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Daniela Pimenta 1 Bioquímica da avaliação hepática Lesão e função hepática – avaliação hepática Do ponto de vista clínico, as perturbações que levam a alterações a nível hepático não se fazem sentir apenas enquanto perturbação das funções hepáticas, mas também, e talvez a maioria dos danos que ocorrem, devido à morte celular. Existem dois tipos de células que clinicamente são de uma importância extraordinária para podermos estudar como se encontra, do ponto de vista fisiológico, saúde ou doença, o fígado. Essas células são os hepatócitos e as células dos canalículos biliares (células das vias biliares). Na maior parte das situações, são estas células as afetadas por aquilo que causou dano ao fígado. No interior destas células existem as enzimas e aquando da ocorrência de dano celular, enzimas libertam-se. No entanto estas enzimas intracelulares não são específicas de nenhuma das células referidas anteriormente. As enzimas incluem as aminotransferases (alanina aminotransferase e aspartato aminotransferase), a fosfatase alcalina (ALP) e a GamaGT. Contudo, nenhuma destas enzimas é específica para o fígado, ou seja, não se libertam para a corrente sanguínea apenas através do fígado. O rim, o músculo esquelético e o músculo cardíaco podem produzir também estas enzimas. Assim, quando estas enzimas estão aumentadas na corrente sanguínea, pode não significar lesão hepática, mas sim lesão noutro órgão. Não é possível definir o dano hepático apenas por estas enzimas intracelulares. Para saber se a presença destas enzimas na corrente sanguínea é devida ao dano hepático, são necessários outros parâmetros que sofram alteração em consequência do dano destas células. Dentro das alterações que ocorrem a partir do dano destas células temos aquelas que dizem respeito à função hepática. Com extrema importância em termos clínicos existem 4 funções hepáticas: Daniela Pimenta 2 Testes baseados na função de excreção – avaliada através da capacidade de biotransformação da bilirrubina. A função de excreção é exclusiva do fígado e é definida pela bilirrubina. Deste modo, se as transaminases e γ-GT estiverem aumentadas e se houver aumento da bilirrubina, conclui-se que estas alterações se devem a uma alteração da função hepática. No entanto, se não houver alteração da bilirrubina, a presença das enzimas na corrente sanguínea deve ser avaliada em conjunto com outros biomarcadores que permitem saber se é uma alteração a nível do músculo ou rim. Testes baseados na função de síntese – avaliada através da quantificação da albumina, trombina e protrombina. Este teste é específico da função hepática e pode ser combinado aos anteriores, de forma a perceber se as alterações nas transaminases, ALP e γ-GT se devem a perturbações a nível hepático. Quando ocorrer uma diminuição da síntese da albumina, para se ter a certeza de que a função de síntese de proteínas a nível do fígado está alterada tem de se combinar a avaliação da albumina com o tempo de protrombina. Desta forma, a combinação da avaliação das transaminases, ALP e γ-GT com os testes de função de síntese permite já alguma especificidade. Testes baseados na função de desintoxicação – avaliada através da determinação de amónia. No metabolismo das proteínas é libertado um grupo amina que não pode permanecer no organismo, dado ser altamente neurotóxico, e é o fígado quem o tem que transformar em ureia. Para avaliarmos esta capacidade em eliminar moléculas que sejam prejudiciais ao organismo, fazemos a determinação da amónia. Testes baseados na função metabólica – medição da glicémia. Quando o fígado deixa de produzir energia, deixa de produzir intermediários necessários para as nossas células produzirem moléculas essenciais ao seu funcionamento, e morrem. Para além da função metabólica energética há também a função metabólica responsável pela Daniela Pimenta 3 cedência de glucose, assim, pela determinação da glicémia podemos avaliar o fígado do ponto de vista metabólico. São necessários marcadores que sejam específicos e que estejam relacionados com alterações da função hepática. Percebe-se que é necessário fazer uma combinação de testes de função hepática que nos permitam dizer se a GamaGT e as transaminases são de origem hepática → testes de síntese. Muitas das funções hepáticas são efetuadas pelos hepatócitos. Se estas células morrerem, ocorre alteração nas funções do fígado. Na maioria das vezes, as perturbações nas funções hepáticas resultam se uma lesão celular prévia. Se houver uma lesão nos hepatócitos as enzimas intracelulares são libertadas e as funções dos hepatócitos também deixam de ser desempenhadas. Pelo que a avaliação hepática tem de ser feita pela combinação destes dois tipos de testes (lesão celular e função hepática), onde as enzimas nos permitem avaliar o dano hepatocelular e os metabolitos nos permitem avaliar a função hepática. Alterações nas transaminases, na fosfatase alcalina e na gamaGT devem-se a uma lesão a nível hepático quando temos biomarcadores da função que são específicos no fígado, entre eles a biotransformação da bilirrubina. Se houver uma alteração nestas enzimas resultantes de um dano celular e ao mesmo tempo houver uma alteração na bilirrubina, isto garante-nos que o órgão que está a ser afetado é o fígado. Se as aminotransferases estiverem presentes na corrente sanguínea e existir também bilirrubina, a lesão é a nível hepático, mas se houver apenas as enzimas, não podemos afirmar que é uma lesão hepática. Para afirmar alterações da função hepática, podemos recorrer à verificação dos níveis de bilirrubina ou de albumina, uma vez que são os mais específicos. A glicémia, assim como a quantidade de amónia, não são específicos (por exemplo, a glicémia aumenta no pós-prandial, e em casos de falha na síntese de insulina, e a amónia aumenta em casos de hemorragia). As funções exclusivas do fígado e que conferem especificidade às enzimas intracelulares são o aumento da bilirrubina e falhas a nível proteico, nomeadamente na albumina, trombina e protrombina. Daniela Pimenta 4 Anatomia e fisiologia hepática O fígado é dividido em lobos que são estruturas constituídas por unidades funcionais hepáticas, os lóbulos. Os lóbulos são estruturas hexagonais, com fileiras de hepatócitos (unidade funcional). Em cada em cada vértice dos lóbulos encontra-se uma tríade portal (em cada lóbulo existem 6 tríades) – conjunto da veia porta hepática, da artéria hepática e do ducto biliar. No centro de cada lóbulo, onde estas tríades se ligam, à exceção dos canalículos biliares (ducto biliar), a veia porta e a artéria hepática reúnem-se na artéria central, que permite o fluxo sanguíneo. A veia e a artéria formam os sinusoides que banham os hepatócitos. Esta estrutura permite que os hepáticos estejam simultaneamente em contacto com a veia porta, a artéria hepática e o canalículo biliar. Na veia porta circula o sangue (80%) que transporte tudo o que é absorvido a nível do intestino, o fluxo de sangue transporta todos os nutrientes, tóxicos, xenobióticos, fármacos, entre outros. Na artéria hepática circula o sangue arterial (20%), rico em oxigénio, que se junta com a veia porta hepática e forma os sinusoides. Neste espaço que constitui os sinusoides, todas as substâncias anteriormente mencionadas são fornecidas aos hepatócitos. Nos sinusoides existem as células de Kupffer que impedem que eventuais microrganismos da flora intestinal (foram absorvidos no intestino) atinjam a corrente sanguínea. Daniela Pimenta 5 Os hepatócitos estão em contacto com ambos os constituintes da tríade, o que permite que tudo aquilo que é necessário ao organismo segue para a veia central, a partir dos sinusoides, e de seguida para a circulação sanguínea. Por outro lado, tudo o que não é necessário ao organismo, é eliminado através dabílis. Caso ocorra obstrução dos canalículos, ou de outra porção da arvore biliar, aquilo que o organismo não consegue eliminar acumula-se, podendo acabar por atingir os hepatócitos, causando-lhes toxicidade, culminando na sua morte, e consequentemente ocorre perturbação da função hepática. Anatomia e fisiologia hepática – arvore biliar A arvore biliar é formada pelos canalículos biliares, pelos ductos hepáticos (ductos biliares intra-hepáticos) e pelo ducto biliar comum (pós-hepático). Os hepatócitos, ao fazerem o seu processo de biotransformação, secretam moléculas que não são necessárias ao organismo para os canalículos biliares. A nível intra-hepático, em contacto com os hepatócitos estão os canalículos biliares que fundem nos chamados ductos biliares (esquerdo e direito) que depois fundem no ducto biliar comum/ducto colédoco. As patologias a nível hepático podem ser de caracter intra-hepático ou pós-hepático. Constituição da bílis Vai ser com base nas alterações dos constituintes da bílis que podemos também encontrar diferentes patologias a nível hepático. Na composição da bílis existe essencialmente: Água – meio aquoso; Sais biliares – derivados do colesterol, são drenados pela bílis no intestino para a digestão e absorção dos lípidos; Pigmentos da bílis (bilirrubina e biliverdina); Colesterol da dieta; Eletrólitos. Daniela Pimenta 6 Um dos grandes problemas relacionado com patologias hepáticas está diretamente relacionado com o colesterol da dieta. Quando falamos em colesterol temos de pensar nas suas duas origens, a sua origem exógena pela dieta (colesterol exógeno), ou endógena (colesterol endógeno), aquele que sintetizamos. O colesterol proveniente da dieta pouco altera os padrões de colesterolemia, isto porque o colesterol absorvido permanece na composição dos quilomícrons remanescentes, sendo, após metabolização hepática, secretado na bílis. Para além disso, os esteróis vegetais competem com o colesterol para a incorporação nas micelas, reduzindo a entrada de colesterol no organismo. Por isso, os padrões de hipercolesterolemia não advêm do consumo direto de colesterol da dieta. Os lípidos, para serem absorvidos, têm de ser metabolizados, num processo de digestão/catabolismo. Esse processo ocorre a nível do lúmen intestinal. Os triglicerídeos, por ação das lípases, são degradados em glicerol e ácidos gordos. O colesterol que é esterificado (da dieta) tem de ser hidrolisado a ácidos gordos e colesterol livre, processo realizado pela colesterol esterase. O glicerol, os ácidos gordos e o colesterol livre resultantes do processo de digestão (os únicos de natureza lipídica que se formam neste processo) são absorvidos a nível da mucosa intestinal e passam para as células intestinais, os enterócitos. Como estes lípidos não são solúveis, os enterócitos passam a sintetizar apolipoproteínas, as chamadas Apo E, C e Apo B-48 (estruturas que garantem a estabilidade dos lípidos). Estas Apo B-48 conseguem formar estruturas, os quilomícrons com os triacilgliceróis e o colesterol esterificado que foram sintetizados no interior dos enterócitos. Estas moléculas, por serem hidrofóbicas, não se podem manter no meio aquoso das células e, portanto, têm de ser estabilizadas na forma de lipoproteínas, à custa das Apo B-48. Daí resultam moléculas de grande dimensão, os quilomícrons, que, por terem um tamanho muito Daniela Pimenta 7 grande, não entram pela veia porta hepática, como a maior parte das moléculas que são absorvidas no intestino, por outro lado, passam para o sistema linfático e é a partir deste sistema que atingem a corrente sanguínea. Quando os quilomícrons entram na corrente sanguínea, a lipoproteína lípase hidrolisa-os em glicerol e ácidos gordos. Os ácidos gordos, no pós-prandial serão utilizados novamente para a síntese de triacilgliceróis que se vão armazenar no tecido adiposo, e o colesterol fica agora nos quilomicrons remanescentes. O fígado possui os LPR, que são recetores que reconhecem as Apo B-48, e a partir destas captam os quilomícrons remanescentes para o fígado. A nível do fígado, este colesterol será usado na síntese de moléculas, tais como sais biliares, vitamina D, hormonas esteroides e o colesterol endógeno. O colesterol que já não é necessário para a síntese de novas moléculas vai fazer parte da bílis e, de seguida, é drenado para o intestino e excretado nas fezes. O colesterol endógeno é o responsável pelos mecanismos de aterosclerose, que é fator de acidentes cardiovasculares, derrames, enfartes do miocárdio, entre outros. Para que este colesterol não seja nefasto ao nosso organismo, existe um mecanismo que capta o colesterol que se encontra nas LDL. No fígado existem os recetores das LDL que, ao captarem essas LDL, permitem que o colesterol presente no seu interior, suscetível de induzir patologias, passe para o fígado, onde segue os mesmos processos do colesterol da dieta. Enquanto houver recetores das LDL que captem essas LDL, o colesterol não tem efeitos nocivos para o organismo. Um dos processos, e principais causas, dessas patologias ocorre quando temos deficiências, sejam elas, ou não, hereditárias. Um exemplo é quando temos deficiências no turnover dos recetores das LDL. Uma das causas que pode levar a esta deficiência no turnover dos recetores das LDL é o excesso de colesterol da dieta. Este excesso chega ao fígado e impede-o de fazer o turnover dos recetores das LDL, resultando numa captação de LDL diminuída. Assim, os níveis de colesterol na corrente sanguínea vão aumentando, acabando por atingir os tecidos, onde se acumula e desencadeia os processos de obstrução dos capilares, dando origem às doenças cardiovasculares. Cálculos biliares Daniela Pimenta 8 Os cálculos biliares são a causa de diferentes patologias que iremos encontrar a nível hepático. Da informação acima referida, sabemos que na bílis é excretada a água, o colesterol, os sais biliares e a bilirrubina. São estas moléculas que são a principal causa da formação de cálculos biliares (principal causa da obstrução da rede biliar) seja quer a nível intra-hepático quer a nível pós-hepático. As situações de obstrução biliar são conhecidas como colestases, tanto podem ocorrer nos canalículos intra-biliares, no ducto hepático ou no ducto biliar comum, após a vesícula. Uma das principais causas da colestase é a desidratação, ou seja, remoção da água da bílis, o que conduz ao aumento da facilidade de precipitação de sais biliares, colesterol e bilirrubina. Existem também fármacos hiperbilirrubinémicos, que ao não serem completamente biotransformados (fígado → corrente sanguínea → rins → urina) não tornam as moléculas suficientemente hidrofílicas para serem eliminadas, sendo transportados pela bilirrubina para a bílis onde precipitam formando cálculos de origem medicamentosa. A causa mais comum de colestase é uma dieta rica em colesterol, que leva ao acumulo de colesterol na bílis. Quando a bílis é secretada no intestino, a maior parte é reabsorvida (80%) e os seus componentes são reciclados voltando a fazer parte da constituição da bílis. Apenas 20% é eliminada nas fezes. Por isso quando falamos em cálculos hepáticos, devemos lembrar- nos destes 3 constituintes: colesterol da dieta, bilirrubina e sais biliares. Há processos inflamatórios (colecistite) que são originados a partir das colestases que interrompem a passagem da bílis, e são detetados com ecografias. Os biomarcadores não nos permitem detetar as colestases. Classificação das patologias hepáticas Dano citotóxico – Todas as situações hepatocelulares, lesão dos hepatócitos e das células dos canalículos biliares. Patologias que envolvem e levam ao aumento da bilirrubina na corrente sanguínea (hiperbilirrubinémia – pode levar a icterícia): colestases; hiperbilirrubinémias em quea causa poderá estar relacionada com falhas na biotransformação da bilirrubina; Daniela Pimenta 9 situações em que haja uma desregulação na síntese das proteínas; situações de hemólise (causa pré-hepática). Distúrbios da função hepática – capacidade de síntese de proteínas ou da homeostase da glucose. As patologias que tiverem uma origem hepatocelular hão de ser caracterizadas com base nas enzimas intracelulares que existem nas células que sofreram lesão, se forem hepatócitos libertar-se-ão transaminases/aminotransferases, se forem células a nível dos canalículos biliares aparecerão aumentados na corrente sanguínea gama-GT e fosfatase alcalina. No entanto já sabemos que a estes marcadores de lesão celular é necessário adicionar testes que avaliem a função hepática. A rotina bioquímica inclui a avaliação das bilirrubinas, das aminotransferases (ALT e AST), da fosfatase alcalina, da gama-GT, das proteínas totais e da albumina. No entanto, quando não existe alteração da bilirrubina, mas existe uma alteração da albumina, só é um problema a nível hepático se o tempo da protrombina estiver aumentado, pois significa que o fígado teve problemas na sua função de síntese. A albumina pode diminuir na corrente sanguínea devido a casos de insuficiência renal, catabolismo proteico ou processos carcinogénicos, e por isso, quando é o único marcador da função hepática avaliado em separado, não é um indicador específico de problemas na função de síntese hepática. A lactato desidrogenase (LDH) é uma enzima da via glicolítica, presente em todas as células. O seu aumento significa lesão celular, no entanto é um biomarcador inespecífico. As enzimas que detetam colestases são as enzimas presentes nas células das vias biliares. A fosfatase alcalina está associada a membranas e superfícies celulares, existindo na mucosa do intestino, no osso, no fígado (na membrana dos canalículos biliares), no rim e na placenta (aumenta no sangue materno no 3º trimestre da gravidez). Daniela Pimenta 10 Níveis aumentados desta enzima não significam lesão a nível hepático, no entanto, associada à Gama-GT (marcador sensível, mas não específico da doença hepática) pode ser indicador de lesão das vias biliares – elevação concomitante de ambas as enzimas. As duas enzimas aumentadas não implicam necessariamente lesão hepática, uma vez que não possuem elevada especificidade sendo necessário avaliar também a função hepática. Testes de função hepática Testes baseados na função hepática – biotransformação do HEME A bilirrubina é um produto da biotransformação do HEME com elevada importância, uma vez que é um potente citoprotetor dos tecidos (tecido nervoso e miocárdio), é um forte antioxidante scavenger de radicais peroxilo e é um importante biomarcador da função excretora hepatobiliar. Este processo de biotransformação envolve 4 etapas: Formação da albumina (reações de fase I); o transporte no plasma; a fase hepática (reações de fase II) e por fim a excreção no intestino. Fase I: bilirrubina não conjugada (é insolúvel) é transportada na corrente sanguínea ligada à albumina. Fase II: ocorrem reações de conjugação. Ligam-se moléculas mais solúveis para tornar a bilirrubina solúvel e assim ser mais facilmente excretada Hemeproteínas são proteínas que possuem o heme (grupo prostético), que é constituído por ferro e quatro anéis pirrólicos. Alguns exemplos destas proteínas são a hemoglobina e a mioglobina. I. Formação da bilirrubina Daniela Pimenta 11 A hemoglobina dos eritrócitos corresponde a 90% da origem da bilirrubina. Ao fim de 120 dias o eritrócito é fagocitado pelo macrófago, que degrada a hemoglobina. As cadeias de aminoácidos são recuperadas a nível fisiológico (são reutilizados), e o grupo heme é transferido para locais onde pode ser armazenado ou metabolizado. O grupo heme sofre oxidação, obtendo-se o ferro e a biliverdina (conjunto de anéis pirrólicos). A biliverdina é reduzida pela ação da biliverdina redutase, levando à formação da bilirrubina não conjugada. II. Transporte da bilirrubina no plasma A bilirrubina não conjugada formada na fase 1 é secretada para a corrente sanguínea e, sendo hidrofóbica, é transportada ligada à albumina, que a leva para os hepatócitos que possuem recetores específicos. III. Fase hepática Daniela Pimenta 12 A albumina é identificada a nível hepático, havendo dissociação do complexo bilirrubina- albumina e posteriormente a sua captação pelos hepatócitos, formando a bilirrubina livre. Como a bilirrubina não conjugada é insolúvel, tem de ocorrer a sua conjugação de maneira a aumentar a solubilidade. A bilirrubina é conjugada com 2 moléculas de ácido glucurónico, através de uma reação catalisada pela glucuroniltransferase (GT), formando a bilirrubina conjugada que já é solúvel. Depois de conjugada, a bilirrubina é secretada por transporte ativo para os canalículos biliares que a drenam nos ductos biliares. IV. Excreção no intestino Quando a bilirrubina chega ao intestino, as enzimas das bactérias vão reduzir a bilirrubina a urobilinogénio que é incolor. Na presença de oxigénio forma urobilina e por ação das bactérias (anaerobiamente) forma estercobilina, sendo estas duas moléculas coradas e as responsáveis pela cor das fezes (pigmentos). Isto é importante porque muitas vezes conseguimos detetar o problema pela cor das fezes. Nem toda a estercobilina e urobilina é eliminada nas fezes. O urobilinogénio que se formou no intestino leva à formação de urobilina e estercobilina, só que cerca de 30% deste urobilinogénio é reabsorvido pela veia porta (por onde se faz a absorção dos nutrientes a nível do intestino), entra novamente no intestino, vai para os hepatócitos, que secretam 20% dele na bílis. Contudo, parte do urobilinogénio (10%) fica na corrente sanguínea, vai pela veia central dos lóbulos e entra na circulação geral e, desta forma, é filtrado a nível do rim e aparece na urina. Deste modo, devido ao circuito entero-hepático do urobilinogénio, a presença de urobilina na urina é uma situação normal (se não houver urobilina na urina é sinal que ocorreu uma alteração/perturbação e está-se perante uma patologia). Daniela Pimenta 13 Resumo da biotransformação do heme Perturbações na biotransformação da bilirrubina - Hiperbilirrubinémia Como já descrito acima, perturbações na biotransformação da bilirrubina levam a hiperbilirrubinémias. As hiperbilirrubinémias podem ser pré-hepáticas, intra-hepáticas ou pós- hepáticas e as principais causas incluem: hemólise e défice de albumina ou ligandina (défice no transporte); captação hepática prejudicada (geralmente induzida por medicamentos), problema com a ação da glucuroniltransferase e a secreção defeituosa da bilirrubina (hepáticas); obstrução pós-hepática. As hiperbilirrubinémias não são sinónimas de icterícia, mas a primeira pode levar à segunda. Hiperbilirrubinémia pré-hepática Podem resultar de hemólise ou da captação hepática prejudicada. A hemólise aumenta a libertação de hemoglobina dos glóbulos vermelhos – normalmente existe o aumento do bilirrubina não conjugada e o fígado tem dificuldade em conjugar quantidades maiores do que a normal. Neste caso existe hiperbilirrubinémia não conjugada, mas o fígado continua a conjugar a bilirrubina. A bilirrubina conjugada é excretada na bílis, originando urobilinogénio, assim apesar desta hiperbilirrubinémia não conjugada existe urobilinogénio nas fezes e urina. Daniela Pimenta 14 A captação hepática prejudicada é induzida principalmente por fármacos – através da ligação às proteínas ou bloqueio dos recetores de captação (rifampicina, antibiótico) ou devido à deficiência na síntese proteica (albumina) → hiperbilirrubinémia não conjugada. Neste caso não há entrada da bilirrubina no fígado, logo nãose forma bilirrubina conjugada nem urobilinogénio. – Diferente da hiperbilirrubinémia anterior. Não há alteração a nível das transaminases, da GGT e da ALP pois os danos são a nível pré- hepático, não ocorrendo danos a nível hepático. Hiperbilirrubinémia intra-hepática Surge devido a alterações no metabolismo hepático da bilirrubina. Devido ao défice na captação de bilirrubina pelos hepatócitos → aumento da bilirrubina não conjugada. Devido ao défice na conjugação hepática → aumento da bilirrubina não conjugada. Devido ao défice na secreção de bilirrubina no canal biliar → aumento da bilirrubina conjugada. Há uma hiperbilirrubinémia conjugada, e a bilirrubina conjugada vai acumulando-se, ficando o hepatócito segundo efeito citotóxico, havendo lesão celular e aumento de ALT. Este aumento da ALT permite distinguir uma hiperbilirrubinémia conjugada intra-hepática de uma pós-hepática. Nesta alteração, existe bilirrubina conjugada na urina (devido ao seu acúmulo passa para a corrente sanguínea sendo eliminado na urina) e existe também urobilinogénio na urina uma vez que, apesar da secreção estar deficiência, ainda ocorre (está presente, mas diminuído). Hiperbilirrubinémia pós-hepática Resultam sempre de uma obstrução na arvore biliar. Surge devido a: obstrução dos ductos biliares (hepatopatia); por cálculo biliar no ducto cístico, quistos hepáticos, hiperplasias no pâncreas, pancreatite ou por colestase (diminuição da libertação da bilirrubina no intestino, levando a icterícia colestática). Daniela Pimenta 15 Nestes casos não chega bilirrubina conjugada ao intestino e não se forma urobilinogénio nas fezes nem na urina. A bilirrubina acumula-se nos ductos e canalículos, acabando por causar dano nas células e consequentemente o aumento da GamaGT e da ALP. Á medida que a bilirrubina se acumula na arvore biliar, passa para a corrente sanguínea e é secretada na urina – hiperbilirrubinémia conjugada. O hepatócito não é afetado inicialmente. Quando a bilirrubina atinge os hepatócitos provoca dano nos mesmos, ocorrendo também o aumento da ALT e no limite pode originar também uma hipebilirrubinémia não conjugada. O ducto biliar comum atravessa toda a cabeça do pâncreas antes de chegar ao intestino. Em processos cancerígenos ocorre proliferação anormal das células cancerígenas acabando por causar a compressão do ducto biliar. A presença de bilirrubina na urina torna-a escura. Nestes casos não há urobilinogénio nas fazes (acolia fecal) nem na urina. Icterícia medicamentosa Indivíduos com deficiência CYP350 (glucuroliltranferase) não conseguem efetuar a conjugação para tornar as moléculas mais hidrossolúveis – as substâncias permanecem hidrofóbicas. Esta icterícia deve-se à interferência do transporte, conjugação e excreção. Há imensos fármacos que induzem hiperbilirrubinémia por todos os mecanismos já estudados (situações de icterícia, colestase e intra-hepático) e isto é tanto mais frequente quando o indivíduo tem deficiência na enzima que faz a conjugação (glucoroniltransferase), pois esta é muito sensível ao desenvolvimento de icterícias intra-hepáticas e pós-hepáticas de origem medicamentosa. Daniela Pimenta 16 A icterícia pré-hepática está relacionada com a hemólise ou o transporte, e este pode estar associado a uma deficiência na síntese de albumina pelo fígado (síntese de proteínas ocorre a nível hepático). A icterícia intra-hepática está relacionada com os mesmos mecanismos que para as colestases patológicas de origem não medicamentosa. O mesmo acontece para a icterícia pós- hepática. As colestases de origem medicamentosa podem ser intra ou pós-hepáticas, sendo que não têm qualquer diferença relativamente aos processos que as originam. A diferença ocorre apenas ao nível dos biomarcadores: se os fármacos precipitarem nos ductos biliares a nível intra-hepático temos fosfatase alcalina; se ocorrer a nível pós-hepático só temos fosfatase alcalina se essa obstrução já estiver prolongada no tempo. Existem fármacos que ligam à bilirrubina não conjugada. Essa bilirrubina pode sofrer conjugação e o fármaco é eliminado na bílis juntamente com a bilirrubina. O fármaco precipita e também origina hiperbilirrubinémia conjugada. Se não ocorrer conjugação da bilirrubina o fármaco precipita a nível intra-hepático (mais comum nos indivíduos com deficiência na glucuroniltransferase). Um indivíduo com aspeto ictérico (pele e olhos amarelos) é indicador de alguns dias de acumulação de bilirrubina. Icterícia Neonatal A hiperbilirrubinémia não conjugada e icterícia são comuns. Causas fisiológicas: A enzima que conjuga a bilirrubina (UDP-glucuroniltransferase) é ainda deficiente no nascimento – principal causa de hiperbilirrubinémia não conjugada; A ligação da bilirrubina à albumina é inferior à do adulto (fígado em desenvolvimento); Presença de β-glucuronidase no leite materno desconjuga os glucoronídios da bilirrubina. Daniela Pimenta 17 A icterícia causada pelo leite materno deve-se ao facto de haver um aumento da absorção da bilirrubina conjugada. Esta passa para o fígado e para a corrente sanguínea onde é desconjugada devido à presença de uma enzima do leite. Kernicterus ou encefalopatia bilirrubínica A icterícia não afeta o sistema nervoso central em adultos, uma vez que a bilirrubina não atravessa a barreira hematoencefálica. Nos recém-nascidos a barreira hematoencefálica é imatura e por isso a bilirrubina não conjugada pode entrar no tecido cerebral. A bilirrubina não conjugada é tóxica para o sistema nervoso e por isso provoca encefalopatias irreversíveis. Tratamento: exposição da pele do recém-nascido à luz fluorescente azul que converte a bilirrubina em isómeros hidrossolúveis que podem ser excretados na bílis sem conjugação. Hiperbilirrubinemias genéticas A bilirrubina está elevada no sangue devido a defeitos herdados na via metabólica da bilirrubina. São classificados 3 tipos de síndromes diferentes. Síndrome de Gilbert Deficiência na glucoroniltransferase com defeito no transporte para o fígado. Ocorre em 2 a 7% da população e é mais comum nos homens. Causa hiperbilirrubinémia suave e assintomática (flutuante). O facto de ser flutuante é importante para o diagnóstico. Uma vez que é causada pela deficiência na enzima glucoroniltransferase percebe-se que se deve a bilirrubina não conjugada. Manifesta-se por uma redução da clearance hepática de bilirrubina, causado por uma deficiente captação e/ou conjugação. Tende a aumentar por estresse emocional e físico, fadiga, consumo de álcool ou doença intercorrente e a diminuir por ingestão calórica. Apesar de ser uma patogenia complicada e pouco esclarecida a doença é facilmente controlada e benigna, razão pela qual não se recomenda qualquer terapêutica. Causa uma hiperbilirrubinémia não conjugada. Síndrome de Crigler-Najjar Daniela Pimenta 18 Baixa atividade de glucoriniltransferase (Tipo II). Doença hereditária grave que causa hiperbilirrubinemia grave em recém-nascidos. Complicado por Kernicterus e morte prematura na infância. Causa uma hiperbilirrubinémia não conjugada. Síndrome de Dubin-Johson Defeito na transferência de bilirrubina conjugada para os canalículos biliares, causa hiperbilirrubinémia conjugada. Ao contrário dos outros 2 síndromes, nesta bilirrubina fica nos hepatócitos, e ocorre o aumento da ALT. Testes baseados na capacidade de metabolização Os níveis normais de glicémia situam-se entre os 70 e os 100 mg/dL. Após uma refeição os valores podem subir até 110 mg/dL, mas ao fim de 1h30 volta aos valores normais devido à produção de insulina e consequente entrada da glucose nas células diminuindo assim a sua concentração no sangue. A glucose na célula é degradada pela via glicolítica aeróbica, anaeróbica e pelo shunt das pentoses. A glucose pode ser convertida a glicogénio (reserva)e se houver um excesso, poderá sem convertida também em lípidos e proteínas. O fígado, em situações de hipoglicémia, é estimulado pela glucagina e fornece glucose à corrente sanguínea através da glicogenólise (glicogénio → glucose). O fígado pode ainda usar os produtos finais de muitas reações e convertê-los a glucose pela vai da neoglicogénese. Estes dois mecanismos acontecem em situações normais, desde que não haja problema na mitocôndria e na glucose-6-fosfatase. Consequências na deficiência da mitocôndria ou na glucose-6-fosfatase Há comprometimento da glicogenólise e da neoglicogénese o que provoca alteração dos valores da glucose (hipoglicémias). Há um aumento dos produtos finais (ex: lactato, aminácidos…) e por isso para além da hipoglicémia há também uma acidose láctica (pois o lactato não é usado na via da neoglicogénese para ser convertido a glucose) e cetoacidose. Cetoacidose pode levar a falência de órgãos. Há um aumento acentuado dos corpos cetónicos devido ao metabolismo dos lípidos. Daniela Pimenta 19 O que controla este metabolismo é o estado de jejum (maior quantidade de glucagina) e o pós-prandial (aumento da insulina) e por isso ou temos lipogénese ou lipogenólise, cujos órgãos responsáveis são o fígado e ao tecido adiposo. Os lípidos de origem exógena passam para a corrente sanguínea libertando-se Acetil-CoA e ocorrendo a síntese de ácidos gordos e triglicerídeos. A LDL chega à corrente sanguínea e ocorre degradação dos ácidos gordos que podem assim ser armazenados. Em jejum ocorre lipolise. Os triacilglicerois são degradados pela lípase e formam-se ácidos gordos que são transportados pela albumina até ao fígado para serem ativados, entrarem na mitocôndria e formarem Acetil-CoA. Como estamos em jejum os níveis de oxaloacetato estão baixos e a Acetil-CoA não é usada para formar energia, mas sim para formar os corpos cetónicos. Os cetoácidos, a pH fisiológico são ácidos e por isso provocam diminuição do pH sanguíneo o que tem impacto nos órgãos. A produção de ácidos cetónicos é inicialmente tamponada pelo bicarbonato. À medida que a concentração de H+ excede a capacidade de tampão do bicarbonato, as reversas deixam de ser capazes de compensar o excesso de produção e iões H+ resultando daí a cetoacidose. A excreção urinária desses ácidos provoca acidez na urina. Os rins produzem amónia para neutralizar essa acidez, resultando em diminuição da reserva alcalina (HCO3 -) e um quadro denominado “cetoacidose”. Testes baseados na capacidade de síntese O fígado é o órgão responsável pela síntese de todas as proteínas, com exceção das imunoglobulinas. A albumina sérica é um marcador da função sintética e um guia valioso para a gravidade da doença hepática crónica. Níveis baixos de albumina sérica podem ou não ser devido a uma falha hepática grave. Os níveis séricos de albumina são afetados por diferentes fatores, não significa logo que existe défice de síntese hepática. Na doença hepática aguda, os níveis iniciais de albumina podem ser normais (meia-vida 20 dias). Daniela Pimenta 20 Em situações normais, a albumina encontra-se entre 4-6 g/dL, no entanto quando ocorre a sua diminuição não é sinonimo de deficiência na síntese hepática, neste casos é necessário saber, em paralelo, o tempo de trombina ou protrombina uma vez que os fatores de coagulação são todos sintetizados a nível hepático. A diminuição de albumina pode ser também devido ao catabolismo aumentado, processos carcinogénicos ou insuficiência renal. Da diminuição da albumina na corrente sanguínea pode ocorrer hiperbilirrubinémia e dislipidemias. O tempo de protrombina (PT) corresponde ao tempo necessário para formar um coágulo de fibrina – teste de coagulação. O fígado sintetiza a maioria dos fatores de coagulação (II, VII, IX e X). O tempo de protrombina depende dos fatores I, II,V, VII e X, deste modo o PT é um indicador sensível e precoce da doença hepática aguda e crónica (meia-vida curta dos fatores). Nestes casos a deficiência de vitamina K deve ser excluída. Os tempos de protrombina variam em diferentes laboratórios, e o international normalized ratio (INR) pode ser usado. A disfunção hepática como risco de sangramento, e PT aumentado. O PT INR é mais útil no controlo de terapêutica com anticoagulantes. Para avaliar esta função determina-se SEMPRE a albumina e o tempo de protrombina. Testes baseados na função de desintoxicação e metabólica – amónia e ureia Se o fígado não for capaz de eliminar o ião amónia e a ureia vai haver consequências para o indivíduo. A amónia é proveniente do catabolismo das proteínas, e é hépato e neurotóxica, provocando desordens mentais, desenvolvimento retardado, coma e morte. Apenas o fígado elimina o ião amónio, e fá-lo sob a forma de ureia. Ciclo da ureia Os aminoácidos formados pela hidrólise são desaminados e o grupo amina é convertido em ião amónia que, por sua vez, é convertido a ureia pelo fígado para ser excretado e não ter efeitos tóxicos para o organismo. Todos os órgãos têm de fazer renovação proteica e síntese de proteínas logo todos os órgãos realizam a síntese do ião amónia, que é transportada para o fígado onde vai originar a Daniela Pimenta 21 ureia. Há duas enzimas essenciais neste ciclo, a nível da mitocôndria, que sofrem mais perturbações e onde se encontra a maior parte das deficiências hereditárias a este nível. O ciclo da ureia é iniciado na matriz mitocondrial dos hepatócitos, mas 3 das etapas subsequentes ocorrem no citosol. O ciclo da ureia está ligado ao TCA, à gliconeogénese. Como esta é a via que metaboliza a amónia, defeitos no ciclo da ureia causam hiperamonémia, níveis plasmáticos de glutamina e presença de ácido orótico na urina. Estas hiperamonémias podem ou não ser hereditárias. Na hiperamonémia tipo I existe deficiência na carbamoilfosfato sintetase (CPS), neste caso o ião amónia acumula-se no hepatócito e atinge a corrente sanguínea. Este ião atravessa a barreira hematoencefálica causando encefalopatia hepática. Na hiperamonémia tipo II há deficiência na ornitina transcarbamoilase (OTC), o carbamoil-fosfato não é convertido em citrulina, acumulando-se e dá origem ao ácido orótico que é eliminado na urina, originando a acidúria orótica. Todas as situações de hiperamonémias são acompanhadas de confusão e vómitos. Para alem destas deficiências existe também: citrulinémia, acidúria argino-succínica, argininémia, intolerância lisinúrica à proteína. O quadro clínico dos defeitos no ciclo da ureia inclui a encefalopatia, a alcalose respiratória e a hiperamonémia. A encefalopatia hiperamonémica de origem medicamentosa é uma complicação caracterizada por um nível decrescente de consciência, défice neurológicos focais, desaceleração cognitiva, vômitos, sonolência e letargia. A maioria destas hiperamonémias é do tipo I, um exemplo são os antiepiléticos que inibem a carbamoilfosfato sintetase (ácido valpróico). Como já foi dito, o ião amónio é neurotóxico uma vez que a hiperamonémia leva a um aumento da glutamina cerebral, que produz inchaço de astrócitos e edema cerebral. A amónia é muito tóxica, provoca desordens metais, desenvolvimento retardado, coma e morte. Pode também haver enteropatias com perda de proteínas e hemorragia digestiva que são diferentes da encefalopatia hepática. Estas encefalopatias podem ser quer devido a causas Daniela Pimenta 22 patológicas quer a farmacológicas (AINEs, ácido acetilsalicílico). Quando há hemorragia, a flora bacteriana leva à produção do ião amónia durante a fermentação. Esta produção está aumentada e gera grandes quantidades de ião que o fígado não consegue eliminar. As consequências das encefalopatias são as mesmas, independentemente da causa da hiperamonémia. Testes baseados na função de desintoxicação e metabólica – esteatose Muitos fármacos são a causa da esteatose. A esteatose deve-seà acumulação de lípidos no citoplasma, devido a não ocorrer a sua metabolização. Normalmente, os lípidos que o fígado forma dos excessos (lípidos endógenos) vão para a corrente sanguínea transportados pelas VLDL. A lípase degrada os triacilgliceróis em ácidos gordos que no tecido adiposo voltam a formar triacilgliceróis. Na situação de jejum é necessário utilizar os triacilgliceróis do tecido adiposo. O glucagon é a hormona que estimula a lipólise – os triacilgliceróis são degradados e os ácidos gordos libertados na corrente sanguínea onde são transportados pela albumina. Estes ácidos gordos são transportados para o fígado para sofrer β-oxidação. No entanto, para que os ácidos gordos consigam entrar na mitocôndria são ligados à CoA (coenzima A). a este processo dá-se o nome de ativação dos ácidos gordos. Se os ácidos gordos forem transformados do citoplasma para a matriz provoca-se a esteatose. A ligação da CoA à cadeia carbonatada dos ácidos gordos é importante para que seja possível a sua passagem para o espaço intermembranar. No espaço intermembranar o ácido gordo ligado à CoA passa a estar ligado à carnitina, esta transferência ocorre por ação da carnitina Daniela Pimenta 23 aciltransferase I. O complexo ácido gordo-carnitina é reconhecido por um transportador e entra na matriz mitocondrial, onde ocorre a destruição do complexo pela carnitina aciltransferase II e o ácido gordo é novamente ligado à CoA. Posteriormente ocorre a β- oxidação. Mecanismos de esteatose hepática As causas de esteatose estão relacionadas com a inibição do transporte dos ácidos gordos (sequestro do CoA, sequestro da carnitina, inibição dos transportadores e/ou inibição das transferases). Normalmente esta inibição está relacionada com fármacos: existem fármacos que fazem o sequestro da CoA e por isso impedem a ativação dos ácidos gordos. Outras causas de esteatose incluem a inibição da β-oxidação (muitas vezes causada por fármacos), a inibição do transporte dos TAG para fora dos hepatócitos (inibidores da síntese de proteínas – VLDL), e o aumento da síntese dos TAG e acumulação dos FA (deficiência no armazenamento de glicogénio e/ou deficiência no armazenamento do tecido adiposo). Impacto dos medicamentos na esteatose Os medicamentos podem inibir a síntese de proteínas, o que inibe o transporte dos ácidos gordos para fora dos hepatócitos (triacilgliceróis e ácidos gordos mantêm-se no hepatócito). Os triacilgliceróis e colesterol endógenos produzidos no pós-prandial devido aos excessos que ingerimos são transportados do fígado para a corrente sanguínea pelas VLDL, pelo que moléculas que afetem a síntese das proteínas, comprometem a formação das VLDL e, deste modo, os triacilgliceróis ficam acumulados nos hepatócitos. Daniela Pimenta 24 Embora menos frequente, há também situações que levam ao aumento da síntese dos triacilgliceróis que estão relacionadas com deficiência no armazenamento do glicogénio ou deficiência do armazenamento dos triacilgliceróis no tecido adiposo. O ácido valproico é um medicamento que afeta o fígado. As tretaciclinas afetam a β- oxidação, no transporte e na formação de triacilglicerois. A aspirina sequestra a CoA. Não há um quadro clínico de biomarcadores que nos permita saber se estamos perante esteatose. Da esteatose resulta um processo inflamatório que altera as funções do hepatócito (processos ligeiros não característicos). Normalmente há hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia associadas à esteatose – há o impedimento da utilização dos triglicéridos para obtenção de energia e estes passam a acumular-se na corrente sanguínea. A lípase continua a estabelecer a sua ação aumentando ainda mais os níveis sanguíneos dos triglicéridos. Este elevado nível na corrente sanguínea, e o facto de não estar a ocorrer consumo dos ácidos gordos, fazem com que o excesso de acetil-CoA não seja consumido para a síntese dos triacilgliceróis e passe a ser usado na síntese de colesterol. Nestes casos o ideal é aconselhar os indivíduos a terem uma dieta hipocalórica, sem excessos de macronutrientes. Se existe um aumento da bilirrubina total e uma diminuição da bilirrubina conjugada significa que há alteração da função hepática. O facto de haver hipoglicémia demonstra falha na função mitocondrial, devido à esteatose. O aumento da amónia demonstra alteração na função de desintoxicação e metabólica. a diminuição da albumina e o aumento do tempo de protrombina demonstra que a função de síntese está afetada. Ou seja, o aumento de triacilglicerois e colesterol na corrente sanguínea nem sempre está relacionado com a alimentação, algumas vezes pode estar relacionado com esteatose – se estes níveis estiverem aumentados e as funções hepáticas alteradas a probabilidade de ser esteatose é elevada. Nestes casos não é o mais correto administrar estatinas. Quando existem dislipidemias associadas à esteatose é necessário saber a causa das dislipidemias antes de se prescrever a medicação. Nos casos de esteatose não devem ser administradas estatinas até porque a sua ativação não ocorre por sobrecarga do hepatócito (já se encontra com lípidos no seu interior que afetam as funções dos hepatócitos). Daniela Pimenta 25 As estatinas causam radomiolise, especialmente quando a terapêutica está errada. Desta ação liberta-se a CK e juntamente com ela a mioglobina que é nefrotóxica causando falha renal por danificar os glomérulos. Fazendo a biopsia hepática é possível confirmar a presença ou ausência de esteatose. Quando não identificada, o processo de esteatose evolui para cirrose (as células não funcionam devido à danificação da função mitocondrial) que origina insuficiência hepática fulminante – resulta na morte generalizada das células a nível hepático. Daniela Pimenta 26 Proteínas e enzimas plasmáticas no diagnostico clínico As proteínas plasmáticas possuem funções coletivas e especificas. As funções coletivas incluem a manutenção da pressão oncótica e a criação dos sistemas tampão. Já as funções específicas incluem funções de transporte, de imunidade humoral, de inibidores de protéases, de enzimas, de hormonas e de fatores de coagulação. As proteínas são, do ponto de vista clínico, auxiliares no diagnóstico. O primeiro uso das proteínas no diagnóstico é o traçado do proteinograma, cuja classificação é baseada na mobilidade electroforética. Neste traçado, normalmente a banda da albumina inclui também a pré-albumina e a banda das globulinas inclui a α1, α2, β e γ. As proteínas do plasma têm pontos isoelétricos que variam entre 4,7-4,9 para a albumina e 7-9,5 para a imunoglobulina. A um pH=8,6 as proteínas que possuem um ponto isoelétrico inferior a este valor sofrem desprotonação adquirindo uma carga negativa e por isso deslocam- se para os polos de carga positiva (ânodo), o oposto acontece às proteínas que possuem um ponto isoelétrico superior a 8,6 (como acontece com algumas globulinas). Assim, numa eletroforese, se colocarmos o pH a 8,6 vamos colocar as proteínas no polo negativo uma vez que vão migrar para o polo positivo. Daqui são obtidos picos que correspondem à pré-albumina, albumina, alfa 1, alfa 2, beta e as gama (especialmente as IgG, IgA e IgM). Cada fração ou banda contém proteínas que são funcionalmente diferentes, mas apresentam a mesma mobilidade eletroforética. Daniela Pimenta 27 A pré-albumina ou transtirretina, a albumina e as globulinas (α1, α2, β e γ) são auxiliares no diagnostico clínico, mas não moléculas se diagnostico. A eletroforese de proteínas séricas ajuda na investigação e no diagnóstico de diversas doenças (mas é necessário conhecer o significado de cada banda proteica). As mais importantes encontram-se na seguinte imagem: Isoladamente estas proteínas não são especificas, mas são de extrema importânciano diagnostico clínico. Algumas razões do porquê destas proteínas não serem especificas encontram-se descritas abaixo. Observa-se diminuição da concentração da albumina quando há perturbação direta ou indireta na sua síntese, quando há consumo (catabolismo) dessa proteína ou perda através de proteinúria ou via enteral (hemorragia). As frações α-globulinas apresentam níveis aumentados em processos inflamatórios, infeciosos, imunes e em neoplasias hepáticas. O aumento da β-globulina é observado em situações de perturbação do metabolismo lipídico ou dificuldade na excreção biliar verificadas nas colestases. O aumento na taxa de β- globulina é encontrado, geralmente, nos casos de anemia ferropriva, por aumento da síntese de transferrina. A ausência ou diminuição da banda γ indica imunodeficiências congénitas ou adquiridas. O seu aumento sugere elevação policlonar das imunoglobulinas associada às condições inflamatórias, neoplásicas ou infeciosas, além da elevação monoclonal observada no mieloma múltiplo e em outras desordens linfoproliferativas, como a macroglobulinemia de Waldenstrom. A hipogamaglobulinemia é verificada em anomalias congênitas ou em processos patogénicos que trazem a destruição do setor linfoide. β-2-microglobulina Daniela Pimenta 28 Forma uma das cadeias do complexo major de histocompatibilidade. É filtrada livremente pelo glomérulo, atinge ao tubo proximal onde é reabsorvida, e por isso não aparece na urina. Pode ser indicadora de disfunção tubular renal uma vez que se aumentada no plasma poderá significar que estamos perante um problema a nível renal – já não está a passar livremente nos glomérulos o que pode significar uma diminuição da TFG. Mas, se estiver aumentada a nível da urina indica que o tubo proximal não está a efetuar uma reabsorção correta das moléculas – rim poderá ser sujeito a diálise. Pode ser também indicadora da presença de neoplasias uma vez que o seu aumento acontece em situações de neoplasias, tal como, mieloma múltiplo, leucemia e linfoma, mas também em processos inflamatórios. É uma das proteínas que foi durante muito tempo usada como marcador de previsão (embora na realidade não o seja, pois, estes marcadores são libertados para impedir a patologia e a β-2-microglobulina não serve para reparo, é produzida quando há alterações ainda muito precocemente). Proteinogramas – gamopatias Há proteinogramas que são característicos de determinadas patologias. Apresenta-se de seguida duas situações de gamopatias. Numa são produzidas vários tipos de imunoglobulinas, mas noutras são produzidas apenas um tipo de imunoglobulina: Policlonal (produção de várias globulinas diferentes – associado a processos inflamatórios e situações de neoplagias) e monoclonal (há só uma globulina, o que poderá indicar mieloma múltiplo), respetivamente. Proteínas totais – significado total Uma célula humana tem entre 3000-5000 proteínas diferentes e no plasma sanguíneo existem mais de 300 proteínas diferentes. Há diferentes situações que podem provocar a alteração na proteinémia total. Pode dever-se a: Daniela Pimenta 29 Hiperproteinémia Pode ser causada por situações de desidratação e nestes casos há o aumento de todas as frações proteicas na mesma proporção. Existem também situações de hiperglobulinémia/hipergamaglobulinémia devido a síndromes infeciosos ou então situações de neoplasias associadas a hiperglobulinémia/hipergamaglobulinémia relacionado com policlonal e monoclonal/ Paraporteinémia (M) (plasmócitos). Hipoproteínémia Existem diversas razões tais como: Hiper-hidratação (sobre-hidratação), doença hepática (diminuição da síntese proteica), aumento da excreção ou degradação (catabolismo/perda urinária/enteropatia), imunodeficiência humoral, aumento da permeabilidade capilar, má nutrição e má absorção. Algumas proteínas são mais específicas para determinadas patologias e mais relevantes para diagnostico, tais como: a pré-albumina (é uma das proteínas cuja alteração está relacionada com o estado de nutrição do individuo, co entanto há outros fatores que podem levar à sua alteração), albumina (indicadora que há deficiência na síntese, aumento da perda, processos catabólicos ou hemorrágicos), alfa 1 tripsina e alfa 1 fetoproteina (relacionadas com carcinomas), a alfa1 antitripsina aumentada nas fases esta relacionada com enteropatias, haptoglobina (estados hemolíticos), ceruloplasmina (importante no diagnostico da doença de Wilson), transferrina (relacionada com o estado do ferro), β2-microglobulina (disfunção renal), IgG, IgA e IgM. Pré-albumina Deficiências na pré-albumina podem levar a situações de confusão e irritação. É uma proteína da fase aguda negativa e controversa na avaliação do estado nutricional (vida média de 2 dias). É sintetizada no fígado e libertada na circulação antes da excreção pelos rins e trato gastrointestinal. Transporta a tiroxina e triiodotiromina (T3 e T4) daí haver o impacto no humor da pessoa quando há deficiência na pré-albumina. Daniela Pimenta 30 Forma complexos com a proteína de ligação do retinol, estabilizando-a e prevenindo a perda renal (conhecida por isso como transtrirretina). Assim, havendo deficiências na pré- albumina há deficiência da vitamina A (retinol). O aumento da pré-albumina também é prejudicial ao organismo. Causa aumento da pressão oncótica o que provoca alterações a nível do equilíbrio eletrolítico e do equilíbrio ácido-base. Atualmente não é usada isoladamente para avaliar um estado nutricional, uma vez que a sua diminuição pode não estar relacionada ao estado nutricional. Relativamente ao estado nutricional, a diminuição da concentração sérica de proteínas sintetizadas nos hepatócitos pode indicar desnutrição, havendo falta de substrato energético e proteico para a síntese. Os principais indicadores de proteína visceral são a albumina, transferrina, pré-albumina e proteína transportadora de retinol. A pré-albumina é uma proteína plasmática que foi usada há muitos para o estudo do estado nutricional, mas pelas variações que tem e pelos fatores que levam à sua alteração, deixou de ser usada isoladamente. Hoje, para além da pré-albumina, faz-se também o estudo da transferrina e da albumina. Albumina É a componente maioritária das proteínas totais do soro. É sintetizada no fígado e após a sua síntese as moléculas de albumina dirigem-se para o plasma. Esta proteína é necessária para a manutenção da pressão coloidosmótica, desempenha papel na manutenção do equilíbrio ácido-base e realiza o transporte de ácidos gordos, catecolaminas, bilirrubina, esteroides. Estados de hiperalbuminémia são pouco comuns, mas podem ocorrer devido a desidratação, jejum de 3-5 dias (hemoconcentração), stresse, gravidez e meningites. Casos de hipoalbuminémia podem ocorrer devido a diversos fatores, tais como a diminuição da síntese, aumento do volume de distribuição, aumento da degradação ou aumento da excreção, e cada um destes ocorre devido a diversas situações. Daniela Pimenta 31 A diminuição da síntese ocorre devido a nutrição e/ou absorção deficientes e devido a doenças hepáticas. O aumento do volume de distribuição pode ocorrer em situações de hiper-hidratação, de aumento da permeabilidade capilar, de hipoxemia e de septicémia. O aumento da degradação ocorre pelo aumento do catabolismo, por sepsis, febre e doenças malignas. Aumento da excreção devido a síndrome nefrótico, enteropatias com perda de proteínas, queimaduras e hemorragias. A lesão glomerular provoca uma alteração da permeabilidade das membranas corpusculares do glomérulo e por isso ocorre albuminúria e proteinúria massiva com hipoalbuminémia. Em casos de albuminúria a concentração de albumina excretada na urina também tem importância clínica. Normalmente é usada para acompanhamento de doentes diabéticos, tanto do tipo1 como do tipo 2. Na diabetes mellitus é comum que ocorra nefropatia, com redução da filtração glomerular, e o início das complicações renais pode ser previsto pela deteção da microalbuminúria. Á semelhança da β-2-microglobulina, a albumina também é filtrada a nível renal e é totalmente reabsorvida. Se houver alguma patologia a albumina pode aparecer na urina. Antes de aparecerem níveis elevados de albumina na urina, sabemos que podemos prever se a nefropatia está a desenvolver-se, recorrendo a marcadores de previsão – microalbuminúria. Nestes casos são detetadas pequenas quantidades de albumina na urina o que permite saber que o doente vai desenvolver futuramente nefropatia. Existem diversas doenças que cursam com albuminúria, incluindo Diabetes Mellitus. É de extrema importância fazer simultaneamente a deteção da microalbuminuria instantânea com a β-2-microglobulina. Proteínas como bons indicadores de problema hepático Daniela Pimenta 32 Relativamente às doenças hepáticas, há um conjunto de proteínas que nos dão uma indicação quase específica de diferentes perturbações a nível hepático. A albumina, pela sua função e papel no organismo, muitas das vezes possui a sua diminuição associada a doenças crónicas. A grande maioria das patologias, nomeadamente as hiperbilirrubinémias, quando se projetam no tempo (em que já há um aumento da ASP e AST), já não ocorre a conjugação da bilirrubina, uma vez que hepatócitos perdem as suas capacidades, incluindo a capacidade de síntese de albumina (não há quem transporte da bilirrubina para os hepatócitos para que ocorra a conjugação). A α1-antitripsina e a α1-fetoproteína são proteínas cujo aumento está associado a processos cancerígenos a nível hepático. Já as gama globulinas não possuem relevância a nível de doenças hepáticas. α1-antitripsina (AAT) Pertence à fração α1 e a sua função é inativar a elastase neutrofílica, que hidrolisa as fibras de elastina no pulmão e causa dano tecidular. Possui valores elevados em situações de infeção ou inflamação, trauma – uma das proteínas da fase aguda. Esta aumentada em processos de carcinomas hepáticos. É eliminada nas fezes e quando aumenta significa enteropatia com perda de proteína. Quando diminuída acarreta patologias para o organismo (consequências patológicas) como cirrose hepática e perturbações a nível respiratório (enfisema, asma, mais sujeitos a ocorrência de pneumonia quando sujeitos a variações bruscas de temperaturas). Estas consequências devem-se por esta proteína ser inibidora de uma enzima dos neutrófilos, a elastase – defesa presente na corrente sanguínea. Se a elastase não for inibida pela α1-antitripsina a corrente sanguínea leva a elastase para os pulmões onde ocorre a destruição da elastina (fibra pulmonar). Daniela Pimenta 33 Quando acumulada nos hepatócitos provoca hepatopatia crónica, cirrose e colestase neonatal α1-fetoproteína Também pertence à fração α1. É a principal proteína plasmática do feto humano (mecanismo de defesa) os valores são iguais ao adulto após 6 a 10 meses do nascimento. É uma proteína de relevância no carcinoma hepatocelular, onde a atividade desta proteína está extremamente elevada. Para além desta situação, está aumentada também em tumores testiculares, carcinomas gástricos e pancreáticos e em pequeno percentual de carcinomas de pulmão e cólon. Mas também pode estar aumentada em situações não malignas como doenças inflamatórias do fígado (hepatite viral, hepatite crónica e cirrose hepática), doenças inflamatórias intestinais (Crohn e colite ulcerativa), e por isso não é um bom marcador de processos malignos. Haptoglobina Pertence à fração α2 e a sua função é transportar a hemoglobina livre para os macrófagos. É uma glicoproteína produzida a nível hepático em resposta a situações onde haja libertação de hemoglobina. Os macrófagos possuem recetores capazes de reconhecer estes complexos entre a Hp-Hb. Nestas células a Hb dá origem a ácidos aminados e ao grupo heme que origina bilirrubina não conjugada. A nível do macrófago não é apenas metabolizada a Hb, a haptoglobina também vai ser degradada. Haptoglobina diminuída Em situações de hemólise, onde há o aumento de Hb, ocorre a diminuição da Hp na corrente sanguínea devido à formação do complexo Hp-Hb, havendo a sua destruição, que se sobrepõem à síntese. E por isso é um bom biomarcador para as situações de hemólise. Em situações de doença hepatocelular grave também há a sua diminuição devido à deficiência na síntese. Haptoglobina aumentada Daniela Pimenta 34 Ocorre devido a processos inflamatório e quando há um enfarte do miocárdio. Exemplo com caso clínico Há uma diminuição da hemoglobina, ou seja, está a ocorrer a hemólise e isso verifica-se nos valores de haptoglobina pois quando há hemólise o fígado não tem capacidade de produzir haptoglobina suficiente. A LDL não é específica, mas permite saber que há lesão celular. Situação de origem medicamentosa com Tamoxifeno. Com este fármaco há o risco de desenvolver anemia hemolítica. Verifica-se uma diminuição da haptoglobina com o aumento dos reticulócitos. Aquilo que distingue estas anemias hemolíticas das aplásicas é, precisamente, o nível dos reticulócitos (nas aplásicas os reticulócitos diminuem). Diminuição da haptoglobina e esferocitose medicamentosa Na esferocitose hereditária os eritrócitos são esféricos e menores, no caso da esferocitose medicamentosa os eritrócitos perdem a sua forma concava, mas ficam de maior tamanho – sofrem processo de intumescimento. Alguns fármacos permeabilizam a membrana ocorrendo a libertação do potássio para o plasma e a entrada de água para o eritrócito acabando por rebentar devido à sua elasticidade máxima ter sido ultrapassada – há libertação gradual de Hb, que não acompanha a libertação súbita de potássio (mecanismo coloide-osmótico), e que leva à diminuição de Hp face ao turnover visto anteriormente. Daniela Pimenta 35 Relativamente ao diagnostico clínico da hemólise, podemos recorrer ao hemograma, ao plasma e à urina. Os biomarcadores no diagnostico clínico de hemólise incluem na análise do hemograma a presença de reticulócitos (aumentados em casos de hemólise), esferócitos e fragmentos de eritrócitos. No plasma sabemos que a haptoglobina está diminuída, LDH e bilirrubina estão presentes e que existe hemoglobinémia e coloração castanha. Na urina existe urobilinogéneo, está presente hemoglobinúria e hemossiderinúria. A figura ao lado representa um outro processo de destruição dos eritrócitos. Neste caso não há efeito coloide-osmótico uma vez que o potássio e a hemoglobina são libertados simultaneamente – processo de lise membranar. Ceruplasmina Pertence também à fração α2, é produzida pelas células do parênquima hepático e por uma parte pequena de linfócitos e possui como função o transporte de cobre – orienta para a doença de Wilson. Em termos de diagnóstico está, essencialmente, associada a patologias em que há perturbações no sódio. O cobre que chega ao fígado necessita de ser eliminado e é transportado pela ceruplasmina. Se há uma deficiência nesta proteína não há saída do cobre nem para a bílis nem para a urina. O cobre fica acumulado no fígado onde causa fibrose hepática que evolui para cirrose. A doença de Wilson, é um caso onde existem baixos níveis desta proteína, e, resulta em acumulação do cobre no fígado e em outros órgãos, e por isso nesta doença a fibrose hepática evolui para cirrose, parte do cobre é depositada em torno da borda da córnea e da íris, causando os aneís de Kayser-Fleischer e o restante cobre que não se acumula nos tecidos é excretado na urina. Daniela Pimenta 36 No diagnóstico encontramos baixos níveis de ceruplasmina no soro e alta excreção urinária do cobre. Nestes casos é necessário efetuar uma alimentação pobreem tudo o que sejam alimentos ricos em cobre. Níveis elevados desta proteína podem existir em casos de hepatites agudas, hemacromatose e doença obstrutiva biliar. α2-macroglobulina Também pertence à fração α2 e é um inibidor da protease de peso molecular muito elevado. A sua função e inibir as enzimas que intervêm nos sistemas do complemento, da coagulação ou fibrinolítico, transportador de numerosos pequenos peptídeos e também catiões divalente (em particular, o zinco). É de grandes dimensões e por isso dificilmente é filtrada pelos glomérulos, no entanto, uma pressão glomerular aumentada pode facilitar esta filtração. Pode estar aumentada na corrente sanguínea em casos de diminuição da pressão glomerular que é o que ocorre nos síndromes nefróticos. Mas também pode estar aumentada com a toma de estrogénios, de contracetivos orais e na gravidez. No síndrome nefrótico há perda de proteína na urina, ou seja, proteinuria. O perfil eletroforético para além de apresentar uma diminuição do pico de albumina, apresenta também uma diminuição das globulinas, indicativo de que elas atravessam o glomérulo e já não estão a ser absorvidas. Em paralelo ocorre um aumento do pico das α2 (α2- macroglobulina está aumentada para fazer a compensação do equilíbrio coloide-osmótico, principalmente pela perda de albumina que está a ocorrer). Nos processos inflamatórios está diminuída por ser uma proteína negativa da fase aguda. Para além disto, está diminuída também em casos de pancreatite e carcinoma da próstata. É importante saber que a ação vasodilatadora das prostaglandinas na arteríola aferente permite um maior fluxo de sangue no glomérulo e aumenta a perfusão renal. A pressão Daniela Pimenta 37 intraglomerular é mantida pela vasoconstrição da arteríola eferente que é mediada pela ação da angiotensina II. Transferrina (TRF) Pertence à fração β. A sua função é transportar o ferro. Cerca de 75% do ferro ingerido é utilizado na eritropoiese, 10-20% é armazenado na ferritina. Quando há uma deficiência no ferro, o fígado passa a sintetizar maior quantidade de transferrina, de maneira a compensar a deficiência do ferro. Isto traz um problema, ocorre o aumento da quantidade desta proteína, no entanto ela fica com menos ferro ligado (percentagem de saturação baixa) – anemia ferropriva – a ferritina aumenta, mas a percentagem da sua saturação diminui. Para classificar estas anemias, é útil estimar o armazenamento de ferro total e a capacidade de ligação de ferro total (TIBC). β-2-microglubina É filtrada livremente pelo glomérulo, atinge ao tubo proximal onde é reabsorvida, e por isso não aparece na urina. Não serve de diagnostico, mas os seus níveis podem ser uteis para diagnóstico. Pode ser indicadora de disfunção tubular renal uma vez que se aumentada no plasma poderá significar que estamos perante um problema a nível renal – já não está a passar livremente nos glomérulos o que pode significar uma diminuição da TFG. Mas, se estiver aumentada a nível da urina indica que o tubo proximal não está a efetuar uma reabsorção correta das moléculas – rim poderá ser sujeito a diálise. Pode ser também indicadora da presença de neoplasias uma vez que o seu aumento acontece em situações de neoplasias, tal como, mieloma múltiplo, leucemia e linfoma, mas também em processos inflamatórios. Ainda sem haver sinais das falhas das perturbações renais, esta proteína aparece alterada nas análises, sendo por isso um biomarcador precoce de perturbações renais, podendo ser utilizada como indicador de previsão. Biomarcadores de previsão Daniela Pimenta 38 Existem vários marcadores que são indicativos de problemas a vários locais. O rim é um órgão de pequenas dimensões que filtra o sangue e, por isso, concentra as moléculas de fármaco, sendo por isso um alvo afetado por fármacos levando a nefrotoxicidade com falha a nível renal. Existem biomarcadores de previsão para as diferentes regiões dos nefrónios (SAI NO EXAME). Os valores de clusterina podem manter-se normais mesmo havendo disfunção tubular distal. Por essa razão utiliza-se preferencialmente o EGF/MCP-1 que é um biomarcador que nos permite saber que está a ocorrer nefropatia obstrutiva. Atualmente existem vários fármacos que causam cristalinúria. O rim desenvolveu transportadores para muitos dos xenobióticos. A glicoproteína P é capaz de efetuar o transporte dos fármacos não biotransformados para fora das células tubulares. Estes encontram-se num estado hidrofóbico, e, por isso, ao atingirem o lúmen tubular precipitam. O mecanismo de cristalinúria é um dos principais mecanismos de ação nefrotóxica de moléculas. A Tff3 é uma hormona que está presente em grandes quantidades como molécula para restaurar o dano a nível renal. Está presente quando há dano renal uma vez que impede que haja desregulação das células. É um biomarcador obrigatório que completa o significado de todas as outras. Proteínas de fase aguda São proteínas que o fígado sintetiza em resposta a citocinas produzidas em processos inflamatórios, infeciosos ou em caso de trauma, de maneira a proteger as células destas citocinas. Em resposta à lesão, as células inflamatórias locais Daniela Pimenta 39 (neutrófilos, granulócitos e macrófagos) secretam citocinas na corrente sanguínea: interleucinas IL-1, IL-6, IL-8 e TNF-α. E o fígado responde produzindo um grande número de proteínas de fase aguda. São denominadas de proteínas positivas de fase aguda se a sua quantidade aumentar nestas situações agudas. E negativas se ocorrer o oposto. A proteína C reativa é a proteína que se liberta mais rápido e que atinge maiores quantidades mais rapidamente (é a primeira a ser produzida e em maior quantidade). É uma proteína de elevada sensibilidade podendo ser detetada como previsão da ocorrência de patologias onde estão envolvidos processos inflamatórios. Analisando o perfil farmacocinético da libertação das proteínas de fase aguda positivas, verifica-se que a que se liberta mais rapidamente e em maior concentração é a proteína C reativa (PCK), sendo essa o biomarcador que mais se utiliza para a avaliação de situações de processos inflamatórios. Ocorre também um aumento da concentração de haptoglobina. Nas situações de proteínas de fase aguda negativas as concentrações estão abaixo do normal porque há uma perda ou o consumo dessas proteínas, como acontece com a transtirretina/pré-albumina, albumina, transferrina e α2-macroglobulina. Perfis eletroforéticos e correlações patológicas Perfis eletroforéticos de fase aguda Daniela Pimenta 40 Numa situação de fase aguda um dos perfis mais típicos é aquele em que ocorre uma diminuição da albumina e aumento da α1 e da α2 (principalmente a haptoglobina e a ceruloplasmina – proteínas positivas de fase aguda). Quando há diminuição da haptoglobina sabe-se que existe hemoglobina livre. Nesta situação a haptoglobina está aumentada, ou seja, a sua haptoglobina aumentou em resposta a uma agressão a nível fisiológico, que é o que acontece nas situações agudas. Perfis eletroforéticos de inflamação crónica Nas situações cronicas de situações inflamatórias a banda das gamaglobulinas possui um pico extremamente largo e elevado. Este pico é também sempre muito próximo do pico beta uma vez que é entre estes dois que se localiza a proteína C reativa aumentada e em níveis elevados fica na banda entre o pico beta e o pico gama. Nos síndromes nefróticos, existe um aumento substancial da alfa 2 devido à filtração estar diminuída, logo a proteína não é filtrada e fica no sangue. Nas enteropatias com perda de proteína ocorre o aumento das alfa 2 uma vez que a macroglobulina não é perdida facilmente e por isso o pico das alfa 2 está aumentado. Há diminuição da albumina em situações de cirrose hepática e de síndrome nefrótica, masos perfis eletroforéticos são distintos permitindo assim distinguir as situações Mieloma múltiplo e Hipergamaglobulinémia monoclonal Daniela Pimenta 41 O aumento da fração gama demonstra mais facilmente indica o que está a ocorrer. Em situações de neoplasia os plasmócitos passam a produzir globulinas de maneira descontrolada (mieloma múltiplo/ hipergamaglobulinémia monoclonal). Ocorre o aumento da fração gama a nível do soro e , em paralelo, o aumento das proteínas (gama- imunoglobulinas) a nível da urina. Nas situações de mieloma múltiplo os plasmócitos produzem apenas um tipo de imunoglobulina (daí chamar-se imunoglobulina monoclonal). Nas hipergamaglobulinémia monoclonal as células plasmáticas (plasmócitos) tornam-se cancerígenas e produzem anticorpo (imunoglobulina monoclonal, proteína monoclonal, ou paraproteína). Há presença de muitas cópias do mesmo anticorpo (gamopatia monoclonal). Há aumento homogéneo e fusiforme da fração gama. As paraproteinas são toxicas para o túbulo proximal, na presença destas o mesmo perde a capacidade de efetuar a reabsorção e aparecem em maiores quantidades na urina (proteínas de cadeias leves). Daniela Pimenta 42 Hipergamaglobulinémia policonal Há um aumento difuso da fração gama. O Perfil de curva de basa larga. Corresponde a várias classes de imunoglobulinas. O pico policlonal mais alargado é devido à produção de mais que um tipo de imunoglobulinas. Hipogamaglobulinémia Globulinémia congénita ou secundária. Há ausência de anticorpos específicos. Resulta em infeções fatais uma vez que não produz imunoglobulinas, havendo um maior risco de morte devido a infeções. Enzimas plasmáticas no diagnóstico clínico Existem enzimas que são específicas no plasma, tais como: renina, lipoproteína lípase e fatores de coagulação (plasmina, trombina). Aumento das enzimas no plasma pode ocorrer em enzimas intracelulares ou intracelulares de secreção. As enzimas intracelulares são marcadores de lesão celular e marcadores de proliferação celular. Já as enzimas intracelulares de secreção indicam um aumento da síntese (indução de enzimas, GamaGT) ou obstrução da secreção (amílase, lípase). As enzimas mais utilizadas no diagnóstico laboratorial são a CK, a AST, a ALT, a GamaGT, a ALP, a LDH, a amílase e a lípase. Creatinina cinase (CK) Esta enzima é um marcador da lesão muscular, incluindo o enfarte agudo do miocárdio. Contudo é inespecífico pois ocorre em vários sítios. Existem 3 isoenzimas e a sua presença é sugestiva de lesões em locais diferentes: CK-3 (MM): músculo esquelético/cardíaco; CK-2 (MB): mais específica do musculo cardíaco (miocárdio); Daniela Pimenta 43 CK-1 (BB): cérebro. Transaminases/ aminotransferases Não são específicas pois são indicativas de lesões em diversos locais. Aspartato aminotransferase – AST/GOT Pode ser encontrada no músculo cardíaco, músculo esquelético e fígado. É uma marcador de lesão hepatocelular e muscular. Encontra-se 10 vezes aumentada em caso de hepatite aguda e entre a 5 a 10 vezes no caso de enfarte do miocárdio e colestase. Alanina aminotransferase – ALT/GPT A sua atividade elevada destaca-se no fígado. É um marcador de lesão hepatocelular. Desidrogenase láctica - LD/LDH Está distribuída em muitos tecidos. Os aumentos plasmáticos são inespecíficos, mas indicativos de lise celular. Pode dever-se a: enfarte do miocárdio, hemólise, doenças hepáticas, doenças musculares, doenças renais. Ƴ-Glutamil Transpeptidas- ƴGT É um marcador sensível, mas não é específico de doença hepática. Fosfatase alcalina – ALP Está associada a membranas e superfícies celulares, como a mucosa do intestino delgado, túbulos proximais do rim e placenta (aumento no sangue maternal no 3º semestre de gravidez), como o osso (osteoblastos) e também no fígado – membranas celulares canalículos biliares, maior na síntese hepática nas doenças hepatobiliares (resposta à colestase). Deste modo podem ter 2 significados clínicos: Doenças ósseas (maior atividade osteoblástica); Doenças hepatobiliares: isoenzimas ou associação com gamaGT. Daniela Pimenta 44 Enzimas pancreáticas A amílase, a lípase e tripsina são indicativas de doenças pancreáticas. Diagnóstico clínico: determinações séricas O diagnóstico de alteração das proteínas é feito por determinação da proteína total e, no caso de haver, temos de verificar qual a fração que está alterada. Dislipidémia É a definição do aumento de lípidos e lipoproteínas na corrente sanguínea. As dislipidémias são o principal fator da aterosclerose, o que aumenta o risco cardiovascular. Os marcadores laboratoriais não são usados no diagnóstico, mas permitem perceber qual a terapêutica que tem de ser instituída e fazer o seu controlo. O perfil lipídico é usado para avaliar o risco cardiovascular e quantifica o colesterol total, os triglicéridos, o HDL colesterol e o LDL colesterol. Existem quatro biomarcadores: proteína C reativa de alta sensibilidade (hs-PRC); a apolipoproteína B e apolipoproteína A-1; a lipoproteína (a) e a homocisteína. A lipoproteína está associada à DAC nas raças brancas e amarela. É um inibidor competitivo do ativador do plasminogénio tecidual inibindo a geração de plasmina e a fibrinólise. A homocisteína possui elevações associadas à disfunção endotelial, trombose e maior gravidade de aterosclerose. A razão pela qual se estuda este processo é devido ao facto das dislipidémias serem a causa da principal de mortes por doença cardiovascular. Os enfartes do miocárdio e os AVCs são as principais causas de morte. Fatores bioquímicos da lesão do miocárdio Daniela Pimenta 45 A principal causa de morte no mundo são doenças cardiovasculares, as mais comuns são enfarte e derrame. Existem fármacos que levam à confusão com situações de enfarte do miocárdio. No EAM existem processos de isquemia que passam rapidamente a hipoxia, ocorrendo o acumular de lactato e a necrose celular. E por isso, o que pretendemos é a procura de biomarcadores que se libertem na fase mais inicial da patologia – de modo a minimizar o processo de necrose. Um dos biomarcadores que se liberta mais rapidamente é a mioglobina, apresenta elevada sensibilidade, mas baixa especificidade por não ser exclusiva do miocárdio podendo ser libertada em situações de rabdomiólise. Esta proteína demora entre 1-4 horas para aparecer. Atinge um máximo ao fim de 6-12 horas. É importante saber que existem também terapêuticas que induzem rabdomiólise, levando também a libertação desta proteína do musculo (esquelético e/ou cardíaco). A CK não é especifica do musculo cardíaco, mas há uma isoenzima desta enzima que é especifica do miocárdio, o isómero CK-MB. E por isso não tem problemas de especificidade. Esta proteína demora cerca de 4-6 horas para aparecer e atinge o pico ao fim de 24 horas. As Estatinas afetam os níveis de CK, por provocarem rabsomiólise, e atualmente olhamos para esta enzima para detetar destruição celular, muitas das vezes induzida por fármacos. LDH e AST – são enzimas sem especificidade cardíaca. Servem apenas como auxiliares de diagnostico. Troponinas – a nível do coração existe apenas a troponina I (cTnI). Atualmente existe a sua deteção por métodos imunológicos de elevada sensibilidade e especificidade (hs-cTnI) e por isso pode ser detetada ainda em concentrações muito pequenas (elevada sensibilidade) – bom biomarcador de diagnóstico do EAM assim como a CK de elevada sensibilidade (hs-PCR). A troponina I demora 4-6 horas para aparecer e atinge o pico ao fim de 18 horas. Daniela Pimenta 46 Divisão dos marcadores Os biomarcadores vão ser divididos em 2 grandes grupos. Num enfarte do miocárdio há um processo de isquémica, ou seja, um bloqueio numa artéria que impede o fluxo sanguíneo e os nutrientes não chegam às células cardíacaspara que estas possam produzir energia. Deste modo, as células cardíacas passam de um metabolismo aeróbio para anaeróbico. As células processam a via glicolítica para produzir a energia necessária e pode encontrar-se 60 vezes aumentado. Daqui resulta a produção de lactose e consequentemente acido lático. Assim, a seguir à fase de isquemia ocorre uma fase de necrose. Os quatro biomarcadores de necrose de cardiomiócitos são: hd-cTnI; cTnI; CK-MB e hs-PCR. Fase de isquémica Relativamente à H-FABP existem 2 isómeros, sendo que uma existe no fígado e outro no coração. Estão envolvidas no metabolismo dos ácidos gordos onde transportam os ácidos gordos, da membrana celular para a mitocôndria para que ocorra a sua oxidação. A proteína H-FABP existe em elevadas quantidades nas mitocôndrias dos cardiomiócitos, e por isso é um biomarcador precoce da necrose cardíaca. É libertada quando há libertação no metabolismo dos cardiomiócitos. IMA é um marcador formado após a hipoxia, acidose e radicais livres de oxigénio → provocam o aumento da IMA. Aumenta dentro de minutos e mantem-se elevados várias horas após a situação de isquemia. A IMA corresponde à albumina modificada por isquemia (stress oxidativo) – e liberta-se logo na altura da isquemia. É também um biomarcador precoce de necrose cardíaca. NOTA: o BNP-B aparece bastante elevado em situações de isquemia, libertando-se precocemente – tem um valor preditivo, mas não se pode enquadrar nos biomarcadores de previsão. Existem situações de origem medicamentosa que originam parâmetros analíticos semelhantes a EAM. A vasoconstrição, por ação de aterosclerose, é a principal causa de Daniela Pimenta 47 isquemia – situações de hipoxia. Fármacos, e especialmente combinações de fármacos, que induzam vasoconstrição podem contribuir para estas situações. Existem fármacos que por si só induzem necrose das células – a nível cardíaco, qualquer molécula que se acumule e reduza a quantidade de energia produzida, é toxica para o coração um exemplo é a adriamicina (possui afinidade para a cardiolipina) atingindo elevadas concentrações nas células, afeta a mitocôndria e impede que estas produzam energia, levando à necrose das células. Daniela Pimenta 48 Atualmente, os ensaios pré-clínicos avaliam a cardiotoxicidade mitocondrial. A maioria das moléculas provocam esta toxicidade, e por isso deveriam ser avaliados já na clínica – controlo clínico da terapêutica. Metabolismo dos lípidos – revisão Os lípidos são moléculas insolúveis e para serem transportados na corrente sanguínea, é necessária a presença de transportadores, como por exemplo a albumina que transporta ácidos gordos. Os restantes transportadores são transportados em estruturas denominadas de lipoproteínas (possui a bicamada dos fosfolípidos e no seu interior transporta o colesterol esterificado e os triacilglicerois; o colesterol livre está em contacto com a superfície da bicamada). A digestão dos lipídios tem início no intestino delgado, onde os sais biliares emulsificam as gorduras formando micelas, para facilitar a ação das enzimas lípases. As lípases hidrolisam as ligações éster dos lipídios saponificáveis, libertando ácidos gordos e os outros produtos como o glicerol, que atravessam então a mucosa intestinal, sendo convertidos em triacilgliceróis. A colesterol esterase hidrolisa o colesterol esterificado a colesterol livre que pode ser absorvido pelos enterócitos. Quando estes compostos estão no enterócito, voltam a ser esterificados. O colesterol, juntamente com o triacilgliceróis, vão formar os quilomicrons que terão na sua estrutura ApoB48. Esta apoproteína, assim como a ApoA-I e a ApoA-IV, é produzida no intestino. Os quilomicron entram na corrente sanguínea, através do sistema linfático, até chegar aos tecidos e órgãos que metabolizam os lipídios, sendo novamente hidrolisados e penetrando nas células. O principal órgão que metaboliza os lipídios é o fígado, entretanto eles também são metabolizados pelo coração para produção de sua própria energia. Daniela Pimenta 49 As diferentes lipoproteínas diferem entre si devido à proteína e ao lípido. Apoproteínas é a componente proteica que lhes conferem estrutura, e é característica de cada classe de lipoproteínas. A lipoproteína (a) é um tipo de LDL de menor dimensão que tem características que lhe permitem atravessar os vasos capilares mais facilmente e desencadear os processos de aterosclerose. As proteínas destas lipoproteínas são sintetizadas a nível hepático ou intestinal (caso das ApoA-I). As apoproteínas têm múltiplas funções a nível do metabolismo dos lípidos. São fatores de extrema importância uma vez que desempenham funções importantes nas enzimas que estão envolvidas no metabolismo dos lípidos e nos recetores dos mesmos. As VLDL têm de ser reconhecidas para ser eliminadas e para isso é necessário a apoproteína B100. Se houver um falha na ApoB100 os recetores não reconhecem estas proteínas e por isso continua a haver transporte de colesterol. O colesterol começa assim a ser acumulado o que proporciona fenómenos de aterosclerose. Deficiências em apoproteínas e/ou nos seus recetores, são uma das grandes causas que das dislipidemias. A ApoCII é um cofator da lipoproteína lípase – enzima que efetua a degradação dos triacilglicerois, e por isso deficiências neste cofator são a causa de hipertrigliceridémias. As Daniela Pimenta 50 Apo-A1 são importantes na formação das HDL que auxiliam na “limpeza” do colesterol dos tecidos extra-hepático. A ApoE e a ApoB100 são importantes para que os recetores a nível hepático conseguirem reconhecer as lipoproteínas de maneira que estas sejam metabolizadas e evitem a ocorrência de dislipidemias. Nos capilares existe uma lipoproteína lípase (que necessita da ApoCII para efetuar a sua ação – esta ApoCII faz parte dos quilomicrons) que degradam os triacilglicerois exógenos libertando o glicerol e os ácidos gordos (vão para o tecido adiposo voltando a formar triacilglicerois). Os quilomicrons remanescentes (formaram-se devido à ação da lípase) possuem colesterol, e são reconhecidos pelo recetor das proteínas remanescentes no fígado, sendo posteriormente captados, e o colesterol é utilizado para a síntese de compostos necessários ao organismo (sais biliares, hormonas esteroides, vitaminas) e se não houver utilidade fisiológica é eliminado na bílis e é excretado nas fezes. Normalmente o colesterol exógeno não contribui para as hipercolesterolemias, mas há situações em que o colesterol exógeno pode originar hipercolesterolemias, como em dietas ricas em colesterol, onde o colesterol ingerido ultrapassa a capacidade metabólica do fígado, havendo um excesso de colesterol integrado nas VLDL, que posteriormente originam IDL. O excesso de colesterol leva à redução do turnover dos recetores das lipoproteínas das LDL. Assim, as LDL não são reconhecidas e o colesterol vai para os tecidos. Daniela Pimenta 51 Nestes casos é necessário que o individuo tenha uma alimentação cuidada, com redução da ingestão dos excessos. Nestes casos não são necessárias Estatinas. O ideal será não ingerir excessos para evitar a formação de colesterol endógeno. Em casos de excessos de glúcidos e proteínas há também um excesso de Acetil-Coa que não vai ser utilizado na produção de energia, originando colesterol endógeno que vai ser incorporado nas VLDL, juntamente com o excesso de triacilglicerois formados. Quando as VLDL atingem a corrente sanguínea os triacilglicerois são degradados pela lipoproteína lípase (VLDL também possuem ApoCII) originando as IDL (possuem apenas colesterol no seu interior). As IDLS conseguem receber colesterol das HDL (do transporte reverso das HDL) originando as LDL. Se o fígado conseguir reconhecer estas LDL e destruí-las nãohá problemas para o organismo. O problema é quando o fígado não consegue efetuar o turnover proteico e a destruição de todas as LDL, o que faz com que haja um aumento de LDL que vão levar o colesterol para os tecidos extra-hepáticos causando ateroma, aterosclerose, fluxo sanguíneo reduzido, hipoxia e EAM. Transporte reverso do colesterol É o principal fator que contribui para que um individuo não desenvolva hipercolesterolemia. As HDL contribuem para a remoção do colesterol dos tecidos extra-hepáticos. Deficiências no transporte reverso do colesterol são as causas principais de dislipidemias e do que daí advém. Daniela Pimenta 52 As HDL são constituídas por ApoA-I (sintetizada pelo fígado e pelo intestino), que possuem capacidade para captar colesterol, levando à formação das HDL nascentes. As HDL nascentes têm capacidade para captar colesterol da maior parte dos tecidos, das VLDL ou quilomicrons e dos macrófagos. Formam-se as HLD que através da LCAT esterificam o colesterol, formam as HLD maduras, ricas em ApoAI que são reconhecidas por recetores hepáticos – o fígado metaboliza estes esteres de colesterol. O fígado possui também recetores scavenger B1 (SR- B1) que reconhecem também ApoA-1 permitindo a entrada de colesterol no fígado, e o seu metabolismo. Através da CETP (proteína transportadora do colesterol esterificado) parte do colesterol nas HDL que não esta a ser destruído, pode ser transportado pelas IDL, originando LDL que é reconhecido pelo fígado podendo ser metabolizado. As hipercolesterolemias podem ser evitadas se não houver deficiência: Apo-AI, nos seus recetores, no SR-B1, na CETP e nos LCAT. Os indivíduos com estas deficiências desenvolvem mais rapidamente os mecanismos de aterosclerose e mais facilmente sujeitos a acidentes cardiovasculares. Se houver um transporte reverso de colesterol correto, o colesterol não é nefasto para o organismo. Causas das deslipidémias Quando há uma hiperlipidémia há também uma lipoproteínémia, o que origina dislipidémias. As dislipidémias resultam de distúrbios no metabolismo dos lípidos, principalmente nos níveis de colesterol, níveis de triglicerídeos e níveis de HDL. Daniela Pimenta 53 Estas alterações podem levar à aterosclerose que promovem a ocorrência de eventos cardíacos. Quanto à origem as deslipidémias podem ser primárias ou secundárias. Se forem dislipidémias primárias são hereditárias, recorrentes de distúrbios que afetam as apoproteínas ou enzimas intervenientes: LPL – lipoproteína lípase LH – lípase hepática LCAT – lecitina colesterol acetiltransferase Recetores das lipoproteínas circundantes. Deficiência nas apoproteínas. Se forem deslipidémias secundárias são devido ao estilo de vida, devido a outras patologias e uso de fármacos. O estilo de vida está relacionado com hábitos alimentares, sedentarismo, abuso de álcool e tabagismo. Qualquer uma destas causas pode potenciar deficiências hereditárias, podendo desencadear dislipidemia primária. Na maior parte das situações as dislipidemias são doenças silenciosas, ou seja, assintomáticas. Contudo, há alguns casos em que as pessoas podem apresentar sintomas: Xantelasma palpebrais – acumulo de gordura nas pálpebras; Arco corneano – deposição de lípidos na córnea formando um arco acinzentado (hipercolesterolemia familiar); Xantomas – deposição de lípidos nos tendões; Xantomas relacionados com as hipertrigliceridémias; Turbidez plasmática (devido ao aumento de lípidos no sangue) – quando são realizadas análises e o sangue ao ser centrifugado fica com aspeto turvo há suspeita que existe algum problema de saúde (é um diagnóstico ao acaso). Atualmente, a classificação das dislipidemias é feita a nível laboratorial e estas podem ser classificadas como: Hipercolesterolémia isolada – há apenas o aumento do colesterol. Daniela Pimenta 54 Hipertrigliceridémia isolada – há apenas o aumento dos triglicéridos – aumento de quilomicrons e VLDL. Hiperlipidémia mista – ocorre aumento LDL e VLDL e como consequência há aumento do colesterol e dos triglicéridos. HDL-C baixo (baixo nível de Apo-AI) com ou sem elevação de colesterol e/ou triglicéridos. Dislipidémias secundárias Patologias como o hipotiroidismo, doença renal e diabetes mellitus podem estar na causa de dislipidemia. No hipotiroidismo há uma redução clearance por diminuição da expressão dos recetores hepáticos o que provoca um aumento de LDL. Na doença renal, mais propriamente na síndrome nefrótica, há aumento da LDL por diminuição da atividade da lipoproteína lípase e há aumento da síntese de colesterol (diminuição do mevalonato e aumento da atividade da HMG-CoA redutase). A diminuição do catabolismo pode provocar insuficiência renal crónica, onde o mais comum é a hipertrigliceridémia (semelhante à diabética por relacionar-se com a deficiência de insulina) embora o aumento da IDL e LDL também posso ocorrer. A diabetes mellitus é uma situação onde pode ocorrer hipertrigliceridémia com aumento das VLDL. O que ocorre na DM mal controlada é que a insulina ausente (DM tipo 1) ou com ação diminuída (DM tipo 2) acaba por inibir a ação da lipoproteína lípase, o que faz com que as VLDL fiquem mais tempo na circulação. Além disso, há um aumento dos ácidos gordos livres (devido a situações percebidas pelo organismo como hipoglicémia) na circulação. Quanto mais AGL chegam ao fígado, mais VLDL é produzida. Ou seja, as VLDL são produzidas em maior quantidade e degradadas em menor velocidade – isto faz com que seus níveis sanguíneos aumentem, culminando num aumento de triacilgliceróis. Relativamente aos fármacos, os diuréticos tiazídicos (inibem a absorção de sódio) são os principais fármacos responsáveis pelas dislipidémias secundárias uma vez que provocam Daniela Pimenta 55 aumento dos triglicéridos (hipertrigliceridémia), LDL e VLDL, por aumento da síntese, e aumento da resistência à insulina (insulina está envolvida também na ativação da lipoproteína lípase). Os beta bloqueadores aumentam os níveis de triacilglicerois e diminuem os níveis de HDL pois inibem a ação da proteína lípase. Dislipidémias primárias – Hipertrigliceridémia Resultam de causas hereditárias, que podem ser potenciadas por causas de dislipidémias secundárias, especialmente uma dieta rica em excessos. Estão relacionadas com desequilíbrios entre a síntese e o catabolismo dos triglicéridos. São situações importantes de detetar uma vez que podem causar pancreatite e acidentes cardiovasculares. Nestas há um aumento dos quilomicron, das VLDL e dos respetivos remanescentes. O aumento de triacilgliceróis resultantes do aumento da síntese resultam de duas consequências: o aumento pode ser devido à sua síntese hepática aumentada (a elevada ingestão calórica), que leva ao aumento das VLDL; ou pode ser devido ao aumento da sua ingestão, que leva ao aumento dos quilomicrons. O outro fator está relacionado com defeitos na degradação destes triacilgliceróis, devido a deficiência na lipoproteína lípase, ou a deficiência na ApoCII, ou a deficiência de insulina, ou deficiência nos LRP (recetores das lipoproteínas remanescentes – capta quer os quilomicrons remanescentes quer as VLDL remanescentes. Se estes não forem captados o seu aumento na corrente sanguínea impede a ação da lipoproteína lípase). Como já foi referido, no caso da diabetes não controlada pode ocorrer hipertrigliceridémia devido, por um lado à deficiência na ação da insulina, e por outro devido ao aumento dos ácidos gordos livres que irão originar triacilglicéridos endógenos a nível hepático, levando ao aumento das VLDL. Nestes doentes, os níveis de lipoproteína (a) estão também aumentados, é importante a determinação clínica desta proteína, uma vez que é altamente heterogénia sendo um dos principais fatores de risco cardiovascular. Dislipidémias primárias– Hipercolesterolémia Daniela Pimenta 56 Aumento do colesterol na corrente sanguínea. É essencial para o organismo humano uma vez que é um componente essencial na estrutura de biomembranas, é também um precursor de todas as hormonas esteroides e precursor dos ácidos biliares. A sua acumulação no plasma pode ser nociva pois pode provocar aterosclerose o que aumento o risco de doença cardiovascular. O colesterol no organismo provem do colesterol exógeno (dieta) e do endógeno. Colesterol da dieta O colesterol proveniente da dieta pouco altera os padrões de colesterolémia, uma vez que: ,O colesterol absorvido permanece na composição dos Quilomícrons Remanescentes لا sendo, após metabolização hepática, excretado na bílis. Este colesterol é captado a nível hepático, onde é utilizado na síntese de vitaminas, saias biliares, hormonas esteróis. Quando não é necessário é eliminado através da bílis. ,Os esteróis vegetais competem com o colesterol para a incorporação nas micelas لا reduzindo a entrada do colesterol no organismo. Por isso, normalmente, os padrões de hipercolesterolémia não advêm do consumo direto de colesterol da dieta. O colesterol da dieta só é responsável por doenças cardiovasculares em dietas ricas em colesterol, uma vez que o excesso leva à diminuição dos recetores hepáticos, causando o seu aumento na corrente sanguínea (único transportado pelos quilomicrons). Colesterol endógeno e transporte do colesterol Os quilomicrons transportam TAG e colesterol da dieta, do intestinos para o sangue. Tanto as VLDL, como as LDL, as IDL, os quilomicrons remanescentes e as HDL transportam o colesterol. No entanto, destas lipoproteínas existem algumas que transportam também os TAG. As LDL são responsáveis pelo transporte para os tecidos, e as HDL do transporte para as VLDL, que originam as IDL e LDL (reconhecidas a nível hepático, assim como as HDL). Daniela Pimenta 57 No transporte reverso do colesterol, ocorre o seu transporte de todos os tecidos para o fígado (deixando de ser nocivo). O fígado pode utilizá-lo ou excretá-los na forma de sais biliares. Os padrões de hipercolesterolemia advêm principalmente da produção de colesterol endógeno, devido a dietas hipercalóricas ricas em lípidos e glúcidos. Estes excessos levam ao aumento de Acetil-CoA que posteriormente é convertida em triglicéridos e colesterol, sendo este último transportado pelas LDL do fígado para os tecidos. A maioria do colesterol transportados pelas LDL vai ser transportado para os tecidos, uma vez que é ultrapassada a capacidade hepática de destruição do colesterol. O organismo desenvolveu um sistema de remoção do colesterol dos tecidos, de maneira que este regresse ao fígado para ser destruído – transporte reverso do colesterol. Sendo assim, o próprio transporte é também é uma fonte de colesterol endógeno. O principal componente de proteína estrutural do HDL é a Apolipoproteina A1 que é sintetizado pelo fígado e intestino. A ApoA1 aceita fosfolipídios e colesterol livre do intestino e do fígado que leva à formação de HDL nascente. As HDL nascentes aceitam mais colesterol livre e fosfolipídios de tecidos periféricos, por exemplo, macrófagos, mas também de VLDL ou quilomicrons. Essas moléculas de colesterol livre são esterificadas pela enzima LCAT associada ao HDL, formando um núcleo hidrofóbico de ésteres de colesterol na partícula HDL. Posteriormente, esses ésteres de colesterol são “limpos” no fígado, seja diretamente através da interação do HDL com o recetor das ApoA1, ou através da interação da partícula HDL com o recetor scavenger B1 (SRB1), ou em uma troca entre LDL através do recetor LDL (LDL-R). O primeiro fator de hipercolesterolémia é a síntese endógena, devido aos excessos ingeridos (colesterol presente nas VLDL). O segundo fator está relacionado com a incapacidade de remoção do organismo. Esta incapacidade resulta da deficiência dos recetores das LDL (devido à diminuição do turn over proteico). Há muitas situações onde a deficiência está nas ApoB (recetor a nível hepático não as reconhece e o colesterol vai para os tecidos) e com um desequilíbrio na PCSK9 havendo um aumento das LDL na corrente sanguínea. Daniela Pimenta 58 O colesterol das LDL que não é metabolizado a nível hepático vai para os tecidos e o transporte reverso do colesterol responsável pela remoção deste colesterol. O Transporte reverso do colesterol é o principal fator que contribui para que um individuo não desenvolva hipercolesterolemia. As HDL contribuem para a remoção do colesterol dos tecidos extra-hepáticos. Deficiências no transporte reverso do colesterol são as causas principais de dislipidemias e do que daí advém. As HDL são constituídas por ApoA-I (sintetizada pelo fígado e pelo intestino), que possuem capacidade para captar colesterol, levando à formação das HDL nascentes. As HDL nascentes têm capacidade para captar colesterol da maior parte dos tecidos, das VLDL ou quilomicrons e dos macrófagos. Formam-se as HLD que através da LCAT esterificam o colesterol, formam as HLD maduras, ricas em ApoAI que são reconhecidas por recetores hepáticos – o fígado metaboliza estes esteres de colesterol. O fígado possui também recetores scavenger B1 (SR- B1) que reconhecem também ApoA-1 permitindo a entrada de colesterol no fígado, e o seu metabolismo. Através da CETP (proteína transportadora do colesterol esterificado) parte do colesterol nas HDL que não esta a ser destruído, pode ser transportado pelas IDL, originando LDL que é reconhecido pelo fígado podendo ser metabolizado. As hipercolesterolemias podem ser evitadas se não houver deficiência: Apo-AI, nos seus recetores, no SR-B1, na CETP e nos LCAT. Os indivíduos com estas deficiências desenvolvem mais rapidamente os mecanismos de aterosclerose e mais facilmente sujeitos a acidentes cardiovasculares. Daniela Pimenta 59 Se houver um transporte reverso de colesterol correto, o colesterol não é nefasto para o organismo. O recetor do colesterol esterificado permite que o colesterol esterificado regresse às VLDL, podendo ser metabolizado a nível hepático, e por isso, uma deficiência neste recetor leva também ao aumento do colesterol na corrente sanguínea. Uma deficiência na LCAT faz com que o colesterol não seja esterificado e consequentemente não é incorporado nas VLDL. Caso este colesterol não seja transportado pela CETP ocorre o mesmo que acima. Uma deficiência nos recetores da ApoA-1 fazem com que HDL contribua para o aumento do colesterol na corrente sanguínea – se houver deficiência nos recetores que reconhecem as HDL ricas em colesterol, o colesterol fica na corrente sanguínea, havendo mais uma fonte endógena a contribuir para a hipercolesterolemia. Uma deficiência nos SRB1 leva à mesma situação das deficiências nos recetores das HDL. As causas das hipercolesterolemias são: ➢ O aumento de síntese de colesterol; ➢ Deficiências nos recetores das LDL, das ApoA-1 e das SRB1, na CETP e na LCAT. Outras alterações ao metabolismo dos lípidos – esteatorreia Qual é a causa da esteatorreia? Na esteatorreia a digestão e a absorção de lípidos e proteínas é incompleta resultando no aparecimento de fezes com grande teor de lípidos e proteínas não digeridas. Deficiência no hepatócito ou pâncreas leva a e esta não digestão. Marcadores laboratoriais do risco cardiovascular A deteção de hiperlipidémias/dislipoproteinémias permite a avaliação do risco de doença cardiovascular. Ambas as anteriores permitem definir a terapêutica, que por sua vez leva ao controlo dos doentes sujeitos a terapêutica ou dieta hipolipémica. Daniela Pimenta 60 Os marcadores são importantes pois auxiliam na escolha da terapêutica. Os biomarcadores para avaliação do risco cardiovascular não servem apenas para caraterizar as dislipidémias e avaliar o risco cardiovascular, mas também paradefinir a terapêutica. Os marcadores usados para definir as dislipidémias e o risco cardiovascular e para definir a terapêutica fazem parte do perfil lipídico que envolve o colesterol total, HDLc, LDLc e os triacilgliceróis. Os triacilgliceróis têm a particularidade de não estarem só associados ao risco cardiovascular, mas também a situações de pancreatite (que pode provocar problemas generalizados na digestão das moléculas que ingerimos). Contudo, o perfil lípido não é suficiente pois no dia a dia nós identificamos indivíduos que têm estes valores todos normais, mas que sofrem eventos cardiovasculares muito intensos. Por este motivo, a ciência teve a necessidade de “redefinir” o perfil lipídico. Posto isto, o perfil lipídico é muito útil para a avaliação das dislipidemias, mas insuficiente para avaliar o risco cardiovascular. Estes marcadores são importantes principalmente em casos de Enfarte Agudo do Miocárdio e AVC relacionadas com obstrução e situações de isquemia. Existem fatores que potenciam o processo de aterosclerose, tais como: estilo de vida (idade, história de família, excesso de peso, tabagismo, pressão sanguínea alta, dieta, alcoolismo, sem exercício/atividade física e colesterol alto) diabetes, hipotiroidismo, insuficiência renal e fármacos . Outro fator de risco é o perfil lipídico (níveis elevados de colesterol), no entanto é pouco importante como previsão de risco cardiovascular uma vez que os marcadores do perfil lipídico são marcadores pouco sensíveis. As moléculas mais sensíveis de previsão incluem a hs-CRP, a APOB/APOA-1 e a Lp(a). Lipoproteína (A) Daniela Pimenta 61 São um tipo de HDL mais pequena (atravessa facilmente as paredes das artérias). É um inibidor competitivo do ativador do plasminogénio tecidual inibindo a geração de plasmina e a fibrinólise. Está associada à doença cardiovascular nas raças brancas e amarela. É um dos principais fatores que provoca o processo de aterosclerose: têm à sua superfície uma ApoA ligada à ApoB100 por pontes dissulfureto (facilmente oxidável), o que potencia o processo de aterosclerose. Passam a parede das artérias mais facilmente e depositam-se, o que beneficia o bloqueio das artérias. Quanto os níveis estão aumentados há potenciação de vários fatores que aumentam a aterosclerose. Coeficiente ApoB/ApoA-1 Quando falamos de colesterol não HDL, falamos do colesterol associado a lipoproteínas com APoB. No entanto, não são apenas estas lipoproteínas que transportam o colesterol, pelo que é importante também ter em conta o colesterol das HDL. Para tal, é necessário verificar também os níveis de APoA1, uma vez que normalmente, as HDL têm capacidade para captar o colesterol, e são reconhecidas a nível hepático para haver a metabolização desse colesterol. O coeficiente colesterol total/HDLc corresponde ao coeficiente ApoB/ApoA-1, mas individualmente, os valores são mais elucidativos. As ApoA1 são características das HDL. Quanto maior for o seu nível maior é a capacidade de o indivíduo realizar o transporto reverso do colesterol, ou seja, mais eficiente é a remoção do colesterol nos tecidos. Posto isto, considera-se ApoB tudo o que não é HDL (colesterol total - HDL). Assim, quanto maior o seu valor maior é o risco de se formarem placas ateroscleróticas. Tendo em conta estas definições percebe-se que é vantajoso olhar para os valores individualmente. O Ratio apoB/ApoA-1 consiste no ratio potencial aterogénico/potencial não aterogénico, sendo por isso um coeficiente relacionado com o risco cardiovascular (permite avaliar se as terapêuticas estão a funcionar no controlo das deslipidémias). Daniela Pimenta 62 Proteína C reativa de alta sensibilidade (hs-CRP) Possui uma natureza não lipídica, e é detetada em concentrações muito baixas (basta 0,5 mg). Associa-se muito a situações de risco cardiovascular pois em todo o risco cardiovascular há um processo inflamatório. A libertação em concentrações baixas desta proteína é um indicador precoce destas situações. A proteína C, ao contrário dos níveis lipídicos, não é afetada pela alimentação o que é uma grande vantagem, pois em qualquer altura do dia e independente do estado nutricional do indivíduo pode ser feita a sua determinação. O teste hs-CRP é uma técnica que permite detetar concentrações bastante baixas desta proteína – 0,5mg a 10mg/L. É o melhor biomarcador para o risco cardiovascular uma vez que não é afetada pela alimentação, assim como as ApoB e ApoA1. Para além disso, é um teste que permite prevenir situações de enfarte do miocárdio. Homocisteína O seu aumento na corrente sanguínea é um grande indicativo que o indivíduo pode sofrer de formação de coágulos o que provoca eventos cardiovasculares. Os microRNAs são pequenas moléculas de RNA. A correlação deixa algumas dúvidas, sendo que ainda se está a estudar estes mRNAS. Visão geral da terapia farmacológica para a dislipidemia O aumento dos lípidos na corrente sanguínea advém de fontes endógenas e/ou fontes exógenas. Do ponto de vista terapêutico, o que se usa são moléculas que fazem sequestro a nível intestinal (do colesterol e dos TAG). O colesterol da dieta tem baixa contribuição nas hipercolesterolemias, e é por isso que a terapêutica, acima descrita, não faz sentido. Daniela Pimenta 63 No caso das hipertrigliceridémias faz sentido utilizar fármacos que impeçam a sua absorção intestinal, uma vez que caso haja deficiência na lipoproteína lípase, na AooCII ou nos recetores dos quilomicrons, ocorre aumento dos triglicéridos nas corrente sanguínea. Estes sequestradores captam essencialmente sais biliares, não havendo absorção dos triglicerídeos nem de colesterol uma vez que não há a sua hidrolise. Como já foi referido, a terapêutica farmacológica está associada, essencialmente, com a absorção dos lípidos a nível intestinal. Resinas (uteis nas hipertrigliceridémias): quanto menor for a quantidade de sais emulsificantes (sais biliares), menor é a digestão e assim a quantidade de colesterol e TAG que é absorvido é menor. Ezetimiba: inibidor da absorção a nível do intestino. Fibratos ou derivados do ácido fibrico: efeito não só na potenciação da degradação dos triacilgliceróis, mas também são considerados moléculas que reduzem o nível do colesterol pois potenciam a recaptação da LDL devido à melhor a expressão dos recetores das LDL (que são necessários para a captação). Resumindo, os derivados do acido fibrico são importantes em ambas as condições uma vez que potenciam a ação da lipoproteína lípase (baixam os níveis de triacilgliceróis). As IDL (restaram da hidrolise) são convertidas em LDL e potenciam a expressão dos seus recetores destas lipoproteínas. Se tivermos aumento dos TAG, utilizando os derivados do ácido fibrico favorecemos a captação das LDL havendo também aumento da eliminação de colesterol. Estatinas: inibem a HMG-CoA, enzima necessário para converter a HMG-CoA em mevalonato (precursor do colesterol). Inibidores da PCKS9: os recetores da LDL necessitam de renovação. A PCKS9 impede essa renovação pois capta o recetor e ao fazê-lo leva a que ele sofra endocitose e seja degradado Daniela Pimenta 64 pelos lisossomas. Níveis elevados desta proteína faz com que os indivíduos têm níveis elevados de colesterol. A terapêutica não farmacológica pode diminuir a quantidade de colesterol endógeno (por exemplo dietas hipocalóricas de maneira a evitar excessos). Estatinas As estatinas têm uma variabilidade interindivudal relacionada com a sua farmacocinética. As associações terapêuticas afetam em grande grau a farmacocinética, sendo que a maior parte fica retido na corrente sanguínea. Com a toma da estatina verifica-se um aumento da AST. O facto da AST estar, normalmente, mais elevada que a ALT não condiz com hepatotoxicidade, uma vez que no fígado existe a ALT em maior quantidade. No entanto,no músculo existe mais AST, e o seu aparecimento elevado é devido à rabdomiólise. Como foi mencionado, a toma das estatinas pode provocar situações de rabdmiólise, que consistem na destruição do músculo esquelético e cardíaco. A nível das células existe uma grande quantidade de cálcio e de potássio e, se a destruição do músculo já provoca enfraquecimento, no caso do músculo cardíaco, o aumento do potássio potencia ainda mais o enfraquecimento do músculo (não há capacidade de o músculo bombear o sangue e a diminuição do fluxo sanguínea leva à diminuição da chegada de oxigénio às células). Nestas situações há aumento da CK e da mioglobina. Indivíduos com estas terapêuticas verificou-se que rapidamente desenvolviam situações onde havia diminuição da TFG devido ao efeito de vasoconstrição (fluxo sanguíneo no nefrónio está diminuído), que pode levar a situações de hipoxia e isquemia, que proporcionam um metabolismo anaeróbio e o rim deixa de ter energia para a reabsorção e secreção de moléculas. Numa situação normal, existem níveis normais de K e Na. Mas, se houver falha na energia destas células ocorre hiponatremia (diminuição de Na) e hipercaliémia (aumento de K na corrente sanguínea) e também aumento do cálcio (hipercalcémia). Daniela Pimenta 65 Esta situação é o que se verifica com a utilização de estatinas, havendo um efeito tipo de síndrome de Fanconi (na urina aparece tudo o que deveria ser reabsorvido a nível renal) onde existe uma destruição dos túbulos dos nefrónios. Sempre que se façam estas terapêuticas deveremos controlar sempre a β2-microglobulina (aumentada na urina) e a microalbuminúria, uma vez que funcionam como marcadores de previsão, que podem prevenir o dano total do rim, caso se suspensa a terapêutica a tempo. Exemplo de caso clínico Senhor de 44 anos, obeso, com história coronária, tem antecedentes familiares e o estilo de vida só o prejudica ainda mais, é hipertenso. Foram efetuadas as análises e verificou-se que: os níveis de colesterol total nem estão assim tão elevados; há um baixo nível de HDL e os níveis de triglicerídeos estão extremamente elevados, pelo que se administrou o gemfibrozil, mas a hipertrigliceridemia pode ser resultado da terapêutica com o diurético, sendo assim, seria necessário trocar o hipertensor e voltar a fazer as determinações lipídicas e avaliar os novos dados. Daniela Pimenta 66 Tem fatores de risco que aumentem os riscos cardiovasculares, tais como: tabagismo, sedentarismo e obesidade. Os níveis de triacilglicerois estão mais elevados que os de colesterol. O utente usa varfarina e hidroclorotiazida (diurético tiazidico), que induzem hipertrigliceridémias (aumentam a síntese dos TAG e diminuem a sensibilidade da lipoproteína lípase à insulina). Poderiam ser administrados fibratos de maneira a controlar a situação, desde que se mantenha a varfarina, deixar de fumar, controlar a hipertensão e deixar de beber (mudar o estilo de vida para baixarmos os níveis de colesterol). A diminuição dos níveis de colesterol é também potenciada pelo fibrato.