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, 
A AUTORIDADE, SUAS RELAÇÕES COM A FORÇA, 
O PODER E A UDERANÇA 
M. Girão Barroso* 
Giovanni Sartori e Hannah Arendt se esforçam por explicar a origem da palavra 
"autoridade". Segundo os léxicos, vem do latim auctoritas, por sua vez do verbo 
augere, aumentar. Nesses dois autores a explicação etimológica soma-se a históri­
ca, dando a entender que a autoridade vem a ser um plus ou, melhor ainda, um 
munus acrescentado aos que a exercem. 1 Hoje essa significação se traduz nos di­
cionários mais comuns pela definição de autoridade como uma soma de poder 
exercida por alguém ou alguma instituição, sentido amplo que se especifica quan­
do levamos o termo ao campo da ciência política, onde essa capacidade de mando, 
bem ou mal, é sancionada pelo Estado. 
Trata-se, todavia, de uma conceituação ainda imprecisa, que nos conduz a ou­
tras indagações relacionadas com a origem, a justificação, a extensão e até mesmo 
a importância da autoridade no conjunto das expressões políticas. Para começar, é 
necessário estabelecer a distinção entre força, poder e autoridade a partir da 
idéia, geralmente aceita, de que o exercício da autoridade requer poder e este, por 
sua vez, não existiria sem o recurso à força. Atentemos no problema dessa alegada 
interdependência, para verificar até que ponto a autoridade pressupõe o poder, es­
tando este subordinado, ou não, a um coeficiente de força. 
O que chamamos força é uma forma de energia, natural ou provocada, que se 
opõe à inércia e tenrle a vencê-la, com algum útil ou presumidamente útil objetivo, 
na medida em 'que e:.xercitada. No campo da atividade social e política, que mais 
nos importa, a força se exprime sob a forma de ação humana, individual ou gru­
pai, nela reunidos elementos físicos (ou orgânicos) e elementos morais concernen­
tes à disposição humana de fazer ou não fazer alguma coisa. Costumamos falar em 
força física como algo diferente ou independente da força moral. Objetivamente, 
porém, no mundo das ações, toda força moral implica uma força física e vice-ver­
sa. Podemos falar, portanto, da força num sentido dúplice, de força físico-moral. 
Tendo por implícita essa significação, e passando ao âmbito sócio-político em 
que nos colocamos, vemos que neste a força se institucionaliza, ora como força 
estatal, isto é, organizada a serviço do Estado e do respectivo Governo, ora me­
ramente como força social, esta se distinguindo em força social organizada (or­
ganizações sociais) e força social inorganizada ou mais ou menos organizada 
(movimentos multitudinários, lobbies, associações livres, etc.) a serviço da coleti­
vidade. Não devemos confundir a força estatal com a força social organizada, 
pois o Estado, por sua vez, não se identifica senão como um dos instrumentos, por 
certo o principal, da coesão social. Uma outra distinção se pode fazer entre força 
aparelhada, geralmente a estatal, dotada de instrumentalidade material (Exércitos 
e Polícias), e força desaparelhada ou só indiretamente aparelhada (pelo Estado), 
sendo este o caso das forças sociais em geral. 
* Doutor em ciências jurídicas e sociais; professor universitário e advogado. 
1 Sartori, G. Teoria democrática. Fundo de Cultura, 1965. p. 153; Arendt, H. Entre o passado e ofuturo. 
São Paulo, Perspectiva, 1972. p. 163 e seBS. 
R. C. poI., Rio de Janeiro, 31(3):3-16, julJset 1988 
Tem-se afirmado que a força está na origem do poder, como na gênese do pró­
prio Estado. Ao se estruturar o poder e com ele a organização estatal, houve e ha­
veria sempre que apelar para os instrumentos da força, a princípio em seus ~spec­
tos brutais e, depois, em sua forma cada vez mais institucionalizada. A tese é dis­
cutível para aqueles que acham dever-se a elaboração das formas potestativas da 
sociedade antes ao consenso e ao contrato, ou, mais genericamente, ao fenômeno 
da sociabilidade, inerente à natureza dos grupos humanos, em sua progressiva 
constituição. A força não participaria ou, pelo menos, não seria condição intrínse­
ca à formação do poder e do Estado. Essas duas teorias, no entanto, não se con­
trapõem, mas se combinam, na medida em que existe no cerne da formação do po­
der e do Estado o impulso natural da sociabilidade, sem embargo do qual, todavia, 
nas fases críticas de formação ou conservação do poder e do Estado, a força inor­
ganizada ou já organizada tenha que atuar inelutavelmente. Não seria portanto a 
força um elemento estrutural e substancial, senão apenas acidental ou conjuntural 
da vida política. De qualquer modo, porém, fator originário ou só eventual, sobre­
tudo potencial depois que o poder se estrutura, a presença constante da força tem 
sido inegável na lógica e na história sócio-política da humanidade, e escusado se­
ria lastimar o fenômeno se determinadas teorias não identificassem a causa com o 
efeito, isto é, a força, mera instrumentação ou potencialização do poder, com o 
próprio poder, assim dando lugar à ominosa concepção despótica, autoritária ou 
totalitária do Estado. 
O essencial a estabelecer é que a força, aparelhada ou não, mais caracteristica­
mente moral ou material, de maneira potencial ou efetiva, subsume-se na fenome­
nologia do poder e este passa a surgir, na atividade política, como uma realidade e 
uma categoria autônoma, em que se apóia a existência do Estado. Daí a importân­
cia que a Ciência Política atribui ao estudo do poder, analisando-o em seus varia­
dos aspectos. 
O poder é um fenômeno de ordem social, antes de ser de ordem jurídica e de 
ordem estatal. Importa a capacidade de mando (donde vem, automaticamente, o 
domínio) e, portanto, a capacidade de fazer-se obedecer e de obrigar em relação 
aos homens e às coisas. A aquisição do poder, corno vimos em parte, tem uma ex­
plicação complexa tanto do ponto de vista histórico quanto de sua exegese à luz 
da Psicologia e da Sociologia. Sem dúvida um impulso natural do ser humano, 
projeta-se no meio em que ele vive, favorecido circunstancialmente por predicados 
pessoais, pelo uso da força ou através dos costumes, sejam estes religiosos, morais 
ou políticos, contemplando indivíduos ou grupos e dando lugar à submissão de 
uns por outros, na conquista e divisão dos bens. 
Temos aí uma noção genérica que se exprime por definições, tais como a de 
Gerhard Leibholz, ao considerá-lo "a capacidade de impor uma vontade, direta ou 
indiretamente, aos seres humanos";2 ou de Max Weber, em cuja opinião o poder é 
a "probabilidade de impor a própria vontade, dentro de uma relação social, mesmo 
contra toda resistência e qualquer que seja o fundamento dessa probabilidade"." . 
À parte as reservas que fazemos a essas definições, nosso maior interesse é 
conceituar o poder do ponto de vista político. Nesse particular as opiniões diver­
gem, entendendo uns que o conceito político do poder extrapola do Estado e 
achando outros que esse conceito não somente se reduz ao Estado, como neste 
2 Leibholz, Gerhard. In: Meynaud, Jean. Introducción a la dencia poütica. Technos, p. 74. 
3 Weber, Max. Economía y sociedad. México, Fond" de Cultura Económica, 1964, v. I, p. 43. 
4 R.CP. 3/88 
ainda mais se restringe à categoria do Governo e até mesmo da simples Autorida­
de. 
Jean Meynaud, em sua obra já citada, contempla-nos com uma página meticulo­
sa, visando a "determinar a parte que corresponde à Ciência Política na análise 
dos fenômenos do poder" e a "identificar os critérios que permitam iso ar o poder 
político dos demais poderes sociais".' 
Sabemos que a organização política não se confunde com a mais ampla organi­
zação social e, mesmo assim, ela não se identifica também com a menos ampla or­
ganização estatal. Fica num meio termo, compreendendo as instituições sociais em 
que o poder político, em sua acepção genérica, se manifesta. Contudo, sendo a or­
ganização estatal o foco por excelência da organização política, todo o poder polí­
tico acaba por ser a ela deferido, razão esta de sua principal característica, isto é, 
da supremacia e do monopólio de que goza sobre os demais poderes,que aliás lhe 
devem o reconhecimento. Aderimos assim à conceituação do poder político como 
"o poder social que se focaliza no Estado" (Franz Neumann) ou, mais precisa­
mente, como "a potencialidade efetiva dos homens que integram o Estado" (Sully 
Alves de Souza, associan'do definições de G.E. Catlin e Recasens Siches).5 
Esse enfoque, no entanto, requer, como diz Bonavides, alguns traços que con­
ferem ao poder "a fisionomia costumeira", tais como, principalmente, a capacida­
de de auto-organização, a unidade e indivisibilidade do poder, o princípio de lega­
lidade e de legitimidade e, finalmente, a soberania. 6 
Não nos estenderemos nesses aspectos, já que nosso objetivo se limita a estuda~ 
o poder como o elo que leva da força à autoridade, e precisamente por se aplica­
rem a esta, por extensão, os seus mesmos requisitos. Em todo caso, lembremos 
que, além da capacidade coativa global de que goza, à qual se curvam as demais 
expressões potestativas a seu redor, o poder político que não queira ser despótico, 
o poder puro ou nu, como o chama Bertrand Russell, há que recobrir-se das con­
dições de legitimidade e legalidade. Importa a primeira no reconhecimento social 
do poder, em função dos valores que representa. Significa que o poder político 
não se impõe por si mesmo, mas em virtude de uma situação de bilateral idade con­
sentida de relações entre governantes e governados, nas quais o assentimento des­
ses últimos, fundado sobretudo na persuasão moral, assegura o vínculo governati­
vo. Já a segunda condição, de legalidade, provém do fato de que a ordem estatal é 
subjacentemente uma ordem jurídica, desta recebendo o poder, através da lei, a 
sua chancela. Evidentemente o equilíbrio do exercício do poder político depende 
do maior ou menor grau de complementaridade dessas duas condições, arriman­
do-se uma na outra para que o Estado e seu Governo rerdurem. A legalidade for­
nece a situação objetiva, dentro da qual o poder político se torna efetivo, enquanto 
a legitimidade corresponde a uma situação intersubjetiva, na qual os participantes, 
sujeitos ativos e passivos do poder, se propõem a observância da ordem institu­
cionalmente estabelecida. 
Vimos até aqui como na organização política a energia social, em alguns casos 
chamada força, leva ao poder. Mas, de que modo essa energia leva à autoridade, 
tida esta como uma questão tanto ou mais substancial da Ciência Política? 
4 ~Ieynaud, Jean. op. cit. p. 73 e segs. 
5 In: Pode,r social e poder político. Revista de Ciência Política, 3( 1):64-81. 
6 Bonavides, Paulo. Ciência política. 2. ed. p. 108. 
Autoridade 5 
Em última análise, aquela forma de energia é um fenômeno inorganizado da vi­
da social, que se projeta e organiza no chamado poder. Quando, todavia, falamos 
em poder, vemos que se trata de uma abstração destinada a representar algo que se 
faz concreto através de seu exercício. Trata-se, evidentemente, da autoridade, so­
bretudo ao adquirir personificação naqueles que a exercem. Rigorosamente, p0-
deríamos dispensar o conceito de poder e minimizar o de força, esta considerada 
um mero instrumento potencial ou efetivo da autoridade, em cujo conceito acaba­
riam por resumir-se, portanto, as nossas preocupações. É o que vem ocorrendo, 
tanto que alguns cientistas políticos passaram a julgar incerto o conceito de poder 
e outros chegam a substituí-lo pelo mais autêntico e real de autoridade, fulcro, a 
seu entender, da Teoria do Estado. 
Segundo Jean Meynaud, "vários autores, especialmente em França, preferem 
utilizar o termo 'autoridade' para abarcar as relações nascidas do funcionamento 
do poder político. Raymond Aron adota uma concepção ampla da disciplina e lhe 
atribui como matéria 'o que se relaciona com o governo das sociedades, isto é, 
com as relações de autoridade entre os indivíduos e os grupos'. Escreve ele: 'A 
Ciência Política obtém sua autonomia C .. ) na medida em que considera como fato 
fundamental a estrutura da autoridade.' CharIes Celier, partidário de uma con­
cepção mais limitada, define os fenômenos políticos como 'as relações de autori­
dade no âmbito do Estado.' Albert Bruno sustenta idêntico ponto de vista, já que 
considera como objeto da Ciência Política 'o estudo dos fenômenos de autoridade 
no âmbito do Estado.' Meynaud ainda se refere à doutrina de David Easton, em 
sua obra The political system, repetindo-lhe a definição de que 'a Ciência Política 
é o estudo da distribuição autoritária (ou, se se prefere, da distribuição imperativa) 
dos valores no seio da sociedade,' onde se deve alertar para a nenhuma conotação 
com o autoritarismo, concluindo por afirmar, embora com alguma reserva:' ( ... ) 
parece-nos que a estrutura da autoridade, recolhendo a expressão de Raymond 
Aron, em sua aplicação à gestão dos negócios públicos, constitui um instrumento 
útil e o mais apto, provavelmente, entre os propostos até hoje'.''' 
Fixada essa diretriz, que recupera o princípio de autoridade da sombra em que 
o havia colocado a maior atenção dada à teoria do poder, podemos retomar o pro­
blema a que nos havíamos proposto, de sua emergência na esfera da realidade es­
tatal e a respeito de sua caracterização ante os pressupostos da força e do mesmo 
poder. A deixa para isso acha-se inquestionavelmente na transformação, a que se 
refere Djacir Menezes, da vis compulsiva (força) em vis coactiva (poder) e desta 
em vis directiva. 6 De fato, é no momento dessa última metamorfose que surge e se 
configura a autoridade, com a sua inerente capacidade decisória. O Estado se 
converte em Governo, este se personifica naqueles que são incumbidos da direção 
da coisa pública e, como governantes, assumem a responsabilidade dos compro­
missos com os governados. A autoridade (identificada na linguagem webwriana 
como "domínio") e então, no conceito de Max Weber, "a manifestação concreta e 
empírica do poder".9 
R.M. Mac Iver, em sua obra O Estado, observa "que não podemos examinar 
concretamente o problema da autoridade política sem partir do fato evidente de 
que a vontade do Estado não é uma unidade mística, mas, na melhor das hipóte-
7 Meynaud, Jean. op. cit. p. 77 e 80. 
B Menezes, Djacir. Poder. autoridade e vis normativa. Revisto de C;rllcill Política. 
9 Weber,l\lax. In: Freund, Julien. Sociologia de Max Weber. Rio de Janeiro, Forense, 1966. p. 167. 
6 R.C.P. 3/88 
ses, e para quase todos os efeitos, uma hannonia muito imperfeita (sic) e limitada 
de vontades individuais". Acrescentando: "A vontade do Estado não pode ser ou­
trà coisa senão uma organização de vontades de tal modo relaciohadas, de tal m0-
do limitadas, que uma única decisão prevaleça e seja aceita por todos." "Fazer es­
ta organização da vontade reagir o mais facilmente possível a toda hannonia de 
vontades, a todo consenso, é parte do ideal da democracia." 1 o 
Assim encarnada numa vontade coletiva (somatório das vontades individuais 
constitutivas do Governo, enquanto este, por sua vez, representativo do Estado), a 
autoridacie afinal se define, de maneira ampla, como a expressão tangível e atuante 
do poder do Estado, e, de modo mais estrito, segundo trabalho conjunto de Afon­
so Arinos e Raimundo Faoro, como "a competência atribuída a certos indivíduos, 
os governantes, para agirem, dentro de detenninado alcance, em nome e com o 
poder do Estado" 11 
A análise da autoridade, a partir principalmente das excogitações de Max We­
Der, em seu famoso livro Economía y sociedad. tem-se. enriquecido à luz da Psico­
logia Social e da Sociologia, influindo sobre a Ciência Política e Administrativa, 
de modo a favorecer, com suas lições, a práxis política. Aqui vamos recolher al­
guns desses ensinamentos, com vistas ao nosso particular objetivo. A co:neçar pe­
la conceituação da autoridade, que não se completa sem a demonstração dos re­
quisitos que a qualificam. Tais requisitos são, prima facie. como já VImos, os do 
poder a ela subjacente. Contudo, é preciso acentuar que pelo menos dois deles se 
diferenciam, além da maior especificidadedos demais, quando a ela referidos. 
Os requisitos diferenciados são: a) o fato de que a autoridade se configura 
quando o poder é transposto do Estado para o Governo; b) a circunstância de que 
o exercício operativo da autoridade resulta do processo governamental de personi­
ficação do poder estatal e, conseqüentemente, do Governo. Os demais requisitos, 
originariamente do poder, são: c) a legitimidade; d) a legalidade e, por fim, e) a 
capacidade coativa global. 
Duas palavras sobre os requisitos iniciais, a e b. A transposição a que nos refe­
rimos condiciona-se ao regime político seguido. Uma vez estruturado o Estado, o 
poder que nele se deposita transfere-se ao Governo, ou melhor, sob a fonna de 
Governo, em confonnidade com a ordem institucional e jurídica prevalecente. A 
História registra múltiplos sistemas dessa transferência. Evolutivamente, à parte os 
diversificados exemplos de puro despotismo, tivemos os sistemas hereditários ab­
solutos (transmissão por herança), comiciais (indicação pelos comícios do povo), 
nobiliárquicos (por efeito de títulos de nobreza), consulares (incumbência even­
tual do poder a cônsules nomeados), diretoriais (acesso ao poder de corpos cole­
giados), hereditários constitucionais (monarquias constitucionais) e sistemas de­
mocráticos, institucionalizados confonne o liberalismo ou o socialismo, no primei­
ro caso considerada a democracia política e, no segundo, a democracia econômica, 
aspirando-se ainda a uma democracia global, em que à liberdade eletiva do poder 
se conjugue a igualdade efetiva de sua fruição. Cientificamente, os sistemas po­
dem ser divididos de maneira simplificada em monocracias. oligocracias e poli­
cracias. As monocracias. governos de um só, dividem-se em governos despóticos 
ou ditatoriais e governos monárquicos absolutos; as oligocracias. governos de al­
guns, compreendem os simplesmente oligárquicos e os aristocráticos; as policra-
10 Maclver,R.M.OEstorlo.SãoPauJo,Martins, 1946.p.146.7. 
11 Enciclopédia MirCldor, verbete. 
Autoridade 7 
cias, governos de muitos, incluem os governos total ou parcialmente democráti­
cos, inclusas as democracias mistas. A personificação da autoridade, através de 
toda essa tipologia, obedece a uma variada metodologia, sempre porém condicio­
nada aos tipos ideais qualificados. . 
Passemos aos outros requisitos. Do ponto de vista da legitimidade, supõe-se à 
primeira vista que a autoridade se impõe moto-próprio, ao imperativo de sua pró­
pria existência. No entanto, nunca foi, nem é assim, mesmo quando acobertada pe­
la força, pelo dogma ou pela lei. É necessário esclarecer: a autoridade se legitima 
tanto do lado dos que a exercem como daqueles sobre os quais é exercida, assim 
se condicionando à bilateralidade e à interdependência dessa relação. Ao recor­
rermos nesse ponto a Max Weber, cumpre reconhecer por antecipação a sinonímia 
das expressões domínio e autoridade. Em sua já citada obra Economía y sociedad 
(§ 16 do capo I da primeira parte), diz ele que "por domínio deve entender-se a 
probabilidade de encontrar obediência a um mandato de determinado conteúdo, 
entre pessoas dadas". Já no capo 111, em que trata dos tipos de domínio, explicita: 
"Deve entender-se por domínio, de acordo com a definição já dada (cap. I, § 16), 
a probabilidade de encontrar obediência dentro de um grupo determinado, para 
mandatos específicos (ou para toda classe de mandatos)." Não é, portanto. toda 
espécie de probabilidade de exercer "poder" ou "influxo" sobre outros homens. 
No caso concreto, este domínio (autoridade) no sentido indicado pode descansar 
nos mais diversos motivos de submissão, etc. Mais esclarecedor ainda é o capo IX, 
sobre sociologia do domínio: "No sentido geral de poder e, portanto, de possibili­
dade de impor a própria vontade sobre a conduta alheia, o domínio pode apresen­
tar-se nas formas mais diversas." "Tomado de modo tão anlplo, o conceito de 
domínio não seria, porém, uma categoria cientificamente utilizável. Em tão amplo 
sentido resultaria impossível uma completa casuística de todas as formas, con­
dições e conteúdos de 'dominar' Por isso, ao lado de outras numerosas formas 
possíveis, representamos dois tipos radicalmente opostos de domínio. De uma par­
te, o domínio mediante uma constelação de interesses (especialmente mediante si­
tuações de monopólio); de outra parte, mediante a autoridade (poder de mando e 
dever de obediência)" (grifo nosso).'2 De acordo com essa interpretação do pró­
prio autor, sempre que nos referirmos às suas concepções estaremos autorizados a 
empregar a expressão no sentido de "autoridade" ou, se empregarmos o termo 
"domínio", também não será em sentido diferente. 
Segundo Max Weber, existem três tipos puros de autoridade legítima. Ou, de 
outro ângulo, o fundamento primário de sua legitimidade pode ser de caráter ra­
cional (ou legal), de caráter tradicional e de caráter carismático. Vamos inverter 
essa enumeração, tratando inicialmente dos dois últimos tipos, deixando para o 
fim o primeiro, também relacionado ao requisito da legalidade. 
O tipo tradicional "repousa na crença cotidiana das tradições que prevaleceram 
por longo tempo e na legitimidade dos indigitados por essa tradição para exerce­
rem a autoridade". O tipo carismático "descansa na entrega à santidade, ao he­
roísmo ou exemplaridade de uma pessoa e às ordenações por ela criadas ou reve­
ladas". A ambos os tipos Weber chama, nominalmente, "autoridade tradicional" e 
"autoridade carismática". 1 3 
Para maior explicitação, utilizemos a síntese de Julien Freund. Diz ele que o 
"domínio tradicional tem por base a crença na santidade das tradições em vigor e 
12 Weber, ~Iax. Econon'Úa y sociedad. op. cit. v. 1. p. 43 e 170~ v. 2, p. 696. 
13 Id.ibid.v.l,p. 172-3. 
8 R.C.P. 3/88 
na legitimidade dos que são chamados ao poder em virtude do costume". E o 
"domínio carismático repousa no abandono dos membros da sociedade ao valor 
pessoal de um homem que se distingue por sua santidade, seu heroísmo e seus 
exemplos". Explica: "Desde o início, Weber deixa claro que se trata de ideal-ti­
pos, por conseguinte, de formas que nunca se encontram, ou só muito raramente, 
em estado puro na realidade histórica."" 
I 
Continuando a versão desse autor: "No caso do domínio tradicional, a autori­
dade não pertence a um superior escolhido pelos habitantes do país, mas sim a um 
homem que é chamado ao poder em virtude de um costume (primogenitura, o mais 
antigo de uma família, etc.). Ele reina, pois, a título pessoal, de sorte que a obe­
diência se dirige à sua pessoa e se torna um ato de piedade. Os governados não 
são cidadãos, mas, sim, pares (no caso da gerontocracia) ou súditos, que não obe­
decem a uma norma impessoal, mas sim a uma tradição, ou a ordens legitimadas 
em virtude do privilégio tradicional do soberano. Segundo o humor deste, pode-se 
obter seus favores ou cair em desgraça. Em geral o chefe tradicional se orienta se­
gundo as regras habituais da eqüidade e da justiça ética, ou então segundo a opor­
tunidade, não segundo princípios fixos e formais. Todavia, a tradição não é assi­
milável ao puro arbítrio, pois, se o soberano a viola, arrisca-se ao provocar uma 
resistência que, certamente, não visa ao sistema, mas sim à sua pessoa e a seus fa­
voritos. Não se trata, evidentemente, de criar nessas condições um direito novo: 
em caso de dificuldade, confia-se na sabedoria, por interpretação dos precedentes 
ou dos preconceitos". Conforme Freund, "existem, pois, diversos tipos de domí­
nio tradicional. Os mais primitivos são a gerontocracia, em que o poder cabe por 
costume ao mais velho, e o patriarcalismo, em que o poder é objeto de herança no 
seio de uma família determinada". Outros tipos, adianta, são o "patrimonialismo" 
e o "sultanismo". Neste, "os governados são súditos; o soberano dispõe de uma 
guarda pessoal e não governa senão por intermédio de favoritos". Por sua vez o 
patrimonialismo, no qual Weber distingue o tipo mais corrente do domínio tradi­
cional, sendo,aliás. o mais conhecido, dada a sua vigência na maioria das antigas 
monarquias européias, "consiste em um sistema cujas oportunidades residem, em 
geral, de alto a baixo da escala, na apropriação privada da maioria das funções". 15 
I 
Esta conceituação obtém de Weber alguns esclarecimentos. A partir da organi-
zação patriarcal, deu-se "uma descentra ização da comunidade doméstica", a qual 
"conduz inevitavelmente a uma interna debilitação do poder doméstico". As re­
lações internas e externas entre o senhor e os que dele dependem, fundadas na 
piedade e na fidelidade, passam a exigir, então, nas novas condições, relações de 
reciprocidade da parte dos submetidos e nas quais "o senhor depende em grande 
monta da boa vontade dos mesmos e da conservação de sua capacidade de prestar 
serviços". O senhor passa a dever algo aos submetidos, não juridicamente, mas de 
acordo com os usos. "Deve-lhes proteção contra os perigos externos e ajuda em 
caso de necessidade, assim como um tratamento humano, especialmente uma limi­
tação do aproveitamento de sua capacidade de trabalho." Também os submetidos 
"devem ao senhor, de acordo com os costumes, ajuda com todos os meios de que 
disponham". "A este caso especial da estrutura patriarcal de domínio, ao poder 
doméstico descentralizado mediante a partilha de terras e às vezes de pecúlio aos 
.. Freund, Julien. Sociologia de Max Weber. op. cito p. 173. 
15 Id. ibid. p. 174, 175, 181. 
Autoridade 9 
filhos e a outras pessoas dependentes do círculo familiar, damos aqui o nome de 
domínio patrimonial." 16. 
Weber estuda a evolução desse sistema, o seu processo de extensão e propa­
gação social, para caracterizá-lo afinal como "uma organização estatal-patrimo­
nial, quando o soberano organiza de forma análoga a seu poder domésticó o poder 
político e, portanto, o domínio sobre os homens e territórios extrapatrin'loniais, is­
to é, sobre os súditos políticos". "A maioria de todos os grandes impérios conti­
nentais, até os umbrais da Época Moderna, inclusive dentro dessa mesma época, 
acusou manifestações do domínio patrimonial bastante expressivas." Dentre estas, 
cumpre destacar o Feudalismo, porém, conforme Weber, este foi um "caso limite" 
do regime patrimonialista, por ter incorporado o seu aspecto estamental e uma es­
trutura mais estável que as demais. 11 
Referindo-nos agora ao tipo da autoridade ou domínio carismático, mais uma 
vez nos valemos da síntese de Julien Freund. Diz ele que o mesmo "constitui o ti­
po excepcional do poder político, não pelo fato de se encontrar raramente, mas 
porque ele deturpa os usos da vida política ordinária". Weber chama carisma (de 
um termo tomado a Rudolf Sohm) a qualidade insólita de uma pessoa que parece 
dar provas de um poder sobrenatural, sobre-humano ou pelo menos desusado, de 
sorte que ela aparece como um ser providencial, exemplar ou fora do comum, e 
por essa razão agrupa em tomo de si discípulos ou partidários. O comportamento 
carismático não é peculiar apenas à atividade política, pois pode ser igualmente 
observado nos outros campos, os da religião, da arte, da moral e mesmo da eco­
nomia, conquanto, segundo Weber, um dos traços do carisma consista em perma­
necer estranho ou hostil ao jogo econômico normal. Em política este domínio toma 
diversas formas: a do demagogo, do ditador social, do herói militar ou do revolu­
cionário. "Todo domínio carismático implica a entrega dos homens à pessoa do 
chefe, que se acredita predestinado a uma missão. Seu fundamento é, pois, emo­
cional, e não racional, já que toda a força de uma tal atividade repousa na con­
fiança, na maioria das vezes cega ou fanática, e na fé, à falta de todo controle e de 
toda crítica. O carisma é uma ruptura da continuidade, seja legal ou tradicional; 
ele quebra as instituições, põe em dúvida a ordem estabelecida e a compulsão ha­
bitual, para recorrer a uma nova maneira de conceber as relações entre os homens. 
É, ao mesmo tempo, destruição e construção. Os limites e as normas são os que o 
chefe fixa por sua própria autoridade, em virtude das exigências do que ele acredi­
ta ser sua vocação; tira, pois, sua legitimidade de si mesmo, independentemente de 
todo critério exterior, pronto a renegar e a eliminar os partidários que se recusem a 
segui-lo no caminho em que ele, e apenas ele, fixa o rumo." "Toda política ca­
rismática é, pois, uma aventura, não somente por se arriscar ao fracasso, mas por­
que ela é incessantemente obrigada a reencontrar um novo élan, a fornecer outros 
motivos de entusiasmo, para confirmar o seu poderio. Compreende-se pois, facil­
mente, que um tal poder se opõe radicalmente ao domínio legal, tanto quanto ao 
domínio tradicional, pois encerram ambos uma limitação, tendo em vista a neces­
sidade de respeitar a lei ou o çostume, ou ainda a obrigação de levar em conta os 
órgãos instituídos de controle, ou então os privilégios das ordens e das diversas 
camadas sociais." 1 B 
16 Weber, Max. Economia ysociedad. op. cito v. 2, p. 757-8. 
17 Id. ibíd. v. 2, p", 759, 810. 
18 Freund, Julien. op. cito p. 175, 176. 
10 R.C.P. 3/88 
Finalmente, chegamos ao tipo de domínio (ou autoridade) a que Max Weber dá 
o nome de racional ou legal, assim por ele definido: a "que repousa na crença na 
legalidade de ordenações estatuídas e dos direitos de mando dos chamados por es­
sas ordenações a exercer a autoridade". Fundamenta-se 11 sua validade nos seguin­
tes pressupostos, inter-relacionados: "I) que todo direito pactuado ou outorgado 
pode ser estatuído de modo racional - com relação a fins, a valores ou a ambas as 
coisas - mediante a pretensão de ser respeitado, ao menos, pelos membros da res­
pectiva associação; e também, regularmente, por aquelas pessoas que no âmbito 
do poder da associação realizem ações sociais ou entrem em relações sociais im­
portantes para a associação; 2) que todo direito, segundo sua essência, é um cos­
mos de idéias abstratas, em geral estatuídas intencionalmente; que a judicatura im­
plica a aplicação dessas regras ao caso concreto; e que a administração supõe o 
cuidado racional pelos interesses previstos nas ordenações da associação, nos li­
mites das normas jurídicas e segundo princípios assimiláveis que têm a aprovação 
ou, pelo menos, carecem da desaprovação dos ordenamentos da associação; 3) que 
o soberano legal típico, a pessoa posta à cabeça da associação, do mesmo passo 
que ordena e manda, por sua parte obedece à ordem impessoal por que orienta as 
suas disposições; 4) que, tal como se expressa habitualmente, todo aquele que 
obedece s6 o faz enquanto membro da associação e s6 obedece ao direito; 5) que 
os membros da associação, enquanto obedecem ao soberano, não o fazem por 
atenção à sua pessoa, senão à ordem impessoal, e s6 estão obrigados à obediência 
dentro da competência limitada, racional e objetiva, outorgada por dita ordem". 
"As categorias fundamentais do domínio (ou da autoridade) são, pois: 1) um 
exercício contínuo de funções, sujeito à lei; 2) dentro de uma competência, que 
significa: a) um âmbito de deveres e serviços objetivamente limitado em virtude de 
uma distribuição de funções, b) com a atribuição dos poderes necessários à sua 
realização, e c) com a fixação estrita dos meios coativos eventualmente admissí­
veis e o pressuposto prévio de sua aplicação; a tudo o que cabe acrescentar; 3) o 
princípio da hierarquia administrativa, ou seja, a ordenação de autoridades fixas 
com faculdades de regulação e inspeção e com o direito de queixa ou apelação an­
te as autoridades superiores pelas inferiores; e, por fim, 4) as regras segundo as 
quais se há de proceder são: a) técnicas e b) normativas." Para Weber, esse tipo 
de domínio (ou autoridade) "pode adotar formas muito distintas". A ele corres­
ponde sempre uma estrutura administrati va, precisamente a burocracia ou o qua­
dro administrativo burocrático. ,. 
Estamos, por conseguinte, diante do princípio da legalidade, a que nos referi­
mos anteriormente. Essa legalidade, segundo acentua Bonavides,"exprime basi­
camente nos sistemas políticos a observância das leis, isto é, o procedimento da 
autoridade em consonância estrita como o direito estabelecido. Ou, em outras pa­
lavras, traduz a noção de que todo poder estatal deverá atuar sempre de conformi­
dade com as regras jurídicas vigentes. Em suma, a acomodação do poder que se 
exerce ao direito que o regula. 20 
As formas tradicional, carismática e legal da autoridade, extremadas da forma 
brutal da força, são chamadas "puras" por Weber. São tipos ideais, que a realida­
de s6 aproximativamente reproduz. Daí não raro existirem combinadas, reforçadas 
ou deformadas umas pelas outras, tornando a tradição, o carisma e a legalidade de 
19 Weber,Max,op.cit.v.l,p.127-75. 
20 Bonavides, Paulo. op. cit. p. 113. 
Autoridade 11 
fatores interdependentes no alcance e no exercício do poder e da autoridade. Em­
bora as suas definições, mormente as das autoridades tradicionais e carismáticas, 
tenham caráter mais histórico, ainda hoje, mutatis mutandis e apesar das transfor­
mações, encontram aplicação nos atuais sistemas de autoridade. Dentro da redoma 
da legalidade, por um imperativo da natureza humana e dos costumes, os chefes 
de Estado e os governantes em geral continuam agindo também por tradicionalis­
mo e por carisma ... 
Por último, vem a questão da capacidade coativa global de que se investe a au­
toridade. Afirma-se num determinado sentido que essa capacidade coativa, na am­
pla dimensão do Estado, goza de um monopólio pelo menos interno, que, aliás, 
extrapola externamente como soberania, sendo absoluta e incondicionada nos limi­
tes estatais. Isso, salvante os governos despóticos, quer apenas dizer que a autori­
dade, enquanto globalizada num sistema político, prevalece sobre todas as formas 
adjetivas de coação, direta ou indiretamente deferidas à sua substantividade. 
Para que isso ocorra, todavia, sendo a autoridade um produto das relações bila­
terais entre governantes e governados, é imprescindível o seu reconhecimento so­
cial. Nesse particular, como salienta Hermann Heller, "o poder do Estado não é 
nem a soma, nem a mera multiplicação das forças nele inclusas, senão a resultante 
de todas as ações e reações politicamente relevantes, internas ou externas", com­
preendendo "três grupos que, naturalmente, não se hão de conceber como magni­
tudes estáticas, senão como dinamicamente cambiantes, a saber: o núcleo que rea­
liza positivamente o poder do Estado, os que o apóiam e os partícipes negativos 
que a ele se opõem"'" 
Como expressão concreta do poder e da autoridade, nessas condições, podemos 
distinguir em sua capacidade coativa determinantes objetivas e subjetivas ou, até 
mesmo, intersubjetivas .. as primeiras representadas pelo fator efetivo da tradição, 
do carisma ou da lei, as segundas pelas condições de subjetividade daqueles sobre 
que recaem a autoridade e a respectiva coação, e, finalmente, as últimas, pelas re­
lações de intersubjetividade que se estabelecem entre governantes e governados. 
A propósito cabe aí a valiosa contribuição de Stephane Bernard, professor na 
Universidade Livre de Bruxelas, sobre as propensões coletivas de comportamento 
em face da autoridade. Segundo sua concepção, três pelo menos são essas pro­
pensões: as espontâneas dos que recebem ordens, incluindo as propensões para a 
obediência e as propensões para a desobediência; as espontâneas dos que dão or­
dens, dando ou não determinada ordem e fortalecendo ou não a repressividade; e 
as propensões à obediência mais ou menos dos que recebem ordens. As duas 
primeiras hipóteses configuram situações mais definidas que a última, em que há 
uma variação tanto para o consenso quanto para o dissenso daqueles sobre que re­
cai a coação. As hipóteses estabelecidas prefiguram uma multiplicidade de si­
tuações que se pode realizar na vida real, mas de difícil qualificação, inclusive no 
campo da lógica matemática, como se pretende. 22 Contudo, a possível previsão 
dessas situações favoreceria o equacionamento da autoridade, na dosagem de seu 
poder coativo frente à receptividade coletiva. 
Aparentemente sob a mesma ótica analista de Max Weber, o professor norte­
americano lohn Kenneth Galbraith traz novas achegas- a nossa temática com o seu 
2' Heller, Hermann. Teoría dei Estado. México, Fondo de Cultura Econ6mica, 1942. p. 267. 
22 Bernard, Stephane. Possibilidades de evolução da teoria dos extremos políticos democráticos. Revista de 
Ciência Poü!ica, 7(2):3, jun. 1973. 
12 R.C.P. 3/88 
livro Anatomia do poder, publicado em 1983 e, no Brasil, em 1984. Embora tenha 
ele declaradamen~e tratado do poder, não é por certo despiciendo transferir as suas 
originais especulações para o campo da autoridade, sem dúvida, como já demons­
tramos, a expressão mais autêntica da ação potestativa do Estado. 
Em busca de suas conclusões, Galbraith distingue "os instrumentos pelos quais 
o poder é exercido" e "as fontes do direito para esse exercício", fixando-lhes as 
respectivas relações. O primeiro desses instrumentos é o que el~ chama poder 
condigno, definido como aquele que "obtém submissão pela capacidade de impor 
às preferências do indivíduo ou do grupo uma alternativa suficientemente desa­
gradável ou dolorosa para levá-lo a abandonar essas suas preferências". 23 Em 
idioma inglês, o autor ficou indeciso entre preferir o qualificativo "condigno" ou 
o termo "coercivo" para essa forma de poder, passando por indecisão, igualmente, 
em nosso idioma, o tradutor, ambos decidindo afinal manter o primeiro. Porém, 
não se conseguiria um perfeito entendimento sem a explicação de que se trata de 
um poder como punição física e, mais amplamente, como aquele exercido "por 
qualquer forma ou ameaça de ação adversa, inclusive multas, expropriações, re­
preensão verbal e condenação ostensiva por outros indivíduos ou pela comunida­
de"," sendo afinal, a inferir do significado da palavra "condigno", um poder 
adequado à necessidade individual ou social de obediência. Da mesma insuficiên­
cia terminológica participam as designações dos dois outros poderes, o compen­
satório e o condicionado, a exigirem igualmente explicações. Em contraste com 
o poder condigno, que "obtém submissão infligindo ou ameaçando conseqüências 
adequadamente adversas", o poder compensatório "conquista a submissão ofere­
cendo uma recompensa positiva, proporcionando algo de valor ao indivíduo, que 
assim se submete". Este "algo de valor" pode ser qualquer tipo de recompensa, 
notadamente a de ordem pecuniária. Quanto ao poder condicionado, é o "exerci­
do mediante a mudança de uma convicção, de uma crença. A persuasão, a edu­
cação ou o compromisso social com o que parece natural, apropriado ou correto 
leva o indivíduo a se submeter à vontade alheia". 25 
No que se refere às fontes, "atributos ou instituições que distinguem os que 
detêm o poder daqueles que se submetem a ele", são também em número de três -
a personalidade, a propriedade e a organização". A personalidade - liderança, 
na linguagem comum - é a qualidade do físico, da mente, da oratória, da firmeza 
moral ou de qualquer outra característica pessoal que dá acesso a um ou mais ins­
trumentos do poder". Por sua vez a propriedade, compreendendo em sentido am­
plo o poder econômico ou a riqueza, "confere um aspecto de autoridade, uma fir­
meza de propósito, e isso pode induzir à submissão". Finalmente a organização, 
"fonte de poder mais importante nas variedades modernas", é, de modo geral, 
"um número de pessoas ou grupos unidos por algum propósito ou trabalho" /" de­
finição esta, sem dúvida, por demais simplista. 
Comparando as proposições de Galbraith com as de Max Weber e outras, ve­
mos que os chamados instrumentos confundem-se com as diferentes modalidades 
pelas quais o poder ou autoridade se exerce, legitima e jurifica, tais como a lei 
(poder condigno), a troca de interesses (poder compensatório) e o reconhecimento 
23 Galbraith, lohn Kenneth. A alUllOmla do poder. São Paulo, Pioneira, 1984. p. 4. 
24 Id. ibid.p. 16. 
25 Id. ibid .. p. 5, 6. 
26 Id. ibid. o. 6, 7, 58. 
A.utoridade 13 
social (poder condicionado), enquanto no referente às fontes a personalidade en­
volve os elementos do poder carismático e do poder tradicional, envolvendo por 
sua vez a propriedade e a organização, aliás pouco distintas, o chamado poder le­
gal. À semelhança de Weber e de quantos se preocupam com a perquirição das di­
ferentes formas de manifestação do poder e da autoridade, Galbraith procura esta­
J:>elecer não só uma "associação primária" entre os instrumentos e suas mais liga­
das fontes de poder, como associações mais complexas, em que os instrumentos e 
as fontes se intercomunicam através da multifacetada morfologia social, para daf 
inferir-se, na multiplicidade de situações dadas, toda uma variegada tipologia. É o 
que poderíamos chamar a macrossociologia do poder ou da autoridade. 
Uma das contribuições mais importantes de Galbraith consiste na denominada 
"dialética do poder" e na "simetria" ou "ássimetria" com que se realiza. Como 
vimos atrás, o processo potestativo é de natureza bilateral, exigindo mando. mas 
também obediência. Há até quem sustente o caráter igualmente mandatório da 
conduta dos sujeitos passivos da autoridade, isto é, daqueles sobre os quais ela se 
exerce. Os que detêm o poder e a autoridade não raro são compelidos a tomar de­
cisões que deixariam de assumir se obrigados não estivessem pela pressão dos 
comandados. Nessa ordem de idéias é que Galbraith coloca o problema da re­
sistência ao poder. "Essa resistência - diz ele - é uma parte tão integrante do 
fenômeno do poder quanto o seu próprio exercício. Se fosse de outra forma, o po 
der poderia ser ampliado indefinidamente: todos se submeteriam à vontade daque­
les melhor capacitados a usá-lo". 27 
Vê-se pela exposição de Galbraith não se tratar do chamado "direito de re­
sistência", próximo do "direito de revolução", preconizado por tratadistas antigos 
e modernos. Esta seria uma forma excepcional de resistência à tirania, ao passo 
que, na espécie, não teríamos mais que um fenômeno latente de insubmissão de 
quem pode menos em relação a quem pode mais, justificando formas mais ou me­
nos ativas de oposição, tendentes a impedir ou limitar o exercício do poder ou a 
constituir um antipoder, um poder contrário. "Da eficácia relativa dessas forças 
oponentes dependerão - adianta ele - a amplitude e a eficácia do exercício do po­
der original." No seu entender, "podemos também reconhecer uma simetria subs­
tancial entre a maneira pela qual o poder se amplia e aquela pela qual é enfrenta­
do. Esta simetria se estende tanto às fontes do poder como aos instrumentos de sua 
imposição" "O poder que se origina na personalidade é normalmente enfrentado 
por uma personalidade forte; o que se origina da propriedade é contestado pela 
propriedade; o que tem suas origens na organização é normalmente combatido pe­
la organização. E o mesmo se passa com os instrumentos de imposição. A punição 
condigna faz face à punição condigna; a retribuição compensatória, à retribuição 
compensatória. Se o instrumento de imposição for o condicionamento social, ex­
plícito ou implícito, este será também o principal esquema de resistência." Mas, 
embora seja a simetria a regra geral, "ela não é inevitável. Há na história exem­
plos marcantes de poder contestatório ou de contraposição cuja eficácia tem de­
pendido de sua assimetria", isto é, da não correspondência entre os instrumentos e 
as fontes que dos dois lados do poder e do antipoder se defrontam. De qualquer 
modo, a conclusão dele é que "há na sociedade moderna um razoável equilíbrio 
entre os que exercem o poder e os que a ele se opõem. Chegamos agora à natureza 
27 Id. ibid. p. 77. 
14 R.C.P. 3/88 
desse equilíbrio - à maneira como o poder gera a sua própria resistência e age no 
sentido de limitar sua própria eficácia"!8 
O mais importante aqui, no entanto, é examinannos o reflexo dessa teoria no 
relativo ao poder e à autoridade do ponto de vista político, ou seja, do Estado. O 
assunto é tratado na obra em exame nos capítulos IX, sobre a "regulamentação do 
poder", XIV, sobre a "era da organização", e XV, sobre a "organização e o Es­
tado". Resumindo, tem certamente razão Galbraith: "O Estado moderno reúne 
dentro de sua estrutura as três fontes do poder - a personalidade política, a pro­
priedade sob a forma dos recursos que comanda e despende, e a organização. Tem 
acesso evidentemente aos três instrumentos de imposição: permanece, como já su­
gerido, quase o único detentor do poder condigno; dispõe de um vasto poder com­
pensatório; e utiliza maciça e crescentemente o poder condicionado."29 Todavia, 
com a evolução histórica, no tocante às fontes, a organização sobrepõe-se às de­
mais, e, quanto aos instrumentos, prevalece o poder condigno, assim se consti­
tuindo predominantemente o atual sistema político da autoridade. 
Não esgotaríamos o assunto deste estudo ~em uma referência à vocação do Es­
tado moderno para a associação do conceito de autoridade ao de liderança. Esta 
palavra tem significado particulannente a exaltação do indivíduo, do grupo ou da 
instituição em função dos atributos que os exornam e os tornam superiores na ca­
pacidade de serem seguidos e obedecidos. Tais atributos são praticamente os 
mesmos da autoridade, segundo a discriminação de Weber e Galbraith, já mencio­
nada. Caracteres intrínsecos, como o carisma e a personalidade, e extrínsecos, 
como a tradição, a legalidade e a organização, também substancializam a líderan­
ça. Surge portanto o problema da correlação (e diferenciação) dos dois conceitos, 
do ponto de vista político. A conclusão não pode ser outra: a liderança tem por si 
a diferença de, agregada ou não à autoridade, constituir sempre uma conduta ati­
va, uma ação dirigida para o domínio ou a dominação. 
Leslie Lipson, em sua obra A civilização democrática, acentua o caráter ambi­
valente da liderança. "A liderança - diz ele - implica adeptos, e a dinâmica de 
suas relações recíprocas funciona em ambas as direções." Noutras palavras, mor­
mente nas democracias, em que a vontade coletiva deve ser sempre consultada, o 
exercício da liderança não se efetua sem a colaboração explícita ou implícita dos 
liderados. Mesmo nos governos despóticos, embora de maneira menos aparente, 
isto é verdade. Aí está, portanto, mais uma identificação com a autoridade, onde o 
mando e a obediência devem constituir uma relação bilateral, segundo já vimos. 
Além disso, porém, é preciso ressaltar a importância da liderança para o exercí­
cio da autoridade, enquanto a ela associada ou não. Inexiste dúvida de que a -ca­
pacidade de liderança, isto é, de saber dirigir o governo e influenciar aqueles de 
que depende o seu êxito, reforça o princípio de autoridade. Leslie Lipson especula 
sobre essa questão na esfera dos governos democráticos. "Como é que os porta­
vozes do povo mantêm-se como seus campeões e não redundam em seus pa­
trões?", pergunta, para responder que tudo está a depender dos seguintes fé;ltores: 
a composição social do povo, seus ideais predominantes, a tradição histórica e as 
estruturas institucionais, a que acrescentaríamos, por conta própria, as qualidades, 
evidentemente, dos líderes. O argumento principal é de que o poder, a autoridade, 
a capacidade de ação de liderança tendem por natureza à perpetuação e ao despo-
28 Id. ibid. p. 77-85. 
L~ Id. ibid. p. 148. 
Autoridade 15 
tismo, situações que só podem ser contornadas em vista dos fatores mencionados. 
E para demonstrá-lo, Lipson aponta três tipos de lideranças em que a democracia é 
preservada: a dos suíos, onde só se permite um mínimo de liderança individual, 
através do governo colegiado; a dos norte-americanos, em que é depositado ó má­
ximo de confiança na capacidade do chefe de Estado; e a dos ingleses, um meio 
termo das duas anteriores, em que o governo de ~abinete é controlado pelo parla­
mento. 30 Os fatores indicados, na sua relação com cada um dos povos onde esses 
governos seestabeleceram, não somente contribuíram para as características de 
que se revestiam tais governos, como asseguram o seu destino democrático. O 
exercício da liderança, adminículo da autoridade, a igual desta não é um fenômeno 
isolado ou autônomo, senão um corolário das condições sócio-políticas das coleti­
vidades. 
Ao concluirmos, resta uma avaliação das tendências do princípio de autoridade 
no mundo de amanhã. Ainda vemos por trás dele os fantasmas da força em sua 
formação e garantia, da injustiça em sua aplicação, dos privilégios em sua personi­
ficação, até mesmo nas democracias, da incapacidade de sua institucionalização 
política, mas por certo um dia chegará em que esse princípio, inerente à própria 
ordem da liberdade, será verdadeiramente o produto das virtudes humanas e cole­
tivas, sob o império da razão e da lei. 
30 Sobre as citaçõe, de Leslie Lipson. ver A ci>'ilização democrática. Rio de Jaaeiro, Zahar. 1966. v. 2, p. 
604 e segs. 
16 
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