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Conheci o professor Jorge Visca no final da década dt 1970, tm um
Congresso Internacional de Psicopedagogla, faiando uma clara axpoilçlo
de como enfocava e via o processo de aprandlzagam dói lujtltoi, tanto
normal como patogênico e patológico.
Senti a necessidade imediata da aproximar-ma dt tau Centro de
Estudos Psicopedagógicos e conhecer mais wbre a tua obra. Finalmente,
havia encontrado um marco conceituai que me permitiria abordar 01
pacientes de uma maneira integral, ou seja, considerando ai dimensões
afetiva, cognitiva e social. Até esse momento, as correntes que havia
encontrado para fundamentar o meu fazer pslcopeda|ó|lco focalizavam
somente um aspecto das dificuldades de aprendizagem, e sentia que nlo
me bastavam para compreender o que acontecia com o processo de
aprendizagem de um determinado Indivíduo.
O professor Visca é o criador da Clínica Psicopadaf ó|lca baseada na
Epistemologia Convergente, marco teórico e conceituai que ajudou e ajuda
os profissionais que se dedicam a trabalhar com os processos de
aprendizagem, a entender, de um modo mais claro, O que acontece em cada
caso. A Epistemologia Convergente constltul-se dos fundamentos da
Psicanálise, que desvenda os aspectos afetlvos, da Psicologia Genética, que
estuda os aspectos cognitivos, e da Psicologia Social, que aborda os
aspectos sociais.
Essas três teorias que embasam tal atitude conceituai Integram-se
não por suposição, mas sim por asslmilaçlo recíproca. Se tivesse que buscar
as palavras mais adequadas, para definir a Epistemologia Convergente,
seriam: construtivismo, interacionismo e estruturallsmo.
A obra Clínica Psicopedagóglca: Epistemologia Convergente foi
publicada pela primeira vez em 1985. Certamente, esta quarta edlclo
(segunda em português) será de grande Interesse e utilidade como obra de
consulta permanente, da mesma forma que foram as anteriores.
Lie. Prof. Susana Rozenmacher
(Diretora do Centro de Estúdios Psicopedagógicos de 1986 a 1996)
JORGE VISCA
CLINICA
PSICOPEDAGÓGICA
Epistemologia Convergente
Tradução
La u rã Monte Serrat Barbosa
2- edição revisada e ampliad
JORGE VISCA
No dia 14 de maio de 1935, na cidade de Baradero, província de
Buenos Aires, nascia Jorge Visca. Ali, seu pai Pedro Visca e sua mãe
Ana Zulema Guerrero de Visca, nossos avós, criaram-no e educaram
em uma formosa casa antiga. Durante sua meninice, pode desfrutar,
levado pelo seu pai, do campo, dos pássaros e da natureza.
Contava-nos que fez o Ensino Médio no Colégio Nacional de
San Pedro, uma cidade próxima de Baradero, na qual se chegava
viajando de trem - era toda uma odisseia!
Quando se formou, foi à capital para estudar advocacia; porém,
sentiu que essa não era a "sua" carreira e decidiu que sua vocação
estava no ensino. Então, fez o Magistério na Escuela Normal de
Profesores Mariano Acosta, em Buenos Aires. Acreditamos que o
fato de nossa avó ter sido professora influenciou em sua escolha.
Dessa forma, ele fez o Ensino Médio duas vezes e foi professor!
Mais tarde, formou-se em Ciências da Educação na Facultad de
Filosofia y Letras de La Universidad de Buenos Aires.
Sua colaboração em programas de Extensão Universitária
colocou-o em contato com populações marginais, o que o
sensibilizou ainda mais frente às dificuldades de aprendizagem. A
visão ampliou-se, consideravelmente, no Centro de Salud Mental
de La Matanza, com os alunos do Colégio Nacional Buenos Aires e
como reitor de uma escola de Ensino Médio do sistema privado de
ensino.
Recordamos quando, uma vez, contou-nos o que significou para
ele fazer contato com José Bleger na universidade, de como lhe
abriu o panorama da Psicanálise. Logo, as ideias de Pichon-Rivière
levaram-no a estudar e graduar-se na Primera Escuela Privada de
Psicologia Social, na qual se especializou em Grupos Operativos.
Nessa época, já trabalhava em seu consultório com a típica
"caixa de trabalho" (para cada um de seus clientes), recurso criado
por ele, inspirado no tratamento psicanalítico para crianças.
Aos 33 anos, casou-se com Raquel Kielmanowicz. Juntos foram
construindo a família; primeiro, com a chegada de Tuli, e depois,
com a vinda da menor, Florencia.
Transcorreram os anos 1970... Papai contou-nos que gostaria
muito de emigrar com a família para a França, mas as circunstâncias
fizeram com que ficássemos. Então, em 1977, mamãe estimulou-o
para que criasse o Centro de Estúdios Psicopedagógicos com as
pessoas que participavam de seus grupos de estudos, já que a sua
sistematização de uma fundamentação e de um fazer
psicopedagógico estava tendo resultados muito frutíferos tanto para
a formação de profissionais, como para o tratamento de crianças.
Assim, de suas aulas e suas investigações, começou a surgir o
que denominou de Epistemologia Convergente.
Começou a viajar cada vez mais pela Argentina - Córdoba,
Catamarca, Misiones, Corrientes, Rio Negro, Ushuaia, Santa Fé - e, a
partir de 1978, pelo Brasil. "Semeou" os CEPs em Misiones, Rio de
Janeiro, São Paulo, Curitiba, Campinas, Salvador, Recife, entre outros.
Também passou por Natal, Ilhéus, Brasília, Porto Alegre, Petrópolis,
Florianópolis, Joinville, Itajaí e muitos outros lugares, que nos é difícil
lembrar nesse momento. Nós o acompanhamos em muitas de suas
viagens, divertíamo-nos muitíssimo, conhecemos pessoas
maravilhosas. Ele adorava que estivéssemos juntos. Recordamos do
quanto se sentia feliz em poder transmitir seus conhecimentos e de
como seu cansaço era compensado com os agradecimentos que recebia.
Quando, agora, lemos seu Curriculum, surgem em nossa
memória muitos sucessos, e pensamos: Quantas coisas nosso pai
realizou, quantos saberes disseminou, quanto afeto e
reconhecimento ele recolheu!
Deixou suas ideias sobre a Epistemologia Convergente
registradas em numerosas publicações na Argentina e no Brasil,
especialmente em seus livros. Já maiores, fomos convidadas por
ele para colaborarmos em seus livros, o que nos fez sentir seu
constante entusiasmo.
Cruzou o oceano e chegou ao velho continente, convidado para
dar conferências e seminários em Portugal. Terminou fundando o
CEP-Lisboa antes que sua enfermidade o abatesse.
No dia 22 de Julho de 2000, partiu deste mundo, deixando-nos
um maravilhoso legado.
De tudo isso, surgiu nosso desejo, e o de muitas outras pessoas,
em dar continuidade à obra de Visca e ao seu trabalho, realizado
por mais de trinta anos.
Trabalharemos para que suas ideias, suas investigações, seus
CEPs, com a metodologia de ensino que utilizou, possam seguir
sendo difundidos e aproveitados pelos profissionais que trabalham
com crianças, adolescentes e adultos com dificuldades de
aprendizagem.
Tuli e Florencia Visca
Primavera de 2000
SUMÁRIO
Prefácio à Primeira Edição 13
(Jorge Fasce)
Prefácio à Segunda Edição 15
(Laura Monte Serrat Barbosa)
INTRODUÇÃO 19
O ENQUADRAMENTO 23
O Tempo 30
O Espaço 38
A Caixa de Trabalho 43
A Frequência, a Duração, as Interrupções Regradas
e as Condutas Permitidas 49
Os Graus de Afastamento do Enquadramento 55
O CONTRATO 61
O DIAGNÓSTICO 67
O Diagnóstico Propriamente Dito 72
O Prognóstico e as Indicações 91
O Processo Diagnóstico 95
ANOSOLOGIA Ml
O PROCESSO CORRETOR 115
Introdução ao Processo Corretor 115
Os Recursos 122
EPISTEMOLOGIA CONVERGENTE 135
(Laura Monte Serrat Barbosa)
Uma Conversa 135
O Entrelaçamento entre Teoria e Prática 142
Epistemologia Convergente - Novas Propostas 148
OBRAS CONSULTADAS 151
Clínica Psicopedagógica
PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO
A Psicopedagogia nasceu como um fazer empírico pela
necessidade de atender a cr ianças com dificuldades de
aprendizagem, cujas causas eram estudadas pela Medicina e pela
Psicologia. Com o transcurso do tempo, o que, inicialmente, foi uma
ação subsidiária dessas disciplinas, foi se perfilando como um
conhecimento independente e complementar, possuidor de um
objeto de estudo (o processo de aprendizagem) e de recursos
diagnósticos, corretores e preventivos próprios.
Jorge Visca a encara a partir do que tem chamado de
Epistemologia Convergente, uma conceituação da aprendizagem e
de suas dificuldadesem função da integração - por assimilação
recíproca - dos suportes das escolas psicanalítica, piagetiana e da
Psicologia Social de Enrique Pichon-Rivière. Em virtude dessa
integração, é possível compreender a participação dos aspectos
afetivos, cognitivos e sociais que confluem no aprender do ser
humano.
Jorge Visca foi professor em escolas regulares, o que lhe deu
um conhecimento vivencial da realidade cotidiana da sala de aula,
imprescindível para uma compreensão realista dos problemas de
aprendizagem da criança. Formou-se professor de Ciências da
Educação na Universidad de Buenos Aires, em 1966, o que lhe
possibilitou uma ampla visão dos processos educativos em suas
variadas instâncias e enfoques. Ampliou sua formação graduando-se
13
Jorge Visca
psicólogo social na Escuela Privada de Psicologia Social fundada por
Enrique Pichon-Rivière. A partir de então, como fundador e diretor
do Centro de Estúdios Psicopedagógicos, tem formado,
especializado e supervisionado um grande número de
psicopedagogos.
Este livro reúne alguns dos desenvolvimentos fundamentais
dos cursos que, no referido Centro, ministra o Professor Jorge Visca.
É necessário destacar que, nessa instituição, por meio das atividades
de docência, assistência e investigação, nos recentes difíceis anos
de ditadura militar argentina, muitos educadores encontraram um
âmbito no qual era possível pensar sem travas, sem dogmatismos,
sem medos e sem modelos rígidos.
Basta conferir o sumário, olhar suas páginas e, certamente,
apreciar-se-á a notável utilidade direta que o conteúdo deste livro
tem para os psicopedagogos. Sem dúvida, é preciso assinalar que as
ideias que se desenrolam, por possuírem sólidas bases filosóficas e
científicas, desenvolvidas na larga experiência assistencial, nos mais
variados meios sociais (não é demais lembrar o intenso trabalho
realizado por Visca no Centro de Salud Mental de La Matanza) são
um fecundo estímulo de ideias para os educadores que se
desempenham nas mais diversas tarefas (não só no campo
assistencial).
É a obra, enfim, não só de um técnico exitoso em sua tarefa
terapêutica e de um profissional reflexivo e talentoso, como
também de um educador, de um professor formador de profissionais
consistentes e inquietos como ele mesmo.
Jorge Fasce
Agosto de 1984
14
Clinica Psicopedagógica
PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO
Quando recebi o e-mail do Centro de Estúdios Psicopedagógicos
de Buenos Aires, no dia 22 de fevereiro de 2009, confirmando o convite
para traduzir esta obra, confesso que me emocionei.
iTe acuerdas que varias veces hablamos
de traducir los libros de Visca? Los dos libras que
se tradujeron, "Diagnóstico Operatório..." y
"Técnicas Proyectivas...", han sido muy bien
recibidos. Creo que seria oportuno traducir
"Clínica Psicopedagógica..." iTe gastaria hacerla
traducción? Pense que también podrías agregar
un Capítulo de tu autoria, donde podrías escribir
algo tuyo en relación a Ia Epistemología
Convergente."1 (Raquel Kielmanowicz)
A emoção deveu-se a muitos fatores.
O primeiro deles tem a ver com a admiração, de aluna, que
nutro pelo Professor Visca, nosso Mestre, aquele que provocou
Lembra-se de quantas vezes falamos em traduzir os livros de Visca? Os
dois que foram traduzidos: "Diagnóstico Operatório..." e "Técnicas
Projetivas..." estão sendo muito bem recebidos. Acredito que seria oportuno
traduzir "Clínica Psicopedagógica..." Gostaria de fazer a tradução? Pensei
também que poderia agregar um capítulo de sua autoria, no qual poderia
escrever algo em relação à Epistemologia Convergente (tradução nossa).
15
lorqc Visca
mudanças em minha vida de aprendiz e, consequentemente, no
meu desempenho como professora e psicopedagoga. O segundo
deve-se ao reconhecimento da sua família que, após o encontro
realizado no Rio de Janeiro, em 2008, para comemorar os 30 anos de
Jorge Visca no Brasil, ocasião em que apresentei um trabalho sobre
a Epistemologia Convergente, convidou-me para traduzir este livro
e escrever um capítulo.
Em terceiro lugar, está um motivo vinculado a um sentimento
"pequeno", que a gente gostaria de não ter, mas tem e dificilmente
confessa: a vontade que tive de estar no lugar de Simone Carlberg e
Jacqueline Andréa Glaser, quando traduziram, respectivamente, as
duas obras de Jorge Visca citadas por Raquel em sua mensagem.
Finalmente, minha emoção está ligada à possibilidade da
revisita às páginas do primeiro livro escrito por Jorge Visca, como
resultado de suas aulas em alguns dos Centros de Estudos
Psicopedagógicos. A primeira edição em língua portuguesa, em 1987,
não resultou naquilo que seu autor desejava, segundo confessava a
alguns grupos de alunos brasileiros e abordou posteriormente:
Uma das coisas mais importantes para
a tradução não é somente conhecer a língua,
mas também o conteúdo. [...] Eu acredito que,
em qualquer modelo teórico, em qualquer forma
de abordar a realidade, o importante é que
sejam criticados, analisados e estudados [...]
podem ser estudadas na dimensão mais ampla
quando as ideias são traduzidas fielmente.
Somente assim podemos fazer uma crítica
objetiva (VISCA, 1991, p. 16-17).
Dessa forma, acena-se com uma grande responsabilidade: além
de traduzir a obra, faço algumas articulações (utilizando complementos
das aulas de Visca, nos pontos em que a obra necessitava), iniciando
pelo sumário que, da forma como estava desenhado na última edição
em espanhol, não permitia a percepção do livro como um todo
articulado, e sim como uma série de itens. Organizo o sumário seguindo
a explicação do próprio autor sobre a ordem psicológica na qual
apresenta os temas, para não perder de vista as relações existentes
entre os temas e suas características específicas.
16
Clínica Psicopedagógica
Mesmo com as inserções, procuro ser o mais fiel possível às
suas ideias.
Somente quem foi seu aluno, ou sua aluna, pode entender
o que estou tentando dizer. As aulas do Professor Jorge Visca eram
verdadeiros exercícios de articulação dos elementos apresentados.
Além de trazer o tema, colocava-o para discussão, num segundo
momento, ouvindo várias posições e entendimentos, provocando
nossos posicionamentos e fazendo com que buscássemos
significados e, assim, déssemos sentido a nossa aprendizagem. Seu
livro precisa expressar essa articulação, o que foi minha preocupação
ao desenvolver esta tradução.
Esse seu primeiro livro, segundo depoimento de Visca,
gravado ao vivo e ouvido no encontro do Rio de Janeiro - a partir do
banco de memórias de alguns colegas, foi resultado de um desafio
feito por alunos do primeiro grupo de Formação em Clínica
Psicopedagógica, realizado no Rio de Janeiro e, como seria sua
primeira experiência, talvez não tivesse encaminhado todo o
necessário para a editora. No entanto, é uma jóia rara, pois contém a
sistematização de um trabalho e seus fundamentos teóricos, realizado
por um homem que era inteiro; seu discurso profissional revelava
sua ação, e sua ação revelava seu discurso.
Professor Jorge Visca é, até hoje, uma referência no Brasil,
como estudioso, como professor, como psicopedagogo no âmbito
da clínica, como coordenador de grupos (co-pensador), como amigo
e, principalmente, como pessoa, mesmo não estando
concretamente entre nós. Foi uma pessoa incapaz de ferir o outro,
mas também incapaz de deixar de dizer o que era preciso. Era
extremamente operativo no cotidiano e, com isso, conseguia a
participação de todos, sem impor e nem desconsiderar as pessoas
que estavam envolvidas.
Chegou ao Brasil com seu ECRO argentino, mais rígido, mais
previsível, e deixou-se fecundar pela cultura brasileira; flexibilizou-
se em muitos aspectos, mas sem perder de vista tudo no que
acreditava e estava sistematizando.
Também aprendemos muito com sua rigidez, pois o "jeitinho
brasileiro" nem sempre é só positivo, ou só negativo. A ideia de
enquadramento como um instrumento do atendimento
psicopedagógico é fantástica, e muitos se perguntam: Por que, em
17
Itirqc Visca
um livro de Psicopedagogia, alguém se preocupa em falar, por
exemplo, sobre as questões detempo que envolvem um
atendimento? Alguns profissionais esperam receitas de como propor
exercícios a pessoas com dificuldades e, por isso, estranham.
Como sua discípula, posso afirmar aos leitores que seus
ensinamentos estão posicionados bem antes da necessidade de
ensinar. Seus ensinamentos mostram recursos que estão atrelados
ao aprender, ao aprender-se, ao perceber-se como pessoa em
processo de aprendizagem tanto no que se relaciona ao
psicopedagogo, quanto ao aprendiz, e às dificuldades que podem
obstaculizar as aprendizagens. Ensinar só tem sentido, para ele, se
for para resultar em verdadeira aprendizagem.
Professor Jorge Visca, muito obrigada pelas oportunidades
de aprendizagem que me aparecem até os dias de hoje! Esta revisita
ao seu primeiro livro fez-me aprender mais um pouco, questionar
novamente a minha ação e lembrar-me de muitos momentos de
nossa convivência de aprendizagem.
Senti saudades!
Laura Monte Serrat Barbosa
Curitiba, Primavera de 2009
18
Clínica Psicopedagógica
INTRODUÇÃO
As linhas seguintes constituem uma breve síntese dos
aspectos teórico-técnicos da corrente de pensamento que denomino
Epistemologia Convergente e têm, como objetivo, apresentar os
aspectos fundamentais que fazem a compreensão da clínica
psicopedagógica tanto em relação à sua instância diagnostica, quanto
ao tratamento propriamente dito.
Os conceitos aqui apresentados são o resultado do
intercâmbio de ideias com os colegas - docentes e alunos - do
Centro de Estúdios Psicopedagógicos de Buenos Aires, Centro de
Estudos Psicopedagógicos do Rio de Janeiro e do Centro de Estúdios
Psicopedagógicos de Misiones. As três instituições constituem,
poder-se-ia dizer, uma confederação orientada pela primeira, o que
me tem permitido confrontar minhas ideias com a de profissionais
que se encontram vinculados às mais diversas realidades.
Em segundo lugar, cabe mencionar que a ordem da exposição
do livro responde a um critério psicológico e não lógico, pois preferi
utilizar a mesma sequência de ações que se pratica nos três centros
para expor os temas de acordo com a didática que os caracteriza. Cada
um dos temas é exposto em uma aula e, logo, reelaborado em pequenos
grupos coordenados com a modalidade de grupos operativos2. Pois
N.T. Muitas vezes, talvez a maioria delas, em nossa vivência nas aulas do
Professor Jorge Visca, as reelaborações coordenadas de forma operativa
foram realizadas, também, no grande grupo.
19
lorge Visca
bem, os membros dos grupos, naturalmente e pelo processo grupai,
primeiro vivenciam as constantes do enquadramento; logo, conceituam
o que é um contrato; posteriormente, desenvolvem uma atitude
investigativa que os conduz a diagnosticar; mais tarde, conduz a
conceituar os processos, tendendo a organizá-los, o que os leva à
nosologia grupai; por último, conduz a tentar remediá-lo mediante um
processo e recursos corretores.
Os catorze itens propostos nos cinco capítulos que
constituem o corpo da presente publicação configuram, também,
cinco unidades temáticas: enquadramento, contrato, diagnóstico,
nosologia e processo corretor. Cada uma delas pode ser organizada
em objetivos e conteúdos, como se detalha a seguir, na forma que
era apresentada nos cursos mencionados antes.
Unidade l - Enquadramento
1 Objetivos
1.1 Conhecer critérios teóricos para fixar o enquadramento
psicopedagógico.
1.2 Integrar os conhecimentos da epistemologia genética
aos da psicologia dinâmica em função do enquadramento.
1.3 Formar critérios de avaliação do agente corretor e do
sujeito do processo de atendimento psicopedagógico.
2 Conteúdos
2.1 Elementos do enquadramento: tempo, lugar, frequência,
duração, caixa de trabalho e condutas permitidas.
2.2 Graus de distanciamento do enquadramento e sua
avaliação, em função do pertencimento, da cooperação, da
pertinência, da comunicação, da aprendizagem e da tele.
Unidade II - Contrato
1 Objetivos
1.1 Conhecer os distintos tipos de contrato em função do
tempo e do âmbito de abrangência.
1.2 Estabelecer critérios que permitam determinar relações
entre o contrato e os princípios sanitaristas de promover a saúde e
prevenir a enfermidade.
2 Conteúdos
2.1 Contratos de tempo não limitado, de tempo limitado
propriamente dito e de tempo limitado em função da tarefa.
20
Clinica Psicopedagógica
2.2 Contrato individual privado, individual em instituições,
grupai privado e grupai em instituições.
Unidade III - Diagnóstico
1 Objetivos
1.1 Conhecer os fundamentos do diagnóstico psicopedagógico.
1.2 Criar critérios para a administração de uma bateria
diagnostica mínima.
1.3 Capacitar para diagnosticar dificuldades de
aprendizagem.
2 Conteúdo
2.1 O diagnóstico psicopedagógico: níveis de abordagem
metacientífico, científico e técnico.
2.2 Diagnóstico propriamente dito: descrição e localização
contextuai, sintoma, descrição e localização do momento atual (a-
histórico); descrição e localização histórica; desvios da normalidade
e assincronias.
2.3 Prognóstico: sem agentes corretores; com agentes
corretores ideais e com agentes corretores possíveis.
2.4 Indicações: ideais e possíveis; gerais e específicas.
2.5 O processo diagnóstico.
Unidade IV - Nosologia
1 Objetivos
1.1 Formar critérios de saúde e de enfermidade no campo
psicopedagógico sobre a base de conceitos sociológicos,
antropológicos, psicológicos e pedagógicos.
1.2 Determinar distintas unidades de análise para estudar
os vetores da aprendizagem.
2 Conteúdo
2.1 Critérios baseados na Epistemologia Convergente para
estabelecer uma aproximação nosográfica às dificuldades de
aprendizagem.
2.2 Deficiência na protoaprendizagem, deuteroaprendizagem,
aprendizagem assistemática e aprendizagem sistemática.
2.3 Algumas dificuldades específicas de aprendizagem:
alexia, dislexia, agrafia, disgrafia, disortografia, discaligrafia,
acalculia, discalculia, quadros combinados, detenção global na
aprendizagem e dificuldades não-específicas.
21
lorqr Visca
Unidade V - Processo Corretor
1 Objetivos
1.1 Localizar o papel do psicopedagogo no contexto
profissional.
1.2 Conhecer os distintos recursos da técnica e suas
aplicações individual e grupai.
1.3 Exercitar o fazer considerando os aspectos: conceituai,
emocional e prático das técnicas de atendimento psicopedagógico
(técnicas corretoras).
2 Conteúdo
2.1 Conceito de agente corretor ou de agente de mudança.
2.2 O existente, a variável interveniente e o emergente na
atenção individual e grupai.
2.3 Recursos corretores: a interpretação como hipótese, a
informação, mudança de situação, mostra, modalidade de
alternativas múltiplas, acréscimo de modelo, assinalamento
focalizado e interpretação focalizada, em suas distintas formas para
aplicação no campo psicopedagógico, utilização do jogo de papéis
como recurso corretor ou de mudança.
Clinica Psicopedagógica
O ENQUADRAMENTO
Em nosso artigo O Tratamento Psicopedagógico como
Tratamento Paralelo ao Psicoterapêutico, damos à palavra
enquadramento seu significado mais amplo: encerrar em um marco.
Para isso, tomam-se alguns elementos tais como: tempo, lugar,
frequência, duração, caixa de trabalho.
Para conhecer uma realidade, é necessário conjugar dois
critérios: isolá-la do contexto e integrá-la ao mesmo. Enquanto o
primeiro permite conhecer, de forma predominante, seu
funcionamento íntimo, o segundo facilita o conhecimento da
influência do contexto.
Para realizar o primeiro - no campo da clínica, faz-se um
recorte conceituai que permite reconhecer a realidade em suas
transformações dentro do que se pode denominar uma situação
controlada. Trata-se de uma questão psicopedagógica - seja do
atendimento de um sujeito individual ou de um sujeito coletivo
ou grupai, e refiro-me a uma situação de aprendizagem controlada
por meio do método clínico.
Para esclarecer o que quero dizer com "uma situação de
aprendizagem, controlada por meio do método clínico" permito-
me historiar brevemente o conceito de método clínico.
O método clínico teve sua origem na medicina e recebeu o
nome de clínico porque kliné significa, em grego, lugarem que se
observava ou atendia o paciente. Com o desenvolvimento da
23
lorgc Visca
Psiquiatria, o método passou a ser utilizado por ela e, dali, pela
Psicologia, particularmente pela Psicanálise. A partir desse
momento, o método clínico toma duas vertentes de
desenvolvimento que merecem ser mencionadas: a da Psicanálise
e da epistemologia genética.
Em primeira instância, abordarei a vertente psicanalítica.
Hug-Hellmuth3, Ana Freud e Melanie Klein foram os que iniciaram a
Psicanálise de crianças, na qual o método clínico deixa de ser o
método do recostado, pois a criança joga e movimenta-se; porém,
conserva a característica individual.
Com a introdução da psicoterapia do adolescente, o qual se
encontra em uma situação intermediária - não é nem criança e nem
adulto, o atendimento também sofre modificações, apesar de
manter sua característ ica essencialmente individual.
Posteriormente, o desenvolvimento do método clínico passa de um
enfoque individual para grupai: primeiro, sob a forma de "atenção
em grupo", e logo, sob a forma de "atenção ao grupo". O segundo
estilo é utilizado por Pichon-Rivière, que considera o grupo como
uma unidade em funcionamento. Também cabe mencionar que
Pichon-Rivière concebe a aplicação da técnica de grupo operativo
não só para o campo psicoterapêutico, como também para o campo
da educação, ou seja, para a condução dos processos de
aprendizagem. Porém, Pichon-Rivière só utilizou a técnica com
grupos que aprendiam normalmente e, em particular, com
profissionais da saúde mental. O grupo operativo, uma forma de
utilizar-se o método clínico, faz parte da metodologia com que seus
seguidores conduzem sua escola - Escuela Privada de Psicologia
Social. Também Bion, outro autor de formação psicanalítica, aplica
os conceitos dinâmicos aos grupos de trabalho.
A segunda vertente consiste na adaptação experimental que
Piaget realizou do método psiquiátrico. O método clínico, ou crítico,
imaginado por Piaget com o objetivo de observar a lógica tanto nas
ações, como nas operações mentais, surgiu no momento em que, ao
atender ao pedido de estandardização de testes psicométricos,
N.T. Como há diferenças com relação às normas técnicas para apresentações
de referências citadas no texto, aplicadas no Brasil (ABNT) e na Argentina,
optou-se por manter as informações (ou a falta delas), conforme o texto
original em castelhano.
24
Clinica Psicopedagógica
comprova que, sistematicamente, as crianças normais com menos de
13 anos não podem responder a certas proposições verbais. Esse fato
levou Piaget a perguntar-se sobre o porquê dessa dificuldade
sistemática e a buscar um método que não fosse nem de observação,
nem psicométrico. Como consequência de suas investigações, o
método clínico de Piaget experimenta várias modificações que
acompanham suas sucessivas descobertas, ainda que mantenha
sempre o que é essencial. Entre suas notas, destaca-se: sua intenção
epistemológica e a hipótese diretriz, sendo esta última o ponto de
transição entre o puramente clínico e o puramente experimental.
Além da utilização tradicional do método de acordo com a modalidade
piagetiana, alguns autores têm realizado outros estudos denominados
neopiagetianos com o objetivo de observar, por exemplo, não só os
aspectos cognitivos, como também os afetivos. Entre esses autores,
encontram-se: Barbei Inhelder, Therèse Gouin Dècarie, J. Anthony,
Morris Nitsun, Elza Schmid-Kitsikis, Bernard Gibello e muitos outros.
Se quisermos representar graficamente o desenvolvimento
histórico do método clínico, a representação poderia ser esta:
Freud
Hug-Hcllmuth, Ana Freud, Melainc Klein
Kliné(do grego)
Psiquiatria tradicional
Método clínico ou crítico de Piaget
Estudos neopiagetianos
Terapia do adolescente
Atendimento grupai
scente j
•f
A análise das etapas do desenvolvimento do método clínico,
a partir do nascimento da Psicanálise, põe em evidência a utilização
de certos recursos que servem para analisar a situação e, ao mesmo
tempo, controlá-la em função de constantes que acabam por destacar
uma variável.
25
/<>;<;<• V isca
Na utilização que faço do método clínico, integro os aportes
psicanalíticos e piagetianos, dos quais, nesta oportunidade, refiro-
me predominantemente aos primeiros, por serem os que mais
caracterizam os aspectos que a mim interessam destacar.
Também quero agregar que, quando se fala de Psicopedagogia
Clínica, faz-se referência a um método com o qual se tenta conduzir a
aprendizagem, e não a uma corrente teórica ou escola. Em concordância
com o método clínico, podem-se utilizar diferentes enfoques teóricos.
O que eu preconizo é o da Epistemologia Convergente.
Antes, porém, de retomar às constantes do desenvolvimento
do método clínico, devo explicar que, partindo da fundamentação,
previamente mencionada, com a inestimável ajuda de meus
colaboradores - no que se refere à implementação grupai, tenho
realizado a instrumentação do método clínico em Psicopedagogia
em duas etapas: a primeira foi de aplicação à atenção individual e a
segunda à atenção grupai. Ou seja, ao quadro anterior, cabe agregar
as linhas pontilhadas que representam a integração dos
desenvolvimentos psicanalíticos individuais e os piagetianos, que
convergem na utilização individual de acordo com o modelo da
Epistemologia Convergente e, deste, com o atendimento grupai,
que tem por resultado a utilização do método clínico grupai, também
de acordo com o modelo da Epistemologia Convergente.
Freud
Hug-Hcllmuth, Ana Freud, Mclaine Klein
Terapia do adolescente
Kliné (do grego)
Psiquiatria tradicional
^Método clínico ou crítico de Piagct
Estudos neopiagetianos
Utilização individual
Atendimento grupai / '
J \ l Utilização grupai
26
Clínica Psicopedagógica
Depois de historiado brevemente o método clínico, desde
suas origens até os dias atuais, abordarei o tratamento das
constantes do enquadramento, com as quais trabalho para colocar
em funcionamento o método clínico da forma como abordo em
Psicopedagogia.
Para realizar um atendimento psicopedagógico, é preciso
lidar com algumas constantes: tempo, lugar, frequência, duração,
caixa de trabalho, interrupções regradas e honorários.
No atendimento individual, por exemplo, essas constantes
ficam assim caracterizadas:
Tempo: encontros de SOmin ou X;
Espaço: consultório infantil, de adulto ou X;
Frequência: duas ou três vezes por semana, com frequência
distribuída ou acumulada;
Duração: de tempo não limitado, limitado em função do
tempo ou limitado em função da dificuldade;
Caixa de trabalho: conjunto de (objetos concretos) reativos
de conduta;
Interrupções regradas: feriados, outras datas por mútuo
acordo e férias;
Honorários: sistema de remuneração.
O conhecimento integral das peculiaridades de cada um
desses elementos permite sua adequada utilização, pois o
conhecimento implica tanto a conceituação de seus componentes
energéticos (afetivos), como estruturais (estruturas cognitivas), que
só podem ser entendidos articuladamente à luz da Epistemologia
Convergente. A Psicanálise descreveu os componentes energéticos;
a epistemologia genética descreveu os estruturais.
As constantes do enquadramento, instrumentadas a partir
da Epistemologia Convergente, não somente servem para isolar e
compreender a situação, como também constituem instrumentos
de mudança.
Como resultado de observações clínicas, podemos constatar
que, dentre outros efeitos, o uso das constantes do enquadramento
facilita a transição de um tempo e espaços próprios, percebidos em
função do princípio do prazer e, portanto, com significativas
conotações adualísticas em um tempo e espaço regido pelo princípio
da realidade; por isso, com importantes característ icas de
descentração e objetividade.
27
Jorge Visca
Em todo tratamento, é preciso ter-se em conta quatro
conceitos básicos que contribuem para não se cair na rigidez, nem
no caos, permitindo, portanto, a flexibilidade operativa. Estes
conceitos são: logística, estratégia, tática e técnica.
Logística, estratégia, tática e técnica são termos tomados dovocabulário que Pichon-Rivière utilizou na Psicologia Social, cuja
origem encontra-se na linguagem militar, escolha que, certamente,
possui relação com a atividade de seu pai, quando ainda moravam
na Europa.
O primeiro termo, logística, pode-se dizer que se refere ao
movimento, transporte e fonte de alimento; o segundo, estratégia,
relaciona-se à arte de dirigir operações; o terceiro, tática, está ligado
à disposição e ao emprego dos recursos na ação concreta; por último,
técnica, refere-se ao conjunto de procedimentos, como também à
habilidade para colocá-la em uso.
Aqui, cabe comentar, em relação à logística, que o
movimento, transporte e fonte de alimento (de busca) do outro
tem um valor relativo em função do meu próprio movimento,
transporte e de minhas fontes de busca; ou seja, a logística, do ponto
de vista psicopedagógico, significa considerar as defasagens e
capacidades do indivíduo ou grupo em função das atitudes do
psicopedagogo, as quais derivam tanto da informação e formação
profissional, como das características de personalidade que possui.
Quanto ao segundo, estratégia - arte de conduzir as operações -
requer ter à disposição categorias conceituais, das quais se possa
lançar mão no momento indicado; em nossa tarefa, entre as
categorias conceituais mais gerais, encontram-se justamente: o
tempo de cada encontro, o lugar onde acontecerá, a frequência na
semana, a duração do atendimento ao longo do tempo, a caixa de
trabalho etc. A tática implica um nível mais concreto, já que é, em
essência, a implementação - pôr em prática o plano. Por último,
poder-se-ia dizer que a técnica encontra-se intimamente ligada ao
estilo particular com que cada um de nós opera.
Tudo isso, avaliando a ideia de flexibilidade operativa,
permite-nos dizer que diferentes psicopedagogos com distintos
estilos podem obter resultados semelhantes.
Resumindo, o enquadramento decorre do esquema,
conceituai e referencial, com o qual, neste caso, o psicopedagogo
opera. Esses quatro termos integrados configuram a ideia cunhada
28
Clínica Psicopedagógica
por Pichon-Rivière, que sintetizou suas íntimas relações, com a sigla
ECRO - Esquema Conceituai Referencial Operativo. Pode-se dizer
que ECRO é o esqueleto de conceitos formados a partir de todas as
experiências vitais profissionais, as quais servirão de referência ou
pontos de compreensão e apoio para operar sobre a realidade.
Quando as constantes do enquadramento são apreendidas
(assimiladas e introjetadas), passam a constituir o "eu profissional
do psicopedagogo" e serão a base do vínculo cognitivo-afetivo do
seu fazer.
Outro aspecto a ser sublinhado é o fato de que, durante o
tratamento, todas as condutas, tanto do paciente quanto do
psicopedagogo, podem ser referidas ao enquadramento, o qual
servirá de parâmetro ou ponto de compreensão das situações.
Por exemplo4, se a frequência de dois atendimentos
semanais faz parte do enquadramento e, constantemente, o
paciente comparece apenas a uma e não justifica sua falta, esta
conduta pode ser o emergente de algo que ainda não foi dito e que
precisa ser esclarecido. A retomada do enquadramento pode ser
um ponto de partida importante para que o paciente tome
consciência do que o leva a agir dessa forma e para que o
psicopedagogo compreenda o que está acontecendo e possa intervir.
Será medo ao ataque diante do novo? Será medo à confusão, medo
à perda ou, simplesmente, o paciente sente-se filiado ao
atendimento psicopedagógico, mas ainda não se sente pertencendo
a ele? É por isso que o enquadramento tem tanto sentido para Visca;
foi também por isso que ele iniciou este livro com este capítulo,
assim como todos os seus cursos de formação de profissional com
este conceito.
4 N.T. Este exemplo foi introduzido, a partir de exemplos do próprio autor,
coletados em aulas assistidas, a fim de tornar claro o conceito para o
entendimento do leitor.
29
Jorge Visca
O TEMPO
Após essa introdução sobre enquadramento, passarei a expor
as constantes do mesmo, iniciando pelo tempo.
O tempo pode ser abordado tanto na sua dimensão
instrumental, quanto em sua dimensão conceituai. Ambas são verso
e reverso da mesma entidade.
No que se refere à sua dimensão instrumental, cabe estudá-
la como ferramenta para compreender uma situação e modificá-la.
Entendo a dimensão conceituai como a realidade que pode
ser tratada em seu aspecto energético (afetivo), por meio do olhar
psicanalítico, e em seu aspecto estrutural (estruturação cognitiva),
por meio do olhar piagetiano. O ganho de uma compreensão
energético-estrutural integrada constitui a intenção da Epistemologia
Convergente, a qual se fundamenta na esperança de Piaget, que
expressava: "[...] estou convencido de que chegará o dia em que a
Psicologia das funções cognitivas e a Psicanálise estarão obrigadas a
fusionar-se em uma teoria geral que melhorará a ambas e as corrigirá".5
Desenvolverei, aqui, a dimensão instrumental e conceituai
de forma conjunta, destacando somente certas características
predominantes.
O tempo é a unidade durante a qual se atende o sujeito. Em
princípio, essa unidade será sempre a mesma para cada sujeito
(individual ou grupai), mas poderá ser variável de um sujeito para
outro. Na prática com diferentes clientes, há diferentes unidades
de tempo; porém, de acordo com os critérios a seguir.
1 Para uma explicação mais detalhada sobre o modelo da Epistemologia
Convergente, pode-se consultar o primeiro capítulo de Psicopedagogia: Teoria,
Clinica, Investigación. [N.T. Este livro foi publicado na Argentina, em 1993.]
30
Clínica Psicopedagógica
Unidade de tempo
SOmin
60min
Xmin
Critérios
Não-contaminação
Comodidade
Não-contaminação
Comodidade
Realidade social
Não-contaminação
Comodidade
Realidade social
Realidade individual
No quadro anterior, figuram três unidades de tempo e quatro
critérios. A fixação de uma unidade de tempo de SOmin deriva da
necessidade de não-contaminação e de comodidade. A contaminação
- ainda que de maneiras distintas - pode se dar tanto no cliente, como
no profissional. Por parte do paciente, pode-se produzir, entre outras
situações, quando um paciente encontra-se com o outro, podendo
desencadear questões afetivas que interferem no vetor de análise que
nos interessa: a aprendizagem. Em outros campos de trabalho, evita-se
a contaminação por outros motivos; no nosso, também não é desejável
porque não nos interessa a emergência, sem necessidade, de ciúmes e
inveja, que poderão requerer nossa atenção e a do paciente em prejuízo
da dedicação ao objetivo principal do atendimento psicopedagógico.
No entanto, a contaminação também pode se dar, frequentemente, no
profissional, ainda que seja de outra forma: o psicopedagogo, durante
uma sessão, necessita se identificar com quem atende para acomodar-
se às necessidades do atendido, o que não deixa de produzir certo
estereótipo, ainda que transitório, e pode projetar-se e transferir-se à
pessoa seguinte, desvirtuando a percepção "ingénua", que é a indicada
a este próximo atendimento.
O critério de comodidade lembra que, em seus aspectos
manifestos, o paciente já deve dispor de sua caixa de trabalho ao
entrar no consultório, como sinal de sentir-se esperado e aceito.
Ambos os critérios - o de não comunicação e o de
comodidade - indicam que se atende durante um tempo e deixa-se
um tempo livre entre um e outro paciente. De modo nenhum são
necessários impreterivelmente SOmin. Porém, começar na hora,
dispor de lOmin de descontaminação etc. faz com que essa unidade
de tempo seja adequada.
31
Jorge Visca
O motivo de fixar a sessão em 60min para determinados
pacientes responde ao critério que denomino realidade social, o qual se
junta aos outros dois já comentados, ou seja, que não é diferente dos
mesmos. Esse critério significa o uso de uma unidade de tempo
universalmente utilizada, no sentido de ser o tempo consensual dos
adultos. Com crianças, adolescentes ou adultos com dificuldades muito
importantes, sejam emocionais, intelectuais ou ambas conjugadas, a
experiência clínica indica a conveniênciade utilizar um tempo de 60min,
o qual oferece a eles uma situação mais compreensível e manejável.
Por outro lado, isso não é muito diferente do que acontece com a criança
quando começa a aprender a hora; ela pode entender muito melhor às
5h, às 6h, às 7h, e não as 7h50min ou às 9h40min.
Quanto ao tempo X, este se fixa tendo em conta não só os critérios
de não-contaminação, comodidade e realidade social, como também da
realidade individual. O tempo X pode significar tanto uma unidade 30min
ou 45min, como outra de 90min ou 150min. Quando um paciente, por
impossibilidades intrapsíquicas, não pode permanecer mais tempo, é
conveniente atendê-lo num tempo menor que os 50min habituais. Considero
que isso é indicado para que o limite seja dado pelo próprio assistido.
Pode também acontecer que haja necessidade de fazer uma sessão de
mais tempo não só por questões intrapsíquicas, mas também por situações
que se geram interpsiquicamente, como uma situação de abandono e
outras, tais como dificuldades para comparecer com maior frequência, o
que é possível, em alguns casos, resolver com entrevistas prolongadas.
Qualquer que seja o tempo que se use, 50min, 60min ou X, o tempo
deve constituir para o psicopedagogo uma categoria conceituai que permita
localizar os fenómenos em espaço e subespaços temporais. Esse problema
tem sido resolvido por dois autores: Fernando Ulloa e Pichon-Rivière. Em
primeiro lugar, comentarei minha interpretação do modelo de Ulloa.
A duração de uma sessão pode ser representada da seguinte
maneira:
Omin (8h)
50min(8h50)
32
Clínica Psicopedagógica
Esse seria o tempo contratual, o qual se encontra precedido
e seguido de tempos que Ulloa denomina pré-entrevista e pós-
entrevista, respectivamente.
Pré-entrevista |
Omin(8h)
50min(8h50)
Pós-entrevista
l 1
Esses tempos unem a entrevista ao contexto temporal
contínuo.
33
Jorge Visca
Ao mesmo tempo, a sessão possui espaços internos, três espaços
internos: o começo da entrevista, a entrevista propriamente dita e o fim
da entrevista.
Espaço externo •
Espaço interno •
Pré-entrevista O min
Começo da entrevista - Omin
Entrevista propriamente dita
Final da entrevista 50 min
Espaço externo Tpós-entrevista
Aqui deve se notar que existe um espaço temporal
contratual com subespaços resultantes da construção que realizam
o entrevistado, por um lado, e o psicopedagogo, por outro.
Enquanto o espaço contratual é fixo, seus subespaços
internos caracterizam-se por uma coincidência têmporo-vincular e
são essencialmente dinâmicos. Não são tempos pré-estabelecidos.
Habitualmente, explico a localização e extensão desses
momentos de forma prática, mediante o seguinte gráfico:
Pré-entrevista
Começo da entrevista Omin
Entrevista propriamente dita
Final da entrevista 50 min
Pós-entrevista
i Desde que se tem
! notícias do paciente
Desde que transpõe a
porta do consultório
Desde que começa a
tarefa
Quando termina a
tarefa
Quando transpõe a
porta do consultório
Quando ainda se tem
notícias do paciente
34
Clínica Psicopedagógica
Na construção dos subespaços temporais, é possível se
observar distintas possibilidades e combinações.
a) A duração objetiva de cada momento
10 min
20 min
20 min
.0 min
2 min
20 mm
5 min
33 min
12 min
0 min
b) A inexistência de um momento
Começo da
entrevista
Final da
entrevista
25 min
25 min
Entrevista pro-
priamente dita
Final da
entrevista
c) A concordância dos momentos internos (princípio do
começo da entrevista, entrevista propriamente dita e o fim da
entrevista) com o espaço contratual etc.
0 min
Cf) mjn
Pré-entrevista
Começo da
entrevista
Entrevista pro-
priamente dita
Final da
entrevista
Pós-entrevista
Mil
50 min
""Pré-entrevista
Começo da
Entrevista pro-
priamente dita
Final da
entrevista
Pós-entrevista
35
/ ( ) / ( /<' 1//SCO
Enquanto na entrevista (I) há coincidência, na entrevista (II)
o fim prolonga-se, e o paciente "transgride" o limite temporal
contratado, não conseguindo sair.
Em cada um desses momentos, é possível observar ansiedades,
defesas, estruturas de conduta, comunicação, aprendizagem etc.
Esse modelo tem me servido, na prática clínica, para realizar
dois tipos de análise: uma diacrônica e outra sincrônica.
Realizo a análise diacrônica considerando uma entrevista
em sua totalidade, um momento ou momentos de uma entrevista
(sejam esses momentos simétricos ou assimétricos).
Uma entrevista Um momento
j~Pré-entrevÍsta~;
Comí
entre
Entre
priarr
Final
entras
CO
visl
i/Í St
enl
da
\/is1
da
a
a pro-
e dita
i
Pós-e\5/evista|
_ _ . . _ . _ , _ . _ !
Momentos de uma
entrevista
Pré-entrevista ";
Come
entre
Entre'
prian;
ço
/is
/is
er
da
ta
:a pro-
te dita
Final era
entrevista
Pós-entrevista
l Pré-entrevista
2 Começo da
entrevista
3Entrevista pro-
priamente dita
4Final da
entrevista
5Pós-entrevista
1
l
Denomino o estudo dos momentos l e 5 ou 2 e 4 como análise
dos momentos simétricos e chamo análise de momentos
assimétricos ao estudo de l e 2, l e 3, l e 4, 5 e 4, 5 e 3... 2 e 3, 2 e 5
etc.
A outra análise, ou análise sincrônica, consiste no estudo
comparativo de um mesmo momento - a entrevista propriamente
dita, por exemplo - correspondente a diferentes sessões. Essa
análise pode se desenvolver de acordo com distintos modelos:
a) o começo e final de um tratamento;
b) momentos prévios e posteriores a interrupções
estipuladas (férias, por exemplo);
c) entrevistas com certo tempo de separação uniforme: l9,
109, 202, 30° dias de um mês
1/3 W/3 20/3 30/3
36
Clínica Psicopedagógica
Também devo dizer que tanto com o enfoque diacrônico,
como com o sincrônico, é possível investigar não só o cliente, como
também o próprio psicopedagogo ou o vínculo entre ambos.
Sem dúvida alguma, a discriminação e o uso ou a construção
dos cinco momentos no modelo de Ulloa, assim como a pré-tarefa, a
tarefa e o projeto do modelo de Pichon-Rivière (que veremos em
seguida) não só dependem da afetividade, mas também do nível
epistêmico do sujeito tal como foi demonstrado por investigadores
da Escola de Genebra, embora não tenham sido investigações
referidas especificamente a esses modelos. Entre estes autores
encontra-se César Coll que, em seu artigo La Significación
Psicopedagógica de Ias Actividades Espontâneas de Exploración,
comenta sobre as relações entre o uso do tempo e a idade (entenda-
se estrutura cognitiva).
O modelo de Pichon-Rivière considera três configurações: a
pré-tarefa, a tarefa e o projeto. A pré-tarefa, a tarefa e o projeto são
instâncias necessárias no processo do desenvolvimento e diante de
cada nova aprendizagem.
A pré-tarefa pode adotar distintas formas, as quais são
expressão das resistências à mudança e, como se sabe, aprender
implica mudanças. A pré-tarefa pode assumir as características de
medo à indiscriminação (ansiedade confusional), de medo ao ataque
(ansiedade esquiso-paranoide, em termos kleinianos) e de medo à
perda (ansiedade depressiva, também em termos kleinianos).
A tarefa diferencia-se do trabalho porque, enquanto o
trabalho tem pouca mobilidade (o termo deriva de tripalium, que
quer dizer atado a três paus), a tarefa vai do manifesto ao latente e
deste ao manifesto, enriquecendo ambos os aspectos
reciprocamente. O trabalho - em sua significação oposta à tarefa - é
forçado, cria estereótipos e inibe a verdadeira mudança.
O projeto consiste numa configuração na qual se anuncia uma
nova abordagem; não é necessariamente um projeto escrito, nem
sequer falado ou pensado. Dá-se como uma modificação de atitude
(de sentar-se na ponta da cadeira ou sentar-se cómoda e
relaxadamente; de não abrir a caixa de trabalho ou de abri-la e
trabalhar).
Essa modificação, como veremos detalhadamente mais adiante,
pode se dar numa ou nas três áreas de expressão da conduta.
37
íorqc Visca
O ESPAÇO
O estudo genético e dinâmico do espaço está vinculado ao
conhecimento de um dos elementos do enquadramento, que
denominarei de lugar. O lugar é o consultório, estúdio ou sala onde
se realiza o atendimento. O espaço, como o tempo,pode ser
estudado segundo sua dimensão instrumental ou conceituai que,
nesta oportunidade, serão abordadas conjuntamente com
indicadores de suas diferenças e complementaridade, levando-se
em consideração apenas as predominâncias.
Aqui também cabe representar a ideia por meio de um
quadro que permita a rápida caracterização de três tipos de
consultório:
Lugar
Consultório de crianças
Consultório de adultos
Espaço externo, rua etc.
Idade e ou déficit
Crianças
Débeis mentais
Psicóticos
Sujeitos com elementos não muito
infantis (regressivos)
Sujeitos que apresentam déficits na
aprendizagem assistemática
Para uma primeira caracterização desses três tipos de
consultório, é preciso esclarecer que o consultório de crianças não é
utilizado apenas para atender crianças, mas qualquer pessoa que
38
Clínica Psicopedagógica
precise de um continente cujas características devem responder a
necessidades pouco desenvolvidas. Essas características aparecem
em pessoas que apresentam deficiências mentais ou psicoses, por
exemplo, como também adultos que podem ter aspectos infantis,
cujo caso deve ser atendido nesse tipo de consultório.
Em contrapartida, o consultório de adultos - no qual também
atendo crianças cujas dificuldades e conduta, em geral, não são
altamente infantis - dispõe de outro estilo de construção, mobiliário
e organização geral. Os clientes que são atendidos nesse consultório
apresentam um predomínio de aspectos maduros,
independentemente de sua idade cronológica.
O terceiro tipo de consultório, no entanto, significa um
âmbito distinto dos quais estamos acostumados; é um lugar
qualquer, a rua para quem tem dificuldade para locomover-se na
cidade, as lojas para quem não sabe comprar e, assim,
sucessivamente, segundo cada caso em particular.
Em outros termos, o consultório é o prolongamento do
psicopedagogo, ou seja, um dos objetos intermediários oferecido
pelo mesmo. Por isso, ele deve oferecer toda a continência
necessária para que o cliente expresse a si mesmo livremente e
possa tomar contato com os objetos e situações que facilitem sua
aprendizagem.
O consultório deve responder a determinados critérios:
comodidade, segurança, seleção de reativos, não-modificação de
ancoragens e ancoragens diferenciais.
O critério de comodidade implica todos os atributos que
fazem do consultório um lugar que recebe o cliente exatamente
como ele é, sem impor-lhe condições, como também que lhe dê a
segurança e a certeza de que suas dificuldades não serão conhecidas
por terceiro. A seleção de reativos indica que não é qualquer objeto
que é indicado tanto para o espaço do consultório, como para os
clientes; daí a necessidade de diferentes tipos de consultórios para
crianças e adultos, por exemplo. Por último, o critério de não-
modificação de ancoragens, que inclui as ancoragens diferenciais,
significa que os elementos do consultório devem permanecer
estáveis (não introduzir, tirar ou variar a disposição dos elementos
que o compõem), como também que o mesmo deve possuir
elementos distintos, que o diferenciem do consultório de outras
39
Jorge Visca
especialidades, como é o caso do consultório de um psicoterapeuta,
por exemplo, e que, em seus aspectos mais manifestos, possa se
parecer como um consultório psicopedagógico.
Esses critérios de não-modificação de ancoragens e de
ancoragens diferenciais apoiam-se: a) na necessidade de facilitar a
discriminação ou diferenciação entre o objeto interno e o externo e
b) na necessidade de respeitar certo grau de depositações que o
cliente possa realizar nos objetos da sala. A discriminação do objeto
interno (resultante do nível de depositação alcançado e de atividade
fantasmática) com o externo (neste caso, o consultório) facilita a
confrontação frequente de ambos, o que não acontecerá se
ocorrerem frequentes variações no espaço do consultório. Essa
necessidade de respeitar certo grau de depositações explica-se pela
"teoria dos três D", elaborada por Pichon-Rivière e que postula as
interações entre depositante, depositário e depositado.
O depositante, como dizia Pichon-Rivière em suas aulas, é o
cliente do banco, o depositado é o capital que deixa guardado e o
depositário é quem faz o trabalho de receber o depósito. Da mesma
maneira, o cliente (depositante) controla suas ansiedades
(confusional, esquizo-paranoide e depressiva) depositando sobre os
objetos (depositários) do consultório, seus medos (depositados). Essa
estratégia serve-lhe para enfrentar outras situações que, no caso do
atendimento psicopedagógico, são as novas aprendizagens. Por isso,
dizemos que não são convenientes as trocas dos objetos sobre os
quais haviam sido operadas as projeções; o melhor é que o espaço
permaneça constante.
Na atividade clínica, pode se observar como, em certas
patologias, os clientes são muito mais sensíveis às mudanças de
móveis etc., no princípio do tratamento, mesmo quando, na maioria
das vezes, não tenham consciência nem das mudanças, nem dos
efeitos produzidos neles. Isso não devemos estranhar, já que, no
tratamento, reedita-se, salvando as diferenças, o que Piaget
comenta na obra A Construção do Real na Criança quando diz que,
no princípio, o sujeito ignora a si mesmo e ao mundo que o rodeia
de tal forma que, nas próximas etapas, é concebido como uma
substância permanente e independente do eu e de sua atividade.
Para certos autores, o enfoque piagetiano e o psicanalítico
são diametralmente opostos e, portanto, acreditam que aquilo que
40
Clínica Psicopedagógica
corresponde à Escola de Genebra não serve para a clínica ou não
serve da mesma maneira. É interessante destacar como os autores
que se localizam em uma linha construtivista partem de postulações
que podem se integrar em proveito de uma epistemologia
convergente. Para mencionar um exemplo, basta recordar o
"adualismo" de Piaget e a posição "glischro-carica" de Bleger, que
se refere a uma organização mental arcaica que leva à ansiedade de
confusão total; são duas concepções que indicam como ponto de
partida a indiscriminação do eu e não-eu.
O conceito de campo da conduta, desenvolvido por Bleger,
permite uma clara explicação das relações que se estabelecem entre
um paciente e o consultório. Esse autor define campo "como o
conjunto de elementos interatuantes em um dado momento" e
distingue o campo ambiental ou geográfico do campo psicológico.
Em nosso caso, o campo geográfico estaria constituído pelo
psicopedagogo, a caixa de trabalho, o mobiliário e tudo que for
externo ao sujeito atendido, enquanto que o campo psicológico
está constituído pelo sujeito. Por sua vez, o campo psicológico possui
uma subestrutura: o campo de consciência, podendo acontecer
várias relações entre os três campos durante o processo de
atendimento.
As diferentes relações de concordância e discordância entre
os três campos podem ser visíveis nos diferentes membros de um
grupo, o que se poderia representar usando o esquema proposto
por Bleger, como segue:
A = Camp
B = Camp
C = Camp
1
A
B B
II c III IV |c
c LçJ 1
B B |
T
o geográfico •
o psicológico
o da consciência
41
lorqc V isca
Na figura, o primeiro exemplo (I) mostra a total coincidência
que se dá entre os três campos: geográfico, psicológico e de
consciência; no segundo (II), há uma total dissociação entre o campo
geográfico e os outros dois: psicológico e de consciência; no terceiro
(III), coincidem os campos geográfico e de consciência, mas não o
psicológico (o sujeito pensa de forma interessada no que tem diante
de si, mas não possui uma atitude corporal coerente, pois se encontra
com o corpo tenso como se estivesse para ser atacado); no entanto,
no quarto exemplo (IV), ocorre totalmente o oposto, ele parece
estar interessado, mas pensa em outro assunto; no quinto (V), dá-
se uma total indiscriminação, com absoluta indiferenciação de
campos.
Dos resultados obtidos por distintos autores que investigaram
crianças normais, assim como crianças e adultos portadores de
necessidades especiais, pode-se inferir que a concordância do campo
psicológico com o geográfico,ou ambiental, requer tanto certo nível
de estruturação cognitiva, como de relação afetiva, as quais, por outro
lado, guardam uma estreita relação entre si.
Assim como é possível observar o uso e concordância que o
paciente faz do tempo, também é possível observar em relação ao
espaço, deduzindo-se que um dos primeiros objetivos do
atendimento psicopedagógico consiste em arbitrar os recursos para
que se obtenham uso e concordância adequados.
42
Clínica Psicopedagógica
A CAIXA DE TRABALHO
A caixa de trabalho apresenta três características essenciais:
a) é uma constante do enquadramento; b) é um continente; c) tem
conteúdos.
Tudo o que se pode dizer em relação ao consultório, toda
consideração genética e dinâmica, também vale para a caixa de
trabalho. Os critérios utilizados para definir o consultório
(comodidade, segurança, seleção de reativos, não-modificação de
ancoragem e ancoragens diferenciais) também servem para a caixa
de trabalho; a comodidade traduz-se particularmente em tamanho;
a segurança, em que seus déficits e materiais não serão conhecidos
por outras pessoas; a seleção de reativos, em que os elementos
contidos na caixa não distraiam; a não-modificação de ancoragem,
em que os materiais temidos e amados, conhecidos e desconhecidos
fiquem sob controle do aprendiz.
Cabe dizer, também, que a caixa de trabalho é única, não
somente por ser usada por um único cliente (individual ou grupai),
mas pelo fato de que não haverá duas caixas iguais, da mesma
maneira como não existem dois sujeitos e dois diagnósticos iguais;
cada caixa é a réplica do diagnóstico que a produziu, pois se configura
em função de parâmetros que também figuram no diagnóstico:
déficits de aprendizagem, sexo, idade, meio sócio-cultural,
prognóstico e grau de focalização da tarefa.
O estágio de pensamento determina o grau de sensibilidade
e de operatividade do sujeito. Os diferentes níveis de construção
cognitiva constituem um parâmetro em função do qual se
selecionam os materiais da caixa de trabalho. Assim, por exemplo,
quando uma pessoa apresentar-se insensível frente a um jogo de
xadrez, poderá, no entanto, vincular-se com um jogo que requeira
operações de um menor nível de complexidade.
43
Jorge Visca
O feito de colocar um jogo, cujo uso requeira um nível de
construção das operações que o paciente não dispõe, vai significar, em
primeira instância, que o sujeito o utilize, mas de uma maneira que não
corresponde à finalidade para a qual o material foi criado: poderia
brincar de soldadinhos com as peças de xadrez, o que, em realidade,
não teria maior transcendência. Também pode ocorrer que o sujeito
deseje se acomodar ao uso consensualmente pré-estabelecido, ou seja,
deseje aprender a jogar xadrez. Na prática clínica, é fácil observar quando
um sujeito é submetido a situações que exijam dele além de sua
estrutura cognitiva; ele responde por meio de condutas que revelam
ansiedades confusionais, esquiso-paranoides ou depressivas, com os
consequentes inconvenientes que isso pode provocar.
Os interesses ou motivações constituem o motor das condutas
de aprendizagem, as quais se encontram sempre relacionadas a
objetos e a ações que, com eles, são possíveis de realizar-se. Por
outro lado, é importante ressaltar que distintos objetos requerem
semelhantes condutas de um sujeito: por exemplo, de certo ponto
de vista, ler uma revista, um livro de receitas culinárias, um manual
de xadrez ou um livro de leituras escolares exigem, em todos os casos,
ler e, ao mesmo tempo, pode satisfazer diferentes interesses
segundo cada material. Quando um sujeito resiste à mudança, o
interesse e a motivação apresentam-se como uma fresta em seu
sistema defensivo, o que nos permite penetrar para intervir.
Recordo-me de um jovem com ideias delirantes, cujo
fechamento era absoluto. Não se vinculava mais do que com um
canário que tinha em casa e com algumas outras poucas coisas, todas
as quais tinham como ideia central "Pipi", nome com o qual chamava
sua avezinha. Não queria fazer nada, e passamos certo tempo nessa
atitude, pois não queria recortar porque temia se arrepender,
aprender a escrever porque... etc. Até que surgiu a ideia de construir
um móbile com aves (aves era sua ideia delirante), o que aceitou e
foi o princípio da mudança que lhe permitiu começar a aprender até
quase completar sua escola primária.
Os déficits na aprendizagem constituem outro critério para
a escolha do material da caixa de trabalho. Eles devem ser levados
em conta, o que não significa, de maneira alguma, que um material
seja escolhido exclusivamente em função desse critério, mas que,
muito pelo contrário, será somente um critério que deve se conjugar
aos restantes, previamente mencionados, que seguirei detalhando.
44
Clínica Psicopedagógica
Como déficits de aprendizagem, refiro-me tanto aos do
campo da educação sistemática: escrever, operar matematicamente,
ler etc., como aos do campo da educação assistemática: cozinhar,
tecer, dirigir etc.
O sexo também é outro aspecto que deve ser levado em conta,
pois, quer por prescrição social ou pelo que os sujeitos possuem de
identidade nesse sentido, pode-se observar certa tendência para a
escolha de materiais e atividades. Isso não implica que o profissional
deva fazer uma discriminação preconceituosa que prejudique a
identificação e o andamento da aprendizagem do sujeito.
Outro tanto pode se dizer a respeito da idade, a qual constitui
um problema interessante a ser estudado com tal profundidade
que, no meu entender, ainda não tem sido alcançada. Nos primeiros
momentos de minha atividade profissional, trabalhando em uma
instituição hospitalar, formei um grupo cujos integrantes tinham
duas características similares: eram do sexo feminino e tinham o
mesmo estágio de pensamento, possuindo, entre outras diferenças,
idades marcadamente distintas. Esse erro significou, para mim, uma
enriquecedora experiência e permitiu-me observar os diferentes
interesses que possuíam, apesar de terem o mesmo nível de
operatividade, assim como as distintas atividades escolhidas, não
suspeitáveis, independente do êxito que obtivessem nelas.
O meio sociocultural também tem um importante papel na
seleção dos materiais da caixa de trabalho. Os objetos possuem
diferentes níveis de significação: individual (inconsciente, pré-
consciente e consciente), grupai (familiar e do grupo social imediato
no qual se encontra inscrita a família) e geral (que coincidirá com
seu uso mais universal).
Isso pode ser representado graficamente como segue:
45
Jorge Visca
Universal
Comunitário
Familiar
Consciente
Pré-consciente
Inconsciente
Nível geral
Níveis de
— significação
compartilhados
Níveis de
significação
individual
Os objetos possuem, para o sujeito, distintos níveis de
significação; porém, o que aqui desejo destacar é a necessidade de
que exista certa correspondência entre os níveis compartilhados e
os materiais da caixa de trabalho, pois a prática mostra que, quando
os objetos estão muito distantes da ideologia do sujeito, ele pode
os recusar e rejeitar.
O obstáculo epistemológico, caracterizado por Gastón
Bachelard e retomado por Pichon-Rivière, põe em evidência a
influência da cultura como fator de resistência a certas mudanças
que, nesse caso, corporificam-se na abordagem e no tratamento
dos objetos e materiais.
O prognóstico - hipóteses sobre o estado ou estados futuros
dos sintomas e dos obstáculos - também guia a seleção dos materiais.
A caixa de trabalho é uma constante e, como veremos mais adiante,
possui uma variabilidade da qual não gozam as outras constantes e, por
isso, deve ser organizada, sem dúvida, da forma mais estável possível.
Por isso, os prováveis estados futuros servem para que disponibilizemos
antecipadamente os materiais que podem ser usados, pelo menos, em
um futuro relativamente próximo. Porém, na caixa de trabalho, ainda
devem se incluir não somente materiais que correspondam ao estado
atual e futuro do aprendiz, mas também aos níveis já superados, pois
servirão de ponto de apoio em uma "regressão instrumental"para
retomar o caminho que se encontra adiante.
46
Clínica Psicopedagógica
Por último, referir-me-ei ao que denomino grau de
focalização da tarefa. O grau de focalização da tarefa significa o
quanto a centralização em um determinado déficit faz emergir o
déficit, ou a sua sombra, sobre o qual o psicopedagogo exercerá sua
ação.
É possível se praticar tratamentos focalizados e não-
focalizados. Para os primeiros, o sujeito deve possuir um ego
suficientemente forte, e sua dificuldade em questão deve ser
relativamente independente de outra, ou única. O grau de focalização
só pode ser determinado em função do diagnóstico.
Em termos gerais, classifico os reativos de conduta em:
distrativos e reativos de conduta propriamente ditos. Os distrativos
podem ser entendidos como: a) objetos que afastam o aprendiz de
sua tarefa de tal maneira que o impedem, inclusive, de aproximações
tangenciais; b) reativos que, mesmo não sendo negativos para o
sujeito, afastam-no do foco de suas necessidades e complementam-
se com suas resistências para abordar a tarefa. Já os reativos de
conduta propriamente ditos são os adequados para o tratamento,
seja ele focalizado ou não. Os distratores-B são aqueles reativos
que se não são negativos para o sujeito, alteram o foco de suas
necessidades e se complementam com suas resistências para abordar
a tarefa, enquanto que os distratores-A são aqueles que o alteram
de tal maneira, que impedem até aproximações tangenciais.
Distratores-A
Distratores-B
Reativos de conduta
propriamente ditos <-> tarefa
Em síntese, a seleção do material da caixa de trabalho só
pode se realizar sobre a base da utilização integrada de todos os
critérios, aplicada aos resultados de cada diagnóstico. Na interseção
47
Jorge Visca
desses critérios é que se encontra o material mais pertinente para
produzir mudanças. A caixa de trabalho é, de certa maneira, o
prolongamento do psicopedagogo e, entre ele (seu prolongamento)
e o paciente, vai se estabelecer um duplo vínculo em quatro vias.
Pichon-Rivière foi quem desenvolveu o conceito de duplo
vínculo em quatro vias, aproximadamente como segue: entre duas
pessoas, é estabelecida uma relação vincular recíproca, implicando
no vínculo de cada uma para com a outra, pondo em ação aspectos
positivos e negativos. Sempre, entre um sujeito e os objetos
(humanos ou físicos), é estabelecido um duplo vínculo em quatro
vias:
Na situação psicopedagógica, o objeto, a caixa de trabalho,
é o prolongamento do psicopedagogo:
48
Clínica Psicopedagógica
A FREQUÊNCIA, A DURAÇÃO, AS INTERRUPÇÕES
REGRADAS E AS CONDUTAS PERMITIDAS
Frequência é uma constante do enquadramento que indica
o número de vezes que o sujeito (indivíduo ou grupo) é atendido
em um tempo dado: semana, quinzena, mês; duração é o tempo
total do tratamento, necessário para a reabilitação total ou parcial;
interrupções regradas são as datas convencionadas, mediante mútuo
acordo, nas quais o paciente não receberá atenção; as condutas
permitidas constituem o conjunto daquelas delimitadas por meio
da consigna inicial do tratamento.
Tal como comentei, a frequência está dada pelo número de
vezes que o sujeito é atendido em um tempo determinado, podendo
existir uma significativa gama de frequências tanto pelo aspecto
quantitativo, como pelo qualitativo. O primeiro refere-se ao número
de entrevistas, e o segundo a sua localização no tempo, dado que a
frequência tanto pode adotar a forma de frequência distribuída,
como de frequência acumulada.
A maior frequência é, geralmente, de seis vezes por semana,
de segunda-feira a sábado; a frequência ideal (distribuída) é de três
vezes por semana (por exemplo, segunda, quarta e sexta-feira) e a
menor é de duas ou uma vez por semana (esta só é útil em situações
de acompanhamento ou em casos muito particulares).
A frequência acumulada é utilizada, preferentemente,
naqueles casos em que o efeito cumulativo facilita: a) a ruptura de
esquemas rígidos; b) a consolidação de aquisições que, ao contrário,
perdem-se (como certos movimentos).
Os critérios para estabelecer a frequência são:
1) necessidade do sujeito (por exemplo, em relação às
experiências escolares);
49
Jorge Visca Clínica Psicopedagógica
2) tempo de perda (por exemplo, esquecimentos,
desorganizações de ações); para perdas mais recentes, maior
frequência;
3) tempo de elaboração; quanto maior rapidez, menor a
frequência;
4) incidência positiva ou negativa do meio;
5) tempo do psicopedagogo para conduzir as sessões; o qual
faz referência ao fato de que o profissional também terá um tempo
de reação frente ao paciente, que incidirá, sem sombra de dúvidas,
no processo geral. Esse aspecto também deve ser levado em conta
para fixar a frequência. O tempo do psicopedagogo depende não
somente do conhecimento teórico, técnico e da experiência referente
à patologia particular a tratar, mas também às suas características de
personalidade;
6) aspectos práticos, tais como distância, mobilidade, tempo
livre, do cliente e sua família (no caso de deverem acompanhá-lo).
Em síntese, a frequência deve considerar tanto a dimensão
intrapsíquica, como interpsíquica, em função dos aspectos cognitivos
e afetivos; em outros termos, a intraoperatividade e a
interoperatividade, como também o que poderíamos chamar de
intraafetividade e interatividade.
Incidências
negativas -
do meio
Exigências
acima da
estrutura
Abandono.
Estimulação
deficiente
Aceitação
Estimulação
Exigências de acordo
— com as estruturas
Etc.
Incidências
'positivas
do meio
Existem incidências do meio que nos ajudam a decidir a
frequência. Há incidências negativas que interferem no
desenvolvimento do aprendiz, tais como: exigências além das
50
estruturas já construídas, abandono, negação da dificuldade,
estimulação inadequada, exigências aquém das estruturas já
construídas e outras. Assim como há incidências favoráveis ao
desenvolvimento, tais como: aceitação das dificuldades, estimulação
suficiente, exigências de acordo com a estrutura.
De outra forma, pode-se dizer que a frequência
instrumentada adequadamente incide sobre o estabelecimento e a
continuidade dos vínculos entre o paciente e a situação
psicopedagógica devido à confrontação e à modificação do objeto
interno com o externo e, particularmente, pela reelaboração do
terceiro excluído.
Caixa de
^trabalho
Consultório
Psicopedagogo
Essas modificações provocam mudanças de atitude frente a
situações de aprendizagem, muitas das quais provém da
reelaboração do terceiro excluído. O conceito de terceiro excluído
também foi reelaborado por Pichon-Rivière de acordo com a
concepção kleiniana, sendo de grande utilidade para o
entendimento de certas reações frente à aprendizagem. Esse
conceito pode se resumir assim: quando a criança é pequena,
encontra-se com um de seus progenitores e aparece aquele que
estava ausente; como também quando ambos estão juntos e a criança
ingressa na relação dual, produz-se a vivência da exclusão que pode
chegar a configurar-se, intrapsiquicamente, como um esquema de
reação frente a situações futuras. Esse estilo de conduta necessita
de uma tela de "depositações" que sirva para projetar a fantasia de
perseguição exercida pelo terceiro excluído (aquele que fica fora
da relação dual), a qual se produz, frequentemente, nas situações
de mudança.
51
Em situações de aprendizagem - que, naturalmente, contém a
mudança -, a atualização do terceiro excluído dá-se com frequência
inusitada, aparecendo comumente sob a forma de não-aceitação de
uma nova estratégia para aprender ou para resolver situação
problemática: "O professor disse que se faz assim, e não como você
está dizendo."; "Por que minha mãe não me deixa?" Nesses exemplos,
tanto o professor como a mãe estão sendo vividos como terceiro excluído
e, portanto, perseguidores na relação paciente-psicopedagogo.
PI - professor introjetado como "este é o único procedimento para resolver
um problema"
P2 - professor representante do terceiro excluído
A frequência deve ser tal que permita uma aproximação
paulatina e continuadapara facilitar a reelaboração e as resistências
à mudança. Entre essas resistências, o vínculo persecutório do
terceiro excluído é um dos principais a serem levados em conta na
relação entre sujeito e psicopedagogo.
A duração consiste em um espaço de tempo necessário para
a minimização ou superação das dificuldades do sujeito (indivíduo
ou grupo).
A duração pode ser: de tempo não-limitado, de tempo
limitado propriamente dito e de tempo limitado em função de um
déficit ou do grau de um déficit.
Sobre a duração de tempo não-limitado, pode-se dizer - em
primeira instância - que é a mais comum e que ela é estipulada nos
52
Clínica Psicopedagógica
contratos: quando se desconhece a evolução em termos de hipótese
prognostica ou quando, conhecendo a evolução em termos hipotéticos,
é desconhecido o tempo aproximado que tal evolução exigirá.
A duração do tempo limitado propriamente dito é fixada
quando um fato externo impede a indefinição do tempo. Fatos, tais
como viagem (que implica uma mudança definitiva), trabalho (que
indica a necessidade de reabilitação do sujeito em um espaço de
tempo tal, após o qual ele mesmo necessitará assumir suas facilidades
e dificuldades para o exercício de uma atividade, motivo por que
procurou o psicopedagogo) e outros, são alguns exemplos de situações
mais comuns. É certo, também, que essa opção implica um grau de
certeza sobre o tempo requerido e a possibilidade das mudanças a
serem produzidas.
Por último, a duração de tempo limitado em função de um
déficit ou do grau de um déficit implica a não-determinação, a prior/,
do momento de finalização, mas sim que a finalização produzir-se-
á quando se alcance um determinado nível de melhora, o qual pode
consistir no desaparecimento total ou parcial das dificuldades em
uma área restrita (por exemplo, escrita, atenção, memória).
Esse tipo de contrato admite recontratos e, geralmente, dá-
se como uma forma de transição entre o medo de ter um contrato
"fechado" para o tratamento e as verdadeiras necessidades do
cliente. Frequentemente, a família, ou mesmo o cliente, não admite
um tempo indeterminado.
Sem dúvida, não é possível realizar contratos de tempo
limitado, de um ou outro tipo, em qualquer caso. Para que isso possa
ocorrer, é preciso avaliar os seguintes aspectos:
a) que a semiologia da aprendizagem seja leve; nesse
sentido, não caberia a atenção de uma criança portadora de alexia,
e sim de dislexia;
b) que a sintomatologia seja focalizada; nos casos de
discalculia ou dissintaxe, seria possível esse tipo de atenção, mas
não seria indicado para casos de detenção global, lentificação
generalizada e sintomas combinados;
c) que a sintomatologia possua uma margem de evolução; assim,
frente a uma dificuldade específica, é necessário determinar se, na
estrutura cognitiva já alcançada, existe um nível de desenvolvimento
possível, que permita supor que aquela dificuldade pode se modificar
53
Jorge Visca
positivamente até chegar a adequar-se ao nível de estruturação
existente; um exemplo disso seria uma discaligrafia, expressão de uma
dispraxia originada em uma defasagem entre os aspectos figurativos e
operativos do pensamento, no qual os aspectos operativos tenham
alcançado um melhor desenvolvimento que os primeiros;
d) que o sujeito possua um "eu" suficientemente forte, capaz
de tolerar frustrações, dado que aprender significa aceitar que não
se sabe, o que produz um permanente impacto narcisístico, ainda
que, ao mesmo tempo, possa dar muita satisfação;
e) que o sujeito apresente uma baixa tendência a atuações
que impedem enfrentar e resolver conflitos;
f) que exista uma motivação para um atendimento
psicopedagógico breve;
g) que o sujeito possua capacidade para complementar a
tarefa fora do consultório (exercitando, generalizando e
discriminando os ganhos obtidos);
h) que o sujeito possua capacidade de estabelecer um bom
vínculo com o psicopedagogo.
A esses critérios, caberia agregar alguns mais, de menor
importância, como também distinguir, com mais especificidade, os
que são mais indicados para um ou outro tipo de tratamento de
tempo não-limitado.
As interrupções regradas são as datas e os períodos previamente
combinados e aceitos mutuamente, nos quais não haverá atendimento.
Os feriados nacionais, as férias de verão e de inverno, além de algumas
datas que, por motivos religiosos ou outros, sejam respeitados pelo
cliente são os elementos que constituem essa constante do
enquadramento. Também é possível incluir nessa constante os períodos
de afastamento para uma cirurgia e sua recuperação, por exemplo,
sempre que os mesmos sejam conhecidos de antemão.
Mais um elemento será agregado, o qual possui relação com
a última constante - as condutas permitidas - que é estabelecida na
explicitação do objetivo do atendimento psicopedagógico. Esse
objetivo é traduzido em uma expectativa de condutas que é
comunicada ao cliente na primeira entrevista, mediante uma
consigna que delimita o espectro de suas possíveis ações.
54
Clínica Psicopedagógica
OS GRAUS DE AFASTAMENTO DO ENQUADRAMENTO
A seguir, será abordado o que denomino graus de
afastamento do enquadramento sobre a base da integração dos
parâmetros que foram desenvolvidos até aqui - ou seja, as
constantes do enquadramento - e um instrumento conceituai que
serve para a avaliação dinâmica da conduta. Este instrumento
conceituai elaborado por Pichon-Rivière, o qual chamou de "cone
invertido", serve tanto para avaliar a conduta do paciente (individual
ou grupai) como a do psicopedagogo.
O cone invertido toma o nome de sua representação gráfica:
Filiação ou
pertencimento
Cooperação
Pertinência ou eficácia
Comunicação
Aprendizagem
Tele ou distância afetiva
Mudança
Esse instrumento é composto de seis vetores de análise: os
da esquerda (pertencimento, cooperação e pertinência) e os da
direita (comunicação, aprendizagem e tele) em virtude dos quais é
possível medir, em termos dinâmicos, a mudança.
Para explicar resumidamente, o pertencimento consiste no
sentimento de ser parte; a cooperação consiste nas ações em relação
55
Jorge Visca
ao outro; a pertinência, na eficácia com que se realizam certas ações.
Por outro lado, a comunicação pode se caracterizar como o processo
de intercâmbio de informações, o qual pode ser entendido do ponto
de vista da teoria da comunicação ou da teoria psicanalítica; a
aprendizagem é entendida como a apreensão instrumental da
realidade; e a tele (palavra de origem grega usada por Moreno, autor
do Psicodrama), compreendida como a distância afetiva (positiva ou
negativa).
Enquanto os indicadores da esquerda são resultado de uma
transformação qualitativa (de negativo a positivo), os da direita não
o são, mas servem como indicadores dos primeiros. O fato dos três
primeiros serem resultado de uma transformação qualitativa6
implica que, assim como não se pode dar a pertinência sem a
cooperação, tão pouco se alcança a cooperação sem o
pertencimento. Ao contrário disso, comunicação, aprendizagem e
tele são indicadores que servem para cada um dos sucessivos níveis
alcançados (pertencimento, cooperação e pertinência).
Filiação ou
pertencimento
Cooperação
Comunicação
Aprendizagem
Pertinência ou eficácia \ Tele ou distância afetiva
Mudança
Isso quer dizer que o grau de pertencimento (positivo ou
negativo), por exemplo, pode ser estimado em função da
comunicação, da aprendizagem e da tele; como também a
cooperação (positiva ou negativa) pode ser avaliada em função da
6 N.T. Em suas aulas, Visca falava também desses vetores como cumulativos
ou somativos, regidos por uma lei dialética que aponta para a
transformação do negativo em positivo.
56
Clínica Psicopedagógica
comunicação, da aprendizagem e da tele; e o mesmo pode ser dito
em relação à pertinência.
A posição do cone (invertido) e o fato de encontrar-se aberto
em sua parte superior levaram seu autor a chamá-lo frequentemente
de funil7 porque, segundo dizia, é o meio pelo qual se dava acesso
a uma nova situação.
Filiação ou
pertencimento
Cooperação
Pertinência ou eficáciaComunicação
Aprendizagem
Tele ou distância afetiva
Mudança
O pertencimento, a cooperação e a pertinência, tal como já
foi dito, podem ser positivos ou negativos. Entre as formas ou graus
entre positivos e negativos e a transformação do pertencimento
em cooperação e desta em pertinência, dá-se um contínuo.
Filiação ou
pertencimento
Cooperação —
Pertinência
ou eficácia
Negativa
Positiva
Negativa
Positiva
Negativa
Positiva
Mudança
7 N.T. Em castelhano, el embudo.
57
Jorge Visca
Pois bem, pertencimento, cooperação e pertinência - com
seus indicadores comunicação, aprendizagem e tele - podem ser
observados em função das constantes do enquadramento.
As seguintes situações representam os extremos e alguns
dos estados intermediários mais significativos do pertencimento
ao espaço, que é possível avaliar com o cone invertido.
ÍM\'l
PI in | | MI ) i — ii i IV)
U
(V)
U
(I) não pertence ao espaço; (II) pertence, mas está
totalmente ausente; (III) mesmo que sua atitude seja adequada,
seu pensamento tem outro campo geográfico; (IV) aqui, sua atitude
corporal não corresponde com o espaço geográfico, mas seu
pensamento sim; na situação (V), os três campos, mental, psicológico
e geográfico, são coincidentes.
Em relação ao tempo, porém, pode-se observar e analisar
além do pertencimento, a cooperação e a eficácia.
Omin
(D
SOmin
Omin
(H)
SOmin
a
b
c
Omin
(II-)
SOmin
a
c
Omin
(M')
SOmin
a
b
c
Se considerarmos cada retângulo representando o tempo
contratual de 50', teremos na representação (I), o uso do tempo
contratual sem a construção do tempo interno; nas representações
(II), (III) e (IV), teremos o tempo contratual e a construção dos tempos
internos: a) começo da entrevista, b) entrevista propriamente dita
e c) final da entrevista.
58
Clínica Psicopedagógica
Falando de outro modo, o cone invertido pode ser aplicado
a distintas unidades de análise: ao cliente, ao psicopedagogo, à
relação de ambos, ao enquadramento e, em caso de atendimento
psicopedagógico grupai, ao grupo, a um subgrupo, a um paciente e
ao enquadramento.
Ao paciente
Enquadramento
Ao psicopedagogo
Enquadramento
À relação entre ambos
Enquadramento
59
Ao enquadramento
A um paciente, subgrupo (no caso de atendimento grupai),
grupo etc.
c.
01
E
m\—
-o
m
3
cr
O pertencimento, a cooperação e a pertinência são
detectáveis por meio de indicadores mais evidentes ou mais sutis.
No primeiro caso, mais evidentes, trata-se daqueles que são
assimiláveis pelo manifesto escolar (para o pertencimento), pelo
fazer juntos (para a cooperação) etc.; porém, deve-se distinguir entre
os indicadores evidentes e sutis e o grau de resistência e propensão
à mudança. Um e outro são diferentes e, muito frequentemente,
um indicador evidente é de resistência mínima, enquanto que outro
sutil revela resistência máxima.
60
lagógi
O CONTRATO
Os contratos constituem um acordo verbal entre duas ou
mais pessoas: psicopedagogo e paciente ou psicopedagogo,
paciente e seus pais. No mesmo, explicitam-se e fixam-se as
condições de acordo com as quais se trabalhará.
Os contratos podem se classificar por seu conteúdo:
contratos de diagnóstico e contrato de tratamento. Por sua vez, os
contratos de diagnósticos podem ser de caráter individual ou grupai,
o mesmo acontecendo com os contratos de tratamento. Estes, no
entanto, subdividem-se em três classes: de tempo não-limitado,
de tempo limitado propriamente dito e de tempo limitado em
função de um déficit ou grau de um déficit.
Contratos -
de diagnóstico —
de tratamento -
individual
grupai
individual -
grupai
- de tempo não limitado
- de tempo limitado propria-
mente dito
- de tempo limitado em
função de um déficit ou
nível de um déficit
61
Jorge Visca
Para os contratos de diagnóstico, deve-se estabelecer o
"não-processo" ou as constantes dentro das quais o profissional vai
operar. Isso oferece um marco de segurança indispensável para
ambas as partes.
No diagnóstico individual, as constantes que estimo mais
importantes são:
a) objetivo - para determinar se existem ou não
dificuldades de aprendizagem e as causas que as provocam, no
caso de existirem;
b) número de entrevistas - a ser determinado sobre a base
dos resultados que vão sendo obtidos durante o diagnóstico;
c) duração das entrevistas;
d) sequência do processo: 1) entrevistas com o cliente, 2)
entrevista de anamnese com os pais ou adultos responsáveis no
caso de crianças, adolescentes ou adultos com muitas dificuldades,
3) entrevista devolutiva ao paciente e sua família.
Para o diagnóstico grupai que realizo, sempre posterior-
mente ao individual, dou prioridade especialmente ao objetivo que
consiste em determinar se, ao entrevistado em questão, convém
integrar-se ou não ao grupo e vice-versa.
Aqui, é preciso deixar claro que, apesar do diagnóstico
grupai ainda se encontrar em uma etapa de investigação inicial, já
pode se afirmar que o mesmo possui características muito distintas
daquelas do diagnóstico individual. Enquanto, nas entrevistas
individuais, predominantemente, obtém-se fatores intrapsíquicos,
nas grupais, estudam-se os fatores interpsíquicos, a possibilidade
de que os integrantes do grupo de diagnóstico configurem um grupo
de tratamento e assim por diante.
Retomando o tema do contrato de diagnóstico individual,
costumo comentar com os pais o seguinte: "Vou precisar reunir com
X, aproximadamente por um período de seis a dez vezes, com o
objetivo de conhecer qual a sua situação de aprendizagem. Pode
ser que me reúna com X menos ou mais de seis vezes; o que
interessa é determinar o que se passa e quais suas causas".
No caso de ser uma consulta particular, agrego: "Em qualquer
caso, os honorários são sempre os mesmos, sejam cinco ou mais de
dez vezes; os honorários serão cobrados pelo diagnóstico total (isso
ajuda a diminuir a preocupação pelo fator económico)."
Clínica Psicopedagógica
"Eu posso reunir-me com X durante três vezes por semana,
segunda, quarta e sexta-feira, às lOh. Pode ser? Durante esta etapa,
costumo me reunir por uns SOmin; porém, se, por algum motivo,
for indicado que a entrevista seja de menos tempo, assim o farei
(isso depende da necessidade de ver níveis de rendimento com ou
sem fadiga, como também da necessidade de distanciar certas
provas no tempo, segundo os casos). Se for necessário, prefiro me
reunir mais vezes durante menos tempo com o objetivo de poder
apreciar seu verdadeiro rendimento."
"Logo depois de reunir-me com X as vezes que forem
necessárias, reunir-me-ei com vocês. Na primeira vez, para que me
contem coisas que vocês sabem sobre X (pois, como veremos
oportunamente, no processo diagnóstico que proponho, prefiro
fazer a anamnese ao final); numa segunda entrevista, vamos nos
reunir com o objetivo de comentar quais são as conclusões do
diagnóstico. Também gostaria, por último, de reunir-me com X para
explicar-lhe adequadamente o que se obteve do estudo."
"Vou pedir a vocês que digam a X que vamos nos reunir para
que eu conheça o que lhe foi ensinado, como ele aprende, o que
sabe... e ver como eu posso ajudá-lo, se for necessário."
No caso do diagnóstico grupai (que realizo sempre logo após
o individual), além dos aspectos que são próprios de todo contrato,
agrego: "O diagnóstico é para saber como X posiciona-se neste
grupo".
Outro aspecto ao qual desejo me referir brevemente é -
com relação ao contrato - o que denomino de grau de rigorosidade.
Em minha prática institucional e privada, tenho podido
comprovar que, para os diagnósticos e, particularmente, para os
tratamentos, é necessário fixar pautas distintas, quer se trate de
um diagnóstico ou tratamento individual, ou grupai, no âmbito
privado ou institucional.
Qualquer que sejam os fatores que determinam a conduta
do paciente e ou de sua família, observa-se uma pauta regular de
ausências ou desistências, que diminui à medida que se
estabelecem e explicitam, exatamente, as condições do
atendimento. Essas condições devem se ajustar a cada meio
particular, com um alto grau de certeza de que a especificidadedeve acontecer na seguinte ordem decrescente:
62 63
Jorge Visca
- diagnóstico e tratamento grupai em instituições;
- diagnóstico e tratamento individual em instituições;
- diagnóstico e tratamento grupai privados;
- diagnóstico e tratamento individual privado.
Nas instituições hospitalares (gratuitas ou de honorários
reduzidos) onde tenho trabalhado, tenho utilizado uma cartilha na
qual se comentam:
a) objetivo do tratamento;
b) data de início;
c) data de término;
d) interrupções regradas;
e) tempo de espera do profissional em cada encontro;
f) número mínimo de membros para que o grupo comece a
funcionar (em caso de ser um tratamento grupai);
g) número permitido de faltas sem aviso;
h) número permitido de faltas com aviso;
i) número total permitido de faltas;
j) data de reuniões com os pais;
k) condições para um posterior recontrato, no caso de ser
necessária a recontratação do atendimento pré-fixado.
No momento do contrato, seja de diagnóstico ou
tratamento, entrecruzam-se o que podemos chamar de pautas ou
expectativas do agente corretor com as do paciente e sua família,
podendo ocorrer múltiplas combinações:
A F A F
A-Agente corretor
F - Família
S - Sujeito
64
Clínica Psicopedagógica
Na medida em que o contrato exige, da parte do paciente e
de sua família, uma adaptação, produzem-se resistências que,
frequentemente, são expressas como ataques às constantes do
enquadramento. Os ataques mais comuns são em relação: ao papel
do psicopedagogo, quando se expressa o desejo de que atenda
como um psicoterapeuta ou como um professor; ao espaço, quando
pedem que o atendimento, por exemplo, aconteça em seu
domicílio; ao tempo em sentido amplo, quando desejam um tempo
de atendimento menor que o necessário, quando pedem o aumento
da frequência estabelecido a partir de um espaço de tempo
estipulado pela família, quando desejam que os encontros sejam
mais curtos ou prolongados, segundo suas necessidades, ou quando
pedem que se atenda em uma determinada hora etc.; às
interrupções regradas, quando esperam que a interrupção coincida
exatamente com as férias escolares, com viagens de lazer e
imprevistos da família etc.
Esses poucos exemplos - dado que, em nossa clínica, tenho
registrado um sem número deles que se repetem regularmente
em concordância com a classe social, patologia familiar etc. - são a
expressão de sentimentos onipotentes, de voracidade,
desinteresses pelo verdadeiro progresso do paciente e, também,
do desconhecimento do papel profissional do psicopedagogo.
Finalmente, quero sublinhar que o contrato é o aspecto
manifesto do enquadramento, o qual constitui em si um recurso
corretor, o primeiro que se implementa, como também o ponto de
partida, em função do qual se vai estruturar as situações posteriores
que venham acontecer no diagnóstico e ou no tratamento.
65
Clinica Psicopedagógica
O DIAGNÓSTICO
O diagnóstico psicopedagógico pode ser estudado a partir
de três níveis de abordagem: o metacientífico, o científico e o
técnico.
A reflexão metacientífica corresponde ao plano da filosofia
das ciências e tem por finalidade analisar com sentido crítico seu
objeto de estudo, quer dizer, a ciência mesma.
No plano científico, constroem-se sistemas descritivos e
explicativos do objeto e de seus estados ou comportamentos.
No nível técnico, estudam-se as regras práticas vinculadas
ao fazer empírico.
Esses três níveis de análise são complementares e
realimentam-se reciprocamente. Enquanto o objeto de estudo da
filosofia da ciência é a ciência mesma, como corpo teórico, com
seus recursos e procedimentos, a ciência ou disciplina, em nosso
caso, o conhecimento psicopedagógico, tem como objeto de estudo
a aprendizagem em seus estados normais e patológicos; ao mesmo
tempo em que a técnica tem como objeto de seu interesse o quê, o
como e o quando realizar determinada ação exploratória.
A complementaridade, o grau de inclusão e a
especificidade desses três níveis são comparáveis à teoria das
linguagens: com a linguagem diz-se algo, mas esta linguagem
mostra algo e, sobre o que mostra, pode-se dizer algo que, por sua
vez, mostrará e assim sucessivamente.
67
Jorge Visca
A análise metacientífica aparece como os sistemas descritivos
de cada corrente psicológica, na qual se apoiam as posições
psicopedagógicas; são sistemas descritivos, esquemas conceituais
de uma realidade ou parte da realidade, mas que não são a realidade
mesma.
Tratarei os três níveis simultaneamente, voltados tanto para
a matriz diagnostica do pensamento, quanto para o processo
diagnóstico.
A primeira é um instrumento conceituai que, ao encontrar-
se entre o corpo legal e o caso particular, serve de mediador e
facilitador dos processos ascendentes e descendentes que todo o
especialista deve realizar durante sua tarefa diagnostica. Já o
segundo, pode-se dizer, é o manual de instrução com o qual se
opera. Deve orientar o psicopedagogo em função de princípios, mas
de maneira alguma deve substituir o discernimento, a criatividade
e a espontaneidade.
Em primeiro lugar, caracterizarei, em termos gerais, a matriz
diagnostica do pensamento e, em segunda instância, o processo
diagnóstico.
A matriz diagnostica do pensamento está configurada por
três elementos:
1) o diagnóstico propriamente dito;
2) o prognóstico;
3) as indicações.
Esse trinômio constitui uma fórmula ou estrutura vazia;
também é, pode-se dizer, um sistema cartográfico capaz de
representar qualquer aspecto da aprendizagem normal ou
patológica.
O primeiro elemento da matriz, o diagnóstico propriamente
dito, consta de cinco itens; o segundo elemento, o prognóstico, de
três; e o terceiro, as indicações, de dois. Disso resulta a seguinte
orientação:
Matriz diagnostica do pensamento
1) Diagnóstico propriamente dito:
a) descrição e localização contextuai;
b) sintomas;
c) descrição e explicação do momento histórico atual;
68
Clínica Psicopedagógica
d) descrição e explicação histórica;
e) desvios e assincronias.
2) Prognóstico:
a) sem agentes corretores;
b) com agentes corretores ideais;
c) com agentes corretores possíveis.
3) Indicações:
a) gerais;
b) específicas.
Cada um desses itens, desenvolvidos oportunamente, será
aqui explicado de forma sucinta.
1) Diagnóstico propriamente dito:
a) Descrição e localização contextuai - é a caracterização do
meio no qual se opera a aprendizagem em sentido lato,
caracter ização que interessa exclusivamente em função das
part icularidades do paciente diagnosticado, e não em sua
totalidade. Funda-se no princípio interacionista.
b) Sintomas - é o epifenômeno, ou seja, o aspecto manifesto
de um fenómeno mais complexo. É o emergente da personalidade
em interação com o sistema social e seus mediadores. Também é
fundamentado no princípio interacionista, mas com foco no sujeito
e não no meio, como no item anterior.
c) Descrição e explicação do momento histórico atual - são
as causas intrapsíquicas que, independentemente de sua origem,
coexistem temporalmente com o sintoma; ao mesmo tempo,
provocam-no junto ao sujeito. Funda-se no princípio estruturalista.
d) Descrição e explicação histórica - é a génese e a evolução
das cadeias causais que deram origem às causas que aparecem no
momento atual ou sistematicamente. Tem o princípio construtivista
como base.
e) Desvios e assincronias - a primeira diz respeito aos
desvios da conduta sintomática em função de parâmetros que
permitam dizer os graus de afastamento da conduta (por exemplo,
uma criança que, aos cinco anos, não sabe brincar); enquanto a
segunda implica diferentes desvios, seja em função dos distintos
eixos ou áreas do conhecimento, como também dos diferentes
69
Jorge Visca
aspectos de um eixo (uma criança que sabe escrever e ler aos sete
anos, mas não aprende a calcular, por exemplo). Esse item está
embasado no princípio de homogeneidade funcional e
heterogeneidade estrutural (da personalidade e da conduta).
2) Prognóstico - é uma hipótese sobre o estado ou estados
futuros que adotará o fenómeno atual e, nesse sentido, pode ser
formulado sem agente corretor queintervenha para sua
modificação, com agentes corretores ideais que coadjuvem
positivamente e com agentes corretores possíveis, de acordo com
a realidade do sujeito e seu meio.
3) Indicações - são as ações sugeridas, que se subdividem
em gerais ou próprias de outras disciplinas (encaminhamentos
médicos, por exemplo) e específicas ou inerentes ao campo da
Psicopedagogia (atendimento individual ou grupai, por exemplo).
Dessa forma, resumidamente, encerra-se a matriz
diagnostica do pensamento para iniciar-se o processo diagnóstico
pensado a partir dessa matriz.
O processo diagnóstico consiste na série de passos pela qual
se realizam o reconhecimento, o prognóstico e as indicações da
aprendizagem e suas dificuldades. Enquanto que a matriz
diagnostica do pensamento é o segmento conceituai, o processo
diagnóstico é o segmento técnico; porém, ambos são o verso e o
reverso da mesma ação de diagnosticar.
O diagnóstico começa com a consulta inicial (dos pais ou do
próprio paciente) e termina com a devolução dos resultados. Entre
ambas as pontas desse processo - primeira entrevista e entrevista
devolutiva - podem acontecer distintas sequências, que respondem
a diferentes esquemas teóricos. Para apoiar a compreensão e
comentar o esquema que proponho, enunciarei os passos
correspondentes à sequência tradicional e, paralelamente, os
correspondentes aos passos da modalidade da Epistemologia
Convergente. Ambas as sequências dispõem de cinco momentos
que se dão em uma ordem distinta, mas diferem, sobretudo, quanto
aos pressupostos teóricos e metafísicos.
70
Clínica Psicopedagógica
A) Esquema sequencial tradicional
B) Esquema sequencial proposto
(embasado na Epistemologia
Convergente)
1. Anamnese
2. Testes
3. Provas pedagógicas
4. Elaboração do informativo
escrito ou não
5. Devolução da informação aos
pais e ou ao paciente
1. Entrevista Operativa Centrada
na Aprendizagem (EOCA)
2. Testes (segundo as linhas de
investigação)
3. Anamnese (aberta, situacional e
segundo as linhas de investigação)
4. Elaboração do informativo
(primeiro como imagem do sujeito,
segundo como formulação escrita
de hipóteses a comprovar)
5. Entrevista devolutiva aos pais
e ou ao paciente
71
Jorge Visca
O DIAGNÓSTICO PROPRIAMENTE DITO
O primeiro item do diagnóstico propriamente dito, descrição
e localização contextuai, tem por sentido caracterizar o meio;
porém, não em função de todos os aspectos que o particularizam,
mas dos que se encontram vinculados ao sujeito patogênica e
patologicamente; em outros termos, aqueles que possuem, em
distintos graus, a capacidade de dificultar sua aprendizagem.
Cabe, então, perguntar: Quem é o sujeito e qual é o meio?
O sujeito, aqui, é toda pessoa que apresenta dificuldades de
aprendizagem: criança, adolescente ou adulto. A Psicopedagogia -
reitero - não está dirigida somente à criança em idade escolar, mas
a todos os que aprendem, independente de sua idade cronológica.
Esse sujeito possui diversos atributos (escolar idade / não-
escolaridade; sexo feminino / sexo masculino; nenhum idioma /
um idioma / mais de um idioma), provém de um meio no qual tem
sido socializado etc. Nesse sentido, o contexto é um local no qual
se expressa o sintoma ou déficit estudado por nossa disciplina. Esse
meio pode apresentar um ou vários aspectos conjugados
(caracterizados por níveis de escolaridade: educação infantil, ensino
fundamental, ensino médio, universidade; por tipo de proposta:
ensino regular, educação especial, aceleração etc.; pelo lugar de
produção: fábrica, oficina, comércio, outros; pela localização da
comunidade na qual vive: centro urbano, bairro ou zona rural).
S - Sujeito
C - Contexto
72
Clínica Psicopedagógica
Este gráfico é o resultado de um corte no momento do
diagnóstico de um processo que vem se desenrolando desde
momentos anteriores e que terá uma evolução futura.
Na prática, a importância das características do meio é
compreendida em função do diagnóstico total por insight, e não em
primeira instância. Não é possível entender o significado e alcance da
influência do meio como um determinante possível de ser previsto
anteriormente. Aqueles que assim afirmam fazem-no embasados em
uma concepção meio-ambientalista que atribui ao meio a capacidade
onipotente de produzir tudo; contrariamente, aqueles que o negam
em detrimento da priorização do sujeito apoiam-na em uma concepção
inatista, de acordo com a qual o que conta é somente o sujeito.
O que interessa na descrição e explicação contextuai é detectar
as sutis interrelações da intraoperatividade tanto em função dos
aspectos estruturais, tais como foram caracterizados pela primeira vez
por Barbei Inhelder, como também dos aspectos energéticos. As
contribuições de Margaret Mahler e o modelo de Bion - apesar de suas
diferenças epistemológicas - são, provavelmente, duas das fontes mais
ricas e ainda não suficientemente exploradas.
O contexto está formado pelo âmbito psicossocial, pelo
sociodinâmico, como também pelo institucional - para usar o
vocabulário de Bleger, o que poderíamos denominar singelamente
de: pessoas, grupos e orientações institucionais.
73
Jorge Visca
S-Sujeito P-Pessoa G-Grupo P-Pauta C-Contexto
l - Intraoperatividade (afetivo-cognitiva)
In - Interoperatividade (afetivo-cognitiva)
Para clarear mais esse ponto, darei alguns exemplos, mas
não sem antes recordar que o sintoma de aprendizagem é uma
conduta desviada que se expressa somente quando o meio exige.
Entre os povos pré-históricos e agrafos, mesmo que alguns de seus
membros pudessem ter condições para serem aléxicos, disléxicos,
disgráficos etc., não eram assim identificados, pois o meio não exigia
condutas de leitura e escrita, como exige em outras culturas.
• W. é uma senhora de 30 anos que possui uma casa de alta
costura na qual desenha e organiza o pessoal das oficinas e ateliers.
Por uma mudança brusca da organização interna, perde a pessoa que
era responsável pela redação das correspondências, da propaganda,
dos cheques etc. Nesse momento, descobre-se que ela possui uma
severa disortografia, incluída numa disgrafia e acompanhada de uma
inibição quase absoluta para escrever. Se a senhora W. fosse
empregada doméstica em uma casa de família, seu sintoma não teria
aparecido com toda a força de seu significado ou mesmo não seria
tão significativo.
• X. é uma senhora de 55 anos, presidente de uma instituição
comunitária, dedicada a produzir atos de beneficência e culturais.
Quando seu país entra em guerra, exige-se da instituição e,
consequentemente, de sua diretoria, que realize conferências,
redija informes etc. Nesse momento, evidencia-se sua dissintaxe,
motivo pelo qual busca uma consulta psicopedagógica.
74
Clínica Psicopedagógica
• Y. é uma jovem de 28 anos, que vive em Buenos Aires há
pouco tempo. Residiu toda sua vida em uma estância e, na transição
para cidade grande, viveu em povoados do norte argentino. Com
pouco tempo em Buenos Aires, evidenciam-se dificuldades, devido
o que consulta o psicopedagogo. Tais dificuldades consistem em
uma detenção global da aprendizagem, e não numa forte timidez
como pretendia a família.
• Z. é uma menina de oito anos que concorre ao segundo grau
de uma escola trilingue, de período integral, na qual se ensina
castelhano, hebreu e inglês. Sua sintomatologia: alexia, agrafia severa
e discalculia leve. Tão logo inicia o processo de atenção psicopedagógica,
aconselha-se que se suprima a aprendizagem dos idiomas estrangeiros.
Em um tempo curto de atendimento, a menina começa a ler e a escrever
com dificuldade, para logo passar a fazê-lo adequadamente.
Nesses exemplos, pode-se perceber a articulação sujeito /
meio e como o meio possui a dupla qualidade de colaborar para a
produção realizada pelo sujeito e, ao mesmo tempo, censurar a
conduta desviada.
Também é interessante observar de que maneira acontece,
no meio, o contexto: 1) um interjogo dinâmico de forças contraditórias
entre os âmbitos psicossocial, sociodinâmico e institucional; 2)
diferentes interpretações, por distintos grupos, das pautas
institucionalizadase dos distintos membros da dinâmica grupai; 3) as
coincidências e disparidades entre os distintos contextos aos quais
pertence um mesmo sujeito.
, (1) - Interjogo de forças entre os âmbitos
/ sociodinâmicos e institucional
(2) - Interação entre distintos contextos
Âmbito institucional
Âmbito sociodinâmico
75
Jorge Visca
Os sintomas, que constituem o segundo item da matriz
diagnostica do pensamento, são o emergente da personalidade em
interação com o sistema social e seus mediadores.
Em outros termos, o sintoma possui dois condicionantes: o
subfenômeno (como ideia oposta e complementar do epifenômeno
ou sintoma) e o meio ou contexto. O subfenômeno é o que, mais
adiante, veremos como patogenia. De outra forma, podemos dizer
que o sintoma é um vínculo entre sujeito e objeto no sentido lato,
que resulta da intraoperatividade e da interoperatividade. A
intraoperatividade vai estar condicionada, em um dado momento,
predominantemente, pelo subfenômeno, e a interoperatividade,
pelo contexto.
C Objeto
Intraoperatividade >
^^ •̂̂ J
Subfenômeno }
Sintoma
r \e
Contexto
Retomando os conceitos comentados anteriormente, vejo o
sintoma como o aspecto que mais põe em evidência o fato da
aprendizagem ser o resultado de uma construção (princípio
construtivista), dada em virtude de uma interação (princípio
interacionista) que coloca em jogo a pessoa total (princípio
estruturalista) com homogeneidade funcional e heterogeneidade
estrutural.
Em outro nível de análise, quero acrescentar que os sintomas
podem se caracterizar como apresentado a seguir:
a) pelo campo no qual se apresentam
- o da educação assistemática;
- o da educação sistemática.
76
Clínica Psicopedogógica
b) pela sua expressão no tempo
- predominantemente;
- alternadamente;
- concomitantemente.
Outro acréscimo que desejo fazer em relação aos sintomas
é que, do ponto de vista nosológico (estudo dos mecanismos
capazes de produzir moléstias), são o resultado de uma abstração,
generalização, classificação etc. que, de alguma maneira, lhe dão o
caráter de enteléquia8; porém, em "sujeitos vivos" não acontece
isso, de maneira alguma. Os sintomas apresentam indicadores, ou
seja, indícios menores que o próprio sintoma, que nos contam que
tal conduta é incluída em determinada categoria nosológica.
Assim, na escrita, por exemplo: fazer rotação, inverter,
omitir, substituir, contaminar, dissociar, transladar
(retrospectivamente e prospectivamente) etc. são indicadores de
uma situação mais global que denominamos sintomas. Por isso, na
prática diagnostica, é necessário descrever exaustivamente os
sintomas do caso particular.
Ainda devo assinalar outro aspecto existente no nível
metacientífico quanto à sua "consistência interdisciplinar": os
fenómenos que chamo indicadores de um sintoma de aprendizagem e
os sintomas propriamente não deixam de ser fenómenos que também
podem ser estudados a partir de outras disciplinas, em função de outras
categorias. O estudo realizado por uma disciplina não invalida a análise
da outra, e todas apontam para a complementaridade da interciência
na qual se apoia, no campo clínico, a interconsulta. Assim, por exemplo,
para certos casos, uma omissão é uma negação, uma substituição é
uma projeção etc.; porém, também uma omissão e uma substituição
podem ser outra coisa.
Utilizo um quadro semiológico (estudo dos sintomas), que
desenvolverei a seguir a título de mera nomenclatura.
8 N.T. Enteléquia é termo que se remete a Aristóteles, sendo o resultado, a
plenitude ou a perfeição de uma transformação ou de uma criação, em
oposição a um processo que resulta dessa criação ou transformação.
77
Jorge Visca
Nível
S
E
M
I
1
O
lL,
Ó
Q
|
C
O
Aprendizagem assistemática
Detenção
global
Sem
nomen-
clatura
Ausência
total
Sem
nomen-
clatura
Dificuld.
parcial
Sem
nomen-
clatura
Aprendizagem sistemática
Específicos
Detenção
global
Aca lcu l ia
Alexia
Agrafia
Discalculia
Dislexia
Disgrafia
Disortografia
Discaligrafia
Dessintaxe
Escrita em
espelho
Detenção na
evolução do
desenho
Sintomas
combinados
Lentidão
generalizada
Inespecí-
ficos
Sem
nomen-
clatura
Agora, abordarei os itens da matriz diagnostica do pensamento,
aqueles que, respectivamente, recebem os nomes de: descrição e
explicação atual (a-histórica) e descrição e explicação histórica.
Na descrição e explicação atual (a-histórica) determinam-
se os agentes intrapsíquicos que contribuem para o aparecimento
do sintoma. Esses agentes são estruturas e mecanismos que
coexistem temporalmente com o sintoma e, poderíamos dizer, com
o momento em que se realiza o diagnóstico.
A denominação de causas atuais (a-históricas), ou
sistemáticas, provém de Lewin, que foi quem, em função de uma
abstração, fez um corte horizontal com o qual isolava os fatores
contemporâneos de sua origem e evolução.
Causas atuais
(a-históricas)
Causas históricas
78
Clínica Psicopedagógica
A explicação dos fenómenos atuais deve ser buscada em
causas atuais, que sempre estarão presentes, por mais sutis que
sejam. A tentativa de explicar o presente exclusivamente pelo
passado é um reducionismo. A causalidade atual (a-histórica) não
nega a história, mas realiza uma hierarquização de causas.
As causas atuais (a-históricas) podem ser: a) causas históricas
não transformadas; b) causas históricas transformadas.
Ambas são contemporâneas ao sintoma,
independentemente do grau de transformação que tenham
sofrido. Ainda quero reiterar, embora não pareça necessário, que
as causas atuais (a-históricas) são o subfenômeno do sintoma, e
este é o epifenômeno das causas.
Assim como as causas atuais (a-históricas) vinculam-se, em
um sentido, com o sintoma; em outro sentido - poderíamos dizer
no sentido oposto, relacionam-se com as causas históricas.
Pensando agora, é interessante realizar uma aproximação
científica e outra metacientífica das causas atuais (a-históricas) no
que se refere ao que é próprio deste nível, e não no que se refere à
relação com seus antecedentes ou com seus consequentes.
De acordo com a primeira, posso dizer que as causas
patológicas que dificultam a aprendizagem são três:
- o obstáculo epistêmico;
- o obstáculo epistemofílico;
- o obstáculo funcional.
Denomino obstáculo epistêmico a duas alterações da
estruturação cognitiva: detenção do desenvolvimento e
lentificação. Tomo esse nome do conceito de "sujeito epistêmico",
denominação que Piaget utiliza para designar a todos os indivíduos
de um mesmo nível de operatividade ou competência, enquanto
reserva o de "sujeito individual" para nomear a cada um dos sujeitos
que, possuindo um mesmo nível epistêmico, operam, sem dúvida,
com diferenças, produto de uma série de fatores que excedem o
objetivo de seu enfoque.
Em outros termos, o obstáculo epistêmico deriva do nível
de operatividade da estrutura cognitiva alcançada. Ninguém pode
aprender para além do que sua estrutura cognitiva permite-lhe.
Utilizo o conceito de obstáculo epistemofílico - o qual foi
cunhado pela Psicanálise - para designar não as interferências para
79
Jorge Visca
aprender que derivam do nível de competência da estrutura, mas
do vínculo afetivo que o sujeito estabelece com os objetos e as
situações de aprendizagem. Um vínculo inadequado também possui
a capacidade de impedir ou dificultar a aprendizagem. O obstáculo
epistemofílico pode adotar diferentes configurações: ansiedade
confusional, ansiedade esquizo-paranoide e ansiedade depressiva,
as quais podem se apresentar, predominante, alternada ou
coexistentemente.
Cada uma dessas configurações de base dá lugar a uma série
de organizações. Assim, por exemplo, seguindo o esquema de
Bleger, observa-se que a primeira estrutura está como uma conduta
hipocondríaca ou como uma conduta confusional.
O conceito de obstáculo funcional tem sofrido uma evolução
que me permite reconhecer dois momentos.
O primeiro, como uma hipótese auxiliar com a qual tento
resolver, transitoriamente, duas situações: a) quando a teoria
psicanalítica, ou a piagetiana, não tenha apresentado um juízo sobre
um determinado problemaou setor da realidade; b) quando,
havendo feito, não elaborou um instrumento de avaliação para o
dito setor ou aspecto. Em tais casos, e dado que é necessário recorrer
a instrumentos de filiação sensual-empirista (opostos aos princípios
construtivista, estruturalista e interacionista), denomino os
resultados assim obtidos de obstáculos funcionais, mas somente
como hipótese auxiliar. Sua uti l ização não implica uma
indiscriminação conceituai, nem tão pouco a desvalorização
absoluta dos instrumentos tradicionais. Seu justo valor reside no
fato de que são os melhores que existem até a atualidade, ainda
que não resppndam aos fundamentos que adoto. A história da
Psicologia mostra como os últimos desenvolvimentos da Escola de
Genebra, por exemplo, tanto em sua forma mais tradicional como
neopiagetiana, têm investigado e criado instrumentos e recursos
diagnósticos que possibilitam irmos deixando de utilizar
instrumentos que não correspondem à teoria. Apesar disso, estimo
que ainda há muito caminho a percorrer até que a teoria elabore
um repertório de instrumentos ou critérios que permita a
substituição absoluta de outros, e talvez isso nunca ocorra.
O segundo momento de evolução do obstáculo funcional
corresponde às diferenças funcionais encontradas por Barbei Inhelder
80
Clínica Psicopedagógica
e outros autores que, utilizando o método clínico piagetiano,
encontraram certas peculiaridades no funcionamento cognitivo de
certas patologias: diferenças, tais como a disparidade entre os
aspectos figurativo e operativo, distintas formas de oscilações,
impossibilidade de utilizar determinadas justificações etc.
Em síntese, os obstáculos patologizantes, ou seja, aqueles
com potencial de tornarem-se patológicos, de da aprendizagem
são: o epistêmico (associado à ideia de estádio), o epistemofílico
(vinculado ao conceito de afetividade, em sua dimensão atual ou a-
histórica) e o funcional como hipótese auxiliar.
Porém, esses déficits podem ter, em sua dimensão histórica,
diferentes origens:
Afetividade —
Estádio
Funções
_Vínculo
"l
— Organicidade
J
Não escapa à minha concepção que toda divisão que tange
a uma psicogênese ou organogênese é falsa e arbitrária; porém,
também entendo que assinalar a predominância é útil.
Com relação ao nível de análise metacientífico da descrição
e explicação do momento atual (a-histórico), cabe dizer que existem
diferentes concepções de causalidade nas ciências, que podem ser
utilizadas já como um esquema explicativo ou como uma concepção
propriamente dita.
Seguindo o pensamento de Bleger, encontram-se entre as
concepções de causalidade mais importantes: a monocausalidade
unidirecional, a monocausalidade em cadeia, a policausalidade
unidirecional, a policausalidade concêntrica, a ação recíproca e a
causalidade gestáltica, sendo esta última, a meu entender, a que
mais se aproxima da realidade, ainda que sem vislumbrá-la
totalmente.
A monocausalidade unidirecional reconhece uma causa
única que produz um determinado efeito e, portanto, é
reducionista.
81
Jorge Visca
Causa
C' Efeito
Rebaixamento cognitivo Não aprende
A monocausalidade em cadeia prioriza a ideia de uma causa
sobre a outra de forma linear, na qual instâncias intermediárias são
efeito e causa:
Causa Efeito Efeito Efeito Efeito Efeito
Causa Causa Causa Causa
Nessa categoria, acredita-se no "efeito dominó". Por
exemplo, o rebaixamento cognitivo como causa tem um vínculo
negativo com as situações de aprendizagem como efeito; este, por
sua vez, causa um não contato com os objetos, que possui como efeito
a não aprendizagem, que causa desinteresse e assim por diante.
A policausalidade unidirecional responde a um paralelismo
estanque de causas que produzem um determinado efeito, porém
sem tais causas terem nenhuma incidência umas sobre as outras.
Causa l
Causa 2
Causa 3
Desenvolvimento
Cognitivo
Funções
Relações vinculares
Não aprende )
A policausalidade concêntrica é uma concepção já mais
dinâmica.
82
Clínica Psicopedagógica
O esquema de ação recíproca é o primeiro que deixa óbvio
o reducionismo e o paralelismo das outras compreensões de
causalidade, sendo, portanto, um esquema mais dinâmico que
todos os anteriores.
Aqui "A", "B", e "C" são causas que promovem os efeitos "a",
"b", "c", "d", "e", "f" etc., os quais atuam sobre as causas.
A mudança, na causalidade gestáltica, tal como assinala
Bleger, trata-se de produtos emergentes de uma estrutura total.
Sem dúvida, devo dizer que, em muitos casos, em função
da praticidade, é útil hierarquizar algum aspecto sobre o outro.
Isso é o que me tem permitido distinguir elementos definidores
e elementos interatuantes; sendo os primeiros com um maior
peso, e os segundos de menor significação, ainda que todos
configurem uma constelação dinâmica intrapsíquica, da qual
emerge o sintoma.
83
Jorge Visca
o»-§o
s
«C
l
o
1«
Na descrição e explicação histórica, determinam-se a origem
e a evolução das causas que configuram a estrutura sistemática ou
atual (a-histórica), da qual emerge o sintoma. A mesma não consiste
em uma crónica exaustiva de acontecimentos, mas sim no
estabelecimento das cadeias e dos nexos causais de precondições
e circunstâncias ou acontecimentos.
Nesse momento, pode-se completar o quadro da Matriz
Diagnostica do Pensamento, iniciado com a descrição e localização
contextuai, agora com a descrição e explicação histórica,-
84
Clínica Psicopedagógica
Sujeito Contexto
Descrição e explicação
Htual (a-histórica)
)escrição e
xplicação histórica
_ Cadeias
usais e nexo;
De acordo com esse enfoque, é possível determinar as
modificações quantitativas e qualitativas na evolução da personalidade,
como também da conduta. Pichon-Rivière conceituou três áreas de
expressão da conduta: a área 2 (corporal), a área 3 (extracorporal, de
relação com o mundo externo) e a área l (simbólica).
85
Jorge Visca
O interessante, no entanto, é a interpretação de Bleger
quanto à ordem de configuração das áreas, pois permite uma
verdadeira análise construtivista. De acordo com Bleger, a ordem
de aparecimento seria: primeiro, construir-se-ia a área corporal;
em segunda instância, a área extracorporal; em último lugar, a
simbólica. Esse conceito, mesmo que desenvolvido de outro ponto
de vista, é muito próximo ao esquema de Piaget e, seguramente,
uma análise mais minuciosa das reações circulares etc. permitirá
estabelecer íntimas relações não para uma justaposição de meros
conceitos verbais, mas como um esquema de antecipação de
investigações empíricas.
Aqui, também desejo destacar, afastando-me
momentaneamente do tema ao qual estou me referindo, que essas
três áreas podem ser estudadas em função de diferentes vetores
de análise: sexualidade, percepção, aprendizagem etc., sendo
próprio da Psicopedagogia o vetor de análise aprendizagem.
86
Clínica Psicopedagógica
Escolhido um determinado vetor de análise, em nosso caso
a aprendizagem, é possível aplicar a ele diferentes enfoques para
investigá-lo: um enfoque genético (causa originária da dificuldade),
um enfoque evolutivo (ou de descontinuidades quantitativas e
qualitativas no desenvolvimento) ou um enfoque histórico (que
vincularia os dois primeiros agregando outros aspectos).
O item desvios e assincronias, da Matriz Diagnostica do
Pensamento, tratará novamente do sintoma, mas com um enfoque
distinto do utilizado anteriormente. Quanto ao item sintomas,
analisei-o em função de sua caracterização em si e como emergente
da interação sujeito / meio; agora, vou estudá-lo como uma conduta
desviada. Um desvio é a quantidade pela qual uma medida difere
ou afasta-se de um determinado ponto de referência ou parâmetro.
Vejamos um exemplo: se o habitual é que as mulheres não
se pintem, aquelas que pintassem os lábios apresentariam um
desvio em grau um; as que pintassem, além dos lábios, os olhos,
apresentariam um desvio de grau dois; no entanto, aquelas que,
além dos lábios e olhos, pintassem as unhas, alcançariam um desvio
de grau três.
Da mesma maneira, a conduta aprendida de um sujeito pode
se desviar emrelação a parâmetros, o que nos permite estabelecer
em quantos graus tem-se operado o desvio.
P - Parâmetro
D - Desvio
Os parâmetros que têm sido mais proveitosos para localizar
os sintomas são: a pauta formal, a idade cronológica e,
especialmente, o nível de pensamento alcançado.
87
Jorge Visca
Com o nome de pauta formal, designo duas situações que
se diferenciam entre si porque alcançam diferentes graus de
institucionalização e assemelham-se porque ambas representam
expectativas de comportamento, cuja análise permitiria elaborar
complexos sistemas taxionômicos. Quando o sintoma que
analisamos é próprio da aprendizagem sistemática, a expectativa
está dada pelo grau, o ano etc. que cursa o sujeito avaliado; quando o
sintoma pertence ao campo de aprendizagem assistemática, a
expectativa está dada por um consenso: costurar, caminhar, tecer, dirigir
um veículo etc., que pode coincidir ou não com o momento evolutivo
indicado.
Devo clarear que a denominação de aprendizagem sistemática
e assistemática é, de certa forma, arbitrária, pois toda aprendizagem
implica uma organização ou sistema. O que destaca o termo da
aprendizagem é que se faz referência à dimensão intrapsíquica, e os
adjetivos assistemática e sistemática- extraídos do conceito de educação
sistemática e assistemática - referem-se à graduação, metodização,
objetividade etc., ou não, com que o meio exerce sua influência.
Retomando o conceito de desvio, darei um exemplo: se um
sujeito apresenta uma acalculia (impossibilidade absoluta no campo das
matemáticas) e vai passar para o terceiro ano, apresentará um desvio
de dois anos. De uma forma simples, de acordo com o significado que
dou ao conceito, poderíamos dizer que o desvio é o que falta para
chegar até...
Para poder estabelecer os desvios em relação à pauta formal, é
necessário conhecer tanto os programas escolares, para a aprendizagem
sistemática, como os usos e costumes do meio sócio-cultural, para a
aprendizagem assistemática. Visto que ambos podem ser muito distintos
de uma instituição a outra e de uma sociedade a outra, a determinação
do desvio pode chegar a ser relativamente complexa se o que se pretende
é manter um nível de objetividade adequado, ou seja, que não leve a uma
análise impregnada de transculturação.
Assim, como há um desvio em relação à pauta formal, também
se pode estabelecer o valiant com relação à idade cronológica. É
interessante destacar como, por um lado, a idade cronológica pode ou
não coincidir com a pauta formal; por outro, pode também coincidir ou
não com a estrutura cognitiva que, habitualmente, os sujeitos possuem
em um determinado meio. É sabido, pois, pelos estudos comparativos,
88
Clínica Psicopedagógica
que não se adquirem as estruturas cognitivas na mesma idade, em
todas as culturas.
Sem dúvida, apesar desses inconvenientes e, quem sabe,
justamente por eles, não deixa de ser proveitoso como parâmetro o
critério de observação das aprendizagens alcançadas. Assim, por
exemplo, se António, de 12 anos, apresenta uma discalculia que lhe
permite operar como um menino de oito anos, o desvio observado é de
quatro anos.
Um terceiro parâmetro que o constitui é o nível de pensamento.
Aqui, interessa particularmente o nível de pensamento alcançado, e
não o nível que o sujeito deveria possuir, pois permite observar se as
aprendizagens coincidem com o nível da estrutura ou encontram-se
abaixo dele. Em cada um dos casos, os prognósticos seriam muito
distintos.
A localização do desvio em função do sistema referencial
tridimensional é muito esclarecedora do significado e alcance do sintoma
tanto no presente vivido pelo paciente, quanto para o seu futuro.
Além dos desvios, deve-se considerar o que denomino as "falsas
ausências de desvios", as quais se apresentam quando existem
aprendizagens imitativas, memorizadas de forma automática:
a) acima da estrutura cognitiva;
b) com a estrutura cognitiva indicada, mas sem uma verdadeira
assimilação de conceitos etc.
Parâmetro
(D
'Õ
C
«D
to
3
ro
ro CUT3
O)
T3
Aprendizagem por imitação
(automatizada)
Nível pedagógico
verdadeiro
89
Jorge Visca
Praticamente em todas as áreas e em todos os níveis do
conhecimento, pode-se apresentar essa falsa ausência de desvio, a
qual pode ser promovida tanto pelo meio escolar, como pelo familiar.
Esses falsos desenvolvimentos verticais excedem às medidas do
desenvolvimento horizontal e, consequentemente, inibem, atrasando o
próprio desenvolvimento vertical futuro. É interessante destacar a
estreita correlação que existe entre superego rígido, adaptação passiva
ao meio, p r edomín io da acomodação e ap rend i zagens por
repetições em vez de aprendizagem por imagens e operações.
As assincronias são os diferentes níveis alcançados pelas
condutas desviadas.
Parâmetro
Estes desvios podem ser externos ou internos quanto a um
eixo de análise. Assim, por exemplo, D.l pode representar o
conhecimento matemático e D.2 a nlinguagem. Mas também se
poderia analisar a linguagem falada, escrita (e dentro da ortografia
e da sintase), a liguagem compreensiva, etc. Estes desvios, podem
se dar tanto no sentido positivo como negativo. Nos talentos parciais
se pode observar um desenvolvimento desmedido de um aspecto
em relação a outros que se mantém regrados.
90
Clínica Psicopedagógica
O PROGNÓSTICO E AS INDICAÇÕES
O prognóstico consiste em uma hipótese ou predição do
estado ou estados futuros que, provavelmente, assumirá a situação
descrita no diagnóstico propriamente dito.
Segundo Mário Bunge, no que se refere à análise do que seja
um prognóstico - não de uma disciplina em particular, mas de
qualquer uma de forma geral, o mesmo pode se caracterizar em função
de fontes nas quais se embasa, incertezas que envolve, funções que
implica, razões do fracasso e suas diferenças em relação à profecia.
O prognóstico fundamenta-se: a) nas leis gerais da disciplina
e b) na informação específica.
As leis gerais são aquelas que nos informam, por exemplo,
sobre a inalterabilidade da ordem de sucessão na construção dos
estádios; da perda das estruturas em uma ordem de sucessão
inversa à da aquisição; da correlação entre objeto permanente e
libidinal; da necessidade de possuir um determinado nível de
operatividade para aprender determinado conhecimento etc.
A informação específica é aquela que se obtém sobre um
determinado sujeito: descrição e localização contextuai, sintomas,
descrição e explicação atual (a-histórica), descrição e explicação
histórica, desvios e assincronias.
O prognóstico possui dois tipos de incerteza: a) as derivadas
do diagnóstico e b) as que são próprias da emergência de uma
novidade. As certezas derivadas do diagnóstico têm, como base
principal, o caráter incompleto da descrição. Bunge mostra, de
forma, didática mediante o seguinte esquema:
Observador
91
Jorge Visca
A linha horizontal mostra o observador que, do seu lugar,
observa e percebe o paciente no momento do diagnóstico. De
acordo com o conhecimento que se possui do passado -
representado pelos espaços PD (passado desconhecido) e PC
(passado conhecido), será possível formular hipóteses do futuro.
Os espaços que se encontram acima da linha temporal do observador
(psicopedagogo), Fl (futuro não conhecível) e FC (futuro
conhecível), têm uma relação direta com PD e PC. Em outros termos,
a relação entre o passado conhecido e desconhecido é direta com o
futuro conhecível e não-conhecível: quanto maior a abertura do
passado conhecido (PC) maior será a abertura do futuro conhecível
(FC) etc.
As incertezas derivadas da emergência de uma novidade
põem em evidência o caráter aberto do prognóstico e fechado do
diagnóstico.
O prognóstico tem duas funções: a) como ferramenta para o
êxito da ação corretora e b) como confirmação de hipóteses. No
primeiro caso, tem-se a utilidade que significa dispor de um
esquema antecipado que permita elaborar estratégia de ação; em
segundo, têm-se um intercâmbio clínico-experimental que permite
confirmar ou não suposições, leis gerais etc.; ou seja, tudo que possa
resultar em benefícioda própria disciplina.
O fato de que o prognóstico sirva de esquema antecipatório
destaca, justamente, que não deve ser um esquema rígido e inalterável
tanto frente às modificações que pode sofrer o paciente, como frente
aos possíveis ajustes que o profissional pode utilizar durante o processo
corretor.
As razões do fracasso de um prognóstico podem vir de erros
existentes: a) nos enunciados legais; b) na seleção dos enunciados
legais; c) na informação específica; d) na inferência.
Cada uma das novas correntes ou escolas tratam de
aperfeiçoar os enunciados legais previamente expressos pelas
correntes anteriores. O exercício profissional refina e exercita o
profissional na escolha dos mesmos. A informação específica pode
estar mal reconhecida pelo profissional, como também mal
delineada pelo paciente ou pelos seus pais. Sobre os erros de
inferência, mencionarei aqui o que diz Piaget: as inferências
implicam quatro aspectos: os elementos dados, cujo conhecimento
92
Clínica Psicopedagógíca
opera-se por meio do contato sensorial; b) os sustentados pelo
sujeito e que não são dados por uma presença física; c) o
conhecimento resultante da integração de "a" e "b"; d) o modo de
integração ou composição que assegura a passagem de "a"+"b" para
"c" (ou seja, como o investigador, no caso o profissional que fará o
prognóstico, integra o que conheceu pelos sentidos aos
conhecimentos que não necessitam da presença física do objeto a
ser aprendido, para chegar a um conhecimento resultante desta
integração; não basta integrar, mas "como" integrar pode fazer a
diferença na compreensão dos casos e de seus resultados).
Entre o prognóstico científico e a profecia popular, existem
diferenças. A esse respeito, ainda legitimado na atualidade, Bunge
assinala:
a) o prognóstico não pode transcender o alcance dos
enunciados legais nos quais se fundamenta; a profecia popular, de
fato, faz isso ou carece de pressupostos legais. Quantas vezes,
imbuídos de um sentimento reparador onipotente, somos levados
a pensar que "não importa o que tudo indique sobre uma não-
recuperação, eu sei que conseguirei". Porém, também me pergunto
se o tema passaria à ciência se não existissem os desacordos;
b) o prognóstico não pode ser mais preciso que a informação
específica que utiliza; a profecia pode;
c) o prognóstico é condicional, enquanto as profecias são
incondicionais e podem se enunciar de forma categórica.
Agora, cabe abordar como enunciar um prognóstico. Em
minha opinião, dado que o prognóstico é o enunciado do que vai
ocorrer no futuro, esse acontecer dependerá não somente das
precondições observadas, no diagnóstico propriamente dito, mas
também das circunstâncias a que será submetido o paciente. Por
esse motivo, acredito que um prognóstico completo é aquele que
apresenta alternativas da futura evolução, ou seja, como evoluirá o
paciente, a partir da presença ou não dos agentes corretores
indicados: a) sem agentes corretores; b) com agentes corretores
ideais; c) com agentes corretores possíveis.
Os agentes corretores ideais são - quem sabe deva-se dizer
seriam - aqueles que podem operar produzindo as melhores
circunstâncias para o paciente, mas que, devido aos fatores
objetivos (distâncias, económicos, de mobilidade e outros) ou
93
Jorge Visca
subjetivos (resistências), não desempenharão seu papel. No
entanto, os agentes corretores possíveis serão aqueles que, por
fatores objetivos e subjetivos - que se queira imaginar, poderão
conseguir isso.
Em outros termos, um prognóstico completo é aquele que
se formula nesses três níveis de levantamento de hipóteses.
Quanto às indicações, subdivido as mesmas em duas grandes
categorias: as gerais e as específicas. As primeiras relacionam-se a
outras disciplinas (solicitar consulta neurológica, psiquiátrica,
fonoaudiológica etc.), enquanto que as segundas dizem respeito,
quase que exclusivamente, às constantes do enquadramento
referentes ao tratamento psicopedagógico: duração, frequência,
lugar, caixa de trabalho etc. Há também indicações intermediárias
que recaem sobre: a escolaridade (nível, tipo de metodologia,
horários, número de alunos na sala de aula etc.) e as atividades
extracurriculares, tais como a frequência a um clube, um atelier de
artes, uma colónia de férias, acampamentos, bem como a prática
de esporte e outros.
l Clinica Psicopedagógicc
O PROCESSO DIAGNÓSTICO
A sequência que proponho não é uma fórmula rígida e
inalterável, além de poder variar segundo as circunstâncias; porém,
existem razões para ser da forma como comentarei a seguir e que
tem me levado a aplicá-la como modalidade habitual, pela utilidade
que me oferece.
Opostamente à modalidade tradicional na qual a abertura
do diagnóstico se dá com a anamnese, eu faço-a com a EOCA
(entrevista operativa centrada na aprendizagem). Isso se deve a
diferentes motivos, e um deles é que, durante a anamnese, os pais,
invariavelmente, ainda que com intensidades diferentes, tentam
impor sua opinião, sua ótica, consciente ou inconscientemente,
impedindo o agente corretor de aproximar-se "ingenuamente" do
paciente para vê-lo tal qual ele é, para descobri-lo...
Duas críticas têm sido feitas a respeito. A primeira afirma
que o técnico não é influenciável pela opinião dos pais; e a segunda
diz que a ordem que proponho faz perder o discurso dos pais,
diluindo-se, assim, a possibilidade de conhecer o espaço dado ao
paciente em sua família.
Minha opinião é a de que, mesmo o profissional contando
com uma relativa idoneidade, a qual lhe permitirá se descontaminar
da opinião, dos sentimentos etc., dos pais e instrumentá-los de forma
eficaz em proveito do diagnóstico do paciente, perderá sua percepção
ingénua, que proponho como unidade de análise no diagnóstico
individual. Paralelamente a isso, acredito, também, que a ideia de
absoluta descontaminação do profissional está relacionada a uma
marcada onipotência. Em última instância, pergunto-me: Por que
temer tanto a contaminação? Minhas razões são outras.
Em relação à segunda crítica, talvez mais ingénua que a
primeira, apesar da determinação do espaço ou âmbito que o grupo
94 95
Jorge Visca
familiar reserva para o paciente parecer fundamental, se for
estável, ele pode ser detectado em qualquer momento do processo
diagnóstico, e não somente no momento de abertura.
O juízo prévio ou pré-juízo que o agente corretor forma a
partir da entrevista com os pais (tome ele partido a favor ou contra),
ao mesmo tempo em que interfere na visão ingénua e dificulta ao
entrevistador deixar-se fecundar pela realidade do paciente, serve-
lhe, também, de "esquema-antecipação-couraça-elemento que
reassegura" e, de certa forma, defende-o do medo ao desconhecido.
Em minha opinião, iniciar a sequência do processo diagnóstico
com a anamnese responde a um pressuposto fixista, que reza: "Os
adultos têm razão, e as crianças (adolescentes e pessoas que não
aprendem) não têm".
O fato de começar o processo com a EOCA, na qual se detectam
os sintomas e, digamos, finalizar com a anamnese, responde ao
conceito que Piaget toma de Aristóteles, o qual diz,
aproximadamente: o primeiro na ordem da génese é o último na
ordem da análise.
Com a EOCA, detectam-se os sintomas e levantam-se
hipóteses sobre as causas atuais (a-históricas) ou patogênicas
das quais emergem esses sintomas. Ambos, sintomas e
hipóteses, configuram o que denomino o primeiro sistema de
hipóteses. O mesmo constitui uma aproximação inicial que deve
ser aperfeiçoada mediante a confirmação ou não de cada uma
das hipóteses menores que configuram o sistema total. Isso se
completa segundo linhas de investigação, as quais podem
indicar, por exemplo: relações entre os aspectos figurativos e
operat ivos do pensamento, re lações entre os aspectos
fantasmáticos e cognitivos dependentes do conhecimento físico
e das atividades lógico matemáticas, desenvolvimento das
praxias e outros.
A verificação do primeiro sistema de hipóteses obtido por
meio da EOCA, segundo as linhas de investigação, impede o uso
irreflexivo e desmedido de instrumentos e colaborapara que o
diagnóstico transforme-se em uma verdadeira busca intencional e
experimental. Dessa maneira, com o sistema que proponho, não
existe uma bateria de testes preestabelecida, fixa, que deva ser
administrada regularmente em todos os entrevistados. Pelo
96
Clínica Psicopedagógica
contrário, frequentemente pode ocorrer a necessidade de utilizar-
se de instrumentos desconhecidos ou criar-se procedimentos novos
que permitam submeter à prova hipóteses, para o que ainda não
foram criadas formas de estudo e investigação.
O segundo sistema de hipóteses, configurado pela decantação
do primeiro, volta a abrir novas linhas de investigação sobre a dimensão
histórica (ou etiológica e suas cadeias causais) e o contexto. O meio
privilegiado de constatação das hipóteses, nesse momento, é a
anamnese, utilizada como uma modalidade cujas notas são: entrevista
aberta (ou seja, não dirigida), ainda que experimental (vale dizer,
voltando-se sobre os pontos nodais e hipóteses diretrizes) e situacional
(que leva em conta a importância da dinâmica na qual os fenómenos
do presente e passado são vividos no "aqui-agora-comigo").
Os dados assim recolhidos sobre "o primeiro na ordem da
génese" e as cadeias causais colaboram para a formação do primeiro
sistema de hipóteses.
Recapitulando, teríamos um Esquema sequencial proposto:
Ações do
entrevistador
1) EOCA
2) Testes
3) Anamnese
4) Elaboração
do informativo
Procedimentos internos do
entrevistador
Ler sistemas de hipóteses.
Organizar o primeiro sistema de hipóteses.
Traçar linha de investigação.
Escolher os instrumentos.
Elaborar o segundo sistema de hipóteses.
Traçar linhas de investigação.
Verificar e decantar o segundo sistema de hipóteses.
Formular o terceiro sistema de hipóteses.
Elaborar uma imagem do sujeito (que não pode ser
repetida para outro sujeito), a qual articula a
aprendizagem com os aspectos energéticos e
estruturais, atuais (a-históricos) e históricos que o
condicionam.
Resumirei, agora, dois principais aspectos do instrumento
que denomino entrevista operativa centrada na aprendizagem, e
97
Jorge Visca
que minha equipe tem denominado de EOCA9, nome com o qual
é conhecido atualmente.
Esse instrumento foi inspirado, por um lado, na Psicologia Social
de Pichon-Rivière e, por outro, nos postulados da Psicanálise e também
na modalidade experimental do método clínico da Escola de Genebra.
No entanto, diferencia-se de todos eles, focalizando-se na
aprendizagem ou, melhor dito, sobre a investigação da modalidade de
aprendizagem, ou seja, como se aprende e como se aprende a aprender.
A EOCA pretende ser um instrumento simples, espontâneo
e rico em seus resultados. Consiste, em seus aspectos manifestos,
simplesmente em colocar-se em contato com o entrevistado por
meio de uma consigna: "Gostaria que me mostrasse o que sabe
fazer, o que têm lhe ensinado e o que tem aprendido". Além disso,
apresenta-se um material também simples, o qual se encontra sobre
a mesa e é oferecido ao entrevistado, dizendo-lhe, aproximada-
mente, na continuação do que se falou anteriormente: "Este
material é para você usar, se precisar, para mostrar-me o que eu
gostaria de saber de você, como comentei".
Evidentemente, tanto em relação à consigna, quanto aos
materiais, haverá diferenças segundo o entrevistado seja um pré-
escolar, de idade escolar (ensino fundamental), um adolescente
ou um adulto. Para essa exposição, centrar-me-ei na criança de
idade escolar.
Os materiais que geralmente coloco para essa idade são:
- folhas lisas, tamanho carta;
- folhas com linhas e quadriculadas;
- lápis novo, sem ponta;
- apontador;
- caneta;
- borracha;
- tesoura;
- folhas de papel colorido para dobradura;
- régua;
- marcadores;
- livro ou revista.
9 Para uma explicação mais detalhada sobre EOCA, pode-se consultar o
capítulo Precondiciones energéticos estructurales dei aprendizaje, no livro
Psicopedagogía: Teoria, Clínica, Investigación.
98
Clínica Psicopedagógica
Dependendo do caso, é possível agregar outros materiais e,
em situações muito especiais, em uma segunda entrevista que,
geralmente, não é necessária, é possível incluir alguns jogos com
suas regras ou outros recursos.
Proposta a consigna inicial, o entrevistado pode ter distintas
formas de reação:
- pôr-se a falar;
- pôr-se a desenhar, escrever, fazer contas etc.;
- pedir que lhe digam o que é para fazer;
- ficar paralisado.
Esta primeira forma de resposta já é um dado muito
importante, a qual, numa leitura sutil, diz muito sobre o sujeito. Se a
reação for pedir que lhe digam o que é para fazer, e caso permaneça
a reação após dizer-lhe que é possível fazer o que melhor lhe pareça,
pode-se utilizar um recurso que denomino modelo de alternativas
múltiplas.
O modelo de alternativas múltiplas consiste em uma
enumeração, não taxativa, cuja intenção consiste, unicamente, em
desencadear respostas do sujeito. Por exemplo: "Pode desenhar,
escrever, fazer algo de matemática ou qualquer outra coisa que lhe
ocorra".
Em todo momento, a intenção é permitir ao sujeito construir
a entrevista de forma mais espontânea, mas dirigida de uma forma
experimental. Interessa, pois, observar seus conhecimentos,
atitudes, destrezas, mecanismos de defesa, ansiedades, áreas de
expressão da conduta, níveis de operatividade, mobilidade
horizontal, vertical etc.
De forma alguma, espera-se um determinado resultado ou
que ocorra uma determinada situação. Simplesmente se está diante
de uma situação a descobrir ou revelar.
Uma vez que o entrevistado mostra como opera em relação
a algo, o entrevistador limita-se a pedir-lhe que mostre outra coisa:
"Já me mostrou como desenha; agora, gostaria que me mostrasse
qualquer outra coisa que não seja desenhar" e assim
sucessivamente. No entanto, essa atitude de relativa passividade
do entrevistador não implica que ele mesmo não possa assinalar
situações, tais como: "três vezes três são nove" (frente a uma conta)
ou "O que fará se a régua escorregar ao traçar a linha" ou "Acreditava
99
Jorge Visca
que a solução do problema era diferente" etc. A intenção de tais
intervenções é observar:
- a modificação da conduta;
- a desorganização e a reorganização do sujeito;
- as justificativas verbais e pré-verbais;
- a aceitação ou a recusa (assimilação, acomodação,
introjeção, projeção) do outro etc.
Durante a EOCA, é importante observar três aspectos: a) a
temática; b) a dinâmica; c) o produto.
A temática consiste em tudo o que o sujeito diz, a qual terá,
como toda a conduta humana, um aspecto manifesto e outro latente.
É interessante ver como, com uma perfeita organização sintática e
uma adequada justificativa lógica, pode coexistir um mundo de
fantasias que distorcem a aprendizagem e as situações nas quais
ocorre.
A dinâmica consiste em tudo que o sujeito faz que não é o
estritamente verbal: gestos, tom de voz, postura corporal etc.
Frequentemente, a posição de sentar-se na beira da cadeira, a
maneira de pegar os materiais etc. são, muitas vezes, mais
reveladores que os comentários e até mesmo os produtos.
O produto é o que o sujeito deixa registrado no papel
etc., incluindo também, segundo os casos, a sequência com que
foi sendo produzido.
Esses três níveis de observação é que resultarão no primeiro
sistema de hipóteses, o qual será constituído pelos sintomas (com
seus indicadores) e certas ideias de quais são as causas atuais que os
provocam.
Com as crianças menores, os materiais podem tender a
materiais como massinha, fichas, cubos e outros; com os adultos, a
EOCA pode adotar as características de uma conversa e pode ser
complementada com outras atividades. Quando um adulto comenta
sobre o que faz, ele revela, entre outros aspectos, seu nível de
competência e de desempenho, seus temores, suas satisfações e
outros sentimentos que possa ter.
Para todos os casos, é necessário se ter em conta que o que
se obtém nessa primeira entrevista é um conjunto de observações,
as quais deverão ser submetidas a uma verificação mais rigorosa, o
que constitui o passo seguinte do processo diagnóstico.
100
ClínicaPsicopedagógica
A NOSOLOGIA
Antes de introduzirmos a nosologia da aprendizagem,
comentarei minha concepção sobre a aprendizagem e, mais
precisamente, como denomino seu esquema evolutivo.
Mesmo sabendo que existe, já há várias décadas, uma
Psicologia evolutiva e, dentro dela, pode-se encontrar
desenvolvimentos de inspiração behaviorista, piagetiana,
psicanalítica e outras, esses desenvolvimentos não abordam
especificamente a aprendizagem e, menos ainda, enfocam-na como
um processo evolutivo que atinge sucessivos níveis de organização.
Este esquema evolutivo postula:
a) a existência de quatro grandes níveis: a protoaprendi-
zagem, a deuteroaprendizagem, a aprendizagem assistemática ou
incidental e a aprendizagem sistemática;
b) que o mesmo se dá em função de aspectos energéticos e
estruturais e pela tematização dos esquemas de ação;
c) que o processo geral e as aprendizagens particulares
respondem a princípios estruturalistas, construtivistas e interacionistas.
Desde o nascimento até a morte, as pessoas não deixam de
conduzir-se; embora nem toda conduta seja aprendizagem, toda
aprendizagem é, sim, uma conduta. Em outros termos, a
aprendizagem é um fenómeno que se opera no nível de integração
psicológico, mas apresenta diferenças em relação à conduta, porque
esta não necessita cumprir com o requisito de estabilização, que é
próprio da aprendizagem.
Do nascimento em diante, inicia-se um processo de
aparecimento e estabilização de condutas, cuja evolução permite
definir quatro sucessivos níveis de organização: a protoaprendizagem,
a deuteroaprendizagem, a aprendizagem assistemática e a
aprendizagem sistemática.
101
Jorge Visca
A protoaprendizagem consiste na aprendizagem das
primeiras relações vinculares10 que se estruturam, na criança, como
resultado da interação que se estabelece entre ela e sua mãe. A
criança parte de uma situação inicial de indiscriminação ou
adualismo, com um nível de sensibilidade de acordo com essa
situação e, nos contatos com a mãe, vai estabelecendo suas
primeiras discriminações e vínculos com o mundo externo. Esse
mundo externo reduz-se à mãe, ou ao adulto que a representa, que
é quem resume e transmite, metabolizada em sua conduta, as
influências do pai e da cultura. Em essência, é a mãe o objeto de
interação, e não poderia ser de outra forma. A criança chega ao
mundo com seu substrato biológico, produto de um sem número
de influências: as próprias da transmissão hereditária e as derivadas
das reações afetivas da mãe, as quais, até antes do nascimento,
traduzem-se para ela em estímulos biológicos (hormonais etc.) que
o condicionam.
Substrato
biológico
Primeiro nível de
aprendizagem
Protoaprendizagem
Mãe
Evidentemente, nesse lapso, tanto vão desempenhar seu
papel as precondições da criança, como as circunstâncias oferecidas
pela mãe. Ambos, aspectos complementares, estabelecerão uma
interação entre si, influenciando-se reciprocamente. Cabe salientar
que, assim como o biológico vai representar uma tela de cânhamo
para a protoaprendizagem proceder ao seu bordado, esse vai mudar
o substrato biológico, produzindo entre ambos uma amálgama
indissolúvel, melhor dizendo, um novo nível de construção que
integra o precedente. Em minha opinião, neste nível, o da
°Essas relações vinculares não se reduzem a aspectos afetivos, mas o
vínculo implica numa dimensão afetiva e numa cognitiva que se dão
indissociadamente.
102
Clínica Psicopedagógica
protoaprendizagem, é quando se configura o que a Psicanálise tem
conceituado como relações de objeto indiscriminado, de objeto
parcial e de objeto total, dando lugar, cada uma dessas configurações,
a diferentes possibilidades de organização, que Bleger denomina
estruturas de personalidade.
O que mais me interessa destacar, porém, é que essas
estruturas ou esquemas de reação ainda se encontram vazias de
significado; pelo menos com o significado com o qual vão sendo
preenchidas no nível seguinte de construção da aprendizagem, que
previamente denominamos deuteroaprendizagem.
A deuteroaprendizagem, que também poderíamos
denominar concepção de mundo e de vida, configura-se pela
interação da criança, que alcançou o nível de aprendizagem de
protoaprendizagem, com seu grupo familiar: pai, mãe, irmãos,
outras pessoas que habitam a casa, objetos, animais etc. e as
interrelações das pessoas entre si e com os objetos animados e
inanimados.
É como se a placenta houvesse sofrido uma terceira mudança
e ampliação: a primeira placenta era a que envolvia a criança,
protegendo-a no seio materno, a qual se amplia durante a
protoaprendizagem, deixando de ser meramente biológica e
passando a ser psicológica; porém, agora sofre uma nova
modificação, permitindo um maior número e complexidade de
contatos.
Nesse momento, adquire especial significado o trato e a
valorização dos membros entre si. A criança "bebe os valores do
grupo". O lugar valorizado, ou não, que ocupam a mulher, o homem,
as crianças, os idosos, os prestadores de serviço, a televisão etc. é
de singular peso. Então, produz-se a "tematização" dos esquemas
de reação elaborados no período anterior. Se antes havia se
organizado uma estrutura paranoide, agora se estabilizam os ataques
a determinadas telas, como resultado do interjogo de identificações
com os diferentes membros dessa pequena comunidade com a qual
a criança convive. Se o pai grita com a mãe, se este deprecia a
brincadeira, se os animais, livros etc. são valorizados, ou não, tudo
vai influir para que a criança configure seu estilo de aprender a
aprender.
103
Jorge Visca
Substrato biológico Mãe
Primeiro nível de
aprendizagem Protoaprendizagem Grupo familiar
Segundo nível de
aprendizagem
Deuteroapren-
dizagem
Assim como o substrato biológico servia de base à
protoaprendizagem, este serve, por sua vez, à deuteroaprendizagem,
e assim como a protoaprendizagem modifica o substrato biológico, a
deuteroaprendizagem modifica a protoaprendizagem. No entanto,
cabe destacar que cada nível precedente subsiste no seguinte e que,
da mesma maneira que não desaparecem as assimilações biológicas
(alimentar-se etc.), tão pouco desaparecem os intercâmbios afetivos,
dando-se, pois, sob uma modalidade diferente a cada novo nível de
organização.
A aprendizagem assistemática constitui-se pela interação
que a criança alcançou no nível da deuteroaprendizagem com a
comunidade restrita (em outros termos, o bairro, os provedores
que chegam a casa e outros). Nas comunidades primitivas (pré-
históricas e ágrafas), é relativamente fácil distinguir a aprendizagem
assistemática da seguinte, a aprendizagem sistemática. A primeira
consiste na instrumentação que permite a integração na
comunidade. Originariamente, implicava aprender a caçar, pescar,
construir a choupana, saber os rituais e proibições do grupo etc.
Atualmente, nas sociedades industriais e, especificamente, desde
a difusão da escrita, é cada vez mais difícil distinguir um e outro tipo
de aprendizagem, devido ao modo como as influências culturais
imbricam-se.
104
Clínica Psicopedagógica
Substrato biológico
j 1
1
/
f /̂"^
Primeiro nível de
aprendizagem
Segundo nível
de aprendizagem
Terceiro nível
de aprendizagem
Mãe
Protoapren-
dizagem
Grupo familiar
Deuteroapren-
dizagem
Comunidade
restrita
,
i r
Aprendizagem
assistemática
ou incidental
O fato de denominar este nível de aprendizagem assistemá-
tica deriva de uma hierarquização do processo individual que se
opera pela influência da educação assistemática; porém, em
nenhum momento, refere-se a que nem no meio, nem no sujeito,
os fenómenos dão-se sem um sistema. O meio possui uma
organização solidamente estruturada, só que é acostumado a
carecer da objetivação e consciência dos organismos, funções, redes
e fenómenos que produz; e outro tanto ocorre com o sujeito, no
qual pré-existe um sistema com suas leis próprias. Até as sociedades
mais primitivas puseram em prática sutis instrumentos, cujo uso
assegurava a assimilação dos membros jovens à comunidade com o
objetivo de assegurar a continuidade da sociedade.
A aprendizagemsistemática é a que se opera pela interação
com as instituições educativas, mediadoras da sociedade como
órgão especializado em transmitir o conhecimento, atitudes e
habil idades que a sociedade considera necessários para a
sobrevivência, capazes de manter uma relação equilibrada entre a
105
Jorge Visca
identidade e a mudança. Essas instituições oportunizam aos sujeitos
aprendizagens instrumentais que lhe vão permitir o acesso aos níveis
mais elaborados11, e é justamente nesse nível que se configuram os
sintomas da aprendizagem sistemática, os quais comentarei adiante.
Primeiro nível de
aprendizagem
Segundo nível de
aprendizagem
Terceiro nível de
aprendizagem
Quarto nível de
aprendizagem
Substrato
biológico
Protoaprendizagem
Deuteroapren-
dizagem
Aprendizagem
assistemática
ou incidental
Aprendizagem
sistemática
Mãe
Grupo familiar
Comunidade
restrita
Instituições
escolares
O segundo ponto que desejo desenvolver é a postulação de
que a aprendizagem é uma variável dependente dos aspectos
estruturais e energéticos, os quais se articulam.
No nível de aprendizagem sistemático, é possível distinguir subníveis
internos: o das aprendizagens instrumentais, o de conhecimentos
fundamentais, o de aquisições transculturais, o de informação técnica,
o de aperfeiçoamento profissional.
106
Clínica Psicopedagógica
Em minha opinião, nem os primeiros desenvolvimentos
teóricos da Psicanálise, nem os da Escola de Genebra são suficientes
para explicar a aprendizagem. A aprendizagem não pode ser
explicada unicamente pelo investimento afetivo em relação ao
objeto, como tão pouco, exclusivamente, pelas estruturas
cognitivas. Esses aspectos não se dão de forma dissociada como se
pretendeu durante um longo tempo. Distintas investigações
experimentais, como a de Therèse Gouin Dècarie com crianças
normais e as de James Anthony com crianças autistas, têm colocado
em evidência a correlação que existe entre a construção do objeto
permanente da escola piagetiana e a construção do objeto libidinal
da escola psicanalítica. Também essa correlação tem sido destacada
por investigadores que têm estudado a involução em anciãos e
esquisofrênicos e, não é demais afirmar, o quanto de relação existe
entre esses aspectos e a aprendizagem.
Sem dúvida, a aprendizagem implica outros aspectos além
dos temas dos investimentos e das estruturas. Em outros termos,
as cargas energéticas positivas e negativas, como as operações,
podem ser aplicadas a distintos objetos e, no caso da aprendizagem
sistemática, por exemplo, esses objetos são o resultado de uma
cuidadosa seleção dos bens culturais que se transforma em bens
pedagógicos ou em objetos com os quais o educando interagirá.
Retomando as interações dos aspectos energéticos e
estruturais entre si, interessa-me destacar que mesmo Piaget
afirmou que a mãe é o primeiro objeto de conhecimento do filho.
Ele afirma que a mãe é um objeto privilegiado porque cai na
intersecção dos esquemas de ação da criança: do olfato, da gustação,
da visão, do tato e outros.
Olfato
Paladar
107
Jorge Visca
A análise detalhada das histórias dos pacientes claramente
revela como, geralmente, existe uma relação entre os aspectos
intrapsíquicos no desenvolvimento e as estimulações e os
investimentos do grupo familiar em relação a esses aspectos.
A afetividade pode incidir em distintos graus sobre a
organização dos aspectos estruturais:
- sobre o objeto;
- sobre o esquema;
- sobre a estrutura.
Quando, entre a criança e um determinado objeto, é
estabelecido um vínculo inadequado, subsiste, sem dúvida, o
esquema, que é o aspecto comum da conduta aplicado a esse e
outros objetos.
No grau seguinte, o vínculo inadequado estende-se a um
conjunto de objetos, afetando o desenvolvimento de um
determinado esquema; porém, a estrutura não é afetada em seu
núcleo essencial e pode se desenvolver. Por outro lado, quando o
vínculo inadequado alcança um grau maior, a estrutura é afetada
em sua totalidade, produzindo, como nos casos de hospitalismo,
lentificação, detenção ou involução do desenvolvimento da criança.
A concepção nosológica da Epistemologia Convergente
articula três níveis: o semiológico ou do epifenômeno, o patogênico
ou das estruturas e mecanismos responsáveis pela emergência do
sintoma e o etiológico ou da génese da dificuldade atual.
No nível semiológico, encontram-se os grandes grupos de
sintomas: os da aprendizagem assistemática e os da aprendizagem
sistemática. O primeiro subdivide-se em três grandes categorias:
a detenção global da aprendizagem, a ausência absoluta de uma
conduta e a existência de uma conduta que não alcançou seu pleno
desenvolvimento. O segundo grupo, o da aprendizagem
sistemática, subdivide-se em sintomas específicos e sintomas
inespecíficos, existindo, dentro de cada um deles, subdivisões
que figuram no quadro já apresentado.
Entre o nível semiológico e o patogênico existe uma relação
de ubicuidade; vale dizer que um mesmo sintoma pode emergir de
distintas constelações patogênicas. No quadro seguinte, que integra
o nível semiológico com o patogênico, pode-se observar como se
dão tais articulações entre sintomas e elementos definidores e
interatuantes, pertencendo os dois últimos ao nível patogênico.
108
Clinica Psicopedagógica
Níveis
S
E
M
O
L
Ó
G
1
C
O
P
A
T
O
G
Ê
N
1
C
O
Elementos
definidores
Elementos
interatuantes
Aprendizagem assistemática
Detenção
total
sem
nomenclatura
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Estrutura cognit
Afetividade
Ausência
global
Sem
nomenctetura
wi
IV
!O
c
3
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Afetividade
Dificuldade
parcial
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nomenclatura
Funções
Afetividade
Aprendizagem sist
Específicos
Detençlo
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3
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Afetividade
Acalculia
Alexia
Agrafía
Discalculía
Dislexia
Disgrafia
Disortografia
Disca ligraf ia
Dissintaxe
Escrita em
espelho
Detenção na
evolução do
desenho
Sintomas
combinados
Lentidão
genera izada
ro
Estrutura cognit
Afetividade
Estrutura cognitiva, funções, mecanismos
de regulação interna. Afetividade.
emática
Inespecí-
ficos
í, "„
Sem
nomenclatura
',' •
Funções
Afetividade
No quadro seguinte, refletem-se os três níveis: o
semiológico, o patogênico e o etiológico. O etiológico, na realidade,
constitui, predominantemente, uma matriz na qual se volta, de
forma sistematizada, aos dados primitivos resultantes da observação
clínica e da consulta interdisciplinar. Em outros termos, aqui se
encontram os dados do total de pacientes estudados pela equipe
do Centro de Estudos Psicopedagógicos até uma determinada data,
o qual não implica nenhum tratamento estatístico, nem que outros
estudos não possam enriquecer o quadro até então elaborado12.
2 No momento atual, o Departamento Assistencial incorporou a lentificação
general izada à sua nosologia.
109
Jorge Visca
Níveis Aprendizagem assistemática
S
E
M
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C
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Escrita em
espelho
Detenção na
evolução do
desenho
Sintomas
combinados
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generalizada
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Estrutura cognitiva, funções, mecanismos de
regulação interna. Afetividade.
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110
Clínica Psicopedagógica
Caracterizarei, agora, algumas das unidades de análise do
nível semiológico correspondente aos sintomas específicos da
aprendizagem sistemática. A nomenclatura utilizada responde a
dois critérios: a) para cada nome, tem-se levado em conta sua origem
etimológica; b) com cada nome, designa-se a menorunidade
sintomatológica possível. Isso responde a dois fatos: introduzir uma
ordem na pluralidade de nomenclaturas existentes e identificar
unidades relativamente simples sobre as quais operar
posteriormente.
O termo agrafia está formado por duas raízes gregas (a =
privativo de; graphê = maneira de representar as palavras de uma
língua), significando a impossibilidade de representar por escrito a
linguagem.
Pode-se dizer que a escrita é a arte de representar a
linguagem com signos convencionais ou que é o registro simbólico
das ideias; signos convencionais ou registro simbólico que pode
assumir distintas formas: pictográfica, ideográfica ou alfabética.
Sobre esse sintoma ainda é possível dizer que ele pode
ser: a) inato, b) adquirido; além de poderem a) e b) estar associados
ou não com a alexia.
O termo disgrafia também está formado por duas raízes gregas
(dis = dificuldade; graphê) e consiste na dificuldade (parcial), e não
na impossibilidade, para a aprendizagem da escrita de uma língua.
Segundo a categorização tradicional, disgrafia subdivide-se
em: a) disgrafia específica ou disgrafia propriamente dita e b)
disgrafia motora. Na primeira, o sujeito não estabelece uma relação
entre sistema simbólico e as grafias que representam os sons, as
palavras e as frases; ao que eu denomino simplesmente disgrafia.
A segunda ocorre quando a motricidade do sujeito está
particularmente em jogo, mas não o sistema simbólico; ao que
denomino discaligrafia e entendo como discaligrafia não é somente
o resultado de uma alteração motora, mas também de fatores
emocionais (restrição egoica etc.), os quais alteram a forma da letra.
Os indicadores que considero para a disgrafia recebem os
mesmos nomes que os indicadores da dislexia. No entanto, na
primeira, dão-se na escrita (inversão, substituição, translação,
omissão, agregado etc.); na segunda, dão-se na leitura.
111
Jorge Visca
Indicadores de Disgrafia
Inversão de - ledas
- sílabas
- números
Substituição de - letras
-sílabas
- palavras
- números
Casos especiais de
substituição
Por confusão
Por translação
Por rotação
Agregação de - letras
- sílabas
-palavras
- números
Casos especiais de
agregação
Por reiteração
Por translação
Omissão de - letras
- sílabas
- palavras
- números
Dissociação de palavras"
Contaminação de - letras
- sílabas
- palavras
Ignorância de uma grafia -dificuldade para
lembrar e representar uma grafia
Exemplos
ne-Ven; areonautas A' aeronautas
pé nvasa X pensava
89 X 98; 123 A' 2 13
gogar A*jogar/ irnao A'innão
pantalomo A" panlalona
nené A novo / lindo A' grande
600 A' 700
Substituem-se letras de sons semelhantes (v/f c/g)
Prospectiva: uma letra, sílaba, palavra ou número
locali/ado cm uma parte anterior da oração é
transladada a uma posterior
Retrospectiva: é a situação inversa
Substituem-se letras simétricas cm seu desenho
(desenho inverso), nos eixos:
- horizontal: u/n; p/q; b/d
- vertical: p/b; q/d; a/e
- ambos (vertical e horizontal): h/y
ReaulA Raul
vininho -Y vinho
a dada de linda A' a casa linda
3225 A' 325
Agrega-se uma mesma letra, sílaba, palavra ou
número: passassada A" passada.
Prospectiva: toma to sopa A' toma sopa
Retrospectiva: mca assumi X me assumi
tabém A' também
prinpal X principal
como não voltam A" como o vento, não voltam
32 X 302
ci nc X cine /com piarão A' comprarão
fortese A' fortes e...
seencostou A' se encostou
haviaumaA"havia uma
remanescente agráficoem um sintomadisgráfico
112
Clínica Psicopedagógica
Sobre a alexia e dislexia, possivelmente os dois sintomas
mais conhecidos, direi ainda que consistem na mesma
impossibilidade absoluta e na dificuldade parcial para ler; ou seja,
que, em nossa definição, restringe-se ao sintoma indicado pela
segunda raiz do termo (lexis), não sendo utilizado por nós - como
acontece em outras correntes - de forma indiscriminada.
O termo discaligrafia possui três raízes gregas: dis, kalos =
belo e graphê. Ou seja, a dificuldade consiste em escrever em forma
legível. Os indicadores mais comuns de discaligrafia são:
- micrografia;
- macrografia;
- ambas combinadas;
- distorções ou deformações;
- dificuldades nos enlaces;
- traçados reforçados, filiformes, tremidos;
- inclinação inadequada;
- aglomerações
- outros.
Também o termo disortografia tem três raízes gregas: dis,
orto = reto e graphê. Contrariamente aos autores, faço uma distinção
entre disgrafia e disortografia, reservando este nome para os casos
nos quais cada fonema está representado, na ordem adequada, por
um grafema de som igual ao fonema utilizado na fala, mas não
corresponde às regras ortográficas do idioma. Por exemplo: escrever
"tidesão" seria uma disgrafia, escrever "divizão" seria uma
disortografia. A disortografia pode se dividir em: a) de signos básicos
(letras) e b) de signos auxiliares (acentos e til)13.
A dissintaxe consiste na dificuldade para expressar as ideias
por meio da escrita, respeitando-se as normas sintáticas do idioma:
não há concordância nas partes de uma oração, ou não se
subordinam as partes adequadamente, agregam-se palavras
desnecessárias, ordenam-se as palavras de forma inadequada etc.
Em minha opinião, para que exista uma dissintaxe não deve haver
um agramatismo, o que, de modo geral, possui os mesmos
indicadores, mas na fala.
N.T. O autor referiu-se ao castelhano: acentos y diéresis; no entanto, para
melhor compreensão, usamos referências da língua portuguesa do Brasil.
113
Jorge Visco
A acalculia e a discalculia (cálculo = arte de contar) são dois
graus de dificuldade para operar matematicamente. No primeiro,
existe uma impossibilidade absoluta; no segundo, ela é parcial.
Para referir-se ao segundo caso, há quem utilize o termo
disaritmética, restringindo-se às operações aritméticas e excluindo
as operações geométricas.
No esquema a seguir, resumirei brevemente nossa
caracterização semiológica.
Discalculia -
-
Mental
(sem lápis e papel)
Gráfica
(com lápis e papel)
-
-
Aritmética
Geométrica
-
Aritmética
Geométrica
-
de mecanismos
de procedimentos
de mecanismos
de procedimentos
-
de mecanismos
de procedimentos
de mecanismos
de procedimentos
114
Clínica Psicopedagógica
O PROCESSO CORRETOR
INTRODUÇÃO AO PROCESSO CORRETOR
Definição
Para introduzirmos a ideia de processo corretor, é necessário
definir, em primeira instância, ambos os termos: processo e corretor.
Processo é o transcurso do que vai se sucedendo e é uma
característica de toda coisa, de estar, a cada instante, de uma forma
distinta da anterior. Processo é sinónimo do que está para acontecer,
ou seja, é um movimento pelo qual as coisas transformam-se.
É importante, no entanto, esclarecer que o processo pode
ser espontâneo ou provocado, e que o processo provocado pode
acontecer sob situações controladas segundo métodos, entre os
quais se encontra o método clínico.
Por outro lado, temos o termo corretor que está formado
pelas raízes co e regir, sendo a primeira um prefixo latino da
preposição "com" e sendo a segunda a ação do correto
funcionamento de um aparelho ou organismo.
Nesse sentido, o processo corretor consiste no conjunto de
operações clínicas por meio do qual se facilita o aparecimento e a
estabilização de condutas. Essas operações são realizadas entre um
sujeito que acompanha o processo e outro que vive, ativamente, o
mesmo processo, configurando um sistema do que está para acontecer.
115
lorqc Visca
Concepção teórica
A linha diretriz de um processo corretor reflete, ou deveria
refletir, o esquema referencial a partir do qual se opera.
Nesse caso, esse esquema referencial é o da Epistemologia
Convergente, cuja caracterização pode se resumir como segue.
1) Epistemologia Convergente é o esquema conceituai
configurado em virtude da assimilação recíproca das contribuições
das escolas psicanalítica, psicogenética de Genebra e da Psicologia
Social.
2) A personalidade caracteriza-se por ser uma configuração
construída a partir da organização biológica com o meio humano.
3) Essa configuração, em sua génese, constitui uma
totalidade indiscriminadaque, em virtude da evolução, é
diferenciada em sistemas.
4) A personalidade possui unidade funcional, mas não
estrutural.
Unidades de análise
Mesmo sabendo que não podemos encontrar dois processos
iguais, é possível, em todos eles, distinguirem-se três unidades de
análise: a relação, o sujeito e o agente corretor.
As questões características da relação dizem respeito ao fato
de que a mesma se apoia num vetor da aprendizagem que mostra
que a aprendizagem é assimétrica, exige uma adaptação ativa e
envolve uma tarefa, na qual o agente corretor opera como um
continente transformador dos conteúdos não metabolizados do
sujeito.
Outra unidade de análise é o sujeito, que é quem vai
manifestar tanto sua semiologia (indicadores ou sintomas), quanto
sua patogenia, ou seja, os obstáculos: epistêmico, epistemofílico e
funcional (este entendido como uma hipótese auxiliar).
Por último, cabe caracterizar uma terceira unidade de análise:
o agente corretor, o qual vai utilizar uma série de recursos clínicos,
entre os quais interessa destacar a mudança de situação, a informação,
a informação com redundância, a modalidade de alternativas
múltiplas, a informação intrapsíquica, a mostra, o acréscimo de
116
Clínica Psicopedagógica
modelo, o assinalamento, a interpretação, a proposição do conflito e
a explicitação de interesses, entre os mais significativos.
Representações gráficas
Como síntese, cabe assinalar que, entre o sujeito e o agente
corretor, dá-se uma relação dialética que pode ser representada de
forma gráfica em função dos estudos desenvolvidos por Wilfred Bion.
SujeitoMomentos
Primeiro momerittlí*
Conteúdo
Segundo momento Metabolização do
agente corretor
Agente corretor Posições
Terceiro momento ?
Continente
\ - Masculina
AC - Feminina
- Feminina
AC - Masculina
Conteúdo
Além disso, é possível pensar em outra representação gráfica
por meio de um cone invertido (que encerra uma espiral), no qual
tempo, lugar, frequência, duração, caixa de trabalho, condutas
permitidas etc. são constantes flexíveis, a conduta do sujeito
(existente-emergente) é uma variável dependente, e as intervenções
do agente corretor são uma variável independente (a qual, por
questões de técnica clínica, denomino variável interveniente).
117
Jorge Visca
Corte de uma sessão
Emergente
Variável Variável
dependente interveniente
Existente
Constantes
flexíveis do
enquadra-
mento
Os recursos que, a seguir, desenvolverei são uma reduzida parte
das possíveis intervenções que o profissional pode utilizar e, assim
mesmo, cabe mencionar que a maior parte dos mesmos é o resultado
da conceituação e formalização de formas naturais ou espontâneas de
intervenção, extraídas tanto do material supervisionado de colegas,
como da reflexão sobre minha prática de atendimento.
Quando falo numa reduzida parte das possíveis intervenções,
quero dizer que a gama de possíveis intervenções que o
psicopedagogo põe em prática, com um paciente, é muito mais ampla
que os recursos aqui apresentados. Não duvido que, com o tempo,
seja possível conceituar e sistematizar outros recursos que já se
utilizam, de fato, mas sobre os quais ainda não se pensou o suficiente.
Pode-se ver no gráfico seguinte a representação dessa
afirmação: se, no gráfico, o setor compreendido entre ABD representa
o total de intervenções possíveis, o setor ABC - sensivelmente menor
- representa o conjunto de intervenções sistematizadas.
118
Clínica Psicopedagógica
No momento atual, com vários colaboradores, encontro-me
investigando outra série de possíveis recursos, entre os quais está
a "proposição do conflito", além de outras formas que ainda não
receberam um nome. Como uma breve síntese, comentarei qual é
a metodologia de investigação e experimentação que utilizamos.
a) Registro de situações espontâneas que se apresentam
nas sessões de atendimento psicopedagógico.
b) Conceituação do existente14 e da intervenção do agente
corretor.
c) Busca de outros existentes que respondam ao modelo
conceituado no item anterior.
d) Busca de intervenções espontâneas de diferentes agentes
corretores a ditos existentes.
e) Extração do aspecto comum do esquema de ditas
intervenções.
f) Utilização do recurso e prova da eficácia com ditos
existentes.
g) Utilização de outros existentes, a fim de avaliar sua
eficácia em tais situações.
Essa não é uma tarefa fácil e rápida, mas o resultado de uma
laboriosa investigação. Nesta, frequentemente, avançam-se dois
passos, mas se retrocede um.
Quando falo da conceituação e formalização de formas
naturais ou espontâneas de intervenção, extraídas tanto do
material de colegas, como do meu próprio, quero expressar meu
reconhecimento aos colegas (cujas consultas ensinaram-me) e aos
pacientes (de quem também aprendi). Interessa-me, também,
destacar quão pouco tempo e esforço dedica-se à reflexão teórica
a partir do fato empírico. Praticar intervenções, recortá-las de seu
contexto, analisá-las extraindo o esquema ou aspecto comum e
dar-lhes um nome, assim como investigar sua utilidade e eficácia,
fazem parte desse exercício.
Os recursos são, então, algumas das possíveis formas de
intervenção mediante as quais se tenta modificar a organização de
14 N.T. Em minhas anotações, tenho a explicação de Visca sobre o existente.
Segundo ele, o existente é a situação que se apresenta, o sintoma
individual ou grupai apresentado, e que possui três níveis de evolução-
o nível dilemático
119
Jorqc Visca
um campo, cuja estrutura ou dinâmica, aos olhos do psicopedagogo,
tem-se configurado inadequadamente.
Os recursos que, habitualmente, utilizo são:
- a mudança de situação;
- a informação;
- a informação com redundância;
- a modalidade de alternativas múltiplas;
- o acréscimo de modelo;
- a mostra;
- a explicação intrapsíquica;
- o assinalamento;
- a interpretação
- a troca de papéis.
Tais recursos - denominados variáveis intervenientes, como
já disse - são utilizados de acordo com os seguintes critérios:
a) todo recurso é utilizado para incidir sobre um existente
(campo estruturado) com o objetivo de produzir modificação;
b) todo recurso tem como base uma hipótese que envolve o
existente, a variável e o emergente, e não significa um imperativo
categórico;
c) cada um dos recursos constitui distintas formas de
expressão ou manifestação de uma mesma entidade;
d) a escolha de uma ou outra forma da variável vai
corresponder à ideia de oportunidade ou eficácia, a qual tem como
pressuposto geral o postulado que deve pôr em jogo a resposta,
mais ativa possível, por parte do sujeito.
e) a oportunidade ou a eficácia só vai ser comprovada pelo
emergente imediato ou mediato.
Em outra ordem de coisas, cabe esclarecer que os recursos
previamente mencionados podem estar, predominantemente,
dirigidos aos aspectos energéticos ou estruturais, em cada um dos
quais sempre aparecem três níveis, os quais se pretende mobilizar:
1) de indiscriminação;
2) de dissociação;
3) de integração.
Esses níveis foram conceituados tanto pela Escola de Genebra
e Psicanálise, como pela Psicologia Social, a partir de distintas
perspectivas.
120
Clínica Psicopedagógica
Vale dizer que o psicopedagogo deverá estimar, antes de
intervir: primeiro se a intervenção apontará, predominantemente,
para o aspecto energético ou estrutural; segundo, com a intenção
de mobilizar um campo estruturado nos níveis citados; terceiro,
implementar este ou aquele recurso.
121
Jorge Visca
OS RECURSOS
A mudança de situação significa a modificação de uma
constante do enquadramento (ou de parte dela): tempo, espaço,
frequência, honorários etc. Essa mudança pode ser tanto de
aspectos evidentes ou manifestos, como de aspectos sutis, tais
como a maneira de cumprimentar ou o paciente fazer soar duas
vezes a campainha da porta (no caso de um sujeito muito
impulsivo, que chamava insistentemente com um só toque na
campainha) etc.
Um exemplo desse recurso é o seguinte: durante certo
tempo, vinha trabalhando com um pré-adolescente que ignorava,
sistematicamente, minhas intervenções e até a minha presença.Habitualmente, eu cumprimentava-o dando-lhe a mão e dizendo-
lhe "Boa noite". Na oportunidade a que me refiro, sem saber por
que, abri a porta e não lhe dei a mão, nem o saudei imediatamente.
Isso provocou uma reação tal que, neste encontro, ele manteve-
se ligado a mim, evidenciando uma mudança radical de atitude.
Tempo depois, o jovem comentou sobre esse dia, dando o nome
ao recurso: "A mudança que você teve quando não me
cumprimentou como de costume"; "Foi uma situação nova que
produziu em mim um efeito que me permitiu perceber como eu
ignorava-o, descartando-o".
Esse recurso, como os demais, tem a capacidade de produzir
uma modificação na organização do subsistema (personalidade),
através de uma mudança no ambiente no qual se encontra inserido.
Sem dúvida, quero destacar esse fenómeno a propósito desse
recurso porque é, possivelmente, o que melhor permite tal
visualização.
122
Clínica Psicopedagógica
Instrumentos de
intercâmbio entre o
subsistema e o
sistema
Meio
A personalidade
como subsistema
(com suas tendên-
cias ao fechamento
e à abertura)
A intensidade e frequência dos mecanismos de defesa e as
tendências predominantemente assimiladoras e acomodadoras são
indicadores do fechamento do subsistema.
A informação é um recurso verbal que não diz o que o sujeito
deve fazer, mas que considera o sujeito para a sua formulação tanto
do ponto de vista sintético, quanto semântico.
Do ponto de vista sintético, a informação implica uma
organização tal dos significantes que os tornem significativos para
aquele que recebe, em função do estádio de desenvolvimento
cognitivo, da vinculação afetiva e da cultura a que pertence. Em
relação à semântica, cabe sublinhar a importância que tem o fato
de que os significantes permitam uma representação das
impressões sensoriais, das situações emocionais e das experiências
lógico-matemáticas que envolvem a mensagem.
A informação não tem por f inalidade comunicar que
"Colombo descobriu a América em 1492", mas se elegem elementos
que permitam operar em função do conhecimento do campo
geográfico. Assim, por exemplo, informar ao paciente que na
biblioteca há uma enciclopédia (na qual pode encontrar a informação
que deseja, mas que não é dito a ele) ou que o ruído da porta
(atribuído pelo paciente ao fato de que alguém pode ter aberto) é
produzido pelo vento é um exemplo de informação, de acordo com
o sentido que a utilizo.
Este é um exemplo clássico para os meninos que começam
e andar pela cidade, sozinhos:
123
Jorge Visca
Entrevistado: "Não sei como posso ir a Copacabana".
Entrevistador: "Na estante de livros, há um guia da cidade
com os meios de transporte".
A informação pode ser subdividida em duas classes: a)
dentro do consultório (intrabox) e b) fora do consultório (extrabox).
Na primeira, o conteúdo da informação recai sobre objetos e
situações do consultório; na segunda, recai sobre objetos e
situações externas a ele. Dado um existente, este pode ser
considerado em uma ou outra dimensão. Por exemplo:
Entrevistado: "Chego tarde porque o ônibus demora muito
para passar." (existente)
Entrevistador: "Na estante de livros, há um guia da cidade
com todos os meios de transporte." (intrabox)
Diante do mesmo existente, poder-se-ia intervir segundo
pareça mais conveniente.
Entrevistador: "Por Copacabana, passam seis meios de
transporte que vêm até aqui."
A informação com redundância só difere do recurso anterior
no sentido que se recodifica parcial ou totalmente a mensagem,
fazendo-se uso de um gesto, tom de voz, repetição de parte ou do
todo expressado. O sentido da recodificação da informação consiste
em ultrapassar as barreiras afetivas, e de outra índole, que dificultam
sua apreensão e posterior metabolização em termos de imagens e
operações cognitivo-afetivas.
O modelo de alternativas múltiplas consiste em uma
enumeração não-taxativa do que o sujeito pode realizar.
Entrevistador: "Pode desenhar, escrever, ler, construir ou
qualquer outra coisa que lhe ocorra."
O modelo tem como finalidade, somente, ser um
desencadeante ou "motor neutro" da conduta. Utiliza-se em
situações nas quais o sujeito encontra-se paralisado. Para sua
formulação, levam-se em conta os aspectos: estrutural (nível
cognitivo) e energético (afetivo). Na prática, é fácil observar no
emergente dois grupos de fenómenos: a) a oposição e a opção por
outra atividade e b) a ampliação do universo de objetos e condutas
operativas.
124
Clínica Psicopedagógica
O acréscimo de modelo requer uma consideração prévia.
Todos os recursos citados respondem ao critério de operar sobre a
base de, e não intervir com um "contramodelo". Isso é tido
particularmente em conta nesse tipo de intervenção. Enquanto o
"contramodelo" implica uma negação do outro (sobre a base de
uma dissociação esquizoide ou de uma simbiose), a ampliação do
modelo toma o modelo inicial em conta e aceita-o como ele é.
Diante da dificuldade de sintetizar a ideia essencial que caracteriza
esse recurso, descreverei a situação em que pude vivenciá-lo e
objetivá-lo pela primeira vez.
Z. era uma menina de uns sete anos, cujos pais consultaram-
me depois de terem tentado que ela fosse assistida por vários
colegas. Os tratamentos não duravam; em poucos dias, Z. resistia à
continuidade de todas as maneiras imagináveis. Z. não lia, não
escrevia, nem operava matematicamente. Começado o
atendimento psicopedagógico, a menina propôs-me: "Eu sou a caixa
de um banco e você é o ladrão. Você dá dois golpes no guichê e diz
"Levante as mãos", e eu dou-lhe o dinheiro. Esta atividade repetiu-
se de forma estereotipada, por certo tempo, durante toda a nossa
entrevista. Qualquer sugestão para fazer outra atividade
(contramodelo) era recusada imediatamente; isso me fez
compreender o motivo de suas resistências e o abandono dos
atendimentos anteriores. Como a situação repetia-se até o cansaço,
em uma oportunidade, agi diferente - possivelmente movido pela
impotência. Logo que dei os dois golpes no guichê e disse para que
ela levantasse as mãos, Z. fez o gesto de entregar-me o dinheiro
imaginário, e eu, então, disse-lhe: "Você apenas faz que me dá o
dinheiro...", e ela retrucou: "Façamos o dinheiro com papel." Em
outra oportunidade, acrescentei: "Dê-me apenas as notas mais
altas", ao que replicou: "Então, ensina-me os números, não vês que
eu não sei?"
Em outras oportunidades, experimentei esse recurso de
outra forma. Em vez de realizá-lo em uma dramatização, sem perder
o papel, é possível utilizá-lo frente a outro tipo de modelo; por
exemplo, o desenho. Diante de uma casa sem porta, pode-se
questionar: "Por onde entram e saem as pessoas desta casa?" Se o
sujeito está em condições, vai desenhá-la; se não pode,
simplesmente contestará: "Pela porta!" ou continuará calado.
125
lorqc Visca
A mostra é a transmissão da informação por meio de uma
ação não-verbalizada, que pode recair sobre: a) os objetos, b) a relação
dos sujeitos com os objetos, c) a relação do sujeito consigo mesmo.
A primeira tem por finalidade predominante promover a
abstração empírica; a segunda, a abstração refletidora15; a terceira,
a percepção de si mesmo (nos aspectos cognitivos e afetivos) como
objeto de conhecimento. As três formas tendem a facilitar a tomada
de consciência e a passagem de certos elementos de um plano de
não-representação ou de representação inferior a um plano de
representação ou de representação superior.
Um exemplo de mostra dirigida a um objeto seria o seguinte:
Se um sujeito está trabalhando com uma matriz de dupla entrada e
tem que localizar um objeto na intersecção correspondente, mas
realiza tomando em conta somente um atributo ou qualidade do
objeto, pode-se deslocar o objeto em questão até a marginal que
indica o atributo não-considerado. Por exemplo:
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Cores
R
(D
O paciente coloca o
círculo amarelo no
encontro (l).
O entrevistador
desloca o círculo
amarelo e o justapõe à
marginal circular,
retornando-o
imediatamente à sua
posição anterior.
N.T. A abstração refletidora implica a reorganização e a transposição de
ideias para um novo plano,a fim de que se tornem conscientes, assim
como a sua reconstrução num processo de reflexão, no sentido psicológico
do termo.
126
Clinica Psicopedagógica
Um primeiro exemplo que se refere à relação do sujeito
com os objetos poderia consistir no que segue.
O entrevistado, ao apagar sua folha, não a segura e ela
enruga-se e rasga.
O entrevistador apaga a folha sem segurá-la, e a folha
enruga-se e rasga; em seguida, ele pega uma folha, segurando-a, e
apaga o que está escrito; ela não se enruga, nem rasga.
Agora, trago outro exemplo do mesmo tipo, porém com um
matiz diferente: imaginemos um menino que se atrapalha na
contagem de objetos e acredita que a quantidade de objetos
modifica-se dependendo da direção em que faz a contagem. O
entrevistador conta da esquerda para a direita e da direita para
esquerda a mesma coleção de objetos (obtendo igual resultado).
A mostra que recai sobre a relação do sujeito com ele mesmo
dificilmente pode ser apresentada de forma pura; geralmente, dá-se
em um contexto de verbalizações no qual o verbal não consegue
produzir a modificação necessária. A. era uma senhora que repetia
certa pauta de reação a determinadas situações de aprendizagem,
frente às quais havia utilizado uma série de recursos com o objetivo
de modificar tal existente estereotipado. Na situação a que me referi,
acabara por repetir a ação quando lhe pedi para posicionar sua carteira
no mesmo lugar no qual se encontrava o cinzeiro; ela deveria retirá-
lo para colocar a carteira. Sua compreensão foi imediata: "Já sei por
que você me sugeriu isso; porque eu faço o mesmo: ao não deixar de
fazer as coisas de determinada maneira, não posso começar a fazê-
las de outra forma".
Também cabe ressaltar que a mostra com a intenção de
facilitar a relação do sujeito consigo mesmo geralmente é realizada
pelo próprio sujeito, a qual, neste momento, aproxima-se da troca
de papéis (rol playing) - sem chegar a sê-lo - e facilita a experiência
vivencial.
A explicação intrapsíquica consiste em uma descrição e
explicação - mediante um modelo - dos mecanismos energéticos e
estruturais utilizados na aprendizagem: dissociação, projeção,
negação, assimilação, acomodação, equilibração etc.
A forma como Pichon-Rivière, em suas exposições, explicava
a teoria dos 3D (depositante, depositário e depositado) é um ótimo
127
lorgc Vísca
exemplo de explicação intrapsíquica referida à projeção. Ele
exemplificava sua teoria dizendo que o depositário é o empregado
do banco (o objeto externo) sobre o qual se efetua a projeção; o
depositante (o sujeito) é quem realiza o depósito (a ação); e o
depositado é o dinheiro (o projetado).
Os mecanismos energéticos e estruturais, na realidade, são
resultados de uma generalização e de uma abstração de condutas
que podem ser classificadas dentro de uma determinada categoria;
porém, em cada sujeito e em distintos momentos de um mesmo
sujeito, apresentarão diferenças e, ao mesmo tempo, certas
semelhanças com outras condutas e situações que são conhecidas
pelo paciente em questão. Assim, por exemplo, uma senhora que,
ao ler, mais do que reproduzir as letras, sílabas e palavras do diário,
pronunciava uma mescla do que imaginava que via e do que
efetivamente estava escrito, assim como adiantava e retrocedia na
leitura de forma incessante. Essa mesma pessoa costumava viajar de
metro e tentava entrar no mesmo antes que as pessoas terminassem
de descer, o que resultava em empurrões, confusões e também em
situações nas quais quem estava descendo tinha que entrar para poder
sair novamente do veículo depois. A descrição e a explicação de sua
particular forma de entrar no metro (e os resultados que sua conduta
produzia) serviram de base e modelo adequado para ela entender
qual era seu mecanismo na leitura.
O assinalamento e a interpretação consistem,
respectivamente, na comunicação incompleta e completa de um
segmento de conduta. Possuem semelhanças e diferenças com a
informação, entre si, e conforme sejam utilizados no atendimento
grupai ou individual.
É possível acrescentar, também, que a utilização de ambos
os recursos no campo psicopedagógico tem sido altamente
discutida; por isso, em primeiro lugar, realizarei um quadro
comparativo; em segunda instância, comentarei as características
da conduta molar na qual me fundamento; a seguir, realizarei uma
análise classificatória de ambos os recursos.
128
Clínica Psicopedagógica
Informação Assinalamento e Interpretação
1) Reconhece sua origem técnica
no pedagógico (didático).
1) Reconhecem sua origem técnica
no psicológico (psicanalítico).
2) É um recurso que tende a
reestruturar o campo psicológico
mediante o conhecimento do
campo geográfico.
2) São recursos que tendem a
reestruturar o campo psicológico
mediante o reconhecimento do
mesmo campo psicológico.
3) Pode ser: a) intrabox e b)
extrabox a) toma o campo
geográfico do consultório como
objeto sobre o qual se expressa
a informação; b) o campo
geográfico sobre o qual se
expressa a informação é
externo ao consultório (no qual
se desenvolve ou poder-se-ia
desenvolver o sujeito).
3) Podem ser: a) intrabox e b)
extrabox a) expressam dados sobre
o campo psicológico no "aqui-
agora-comigo-frente-à-presente-
tarefa"; b) expressam dados sobre o
campo psicológico "ali-então
(passado ou futuro) - naquela
tarefa".
O que acabo de comentar poderia ser representado
graficamente como segue:
conteúdo expresso
conteúdo expresso
conteúdo expresso
AC - Agente corretor, psicopedagogo; O - Objeto; S - Sujeito e suas áreas
de expressão da conduta; II - Informação intrabox; IE - informação
extrabox; EVR - Estrutura vincular real; EVV - Estrutura vincular virtual; Ali
- Assinalamento e informação intrabox; AIE - Assinalamento e informação
extrabox.
129
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conduta (motivação, unidade funcional, objetivo, unidade
significativa, estrutura), para depois, paulatinamente, integrá-los até
alcançar a interpretação, nos casos em que seja necessário utilizá-la.
Cada vez que a senhora X., que apresentou significativa
dificuldade para redigir, propõe-se a fazê-lo, lembra-se de algo que
me conta, razão pela qual a tarefa em questão demora a ser feita ou
é substituída por outra. X. não tem a mínima consciência disso e,
quando lhe digo, fica surpresa.
Entrevistador: "Você tem observado que cada vez que se
propõe a escrever, recorda algo e que, entre o momento de sua decisão
e o momento de cumpri-la, passa muito tempo, e você atrasa-se?"
Entrevistada: "Você acredita? Não sei. Vou me observar."
Depois de repetidas atividades, foi possível mostrar à
senhora X. a relação entre a tarefa e a conduta evitativa: escrever /
recordar; escrever / querer fazer uma pergunta; escrever / precisar
trocar o horário; escrever / sentir-se muito cansada etc.
Assim, também foi possível interpretar com pleno êxito,
em uma abrangência atual (a-histórica), o segmento da conduta,
formulado a seguir.
Entrevistador: "Cada vez que você propõe-se a escrever, o que
eu recordo-lhe como um de seus objetivos, pelo qual nos reunimos,
possivelmente você sinta medo de não conseguir fazê-lo ou de não
poder fazê-lo tão bem quanto se propõe -já que é tão exigente consigo
mesma; então, surge uma situação nova, com a qual você evita entrar
na tarefa e fazer o que consegue. Em minha opinião, você pensa que
eu posso lhe criticar e, em vez de escrever, faz-me perguntas, com as
quais preenchemos o tempo com outras coisas."
A troca de papéis ou jogo de papéis (rol playing) é uma
técnica dramática que opera no "como se", permitindo que situações
passadas ou futuras possam ser trazidas ao presente. É exatamente
por isto que esse recurso assume singular importância no fazer
psicopedagógico: por permitir a revisão (do que já foi realizado) e a
preparação (do que se vai fazer).
Jaime Rojas-Bermúdez usa um esquema, mediante o qual
representa graficamente o conceito e a utilização do "objeto
intermediário", o qual é muito esclarecedor da ação que os recursos
dramáticos exercem sobre a construção do psiquismo.
132
Clínica Psicopedagógica
SM - Si mesmo; Ol - Objeto intermediário;
PC - Papel complementar; V - Vínculo;
PBD - Papel bem desenvolvido;
PPD - Papel pouco desenvolvido;
P - Papel; SP - Segundo papel
O "eu" pode ter se desenvolvido em um menor ou maior
grau em função das precondições e das circunstâncias; porém,
sempre desempenhará papéis com um menor ou maior grau de
desenvolvimento.
No jogo de papeis, sob distintas formas, colocam-se em
exercício papéis com um baixo grau de compromisso, o qual permite
exercitar, revisar e elaborar ou construir condutas, facilitando a
ampliação do "eu" e de si mesmo.
Todos os recursos previamente mencionados podem ser
utilizados no jogo de papéis, com uma única condição, que sejam
utilizados durante a vivência do papel. É importante dizer que não
é possível deixar o papel, passar a ser o psicopedagogo e informar,
mudar a situação, assinalar etc.; porém, desempenhando o papel
133
Jorge Visco
assumido é que o psicopedagogo deve intervir utilizando esses
recursos, como parte do jogo.
As situações nas quais utilizo, com maior frequência, esse
recurso acontecem quando o sujeito apresenta:
- percepção parcial da situação;
- negação do passado;
- falta de antecipação da situação futura;
- preparação para uma situação futura;
- falta de vivência para compreender um conteúdo.
É possível distinguir, também, a fonte de onde surge a
proposta de dramatização do paciente e do psicopedagogo.
Em termos gerais, a proposição de dramatizar por parte do
paciente dá-se em crianças pequenas; não como uma clara
proposição, mas como uma situação espontânea de jogo. Sem dúvida,
isso lhe permite viver ativamente o que sofrera passivamente ou, de
certa forma, tomar consciência de fenómenos intrapsíquicos ou
interpsíquicos.
Em compensação, com os pacientes de mais idade, a
proposta geralmente surge do psicopedagogo, pelo menos nas
primeiras oportunidades, até que o entrevistado relaxa e passa a
apreciar essa forma de recurso.
Quero acrescentar que esse recurso pode adotar distintas
modalidades, as quais podem se dar com ou sem objeto
intermediário:
a) sem troca de papéis e sem reflexão posterior;
b) sem troca de papéis e com reflexão posterior;
c) sem troca de papéis, com reflexão posterior e repetição
do papel;
d) com troca de papéis e sem reflexão posterior;
e) com troca de papéis e com reflexão posterior;
f) com troca de papéis, reflexão posterior e repetição de
papéis.
Essas modalidades, invariavelmente, estarão condicionadas
tanto pelos aspectos cognitivos, quanto pelos afetivos, os quais
vão desempenhar um papel fundamental no que se refere à
possibilidade, ou não, de implementar uma instância reflexiva.
134
Clínica Psicopedagógica
EPISTEMOLOGIA CONVERGENTE
Laura Monte Serrat Barbosa
UMA CONVERSA
Escrevo este capítulo pensando em um diálogo meu com a
Epistemologia Convergente, apresentada por Jorge Visca como
suporte para sua proposta de ação psicopedagógica. A
Psicopedagogia na ótica da Epistemologia Convergente nasceu do
desejo de compreender o processo de aprendizagem por meio de
dois olhares necessários: o que olha para a subjetividade
(Psicanálise) e aquele que olha para a construção de estruturas para
conhecer (Psicogenética). Além disso, essa construção sofreu
influência do que Pichon-Rivière chamou de "interciência" e, em
alguns registros, de "epistemologia convergente".
É o próprio Visca quem comenta sobre essa influência, em
seu livro Psicopedagogia: Teoria, Clínica e Investigación:
Mesmo o modelo da epistemologia
convergente sendo o resultado de observações
clínicas no campo psicopedagógico à luz de
algumas contribuições de certos autores
mencionados previamente, não se pode deixar
de mencionarque a primeira ideia foi o produto
135
Jorge Visca
da influência de dois autores que não são da
escola piagetiana: Enrique Pichon-Rivière e José
Bleger (VISCA, 1993, p. 29- 30, tradução nossa).
Naquele momento, para superar o paradigma de disjunção
do qual fala Morin (1996), Pichon-Rivière, uma personalidade
inquieta, propõe a Epistemoiogia Convergente na introdução de
sua obra Do Psicanálise à Psicologia Social. Visca considerou uma
expressão do que era a linha mestra de seu pensamento:
A síntese atual destas indagações pode
apontar para a postulação de uma
epistemologia convergente, segundo a qual as
ciências do homem referem-se a um objeto
único: "o ser humano em situação", suscetível a
uma abordagem pluridimensional (PICHON-
RIVIÈRE citado por VISCA, 1993, p. 30, tradução
nossa).
Essa proposta de Pichon-Rivière é ousada e é uma indicação,
assimilada por Jorge Visca, para uma nova forma de ver o ser humano
em sua condição de ser e estar situado, fazendo parte do movimento
do seu contexto. Isso que pede um novo olhar; não um olhar
classificatório de fenómenos, mas curioso, que dialoga com as várias
áreas do conhecimento e com as questões presentes na situação.
Esse olhar recupera o respeito pelas diferenças construídas na
história de cada um, de cada cultura, de cada continente, sem perder
de vista o múltiplo, o todo presente nas relações e as contradições
emanadas.
Além desse diálogo com a Epistemologia Convergente,
proponho uma conversa com a epistemologia complexa, proposta
por Edgar Morin ao estudar o conhecimento, pois encontro pontos
de conexão entre as duas e acredito que este diálogo pode ser
frutífero.
Para entendermos melhor o avanço de uma epistemologia
convergente, gostaria que o leitor participasse desse diálogo e
pensasse sobre o que aborda Edgar Morin (1996), ao discutir o
conhecimento na atualidade. Segundo ele, o conhecimento vai além
da lógica e, na sua exploração e construção, é necessário enfrentar
136
Clínica Psicopedagógíca
a contradição; além disso, é preciso compreender que o conhecimento
"é, ao mesmo tempo, prometido em novos desenvolvimentos e
condenado ao inacabamento" (MORIN, 1996, p. 30). A invenção no
pensamento e na criação transgride a lógica, e isso é possível porque
não é o pensamento que se encontra a serviço da lógica, e sim o
contrário. Para concluir sua reflexão sobre os problemas relacionados
ao conhecimento, o autor aborda:
[...] um paradigma é um tipo de relação
muito forte, que pode ser de conjunção ou de
disjunção [...] A noção de paradigma é, ao
mesmo tempo, linguística, lógica, ideológica: é
uma noção nuclear. Assim, o âmago do
paradigma de simplif icação, que guiou a
ciência clássica, é o primado da disjunção e da
redução (MORIN, 1996, p. 31).
Foi justamente para superar esse primado de disjunção e de
redução que, a meu ver, Jorge Visca propôs uma epistemologia
convergente como base do conhecimento do processo de
aprendizagem e da proposta de intervenção nas dificuldades de
aprendizagem. A disjunção leva a várias dif iculdades de
aprendizagem e a possíveis soluções, como se as causas fossem
únicas e lineares, assim como as soluções; a redução faz com que
cheguemos a uma abstração supondo que a presença de uma
dificuldade específ ica requer sempre a mesma forma de
intervenção, construindo-se, pois, uma abstração que anula a
diversidade.
É importante frisar que convergência, aqui, não é proposta
como a junção dos iguais, como a mistura de uma mesma massa ou
como um simples ponto de encontro, mas sim como um encontro
das diferenças - dos diferentes conhecimentos que ajudam a olhar
para o ser humano situado e das diferenças que se revelam como
consequência desse olhar, permitindo entender a presença das
distintas possibilidades de cada um colocar-se no mundo.
A convergência, portanto, leva à utilização de distintos
conhecimentos para a compreensão de um fenómeno e, neste caso,
o da aprendizagem e suas dificuldades. Esses conhecimentos
reúnem-se para produzir algo novo, nova percepção, novo espaço
137
Jorge Visca
para ser e para estar, novas combinações para construir, com
diferentes elementos, ferramentas que possam levar à compreensão
do aprendiz e de sua aprendizagem.
Uma epistemologia convergente, conforme essa
compreensão e construção, sob minha ótica, requer uma visão que
supera a espiral de evolução apenas ascendente; sem deixá-la de
lado, introduz a ideia de rede de conexões das instâncias que se
encontram separadas. Penso numa imagem que represente tal
pensamento: uma espiral em três dimensões, em que, a cada volta,
fazem-se articulações a partir das contradições que "saltam" durante
o processo de desenvolvimento, formando redes internas nas quais
aparecem explosões, implosões, espaços preenchidos, espaços
vazios, sentimentos, compreensões, erros, acertos e tudo que possa
aparecer no estudo de um ser humano situado.
Segundo Morin (1996), a questão do conhecimento pede a
realização de um circuito para fazer comunicar instâncias separadas;
porém, ele afirma que esta não é uma tarefa individual, mas
necessita do encontro e da articulação de todos os investigadores
que permanecem nos domínios disjuntos do conhecimento. Numa
escala menor de abrangência, podemos dizer que a Epistemologia
Convergente no estudo da aprendizagem requer a presença da
competência de várias áreas do conhecimento para possibilitar o
olhar dinâmico ao aprendiz e à aprendizagem, que também são
dinâmicos.
Não se trata de termos um psicopedagogo psicanalista, nem
um psicopedagogo psicólogo social e tão pouco um psicopedagogo
psicólogo genético, mas sim um psicopedagogo que possa articular
os saberes da Psicanálise, da Psicologia Social e da Psicologia
Genética, e de outras áreas como a Antropologia, a Filosofia, a
Neurociência, visando à compreensão do aprendiz num outro nível,
para além da patologização. A patologização decorre, pois, de um
paradigma de disjunção, que fragmenta, que "dis- situa", que
classif ica e que propõe a cura sem considerar as diversas
combinações possíveis nas redes internas de cada aprendiz e na
sua articulação com as redes externas a ele.
Nesse sentido, precisamos de uma Psicopedagogia capaz de
desenvolver uma formação pontual de seus profissionais,
possibilitando: a compreensão do aprendiz como emergente do
138
Clínica Psicopedagógica
seu tempo e do seu espaço; o conhecimento dos princípios da
policausalidade nas dificuldades para aprender; a compreensão da
articulação entre um sujeito situado, histórico e o contexto do qual
faz parte, seja ele natural, social, simbólico, espiritual, do
conhecimento etc.; o conhecimento das áreas que aprofundam os
estudos das distintas dimensões que constituem o aprendiz; o
desenvolvimento de técnicas que atendam ao aprendiz em vários
âmbitos - do indivíduo, do grupo, da instituição; a compreensão do
aprendiz, considerando-se o âmbito da comunidade, e seus códigos,
além do âmbito da cultura - uma cultura capitalista, consumista e
globalizante, no nosso caso.
Já em seu segundo livro traduzido para o português,
publicado no Brasil, Visca trouxe à baila essa questão:
Anteriormente, Psicopedagogia
significava o conhecimento e o estudo do sujeito
individual, enquanto Educação significava o
conhecimento da comunidade, da sociedade.
Eu acredito que, naquele momento, por motivos
manifestos e latentes, fez-se uma divisão,
porque conhecer verdadeiramente como o
sujeito aprende é um conceito revolucionário,
no sentido de aceitar o sujeito como ele é, fazer
com que esse sujeito aprenda, de verdade, não
fazendo de conta. Isso significa uma
modificação, no sistema e na educação, muito
grande (VISCA, 1991, p. 14).
Nesse diálogo, trago outras afirmações de Visca, em uma
entrevista que introduziu o livro Psicopedagogia: Novas Contribuições,
a fim de que o leitor possa perceber o quanto ele se encontrava a
frente de seu tempo. Apesar de utilizar as palavras, criticadas hoje em
dia, como "sujeito" (por significar aquele que se sujeita) e "paciente"
(que traz a significação daquele que precisa ter paciênciacom sua
dificuldade), ele colocava a questão da aprendizagem como algo muito
mais abrangente do que aquilo que consta em muitos fazeres e
concepções educacionais e/ou psicopedagógicas existentes
atualmente. São como avanços que ainda precisam acontecer, de fato,
em muitas formas de atenção psicopedagógica.
139
Jorge Visca
Eu comecei com a Psicopedagogia
Clínica - clínica num sentido mal utilizado da
palavra, querendo dizer que é o trabalho no
consultório, porque clínica não significa isso,
de forma nenhuma. Na escola, se faz clínica;
na comunidade, se faz clínica. Clínica é, sim,
no sentido de perceber o sujeito como ele é;
diagnosticar este sujeito, trabalhar com este
sujeito mesmo que seja um grupo ou uma
comunidade, aceitando este sujeito como ele
é. Eu vejo o consultório como um laboratório
de pesquisa, mas acredito que o objetivo do
psicopedagogo seja trabalhar com a sociedade
em geral, pesquisar a forma de aprendizagem
que existe na sociedade em geral. Devemos
[ampliar] este conhecimento que temos para a
comunidade. Por exemplo: Por que os sujeitos
têm que entrar na escola por idade e não por
capacidade? Por que não esperar o momento
em que o sujeito esteja amadurecido para
entrar no ensino fundamental ou qualquer
sistema? Quantas inteligências nós perdemos
[...] porque se cria um vínculo negativo entre o
sujeito e a situação de aprendizagem e a
escolaridade? [...] A ampliação do âmbito da
Psicopedagogia deu a possibilidade de estudar
tanto o sujeito individual em profundidade
quanto de explorar estes conceitos para o
macrossistema, que antes não tinham sido
pesquisados (VISCA, 1991, p. 14-15).
Em relação a isso, em um de seus últimos artigos, publicado
na internet, Visca (1999) comenta: "[...] é necessário se aprofundar
nos conceitos de aprendizagem grupai, institucional e
comunitária. Indivíduo, grupo, instituição e comunidade são, sem
dúvida alguma, organismos vivos que aprendem". Para concluir,
ele aponta a cultura como um âmbito mais abrangente em relação
a todos os outros. Sobre isso, faz algumas recomendações para o
milénio seguinte:
- aperfeiçoar os resultados já obtidos e abordar as
provocações futuras;
140
Clínica Psicopedagógíca
- estudar, no âmbito do indivíduo, as estruturas cognitivas e
afetivas da aprendizagem intrapsíquica;
- lembrar que tais estruturas são influenciadas pelos outros
âmbitos;
- acreditar que crianças e jovens podem ter razão;
- estudar, no âmbito grupai, o conjunto de pessoas, suas
estratégias e os mecanismos interpsíquicos da aprendizagem
intragrupal;
- estudar e pesquisar, no âmbito institucional, o conjunto de
grupos, as estratégias e os mecanismos intergrupais da
aprendizagem institucional;
- fazer a Psicopedagogia "na instituição" e "da instituição";
- pesquisar, no âmbito da comunidade, sobre o conjunto das
instituições, as estratégias e os mecanismos utilizados para a
aprendizagem comunitária;
- incorporar a cultura ao estudo dos mecanismos de
aprendizagem, como mais uma unidade de análise;
- formar equipes, com fundamentação em outras áreas, para
estudar a cultura como unidade de análise da aprendizagem;
- continuar a investigação em Psicopedagogia.
Além disso, Jorge Visca, como Pichon-Rivière, propôs um
fazer a partir dos conhecimentos que articulou e que lhe
possibilitaram fazer a leitura das situações e intervir em direção a
um processo do aprender possível.
Por esse motivo, considero que Pichon-Rivière e Jorge Visca,
com a proposta da Epistemologia Convergente, estavam à frente
de seu tempo e apresentaram, em seus escritos, propostas
fundamentadas num paradigma de conjunção, como o proposto
por Morin (1996). Este, em suas discussões sobre o conhecimento
do conhecimento, aborda:
É necessário, com efeito, que nos
apercebamos de que é muito difícil e que não é
uma tarefa individual. É uma tarefa que
necessita do encontro, da troca entre todos os
investigadores e universitários que trabalham
nestes domínios disjuntos e fecham-se como
ostras quando são solicitados. [...] O problema
não está em que cada um perca su.i
141
Jorge Visca
competência; está em que a desenvolva o
suficiente para art iculá-la com outras
competências que, ligadas em cadeia,
formariam o anel completo e dinâmico (MORIN,
1996, p. 33).
Visca não se fechou como uma ostra; pelo contrário, fez a
mala e saiu pelo mundo para contar a respeito de suas ideias,
descobertas e ações, ao mesmo tempo em que continuou sua práxis
psicopedagógica no âmbito do indivíduo, do grupo, da instituição e
da comunidade.
A sua ação psicopedagógica foi construída apoiando-se em
três níveis de abordagem: o metacientífico, ou filosófico, que traz a
convergência de conhecimentos como uma necessidade para a
compreensão do processo de aprendizagem e do aprendiz como
ele é; o científico que traz a síntese, resultado de uma discussão
dialética entre os conhecimentos convidados a convergir para a
leitura das diferentes situações de aprendizagem, sobre a qual ele
construiu uma matriz de pensamento que fundamentou sua prática
e seu olhar; e o técnico, responsável pelo desenvolvimento do
instrumental necessário para que a proposta teórica pudesse tornar-
se visível e revelar o grau de coerência existente entre a teoria e a
prática.
O ENTRELAÇAMENTO ENTRE TEORIA E PRÁTICA
Como aprendiz da Epistemologia Convergente, digo que o
grau de coerência entre o que era proposto e seus efeitos foi
bastante visível em minha aprendizagem e na de meus colegas. A
formação em Psicopedagogia fundamentada na Epistemologia
Convergente foi o período mais fecundo de todo meu processo de
aprender. O conhecimento não vinha fechado; pelo contrário, era
colocado na roda para ser questionado de todas as formas,
complementado, considerando-se as diversas realidades,
desconstruído e construído a partir dos conhecimentos e
experiências prévias das pessoas que ali se encontravam em
processo de aprender.
142
Clínica Psicopedagógica
Foi isto o que me encantou na Epistemologia Convergente:
aprender algo passível de ser sentido, percebido, vivido,
reconhecido, e poder ir além.
Visca, em sua trajetória como aprendiz, viveu muitos
percalços e, apesar de ter sido atraído à faculdade de Ciências da
Educação e à formação em Psicopedagogia a partir da série de
situações que evocavam suas dificuldades de aprendizagem e do
atendimento individualizado para compreendê-las e corrigi-las,
postulou um caminho que foi além, mostrando uma preocupação
mais ampla em relação às dificuldades para aprender.
No prefácio de seu segundo livro, Psicopedagogia: Novas
Contribuições, Visca escreveu:
Eu acredito que este livro é muito
importante para a Psicopedagogia porque os
artigos abordam uma dimensão diferente: não
mais restrita à clínica psicopedagógica, mas
estendida à utilização da Psicopedagogia no
macro sistema, para ajudar a comunidade em
geral nas suas necessidades de aprendizagens
(VISCA, 1991, p. 16).
Entendo que essa foi uma ampliação para colocar-se o foco
na aprendizagem, e não mais, apenas, nas dificuldades e nos
transtornos. De certa forma, este primeiro trabalho publicado no
Brasil foi sendo atualizado durante todo percurso de Visca junto a
nós que, embora pequeno, foi muito produtivo e fecundo.
Visca produziu conhecimento na tentativa de desvendar
novos caminhos a serem seguidos nos diferentes âmbitos de ação
psicopedagógica: o indivíduo, o grupo, a instituição, a comunidade
e a cultura - pretendendo incentivar estudos e investigações que
promovessem o avanço da Psicopedagogia. Eu mesma presenciei
empreitadas e tentativas importantes, envolvendo empresas
multinacionais, para desenvolver projetos amplos relacionados a
diferentes culturas como, por exemplo, dos índios do Paraná e dos
negros da Bahia.
Visca construiu instrumentos importantes para a compreensão
do "aprendiz como ele é". Em um de seus livros, relata-os
denominando-os como modelos, aos quais eu me refiro como
143
Jorge Visca
construções, já que a palavra modelo em nossa língua remete à
reprodução e ao fechamento. A meu ver, são ferramentas que nos
colocamem caminhos para além da patologização; são seis
construções que nos encaminham em direção à compreensão do
processo de aprendizagem de pessoas, grupos, instituições e
comunidades e à intervenção psicopedagógica mais adequada para
cada aprendiz.
Sua primeira construção - o Esquema Evolutivo da
Aprendizagem - é primorosa. Nele, Visca mostra que a evolução da
aprendizagem acontece num processo contínuo de relação do
sujeito com o mundo, o que possibilita a ele a constituição das
dimensões que comporão a condição de um ser capaz de aprender.
Esse esquema não traz nenhum indicador de patologização,
mas sim é traduzido em instrumento que ajuda na compreensão da
história de aprendizagem de um determinado aprendiz. Desde o
momento em que nasce até a entrada na instituição educacional, o
aprendiz é visto como alguém que interage e aprende, ao mesmo
tempo em que aprende e interage em diferentes níveis de
complexidade relacional e de aprendizagem. Mostra que cada nível
interfere na construção do seguinte e é construído a partir do
anterior, num verdadeiro percurso histórico. Nesse percurso, é
possível localizar a génese e a evolução das aprendizagens:
vinculares, de valores, assistemáticas e sistemáticas, o que pode
nos instrumentar para a compreensão de um processo de aprender
e das dificuldades ou transtornos que possam aparecer em seu
decorrer.
A Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem - a famosa
EOCA - foi considerada uma de suas mais ricas construções para a
compreensão do funcionamento de aprender, e vários profissionais
apoiaram-se em seu mecanismo e fundamento para construir outros
instrumentos importantes à prática psicopedagógica: EOCMEA -
Entrevista Operativa Centrada na Modalidade de Ensino e
Aprendizagem, criada por Simone Carlberg como instrumento de
levantamento de hipóteses da aprendizagem da instituição; EOCA
Motora - Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem Motora,
criada por Mari Angela Calderari de Oliveira e Maria Silvia Bacila
Winkeler com o objetivo de observar e levantar hipóteses sobre o
funcionamento da aprendizagem individual por meio do
144
Clínica Psicopcdagoqii n
movimento; EMCA-Entrevista Modular Centrada na Aprendizagem,
criada por Elizabeth Carvalho da Veiga para observar a utilização
das várias inteligências pelo aprendiz, individual ou grupai; EOFa -
Entrevista Operativa Familiar, criada pela Equipe da Síntese, Grupo
de Estudos da Aprendizagem, que objetiva compreender e levantar
hipóteses sobre a aprendizagem familiar, individual e suas relações.
Essa é uma pequena amostra de como a EOCA, somente na
cidade de Curitiba, trouxe a possibilidade de um olhar especial para
compreender o aprendiz em situação de aprendizagem, o aprendiz
situado, seja ele uma pessoa, um grupo ou uma instituição. Visca
(1991, p. 37) propõe a EOCA como um avançado substituto das provas
pedagógicas, para a compreensão do aprender de um indivíduo.
Por meio dela, identificamos indicadores do processo de
aprendizagem que vão além da simples técnica passível de ser
percebida numa prova pedagógica. No entanto, resta uma questão:
Por que será que tantos psicopedagogos ainda insistem em colocar
as provas pedagógicas nos diagnósticos que realizam e dizem-se
fundamentados na Epistemologia Convergente?
A Matriz Diagnostica do Pensamento é outra criação de Jorge
Visca que merece destaque por diferenciar-se de outras propostas
diagnosticas a partir da descrição da situação contextuai; ou seja,
parte da leitura do aprendiz e de sua aprendizagem para chegar à
descrição e à explicação histórica, passando pela análise dos
indicadores de aprendizagem e de dificuldades de aprendizagem,
pela explicação dos mecanismos que o aprendiz utiliza para
aprender, destacando também os desvios e assincronias. Além do
diagnóstico propriamente dito, todo estudo leva a uma previsão a
respeito da evolução do processo de aprendizagem e a possíveis
indicações; neste aspecto, não se diferencia muito de outros
processos diagnósticos.
Outra criação sua foi o Processo Diagnóstico. Por se apoiar na
Matriz Diagnostica do Pensamento, em vez de iniciar pela Anamnese,
que levanta a história do aprendiz, inicia pela EOCA, que permite a
descrição da situação contextuai e o levantamento das hipóteses
sobre o modo como aquele aprendiz aprende. Todo o processo
diagnóstico é desenvolvido a partir do Primeiro Sistema de Hipóteses
que surge da aplicação da EOCA, o que caracteriza o plano científico
da proposta de Visca, pois os instrumentos escolhidos para a pesquis.i
145
Jorge Visca
da aprendizagem de um aprendiz são sempre decorrentes da
observação do sujeito em situação de aprendizagem. É um processo
diagnóstico personalizado e extremamente dinâmico que exige do
psicopedagogo uma capacidade de observação apurada e uma
investigação criteriosa.
O Processo Corretor é outra das suas criações fundamentadas
em uma epistemologia convergente. Também é muito diferente
de outros processos, utilizando-se de recursos psicopedagógicos
de caráter objetivo e subjetivo: traz a Caixa de Trabalho, como
recurso de intervenção psicopedagógica de caráter objetivo, e
apresenta recursos psicopedagógicos de caráter subjetivo que são
utilizados na interação do psicopedagogo com o aprendiz. O
processo corretor não propõe nenhum tipo de treino, nem uso de
metodologias específicas para cada tipo de dificuldade. Cada
aprendiz é visto na sua especificidade, e a Caixa de Trabalho é
organizada a partir do perfil de cada um; além disso, as intervenções
não são programadas previamente, mas surgem da situação que se
apresenta. Por isso, mais do que usar uma técnica ou um método, o
psicopedagogo, nesta concepção trazida por Visca, precisa aprender
a ler situações e situados, precisa desenvolver uma concepção de
mundo, de ser humano, de educação e de aprendizagem.
A sexta construção de Visca diz respeito ao Quadro
Nosológico, o qual resume a compreensão da aprendizagem e das
suas dificuldades partindo do que podemos observar, passando pela
identificação dos possíveis obstáculos e mecanismos que levam
àquela forma de aprender, ou não aprender, até chegar às causas
históricas que podem ser identificadas tanto no âmbito do organismo
biológico, como no nível psicológico.
O que desejo, nesse capítulo, além de ratificar a importância
e a seriedade do trabalho desenvolvido por Jorge Visca, é propor
uma parada para analisar o Modelo Nosográfico, que se traduz no
Quadro Nosológico, a fim de colocar o foco em alguns detalhes, os
quais eu considero importantes para a "despatologização" da
aprendizagem e da prática psicopedagógica. Essa criação pode levar
à crença de que dificuldades para aprender são patologias,
justamente por ter a intenção de analisar as causas atuais das
dificuldades de aprendizagem que possuem potenciais para serem
patologias, ao que Visca chamou de patologizantes. Visca mostra
146
Clínica Psicopcdaqtitin u
que um indicador de dificuldade para aprender pode possuir como
causa histórica desde uma conduta reativa até um quadro psicótico,
ou mesmo causas orgânicas ligadas a síndromes, distúrbios
metabólicos, disfunções neurológicas e outros.
Nosológico é um termo que, em português, refere-se à
classif icação de doenças. Como o quadro que apresenta é
nosológico, retratando as várias possibilidades de causas de
dificuldades para aprender, Visca não aprofundou o estudo referente
às causas de caráter cultural, por entender que as mesmas não são
patologizantes. Em suas aulas, dizia que os obstáculos
epistemológicos não eram patologizantes, mas eram os mais comuns
na análise das dificuldades de aprendizagem.
Visca construiu esse modelo sobre um modelo médico, ao
qual, provavelmente, teve acesso na época. Mesmo havendo todo
um esforço de sua parte para ampliar o alcance da Psicopedagogia,
os termos dos quais se utiliza para explicar e descrever o processo
de conhecer e aprender dos aprendizes podem remeter os
desavisados à doença. Embora a estrutura desse instrumento seja
fantástica, pois nos faz partir da situação para a história e da história
paracompreender a situação, muitos estudiosos criticam-no por
não conhecerem o suporte que ele pode dar para a compreensão
do aprendiz e sua aprendizagem.
Creio que possamos desenvolver um estudo para que, em
vez de ter somente um quadro nosológico que, indiretamente,
remete à doença, tenhamos, também, um quadro de análise da
aprendizagem que nos remeta aos diferentes estilos de aprender,
às estratégias utilizadas pelo aprendiz, às suas diferenças funcionais,
cujas causas históricas remetam-nos aos âmbitos cultural,
comunitário, institucional, grupai e individual, em direção à saúde.
Em nossa prática psicopedagógica, introduzimos
instrumentos que possuem essa função. A Entrevista Operativa
Familiar - EOFa - leva-nos a conhecer as crenças e os valores da
família, sua forma de comunicação e de aprendizagem, para
compreender a forma de aprender do aprendiz e suas facilidades e
dificuldades; a Observação do Aprendiz em Situação de
Aprendizagem Escolar dá pistas sobre a forma como se ensina e
aprende naquela instituição, assim como sobre as possíveis relações
com a forma de aprender de um determinado aprendiz.
147
Jorge Visca
Se as questões ligadas à cultura fizessem parte do quadro, se
ele não fosse apenas um quadro nosológico, penso que haveria
mais chances para que os indicadores de dificuldades para aprender
não fossem somente lidos a partir de causas potencialmente
patológicas.
Visca também tinha esta preocupação: no quadro auxiliar
que apresentava durante nossa formação, trazia um espaço para o
registro do obstáculo epistemológico, o obstáculo de caráter
cultural. Infelizmente, pelo menos aqui em Curitiba, ele foi
deturpado, e a dimensão cultural foi substituída por uma dimensão
pedagógica, o que reduz e simplifica o único e principal elemento
do estudo dos obstáculos à aprendizagem que pode fortalecer uma
Psicopedagogia não patologizante. O âmbito da cultura pode
explicar a mudança no processo atencional, a inquietação e muitas
condutas que têm sido construídas na relação com a cultura do
instantâneo, do efémero, do consumo e do descarte, além de
possibilitar uma leitura diferenciada daquela que diagnostica,
classifica e medica.
EPISTEMOLOGIA CONVERGENTE - NOVAS PROPOSTAS
[...] outra meta da Psicopedagogia, em
geral, e da Epistemologia Convergente, em
particular, é a de fundar núcleos de assistência,
docência e investigação que social izem,
democratizem e humanizem o nosso fazer
psicopedagógico (VISCA, 1999).
É nítida a ampliação que Visca faz da visão inicial, mais voltada
para a ação no espaço do consultório, indo para além do indivíduo e
da sua dificuldade. Portanto, é na direção dessa ampliação que
caminham os esforços de seus alunos, agora profissionais que lutam
pela atualização desse olhar tão ousado.
O fazer psicopedagógico no terceiro
milénio - também visto na perspectiva da
Epistemologia Convergente-traz conjuntamente
148
Clínico Psicopt'da<i(tqn u
dois desafios principais e indissociáveis:
aperfeiçoar os resultados alcançados e abordar
as eventuais provocações do futuro (VISCA, 1999,
p. 03-04).
Nosso desafio tem sido lutar contra uma visão apoiada num
paradigma disjuntivo que fragmenta o aprendiz, fragmenta o
conhecimento a ser aprendido e fragmenta a compreensão do processo
de aprendizagem. Nosso desafio tem sido trazer à discussão um
paradigma de conjunção, por meio do qual podemos articular
conhecimentos, compreensões, diferentes leituras e contribuir para a
compreensão da aprendizagem como um processo que pode se
diferenciar, dependendo do aprendiz, da sua história, do contexto com
o qual interage, da cultura na qual está mergulhado e, principalmente,
da relação que estabelece com este mundo tão dinâmico.
A génese de nossa prática psicopedagógica situada na
Epistemologia Convergente permitiu algumas construções, as quais
trarei apenas como testemunhas de que é possível manter viva
uma concepção e atualizá-la por meio de discussões e de práticas.
Não vou aprofundá-las, pois este não é o fórum apropriado, uma
vez que este livro é do nosso mestre, e não é nosso.
Além dos dois instrumentos inspirados na EOCA criada por
Visca, a EOCMEA e a EOFA, a Equipe da Síntese desenvolveu outros
estudos, tais como a sistematização das Atitudes Operativas, o
desenvolvimento de um instrumento chamado Observação
Operativa, o uso da consigna como um instrumento capaz de
desenvolver a operatividade no aprendiz; realiza a Ciranda de
Educadores, no mínimo uma vez por ano, desde 1999, para estudar
e discutir temas da contemporaneidade - mídia, disciplina, limites,
consumo, sexualidade, dependência, valores humanos, a pedagogia
e a lei, entre outros; pesquisa junto a uma universidade, desde
2005; mantém grupos de estudos, sendo um deles atrelado à ação
comunitária; oferece um curso livre de Formação em Teoria e Técnica
de Grupos Operativos, um curso de Aperfeiçoamento em Clínica
Psicopedagógica fundamentado na Visão Sistémica e na
Epistemologia Convergente, um curso de Coordenação de Grupos
de Aprendizagem; estuda sobre o sujeito cognoscente e s u.r,
elaborações simbólicas, a partir do livro de Maria Cecília de Almeida
e Silva, que também foi aluna de Visca.
149
Jorge Visca
Como finalização, quero dizer ao Professor Jorge Visca:
"Muito obrigada! Obrigada por todo suporte que nos deu; obrigada
por pensar e viver a Psicopedagogia; obrigada por humanizar a
prática psicopedagógica!"
Tenho certeza de que alguém que disse: "As únicas coisas
que possuo são o meu corpo, minha saúde mental e minha
capacidade para aprender" concordaria com nossos
questionamentos e com as atualizações que temos realizado.
Lamentamos, no entanto, não podermos fazer isso tudo juntamente
com o criador de todas as ideias mostradas nessa obra.
150
Clínica Psicopedagógica
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