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Riqueza e miséria, crescimento desordenado dos centros urbanos, mudança radical nos meios de transporte e comunicação, grandes avanços científicos. A Revolução Industrial transformou a face da Europa e trouxe consigo a urgência de uma nova estética, capaz de refletir esse processo. O Realismo responde a essa necessidade. Neste capítulo, você saberá por quê. 1. Observe o retrato da camponesa que abre o capítulo. Como você a des- creveria? Que impressão essa mulher provoca no observador?ff 2. Que aspectos da imagem podem causar impacto no observador do quadro? 3. Você diria que esse é um retrato idealizado de uma camponesa? Justifique. Capítulo 9 [...] Quanto mais próximas lhe ficavam as coisas, mais o seu pensamento se afas- tava delas. Tudo o que a rodeava de perto, os campos enfadonhos, os burguesinhos imbecis, a mediocridade da existência, parecia-lhe uma exceção no mundo, um caso particular em que se achava envolvida, ao passo que para além se estendia, a perder de vista, o imenso país da felicidade e das paixões. Confundia, no dese- jo, a sensualidade do luxo com as alegrias do coração, a elegância dos hábitos com a delicadeza dos sentimentos. Acaso não necessita o amor, como certas plantas, terreno preparado, temperatura especial? [...] Charles gozava de boa saúde e tinha ótimo aspecto; a sua reputação estava definitivamente firmada. Os camponeses gostavam dele porque não era or- gulhoso. Agradava as crianças, não entrava nunca nas tabernas e, além disso, inspirava confiança pela sua conduta. [...] [...] Charles, porém, não tinha ambições! Um médico de Yvetot, com quem se encontrara em conferência, humilhara-o um pouco, na própria cabeceira do doente e na presença dos parentes reunidos. Quando Charles contou, à noite, esse fato, Emma exaltou-se em voz alta contra o colega. Charles sentiu-se enternecido com isso e deu-lhe um beijo acompanhado de uma lágrima. Ela, porém, estava exasperada de vergonha; a sua vontade era de espancá-lo, mas se levantou, dirigiu-se ao corredor, abriu a janela e aspirou o ar fresco, para se acalmar. — Pobre-diabo! Pobre-diabo! — dizia ela em voz baixa, mordendo o lábio. Sentia-se cada vez mais irritada. A idade ia-o tornando pesadão; à sobremesa divertia-se em cortar as rolhas das garrafas vazias e, depois de comer, passava a língua pelos dentes; ao engolir a sopa, fazia um gorgolejo em cada gole e, como começasse a engordar, os olhos, já por si tão pequenos, pareciam ter sido empurrados pelas bochechas. 4. Com o surgimento do Realismo na Europa, os romances de costumes passam a retratar as personagens e suas relações de modo mais dis- tanciado e objetivo. Leia um trecho de Madame Bovary, que mostra o descontentamento da personagem principal diante da realidade de sua vida de casada. Leitura da imagem Da imagem para o texto George Clausen (1852- -1944), pintor inglês, estu- dou com o mestre francês Bouguereau. Tornou-se um dos mais aclamados pintores modernos de paisagens e vida nos campos. Destaca-se, na sua obra, o uso da luz, que contribui para orientar o olhar do observador para detalhes que desejava destacar. CLAUSEN, G. Autorretrato. 1882. Óleo sobre tela, 21,3 3 31,1 cm. 389 C ap ít u lo 1 9 • R ea lis m o R ep ro du çã o pr oi bi da . A rt . 1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . I_plus_literatura_cap19_C.indd 389 20/10/10 6:11:12 PM a) Transcreva a passagem que revela os sentimentos de Emma em re- lação ao local em que vive com o marido. b) Como ela se sente morando nessa pequena vila no interior da França? Que imagem faz do lugar? c) De que maneira a linguagem usada traduz para o leitor os juízos de valor de Emma? 5. O que é possível depreender do gesto de Charles Bovary diante da reação revoltada de Emma? ff Como Emma vê seu marido? Justifique. 6. Compare o retrato da camponesa, que abre este capítulo, com a apre- sentação que Flaubert faz da vida de casados de Charles e Emma. Que semelhanças no olhar para a realidade podemos identificar entre o quadro e o texto? Explique. 7. Discuta com seus colegas: uma cena como a de Madame Bovary poderia fazer parte de um romance romântico? Por quê? A Revolução Industrial muda a face da Europa A Revolução Industrial desencadeou mudanças tão profundas no modo de produção que se tornou responsável pela reordenação da economia mundial no século XIX. A multiplicação das máquinas e o crescimento do comércio ajudaram a disseminar um clima de otimismo que associava as mudanças nos modos de produção à possibilidade de importantes reformas sociais e prometia tem- pos de prosperidade econômica e desenvolvimento técnico e científico. A industrialização, porém, acarretou um efeito social contrário ao es- perado: acentuou a distinção entre a burguesia e a classe trabalhadora (proletariado). Os trabalhadores, agora assalariados, foram empurrados em direção à pobreza. Um paradoxo capitalista: desenvolvimento e miséria Em 1800, a população da Europa chegava a 190 milhões de pessoas. Cem anos mais tarde, 460 milhões. Esses números traduzem uma evidente expansão do mercado e do trabalho. Com o declínio dos tipos tradicionais de lavoura e o uso das máquinas, os camponeses foram expulsos do interior e iam para as cidades em busca de emprego nas indústrias e fábricas. Mesmo os grandes centros, como Londres e Paris, não contavam com uma infraestrutura adequada para absorver um crescimento populacional tão grande. Nesse contexto de po- breza crescente, a mendicância e a prostituição tornaram-se subprodutos indesejáveis e degradantes da sociedade. Emma, às vezes, metia-lhe para dentro do colete a fralda vermelha da camisa, arrumava-lhe a gravata ou punha fora as luvas desbotadas, que ele pretendia calçar; e isso não era por ele, como Charles pensava, mas por ela mesma, por expansão de egoísmo, por irritação nervosa. [...] FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. Tradução de Enrico Corvisieri. Porto Alegre: L&PM, 2003. p. 68-72. (Fragmento). GUY, S. 1862. Uma varredora de passagem. Óleo sobre tela, 21,6 ! 30,8 cm. O avanço capitalista promove um agravamento dos problemas sociais. A arte se interessa pelas crianças que começam a aparecer nas cidades, pedindo esmolas, trabalhando, como essa pequena menina que varre as ruas em troca de moedas. Gustave Flaubert (1821- -1880) chocou a França ao publicar, em quatro folhetins no perió dico La Revue de Pa- ris (1856), a história de Emma Bovary. Victor Hugo, Baudelai- re e outros escritores sauda- ram a narrativa como o ponto alto do romance francês do século XIX. As classes con- servadoras, porém, acusaram o escritor de ofensa à moral pública por tratar de modo franco do tema do adultério e das fraquezas humanas. Ino- centado no processo movido contra ele, Flaubert entrou para a história literária como o primeiro autor a produzir uma narrativa que rompe violentamente com o olhar idealizado predominante na estética romântica. É, por esse motivo, considerado o fundador do Realismo. Material complementar Moderna PLUS http://www.modernaplus.com.br Exercícios adicionais. 390 U n id ad e 5 • R ea lis m o e N at ur al is m o R ep ro du çã o pr oi bi da . A rt . 1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . I_plus_literatura_cap19 REIMPRESSÃO.indd 390 2/9/11 6:05 PM Um mundo menor As alterações trazidas pelo avanço tecnológico tiveram um efeito ime- diato na vida dos europeus: o mundo ficou menor. A invenção do telégrafo permitiu comunicações extremamente rápidas e com o cabo submarino transatlântico em 1866, o contato entre pessoas em diferentes continentes foi agilizado de forma extraordinária. A substituição dos cavalos pelas máquinas movidas a vapor revolucionou o sistema de estradas de ferro. Realismo: a sociedade no centro da obra literária A realidade das máquinas, dos transportese das novas teorias sociais tornava inviável a visão de mundo romântica. Os artistas, como pessoas de seu tempo, procuraram um novo parâme- tro de interpretação da realidade. Foi assim que a objetividade ocupou o lugar do subjetivismo romântico e a valorização desmedida da emoção foi abandonada. Em lugar de tratar dos dramas individuais, o olhar realista focalizará a sociedade e os comportamentos coletivos. Novas doutrinas sociais Diferentes doutrinas surgiram para explicar a organização capitalista. O inglês Adam Smith (1723-1790) é considerado o pai da economia moderna. Pregava uma política liberalista, na qual a economia deveria ser exercida pela livre-iniciativa. A função do Estado seria apenas preservar a lei, manter a ordem e defender a nação. A proposta do liberalismo de não intervenção estatal na economia foi associada a uma expressão francesa, laissez-faire, que pode ser traduzida como “deixar fazer”. Para o economista Thomas Malthus o descompasso entre o crescimento populacional e a produção de alimentos gerava um estado de pobreza perma- nente e inevitável. Sua teoria serviria de justificativa para que alguns setores da sociedade condenassem ações governamentais de ajuda aos pobres. O filósofo e economista alemão Karl Marx (1818-1883) revolucionou o pensa- mento de seu tempo ao lançar as bases teóricas para uma nova organização social. Para ele, as relações de produção e de trabalho da sociedade é que determinavam a estrutura social. Em 1848, juntamente com Friedrich Engels (1820-1895), lançou O manifesto comunista conclamando as classes trabalhadoras a se insurgirem contra o sistema capitalista que as oprimia e condenava à miséria. Acreditavam numa nova sociedade, onde as pessoas, livres, trabalhariam em conjunto pelo bem comum e todos teriam uma vida mais digna e justa. DAUMIER, H. O vagão da segunda classe. 1864. Tinta e carvão sobre papel, 20,5 3 30,1 cm. 18 63 18 89 18 78 18 91 18 80 18 85 18 81 18 99 18 95 18 67 18 90 18 84 18 93 É criada, no Brasil, a Escola Neutralidade, escola primária positivista. Promulgada a Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Machado de Assis publica sua obra-prima, Dom Casmurro. Eça de Queirós publica O primo Basílio. Inauguração da central geradora de energia elétrica, em Nova Iorque. Roentgen descobre o raio X. Os irmãos Lumière constroem o primeiro cinematógrafo. Inauguração do primeiro metrô, em Londres. Marx publica O capital. Proclamação da República, no Brasil. Surge o Partido Operário. Início da Revolta Armada no Rio de Janeiro. Publicação do livro Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Gottlieb Daimler e seu filho Wilhelm andam no primeiro automóvel. Berlim, 1885. Rodin esculpe O pensador. RODIN,!A. O pensador. Bronze, 72 cm de altura. 391 C ap ít u lo 1 9 • R ea lis m o R ep ro du çã o pr oi bi da . A rt . 1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . I_plus_literatura_cap19_C.indd 391 20/10/10 6:11:16 PM