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competências e habilidades mostra-se essencial. Esse cui- dado se mostra, por exemplo, no destaque dado às rela- ções entre as humanidades e as ciências da natureza no tempo e nas sociedades, principalmente no que diz respei- to a proximidades e afastamentos em questões de método e às implicações éticas, sociais e ambientais dos avanços da tecnologia. No interior da área de Ciências Humanas e Sociais Apli- cadas, a BNCC propõe que a abordagem interdisciplinar se efetive por meio da integração das diferentes leituras dessas ciências sobre determinados fenômenos sociais com base nas categorias: Tempo e Espaço; Territórios e Fronteiras; Indivíduo, Natureza, Sociedade, Cultura e Ética; e Política e Trabalho. Nesse sentido, podemos observar a importância da flexibilização curricular proposta para o novo Ensino Médio. Diferentemente do Ensino Funda- mental, em que os objetos do conhecimento são na maio- ria das vezes explicitados, no Ensino Médio são os próprios estudantes que, no processo educativo, constroem aquilo que buscarão conhecer. Desse modo, justifica-se também o cuidado da coleção na seleção e proposição de temas a serem investigados pe- los estudantes, além de sua abertura para a escolha de ou- tros assuntos que sejam considerados igualmente relevantes. A coleção pretende possibilitar aos estudantes a mobiliza- ção de conhecimentos adquiridos e a elaboração de novos saberes na avaliação crítica de situações-problema da reali- dade, em especial na seção “Questões em foco”, presente em todos os capítulos. Ademais, os jovens devem ser esti- mulados a interferir sobre seus entornos e em diferentes espaços sociais. O projeto, proposto ao fim de cada um dos volumes, é o exemplo mais bem-acabado dessa perspecti- va integradora de diferentes conhecimentos e práticas. Segundo a pedagoga paulista Ivani Fazenda (1941-), esse posicionamento acerca da interdisciplinaridade se opõe ao enfoque epistemológico que analisa de maneira meramente especulativa as ligações ou interfaces entre os axiomas, conceitos e metodologias das ciências con- sideradas. O enfoque dos objetos de conhecimento na prática pedagógica, ressalta ela, exige dos educadores uma postura de abertura e paciência diante do desconhecido; o reconhecimento de seus limites e de sua própria igno- rância; o respeito ao olhar do outro; a disposição para cooperar; e a vontade de enfrentar desafios. Por esse ponto de vista, as práticas interdisciplinares realizadas cotidianamente em sala de aula mostram-se mais efetivas se comparadas aos projetos interdisciplina- res aplicados em períodos determinados. Desse modo, os professores devem estruturar um plano educacional que intencionalmente eleve a interdisciplinaridade como princípio a orientar as ações pedagógicas regulares. O li- vro didático, ainda que interdisciplinar, é apenas um de muitos materiais e referências que podem ser mobiliza- dos para os planejamentos de aulas. Igualmente, os pro- cessos avaliativos devem estar em consonância com a abordagem interdisciplinar: é importante, para essa pers- pectiva, que as avaliações sejam conjuntas, processuais (formativas e recapitulativas) e compartilhem dos mes- mos critérios de exigência. Algumas dificuldades, entretanto, se impõem aos pro- fessores. Um programa pedagógico verdadeiramente in- terdisciplinar exige maior tempo de preparo de aula de cada professor e maior integração entre os profissionais da escola. Assim, surgem dificuldades concretas tais como a realização de reuniões docentes para o planejamento e avaliação dos processos, o escasso tempo oferecido pelos calendários escolares e a excessiva atenção aos conteúdos curriculares voltados à preparação para os vestibulares. Outra distinção a ser feita diz respeito ao caráter da in- terdisciplinaridade. Conforme o filósofo da ciência mara- nhense Hilton Japiassú (1934-2015), a mera junção simultâ- nea ou justaposição das disciplinas não caracteriza um enfoque interdisciplinar. Nas perspectivas multi e pluridisci- plinar não há cooperação ou coordenação entre as ciências. Para Japiassú, a interdisciplinaridade, ao contrário, se distingue tanto pela profundidade das trocas realizadas entre os espe- cialistas como pelo nível de integração conceitual e meto- dológica das disciplinas. Ela visa, de certo modo, caminhar para uma abordagem transdisciplinar do conhecimento. A transdisciplinaridade, noção elaborada por Jean Pia- get nos anos 1970, defende a quebra das fronteiras disci- plinares e a unidade do conhecimento. Para tanto, propõe a necessidade de criar um novo horizonte de pensamen- to – uma nova compreensão da realidade, apoiada nos elementos que se apresentam e atravessam as disciplinas. Ainda que muitos estudiosos considerem impossível al- cançar esse objetivo, ele continua a inspirar inúmeros edu- cadores em seus fazeres educativos. Não se trata, aliás, de uma ideia estranha às humanida- des de outras épocas. É interessante pensar que, em sua ori- gem, a Filosofia se configurou como um saber que busca a totalidade, sendo, por vocação, desarticuladora de todo conhecimento parcialista. Durante muitos séculos, o conhe- cimento ocidental que hoje classificaríamos como próximo ao científico, em suas diferentes áreas, estava atrelado à Fi- losofia. Hoje, em contrapartida, as ciências, após seu pro- cesso de especialização, voltam a se aproximar da Filosofia em sua busca por outra definição de conceitos que lhes dão base, tal como se pode ver no capítulo da coleção que dis- cute os conceitos de natureza e cultura. Além disso, o sen- tido de abrangência da Filosofia se sustenta sobre o ques- tionamento dos preconceitos do senso comum e na desconfiança dos consensos e das certezas dogmáticas, ins- tituindo uma postura de dúvida radical permanente. ORIENTAÇÕES GERAIS | 175 P2_V5_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_MP_161a192.indd 175P2_V5_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_MP_161a192.indd 175 29/09/2020 19:4729/09/2020 19:47 Desse modo, a Filosofia não deixará de interrogar as pretensões da perspectiva pedagógica interdisciplinar. “Filha de seu tempo”, como diria Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), e por isso sujeita aos mesmos dilemas que afetam as ciências, a Filosofia não deixará de pergun- tar: não pretende essa visão interdisciplinar ou transdis- ciplinar reconstituir uma suposta unidade perdida do co- nhecimento? Seu projeto não nos levará à formulação de uma visão totalizante acerca da realidade? Quais são as implicações disso? � Os componentes curriculares e o novo Ensino Médio A Filosofia se estrutura sobretudo como um discurso crítico, argumentativo e contextualizado sobre o ser hu- mano e o mundo. Ao mesmo tempo, opera procedimen- tos que questionam os próprios pressupostos do pensa- mento, dos conhecimentos e das práticas. Nesse sentido, a Filosofia é também inerentemente reflexiva. Um saber que há mais de dois mil anos se dobra sobre si mesmo e se autoexamina. Logo, a Filosofia contribui para a aquisição de um con- junto de conteúdos, conceitos, teorias e questões de seu corpus teórico – exemplificadas em noções de caráter abstrato, historicamente construídas, tais como o tempo, o ser, a verdade, a razão, o belo, a felicidade e a liberdade humanas. Ela também colabora no aprendizado de pro- cedimentos metodológicos para a investigação dos fun- damentos que sustentam os mitos, as religiões, as ciências, as tecnologias, as artes, a economia, a política e a moral. Expõem-se, por conseguinte, duas tarefas capitais da Filosofia: a elaboração de análises interpretativas abran- gentes, sistematizadas e rigorosas sobre as múltiplas di- mensões da existência humana; e o exame das condições de possibilidade dos conhecimentos e das práticas. Por sua profunda disposição metadisciplinar, conforme afir- mam os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), o en- sino da Filosofia pode contribuir expressivamente para a articulação das demais ciências, principalmente por se concentrar sobre seus problemas de método eavaliar seus dilemas éticos. É, também, fundamental para a aná- lise interdisciplinar das categorias indicadas pela BNCC. Por fim, não podemos esquecer que a Filosofia con- tinua a participar dos destinos da pólis e do cidadão. A Filosofia pergunta pelo grau de efetividade dos sistemas democráticos na garantia do bem comum; examina a in- fluência da indústria cultural sobre o comportamento humano; questiona a legitimidade do uso da força pelo Estado; investiga o lugar das crenças e religiões na mo- dernidade; analisa a influência da tecnologia nos proces- sos de subjetivação; avalia as novas formas de organização e protagonismo políticos; e sobretudo subsidia a criação de novas estéticas e estilísticas de existência. Já a Sociologia, constituída como ciência da socieda- de, é ainda jovem, tendo-se originado no século XIX. Nas- cida em meio a grandes transformações políticas, econô- micas, sociais e tecnológicas que ocorriam no Ocidente, inquiriu e ainda inquire sobre as principais instituições que orientam a vida social nesse contexto, como a famí- lia, o Estado, a igreja e a escola. Em seu estudo da vida em sociedade, considera as dimensões sincrônicas e dia- crônicas, buscando entender as transformações e as per- manências nas formas de organização de diferentes so- ciedades, mas principalmente do mundo ocidental na modernidade. Além disso, oferece ferramentas teóricas para o exame de experiências, afetos e valores por meio dos quais os indivíduos definem tanto suas identidades como a dos demais sujeitos sociais. A Sociologia se preocupa em responder principalmen- te a duas questões: como se estruturam as relações entre indivíduo e sociedade; e quais fatores preponderam para que ocorra a manutenção da ordem ou, inversamente, as mudanças sociais. A produção intelectual daqueles que costumam ser considerados seus pensadores mais influen- tes – Karl Marx, Max Weber e Émile Durkheim, que es- creveram entre meados do século XIX e o início do sécu- lo XX – ainda se mostra de grande relevância e influência nos debates do campo sociológico, não obstante as pos- teriores transformações político-sociais. Ao mesmo tem- po, novas perspectivas teórico-metodológicas desenvol- vidas no último século enriqueceram e aperfeiçoaram as possibilidades de investigação e interpretação da Socio- logia. Muitos temas e conceitos de interesse da Sociologia também são examinados pela História, pela Geografia e pela Filosofia, por meio de seus próprios referenciais e me- todologias. Podem ser citados, como exemplos, o trabalho e as relações de produção; os conceitos de ideologia e alie- nação; autoritarismo e democracia; indivíduo e sociedade de massa; direitos humanos e multiculturalismo. Também é grande a intersecção da Sociologia com os estudos de outras Ciências Sociais, como a Antropologia, a Ciência Política e a Economia. Contribuições dessas disciplinas apa- recem, aliás, em momentos específicos da coleção, seja no texto expositivo, seja nas seções e atividades. O mesmo ocorre com outras ciências que tomam o ser humano como objeto de investigação privilegiado, a saber, o Direito e a Psicologia. Quando trata do tema dos direitos humanos, mobilizando principalmente as com- petências gerais 7 e 9 e a competência específica 5, a co- leção não se limita a propor uma intersecção com o Di- reito em termos de princípios éticos e normativos. Apresenta-se também a reflexão sobre o campo jurídico 176 P2_V5_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_MP_161a192.indd 176P2_V5_CIE_HUM_Vainfas_g21Sa_MP_161a192.indd 176 29/09/2020 19:4729/09/2020 19:47