forma contextualizada. Tal esforço de encarnação deve sempre ter em mente o modelo de Jesus que encontramos em Filipenses 2.5-8. Servir – construindo com a igreja uma agenda que busque demonstrar o amor de Deus para com as pessoas da localidade (Mateus 5.16; 1Jo 4.7-12) engajando-se com suas dores e com os desafios de sua região, por meio de uma atuação contínua em compaixão e promoção da justiça; Proclamar – trazendo a proclamação do Evangelho e suas implicações para o centro de tudo o que a igreja é, diz e faz; Adorar – promovendo cultos missionais, que inspirem e equipem os cristãos em seu serviço ao mundo e comuniquem o Evangelho de forma que faça sentido para cristãos e não cristãos; Liderar – abrindo mão de uma postura centralizadora, passando a um esforço intencional voltado a equipar cada cristão para vivenciar seu chamado no Reino de Deus; Multiplicar – buscando desde o início o plantio de ministérios missionais que possam se reproduzir de forma saudável e bíblica na comunidade. Orar – Obviamente, nos referimos a uma jornada que só é possível mediante um sério compromisso com a oração e as demais disciplinas espirituais, investindo tempo para ouvir a voz do Senhor e discernir sua direção em relação à nossa vida e missão na comunidade. Além disso, é essencial abrir mão do isolamento e buscar a cooperação ativa com outras igrejas locais e organizações na tarefa de alcançar e servir o bairro e a cidade. Dessa forma, aprendemos uns com os outros e somos mutuamente encorajados ao amor e às boas obras, enquanto ampliamos nosso impacto transformacional em favor do avanço do Reino de Deus na região em que estamos localizados. Em todo esse processo, é muito importante refletir seriamente sobre o propósito de Deus para a sua igreja. O Novo Testamento deve ser a referência nessa reflexão à medida que analisamos as marcas de igrejas como a de Jerusalém (Atos 2.42–47) e Antioquia (Atos 8.1; 11.19-30; 13.1-3) e as comparamos com a experiência comunitária que temos vivido em nossas igrejas locais. 19 Igrejas vivas revitalizando a comunidade Foi em um contexto socioeconômico e político profundamente afetado pelo preconceito racial na cidade de Mendenhall, nos Estados Unidos, que a igreja A Voz do Calvário, pastoreada por John Perkins, promoveu uma profunda revitalização. Padilla descreve em um artigo sobre o testemunho de Perkins, baseado em sua experiência registrada no livro Justicia para Todos 20 , os três princípios fundamentais para tão relevante impacto transformacional: 1. Reassentamento (mudança de endereço). “Para servir aos pobres de maneira eficaz”, diz John, “devo reassentar-me, ou seja, integrar-me à comunidade necessitada. Ao ser vizinho dos pobres, as necessidades da comunidade se convertem em minhas necessidades. 2. Reconciliação. O evangelho tem poder para reconciliar as pessoas tanto com Deus como com as demais [...] A reconciliação que atravessa barreiras raciais, culturais e econômicas é um aspecto imperativo do evangelho. 3. Redistribuição. Deus nos chama a compartilhar com os que passam necessidade […] Significa compartilhar nossas habilidades, nosso tempo, nossas energias e nosso evangelho de modo a capacitar as pessoas a interromper o círculo de pobreza e assumir a própria responsabilidade diante de suas necessidades. 21 O desenvolvimento de uma igreja viva deve revitalizar também a comunidade em que ela se encontra presente. Perkins tinha uma estratégia clara, bíblicae bastante desafiadora, e dedicou muitos anos a aplicar e ensinar esses princípios em sua realidade local, o que promoveu muitos frutos na vida da localidade através da intensa ação da igreja, como testemunha Padilla: Deus me concedeu o privilégio de visitar Mendenhall uns anos depois do início do admirável ministério de John Perkins em sua cidade natal. Vi pessoalmente alguns resultados da prática da estratégia implementada por esse pregador portador de consciência social. Um líder que, sob a direção de Deus, empreendeu um ministério que se iniciou na prática com uma pequena creche e foi crescendo pouco a pouco, até se converter em um modelo de missão integral. Um modelo que responde às necessidades físicas, sociais e espirituais da comunidade, se autofinancia e é dirigido por líderes locais que surgiram do próprio meio e se constituíram com o propósito de servir ao seu povo. 22 É assim que se parece a revitalização da igreja e da sua liderança, uma vez que ela é mais bem definida como o resgate da biblicidade, da apostolicidade e da missionalidade da igreja local, no propósito de encarnar sua tarefa como agência do Reino de Deus na Terra. Quando All Souls, a igreja na qual exerceu seu longo e frutífero pastorado na Inglaterra, aproximou-se de seu aniversário de 150 anos, John Stott recebeu um pedido para que pregasse trazendo uma visão para o futuro. O sermão foi denominado “sonho com uma igreja viva”, e acabou se tornando uma inspiração para muitos ao destacar algumas marcas bíblicas que se mostraram aplicáveis em diferentes contextos. “Sonho com uma igreja bíblica, adoradora, acolhedora, que sirva e que espera”. 23 Sobre o serviço, Stott escreveu: Sonho com uma igreja que seja uma igreja que sirva – Que veja Cristo como o Servo e ouça o seu chamado para ser também serva, Que seja liberta do interesse próprio, virada do avesso, e se dê de modo altruísta no serviço aos outros, Cujos membros obedeçam ao mandamento de Cristo de viver no mundo, permear a sociedade secular, ser o sal da terra e a luz do mundo, Cujo povo compartilhe as boas novas de Jesus simplesmente, naturalmente e entusiasticamente com seus amigos, Que sirva com diligência à própria paróquia, bem como aos residentes e trabalhadores, famílias e solteiros, nacionais e imigrantes, idosos e criancinhas, Que esteja alerta às necessidades em mudança da sociedade, sensível e flexível o bastante para continuar adaptando o seu programa para ser mais útil no serviço, Que possua uma visão global e esteja constantemente desafiando seus jovens a entregar a vida ao serviço e constantemente enviando seu povo para servir. Sonho com uma igreja que sirva. 24 Como líderes cristãos vivendo nas cidades brasileiras no século 21 também somos desafiados a sonhar com uma igreja assim. No novo testamento encontramos exemplos de cidades como Éfeso (At 19), impactadas em sua realidade espiritual, social, econômica e cultural, através do desenvolvimento integral do corpo de Cristo. Nossos bairros e comunidades necessitam da atuação de igrejas marcadas pelo serviço, atentas às dores e carências das cidades. Igrejas repletas de gente parecida com Cristo, trabalhando como agências de transformação, em generosidade, coragem e serviço, apaixonadamente proclamando o Evangelho e demonstrando o senhorio de Cristo sobre todas as áreas da vida. Perguntas para reflexão 1. Reflita com seu grupo sobre a realidade da igreja local em que serve. Em quais áreas ela necessita de revitalização? A partir dos critérios da espiritualidade, encarnação e fidelidade avalie como ela tem desenvolvido as quatro dimensões do crescimento integral proposta por Orlando Costas e descritas neste capítulo. Use a tabela abaixo. 2. A partir da leitura do capítulo, defina o que significa “revitalizar a igreja”. Qual o papel a ser desempenhado pelos líderes nesse processo? 3. Avalie com seu grupo o calendário e ministérios de sua igreja. Atualmente estão mais voltados à manutenção interna da congregação ou existe um foco em equipar cada membro para desenvolver sua vocação na cidade e no mundo? Conversem sobre sugestões para um plano de ação na direção de mobilizar cada membro para participar ativamente na missão de Deus em sua comunidade e área de influência. Bibliografia CHAN, Francis. Cartas à Igreja. (São Paulo. Mundo Cristão, 2019.) COSTAS, Orlando. “Dimensiones del crescimento integral de la iglesia”, In: Revista Misión , n. 2, 1982. Disponível em: http://ediciones.kairos.org.ar/wp-content/uploads/2017/12/Misión-02-1982- Reflexiones-en-torno-a-la-guerra-de-Malvinas.epub . (Acesso em 13/8/2019.) JALES, Arthur George Bezerra. Hierarquia e Democracia: uma análise no processo decisório das igrejas evangélicas no bairro de Felipe Camarão (Natal/RN) . Trabalho de conclusão de curso de graduação em Ciências Sociais. (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2018.) LINTHICUM, Robert. Revitalizando a Igreja: como desenvolver sua igreja para um ministério urbano efetivo. (Rio de Janeiro. Horizonal Editora, 1996.) LOPES JÚNIOR, Orivaldo Pimentel. “Pesquisa de aluno”. Mensagem pessoal. Mensagem recebida por leandrosilvavir@gmail.com em 6/8/2019. PADILLA, René. “ John Perkins”, In: Revista Ultimato , ano 51, n. 372, jul/ago 2018. Disponível em: https://www.ultimato.com.br/revista/artigos/372/john-perkins . (Edição para assinantes da Revista Ultimato . Acesso em 13/8/2019.) REVITALIZAÇÃO. In: Dicionário Michaelis. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/busca? r=0&f=0&t=0&palavra=revitaliza%C3%A7%C3%A3o . (Acesso em 12/8/2019.) STOTT, John. A Igreja Autêntica. Tradução Lucy Hiromi Kono Yamakami. (Viçosa, MG: Editora Ultimato; São Paulo: ABU Editora, 2013.) VIRGINIO, Leandro Silva MENDES, Marcos; OLIVEIRA, Valtenci e DINIZ, Renildo (orgs.). Igreja em Movimento, Comunidades em Transformação. (São Paulo: Garimpo Editorial, 2016.) 2 Novos líderes para um novo tempo: revitalizando a liderança eclesiástica Marcelo França 25 [...] a Igreja não existe senão para atrair os seres humanos a Cristo e torná-los pequenos Cristos. Se ela não estiver fazendo isso, todas as catedrais, o clero, as missões, os sermões e até mesmo a própria Bíblia não passarão de mera perda de tempo. A Bíblia diz que todo o universo foi criado para Cristo e que tudo deve ser reunido nele. 26 A complexidade e os anseios do homem hipermoderno 27 tem-no levado a levantar – por conta da constante insegurança e vazio – muitas perguntas sobre o presente, concernentes a emprego, carreira, vida afetiva, filhos, moradia e, quanto ao futuro, no tocante a investimentos, aposentadoria, desemprego, dentre tantas outras questões. Isso é legítimo e necessário em um mundo em desenvolvimento permanente. No entanto, a dinâmica e a pressa da vida urbana também têm conduzido as pessoas, como aponta o pensador francês Gilles Lipovetsky 28 , ao isolamento e à autossabotagem, causa e consequência da falta de comunhão. Podemos dizer que isso é fruto das inúmeras necessidades que afligem o ser humano. E esse desejo de busca por completude e satisfação tem revelado nosso assombroso estado de vazio. A sociedade hodierna está infestada de ídolos e, apesar de estar inserida em uma cultura consumista, paradoxalmente, ela tem sido consumida e escravizada por esses mesmos ídolos. Logo, podemos nos deter em alguns questionamentos que surgem no coração desses hipermodernos: Como enfrentar os problemas sociais? Como reagir aos sofrimentos do homem contemporâneo? Como criar uma ideologia saudável? Como desenvolver princípios em uma sociedade que abomina os princípios? Como desenvolver relacionamentos saudáveis quando só o que se enxerga é uma epidemia de solidão? Como ensinar as Boas Novas aos que querem ouvir? Como responder a esses anseios? Penso que a avalanche de questões levantadas pela sociedade nasce do seu profundo desejo de construírem suas próprias Babéis. 29 Esse é o novo tempo que chegou, e líderes continuam surgindo, a igreja continua firmada. 30 Surge, então, uma problemática: Nessa busca desenfreada por congressos,seminários, treinamentos e diversos cursos, como formar novos líderes para esse novo tempo? Porém, não apenas formar líderes, mas líderes com coração de pastor. É urgente para a igreja preparar-se na formação e na revitalização de sua liderança. É sobre essa temática que estaremos nos debruçando nas próximas páginas. Como diriam Russel Shedd, Eugene Peterson, Dallas Willard e Kevin Vanhoozer 31 , precisamos voltar aos princípios empregados no recrutamento e formação de líderes, por Jesus, pelos apóstolos, pelos pais da Igreja e pelos grandes líderes do passado. Em um mundo sobremaneira mutável, mais precisamente, no contexto da igreja brasileira, temos visto uma terrível crise na formação de sua liderança, elemento para o qual não podemos fechar os olhos, sem desconsiderar as mudanças contextuais. E quando falamos em uma volta aos princípios, o fazemos no sentido de encontrar, ou reencontrar, algo que tem faltado para muitos setores do evangelicalismo nacional: uma direção bíblica, teologicamente saudável e inspirada. A igreja brasileira precisa encontrar um sentido em sua caminhada. Com tantas opções e caminhos, ela tem sido levada para o que podemos considerar “descaminho”. Há uma gritante carência de líderes focados e com uma clara visão de seu chamado. Não tem sido à toa a epidemia de uma liderança que perdeu o rumo e, a partir disso, o borbotar de líderes “especializados” – que, em muitos casos, estão muito aquém de uma especialização de fato. Parece- nos que o pastorado, em lugar de ser ocupado por alguém que tem um chamado divino para tal, funciona como uma pseudocondecoração eclesiástica que valida tudo, ganhando um sentido que não existe. 32 Como exemplo, podemos citar a “nova onda” dos líderes coachings, ativistas políticos, sociais, sindicalistas, que são qualquer coisa diferente de líderes cristãos com coração de pastor. Não temos o propósito de ir contra a renovação ministerial, no entanto, um ponto crucial a ser ponderado é uma espécie de “febre” da reinvenção dos ministérios atuais. Ou será que aquilo que chamam de reinvenção é um eufemismo para a falta de direção ministerial? Talvez seja essa a reposta para a ausência de grandes exemplos em nossas lideranças, ao passo que estamos cheios de líderes perdidos e medíocres. É preciso voltar ao simples! É urgente o retorno ao discipulado, à formação artesã de verdadeiros discípulos de Cristo. É preciso denunciar com mais urgência ainda que não se formam líderes como artigos de uma linha de produção em série. Líderes são forjados lentamente, sendo afiados a cada passo da vida. Vida na vida, por toda a vida, para que haja convicção e sustentação basilares na manutenção do ministério, como sabiamente apontou o pastor Paulo Solonca, amigo de saudosa memória. Em uma geração que apela para a performance nos palcos de líderes coachings, a igreja precisa de pastores. Com urgência e muita seriedade é preciso voltar aos primórdios da formação espiritual. E, reafirmamos que isso não representa dizer que devemos desconsiderar o dinamismo e as mudanças globais. O que estamos dizendo é que se quer perfomatizar o que essencialmente necessita de caráter . Precisamos formar líderes que sejam moldados segundo o padrão de Cristo e não líderes performáticos que do alto de seus “palcos” – não púlpitos – mostram-se apresentadores de encenações sem qualquer conteúdo cristocêntrico. Uma das mais fortes dores enfrentadas pelo apóstolo Paulo era decorrente do tremendo esforço, sério e comprometido, na formação de verdadeiros discípulos de Cristo: ... meus filhos, por quem, de novo, estou sofrendo as dores de parto, até que Cristo seja formado em vocês (Gl 4.19). O pastor e escritor John Sittema nos traz uma sensata advertência quanto aos que ele chama de “lobos da atualidade” 33 , os quais minam nossas forças. O secularismo, o materialismo, o relativismo, o pragmatismo e o feminismo são como lobos devoradores que enfraquecem a sociedade e, consequentemente, os cristãos, provocando doenças espirituais em muitos. Sittema traz a lume o veemente discurso do secularismo em favor da relevância, em uma sociedade que vivencia um carpe diem 34 . De acordo com ele: [estamos] vivendo em um mundo que está preocupado com o aqui e o agora, membros de muitas das igrejas na atualidade estão obcecados com “relevância” e avaliam os sermões e outras formas de treinamento e discipulado quase que exclusivamente de acordo com esse parâmetro. Esqueça o processo cuidadoso do discipulado, de aprendizado até alcançar o Cristianismo maduro, adquirindo experiência lentamente, mediante a observação, a fim de saber o que significa ser discípulo, crescendo pacientemente, na graça e no conhecimento, à medida que vai aprendendo a Palavra e todas as suas implicações. “Supra minhas necessidades agora! Se você não o fizer, vou procurar e outro lugar!” 35 É possível observar a forma visceral pela qual esta cultura secularizada do rápido está impregnada também em nossas comunidades e, infelizmente, não estamos conseguindo atentar que estamos sendo consumidos por ela. O resultado disso é que imprimimos em nossas mentes, em nossa vida e na igreja, os mesmos parâmetros de velocidade nos processos de formação que têm produzido uma geração com uma (pseudo) performance de encher os olhos. 36 Contudo, a vida pessoal dessa geração leva-nos a um rasgar de coração. Alguns podem até alegar que seguir um caminho mais performático é fazer com excelência – o que entendemos estar longe de o ser. Entretanto, quando se trata de cuidar da formação de um líder, é necessária a devida prudência, obedecendo o tempo que os processos naturais de crescimento e amadurecimento requerem. A excelência é um requisito imprescindível nessa formação, contudo, ela não é alcançada, neste caso, pela alta velocidade em sua realização, ou na quantidade de coisas que o suposto líder produz. Excelência é um atributo que se emprega pelo alto nível de qualidade naquilo que se faz, independentemente da quantidade de trabalho realizado. Muita gente faz muito, mas de forma medíocre. Certa vez, em uma palestra de um dos maiores líderes cristãos do século 20, o dr. John Haggai, ouvi algo muito impactante para nossa reflexão. Parafraseando suas palavras, ele afirmou que os maiores pensadores do mundo nos assustam por sua simplicidade. Satanás sempre complica as coisas. Por que em 300 anos fomos incapazes de produzir outro Shakespeare? Outro Beethoven, outro Bach? Porque as pessoas não estudam e dominam uma matéria. Focam em fazer tudo ao seu redor. E isso é mediocridade. Líderes que lutam contra a mediocridade se submetem aos movimentos, ensinos e exigências de uma liderança saudável. Ou seja, estão sempre em busca de resgatar a essência para um legado contínuo. Em um mundo totalmente pluralizado em suas mais diversas manifestações, Deus não perdeu a singularidade e o propósito da sua missão. 37 É por entre os becos, vielas, ruas, apartamentos, trânsitos, consultórios, recônditos da vida cotidiana e plural, que Deus convoca a igreja a usar da singularidade e movimento do Espírito Santo na formação de líderes para novas gerações. É mister que a igreja brasileira acorde para a necessidade de resgatar o sentido bíblico de vocação e a seriedade histórica e cristã na formação de líderes. A partir da apreensão e compreensão desses movimentos multifacetados na sociedade brasileira, que promovem um misto de desenvolvimento cheio do vazio, é que precisamos parar e resgatar princípios essenciais e eternos para construção de uma nova liderança para um novo tempo. Somente assim poderemos sonhar com uma liderança mais saudável em um futuro próximo. Para tal, cremos ser imprescindível resgatar dois elementos fundamentais nesse propósito: a vocação e a formação espiritual. O resgate da vocação Há dez anos estou pastoreando a Igreja Batista Zona Sul em Parnamirim, região metropolitana de Natal/RN. Nesse tempo, quando se trata de formação de líderes, o que mais tenho me deparado é com pessoas que têm um sincero desejo de crescer no Reino,mas não compreendem o que é submissão ao Rei 38 . É interessante apontar que, quando se trata do exercício de liderança, muitas dessas pessoas confundem vocação com posição, serviço com poder, identidade com título. E é nessa confusão que se encontra o perigo, pois acreditam que na posição que ocupam, irão vaidosamente exercer o reinado que pertence apenas e unicamente ao Rei. Prefiro crer que isso acontece pelo ensino que tiveram e não apenas por um coração pecaminoso. O fato é que, ao se tratar de liderança, muitos pastores e líderes perderam suas identidades em Cristo, sabotaram suas vocações. Estão muito mais preocupados com a posição e com a manutenção de um status quo. Jogam ao léu sua responsabilidade com a formação de um legado e ensino vocacional missional da igreja de Cristo. Em algumas igrejas e denominações existem os cultos e conferências para despertamento dos vocacionados, o que entendemos necessário. No entanto, elitiza-se o chamado à vocação a um público específico e, diga-se de passagem, privilegiado, o que é visível na relação entre pastores, missionários e igrejas. Coloca-se que apenas pastores e missionários são vocacionados e que, consequentemente, os demais membros da igreja são leigos – “não chamados”. Ignora-se o significado de vocação e chamado, como aponta, de uma forma tão simples, Darrow L. Miller, em seu livro “Vocação: escreva sua assinatura no universo ”. 39 O trabalho de conscientização e ensino para mudar essa cultura é muito árduo. O que se nota claramente é a força poderosa adormecida nos bancos de nossas igrejas. Muitas dessas pessoas estão inertes na sociedade por não compreenderem o sentido da vocação à qual foram chamadas e não perceberem que, como discípulos de Cristo, são chamadas a exercer sua vocação onde quer que estejam (Gn 12.1-3). Uma das coisas que mais precisamos abordar na formação de novos líderes é que estes precisam, necessariamente, compreender e obedecer ao chamado de Deus para serem discípulos. 40 Para exemplificar esse fato, vamos analisar algo que vem ocorrendo no cenário evangélico brasileiro. Nosso país tem vivenciado uma efervescente crise política, a qual adentrou nossas igrejas e estas, por sua vez, vivem uma crise teológica que as tem levado a ouvir e aceitar os ensinos equivocados de muitos “meninos em fralda”. Estes, após concluírem a leitura de um livro de determinada linha teológica, já se consideram verdadeiros “mestres da lei” e não queremos, com isso, difamar os mestres da lei, contemporâneos de Jesus, pois, apesar de suas falhas, ao menos liam muito mais do que um livro. Tais meninos, embriagados no vinho de seu ego, perderam o respeito entre si e transformam as redes sociais em uma arena de guerra eclesiástica. Como crianças, não conseguem perceber que teologia sem vida prática é cinismo. Muitos desses jovens mais se parecem com o “o artista da fome” 41 e não percebem que estão morrendo aos poucos, alimentando-se de vento para servir de espetáculo e escárnio a outros esfomeados que se encontram do outro lado da jaula. Assim são esses pseudodiscípulos: perto dos livros – um ou dois, no máximo – e longe de Deus; perto das ideias – ideologias secas, extremistas e sem vida – e longe das pessoas. Ao perderem sua identidade e vocação, perdem a sensibilidade de ouvir a voz de Jesus que os convida a um relacionamento verdadeiro e transformador: “Venham comigo” (Mt 4.19; Mc 1.7; Lc. 5.27; Jo 1.43). Contudo, esse também é um convite aos que estão sentados letargicamente nos bancos das igrejas. Resgatar a vocação tem a ver não apenas com refletir a imagem de Deus, mas com a consequência disso que é “seguir a Jesus, a imagem de Deus”. 42 À medida que seguimos Jesus como verdadeiros discípulos, estamos exercendo nossa vocação de refletir a imagem de Deus da maneira mais dinâmica e pessoal possível. Vanhoozer conclui que “o chamado para o discipulado é dramático por exigir uma resposta e a resposta envolver ação. Não existem discípulos estagnados em poltronas”. 43 Por isso, temos que nos unir ao coro de pastores, líderes e escritores que têm batido incansavelmente na tecla de que todos somos vocacionados. Quando os cristãos conseguirem perceber que todos fomos chamados e vocacionados a ser discípulos, muitas coisas ao seu redor irão mudar. As mudanças de atitudes através dos discípulos de Cristo, por menores que sejam, causarão impactos saudáveis e permanentes na sociedade. Temos reverberações disso até hoje com as faculdades, escolas, institutos, hospitais, creches, orfanatos, asilos, centros de pesquisas, etc., que foram criadas pelos cristãos evangélicos após a Reforma Protestante. Para formar novos líderes para as novas demandas da sociedade, é urgente o alerta à igreja de que todos são chamados a exercer suas vocações em qualquer lugar que estejam. Ou seja, o resgate da vocação é um chamado para ser verdadeiro discípulo de maneira integral. O poeta, músico, arranjador e cantor João Alexandre, compôs uma linda música que reflete bem essa realidade de ser discípulo na prática: [...] Sejamos coerentes, transparentes, reluzentes, conscientes Todos crentes que somos os filhos seus Na rua, no trabalho, na escola, na loja, na padaria No posto, na rodovia, na congregação Que haja em nós o mesmo sentimento Que Deus habite em nosso coração! 44 O exercício da vocação de discípulo de Cristo está intrinsecamente conectado com a ideia do caráter transformado. Insisto no resgate da vocação para a saúde da igreja, por perceber que a vocação é uma convocação a todos os que são discípulos e dentre todos os convocados, é claro, creio que Deus convoca, especificamente, alguns para dedicação exclusiva ao ministério pastoral, missionário, eclesiástico e tantos outros. No entanto, o vocacionado precisa observar em sua vida o cuidado do caráter como um alerta indispensável. O apóstolo Paulo, ao orientar seus discípulos, os adverte do perigo de desvencilhar a liderança da vida piedosa (1Tm 3.1-3; Tt 1.5-9) e ainda traz a singularidade do fruto do Espírito (Gl 5.22s) que dever ser buscado por eles. O maior problema é confundirmos quem somos de segunda a sexta-feira, no nosso cotidiano “secular”, com quem somos aos domingos, nosso momento “sagrado”, um dualismo nocivo refletido na sociedade. Ao observar a desconexão de imagens entre o pastor e líder, o pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto Central em Brasília, Ricardo Barbosa de Souza, ao prefaciar o excelente livro do meu pastor literário Eugene Peterson, A vocação espiritual do pastor 45 , faz o seguinte alerta: Essa nova imagem do líder vem corrompendo a vocação. Os pastores continuam fazendo seu trabalho. Pregam todos os domingos em seus púlpitos, aconselham, visitam, oram, ensinam a Bíblia, mas a vocação vem sendo, lenta e sutilmente, substituída por outro paradigma, um modelo de liderança que, de certa forma, quase imperceptível, nega o chamado de Cristo. Os líderes estão mais preocupados com estruturas eclesiásticas, crescimento estatístico, ferramentas tecnológicas, funcionalidade. São realidades que não podemos negar, mas não se constituem na vocação. Como pai e marido, tenho responsabilidades, contas para pagar, consertos domésticos para fazer, poupança para comprar uma casa própria, mas não é isso que define minha vocação de pai, um lar, uma família. O que define um lar é a comunhão e a amizade, o crescimento e o amadurecimento pessoal, espiritual, moral e afetivo, a hospitalidade, o perdão, a graça de Deus. 46 Tendo em vista o exposto até o momento, penso que podemos adentrar em um resgate mais específico, já que, ao falarmos de resgate da vocação na formação de líderes, na verdade, deveríamos receber o confronto de que precisamos resgatar o valor da vocação pastoral . Ser pastor, e simplesmente pastor, parece ser assunto arcaico ou peça de museu – algo desprovido de holofotes no mundo performático em que vivemos. A igreja grita de dor por ausência pastoral, mas, na busca desenfreada por uma plateia numerosa de seguidores, abre espaço – muito pela sede de líderesque os guiem, muito pelo ego que, inflado, necessita de qualquer tipo de vento 47 – para um coaching que irradie sua própria “luz” e não a luz de Cristo. Como líderes espirituais, não devemos estar em busca de seguidores e sim de formar e forjar o caráter de discípulos de Cristo. Como pastores, devemos priorizar em nossas agendas não a eficiência e sucesso do ministério, mas ver a imagem de Cristo refletida em nossa vida e na de nossos filhos na fé. Não é o quanto de talentos e potencialidades que possuímos como líderes, mas o quanto de Cristo que temos e o que Deus nos chamou para fazer: pastorear. Essa é a nossa vocação. O resgate da formação Certa vez ouvi o grande pregador e amigo, Wander Ferreira Gomes, dizer: “Você não fez nenhum sacrifício para ser salvo. No entanto, não existe vida cristã sem sacrifício”. Isso me causou tanto impacto que em um primeiro momento não compreendi, pois estava deslumbrado com a maravilhosa graça de Deus. Em outro instante, fiquei pensativo se não seria legalista a segunda parte da afirmação. Mas, entendi que não é. Na verdade, essa frase tira os holofotes do palco das performances e os coloca em algo que, hoje, está muito em falta em nossas igrejas: a formação espiritual. 48 Parece que nos esquecemos de nossa natureza caída e da necessidade de autoanálise constante, a fim de não sermos reprovados. Como asseverou o apóstolo Paulo: Mas esmurro o meu corpo e o reduzo à escravidão, para que, tendo pregado a outros, não venha eu mesmo a ser desqualificado (1Co 9.27). Onde está esse sentimento na igreja hipermorderna? É urgente a insistência em tratar o tema “caráter” quando se fala em formação de discípulos. No início do caminho é preciso ser claro que o processo é longo e de muita renúncia. Como diziam os poetas judeus, é uma longa obediência em uma mesma direção. Pois estamos sendo formados para representar Cristo – somos seus embaixadores (2Co 5.20). Citando Warren Wiersbe, em seu excelente livro, o pesquisador Dr. Robert J. Clinton 49 resume com maestria, nas primeiras páginas da obra, que no fim do processo de formação espiritual o mais importante é a integridade: Separado do caráter, o ministério não passa de atividade religiosa, ou pior, de comércio religioso. “Estou convicto”, escreveu Henry Martyn, “de que o primeiro grande negócio na terra é a santificação de minha própria alma...”. Alguém perguntou ao financista J. P. Morgam qual era o melhor avalista que um cliente poderia lhe proporcionar. Morgan respondeu: “caráter”. G. Campbell Morgan estava viajando com D. L. Moody [...] quando repentinamente Moody perguntou: “Afinal, o que é caráter?” Morgam sabia que o evangelista queria responder a sua própria pergunta, de forma que esperou. “Caráter”, disse Moody, “é o que um homem é no escuro...”. Talvez a palavra-chave seja integridade. [...] Nenhum montante de reputação pode substituir o caráter’. 50 A negligência do zelo na formação espiritual é ocasionada por essa pressa exacerbada na formação e isso, infelizmente vem ocorrendo em todas as áreas da vida. 51 Há, ainda, a não valorização dos processos da vida, que muitas vezes, são lentos e tempestuosos. Essa batalha constante, como já identificava Santo Agostinho, é encontrada no terreno do nosso coração. É lá que está sendo travada a batalha entre o Salvador e Satanás. É na estrada do coração humano que surge o drama do discipulado, segundo Vanhoozer. 52 Para tanto, o discipulado – a formação espiritual – tem um preço (Mt 16.24; Mc 8.34s; Lc 14.27,33; Ef 4.1). A formação espiritual custa caro porque, para desfrutarmos da graça maravilhosa de Deus, foi pago um alto preço por Cristo na Cruz (At 20.28). Vanhoozer complementa, afirmando que a formação espiritual “é nossa resposta contínua à realidade da graça divina que nos molda à semelhança de Jesus Cristo, por meio da obra do Espírito Santo, na comunidade de fé, em prol do mundo”. 53 Continuamos afirmando que discipulado é vida na vida a vida toda. Todos nós, de certa forma, somos influenciados por cultura(s) e por cosmovisão(ões) 54 do mundo ao nosso redor. Diante disso, acreditamos que temos o que podemos chamar de uma questão última para a formação do líder cristão: O que ou quem tem nos moldado? Quem tem nos influenciado? Usando a tão fortuita figura de Jeremias, no capítulo 18 de seu livro, quem nos tem formado? Podemos afirmar que somos barro – teoricamente disso, nós sabemos. Mas, a qual oleiro pertencemos? Qual oleiro tem moldado nossas vidas? 55 Diante de questionamentos tão importantes como esses, é de fundamental importância entender a necessidade de “pagar o preço” pelo resgate da formação espiritual. Caso contrário, podemos cair no erro denunciado pelo teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer 56 denominado de “graça barata”. Formar discípulos tem um longo, pedregoso e caro caminho a percorrer, porém não pagar esse preço custa muito mais caro. 57 Cada pastor, missionário ou líder precisa fazer uma anamnese de sua realidade eclesiástica 58 e, após a análise dos resultados, ter a coragem e a sensibilidade de começar o processo de formação e/ou revitalização, lançando mão de diversos recursos – úteis e que não estejam classificados como “fogo estranho” – que o ajudem nessa tarefa. Não raro o que precisamos é um pouco mais de informação, exercitando na prática aquilo que alguns bons pastores têm registrado em diversas de suas obras, um conteúdo pleno de orientações e princípios que podem ser aplicados a diferentes tipos de igreja ou processos de formação. A essência da boa formação reside no Evangelho de Jesus e não deve ser suprimida em favor de “métodos” que surgem dia após dia. O pastor Paschoal Piragine Júnior 59 adverte-nos que é preciso desmistificar o discipulado – formação espiritual – diferenciando-lhe da transmissão de conteúdo sobre a fé. Muito mais que isso, discipulado é transmitir vida. Podemos até perder conteúdos que nos foram ensinados nos bancos dos seminários, mas não devemos deixar passar momentos preciosos de experiências mútuas através de conversas, refeições, estar juntos no dia a dia. Russel Shedd 60 , nos mostra que a estratégia usada por Jesus na formação foi encontrar pessoas que tivessem um coração de aprendiz. Os “leigos” estavam com o terreno do seu coração e mentes expostos à pavimentação do Espírito. Os que querem aprender e se encher de Jesus, esses sim, são os que devem liderar no Reino. Para Jesus, liderar consistia em fazer a vontade do Pai e, em sua escola ambulante, a direção para os caminhos da vida vinha do alto (Is 55.8; Jo 17.8) e sua prioridade era a formação do caráter, a lealdade e o serviço ao Senhor. Isso não diminui de forma alguma a importância do preparo acadêmico. No entanto, define o que é essencial na liderança do Reino na visão do Rei. Então, esse reino invertido leva-nos a refletir sobre como Jesus conseguiu transformar alunos em discípulos que geraram novos discípulos (Mt 4.19; 28.19). As disciplinas espirituais são uma grande fonte inesgotável de aprendizado e de vida para a formação da espiritualidade do líder. Willard 61 , adverte que o maior objetivo é levar o homem a seguir Cristo, sendo transformado de dentro para fora, através de uma renovação de mente (Cf. Rm 12.2; 1Co 2.16). Por vezes, Paulo se refere à transformação advertindo que devemos nos despir do velho homem e nos revestirmos do novo (Cl 3.9-10). Para Willard 62 a formação espiritual precisa de disciplina contínua – e isso nos impressiona, pois vai de encontro à vertente “performática de alta velocidade”. Além disso, essa não é uma ideia muito praticada no contexto atual, em que reinam a inconstância e exigência sem deveres. Portanto, é bom lembrar que essa disciplina contínua não tem eficácia se for executada com a ausência da palavra e da ação poderosa do Espírito Santo. O autor ainda sugere a prática de algumas disciplinas, tais como, solitude, silêncio, jejum, leitura e memorização das Escrituras, oração, dentre outras. Essa perspectiva é corroborada por Shedd e Bonhoeffer que, ao analisarem o Sermão do Monte,conseguem asseverar que a consequência da obediência e formação espiritual desaguam na vida ética que reflete o caráter de Cristo no Reino. 63 Uma das situações mais perigosas e críticas da formação espiritual – mais especificamente do ministério pastoral – é a negligência da vida devocional e da mentoria. A vida de muitos pastores tende ir a pique a partir dessa ausência de disciplina e verdade nessas áreas, pelo fato de serem zonas silenciosas e pessoais, logo, não percebidas pelos “fiscais de plantão” da relevância e eficiência do trabalho pastoral e eclesiástico. Sua ausência mina o avanço da espiritualidade do pastor. No entanto, sem perceberem, pastores e ovelhas – estas nunca exortam da maneira adequada o pastor nessas áreas – mais estão “ajudando” mutuamente a afundar a vida espiritual do pastor e a saúde da igreja do que começando a recuperar o barco em que estão. Peterson, aborda esse sério problema, afirmando que os pastores precisam alinhar seus ministérios e pautar sua formação espiritual na oração, Escrituras e orientação espiritual. Ele encontrou a resposta para sua tese em uma metáfora a partir da trigonometria: [...] eu vejo esses três atos essenciais do ministério como ângulos de um triângulo. A maior parte do que vemos num triângulo são linhas. As linhas têm diferentes proporções entre si, mas o que determina as proporções e o formato do todo são os ângulos. As linhas visíveis do trabalho pastoral são: pregação, ensino e administração. Os pequenos ângulos desse ministério são: oração, Escritura e orientação espiritual. O comprimento e as proporções das ‘linhas’ do ministério são variáveis, servindo para numerosas circunstâncias e acomodando uma ampla gama de dons pastorais. Se, porém, as linhas forem desligadas dos ângulos e desenhadas intencional ou aleatoriamente, deixam de formar um ângulo. O trabalho pastoral desconectado das ações angulares – os atos de atenção a Deus em relação a mim mesmo, as comunidades bíblicas de Israel e da Igreja, as outras pessoas – não mais recebe sua forma de Deus. Ajustar os ângulos é o que dá forma e integridade ao trabalho diário de pastores e sacerdotes. Se estabelecemos os ângulos corretamente, desenhar as linhas será simples. Mas, se formos descuidados com os ângulos ou os dispensarmos, por mais longas ou retas que desenhemos as linhas, não teremos um triângulo, um ministério pastoral. 64 Isso é o que Jordan Peterson 65 chama de regra 2: Cuide de si mesmo como cuidaria de alguém sob sua responsabilidade. Reajustar nossas lentes – cuidar de nós mesmos – para enxergar qual é a nossa real missão, é parte do grande projeto de Deus de trabalhar em nós e através de nós. Os ângulos precisam estar ajustados para que as linhas possam seguir seu fluxo natural e contextual, traçados pelo Criador. Cuidar dos ângulos é cuidar de si mesmo para, assim, cuidar também dos outros. Como recomendou o apóstolo Paulo a seu filho na fé, Timóteo: Cuide de você mesmo e da doutrina. Continue nestes deveres, porque, fazendo assim, você salvará tanto a si mesmo como aos que o ouvem (1Tm 4.16). Se queremos, sinceramente, formar líderes para um novo tempo e, verdadeiramente, revitalizar a liderança eclesiástica em nosso país, precisamos dar alguns passos “para trás” e (re)aprender com os gigantes da fé do passado. Precisamos resgatar a simplicidade pastoral em exercer a vocação com sensibilidade, meditação e oração, transmitindo a vida de Jesus àqueles que passam em nosso caminho. Precisamos peneirar com destreza, zelo e misericórdia novos líderes e repartir em seus corações e mentes, através da formação espiritual, a vida de Jesus. A igreja não precisa de gurus ou líderes performáticos, curandeiros, ativistas sociais, contudo, de pastores que tenham amor por ela e que desaguem a Água da Vida, resgatando a vocação e formação daqueles que foram chamados para ser conformados à imagem e semelhança de Cristo. Afinal de contas, esse é o chamado vocacional do pastor e líder: pastorear e formar os pequenos Cristos. Então, obedeçamos ao Rei! Perguntas para reflexão 1. Como você percebe o cenário eclesiástico evangélico no Brasil e, mais especificamente sua liderança? 2. Pensando sobre a comunidade na qual você está inserido, que elementos apontaria como plausíveis de uma revitalização em sua liderança? 3. Apresente duas sugestões que poderiam ser implementadas em sua comunidade visando a revitalização da liderança. Bibliografia ALEXANDRE, João. “Coração de pedra”, In: ______. Voz, violão e algo mais . (São Paulo: VCP Produções, 2002.) 1 CD (3min58seg). Faixa 6. BARRO, Jorge Henrique. O pastor urbano . (Londrina, PR: Descoberta, 2003.) BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. Traduzido por Murilo Jardelino e Clélia Barqueta. (São Paulo, SP: Mundo Cristão, 2016.) CLINTON, J. Robert. Etapas na vida de um líder. ( Londrina, PR: Descoberta, 2000.) FERGUSON, Dave. Formador de heróis: 5 práticas essenciais para líderes multiplicarem líderes. Traduzido por Nataniel Gomes. (Brasília, DF: Palavra, 2018.) GLAESER, Edward L. O triunfo da cidade. Traduzido por Leonardo Abramovicz, 2ª ed. (São Paulo, SP: BEI Comunicação, 2016. GOHEEN, Michael W. A igreja missional na Bíblia: Luz para as nações. (São Paulo: Vida Nova, 2014. ) GOMES, Wadislau Martins. Sal da terra em terra dos brasis. (Brasília, DF: Monergismo, 2014.) KAFKA, Franz. Um artista da fome e a construção. Traduzido por Modesto Carone. (São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1998.) KELLER, Timothy. Ego transformado: a humildade que brota do evangelho e traz a verdadeira alegria. Traduzido por Eulália Pacheco Kregness. (São Paulo, SP: Vida Nova, 2014.) LEWIS, C. S. Cristianismo puro e simples. Traduzido por Gabriele Greggersen. (Rio de Janeiro, RJ: Tromas Nelson Brasil, 2017.) LIPOVETSKY, Gilles. A era do vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo. Traduzido por Therezinha Monteiro Deutsch. (Barueri, SP: Manole, 2005.) LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. Traduzido por Mário Vilela. (São Paulo, SP: Barcarolla, 2004.) MILLER, Darrow L. e NEWTON, Marit. Vocação: escreva sua assinatura no universo. Traduzido por Fernando Guarany e Joanita Tavares. (Curitiba, PR: Instituto Transforma, 2012.) PETERSON, Eugene. O pastor segundo Deus. Traduzido por Cláudio Chagas. (São Paulo, SP: Cultura Cristã, 2017.) PETERSON, Jordan B. 12 Regras para a vida: um antídoto para o caos. Traduzido por Wendy Campos e Alberto G. Streicher. (Rio de Janeiro, RJ: Alta Books, 2018.) PIRAGINE JÚNIOR, Paschoal. Crescimento integral da igreja: uma visão prática de crescimento em múltiplas dimensões. (São Paulo, SP: Vida, 2006.) PLATT, David. Siga-me: o chamado de Jesus para a vida eterna. Traduzido por Fernanda Camargo, 2ª ed. (Rio de Janeiro, RJ: Thomas Nelson, 2018.) RYKEN, Philip Graham. Cosmovisão Cristã. Traduzido por Claudia Vassão Ruggiero. (São Paulo, SP: Cultura Cristã, 2015.) SHEDD, Russel Philip. O líder que Deus usa: resgatando a liderança bíblica para a igreja no novo milênio. Traduzido por Edmilson F. Bizerra. (São Paulo, SP: Vida Nova, 2000.) SITTEMA, John. O coração do pastor: para resgatar o modelo bíblico de pastoreio da igreja. Traduzido por Suzana Klassen, 3ª ed. (São Paulo, SP: Cultura Cristã, 2016.) SOUZA, Ricardo Barbosa de. A espiritualidade, o Evangelho e a Igreja. (Viçosa, MG: Ultimato, 2013.) ______. Prefácio, In: PETERSON, Eugene. A vocação espiritual do pastor: redescobrindo o chamado ministerial. Traduzido por Carlos Osvaldo Pinto. (São Paulo, SP: Mundo Cristão, 2006.) STEUERNAGEL, Valdir e BARBOSA, Ricardo. Nova Liderança: paradigmas da liderança em tempos de crise. (Curitiba, PR: Esperança, 2017.) VANHOOZER, Kevin J. Quadros de uma exposição teológica: cenas de adoração, testemunho e sabedoria da igreja. Traduzido por Fabrício Tavares de Moraes. (Brasília, DF: Monergismo, 2018.) WILLARD, Dallas. A grande omissão: as dramáticas consequências de ser cristão sem se tornar discípulo. Traduzido por Suzana Klassen. (São Paulo, SP: Mundo Cristão, 2008.) 3 Um discurso contextualizado:revitalizando a pregação Valtenci Oliveira 66 Inicio este capítulo com uma pergunta crucial: Qual a relação entre pregação e revitalização de uma igreja? Quero me valer desta importante interrogação como ponto de partida para nossa reflexão sobre a importância da pregação bíblica no processo tanto de revitalização quanto da saúde integral de uma igreja e sua liderança. Ao escrever ao jovem pastor Timóteo, o experiente apóstolo Paulo disse: Eu te exorto diante de Deus e de Cristo Jesus, que há de julgar os vivos e os mortos, pela sua vinda e pelo seu reino, prega a palavra, insiste a tempo e fora de tempo, aconselha, repreende e exorta com toda paciência e ensino. Porque chegará o tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, desejando muito ouvir coisas agradáveis, ajuntarão para si mestres segundo seus próprios desejos; e não só desviarão os ouvidos da verdade, mas se voltarão para as fábulas. (2Tm 4.1-4 – Almeida Século 21) O apóstolo tem pressa; está aprisionado em Roma, sente que sua morte está muito próxima e, sem perder tempo, suplica e encoraja a Timóteo ao zelo pela pregação legítima da Palavra de Deus. Paulo está preocupado com ensinamentos nefastos de falsos mestres e pregadores de fábulas e heresias que estavam tentando corromper a igreja do Senhor e, que, certamente, estavam encontrando ouvidos prontos, aguçados e ávidos por alguma novidade, ainda que sem amparo das Escrituras. Por isso em tom de urgência ele conclama, com veemência, seu discípulo Timóteo a que não abra mão da doutrina bíblica por intermédio da pregação. Ele diz a Timóteo: “prega a palavra”. Não tenho dúvidas de que a preocupação de Paulo é no sentido de que, ou Timóteo pregava a autêntica Palavra de Deus, ou qualquer coisa ocuparia o lugar dela. Que perigo! Pelo que se depreende do texto, o apóstolo está preocupado não só com os falsos ensinos de seu tempo, mas com outros que se seguiriam, e somente a firmeza da doutrina seria capaz de rechaçá-los. Paulo, Timóteo e os demais apóstolos e discípulos do primeiro século enfrentaram o desafio da fidelidade às Escrituras, ainda que, para alguns, isso tenha custado a própria vida. No século 20, após mais de quatro décadas a serviço da pregação bíblica, o pastor, Dr. Martyn Lloyd-Jones foi convidado para fazer uma série de preleções sobre o tema. Sobre a razão em ter aceitado o convite ele afirma: (…) a razão que tenho para estar bem disposto a expor estas preleções é que, para mim, a obra da pregação é a mais elevada, a maior e a mais gloriosa vocação para a qual alguém pode ser convocado. Se alguém quiser saber doutra razão em acréscimo, então eu diria, sem qualquer hesitação, que a mais urgente necessidade da Igreja cristã da atualidade é a pregação autêntica; e, posto ser a maior e mais urgente necessidade da Igreja, é óbvio que também é a maior necessidade do mundo. 67 É fato que a vida da igreja depende da pregação bíblica. Ela é urgente! Mas, e a igreja do Século 21? Como temos nos comportado diante do desafio da fidelidade a pregação Bíblica? Vivemos em num mundo globalizado, caracterizado pelo hedonismo, isto é, a busca, sem limites, pelo prazer; mas, também, pelo pragmatismo que apregoa a máxima de que “os fins justificam os meios”, ambos, são, acompanhados, de perto, pelo relativismo, que desafia a verdade, os princípios e os valores bíblicos. Minha pergunta é: Como, diante destes desafios, conservarmos a sã doutrina? O diagnóstico não é bom para muitas igrejas! Elas estão estiolando, suas forças estão se esvaindo, seu vigor arrefecendo, enquanto agonizam porque lhes falta pregação bíblica comunicada com coerência, consequência e consistência. Por isso quero me valer destas linhas, não para trabalhar modelos e métodos de pregação, pois temos excelentes obras sobre esses assuntos, mas, para dar alguns conselhos que julgo fundamentais no processo de revitalização e saúde de igrejas e lideranças, que precisam, com urgência, de pregação viva a fim de que cumpram integralmente a missão! Nesse sentido é muito importante que reflitamos sobre algumas questões. A pregação que revitaliza é bíblica! Não podemos abrir mão do caráter bíblico da pregação! Preocupam-me os púlpitos que não dão o devido valor à exposição das Escrituras e nos quais fala-se de tudo: de economia, de política, de filosofia, de artes, administração, etc. Os assuntos são muitos e para todos os gostos, mas se omite o texto bíblico; quando muito o leem, fecham a Bíblia e, a partir de então, inicia-se a contação de casos, anedotas e histórias, distantes do texto que foi lido. Vivemos um tempo de pregadores, sem brilho, mortos, sem compromisso e zelo pelas Escrituras. Como sentenciou o escritor americano, Edward McKendree Bounds “Homens mortos tiram de si sermões mortos e sermões mortos matam”. 68 O texto bíblico, para alguns, tem servido apenas como pretexto para iniciar uma conversa sobre outras coisas. Púlpitos onde se fala mais de estratégias de autoajuda para se ter uma vida feliz, baseados em outros livros e autores, do que da necessidade de arrependimento e fé para salvação. Sem falar nos púlpitos de entretenimento. Assim, a argumentação bíblica é rasa! O resultado é desalentador. Dezenas, centenas e milhares de pessoas que não conseguem discernir entre o certo e o errado, entre a fidelidade e a infidelidade a Deus, entre igreja e mundo, entre o bem e o mal. Isso porque lhes negam a exposição do texto bíblico que garante oxigenação e vida à igreja. E aí muitos são engodados por muitas coisas, cabendo bem aqui, a frase usada por C. S Lewis, em Cartas de um Diabo a seu aprendiz : “horror da mesma coisa de sempre”. 69 A saúde da igreja depende de púlpitos vivos, que preguem, “a viva, eficaz e penetrante Palavra de Deus” (cf. Hb 4.12). A pregação bíblica traz oxigenação, alimenta a igreja e alcança os perdidos. Portanto o assunto da pregação está no texto bíblico e mais em nenhum outro lugar. Para John Stott: O mundo contemporâneo é decididamente hostil à pregação. Em grande parte, as palavras têm sido eclipsadas por imagens, e os livros pelas telas. Assim, a pregação é considerada uma forma antiquada de comunicação, o que alguém chamou de “eco de um passado abandonado”. Quem quer ouvir sermões hoje em dia? As pessoas estão dopadas pela televisão, são hostis às autoridades e suspeitam das palavras. Em consequência, alguns pregadores perdem o ânimo e desistem. Sentem-se sem disposição para continuar ou transformam o sermão num “sermonete” ou pequena homilia ou algo igualmente insatisfatório. Minha tarefa [...] é tentar persuadir os pastores a perseverar, porque a vida da igreja depende disso. [...] As igrejas vivem, crescem e florescem pela palavra de Deus; sem ela, no entanto, encolhem e perecem. 70 Como vimos, na análise de Stott, nossa preocupação precisa ser expor com eficácia a Palavra de Deus. Como ele diz “a vida da igreja depende disso”. Dessa maneira, se o assunto da pregação for a Palavra de Deus, exposta com seriedade, coerência e legitimidade, as igrejas crescerão de forma saudável e integral. Mas, se a pregação bíblica não for o coração da igreja local, seguramente, a tendência natural é a estagnação e morte. É relevante pensarmos, também, na proposta do missiólogo porto-riquenho Orlando Costas, em resposta ao Movimento de Crescimento de Igreja 71 , que abriu mão do caráter bíblico da pregação, seguindo o pragmatismo dos números; ele sentenciou que o crescimento integral e saudável da igreja acontece à medida que ela compreende as dimensões em que precisa crescer. Por isso, em sua teoria do crescimento integral da igreja, o missiólogo admite quatro dimensões em que o crescimento precisa acontecer na igreja local. São elas: crescimento numérico, crescimento orgânico, crescimento diaconal e crescimento conceitual. Para Costas, este último tem a ver com de que maneira a igreja compreende e dinamiza a sua fé. Assim: Por Crescimento Conceitual, referimo-nos à expansão na inteligência da fé: o grau de consciência que a comunidade eclesial tem a respeito da sua existênciae razão de ser, sua compreensão da fé cristã, seu conhecimento da fonte dessa fé [as Escrituras], sua interação com a história dessa fé e sua compreensão do mundo que a rodeia. 72 Para Costas o crescimento conceitual leva a igreja a crescer numericamente de forma saudável e vital; mas não há como crescer conceitualmente sem que se tenha consciência e compreensão de fé, que são conseguidos apenas por intermédio da fonte desta fé que são as Escrituras. Assim, é claramente compreensível que a saúde da igreja é dependente da pregação, sendo a Bíblia o seu objeto de investigação. Outrossim, pensando também, sobre a relação entre pregação, crescimento e saúde da igreja, Hernandes Dias Lopes, afirma: Quando a igreja alcança um índice elevado de crescimento saudável a pregação tem sempre grande ênfase. Durante os eventos mais importantes da história da igreja, como reforma e reavivamentos, a pregação ocupou uma posição destacada. Se, por um lado, a pregação poderosa marcou os momentos culminantes da história da igreja, por outro as crises mais profundas da igreja foram causadas pelo fracasso na pregação. A fraqueza da igreja é resultado da pregação débil. A falta de crescimento da igreja é um diagnóstico da falta de pregação poderosa. Quando o púlpito falha, a igreja deixa de crescer. Quando há reavivamento no púlpito, há aumento do número de bancos. A ligação entre púlpito e crescimento da igreja é muito estreita. 73 Portanto, pregação bíblica e saúde da igreja são inseparáveis! Se uma igreja é saudável é porque está mergulhada na pregação bíblica. Portanto, se há pregação bíblica, há saúde na igreja. A pregação que revitaliza precisa responder às perguntas de seu tempo! Como já vimos, a pregação é um elemento essencial para vida a da igreja. Se pensarmos em termos biológicos, diríamos que ela é parte do DNA da igreja. Portanto, não existe igreja saudável sem pregação bíblica. Assim, a tarefa do pregador, é expor a Bíblia, aplicando-a à sua audiência e respondendo às perguntas de seu contexto com segurança e clareza de linguagem. Para cumprir esse papel o pregador deve se valer das ferramentas tanto hermenêuticas (interpretação do texto) quanto homiléticas (aplicação e atualização do texto), necessárias para que haja uma perfeita conexão entre pregador, texto bíblico e destinatário ou ouvinte. Por isso, quero refletir nesta parte deste ensaio sobre interpretação e linguagem aplicadas à pregação. Escrevendo sobre a interpretação do texto bíblico relacionado à pregação, Russell P. Shedd, afirma: A riqueza da exposição depende, em grande parte, da maneira como o mestre interpreta o texto. A exegese cuidadosa deve oferecer uma boa base para descobrir o sentido do texto. O “sentido”, especificamente, representa o que o autor queria dizer e o que os primeiros leitores entenderam quando leram os documentos inspirados [...] O desafio do exegeta é de recuperar o sentido original, isto é, o que o autor queria comunicar aos seus leitores particulares. Deve ser óbvio que um texto não possa significar o que nunca significou. 74 Dessa forma, interpretar o texto é uma tarefa necessária ao pregador. Antes de expô-lo e aplicá-lo à sua audiência, o pregador precisará aclará-lo. Assim, precisa buscar o sentido em que o texto foi aplicado aos seus primeiros destinatários. Isto é, o que o escritor bíblico tinha em mente quando disse o que disse? Quais as perguntas que ele estava respondendo àquela audiência e em quais circunstâncias? Neste exercício hermenêutico a preocupação é com a originalidade e literalidade dos acontecimentos. Se assim não for, o pregador, certamente dirá aquilo que o autor, lamentavelmente, não quis dizer aos seus primeiros ouvintes. Por isso, o pregador deve ser um estudante e investigador aplicado. John Stott disse que “ainda encontramos pregadores que desconfiam da exortação ao estudo. Eles pensam que isso é incompatível com a unção do Espírito e, que se, realmente, confiarem no Espírito Santo, o estudo será supérfluo”. 75 Entretanto, interpretar o texto é escavá-lo até encontrar o sentido dele, e isso só será conseguido com estudo e oração. O próprio Stott afirma que Billy Graham, quando falava para alguns pastores em Londres no ano de 1979, disse que, se pudesse recomeçar seu ministério faria duas coisas: primeiro, “estudaria três vezes mais do que havia estudado. “Tenho pregado demais”, disse, “e estudado de menos”. Segundo, ele oraria mais. 76 Também, a pregação não consiste apenas na interpretação fria de um texto bíblico. É preciso que munido da interpretação o pregador aplique o texto bíblico e responda às questões do seu tempo, de sua cultura e de seus ouvintes. Somente entrelaçando os contextos ao texto bíblico, é que a igreja conseguirá ser uma agente de transformação no ambiente pós-moderno onde está inserida, sem, contudo, adulterar ou provocar qualquer ruptura com o texto bíblico, conforme entregue aos seus primeiros ouvintes. Para isso, será necessário que de dentro de seu contexto atual de missão a igreja faça a pergunta ao texto bíblico: “que resposta você tem para este meu problema?” 77 Portanto, o exercício hermenêutico tem a ver, necessariamente, com a leitura exaustiva do texto, exegese, contextualização e atualização. Após todo este esforço do pregador, ele então expõe o texto, ilustrando-o, se desejar, e aplicando-o em linguagem acessível e atual para seus ouvintes. Pensando no processo de contextualização e aplicação da mensagem bíblica, Russell Shedd discorre sobre uma importante ilustração feita por John Stott. Vejamos: O pastor John Stott utilizou da sugestiva ilustração de um abismo profundo que precisava ser atravessado. Na margem esquerda estava o mundo e circunstâncias dos personagens bíblicos. Na margem direita do abismo estava a nossa vida e cultura, hoje. A ponte, que traz a mensagem segura do passado para hoje, tem de atravessar 20 séculos no tempo, milhares de quilômetros de espaço e sair de uma cultura distinta para adentrar em um modo de pensar dos nossos dias. Pregadores conservadores tendem a viver no mundo bíblico, achando que se explicarem o que o texto significou para os “antigos” cumpriram o seu dever. Os pregadores liberais dão prioridade a mensagens modernas e contemporâneas, mas carecendo conteúdo bíblico. O bom construtor de pontes se mantém fiel à Palavra e à sua relevância ao mesmo tempo. 78 Como vimos, não é tarefa simples comunicar a fé. Em uma época de tantos desafios, em que o ceticismo nega a capacidade de conhecermos a verdade; o relativismo nega o absoluto e subjetiva tudo; o hedonismo prega que alguma coisa só é boa e válida se proporcionar prazer e em que o pragmatismo apregoa um evangelho humanista e utilitário, que o pregador não desista de sua missão! Que seja um exímio construtor de pontes, fazendo com que o texto bíblico escrito no passado alcance o tempo presente, respondendo às perguntas sem, contudo, perder a essência. Sendo assim, ele deve se esforçar para comunicar a mensagem em linguagem adequada ao seu tempo e ao seu público. Não faz sentido que, em pleno século 21, o pregador use expressões e linguagem ultrapassadas, pois isso dificultará a compreensão do que está sendo transmitido. Acertadamente, Timothy Keller, afirma a necessidade da contextualização e da aplicação clara e acessível do texto bíblico, ainda que depois de todo esforço do pregador os ouvintes menosprezem a mensagem. Vejamos: Contextualizar não é – como normalmente se afirma – “falar o que as pessoas querem ouvir”. Significa, antes, oferecer às pessoas respostas bíblicas que elas talvez não queiram ouvir de forma nenhuma às perguntas sobre a vida que estão fazendo, na época e no lugar em que se encontram, numa linguagem e em formas que compreendam e por meio de apelos e argumentos com uma força que elas sejam capazes de sentir, ainda que, no fim de tudo, os rejeitem. 79 Então, a preocupação de todo pregador deve ser a fidelidade ao texto bíblico, que precisa ser transmitido de forma a alcançar o coração e razão de seus expectadores.A pregação que revitaliza é fruto de um coração que ama Deus, a Bíblia e o povo de Deus Por último, tanto a igreja quanto sua liderança somente serão saudáveis se forem expostas à influência da pregação bíblica por intermédio de um pregador que ame Deus, sua Palavra e o povo para o qual está ministrando. Por isso, nesta parte do presente artigo, quero me deter um pouco sobre a pessoa do pregador. No ano de 2010, aconteceu na Cidade do Cabo, o Terceiro Congresso Lausanne sobre evangelização Mundial. Naquela ocasião, aproximadamente 4.200 líderes evangélicos, de 198 países participaram. Lá, entre tantos compromissos assumidos, sem dúvida, três foram essenciais a vida e saúde da igreja e liderança. O primeiro compromisso que quero destacar é o de amar Deus! Não há como pregar a Palavra de Deus com eficácia e eficiência, sem que o pregador ame profundamente Deus. Amar Deus é requisito básico para todo pregador da Palavra de Deus. O amor a Deus não é apenas um compromisso, mas é o resultado ou o reflexo do seu amor por nós. Por isso a pregação que vivifica a igreja é aquela que flui de alguém cujo coração transborda de amor por Deus e em gratidão se une a ele em missão. Desta feita: A missão de Deus flui do amor de Deus. A missão do povo de Deus flui do nosso amor a Deus e a tudo que Deus ama. A evangelização mundial é o fluir do amor de Deus para nós e através de nós. Nós afirmamos a primazia da graça de Deus e respondemos a esta graça pela fé, demonstrada por meio da obediência em amor. Nós amamos porque Deus nos amou primeiro e enviou seu filho para ser propiciação pelos nossos pecados. 80 Portanto o pregador que está comprometido em amar Deus, que o amou, certamente, com ousadia e humildade, proclamará a mensagem que gerará vida à igreja que é dele. É interessante como Jesus em seu diálogo com Pedro, registrado no Evangelho segundo João, capítulo 21, após a ressurreição, foi enfático em perguntar àquele pregador “Você me ama?” Assim Jesus o fez por três vezes (vs. 15-17), até que Pedro, com o coração ardendo de amor lhe respondeu: O Senhor sabe de todas as coisas, sabe que eu o amo (v. 17). Interessante como em todas as três vezes que perguntou e ouviu a resposta de Pedro, o iniciante pregador, Jesus lhe disse: “apascenta…” . Ao que parece, com a declaração de que o amava mais que tudo, Pedro, agora, de fato, estava pronto para cumprir a missão! Isso fica patente quando em seu primeiro sermão registrado por Lucas em Atos dos Apóstolos, capítulo 2, quase três mil pessoas se converteram ao Cristo ressurreto. Por isso, é preciso que entendamos que a tarefa da pregação exige do pregador que ele ame aquele que o amou primeiro. A igreja correrá um grande risco caso o transmissor da mensagem bíblica não seja alguém que ame Deus mais do que tudo. Em segundo lugar, é preciso, também, que o pregador ame a Palavra de Deus. É impensável um pregador que não ame toda a Bíblia! É uma incoerência amar o Deus da Bíblia sem amar a Bíblia de Deus. No Compromisso da Cidade do Cabo as delegações representativas das igrejas discorreram sobre amar a Palavra de Deus, firmando o seguinte compromisso: Nós amamos a palavra de Deus nas Escrituras do Novo e do Antigo Testamento, ecoando o canto alegre do salmista no Torá: “Eu amo os teus mandamentos mais do que o ouro… Como amo a tua lei!” Recebemos toda a Bíblia como sendo a Palavra de Deus, inspirada pelo Espírito de Deus, falada e escrita através de autores humanos. Submetemo-nos a ela como autoridade única e suprema, que governa nossa fé e nosso comportamento. Testificamos do poder da Palavra de Deus para cumprir o seu propósito de salvação. Afirmamos que a Bíblia é a palavra final escrita de Deus, que nenhuma outra revelação pode superá-la, e também nos alegramos porque o Espírito Santo ilumina as mentes do povo de Deus para que a Bíblia continue a falar a verdade de Deus de maneira nova em todas as culturas. 81 O pregador é um apaixonado pelo texto bíblico! Para ele não há nada mais sublime do que o deleite em sua leitura. A Bíblia não é apenas uma espécie de instrumento de trabalho para o pregador, é o alimento necessário para sua própria vida, a bússola ou o GPS 82 que lhe dá a direção e a água que, em meio ao deserto, o dessedenta. Seu amor é tamanho pela Bíblia que ao pregá- la aos ouvintes, será nítido que estão diante de um amante da Bíblia. Mais do que isso, as ações do pregador que ama a Bíblia, são vislumbradas em sua caminhada de fé. Muitas vezes, sua piedade o fará que se sinta frágil, incapaz, quebrantado e humilhado diante do texto que vai expor. É aí então, que ele sai de cena, e o autor do texto, Deus, é percebido e exaltado por intermédio da pregação e da vida do pregador. Podemos dizer que o pregador é um guardião da Bíblia! Em último lugar, o pregador que ama Deus e ama a Bíblia não terá dificuldade em amar o povo para o qual transmitirá a mensagem. Isso porque ele sabe que Deus o ama e que sua missão é entregar a mensagem de Deus para aqueles a quem ele ama. O amor abrangente de Deus será ainda mais perceptível na forma como o pregador transmite a mensagem bíblica. Mesmo que, algumas vezes, a audiência seja exortada e corrigida. As pessoas precisam se sentir amadas por Deus e a forma como o pregador executa a sua tarefa faz todo sentido nesta hora. É pensando nessa dinâmica que John Stott argumenta que a pregação autêntica precisa ser tanto profética quanto pastoral: [...] profético no sentido de que testificamos (sem medo ou favor) das verdades doutrinárias e dos padrões éticos que Deus revelou claramente; e pastoral no sentido de que lidamos gentilmente com aqueles que são lentos para crer na verdade bíblica e com os que não conseguem alcançar os padrões bíblicos. 83 Assim o pregador que ama os seus ouvintes precisa cumprir tanto o papel de profeta, aquele que proclama com veracidade a viva Palavra de Deus, quanto o papel pastoral, aquele que acolhe e cuida, com muito zelo, daqueles a quem Deus confiou-lhe a transmissão de sua Palavra. Considerações finais Desde o início pontuei que não tinha a pretensão de discorrer sobre métodos, modelos e técnicas de persuasão e pregação. Minha contribuição foi no sentido de demonstrar que a vida e a saúde de uma igreja e de sua liderança dependem do zelo pela pregação bíblica. Penso que precisamos resgatar o valor da mensagem bíblica em nossos púlpitos. No processo de revitalização, o texto bíblico aplicado de forma coerente, consistente e consequente fará toda a diferença. Não podemos mais negociar, abrir mão, preterir ou substituir a pregação bíblica em nossas igrejas. A profecia de Deus para sua igreja precisa ser o centro de toda celebração. Meu desejo é que este capítulo faça com que muitos de nós, pregadores, nos arrependamos e voltemos a expor com ousadia, intrepidez e amor, a genuína e autêntica Palavra de Deus, a fim de que a missão de Deus seja cumprida, intermediada por igrejas e lideranças integralmente saudáveis. Deus nos ajude! Bibliografia BOUNDS, Edward McKendree. O poder através da oração. (São Paulo: Batista Regular, 1997.) COSTAS, Orlando E. “Dimensões do Crescimento Integral da Igreja”, In: STEUERNAGEL, Valdir Raul (org.). A missão da Igreja: uma visão panorâmica sobre os desafios e propostas de missão para a igreja na antevéspera do terceiro milênio. (Belo Horizonte: Missão Editorial, 1994.) JONES, D. Martyn Lloyd. Pregação e Pregadores. Tradução João Bentes Marques. (São Paulo: Editora Fiel, 2003.) KELLER, Timothy. Igreja Centrada. Tradução Eulália Pacheco Kregness. (São Paulo: Vida Nova, 2015.) ___________. Pregação: comunicando a fé na era do ceticismo. Tradução A. G. Mendes. (São Paulo: Vida Nova, 2017.) LAUSANNE, Movimento. O Compromisso da Cidade do Cabo. (Curitiba: Ultimato/Encontro, 2014.) LOPES, Hernandes Dias. Pregação Expositiva: sua importância para o crescimento da igreja. (São Paulo: Hagnos, 2008.) OLIVEIRA, Valtenci. O que não é Missão Integral. (São Paulo: Gilgal/ALEF, 2018.) ___________. “Crescimento de Igreja: O dilema entre quantidadee qualidade”, In: SILVA, Leandro; MENDES, Marcos; OLIVEIRA, Valtenci; DINIZ, Renildo (orgs.) Venha o Teu Reino: uma igreja para hoje. (Viçosa, MG: Ultimato, 2018.) SHEDD, Russell P. Palavra Viva: extraindo e expondo a mensagem. (São Paulo: Vida Nova, 2000.) STOTT, John. Eu Creio na Pregação. (São Paulo: Editora Vida, 2012.) _________. A Igreja Autêntica. Tradução Lucy Hiromi Kono Yamakami. (Viçosa, MG: Editora Ultimato; São Paulo: ABU Editora, 2013.) STEUERNAGEL, Valdir; BARBOSA, Ricardo (orgs.). Nova Liderança: paradigmas de liderança em tempo de crise. (Curitiba: Editora Esperança, 2018.) 4 O crescimento conceitual da igreja e a revitalização da educação teológica hoje Rosenaide Mendes 84 É possível que nunca tenhamos ouvido tanto palavras como: ressignificar, redefinir, realinhar, recarregar, reinventar, reavaliar, rever, repensar, revitalizar... Às vezes pensamos estar vivendo a supremacia do “re”, já que tudo ou quase tudo, aparentemente, precisa de um reforço, repetição ou retrocesso para que informações sejam esclarecidas, processos sejam melhorados, atualizações sejam realizadas ou ainda, que as coisas voltem a ser ou funcionar segundo seu projeto original. Podemos questionar o que acontece ao longo dos anos para que estejamos, frequentemente, olhando para trás e tendo que refazer tantos caminhos. Mas não devemos nos esquecer do valor de retomarmos estradas percorridas e o que pode ser considerado como “marco fundamental” para nossa jornada. Em outras palavras, precisamos reencontrar nossas referências. No caso da igreja, essas referências, necessariamente, serão reencontradas a partir das Escrituras Sagradas e irão percorrer sua trajetória e seu significado histórico. Crescimento conceitual da igreja Crescimento, de maneira geral, nos remete à ideia de aumento. Mas, a palavra quando apresentada no dicionário, não tem apenas esse sentido. Observamos que evolução, transformação e renovação também sugerem a ideia de crescimento. No início da história da igreja, o elemento “acréscimo” aparecia fortemente aliado a alguns aspectos bem interessantes e significativos. Encontramos, no livro de Atos dos Apóstolos, um relato claro e simples do que acontecia com os novos convertidos ao Caminho, que deu à igreja o registro de um caráter de crescimento não só numérico, mas qualitativo. “Perseverança na doutrina dos apóstolos, na comunhão, no partir do pão, nas orações, no temor a Deus que cada alma possuía” (cf. At 2.42s), eram virtudes e comportamentos que, por si, identificavam aquelas pessoas como formadoras de um grupo diferente, no caso, seguidoras de Cristo. A ideia de crescimento numérico e qualitativo referente à igreja é bem elaborada pelo teólogo porto-riquenho Orlando Costas, na afirmação: O crescimento é, por sua vez, relativo. Só se pode entender o seu significado exato à luz do seu contexto. Dizer que algo está crescendo não significa coisa alguma, a menos que se explique como está crescendo. Existem tipos distintos de crescimento: demográfico, biológico, emocional, psicológico, intelectual, cultural, econômico, social, institucional. Há também diferentes qualidades de crescimento: positivo ou negativo, enriquecedor ou prejudicial, saudável ou infeccioso. 85 Em se tratando do objetivo desse texto, nos restringiremos apenas ao aspecto do crescimento conceitual da igreja, porém, para uma análise mais aprofundada do assunto recomendamos a leitura do texto de Costas, em sua íntegra. O crescimento conceitual da igreja, para Costas, tem a ver com “a expansão na inteligência da fé” 86 . Refere-se a quanto a comunidade eclesial entende- se a respeito, não só de sua razão de existir, mas de como compreende a fé cristã a partir das Escrituras, como interage com essa história e como entende o mundo à sua volta, à luz dessa mesma fé. É exatamente o crescimento conceitual que permite à igreja o enfrentamento de quaisquer doutrinas alheias à perspectiva verdadeiramente cristã, fortalecendo assim sua capacidade funcional e missional. Configura-se em um grande desafio para a igreja o seu entendimento e a sua busca pelo crescimento conceitual, já que ele requer de seus líderes e membros, além de um pensar crítico quanto aos assuntos ligados aos princípios da fé, também uma postura coerente com esses mesmos princípios, ou seja, uma relação equilibrada entre discurso e práxis a fim de que, realmente, haja a possibilidade da classificação desse crescimento como saudável. Portanto, a igreja passar ou viver um processo de crescimento conceitual é fundamental quando o assunto é “revitalização”. E a explicação consiste em que somente no aprendizado e compreensão das Escrituras encontraremos nossas mais firmes referências de fé. Revitalizando a educação teológica Quando falamos acerca da necessidade de revitalizar a educação teológica, não se trata de abandonar conceitos e doutrinas fundamentados nas Escrituras, mas de repensar os processos de aprendizagem e a aplicação cotidiana desses conceitos e doutrinas, de maneira que ocorra a devida contextualização da mensagem bíblica à realidade contemporânea, com o propósito de facilitar a interpretação e o enfrentamento das questões existenciais e espirituais do nosso tempo. Ensino teológico acessível Segundo Edson Martins, historicamente, “quase todas a instituições teológicas pertencentes aos protestantes nasceram com o objetivo de preparar mão de obra para a manutenção da estrutura eclesiástica de cada confissão” 87 , ou seja, para o que ele chama de “consumo interno” 88 . Sobre os seminários e institutos teológicos, Padilha observa que: Muitos problemas seriam evitados se os seminários e os institutos bíblicos focassem a tarefa prestando bastante atenção no fato de que a educação teológica existe em função da igreja. Não da igreja como um fim em si, mas como a comunidade do Senhor Jesus Cristo, a serviço do reino de Deus e de sua justiça. [...] A igreja não é o reino de Deus, mas tem o objetivo imediato de manifestá-lo no presente, em antecipação ao fim, pelo poder do Espírito. A educação teológica não é mais que um meio para alcançar esse objetivo. Quando não há clareza quanto à prioridade do reino com relação à igreja, a educação teológica deixa de cumprir seu propósito e se constitui num meio para o treinamento de meros funcionários eclesiásticos. 89 A grande questão é que vivemos o desafio de alcançar o mundo com as verdades cristãs, e isso implica não só formar vocacionados ao ministério pastoral, mas popularizar, sem banalizar, o ensino bíblico-teológico, fazendo com que o objetivo de capacitar o povo de Deus para o serviço do Reino seja alcançado. Entendendo que a teologia não é um exercício para poucos, mas uma responsabilidade de toda a comunidade de crentes (respeitada a capacidade intelectiva de cada um), a ideia não é, essencialmente, formar profissionais em teologia, todavia, homens e mulheres que através de um relacionamento de amor e obediência a Deus, disponham-se a compartilhar o Evangelho, com seus princípios e valores, no serviço do Reino. Nesse sentido, cabe-nos citar Roldán, quando afirma que “a teologia é uma tarefa de todos os cristãos [...] em vez de ser um mero entretenimento, é uma das tarefas primordiais de todo crente” 90 , afinal todos nós somos teólogos, ao menos quando pensamos a vida e seu sentido ou questionamos silenciosamente: “De onde eu vim?” e “Para onde vou?”. Tratando de mudanças na educação teológica, Manfred Kohl afirma: Teologia precisa ser vista como um verbo, e não somente um substantivo, para que homens e mulheres sejam treinados adequadamente a fim de exercerem uma liderança servil na igreja. O Pacto de Lausanne de 1974 provê um sumário único de como a educação teológica deve ser integrada no ministério cristão. A educação teológica deve ser entendida como um processo. 91 E, nesse processo, faz-se necessário, também, considerar novos caminhos que facilitem o conhecimento e a aplicação dos princípios, conceitos e práticas expostos nas Escrituras. Logo, uma reavaliação é necessáriaa fim de garantir, como vimos, não só a relevância, mas a aplicabilidade do que estamos ensinando, não só para o desenvolvimento de ministérios, mas para o desenvolvimento de vidas. Então, insistimos que além da acessibilidade do ensino, revitalizar a educação teológica também significa pensar formas que, saindo do tradicional sem abrir mão do essencial, não só facilitem o entendimento a partir de uma boa didática, mas auxiliem em uma correlação coerente com o próprio texto bíblico resultando em uma aplicação igualmente eficaz. Criar novos caminhos para esse acesso pode ser trabalhoso, mas torna-se recompensador quando, através de mudanças metodológicas simples testemunhamos avanços significativos na absorção e aplicação do conteúdo. Por exemplo, minha experiência, enquanto aluna no seminário, acerca da literatura profética no Antigo Testamento, não foi muito empolgante. Apesar da paixão pelo tema, eu me sentia pouco à vontade com relação à forma que o conteúdo era ministrado, em ordem não cronológica, tornando sua assimilação um tanto complexa. No ano de 2006 recebi o convite para assumir as disciplinas Profetas Maiores e Profetas Menores do seminário no qual me formei e lecionava havia dois anos. Iniciei a ministração das disciplinas observando a mesma metodologia aplicada em meu período de aluna, seguindo o material recomendado e a orientação pedagógica da coordenação. Após um semestre, percebendo tristemente a repetição de minha experiência como discente, resolvi sugerir a implementação de uma nova abordagem para as referidas disciplinas. Entendi que, distribuindo os livros dentro de uma ordem cronológica, respeitando e apresentando os autores de referência com seus estudos e teorias, estaria motivando o aprendizado e facilitando o entendimento e a aplicação de textos que, sem observar a cronologia bíblica, pareciam ser bem mais complexos. Passei então a estudar os profetas em uma perspectiva não só histórica, mas cronológica, resultando na divisão dos livros por grupos conforme as fases da história de Israel: pré-exílica, exílica e pós-exílica. Assim, eu me surpreendi com a motivação que a coerência desse olhar acerca da literatura profética no Antigo Testamento me proporcionou. Observei também que essa nova abordagem mostrou-se um caminho natural para o estudo e ensino acerca do período intertestamentário, o que me valeu experiências ricas e gratificantes na preparação para o estudo do Novo Testamento. Assim... Diante da realidade de um tempo em que, Mendes, remetendo ao pensamento de Bauman, afirma que, “se mostra semelhante aos líquidos, no qual os princípios, valores e conceitos que regem a existência são fluidos, carentes de maior solidez e dotados de tremenda fugacidade” 92 , o “re” surge como fundamental para que nos mantenhamos firmes na fé, preservando nossa identidade cristã. Nesse ponto, o ensino teológico apresenta-se como essencial para o objetivo de garantir à igreja um crescimento intencional, saudável e positivo, livrando-se (ou, ao menos, confrontando) dos males filosófico-doutrinários desse tempo. Logo, a revitalização desse ensino mostra-se urgente a fim de que as Escrituras Sagradas, com todos os seus princípios e valores, além de fazer sentido no mundo contemporâneo possam também proporcionar aos cristãos da atualidade produzirem, para e no Reino, os resultados esperados pelo Senhor. Perguntas para reflexão 1. Que relevância você atribui ao conhecimento bíblico-teológico em nível geral na igreja? 1. Qual sua percepção sobre o crescimento conceitual em sua igreja local? 1. Em sua opinião, como poderia ser estimulado o interesse pelo conhecimento teológico em meio aos membros da igreja? Bibliografia BÍBLIA Sagrada: Nova Versão Transformadora. (São Paulo: Mundo Cristão, 2016.) COSTAS, Orlando E. “Dimensões de crescimento integral da igreja”, In: STAUERNAGEL, Valdir Raul (org.). A missão da igreja : uma visão panorâmica sobre os desafios e propostas de missão para a igreja na antevéspera do terceiro milênio . (Belo Horizonte: Missão Editorial, 1994.) KOHL, Manfred Waldemar. “Educação teológica: o que necessita ser mudado”, In: ______; BARRO, Antônio Carlos (orgs). Educação teológica transformadora. Tradução Maria Priscila Barro. (Londrina, PR: Descoberta, 2004.) MARTINS, Edson. “Instituição teológica: uma visão dos seus principais componentes”, In: KOHL, Manfred Waldemar; BARRO, Antônio Carlos (orgs). Educação teológica transformadora. Tradução Maria Priscila Barro. (Londrina, PR: Descoberta, 2004.) PADILLA, C. René. Repensando a missão na igreja local. Tradução Vera Jordan. (Viçosa, MG: Ultimato, 2018.) RÓLDAN, Alberto Fernando. Para que serve a teologia? Tradução Hans Udo Fuchs. 2. ed. rev. ampl. (Curitiba: Descoberta, 2007.) MENDES, Marcos Baptista. “Discernindo o hoje: reflexões sobre a contemporaneidade”, In: SILVA, Leandro; MENDES, Marcos; DINIZ, Renildo; OLIVEIRA, Valtenci (orgs). Venha o teu reino: uma igreja para hoje. (Viçosa, MG: Ultimato, 2018.) 5 Um novo homem, uma nova mulher: revitalizando o discipulado cristão Marcos Mendes 93 É inconteste o inumerável rol de transformações e inovações que alcançam a sociedade contemporânea, moldando pensamentos, hábitos e comportamentos das pessoas, em especial, nos grandes centros urbanos. Desde as questões relativas a gênero, ao empoderamento feminino, à metrossexualidade e aos papéis que tanto homens quanto mulheres vêm assumindo nos mais diversos contextos, constroem-se novas realidades no âmbito da família, do trabalho, da escola, da política, enfim, nos relacionamentos humanos. Essa diversidade de padrões comportamentais que se tem percebido entre as pessoas, nem sempre revestidos de uma ética e de uma moral salutares, exige que a igreja prepare seus membros com vistas ao diálogo com o mundo, na prática da evangelização e, sobretudo, na busca por conduzir pessoas a se tornarem discípulos de Jesus. Um tempo como nunca se viu A contemporaneidade tem sido compreendida por diversas vertentes, conforme os nomes que lhe são atribuídos: pós-modernidade 94 , tempos hipermodernos ou era pós-moral 95 , modernidade líquida 96 . Há quem chame esse tempo de era pós-cristã, o qual teria se desenvolvido mais intensamente a partir da metade do século 20. Nessa era pós-cristã, o cristianismo perdeu sua predominância em áreas tradicionalmente cristãs, e valores fundamentais, bem como, os símbolos deles derivados, são alterados, adaptados e substituídos por outros, provenientes de outras esferas culturais, que não a religiosa necessariamente, formatando cosmovisões diversas da cosmovisão cristã. Neste capítulo, ficaremos com a perspectiva de Bauman, que, embora considerada pessimista, parece-nos conseguir espelhar de forma fidedigna a efemeridade de conceitos, valores e princípios norteadores da vida humana, visando sua “adequação ao momento”, à trilha esboçada pelos movimentos da humanidade, ao que o sociólogo chama de “liquidez”. Marca esse tempo a forte secularização 97 , alicerçada sobre pilares filosóficos como o relativismo, o individualismo, o materialismo e o hedonismo, somando-se, ainda, três características bastante evidentes: 1. a velocidade com que a vida se desenvolve, provocando na maioria das pessoas uma sensação de pressa permanente e desnorteamento; 2. a superficialidade do pensamento, ou seja, a velocidade e a profusão de informações que chegam até nós é tão intensa, que não há tempo de digeri-las e compreendê-las, por meio de uma reflexão crítica, perscrutadora, que permita aprofundar nosso conhecimento e buscar a verdade por trás dos fatos e das palavras; 3. a globalização de ideias, conceitos e princípios, através do desenvolvimento e da inovação tecnológica, a qual nos expõe, cotidianamente, à formação de uma cultura universal, tirânica, opressora e emburrecedora, apesar da diversidade de discursos com os quais nos deparamos na sociedade hodierna. Esses elementos forjam um conjunto de condições que abre espaço para questionamentos existenciais relevantes e relativos aofuturo do mundo e da humanidade. E as pessoas que chegam à igreja ou a frequentam de forma habitual não estão imunes à influência desse contexto tão complexo. Na sociedade brasileira, por exemplo, é notório que estamos tratando de um universo composto por polifonias sociais, políticas, econômicas e culturais. Como, portanto, a igreja pode e deve lidar com tudo isso, respondendo às questões cruciais que borbulham no caudal de filosofias, teologias e valores que grassa nossas relações cotidianas? Como se mostrará relevante, face a uma cultura multifacetada e plena de demandas de ordem espiritual, valorativa e material? Acreditamos que não há uma resposta pronta, acadêmica, única e definitiva para essas perguntas, considerando que, fundadas em suas convicções, em seus pressupostos e em sua experiência histórica, as denominações cristãs evangélicas no país têm sua “hermenêutica contextual” própria. Mesmo que apresentem alguns pontos convergentes em sua compreensão de mundo e sociedade, suas perspectivas de vida e ação, podem ser – e são – na verdade, diversificadas. Assim, que ponto de partida poderíamos tomar na tentativa de apresentar uma resposta plausível para essas questões? Podemos perceber que esse estado de coisas afeta a vida da igreja cristã e o cumprimento de seus papéis na missio Dei. Há um comprometimento na formação e na compreensão de conceitos fundamentais do cristianismo, o que afeta elementos importantes da vida eclesiástica, tais como, a liderança, a unidade, o crescimento e, por conseguinte a relevância da igreja. Todavia, parece-nos que esse comprometimento de áreas tão sensíveis da igreja, passa pelo discipulado, que, em nosso entendimento, lança e sedimenta as bases para a formação e desenvolvimento de homens e mulheres em processo permanente de transformação (cf. Rm 12.2). O discipulado é essencial no processo contínuo de desenvolvimento espiritual de cada cristão e no crescimento da igreja em todas as suas vertentes. Discipulado: a construção de um conceito No tópico anterior, afirmamos que o discipulado é uma ferramenta que se mostra imprescindível ao desenvolvimento espiritual do cristão, tanto em seu aspecto individual, quanto em seu aspecto comunitário. Além disso, a ausência de discipulado descaracteriza a igreja institucional ou local como parte da igreja universal do Senhor Jesus Cristo, se atentarmos para a relevância que Cristo dava à sua prática em pelo menos dois fatos. O primeiro fato reside no ensino dispensado por Jesus aos seus seguidores mais próximos, que lhes anunciou a salvação, apresentou-lhes o Reino de Deus, trouxe-lhes esperança, mas, não se pode desconsiderar que deu-lhes o preparo necessário para dar os primeiros passos como igreja, no período imediatamente posterior à ascensão do Senhor, a partir do dia de Pentecostes (cf. At 2). O segundo fato requer que atentemos para a Grande Comissão, cujo imperativo é “fazer discípulos” pela transmissão dos ensinamentos de Jesus e promovendo sua integração pelo batismo, ou seja, discipulado implica em multiplicação. Precisamos, portanto, analisar se esses “fatos” têm se concretizado na vida da Igreja do Senhor. Vamos partir da compreensão acerca do conceito de discipulado e sua relevância na formação e desenvolvimento espiritual do cristão e da igreja como um todo. O que é discipulado? Antes de conceituarmos discipulado em si, acreditamos ser necessário compreender o que é um discípulo. Quando pronunciamos o termo discípulo, em especial, na cultura ocidental e cristã, quase que imediatamente pensamos em um dos integrantes do grupo de pessoas que seguiam Jesus durante seu ministério terreno. E dentro dessa perspectiva, o termo grego mais empregado nos escritos neotestamentários para representar discípulo é mathētēs (literalmente, “aprendiz”; por vezes, “partidário”) 98 . Lucas, por exemplo, emprega esse termo trinta vezes no livro de Atos. Na sociedade grega antiga, como esclarece Brian Schwertley: [...] o termo discípulo era usado para descrever um aluno ou aprendiz de um homem sábio. Discípulos eram pessoas que buscavam conhecimento e sabedoria. Nas escolas filosóficas gregas, um discípulo era uma pessoa que se submetia a um talentoso professor. Esse processo de discipulado envolvia uma relação íntima com o filósofo, bem como uma dependência do mesmo. 99 Encontramos nas páginas da história, o jovem Platão seguindo o brilhante Sócrates pelas ruas de Atenas e, posteriormente, Aristóteles como aluno da academia fundada por Platão. Phillips conceitua discípulo como “o aluno que aprende as palavras, os atos e o estilo de vida de seu mestre com a finalidade de ensinar outros”. 100 Desta feita, vamos nos deter na questão do discipulado, à luz do Novo Testamento, ainda que encontremos no Antigo Testamento sua manifestação nos relacionamentos entre Moisés e Josué, Elias e Eliseu, Noemi e Rute, sem falar nos talmidim. 101 Observando a submissão e a intimidade entre o discípulo e seu mestre, o discipulado constitui-se de um conjunto de vínculos íntimos, firmes e profundos entre essas duas pessoas. Para Phillips, “o discipulado cristão é um relacionamento de mestre e aluno baseado no modelo de Cristo e seus discípulos, no qual o mestre reproduz tão bem no aluno a plenitude da vida que tem em Cristo que o aluno é capaz de treinar outros para que ensinem outros” 102 . Todavia, achamos interessante analisar o discipulado como algo de caráter dual, que abrange relacionamento, mas também é processo. Enquanto relacionamento, o discipulado trabalha em maior escala nossa relação com o outro, fundamental para que o discípulo absorva aquilo que seu discipulador transmite, por palavras, por atitudes e por testemunho de vida. Neste sentido, envolve elementos como amor fraternal pelo outro, comunhão, a intencionalidade da relação, aconselhamento e disciplina. Em seu aspecto processo, o discipulado corresponde ao preparo e desenvolvimento individual do discípulo, visando seu cotidiano como cristão. Assim, o trabalho envolverá instrução na verdade (preparo bíblico-teológico), capacitação para a vida (desenvolvimento dos dons e cultivo do fruto do Espírito), prestação de contas (submissão e compromisso com aquele(s) que o acompanha(m)), vida de oração (fortalecimento e direção espiritual) e estar em missão (multiplicação). A somatória desses dois componentes produzirá aquilo que o apóstolo Paulo nos exorta a buscar em Romanos 12.2: metanoia , termo grego que representa uma mudança fundamental de pensamento, de caráter e que leva a uma transformação espiritual necessária para que possamos experimentar e viver a “boa, perfeita e agradável vontade de Deus”. Entretanto, essa mudança não se restringe ao indivíduo, mas deve extrapolar os limites eclesiásticos, alcançando o mundo exterior à igreja. Tomemos como referência o paradigma teológico da missio Dei, conceituado por Bosch como: [...] autorrevelação de Deus como Aquele que ama o mundo, o envolvimento de Deus no e com o mundo, a natureza e atividade de Deus, que compreende tanto a igreja quanto o mundo, e das quais a igreja tem o privilégio de participar. Missio Dei enuncia a boa nova de que Deus é um Deus – para as/pelas pessoas. 103 A perspectiva da missio Dei é que a missão deriva da natureza divina, partindo da visão que Deus, o Pai, enviou o Filho; que o Pai e o Filho, enviam o Espírito Santo e que o Pai, o Filho e o Espírito Santo enviam a igreja para dentro do mundo. 104 Assim, a missão de resgatar e restaurar uma criação desfigurada pelo pecado e mergulhada em trevas, trazendo a realidade do Reino de Deus para o mundo, nasce no coração do próprio Deus e deve estar entranhada na vida da igreja. De acordo com Jorge Henrique Barro, analisando algumas afirmações de Moltmann, sobre a relação entre Cristo e a igreja: [...] A igreja só existe se Jesus Cristo de Nazaré é reconhecido e acreditado como sendo o Cristo de Deus [...] não existe uma dicotomia entre o que Cristo fez e o que a igreja faz. A igreja pertence a Jesus e ele é o modelo para sua ação e missão.Quando a igreja não se identifica com Cristo e sua missão, sua práxis será deformada e desfigurada. 105 Então, fundados nessas considerações, cremos que o discipulado só cumprirá seu papel, contrapondo a cultura contemporânea e as cosmovisões que contrariam a perspectiva divina, sobre os diversos aspectos da vida, se estiver alinhado ao discipulado de Jesus. Nesse sentido, é vital observar o modelo discipular de Jesus com seus respectivos pilares. O discipulado de Jesus O discipulado é uma ferramenta/processo essencial para que a dinâmica missional da igreja se cumpra. E no modelo discipular de Jesus, que constitui o modelo para um discipulado eficaz e transformador, isso fica evidente, através de três pilares fundamentais: 1º) Centralidade da Palavra – A transmissão dos princípios e valores do Reino de Deus, por meio das Escrituras Sagradas, ocupa lugar central na formação do caráter e no desenvolvimento da vida cotidiana do discípulo. Jesus extraía da essência da lei mosaica aquilo que, verdadeiramente, o Pai desejava que norteasse o caminhar daqueles que se tornariam seus filhos. Suas palavras eram, e são, “espírito e vida” (Jo 6.63). Não constituem um compêndio de normas e interpretações humanas com o propósito de conduzir os homens ao “engessamento institucional” de uma religião, todavia formatam um conjunto de orientações que, discernidas sob a direção do Espírito Santo, levam homens e mulheres a pensar e a efetuar escolhas espirituais, de forma segura, alinhadas com a cosmovisão bíblica. Caracterizam-se como renascidos para uma vida com Cristo, cujos olhos estão postos nas realidades celestiais (Cl 3.1). 2º) Testemunho – O discipulado desenvolvido por Jesus, voltava-se à preparação de pessoas que atraíssem outras a ele, “o caminho, a verdade e a vida” de Deus. Para tal, deveriam ter uma vida que espelhasse ao mundo todo o poder de transformação presente no Evangelho que lhes anunciava. Assim como no passado Israel deveria exercer o papel de modelo, bem como, uma função sacerdotal perante as demais nações, tornando o Senhor conhecido e fazendo com que o desejassem e seguissem, os discípulos de Jesus devem desenvolver e comprometerem-se com uma conduta própria a um filho de Deus. O Senhor Jesus evidenciou isso em suas próprias palavras, conforme registrado por Mateus: “– Vocês são o sal da terra; ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens. – Vocês são a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada no alto de um monte. Nem se acende uma lamparina para colocá-la debaixo de um cesto, mas num lugar adequado onde ilumina todos os que estão na casa. Assim brilhe também a luz de vocês diante dos outros, para que vejam as boas obras que vocês fazem e glorifiquem o Pai de vocês, que está nos céus.” (Mt 5.13s) 3º) Diaconia – O discipulado de Jesus seria incompleto se não nos conduzisse ao exercício do amor e da compaixão ao próximo, aos atos de justiça e de adoração a Deus. O conhecimento bíblico-teológico e o testemunho do discípulo, em sua condição dual de filho e servo de Deus, precisam frutificar sob a forma de serviço. Desta feita, refletirá a imagem e a atitude de um Cristo que, movido por amor, misericórdia e compaixão por uma humanidade caída e uma criação desfigurada pelo pecado, (...) se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se semelhante aos seres humanos (...) (Fp 2.7), pois “não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mt 20.28). Esses pilares vão nos apontar a indiscutível urgência na revitalização do discipulado. Ao nosso ver, a prática discipuladora deve focar na transformação das vidas que pretendem sua inserção na igreja, contudo, não pode se acomodar com esse mister. É crucial que conduza não só os novos convertidos, mas toda a membresia, a partir das lideranças eclesiásticas, à permanente renovação e, sobretudo, ao propósito de uma transformação transcendente à esfera pessoal ou interna à instituição. No entanto, essa transformação deve romper porta afora, invadir o espaço público e produzir efeito no cenário externo, no mundo em que estamos vivendo. Só será possível compreendermos essa necessária revitalização do discipulado, se tivermos uma visão clara de que transformação está se falando, pois esse processo será, ao mesmo tempo, causa e consequência do trabalho discipular. Transformação e sua relação com o discipulado Transformação significa metamorfose, que podemos conceituar como qualquer tipo de alteração que modifica ou dá uma nova forma a algo ou alguém. Podemos ainda defini-la como “passar da forma ‘A’ para a forma ‘B’ por meio de um processo”. Quando tratamos de discipulado estamos falando de um processo de transformação de vidas, que se desenvolve a partir de uma sequência cíclica, de mudança de crenças, de ideias e de comportamentos. A mudança de crenças alcança o nível da cosmovisão, ou seja, uma troca de “lentes” através das quais olhamos e compreendemos o mundo. Cosmovisão é “a visão ou conjunto de suposições e crenças que um determinado indivíduo ou grupo possui acerca da vida, do mundo, de Deus, de si mesmo, e de suas inter-relações” 106 , ou podemos dizer que é a forma como compreendemos e ordenamos o mundo, bem como a forma como qualificamos os elementos da realidade baseados nessa visão. Este é o solo no qual vamos buscar respostas para questões básicas do ser humano, que desde a noite dos tempos têm provocado homens e mulheres, das mais diversas culturas, segmentos sociais e formações intelectuais, do tipo “Por que estou aqui?” ou “O que devo fazer com minha vida?”, que acabam por apontar para a existência de um Ser Absoluto, sua ação “na” e relação “com” a Criação 107 . A mudança de ideias refere-se à forma como elaboramos e justificamos, a partir da cosmovisão, nossos pensamentos e contribuições para a elaboração da cultura, em seus diversos níveis e contextos; as respostas para nossos questionamentos existenciais e nossas estratégias para a vida. Por fim, a mudança de comportamentos que compreende o aspecto atitudinal, a práxis cotidiana que confirma ou não perante o mundo a transformação ocorrida em nós, diz respeito ao abandono de antigos vícios e práticas nocivas, bem como, ao desenvolvimento de novos hábitos e de um estilo de vida compatível à nossa nova condição. Portanto, o discipulado visa transformar nossa cosmovisão para uma cosmovisão bíblica, levar cativo todo pensamento rebelde e ensiná-lo a obedecer a Cristo (2Co 10.5), e conduzir-nos a uma espiritualidade prática, que apresente às pessoas o caráter de Cristo em nós, pela santidade, pelo senso de justiça e pela ação diaconal. No entanto, devemos observar que essa sequência, como afirmamos, é cíclica, o que implica no fato de que deverá ocorrer de tempos em tempos, em caráter permanente, sob o risco de nos tornarmos anacrônicos, ou seja, vivermos de forma que nosso viver destoe do tempo e contexto no qual estamos inseridos, impedindo que nossa pregação, ensino e testemunho se mostrem irrelevantes, incompreensíveis, inócuos e obsoletos para as pessoas. Revitalizando o discipulado Não temos dúvida de que o processo discipulador precisa ser revitalizado. Em muitas igrejas essa realidade fica patente pela imaturidade espiritual de cristãos que já possuem algum tempo de caminhada e pela quantidade de pessoas que, pelos motivos mais fúteis, afastam-se da comunhão com os irmãos e do próprio Senhor. Ao longo desse texto pudemos observar que o modelo de discipulado apresentado por Jesus é o fundamento para esse trabalho na igreja contemporânea. Contudo, percebe-se que o processo de institucionalização vivenciado por diversas comunidades evangélicas faz da igreja o centro da vida das pessoas, ocupando o lugar que seria do Senhor. Logo, a preocupação com o discipulado restringe-se aos primeiros tempos de conversão da pessoa, alcança meramente os rudimentos da fé e as normas eclesiásticas, visando unicamente o batismo em águas e a formaçãode membros. O discipulado precisa formar cidadãos do Reino de Deus a partir de uma mudança permanente, que faça cada cristão, independentemente do tempo de fé, aprofundar-se no conhecimento de Deus e de sua Palavra; estar atento às mudanças contextuais, identificando tempos e estações, preparado para testemunhar aos que estão à sua volta e reconhecer e aprimorar-se de maneira crescente em sua vocação, aperfeiçoando seus talentos e habilidades, com vistas a uma vida diaconal. Só assim, estaremos prontos para dialogar com o mundo, explicando a razão de nossa esperança (1Pe 3.15) e apresentando a verdade de Deus para os homens. Neste sentido, é fundamental que sejam observadas duas vias de formação dos discípulos: a espiritual e a política. A formação espiritual visa à cidadania celeste, buscando no conhecimento bíblico-teológico, bem como, por meio de uma vida devocional constante, o desenvolvimento de uma relação de intimidade com Deus, dos dons espirituais e do fruto do Espírito. Neste tipo de formação passamos a compreender a igreja como povo de Deus e corpo de Cristo. Temos como foco a santificação e a adoração a Deus. A formação política 108 tem como foco a cidadania terrena, procurando alcançar discernimento sociopolítico, quanto à vida que transcorre no ambiente social, em seus múltiplos aspectos. Esse discernimento nos permite exercitar de maneira adequada, conveniente e coerente com a fé que professamos, o amor, a justiça, a misericórdia e a compaixão com o próximo. Concomitantemente, passamos a compreender a igreja como voz profética e agente do Reino de Deus na Terra, que tem como alvo a diaconia e a transformação comunitária. Face a essas duas vias, como implementar um modelo discipular que promova o crescimento espiritual das pessoas levando-as a uma vida cristã equilibrada e produtiva? Em primeiro lugar, é essencial que toda a igreja esteja comprometida com a questão discipular, e que haja uma equipe de pessoas maduras espiritualmente, detentoras de bom conhecimento bíblico e comprometidas com o “fazer discípulos” para o Senhor. Sem essa equipe o trabalho ficará desordenado, sem direção e sem propósito. Em segundo lugar, acreditamos que adotar as cinco ênfases apresentadas por Randy Pope 109 , seja um caminho bem promissor quanto ao êxito. São elas: verdade, capacitação, prestação de contas, missão e súplica. 110 Verdade – Jesus enfatizou que o fruto da verdade é a liberdade (Jo 8.32). O discipulado não deve ser transformado em um grupo de estudo bíblico, contudo deve ensinar às pessoas como estudar a Bíblia e passar-lhes os textos com essa finalidade. Após, terem estudado elas poderão apresentar a seus discipuladores/mentores suas dúvidas, percepções, perguntas ou o que quer que esteja em suas mentes. Capacitação – De acordo com Pope, capacitação “é trabalhar a verdade até que ela se torne compreensível e utilizável”. 111 Trata-se de ir além do ensino de determinada verdade, pela exemplificação, pela explicação e por meio de perguntas. Consiste ainda, em permitir que os discipulandos a experimentem, na prática, refletindo sobre essa verdade, até que ela seja compreendida e utilizável em suas vidas. Prestação de contas – Essa é uma ênfase importantíssima no enfrentamento da hipocrisia, do orgulho e da mentira. A prestação de contas, vai além de fazermos perguntas difíceis e desafiar maus comportamentos, entretanto, de acordo com Pope, corresponde à “mutualidade das Escrituras, irmãos em Cristo ajudando uns aos outros a encontrar ‘o pecado por trás do pecado’”. 112 Importa na vivência real das orientações expressas pelo apóstolo Paulo, sujeitem-se uns aos outros (Ef 5.21) e “não mintam uns aos outros, pois vocês se despiram de sua antiga natureza e de todas as suas práticas perversas”. Essas atitudes fortalecem a comunhão. Missão – O propósito do discipulado não deve residir meramente na formação espiritual e política dos cristãos. Estas são vias fundamentais ao cumprimento de sua tarefa maior, que é propagar o Evangelho e fazer discípulos. Em outras palavras, não basta que os discipulandos tornem-se cristãos fiéis e equilibrados, contudo, devem frutificar, “seja em Jerusalém ou nos confins da terra” (cf. At 1.8), pois, como afirmou Jesus, “quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto” (Jo 15.5). Isso significa que não devem ficar fechados, ensimesmados, reclusos à igreja, mas precisam, desde o princípio da fé, ser sensibilizados e conscientizados, acerca da tarefa que nos foi confiada. Precisam ser orientados e estimulados a sair e invadir o mundo com a mensagem de Cristo, difundindo o Reino de Deus e fazendo novos discípulos, ou seja, a viver missionalmente. Súplica – A ênfase da súplica corresponde à prática da oração pelos outros e com os outros. No entanto, Keller afirma que a oração “é a única porta para o autoconhecimento genuíno. É também a principal maneira de experimentarmos profunda transformação a reordenação dos nossos afetos”. 113 Logo, a oração precisa se tornar um hábito na vida de cada discípulo, sugerindo que iniciemos pelo modelo que o Senhor Jesus nos deixou, registrado em Mt 6.5-13, que contribui para a estruturação do tempo destinado a essa prática, conforme sugere Pope: a honra de Deus, o Reino de Deus, a provisão de Deus, o perdão de Deus, o poder de Deus. 114 O discipulado é algo muito maior que uma classe dominical com um professor à frente, um aconselhamento esporádico ou um relacionamento restrito à transmissão de conhecimentos bíblicos e experienciais, do tipo “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”: requer comprometimento pessoal com a vida do outro; exige exemplificação pela vida, que ensina e edifica, porém, ao mesmo tempo, a humildade do aprendizado com o outro e do reconhecimento quando se erra. O cerne dessa atividade repousa sobre vínculos espirituais, alianças que se revestem da consciência quanto ao compromisso de submissão, de andar na luz, de se deixar tratar e de prestar contas. Por outro lado, ele desperta o senso de serviço ao outro e traz à tona a urgência da responsabilidade individual em se manter uma cosmovisão saudável, pensamentos santificados e um testemunho que glorifique o Pai. Não há como se pensar em um novo homem e uma nova mulher que estejam alinhados à verdade divina e ao serviço do Reino neste tempo de velocidade, superficialidade, efemeridade e tremendamente imagético, se não forem efetiva, dinâmica e constantemente transformados e renovados por um processo de discipulado que os mantenha firmes nas verdades eternas de Deus e contextualizados com a realidade contemporânea. Afirmamos que diante do que foi exposto nesse texto, é perceptível “o relevante papel que o discipulado permanente, que alimenta, acompanha, aconselha e disciplina, como ferramenta na preparação dos servos do Senhor para o cumprimento de suas respectivas chamadas”. 115 Então, poder-se-ia concluir que revitalizar o discipulado representa uma volta à humanidade, à compaixão, ao exercício do amor, da comunhão e da mútua sujeição, como ensinou o apóstolo Paulo, que a mensagem a respeito de Cristo, em toda a sua riqueza, preencha a vida de vocês. Ensinem e aconselhem uns aos outros com toda a sabedoria ...” (Cl 3.16 – NVT, grifo nosso). Perguntas para reflexão 1. Segundo o texto, como o discipulado pode contribuir para a formação de homens e mulheres verdadeiramente transformados pelo Evangelho na realidade de nossos dias? 2. Reflita sobre o modelo de discipulado desenvolvido por sua igreja. Como essa atividade tem se desenvolvido? Que nível de formação espiritual e política tem proporcionado? 3. Discuta com sua liderança ou grupo como poderia ser implantado um discipulado transformador em sua igreja, que levasse as pessoas a uma vida cristã de excelência, plena de devoção ao Senhor, de consciência missional e exercício diaconal. Bibliografia BARRO, Jorge Henrique. Ações pastorais da igreja com a cidade. 2. ed. rev. ampl. (Londrina, PR: Descoberta, 2015.) BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Tradução Carlos Alberto Medeiros.(Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.) BÍBLIA de estudo Nova Versão Internacional. Organizador geral Kenneth Baker; coorganizadores Donald Burdick [et al]. Tradução das notas Gordon Chown. (São Paulo: Editora Vida, 2003.) BÍBLIA de estudo Nova Versão Transformadora. Tradução Susana Klassen [et al]. (São Paulo: Mundo Cristão, 2018.) BOSCH, David J. Missão transformadora: mudanças de paradigma na teologia da missão. Tradução Geraldo Korndörfer e Luís Marcos Sander. 4. ed. (São Leopoldo, RS: EST, Sinodal, 2014.) CUNHA, Maurício José Silva; WOOD, Beth Anne. O reino entre nós: transformação de comunidades pelo evangelho integral. 3. ed. (Viçosa, MG: Ultimato, 2009.) KELLER, Timothy. Oração: experimentando intimidade com Deus. Tradução Jurandy Bravo. (São Paulo: Vida Nova, 2016.) KIVITZ, Ed René. Talmidim: o passo a passo de Jesus. (São Paulo: Mundo Cristão, 2014.) LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. Tradução Mário Vilela. (São Paulo: Editora Barcarolla, 2007.) LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Tradução Ricardo Corrêa Barbosa. 12. ed. (Rio de Janeiro: José Olympio, 2009.) MENDES, Marcos Baptista. A saída do labirinto: missão e discipulado na perspectiva do evangelho integral. (São Paulo: Garimpo Editorial, 2016.) PHILLIPS, Keith. A formação de um discípulo. Tradução Elizabeth Gomes. 2. ed. rev. e atual. 9. reimp. (São Paulo: Editora Vida, 2014.) POPE, Randy. O discipulado na igreja local. Tradução Nair Chagas. (Viçosa, MG: Ultimato, 2017.) SCHWERTLEY, Brian. The great comission. Tradução livre. Disponível em: www.reformedonline.com/upsloads/1/5/0/3/15030584/the_great_comission.pdf . (Site em inglês. Acesso em: 21/6/2019.) VINE, W. E.; UNGER, Merril F.; WHITE JR., Willam. Dicionário Vine: o significado exegético e expositivo das palavras do Antigo e do Novo Testamento. Tradução Luís Aron de Macedo. 5. ed. (Rio de Janeiro: CPAD, 2005.) 6 Qual a tarefa da igreja hoje? Revitalizando a missão Renildo Diniz 116 Como a igreja compreende seu papel na história? O que ela entende por missão? Cada membro do corpo de Cristo tem um entendimento claro de seu papel na história? Como olhamos para o mundo? O mundo faz parte de sua missão ou estamos na expectativa apocalíptica de uma saída triunfal em um cenário apoteótico? Conseguimos ter uma visão clara da igreja e da realidade? Poderíamos encher uma folha com perguntas intermináveis, mas, enfim, o que queremos saber? A igreja tem dado passos certos na busca por uma identidade? Ela tem compreendido sua tarefa primordial de proclamar o Evangelho do Reino? A história recente dá conta de certa distância entre o entendimento de missão e a prática da igreja. Não é que a igreja esteja perdida, todavia, sua teologia da missão perdeu o rumo, distanciou-se das Escrituras ou pelo menos de parte dela. Esse distanciamento, é claro, reflete na dinâmica da igreja e sua compreensão da realidade que a cerca. Ao longo do último século foram várias as reações à ideia do engajamento eclesiástico em uma missão que estivesse além dos interesses meramente institucionais. Os vários debates que giraram em torno de um evangelho social trouxeram à tona uma tremenda lacuna existente no seio da igreja e um dilema quase interminável: Afinal de contas, a responsabilidade social da igreja encontra respaldo nas Escrituras? Se sim, seria mais uma ação à parte da vida orgânica da igreja ou seria um testemunho vivo de sua fé? Nos anos 80, o debate já havia chegado a certas conclusões e talvez uma das mais importantes tenha sido a Declaração Weaton 83: O mal não está apenas no coração humano, mas também em estruturas sociais. [...] A missão da igreja inclui tanto a proclamação do evangelho quanto sua demonstração. Precisamos, pois, evangelizar, responder às necessidades humanas imediatas e pressionar por transformações. 117 Com isso a igreja caminha para uma nova reflexão quanto ao papel que exerce na sociedade, que, consequentemente, vai para além do culto e do salvar as almas dos perdidos. Fica evidente que, nesta caminhada, a evangelização e a demonstração são parceiras no ato testemunhal da igreja. Parece-nos que pensar sobre uma igreja que atue no mundo em condições de promover transformações seja uma tarefa redundante, haja vista a quantidade de publicações escritas sobre o tema. No entanto, refletir sobre revitalização da missão nos impõe apontar caminhos que ajudem a perceber o quanto ainda nos falta para sermos uma igreja que caminha na direção de um Evangelho centrado em Cristo e na sua cruz, e como este ato de entrega e sacrifício, identifica-se com a própria missão do povo de Deus. Nossa tarefa não consiste em responder a perguntas infindáveis acerca do papel outorgado à igreja, mas em tentar entender como, estando no mundo, ela pode ser um agente de mudança sem perder sua característica histórica de proclamadora. Precisamos compreender que, se a igreja identifica-se com seu Criador, ela deve refletir a imagem que os dois discípulos no caminho de Emaús tinham a respeito do Cristo, ... o Nazareno, que era profeta, poderoso em obras e palavras, diante de Deus e de todo o povo (Lc 24.19). Nesta caminhada vamos abordar aspectos da relação entre a igreja e a missão de Deus, isto é, como a comunidade de Cristo se relaciona com a tarefa de participar de sua missão e como isso implica na sua ação no mundo. Em seguida, passaremos pelo debate entre as questões da evangelização e da responsabilidade social, buscando compreender a relação entre esses dois princípios, analisando se mantém uma relação entre si ou se são mutuamente excludentes. Então, um ponto importante será discutir a própria identidade da igreja, isto é, como ela se vê mediante as transformações dos novos tempos. Por fim buscaremos compreender a dimensão holística da missão de Deus, como a igreja pode desfrutar do privilégio de participar dessa missão e quais são as implicações dessa missão na vida da própria igreja e da comunidade na qual ela está inserida. Igreja e missão David Boch apresenta uma definição importante entre os termos missão e missões. A partir de uma tradição em que a grande maioria das igrejas históricas foram fundadas por missões além-Atlântico, não é de se admirar que a compreensão básica sobre o significado de missões esteja quase exclusivamente relacionado à atividade proclamadora transcultural. Isso se destaca à medida que as igrejas desenvolvem suas campanhas missionárias voltando todo seu esforço para terras longínquas, interpretando que sua missão está em anunciar a todos os povos a mensagem do Evangelho. O paradigma está no fato de a igreja analisar o empreendimento missionário como sendo seu papel. Isso acaba fazendo com que a igreja se distancie de sua própria realidade. Assim, Boch nos ajuda a fazer a distinção entre o que seja missão e Missio Dei : [...] a missio Dei (missão de Deus), isto é, a auto-revelação (sic) de Deus como Aquele que ama o mundo, o envolvimento de Deus no e com o mundo, a natureza e a atividade de Deus, que compreende tanto a igreja quanto o mundo, e das quais a igreja tem o privilégio de participar. Missio Dei enuncia a boa nova de que Deus é um Deus-para as/pelas-pessoas. Missões (as missiones ecclesiae [“missões da igreja”]: os empreendimentos missionários da igreja) designa formas particulares, relacionadas com tempos, lugares ou necessidades específicos, de participação na missio Dei. 118 Portanto, a igreja é “convidada” por Deus a participar de sua missão (missio Dei ) como colaboradora. Como ela faz isso? Por meio de diversas atividades, inclusive, através das missões. Então, pensar a missão a partir desse novo paradigma dá à igreja a condição de caminhar rumo a uma identidade mais alinhada com a teologia bíblica da missão, na qual deixa a condição de protagonista na história, para exercer o papel de sinalizadora do Reino que há de vir. Chris Wright, na busca por definir a missão de Deus, afirma que a “missão de Deus tem prioridade teológica”. 119 Isso reforça a ideia de que a missão não pode ser entendida apenascomo mais uma disciplina entre muitas encontradas na Bíblia. O que chamamos de nossa missão na verdade encontra sua origem no próprio Deus. 120 Sua definição de missão está alinhada com a ideia da missão sendo um novo paradigma em que tudo parte de Deus. Vejamos: Fundamentalmente, nossa missão (se esta for biblicamente definida e avaliada) designa nossa participação ativa como povo de Deus, a convite de Deus, segundo o mandamento de Deus, na missão do próprio Deus, realizada na história do mundo de Deus, para a redenção da criação de Deus. 121 Na verdade, o ponto de partida aponta Deus como sendo o primeiro missionário, e com ele seu povo é chamado a participar da empreitada de implantação de seu Reino. Até mesmo as escolas de missiólogos e teólogos estadunidenses têm repensado seu conceito de missão a partir unicamente de uma etimologia. Stetzer, conhecido pastor e estudioso dos movimentos missionários lembra que “É importante observar que o Senhor tem uma missão e está em missão ”. 122 Esta reviravolta em torno do conceito de missão não só tem reposicionado nosso pensamento e compreensão do texto sagrado como conduzido a igreja a uma reflexão quanto ao seu papel nesse processo. Inevitavelmente isso nos leva a pensar em que se relaciona com a Missio Dei e a maneira como se engaja nessa missão, o que veremos agora. Evangelização e responsabilidade social É comum vermos em rodas de conversas sobre a igreja, a questão referente ao lugar no qual se encontrariam os aspectos da evangelização e da responsabilidade social. E naturalmente, surgem perguntas como: “Teria a igreja alguma responsabilidade com as questões sociais?” “Tentar dar à igreja uma responsabilidade social não seria atenuar ou até mesmo colaborar com a falta de responsabilidade do poder público?” “Não seria o papel único da igreja proclamar o Evangelho do Reino de Deus?” Acreditamos que existem aqui dois pontos importantes que precisam ser tratados. O primeiro seria o que significa proclamação, e o segundo, o que significa Evangelho do Reino de Deus. Esses são dois conceitos extremamente importantes quando desejamos estabelecer uma conexão entre o Evangelho do Reino, a proclamação desse Evangelho e o aspecto diaconal da igreja. Inicialmente, é fundamental afirmarmos que os aspectos sociais não constituem um “departamento” da igreja. Não devem ser considerados como uma categoria que a igreja acessa sempre que precisa pensar sobre as necessidades das pessoas. As demandas sociais são, antes de tudo, elementos da vida real das pessoas e a igreja é, por natureza, um organismo social, portanto, não lhe fogem à percepção, pelo contrário fazem parte de sua existência e cotidiano. Proclamar o Reino é a oportunidade dada à Igreja de Jesus Cristo de anunciar o seu Reino, seu governo, que é caracterizado por um conjunto de valores, princípios e por justiça. A proclamação é o ato de alertar o mundo sobre a vinda do Messias, o início da implantação de seu Reino e sua iminente consolidação por ocasião da sua segunda vinda. A Igreja que está no mundo é o locus ou canal através do qual esta proclamação ou anúncio do Evangelho tem se realizado. É seu papel fundamental sinalizar os aspectos desse novo Reino nas mais diversas condições. Claro que, para ser relevante, a igreja precisa fazer uma leitura correta da realidade em que está inserida. Compreender seu contexto permite que aja de forma mais eficiente, fazendo com que tenha a oportunidade de avançar para além dos aspectos puramente espirituais da fé. Isso requer que a igreja entenda a vida cristã como algo que transcende suas reuniões e encontros regulares. As necessidades das pessoas não se restringem às questões espirituais apenas, existem problemas graves que afetam a vida e a caminhada das pessoas no mundo de Deus. O problema da pobreza, por exemplo, ainda se apresenta, diante de nós, como um dilema sem respostas claras por parte dos poderes instituídos, ao mesmo tempo em que não são perceptíveis esforços objetivos das nações mais ricas no propósito de erradicar esse mal que aflige boa parte do mundo, apesar das inúmeras conferências e encontros internacionais que contam com a participação das economias mais poderosas. Outro fator a ser ponderado pela igreja reside no fato de a pobreza não constituir um aspecto intrínseco a uma pessoa, a uma família ou a uma nação. Ela deve ser pensada segundo múltiplos aspectos, que apontam para um antigo processo em que se percebem privilegiados e não privilegiados. Assim, quando analisamos, por exemplo, a pobreza no Brasil podemos chegar à conclusão que um dos principais elementos que geram o fenômeno é a desigualdade social e a má distribuição de renda. O equívoco ocorre quando a igreja trata o tema da pobreza como algo meramente de responsabilidade dos governos e autoridades públicas. Isso se dá, parece-nos claro, como consequência de uma equivocada cosmovisão da fé cristã, fruto do modelo secular da nossa sociedade. Chamamos a atenção para o que tem ocorrido no continente europeu, onde este secularismo tem se mostrado em suas formas mais radicais. Todavia, é importante lembrar que secularismo não é a mesma coisa que extinção da fé, ao menos no Velho Continente, em que os estudiosos têm observado um fenômeno que denominam de bricolagem 123 , quando as pessoas não herdam mais a fé dos seus pais nem os valores intrínsecos nessa mesma fé. Então, a espiritualidade ganha contornos sincréticos e a principal característica está na particularização da fé. 124 Esse fenômeno é fundamental na formação do pensamento pós-moderno, que se vale da pluralidade e que tende a nos impossibilitar a afirmação de que exista qualquer valor central em uma religião, ninguém pode reivindicar ser o centro e a fé ganha espaço apenas na periferia da vida. Com a fé destinada à particularidade da vida, as expressões da vida religiosa não ascendem à esfera pública, então a voz da fé não ecoa no sentido de se inserir nas questões objetivas da existência das pessoas. Vale salientar, no entanto, que não se pode confundir projeto de poder de grupos cristãos com o Evangelho genuíno de Jesus. Lesslie Newbigin nos lembra: Quando a igreja tenta incorporar a lei de Deus às formas de poder terreno, ela pode alcançar esse poder, mas já não é um sinal do reino. Mas quando ela trilha o caminho que o Mestre trilhou, desmascarando e desafiando os poderes das trevas e sofrendo na sua própria vida o preço dos ataques desses poderes, então são dados à igreja sinais do reino, poderes de cura e bênção que aos olhos da fé, são reconhecíveis como verdadeiros sinais de que Jesus reina. 125 Newbigin aponta para um aspecto bastante importante: a fé cristã na representação da igreja não está interessada em projetos de poder, mas em sinalizar em sua geração sinais do Reino de Deus. Nossa tarefa, portanto, é anunciar os valores e princípios do Reino e não impor um jeito de ser cristão no mundo. A igreja não antecipa o Reino, ela simplesmente o sinaliza. Miroslav Volf lança luz sobre esta preocupação da fé pública enquanto mecanismo de poder afirmando que “Quando se trata do papel público das religiões, o principal temor é o da imposição, isto é, uma fé impondo aspectos de seu próprio estilo de vida a outras fés”. 126 Logo, falar em fé pública não pode ser o mesmo que falar de projeto de poder; fé pública é a certeza de que, no campo público, o indivíduo é incapaz de desvencilhar os seus valores das experiências da vida cotidiana. É preciso entender que a fé pode e deve estar atuando em todas as esferas da vida e que ela faz isso como sinalização dos valores do Reino. Quando a comunidade de fé se expressa publicamente contra os desmandos do poder público, ela está expressando valores da justiça do Reino de Deus, enquanto, de forma similar, está atuando como agente da sociedade. Assim, combater a fome é um ato de responsabilidade social e não deve ser confundido com um departamento da igreja. O combate à injustiça faz parte do ato de proclamação da igreja, ela compreende que a luta porjustiça estabelece, acima de tudo, uma identidade com os valores do Evangelho de Jesus. Como afirma Volf, “uma visão da prosperidade humana e do bem comum é o ponto principal que a fé cristã traz para o debate público”. 127 Afirmando a identidade da igreja A compreensão do papel da igreja na esfera pública significa dizer que combatendo a fome, fiscalizando as contas públicas ou denunciando a corrupção, a igreja tem um papel importante na luta contra as desigualdades sociais. Como baluarte da verdade, ela se insere no mundo real das pessoas levando consigo as boas notícias do Reino de Deus. Porém, para que isso seja efetivo em nossas igrejas locais, um passo fundamental precisa ser dado. Durante muito tempo estivemos envolvidos nos mais diversos aspectos denominacionais, o que nos levou corriqueiramente a observar as lideranças eclesiásticas repetirem a famosa expressão “precisamos recuperar nossa identidade”. Essa frase sempre estava ligada à identidade da denominação, ou seja, aos elementos distintivos de ser um batista. Entendia-se que o importante estava em preservarmos as nossas tradições denominacionais para não nos deixarmos levar pelas más influências e modismos. Esta maneira de conceber a identidade da igreja, limitada à sua filiação denominacional, sempre nos pareceu contraditória quando comparada às práticas da igreja. Não havia nada nesses distintivos relacionados ao papel da igreja que se relacionasse à missão de Deus no mundo, não se falava nada sobre o papel holístico da igreja, nada sobre o papel público da fé. Acreditamos que a denominação exerce um papel importante no desenvolvimento e cuidado das igrejas, mas, sua identidade deveria ter suas raízes nos apóstolos e profetas e não em tradições do passado, ainda que sejam importantes. Podemos avançar, então, na busca de entender como a igreja pode demonstrar ao mundo sua importância para além de seus vínculos denominacionais. Isso se torna possível ao formularmos a pergunta correta: Qual a relevância da igreja para o mundo? Na verdade, preferimos responder a essa pergunta afirmando que o mundo é que se mostra relevante para a igreja, considerando o fato de que a igreja não é um fim em si mesma. O mundo é o campo de atuação da igreja e sua identidade está diretamente relacionada a esse seu papel diferencial. Quando somos inseridos no corpo de Cristo, somos identificados com ele e sua missão, e a igreja leva consigo o caráter do seu Rei em todos os aspectos da vida. Por essa razão, identificar a igreja com um grupo de pessoas que se encontra a cada fim de semana para realizar programas de adoração segundo um padrão litúrgico tradicional não exprime toda a verdade sobre quem ela é e sua importância. Quando afirmamos que a igreja sinaliza aspectos do Reino de Deus no mundo, estamos dizendo que existe um valor muito maior que os discursos dessa comunidade. É o papel público dessa igreja que a faz se projetar na realidade cotidiana apresentando e reproduzindo os aspectos do Reino de Deus. Como falam os missiólogos contemporâneos a marca distintiva da igreja se encontra em seu papel missional. Para nós, brasileiros, isso pode ser traduzido por uma igreja integral em sua missão. Isso significa que o caráter de atuação da igreja é muito mais abrangente, pois, a igreja longe de ser uma experiência privada, aponta e denuncia a idolatria do mundo sem Deus. A igreja encontra identidade quando responde aos dilemas da sociedade pós- moderna e, segundo propõe Michel Goheen, isso ocorre quando ela resgata a verdadeira história bíblica para dar significado à realidade. 128 Chegamos à conclusão de que a igreja está no mundo como agente público, com as boas notícias do Reino de Deus, demonstrando essas notícias tanto em palavras quanto em ações. Sua mensagem não é simplesmente uma receita para problemas individuais, mas abrange todos os pontos da vida cotidiana das pessoas. A igreja não deve e nem pode estar relegada a uma experiência privada, tendo em vista que, se assim ela se mantiver, negará sua verdadeira natureza. Quando o autor do livro aos Hebreus registra o fato de Jesus ter sido morto fora da porta da cidade, aponta o aspecto público de sua morte e sacrifício, portanto a fé cristã, que tem na morte e ressurreição de Jesus a base de sua mensagem, não pode se conformar a uma mensagem puramente pessoal: os aspectos redentivos do Evangelho abrangem toda a criação de Deus. A dimensão integral da igreja Nesta última parte do artigo, damos um testemunho acerca de nossa comunidade, com o propósito de apresentar a capacidade da igreja de estabelecer e exercer seu papel integral do Evangelho. No ano 2001 fui enviado ao seminário e, como qualquer outro estudante de teologia, ingressei empolgado no curso, com a certeza de que poderia após quatro anos de estudo, fazer um excelente ministério. Minha formação deu-se em um seminário fundamentalista, logo, de teologia rígida e comprometida com a preservação de uma doutrina sã. Em 2006, após a conclusão de meus estudos acadêmicos no seminário, fui convidado pela igreja que me enviou para ser seu pastor auxiliar em uma Igreja Batista da Convenção Brasileira, a qual flutuava entre um modelo de igreja tradicional e uma comunidade alegre e vibrante. Entretanto, após um ano servindo nesta comunidade, Deus me direcionou para outro ministério. Então, em 2008, recebi o convite da Igreja Batista Esperança para pastoreá-la. A Igreja Batista Esperança vinha de uma tradição Batista Regular, ainda que, à época de minha chegada, já se encontrava em um processo de desvinculação desse movimento. Todavia, a comunidade ainda mantinha fortes traços de uma igreja que foi forjada na rigidez de um movimento fundamentalista. Nos primeiros anos, portanto, foi importante observar como a igreja reagia, seu perfil e seus interesses. Assim, até três anos de nosso ministério na IBE não promovemos mudança significativa alguma, na tentativa de compreender em que direção o Senhor estaria nos conduzindo. Recordo-me de que, certo dia, um jovem noivo, bastante comprometido com o trabalho junto aos adolescentes da igreja, procurou-me para uma conversa, juntamente com sua noiva, ambos oriundos de outra igreja. A moça declarou-se bastante frustrada porque não conseguia se encaixar em nenhum dos ministérios da igreja. Então, sugeriu a ideia de investir suas habilidades profissionais na área de enfermagem iniciando uma pesquisa em uma comunidade vulnerável nos redores do bairro no qual a igreja está localizada. Iniciaram, então, um trabalho de campo, procedendo o levantamento de vários dados, por meio de uma ficha apropriada, o que tornou possível conhecer diversos aspectos da realidade local. É provável que este tenha sido o primeiro contato da IBE – à época com aproximadamente 43 anos de existência – com uma comunidade vulnerável. E desse contato, com os dados coletados em mãos, Isabele, aquela jovem noiva que estivera frustrada ministerialmente, começou a refletir e a questionar em que áreas da vida local a igreja poderia atuar. Na ocasião, não tínhamos qualquer experiência com trabalhos comunitários e contávamos com a ajuda da Missão ALEF, ainda em seus primeiros passos no que tange à assessoria às igrejas nas condições que apresentávamos na época. Após a consolidação de algumas ideias, ficou decidido que iniciaríamos um trabalho com crianças debaixo de um cajueiro, onde reuníamos cerca de cinquenta crianças nas manhãs de sábado 129 . Era a oportunidade de desenvolvermos algumas atividades lúdicas, brincadeiras e, acima de tudo, aproximar a igreja de uma realidade da qual, até então, ela parecia não se dar conta. A princípio, essa “despretensiosa brincadeira sob a sombra de um cajueiro”, parecia bem, aos olhos da igreja, afinal os jovens iam até a comunidade e sua relação com as pessoas que lá viviam ficava restritas ao lugar, contudo, o trabalho ganhou outras proporções. Eram membros de uma igreja que viveu toda a sua história fundada na introspecção, envolvendo-se com áreas e aspectos da vida cotidiana das pessoasde uma comunidade, até então, estranha ao seu convívio. E não é fácil mudar os paradigmas de igrejas que vivenciam essa realidade na qual estão voltadas para si mesmas, para seus assuntos internos e sua rotina eclesiástica. Foi necessário iniciar um trabalho de convencimento das pessoas e mostrar, biblicamente, como a igreja estaria ampliando sua comunhão com Deus a partir de sua interação com os problemas reais das pessoas. Passamos a apresentar que a vida vivida em Cristo ultrapassa os encontros dominicais, como afirmou certo pregador: os casais não se separam na hora do culto de domingo, eles se separam de segunda a sábado, os pais não perdem o emprego no domingo à noite, eles o perdem de segunda a sábado, pois é na vida cotidiana que o caos toma conta. Esse caminhar foi determinante para que a igreja compreendesse que poderia exercer um papel muito mais relevante do que aquele que vinha exercendo. Então, começamos a perceber que o caminho começava a ser aplainado. O que parecia ser apenas uma distração nos sábados pela manhã começava a ganhar formas mais delineadas e intencionais. De encontros nos sábados pela manhã passamos a fazer o Viva Cidadania, um movimento que reunia profissionais de diversas áreas visando à prestação de serviço voluntário à comunidade. Isso nos fez entender que poderíamos ampliar nosso campo de ação para outras atividades que não fossem apenas “brincadeiras” e, assim, começamos a procurar um local espaçoso para iniciarmos aulas de balé. A falta de um espaço adequado às aulas de balé no âmbito da comunidade conduziu a um novo passo, um tanto ousado. Era sabido que o templo que abrigava a igreja dominicalmente era um espaço vazio e ocioso durante o restante da semana. Logo, fomos desafiados a abrir nossas portas para receber a comunidade. Tudo foi difícil no início, mas com boas conversas inspiradoras e com uma teologia voltada para o serviço a igreja foi entendendo sua tarefa nesse processo de mudanças importantes. As aulas de balé foram seguidas pelas de música e, em seguida, aulas de taekwondo , chegando ao ponto de necessitarmos utilizar todos os espaços disponíveis no prédio com o propósito de viabilizar as atividades. A igreja começou, de maneira literal, a contar com a simpatia dos de fora e hoje, o Instituto Viva Esperança atende cerca de 210 crianças em uma variedade de ações que se estendem da educação e cultura à arte. Crianças que nunca teriam a chance de participar de uma atividade esportiva ou artística têm no Viva Esperança essa oportunidade. Por conseguinte, a igreja hoje desfruta do respeito da comunidade, com muitos dos pais atuando como voluntários e dando sua cota de participação no “Viva” (como é carinhosamente conhecido). Tornou-se um dos maiores movimentos da igreja. Diante desse testemunho, ressaltamos que a igreja pode e deve ser uma comunidade para os de fora, tanto quanto é para os de dentro. Seu papel, diante dos desafios que nossos dias lhe impõem, é enfrentá-los, na medida em que ela entende sua vocação e chamado. A igreja está para servir ao mundo transmitindo a mensagem misericordiosa da verdade. A igreja promove a justiça assim como fez seu Mestre Jesus e avança, a cada dia, apresentando a um mundo cético e fragmentado a possibilidade de nova vida e esperança. Ela proclama e ao mesmo tempo demonstra o que deve ser o novo céu e a nova terra, sem se inibir e enclausurar no campo privado da vida, entretanto, expõe-se no campo público. A igreja deve ter o que falar para a sociedade e para a comunidade na qual se insere. Qualquer coisa que a igreja faça que não envolva proclamação e demonstração estará fora dos trilhos e não demorará muito para descarrilhar. Bibliografia BOSCH, David. Missão transformadora: mudanças de paradigmas na teologia da missão. Tradução Geraldo Korndörfer, Luís Marcos Sander. 3. ed. (São Leopoldo, RS: EST, Sinodal, 2002.) GOHEEN, Michael W. A igreja missional na Bíblia: luz para as nações. Tradução Ingrid Neufeld de Lima. (São Paulo: Vida Nova, 2014.) HERVIEU-LÉGER, Danièle. O peregrino e o convertido: A religião em movimento. Tradução de João Batista Kreuch. 2. ed. (Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.) NEWBIGIN, Lesslie. O evangelho em uma sociedade pluralista. Tradução Valéria Lamim Delgado Fernandes. ( Viçosa, MG: Ultimato, 2016.) PIPER, John; MATHIS, David (Ed.). Cumprindo a missão: Levando o evangelho aos não alcançados e aos não engajados. (Rio de Janeiro: CPAD, 2015.) VOLF, Miroslav. Uma fé pública [recurso eletrônico]: Como os seguidores de Cristo podem contribuir para o bem comum. (São Paulo: Mundo Cristão, 2018. WRIGHT, Christopher J. H. A missão de Deus: Desvendando a grande narrativa da Bíblia. (São Paulo: Vida Nova, 2014.) 7 Uma igreja para a cidade: revitalizando e sendo revitalizado para revitalizar a cidade Manoel Araújo 130 Lembro-me da primeira vez que ouvi do meu pastor sobre a Igreja Batista em Camela, estávamos jantando em sua casa quando ele nos desafiou sobre uma pequena igreja que estava trocando de pastor e a mesma precisava de um líder mais jovem, que pudesse suportar as exigências do campo. Após dois meses, um culto de gratidão a Deus foi oferecido pela vida do pastor, que já atuava na cidade há aproximadamente 24 anos. Fomos então em comitiva participar desse culto e, ao chegar, fiquei impressionado com a mínima quantidade de pessoas que participava do momento tão especial para igreja. Alguns meses se passaram, eu e minha família nos encontrávamos naquela comunidade, assumindo a missão de revitalizar uma igreja batista com 22 anos de organizada, aproximadamente sete membros ativos e muitos desafios pela frente. Sendo revitalizado pelo Senhor da missão Nos meus planos nunca imaginaria que Deus antes de cuidar da igreja iria cuidar de mim. Nos primeiros dois anos de projeto a igreja quase não mudou muito. Poucos visitantes aos domingos, muitas limitações de estrutura, pessoas, financeiras, etc. E eu consequentemente, depositava todos os créditos do não avanço do projeto na história da igreja. Como a cada semana não havia mudanças significativas, comecei a pensar em desistir do projeto logo nos primeiros meses trabalhando naquela cidade. Naquela época Deus estava trabalhando comigo uma grande dificuldade que eu já reconhecia ter, que era desistir fácil das coisas e/ou situações. Qualquer barreira que eu viesse a enfrentar, o natural para mim era não perseverar e desistir, independentemente de qualquer contrato que existisse. Nos dois primeiros anos, tivemos todos os motivos do mundo para desistir do projeto: doenças físicas, emocionais, crises conjugais, problemas com lideranças da igreja, perseguição de evangélicos e limitações financeiras. Vivia dentro de mim o paradigma de desistir, porém tinha me comprometido com Deus de assumir cinco anos de ministério, independentemente do que acontecesse. Não quero argumentar que todos os plantadores, no início de um projeto, venham com o sentimento de desistir da missão, mas lembro-me claramente de que tudo isso me fez amadurecer e hoje eu não sou o mesmo do início deste projeto. Tudo isso está sendo determinante para as experiências que tenho vivido hoje na missão. Tenho experimentado, sem dúvida, que Deus mudou primeiro a mim, antes de tratar com a igreja que precisava ser revitalizada. Biblicamente, enxergo na vida dos profetas, dos discípulos, do apóstolo Paulo em sua experiência a caminho de Damasco e até em seus últimos registros escrevendo ao seu discípulo Timóteo, que as transformações mais intensas, aconteceram um pouco antes do início da sua missão. Como afirma Hernandes Dias Lopes: Vida com Deus precede trabalho para Deus, Deus treina seus líderes mais importantes na escola do deserto. José, Moisés, Elias, Paulo e até o próprio Jesus antes de iniciar o seu ministério passou quarenta dias no deserto. O deserto não é um acidente de percurso, mas uma agenda de Deus, a escola de Deus. 131 Quando estiver iniciando tanto um projeto de plantação de igrejas quanto revitalização de igrejas, entenda as dificuldades comoparte do plano de Deus para prepará-lo para um futuro que virá na missão. Frustações, ingratidão, cansaço, dúvidas, incertezas, angústias e muitas outras realidades de todo ministério são preparados no deserto de Deus. Revitalizando a igreja Estava em uma varanda no primeiro andar da casa onde morava na cidade. Já estava revitalizando a igreja batista em Camela há aproximadamente dois anos. Minha residência ficava na rua do campo de futebol. Todo esse tempo eu nunca notei uma movimentação tão grande de pessoas como naquele tempo. Manhã, tarde e noite, passavam jovens e adultos para jogar em seus horários. Aquela movimentação despertou em mim o interesse de ir até o campo. Fiz uma sondagem e, durante alguns dias, notei que não existia ações de igreja com a intenção de desenvolver alguma atividade com aquelas pessoas e transformar a realidade cultural da cidade. Então, fui intencionalmente jogar futebol com eles e descobri que na cidade havia um ensino que para os evangélicos era pecado jogar futebol. Essa afirmativa me trouxe duas perguntas: Que Evangelho estava sendo ensinado naquele lugar? Havia muitos espaços que a igreja estava deixando na cidade. Quais seriam esses espaços? Meses depois, a cidade passava por um momento comum, mas difícil, que era a mudança do gestor da cidade. Toda eleição no interior quem não apoia o gestor que venceu as eleições perde seu emprego na prefeitura. Com a situação tão acentuada, uma nova esfera da realidade do local surgiu, e notei um grupo enorme de homens na principal praça pública da cidade, todos os dias bebendo, alto índice de embriaguez, conversando em grupo, em um formato que chamamos de “sindicato”. Aquilo chamou minha atenção e, em um domingo após uma EBD, reuni três irmãos levei-os até a praça onde geralmente esse grupo se reunia. Ao chegar, mostrei os homens e perguntei: – O que vocês estão vendo? Um deles, disse: – Um bocado de bebo. Ah, isso aqui é assim há muito tempo. Então perguntei: – Se Jesus estivesse aqui e dissesse a vocês que criou essas vidas para viver uma vida plena e não dessa forma, o que diriam? Um deles falou: – Não sei o que fazer. Então oramos e fomos embora. Poucos meses depois, chegou um senhor em nossa igreja, com características de um alcoolista, e pediu para seguir Jesus. Encaminhamos para um centro de tratamento de viciados. Dois meses depois chegou o segundo. Quando então, chegou uma jovem senhora pedindo ajuda para seu irmão, dizendo: – Me disseram que se o senhor (eu) não puder ajudar meu irmão, ninguém mais pode nessa cidade. Lógico, que não acreditei nisso como verdade absoluta, mas Deus falou em meu coração naquele instante que estava chamando a igreja para a agenda dele, e essa agenda estava do lado de fora. A partir daí a igreja passou a perguntar que tipo de igreja a cidade precisava. Deus quer colocar nossas igrejas na agenda dele no mundo. Nós estamos na contramão de Deus ocupando as pessoas para fazer manutenção dos nossos templos e instituições. Acredito que nossas instituições são ferramentas, mas não é o fim da missão. Chegamos à conclusão de que a igreja são as pessoas, e não sacrificamos as pessoas por nossas estruturas. Segundo o Pr. José Marcos da Silva, da Igreja Batista em Coqueiral: Da insatisfação nasce a crise, e a crise é o embrião da mudança [...] Toda mudança deve ter a insatisfação como ponto de partida. Você e seu povo não podem estar satisfeitos com a situação atual de sua igreja ou organização. Não há possibilidades alguma de mudança relevante se não houver insatisfação 132 Voltamos para as Escrituras. Definimos o seguinte: se copiarmos modelos de outras igrejas, mesmo que para nós estivesse dando certo, poderia acontecer que para Jesus não estivesse correto. Então focamos todo o ensino da igreja nas essências que o Evangelho nos trouxe como centrais. São elas: a Unidade , a Humildade , o Amor que cura. Não existe nada mais poderoso no mundo que o amor. O amor se tornou mandamento de Jesus para nossa vida com ele. A fé que confia. Somos uma geração que adoece de ansiedade e depressão, ou por não confiar ou por não aceitar a ação de Deus no passado E por último a Obediência . Na vida humana, muitos dos erros não são por tentar, mas por não ouvir e obedecer a Jesus. Quando diz: “O erro de vocês está no fato de não conhecerem as Escrituras nem o poder de Deus” (Mt 22.29). Conhecer para obedecer a Jesus. Alcançando a cidade Nenhuma igreja para a cidade pode começar pensando no que fazer, nem como fazer, mas no que ela é. Gosto muito quando Paulo fala sobre amor e compara ações nobres e que se destacariam fácil no meio da cidade, como, dar tudo que possui até mesmo o próprio corpo para ser queimado aos pobres, se não tiver amor de nada vale. Uma igreja que recomeçou com menos de dez pessoas, em uma cidade com poucas oportunidades, após sete anos desenvolve ações de amor na cidade, com recursos próprios e a doação generosa dos membros. Cinco projetos se destacaram. O primeiro projeto foi em 2015, o ESPERANÇA NA PRAÇA , que desenvolve acolhimento de homens e mulheres com problemas de dependência de álcool, drogas e o cuidado com as famílias desses dependentes. Com alegria alcançamos jovens, que nos deram frutos e atualmente se preparam teologicamente para o ministério. Notamos que o uso abusivo do álcool era ponto de ligação com a entrada de crianças nas drogas, abuso infantil e violência doméstica. Então criamos o projeto DOE AMOR , um projeto de adoção de famílias vulneráveis para proteção e desenvolvimento integral de mulheres e crianças. O projeto com crianças chamamos de SOAMAR+ , no qual semanalmente 50 crianças são acompanhadas. Em nossa igreja, esses projetos são considerados como ministérios da igreja. Assim como todas as igrejas consideram ministério de jovens, casais, louvor, etc., incluímos no braço da igreja o princípio da compaixão como lugar para servir ao Senhor também. Portanto, quem serve à cidade, serve ao Senhor. Para nossa realidade isso foi um paradigma que quebramos. Essa visão de uma igreja para a cidade abriu os olhos da igreja, e a fez enxergar a dimensão limitada do templo, colocando-nos na grande seara de Jesus, que é ilimitada. A última dimensão de nossa visão missional foi quando os membros começaram a assumir papéis de transformação na cidade. Uma das histórias mais especiais é de uma jovem, 30 anos, casada e com dois filhos, com a responsabilidade do cuidado da família. Um de 3 anos e outro de 10 meses, saudáveis, até então. Quando o maior chegou aos três anos sem falar nenhuma palavra inteligível, ela começou a ficar preocupada e iniciou uma investigação médica até chegar ao diagnóstico de autismo de nível alto. Anos depois, com a consciência de que a missão dela era cuidar dessa criança, o segundo filho também foi confirmado com autismo em um grau mais leve. No processo de tratamento dos dois filhos, conheceu uma jovem mãe que também tinham dois filhos autistas. Histórias semelhantes. Tiveram a ideia de criar uma associação clínica-escola para acolhimento de famílias com filhos autistas, resultando hoje em um lindo projeto com mais de trinta famílias sendo cuidadas por duas jovens mães e donas de casa. As pessoas mais improváveis de agir no mundo, se tornaram meu maior exemplo de superação e senso de missão a partir do Evangelho de Jesus. Coloque sua igreja na missão de Deus no mundo e vai ver o os sinais do Reino com as boas obras que glorificam a Deus nos céus. Bibliografia LOPES, Hernandes Dias. “Vida com Deus precede trabalho para Deus.” Disponível em: https://r.amply.cloud/? url=https%3A%2F%2Fguiame.com.br%2Fgospel%2Fmundo- cristao%2Fhernandes-dias-lopes-vida-com-deus-precede-trabalho-para- deus.html (14/12/2010) (Acesso em 13/6/2019) SILVA, José Marcos da. Desculpe o transtorno estamos mudando a igreja: um guia prático para promover mudanças na igreja. (Curitiba, PR: Editora Esperança, 2018.) Posfácio Ronaldo Lidório 133 Revitalizar é um verbo que significa “trazer de volta a vitalidade” ou simplesmente “fortalecer”. Outros termos,como reavivar ou reformar, propõe conceitos semelhantes. No meio cristão, são todos usados quando o povo de Deus necessita de urgente e intensa mudança, transformação ou volta às raízes. Estou convencido de que a igreja brasileira carece de profunda revitalização em quatro áreas centrais: coração, doutrina, fé e missão. Revitalização do coração Revitalização é um chamado para a santidade pessoal e relacional. Fomos transformados em Cristo para sermos santos e irrepreensíveis diante dele (Ef 1.4). A motivação central para a revitalização de igrejas enfraquecidas, bem como a revitalização de nossos próprios corações, é sermos transformados em um povo com uma vida pura que agrada e adora a Deus (santos) e com uma prática pura que reflete e realiza a vontade de Deus (irrepreensíveis). Deus deseja, assim, transformar quem somos e o que fazemos, nossa identidade e nossas ações. Frequentemente julgamos a vida alheia mais a partir de valores externos, contábeis e visíveis, do que pelo que se passa no coração. E não raras vezes avaliamos o outro – ou somos pelo outro avaliados – a partir dos títulos, realizações e influência. Deus, porém, olha o coração. Ele nos vê no íntimo, sem máscaras, manipulações ou enganos. A Palavra usa expressões como coração puro (Sl 51.10), de todo o seu coração (Mt 22.37), integridade do seu coração (Sl 78.72) e santidade ao SENHOR (Êx 28.36) para nos fazer entender que somos avaliados pelas coisas do coração e não por nossa roupagem. Jesus conhece o secreto da sua vida. Ele certamente não se impressiona pelas grandes construções que levantou, realizações aplaudidas por multidões ou teses defendidas com louvor. Ele olha direto para o seu coração e vasculha a sua alma. E é justamente neste campo que seremos encontrados fiéis, ou não. Seremos por ele aprovados, ou não. 134 Samuel buscava o ungido do Senhor entre os filhos de Jessé. Antes de indicar Davi, que viria a ser rei sobre Israel, o Senhor diz ao profeta: Não olhe para a sua aparência nem para a sua altura, porque eu o rejeitei. Porque o SENHOR não vê como o ser humano vê. O ser humano vê o exterior, porém o Senhor vê o coração (1Sm 16.7). É também certo que não podemos purificar nosso próprio coração. Dentre tantas verdades marcantes do cristianismo, uma delas é esta: nós dependemos de Deus. E dependemos dele para sermos santos e irrepreensíveis. E tudo começa, pela graça Deus, quando ele mesmo nos leva a fazer uma oração já feita milhares de anos atrás pelo salmista: Cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova dentro em mim um espírito inabalável (Sl 51.10). Para se conhecer o próprio coração, observe os detalhes. Observe-se na informalidade do lar, no trato com amigos chegados, na conversa ao telefone ou nos diálogos no WhatsApp. O conceito bíblico de sermos fiéis no pouco para sermos colocados no muito pressupõe grau de dificuldade e detalhamento. O pouco nos prova, como também nos expõe. É, portanto, no pouco, nos detalhes da vida, que podemos, de fato, diagnosticar como está nosso coração. Não devemos avaliar apenas nossas ações, mas também nossas motivações. Nosso maior desafio não é fazer o que é certo, mas fazê-lo com a motivação certa. O Deus que olha os corações, olha de perto as motivações. Nesta jornada devemos cuidar para não completarmos a carreira aprovados pelos homens e reprovados por Cristo. Com que real motivação subimos ao púlpito da igreja, ensinamos na escola dominical, lideramos aquelas reuniões de oração, trabalhamos, buscamos uma promoção, estudamos e nos aproximamos de outros? Para a glória de Cristo ou a nossa? Para louvor a Cristo ou a nós? Para o destaque do Cordeiro de Deus ou do nosso ego? Para a glória do Pai ou o orgulho do homem? Assim, o maior desafio que temos talvez não seja andar na contramão do mundo, mas na contramão do nosso próprio coração. Precisamos traduzir nossos valores cristãos em práticas cristãs. Tantas poderiam ser destacadas, mas permitam-me citar algumas poucas que emanam de um coração santo e irrepreensível. A primeira é calar-se . Em uma sociedade na qual a exposição está em alta, todos falam, se posicionam, reagem, defendem, acusam e insistem em seus pontos de vista, o silêncio é uma virtude cristã quase esquecida. Valorizamos a comunicação verbal, os discursos, as respostas bem colocadas e o jogo de palavras. Se por um lado isso colabora para desenvolver uma comunicação mais ativa, por outro tem nos levado a deixar de ouvir – o outro e também Deus. O cristão deve valorizar o silêncio, calar-se, refletir, colocar primeiro perante Deus em silenciosa oração, pagar o preço quando necessário for. Em contextos ministeriais nos quais as críticas nos bastidores ganham a nossa atenção e somos levados a reagir de maneira desproporcional, desnecessária ou mesmo inapropriada, precisamos primeiramente considerar o valor do silêncio. A segunda é não negociar a verdade . Provérbios 12.19 nos diz que os lábios que falam a verdade permanecem para sempre, mas a língua mentirosa desaparece num instante . Há certos valores que precisam estar sempre presentes em nossas vidas, relacionamentos e ações cristãs. Um deles é não negociar a verdade. Isso inclui, de maneira especial, a manipulação da verdade. Refiro-me ao evitamento ou maquiagem da verdade para se contornar um problema ou se beneficiar de um resultado. Quando a Palavra nos ensina que a posição do cristão deve ser “sim, sim; não, não ” (Mt 5.37) o que se advoga não é uma atitude de extremos: ou sim ou não. O assunto aqui é a verdade: dizer sim quando for sim e não quando for não. No cenário do genuíno cristianismo a verdade não pode ser negociada, pois ela é um dos principais passos na busca por um coração puro. A terceira é assumir responsabilidades e aprender com os erros . A busca por um coração puro leva em consideração a possibilidade da falha, do pecado e da queda. Em outras palavras, precisamos assumir a responsabilidade perante nossas atitudes a fim de mantermos a integridade espiritual e moral perante Deus e os homens. E esta é uma das lições mais difíceis de serem aprendidas. Líderes inacessíveis correm grande risco de seguir o caminho da soberba e altivez, sem ter quem os alerte. Uma das admiráveis atitudes de Davi foi justamente assumir integralmente a sua responsabilidade quando Natã, após narrar sobre um que roubara a única ovelhinha do vizinho, afirmou: Esse homem é você (2Sm 12.1-7). Davi não deu desculpas. Não racionalizou dizendo: outros fizeram pior do que eu. Também não tentou explicar suas motivações. Caiu de joelhos e colocou-se nas mãos de Deus. O coração de Davi dizia: “sou responsável”, e este se tornou o homem segundo o coração de Deus. Revitalização da doutrina Um dos últimos conselhos de Paulo a Timóteo o estimulou a pregar. Ele vai além e detalha como a Palavra deve ser pregada: ... corrija, repreenda, exorte com toda a paciência e doutrina (2Tm 4.2). O esquecimento da doutrina bíblica na pregação da Palavra tem sido um dos principais motivos do adoecimento do povo de Deus. É importante observarmos que diferentes igrejas adoecem de diferentes formas. Em Apocalipse 2 vemos a descrição de Deus sobre algumas igrejas. A igreja em Éfeso possuía uma doutrina sólida, mas perdeu seu primeiro amor. O problema era a sua relação pessoal com Deus (Ap 2.1-7). A igreja em Tiatira era fiel no serviço, amor e fé, mas se deixou conduzir por falsas profecias e falsas revelações. O problema era a doutrina (Ap 2.18-29). Pérgamo era fiel e perseverante, mesmo na perseguição, mas também possuía problemas doutrinários – seguindo a doutrina de Balaão (idolatria e prostituição). O problema era a pureza (Ap 2.12-17) 135 . Também em nossos dias, diferentes igrejas enfrentam diferentes adoecimentos. Há igrejas cujo ponto de fraqueza e adoecimento é a rasa exposição da Palavra nos momentos de culto. Outras, mesmo com rico ensino bíblico, experimentam divisões e problemas de comunhão que carecem de uma intervenção pastoral mais específica. Há aquelas que compreendem bem a Palavra, mas não a aplicam emcasa, no trabalho e na vida. Outras que não compreendem bem a Palavra e inserem em seu meio valores sincréticos e mundanos. Algumas possuem um bom conhecimento bíblico sobre a igreja, mas não sobre a missão, o que faz com que percam o privilégio de ser sal da terra e luz do mundo. Há igrejas que são bíblicas, vivas e missionárias, mas não têm conseguido comunicar a verdade do Evangelho aos seus filhos, à nova geração. Há igrejas que estão totalmente dissociadas do bairro e da cidade onde se encontram, a ponto de poucos saberem de sua existência. E ainda outras há que se misturam com a sociedade a ponto de perder a sua própria identidade cristã, tornando-se mais influenciadas do que influenciadoras. Há igrejas movidas por eventos que, na ausência desses, desconstroem-se. Outras são centralizadas no pastor e não em Cristo; na liderança e não na Palavra. E na ausência do líder, a igreja se quebra. De forma geral, porém, todas as distorções de vida cristã e das igrejas cristãs passam em alguma questão ligada à doutrina: a compreensão das verdades de Deus na Palavra e a aplicação dessas verdades em nossa vida diária. No livro Como ser cristão 136 , John Stott apresenta a necessidade de as igrejas retomarem o estudo da doutrina e das confissões de fé. Ele destaca o Credo dos Apóstolos e o Credo Niceno. Diferentes igrejas e denominações privilegiam diferentes confissões, como a Confissão de Fé de Westminster, que traz profunda e ampla fundamentação daquilo que cremos. Outros se debruçam diretamente na Teologia bíblica, alinhando os temas bíblicos em toda a Palavra para compreender suas verdades. De toda forma, compreender as verdades de Deus como são expostas na Palavra e aplicar essas verdades à nossa vida diária é fundamental para uma vida cristã santa e irrepreensível. Pela falta de ensino doutrinário o povo de Deus não sabe bem no que crê, nem como crê. Encontra-se vulnerável perante qualquer ensino e vento de doutrina. Abraça um pouco de tudo e não sabe discernir aquilo que vem da Palavra daquilo que vem de fontes puramente filosóficas e sociológicas, ou mesmo da autoajuda. Precisamos ensinar a doutrina bíblica para que nossos corações, bem como de nossos filhos, sejam fortalecidos no Senhor. Revitalização da fé Em seus últimos dias, envelhecido e encarcerado, o apóstolo Paulo escreve que combateu o bom combate e completou a carreira. Sobre a fé, ele encerra o assunto objetivamente: guardei (2Tm 4.7). Devemos guardar a fé como quem guarda o tesouro mais precioso. A expressão usada por Paulo para “guardar” (tereo ) é a mesma encontrada na resposta de Jesus quando o jovem rico pergunta o que fazer para alcançar a vida eterna: “guarde os mandamentos” (Mt 19.17). Não negocie a sua fé. Não permita que ela seja corrompida pelo pecado ou enfraquecida pela dúvida. Alimente-a na Palavra, na constante oração e na comunhão com os que amam e seguem Jesus. Na teologia bíblica, se conciliarmos as cartas paulinas, encontraremos sete práticas cristãs que alimentam a nossa fé: Palavra, adoração, comunhão, oração, santidade, boas obras e evangelização. Esta é a trilha da espiritualidade na qual somos fortalecidos no Senhor e na força do seu poder (Ef 6.10). Há também uma forte e curiosa ligação entre fé e descanso em toda a Escritura. Somos convidados a crer e descansar. Quando os discípulos estavam angustiados em meio a uma tempestade, Jesus não lhes questionou o entendimento ou a experiência de vida, mas a fé (Mt 8.26). Quanto mais cremos, mais descansamos. Quanto mais cremos, mais nosso coração se aquieta, mesmo na tempestade. A fé nos faz entender com a mente e sentir com o coração que o Eterno Criador está conosco todos os dias. Há também uma forte ligação na Palavra entre a fé e a missão. À medida que cremos em Deus, somos levados a servi-lo de todo nosso coração. Em Hebreus 12 lemos que os heróis da fé serviram a Deus em toda a extensão de suas vidas. Eles não o fizeram movidos pelo contexto, pela sociedade ou pelos discursos, mas pela profunda convicção. Creram! Se verdadeiramente cremos que o Deus Eterno controla a nossa vida e nos criou para o louvor da sua glória, esta será a motivação para o servirmos com tudo o que somos e tudo o que temos em Cristo Jesus. Revitalização da missão A revitalização do coração, da doutrina e da fé desembocam na revitalização da missão. Somos chamados a crer e, no mesmo movimento, enviados a partilhar a nossa fé. A missão da igreja é servir ao Cordeiro Jesus com tudo o que é e tudo o que tem. Assim, sua missão transcende a evangelização. Por outro lado, a evangelização é parte do cerne da missão, uma parte insubstituível e intransferível. Apenas a igreja foi chamada a cumpri-la. Há uma significativa correlação entre quem somos em Cristo Jesus (nossa identidade) e o que somos chamados a fazer (nossa missão). O apóstolo Pedro relacionou identidade e missão ao afirmar que somos geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus com um propósito: a fim de proclamar as virtudes daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz (1Pe 2.9). O Senhor Jesus fez o mesmo ao declarar que somos sal da terra e luz do mundo, alertando-nos que nossa identidade (sal e luz) deve estar associada à nossa missão, sob o risco de nos tornarmos um sal sem sabor e uma luz que não brilha. Ele conclui com uma ordem: “Assim brilhe também a luz de vocês diante dos outros, para que vejam as boas obras que vocês fazem e glorifiquem o Pai de vocês, que está nos céus” (Mt 5.13-16). Entretanto, se anunciar o Evangelho é um dos nossos maiores privilégios, é também um dos maiores desafios. Há graves barreiras à evangelização. A primeira é a má compreensão da natureza do Evangelho. Sob a influência liberal na segunda metade do século 20, o Evangelho foi relido a partir de lentes mais sociológicas do que teológicas. Uma das nocivas consequências foi igualar o Evangelho à igreja e, assim, evangelizar tornou-se proclamar a igreja – os redimidos –, e não Cristo – o Redentor. Passou-se a falar mais dos cristãos e menos de Cristo; apresentar mais a obra da igreja do que a obra de Cristo; exaltar mais os heróis da igreja do que o Nome acima de todo nome; levantar mais alto a bandeira eclesiástica do que a bandeira do Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Precisamos resgatar a compreensão bíblica de que o Evangelho é Jesus Cristo. Se lhe forem dados apenas cinco minutos para partilhar o Evangelho, conte a história de Jesus. A segunda barreira à evangelização é a falta de santidade. No Salmo 51, o salmista clama a Deus para que tenha misericórdia e apague as suas transgressões. Pede para ser lavado da iniquidade e purificado do seu pecado. Confessa que pecou e crê no perdão, que limpa e purifica, santificando a vida. No auge do seu clamor, ele pede que Deus lhe dê um coração puro e suplica que seja mantido na presença do Senhor, sendo restituída a alegria da salvação. Logo depois, afirma uma das consequências da santidade: Então ensinarei aos transgressores os teus caminhos, e os pecadores se converterão a ti (v.13). A santidade realinha, entre outras coisas, a nossa cosmovisão: o modo como vemos o mundo – e nos vemos nesse mundo. Ela nos impulsiona a priorizar o que é prioridade para Deus e torna a nossa vida um testemunho vivo e perceptível da mensagem que é falada. Não há verdadeira evangelização sem uma vida compatível com a fé. A terceira barreira à evangelização é a timidez espiritual. Curiosamente, a falta de audácia na evangelização não está ligada ao tipo de temperamento ou perfil pessoal. Devemos ser lembrados de que nossa luta não é contra carne e sangue, mas contra principados e potestades. A batalha não é essencialmente travada contra estruturas políticas, sistemas sociais ou limitações humanas, mas contra o maligno que possui uma declarada missão entre os homens: “roubar, matar e destruir ” (Jo 10.10). Perante a fragilidade do nosso coração, a astúcia do mundo e as forças espirituais do mal, precisamos de audácia para viver e pregaro Evangelho. Guiado por esse entendimento, o apóstolo Paulo, no fim de sua Carta aos Efésios, pede que orem para que lhe seja dada coragem para a pregação do Evangelho (Ef 6.19). O maior plantador de igrejas e destemido pregador do Evangelho pede oração para que tenha ousadia para evangelizar. Deixa claro que tal coragem não procede de preparo teológico ou experiência de vida, mas de Deus. Precisamos orar mais para evangelizar mais. Comunicar o Evangelho de Jesus Cristo é um grande privilégio e um grande desafio. Envolve palavras e também vida, proclamação e testemunho. Devemos falar das alegrias de Cristo enquanto choramos com os que choram e abraçamos o aflito. É no encontro entre o evangelho falado e o evangelho vivido que se dá a verdadeira evangelização. Lembremo-nos, porém, de que toda transformação de vida é resultado puramente do desejo e da iniciativa de Deus. Nenhum esforço evangelístico, por mais elaborado que seja, conseguiria provocar uma verdadeira transformação. Deus, entretanto, decidiu usar as palavras humanas para que o Evangelho dos céus seja transmitido. A seara está branca e faltam obreiros. Devemos orar! Há ainda mais de 7.000 povos não alcançados na Terra (onde há poucos cristãos) e, desses, em cerca de 3.000 não há presença missionária alguma. Mais de 1.800 línguas nada tê m da Palavra de Deus em seus próprios idiomas. No Brasil, 99 etnias indígenas não possuem presença missionária e não há igrejas evangélicas em 10.000 comunidades ribeirinhas, 6.000 sertanejas e 2.000 quilombolas. Também entre os ciganos, cerca de 700.000 ainda não foram evangelizados. O que falar dos surdos, uma população de 9 milhões em da qual menos de 2% se declara crente no Senhor Jesus? E os imigrantes e refugiados que chegam aos milhares, com pouquíssimas iniciativas entre eles? Nas médias e grandes cidades, os dois segmentos menos evangelizados (havendo até 3 vezes menos cristãos evangélicos entre eles) são os mais ricos dos ricos e os mais pobres dos pobres. A seara está branca, mas faltam obreiros. Que o Senhor revitalize nossos corações, nosso compromisso com a doutrina, a maneira como guardamos nossa fé e a maneira como cumprimos a missão. E que, ao fim, o Cordeiro Jesus seja glorificado em nossas vidas. Bibliografia LIDÓRIO, Ronaldo. Liderança e integridade. (Curitiba, PR: Ed. Betânia, 2008.) __________. Revitalização de igrejas: avaliando a vitalidade de igrejas locais. (São Paulo: Vida Nova, 2016.) STOTT, John. Como ser cristão: um guia prático para a fé cristã. Tradução Marcos Steuernagel e Silêda S. Steuernagel. (Viçosa, MG: Ultimato, 2016.) 1 Fundador e professor de Teologia da Faculdade Teológica Sul Americana de Londrina, Paraná. Pastor Presbiteriano (IPB), ordenado em 1988, graduado no Seminário Presbiteriano do Norte, em Recife, fez mestrado e doutorado no Fuller Theological Seminary (Pasadena, Califórnia-USA) no campo da missiologia. 2 Veja meu livro Uma igreja sem propósito. [BARRO, Jorge (org.). Uma igreja sem propósitos: os pecados da igreja que resistiram ao tempo. (São Paulo: Mundo Cristão, 2004.)] 3 Presidente da Missão ALEF. Um dos autores de “A Igreja e sua Missão Transformadora” (Editora Ultimato); coautor e coorganizador dos livros Igreja em movimento, Comunidades em transformação , Redescobrindo o Evangelho e Venha o teu Reino: uma igreja para hoje . Graduado nacional em liderança avançada pelo Haggai Institute. Selecionado por Lausanne para o YLG – Young Leaders Gathering em agosto/16 na Indonésia. Integra a iniciativa global “Indivíduos Inspirados”. Leandro e sua esposa, Adryelle, são missionários da Action International Ministries, servindo no Nordeste Brasileiro. 4 Pesquisa realizada pelo Prof. Orivaldo Pimentel Lopes Júnior com recursos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 5 E-mail enviado por Orivaldo Junior a Leandro Silva, 6 de agosto de 2019. 6 VIRGINIO, 2016, p. 51. 7 JALES, 2018. p. 42. 8 COSTAS, 1982. 9 COSTAS, 1982. 10 Ibid. 11 Ibid. 12 Revitalização. In: Dicionário Michaelis. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/busca? r=0&f=0&t=0&palavra=revitaliza%C3%A7%C3%A3o . Acesso em: 12/08/2019. 13 O resultado desta pesquisa foi apresentado por Linthicum no cap í tulo 2 de seu livro Revitalizando a Igreja: como desenvolver sua igreja para um ministério urbano efetivo , publicado no Brasil em 1996 pela Editora Bom Pastor. 14 LINTHICUM, 1996, p. 48. 15 Ibid. 16 Ibid, p. 65 e 66. 17 STOTT, 2013. 18 CHAN, 2019, pg. 152. 19 Um excelente recurso para isso é o livro O que é Igreja Missional , escrito por Timothy Carriker e publicado pela Editora Ultimato em 2018. 20 Publicado no Brasil em 1990 pela Missão Editora com o t í tulo O Poder da Justiça . 21 Disponível em https://www.ultimato.com.br/revista/artigos/372/john-perkins (Edição para assinantes da Revista Ultimato . Acesso em 13/8/2019.) 22 PADILLA, 2018. 23 O conteúdo completo deste sermão se encontra no apêndice histórico 2, nas páginas 164 a 167 do livro Igreja Autêntica , escrito por John Stott e publicado no Brasil pela Editora Ultimato em 2013. 24 STOTT, 2013, p. 166. 25 Natural de Jaboatão dos Guararapes (PE), com 42 anos, é pastor da Igreja Batista Zona Sul, em Natal/RN, desde 2010. Bacharel em Teologia, Graduado Nacional do Instituto Haggai no RN, Mestrando em Teologia com ênfase em Missiologia pelo Southeastern Baptist Theological Seminary. Casado com Jeisa, é pai de Larissa, Lívia e Benjamim. 26 LEWIS, 2017, p. 255. 27 Hipermodernidade é o termo criado pelo filósofo francês Gilles Lipovetsky (2004, p. 26) que significa: uma sociedade liberal, caracterizada pelo movimento, pela fluidez, pela flexibilidade; indiferente como nunca antes se foi aos grandes princípios estruturantes da modernidade, que precisam adaptar-se ao ritmo hipermoderno para não desaparecer. Este tempo é caraterizado pelo hiperconsumismo e hipernarcisismo. 28 LIPOVETSKY, 2004. 29 GOMES, 2014 30 STEUERNAGEL e BARBOSA, 2017. 31 SHEDD, 2000; PETERSON, 2017; WILLARD, 2008; VANHOOZER, 2018. 32 SOUZA, 2013. 33 SITTEMA, 2016, p. 55. 34 Expressão em latim, que, em sua tradução literal, significa “aproveite o dia”. O sentido é de aproveitar ao máximo o agora, apreciar o presente. 35 Ibid., p. 57, inserção nossa. 36 LIPOVETSKY, 2004. 37 GOHEEN, 2014; PETERSON, 2017. 38 GOMES, 2014. 39 MILLER, 2012. 40 PLATT, 2018; WILLLARD, 2008. 41 Referência ao protagonista de um conto de Franz Kafka, publicado em 1922, um indivíduo marginalizado, esquecido pela sociedade, o jejuador. Neste conto a proposta de Kafka é expor a fragilidade humana diante da evolução social, mostrando como nossas maiores habilidades podem se tornar ínfimas. 42 VANHOOZER, 2018, p. 193. 43 Ibid. 44 ALEXANDRE, 2002 45 2006. 46 SOUZA, 2006, p. 8. 47 KELLER, 2014. 48 VANHOOZER, 2018. 49 2000. 50 CLINTON, 2000, p. 59 51 LIPOVETSKY, 2004. 52 VANHOOZER, 2018. 53 VANHOOZER, 2018, p. 196. 54 RYKEN, 2015 55 WILLARD, 2008. 56 BONHOEFFER, 2016. 57 SOUZA, 2006; WILLARD, 2008; PLATT, 2018. 58 BARRO, 2003. 59 PIRAGINE JÚNIOR, 2006. 60 SHEDD, 2000. 61 WILLARD, 2008. 62 WILLARD, 2008. 63 SHEDD, 2000; BONHOEFFER, 2016. 64 PETERSON, 2017, p. 12. 65 PETERSON, 2018. 66 Valtenci Oliveira, pastor, atual Presidente da OPBB/RN; Mestre em Ciências da Religião; Especialista em Teologia Bíblica; Especialista em Teologia Bíblica e Sistemática Pastoral; Bacharel em Teologia; Licenciado em Filosofia. Principais obras: O fracasso de um campeão! (Oficina das Letras); Marcas de uma igreja relevante (Ed. Koinonia); Fé encarnada: por uma espiritualidade genuinamente integral (Garimpo Editorial) e O que não é Missão Integral? (Edições Gilgal). É organizador e coautor dos livros: Igreja em Movimento Comunidades em Transformação (Garimpo Editorial); Redescobrindo o Evangelho: A reforma e os desafios da Missão da igreja contemporânea (Garimpo Editorial); Venha o Teu Reino: uma igreja para hoje (Ultimato). 67 LLOYD-JONES, 2003, p. 7. 68 BOUNDS, 1997, p. 9. 69 LEWIS, 2005, p. 126. 70 STOTT, 2013, p. 96. 71 Recomendo a leitura do capítulo 5 do livro Venha o Teu Reino: uma igrejapara hoje , onde discorro sobre “Crescimento da Igreja: o dilema entre quantidade e qualidade”. Nele faço alusão, também, à tese do Crescimento Integral da Igreja do Missiólogo Orlando Costas. 72 COSTAS, 1994, p. 13. 73 LOPES, 2008, p. 232. 74 SHEDD, 2000, p. 67. 75 STOTT, 2013, p. 104. 76 Ibid. 77 OLIVEIRA, 2018, p. 75. 78 SHEDD, 2000, p. 68. 79 KELLER, 2015, p. 107. 80 LAUSSANNE, 2014, p. 21. 81 Ibid. , p. 42. 82 Abreviatura de Global Positioning System , que na língua portuguesa significa “Sistema de Posicionamento Global”, e consiste em uma tecnologia de localização e navegação por satélite, empregando um dispositivo móvel. 83 STOTT, 2013:101. 84 Teóloga, graduada pela Faculdade de Teologia Integrada/UFPE, professora nas disciplinas de Antigo Testamento no Instituto de Estudos e Pesquisas Teológicas, coordena a União Feminina e o projeto de saúde integral da mulher “Mulheres de Verdade” na ADPAZ, no bairro Potengi, em Natal-RN. Participante do movimento “Mulheres em Ministério”, é artesã e desenvolve estudos e trabalhos no campo das manualidades. Casada com o Pr. Marcos Mendes, é mãe de Debora, Juliana e Marcos Filho. 85 COSTAS, 1994, p.106. 86 Ibid., p.113. 87 MARTINS, 2004, p.45 88 Ibid., p.46. 89 PADILLA, 2018, p.67. 90 ROLDÁN, 2007, p.65. 91 KOHL, 2004, p. 81 92 MENDES, 2018, p.29 93 Pastor dirigente da congregação da ADPaz no bairro Potengi, em Natal-RN e 1º Secretário da Missão ALEF. Mestre em Ciências Sociais e Especialista em Direitos Humanos, Segurança Pública e Cidadania. Autor dos livros Diálogos com o Espelho: ética e renovação na igreja contemporânea e A Saída do Labirinto: missão e discipulado na perspectiva do Evangelho Integral e um dos autores e organizadores dos livros lançados pela Missão ALEF: Igreja em Movimento, Comunidades em Transformação (2016), Redescobrindo o Evangelho: a reforma e os desafios da missão da igreja contemporânea (2017) e Venha o Teu Reino: uma igreja para hoje (2018). Casado com Rose há 30 anos, é pai de Debora, Juliana e Marcos Filho. 94 LYOTARD,2009. 95 LIPOVETSKY, 2007. 96 BAUMAN, 2007. 97 O fenômeno manifesta-se, em especial, na Europa Ocidental e em metrópoles dos EUA. 98 VINE, UNGER, WHITE JR., 2005, p. 569. 99 SCHWERTLEY, 2019, p. 6. 100 PHILLIPS, 2014, p. 19. 101 Plural da palavra hebraica talmid , traduzida por discípulo no Novo Testamento. Tratava-se da elite intelectual de Israel, um grupo de meninos que iniciavam seus estudos da Torah , aos 6 anos e, aos 10, aqueles que não retornavam para suas casas para aprender o ofício da família, continuavam seus estudos ( Beit Talmud ) sob a orientação de um rabino, conforme sua interpretação da Torah. (KIVITZ, 2014) 102 PHILLIPS, 2014, p. 20. 103 BOSCH, 2014, p. 28. 104 Ibid., p. 467. 105 BARRO, 2015, p. 15. 106 CUNHA; WOOD, 2009, p. 50. 107 Isso envolve questões como o conhecimento, a existência, o valor (ético e estético) e o propósito da criação, do homem, a verdade, a espiritualidade, entre outras. 108 Formação política, nesta direção, não implica em conhecimento sobre a política partidária e outros aspectos das relações estatais e legais do país, mas sobre a relação entre o cristianismo que professamos, o bem-estar, justiça e igualdade na sociedade em que estamos inseridos. 109 POPE, 2017. 110 As letras iniciais dessas cinco ênfases, quando colocadas nessa ordem, na língua inglesa formam a palavra TEAMS (Truth, Equipping, Accountability, Mission, Suplication), um termo que significa times ou equipes (POPE, 2017, p. 31) 111 POPE, 2017, p. 32. 112 Ibid., p. 34. 113 KELLER, 2016, p. 27. 114 POPE, 2017, p. 37. 115 MENDES, 2016, 364. 116 Pastor da Igreja Batista Esperança, em Natal-RN. Cursou Teologia no Seminário e Instituto Batista Bereiano, graduado em Ciências Sociais pela UFRN, com curso em Liderança pelo Seminário Nacional de Liderança Avançada pelo Instituto Haggai. Vice-Presidente da Missão ALEF, é casado com Micheline Batista e pai de Micael e Bernardo. 117 BOSCH, 2002, p. 487. 118 BOSCH, 2002, p. 28. 119 WRIGHT, 2014, p. 20. 120 WRIGHT, 2014. 121 Ibid., p. 20. 122 STETZER citado por PIPER; MATHIS, 2015, p. 106. 123 Comportamento onde as pessoas constroem seu próprio sistema de fé, fazem isso distantes dos valores institucionais das grandes igrejas. 124 HERVEIEU-LÉGER, 2015. 125 NEWBIGIN, 2016, p. 145. 126 VOLF, 2018, p. 99. 127 Ibid., p. 199. 128 GOHEEN, 2014. 129 Esse momento com as crianças era denominado de “Manhã da Alegria”. 130 Pastor, plantador de igrejas, revitalizou a Igreja Batista em Camela, distrito do município de Ipojuca (PE). O texto é um testemunho do que foi aquela obra. Atualmente é pastor da Comunidade SIGA, plantada por ele na cidade de Cabo de Santo Agostinho (PE), e coordenador da Rede de Pastores e Líderes daquela cidade, sendo um valoroso colaborador da Missão ALEF. 131 LOPES, 2010. 132 SILVA, 2018, p. 31. 133 Pastor presbiteriano e missionário ligado à Agência Presbiteriana de Missões Transculturais (APMT) e WEC Internacional. Doutor em Atropologia, atuou no noroeste africano por 9 anos como plantador de igrejas e tradutor do Novo Testamento entre o povo Kokomba-Bimonkpein. Desde 2001 serve na região amazônica entre indígenas do Brasil. É consultor nas áreas de Missiologia e Antropologia para diversas organizações missionárias e coordena diversas iniciativas de treinamento missionário nessas áreas. É casado com Rossana e pai de Vivianne e Ronaldo Júnior. 134 LIDÓRIO, 2008. 135 LIDÓRIO, 2016. 136 STOTT, 2016. IGREJA Macedo, Rubens 9788578392055 80 páginas Compre agora e leia Hoje em dia, a igreja está correndo o risco de perder o foco da sua missão. O mundo ao nosso redor chama tanta atenção e oferece tantas propostas que parece que seguimos mais o exemplo de Adão e Eva do que o de Cristo. Somos uma igreja menos discipulada e doutrinada e, com isso, mais influenciada por "coisas extra bíblicas". As declarações de Jesus sobre o Reino de Deus provocaram, desde o início, alguns questionamentos. Pr. Rubens Coutinho tenta definir o Reino e a Igreja. Até mesmo a definição de IGREJA parece precisar ser redefinida, no entanto, a "velha" definição permanece: Igreja é Agência de Missões. Deus instalou a igreja para cumprir a grande comissão. Ela é o corpo de Cristo comandada por ele (cabeça) para concluir a missão de Deus: "...buscar e salvar os perdidos". Sendo assim, precisamos realmente refletir se estamos cumprindo a vontade de Deus ou se estamos "apenas" procurando nosso bem e nosso conforto. Beat Roggensinger, Ex-Diretor da ProSERTAO Compre agora e leia http://www.amazon.com.br/s/?search-alias=digital-text&field-keywords=9788578392055 http://www.amazon.com.br/s/?search-alias=digital-text&field-keywords=9788578392055 Mil esboços bíblicos Brinke, Georg 9788578391133 352 páginas Compre agora e leia A ordem de Jesus: "...pregai o evangelho a tida criatura" (Marcos 16.15b) é contemporânea e totalmente relevante; todo o progresso atual e todos os benefícios das ciências não podem dar ao homem o que ele mais precisa: um vivo relacionamento e uma profunda comunhão com o Pai através de Jesus Cristo. Cremos que a mensagem bíblica tem as respostas para as perguntas, anseios e necessidades dos homens e é a pregação da Palavra que possibilita ao homem o crer em Jesus (Romanos 10.17). Mil Esboços Bíblicos, de Georg Brinke, é uma rica fonte de inspiração para a pregação da Palavra, é auxílio adequado para todos que estão envolvidos neste ministério. 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Mas e se a intenção principal de Deus para o seu casamento não for fazer você feliz . . . mas torná-lo santo? E se o seu relacionamento não for tanto sobre você e seu cônjuge, mas sobre você e Deus? Tudo sobre o seu casamento – tudo – está cheio de potencial profético, com a capacidade de descobrir e revelar o caráter de Cristo: o respeito que você conceder ao seu parceiro, o perdão que você humildemente buscar e graciosamente estender, o êxtase, a admiração e a pura diversão de fazer amor, a história que você e seu cônjuge construirem um com o outro. Casamento Sagrado desvenda o mistério do propósito primordial de Deus. Este livro pode muito bem alterar profundamente os contornos do seu casamento. 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Permita que eles inspirem e encorajem você a seguir seus passos! Compre agora e leia http://www.amazon.com.br/s/?search-alias=digital-text&field-keywords=9788578392505 http://www.amazon.com.br/s/?search-alias=digital-text&field-keywords=9788578392505 Folha de rosto Expediente Endossos Sumário Prefácio 1 - Igreja: é preciso revitalizar 2 - Novos líderes para um novo tempo: revitalizando a liderança eclesiástica 3 - Um discurso contextualizado: revitalizando a pregação 4 - O crescimento conceitual da igreja e a revitalização da educação teológica hoje 5 - Um novo homem, uma nova mulher: revitalizando o discipulado cristão 6 - Qual a tarefa da igreja hoje? Revitalizando a missão 7 - Uma igreja para a cidade: revitalizando e sendo revitalizado para revitalizar a cidade Posfácio Notas