Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.
left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

Prévia do material em texto

Serviço Social
Assistente Social
 SAC (85) 9. 9952 - 2704
Ebook 02
Concurso TJ/SP
Assistente Social
CLIQUE AQUI
https://canaldoassistentesocial.com.br/
https://api.whatsapp.com/send?phone=5585999522704
Gabaritando
TJSP
INVESTIMENTO:
R$ 300,00
em até 3x juros
Específica Serviço Social e
Legislação Social completa
Com quem é especializada
em Serviço Social.
INSCREVA-SE AGORA: www.canaldoassistentesocial.com.br
PREPARATÓRIO ONLINE
C L I Q U E A Q U I E A C E S S E
https://canaldoassistentesocial.com.br/courses/tjsp/
QUEBRANDO
A BANCA
TJSP
12.11 - Edital,
Roteiro de estudo
e lançamento
do curso.
18.11 - Quebrando
a Banca Legislação
Social.
25.11 - Quebrando
a Banca Serviço
Social.
VIDEOAULAS
GRATUITAS
www.youtube.com/poteresocialvideos
CLIQUE AQUI E ASSISTA:
https://is.gd/videoaulaservicosocialgratis
www.canaldoassistentesocial.com.br
Pós-Graduação Online:
DISCIPLINAS
Legislação Social ;
Estado, Seguridade Social e 
Transformações Contemporâneas;
Fundamentos da Polít ica Social e 
Questão Social ;
Fundamentos Históricos, Teóricos e
Metodológicos do Serviço Social ;
Ética Profissional e PEPSS;
Processos de Trabalho, Instrumentalidade 
e Instrumentos Técnicos do Serviço Social;
Legislação da Assistência Social ;
Legislação da Saúde;
Legislação da Previdência;
Pesquisa Social ;
Seminários de TCC;
TCC.
UMA METODOLOGIA FOCADA NOS CONHECIMENTOS
EXIGIDOS EM PROVAS DE CONCURSOS DOS
PRINCIPAIS CONTEÚDOS DE EDITAIS. 
VOCÊ ESCOLHE O TEMPO DE DURAÇÃO QUE PRETENDE CURSAR SUA PÓS:
CLIQUE AQUI E FALE CONOSCO: (85) 9.9952.2704 
Matricule-se agora:
Cupom:
concursocanal
Aplique o cupom 
e ganhe 20% de 
desconto na
matrícula de 
sua Pós!
 
ESP
EC IAL IZ AÇÃO LATO SENSU
Confira também outras Pós-Graduações:
6 parcelas de R$490,00 12 parcelas de R$245,00 
18 parcelas de R$180,00
https://api.whatsapp.com/send?phone=5585999522704
https://canaldoassistentesocial.com.br/courses/pos-servico-social-politica-social-e-seguridade-social-com-foco-em-concursos-t3/
25
CLIQUE AQUI E ACESSE AGORA:
www.lojadoassistentesocial.com.br
conheca nossos livros e
produtos exclusivos:
LANÇAMENTOS:
COLEÇÃO QUEBRANDO A BANCA:
COLEÇÃO CONCURSO:
https://lojadoassistentesocial.com.br/
COMBO
Gabaritando
TJSP
Carreiras
Jurídicas
INVESTIMENTO:
R$ 600,00
R$ 450,00
DE:
POR:
INSCREVA-SE AGORA: www.canaldoassistentesocial.com.br
CLIQUE AQUI E ACESSE
https://canaldoassistentesocial.com.br/courses/combo-gabaritando-tjsp-carreira-juridicas/
A prof. Dra. Cinthia Fonseca (@profacinthiafonseca) vai 
apresentar e discutir textos que foram indicados no edital do
concurso do TJ-SP toda sexta-feira, às 12 horas, no Youtube
da Pótere Social. Inscreva-se no nosso youtube e ative o sininho
para não perder nenhum conteúdo.
E tem mais: Além do momento aberto e gratuito no youtube,
os alunos dos preparatórios Gabaritando TJSP, Carreiras
Jurídicas , Maratonando Saúde, Básico para concursos
municipais e da Pós Serviço Social, Política Social e
Seguridade Social (com foco em concursos) e a Pós
Perito Social, poderão acessar a aula pelo Zoom e terão
conteúdo adicional extra sobre o conteúdo que está sendo
discutido nas aulas abertas, com som e imagem liberados
para conversar e interagir direto com a professora Cinthia
Fonseca (ver calendário das atividades) .
Como vai funcionar?
12h. 2ª EDIÇÃO – ESPECIAL
TJ/SÃO PAULO
CLIQUE AQUI!
85. 9 99522704 clique aqui Seja nosso aluno: www.canaldoassistentesocial.com.br (Clique Aqui)
https://www.instagram.com/profacinthiafonseca/?hl=pt
https://is.gd/videoaulaservicosocialgratis
https://is.gd/videoaulaservicosocialgratis
https://is.gd/videoaulaservicosocialgratis
https://canaldoassistentesocial.com.br/
https://is.gd/videoaulaservicosocialgratis
https://api.whatsapp.com/send?phone=5585999522704
https://canaldoassistentesocial.com.br/
12h.
2ª EDIÇÃO – ESPECIAL
TJ/SÃO PAULO
Calendário:
NOVEMBRO
26.11.2021 – Lançamento aberto da segunda edição do
Grupo de Estudo Estude SESO Comigo e sorteios.
DEZEMBRO
03.12.2021 – Aula Aberta ARTIGO MIOTO, Regina C. T. Família
contemporânea e proteção social: notas sobre o contexto
brasileiro. 
10.12.2021 – Aula Aberta ARTIGO BAPTISTA, Myrian V.
Algumas reflexões sobre o sistema de garantia de direitos.
17.12.2021 – Aula Fechada via zoom para alunos do
@canaldoassistente social direto com a professora
RECESSO DE FINAL DE ANO.
www.youtube.com/poteresocialvideos
ACOMPANHE TODO ESSE CONTEÚDO EM:
https://is.gd/videoaulaservicosocialgratis
12h.
2ª EDIÇÃO – ESPECIAL
TJ/SÃO PAULO
Calendário:
JANEIRO
07.01.2022– Aula Aberta ARTIGO RAICHELIS, Raquel.
Atribuições e competências profissionais revisitadas: a nova
morfologia do trabalho no Serviço Social; 
14.01.2022– Aula Aberta ARTIGO BORGIANNI, Elisabete.
Para entender o Serviço Social na área sociojurídica. 
21.01.2022– Aula Fechada via zoom para alunos do
@canaldoassistente social direto com a professora.
28.01.2022– Aula Aberta ARTIGO: FÁVERO, Eunice Teresinha.
O Serviço Social no Judiciário: construções e desafios com
base na realidade paulista. 
FEVEREIRO
04.02.2022– Aula Aberta ARTIGO: KOGA, Dirce. Diagnósticos
socioterritoriais: conhecimento de dinâmicas e sentidos dos
lugares de intervenção. 
11.02.2022– Aula Fechada via zoom para alunos do
@canaldoassistente social direto com a professora.
www.youtube.com/poteresocialvideos
ACOMPANHE TODO ESSE CONTEÚDO EM:
https://is.gd/videoaulaservicosocialgratis
PÁG ARTIGO 
TEXTOS AVULSOS DA BIBLIOGRAFIA 
01 
01_ MIOTO, Regina C. T. Família contemporânea e proteção social: notas sobre o 
contexto brasileiro (ASSISTA A VIDEOAULA ESTUDE SESO COMIGO) 
22 
02_ BAPTISTA, Myrian V. Algumas reflexões sobre o sistema de garantia de direitos. 
(ASSISTA A VIDEOAULA ESTUDE SESO COMIGO) 
43 
03_ RAICHELIS, Raquel. Atribuições e competências profissionais revisitadas: a nova 
morfologia do trabalho no Serviço Social. (ASSISTA A VIDEOAULA ESTUDE SESO COMIGO) 
75 04_ ALVES, Andrea M. Pensar o gênero: diálogos com o Serviço Social. 
94 
05_ ACQUAVIVA, Graziela. Relações de gênero, moralidades e violência doméstica e 
familiar. 
115 
06_ BERBERIAN, T. P. Serviço Social e avaliações de negligência: debates no campo da 
ética profissional. 
133 
07_ CARLOTO, Cássia Maria; DAMIÃO, Nayara A. Direitos reprodutivos, aborto e 
Serviço Social. 
153 
08_ FONSECA, Claudia. (Re)descobrindo a adoção no Brasil trinta anos depois do 
Estatuto da Criança e do Adolescente. 
187 
09_ GOES, Alberta E. D. Criança não é brinquedo! A devolução de crianças e 
adolescentes em processos adotivos. 
196 
10_ MIOTO, Regina C. T. Para que tudo não termine como um “caso de família”: 
aportes para o debate sobre a violência doméstica. 
204 
11_ PARIZOTTO, Natália Regina. Violência doméstica de gênero e mediação de 
conflitos: e a reatualização do conservadorismo 
TEXTOS DA REVISTA SERVIÇO SOCIAL E SOCIEDADE N. 115 
223 
12_BORGIANNI, Elisabete. Para entender o Serviço Social na área sociojurídica (ASSISTA 
A VIDEOAULA ESTUDE SESO COMIGO) 
259 
13_FÁVERO, Eunice Teresinha. O Serviço Social no Judiciário: construções e desafios 
com base na realidade paulista (ASSISTA A VIDEOAULA ESTUDE SESO COMIGO) 
CLIQUE AQUI
https://is.gd/videoaulaservicosocialgratis
https://is.gd/videoaulaservicosocialgratis
https://is.gd/videoaulaservicosocialgratis
https://is.gd/videoaulaservicosocialgratis
https://is.gd/videoaulaservicosocialgratis
https://is.gd/videoaulaservicosocialgratis
https://api.whatsapp.com/send?phone=5585999522704
https://canaldoassistentesocial.com.br/
278 
14_FUZIWARA, Aurea Satomi. Lutas Sociais e Direitos Humanos da criança e do 
adolescente: uma necessária articulação 
295 
15_TELLES, Vera. Jogos de poder nas dobras do legal e do ilegal: anotações de um 
percurso de pesquisa 
314 
16_TEJADAS, Silvia da Silva. Serviço Social e Ministério Público: aproximações 
mediadas pela defesa e garantia de direitos humanos 
339 17_AZAMBUJA, Maria Regina Fay de. A interdisciplinaridade na violência sexual 
360 
18_VALDEVENITO, Martha. Condicioneslaborales de trabajadores sociales en el Poder 
Judicial de Neuquén 
377 
19_ROCHA, Andréa Pires. Proibicionismo e a criminalização de adolescentes pobres 
por tráfico de drogas 
397 
20_SEGALIN, Andreia. Serviço Social e viabilização de direitos: a 
licença/salário-maternidade nos casos de adoção 
TEXTOS DO LIVRO SERVIÇO SOCIAL E TEMAS SOCIOJURIDICOS 
411 
21_ KOGA, Dirce. Diagnósticos socioterritoriais: conhecimento de dinâmicas e 
sentidos dos lugares de intervenção (ASSISTA A VIDEOAULA ESTUDE SESO COMIGO) 
424 
22_ BAPTISTA, Myriam V.; OLIVEIRA, Rita C. S. A reinserção familiar de crianças e 
adolescentes: perspectiva histórica da implantação dos Planos Individuais de 
Atendimento e das Audiências Concentradas 
439 
23_ FÁVERO, Eunice T. Barbárie social e exercício profissional: apontamentos com 
base na realidade de mães e pais destituídos do Poder Familiar. 
457 
24_ FRANCO, Abigail A. P. O acolhimento familiar e as ações voltadas à proteção e 
promoção dos direitos de crianças e adolescentes 
475 25_ GOIS, Dalva A. Famílias, desenraizamento social e privação de direitos 
491 
26_ SOUSA, Charles T. Práticas punitivas e Serviço Social: reflexões sobre o cotidiano 
profissional no campo sociojurídico. 
CLIQUE AQUI
https://is.gd/videoaulaservicosocialgratis
https://api.whatsapp.com/send?phone=5585999522704
https://canaldoassistentesocial.com.br/
VEJA TAMBÉM 
Fizemos um Drive com ainda mais materiais do seu edital! 
Acesse agora – Clique aqui: http://www.poteresocial.com.br/noticias/ 
Lista Material do Drive @poteresocial e @canaldoassistentesocial 
I_EBOOK POTERE_LEGISLAÇÃO SOCIAL TJSP 
II_EBOOK POTERE_SERVIÇO SOCIAL TJSP 
III_CFESS. Seminário Nacional de Serviço Social e Diversidade Trans: exercício 
profissional, orientação sexual e identidade de gênero em debate. 
IV_ FÁVERO, Eunice T. (Org.). Famílias na cena contemporânea: (des) proteção 
social, desigualdades e judicialização. 1ª edição eletrônica. 
V_GOES, Alberta E. D. E agora José e Maria? O encontro com a maioridade após 
uma vida em acolhimento institucional. 
VI_ GUIA OPERACIONAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA 
CRIANÇAS E ADOLESCENTES. ALANA e MPSP 
VII_ Revista Serviço social e Sociedade, nº 133 
VIII_CFESS. Atuação de assistentes sociais no sociojurídico: subsídios para reflexão 
IX_ CFESS. Sistematização e análise de registros da opinião técnica e emitida pela/o 
assistente social em relatórios, laudos e pareceres, objetos de denúncia éticas 
presentes em recursos disciplinares julgados pelo Conselho Federal de Serviço 
Social 
CLIQUE AQUI
https://www.instagram.com/poteresocial/?hl=pt
https://www.instagram.com/canaldoassistentesocial/?hl=pt
https://api.whatsapp.com/send?phone=5585999522704
https://canaldoassistentesocial.com.br/
I
FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA E PROTEÇÃO SOCIAL: NOTAS
SOBRE O CONTEXTO BRASILEIRO*
Regina Célia Tamaso Mioto1
Introdução
Entabular uma discussão acerca da família contemporânea e proteção
social no contexto brasileiro requer considerar a sua complexidade, tendo em
conta que a história da família se confunde com a própria história da humanida-
de. Esta convivência constante e milenar faz com que o sentimento de intimi-
dade que lhe caracteriza pareça universal e que os vínculos de afeto radicados
na infância tenham aparência de naturais. Porém, não são poucas as pesquisas
que demonstram tanto as suas transformações ao longo do tempo como a pre-
sença de inúmeras formas de ser e conviver em família no quadrante do mesmo
tempo histórico e do mesmo espaço social. Philippe Ariès (1978) através de seu
livro a “História Social da Criança e da Família” evidenciou o quão recente na
história da humanidade é o sentimento em relação a infância. O historiador in-
glês Peter Laslett foi um dos pioneiros a demonstrar que a convivência de vá-
rios modelos familiares sempre existiu e, portanto, a diversidade de famílias não
é uma questão contemporânea. Através de pesquisas empíricas sobre a família
europeia ocidental o historiador afirma a existência, já no século XV, de famí-
lias conjugais nucleares que vieram representar o modelo de família típico e ide-
al da modernidade (LASLETT, 1972). No Brasil, a antropóloga Mariza Corrêa
em seu artigo intitulado - Repensando a família patriarcal brasileira - pergunta
se a “família patriarcal” brasileira seria o modo de viver cotidiano da organiza-
ção familiar no Brasil colônia. Através de uma leitura atenta e cuidadosa da his-
toriografia a autora afirma que “a “família patriarcal” pode ter existido e seu pa-
pel ter sido extremamente importante: apenas não existiu sozinha, nem coman-
*DOI – 10.29388/978-65-86678-28-4-0-f.23-44
1 Professora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFSC. Bolsista
Produtividade em Pesquisa/CNPq. Membro do NISFAPS - Núcleo de Pesquisa
Interdisciplinar Sociedade, Família e Política Social.
23
www.canaldoassistentesocial.com.br 1
dou, do alto da varanda da casa grande o processo total de formação da socie-
dade brasileira” (CORRÊA, 1981, p. 10). 
Assim, parecem incontestáveis tanto o caráter histórico da família
como a sua diversidade nas formas de ser e conviver. Tais formas vão se trans-
formando ao longo do tempo em sincronia com as transformações que ocor-
rem no conjunto da sociedade e que desde o século XVIII se organiza sob o
modo de produção capitalista. Assim, a família contemporânea emerge na se-
gunda metade do século XX em meio às transformações das tecnológias, do
mundo do trabalho, da economia e da cultura. Uma família que tende, segundo
Roudinesco (2003), a se configurar pela união de dois indivíduos em busca de
relações íntimas ou de realização sexual. Nela se acentuam as tensões entre indi-
vidualização e pertencimento, ancorada na quebra da divisão sexual do trabalho
e do poder. Portanto, diferente da família moderna, configurada entre o século
XVIII e meados do século XX, fundada no amor romântico e no casamento as-
sentado na reciprocidade de sentimentos e na complementariedade de papéis,
através da divisão sexual do trabalho entre os cônjuges. A família contemporâ-
nea caracteriza-se pela presença cada vez mais reconhecida de suas diferentes
composições que se relacionam a alteração do vínculo do casamento, ao reco-
nhecimento das uniões estáveis e mais recentemente das uniões de pessoas do
mesmo sexo. 
As transformações da família nos últimos 50 anos do século XX de-
monstram a sua relação intrínseca e dialética com as transformações societárias
e torna possível reconhecê-la no cruzamento de contínuos deslocamentos dos
limites entre esfera privada e esfera pública. De acordo com Pescarolo (2001) é
justamente neste cenário que se tornam visíveis mudanças importantes como:
as fronteiras e as linhas de estrutura do parentesco, as relações entre os sujeitos
que compõem a família, o raio e a natureza das relações fora da família, além da
interação dos diversos sujeitos nos processos sociais e institucionais. Ainda para
a autora, mudam os sentimentos familiares e são renegociadas as obrigações re-
cíprocas. Passa-se de um modelo normativo forte, para um leque mais amplo de
oportunidades individuais em que se torna possível modular com flexibilidade
modos e tempos de vida. 
Portanto, as mudanças que caracterizam as famílias contemporâneas
vêm sendo consideradas dentro de uma tendência não só dos padrões demo-
gráficos, mas também de modos de vida. No arco das inúmeras possibilidades
de famílias encontramos as famílias homoafetivas, as “famílias DINC” (GE-
24
www.canaldoassistentesocial.com.br 2
LINSKI, DAL PRÁ, no prelo), as “famílias poliamorosas” (GRANDE, 2018)2,
as famílias de casais com filhos, as famílias unipessoais, as famílias monoparen-
tais e outras. Porém, como afirma Bilac (1995) não existem apenas formas di-
versas de ser e conviver em família, mas elas estabelecem relações diferentes
com as outras esferas da sociedade, como o Estado, o Trabalho e o Consumo.
Essa assertiva é fundamental para se analisar a famíliano contexto da sociedade
brasileira considerando as desigualdades estruturais de classe, gênero e raça/et-
nia que conformam essas relações no Brasil. Além disso não pode ser esquecido
o caráter contraditório e as relações desiguais que persistem no interior dos gru-
pos familiares. Esse conjunto de relações intrinsicamente interdependentes os
tornam tanto um lugar de relações amorosas e solidárias como de violências e
violações. 
Dentro desse quadro e a partir da indicação das concepções de família
presentes no debate contemporâneo, esse texto pretende discutir a família no
contexto da proteção social brasileira. Nessa discussão inclui-se seus aspectos
históricos e faz-se algumas pontuações sobre o período pós Constituição de
1988. 
Família e Proteção Social: relações e concepções 
Assim como a história da família e da humanidade se confundem, tam-
bém se confundem as relações entre família e proteção social. A solidariedade
familiar e comunitária sempre esteve presente nas formas de organização do
amparo dos membros de diferentes sociedades e em tempos diversos, diante
das necessidades impostas para a continuidade da própria existência. Assim, ao
longo da história sempre recaíram sobre a famílias expectativas de proteção so-
cial e de acordo com cada momento tais expectativas tenderam a aumentar ou a
diminuir. A institucionalização de sistemas de proteção social é um aconteci-
mento recente na história humana, fruto da modernidade e das relações sociais
contraditórias típicas do modo de produção capitalista. Nas sociedades contem-
porâneas ocidentais com as transformações ocorridas na sociedade e na família,
a instauração de um sistema público de proteção social – particularmente do
welfare europeu no pós-guerra – significou um avanço civilizatório importante
2 As famílias DINCS são aquelas formadas por casais sem filhos, com dupla renda e
muitas delas com animais de estimação. (DINC= duplo ingresso, nenhuma criança). As
famílias poliamorosas são aquelas formadas por vínculos de amor, duradouros e
estáveis, entre mais de duas pessoas adultas, não importando se sejam homo, hetero ou
bissexuais. 
25
www.canaldoassistentesocial.com.br 3
no desenvolvimento da sociedade. O século XX será emblemático nas diferen-
tes articulações entre o Estado, a família/sociedade civil e o mercado para a
provisão de bem-estar social. (DI GIOVANNI, 1998; ESPING-ANDERSEN,
2000).
Sobre a importância da presença do Estado na proteção social Sarace-
no (1996) salienta que ele, através de suas políticas sociais, é um recurso funda-
mental para promover a autonomia da família em referência à parentela e à co-
munidade, e à autonomia dos indivíduos em relação à autoridade da família. Por
isso, o Estado é o único agente que, através da garantia de direitos intransferí-
veis a todos os cidadãos, pode postular algum tipo de igualdade na sociedade.
Para reforçar essa tese Peixoto (2007), referindo-se a análise de François Singly
sobre a família contemporânea, assinala que a existência do indivíduo contem-
porâneo depende crucialmente de seus próximos e ao mesmo tempo de sua in-
dependência em relação a eles. Para o autor a individualidade e a convivência
respeitosa só pode acontecer quando, através de mediações institucionais – leia-
se proteção pública - se pode sustentar tanto a individualidade quanto a inde-
pendência. 
Dessa forma, afirma-se que das diferentes articulações produzidas entre
Mercado-Estado-Família/Sociedade Civil para provisão de bem-estar, mediadas
obviamente pelo Estado, resultam diferentes regimes de bem-estar social (ES-
PING-ANDERSEN, 2000). Estes se transformam e suas transformações estão
vinculadas às concepções de justiça e igualdade/equidades reinantes, em dado
momento histórico, nos diferentes países. Acoplado a essa concepção de justiça
encontram-se as expectativas de proteção social depositadas na família. Estas
são decorrentes das diferentes concepções de família que permeiam as socieda-
des e que se alinham a projetos societários diferentes e, obviamente, expressam
interpretações teórico-metodológicas diversas sobre a realidade social. 
 Atualmente as concepções de família em evidência no campo da pro-
teção social estão situadas no arco do estrutural funcionalismo e da teoria social
crítica. A concepção derivada do estrutural funcionalismo é ancorada nas pro-
posições de Emile Durkheim e tem Talcott Parsons como sua grande referên-
cia. Em linhas muito gerais, pauta a família a partir do casamento e da comple-
mentariedade de papéis, além de definir a socialização primária e o apoio e pro-
teção de seus membros como sua função precípua. Dessa forma, a família atra-
vés do adequado cumprimento de suas funções estaria, junto com outras insti -
tuições, sustentando a harmonia e a coesão social. Nesse espectro consolida-se
a centralidade de um modelo ideal de família constituída por homem/pai – mu-
lher/mãe e filhos. Os processos familiares são compreendidos e tratados no
26
www.canaldoassistentesocial.com.br 4
âmbito da própria família, desvinculando-a das bases materiais de produção da
sociedade capitalista. Esta concepção alicerça inúmeros estudos produzidos no
século XX, particularmente sobre os processos de intervenção nas famílias. No
escopo dessa abordagem a família é tratada como instância essencialmente pri-
vada, sob o prisma da ordem, da integração, da estabilidade/harmonia e alheia
ao processo histórico. Ainda sob a lógica do estrutural-funcionalismo os confli-
tos e as instabilidades que têm lugar na família são interpretados como desvios
ou disfunções e o foco de suas análises recaem sobre as relações internas da fa -
mília. Esta é uma interpretação que tem favorecido a abordagem da família des-
vinculada de suas relações estruturais com outras esferas da sociedade. Saraceno
(2013) aponta que essa concepção é responsável pelo pensamento hegemônico
que perdura na sociedade de pensar as relações da família com o trabalho e a
economia apenas através do consumo ou da privação de recursos nas famílias
pobres. Por esse prisma a privação de recursos e de energia das famílias pobres
são interpretadas apenas como empecilho para o pleno desenvolvimento de sua
dimensão relacional e socializadora. 
Em termos históricos, a concepção estrutural-funcionalista é herdeira
do pensamento conservador, que se desenvolveu em oposição ao pensamento
postulado pela revolução francesa de 1789 e tinha como lema a igualdade, a li-
berdade e a fraternidade. O pensamento conservador moderno apoia-se na
ideia que as desigualdades sociais têm uma base natural e que os esforços da es-
fera pública para compensar as desigualdades por meio de leis, só fazem preju-
dicar as liberdades, especialmente dos mais fortes e dos mais brilhantes. Dessa
forma, a ampliação do poder público é uma tentativa equivocada de constran-
ger por meio de leis sociais as desigualdades naturais e/ou a espontaneidade
histórica. Nessa perspectiva defende as estruturas intermediárias de poder da
sociedade, constituídas como entidades orgânicas e articuladas (GAHYVA,
2017; IAMAMOTO, 1997). A família, enquanto uma estrutura intermediária,
assume papel relevante no pensamento conservador. Não por acaso tornou-se
notável o amplo desenvolvimento do estrutural funcionalismo nos estudos so-
bre família. 
A concepção de família, construída no marco da teoria social crítica, as-
senta-se no entendimento que a família é parte intrínseca do conjunto das rela-
ções sociais e é transpassada pelas contradições que caracterizam tais relações e,
portanto, lócus privilegiado das expressões da questão social. Suas relações são
movidas pelo conflito, advindos também da diversidade de interesses, necessi-
dades e antagonismos entre seus membros. Dessa forma, assenta-se ainda na
afirmação do caráter histórico da família e, por isso, entende a família nuclear
27
www.canaldoassistentesocial.com.br 5
como uma formação típica do capitalismo e nesse contexto constitui-se uma
instituição privilegiada dos processosde reprodução social. Ela não é tomada
apenas como o lugar de afetos e socialização, mas é reconhecida como unidade
econômica e de serviços nos termos de Saraceno (2013). A autora, como apon-
tou Mioto (2015), afirma que a família é uma unidade econômica para a qual se
conflui rendimentos de diferentes fontes para uma “bolsa comum” e que os ga-
nhos embora sejam individuais (salários), o direito de administrá-los e de gastá-
lo é da família. Assim, o assalariamento aprofunda desigualdades dentro da fa-
mília e gera tensões entre os seus membros, especialmente entre aqueles que ga-
nham o dinheiro/salário e aqueles que o ganham indiretamente, através do va-
lor adjunto do trabalho doméstico e de cuidado desenvolvido no interior da fa-
mília. Dessa forma, a família é considerada uma instância pública-privada e,
portanto, nas sociedades com profundas desigualdades estruturais de classe, gê-
nero e etnia, como a brasileira, as transformações do mundo do trabalho, asso-
ciadas às mudanças demográficas, tem impactos profundos e diferentes nas fa-
mílias. 
As diferentes perspectivas relacionadas às diferentes matrizes teórico-
metodológicas possuem divergências significativas nas formas de conceber fa-
mília, particularmente em relação as expectativas que se tem sobre as formas de
ser e conviver em família e em relação ao seu papel na provisão de bem-estar,
ou seja, na proteção de seus membros. Em relação às formas de ser e conviver
em família, a tendência do estrutural funcionalismo é a afirmação e defesa do
modelo ideal de família, embora o discurso da multiplicidade de formas já seja
incorporado nessa concepção. Porém, apesar admissão da possiblidade das di-
ferentes formas, não se quebram as expectativas em relação papéis familiares -
homem/pai e mulher/mãe – e persevera a ideia da família como a primeira e
principal responsável pela provisão de bem-estar a seus membros. Nesse senti-
do fortalece a visão naturalizada que o senso comum tem acerca das obrigações
familiares.
 Para a perspectiva crítico dialética, tendo em conta suas categorias ba-
silares historicidade, totalidade e contradição, a multiplicidade de formas famili-
ares é vista como decorrente dos processos de transformação da sociedade. En-
tende-se os modos de vida das famílias e as questões que têm lugar no seu inte-
rior como expressões das inúmeras relações que se entrecruzam na família. Ou
seja, das relações que as famílias estabelecem com as diferentes esferas da socie-
dade, Estado, Mercado/Trabalho, entre os seus membros e com o conjunto das
redes sociais primárias e secundárias de seus membros. Dessa forma, considera-
se que os conflitos que tem lugar no seu interior não são gerados apenas a par-
28
www.canaldoassistentesocial.com.br 6
tir das relações entre os seus membros, mas tendem a exprimir os conflitos
constitutivos da própria sociedade. Além disso, o pensamento crítico-dialético
pondera que as famílias, dadas as condições objetivas de vida no quadro de de-
sigualdades típicas do modo de produção capitalista e da transição demográfica
contemporânea, não podem assumir a maior parte dos custos pela provisão de
bem-estar de seus membros. 
Tais concepções de família sustentam diferentes projetos de proteção
social. Ou seja, sociedades que partilham de uma concepção de família que re-
conhece as transformações da sociedade e da família, e que buscam níveis mais
elevados de justiça e igualdade tendem a colocar no Estado maior responsabili-
dade pela provisão de bem-estar, através da lógica do direito e da cidadania. So-
ciedades que partilham de uma concepção de que a família - independente das
transformações da sociedade e da família - é a principal responsável pela provi-
são de bem-estar de seus membros, tendem dar primazia a ela e obviamente ao
mercado, na organização da proteção social. 
Família e Proteção Social no Brasil: aspectos históricos 
A família no Brasil sempre desempenhou papel central na construção
das relações sociais ao longo dos séculos. No seu livro “Raízes do Brasil”
(2017), Sergio Buarque de Holanda (2017) afirma enfaticamente que a família –
como entidade privada – precede a pública, à medida que a sombra do quadro
familiar persegue os indivíduos mesmo fora do espaço doméstico. Para o autor
a “improvisada” burguesia urbana no Brasil nasceu impregnada pela marca da
família, trazendo na sua formação a incompatibilidade entre o patriarcalismo e
personalismo fixados pela tradição e as formas de vida que se tentava construir
à semelhança dos países mais avançados. No Brasil colônia a família junto com
a Igreja assumiam toda a responsabilidade na provisão da saúde, educação e as-
sistência social. Essa conformação teve influência decisiva tanto na legislação
brasileira em relação a família, como na configuração da proteção social ao lon-
go dos anos republicanos no Brasil. 
Em termos de legislação, a Igreja foi decisiva na definição de família
que passou a fazer parte das Constituições brasileiras. Ou seja, a família consti-
tuída por um homem e uma mulher e sua prole, tendo o homem como cabeça
do casal e o casamento indissolúvel até 1977. Em termos de proteção social a
família continuou sendo referência central no desenho da política pública brasi-
leira e a Igreja continuou como grande influenciadora da repartição de respon-
29
www.canaldoassistentesocial.com.br 7
sabilidade na provisão de bem-estar social, especialmente através da força de
um de seus princípios chaves que é o princípio da subsidiariedade. Esse princí-
pio consta da Encíclica Quadragésimo Ano de Pio XI, publicada no ano 1931 e
versa sobre a teoria social católica da solidariedade social. Ele se refere ao esca-
lonamento das atribuições em função da complexidade do atendimento dos in-
teresses da sociedade. Por isso estabelece que as instâncias superiores prevale-
cem sobre as instâncias menores apenas quando estas falham na satisfação de
atribuições que lhes competem (MIOTO, 2015; 2016). 
O sistema de proteção social no Brasil configurado no início do século
XX teve como pilares o trabalho e a família, caracterizando-se como um siste -
ma de caráter familista ou constituídos por políticas “de família” ou “referidas à
família” nos termos de Goldani (2005). Para a autora, as “políticas referidas à
família” têm na sua composição elementos que visam fortalecer as funções so-
ciais da família, seja a partir de sua estrutura, de suas características ou de de-
mandas de seus membros. Tais elementos estão presentes tanto nas políticas de
caráter universal, como nas focalizadas de combate à pobreza, à violência do-
méstica, dentre outras. As “políticas de família” visam intervir na modelação
das famílias, buscando conformar as estruturas familiares a partir de um modelo
ideal. Este modelo ancora-se tanto em valores culturais dominantes, como em
uma concepção de desenvolvimento econômico relacionada ao papel que se es-
pera da população a partir desse modelo. 
Ao longo do desenvolvimento histórico brasileiro as “políticas de famí-
lia” tiveram lugar especialmente no primeiro quadrante da república. Isso ocor-
reu, segundo Fonseca (2001), quando a família desenvolveu papel estratégico na
conformação da ideia de nação e tornou-se imprescindível para atender as de-
mandas de reprodução da força de trabalho no contexto da emergência do capi-
talismo. Muito se investiu na consolidação do modelo de família nuclear bur-
guês (pai-mãe e filhos) tendo como parâmetros o eugenismo e o higienismo3.
Nesta perspectiva, foi emblemático o Estatuto da Família de 1941 - decreto-lei
n. 3.200 de 19 de abril de 1941- que normatizava, dentre outras coisas, o casa-
mento, a filiação e a concessão de auxílios através das caixas de pensões aos tra-
3 A grosso modo, o higienismo refere-se a doutrina que nasce na primeira metade do
século XIX na Europa, quando os governantes começam a vincular a saúde da
população aos hábitos de higiene e a comportamentos pessoais/familiares e criam-se
políticas pautadas na defesa de comportamentossaudáveis. Eugenismo refere-se ao
conjunto de ideias e práticas relativas ao aprimoramento da raça. Nessa base se
desenvolvem políticas para sanar a sociedade de pessoas com determinadas
enfermidades ou características consideradas indesejáveis (doenças, impulsos
criminosos). 
30
www.canaldoassistentesocial.com.br 8
balhadores. No seu capítulo VIII, chancelava a subvenção “as instituições de
assistência, já organizadas ou que se organizarem para dar proteção às famílias
em situação de miséria” (BRASIL, 1941). Nesse decreto, toma corpo a ideia da
proteção à família vinculada ao trabalho, ou seja, a proteção social vinculada a
figura do trabalhador. À filantropia, majoritariamente, caberia o atendimento às
famílias que não conseguissem atender as necessidades de seus membros por
seus próprios meios, dentre esses, o trabalho remunerado formalizado. 
Esta configuração de proteção social assentada basicamente sobre o
trabalho e a família perdurou até a Constituição de 1988. Tal configuração foi
amplamente debatida no contexto da discussão sobre a cidadania no Brasil. De
acordo com Teixeira (1985) a cidadania, que tem como princípio a igualdade/
equidade, se torna realidade de fato à medida em que os direitos e deveres dos
indivíduos são transformados em mecanismos de proteção social às necessida-
des sociais. Foi no contexto do debate da cidadania, e da movimentação da so-
ciedade brasileira em torno dela, que se erigiu a Constituição de 1988. No deba-
te, ganharam projeção os conceitos de “cidadania regulada” e de “cidadania in-
vertida” que expressaram a crítica ao sistema de proteção social brasileiro vigen-
te. 
O conceito de “cidadania regulada”, forjado por Wanderley Guilherme
dos Santos (1979), refere-se ao padrão institucional de reconhecimento do cida-
dão pelo Estado. Trata-se de um conceito que vincula os direitos aos indivíduos
inseridos no processo de produção. Dessa inserção depende a proteção dos
membros de sua família. Isso caracteriza um modelo universalista de inclusão
seletiva em projetos de bem-estar, através da associação entre o lugar que o tra-
balhador detém em uma ocupação definida e reconhecida por lei e o seu status
de cidadão. Nesse molde, a cidadania está atrelada a um sistema social estratifi-
cado que tem como função mediar o conflito na esfera da produção, entre a ân-
sia da acumulação do capital e a equidade social desejada. Portanto, distante de
uma lógica de universalidade em que é reconhecido como cidadão, de forma
efetiva, todo e qualquer membro de uma sociedade. Nesse sentido o padrão de
cidadania no Brasil se caracteriza essencialmente pela dissonância entre cidada-
nia formal (jurídica) e cidadania efetiva. Um exemplo notório dessa condição é
o fato que até a Constituição de 1988 os direitos previdenciários e o direito à
saúde eram diretamente associados à condição de trabalhador no mercado for-
mal. Aqueles que não dispunham de trabalho formal, que era a maioria da po-
pulação brasileira, dependia dos recursos familiares. Caso esses não existissem
ficavam a mercê da filantropia. 
31
www.canaldoassistentesocial.com.br 9
O conceito de “cidadania invertida” esteve amplamente presente no
âmbito do debate sobre a assistência social brasileira4 e, de acordo com Teixeira
(1985 p. 401), conforma a situação em que
[...] o indivíduo entra em relação com o Estado no momento em que se
reconhece como não-cidadão. Tem como atributos jurídicos e institucio-
nais, respectivamente, a ausência de relação formalizada de direito ao be-
nefício, o que se reflete na instabilidade das políticas assistenciais, além
de uma base que reproduz um modelo de voluntariado das organizações
de caridade, mesmo quando exercidas em instituições estatais.
Ou seja, o acesso a algum tipo de benefício ou “direito de cidadania”
implica na comprovação da inexistência de condições de cidadania. Um dos
exemplos clássicos é a exigência do atestado de pobreza das famílias para a con-
cessão de algum benefício ou acesso aos serviços. Ou, na versão mais atual, as
famílias devem comprovar que são desprovidas de condições de vida cidadã
para receberem o bolsa família. 
Em meio a efervescência do debate em torno da proteção social brasi-
leira associada a cidadania acoplado à luta dos movimentos populares por direi-
tos nos anos de 1970 e 1980 e pelas transformações das famílias, chegou-se à
Constituição de 1988. Esta trouxe inovações importantes tanto no campo da
família como no campo da proteção social. No campo da família rompe com
toda a tradição das outras constituições ao postular a igualdade entre homens e
mulheres; o reconhecimento da união estável, das famílias monoparentais e dos
direitos iguais para os filhos (fim da distinção entre filhos “legítimos” e “ilegíti-
mos”). Com base nela, em 2011, o Supremo Tribunal de Justiça (STF) em 2011
reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo e, em 2013, o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), através de resolução, proibiu cartórios de todo o
Brasil de se recusarem a celebrar casamentos civis de casais do mesmo sexo. 
 A proteção social, através da instituição da seguridade social, tornou-se
um direito de cidadania a ser garantido pelo Estado. Dessa forma, desvincula o
acesso aos benefícios e serviços da contribuição individual. Todos passam a ter
o mesmo direito ao acesso, de acordo com sua necessidade. Isto significa a ado-
ção de um mecanismo de solidariedade e redistribuição entre aquelas pessoas
que podem contribuir e aquelas que terão os custos cobertos por toda a socie-
dade, através de impostos e contribuições. Passa-se a operar dentro de um prin-
4 Merece destaque nessa discussão o livro Classes subalternas e assistência social de
Maria Carmelita Yasbek publicado em 1993.
32
www.canaldoassistentesocial.com.br 10
cípio de justiça por meio do qual associa-se “um certo bem-estar como parte de
um padrão civilizatório que define os direitos humanos” (FLEURY, 2007, p.
76). 
A Família na Proteção Social Brasileira pós Constituição de
1988: avanços e retrocessos 
A promulgação da Constituição em 1988 não significou o compartilha-
mento de suas proposições, particularmente em relação aos direitos sociais, pela
totalidade da sociedade brasileira. De acordo com Fagnani (2011), o fantasma
da ingovernabilidade, sob o argumento dos custos da Seguridade Social para o
Estado, esteve presente desde a Assembleia Nacional Constituinte, através do
pensamento de representantes da elite econômica brasileira. Esta, já alinhada
aos preceitos do neoliberalismo que alçava com força no contexto internacio-
nal. A partir desse contexto vieram as pressões nos anos seguintes dos organis-
mos internacionais, tais como Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional
dentre outros, alavancando a ideia de que a política social deve ser, por excelên-
cia, voltada para os pobres e por definição deve ser focalizada. No escopo dessa
perspectiva, ressurgiu a família como referência central para a política social e
imprescindível para a efetivação dos processos de focalização e seletividade.
Portanto, desde a própria Constituinte se inicia a tensão entre diferentes proje-
tos de proteção social para a sociedade brasileira. Uma tensão que por ora se
acirra numa conjuntura em que, a despeito das experiências e análises que de-
monstram o fracasso do pensamento neoliberal5, ele revive no Brasil atual. 
No decorrer dos anos entre 1988 e 2019, as tensões entre as diferentes
proposições relativas à seguridade social foram aumentando e a família tornou-
se um componente importante nesse debate. A grosso modo nesse período, no
que se refere à família no escopo da proteção social brasileira, é possível identi-
ficar diferentes conjunturas quando se observa a incorporação da família nas
proposições sociais, econômicas e políticas, especialmente no campo da prote-
ção social. Apesar da Constituição ter postulado o dever do Estado pela prote-
ção social, ao longo de todo esse período, a família continuou tendo centralida-
de no campo daprovisão de bem-estar. A política pública brasileira continuou
5 De acordo com o relatório da CEPAL (2014), as políticas adotadas na América Latina
de redução dos gastos públicos e sobretudo dos gastos sociais, ou seja, o ajuste fiscal,
foi a variável que teve um impacto altamente negativo nas condições de vida da
população, provocando a deterioração dos níveis bem-estar social na região. 
33
www.canaldoassistentesocial.com.br 11
sendo altamente referida à família, não conseguindo se desprender do caráter
familista da sociedade brasileira, que se expressa na naturalização das funções
familiares de cuidado e proteção; no curto-circuito estabelecido entre expecta-
tivas de cuidado e proteção depositadas nas famílias e as condições objetivas
para sua realização vinculadas às desigualdades de classe, gênero e etnia e no
distanciamento da concepção de direitos como dever do Estado e na afirmação
da solidariedade familiar (MIOTO; CAMPOS; CARLOTO, 2015). 
Porém, a incorporação da família não aconteceu de forma homogênea
e linear durante todo o período. Ao contrário, é possível observar diferenças
substantivas pelo menos entre dois períodos, o de 1989 a 2016 e o iniciado em
2016. O período compreendido entre 1989 e 2016 foi marcado por fortes ten-
sões e embates na afirmação da seguridade social como direito social. Como
emblemático do início desse período temos a presença massiva dos movimen-
tos sociais, a produção das leis infraconstitucionais como a lei orgânica da saúde
em 1990, a lei orgânica da assistência social (1993), a formulação do Estatuto da
Criança e do Adolescente (1990) entre outros, encaminhando as expectativas
em direção a maior responsabilidade do Estado na proteção social. No entanto,
na conjuntura do governo de Fernando Henrique Cardoso, a família já passa a
fazer parte explicitamente dos Programas governamentais, como o Comunida-
de Solidária e também do discurso governamental consoante às agências multi-
laterais. Nessa perspectiva, é expressiva a declaração de Wanda Engel - secretá-
ria de Assistência Social do Ministério da Previdência e Assistência Social - no
ano 2000, ao rebater as críticas referentes ao Programa de Erradicação do Tra-
balho Infantil. Segundo a secretária “a década de 90 foi a década dos direitos.
Agora é a década da responsabilidade. A família tem de fazer força para sair da
situação de indigência”6. 
Nesse período, o movimento contraditório entre a institucionalização
da Seguridade Social com características de bem-estar e a sua não institucionali-
zação (FAGNANI, 2007) foi pautando a vida política brasileira e, assim, che-
gou-se à conjuntura dos governos do Partido dos Trabalhadores. Neles foram
depositadas as melhores expectativas para o avanço da proposta constitucional
de seguridade social. No entanto, apesar de avanços significativos como a Po-
lítica Nacional de Assistência Social, além das políticas relacionadas às mulhe-
res, negros, indígenas, quilombolas e o grande investimento no Programa de
Transferência de Renda – Bolsa Família, dentre outros, assistiu-se também a in-
corporação oficial da família na política social. A PNAS postulou dentre as suas
6 Esta declaração consta do jornal Folha de São Paulo de 30 de abril de 2000. 
34
www.canaldoassistentesocial.com.br 12
diretrizes a matricialidade familiar e a política de saúde nesse período instalou a
política de humanização na qual a família ganha significativo protagonismo
(MIOTO; DAL PRÁ, 2015). Além disso, no contexto da política de assistência
social, recuperou-se o trabalho social com famílias. Este, mesmo que postulado
em novas bases e em defesa da diversidade das famílias, não conseguiu se des-
vencilhar totalmente de suas amarras históricas e da concepção de família vin-
culada a ideia de principal responsável pela proteção social. Nessas discussões
forjou-se o jargão da “responsabilização da família” e jogou-se luz sobre as rela-
ções família e Estado. Em meio a tal conjuntura, que tanto se reconheceu a fa-
mília na sua diversidade e avançou-se muito na defesa dos direitos das minorias,
assistiu-se também o retorno da concepção conservadora de família no plano
legislativo. Em 2013, foi apresentado o projeto de lei que institui o Estatuto da
Família (BRASIL, 2013) que deve dispor sobre “os direitos da família e sobre as
diretrizes das políticas públicas voltadas para a valorização e apoiamento à enti-
dade familiar”. Define entidade familiar “como o núcleo social formado a partir
da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união es-
tável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descen-
dentes” (BRASIL, 2013). Este projeto ainda se encontra em tramitação e está
na contramão da decisão do STJ já referida, além de contraria a própria realida-
de. 
Decididamente o período de 1989 a 2002 abrigou conjunturas bastante
contraditórias, caracterizadas por tensões e pressões para o avanço da proposta
constitucional e marcadas pela visibilidade que deu à família como instância de
provisão de bem-estar social, até então invisível no contexto do debate da po-
lítica social brasileira. Porém com todas as contradições que marcaram tais con-
junturas e com todas as ambiguidades e paradoxos contidos no binômio família
e cidadania, não se negou em nenhum momento a postulação da Constituição
Federal de 1988. Manteve-se o dever do Estado em relação à proteção social. O
período referido navegou sob o paradigma da cidadania e grandes embates fo-
ram travados na arena democrática da política brasileira. Mesmo em 1995,
quando se aprovou a contrarreforma do Estado, estava posto o reconhecimen-
to do Estado não apenas nas “suas tarefas clássicas de garantia da Propriedade e
dos contratos, mas também seu papel de garantidor dos direitos sociais e de
promotor da competitividade do seu respectivo país” (BRASIL, 1995, p. 7, gri-
fo nosso). 
O golpe parlamentar de 2016 instaura a quebra do paradigma da cida-
dania e demarca um novo período para a proteção social brasileira, sob a égide
das políticas de austeridade. O projeto de proteção social contido na Constitui-
35
www.canaldoassistentesocial.com.br 13
ção Federal, que foi sofrendo duros golpes ao longo do tempo, passa a ter uma
reorientação clara no escopo do paradigma neoliberal. Este paradigma pauta-se
na ideia de “superioridade do livre mercado como mecanismo de alocação efici-
ente de recursos”. A privatização é seu carro-chefe e o individualismo e a liber-
dade - em detrimento da igualdade - são seus valores centrais (UGÁ; MAR-
QUES, 2005, p. 196). Com a instauração desse paradigma a família ganha ainda
mais protagonismo pois a política de austeridade, de acordo com Vieira et al
(2018), consiste numa política de ajuste fundada na redução dos gastos públicos
e do papel do Estado nas suas funções de indutor do crescimento econômico e
promotor do bem-estar social. 
Inicia-se um período em que a família compulsoriamente deverá assu-
mir os custos da provisão de bem-estar social, pois será de seu orçamento que
sairão os recursos necessários para o pagamento de planos de saúde, da escola,
da previdência privada e de tantos outros bens e serviços. A tendência nesse
contexto é de aprofundamento da desigualdade considerando que as famílias
não são homogêneas nem em recursos, nem em fases dos ciclos de vida, nem
em modelos culturais e organizativos. São influenciadas e interagem com o con-
junto da legislação e dos serviços sociais de formas diferenciadas e, portanto, as
desigualdades de classe, gênero e raça/etnia tendem a ganhar visibilidade maior
(SARACENO, 1996). Nesse paradigma, há o recrudescimento do acesso a be-
nefícios e serviços, aprofundando-se a lógica dos programas focalizados com
aumento expressivo da seletividade. No âmbito da prestação dos serviços públi-
cos a família é tomada como o vetor para o que Britos (2006) denomina de
“processos de externalização”. Esses processos consistem no encaminhamento
dos usuários dos serviços públicos para outras instituições,dada a ausência ou
sobrecarga de serviços ou recursos públicos. Os encaminhamentos são realiza-
dos para as organizações comerciais quando a família possui recursos, para as
organizações não governamentais (filantropia) quando não possui recursos, ou
ainda, requerem as próprias unidades domésticas, especialmente para a presta-
ção de cuidados. Além disso, aumenta exponencialmente a incorporação das fa-
mílias nos serviços sociais, sob a forma de práticas administrativas ou de partici-
pação devido aos processos de precarização e intensificação do trabalho que
ocorre nas instituições públicas. Ou seja, a família é o fator de referência princi-
pal para esses processos que sempre incluem também uma sobrecarga nas atri-
buições das famílias. Por fim, sob o paradigma neoliberal, tende a haver o incre-
mento dos processos de judicialização à medida que as famílias não conseguem
atender as expectativas que se tem delas no provimento de bem-estar. A pres-
são que se exerce sobre elas tende a aumentar e com isso aumenta-se o nível de
36
www.canaldoassistentesocial.com.br 14
estresse e de conflitos no interior das famílias, que são expressos através de inú-
meras formas de violências. 
A tendência de agravamento da situação em que vivem as famílias é no-
tória a partir de 2019 sob uma conjuntura na qual o neoliberalismo, assumido
na sua plena perversidade, é associado à uma pauta reacionária nos costumes.
Como diz Boron (1999), é notável a capacidade do pensamento neoliberal de
criar, recriar e incrementar um “senso comum” neoliberal enraizado nas crenças
populares. Nesse contexto a família torna-se o epicentro do processo social e
político brasileiro e ocupa posição central no universo discursivo oficial. Ao
mesmo tempo em que se discursa em nome da proteção da família, solapa-se as
suas bases de sustentação, especialmente das famílias pobres, ao realizar o des-
monte da seguridade social, da educação e de outras políticas setoriais7. Os da-
dos apresentados pelo IBGE8, largamente divulgados pela imprensa, ajudam a
sustentar a tese sobre a impossibilidade de haver proteção das famílias nas suas
características contemporâneas, com as condições de vida da população e o
desmantelamento da proteção social em curso no país. 
 Novamente reafirma-se o padrão familista na proteção social brasileira
que implica dois níveis, macrossocial e microssocial. No nível macrossocial
consiste na definição da família como instituição provedora central de bem-
estar. No nível micro - social apela-se para uma rede de mulheres (mães, avós,
vizinhas) para a realização do trabalho familiar, particularmente do cuidado
(MIOTO, 2012; BATTHYANI, 2009).
No processo de desmonte da política social brasileira no atual período,
ressalta-se a criação do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos,
composto em grande parte por pessoas de igrejas neopentecostais alinhadas a
concepção extemporânea9 de família, ou seja, de base estrutural funcionalista.
Através da proposição de inúmeros programas que se arvoram atuar em “defe-
sa” da família, das crianças e adolescentes solapam as bases das políticas públi-
cas sob os parâmetros da Constituição de 1988. No ministério está alocada a
Secretaria da Família que, segundo a sua secretária, 
7 Consultar: JANNUZZI, P. de M. Pobreza, Desigualdade e Mobilidade Social no
Brasil: dos avanços civilizatórios pós Constituição de 1988 aos prenúncios da barbárie
liberal pós Golpe de 2016. 
8 Consultar Síntese dos indicadores sociais: uma análise das condições de vida da
população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE, 2019 
9 Extemporâneo significa aquilo que se manifesta numa época inapropriada; que
acontece além do tempo determinado; fora do momento oportuno; impróprio para o
tempo ou circunstância em que ocorre. (Dicionário online em português
https://www.dicio.com.br/extemporaneo/ - Acesso em 2 dez. 2019) 
37
www.canaldoassistentesocial.com.br 15
https://www.dicio.com.br/extemporaneo/
[...] constitui, de fato, uma estrutura inédita no Brasil, projetada a investir
no essencial, já que muitos problemas sociais podem ser evitados com o
devido protagonismo da família, desde o preconceito à violência, passan-
do pelos desequilíbrios afetivos, que, em muitos casos, fundamentam o
recurso a drogas e outros subterfúgios. (MARTINS, 2019,).
Além do referido ministério, muitas outras ações e programas estão
tendo lugar em outros ministérios que sustentam a concepção extemporânea de
família, tanto em relação a sua forma, como na sua responsabilidade em relação
a provisão de bem-estar. A manutenção dessa concepção de família é funda-
mental para sustentar as mudanças em curso e a superfocalização na família po-
bre em acordo com as orientações do Banco Mundial10. 
Dessa forma, chega-se a 2020 com a articulação de um sistema de pro-
teção social avesso a Constituição de 1988, onde a regressão dos direitos de ci -
dadania é evidente e longe da proposição de “políticas para as famílias” (GOL-
DANI, 2005, p.13). Para a autora as “políticas para as famílias” partem do reco-
nhecimento das “famílias reinventadas”11 e, portanto, vincula a necessidade de
novas articulações entre o trabalho para o mercado, o trabalho para a família e a
provisão de bem-estar por parte do Estado. Nessa perspectiva, a desfamilização
de muitos dos encargos delegados às famílias é entendida como basilar para a
preservação da convivência e do bem-estar das famílias.
Considerações Finais 
Diante do exposto, e considerando o contexto sociopolítico em que a
sociedade brasileira está imersa, duas considerações são importantes. A primeira
é a desconstrução do discurso de proteção da família que caminha na contra-
mão de medidas de fato efetivas de proteção da família. Sobre isso, é importan-
te lembrar que apesar da ideia bem arquitetada do liberalismo/neoliberalismo
de apologia da eficiência do mercado, a realidade, historicamente, tem demons-
trado a sua incapacidade de dar conta dos problemas que ele mesmo gera, parti-
10 Um exemplo disso é a proposta Como Investir na Primeira Infância: Um Guia para a
Discussão de Políticas e a Preparação de Projetos de Desenvolvimento da Primeira
Infância. Disponível em: 
http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/crianca_feliz/
Como_Investir_na_Primeira_Infancia.pdf 
11 Entende-se por “famílias reinventadas” as diferentes formas de ser e conviver que
caracterizam as famílias contemporâneas. 
38
www.canaldoassistentesocial.com.br 16
http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/crianca_feliz/Como_Investir_na_Primeira_Infancia.pdf
http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/crianca_feliz/Como_Investir_na_Primeira_Infancia.pdf
cularmente no campo da reprodução humana. Dessa forma, reafirma-se a im-
portância e a necessidade de o Estado assumir a maior cota de responsabilidade
na provisão de bem-estar. Isto torna-se fundamental para não responsabilizar as
famílias pelas suas contingências, para não tornar o bem-estar das famílias de-
pendente da lógica mercantil, para não aprisionar as famílias na dependência de
suas redes de solidariedade e também para preservar a autonomia de cada um
em relação à autoridade da família (TEIXEIRA, 1985; SARACENO, 1996). 
A segunda é a impropriedade de se creditar às famílias a maior cota de
responsabilidade pela provisão de bem-estar. Considerando os indicadores de-
mográficos, sociais e econômicos que, desde a década dos 1980, demonstram
que as transformações ocorridas na família, entre elas, a sua composição com
muito menos membros, as mudanças no caráter de suas relações e de seus vín-
culos, se associam ao empobrecimento acelerado e à retração dos investimen-
tos públicos. Esses fatores colocam as famílias da classe trabalhadora brasileira
numa posição extremamente difícil, sem condições de responder as expectati-
vas que têm sido colocadas sobre elas. Além disso, como aponta Pereira
(2004), o caráter contraditório da família, as transformações na sua organiza-
ção, gestão e estrutura,bem como a dificuldade de definir as fronteiras e res-
ponsabilidades entre os diferentes atores do setor informal, contra - indicam as
possibilidades de a família assumir um papel preponderante no campo da pro-
teção social. 
Portanto, é urgente a desconstrução do paradoxo entre a lógica dis-
cursiva de proteção da família do governo atual e a lógica mercadológica im-
pressa na divisão de responsabilidades dos atores em relação à proteção social.
A persistência desse paradoxo sustenta a seguinte equação: quanto mais merca-
do/família, mais desigualdade e menos cidadania. 
Referências
ARIÈS, P. História social da infância e da família. Rio de Janeiro: LCT, 
1978.
BATTHYÁNI, D. K. Cuidados de personas dependientes y género. In: 
AGUIRRE, R. Las bases invisibles del bienestar social: el trabajo no remu-
nerado en Uruguay. Montevideo: UNIFEM, 2009. p. 87-124.
BILAC, E. D. Sobre as transformações nas estruturas familiares no Brasil- no-
tas muito preliminares. In: RIBEIRO, I.; RIBEIRO, C. (org.). Família e Pro-
39
www.canaldoassistentesocial.com.br 17
cessos Contemporâneos: Inovações da sociedade brasileira. São Paulo: Loyo-
la, 1995. p. 43-61
BORON, A. Os novos Leviatãs e a polis democrática: neoliberalismo, decom-
posição estatal e decadência da democracia na América Latina. In: SADER, E.; 
GENTILI, P. Pós- Neoliberalismo II: Que Estado para que democracia? Pe-
trópolis: Editora Vozes, 1999. p. 7-67.
BRASIL. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organiza-
ção da Assistência Social e dá outras providências. Presidência da República: 
Casa Civil, 7 de dezembro de 1993. Disponível em: <http://www.planalto.-
gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htm>. Acesso em: 26 set. 2013.
______. Decreto-Lei nº3200, de 19 de abril de 1941. Brasília: Câmara dos 
Deputados, 19/04/1941. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/
legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-3200-19-abril-1941-413239-publicaca-
ooriginal-1-pe.html .> Acesso em 15 ago. 2019
______. Plano Diretor da Reforma do Estado. Brasília: Ministério da Admi-
nistração Federal e da Reforma do Estado. Presidência da República: Câmara 
da Reforma do Estado. Brasília. Novembro de 1995. Disponível em: <http://
www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais/catalogo/fhc/plano-
diretor-da-reforma-do-aparelho-do-estado-1995.pdf > Acesso em: 18 set. 2020.
______. Projeto de Lei N°6583- A, de 2013: Câmara dos Deputados. Brasilia. 
16 de outubro de 2016. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposi-
coesWeb/
prop_mostrarintegra;jsessionid=47FC186CDB5C27E515DF6EEB0712A562.p
roposicoesWeb2? codteor=1398893&filename=Avulso+-PL+6583/2013 .> 
Acesso em: 21 nov. 2019.
BRITOS, N. Ambito profissional y mundo del trabajo: Politicas sociales y 
trabajo social em los anos noventa. Buenos Aires: Espacio Editorial, 2006.
CEPAL. Panorama social de América Latina. Santiago: Livrograf-CEPAL: 
2014. p. 292. 
CORRÊA, M. Repensando a família patriarcal brasileira. Cadernos de Pesqui-
sa, São Paulo, n. 37, v. 4, p. 5-16, 1981.
DI GIOVANNI, G. Sistemas de proteção social: uma introdução conceitual. 
In: OLIVEIRA, M. A. Reforma do Estado e políticas de emprego no Bra-
sil. Campinas/SP. UNICAMP, 1998.
ESPING-ANDERSEN, G. Fundamentos sociales de las economias pos-
tindustriales. Barcelona: Ariel, 2000.
40
www.canaldoassistentesocial.com.br 18
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=47FC186CDB5C27E515DF6EEB0712A562.proposicoesWeb2?codteor=1398893&filename=Avulso+-PL+6583/2013
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=47FC186CDB5C27E515DF6EEB0712A562.proposicoesWeb2?codteor=1398893&filename=Avulso+-PL+6583/2013
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=47FC186CDB5C27E515DF6EEB0712A562.proposicoesWeb2?codteor=1398893&filename=Avulso+-PL+6583/2013
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=47FC186CDB5C27E515DF6EEB0712A562.proposicoesWeb2?codteor=1398893&filename=Avulso+-PL+6583/2013
http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais/catalogo/fhc/plano-diretor-da-reforma-do-aparelho-do-estado-1995.pdf
http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais/catalogo/fhc/plano-diretor-da-reforma-do-aparelho-do-estado-1995.pdf
http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais/catalogo/fhc/plano-diretor-da-reforma-do-aparelho-do-estado-1995.pdf
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-3200-19-abril-1941-413239-publicacaooriginal-1-pe.html
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-3200-19-abril-1941-413239-publicacaooriginal-1-pe.html
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-3200-19-abril-1941-413239-publicacaooriginal-1-pe.html
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htm
FAGNANI, E. Apresentação. In: FAGNANI, E. (org.) Como Incluir os Ex-
cluídos? Carta Social e do Trabalho, n. 7. Campinas: UNICAMP-CESIT, 2007.
______. A política Social no Governo Lula (2003-2010): perspectiva histórica. 
Texto para Discussão, Campinas, n. 192, jun. 2011. 29 p.
FLEURY, S. M. Por uma sociedade sem excluídos(as). Rio de Janeiro Ob-
servatório da Cidadania, 2007. Disponível em: <https://www.ibase.br/useri-
mages/sociedade.pdf > Acesso em 19 nov. 2019.
FONSECA, A. M. M. da. Família e Política de Renda Mínima. São Paulo: 
Cortez Editora, 2001. 
GAHYVA, H. Notas Sobre o Conservadorismo: elementos para a definição de
um conceito. Política e Sociedade, Florianópolis, v. 16, n. 35, p. 299- 320, 
2017. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.5007/2175-
7984.2017v16n35p299>. Acesso em: 20 nov. 2019. 
GELINSK, C.R.O.; DAL PRÁ, K. R. Questões Demográficas Relevantes por 
Faixas Etárias e os Desafios para as Políticas Públicas diante de Mudanças nos 
Padrões de Bem - Estar. In: DAL PRÁ, K.R.; MOSER, L. (orgs.) Família e 
Política Social: Gênero, Gerações e Cuidado. Florianópolis: Editora 
UFSC.2020. p.221-242.
GRANDE, E. Il poliamore, i diritti e il diritto. The Cardozo Electronic Law 
Bulletin. New York: Cardozo Institute. 2018. Disponível em: <http://www.-
jus.unitn.it/cardozo/>.Acesso em: 21 set. 2019. 
GOLDANI, A. M. Reinventar políticas para as famílias reinventadas: entre la 
“realidad” brasileña y la utopia. Lineamientos de acción y propuestas de po-
líticas hacia las famílias. Serie Seminarios y Conferencias, Chile, n. 46, CE-
PAL, p.319-345, 2005. Disponível em: <http://www.pasa.cl/wp-content/uplo-
ads/2011/08/
Reinverntar_politicas_para_familias_reinventadas_Goldani_Ana_Maria.pdf>. 
Acesso em: 12 fev. 2014.
HOLANDA, S. B.de. Raízes do Brasil. 27. ed. São Paulo: Companhia das Le-
tras, 2017.
IAMAMOTO, M. V. Renovação e Conservadorismo no Serviço Social. São
Paulo: Cortez Editora, 1997.
IBGE. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da 
população brasileira. Coordenação de População e indicadores Sociais. Rio de 
Janeiro: IBGE, 2019. p. 151.
41
www.canaldoassistentesocial.com.br 19
http://www.pasa.cl/wp-content/uploads/2011/08/Reinverntar_politicas_para_familias_reinventadas_Goldani_Ana_Maria.pdf
http://www.pasa.cl/wp-content/uploads/2011/08/Reinverntar_politicas_para_familias_reinventadas_Goldani_Ana_Maria.pdf
http://www.pasa.cl/wp-content/uploads/2011/08/Reinverntar_politicas_para_familias_reinventadas_Goldani_Ana_Maria.pdf
http://www.jus.unitn.it/cardozo/
http://www.jus.unitn.it/cardozo/
https://www.ibase.br/userimages/sociedade.pdf
https://www.ibase.br/userimages/sociedade.pdf
JANNUZZI, P. de M. P. Desigualdade e Mobilidade Social no Brasil: dos avan-
ços civilizatórios pós Constituição de 1988 aos prenúncios da barbárie liberal 
pós Golpe de 2016.. Anais do XXI Encontro Nacional de Estudos Popula-
cionais. São Paulo: ABEP, s/n. 2018. Disponível em: <http://www.a-
bep.org.br/publicacoes/index.php/anais/article/view/
2994/2858>. Acesso em: 23 nov. 2019.
LASLETT, P. Househould and the Family in Past Time. Cambridge: Cam-
bridge UniversityPress, 1972.
MARTINS, A. V. G. da S. Por que uma Secretaria da Família? Serviço não é 
uma intromissão na esfera privada. Jornal Folha de São Paulo, São Paulo, 19 
mar. 2019. Tendências e Debates/Opinião. Disponível em <https://
www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/03/por-que-uma-secretaria-da-famili-
a.shtml>. Acesso em: 12 maio 2019. 
MIOTO, R. C. T.; CAMPOS, M. S; CARLOTO, C. M. (Orgs.) Familismo, di-
reito e cidadania: contradições da política social. São Paulo: Cortez, 2015. 
MIOTO, R. C. T.; DAL PRÁ, K. R. Serviços sociais e responsabilização da fa-
mília: contradições da política social brasileira. In: MIOTO, R. C. T.; CAMPOS,
M. S.; CARLOTO, C. M. (Org.). Familismo, direitos e cidadania: contradi-
ções da política social. São Paulo: Cortez, 2015
MIOTO, R.C.T. Processos de responsabilização das famílias no contexto dos 
serviços públicos: notas introdutórias. In: SARMENTO, H. B. M. (org.). Servi-
ço Social: questões contemporâneas. 1ed. Florianópolis: Editora da UFSC, 
2012, v. 1, p.125-138.
______. Trabalho Social com Famílias: entre as amarras do passado e os dile-
mas do presente. In: TEIXEIRA, S.M. (org.) Política de Assistência Social e 
Temas Correlatos. Campinas: Papel Social – CNPq, 2016. p. 341.
______. Política Social e Trabalho Familiar: questões emergentes no debate 
contemporâneo. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n.124,p.699-
720,out/dez.2015
NAUDEAU, S.; KATAOKA, N.; VALERIO, A.; NEUMAN, M. J.; ELDER, 
L. K. Como Investir na Primeira Infância Um Guia para a Discussão de 
Políticas e a Preparação de Projetos de Desenvolvimento da Primeira In-
fância. São Paulo: editora Singular, 2011. 
PEREIRA, P. A. Mudanças estruturais, política social e papel da família: críticas
ao pluralismo de bem-estar. In: SALES, M. A.; MATOS, M. C. de; LEAL, M. 
42
www.canaldoassistentesocial.com.br 20
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/03/por-que-uma-secretaria-da-familia.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/03/por-que-uma-secretaria-da-familia.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/03/por-que-uma-secretaria-da-familia.shtml
http://www.abep.org.br/publicacoes/index.php/anais/article/view/2994/2858
http://www.abep.org.br/publicacoes/index.php/anais/article/view/2994/2858
http://www.abep.org.br/publicacoes/index.php/anais/article/view/2994/2858
C. (Org.). Política social, família e juventude: uma questão de direitos. 6. ed. 
São Paulo: Cortez, 2004. p. 25-42.
PESCAROLO, A. La Famiglia: Enciclopedia Italiana Eredita’ del. Nocecen-
to.Torino: IEI. 2001.
ROUDINESCO, E. A família em desordem. São Paulo: Zahar. 2003.
SARACENO, C. Socilogia della famiglia. Bologna: Il Mulino, 1996.
______. Il Welfare: Modelli e dilemmi della cittadinanza sociale. Bologna: Il 
Mulino, 2013.
SANTOS, W. G. Cidadania e justiça. Rio de Janeiro: Campus, 1979.
TEIXEIRA S. M. F.. Política social e democracia: reflexões sobre o legado da 
seguridade social. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 1, n. 4, p. 
400-417, 1985.
UGÁ M., MARQUES R.M. O Financiamento do SUS: Trajetória, contexto e 
constrangimentos. In: LIMA, N.T.; GERSHMAN S.; EDLER F. C. 
(org.). Saúde e Democracia: história e perspectivas do SUS. Rio de Janeiro: 
Fiocruz; p. 93-233, 2005. .
VIEIRA, F.S.; SANTOS, I.S.; OCKÉ- REIS, C.; RODRIGUES, P.H.A. Políti-
cas sociais e austeridade fiscal: como as políticas sociais são afetadas pelo 
austericídio da agenda neoliberal no Brasil e no mundo. Rio de Janeiro: CE-
BES, 2018.
YAZBEK, M. C. Classes subalternas e assistência social. São Paulo: Cor-
tez, 1993.
43
www.canaldoassistentesocial.com.br 21
179Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 109, p. 179-199, jan./mar. 2012
Algumas reflexões sobre o sistema 
de garantia de direitos*
Some reflection on the system of guarantee of rights
Myrian Veras Baptista**
Um.direito,.ao.contrário.de.carências.e.privilégios,.não.é.
particular.e.específico,.mas.geral.e.universal,.seja.porque.
é.o.mesmo.é.válido.para.todos.os.indivíduos,.grupos.e.
classes.sociais,.seja.porque.embora.diferenciado.é.reco‑
nhecido.por.todos.(como.é.caso.dos.chamados.direitos.
das.minorias)..Marilena.Chaui.(2006)
Resumo:.Para.realizar.uma.reflexão.sobre.o.sistema.de.garantia.de.
direitos,. este. artigo. toma.por. ponto. de. partida. pontuar. o. processo.
secular.de.universalização.dos.direitos.humanos.e.como.essa.questão.
foi.se.colocando.historicamente.à.sociedade.brasileira..Trata.em.se‑
guida.da.especificidade.de.um.sistema.de.garantia.de.direitos,.de.sua.
articulação.em.rede.e.de.sua.estruturação.por.eixos,.que.devem.inte‑
grar,. transversal.e. intersetorialmente,.as.organizações.responsáveis.
por.sua.instituição,.defesa,.promoção,.controle.e.disseminação.
Palavras‑chave:.Direitos.humanos..Sistema.de.garantia.de.direitos..
Articulação.em.rede.
Abstract:.To.reflect.over.the.system.of.guarantee.of.rights,.this.article.takes.as.its.starting.point.the.
characterization.of.the.century‑long.process.of.universalization.of.the.human.rights.and.the.way.such.
issue.was.presented.to.the.Brazilian.society.historically..Then.it.addresses.the.specificity.of.a.system.
*.Este.artigo.foi.base.para.a.aula.inicial.do.curso.A.política.nacional.da.assistência.social:.seu.contexto.
e.seus.fundamentos,.realizado.na Veras.Editora.e.Centro.de.Estudos,.em.2011.
**.Doutora.em.Serviço.Social.pela.PUC‑SP.—.São.Paulo,.Brasil;.professora.titular.do.Programa.de.
Estudos.Pós‑Graduados.em.Serviço.Social.da.PUC‑SP;.coordenadora.do.núcleo.de.Estudos.e.Pesquisas.
sobre.a.Criança.e.Adolescente.do.Programa.de.Estudos.Pós‑Graduados.em.Serviço.Social.da.PUC‑SP;.dire‑
tora.da.Veras.Editora.e.Centro.de.Estudos..E‑mail:.myrianveras@gmail.com.
www.canaldoassistentesocial.com.br 22
180 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 109, p. 179-199, jan./mar. 2012
of.guarantee.of.rights,.its.articulation.through.the.net.and.its.axis.structure,.all.of.them.must.integrate.
the.organizations.responsible.for.its.institution,.protection,.promotion,.control.and.dissemination.in.a.
transverse.and.cross‑sector.way.
Keywords:.Human.rights..System.of.guarantee.of.rights..Articulation.through.the.net.
Introdução
Os.direitos.das.pessoas,.em.suas.relações.com.a.sociedade,.tal.como.os.estudamos.hoje,.resultam.de.uma.construção.social,.de.conteúdo.ético,.resultante.de.um.processo.histórico.e.dinâmico.de.conquistas.e.de.consolidação.de.espaços.emancipatórios.da.dignidade.humana.
Nesses.espaços,.antes.de.seu.reconhecimento.como.direitos,.as.necessi‑
dades,.os.carecimetos.e.as.aspirações.já.eram.objeto.de.articulações,.resistên‑
cias,. reivindicações.e.pressões..Em.relação.a.essa.processualidade,.Bobbio.
(1992,.p..45).nos.alerta.que.o.problema.da.realização.dos.direitos.do.homem,
não.é.nem.filosófico.nem.moral..Mas.tampouco.é.um.problema.jurídico..É.um.pro‑
blema.cuja.solução.depende.de.um.certo.desenvolvimento.da.sociedade.e,.como.tal,.
desafia.até.mesmo.a.Constituição.mais.evoluída.e.põe.em.crise.até.mesmo.o.mais.
perfeito.mecanismo.de.garantia.jurídica.
Esse.processo.secular.de.consolidação.de.direitos.tem.como.marcos.situa‑
ções.de.profunda.transformação.social.e.política,.sendo.que.esses.avanços.estão.
ligados,.também,.a.pautas.definidas.nacionalmente.ou.por.acordos.internacionais,.
caudatários.do.campo.judiciário.e.da.sua.institucionalização.
São.algumas.dessas.situações:.na.Inglaterra,.a.Magna.Carta.de.1215,.que.
limitou.o.poder. real;. a.Revolução. Inglesa.de.1640;. a. instituição.do.habeas 
corpus. em.1679;. a.Declaração.de.Direitos. de. 1689;. nos.Estados.Unidos,. a.
Declaração.de.Direitos.de.Virgínia,.em.1776.e,.no.mesmo.ano,.a.Declaração.da.
Independência.norte‑americana;.na.França,.a.Declaração.dos.Direitos.do.Ho‑
mem,.no.contexto.da.Revolução.Francesa.de.1789;.a.Revolução.Russa,.em.
1917;.na.Organização.das.Nações.Unidas.—.ONU,.a.Declaração.Universal.dos.
Direitos.Humanos,. em.1948,. após.a.Segunda.Guerra.Mundial.—.marco.do.
início.da.adoção.internacional.de.instrumentos.de.proteção.de.direitos;.a.Revo‑
lução.Cubana.de.1950;.e.o.Concílio.Vaticano.Segundo.
www.canaldoassistentesocial.com.br 23181Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 109, p. 179-199, jan./mar. 2012
Na.concepção.moderna.desses.direitos,.cada.vez.mais.se.evidencia.seu.
reconhecimento.não.apenas.como.efetivação.de.direitos.naturais,.mas.também.
como.efetivação.do.direito.instituído.pelos.próprios.homens.—.o.direito.civil.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948
A.Declaração.Universal. dos.Direitos.Humanos. de. 1948. introduziu. no.
debate.mundial.uma.concepção.de.direitos.humanos.pautada.em.sua.universa‑
lidade.e.em.sua.indivisibilidade..Essa.universalidade.relaciona‑se.à.sua.abran‑
gência,.tendo.como.fundamento.a.ideia.de.que.é.a.condição.de.pessoa.o.único.
requisito.para.a.titularidade.desses.direitos,.na.perspectiva.de.que.o.ser.humano.
é.essencialmente.moral,.dotado.de.unicidade.existencial.e.de.dignidade..A.in‑
divisibilidade.relaciona‑se.ao.fato.de.que,.pela.primeira.vez,.os.direitos.civis.e.
os.direitos.políticos.compõem.uma.unidade.interdependente.com.os.direitos.
econômicos,.sociais.e.culturais.(Piovesan,.2005).
A.universalização.dos.direitos.humanos,.decorrente.desse.processo,.refle‑
te.o.nível.de.consciência.ética.compartilhada.pelos.Estados‑membros,.naquele.
período.o.que.irá.possibilitar.a.formação.de.um.sistema.internacional.de.prote‑
ção,.fixando.parâmetros.protetivos.mínimos.
Compõem.a.Declaração.Universal.dos.Direitos.Humanos:.direitos.civis.e.
políticos.—.como.a.liberdade.de.expressão,.o.direito.de.ir.e.vir.e.o.direito.à.vida.
—.e.direitos.econômicos.e.sociais,.os.quais.geralmente.exigem.ações.do.Esta‑
do.—.a.educação,.a.cultura,.a.habitação,.a.saúde.
Os direitos humanos no Brasil
Para.compreender.como.a.questão.dos.direitos.humanos.foi.se.colocando.
à.sociedade.brasileira.é.importante.ter.presente.que.o.Brasil.viveu.diferentes.
períodos.históricos..Essa.diversidade.foi.determinando.características.próprias.
na.perspectiva.e.na.ação.da.sociedade.em.relação.aos.direitos.
Até.os.anos.1930,.o.Estado.brasileiro.voltava‑se.estritamente.para.o.aten‑
dimento.dos.interesses.das.oligarquias.primário‑exportadoras.e.considerava.as.
questões.sociais.que.se.punham.à.sociedade,.em.relação.aos.problemas.decor‑
www.canaldoassistentesocial.com.br 24
182 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 109, p. 179-199, jan./mar. 2012
rentes.do.não.acesso.da.maior.parte.da.população.aos.bens.e.serviços.por.ela.
produzidos,.simplesmente.como.“um.caso.de.polícia”,.período.esse.em.que.
—.lançando.mão.de.uma.análise.realizada.por.Chaui.(2006).—.“as.diferenças.
e.assimetrias.sociais.e.pessoais.[eram].imediatamente.transformadas.em.desi‑
gualdades,.e.estas,.em.relação.de.hierarquia,.mando.e.obediência”.
Com.a.crise.de.1929,.ocasionada,.por.um.lado,.por.problemas.financeiros.
mundiais.—.que.culminaram.com.a.quebra.da.Bolsa.de.Valores.de.Nova.York.
—.e,.por.outro.lado,.pela.queda.dos.preços.do.café.no.mercado.internacional.
—.decorrente.do.aumento.da.oferta.internacional.do.produto.—.e,.ainda,.pelo.
grande.endividamento.externo.do.Estado.brasileiro,.os.“barões.do.café”.tiveram.
seu.poder.político.esvaziado.e.um.novo.tipo.de.Estado.pôde.ser.gestado.
Nesse.sentido,.no.decorrer.da.década.de.1930,.grandes. transformações.
ocorreram.no.país,.que.de.fundamentalmente.agrícola.e.rural.passou.a.ampliar.
seu.espaço.industrial.e.urbano,.focando.um.possível.desenvolvimento.econô‑
mico.a.partir.do.incremento.de.sua.produção.por.meio.da.ampliação.e.da.diver‑
sificação.de.seu.parque.industrial.
Esse.processo.foi.acelerado.quando,.por.ocasião.da.Segunda.Guerra.Mun‑
dial,.o.então.presidente.da.República,.Getúlio.Vargas,. foi.pressionado.pelos.
Estados.Unidos.a.assumir.uma.posição.diante.da.guerra..Essa.pressão.deveu‑se.
ao.fato.de.que,.além.de.o.país.representar.um.ponto.estratégico.para.a.defesa.
das.Américas.—.com.condições.para.se.tornar.uma.importante.base.militar.—,.
os.“aliados”.tinham.necessidade.de.matérias‑primas.e.de.bens.manufaturados,.
vitais.para.os.esforços.bélicos,.os.quais.o.Brasil.estava.apto.a.fornecer.
A.entrada.do.Brasil.na.guerra.possibilitou.uma.mudança.de.qualidade.ao.
seu.processo.de.desenvolvimento.industrial..A.partir.da.declaração.oficial.de.
guerra.contra.o.“eixo”,.o.país.recebeu.dos.Estados.Unidos.recursos.para.a.im‑
plementação.da.Companhia.Siderúrgica.Nacional,.de.Volta.Redonda.—.a.pri‑
meira.produtora.de.aço.do.país.—,.fundada.em.1941,.e.para.a.criação.da.Com‑
panhia.Vale.do.Rio.Doce,.em.Itabira,.em.1942.—.que.garantiria.o.suprimento.
de.ferro.para.a.nascente.Companhia.Siderúrgica.Nacional..A.implantação.des‑
sas.duas.empresas.possibilitou.o.autossuprimento.de.matérias‑primas.para.o.
desenvolvimento.das.indústrias.de.base.do.país.
Emergiu,.então,.um.Estado.nacional.com.condições.efetivas.para.ampliar.
seu.parque.industrial..Esse.Estado.nacional.assumiu.também,.como.respon‑
sabilidade.sua,.os.direitos.sociais.relacionados.ao.trabalho.urbano.—.o.que.
www.canaldoassistentesocial.com.br 25
183Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 109, p. 179-199, jan./mar. 2012
não.significou.que.o.tema.dos.direitos.humanos.fosse.incluído,.como.tal,.na.
agenda.dos.discursos.e.dos.debates..Por.essa.época,.o.conceito.de direitos.
estava.relacionado.aos.direitos.individuais.e.circunscrevia‑se.à.sua.dimensão.
judicante.
Nesse.período,.conforme.análise.de.Emir.Sader.(in.Silveira,.2007),.a.his‑
tória.brasileira.passou.pelo.mais.extenso.processo.de.promoção.de.direitos,.no.
qual.o. reconhecimento,.pelo.Estado,.dos. indivíduos.como.cidadãos.passava.
pelo.direito.de.sindicalização.—.meio.de.acesso.também.aos.direitos.sociais.
Esse.novo.tipo.de.relação,.que.contemplava.os.interesses.das.classes.mé‑
dias.e.dos.trabalhadores.sindicalizados,.constituiu.a.base.de.uma.grande.alian‑
ça.social.que.deu.sustentação.aos.governos.a.partir.da.década.de.1930.e.persis‑
tiu.até.1964.
A.luta.pelos.direitos.humanos.ganhou.força.social.e.política.no.enfrenta‑
mento.à.ditadura.militar,.que.teve.seu.início.em.1964.e.se.aprofundou.em.1969,.
com.o.Ato.Institucional.n..5..O.golpe.militar.de.1964.abriu,.na.história.brasi‑
leira,.um.período.com.características.marcadamente.diferentes:.rompeu,.brusca.
e. violentamente,. as. alianças. de. classe. e. os. consensos. ideológicos. vigentes;.
cortou,.de.forma.drástica,.os.fundamentos.do.processo.de.mobilização.social.
ascendente;.rompeu.as.alianças.com.os.trabalhadores,.tratando‑os.como.inimi‑
gos,.considerando.que.suas.reivindicações.atentavam.contra.o.modelo.econô‑
mico.assumido.
Nesse.novo.contexto.histórico.assistiu‑se,.de.forma.intensa,.à.violação.dos.
direitos:.os.direitos.políticos.da.população.foram.reprimidos.sistematicamente.
e.os.direitos.econômicos.e.sociais,.expropriados..Foram.reprimidos.os.sindica‑
tos.e.presos.os.líderes.sindicais..Os.direitos.de.organização,.de.expressão.e.de.
privacidade.foram.avassalados,.ao.mesmo.tempo.que.outros.direitos.passaram.
a.ser.sistematicamente.violados.
Foi.a.partir.desse.momento.que.a.discussão.sobre.direitos.passou.a.ganhar.
a.conotação.que.tem.hoje:.de.direitos.humanos.e.sociais,.incorporados.ao.dis‑
curso.democrático.e, conforme.foi.se.aprofundando.a.degradação.das.condições.
de.convivência.nas.grandes.metrópoles.—.especialmente.nas.suas.periferias.—,.
passou,.cada.vez.mais,.a.funcionar.como.marco.de.denúncia.da.falta.de.condi‑
ções.de.segurança.individual.(Sader,.op..cit.).
Essa.discussão.ganhou.espaço.de.destaque.em.comissões.compostas.por.
juristas,.por.pessoas.ligadas.às.universidades.e.aos.movimentos.sociais.e,.pos‑
www.canaldoassistentesocial.com.br 26
184 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 109, p. 179-199, jan./mar. 2012
teriormente,.incorporou‑se.ao.discurso.democrático,.obtendo.espaço,.inclusive,.
na.imprensa.conservadora..Nesse.movimento,.alguns.setores.foram.significati‑
vos,.como.a.Comissão.Pastoral.da.Terra,.os.Centros.de.Defesa.dos.Direitos.
Humanos.(CNBB),.as.Comissões.de.Justiça.e.Paz,.a.Ordem.dos.Advogados.do.
Brasil.—.OAB,.a.Associação.Brasileira.de.Imprensa.—.ABI,.as.novas.lideran‑
ças.sindicais.e.entidades.estudantis.
Em.relação.a.esse.período,.Viola.(2006).aponta.a.importância.do.movi‑
mento.social,.o.qual.empenhou‑se.na.formação.de.grupos.e.de.indivíduos.no.sentido.de.—.a.partir.de.uma.análise.do.universo.político,.apoiada.em.uma.
profunda.dimensão.ética.—.torná‑los.capazes.de.orientar.sua.ação.cidadã.para.
a.recusa.intransigente.de.qualquer.forma.de.arbítrio..Essa.formação.estava.re‑
lacionada.ao.direito.a.ter.direitos.e.ao.direito.do.exercício.de.uma.cidadania.
participativa.
Quando,.na.virada.dos.anos.1970.para.os.anos.1980,.o.ciclo.expansivo.da.
economia.perdeu.força.e.o.regime.militar.desgastou‑se,.o.país.entrou.em.um.
período.que.se.caracterizou.pela.transição.democrática..O.marco.mais.signifi‑
cativo.dessa.transição.foi.a.instalação.de.uma.Assembleia.Nacional.Constituin‑
te,.que.propiciou.grande.mobilização.popular:.a.sociedade.brasileira.ansiava.
por.uma.Constituição.que.levasse.à.superação.das.leis.do.regime.de.arbítrio.e.
direcionasse.o.país.para.a.democracia.e.para.o.estado.de.direito.
À.Assembleia.Nacional.Constituinte. coube. a. definição.da. natureza. da.
Constituição.que.responderia.àquele.momento.que.vivia.a.sociedade:.se.uma.
Constituição.que.fosse.instrumento formal de governo,1.que.garantisse.o.status 
quo,.que.definisse.competências.e.que.regulasse.procedimentos,.sem.se.dedicar.
aos. conteúdos. sociais. ou. econômicos;. ou. uma.Constituição dirigente,2. que.
1..Subjacente.à. tese.da.Constituição.como.mero.“instrumento.de.governo”.está.o.liberalismo.e.sua.
concepção.de.separação.absoluta.entre.o.Estado.e.a.sociedade,.com.a.defesa.do.Estado.mínimo,.competente.
apenas.para.organizar.o.procedimento.de.tomada.de.decisões.políticas.
2..Subjacente.à.tese.da.Constituição.dirigente.está.o.princípio.de.que.a.Carta.Magna.não.é.só.uma.ga‑
rantia.do.existente,.mas.também.um.programa.para.o.futuro.(Bercovici,.1999,.p..36)..Regula.uma.ordem.
histórica.concreta,.e.sua.definição.só.pode.ser.obtida.a.partir.de.sua.inserção.e.função.na.realidade.histórica..
Para.Bercovici.(op..cit.,.p..36).“A.base.do.Estado.Social.é.a.igualdade.na.liberdade.e.a.garantia.do.exercício.
dessa.liberdade..Nessa.perspectiva,.o.Estado.não.se.limita.mais.a.promover.a.igualdade.formal,.a.igualdade.
jurídica..A.igualdade.procurada.é.a.igualdade.material,.não.mais.perante.a.lei,.mas.por.meio.da.lei..A.igual‑
dade.não.limita.a.liberdade..O.que.o.Estado.garante.é.a.igualdade.de.oportunidades,.o.que.implica.a.liberda‑
de,.justificando.a.intervenção.estatal”.
www.canaldoassistentesocial.com.br 27
185Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 109, p. 179-199, jan./mar. 2012
estabelecesse.valores.e.princípios,.definisse.fins.para.o.Estado.e.para.a.socie‑
dade.e.que.servisse.de.parâmetro.para.as.políticas.públicas.governamentais.
A Constituição brasileira de 1988
A.Constituição.brasileira.de.1988.—.a.“Constituição.Cidadã”.no.dizer.de.
Ulisses.Guimarães.—.é.uma.Constituição dirigente. Define,.por.meio.de.normas.
constitucionais.programáticas,.fins.e.programas.de.ação.futura.para.a.melhoria.
das.condições.sociais.e.econômicas.da.população..A.intensa.participação.po‑
pular.no.decorrer.de.sua.construção.criou.condições.para.que.o.Brasil.tivesse.
uma.Constituição.democrática.e.comprometida.com.a.supremacia.do.direito.e.
a.promoção.da.justiça..A.partir.dela,.o.Estado.brasileiro.passou.a.ter.o.dever.
jurídico‑constitucional.de.realizar.a. justiça.social..Nas.palavras.de.Marilena.
Chaui.(2006).este.avanço.é.fruto.da.“atividade.democrática.social.[que].realiza‑se.
como.um.contrapoder.social.que.determina,.dirige,.controla.e.modifica.a.ação.
estatal.e.o.poder.dos.governantes….com.a.criação.de.direitos.reais,.a.ampliação.
de.direitos.existentes.e.a.criação.de.novos.direitos”.
Os.constituintes.de.1988.consignaram.no.texto.da.Constituição.os.direitos.
fundamentais.da.pessoa.humana.e.previram.os.meios.para.garanti‑los,.fixando.
responsabilidades..Definiram,.no.seu.art..1º,.os.fundamentos.que.constituem.o.
seu.eixo.em.relação.aos.direitos.individuais.e.coletivos,.entre.os.quais.a.cida‑
dania,.a.dignidade.da.pessoa.humana,.os.valores.sociais.do.trabalho.e.da.livre‑.
‑iniciativa.e.o.pluralismo.político..E,.em.seu.art..3º,.definiram.como.objetivos.
fundamentais.do.Estado:.a.construção.de.uma.sociedade.livre,.justa.e.solidária;.
a.garantia.do.desenvolvimento.nacional;.a.erradicação.da.pobreza.e.da.margi‑
nalização;.a.redução.das.desigualdades.sociais.e.regionais;.a.promoção.do.bem.
de.todos,.sem.preconceitos.de.origem,.raça,.sexo,.cor,.idade.e.quaisquer.outras.
formas.de.discriminação.
No.art..6º.os.constituintes.expressaram.o.que.deve.ser.entendido.como.
direitos.sociais:.a.educação,.a.saúde,.o.trabalho,.o.lazer,.a.segurança,.a.previ‑
dência.social,.a.proteção.à.maternidade.e.à.infância,.a.assistência.aos.desam‑
parados..Desses.direitos,.a.saúde,.a.previdência.e.a.assistência.social.compõem,.
por.força.do.art..194,.um.conjunto.integrado.de.ações.de.iniciativa.dos.poderes.
públicos.e.da.sociedade,.denominado.seguridade.social..Nesse.artigo,.em.Pa‑
rágrafo.Único,.está.prevista.sua.organização,.de.forma.a.garantir.a.universali‑
www.canaldoassistentesocial.com.br 28
186 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 109, p. 179-199, jan./mar. 2012
dade.da.cobertura.e.do.atendimento,.no.sentido.de.assegurá‑los.—.como.direi‑
to.de.todos.e.dever.do.Estado.àqueles.relativos.à.educação,.à.saúde.—.e.—.a.
quem.deles.necessitar,.independente.de.contribuição.à.previdência.social,.àque‑
les.relativos.à.Assistência.Social.
O.reconhecimento.constitucional.desses.direitos.legitima.que.aqueles.que.
se.sintam.impossibilitados.de.acesso.reivindiquem.a.sua.garantia.—.esse.as‑
pecto.é.especialmente.importante.em.nosso.país,.porque.grande.parte.de.nossa.
população.está.abaixo.da.linha.da.pobreza,.não.dispondo.de.recursos.para.pagar.
pelos.cuidados.de.saúde.e.de.educação..Este.reconhecimento.cria.também.a.
possibilidade de.intervenção.da.Justiça.no.sentido.de.obrigar.a.implementação.
das. ações. definidas. constitucionalmente. e. de. responsabilizar. o. agente. ou. a.
autoridade.pública.a.quem.essa.omissão.lesiva.é.atribuída.
O.maior.problema.da.Constituição.de.1988.tem.sido.a.sua.concretização,.
embora. não. lhe. faltem.meios. jurídicos..A. sociedade.não. reclama.por.mais.
direitos,.mas.por.garantias.de.sua.implementação:.a.prática.política.e.o.con‑
texto.social.têm.favorecido.uma.concretização.restrita.e.excludente.dos.seus.
dispositivos.
No.que.diz.respeito.à.prática.política,.por.vezes.a.eficácia.do.projeto.cons‑
titucional.tem.tido.sua.consolidação.limitada,.por.um.lado,.por.sua.dependência.
da.vontade.dos.detentores.do.poder.político.e,.por.outro,.pelo.comprometimen‑
to.de.sua.efetividade.quando.a.busca.de.seu.alcance.sobrecarrega.o.Estado.e,.
assim,.impede‑o.de.cumprir.certos.propósitos.
No.que.diz.respeito.ao.contexto.social,.não.podemos.esquecer.que.a.Cons‑
tituição.de.1988.foi.definida.em.um.período.em.que.o.mundo.vivia.(como.vive.
até.hoje).a.hegemonia.neoliberal,.cuja.ideologia.é.expropriadora.dos.direitos.
sociais.e. joga.na.competição.selvagem.do.mercado.o.destino.de.milhões.de.
pessoas..As.reformas.econômicas,.postas.em.prática.em.função.desse.projeto.
internacional.de.desenvolvimento.econômico,.ampliaram.ainda.mais.as.dife‑
renças,.colocaram.em.risco.o.padrão.mínimo.de.proteção.e.de.garantias.de.di‑
reitos.sociais.em.todo.o.mundo.
Nos.anos.seguintes.à.promulgação.da.Constituição.convivemos.com.pres‑
sões,.nacionais.e.internacionais,.para.implementação.no.país.das.ideias.neoli‑
berais..Propugnava‑se.pelo.afastamento.do.Estado.das.questões.sociais,.disse‑
minando. ideias. relacionadas. à. tese. do.Estado.mínimo,. que. pressupõe. um.
deslocamento.das.atribuições.do.Estado.perante.a.economia.e.a.sociedade:.o.
www.canaldoassistentesocial.com.br 29
187Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 109, p. 179-199, jan./mar. 2012
Estado.desresponsabiliza‑se.da.reprodução.da.força.de.trabalho,.via.políticas.
sociais,.mas não.deixa.de.intervir.na.economia,.apenas
muda.o.seu.enfoque,.anteriormente.centrado.nas.funções.fim.(crescimento.e.distribui‑
ção.da.renda,.prioridades.do.modelo.nacional.desenvolvimentista).para.as.funções.
meio.(estabilização.fiscal.e.monetária,.prioridades.da.economia.globalizada)..[...].No.
Brasil,. a. aplicação.deste.receituário. teve. início. no.governo.Collor. (1990‑1992). e.
consolidou‑se.no.governo.Cardoso.(1995‑1998),.dominando.toda.a.década.de.1990..
(Braga,.2003,.p..345)
Nesse.contexto,.historicamente,.verificaram‑se.impasses.que.interferiram.
na.processualidade.e.nas.inter‑relações.entre.as.instituições.que.desenvolvem.
ações.que.têm.por.objetivo.a.garantia.dos.direitos,.tornando.importante.que.se.
pensasse.em.estruturar.algo.que.configurasse.um.sistema.de.garantia.de.direitos.
A especificidade de um sistema de garantia do direitos e de sua 
articulação em rede
A.garantia.de.direitos,.no.âmbito.de.nossa.sociedade,.é.de.responsabilida‑
de.de.diferentes.instituições.que.atuam.de.acordo.com.suas.competências:.as.
instituições. legislativas.nos.diferentes.níveis.governamentais;.as. instituições.
ligadas.ao.sistema.de.justiça.—.a.promotoria,.o.Judiciário,.a.defensoria.pública,.
o.conselho.tutelar.—.aquelas.responsáveis.pelas.políticas.e.pelo.conjunto.de.
serviços.e.programas.de.atendimento.direto.(organizações.governamentais.e.
não.governamentais).nas.áreas.de.educação,.saúde,. trabalho,.esportes,. lazer,.
cultura,.assistência.social;.aquelas.que,.representando.a.sociedade,.são.respon‑
sáveis.pela.formulação.de.políticas.e.pelo.controle.das.ações.do.poder.público;.
e,.ainda,.aquelas.que.têm.a.possibilidade.de.disseminar.direitos.fazendo.chegar.
a.diferentes.espaços.da.sociedade.o.conhecimento.e.a.discussão.sobre.os.mes‑
mos:.a.mídia.(escrita,.falada.e.televisiva),.o.cinema.e.os.diversificados.espaços.
de.apreensão.e.de.discussão.de.saberes,.como.as.unidades.de.ensino.(infantil,.
fundamental,.médio,.superior,.pós‑graduado).e.de.conhecimento.e.crítica.(se‑
minários,.congressos,.encontros,.grupos.de.trabalho).
No.entanto,.essas.ações.têm.sido.historicamente.localizadas.e.fragmenta‑
das,.não.compondo.um.projeto.comum.que.permita.a.efetividade.de.sua.abran‑
gência.e.maior.eficácia.no.alcance.dos.principais.objetivos.por.elas.buscados.
www.canaldoassistentesocial.com.br 30
188 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 109, p. 179-199, jan./mar. 2012
Uma.superação.mais.efetiva.das.questões.postas.acima,.tem.sido.pensada.
tomando.por.base.a.construção.de.um.projeto.político.amplo.que.possibilitaria.
a.estruturação.de.um.sistema.de.garantias,.cujo.objetivo.seria.viabilizar.o.de‑
senvolvimento.de.ações.integradas.
O.argumento.é.que.a.ação.objetivando.a.garantia.de.direitos.—.dada.a.
incompletude.do.âmbito.das.instituições.para.enfrentamento.da.complexidade.
das.questões.a.serem.enfrentadas.—.demanda.uma.intervenção.concorrente.de.
diferentes.setores,.nas.diversas.instâncias.da.sociedade.e.do.poder.estatal..A.
efetividade.e.a.eficácia.dessa.intervenção.dependem.de.sua.dinâmica,.que,.por.
mais.complexa.que.seja.sua.arquitetura,.não.pode.deixar.de.realizar.uma.ar‑
ticulação. lógica. intersetorial,. interinstitucional,. intersecretarial. e,. por. vezes,.
intermunicipal..Essa.articulação.deve.levar.à.composição.de.um.todo.organi‑
zado.e.relativamente.estável,.norteado.por.suas.finalidades..Esse.tipo.de.orga‑
nização.configura.um.sistema,.que.se.expande.em.subsistemas,.os.quais,.por.
sua.vez,.ampliam‑se.em.outros.subsistemas.de.menor.dimensão,.cada.qual.com.
suas.especificidades.
Um.princípio.norteador.da.construção.de.um.sistema.de.garantia.de.direi‑
tos.é.a.sua.transversalidade..Seus.diferentes.aspectos.são.mutuamente.relacio‑
nados,.e.as.reflexões,.os.debates.e.as.propostas.de.ações.no.sentido.de.garanti‑los.
apenas.alcançarão.a.eficácia.pretendida.se.forem.abordados.integradamente.de.
forma.a.fortalecer.as.iniciativas.das.suas.diferentes.dimensões.
A.organização.e.as.conexões.desse.sistema.complexo.supõem,.portanto,.
articulações.intersetoriais,.interinstâncias.estatais,.interinstitucionais.e.inter‑re‑
gionais..Supõem.também.ausência.de.acumulação.de.funções.—.o.que.exige.
uma.definição.clara.dos.papéis.dos.diversos.atores.sociais,.situando‑os.em.eixos.
estratégicos.e.inter‑relacionados;.integralidade.da.ação,.conjugando.transversal.
e.intersetorialmente.as.normativas.legais,.as.políticas.e.as.práticas,.sem.confor‑
mar.políticas.ou.práticas.setoriais.independentes.
Em.síntese,.na.perspectiva.de.sistema,.a.organização.das.ações.governa‑
mentais.e.da.sociedade,.face.a.determinada.questão‑foco,.precisa.ser.concebida.
e.articulada.como.uma.totalidade.complexa,.composta.por.uma.trama.sociopo‑
lítico.operativa:.um.sistema.que.agrega.conjuntos.de.sistemas.espacial.e.seto‑
rialmente.diferenciados.
É.importante.assinalar.que,.sendo.o.sistema.um.constructo.de.natureza.
institucional. com.estrutura. e. processos. formalizados,. no. nível. das. relações.
www.canaldoassistentesocial.com.br 31
189Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 109, p. 179-199, jan./mar. 2012
necessárias.para.a.integração.das.ações.diretas,.existe.a.necessidade.da.tecitura.
de.uma.rede.relacional.intencionalmente.articulada.entre.os.sujeitos.que.operam.
as.ações.nas.diferentes.instâncias.e.instituições.desse.sistema.
A.articulação.dessa.rede.relacional.apoia‑se.na.clareza.dos.profissionais.
nela. participantes,. de. que.nenhuma.de. suas. instituições. pode. alcançar. seus.
objetivos.sem.a.contribuição.e.o.alcance.de.propósitos.das.outras.
Nessa.perspectiva,.essa.rede.deve.ser.tecida.na.própria.dinâmica.das.rela‑
ções.entre.as.organizações.cujos.atos,.face.à.garantia.dos.direitos,.passam.a.ser.
interdependentes,.tendo.em.vista.a.potencialização.dos.recursos.para.alcance.
desse.objetivo.
Existem.modalidades.diversas.de.rede..Temos.a.rede.construída.para.in‑
tegração. de. serviços. de. diferentes. instituições. objetivando. a. realização. de.
atendimentos.de.situações.específicas,.as.redes.familiares.e.as.redes.de.vizi‑
nhança.que,.na.maioria.das.vezes,.responsabilizam‑se.por.cuidados.e.dão.su‑
porte.aos.sujeitos.para.o.enfrentamento.das.vicissitudes.cotidianas..Na.operação.
em.rede,.o.que.define.a.qualidade.das.relações.vai.além.da.organização.e.do.
intercâmbio.de.serviços:.tem.que.contar.com.a.disposição.dos.participantes.de.
atuarem.integradamente.tendo.em.vista.o.objetivo.comum.
Nessa.ação.integrada.é.preciso.ter.clareza.de.que.existe.uma.assimetria.
dinâmica,. em. razão. da. especificidade. das. responsabilidades. das. diferentes.
instituições.participantes..É.essa.assimetria.que.determina.a.hegemonia.no.di‑
recionamento.das.ações.a.serem.realizadas:.é.a.questão.considerada.eixo.de.
cada.um.dos.diferentes.momentos.da.atuação.que.irá.definir.a.instituição.(ou.o.
profissional).que.deverá.ser.responsável.pela.unidade.desse.direcionamento.
Para.que.essa.dinâmica.ocorra.sem.conflitos,.há.que.se.criar.espaços.de.
debate.sobre.sua.importância.no.processo,.no.sentido.de.construir.um.acordo.
programático.compartilhado.por.todos,.definido.em.termos.de.tempo,.de.espa‑
ço.e.de.procedimentos.
A estruturação de um sistema de garantia de direitos
A.ideia.de.estruturação.de.um.sistema.de.garantia.de.direitos,.na.área.da.
crianças.e.do.adolescente,.foi.evocada.pela.primeira.vez.por.Wanderlino.No‑
www.canaldoassistentesocial.com.br 32
190 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 109, p. 179-199, jan./mar. 2012
gueira3.no.lll.Encontro.Nacional.da.Rede.de.Centros.de.Defesa,.realizado.em.
Recife.em.outubro.de.1992.
Para.Nogueira,.a.estruturação.desse.sistema.objetivava.acentuar.a.especi‑
ficidade.da.política.de.garantia.de.direitos.de.crianças.e.adolescentes.dentro.do.
campo.geral.das.políticas.de.Estado,.reforçando.seu.papel.no.conjunto.de.ações.
estratégicas.de.“advocacia.de.interesses.de.grupos.vulnerabilizados”.
Essa.estruturação.não.contemplaria.uma.política.setorial.apartada,.mas.iria.
ressaltar.a.perspectiva.de.integralidade.da.ação,.que.deveria.cortar.transversal.e.
intersetorialmente.todas.as.políticas.públicas,.incluindo.nesse.sistema.o.campo.
da.“administração.da.justiça”,.ao.lado.do.campo.das.“políticas.de.atendimento”.
Para.a.implementação.do.sistema.evidenciava‑se.a.necessidade.de.repensar.
as.ações.e.as.inter‑relações.institucionais.relacionadas.às.diversas.situações.em.
que.crianças.e.adolescentes.necessitam.de.proteção,.de.forma.a.garantir.direitos,.
definindo.mais.claramente.os.papéis.dos.diversos.atores.sociais.responsáveispela.operacionalização.do.Estatuto.da.Criança.e.do.Adolescente.e.da.Convenção.
das.Nações.Unidas.sobre.os.Direitos.da.Criança,.situando‑os.em.eixos.estraté‑
gicos.e.inter‑relacionados..Evidenciava‑se.também.a.necessidade.de.fortalecer.
o.controle.externo.e.difuso.da.sociedade.civil.sobre.todo.esse.sistema.
No.ano.1995,.para.apoiar.a.formação.de.operadores.do.sistema,.em.Re‑
cife,.o.Centro.Dom.Helder.Câmara.—.CEDHC.iniciou.um.programa.de.capa‑
citação.e.treinamento.de.pessoal.na.área.dos.direitos..Em.1999,.publicou.um.
livro,.intitulado.Sistema de garantia de direitos:.um.caminho.para.a.proteção.
integral.
Nessa.mesma.perspectiva,.a.Secretaria.Especial.dos.Direitos.Humanos.e o.
Conselho.Nacional.dos.Direitos.da.Criança.e.do.Adolescente.—.Conanda,.em.
deliberação.conjunta,.assinaram,.em.abril.de.2006,.a.Resolução.de.n..113,.que.
dispõe.sobre.parâmetros.para.a.institucionalização.e.o.fortalecimento.do.Sistema.
de.Garantia.dos.Direitos.da.Criança.e.do.Adolescente,.com.a.competência.de
promover,.defender.e.controlar.a.efetivação.dos.direitos.civis,.políticos,.econômicos,.
sociais,. culturais,. coletivos. e. difusos,. em. sua. integralidade,. em. favor. de. todas. as.
crianças.e.adolescentes,.de.modo.que.sejam.reconhecidos.e.respeitados.como.sujeitos.
de.direitos.e.pessoas.em.condição.peculiar.de.desenvolvimento;.colocando‑os.a.salvo.
3..Informações.encontradas.na.dissertação.de.mestrado.de.Enza.B..C..Mattar.(2003).
www.canaldoassistentesocial.com.br 33
191Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 109, p. 179-199, jan./mar. 2012
de.ameaças.e.violações.a.quaisquer.de.seus.direitos,.e.garantindo.a.apuração.e.repa‑
ração.dessas.ameaças.e.violações.
Para.efetivar.sua.competência,.o.sistema.assumiria.por.tarefa.enfrentar.os.
níveis.de.desigualdades.e.iniquidades,.que.se.manifestam.nas.discriminações,.
explorações.e.violências,.baseadas.em.razões.de.classe.social,.gênero,.raça/etnia,.
orientação.sexual,.deficiência.e.localidade.geográfica.—.que.dificultam.significati‑
vamente.a.realização.plena.dos.direitos.humanos..Teria.por.mecanismos.estratégi‑
cos:.I.—.judiciais.e.extrajudiciais.de.exigibilidade.de.direitos;.II.—.financiamento.
público.de.atividades.de.órgãos.públicos.e.entidades.sociais.de.atendimento.de.
direitos;.III.—.formação.de.operadores.do.sistema;.IV.—.gerenciamento.de.dados.
e.informações;.V.—.monitoramento.e.avaliação.das.ações.públicas.de.garantia.
de.direitos;.e.VI.— mobilização.social.em.favor.dessa.garantia.
Nesta.Resolução,.a.configuração.do.Sistema.de.Garantia.de.Direitos.da.
Criança.e.do.Adolescente.se.estrutura.a.partir.da articulação.e.integração.em.
rede.das.instâncias.públicas.governamentais.e.da.sociedade.civil,.a.partir.de.três.
eixos.estratégicos.de.ação.na.área.dos.direitos.humanos:.I.—.da.defesa;.II.—.da.
promoção;.e.III.—.do.controle.de.sua.efetivação.
A.partir.de.uma.reflexão.sobre.a.dimensão.da.dinâmica.histórica.do.Sis‑
tema.de.Garantia.de.Direitos,.tendo.por.referência.os.processos.permanentes.
de.mudança.que.incidem.sobre.as.relações.de.sociedade,.pode‑se.perceber.que.
são.muitos.os.espaços.que.precisam.ser.engajados.para.a.garantia.de.direitos..
Nesse.sentido,.percebe‑se.também.que.os.eixos.a.ser.articulados.devem.ir.além.
daqueles.propostos;.há.necessidade.de.contemplar.também.os.eixos.específicos.
de.instituição.do.direito.e.de.sua.disseminação..Desta.forma,.o.sistema.de.ga‑
rantia.de.direitos teria.que.contemplar,.na.sua.configuração,.cinco.eixos:.I.—.da.
instituição.do.direito;.II.—.da.sua.defesa;.III.—.da.sua.promoção;.IV.—.do.
controle.de.sua.efetivação;.e.V.—.de.sua.disseminação.(que.seria.responsável.
pela.última.estratégia.referida.na.deliberação: a mobilização.social.em.favor.da.
garantia.de.direitos).
I — O eixo da instituição do direito
Este.eixo.diz.respeito.à.instância.na.qual.o.“direito.legal”.é.instituído.e.
onde.é.estabelecido.o.sistema.normativo,.configurado.pelas.leis.e.regras.que.
www.canaldoassistentesocial.com.br 34
192 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 109, p. 179-199, jan./mar. 2012
norteiam.as.relações.da.sociedade.—.sejam.elas.constitucionais,.complemen‑
tares.e.ordinárias,.sejam.resoluções.em.decretos.legislativos.—,.cuja.função.é.
de.responsabilidade do.Poder.Legislativo.
Na.medida.em.que.a.instituição.dessas.leis.e.regras.é.determinada.pelos.
processos.permanentes.de.mudança.que.incidem.sobre.as.relações.de.socieda‑
de.(portanto,.têm.uma.dinâmica.permanente),.as.etapas.a.ser.percorridas.para.
garantir.direitos básicos.devem.ir.além.da.garantia.do.instituído:.há.necessida‑
de. de. contemplar. também.o.momento. específico. da. instituição do direito,.
quando.o.mesmo.é.“atualizado”,.o.que.pode.ocorrer.tanto.no.sentido.do.avanço,.
quanto.do.retrocesso.
No.Estado.representativo.moderno,.no.qual.se.inclui.o.brasileiro,.a.parti‑
cipação. da. sociedade. na. instituição. do. “direito. legal”.—.na. elaboração. da.
Constituição.e.das.leis.—.se.realiza.através.de.seus.representantes,.indicados.
pelo.voto.por.meio.de.eleição.direta.
No.Brasil,.a.função.legislativa.é.de.competência.do.Estado.em.suas.dife‑
rentes.instâncias..No.nível.da.União,.ela.é.exercida.pelo.Congresso.Nacional.
(composto.pela.Câmara.dos.Deputados.e.pelo.Senado.Federal),.ao.qual.cabe.
legislar.sobre.todas.as.questões.de.interesse.e.competência.nacional..É.à.Câ‑
mara.dos.Deputados.que. cabem.os.primeiros.passos.da. ação. legislativa..É.
perante. ela. que. o. presidente. da.República,. o.Supremo.Tribunal. Federal,. o.
Superior.Tribunal.de. Justiça. e.os. cidadãos.promovem.a. iniciativa.das. leis,.
conforme.os.artigos.61,.§.2º,4.e.64.5.Em.nível.estadual,.os.órgãos.legislativos.
são.as.Assembleias.Legislativas,.compostas.pelos.deputados.estaduais..Nos.
municípios,.o.Poder.Legislativo.é.exercido.pelas.Câmaras.Municipais,.com‑
postas.pelos.vereadores.
Em.cada.uma.dessas.Câmaras. funcionam comissões. parlamentares,. as.
quais.são.geralmente.constituídas.de.números.restritos.de.membros,.que.são.
encarregados.de.estudar.e.examinar.as.proposições. legislativas.e.apresentar.
4..Conforme.artigo.61,.§.2º,.da.Constituição.Federal,.“a.iniciativa.popular.pode.ser.exercida.pela.apre‑
sentação.à.Câmara.dos.Deputados.de.projeto.de.lei.subscrito.por,.no.mínimo,.um.por.cento.do.eleitorado.
nacional,.distribuído.pelo.menos.por.cinco.Estados,.com.não.menos.de.três.décimos.por.cento.dos.eleitores.
de.cada.um.deles”.
5..Conforme.artigo.64.da.Constituição.Federal,.“a.discussão.e.votação.dos.projetos.de.lei.de.iniciativa.
do.Presidente.da.República,.do.Supremo.Tribunal.Federal.e.dos.Tribunais.Superiores.terão.início.na.Câma‑
ra.dos.Deputados”.
www.canaldoassistentesocial.com.br 35
193Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 109, p. 179-199, jan./mar. 2012
pareceres..Essas.comissões.poderão,.ainda,.discutir.e.votar.projetos.de.lei.que,.
de.acordo.com.o.regimento,.dispensam.essa.competência.do.Plenário,.salvo.se.
houver.recurso.de.um.décimo.dos.membros.da.casa.
Nesse.sentido,.sendo.o.espaço.dos.órgãos.legislativos.o.principal.fórum.
para.deliberar,. debater. e. aprovar. leis. em.uma.democracia. representativa,. a.
inclusão.dessa.instância.no.Sistema.de.Garantia.de.Direitos.teria.por.objetivo.
a.harmonização.das.propostas.legislativas.com.os.propósitos.dos.demais.par‑
ceiros.do.sistema.e.com.as.expectativas.da.sociedade.em.relação.aos.direitos.
humanos.
Para.essa.harmonização,.esses.representantes.da.vontade.popular.precisa‑
rão.conhecer.muito.bem.as.questões.em.debate.e.as.expectativas.da.sociedade.
e.de.seus.parceiros.sobre.elas,.o.que.pode.ser.alcançado.pela.efetivação.de.uma.
interlocução.dinâmica. e. integrada. com.os. demais. componentes. do. sistema,.
objetivando.interesses.comuns.
II — O eixo da defesa do direito
Este.eixo.caracteriza‑se.por.ser.a.via.do.acesso.à.justiça,.ou.seja,.de.aces‑
so.às.instâncias.públicas.e.aos.mecanismos.jurídicos.de.proteção.legal.dos.di‑
reitos.humanos.instituídos.—.gerais.e.especiais.—,.tendo.por.responsabilidade.
assegurar,.em.concreto,.a.sua.impositividade.e.exigibilidade.6.Nele,.são.reali‑
zadas.atividades.jurisdicionais.—.organizacionais,.processuais.e.procedimentais.—.no.sentido.de.assegurar.a.efetividade.e.a.eficácia.da.garantia.de.direitos.
Situam‑se.nesse.eixo.as.ações.judiciais.realizadas.nas.Varas.da.Infância.e.
da.Juventude;.nas.Varas.Criminais.especializadas;.nos.Tribunais.do.Júri;.nas.
Comissões.Judiciais.de.Adoção;.nos.Tribunais.de.Justiça;.nas.Corregedorias.
Gerais.de.Justiça,.das.Coordenadorias.da.Infância.e.da.Juventude.dos.Tribunais.
de.Justiça..Nele.situam‑se.também.as.ações.público‑ministeriais,.de.responsa‑
bilidade.das.Promotorias.de.Justiça,.dos.Centros.de.Apoio.Operacional,.das.
6..O.Estatuto.da.Criança.e.do.Adolescente.assegura.o.acesso.à.justiça.a.todas.as.crianças.e.adolescentes.
quando.ameaçados.ou.quando.têm.violados.seus.direitos..Assegura.o.acesso.à.Defensoria.Pública,.ao.Minis‑
tério.Público.e.ao.Poder.Judiciário.(art.141);.o.acesso.à.Polícia.Judiciária.e.Técnica.e.aos.demais.órgãos.
públicos.e.entidades.sociais.de.defesa.de.direitos.(p..ex.:.Ordem.dos.Advogados.do.Brasil,.órgãos.de.assis‑
tência.judiciária,.Centros.de.Defesa).e.aos.Conselhos.Tutelares.
www.canaldoassistentesocial.com.br 36
194 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 109, p. 179-199, jan./mar. 2012
Procuradorias.de.Justiça,.das.Procuradorias.Gerais.de.Justiça,.das.Corregedorias.
Gerais.do.Ministério.Público. Compõem.ainda.esse.eixo.as.ações das.defenso‑
rias.públicas,.dos.serviços.de.assessoramento.jurídico.e.de.assistência.judiciá‑
ria, da.Advocacia.Geral.da.União,.das.Procuradorias.Gerais.dos.Estados..Fazem.
parte.também.desse.eixo,.as.Ouvidorias.e.a Polícia.Civil.Judiciária.—.inclusi‑
ve.a.Polícia.Técnica.e.a.Polícia.Militar..No.âmbito.da.sociedade.civil,.participam.
do.eixo.da.defesa.de.direitos.os.conselhos. tutelares,.as.entidades.sociais.de.
defesa.de.direitos.humanos.incumbidas.de.prestar.proteção.jurídico‑social.
Nogueira7.aponta.como.peculiaridade.dessa.proteção.jurídico‑social sua.
possibilidade.de.recurso.a.mecanismos.jurídicos,.administrativos.e.jurisdicionais,.
que.lhe.permitam.responsabilizar.os.autores.de.lesão.ao.direito.e.de.desrespei‑
to.às.liberdades.e.restaurar.aos.lesados.o.gozo.pleno.de.seus.direitos.e.de.suas.
liberdades..Aponta.também seu.compromisso.com.o.reordenamento.institucio‑
nal.do.Estado,.para.conformar.suas.“unidades.organizatórias”.de.forma.a.ade‑
quá‑las.ao.novo.paradigma.do.direito..Considera.que.não.adianta.um.direito.
bem.enunciado.se.a.sua.organização.política.e.seus.procedimentos/processos.
não.forem.institucionalizados.de.forma.democrática.
III — O eixo da promoção do direito
Esse.eixo.se.situa.no.campo.da.formulação.e.operação.das.políticas.sociais,.
onde.são.criadas.as.condições.materiais.para.que.a.liberdade,.a.integridade.e.a.
dignidade.sejam.respeitadas.e.as.necessidades.básicas.atendidas.
Nesse.eixo.são.operadas.ações.que.têm.como.base.diagnósticos.situacionais.
e.institucionais.e.diretrizes.gerais.que.se.efetivam,.principalmente,.com.a.cria‑
ção,. implementação. e. qualificação/fortalecimento. de. serviços/atividades;. de.
programas/projetos,. específicos. e. próprios;. e. de. políticas. sociais. em.geral..
Essas.ações.são.operadas.por.entidades.de.atendimento,.governamentais.e.não.
governamentais.
A.consolidação.desse.eixo.se.dá.por.meio.do.desenvolvimento.de.uma.
política.de.atendimento,.que.integra.o.âmbito.maior.da.política.de.promoção.
e.de.proteção.dos.direitos.humanos..É.uma.política.especializada,.a.qual.de‑
7..De.acordo.com.Mattar,.op..cit.
www.canaldoassistentesocial.com.br 37
195Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 109, p. 179-199, jan./mar. 2012
verá.desenvolver‑se,.estrategicamente,.de.maneira.transversal.e.intersetorial,.
articulando.todas.as.políticas.sociais.(infraestruturantes,.institucionais,.econô‑
micas.e.sociais).e.integrando.suas.ações.em.favor.da.garantia.daqueles.direitos.
Nessa.descentralização.política.e.administrativa.das.ações,.a.coordenação.
nacional.e.a.edição.das.normas.gerais.coube.à.esfera.federal,.e.a.coordenação.e.
a.operação.de.seus.respectivos.programas,.às.esferas.estaduais,.distrital.e.muni‑
cipais,.bem.como.às.entidades.sociais..Foram.também.abertos.espaços.para.que.
a.população.participe.na.formulação.das.políticas.e.no.controle.das.ações.em.
todos.os.níveis,.por.meio.de.organizações.representativas.
IV — O eixo do controle do direito
O.controle.social.do.direito.é.campo.preferencial.e.peculiar.das.organiza‑
ções.representativas.da.população,.isto.é,.da.sociedade.civil.organizada.para.o.
exercício.desse.controle,.principalmente.por.meio.de.instâncias.não.institucio‑
nais.de.articulação. (fóruns,. frentes,.pactos.etc.).e.de.construção.de.alianças.
entre.organizações.sociais.
Além.das.organizações.da.sociedade.civil,.esse.eixo.opera.também.a.par‑
tir.de.instâncias.públicas.colegiadas.próprias,.em.que,.na.maior.parte.das.vezes,.
é.assegurada.a.paridade.da.participação.de.órgãos.governamentais.e.de.entida‑
des.sociais,.tais.como.os conselhos.de.direitos, os conselhos.setoriais.de.for‑
mulação.e.controle.de.políticas.públicas,.os.órgãos.e.poderes.de.controle.inter‑
no.e.externo.de.fiscalização.contábil,.financeira.e.orçamentária.8
É.nesse.eixo.que.as.organizações.da.sociedade.podem.exercitar.sua.função.
seminal,.que.as.capacita.e.legitima.para.a.sua.inserção.institucional.nos.outros.
eixos.estratégicos.e.as.tornam.imprescindíveis.para.a.construção.de.uma.demo‑
cracia.social..A.qualificação.dessas.organizações,.elemento.primordial.para.o.
exercício.do.controle.social,.relaciona‑se.diretamente.com.o.crescimento.do.
nível.de.competência.científica,.técnica.e.política.daqueles.que.a.compõem.
Wanderlino.Nogueira9.afirma.que.a.inserção.da.sociedade.civil.no.eixo.do.
controle. externo. e. difuso,. por.meio.de. suas. organizações. representativas,. é.
8..Definidos.nos.artigos.70,.71,.72,.73,.74.e.75.da.Constituição.Federal.
9..De.acordo.com.a.obra.já.citada,.de.autoria.de.Enza.B..C..Mattar.
www.canaldoassistentesocial.com.br 38
196 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 109, p. 179-199, jan./mar. 2012
absolutamente.necessária.para.garantir.a.organicidade.e.a.legitimidade.do.sis‑
tema,.bem.como.para.o.exercício.de.qualquer.atividade.de.defesa.de.direitos.
V — O eixo da disseminação do direito
No.contexto.do.Sistema.de.Garantia.de.Direitos,.o.eixo.da.disseminação.
do.direito.—.que.objetiva.preparar.a.sociedade.como.um.todo.para.vivenciar.a.
cidadania.e,.especificamente,.discutir,.contextualizar,.em.uma.perspectiva.crí‑
tica,.a.garantia.desses.direitos.—.está.ensaiando.ainda.seus.primeiros.passos.
No.entanto,.esse.eixo.é.de.importância.fundamental.por.deter.as.condições.
necessárias.para.operar.atividades.de.formação.continuada. tendo.em.vista.a.
construção.de.uma.cultura.de.cidadania,.na.qual.a.exigibilidade.e.o.respeito.aos.
direitos.humanos.sejam.princípios.fundamentais.
A.inclusão.de.mais.esse.eixo.poderá.constituir‑se.em.uma.estratégia.pri‑
mordial,.por.um.lado,.para.difundir.uma.cultura.de.promoção,.defesa.e.garantia.
de. direitos. e,. por. outro,. para.mobilizar. a. sociedade. em. favor. da. efetivação.
desses.direitos.em.parceria.com.os.demais.eixos.do.sistema,.de.modo.articula‑
do,.integral.e.integrado..Poderá.viabilizar.também.um.enfrentamento.positivo.
de.muitas.das.dificuldades.que.se.colocam.para.a materialização.de.propostas.
inovadoras,.já.experimentadas.em.outros.espaços.nacionais.(ou.mesmo.inter‑
nacionais),.fornecendo.condições.para.a.construção.de.argumentos.favoráveis.
à.superação.de.conservadorismos.na.subjetividade.da.sociedade.brasileira.
Devem.participar.desse. eixo.os.diferentes.meios.de. comunicação.e.de.
formação:.as.instituições.educativas.em.seus.níveis,.primário,.secundário,.téc‑
nico,.universitário.(graduação.e.pós‑graduação,.estrito.e.lato sensu);.os.órgãos.
de.divulgação.—.imprensa,.rádio,.televisão;.o.cinema.e.demais.meios.de.co‑
municação.(internet,.espaços.de.encontro.e.discussão.e.outros).
Essas.instituições.detêm.as.ferramentas.mais.eficazes.para.a.(re)construção.
do.olhar.sobre.os.direitos.no.contexto.da.sociedade,.de.modo.que.os.mesmos.
sejam.reconhecidos.e.respeitados.
Os.profissionais.que.atuam.nas.instituições.que.disseminam.ideias.e.sabe‑res.devem,.portanto,.ser.considerados.atores.estratégicos.que.ocupam.espaços.
onde.a.circulação.e.a.estruturação.de.significados.constituem.um.terreno.sólido.
para.forjar.representações.e.práticas.garantidoras.de.direitos.humanos.
www.canaldoassistentesocial.com.br 39
197Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 109, p. 179-199, jan./mar. 2012
Todo.processo.de.disseminação.de.saberes.é.um.ato.político:.há.sempre.
uma.posição.a.partir.da.qual.aquele.saber.é.disseminado,.uma.vez.que.busca.
modificar.modos.de.pensar,.sentir.e.atuar..A.proposta.é.que.a.disseminação.do.
saber.orientado.para.a.garantia.de.direitos.seja.realizado.por.instituições.e.pes‑
soas.que.conheçam.bem.as.questões.a.ela.relacionadas,.bem.como.a.cultura.e.
a.linguagem.que.impregnam.seu.enfrentamento,.de.forma.a.assegurar.a.quali‑
dade.dos.instrumentos,.das.mensagens.e.da.metodologia.de.atuação.
O.alcance.máximo.da.disseminação.de.um.saber.se.dá.quando.ele.se.con‑
verte. em.cultura,. o. que. significa.que. se. torna. um.modo.de.pensar,. sentir. e.
atuar.no.cotidiano..Isto.tem.possibilidade.de.ocorrer.quando.as.instituições.têm.
clareza.teórica.e.ética.em.relação.à.informação.que.disseminam.
São.as instituições educativas.que.configuram.os.espaços.preferenciais.
para.a.formação.de.sujeitos‑cidadãos.que.conheçam.direitos.e.deveres.—.seus.
e.dos.demais.—.e.que.saibam.respeitá‑los.e.reivindicá‑los..Tendo.como.princí‑
pio.básico.a.construção.coletiva.de.uma.educação.voltada.para.a.cidadania,.os.
educadores.podem.trazer.para.as.escolas.a.discussão.crítica.e.contextualizada.
das.questões.da.criança,.da.adolescência,.das.relações.sociais,.na.escola,.na.
sociedade,.em.sua.região,.em.seu.município,.em.seu.bairro.
A.Convenção.das.Nações.Unidas.sobre.os.Direitos.da.Criança,.em.1989,.
já.apresentava.como.uma.de.suas.metas.o.reconhecimento,.pelos.Estados‑mem‑
bros,.de.que.a.educação.deveria.ser.dirigida.no.sentido.“de.imbuir.na.criança.o.
respeito.aos.direitos.humanos.e.às.liberdades.fundamentais”.(art..29,.1b).
Outro.espaço.importante.para.a.disseminação.de.direitos.são.os.meios.de.
comunicação.—.imprensa,. rádio,. televisão,.cinema,. internet.e.outros.—,.os.
quais.são.responsáveis.por.boa.parte.das.internalizações.de.comportamentos.
Sua. influência.varia.de.acordo.com.as.suas.próprias.características.em.
relação.ao.público.a.que.se.destina:.em.uma.sociedade.como.a.brasileira,.com.
pouca.tradição.de.leitura,.a.palavra.impressa.(jornais,.revistas).tem.menor.in‑
fluência.do.que.a.palavra.e.a.imagem.que.chegam.às.pessoas.pelo.rádio.e.pela.
televisão..Deve‑se.ainda.assinalar.a.importância.adquirida.hoje.pela.internet,.
por.sua.penetração.em.todas.as.camadas.sociais,.o.que.vem.provocando.a.ex‑
pansão.dos.espaços.de.formação.de.opinião.
Esses.meios. de. comunicação. exercem. forte. influência. (que. pode. ser.
positiva.ou.negativa).sobre.os.sentimentos,.os.conceitos,.os.costumes.e.as.
práticas.dos.cidadãos..Há.necessidade.de.a.sociedade.promover.uma.reflexão.
www.canaldoassistentesocial.com.br 40
198 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 109, p. 179-199, jan./mar. 2012
mais.profunda.sobre.sua.força.na.definição.dos.valores.da.sociedade,.no.sen‑
tido.de.exigir.a.garantia.de.seu.maior.engajamento.em.um.projeto.ético.e.
político.de.construção.social,.valorizador.dos.direitos.humanos.
Terminamos.este. texto,.assim.como.começamos,.com.Marilena.Chaui.
(op..cit.),.que.nos.alerta.que.“o.maior.problema.da.democracia.numa.socieda‑
de.de.classes.é.o.da.manutenção.de.seus.princípios.—.igualdade.e.liberdade.
—.sob.os.efeitos.da.desigualdade.real”..O.enfrentamento.dessas.dificuldades.
se.fará.com.a.conciliação.desses.princípios.com.o.princípio.da.legitimidade.
do.conflito.e.com.a.introdução.da.ideia.de.que,.graças.aos.direitos,.“os.desiguais.
conquistam.a.igualdade,.entrando.no.espaço.político.para.reivindicar.a.parti‑
cipação.nos.direitos.existentes.e.sobretudo.para.criar.novos.direitos..Estes.são.
novos.não.simplesmente.porque.não.existiam.anteriormente,.mas.porque.são.
diferentes.daqueles.que.existem,.uma.vez.que.fazem.surgir,.como.cidadãos,.
novos.sujeitos.políticos.que.os.afirmaram.e.os.fizeram.ser.reconhecidos.por.
toda.a.sociedade”.
Recebido em 1º/8/2011 ■ Aprovado em 28/11/2011
Referências bibliográficas
BERCOVICI,.Gilberto..A.problemática.da.constituição.dirigente:.algumas.considerações.
sobre.o.caso.brasileiro..Revista de Informação Legislativa,.Brasília,.v..36,.n..142,.p..35‑51..
abr./jun..1999.
BOBBIO,.Norberto..A era dos direitos..Rio.de.Janeiro:.Campus,.1992.
BRAGA,.Roberto..Globalização.e.transformações.territoriais.no.Brasil:.comentários.sobre.
a.ação.do.estado.e.a.distribuição.da.renda.na.década.de.1990..Geografia,.Rio.Claro,.v..28,.
n..3,.p..345‑362..set./dez..2003.
CENTRO.DOM.ELDER.CÂMARA.DE.ESTUDOS.E.AÇÃO.SOCIAL..CENDHEC..Siste‑
ma de Garantia de Direitos:.um.caminho.para.a.proteção.integral..Recife:.CENDHEC,.1999.
CHAUI,.Marilena..Direitos.humanos.e.educação..In:.Congresso.sobre.Direitos.Humanos.
—.Brasília,.8/2006..Disponível.em:.<http://www.pdfebooksdownloads.com/marilena‑chaui.
html>..Acesso.em:.20.abr..2011.
MATTAR,.Enza..A violência doméstica realizada contra crianças e adolescentes:.o.reor‑
denamento.institucional.na.perspectiva.da.defesa.dos.direitos..Dissertação.(Mestrado).—.
Pontifícia.Universidade.Católica,.São.Paulo,.2003.
www.canaldoassistentesocial.com.br 41
199Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 109, p. 179-199, jan./mar. 2012
PIOVESAN,.Flávia. Ações.afirmativas.da.perspectiva.dos.direitos.humanos..Cadernos de 
Pesquisa,.São.Paulo,.v..35,.n..124,.jan./abr..2005.
SADER,.Emir..Contexto.histórico.e.educação.em.direitos.humanos.no.Brasil:.da.ditadura.
à. atualidade.. In:.SILVEIRA,.Rosa.Maria.Godoy. et. al..Educação em direitos humanos:.
fundamentos.teórico‑metodológico..João.Pessoa:.Editora.Universitária/UFPB,.2007..Dis‑
ponível.em:.<http://www.dhnet.org.br/dados/livros/edh/br/fundamentos/index.htm>..Aces‑
so.em:.22.abr..2011.
SILVEIRA,.Rosa.Maria.Godoy.et.al..Educação em direitos humanos:.fundamentos.teóri‑
co‑metodológico..João.Pessoa:.Editora.Universitária/UFPB,.2007..Disponível.em:.<http://
www.dhnet.org.br/dados/livros/edh/br/fundamentos/index.htm>..Acesso.em:.22.abr..2011.
SYMONIDES,.Janusz..Direitos humanos:.novas.dimensões.e.desafios..Brasília:.Unesco.
Brasil,.Secretaria.Especial.dos.Direitos.Humanos,.2003.
VIOLA,.Solon.Eduardo.Annes..Direitos.humanos.no.Brasil:.abrindo.portas.sob.neblina..In:.
SILVEIRA,.Rosa.Maria.Godoy.et.al..Educação em direitos humanos:.fundamentos.teóri‑
co‑metodológico..João.Pessoa:.Editora.Universitária/UFPB,.2006..Disponível.em:.<http://
www.dhnet.org.br/dados/livros/edh/br/fundamentos/index.htm>..Acesso.em:.22.abr..2011.
www.canaldoassistentesocial.com.br 42
11
ATRIBUIÇÕES E COMPETÊNCIAS PROFISSIONAIS 
REVISITADAS: A NOVA MORFOLOGIA DO TRABALHO 
NO SERVIÇO SOCIAL
raquel raichelis6
Retomar o debate sobre atribuições e competências profissionais no tempo 
presente é tarefa das mais desafiadoras, não apenas porque o tema em si é re-
vestido de grande complexidade, mas principalmente porque exige apreender a 
reconfiguração dos espaços ocupacionais à luz da nova morfologia do trabalho, 
no contexto de crise do capital e do profundo ataque contra o trabalho e os di-
reitos da classe trabalhadora.
contribuição decisiva para essa análise foi realizada por iamamoto em 2001, 
no 30º encontro nacional cFess-cress, na palestra que resultou em texto pu-
blicado em 2002 pelo cFess7, respondendo a uma demanda do conjunto para 
repensar as balizas da fiscalização do exercício profissional, com base nos artigos 
4º e 5º da Lei de Regulamentação Profissional (1993), que tratam das atribuições 
privativas e das competências profissionais dos/as assistentes sociais. 
Passadas quase duas décadas da densa reflexão realizada pela autora, o de-
safio se recoloca diante de nova demanda do Conjunto CFESS/CRESS, por meio 
da Cofi8, de revisitar o debate sobre o trabalho profissional à luz das atribuições 
e competências das/os assistentes sociais, na conjuntura complexa e desafiado-
ra de espoliação do trabalhoe dos direitos do conjunto da classe trabalhadora, 
do qual fazem parte as/os assistente sociais.
As ATrIBUIçÕEs E COMPETÊNCIAs 
PrOFIssIONAIs À LUZ dA “NOVA” 
MOrFOLOGIA dO TrABALHO
PA
rT
E 
01
6. Autora: Raquel Raichelis, assistente social. Doutora em Serviço Social pela PUC-SP. Pós-Doutora pela Universidade 
Autônoma de Barcelona. Professora e pesquisadora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da 
PUC-SP. Coordenadora do Núcleo de Estudos e PesquisaTrabalho e Profissão da PUC-SP e líder do mesmo grupo ca-
dastrado no CNPQ.
7. E republicado na integra na brochura Atribuições privativas do/a assistente social em questão (CFESS, 2012).
8. Quero expressar meus sinceros agradecimentos ao Conjunto CFESS-CRESS, à direção do CFESS e às conselheiras 
que integram a Cofi (Comissão de Orientação e Fiscalização Profissional) da atual gestão É de batalhas que se vive 
a vida - 2017/2020, pelo convite para a realização de uma consultoria, que oportunizou um rico debate e acesso a 
informações relevantes que contribuíram para a elaboração deste texto. 
www.canaldoassistentesocial.com.br 43
12
Conselho federal de serviço soCial - Cfess
Atribuições e competências profissionais remetem à forma de ser das pro-
fissões na divisão sociotécnica do trabalho na sociedade capitalista, de acordo 
com as prerrogativas legais, no caso das profissões regulamentadas como é o 
caso do serviço social. “Discutir atribuições privativas e competências profis-
sionais de assistentes sociais é discutir a profissão”, como afirma Matos (2015, 
p. 680) , tendo como norte a concepção de profissão que fundamenta o projeto 
ético-político profissional do Serviço Social, de ruptura com o conservadorismo, 
balizado pelo código de Ética do/a Assistente social (1993), pela lei de regula-
mentação (8.662/1993) e pelas diretrizes curriculares da Abepss (1996). 
Foi nesse contexto que o serviço social, em suas mais de oito décadas, cons-
truiu um projeto hegemônico nas dimensões teórico-metodológica, ético-polí-
tica e técnico-operativa, em meio à heterogeneidade que caracteriza a catego-
ria profissional e às disputas sempre presentes no confronto entre projetos e 
significados atribuídos à profissão, sob a condução unificada de entidades re-
presentativas que condensam a direção social do serviço social brasileiro. 
 Contudo, embora relevantes, as definições legal e normativa das atribui-
ções e competências profissionais não são suficientes para garantir legitimida-
de social frente aos/às empregadores/as e, principalmente, na relação com os/
as usuários/as dos serviços sociais. Mais importante do que a disputa pelo mo-
nopólio das atividades privativas em si mesmas são as respostas profissionais 
às demandas e requisições do cotidiano institucional, os conteúdos e a direção 
das atividades realizadas no âmbito do trabalho coletivo que assistentes so-
ciais, juntamente com outras/os profissionais, realizam no enfrentamento das 
expressões da “questão social”, pela mediação das políticas sociais, em que exer-
cem funções de operacionalização, planejamento e gestão. 
e aqui cabe uma pontuação, pois, se as atribuições privativas são aquelas 
designadas exclusivas do serviço social, as competências são compartilhadas 
com outras profissões, o que abre um leque de possibilidades de inserção em 
várias outras dimensões de trabalho, desde que nos qualifiquemos para isso, 
ao contrário do que muitas vezes se interpreta no debate profissional como re-
dução de oportunidades de atuação para assistentes sociais. Atividades que se 
desenvolvem no terreno invariavelmente contraditório e polarizado pelos pro-
jetos das classes sociais, cuja direção em disputa permanente medeia o trabalho 
profissional nos diferentes espaços ocupacionais em que assistentes sociais se 
inserem como trabalhadoras/es assalariadas/os.
Questões que se tornam mais complexas quando consideramos a própria 
formulação da Lei de Regulamentação Profissional e as possíveis imperfei-
ções dos artigos 4º e 5º, que já foram objeto de inúmeros debates e análises (cf. 
www.canaldoassistentesocial.com.br 44
13
Atribuições privAtivAs do/A Assistente sociAl EM QUEStão | Volume 2
cFess, 2012) e da interpretação em vigor sobre as competências e atribuições 
privativas balizada pelo parecer Jurídico nº 27/98, de terra (cFess, 1998). o 
desafio atual se renova, pois envolve a compreensão de que, embora garanti-
das em lei, as atribuições e competências e sua interpretação não são estáticas 
e não podem ser congeladas frente às transformações do trabalho e às novas 
configurações da “questão social” no atual estágio do capitalismo mundializa-
do e financeirizado do século 21, considerando a particularidade da inserção 
periférica e dependente do brasil, no contexto do desenvolvimento capitalista 
desigual e combinado. 
portanto, com base nessas premissas, organizamos este texto em quatro 
itens: no primeiro, buscamos analisar a natureza das profissões na divisão so-
cial e técnica do trabalho na ordem monopólica, a relação indissociável entre 
trabalho e profissão, bem como os constrangimentos do trabalho assalariado à 
autonomia relativa. no segundo item, problematizamos as transformações do 
“mundo, do trabalho” e as estratégias do estado e do capital para fazer frente 
à crise estrutural e reverter a tendência de queda das taxas de lucro. no ter-
ceiro item, nos dedicamos à análise mais circunstanciada da chamada “nova 
morfologia do trabalho no serviço social” e seus rebatimentos nas atribuições 
e competências profissionais, com destaque para as diferentes modalidades de 
terceirização e flexibilização do trabalho no espaço estatal das políticas sociais. 
Para finalizar, no último item, apontamos possíveis respostas do coletivo pro-
fissional, em aliança com demais forças políticas, para enfrentar e resistir aos 
processos de precarização e intensificação do trabalho, com base em agenda de 
lutas que reafirme a direção social estratégica do projeto profissional do Ser-
viço social e a defesa dos direitos da classe trabalhadora, da qual participam 
também assistentes sociais.
1. PROFISSÃO, TRABALHO ASSALARIADO E AUTONOMIA 
RELATIVA DO/A ASSISTENTE SOCIAL 
no presente texto, analisamos o serviço social como expressão do traba-
lho coletivo no âmbito das políticas sociais, mediação privilegiada, embora não 
exclusiva, do trabalho profissional frente às configurações da “questão social”9. 
As profissões, ao serem recrutadas pelas demandas sociais que as tornam his-
9. A “questão social”, tal como a entendemos, é a expressão das desigualdades sociais produzidas e reproduzidas 
na dinâmica contraditória das classes sociais e, na particularidade atual, a partir das configurações assumidas pelo 
trabalho e pelo Estado burguês no atual estágio mundializado e financeirizado do capitalismo contemporâneo. Expli-
citada nossa concepção de questão social, doravante dispensaremos o uso das aspas. 
www.canaldoassistentesocial.com.br 45
14
Conselho federal de serviço soCial - Cfess
toricamente necessárias, passam a ocupar lugares específicos na divisão socio-
técnica, sexual e étnico-racial do trabalho10, respondendo a requisições ditadas 
pela dinâmica da luta de classes e dessas com o estado, no movimento progres-
sivo de regulação e formulação de respostas institucionais às demandas postas 
pelas contradições da questão social. 
Trata-se, assim, de uma profissão que participa, juntamente com outras, da 
viabilização de serviços sociais e direitos em resposta a necessidades sociais de 
indivíduos, grupos e classes sociais em seu processo de (re) produção social. (iA-
MAMoto, 1982, 2007). 
Embora o Serviço Social tenha sido regulamentado como profissão liberal 
no brasil, a/o assistente social exerce seu trabalho majoritariamente como as-
salariada/o de instituições públicas ou privadas, que operacionalizam políticas e 
programas sociais. Mas como profissão que realiza sua atividade no âmbito da 
prestação de serviços sociais, o serviço social incorporaalgumas características 
das profissões liberais11, entre as quais: singularidade na relação com usuários e 
usuárias; caráter não rotineiro de seu trabalho; competência para formular pro-
postas de intervenção fundamentadas em conhecimentos teóricos e técnicos; 
presença de uma deontologia e de um código de Ética; formação universitária 
avalizada por credenciais acadêmicas (diplomas, títulos); regulamentação legal 
que dispõe sobre o exercício profissional, atribuições privativas e fóruns para dis-
ciplinar e defender o exercício da profissão, por meio de entidades de representa-
ção e fiscalização profissional (VERDÈS LEROUX, 1986; YAZBEK, 2009).
Tal configuração confere aos/às profissionais uma relativa autonomia na 
condução do seu trabalho, “que permite aos sujeitos profissionais romperem 
com visões deterministas e/ou voluntaristas para se apropriarem da dinâmica 
10. Formulação que tem nesta análise o caráter de uma hipótese de trabalho a ser aprofundada. Nos limites deste 
texto incoporo a perspectiva da divisão sexual do trabalho para trazer ao debate as relações sociais de sexo presen-
tes na nova morfologia do trabalho, dimensão irrecusável em uma categoria profissional composta majoritariamente 
por mulheres. E adoto a formulação divisão étnico-racial do trabalho considerando as raízes da questão social no 
Brasil e a presença do escravo negro e do índio na gênese da classe trabalhadora e do capitalismo brasileiro, depen-
dente e periférico. Esse é um grande desafio a ser enfrentado pela categoria profissional, a rigor desde 1993, quando 
o Código de Ética incluiu como um dos seus valores fundamentais o combate a todas as formas de discriminação e 
preconceito, o que desde então nos convoca a enfrentar o debate sobre o racismo estrutural e institucional, a socie-
dade patriarcal e as desigualdades de gênero, na esfera pública e privada, sobretudo no mercado de trabalho, como 
parte da sociabilidade capitalista no Brasil.
11. Embora não seja o caso de tematizar essa questão, vale destacar que paira certa imprecisão conceitual no uso da 
noção “profissional liberal”, pois é comum a confusão com o estatuto de trabalhador autônomo, no sentido daquele/a 
que não tem vínculo empregatício e trabalha por conta própria. Convém esclarecer que profissionais liberais podem 
ser autônomos/as, empregados/as ou mesmo empregadores/as, desde que exerçam uma atividade profissional fis-
calizada por órgãos reconhecidos pelo Estado. Contudo, essa questão fica mais complexa a partir das formas jurídi-
cas criadas pelo capitalismo neoliberal, que encobrem relações de assalariamento por meio das figuras de trabalho 
“autônomo” e/ou trabalho “informal”. 
www.canaldoassistentesocial.com.br 46
15
Atribuições privAtivAs do/A Assistente sociAl EM QUEStão | Volume 2
contraditória dos espaços institucionais e poderem formular estratégias indivi-
duais e coletivas que escapem da reprodução acrítica das requisições do poder 
institucional” (rAicHelis, 2018, p. 35-36).
Autonomia relativa aqui referida também à própria natureza do estado ca-
pitalista, “como condensação material de uma relação resultante das contradi-
ções de classe inscritas na estrutura mesma do estado capitalista” (poulAnt-
ZAS, 1977, p. 25). 
É preciso refletir sobre a autonomia relativa do Estado no seu papel de re-
presentante do interesse geral da burguesia, sob hegemonia de uma de suas 
frações, atualmente o capital monopolista financeiro. Não sendo um bloco mo-
nolítico sem fissuras, o Estado e suas políticas estatais aparecem como resul-
tado dessas contradições, das quais participam tanto as classes dominadas, na 
luta pelo reconhecimento de suas reivindicações e direitos, quanto “o pessoal 
do estado”, ou seja, trabalhadores e trabalhadoras do estado, na elaboração e 
no acionamento da política do estado em suas lutas no interior dos aparelhos 
estatais, pelo exercício de sua autonomia relativa (idem, p. 29). 
no debate sobre autonomia relativa, a contribuição de Gramsci enriquece 
a análise sobre as relações entre economia e politica, estrutura e superestrutu-
ra, sociedade politica e sociedade civil12. para o autor a relativa autonomia da 
sociedade civil, como esfera própria, funciona como mediação necessária entre 
a estrutura econômica e o estado-coerção. essa autonomia, segundo coutinho 
(1981), não é apenas material, mas também funcional; abre-se assim, a possibili-
dade de luta pela hegemonia e pelo consenso no interior da sociedade civil, isto 
é, no estado em seu sentido amplo. 
Assim, embora o estado capitalista sirva amplamente aos interesses gerais 
da burguesia e de suas frações hegemônicas, a dominação exercida peo estado 
é atravessada pelas contradições expressas pela luta de classes. como analisa 
Kowarick (1985, p. 7), a dominação é contraditória também e fundamentalmen-
te porque, se o estado exclui as chamadas classes dominadas tem, em certa me-
dida, que incluir alguns de seus interesses”. 
como adverte netto (1982, p. 22), “no capitalismo monopolista a preser-
vação e o controle contínuos da força de trabalho, ocupada e excedente, é uma 
função estatal de primeira ordem”. e para isso, o estado capturado pela ordem 
12. Para Gramsci (1978), o Estado comporta duas esferas: a sociedade politica, ou Estado no sentido estrito de
coerção, e a sociedade civil, constituída pelo conjunto de organizações responsáveis pela elaboração e/ou difusão 
das ideologias, como os sindicatos, os partidos, as igrejas, o sistema escolar, a organização material da cultura (im-
prensa, meios de comunicação de massa) e as organizações profissionais. São essas duas esferas que formam em 
conjunto o Estado no sentido amplo ou, nos termos de Gramsci, sociedade politica mais sociedade civil, vale dizer, 
hegemonia revestida de coerção. 
www.canaldoassistentesocial.com.br 47
16
Conselho federal de serviço soCial - Cfess
monopólica ao bucar legitimação politica dentro do jogo democrático, “é per-
meável a demandas das classes subalternas, que podem fazer incidir nele seus 
interesses e suas reivindicações imediatos”. (idem, p. 25) 
É nesse contexto que as sequelas da questão social transformam-se em 
objeto de uma intervenção continua e sistemática do estado, por meio das poli-
ticas sociais, situação que possibilita a emergência do serviço social como pro- 
fissão e a constituição de seus agentes como trabalhadores/as assalariados/as.
Portanto, reafirma-se o caminho da profissionalização do Serviço Social 
como o processo pelo qual seus agentes se inserem em atividades laborais cuja 
dinâmica, organização, recursos e objetivos são determinados para além do 
seu controle, isto é, pelos empregadores dessa força de trabalho (iAMAMoto, 
1982; netto, 1992). 
Como profissionais assalariados/as, em grande parte pelas instituições do 
aparelho de estado nas três esferas de poder, notadamente em âmbito muni-
cipal, mas também por organizações não governamentais e empresariais, a 
força de trabalho de assistentes sociais transformada em mercadoria só pode 
entrar em ação através dos meios e instrumentos de trabalho que, não sendo 
propriedade desses/as trabalhadores/as, devem ser colocados à disposição pe-
los empregadores institucionais públicos ou privados: infraestrutura humana, 
material e financeira para o desenvolvimento de programas, projetos, serviços, 
benefícios e um conjunto de outros requisitos necessários à execução direta de 
serviços sociais para amplos segmentos da classe trabalhadora ou para o de-
senvolvimento de funções em nível de gestão e gerenciamento institucional. 
Esse processo subordina o exercício profissional às requisições institucionais 
nos diferentes espaços sócio-ocupacionais que demandam essa capacidade de 
trabalho especializada. 
Ao mesmo tempo, o/a assistente social, enquanto profissional qualifica-
do/a, dispõe de relativa autonomia, em seu campo de trabalho, para realizar um 
trabalho social complexo, saturado de conteúdos políticos e intelectuais e das 
competências teóricas e técnicasrequeridas para formular propostas e nego-
ciar com os contratantes institucionais, privados ou estatais, suas atribuições e 
prerrogativas profissionais, os objetos sobre os quais recai sua atividade profis-
sional e seus próprios direitos como trabalhador/a assalariado/a.
Portanto, sendo a profissão de Serviço Social o resultado de relações sociais 
contraditórias engendradas pelo capitalismo dos monopólios, ela é, ao mesmo 
tempo, um produto vivo de seus/suas agentes, do protagonismo individual e 
coletivo de profissionais organizados a partir de um projeto ético-político que 
solda projeções e hegemoniza a direção social. tal não ocorre sem tensões, as 
www.canaldoassistentesocial.com.br 48
17
Atribuições privAtivAs do/A Assistente sociAl EM QUEStão | Volume 2
quais, em determinadas circunstâncias, aparecem na autorrepresentação dos/
as assistentes sociais como expressão de crise profissional. 
uma das manifestações recorrentes tem se apresentado quando assisten-
tes sociais não são reconhecidos/as pelos poderes institucionais no exercício 
do monopólio legitimo de atribuições privativas previstas pela regulamentação 
da profissão, ou sentem-se ameaçados/as quando outras profissões reivindi-
cam essa competência, situação muitas vezes percebida por assistentes sociais 
como perda do seu lugar institucional. um exemplo emblemático refere-se ao 
estudo ou seleção socioeconômica no âmbito de diferentes políticas sociais, ati-
vidade historicamente objeto de controvérsias na categoria profissional, mas 
que, num cenário de disputa no mercado de trabalho, passa a ser requisitada 
pelo serviço social como atribuição privativa em si mesma, sem que estejam em 
questão a finalidade e o conteúdo dessa atividade, o que seria imprescindível 
para que profissionais não se enredem na armadilha que alimenta a competição 
entre trabalhadores/as. 
com base no conjunto dessas considerações, importa destacar a indissocia-
bilidade entre trabalho e profissão na elucidação da natureza do serviço social13, 
e tampouco deixar de reconhecer a atividade de assistentes sociais como traba-
lho e o sujeito vivo dessas relações como trabalhador/a assalariado/a, no com-
plexo processo de determinações e possibilidades contidas nas relações sociais 
das quais é participe. 
reiteramos assim a compreensão de que as profissões, ao serem recru-
tadas pela estruturação de um mercado de trabalho que as requisita, passam 
a ocupar lugares específicos na divisão social, técnica e sexual do trabalho 
(dimensão a ser considerada em uma categoria profissional composta ma-
joritariamente por mulheres), respondendo a requisições ditadas pela dinâ-
mica da luta de classes e dessas com o estado, no movimento progressivo de 
regulação e produção de respostas institucionais às demandas postas pelas 
contradições da questão social. 
Portanto, o desafio é considerar a totalidade do processo de produção e 
reprodução social, para apreender a historicidade que o trabalho profissional 
assume na sociedade burguesa, como trabalho abstrato subsumido a proces-
sos de mercantilização e alienação próprias do assalariamento, pela mediação 
13. Importante trazer aqui a contribuição de Mota (2016) em relação ao estatuto teórico e profissional do Servi-
ço Social na divisão social e técnica do trabalho, quando considera o seu protagonismo intelectual e político para 
consolidar-se como área de produção de conhecimento, na contracorrente do estatuto de disciplina interventiva 
que historicamente lhe foi imputado nos marcos do capitalismo monopolista. Mais ainda, quando afirma a natureza 
“insurgente” dessa produção intelectual filiada à tradição marxiana, impulsionada pela direção estratégica do projeto 
ético-político profissional do Serviço Social brasileiro e pela organização política da categoria profissional.
www.canaldoassistentesocial.com.br 49
18
Conselho federal de serviço soCial - Cfess
das políticas sociais e do aparato institucional criado para o enfrentamento da 
questão social, a partir da ação do estado, das instituições da sociedade civil ou 
das empresas privadas. 
Ao mesmo tempo, as profissões são constituídas por sujeitos sociais do-
tados de teleologia e intencionalidade, que, a partir do trabalho coletivo, são 
capazes de imprimir direção ético-política afinada com o projeto profissional 
às atividades que desempenham nas políticas sociais e demais espaços ocupa-
cionais em que se inserem como trabalhadores/as assalariados/as. É isso que 
permite que esses trabalhadores e trabalhadoras resistam à subsunção real do 
seu trabalho às imposições do poder do capital e/ou dos/as seus/suas represen-
tantes nas esferas estatais.
A partir dessa perspectiva, depreende-se que a legitimidade social do servi-
ço social é extraída da relação intrínseca com o campo da prestação de serviços 
sociais, públicos e privados, assentado na tríade que associa trabalho, profissão 
e área de produção de conhecimento (Mota, 2013; raichelis, 2018), como dimen-
sões que se alimentam e se implicam reciprocamente, à luz da historicidade que 
caracteriza a totalidade social contraditória na qual se insere.
Além disso, as transformações no “mundo do trabalho” repercutem no 
mercado de trabalho do Serviço Social e no exercício profissional de assisten-
tes sociais, mais ainda em uma contextualização de degradação do trabalho e 
precarização das condições em que ele é exercido, impactando não apenas as 
condições materiais dos sujeitos que vivem do trabalho, mas também as suas 
formas de sociabilidade individual e coletiva. considerando ainda a erosão dos 
sistemas públicos de seguridade social na perspectiva de universalização, com a 
adoção de programas e serviços cada vez mais seletivos e focalizados nos mais 
pobres, na ótica da gestão dos riscos e da refilantropização das políticas sociais 
(YAZBEK, 2018). 
como essas transformações do trabalho em tempos de crise estrutural do 
capitalismo redesenham o trabalho de assistentes sociais nos diferentes espa-
ços ocupacionais públicos e privados nos quais atuam? como se expressa a nova 
morfologia do trabalho profissional em toda a sua heterogeneidade? Quais são 
os novos formatos e conteúdos do trabalho desenvolvido por assistentes so-
ciais nas diferentes políticas sociais, a partir da agenda comandada pela hege-
monia do capital financeiro? Quais são as novas estratégias de controle e ge-
renciamento da força de trabalho dos quadros profissionais em suas distintas 
inserções ocupacionais?
essas são algumas das questões que buscamos particularizar na análise 
das relações e condições do trabalho do/a assistente social, considerando os 
www.canaldoassistentesocial.com.br 50
19
Atribuições privAtivAs do/A Assistente sociAl EM QUEStão | Volume 2
constrangimentos do trabalho assalariado de assistentes sociais submetidas/
os a processos de precarização do trabalho, com incidências em sua autono-
mia relativa e nas possibilidades de materialização do projeto ético-político 
do serviço social. 
2. TRANSFORMAÇÕES DO TRABALHO EM TEMPO DE
CRISE DO CAPITAL
A crise do capitalismo que teve início nos anos 1970 e se estende até a atu-
alidade indica que estamos diante de um processo mais abrangente, que invade 
todas as dimensões da vida social, mergulhando a questão social em um com-
plexo de novas determinações, que rebatem no trabalho de assistentes sociais 
e, portanto, nas atribuições e competências profissionais. 
o aprofundamento da crise mundial e seus desdobramentos, especial-
mente a partir de 2007-2008, com impactos deletérios na vida de milhões de 
trabalhadores/as, evidenciam que as crises no capitalismo não são fenômenos 
eventuais, mas constitutivos do movimento do capital, que se manifesta ciclica-
mente em decorrência da queda tendencial da taxa de lucros, provocada pela 
concorrência intercapitalista, aumento da produtividade do trabalho e super-
produção de mercadorias, que não conseguem ser consumidas em função dos 
baixos salários e do desemprego crescente,ou nos termos de Mandel, da ausên-
cia de uma demanda social solvável.
Como muitos/as autores/as vêm afirmando, a reestruturação produtiva do 
capital e do trabalho, que nos países da periferia capitalista, como o brasil, se 
faz mais presente a partir de 1990, transformou-se de fato em um processo per-
manente de erosão do trabalho de base tayloriano-fordista, contratado, regu-
lamentado e protegido, dominante no século 20, substituído pelas mais diver-
sas formas de desregulamentação, flexibilização, terceirização e intensificação 
do trabalho, nas quais os sofrimentos, os adoecimentos e os assédios parecem 
tornar-se mais a regra do que a exceção (Antunes, 2018, rAicHelis, 2011, 
2013, 2018).
essas transformações expressam a nova face da internacionalização dos 
imperativos capitalistas (Wood, 2014, p. 93), contexto que aprofunda a supe-
rexploração do trabalho vivo e amplia a população sobrante para as necessida-
des médias de valorização do capital, principalmente nas nações subordinadas 
e dependentes como o brasil, que não chegaram a universalizar o trabalho assa-
lariado e os direitos a ele correspondentes. 
www.canaldoassistentesocial.com.br 51
20
Conselho federal de serviço soCial - Cfess
Ao mesmo tempo, observa-se a explosão do desemprego estrutural em es-
cala global, que atinge grande parte dos trabalhadores e trabalhadoras, e a de-
terioração da qualidade do trabalho, dos salários e das condições em que ele é 
exercido, que se agrava ainda mais considerando recortes de gênero, geração, 
raça e etnia, quando se constata que mulheres ganham menos do que homens 
exercendo a mesma atividade e, se forem negras, são submetidas a trabalhos 
mais precários e ainda a mais baixos salários.
Acentua-se também a tendência do capital de diminuir o número de traba-
lhadores/as contratados/as, tendo em vista a redução dos custos do trabalho, 
potencializada pela incorporação, em larga escala, de tecnologias microele-
trônicas poupadoras de força de trabalho. presenciam-se mudanças no uso e 
gestão da força de trabalho e dos processos produtivos, com estímulo à flexibi-
lização dos contratos, polivalência, multifuncionalidade e “colaboração” entre 
trabalhadores/as e capitalistas, por meio da assim denominada “gerência parti-
cipativa”, típica das relações sociais de trabalho em curso. 
A reorganização dos processos produtivos e as novas formas de proces-
samento e organização do trabalho apoiam-se cada vez mais nas tecnologias 
de informação e comunicação (tics) e desencadeiam processos continuados 
de flexibilização dos contratos de trabalho, por meio das diferentes formas de 
trabalho terceirizado, temporário, em domicílio (home office), em tempo parcial 
ou por tarefa/projeto, para citar apenas algumas das suas diferentes manifes-
tações a que estão submetidos/as os/as trabalhadores/as no “novo (e precário) 
mundo do trabalho” (Alves, 2000). essas metamorfoses atingem duramente o 
trabalho assalariado, sua realização concreta e as formas de (des)subjetivação 
na consciência dos/as trabalhadores/as, com impactos nas dinâmicas associati-
vas, organizativas e na afirmação de identidades coletivas. 
esse conjunto de transformações conduz ao enfraquecimento do movimen-
to sindical e associativo, fragilização da organização política autônoma dos/as 
trabalhadores/as e, simultaneamente, à perda de direitos decorrentes do traba-
lho, acarretando profundas metamorfoses na “classe-que-vive-do-trabalho”14 
(Antunes, 1999).
14. Incorporamos a noção elaborada por ANTUNES (1999, p. 101/102) para quem, no capitalismo contemporâneo, 
a “classe-que-vive-do-trabalho” inclui a totalidade daqueles que vendem sua força de trabalho; portanto, “não se res-
tringe ao trabalho manual direto, mas incorpora a totalidade do trabalho social, a totalidade do trabalho coletivo assa-
lariado, sendo que o trabalho que produz diretamente mais valia e participa diretamente do processo de valorização 
do capital detém por isso um papel de centralidade no interior da classe trabalhadora, encontrando no proletariado 
industrial o seu núcleo principal” (grifos do autor).
www.canaldoassistentesocial.com.br 52
21
Atribuições privAtivAs do/A Assistente sociAl EM QUEStão | Volume 2
no caso do brasil, antes mesmo de ingressar na onda (neo)liberalizante das 
medidas de ajustes estruturais, as diferentes formas de precarização do traba-
lho, os altos índices de subemprego e a ausência e fragilidade do sistema de pro-
teção social para o conjunto da classe trabalhadora já se apresentavam como 
traços marcantes do capitalismo brasileiro, na transição do trabalho escravo 
para o trabalho “livre” assalariado. 
os prenúncios do “brasil Moderno” na constituição do capitalismo brasi-
leiro, polarizados pela ideia de “modernização conservadora”, esbarravam em 
pesadas heranças de escravismo, autoritarismo, coronelismo, clientelismo. 
(iAnni, p. 33), sendo a coexistência entre o arcaico e o moderno constitutiva 
da formação social brasileira e do capitalismo dependente. “o brasil Moderno 
parece um caleidoscópio de muitas épocas, formas de vida e trabalho, modos 
de ser e pensar. Mas é possível perceber as heranças do escravismo predomi-
nando sobre todas as heranças” (iAnni, 2004, p. 61), responsável pela presen-
ça escancarada, insidiosa ou velada do racismo estrutural no assim chamado 
“pais cordial”, que permeia o conjunto de relações e dimensões da vida na so-
ciedade brasileira. 
no âmbito dos processos produtivos, o fordismo à brasileira (brAGA, 2012) 
guarda importantes singularidades em relação ao fordismo clássico, caracteri-
zando-se por um regime de trabalho com fraca proteção social e elevados índi-
ces de rotatividade da força de trabalho, derivados da informalidade e precarie-
dade estruturais do mercado de trabalho no brasil. 
Mais precisamente em nosso país, constituiu-se o que brAGA (2012: 21) 
identificou como fordismo periférico, um sistema social estruturado pela combi-
nação de economias e nações capitalistas desenvolvidas e subdesenvolvidas, 
dominado pela mundialização das trocas mercantis, constituindo-se em uma 
das principais mediações históricas entre os países capitalistas avançados e os 
países capitalistas subdesenvolvidos ou dependentes. 
se consideramos que é próprio do capitalismo, mesmo nos países hegemô-
nicos, criar uma população excedente em relação às necessidades de reprodu-
ção do modo de produção, gerando desemprego e trabalho precário, no fordis-
mo periférico essa sempre foi a regra.
Ao contrário do que aconteceu historicamente com o capitalismo nos paí-
ses centrais, o estado brasileiro não criou condições para a reprodução social da 
totalidade da força de trabalho, nem estendeu direitos de cidadania ao conjun-
to da classe trabalhadora, excluindo imensas parcelas de trabalhadores/as do 
acesso ao trabalho protegido e às condições de reprodução social.
www.canaldoassistentesocial.com.br 53
22
Conselho federal de serviço soCial - Cfess
portanto, no caso do brasil, onde a precarização do trabalho não é um fe-
nômeno novo, as diferentes formas de precarização do trabalho e do emprego 
assumem, na atualidade, novas proporções e manifestações, que vêm sendo 
amplamente analisadas pela vasta produção sobre o tema em diferentes áreas 
e atividades econômicas.
no tempo presente, alguns autores referem-se a mudanças mais profundas, 
que reconfiguram o fenômeno da precarização histórica e estrutural do traba-
lho no brasil, que atinge a todos/as indiscriminadamente em uma condição não 
mais provisória, mas permanente, disseminando a ideia de inevitabilidade e fa-
talidade econômica (DRUCK, 2011) a processos que são historicamente deter-
minados. e essa dinâmica de precarização das condições e vínculos de trabalho 
atinge também o trabalho social de diferentes categorias profissionais, entre 
elas assistentes sociais, que têm no estado (nas três esferas de poder) seu prin-
cipal empregador.
Para fazerfrente à magnitude dessa crise, ao contrário do que afirma o dis-
curso neoliberal de retirada ou enfraquecimento do estado, é indispensável a 
intervenção ativa e continuada do Estado e do fundo público, financiando a acu-
mulação desenfreada e as altas taxas de lucratividade do capital em detrimento 
do trabalho. “o poder econômico do capital não pode existir sem o apoio da for-
ça extraeconômica; e a força extraeconômica é hoje, tal como antes, oferecida 
primariamente pelo estado” (Wood, 2014, p. 18). 
Na mesma direção, para HARVEY (2011:16), “o poder do Estado deve pro-
teger as instituições financeiras a qualquer custo, princípio que bateu de frente 
com o não intervencionismo que a teoria neoliberal prescreveu”. para o autor, as 
políticas anticrise de corte neoliberal são parte de um projeto de classe destinado 
a restaurar e consolidar o poder do capital, privatizando lucros e socializando 
custos, salvando bancos e colocando os sacrifícios nas pessoas. 
nenhuma outra instituição ou agência transnacional substituiu o estado-
nação “como garantidor administrativo e coercitivo da ordem social, relações 
de propriedade, estabilidade ou previsibilidade contratual, nem como qualquer 
outras as condições básicas exigidas pelo capital em sua vida diária” (Wood, 
2014, p. 106).
como bem analisou netto (2005, p.26), o estado, no capitalismo monopolis-
ta, atua como um instrumento de organização da economia, operando como um 
administrador dos ciclos de crise, “o mais confiável fiador das condições neces-
sárias para acumulação” (idem, p. 29), o que certamente não ocorre sem contra-
dições e sem lutas entre as classes e seus projetos em confronto. 
www.canaldoassistentesocial.com.br 54
23
Atribuições privAtivAs do/A Assistente sociAl EM QUEStão | Volume 2
partindo desse posicionamento em relação ao estado capitalista, cumpre 
refletir, ao mesmo tempo, sobre a dimensão contraditória do Estado, materia-
lizada pelas suas instituições e pela presença heterogênea dos agentes media-
dores das políticas públicas, entre os quais os/as assistentes sociais. se o estado 
capitalista serve amplamente aos interesses da acumulação capitalista, sua do-
minação é atravessada tanto pelas contradições internas às classes dominantes 
em relação aos interesses imediatos de suas distintas frações, quanto pela pres-
são das lutas das classes dominadas pelas condições de sobrevivência e repro-
dução social. 
Além disso, considerando as políticas sociais como respostas do estado 
capitalista à questão social, destaca-se a indissociabilidade das funções eco-
nômicas e políticas, “de forma a atender às demandas da ordem monopólica, 
conformando, pela adesão que recebe de categorias e setores cujas demandas 
incorpora, sistemas de consensos variáveis” (netto, 2005, p. 30). como analisa 
o autor, um componente de legitimação do estado no capitalismo monopolista
não é apenas plenamente suportável, como necessário, para que ele possa con-
tinuar sendo funcional às necessidades econômicas, variando de acordo com as 
diferentes conjunturas históricas. e na medida em que busca essa legitimação
política, “uma dinâmica contraditória emerge no interior do sistema estatal” (idem, 
p. 28), provocando tensionamentos nas instituições, que podem ser potenciali-
zadas por possíveis alianças no interior da estrutura estatal a favor de projetos
alternativos e referenciados aos interesses da classe trabalhadora.
no âmbito do trabalho em serviços15, espaço em que se move a intervenção 
profissional, é preciso lembrar que, apesar do intenso processo de incorpora-
ção de tecnologias digitais, trata-se de um tipo de atividade que se apoia no uso 
intensivo de força de trabalho, o que supõe atividade interativa, de natureza so-
ciorrelacional, dependente portanto da competência crítica do/a trabalhador/a 
que presta o serviço, dos seus conhecimentos e informações, da direção ética e 
política que busca imprimir ao seu trabalho, da relação democrática ou não que 
estabelece com os sujeitos da ação profissional. 
contudo, é preciso analisar em que circunstâncias sociais assistentes so-
ciais exercem seu trabalho, e de que forma estes/estas estão submetidos/as às 
tendências contemporâneas da precarização do trabalho e das suas formas de 
estranhamento e alienação.
15. Sobre o tema dos Serviços conferir ANTUNES (2018); especificamente no trabalho de assistentes sociais, con-
sultar RAICHELIS, 2018.
www.canaldoassistentesocial.com.br 55
24
Conselho federal de serviço soCial - Cfess
3. TERCEIRIZAÇÃO E FLEXIBILIZAÇÃO EM QUESTÃO:
ATRIBUIÇÕES E COMPETÊNCIAS NO CONTEXTO DA NOVA
MORFOLOGIA DO TRABALHO DE ASSISTENTES SOCIAIS
A chamada nova morfologia do trabalho (Antunes 1999, 2005, 2018) não é 
algo restrito às empresas e ao mundo produtivo privado, nem algo exclusivo dos 
trabalhadores e trabalhadoras que exercem um trabalho predominantemente 
manual ou que realizam atividades menos qualificadas e mais desvalorizadas. 
Ao contrário, trata-se de um processo abrangente e de grande complexi-
dade, que atinge a totalidade da força de trabalho, as relações de trabalho no 
espaço estatal das políticas sociais e, portanto, o trabalho de assistentes sociais 
e demais profissionais, ainda que com diferenciações. 
o nosso pressuposto é de que assistentes sociais, imersos/as nas transfor-
mações que desafiam o trabalho e seu modo de ser na sociedade capitalista con-
temporânea, na condição de trabalhadoras/es assalariadas/os, são submetidas/
os aos mesmos processos de degradação e violação de direitos do conjunto da 
classe trabalhadora, no interior da heterogeneidade que hoje a caracteriza. 
para MArcelino, (2015, p. 113), no brasil, a terceirização, ou seja, a inter-
posição de uma outra empresa na contratação de trabalhadores/as, se trans-
formou no mais importante recurso estratégico para a redução dos custos do 
trabalho e, portanto, poderosa alavanca de recomposição das taxas de lucro. 
Ao mesmo tempo, pela externalização dos conflitos trabalhistas, a terceirização 
atua também como poderoso instrumento de desarticulação política dos/as tra-
balhadores/as. A aprovação da terceirização total (lei 13.429/2017) chancela e 
legaliza a precarização do trabalho no brasil, por meio do leque de alternativas 
abertos por essa modalidade, que aprofunda ainda mais a exploração da força 
de trabalho. 
“na realidade brasileira, a terceirização é inseparável da ampliação da ex-
ploração do trabalho, da precarização das condições de vida da classe trabalha-
dora e do esforço contínuo das empresas para enfraquecer as organizações dos 
trabalhadores”. (MArcelino, p. 114) 
 e o fato de a terceirização ocorrer na empresa privada, na empresa estatal, 
em fundações de direito privado ou nos serviços prestados pelo estado não mo-
difica o essencial dessa relação, pois, mesmo que não ocorra um lucro imediato, 
há uma economia de gastos com a força de trabalho, que é drenada para outros 
fins que não a ampliação do fundo público para melhoria da qualidade da pres-
tação de serviços públicos à população. 
www.canaldoassistentesocial.com.br 56
25
Atribuições privAtivAs do/A Assistente sociAl EM QUEStão | Volume 2
nesse âmbito, o significado do trabalho profissional muda radicalmente, 
pois a compra e venda de serviços sociais no atendimento a necessidades so-
ciais de educação, saúde, assistência social, habitação etc. passam a pertencer 
ao domínio do mercado e não à razão pública do estado, quando tensionado 
pelas lutas sociais da classe trabalhadora pela garantia de direitos sociais 
(IAMAMOTO, 2018, p. 80). Nesses termos, a mercantilização e a financeiri-
zação dos serviços públicos, a transformação das políticas sociais em nichos 
de rentabilidade para o capital modificam a forma e o conteúdo do trabalho de 
assistentes sociais. 
como vários/as autores/as têm analisado, não sendo a terceirização um 
processo unívoco, suas diferentes formas disseminam-se velozmente nas rela-
ções de trabalho deassistentes sociais, reproduzindo tendências gerais do mer-
cado de trabalho terceirizado, para distintas áreas de atuação profissional, nas 
instituições privadas e públicas. entre elas, as cooperativas de trabalhadores/
as, o trabalho temporário, as empresas de prestação de serviços internos ou ex-
ternos, e principalmente os chamados pJs (personalidades jurídicas), uma forma 
de terceirização que vem se expandindo aceleradamente no cenário brasileiro. 
o pJ ou a “pejotização” das relações de trabalho, no jargão da área, carac-
teriza-se como aqueles empreendimentos sem empregados/as, “empresas do 
eu sozinho”, que passam a realizar atividades que eram desenvolvidas por tra-
balhadores/as assalariados/as. do lado da instituição empregadora, a exigência 
da constituição de pessoa jurídica para contratação e pagamento por meio de 
recibo de prestação de serviço (rpA) funciona, em geral, para descaracterizar 
a relação de emprego e, assim, burlar a aplicação da legislação trabalhista, o 
que faz diminuir os custos com a força de trabalho e a carga tributária sobre os 
contratantes. e aos/às trabalhadores/as, são sonegados os mais elementares 
direitos do trabalho, configurando-se o autoemprego ou, de modo mais amplo, 
a “uberização” das relações de trabalho16.
no âmbito do mercado de trabalho para assistentes sociais, as diferentes 
formas de terceirização vêm sendo observadas: ampliam-se os processos de 
terceirização de assistentes sociais, para prestação de serviços individuais a 
16. “A uberização, tal como será tratada aqui, refere-se a um novo estágio da exploração do trabalho, que traz mu-
danças qualitativas ao estatuto do trabalhador, à configuração das empresas, assim como às formas de controle, 
gerenciamento e expropriação do trabalho. Trata-se de um novo passo nas terceirizações, que, entretanto, ao mesmo 
tempo que se complementa também pode concorrer com o modelo anterior das redes de subcontratações compos-
tas pelos mais diversos tipos de empresas. A uberização consolida a passagem do estatuto de trabalhador para o de 
um nanoempresário-de-si permanentemente disponível ao trabalho; retira-lhe garantias mínimas ao mesmo tempo 
que mantém sua subordinação; ainda, se apropria, de modo administrado e produtivo, de uma perda de formas publi-
camente estabelecidas e reguladas do trabalho” (ABÍLIO, 2017).
www.canaldoassistentesocial.com.br 57
26
Conselho federal de serviço soCial - Cfess
organizações não governamentais, empresas de serviços ou de assessoria, 
cooperativas de trabalhadores/as na prestação de serviços a governos, espe-
cialmente em âmbito local, configurando-se o exercício profissional autônomo, 
temporário, por projeto, por tarefa. 
o tripé terceirização, flexibilização e precarização é a expressão emblemática 
que tipifica a nova morfologia do trabalho em tempos de profunda degradação 
nas suas formas de realização, que está presente nos diferentes espaços ocupa-
cionais onde se inserem assistentes sociais e demais profissionais, nas políticas 
de saúde, assistência social, habitação, entre outros. 
A terceirização é uma das principais formas de flexibilização do trabalho, 
que descaracteriza e oculta o vínculo entre empregador/a e empregado/a que 
regula o direito trabalhista. Além disso, uma característica da terceirização, 
como poderoso instrumento de redução de custos com a força de trabalho, é 
o fato de os contratos deixarem de ter natureza trabalhista e passarem a ser 
civis ou mercantis (MArcelino, 2015, p. 121). exemplos são os contratos de 
prestação de serviços e as parcerias, além dos pJs, cuja relação de trabalho é 
pautada por um contrato de natureza mercantil ou comercial. 
com isso, ampliaram-se as modalidades de terceirização na esfera pública 
estatal, como: concessão, permissão, parcerias, cooperativas, onGs, organiza-
ções sociais (os), organizações da sociedade civil de interesse público (oscip), 
Fundação Privada de interesse público, etc. 
Assistentes sociais terceirizados/as experimentam, assim, como trabalha-
dores/as eventuais e intermitentes, a angústia de relações de trabalho não pro-
tegidas pelo contrato, a insegurança laboral, o sofrimento e o adoecimento, o 
assédio moral, a baixa e incerta remuneração, a desproteção social e trabalhis-
ta, a denegação de direitos, ou seja, a precarização do trabalho e da vida.
na política de saúde, as fundações e as organizações sociais vêm se genera-
lizando como modelo de gestão do trabalho e de prestação dos serviços, apesar 
do forte movimento de resistência dos/as trabalhadores/as e das organizações 
da área. os serviços de saúde, mesmo no âmbito do sistema Único de saúde 
(SUS), incorporaram a flexibilização de sua gestão, por meio da adoção da ter-
ceirização. pesquisas setoriais e regionais têm demonstrado que, em hospitais 
públicos e privados, cresce fortemente a terceirização dos diferentes setores e 
laboratórios, por meio de cooperativas, empresas médicas (pJs) e empresas de 
intermediação de contratos. 
na política de assistência social, nos marcos do sistema Único de Assistên-
cia social (suas), e no âmbito dos centros de referência de Assistência social 
(cras), centros de referência especializada de Assistência social (creas) e cen-
www.canaldoassistentesocial.com.br 58
27
Atribuições privAtivAs do/A Assistente sociAl EM QUEStão | Volume 2
tros pop, estados e municípios se utilizam de variadas modalidades de tercei-
rização, pela mediação de entidades assistenciais privadas, onGs ou “coopera-
tivas” de trabalhadores/as, para a contratação de profissionais na prestação de 
serviços socioassistenciais, sob o discurso de falta de recursos para a criação de 
cargos e realização de concursos, mesmo que seja possível o uso de recursos fe-
derais repassados fundo a fundo para a contratação de trabalhadores/as, desde 
que efetivados via concurso público.
na política de habitação de interesse social, a terceirização vem se consolidan-
do como modelo de produção e gestão, em que o próprio trabalho social e os/as 
trabalhadores/as sociais, entre os/as quais assistentes sociais, são contratados/
as por processos licitatórios, dos quais participam empresas intermediadoras, 
sem que, de modo geral, a administração pública consiga regular e manter o 
controle estratégico deste processo. 
na área sociojurídica e nas instituições que integram o sistema de Justiça, 
a constituição de banco de peritos/as, como é o caso dos tJs, além de um típi-
co processo de terceirização que combina trabalho temporário e “pejotização”, 
instala uma situação inusitada, em que um/a assistente social externo/a à insti-
tuição é contratado/a para constestar o laudo (contralaudo) produzido interna-
mente por um/a colega, cujas implicações ético-políticas precisam ser objeto de 
aprofundamento do debate coletivo. também é possível constatar a ocorrência 
de outras situações nas quais assistentes sociais terceirizados/as como presta-
dores/as de serviços (pJ) são contratados/as para realizar estudos e/ou produzir 
relatórios ou laudos. Estes/as profissionais subcontratam outros/as assistentes 
sociais para a realização de atividades especificas, como visitas domiciliares, 
levantamentos, estudos, etc., configurando-se, portanto, a quarteirização ou 
“terceirização em cascata” (MArcelino 2015).
As consultorias empresariais vêm se expandindo e se caracterizam pela ven-
da de um serviço ou pacotes de serviços (dentre eles o serviço social) a outras 
empresas, não só pequenas, mas também grandes empesas multinacionais, em 
geral substituindo o trabalho que antes era realizado internamente por profis-
sionais contratados/as diretamente pela própria empresa. 
essas consultorias adotam diferentes formas de contratação, que denomi-
nam “consultores internos e externos”, para, por meio do trabalho à distância, 
teleatendimento, atendimento on line, teletrabalho, etc., assumir atribuições e 
competências profissionais, por meio da terceirização e até da quarteirização 
dos vínculosde trabalho de assistentes sociais e outros profissionais, como psi-
cólogos/as, advogados/as, sociólogos/as, etc.
www.canaldoassistentesocial.com.br 59
28
Conselho federal de serviço soCial - Cfess
Nesses termos, profissionais assumem a condição aparente de trabalhado-
res/as autônomos/as, mas são de fato temporários/as; em geral, realizam tare-
fas pontuais à distância a partir do seu próprio computador e internet, com vín-
culos contratuais flexíveis e muitos sem nenhum contrato de trabalho. Enviam 
os relatórios de atendimento por e-mail ou inserem informações em planilhas 
informatizadas, processos que, em geral, comprometem o sigilo profissional. 
trata-se, via de regra, de subcontratação com base em cargos genéricos 
(analista de benefícios, analista de rH, consultor de benefícios), com externali-
zação do local de trabalho, custos/despesas por conta dos/as próprios/as profis-
sionais, baixa remuneração, ausência de direitos e benefícios, precárias condi-
ções de trabalho e insegurança no trabalho. 
Modalidades de teletrabalho, atendimento remoto ou home office estão 
em curso em diferentes instituições, como os tribunais de Justiça, defensorias 
públicas e Ministério público, no âmbito do poder Judiciário, que aprovou re-
solução regulamentando o teletrabalho, sob o argumento de que essa prática 
melhora a qualidade de vida dos/as trabalhadores/as, proporciona economia de 
recursos naturais (papel, energia elétrica, água, etc.), além de colaborar com a 
mobilidade urbana, devido ao esvaziamento das vias públicas e do transporte 
coletivo17. 
o instituto nacional do seguro social (inss) também instituiu recentemente 
o programa de Gestão na modalidade de teletrabalho18, que, além de visar à redu-
ção de despesas de custeio (água, energia, transporte, material de consumo, etc.), 
“trará uma satisfação maior do servidor e isso faz com que aumente a produtivi-
dade, evitando retrabalhos e erros” (inss, resolução nº 681, 2019, p. 8-9).
“Além disso, não pode ser desconsiderado que a desterritorialização traz, 
por si só, um benefício associado: considerando o afastamento físico do segu-
rado interessado na concessão do benefício dos servidores responsáveis pela 
sua análise, haverá significativa redução da possibilidade de constrangimento 
pessoal do requerente aos servidores do inss e, em hipótese extrema, até de 
situações de conluio e corrupção” (inss, resolução nº 681, 2019, p. 8-9).
17. Cf. Resolução 227, de 15 de junho de 2016. Disponível em http://cnj.jus.br/images/atos_normativos/resolucao/
resolucao_227_15062016_17062016161058.pdf. Acesso em 18 de março de 2019. Cf. também Portal do CNJ http://
cnj.jus.br/noticias/cnj/82591-aprovada-resolucao-que-regulamenta-o-teletrabalho-no-poder-judiciario. Acesso em 
18 de março de 2019.
18. Cf. Resolução Nº 681/Pres/INSS, de 24 de maio de 2019, que institui, a título de experiência-piloto, as Centrais 
Especializadas de Alta Performance no âmbito do Instituto Nacional do Seguro Social, como Programa de Gestão na 
modalidade de teletrabalho. Disponível em file:///C:/Users/raich/Downloads/Portaria%20681%20teletrabalho.pdf. 
Acesso em 29 de maio de 2019. Cf também o Plano Geral de Trabalho: Centrais Especializadas de Alta Performance, 
Experiência-Piloto (Anexo à Resolução nº 681/PRES/INSS, de 24 de maio de 2019) Disponível em file:///C:/Users/
raich/Downloads/Portaria%20681%20teletrabalho%20anexo%20(1).pdf. Acesso em 29 de maio de 2019
www.canaldoassistentesocial.com.br 60
29
Atribuições privAtivAs do/A Assistente sociAl EM QUEStão | Volume 2
na aprovação da regulamentação geral do teletrabalho no poder Judiciário, 
o relator da matéria no CNJ afirmou que: “a proposta consolida a meta de de-
sempenho como método de mensuração do trabalho, superando o tradicional e 
antiquado modelo de controle em razão do tempo disponibilizado pelo servidor 
ao tribunal. no Judiciário do terceiro milênio, guiado pela cultura de resultados 
e pelo uso inteligente da tecnologia, pouco interessa saber quanto tempo o ser-
vidor permaneceu dentro do tribunal, mas o quanto ele efetivamente produziu” 
(cf. portal cnJ, 14/6/2016).
cabe destacar, como faz dAl rosso (2017, p. 272-273), “que a organização 
flexível das horas laborais promoveu uma ampliação gigantesca dos tempos de 
trabalho, por invasão dos tempos de não trabalho e sua conversão em horários la-
borais. As fronteiras entre uns e outros mudaram de lugar. [...] Alterando as fron-
teiras e as barreiras que separam o tempo de trabalho do tempo livre, a distribui-
ção flexível das horas laborais praticamente anulou a separação conceitual que é 
de relevância fundamental para trabalhadores e trabalhadoras porque identifica 
os tempos de autonomia em que eles descansam, participam da cultura e fazem 
amor”. Mais ainda no caso das trabalhadoras, que são maioria no trabalho em ser-
viços e no serviço social, e que na divisão sexual do trabalho permanecem com a 
responsabilidade dos cuidados no âmbito da reprodução social e na esfera priva-
da, situação reforçada pelas diferentes formas de trabalho flexível, o que torna as 
mulheres trabalhadoras mais suscetíveis ao “ardil da flexibilidade” (idem). 
Também novas formas de recrutamento de profissionais, como os pregões 
eletrônicos, que até aqui eram utilizados para contratação de bens e serviços, 
agora têm sido adotados para contratação de trabalhadores/as pelo menor pre-
ço, e tem se generalizado na administração pública direta, nos três níveis da fe-
deração, com o objetivo de rebaixar os custos da força de trabalho e acirrar a 
concorrência entre trabalhadores/as. 
em meio a tantos outros exemplos que poderiam ser acrescidos, o que é im-
portante demarcar, no contexto das transformações do “mundo do trabalho”, é 
que o que era residual tende a se generalizar para os demais campos de traba-
lho, não apenas no âmbito empresarial, mas também nas organizações público
-estatais. trata-se de um conjunto de novas situações de trabalho, em relação às 
quais temos pouco conhecimento empírico acumulado, carecendo de pesquisas 
que possam capturar o processamento dessas novas formas de organização do 
trabalho e seus rebatimentos nos conteúdos, significados e organização do tra-
balho, que, nesses casos, passam a suprimir aquilo que é parte da natureza do 
trabalho de assistentes sociais, ou seja, a relação direta, dialógica e político-pe-
dagógica com os sujeitos para os quais presta serviços profissionais. 
www.canaldoassistentesocial.com.br 61
30
Conselho federal de serviço soCial - Cfess
Tal cenário exige, portanto, a identificação não apenas do cumprimento 
das prerrogativas profissionais e atribuições privativas em termos da ativida-
de ou do instrumento utilizado, mas principalmente envolve a análise crítica e 
fundamentada dos conteúdos ou matérias envolvidas e as implicações éticas, 
em termos de repostas profissionais a necessidades e direitos dos indivíduos e 
famílias atendidos, questões relevantes para o trabalho das Cofis na orientação 
e fiscalização profissional.
Caberiam muitas indagações nessa análise: o que significa um/a assistente 
social fazer um atendimento à distância ou mesmo uma visita domiciliar para 
acompanhar uma situação pontual de um funcionário ou família, propor algum 
tipo de encaminhamento e mandar por e-mail um relatório para a empresa que 
o/a contratou? Quais são as implicações profissionais do teletrabalho no atendi-
mento junto a demandantes de benefícios previdenciários, cuja análise da soli-
citação será realizada à distância pelo/a profissional, na qual deverá apresentar 
um incremento de produtividade e de desempenho no mínimo 30% (trinta por 
cento) superior ao previsto para o/a servidor/a em regime de trabalho presen-
cial, e que se beneficiará da ausência de relação com o/a solicitante, “ficando 
menos sujeito a pressão ou a casos de corrupção”, como consta da regulamenta-
ção do teletrabalho no inss? 
essas novas formas de contratação e de organização do trabalho são a ex-pressão mais emblemática da nova morfologia do trabalho no Serviço Social, com 
a disseminação de um tipo de “uberização” do trabalho, que, além de transferir 
custos do trabalho aos/à próprios/as trabalhadores/as (internet, manutenção 
do computador, energia elétrica, etc.), invisibilizam as relações entre trabalha-
dores/as e seus/suas empregadores/as, cuja atividade passa a ser mediada pelos 
sistemas e plataformas digitais, nos quais é suprimida a relação presencial que 
envolve o contato humano de assistentes sociais e usuários/as, transformando 
a própria episteme de um trabalho de natureza sociorrelacional. são processos 
típicos das novas configurações do trabalho em serviços, que alguns/algumas 
autores/as vêm denominando de “capitalismo de plataforma”, em função da in-
tensa utilização de tecnologias digitais nos processos de trabalho.
na esfera estatal, ainda que as relações de trabalho não se estabeleçam entre 
proprietários/as e não proprietários/as dos meios de produção, estão presentes 
relações de exploração, subordinação e dominação próprias da condição de assa-
lariamento, que envolvem disputas em relação às condições de trabalho, definição 
da jornada e do valor dos salários (de que é exemplo a conquista pela categoria 
www.canaldoassistentesocial.com.br 62
31
Atribuições privAtivAs do/A Assistente sociAl EM QUEStão | Volume 2
profissional de assistentes sociais das 30hs de jornada de trabalho sem redução 
do salário), além da luta pelos meios e instrumentos de trabalho disponibilizados 
pelo/a empregador/a, para a realização do trabalho profissional.
do ponto de vista das relações de trabalho, constitui-se um quadro em que 
grande parte dos serviços públicos não é mais realizada predominantemente 
pelo/a trabalhador/a do Estado, profissional concursado/a com contrato por 
tempo indeterminado e relações de trabalho reguladas por regime jurídico pró-
prio, com plano de cargos e salários e critérios definidos de progressão na car-
reira19. 
trabalham na mesma equipe e desempenham as mesmas atividades assis-
tentes sociais (e demais profissionais) com diferentes vínculos contratuais, sa-
lários e direitos, o que acaba configurando a presença de trabalhadores/as de 
primeira e segunda categoria (Druck, 2013), com grandes desafios para a constru-
ção de solidariedades, identidades e lutas coletivas.
na realidade, os serviços públicos, no âmbito das políticas sociais, são pres-
tados pelos mais diferentes tipos de trabalhadores/as, em geral empregados/as 
de forma precária, com contratos temporários, terceirizados, com salários mais 
baixos e expostos a maiores riscos e inseguranças, constituindo novas hierar-
quias entre os/as próprios/as trabalhadores/as (DRUCK, 2013).
Associada à flexibilização dos vínculos contratuais e à privatização dos 
serviços públicos, a terceirização promove alta rotatividade de profissionais, 
interfere negativamente na qualidade dos serviços prestados, prejudica a vida 
e a saúde desses/as trabalhadores/as, dificultando a organização coletiva e a 
definição de pautas comuns, considerando a heterogeneidade desse coletivo. 
As consequências da terceirização e dos contratos temporários no trabalho 
profissional são profundas, pois subordinam as ações à lógica financeira dos 
contratos, geram descontinuidades, rompimento de vínculos com usuários/as, 
descrédito da população para com as ações públicas.
nesse cenário, a exemplo do que ocorre no mundo das empresas e das or-
ganizações privadas mercantis, presencia-se um processo de “reestruturação 
neoliberal do estado”, disseminando-se a ideologia gerencialista, que esvazia 
19. O que tem criado dificuldades hoje para o CFESS responder a demandas sobre definição do quadro de pesso-
al de uma instituição, por exemplo, para fins de cumprimento da regulamentação da supervisão direta de estágio 
(Resolução CFESS, Nº 533, de 29 de setembro de 2008), como uma atribuição privativa de assistentes sociais da 
instituição. Cabe indagar: um/a assistente social terceirizado/a, com contrato precário renovado há anos, com sólida 
experiencia na área, pode ser supervisor/a de campo de estágios de alunos/as da graduação em Serviço Social sem 
ferir a regulamentação em vigor?
www.canaldoassistentesocial.com.br 63
32
Conselho federal de serviço soCial - Cfess
conteúdos reflexivos e criativos do trabalho, enquadra processos e dinâmicas 
às metas de qualidade e de produtividade a serem alcançadas, reduz as margens 
de autonomia profissional e enfraquece a organização política e sindical dos/as 
trabalhadores/as do estado. 
enquanto ideologia de gestão em tempo de crise do capital, o gerencialismo 
ganha espaço como estruturador das relações de trabalho entre empregado-
res/as e trabalhadores/as, reproduzindo-se nas políticas estatais as tendências 
de empresariamento do trabalho, fazendo prevalecer a razão instrumental em 
detrimento da razão crítica. 
As políticas neoliberais hegemônicas no aparelho estatal não significam a 
mera restauração de um liberalismo tradicional, como destacam os pesquisado-
res franceses dArdot e lAvAl (2016, p. 190), pois elas alteram radicalmen-
te o exercício do poder governamental. Antes de ser apenas uma ideologia ou 
um receituário de medidas econômicas, o neoliberalismo é principalmente uma 
nova racionalidade, que produz um sistema de normas inscritas nas práticas go-
vernamentais, nas políticas institucionais, nos estilos gerenciais. 
o estado neoliberal assume a forma de um “governo empresarial” e impõe 
a mercadorização da instituição pública, que funciona de acordo com regras 
empresariais da governança público-privada, fazendo com que assalariados/as 
trabalhem mais, por meio de um sistema de incentivos e metas que individualiza 
o trabalho e estimula a concorrência entre trabalhadores/as, com impactos na 
sociabilidade e na organização coletiva20. 
Ao mesmo tempo, essa lógica privatista do estado neoliberal afetou tam-
bém a imagem do/a trabalhador/a do estado junto à população e à opinião pú-
blica, instalando-se um clima desfavorável à recomposição e expansão da força 
de trabalho na administração pública. 
tal dinâmica instalou-se e desenvolve-se velozmente na administração 
pública brasileira, no cotidiano de trabalho institucional em âmbito federal, es-
tadual e principalmente municipal, em que se materializam os serviços sociais 
púbicos à população.
Mesmo assalariados/as com empregos “estáveis”, estatutários/as concur-
sados/as, com contratos por tempo indeterminado, são afetados/as pelo “sen-
timento de precariedade quando são confrontados com exigências cada vez 
20. Na mesma perspectiva, Chauí (2014, p. 50) refere-se à ideologia da competência afirmando que “o neoliberalis-
mo fragmentou o mundo do trabalho e a sociedade, deu ao mercado a chave da suposta racionalidade do mundo, fez 
da competição individual a condição da existência bem-sucedida, fortaleceu a ideologia da competência ou a divisão 
social entre os que supostamente sabem e devem mandar e os que não sabem e por isso devem obedecer, introduziu 
o desemprego estrutural e a divisão, em todos os países, entre a opulência jamais vista e a miséria jamais vista”.
www.canaldoassistentesocial.com.br 64
33
Atribuições privAtivAs do/A Assistente sociAl EM QUEStão | Volume 2
maiores no trabalho e estão permanentemente preocupados com a ideia de 
nem sempre estar em condições de responder a elas” (linhart, 2014, p. 45).
Ao mesmo tempo, dados sobre o trabalho em diferentes políticas sociais 
(assistência social, saúde, habitação e outras) apontam para uma redução cres-
cente no número de servidores/as estatutários/as e aumento sistemático de 
trabalhadores/as identificados/as como “outros vínculos”, o que abrange ter-
ceirizados/as, comissionados/as, cedidos/as, consultores/as, estagiários/as, sem 
contar os/as voluntários/as.
o trabalho de assistentes sociais integra, pois, essa dinâmica racionalizado-
ra, com rebatimentos nas atribuições e competênciasprofissionais, cujas ten-
dências se expressam, entre outras, por: crescente rotinização de atividades e 
padronização dos processos de trabalhos; alto nível de prescrição das tarefas 
e atividades com produção intensa de manuais, cartilhas, orientações, monito-
ramento, definição de metas, quantificação de atividades (nº de visitas, entre-
vistas, cadastros); e fortalecimento de mecanismos de controle dos serviços e 
benefícios, que se transformam em controle dos/as beneficiários/as. 
tem sido reiterativo o discurso de assistentes sociais sobre o envolvimento 
excessivo com o preenchimento de formulários e planilhas padronizadas numa 
tela de computador, a multiplicação das visitas domiciliares, a realização de ca-
dastramentos da população, de seleção socioeconômica para fins de acesso a 
benefícios e provisões sociais, reeditando práticas de “controle dos pobres e 
polícia das famílias”. nesse contexto, assistentes sociais são levados a produ-
zir, registrar e alimentar bases de dados sem que sejam por eles/as apropriados 
com objetivo de aprofundar o conhecimento sobre as necessidades sociais e 
formulação de novas propostas para essa classe trabalhadora, que hoje é muito 
mais heterogênea e fragmentada, carecendo de estudos sobre suas necessida-
des e demandas.
portanto, assumidas dessa forma, essas atividades burocratizam o traba-
lho, consomem tempo e energia criativa, não agregam conhecimento e reflexão 
crítica sobre a realidade, rebaixam a qualidade do trabalho técnico e impedem 
que profissionais especializados/as possam realizar o trabalho intelectual para 
o qual estão (ou deveriam estar) capacitados/as a produzir.
essas características do processamento do trabalho e suas formas de ges-
tão e controle se disseminam com grande velocidade, também em função da 
incorporação das tecnologias de informação e comunicação (tics), que, se 
por um lado podem representar potencializadores dos instrumentos de traba-
lho já utilizados pelo serviço social, como registros e sistematização de dados, 
pesquisa e organização de informações, produção de relatórios, etc.; por ou-
www.canaldoassistentesocial.com.br 65
34
Conselho federal de serviço soCial - Cfess
tro, seu uso cada vez mais intensivo não pode ser desvinculado dos objetivos 
de reduzir custos do trabalho vivo e enquadrar processos e ritmos institucio-
nais às metas de produtividade, ampliando-se controles sobre tempos, ritmos 
e resultados do trabalho. 
também é possível constatar o crescimento de um tipo de demanda dirigi-
da aos/às assistentes sociais em diferentes áreas, que burocratiza e rotiniza as 
ações institucionais, afasta o profissional do trabalho político-pedagógico com 
a população, que envolve acompanhamento próximo e sistemático, exige que 
assistentes sociais saiam de trás de suas escrivaninhas e deixem a tela do com-
putador, para se inserir nos territórios onde vive a população. 
não se trata de questionar as necessidades de normas e de monitoramen-
to e avaliação do trabalho, mas sim o excesso de normatização, padronização 
e centralização do trabalho social e da própria política social, sem que muitas 
vezes trabalhadores/as se contraponham e negociem propostas alternativas.
Também tem sido comum que profissionais restrinjam suas leituras a esses 
manuais, documentos técnicos, legislação específica, produzidos nos marcos de 
cada política social, certamente necessários para o desempenho institucional, 
mas insuficientes como fonte exclusiva de conhecimento sobre as políticas so-
ciais, o que vem contribuindo para uma reprodução acrítica dos textos oficiais, 
uma diluição do serviço social na política social e frágil apropriação dos fun-
damentos teórico-metodológicos do trabalho profissional. E, ainda, tem condu-
zido profissionais à subordinação aos objetivos institucionais, distanciando-se 
da direção social estratégica que deve orientar as propostas profissionais, de 
acordo com as prerrogativas, atribuições e competências profissionais, à luz 
dos valores e princípios que orientam o projeto coletivo da profissão. 
Nessa ambiência institucional, vai se processando a intensificação do tra-
balho, incorporada de forma sutil e gradativa, nem sempre perceptível para os 
sujeitos, por meio de um modelo de gestão do desempenho que adota ferra-
mentas do setor privado, como já apontado, com indicadores de resultados e 
sistemas de incentivos orientados por avaliações sistemáticas e subordinados à 
demanda de “cidadãos-clientes”. (dArdot e lAvAl, 2016). 
contexto propício ao crescimento do assédio moral (silva e raichelis, 2015), 
sofrimento e adoecimento provocados pelas novas formas de organização e gestão 
do trabalho (Vicente, 2015), situações que têm sido identificadas em pesquisas 
e começam a ser discutidas mais amplamente pela categoria profissional.
embora haja muitos estudos na literatura do serviço social sobre o campo 
da saúde do/a trabalhador/a que analisam relações de trabalho e processos de 
saúde-doença de diversas categorias profissionais, ainda são poucos os estudos 
www.canaldoassistentesocial.com.br 66
35
Atribuições privAtivAs do/A Assistente sociAl EM QUEStão | Volume 2
empíricos sobre adoecimento e sofrimento de assistentes sociais decorrentes 
dos processos de trabalhos nos quais estão inseridos/as. 
A pesquisa de silva (2014) sobre assédio de assistentes sociais em dife-
rentes áreas profissionais revelou que a violência moral nas relações de traba-
lho apresenta-se como estratégia de dominação sobre o conjunto de trabalha-
dores/as, desorganizando-o e despolitizando-o enquanto classe trabalhadora, 
esvaziando seu potencial reivindicatório, na medida em que ocorre a individu-
alização da violência assimilada como culpa pelo/a trabalhador/a e não como 
violação dos seus direitos humanos. nesse sentido, a solidariedade de classe 
desaparece para dar lugar à culpabilização individual em relação a questões 
que afetam o coletivo. 
pesquisa realizada por vicente (2015), sobre desgaste mental no trabalho 
de assistentes sociais que atuam na politica municipal de habitação em são pau-
lo, constatou maior sofrimento e adoecimento em assistentes sociais contrata-
das pelas empresas gerenciadoras terceirizadas, que prestam serviços a prefei-
turas, submetidas a trabalhos rotineiros, condições mais precárias e insalubres 
nos canteiros de obra, inadequação dos locais de atendimento da população, 
violação de direitos básicos, como falta de local apropiado para refeições, falta 
de água e sujeira dos banheiros, entre outros constrangimentos e humilhações. 
essa dinâmica cria tensões e contradições para a materialização do proje-
to ético-político profissional, desencadeia sofrimentos e violações não apenas 
dos direitos dos sujeitos com os quais os/as assistentes sociais trabalham, mas 
também de seus próprios direitos, à semelhança do conjunto da “classe-que-vi-
ve-do-trabalho”.
4. LUTAS, RESISTÊNCIAS E CONTRAPONTOS À
“DESCOLETIVIZAÇÃO” DO TRABALHO
como vimos, na sociedade do capital, o trabalho do/a assistente social é in-
dissociável do emaranhado de contradições e da correlação de forças que se 
estabelecem em uma dinâmica societária na qual o trabalho é realizado coleti-
vamente, enquanto seus frutos são apropriados privadamente para fins de acu-
mulação e exercício do poder de classe. 
se a matéria do trabalho de assistentes sociais são as expressões da ques-
tão social, as atribuições e competências profissionais se materializam nessa 
relação. Assistentes sociais são convocados/as a intervir nas mais agudas e dra-
www.canaldoassistentesocial.com.br 67
36
Conselho federal de serviço soCial - Cfess
máticas manifestações da questão social, que se renovam e se atualizam nas 
diferentes conjunturas sociopolíticas. trata-se de novas e antigas questões de-
correntes da desigualdade social em suas múltiplas faces e dimensões, com as 
quais assistentes sociais convivem no cotidiano institucional.
No contexto atual de desregulamentação do trabalhoe das profissões, no-
vas exigências se apresentam e requisitam cada vez mais flexibilização, intensi-
ficação e polivalência, levando a um quadro de desespecialização e desprofis-
sionalização, que produz efeitos profundos no conjunto das profissões, entre 
elas o serviço social. 
A tendência de rotatividade e polivalência produzem a eliminação dos con-
teúdos das formações disciplinares, como parte de um modelo em que se busca 
diluir as particulares inserções profissionais em um conjunto de atividades co-
muns e cada vez mais simplificadas, requisições às quais todos/as os/as profis-
sões devem responder. 
o serviço social não está alheio a esse processo, tanto no sentido da compe-
tição e disputa por espaços profissionais nas políticas sociais, pela sua tendên-
cia cada vez mais multiprofissional e interdisciplinar, quanto na subordinação 
dos objetivos, princípios e valores da profissão aos da instituição, do programa, 
do projeto ou da política social nos quais o/a assistente social se insere. 
esse é um contexto que favorece a retomada de requisições históricas di-
rigidas ao serviço social, de enquadramento, disciplinarização e controle das 
classes e grupos subalternos, que reforçam a perspectiva do/a assistente social 
como profissional da coerção e do consenso, como analisou iamamoto em 1982.
embora estas requisições não sejam novas, ao contrário, estão presentes 
desde a gênese do serviço social, elas aparecem hoje refuncionalizadas e atua-
lizadas, recebem novos influxos com a incorporação, pela esfera estatal, de mo-
delos de gestão e organização do trabalho típicas da empresa capitalista.
contudo, essa nova morfologia do trabalho precisa ser considerada no mo-
vimento contraditório e multifacetado, em que assistentes sociais e demais tra-
balhadores/as participam política e ideologicamente das resistências e disputas 
em seus locais de trabalho e em outros espaços extrainstitucionais, nos quais se 
organizam enquanto sujeitos coletivos, a partir das próprias contradições cria-
das pelo trabalho explorado e alienado. 
A despeito dos ataques que sofre o trabalho no capitalismo contemporâ-
neo, nas situações concretas, ele é também uma oportunidade para a criação 
de laços entre os/as trabalhadores/as e, principalmente no âmbito do trabalho 
em serviços, de múltiplas relações entre trabalhadores/as e usuários/as, mesmo 
com a presença cada vez mais ampliada das tecnologias digitais. daí a impor-
www.canaldoassistentesocial.com.br 68
37
Atribuições privAtivAs do/A Assistente sociAl EM QUEStão | Volume 2
tância de estratégias que enfrentem a fragmentação dos coletivos de trabalha-
dores/as e rompam com a lógica da concorrência e da “dinâmica da descoletivi-
zação” (cAntor, 2019, p. 51) imposta pelo capitalismo de nossa época. 
isso porque, na organização do trabalho, com a utilização em larga escala 
dos instrumentos microeletrônicos e digitais, “se generaliza a individualização 
das tarefas, a ponto de o coletivo dos trabalhadores poder ser diluído, como 
ocorre no chamado trabalho em rede, no qual alguns indivíduos se conectam 
durante algum tempo para realizar um determinado projeto, em seguida se des-
conectam e voltam a conectar-se no momento em que têm um novo projeto” 
(idem, p. 50-51). 
contudo, no caso do trabalho complexo realizado pelas/os assistentes so-
ciais, orientado estrategicamente por projeto ético-politico construído cole-
tivamente, apresenta-se a possibilidade de os/as trabalhadores/as não serem 
totalmente capturados/as pelos dilemas da alienação do trabalho assalariado 
(SCHÜTZ; MIOTO, 2012). 
nas palavras de dArdot e lAvAl (2017, p. 512): “o trabalhador não deixa 
do lado de fora do local de trabalho todos os seus valores morais, seu senso de 
justiça, sua relação com o coletivo e seus mais diversos pertencimentos sociais”. 
Antunes (2018, p. 25-26, grifos do autor) também se refere a esse mun-
do contraditório e vital presente no ato de trabalhar, que emancipa, humani-
za e sujeita, libera e escraviza, e envolve a forma de ser do trabalho: “mesmo 
quando o trabalho é marcado de modo predominante por traços de alienação 
e estranhamento, ele expressa também, em alguma medida, coágulos de so-
ciabilidade que são perceptíveis particularmente quando comparamos a vida 
de homens e mulheres que trabalham com a daqueles que se encontram de-
sempregados”. 
 como não há trabalho isolado e os indivíduos não trabalham sozinhos 
(Marx, 1968; 2004), o trabalho supõe um coletivo de trabalhadores/as para se 
materializar, que não se resume a um agrupamento de trabalhadores/as no mes-
mo espaço físico nem obedece a nenhum determinismo natural ou orgânico. 
como atividade ontológica vital, o trabalho mediatiza a satisfação de ne-
cessidades humanas, levando os sujeitos a se inserirem num conjunto maior de 
trabalhadores/as, conferindo a essa atividade coletiva a marca de social. por-
tanto, destaca-se a importância de compreender o trabalho como atividade so-
cial e coletiva e, nesse âmbito, reconhecer que a dimensão político-pedagógica 
do trabalho do/a assistente social o inscreve no âmbito dos processos de hege-
monia” (AlMeidA; AlencAr, 2011, p. 125) e de disputa da direção social com 
base no projeto ético- político da profissão.
www.canaldoassistentesocial.com.br 69
38
Conselho federal de serviço soCial - Cfess
os serviços sociais públicos são expressão dessa dupla natureza contraditó-
ria: se, de um lado, o trabalho profissional participa da dinâmica de mercantiliza-
ção dos serviços públicos, no mesmo processo, ele atende a necessidades concre-
tas da classe trabalhadora (iAMAMoto, 1982), que, em tempos de desemprego 
e de baixos salários, amplia suas demandas de políticas e bens públicos.
sabemos que assistentes sociais convivem com a violência, a pobreza, o 
adoecimento, as múltiplas expropriações dos meios materiais e simbólicos para 
reprodução social da classe trabalhadora. Mas, ao mesmo tempo, o tipo de in-
serção institucional que possuem implica na proximidade com diferentes seg-
mentos da classe trabalhadora, especialmente os grupos mais subalternizados, 
o que cria condições para o (re) conhecimento de suas necessidades, de seus 
modos de vida, de trabalho e de luta pela sobrevivência, suas fragilidades e for-
talezas lapidadas pelo duro cotidiano. esse conhecimento é condição necessária 
para elaborar propostas profissionais consistentes teórica e tecnicamente, que 
respondam às necessidades sociais, fortaleçam os/as usuários/as como sujeitos 
de direitos e possibilitem aprofundar alianças estratégicas entre usuários/as e 
trabalhadores/as. 
A socialização de informações, não apenas sobre recursos e condições de en-
quadramento às regras institucionais, mas como reconhecimento de direitos legí-
timos, é um instrumento potente a ser mobilizado no cotidiano institucional. Assim 
como o é a denúncia sobre violação de direitos a que a classe trabalhadora que vive 
na periferia das cidades é exposta cotidianamente, e que assistentes sociais e de-
mais trabalhadores/as recolhem em seu trabalho. (iAMAMoto, 2007, p. 427)
O trabalho profissional de assistentes sociais deve orientar-se para a su-
peração da cultura histórica do pragmatismo e das ações improvisadas, de 
controle e disciplinarização de condutas, da reprodução de posturas conser-
vadoras, moralizadoras e preconceituosas frente aos diferentes grupos com 
os quais trabalham: mulheres, comunidades lGbti, jovens negros e negras 
moradores/as das periferias das cidades, rompendo com visões que natura-
lizam ou criminalizam a pobreza e com as variadas formas de discriminação, 
violência e violação de direitos da classe trabalhadora, sobretudo de seus gru-
pos mais subalternizados. 
para isso, é preciso que assistentes sociais e demais trabalhadores/as do 
serviço púbico possam insurgir-se coletivamente contra as estratégias de in-
tensificação do trabalho e resistir ao mero produtivismo institucional, medido 
pelo número de reuniões, de visitas domiciliares, de atendimentos,de laudos, 
de pareceres, de cadastros preenchidos, que contribuem para a alienação do/a 
trabalhador/a. 
www.canaldoassistentesocial.com.br 70
39
Atribuições privAtivAs do/A Assistente sociAl EM QUEStão | Volume 2
o enfrentamento dessas situações supõe muito mais do que apenas a re-
alização de rotinas institucionais, cumprimento de tarefas burocráticas ou a 
simples reiteração do instituído. envolve o/a assistente social como intelectu-
al capaz de desvendar criticamente a realidade e os processos de trabalho nos 
quais se insere, no contexto dos interesses em jogo e da correlação das forças 
políticas que os tensionam. E supõe ainda um processo contínuo de reflexão e 
de prática coletivas em cada um dos espaços ocupacionais nos marcos da dire-
ção política do projeto profissional, que aponta para outra sociabilidade para 
além do capital. 
O cotidiano profissional é marcado por tensões e desafios, mas é nesse 
mesmo cotidiano que se apresentam as possibilidades de superação e enfren-
tamento das requisições impostas, às quais os/as assistentes sociais não estão 
obrigados/as a se submeter. A lei de regulamentação profissional, o código de 
ética de assistentes sociais, as resoluções do conjunto cFess-cress, as notas 
técnicas e orientações são importantes instrumentos que podem e devem ser 
acionados sempre que os/as trabalhadores/as sejam constrangidos/as a realizar 
tarefas contrárias ao projeto ético-político profissional. É importante que assis-
tentes sociais enfrentem esse desafio profissional e defendam com convicção a 
direção social estratégica do projeto ético-político. 
Os avanços do Serviço Social brasileiro e a direção ético-política da profis-
são recusam a adoção de abordagens conservadoras, autoritárias ou discipli-
nadoras, que individualizam, moralizam ou criminalizam a questão social, cul-
pabilizando as famílias e indivíduos pela sua condição de pobreza. Assistentes 
sociais estão sendo desafiados/as a inovar e ousar na construção de estratégias 
profissionais que priorizem as abordagens coletivas e a participação dos/as usu-
ários/as, numa contextualização societária de radicalização do conservadoris-
mo e de barbarização da vida social. 
A precarização e a flexibilização do trabalho e dos direitos tendem a se 
aprofundar no contexto das contrarreformas trabalhista e previdenciária, e 
da vigência da emenda constitucional 95, que impôs um draconiano regime 
fiscal que congela recursos públicos por 20 anos, com impactos diretos no fi-
nanciamento público das políticas sociais. Ao mesmo tempo, a criminalização 
dos movimentos sociais e da pobreza, ainda mais quando ela tem rosto negro 
de mulher e de jovens periféricos, aguça o braço penal do estado e provoca um 
verdadeiro genocídio da classe trabalhadora empobrecida e desempregada. 
É preciso resgatar o trabalho de base com os/as usuários/as dos serviços, 
nos territórios e nos bairros da periferia das cidades, em uma ação política e pe-
dagógica que possa debater com os indivíduos e famílias as causas da crise, das 
www.canaldoassistentesocial.com.br 71
40
Conselho federal de serviço soCial - Cfess
múltiplas destituições e da insuficiência de respostas do Estado e das políticas 
públicas às necessidades e direitos da classe trabalhadora. Ampliar e multiplicar 
os fóruns, grupos de estudo, seminários, como mecanismos estratégicos nessa 
construção coletiva. Ainda mais com a desconstrução dos espaços de participa-
ção e deliberação coletiva, como conselhos e conferências de políticas públicas, 
pela ação deletéria de um governo retrógrado e despreparado para assumir a 
gestão pública. 
nos momentos de crise, é fundamental resgatar o sentido de pertencimen-
to de classe e as alianças com forças coletivas de resistência. opor-se à “dinâmi-
ca da descoletivização”. resgatar o sentido “do comum” para enfrentar a tragé-
dia do “não comum” (dArdot e lAvAl, 2017). os fóruns coletivos de defesa da 
seguridade social e das políticas públicas são ferramentas políticas potentes e 
assumem uma função estratégica na unificação das lutas e resistências, em sua 
diversidade e pluralidade, o que abre possibilidades de construção de contra-
tendências à ordem hegemônica do capital e de seus representantes estatais.
REFERÊNCIAS
ABePss. Diretrizes Gerais para os Cursos de Serviço Social. Rio de Janeiro: ABePss, 
1996. Disponível em http://www.abepss.org.br/arquivos/textos/documen-
to_201603311138166377210.pdf Acesso em 20 de maio de 2019.
ABÍLIO, Ludmila Costhek. Uberização do trabalho: subsunção real da viração. Blog da 
Boitempo, São Paulo, 22.02.2017.
ALMEIDA, Ney Luiz. T. de; ALENCAR, Monica Maria T. de. Serviço Social – trabalho e 
politicas públicas. SP: Ed. Saraiva, 2011.
ALVes, Giovanni. O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise do 
sindicalismo. São Paulo: Boitempo, 2000. 
ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho – ensaio sobre a afirmação e negação do traba-
lho. São Paulo, Boitempo, 1999.
______________. O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. são 
Paulo: Boitempo, 2005.
______________. O privilégio da servidão – o novo proletariado de serviços na era digital. sP: 
Boitempo, 2018.
BRAGA, Ruy. A politica do precariado – do populismo à hegemonia lulista. Boitempo, 2012)
CANTOR, Renan Vega Cantor. A expropriação do tempo no capitalismo atual. In: ANtu-
NES, Ricardo (org.) Riqueza e miséria do trabalho no Brasil IV – trabalho digital, autoges-
tão e expropriação da vida. SP: Boitempo, 2019. 
CFESS. Lei n. 8662/93. Dispõe sobre a regulamentação da profissão de assistente 
social, já com a alteração trazida pela Lei nº 12.317, de 26 de agosto de 2010. Brasília: 
CFESS, 1993. Disponível em http://www.cfess.org.br/visualizar/menu/local/regulamen-
www.canaldoassistentesocial.com.br 72
41
Atribuições privAtivAs do/A Assistente sociAl EM QUEStão | Volume 2
tacao-da-profissao Acesso em 5 de agosto de 2019 
CFESS. Código de Ética do assistente social. Brasília: CFESS, 1993. Disponível em http://
cfess.org.br/arquivos/CEP_1993.pdf Acesso em 5 de agosto de 2019
CFESS (org.). Atribuições privativas do/a assistente social em questão. Brasília: CFESS, 
2012 (1º edição ampliada) Disponível em http://cfess.org.br/arquivos/atribuicoes2012-
completo.pdf Acesso em 3 de junho de 2019.
CHAUÍ, Marilena. A ideologia da competência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo/Au-
têntica, 2014 (Escritos de Marilena Chauí, 3).
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci. Porto Alegre: L&PM, 1981.
DAL Rosso, sadi. O Ardil da flexibilidade – os trabalhadores e a teoria do valor. São Pau-
lo:Boitempo, 2017.
DARDOT, Pierre e LAVAL, Christian. A nova razão do mundo. Ensaio sobre a sociedade 
neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.
______________. Comum. Ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo, 2017.
DRUCK, Graça. Trabalho, precarização e resistências: novos e velhos desafios. salvador: 
Cadernos CRH, v. 24, n. spe 01, p. 35-55, 2011.
DRUCK, Graça et al. terceirização no serviço público: particularidades e implicações. 
In: CAMPOS, Andre Gambier (org). Terceirização do trabalho no Brasil. Novas e distintas 
perspectivas para o debate. Brasília: IPEA, 2013 (capitulo 6) 
GRAMSCI, Antonio. Obras escolhidas. São Paulo: Martins Fontes, 1978.
HARVEY, David. O enigma do capital e as crises do capitalismo. SP: Boitempo, 2016
IAMAMOTO, Marilda Villela; CARVALHO, Raul. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: 
esboço de uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Cortez, 1982.
IAmAmoto, marilda V. serviço Social em Tempo de Capital Fetiche – capital financeiro, 
trabalho e questão social. São Paulo, Cortez Editora, 2008.
______________ Projeto profissional, espaços ocupacionais e trabalho do assistente social na 
atualidade. In: CFESS (org.). Atribuições privativas do/a assistente social em questão. 
Brasília: CFESS, 2012 (1º edição ampliada) Disponível em http://cfess.org.br/arquivos/
atribuicoes2012-completo.pdf Acesso em 3 de junho de 2019.
IANNI, Octavio.A ideia de Brasil Moderno. São Paulo: Brasiliense, 2004
 LINHART, Danièle. A desmedida do capital. SP: Boitempo, 2007.
MARCELINO, Paula. A administração e a terceirização: como o pragmatismo compromete a 
análise. In: PADILHA, Valquíria (org.) Antimanual de gestão – desconstruindo os discur-
sos do management. São Paulo: Ed. Ideias & Letras, 2015.
MARX, Karl. O Capital (Crítica da Economia Política). São Paulo, Civilização Brasileira, 
1968. (Livro 1, Vol. 1 e 2).
______________. Manuscritos econômico-filosóficos. SP: Boitempo, 2004.
MATOS, Maurilio Castro de. Considerações sobre atribuições e competências profissionais 
de assistentes sociais na atualidade. In: Serviço Social & Sociedade n 124. São Paulo: 
Cortez, out./dez., 2015. (p. 678-698)
www.canaldoassistentesocial.com.br 73
42
Conselho federal de serviço soCial - Cfess
MOTA, Ana Elizabete.Serviço Social brasileiro: profissão e área do conhecimento. Revista 
Katálysis. v. 16, n. esp. Florianópolis, UFSC, 2013 (p. 17-27).
NETTO, José Paulo. Capitalismo monopolista e Serviço Social. São Paulo:Cortez, 1992.
______________. Serviço Social brasileiro: insurgência intelectual e legado político. In: sILVA, 
Maria Liduína de O. e (org.). Serviço Social no Brasil – história de resistências e de rup-
tura com o conservadorismo. São Paulo:Cortez, 2016.
SILVA, Ociana Donato da e RAICHELIS, Raquel. Assédio moral no trabalho de assistentes 
sociais: estratégia de gestão em tempos de crise do capital. In: LouReNÇo, edvânia A. de s. 
(org.) Saúde do trabalhador e da trabalhadora e serviço Social: estudos da relação trabalho 
e saúde no capitalismo contemporâneo. Campinas: Papel Social, 2016.
______________. O assédio moral nas relações de trabalho de trabalho do/a assistentes sociais: 
uma questão emergente. In: Serviço Social & Sociedade n. 123, jul./set. 2015 (p. 582-603).
TERRA, Sylvia Helena. Parecer Jurídico n. 27/98. Assunto: Análise das competências do 
assistente social em relação aos parâmetros normativos previstos pelo art. 5º da lei n. 
8662/93, que estabelece as atribuições privativas do mesmo profissional. São Paulo, 
(mimeo).
POULANTZAS, Nicos. As transformações atuais do Estado, crise política e a crise do Estado. 
In: O Estado em crise. Rio de Janeiro: Graal, 1977. 
RAICHELIS, Raquel. O Trabalho do Assistente Social na Esfera Estatal. In: CFESS/ABEPSS 
(orgs.). Direitos Sociais e Competências Profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009.
______________. O assistente social como trabalhador assalariado: desafios frente às violações de 
seus direitos. In: Serviço Social & Sociedade n. 107. São Paulo, Cortez Editora, jul./set. 2011.
______________. Proteção Social e trabalho do assistente social: tendências e disputas na conjun-
tura de crise mundial. In: Serviço Social e Sociedade n. 116. Especial: Proteção Social. São 
Paulo: Cortez Editora, outubro/dezembro, 2013.
______________. Serviço Social: trabalho e profissão na trama do capitalismo contemporâneo. In: 
RAICHELIS, Raquel; VICENTE, Damares; ALBUQUERQUE Valéria (orgs.) A nova morfolo-
gia do trabalho no Serviço Social. SP: Cortez, 2018.
RAICHELIS, Raquel; VICENTE, Damares; ALBUQUERQUE Valéria (orgs.) A nova morfolo-
gia do trabalho no Serviço Social. SP: Cortez, 2018.
TERRA, Silvia. Parecer Jurídico n. 27/98. Brasília, CFESS, 1998.
VeRDÈs-LeRouX, Jeannine. Trabalhador social – prática, hábitos, ethos e formas de inter-
venção. SP: Cortez,1986. 
VICENTE, Damares. Serviço Social e desgaste mental. In: RAICHELIS, R.; VICENTE D.; 
ALBUQUERQUE. V. (orgs.) A nova morfologia do Serviço Social. op. cit. 
WOOD, Ellen Meiksins. O império do capital. SP: Boitempo, 2014.
YAZBEK, Maria Carmelita. Fundamentos históricos e teórico-metodológicos do Serviço 
Social. In: Direitos Sociais e Competências profissionais. Op. cit. 
______________. Proteção social e crise no Brasil contemporâneo. In: RAICHELIS, R.; VI-
CENTE D.; ALBUQUERQUE. V. (orgs.) A nova morfologia do Serviço Social. op. cit.
www.canaldoassistentesocial.com.br 74
268 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 268-286, maio/ago. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.141
Pensar o gênero:
diálogos com o Serviço Social
Thinking gender: dialogues with Social Work
Andrea Moraes Alves
Doutora em antropologia, professora associada da Escola de Serviço Social 
da UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. andreamoraesalves@gmail.com
Resumo: O artigo apresenta as três abordagens 
sobre gênero mais comuns nas pesquisas no campo 
do Serviço Social brasileiro. São elas: o marxismo, 
as relações sociais de sexo e a interseccionalidade. 
Enquanto as duas primeiras são mais recorrentes, 
a última começa a adentrar as produções da área. 
O texto discute cada uma, mostra suas potencia-
lidades e limites e estabelece algumas conexões 
entre elas. Por fim, aponta para lacunas presentes 
nas investigações sobre gênero no Serviço Social.
Palavras-chave: Gênero. Marxismo. Relações 
Sociais de Sexo. Interseccionalidade.
Abstract: The article presents the three most 
common approaches to gender in research 
in the field of Brazilian social service. They 
are: Marxism, social relations of sex and 
intersectionality. While the first two are more 
recurring, the latter begins to enter the productions 
of the area. The text discusses each of them, shows 
their potentialities and limits and establishes some 
connections between them. Lastly, it points to 
gaps in the investigation of gender in social work.
Keywords: Gender. Marxism. Social Relations of 
Sex. Intersectionality
O Serviço Social brasileiro produziu em sua história recente uma im-portante contribuição aos estudos no campo das relações de gênero. A discussão em torno da categoria gênero está presente nas pesquisas 
da área, e a intervenção profissional lida diretamente com as dimensões que 
envolvem o gênero, com especial destaque para os trabalhos sobre violência e 
direitos reprodutivos. Nos cursos de graduação, gênero está incluído seja em 
disciplinas obrigatórias, seja em eletivas. No Enade 2016, por exemplo, uma 
das questões abordava a Lei Maria da Penha. Nesse sentido, há um acúmulo 
consolidado de conhecimento sobre gênero no Serviço Social, movimento que 
www.canaldoassistentesocial.com.br 75
269Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 268-286, maio/ago. 2018
acompanha a relevância que as relações de gênero têm para a compreensão 
da vida social.
Os sentidos dados a gênero no campo do Serviço Social são variáveis 
(e isso não é uma exclusividade da área). Gênero é um conceito em perma-
nente disputa, para citarmos Joan Scott (2012). Seu significado nunca se 
estabiliza. Há no Serviço Social uma compreensão geral de que gênero trata 
das relações de poder na vida social, relações essas que atribuem posições 
assimétricas ao masculino e ao feminino. Desse modo, as desigualdades de 
gênero constituem-se como um dos focos do trabalho do assistente social e 
de suas preocupações de pesquisa. No entanto, o acordo parece parar nesse 
ponto. A partir desse caldo comum, emergem perspectivas distintas. Este 
artigo apresenta essas perspectivas.
Três advertências são necessárias aqui: em primeiro lugar, não há a 
pretensão de se esgotar todas as perspectivas presentes no campo; minha 
seleção é parcial. Essa parcialidade advém de minha experiência prática 
como docente de curso de graduação em Serviço Social. Em segundo lu-
gar, sublinho que todas as perspectivas aqui apresentadas são igualmente 
relevantes, embora as duas primeiras (marxismo e as relações sociais de 
sexo) sejam as mais utilizadas e a última (interseccionalidade) esteja co-
meçando a adentrar nas produções acadêmicas em Serviço Social. Não há 
uma ordem de importância entre elas. A sistematização das perspectivas 
serve para começar um diálogo e não é, de maneira alguma, a palavra final 
sobre o tema. A terceira advertência é que podemos observar um trânsito 
entre perspectivas. Elas não se comportam necessariamente como estanques, 
mas dialogam entre si.
1. Gênero e marxismo
Para fins deste artigo, vou começarpor me apoiar na leitura de Nancy 
Holmstrom em “Como Karl Marx pode contribuir para a compreensão do 
www.canaldoassistentesocial.com.br 76
270 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 268-286, maio/ago. 2018
gênero?”, publicado em português na coletânea Gênero nas Ciências Sociais” 
(2014). A autora defende que a abordagem de Marx oferece um caminho 
apropriado para a compreensão das relações de gênero como relações so-
ciais. Para Marx, os seres humanos são intrinsecamente interdependentes, e 
a produção e reprodução da vida humana são, ao mesmo tempo, biológicas 
e sociais. As posições relacionais de homens e de mulheres são componentes 
da produção e da reprodução. Portanto, divisões que se apresentam como 
naturais são, não obstante, socialmente construídas. Esse é um ponto fun-
damental para qualquer teorização acerca das relações entre gêneros. Nesse 
sentido, Holmstrom está correta em ressaltar a contribuição inicial de Marx 
para pensar o tema. No entanto, acrescentaria que, para Marx, a divisão sexual 
do trabalho é entendida como interdependência entre os sexos, e não pensada 
em termos de subordinação de um sexo a outro. A problematização da divi-
são do trabalho em Marx começa com a separação entre trabalho manual e 
trabalho intelectual, e não com a divisão sexual. O fato de que mulheres na 
ordem capitalista irão compor a força de trabalho é tratado por Marx menos 
como uma questão que afeta as mulheres e mais como um processo que diz 
respeito à lógica da acumulação capitalista.
Coube ao trabalho de F. Engels, A origem da família, da propriedade 
privada e do Estado (2014), publicado originalmente em 1884, o desenvolvi-
mento de uma teoria que ligou as relações de dominação das mulheres pelos 
homens à formação da família monogâmica e ao advento da propriedade 
privada. Entre as diversas críticas que Engels sofreu, a fundamental incide 
sobre o fato de que sua explicação sobre a origem da subordinação das mu-
lheres apresenta uma série de lacunas e imprecisões, deixando de fora que 
“a dominação masculina, às vezes violenta, existe também nas sociedades 
pré-classistas que não conhecem a propriedade privada” (Trat, 2014, p. 362). 
As críticas formuladas à obra de Engels serviram como ponto de partida para 
uma renovação da abordagem marxista no que tange ao lugar das mulheres. 
Nos anos 1970, esse debate frutificou no interior do feminismo dessa década. 
Não vamos recuperá-lo aqui, pois seria tema para outro artigo, mas apontamos 
a contribuição fundamental de uma autora brasileira que é referência até os 
www.canaldoassistentesocial.com.br 77
271Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 268-286, maio/ago. 2018
dias de hoje dentro e fora do Serviço Social: Heleieth Saffioti. Ela será uma 
das pioneiras na revisão do tratamento dado à subordinação feminina nas 
sociedades de classes.
Duas questões paralelas atravessam a renovação da abordagem marxista 
sobre gênero. A primeira delas é desenvolver a reflexão sobre o que responde 
à alocação das mulheres no mundo da reprodução, visto como trabalho não 
pago, e dos homens ao lugar da produção, ou do trabalho assalariado. Em 
segundo lugar, responder à pergunta sobre qual é a participação do trabalho 
não pago das mulheres na reprodução da força de trabalho, elemento essen-
cial à ordem capitalista. E mais: qual seria o impacto da incorporação das 
mulheres no mundo do trabalho assalariado? É necessário sublinhar que é 
prioritariamente a discussão sobre o lugar subordinado dado às mulheres na 
vida social que guia o olhar dos debates marxistas.
Saffioti escreveu uma tese de doutorado no ano de 1969 intitulada A 
mulher na sociedade de classes: mito e realidade. É um trabalho de fôlego 
no qual a autora lida com uma questão: a tese de que a incorporação das 
mulheres à força de trabalho no capitalismo varia conforme o grau de de-
senvolvimento das forças produtivas. O pleno desenvolvimento do sistema 
capitalista de produção expele o trabalho feminino em um processo de 
marginalização das mulheres, levando-as ao trabalho parcial ou à posição 
exclusiva de “dona de casa”. A figura da “dona de casa” de família de classe 
trabalhadora seria o produto mais acabado desse processo, pois, afastada do 
mundo produtivo ou parcialmente integrada a ele, a mulher ficaria relegada 
às tarefas da reprodução, aquelas que produzem e reproduzem as gerações 
atuais e futuras de trabalhadores assalariados. Nesse aspecto, as mudanças 
no lugar da mulher na família seriam essenciais para entender a sociedade 
capitalista. A autora conclui seu trabalho apresentando uma instigante dis-
cussão sobre a alienação da dona de casa.
Esse processo de marginalização da mulher é permeado pelo que 
 Saffioti qualifica de “mística feminina”,1 ou seja, a legitimação ideológica 
1. Uma referência ao livro de Betty Friedan, A mística feminina, lançado em 1963.
www.canaldoassistentesocial.com.br 78
272 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 268-286, maio/ago. 2018
do lugar subalternizado da mulher na sociedade. Saffioti divide a tese em 
dois grandes momentos: um em que apresenta a ideia central de margina-
lização das mulheres na sociedade de classes e outro em que se dedica a 
acompanhar como se efetiva essa marginalização em uma sociedade perifé-
rica como a brasileira. A tese é um marco na produção intelectual de nosso 
país e nos apresenta a conexão entre sexo e classe social. Para ela, o sexo é 
uma característica da estratificação social. A estratificação é um princípio 
de classificação social que estabelece distâncias diferenciais e assimétricas 
entre posições. A estratificação distribui prestígio, status e autoridade na 
ordem social. Nessa qualidade é que se pode estabelecer um vínculo entre 
sexo e classe. A produção na sociedade de classes depende da formação de 
uma força de trabalho que inclui alguns elementos e segrega outros. Essa 
seleção, por sua vez, depende fundamentalmente das atribuições de status 
baseadas em sexo, idade e raça,2, na medida em que são esses os fatores que 
determinam quem ocupará lugares na produção e quem ficará subalternizado 
ou excluído nesse processo. Segundo a autora, a estratificação social é um 
catalisador das tensões sociais na ordem capitalista. Nesse sentido, as lutas 
feministas em torno do acesso das mulheres ao trabalho remunerado carregam 
um potencial revelador das contradições da própria formação capitalista. Esse 
potencial pode ser realizado na medida em que os limites da incorporação 
das mulheres ao mundo do trabalho assalariado e a natureza da relação entre 
reprodução (as tarefas domésticas) e o mundo da produção — a divisão sexual 
do trabalho — sejam efetivamente compreendidos. O desafio do feminismo 
2. A raça perde força na análise de Saffioti, pois ela compartilha de uma leitura que vê a sociedade 
brasileira como um espaço de miscigenação, onde a cor poderia ser suavizada como atributo, sendo a figura 
do mulato um emblema dessa operação. Já o sexo não teria a mesma capacidade. Sendo assim, sexo ocuparia 
um lugar essencial como forma de estratificação social. Nas palavras da própria autora: “As características 
raciais visíveis do grupo minoritário, muitas vezes selecionadas socialmente como marcas negativas, a fim de 
tornar desigual a competição para os dois grupos raciais em presença, podem, portanto, perder-se através da 
miscigenação. No caso da mulher, o atributo isolado socialmente para operar como regulador da competição 
— o sexo — não pode nem ser atenuado nem desaparecer. Disto isto não se pode concluir que a estratifica-
ção a partir do sexo jamais desaparecerá da sociedade. A digressão tem o objetivo somente de diferenciar a 
situação da mulher da situação das minorias raciais e mostrar que o sexo, enquanto fator natural que é, estará 
sempre presente, podendo ser usado como critério de atribuição de status com consequências negativas para 
a mulher, como empiricamente se tem verificado” (Saffioti, 2013, p. 425).
www.canaldoassistentesocial.com.br 79
273Serv. Soc. Soc.,São Paulo, n. 132, p. 268-286, maio/ago. 2018
para Saffioti seria realizar essa compreensão e nessa tarefa incluir também os 
homens. “Sendo homens e mulheres seres complementares na produção e na 
reprodução da vida, fatos básicos da convivência social, nenhum fenômeno 
há que afete a um deixando de atingir o outro sexo” (Saffioti, 2013, p. 34).
A tese central de Saffioti, qual seja: a marginalização da força de 
trabalho das mulheres no capitalismo, foi revista por teóricas ligadas ao 
campo da sociologia do trabalho. Essa revisão foi de grande relevância 
para a consolidação desse campo de estudos no Brasil (Souza-Lobo, 2011). 
Atentou-se, sobretudo, para a investigação das relações de trabalho propria-
mente ditas e para a crescente heterogeneidade dos processos de trabalho 
no capitalismo. A expansão e a diversificação do emprego feminino em 
alguns setores produtivos na América Latina dos anos 1970 trouxeram a 
necessidade de reformulação da hipótese da marginalização ao mesmo 
tempo em que desafiaram as pesquisas a pensar o porquê de essa incorpo-
ração da força de trabalho das mulheres conviver com a permanência da 
subordinação social das mesmas, expressa nos baixos salários e na segre-
gação ocupacional. As mulheres ampliaram sua participação na indústria 
e na agricultura, mas também cresceram o trabalho doméstico remunerado 
e o setor de serviços. A modernização tecnológica não afastou necessaria-
mente as mulheres do trabalho assalariado, embora os salários delas sejam 
mais baixos em relação ao dos homens no mesmo tipo de função. Para 
além de pensar o sexo como mecanismo de estratificação social constitu-
tivo da exploração capitalista, a sociologia do trabalho aprofundou-se na 
investigação da forma da divisão sexual do trabalho em sua variabilidade 
histórica e conjuntural. A chamada “sexualização das ocupações” passou 
a ocupar lugar de destaque na produção desse campo de estudos ao longo 
da década de 1980 e início da de 1990.
A pergunta sobre a construção das tradições que fixam o sexo do trabalho, das 
ocupações e das tarefas, remete, especialmente nas realidades heterogêneas da 
América Latina, à reconstituição tanto da história das trajetórias femininas e das 
tradições e representações simbólicas, como do comportamento do mercado de 
trabalho e da dinâmica das relações capitalistas. (Souza-Lobo, 2011, p. 172)
www.canaldoassistentesocial.com.br 80
274 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 268-286, maio/ago. 2018
Essas trajetórias, tradições e representações simbólicas têm um lugar 
distinto daquele atribuído por Saffioti à “mística feminina”.3 Não são legiti-
mações ideológicas, mas práticas sociais, ou seja, como homens e mulheres 
vivem as relações de trabalho, como experimentam situações determinadas 
no mercado de trabalho, como produzem resistências. Dá-se um lugar mais 
estruturante às relações de gênero no mundo do trabalho, tão relevante quan-
to a dinâmica do capital. Passa-se a prestar mais atenção à diversidade e à 
complexidade dos processos de trabalho e das relações no interior do mer-
cado de trabalho, abrindo espaço para pesquisas que mapeiam as trajetórias 
laborais de homens e de mulheres, suas distintas relações com o sindicato, 
aproximando as investigações de preocupações com o tema das mobilidades 
no mundo do trabalho e das estratificações sexuais e ocupacionais.4
2. As relações sociais de sexo
A noção de que as relações de trabalho são sexuadas e portadoras de 
hierarquias de gênero é o ponto inicial para a compreensão da abordagem das 
“relações sociais de sexo”. O termo relações sociais refere-se justamente a 
essa perspectiva estrutural das relações entre os sexos. A divisão entre homens 
3. É importante lembrar que Saffioti escreveu outros trabalhos além da tese e que se dedicou pos-
teriormente a refletir sobre o conceito de patriarcado e sua relação com a violência contra as mulheres, 
complexificando bastante sua análise anterior sobre a questão da ideologia, assim como das relações entre 
gênero, raça e classe. Em seus escritos posteriores, a autora aproxima-se da ideia de que gênero, raça e 
classe estão imbricados e são estruturantes da vida social. Nas palavras da autora: “O importante é analisar 
estas contradições na condição de fundidas ou enoveladas ou enlaçadas em um nó. Não se trata da figura do 
nó górdio ou apertado, mas do nó frouxo, deixando mobilidade para cada uma de seus componentes. Não 
que cada uma destas contradições atue livre e isoladamente. No nó, elas passam a apresentar uma dinâmica 
especial, própria do nó. Ou seja, a dinâmica de cada uma condiciona-se à nova realidade, presidida por uma 
lógica contraditória. De acordo com as circunstâncias históricas, cada uma das contradições integrantes do nó 
adquire relevos distintos. E esta motilidade é importante reter, a fim de não tomar nada como fixo, aí inclusa 
a organização destas subestruturas na estrutura global” (Saffioti, 2004, p. 125). Esta é uma posição diversa 
daquela apresentada em sua tese de 1969.
4. O que desliza o conceito de classe para uma interpretação de cunho mais weberiano.
www.canaldoassistentesocial.com.br 81
275Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 268-286, maio/ago. 2018
e mulheres e as atribuições de poder que repartem esses elementos de forma 
contraditória são constitutivas da vida social em geral. Que as relações de 
trabalho (contraditórias no capitalismo) sejam inerentemente sexuadas (e 
contraditórias) traduz justamente a percepção de que toda vida social o é. A 
noção de que sexo e classe (relações que se estabelecem na produção da vida 
material) são consubstanciais tem a ver justamente com essa compreensão 
de que são ambas constitutivas uma da outra, antagônicas e estruturantes da 
vida social. Vale ressaltar o caráter de antagonismo que essas relações têm. 
Segundo Kergoat (2016, p. 20): “Para que se possa falar em relação social, é 
necessário que esta domine, oprima e explore”. Nesse sentido, o trabalho das 
mulheres é trabalho explorado e expropriado, na medida em que elas são força 
de trabalho disponível para o capital e que as tarefas destinadas à reprodução 
da própria força de trabalho como cozinhar, lavar, cuidar de crianças, são 
classificadas socialmente como femininas. A expropriação e a exploração 
das mulheres na divisão do trabalho sob o capitalismo deixam claro que a 
figura clássica do trabalhador livre não pode ser definida estritamente pelo 
masculino. Parafraseando o título do livro de Elisabeth Souza-Lobo (2011): 
“A classe operária tem dois sexos”.
As políticas voltadas para a conciliação entre trabalho doméstico 
(trabalho reprodutivo) e trabalho assalariado (trabalho produtivo) incidem 
sobre as formas de inclusão da força de trabalho das mulheres no mundo 
produtivo e afetam as relações entre homens e mulheres no espaço doméstico 
(Hirata e Kergoat, 2007). Segundo Fraser (2009), uma das críticas centrais 
do feminismo liberal dos anos 1970 ao Estado de bem-estar baseou-se na 
denúncia do modelo do homem provedor como paradigma da família. Esse 
modelo contribuiu para o confinamento das mulheres ao mundo privado.
Na perspectiva das relações sociais de sexo, o conceito de trabalho passa 
a ser dilatado. O trabalho na sua acepção marxista clássica, entendido como 
produção de valor, é modificado e passa a referir-se ao que Kergoat (2016) 
chama de “produção do viver em sociedade” ou o conjunto das atividades 
necessárias para a produção material e reprodução da vida. Foi preciso 
pensar o trabalho a partir do mundo das mulheres para que a compreensão 
www.canaldoassistentesocial.com.br 82
276 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 268-286, maio/ago. 2018
das relações sociais no capitalismo transbordasse a perspectiva clássica do 
trabalho como produção de valor, incluindo a reprodução dos seres humanos 
e sua socialização (a família) como esfera também produtiva — embora 
não produtora de mais-valia —, e não somente unidade de consumo. Nesse 
sentido, a perspectiva das relações sociaisde sexo estabelece um diálogo 
com o marxismo, mantém sua perspectiva materialista, mas promove uma 
reinterpretação de conceitos-chave da tradição marxista, como trabalho, a 
relação entre produção e reprodução e classe social. Compreender esse salto 
interpretativo é fundamental para acompanharmos o debate como um todo.
O trabalho foi redefinido e mudou de estatuto: de uma simples produção de 
objetos, de bens, ele se transformou no que alguns chamam de produção do 
viver em sociedade [...] trabalhar é transformar a sociedade e a natureza e, 
no mesmo movimento, transformar-se a si mesmo. O trabalho torna-se assim 
uma atividade política. Nessa perspectiva feminista materialista, é a própria 
definição de trabalho que implode. (Kergoat, 2016, p. 18)
Autoras contemporâneas no campo marxista têm refletido sobre essa 
ressignificação do conceito de trabalho que implica uma rearticulação da 
relação entre produção e reprodução. Em vez dessas esferas serem pensa-
das como separadas e relacionais, passa-se a vê-las como acopladas uma à 
outra, como uma unidade. Se a reprodução era entendida como reposição 
da força de trabalho e assim necessária ao capital, nessa nova interpretação 
a reprodução social é tida como a esfera de “manutenção e reprodução da 
vida em nível diário e geracional, (consiste) no trabalho físico, emocional 
e mental necessário para a produção da população de forma socialmente 
organizada” (Arruzza, 2015, p. 55, grifos meus). É uma atividade que 
extrapola o mundo doméstico e que no capitalismo contemporâneo inclui 
práticas sociais que se dividem entre a família, o mercado e o Estado. O 
que se reproduz é a população, a vida e os sujeitos. Pensa-se para além da 
teoria geral da mobilização do exército industrial de reserva, como vimos 
em Saffioti, por exemplo. Nesse sentido, esforços teóricos de renovação do 
marxismo apontam para a direção de pensar uma teoria unitária e não dualista 
www.canaldoassistentesocial.com.br 83
277Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 268-286, maio/ago. 2018
das relações entre produção e reprodução. A própria noção de classe social 
aparece renovada no sentido de que se incorpora a noção de que a classe se 
faz na conjunção entre produção e reprodução.5
Ainda segundo Kergoat (2016), são as tarefas do cuidado que melhor 
traduzem essa acepção reformulada do trabalho. A categoria “cuidado” 
ou “care” carece de uma definição exata. De acordo com Helena Hirata 
(2010, p. 48):
Se quiséssemos definir de maneira muito rigorosa o que é o care, seria: é o 
tipo de relação social que se dá tendo como objeto outra pessoa. Descascar 
batatas é care, mas de uma forma muito indireta: é care porque preserva a 
saúde, o outro ser. Fazer com que outro ser continue com saúde implica cozi-
nhar, alimentá-lo, pois precisa desse cuidado material, físico. Então, pode-se 
dizer que tudo faz parte do care, mas aí não teríamos mais uma definição 
rigorosa de care.
Em que pese essa caracterização pouco precisa, alguns aspectos são 
considerados no entendimento do care: primeiro, é um trabalho que envolve 
afeto e intimidade, proximidade física e emocional, mediados pelo dinheiro; 
é um trabalho que relaciona pessoas dependentes, receptoras do cuidado, e 
pessoas que ofertam esse serviço e que estão em posições heterogêneas no 
mercado de trabalho, embora seja, em geral, uma atividade desvalorizada, 
feita por pessoas em situação precária de vida, sobretudo mulheres, pobres 
e migrantes. É um serviço em expansão, especialmente em uma sociedade 
em que as necessidades concretas de atividades de cuidado se ampliam 
devido ao crescente envelhecimento populacional. Por fim, é um trabalho 
que envolve algum tipo de agência,6 não podendo ser retratado como um 
5. No interior do campo marxista, essa perspectiva não é incomum. Basta pensar nas contribuições de
E. P. Thompson.
6. Agência é um conceito caro ao debate sociológico contemporâneo, pois nos permite pensar para
além da dicotomia indivíduo X sociedade, marca do pensamento sociológico clássico. Agência diz respeito 
às formas de ação social que constituem a vida em sociedade. Toda ação social é ao mesmo tempo limitada e 
criadora, por isso a noção de que a dominação se constitui, mas não oblitera certas margens de manobra dos 
www.canaldoassistentesocial.com.br 84
278 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 268-286, maio/ago. 2018
trabalho dominado per se; embora as condições de exploração desse tra-
balho sejam consideradas, observando-se as formas heterogêneas e pouco 
reguladas desse tipo de serviço. Resgatando o compromisso da abordagem 
das relações sociais de sexo com a lógica da contradição, as pesquisas costu-
mam observar os antagonismos de raça, etnia, classe e gênero, conformando 
os trabalhadores e o trabalho do cuidado. Na produção contemporânea da 
sociologia do trabalho, o tema do cuidado ou care tornou-se central para 
pensar o estatuto do trabalho no capitalismo contemporâneo. As principais 
áreas de investigação abordaram recentes movimentos migratórios que des-
pejam possíveis trabalhadores do cuidado (em sua maioria mulheres) entre 
fronteiras nacionais e dentro dessas fronteiras, inaugurando novos formatos 
de circulação da mão de obra feminina, mão de obra essa conformada por 
classe, raça e etnia (Guimarães, Hirata e Sugita, 2011).
3. Interseccionalidade
Até agora demos pouco destaque às relações étnico-raciais. Embora elas 
estejam incluídas nas reflexões das teóricas das relações sociais de sexo, é 
na perspectiva da interseccionalidade que a raça adquire evidência.
Não podemos falar de interseccionalidade sem situarmos o feminismo 
negro (Jabardo, 2012). Uma das contribuições centrais do feminismo negro 
foi questionar a universalidade do patriarcado como sistema de dominação. 
A reflexão sobre os limites da explicação patriarcal como forma universal 
de dominação das mulheres acompanhou os desdobramentos do feminismo 
dos anos 1970, e entre as feministas negras essa reflexão crítica atingiu 
uma considerável expressão teórica e política. A ideia de que o sistema 
patriarcal é uma forma de dominação dos corpos e da sexualidade das mu-
lheres pelos homens e para proveito deles recebeu das feministas negras um 
agentes, tornando a vida social, portanto, sempre mais complexa, nuançada e dinâmica. Compreender a ação 
dos agentes sociais nos permite entender como “habitamos as normas” (Mahmood, 2005).
www.canaldoassistentesocial.com.br 85
279Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 268-286, maio/ago. 2018
reparo fundamental: à pureza sexual imposta à mulher branca contrapõe-se 
a hipersexualização dos corpos das mulheres negras. À maternidade vigiada 
das mulheres brancas contrapõe-se a negação da maternidade das mulheres 
negras. O paradigma patriarcal projetou uma sombra sobre as experiências 
corporais e sexuais das mulheres negras, marginalizando-as como mulheres 
e reduzindo-as à sua raça. Esse ajuste de perspectiva para além da ótica 
patriarcal mudou o percurso do feminismo e ainda faz surtir seus efeitos no 
campo feminista atual. É a partir dele que a chamada interseccionalidade 
será construída. Não irei me aprofundar sobre o feminismo negro nesse 
artigo. Mas é importante sinalizar que o feminismo negro é o berço da in-
terseccionalidade e que essa origem faz toda a diferença na forma como a 
interseccionalidade opera com raça.
A abordagem interseccional coloca a raça e a sexualidade no centro 
da problematização das relações de gênero. Mara Viveros (2009), no artigo 
“La sexualización de laraza y laracialización de lasexualidadenel contexto 
latino-americano actual”, apresenta sucintamente autoras que trabalharam a 
articulação entre gênero, raça e sexualidade. Baseando-se nas discussões da 
feminista negra norte-americana Kimberle Crenshaw (2005, apud Viveros, 
2009), primeira a usar o termo interseccionalidade, Mara Viveros aponta 
para a operação política de transformação do sexo, da sexualidade e da raça 
em natureza e que essa transformação justificou e justificadesigualdades, 
dificultando formas de resistência. Esse processo de transformação é histórico 
e está na base das estruturas de dominação que constituem a chamada mo-
dernidade colonial. Os sujeitos coloniais são marcados por sua cor e por seu 
gênero, esses se tornam a sua “essência” e os designam à posição de objeto 
da empresa moderna colonial. A empresa colonial, por sua vez, baseou-se 
amplamente no controle da sexualidade dos corpos colonizados, regulando 
os encontros sexuais legítimos e marginalizando os considerados ilegítimos. 
A historicidade desse processo é tratada em trabalhos destacados por Mara 
Viveros em seu artigo, como os estudos pioneiros de Verena Stolcke sobre 
casamento, classe e raça na Cuba do século XIX (1974, apud Viveros, 2009) 
e de Sueann Caulfield sobre honra, raça e moral sexual na construção da ideia 
de nação no Brasil republicano (1998, apud Viveros, 2009). A esses estudos 
www.canaldoassistentesocial.com.br 86
280 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 268-286, maio/ago. 2018
acrescento o trabalho de Angela Davis (1981/2016), expoente do feminis-
mo negro norte-americano. Em Mulheres, raça e classe, a autora percorre 
a situação dos negros e das negras no período pós-abolição da escravatura 
nos EUA, mostrando como se estabelecem desigualdades raciais profundas, 
clivadas por classe e gênero. No trabalho de Davis, alguns capítulos se de-
dicam a sexualidade e reprodução. No Brasil, Lélia Gonzalez (1984) é uma 
referência no assunto ao tratar da articulação entre racismo e sexismo. O que 
essas autoras nos apresentam é uma visão bastante inovadora a respeito da 
reformulação do debate de gênero a partir da ótica étnico-racial.
Refletindo a partir de (e nos) contextos de países colonizados, e am-
parando suas pesquisas em conjunturas históricas concretas, essas investi-
gações trouxeram à tona a importância de se levar a sério o cruzamento de 
raça e gênero para a explicação das formas de subordinação e de resistência 
produzidas em sociedade. O corpo marcado por gênero, sexualidade e raça 
aparece como um distintivo fundamental para a constituição das situações 
de opressão. Obedecendo a um enfoque que preza pela situacionalidade do 
conhecimento, a perspectiva interseccional nos ajuda a compreender os sen-
tidos da opressão em contextos delimitados, reservando um lugar essencial à 
raça e etnia por serem marcadores fundamentais na construção da chamada 
modernidade colonial. Nesse sentido, o corpo, seus significados e práticas 
têm um lugar central nas pesquisas de corte interseccional. Na abordagem 
interseccional, a raça funciona como experiência de constituição do eu 
e como criação de uma comunidade de sentidos e de destino interpelada 
pela cor. Essa concepção articula-se a sexualidade e gênero de uma forma 
constitutiva e inextrincável.7 Para compreendê-la, é absolutamente neces-
sário trabalhar com a perspectiva dos sujeitos que vivem essas relações. 
Por isso, as situações de opressão, de marginalização, de fronteiras sociais 
são o terreno propício das investigações interseccionais.8 Não é à toa que 
7. É possível inserir classe nesse contexto, desde que entendida como experiência de classe, no sentido 
thompsoniano (1987) ou como entendida por Pierre Bourdieu (1996).
8. Autoras ligadas à abordagem das relações sociais de sexo tendem a classificar a abordagem inter-
seccional como descritiva, e não explicativa, pois esta não levaria em conta nem as dimensões materiais da 
www.canaldoassistentesocial.com.br 87
281Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 268-286, maio/ago. 2018
a antropologia, entre as áreas das ciências sociais, é aquela mais próxima 
da perspectiva interseccional com seus estudos etnográficos que cruzam 
diferentes marcadores sociais (Moutinho, 2014).
Cabe apontar ainda que o que se denomina de modernidade colonial ou 
colonialidade é um processo moderno e permanente de desumanização que 
não se esgota em um passado colonial distante e superado. A colonialidade 
permite, incentiva e necessita da produção constante de classificações so-
ciais que reduzem os seres humanos a objetos quantificáveis e controláveis. 
Categorizar, criar dicotomias e hierarquizar são atividades características 
da colonialidade. Para Lugones (2008 e 2014), a dicotomia central da mo-
dernidade colonial é a hierarquia dicotômica entre humano e não humano. 
O colonizado foi convertido em não humano no projeto colonial moderno. 
Nessa polarização entre humano e não humano, as gentes colonizadas opõem-
-se ao europeu branco e são inferiorizadas, racializadas e engendradas. A
hipersexualização da fêmea heterossexual negra/indígena colonizada é um
ícone desse processo. Ao engendrar, racializar e sexualizar, a colonialidade
produz a diferença colonial como medida absoluta de todas as formas de
vida, obscurecendo outras práticas e maneiras de existência. No entanto, faz
parte dos processos de resistência à colonialidade a construção de subjeti-
vidades que escapam à desumanização. É necessário confrontar a diferença
colonial a partir do pensamento do colonizado como ser que habita um lócus
fraturado que está em constante tensão e conflito. Nesse sentido, a aborda-
gem interseccional compromete-se em investigar as relações de opressão
considerando fundamentalmente o ponto de vista daquele que se encontra
marcado por essas relações. O poema “Gritaram-me negra”, de Victoria
Santa Cruz, expressa com maestria essa noção de situação de opressão e as
resistências que se tecem a partir dela.
dominação nem a história (Hirata, 2014). No entanto, essa crítica carece de uma compreensão mais fina 
sobre o entendimento da noção de “situação de opressão”. A questão tem a ver com metodologia de pesquisa 
e de construção do objeto de investigação. O recorte analítico da abordagem interseccional é a delimitação 
da situação e os distintos atores sociais em interação nessa situação. Há história, mas não no sentido dado 
pelo materialismo. Não se considera a expropriação e a exploração de classe como pensadas pela abordagem 
marxista clássica. Mas se considera classe a partir de outras visões, como indica a nota citada.
www.canaldoassistentesocial.com.br 88
282 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 268-286, maio/ago. 2018
[...]
E odiei meus cabelos e meus lábios grossos
E mirei apenada minha carne tostada
E retrocedi
Negra!
[...]
Até que um dia que retrocedia, retrocedia e ia cair
Negra! Negra! Negra! Negra!
[...]
E daí? E daí?
Negra!
Negra!
Sim!
Negra!
SOU!
A riqueza da abordagem interseccional, coerente com suas raízes no 
feminismo negro, pode ser traduzida pelas palavras de Patricia Hill Collins 
(2016, p. 101):
Sociólogos podem se beneficiar ao considerarem seriamente a emergência 
da literatura multidisciplinar que denomino pensamento feminista negro, 
precisamente porque para muitas mulheres intelectuais afro-americanas a 
marginalidade tem sido um estímulo à criatividade. Como outsiders within, 
estudiosas feministas negras podem pertencer a um dos vários distintos grupos 
de intelectuais marginais cujos pontos de vista prometem enriquecer o discurso 
sociológico contemporâneo. Trazer esse grupo para o centro das análises [...] 
pode revelar aspectos da realidade obscurecidos por abordagens mais ortodoxas.
Considerações finais
Percorremos um caminho que aponta para três distintas abordagens 
teóricas e metodológicas sobre gênero. Essas abordagens estão presentes 
www.canaldoassistentesocial.com.br 89
283Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 268-286, maio/ago. 2018
na produção acadêmica do Serviço Social; algumas com mais forte pre-
sença, como as duas primeiras. O objetivo deste artigo foi sistematizar 
essas concepções e apontar alguns aspectos que considero importantes: 1) 
É preciso discernir cada uma das abordagens para que o diálogo entre elas 
seja de fato profícuo. É fundamental saber para onde cada uma nos leva 
teoricamente para que não façamos um uso inadequado delas; 2) As críticas 
aos limites e potencialidades de cada abordagem podem edevem ser feitas, 
desde que se guarde a devida atenção ao que cada uma de fato afirma e que 
se conheça de onde vieram e para onde apontam; 3) Abordagens teóricas e 
metodológicas não são receitas, mas inspiração para fazer pesquisa. Sempre 
que elas nos inspiram, são suficientes; se nos limitam à repetição do que já 
sabemos, não nos servem.
Nesse breve inventário produzido até aqui persistem algumas lacunas 
para o Serviço Social: gênero tem sido usualmente pensado como sinônimo 
de mulheres. Em geral, é a situação das mulheres que aparece com mais niti-
dez nas abordagens sobre gênero empregadas na área. Os homens aparecem 
menos e quando o fazem é por derivação. Os homens se fazem conhecer 
a partir da investigação sobre mulheres. As pesquisas acabam enfocando a 
questão da mulher ou das mulheres e menos as relações de gênero propria-
mente ditas. Não é por acaso que inúmeras vezes o interesse pelo conceito 
de patriarcado é o que desponta nos estudos do Serviço Social, fazendo com 
que se perca o foco na discussão de gênero.
A atenção ao gênero para além das formas binárias é menos evidente nas 
pesquisas do Serviço Social. Embora alguns estudos já tratem dos temas das 
sexualidades e corpos dissidentes, a discussão ainda é restrita. A contribuição 
da teoria queer ao debate de gênero encontra pouca acolhida nas produções 
acadêmicas do Serviço Social.
O cruzamento entre raça e gênero, tal qual formulado pela abordagem 
interseccional, ainda é periférico na produção do Serviço Social. A tendência 
à incorporação da questão étnico-racial tem sido feita pela via da relação 
com o debate marxista clássico, em que raça tende a aparecer como forma de 
estratificação social — o mesmo se passa com gênero —, e assim coadjutora 
www.canaldoassistentesocial.com.br 90
284 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 268-286, maio/ago. 2018
das relações de exploração de classe, ou através da abordagem das relações 
sociais de sexo, incluindo raça como consubstancial à classe e gênero e, 
portanto, estruturante da vida social. No entanto, essa incorporação, seja 
num caso como no outro, precisa ser tratada com mais atenção, pois há o 
risco de raça ser lida como sinônimo de cor (negro), e não como sinônimo 
de relações raciais, relações entre negros e brancos, num processo similar 
ao que já ocorre com o debate de gênero. O compromisso em pensar as 
relações de sexo, de classe e de raça como inerentemente antagônicas, em-
bora seja frutífero, também pode levar à excessiva redução dessas relações 
a esquemas dicotômicos, deixando de fora aspectos mais complexos dessas 
mesmas relações, sobretudo as de gênero e de raça. Além disso, pensar raça 
como categoria sociológica também necessita de maior explicitação. Essa 
explicitação, por sua vez, precisa de um aprofundamento sobre a história 
das relações raciais no Brasil recente.
Recebido em 5/1/18 ■ Aprovado em 26/2/18
Referências bibliográficas
ARRUZZA, C. Considerações sobre gênero: reabrindo o debate sobre patriarcado e/ou 
capitalismo. Outubro Revista, 23, p. 35-58, jan. 2015.
COLLINS, P. H. Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do 
pensamento feminista negro. Sociedade e Estado, Brasília, v. 31, n. 1, p. 99-127, 
jan./abr. 2016.
DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016.
ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Rio de Janeiro: 
Bestbolso, 2014.
FRASER, N. O feminismo, o capitalismo e a astúcia da história. Mediações, Londrina, 
v. 14, n. 2, p. 11-33, jul./dez. 2009.
www.canaldoassistentesocial.com.br 91
285Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 268-286, maio/ago. 2018
FRIEDAN, B. A mística feminina. Petrópolis: Vozes, 1971.
GONZALEZ, L. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Ciências Sociais Hoje, São 
Paulo, p. 223-244, 1984.
GUIMARÃES, N. A.; HIRATA, H. S.; SUGITA, K. Cuidado e cuidadoras: o trabalho 
de care no Brasil, França e Japão. Sociologia e Antropologia, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, 
p. 151-180, 2011.
HIRATA, H. S. Teorias e práticas do care: estado sucinto da arte, dados de pesquisa e 
pontos em debate. In: FARIA, N.; MORENO, R. (Orgs.). Cuidado, trabalho e autonomia 
das mulheres. São Paulo: SOF, 2010. p. 42-56.
______. Gênero, raça e classe: interseccionalidade e consubstancialidade das relações 
sociais. Tempo Social, São Paulo, v. 26, n. 1, p. 61-73, jun. 2014.
______; KERGOAT, D. Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cadernos 
de Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 132, p. 595-609, set./dez. 2007.
HOLMSTROM, N. Como Karl Marx pode contribuir para a compreensão do gênero? 
In: CHABAUD-RYCHTER, D. et al. (Orgs.). O gênero nas ciências sociais. Brasília: 
EdUNB, 2014. p. 343-358.
JABARDO, M. (Org.). Feminismos negros: una antología. Madri: Traficantes de 
Sueños, 2012.
KERGOAT, D. O cuidado e a imbricação das relações sociais. In: ABREU, A. R. P.; 
HIRATA, H.; LOMBARDI, M. R. (Orgs.). Gênero e trabalho no Brasil e na França: 
perspectivas interseccionais. São Paulo: Boitempo, 2016.
LUGONES, M. Colonialidad y gênero. Tabula Rasa, Bogotá, v. 76, n. 9, p. 73-101, 
jul.-dez. 2008.
______. Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, 
n.3, p. 935-952, set.-dez. 2014.
MAHMOOD, S. Politics of piety: the islamic revival and the feminist subject. Princeton: 
Princeton University Press, 2005.
MOUTINHO, L. Diferenças e desigualdades negociadas: raça, sexualidade e gênero em 
produções acadêmicas recentes. Cadernos Pagu, Campinas, n. 42, p. 201-248, 2014.
SAFFIOTI, H. Gênero, patriarcado e violência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 
2004.
www.canaldoassistentesocial.com.br 92
286 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 268-286, maio/ago. 2018
SAFFIOTI, H. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. São Paulo: Expressão 
Popular, 2013.
SCOTT, J. Usos e abusos do gênero. Projeto História, São Paulo, n. 45, p. 327-351, 
dez. 2012.
SOUZA-LOBO, E. A classe operária tem dois sexos: trabalho, dominação e resistência. 
São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2011.
THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 
1987. v. 1.
TRAT, J. Friedrich Engels: da propriedade privada à sujeição das mulheres. In: 
CHABAUD-RYCHTER, D. et al. (Orgs.). O gênero nas ciências sociais. Brasília: 
EdUNB, 2014. p. 359-372.
VIVEROS, M. La sexualización de la raza y la racialización de la sexualidad en el 
contexto latinoamericano actual. Universidad de Caldas, 2009. Disponível em: <http://
www.ucaldas.edu.co/docs/seminario_familia/Ponencia_MARA_VIVEROS.pdf>. 
Acesso em: 28 dez. 2017.
Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.
www.canaldoassistentesocial.com.br 93
II
RELAÇÕES DE GÊNERO, MORALIDADES E VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR*
Graziela Acquaviva1
No exercício profissional de assistente social no atendimento de sujei-
tos enredados (vítimas e autores) nas armadilhas das relações violentas ou na
sala de aula, como docente no processo de ensino-aprendizagem, referências te-
óricas fazem-se fundamentais para avançarmos nas leituras, interpretações, no
conhecimento e reconhecimento das diferentes expressões de violência. A re-
corrência a Ianni (2004, p. 168-169) é imperiosa, porque nos orienta nos estu-
dos e análises, incluindo aí as expressões da violência de gênero praticada con-
tra as mulheres, produto criado social, política e historicamente em raízes tradi-
cionais e conservadoras, que, uma vez incorporado pela cultura, foi e ainda é
naturalizado e vai passando a ser introjetado até na constituição da subjetivida-
de das mulheres (SAFFIOTI, 2009). O mestre nos alerta: 
[...] a violência é um acontecimento excepcional que transborda através
de várias ciências sociais; revela dimensões insuspeitadas da realidade so-
cial, ou da história, em suas implicações político-econômicas, sócio-cul-
turais, objetivas e subjetivas. [...] Em geral, a fúria da violência tem algo a
ver como a destruição do “outro”, “diferente”, “estranho”, como o que
buscaa purificação da sociedade, o exorcismo de dilemas difíceis, a subli-
mação do absurdo embutido nas formas de sociabilidade e nos jogos das
forças sociais [...] é um evento heurístico de excepcional significação. Re-
vela o visível e o invisível, o objetivo e o subjetivo, no que se refere ao
econômico, político e cultural, compreendendo o individual e o coletivo,
a biografia e a história. Desdobra-se pervasivamente pelos poros da soci-
edade e do indivíduo. É um evento heurístico de excepcional significa-
ção, porque modifica as suas formas e técnicas, razões e convicções de
*DOI – 10.29388/978-65-86678-28-4-0-f.45-66
1 Assistente social, mestrado e doutorado em Serviço Social da PUC-SP. Exercício
profissional entre o trabalho com mulheres em situação de violência, na Casa Eliane de
Grammont/CEM/ PMSP e a docência na graduação em Serviço Social na PUC-SP. Na
academia, coordena o Núcleo de Violência e Justiça, e ministra disciplinas relativas ao
“fazer profissional” e aquelas dos processos metodológicos de pesquisa em Serviço
Social, Investigação em Serviço Social, Seminários e Orientação de TCC. 
45
www.canaldoassistentesocial.com.br 94
conformidade com as configurações e os movimentos da sociedade, em
escala nacional e mundial. Explicita nexos insondáveis da subjetividade
de agentes e vítimas, em suas ilusões e obsessões, ao mesmo tempo que
explicita modalidades inimagináveis e verdadeiros paroxismos de proces-
sos e estruturas de dominação e subordinação. Revela a alucinação es-
condida na alienação de indivíduos e coletividades. Nasce como técnica
de poder, exercita-se também como modo de preservar, ampliar ou con-
quistar a propriedade, adquire desdobramentos psicológicos surpreen-
dentes no que se refere aos agentes e vítimas. (IANNI, 2004, p. 168-169)
Seguindo na perspectiva do referido sociólogo, ousaríamos inferir so-
bre a plasticidade e a capilaridade da capacidade invasiva da violência de pene-
trar nos poros da sociedade, das instituições (Educação, Justiça, Casamento, fa-
mília...) e dos sujeitos. Toma formas e contornos para ser reinventada e manter-
se articulada de acordo com as relações de poder das forças dominantes. Para as
expressões da violência de gênero praticada contra as mulheres no interior das
relações familiares e domésticas, objeto prioritário das análises desse texto, to-
mamos de empréstimo a lente de Ianni, ampliando o zoom e procurando demar-
car as especificidades dessa violência em face de sua secularidade, historicidade
e transversalidade nas formações socioeconômicas, principalmente com cristali-
zação da dominação masculina sobre os corpos, o exercício da sexualidade e a
vida reprodutiva das mulheres. 
Fortes (2018, p. 443) traz para o Serviço Social um resgate teórico dos
estudos de Marx, Engels e Lukács sobre a gênese social da inferiorização das
mulheres como um processo formativo construído historicamente. Os pensa-
dores germânicos desenvolveram a tese dessa inferiorização das mulheres no
enraizamento das mudanças das concepções sobre família. Através dos estudos
de etnólogos que os antecederam, a transição da família sindiásmica (casamento
entre homens e mulheres, sem coabitação, com prevalência da linhagem da mu-
lher para herança, onde tudo ficava para os irmãos/irmãs e sobrinhos da faleci-
da; os filhos do atual varão nada recebiam do que havia sido produzido dentro
dessa união) para a família monogâmica (casamento com coabitação exclusiva
entre um homem e uma mulher, constituindo-se num sistema independente de
consanguinidade, herança de pais para filhos) seria o grande demarcador políti -
co da submissão das mulheres aos homens. Esta família seria consequência da
propriedade individual, elemento central da estrutura social e, aí, o exercício da
sexualidade das mulheres foi reduzido a sua natureza reprodutiva, agora de her-
deiros desse proprietário. A vida delas foi sendo encaminhada para a reclusão e
46
www.canaldoassistentesocial.com.br 95
o confinamento dos papéis e funções de esposas devido ao controle da sua vida
sexual através da monogamia, reclusão e confinamento só e tão somente para o
segmento social feminino. 
Transformações estruturais dos pontos de vista econômico e político
profundamente articuladas com a reprodução da vida social e individual das fa-
mílias e de cada um de seus integrantes afetaram a todos. Historicamente, o
peso das desigualdades de gênero vai sendo institucionalizado, legitimado e na-
turalizado com maior carga para as mulheres, e materializado em todas as esfe-
ras da vida. Patriarcado instituído, demarca seus contornos, limites e império. 
Nessa trama sofisticada entre gênero, inferiorização das mulheres e pa-
triarcado, Saffioti (2009, p. 33) sinaliza o fato de o gênero ser constitutivo das
relações sociais desde sempre; haveria diferenças e não necessariamente sub-
missão das mulheres aos homens; e em termos de temporalidade essa condição
histórica teria durado em torno de 250 000 anos. O patriarcado, por sua vez, se-
ria um sistema criado, implantado e preservado pelos homens sobre as mulhe-
res há pelo menos 6 ou 7 milênios. A mestre ficou sintonizada com a denomi-
nação de ordem patriarcal de gênero, visto que incorpora o gênero, realizando
um processo de transformação de diferenças em desigualdades. Mesmo ocor-
rendo possíveis alterações conforme a fase histórica, econômica-política e cul-
tural e os determinantes sociais exigidos pelas forças produtivas, a natureza des-
se sistema permanece e com selo de validade ainda por vencer. 
Num salto histórico (olímpico) com o processo de criação do modo de
produção capitalista, a união perfeita entre essa economia e o patriarcado foi
sendo cristalizada, e a divisão sexual do trabalho foi sendo acirrada, indicando
ocupações de menor valorização econômica e social para as mulheres, com
maior jornada diária e baixa remuneração. Em paralelo à entrada no mercado
de trabalho remunerado, manteve-se o trabalho doméstico, o cuidado com os
familiares e a reprodução da prole, preservando-se a força de trabalho futura
e/ou herdeiros. 
No Brasil, vale demarcar que, no seu atraso à modernidade entre seus
520 anos de existência, durante a colonização (1500-1822) de Portugal e até
quase o final do Império (1822-1888), a força de trabalho escrava dos negros e
negras foi a mola motriz, sem nenhum direito a não ser a condição de mercado-
ria. A economia era centrada na produção agrícola de exportação e os submeti -
dos à escravidão realizavam todo o trabalho no engenho, desde o plantio da
cana até produção do açúcar, exercendo a maior parte do trabalho também na
agromanufatura e nos trabalhos exigidos no período da mineração. Parte das
negras eram postas no trabalho doméstico e, mesmo de amas de leite, submeti-
47
www.canaldoassistentesocial.com.br 96
das às esposas brancas dos patriarcas e a eles próprios. Negras escravizadas ain-
da podiam sofrer violência sexual de homens brancos. Patriarcado e racismo
eram reproduzidos numa simbiose histórica, das colônias africanas de Portugal,
desde 1444, para o Brasil, avançando também sobre os povos originários da
América, os indígenas. 
O tráfico humano de negros africanos se constituiu num negócio alta-
mente lucrativo para europeus colonizadores da América e, no Brasil, teve mai-
or intensidade no século XVIII, mesmo quando na Europa se têm os primór-
dios da industrialização (1750/Inglaterra) com a mecanização da produção, e as
lutas políticas revolucionárias (1789/França). 
Esse conjunto de transformações perpassa o próximo século acentuan-
do o processo de produção via industrialização, exigindo trabalhadores nas ci-
dades para ocuparem os empregos gerados. As máquinas aceleravam a produ-
ção, a distribuição e a comercialização de mercadorias, acentuando a possibili-
dade de concentração de lucros via exploração dos trabalhadores, e a dinâmica
da economia diferenciava-se com a institucionalização do modo de produção
capitalista. 
Em relação à governabilidade, a extinção dos reinados e impérios,a
formação dos Estados e a institucionalização da representação política via par-
lamento estavam sendo instaladas. Representação e poder antes dos aristocra-
tas, agora era dos homens comerciantes, empresários, fazendeiros, banqueiros,
proprietários e brancos. Constituía-se a burguesia, a elite dominante com direito
à cidadania e ao voto. Mulheres, crianças, idosos, negros, indígenas, pessoas
com deficiência, todos diferentes dos brancos, machos e proprietários dos mei-
os de produção, do capital, da distribuição das mercadorias, permaneciam com
direitos restringidos por essa elite patriarcal, capitalista e racista. 
A condição de trabalhado remunerado para as mulheres, mesmo que
precariamente, desde então proporcionou maiores possibilidades de reconheci-
mento político da extenuante dupla jornada de trabalho a que estavam expostas.
A submissão aos homens no mundo do trabalho era semelhante à da vida con-
jugal e familiar, sendo que a exigência do trabalho de lavar e passar roupas; faxi-
nar; comprar alimentos e outros produtos da vida em domicílio; organizar, pre-
parar os alimentos para a família inteira; ser amante e esposa do marido; criar e
educar os filhos, além da possibilidade de ser cuidadora responsável por familia-
res ou parentes adoecidos, permanecia inalterada. A monogamia e a reprodução
da força de trabalho estavam intactas nessa economia, garantia de dominação e
exploração das mulheres incontáveis vezes, fosse no mundo do trabalho, fosse
nas relações interpessoais. 
48
www.canaldoassistentesocial.com.br 97
As articulações entre a historicidade sedimentada do patriarcado, as dis-
criminações raciais e étnicas, acentuadas contra o “outro” ou o “diferente”, o
estabelecimento das disparidades entre as classes em formação (empresários e
trabalhadores), como pilastra sustentadora desse modo de produção, ou seja, a
tríade patriarcado, capitalismo e racismo vai sendo instituída com prevalência
sobre qualquer outra forma de economia e política. 
Esse rápido esboço histórico contribui para ilustrarmos a permanência
de fios condutores da violência de gênero praticada contra as mulheres nas dife-
rentes esferas da vida, mesmo havendo transformações políticas e econômicas.
Essas demarcações em si constituem em violência, pois a capacidade de auto-
nomia, de liberdade e de ser sujeito na sua integralidade estão violadas com as
restrições patriarcais instituídas compulsoriamente sobre o corpo e a vida sexual
e reprodutiva das mulheres, como o casamento e a família monogâmica. Esses
elementos são demarcadores políticos da predominância feminina inferiorizada,
e mesmo que as mulheres como categoria social tenham sido incorporadas no
trabalho de produção, mesmo que os planos democráticos fossem instituídos,
sua participação social e política girava em torno das relações interpessoais,
principalmente as da intimidade e familiares. 
Quase no final do século XIX, em 1888, o Brasil independente, único
país a manter a escravidão, libera os escravizados dessa condição de vida, sem
que com isso fosse delineado um projeto econômico que os incorporasse na
vida em sociedade, fosse nas cidades ou no campo. Todos tinham desenvolvido
aprendizagens diferenciadas e diversas em todos os processos de produção agrí-
cola, pastagem de animais, carpintaria, consertos de maquinários e de veículos
de transporte, preparação, armazenamento e cozimento de alimentos. Habilida-
des para o trabalho existiam, o que não existia era a decisão e a vontade política
de reconhecer essa força de trabalho com direito a remuneração e igualdade de
direitos aos brancos. O racismo estrutural, institucional, combinado com o pa-
triarcado e o modo de pensar capitalista, prevaleceu. 
Um século depois, em 1988, mulheres brasileiras, negras e brancas, de-
pois de muitas lutas sociais e organização política, conquistaram igualdade de
direitos políticos e civis em relação aos homens na nova Constituição Federal,
promulgada após um período de mais de duas décadas de ditadura e uma re-
cém-nascida diante dos possíveis sete milênios de ordem patriarcal de gênero. 
Direitos conquistados são definitivamente importantes, mas sua materi-
alização depende de uma maturidade histórica e ética em que as relações de po-
der entre os gêneros possam ser redimensionadas, também no interior das clas-
ses e na relação contraditória entre estas, assim como as discriminações raciais e
49
www.canaldoassistentesocial.com.br 98
étnicas possam ser reconhecidas nas suas dimensões estruturais, institucionais e
interpessoais. 
Os promotores das subversões de gênero, raça e etnia, ao reivindica-
rem sua inserção e reconhecimento político como sujeitos sociais, provocam
sustos, pequeníssimas fissuras nas relações de poder dominante, em que a mera
ameaça de perda provoca resistências de natureza conservadora, por exemplo, a
recusa das conquistas de igualdade de direitos. Para combater essa reação, deve
haver o reconhecimento das desigualdades de gênero e raciais na pauta das
agendas públicas, e a exigência de o Estado responder com ações afirmativas
para compensar esses prejuízos históricos, como as cotas para negros nas uni-
versidades, o combate e a tolerância zero ao racismo institucional; o exercício li-
vre da sexualidade e o reconhecimento da diversidade sexual, a descriminaliza-
ção do aborto, a prevenção e o combate a todas as formas de violência pratica-
da contra as mulheres e contra os segmentos LGTTQI+; visibilidade política
do abuso de autoridade e da arbitrariedade do sistema de justiça e segurança pú-
blica, ou dos políticos, governantes... 
Aqueles que detêm o poder político nas relações sociais estão sempre
em alerta e ativam processos de resistência constantemente, porque diminuir o
distanciamento entre o direito conquistado, sua escrita na letra da lei e a vida de
fato exige reconstituir patamares de negociação de acesso, conquista e redistri -
buição do poder. Somente os que vivem a dominação e exploração têm interes-
se em alterar essas desigualdades de poder, no entanto, é preciso romper com a
alienação enquanto requisito fundamental para alcançar esse objetivo. Deve ha-
ver conhecimento e reconhecimento intelectual e político dessa condição obje-
tiva de vida e a busca de estratégias com força social de enfrentamento, luta e
resistência pela garantia de direitos, pela revisão dos valores culturais conserva-
dores que impedem a efetiva participação social e política, buscando-se um di-
recionamento a outro projeto de sociedade, mais igualitária, ou melhor, equitati-
va. 
Violência e suas expressões são constitutivos dessa trama de disputa
pelo poder, na medida em que a dominação e a exploração de homens sobre as
mulheres, no que se refere ao gênero, atua como determinante político de raiz.
E, quando intrinsecamente articuladas à ostensividade desse domínio, via explo-
ração de uma classe sobre a outra, de brancos sobre negros, sobre os indígenas,
contra qualquer nação, Estado, sujeitos diferentes do pensamento masculino,
machista, branco e dominante, estamos em territórios violentos, concretos ou
simbólicos. 
50
www.canaldoassistentesocial.com.br 99
Violência doméstica e familiar praticada contra as mulheres
Quando se trata de violência doméstica e familiar, a tendência à sua pri-
vatização oferece resistências históricas, vez que sua inclusão no plano das rela-
ções e desigualdades de gênero a denunciam como expressão de violência estru-
turante das relações sociais. 
Scott (1990), Saffioti (1994; 1999) e Almeida (1998; 2007a) foram asser-
tivas sobre o imperativo das relações de poder desiguais entre os gêneros, entre
as gerações, entre brancos e negros e indígenas, entre as classes sociais como
estruturantes das relações sociais, sejam na esfera pública ou na esfera privada.
Mesmo havendo particularidades na vida em domicílio, seja entre familiares ou
sujeitos que vivem no mesmo espaço, tais relações integram os sujeitos e são a
eles transversais, tecendo uma trama complexa de malha fina, na qual discrimi-nações, preconceitos e violência são de difíceis identificação, reconhecimento e
visibilidade política no contorno do cotidiano. 
Nessa esteira, visibilidade e invisibilidade atuam como características
intrínsecas da violência doméstica e familiar, fato instigador de um investimento
maior para buscarmos diferenças e semelhanças, contradições e ambiguidades
entre essas conceituações e suas implicações para serem reconhecidas como
uma questão política e social. Ambas referem relações violentas, sendo que o
espaço do domicílio e mesmo fora deste denota o locus de materialização dessas
violências; mais do que isso, é um demarcador de um território físico e um ter-
ritório simbólico (SAFFIOTI, 1997) onde a violência ocorre, mesmo não ha-
vendo mais coabitação entre autores e vítimas de violência. 
Relações entre familiares ou moradores dos domicílios são, contradito-
riamente, de proteção e de desproteção. Têm raízes e trajetórias históricas entre
sujeitos conhecidos, seja pela parentalidade, seja na pareceria da intimidade, seja
pela convivência no mesmo espaço por amizade, por divisão de investimentos e
gastos diante da sobrevivência diária. 
Para Saffioti, 
Esse tipo de violência é possível graças ao estabelecimento de um territó-
rio físico e de um território simbólico, nos quais o homem detém prati-
camente domínio total. Seu território geográfico é constituído pelo espa-
ço do domicílio. Todas as pessoas que vivem sob o mesmo teto, vincula-
dos ou não por laços de parentesco ao chefe local, devem-lhe obediência.
(SAFFIOTI, 1997, p. 46)
51
www.canaldoassistentesocial.com.br 100
Nessa linha de raciocínio, historicamente, relembremos que mulheres
no emprego doméstico, principalmente as negras, poderiam ser alvo de discri-
minações e abuso sexual, desde a condição de escravizadas até a contempora-
neidade. Violência hoje que é mais evidenciada, denunciada, combatida e crimi-
nalizada, mesmo havendo resquícios da cultura patriarcal. O feminismo negro
radical tem ocupado os espaços públicos, os da mídia e das redes sociais para
manter vivo o combate ao racismo. 
A referida mestra demarca o fato de essa violência extrapolar o domicí-
lio, na medida em que autores de violência, principalmente parceiros íntimos,
controlam suas parceiras na ida ou na volta do trabalho, seja pela insistência de
sua companhia física, controle dos horários de ida e retorno do trabalho, telefo-
nemas às chefias causando-lhes constrangimento social. Com o advento da alta
tecnologia, esse controle passou para o celular, com o vasculhar mensagens e
contatos, o monitorar o conteúdo e a frequência nas redes sociais. Até mesmo a
revelação pública, em tempos de self e publicização da intimidade, de contatos
íntimos e fotos eróticas é utilizada para expor as mulheres, como uma demons-
tração de abuso de poder e para criar uma situação de humilhação pública.
Quando se trata de filhas/enteadas abusadas sexualmente, pais/padrastos po-
dem criar obstáculos à sua independência, seja pelo não consentimento de na-
moro, pelo controle dos horários da agenda diária de adolescentes e das amiza-
des. 
O território simbólico criado pelos sujeitos quando designam significa-
dos aos fatos, às coisas e às relações sociais têm num dos fertilizantes deste
solo, o abuso das relações de poder através da hierarquização via as bases his-
tóricas da ordem patriarcal de gênero e sua incorporação ao modo de produção
vigente. 
Na última década do século XX, ocorreram as Conferências Mundiais
promovidas pela ONU sobre questões transversais aos países-membros. Tomo
para destaque a de 1993, em Viena, que entre inúmeras decisões ficou marcada
pela regência da complementariedade solidária e pela irrevogabilidade. Reforço
as características dos direitos humanos de serem universais, inalienáveis (in-
transferíveis, inegociáveis), indivisíveis (violou um direito, todos estão violados)
e inter-relacionados e interdependentes2. Em AZAMBUJA e NOGUEIRA
2 Em março de 1993 foi divulgado o novo Código de Ética do Assistente Social
(resolução CFESS n. 273) numa sintonia fina com as lutas internacionais de direitos
humanos que fomentaram, em junho, a 3ª Conferência Mundial de Direitos Humanos,
em Viena. Pressupostos e princípios pautados no respeito à liberdade, à garantia de
direitos de todos sem discriminação de etnia, inserção de classe social, religião,
52
www.canaldoassistentesocial.com.br 101
(2008) há um deferimento especial sobre a mudança radical da ONU através da
Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres, proclamada
pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 48/104, de 20 de
dezembro de 1993 impondo aos governos a obrigação de zelar pela garantia
dos direitos das mulheres de viverem livres de violência. Estas autoras repor-
tam-se às pesquisadoras portugueses Vicente (2000), Lopes(2005) e
Monteiro(2005), suas conterrâneas, resgatando historicamente o caminho per-
corrido para o definitivo reconhecimento de toda e qualquer violência de gêne-
ro praticada contra as mulheres ser uma violação de direitos humanos. Toma-
mos a liberdade e a ousadia de sintetizar as demarcações realizadas pelas estudi-
osas no interior do artigo consultado:
Violência contra as mulheres significa qualquer ato de violência de gêne-
ro do qual resulte, ou possa resultar, dano ou sofrimento físico, sexual ou
psicológico para as mulheres, incluindo as ameaças de tais atos, a coação
ou a privação arbitrária de liberdade, que ocorra, quer na vida pública,
quer na vida privada. Caracteriza-se pelo uso e abuso de poder e controle
nas esferas públicas e privadas e está intrinsecamente ligada com os este-
reótipos de gênero que estão subjacentes e perpetuam tal violência. A vi-
olência contra as mulheres constitui uma expressão da relação de desi-
gualdade entre homens e mulheres. É uma violência baseada na afirma-
ção da superioridade de um sexo sobre o outro, nomeadamente, dos ho-
mens sobre as mulheres. Trata-se de um fenômeno que afeta toda a soci-
edade, devendo ser considerado o contexto social em que estes atos de
violência ocorrem. 
Na cidade do Cairo, em 1994, na Conferência Internacional sobre Po-
pulação e Desenvolvimento, ficaram estabelecidos os direitos sexuais e direitos
reprodutivos como direitos primordiais das mulheres sobre seus corpos, exercí-
cio da sexualidade e vida reprodutiva. Nesse mesmo ano houve a Convenção
Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher –
Convenção de Belém do Pará. Foi adotada em Belém do Pará, Brasil, em 9 de
junho de 1994, onde se definiu violência contra a mulher e, posteriormente, foi
referência para a elaboração da Lei Maria da Penha, lei 11.340 de 7 agosto de
2006 (Brasil, 2006). Entre as definições temos 
 
[...] entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta
baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou
nacionalidade, orientação sexual, identidade de gênero, idade e condição física.
53
www.canaldoassistentesocial.com.br 102
psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada. (Lei
13 140, 7/08/2006, artigo I)
Entende-se que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e
psicológica:
 
a.    ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qual-
quer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha comparti-
lhado ou não a sua residência, incluindo-se, entre outras formas, o estu-
pro, maus-tratos e abuso sexual;
 
b.      ocorrida na comunidade e cometida por qualquer pessoa, incluin-
do, entre outras formas, o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mu-
lheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no local de traba-
lho, bem como em instituições educacionais, serviços de saúde ou qual-
quer outro local; e
 
c.     perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que
ocorra. (BRASIL, 2006, artigo 2)
Em 1995, em Pequim, na Conferência Mundial de Mulheres, foram as-
similadas as decisõesdas anteriores, fez-se o reconhecimento da feminização da
pobreza pelo fato de 70% dos pobres serem mulheres, tornando-se definitiva a
garantia de direitos das mulheres contra qualquer forma de violência de gênero.
O Brasil participou de todas essas conferências, assinou e ratificou as declara-
ções e os acordos que fortalecessem, protegessem e defendessem os direitos
das mulheres à vida enquanto sujeitos de direitos na sua integralidade física,
mental, psíquica, ética, moral e política. Todas essas conferências foram reavali-
adas duas décadas depois, com a denominação de Cairo +20, Pequim +20 etc.
Em 1999, Saffioti, sintonizada com análises decorrentes dessas refle-
xões mundiais, publica suas reflexões sobre a historicidade, a gravidade, a natu-
ralização e a invisibilidade política e, principalmente, as particularidades da vio-
lência entre parceiros íntimos. Parece ter sido uma contestação da permanência
deste país desarticulado com esses tratados internacionais dos quais era signatá-
rio e, de forma irônica, fez uso da máxima popular afirmando que já se mete a
colher em briga de marido e mulher. Estabeleceu diferenças conceituais entre as
expressões de violência doméstica e familiar, no terreno da violência de gênero
e intrínseca às questões estruturais das relações sociais. 
54
www.canaldoassistentesocial.com.br 103
Historicamente, vale resgatar parte das características dessa modalidade
de violência, na medida em que o Estado brasileiro, entre 1995 e 2006, enqua-
drou-a na Lei n. 9099, a dos crimes de pequeno potencial ofensivo, julgados em Juiza-
dos Especiais Criminais, os de Conciliação, menorizando a complexidade e o
impacto perverso do fato de essa violência ser rotineira, repetitiva na vida das
mulheres e os demais familiares. 
Naquela década, existiam serviços pontuais, em diferentes municípios,
para o atendimento de mulheres em situação de violência e iniciativas de femi-
nistas que adentravam os governos municipais, principalmente, os denomina-
dos de administração democrática e popular, como o foi de Luiza Erundina na
capital de São Paulo, entre 1989 e 1992. Nesse período, criou-se a Coordenado-
ria Especial da Mulher e, dentro desta, a Casa Eliane de Grammont 3, em 1990.
O trabalho foi pioneiro, era de natureza sociorreflexiva, com vistas à assistência
o mais integral possível, ao respeito e ao reconhecimento da fala das mulheres,
criando uma sintonia com seu pedido de justiça. Estavam previstos a reeduca-
ção de gênero e o fomento de atividades preventivas e que dessem visibilidade
política a essa violência praticada contra as mulheres enquanto uma violação de
direitos humanos. 
Essa perspectiva de atendimento multiprofissional foi motivada por
avaliações sobre as delegacias especiais de atendimento às mulheres em situação
de violência, desde 1985, cuja importância era confirmada, mas ainda se mostra-
va insuficiente. Havia uma dinâmica das mulheres, com busca de ajuda através
do registro da denúncia, seguida de desistências e retornos num movimento
contínuo, conceitualmente definido anos adiante de “ciclo da violência domésti-
ca”, numa espiral de crescimento e de gravidade e de maior proximidade da
iminência do risco de morte. 
Nenhuma modificação na legislação penal havia ocorrido diante das es-
pecificidades dessa violência, e as mudanças culturais eram mínimas. A ausência
de uma política pública alinhavada pelo gênero e com serviços que respondes-
sem de forma integral para essas mulheres as empurrava para o campo do
medo – aquele que as tornava impotentes –, para o isolamento social e sem o
reconhecimento ético e político da violação de direitos a que estavam sendo
submetidas por pessoas de sua confiança e intimidade. Reconhecia-se só para
enfrentar e encontrar soluções e superar essa violência. 
3 Em 1997, analisei a criação desta Casa, enquanto uma semente de política pública,
dados seu pioneirismo e sua inovação, na minha dissertação de mestrado pela PUC-SP.
55
www.canaldoassistentesocial.com.br 104
A violência doméstica e familiar era registrada num Termo Circunstan-
ciado, restrito ao fato ocorrido e que havia motivado a busca de ajuda das mu-
lheres à delegacia especializada. Não haveria criminalização, e a violência enrai-
zada nas desigualdades de gênero seria “resolvida” numa mesa de conciliação
entre o autor e a vítima de violência, como se ambos estivessem em pé de igual-
dade nas relações de poder da vida de fato, cotidiana, em que estavam imersos
social e politicamente.
Se, por um lado, essa lei era reconhecida por sua celeridade sem fazer
uso da burocracia do processo criminal e de forma pioneira valorizava a fala da
vítima no direito penal do país, de outro, os resultados efetivos se restringiam a
advertências, e possíveis multas pagas pelo autor eram transformadas em doa-
ções a creches. O arquivamento dos autos era o destino comum em todas as si-
tuações denunciadas. Novos fatos, novos relatos, novas audiências de concilia-
ção – assim, a historicidade da violência era omitida pelo Judiciário. Ante o cri-
me de ameaça de morte, de difícil comprovação objetiva, aquele que retira a se-
gurança do ir e vir de qualquer sujeito, muito mais para mulheres que foram
ameaçadas por seu parceiro de vida, de intimidade, entrava-se em conciliação.
Agressor e vítima retornavam à mesma moradia. A violência era devolvida para
a individualidade das mulheres, com a anuência estatal, via Judiciário. 
Em contraponto a essa baixa ofensividade com que o Estado brasileiro
reconhecia a violência doméstica e familiar praticada contra as mulheres, com
ênfase nas parcerias íntimas, Saffioti (1999) fez demarcações importantes, como
a sua compreensão de que essa violência ocorre em relações afetivas e para isso
a ruptura necessitaria de intervenção externa. Mulheres nesse cotidiano têm di-
ficuldade de se desembaraçar do marido/autor da violência, principalmente se
considerássemos a não resposta estatal, a educação ou a domesticação de gêne-
ro por uma identidade mais afinada com a subalternidade, e a dependência afe-
tiva e econômica das mulheres na companhia de um parceiro homem. 
Mulheres lidariam mais com micropoderes, presentes nas relações coti-
dianas, decorrente do “desconhecimento e da ignorância sobre sua história
como mulher e das lutas e conquistas feministas”; elas não teriam livre acesso
aos macropoderes. Diante desses limites, socialmente, a estudiosa propôs alter-
nativas de superação, como: saber tecer a malha social entre os processos da
grande e macropolítica e a micropolítica – um desafio eterno, mas torná-las
conscientes disso aumentaria sua participação na política institucional. 
Segundo a autora, quando mulheres conseguem transitar nessas esferas
do poder, elas o fazem com sucesso, e foi possível observar essas conquistas
através da constituição das cotas nos partidos políticos; do incentivo às lideran-
56
www.canaldoassistentesocial.com.br 105
ças das mulheres nos movimentos sociais, das lutas contra o Estado diante das
mortes violentas (Mães de Maio/SP); de denúncias, mobilizações, ações, con-
quistas das mulheres negras e indígenas; das lutas contra a violência sexual, do
reconhecimento do assédio sexual. Mais recentemente, os depoimentos públi-
cos de celebridades artísticas internacionais, nacionais e blogueiras sobre os
abusos sexuais praticados por seus superiores, professores; a deflagração do
movimento Me too; além da nova legislação sobre esse abuso nos espaços públi-
cos, como a da importunação pública.
O Estado brasileiro foi sendo obrigado a realizar seu dever de casa, em
relação a sua Carta Magna e aos acordos internacionais, comprometendo-se, em
termos de responsabilidade, em coibir, prevenir a violência doméstica e familiar,
segundo a violência de gênero, via Lei n. 11.340, em agosto de 2006 (BRASIL,
2006), que, mais do que criminalizar, tem em seu bojo criar um freio social ao
abuso de poder dos homens sobre as mulheres, estabelecer um direcionamento
ético e político de divisãode responsabilidades e ações para cada um poderes
públicos diante dessa violência, assim como o reconhecimento, em 2015, do fe-
minicídio. 
Mesmo que em termos de direitos legais tenha havido esse reconheci-
mento, teoricamente é importante avançarmos na compreensão dessa violência
em função de todo o enraizamento histórico demonstrado. 
Na continuidade dessas reflexões no terreno da violência de gênero,
Saffioti aponta que ela, nas “modalidades familiar e doméstica, não ocorre alea-
toriamente, mas deriva de uma organização social de gênero que privilegia o
masculino” (SAFFIOTI, 1999, p. 86), em que a distribuição do espaço e do
tempo para homens e mulheres é desigual e com prejuízo para elas, já que os
espaços e tempos delas no domicílio efetivam-se, ainda e prioritariamente, no
trabalho doméstico e nos cuidados com a prole, em detrimento dos espaços e
do tempo possíveis para a privacidade e o ócio. 
SAFFIOTI segue em sua análise afirmando não haver 
[...] duas esferas: uma das relações interpessoais [...] e outra das relações
estruturais [...]. Não existe a classe social como entidade abstrata. Uma
classe social negocia com outra através de seus representantes, que tam-
pouco são entidades abstratas, mas pessoas. Todas as relações humanas
são interpessoais, na medida em que são agenciadas por pessoas, cada
qual com sua história singular de contactos sociais. Por mais que desejem
desvincular-se desta história para representarem sua classe, seu passado e
sua singularidade pesam tanto que se chamam alguns de bons negociado-
57
www.canaldoassistentesocial.com.br 106
res e outros de maus negociadores. [...] Afirmar que as relações de gêne-
ro são relações interpessoais significa singularizar os casais, perdendo de
vista a estrutura social e tornando cada homem inimigo das mulheres.
[...] Em outros termos, nunca é demais realçar, o gênero é também estru-
turante da sociedade, do mesmo modo que a classe e a raça/etnia. [...] O
privilegiamento da classe social obscurece as demais clivagens existentes
na sociedade. (SAFFIOTI, 1999, p. 86)
Outro elemento importante é a patologização dos agressores. “Interna-
cionalmente falando, apenas 2% dos agressores sexuais, por exemplo, são doen-
tes mentais, havendo outro tanto com passagem pela psiquiatria”
(SAFFIOTI,1999). Transtornos mentais, dependência química de álcool e dro-
gas poderiam ser considerados detonadores, mas sua absolutização nos levaria a
eliminar as desigualdades de gênero e sua hierarquização construídas socialmen-
te e incorporadas nas relações interpessoais, como as domésticas e familiares. 
Com relação ao poder, SAFFIOTI, a mestra faz o destaque sobre suas
duas faces, a da potência e a da impotência (SAFFIOTI, 1999; ALMEIDA;
SAFFIOTI, 1995). Mulheres seriam educadas para a impotência. Homens seri-
am socializados a reconhecerem a potência no exercício de acessar, conquistar e
abusar do poder associado à força. Por essa razão, não saberiam conviver com
as situações de impotência, como o desemprego, que no contexto da violência
doméstica, poderia se relacionar a um fracasso, à impotência em cumprir seu
papel de provedor, marcador político e social de seu poder e virilidade nesse es-
paço da vida, sobrando o uso da força. 
Frequentemente, no atendimento de mulheres em situação de violência,
ouve-se o relato sobre episódios e cenas de violência na esteira do fato de essas
mulheres buscarem alternativas de sobrevivência para o cotidiano, procurando
suprir as necessidades do dia a dia com vendas de produtos cosméticos na vizi -
nhança e no local de trabalho e a assunção de outras atividades extras e remu-
neradas diante das dificuldades financeiras e, até mesmo, do uso abusivo de ál-
cool de seus parceiros frente ao desemprego. Estes, por sua vez, desenvolviam
sentimentos de desconfiança sobre as capacidades e iniciativas das companhei-
ras, sempre as menosprezando. Não tendo objetividade nas críticas, as ofensas
machistas partiam para o campo da moral com desconfianças, suspeitas sobre a
quebra da fidelidade conjugal, mesmo que os homens já a tivessem rompido em
outras situações. 
Saffioti e Almeida foram e são autoras referenciais sobre as conceitua-
ções gênero, violência de gênero, violência doméstica, violência familiar e a pra-
58
www.canaldoassistentesocial.com.br 107
ticada contra as mulheres; por vezes, esses conceitos eram e são utilizados
como sinônimos, mas não o são. Lembramos que tais reflexões desta pesquisa-
dora pioneira nos estudos feministas no país se deram no final do século passa-
do e ainda no calor das conquistas de direitos para as mulheres, no plano inter -
nacional.
As concepções da mestre carioca, publicadas em 2007, quase uma déca-
da depois da sua produção, ocorreram num período em que a Lei Maria da Pe-
nha, escrita por juristas feministas com ampla consulta nacional e referenciada
na violência de gênero, foi aprovada e começou a ser implantada, em substitui-
ção a qualquer forma de classificação dessa violência como de pequena ofensi-
vidade às mulheres. A Lei criminalizou essa violência, e causou e causa polêmi-
cas, porque diferenciou as mulheres, no universo da igualdade formal de direi-
tos entre homens e mulheres, quando na condição de vítima de violência do-
méstica e familiar. Responsabilizou e regulamentou a presença do Estado no es-
paço privado, tornando-o público do ponto de vista da defesa dos direitos das
mulheres. 
Por sua vez, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), em implan-
tação desde 2004, materializava a política nacional de assistência social, mas não
explicitava a incorporação das concepções de gênero, raça/etnia na sua estrutu-
ração, nem concepções, normas, indicações metodológicas de intervenção... A
prioridade definida na LOAS, lei 8742 de 7 de dezembro de 1993 (Brasil, 1993)4
considera os critérios geracionais: crianças, adolescentes e idosos; as pessoas
com deficiência; a população em situação de rua; e todas as vítimas de violência
doméstica e familiar. 
As mulheres, enquanto vítimas de violência doméstica e familiar, foram
incorporadas, como tinha sido definido no artigo 226 da CF de 1988, no con-
junto dessas vítimas. Essa incorporação destoava das demarcações teóricas, his-
tóricas e políticas sobre as particularidades das desigualdades e da violência de
gênero praticada contra as mulheres, que fomentaram e foram referendadas em
todas as declarações e em todos os tratados internacionais de defesa dos direi-
tos das mulheres. 
Almeida (2007), em suas análises, defendia a incorporação da violência
de gênero na agenda das políticas públicas, na medida em que conquistas, meto-
dologias sob a perspectiva do gênero, em andamento nos serviços especializa-
4 Relembrando ser o mesmo ano da primeira Declaração Internacional de Direitos
Humanos que reconhecem a violência de gênero e impõe aos governos a busca de
superações dessa condição de subalternidade política, econômica, social, histórica e
cultural das mulheres no planeta.
59
www.canaldoassistentesocial.com.br 108
dos, e as iniciativas da recém-criada Secretaria Nacional de Políticas para as Mu-
lheres, em 2003, poderiam ser esvaziadas com a capilaridade do SUAS e o pos-
sível risco de domínio dessa perspectiva assistencial sem a inclusão das referên-
cias teóricas de gênero, enquanto perspectiva de maior alcance para a garantia
universal de direitos com respeito às diferenças e desigualdades. 
Enquanto no esteio teórico de Saffioti o poder patriarcal é encarnado
na vida em família ou doméstica e a lógica da obediência hierárquica, combina-
da com as desigualdades de gênero – ordem patriarcal de gênero –, prevaleceria
sobre tudo e todos, Almeida (2007), no mesmo terreno materialista, histórico e
dialético que sua orientadora de doutorado e parceira de publicação, apresenta
algumas nuances. Uma destas é sua pontuação do espaço doméstico como um
locus de execução da violência:
[...] é uma noção especializada, que designa o que é próprio à esfera pri -
vada – dimensãoda vida social que vem sendo historicamente contra-
posta ao público, ao político. Enfatiza, portanto, uma esfera da vida, in-
dependentemente do sujeito, do objeto ou do vetor da ação. (ALMEI-
DA, 2007, p. 23)
Em relação à violência familiar, mesmo não se diferenciando sobrema-
neira de Saffioti, a professora da UERJ se valeu da conceituação do Ministério
da Saúde (BRASIL, 2001, p. 15-16):
A violência intrafamiliar é toda ação ou omissão que prejudique o bem-
estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno
desenvolvimento de outro membro da família. Pode ser cometida dentro
ou fora de casa por algum membro da família, incluindo pessoas que
passam a assumir função parental, ainda que sem laços de consanguini-
dade, e em relação de poder à outra. [...] não se refere apenas ao espaço
físico onde a violência ocorre, mas também às relações em que se cons-
trói e efetua.
E nesta modalidade acentua que a produção e a reprodução endógenas
da violência “se processam por dentro da família [...] marcando que [...] o sujei-
to e o objeto da ação não são determinados na estrutura do poder familiar o ve-
tor da ação é diluído” (ALMEIDA, 2007, p. 24).
No percorrer dessa análise, apesar de não considerar suficiente essa
conceituação, destaca-se o fato de que a “[...] família é a estrutura sexuada, por
excelência, no seio do qual a subordinação das mulheres e das crianças foi – e
60
www.canaldoassistentesocial.com.br 109
se mantém – jurídica e politicamente instituída” (LOUIS, 2000, p. 11 apud Al-
meida, 2017) “[...] vincular a violência a essa instituição possibilita pensar nos
seus mecanismos de perpetuação de processos de subordinação das referidas
categorias.” (ALMEIDA, 2007, p. 25)
A autora reconhece que as definições de violência doméstica e familiar
desmistificam o caráter santificado da família e a noção de imutabilidade do es-
paço privado: “família pode ser uma instituição violenta, a despeito dos laços de
afeto [...]” (ALMEIDA, 2007p. 25). E enfatiza, assim como Saffioti (1999,
2009), que “não há cisão entre as esferas pública e privada, o que pode ser valo-
rado positivamente na perspectiva de se assegurarem direitos” (Almeida, 2007).
Em relação à violência contra as mulheres, Almeida (2007), acentua que
essa concepção define o alvo; não teria sujeitos, só o objeto da ação, acentua o
lugar da vítima, e da mulher, como preferenciais e, principalmente, demarca a
unilateralidade em detrimento do caráter relacional da violência. 
Propõe para a superação dos limites dessas conceituações a violência
de gênero, destacando que esta teria maior neutralidade e se distanciaria da do-
minação patriarcal; seria a única com maior capacidade explicativa, teórica e his-
tórica, desarticulada das noções descritivas das anteriores. Sustenta-se em sua
perspectiva considerando o gênero em sua dupla dimensão do ponto de vista
de categoria: a analítica e a histórica: 
[...] é uma categoria que potencializa a apreensão da complexidade das
relações sociais, em nível mais abstrato. [...] é uma categoria analítica. [...]
relações de gênero apresentam-se como um dos fundamentos da organi-
zação da vida social – ao longo da história, vêm sendo estruturados luga-
res sociais sexuados, a partir das dicotomias público-privado, produção x
reprodução, político x pessoal [...] desigualdades sociais – são também
uma categoria histórica (ALMEIDA, 2007, p. 26)
Avança nas análises reforçando: 
A violência de gênero só se sustenta em um quadro de desigualdades de gênero. [...]
integram o conjunto das desigualdades sociais estruturais [...] no marco
do processo de produção e de reprodução das relações fundamentais –
as de classe, étnico-raciais e de gênero. [...] podem-se agregar as geracio-
nais, visto que não correspondem tão somente à localização dos indiví-
duos em determinados grupos etários, mas também à localização do su-
jeito na história, na ambiência cultural de um dado período, na partilha
ou na recusa dos seus valores dominantes, nas suas práticas de sociabili-
61
www.canaldoassistentesocial.com.br 110
dade. O conjunto complexo e contraditório dessas relações, que se po-
tencializam mutuamente, coloca limites e abre possibilidades às práticas
sociais dos sujeitos individuais e coletivos. (grifo do autor / ALMEIDA,
2007, p. 27)
Além disso, afirma que as desigualdades de gênero são fundadas e fe-
cundam-se a partir da matriz hegemônica de gênero, a binária, a das concepções
dominantes de masculinidade e feminilidade que se movimentam e se alteram
nas disputas simbólicas e materiais elaboradas por dentro das instituições que
no processo de reprodução social são incontestáveis, como a família, a escola, a
igreja e os meios de comunicação, e ainda são materializadas nas relações de tra-
balho, nas sindicais, na divisão sexual do trabalho em diferentes esferas da vida
e nas organizações da sociedade (ALMEIDA, 2007).
Nessa dinâmica, vai demarcando o caráter relacional e ainda hierarqui-
zado da violência de gênero entre homens e mulheres, haja vista sua inserção
desigual nas estruturas sociais e familiares. 
Enfatiza também o fato de a violência física não se sustentar sem a vio-
lência simbólica, na medida em que esta é acionada para legitimar as ações ou
relações de força. Nas parcerias íntimas, a violência de gênero teria a dimensão
simbólica potencializada porque se realiza nesse espaço fechado e ambíguo,
mais denso em valores e moral, onde as categorias de conhecimento e de reco-
nhecimento do mundo seriam mais afinadas, teriam mais peso com as emoções
do que com a racionalidade. Articulam-se o medo, o sentimento de vergonha, a
culpa, a dor, a indignação, emoções que, uma vez juntas, podem dificultar a lei-
tura, as análises e avaliações para enfrentar a violência e planejar possíveis saídas
(ALMEIDA, 2007).
Os prejuízos de viver em relações violentas, em processos de subordi-
nação e dependência de forma sistemática, podem desenvolver o desamparo
apreendido, enquanto impacto da violência na produção da passividade, expres-
sa via depressão e ansiedade, em função da incorporação, por parte das mulhe-
res, da culpabilização que lhes foi imposta e por elas absorvida (ALMEIDA,
2007). Esses são alguns dos marcadores de cronificação da violência de gênero
nos relacionamentos íntimos, e seus impactos na saúde das mulheres, provocan-
do ainda solidão/isolamento; desgaste emocional, confusão mental...
62
www.canaldoassistentesocial.com.br 111
Considerações finais
Nós, mulheres, entramos neste século com muitas conquistas de direi-
tos civis, legais e políticos, nos planos internacional e nacional. Os apontamen-
tos feitos neste texto são centrados em duas autoras: uma, socióloga, advogada,
pesquisadora primeira destas terras sobre a violência de gênero praticada contra
as mulheres, principalmente a doméstica e familiar, sob a perspectiva das desi-
gualdades de gênero, professora Saffioti. 
A outra, a professora Almeida, assistente social e doutora em Ciências
Sociais, articulada entre pesquisa, ensino e extensão, pela UFRJ, sobre essa mes-
ma violência e as desigualdades de gênero, ampliando o espectro de suas análi-
ses para as mulheres em todas as esferas da vida, seja no espaço das relações fa-
miliares e domésticas, no pioneirismo das reflexões sobre feminicídio (1996) e
no espaço público via pesquisa sobre a organização das mães cariocas quando
se posicionaram e lutaram publicamente contra as forças autoritárias do Estado
brasileiro quando agentes estatais executaram jovens, adultos, moradores das
comunidades em homicídios coletivos, chacinas, na década de 1990, no Rio de
Janeiro. Registrou e analisou a força do gênero feminino subalternizado e a ca-
pacidade das mulheres de se constituírem em sujeitos políticos, protagonistas
das denúncias e do acompanhamento detalhado do andamento dos processos
criminais em que havia o registro das execuções de seus familiares. 
A produção destas referências teóricas e políticas é fundamental e sub-
sidia a elaboraçãode diretrizes, políticas, serviços, projetos e ações de profissio-
nais de natureza interdisciplinar que visam a socialização desse conhecimento
através do incentivo aos processos reflexivos de reeducação de gênero, numa
perspectiva social, coletiva e individual com o propósito de criar fissuras e rup-
turas com as formas conservadoras e tradicionais de naturalização das desigual-
dades e da violência de gênero. 
As desarticulações entre as políticas sociais e o sistema de segurança e
justiça, identificadas, assim como os movimentos ambíguos e contraditórios no
interior de cada uma das políticas de segurança pública, da defensoria e do mi-
nistério público, mais o Judiciário, atuam como fertilizantes das resistências so-
ciais, das burocracias e dos aprisionamentos nas formalidades e superficialida-
des das respostas estatais diante da realidade perversa da violência doméstica e
familiar, anunciada diariamente.
Valores culturais e morais centralizados na ordem patriarcal do gênero
permanecem nos subterrâneos das relações sociais/interpessoais, nas institui-
63
www.canaldoassistentesocial.com.br 112
ções e nas organizações e podem ser acionados no cotidiano, orientando e defi-
nindo no poder a capilaridade das intervenções e o esvaziamento ou a potência
das desigualdades e da violência de gênero no exercício cotidiano da vida. 
Adentrar nesse campo de mediações, na esfera das políticas públicas,
no seu percurso de materialização e no fazer diário profissional, pode ser uma
alternativa importante para se conhecer de forma mais aprofundada mecanis-
mos de produção e de reprodução da violência, e para criar, em acordo com os
princípios éticos, os canais de ruptura desse processo de violação de direitos.
Referências 
ALMEIDA, S. S. de. Femicídio: algemas (in)visíveis do público privado. Rio 
de Janeiro: Revinter, 1998
_______. Essa violência mal-dita. In: ALMEIDA, S. A. (org.) Violência de gê-
nero e políticas públicas. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2007.
AZAMBUJA, M. P. R. de; NOGUEIRA, C. Introdução à violência contra as 
mulheres como um problema de direitos humanos e de saúde pública. Saúde e 
Sociedade, São Paulo, v. 17, n. 3, p. 101-112, set. 2008.  Disponível em: 
<http://www.scielo.br>. Acesso em: 5 jan. 2020.  
BRASIL. Lei nº 8742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização
da Assistência Social e dá outras providências. Disponível em: <http://www.-
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742>.Acesso em: 12 dez. 2020.
______. Lei n. 9099 de 26 de setembro de 1995. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm > Acesso em: 12 dez 2020. 
______. Lei 13 140, de 7 de agosto de 2006. <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm > acessado em 12 dez 2020
______. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Violência intrafa-
miliar: orientações para prática em serviço / Secretaria de Políticas de Saúde. – 
Brasília: Ministério da Saúde, 2001.
OEA. CONVENÇÃO Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violên-
cia contra a Mulher, “Convenção de Belém do Pará”. Aprovada pela Assembléia
Geral da Organização dos Estados Americanos em 9 de junho de 1994 e ratifi-
cada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995.Belém (PA) 1994. Disponível em:
<http://cidh.org/Basicos/Portugues/m.Belem.do.Para.htm>. Acesso em: 15 
jan. 2020.
64
www.canaldoassistentesocial.com.br 113
http://cidh.org/Basicos/Portugues/m.Belem.do.Para.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm%20acessado%20em%2012-12-30
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm%20acessado%20em%2012-12-30
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm%20acessado%20em%2012-12-30
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742%3E.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742%3E.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742%3E.
http://www.scielo.br/
DECLARAÇÃO sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres, procla-
mada pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 48/104, de 20
de dezembro de 1993. Disponível em: <https://popdesenvolvimento.org/pu-
blicacoes/temas/descarregar- ficheiro.html?path=4%29+Direitos+Humanos 
%2Fc%29+G%C3%A9nero%2FDeclara%C3%A7%C3%A3o+Sobre+A+Eli-
mina%C3%A7%C3%A3o+Da+Viol%C3%AAncia+Contra+As+Mulhe-
res.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2020.
FORTES, R. V. Gênese social e atualidade dos processos de inferiorização da 
mulher em Marx, Engels e Lukács. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 21, n. 3,
p. 441-451, nov. 2018. Disponível em: <https://www. periódicos.ufsc.br >. 
Acesso em: 6 jan. 2020.
IANNI, O. Capitalismo, violência e terrorismo. Rio de Janeiro: Civilização 
Brasileira, 2004.
SAFFIOTI, H. I. B. Violência de gênero no Brasil contemporâneo. In SAFFI-
OTI, H.I.B. e MUÑOS-VARGAS, M. Mulher brasileira é assim. Rio de Ja-
neiro: Rosa dos Tempos: NIPAS: Brasília, D.F.: UNICEF, 1994. p 151-185
______.; ALMEIDA, S.S. Violência de gênero: poder e impotência. Rio de 
Janeiro: Revinter, 1995
______,H. I. B. Violência doméstica ou a lógica do galinheiro. In: KUPSTAS, 
M (org.). Violência em debate. São Paulo: Moderna, 1997. p. 39-57.
______, H.I.B. Já se mete a colher em briga de marido e mulher. São Paulo 
Perspec., São Paulo, v. 13, n. 4, p. 82-91, dez. 1999. Disponível em: <http://
www.scielo.br>. Acesso em: 3 jan. 2020.  
______,H.I.B. Ontogênese e filogênese do gênero: ordem patriarcal de gênero 
e a violência masculina contra as mulheres. In: Série Estudos e Ensaios/Ciên-
cias Sociais/ FLACSO. Brasilia: FLACSO – junho 2009. Disponível em: 
<www.flacso.redelivre.org.br >. Acesso em: 6 jan. 2020.
65
www.canaldoassistentesocial.com.br 114
http://www.flacso.redelivre.org.br/
http://www.scielo.br/
http://www.scielo.br/
https://popdesenvolvimento.org/publicacoes/temas/descarregar-ficheiro.html?path=4)+Direitos+Humanos%2Fc)+G%C3%A9nero%2FDeclara%C3%A7%C3%A3o+Sobre+A+Elimina%C3%A7%C3%A3o+Da+Viol%C3%AAncia+Contra+As+Mulheres.pdf
https://popdesenvolvimento.org/publicacoes/temas/descarregar-ficheiro.html?path=4)+Direitos+Humanos%2Fc)+G%C3%A9nero%2FDeclara%C3%A7%C3%A3o+Sobre+A+Elimina%C3%A7%C3%A3o+Da+Viol%C3%AAncia+Contra+As+Mulheres.pdf
https://popdesenvolvimento.org/publicacoes/temas/descarregar-ficheiro.html?path=4)+Direitos+Humanos%2Fc)+G%C3%A9nero%2FDeclara%C3%A7%C3%A3o+Sobre+A+Elimina%C3%A7%C3%A3o+Da+Viol%C3%AAncia+Contra+As+Mulheres.pdf
https://popdesenvolvimento.org/publicacoes/temas/descarregar-ficheiro.html?path=4)+Direitos+Humanos%2Fc)+G%C3%A9nero%2FDeclara%C3%A7%C3%A3o+Sobre+A+Elimina%C3%A7%C3%A3o+Da+Viol%C3%AAncia+Contra+As+Mulheres.pdf
https://popdesenvolvimento.org/publicacoes/temas/descarregar-ficheiro.html?path=4)+Direitos+Humanos%2Fc)+G%C3%A9nero%2FDeclara%C3%A7%C3%A3o+Sobre+A+Elimina%C3%A7%C3%A3o+Da+Viol%C3%AAncia+Contra+As+Mulheres.pdf
48 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 121, p. 48-65, jan./mar. 2015
Serviço Social e avaliações de negligência: 
debates no campo da ética profissional
Social Work and evaluations of negligence: 
discussions in the field of professional ethics 
Thais Peinado Berberian*
Resumo: As avaliações realizadas pelos assistentes sociais sobre 
situações de suspeita de negligência contra criança e adolescente 
compõem o cerne desta reflexão. A investigação sobre o uso, o próprio 
conceito utilizado e as implicações quando há a afirmativa de uma 
situação de negligência são debatidas neste artigo sob a luz da ética 
profissional.
Palavras-chave: Negligência. Serviço Social. Criança e adolescente. 
Ética profissional.
Abstract: Assessments carried out by social workers on cases of suspected neglect against children 
and adolescents reviews comprise the core of this reflection. Research on the use, the concept used and 
the implications when there is affirmativea situation of neglect are discussed in this article in the light 
of professional ethics.
Keywords: Neglect. Social Work. Children and adolescents. Professional ethics service.
* Mestre em Serviço Social na PUC-SP, Brasil. E-mail: thaisberberian@yahoo.com.br.
http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.013
www.canaldoassistentesocial.com.br 115
49Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 121, p. 48-65, jan./mar. 2015
1. Serviço Social e o campo da infância e juventude
O presente texto apresenta como objetivo central trazer para o deba‑te algumas reflexões sobre o uso do conceito negligência pelo Serviço Social, especialmente nas intervenções com crianças e adolescentes. A investigação sobre o provável uso recorrente e 
viciado deste termo pela categoria profissional, com cunho moralista, para 
designar diversas situações de desproteção contra crianças e adolescentes se 
revelou como tema de estudo emergente e relevante, visto a incipiente produção 
do Serviço Social nesta temática.1
O Serviço Social apresenta significativa inserção de profissionais na área 
da infância e juventude. Constitui-se como uma das profissões de referência 
nesse setor e legitima-se historicamente para desenvolver suas atividades nessa 
temática na luta pela garantia de direitos.
O compromisso social com a defesa dos direitos da criança e do adoles‑
cente, que teoricamente deve ser compartilhado pela família, comunidade, so‑
ciedade em geral e pelo poder público, conforme prevê o Estatuto da Criança 
e do Adolescente (ECA), revela a concepção da infância como uma fase de 
fragilidade e, portanto, de necessário suporte e proteção ofertados pelos adultos.
A infância, tida como um dos segmentos sociais que ocupa a centralidade 
no debate contemporâneo em vista da luta pela garantia de direitos legalmente 
assegurados, é compreendida nesta reflexão como uma forma de ser socialmen‑
te construída, a partir das transformações societárias e das novas demandas 
surgidas do movimento da história.
A partir da observação empírica do cotidiano de trabalho do assistente 
social na esfera da infância e juventude, no que tange à demanda profissional 
para avaliação de suspeita de negligência contra criança e adolescente, observamos 
1. Os apontamentos e reflexões aqui apresentados são frutos de dissertação de mestrado Serviço Social 
e avaliações de “negligência” contra criança e adolescente: debates no campo da ética profissional, defen‑
dida em outubro de 2013 no Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da PUC-SP, sob orien‑
tação da profa. dra. Maria Lúcia Silva Barroco. Seu ponto de partida foi dado pelas inquietações oriundas da 
prática profissional, com a possibilidade de serem acolhidas e remetidas ao plano da reflexão crítica, por meio 
de um processo investigativo e sistemático, sob a luz do método marxiano.
www.canaldoassistentesocial.com.br 116
50 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 121, p. 48-65, jan./mar. 2015
que um mesmo evento é capaz de mobilizar pareceres diferentes entre os mem‑
bros da equipe, não permitindo deixar claro quais são os recursos e métodos 
utilizados pelos profissionais para a definição, em um atendimento, da negli‑
gência. Essa situação se revelou em nossa prática na medida em que apreende‑
mos uma diversidade de condutas entre os profissionais acerca de ocorrências 
semelhantes envolvendo suspeitas de negligência.
Percebemos no trabalho profissional a repetição de uma prática que define 
diferentes eventos envolvendo os sujeitos a partir do conceito negligência, sem 
a radical problematização e reflexão do conteúdo desse conceito e da forma de 
seu uso. Essa observação do cotidiano profissional também possibilitou a iden‑
tificação de que, por vezes, situações são entendidas como negligência sem 
qualquer recorrência à totalidade desses sujeitos, desconsiderando sua concre‑
ta inserção em uma sociedade que é real e se configura de maneira objetiva, 
com rebatimentos objetivos.
Famílias que vivem e convivem em condições-limite de vida e sobrevi‑
vência, muitas vezes perpassadas pelo uso/abuso de drogas, desemprego/su‑
bemprego, exposição às diversas manifestações de violência, fragilidade dos 
vínculos familiares, entre outros desdobramentos da questão social, frequente‑
mente são questionadas pelos profissionais acerca da capacidade protetiva em 
relação a suas crianças e adolescentes, ocupando então um lugar de completa 
responsabilização pela oferta de cuidados e serviços a esses sujeitos, sem trazer 
para o debate a fundamental presença do Estado como provedor de um sistema 
de garantia de direitos.
Nesse contexto, passamos a observar um direcionamento profissional que 
tende a desvalorizar as condições reais existentes que interferem na capacidade 
dessas famílias de proteger suas crianças e, com isso, uma tendência a qualificar 
essas situações como situações de negligência, conforme problematizado por 
Fávero (2007, p. 161):
O poder saber profissional pode ter direcionamentos distintos, a depender da 
visão de mundo do profissional e de seu (des) compromisso ético. [...] A culpa‑
bilização pode traduzir-se, em alguns casos, em interpretações como negligên‑
cia, abandono, violação de direitos, deixando submerso o conhecimento das 
determinações estruturais ou conjunturais, de cunho político e econômico, que 
www.canaldoassistentesocial.com.br 117
51Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 121, p. 48-65, jan./mar. 2015
condicionam a vivência na pobreza por parte de alguns sujeitos envolvidos com 
esses supostos atos.
Esse apontamento, aliado à nossa constatação, resultante da prática pro‑
fissional, traz uma questão central para esta reflexão: na medida em que fatores 
tão concretos não estão sendo considerados no momento da intervenção profis‑
sional em avaliações de suspeita de negligência, quais outros elementos se fazem 
presentes para a fundamentação de determinada conduta profissional?
Diversas indagações também compõem o cenário de problematização 
dessa temática, sendo algumas delas: Quais são os critérios para definir que 
alguém é negligente? Eles são objetivos ou decorrem apenas de uma avaliação 
moral? Sendo uma atribuição negativa, contém um julgamento de valor; logo, 
não há como dizer que a moral não esteja presente. Além da moral, existem 
outros critérios objetivos? Quais são? A avaliação moral está pautada nos 
princípios do Código de Ética Profissional?
Diante de tantas indagações, uma observação relevante que norteou nossas 
aproximações ao tema é que, antes de tudo, trata-se de uma ação profissional 
que deve ser debatida no âmbito da ética profissional e do preconceito moral 
que pode estar inscrito no exercício da profissão. O termo preconceito aqui é 
conceituado como
uma forma de reprodução do conformismo que impede os indivíduos sociais de 
assumirem uma atitude crítica diante dos conflitos, assim como uma forma de 
discriminação, tendo em vista a não aceitação do que não se adequa aos padrões 
de comportamento estereotipados como “corretos” (Barroco, 2005, p. 47).
Vale ressaltar que a cotidianidade, entendida como o campo privilegiado 
de reprodução da alienação, dada as suas principais características como a hete-
rogeneidade, repetição acrítica dos valores e a assimilação rígida dos preceitos 
e modos de comportamento, também abre espaço para o moralismo, movido 
por preconceitos:
Nos preconceitos morais, a moral é objeto de modo direto... Assim, por exemplo, 
a acusação de “imoralidade” costuma juntar-se aos preconceitos artísticos, 
www.canaldoassistentesocial.com.br 118
52 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 121, p. 48-65, jan./mar. 2015
científicos, nacionais etc. Nesses casos, a suspeita moral é o elo que mediatiza a 
racionalização do sentimento preconceituoso. (Heller, 2000, p. 56).
A partir dessas considerações iniciais, percebemos que as avaliações de 
negligência apresentam evidente relevância enquanto problema a ser investi‑
gado, reforçado pelo fato de se apresentarem no interior de uma incipiente 
discussão crítica e teórica na produção doServiço Social, apesar de os assis‑
tentes sociais estarem diretamente relacionados a essas situações e inseridos 
nos espaços sócio-ocupacionais, onde são demandados a se posicionar diante 
de denúncias de negligência.
1.1 Aproximações ao conceito negligência
Para Guerra (1997, p. 45), a atenção voltada para a discussão da negligên‑
cia ainda é menor quando comparada a outros tipos de violência, pois:
Os estudos a ela [negligência] relativos são de cunho mais recente porque enfren‑
taram dificuldades básicas de conceituação, uma vez que é preciso observar até 
que ponto um comportamento é negligente ou está profundamente associado à 
pobreza das condições de vida. Numa sociedade capitalista, onde a opressão 
econômica impera, as dificuldades de se abordar um fenômeno, que pode trazer 
à tona esta mesma opressão, estão presentes entre os pesquisadores.
Em investigação dos trabalhos publicados sobre o tema, a percepção de que 
o fenômeno da negligência não é recente e que se configura como uma das prin‑
cipais modalidades de violência contra crianças e adolescente foi recorrente. O 
entendimento de que se trata de um fenômeno complexo assim como a indicação 
de que a negligência não pode ser entendida apenas no contexto restrito das 
práticas internas das famílias, pois estas sofrem o impacto de fatores sociais, 
políticos, econômicos e jurídicos que criam dificuldades para prover os cuidados 
necessários aos filhos também se apresentou nos estudos investigados. 
Outro apontamento relevante feito em trabalho publicado por Martins 
(2006) indica que em muitas situações o conceito negligência vem sendo usado 
www.canaldoassistentesocial.com.br 119
53Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 121, p. 48-65, jan./mar. 2015
como sinônimo para pobreza. Além dessas indicações, consideramos importan‑
te ressaltar que, por meio do processo investigativo, percebemos que o uso do 
conceito negligência também é partilhado por outras profissões, não sendo 
exclusivo do Serviço Social. No campo do Direito, encontramos referência à 
negligência no Código Penal (1940), quando realizada a diferenciação entre os 
crimes doloso e culposo, sendo este último resultado da ação de um agente por 
imprudência, negligência ou imperícia.
Segundo a ótica do Direito, compreende-se que existe negligência quando 
há desatenção ou falta de cuidado ao exercer certo ato, consistindo na ausência 
da necessária diligência. Diferentemente do dolo, que presume a ciência do 
dano (como objetivo ou possibilidade, em virtude do risco), a negligência, 
nessa perspectiva inicial, é a inobservância de normas que ordenam agir com 
atenção, capacidade e discernimento. Ainda na esfera do Direito, localizamos 
debate a respeito da intencionalidade da negligência compreendida como não 
apenas uma inobservância da lei, mas como uma ação incorporada por parcela 
de consciência e voluntarismo, em que a intenção é reconhecida e consciente 
(Código Civil, 2002).
Nos campos da Psicologia, Medicina e Enfermagem também encontramos 
referências à negligência, em maior escala localizadas nos códigos de ética 
profissionais. Ainda no campo da Psicologia e Enfermagem, podemos reforçar 
a identificação de produção científica no sentido de compreender e discutir a 
multidimensionalidade do fenômeno da negligência, especialmente em estudos 
que debatem situações envolvendo crianças e adolescentes.
Além dessas formas de abordagem do fenômeno negligência, em apenas 
alguns trabalhos foi localizada a preocupação com o uso do conceito negligên‑
cia pelos profissionais da rede de serviços. Conforme aponta Mello (2008), 
constata-se na literatura uma falta de parâmetros homogêneos que identifiquem 
esse fenômeno, havendo a necessidade de se reconhecer os fatores que o cons‑
tituem, em uma perspectiva multidimensional.
Em pertinente apontamento realizado por Fuziwara (2004), a autora indi‑
ca preocupação diante dos múltiplos olhares técnicos que coexistem e subsidiam 
muitas decisões no campo sociojurídico (ressaltamos que essa preocupação não 
é exclusividade desse campo), sem que partilhem de uma explicitação norma‑
www.canaldoassistentesocial.com.br 120
54 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 121, p. 48-65, jan./mar. 2015
tizadora dos conceitos empregados pelos profissionais, sendo um desses o 
conceito de negligência.
Desta forma, o que podemos apreender a partir desse levantamento bi‑
bliográfico sobre o tema é a incipiente discussão sobre uma prática profissional 
recorrente na categoria profissional. Acreditamos que os rebatimentos dessa 
escassa apropriação são de ordens diversas, que, no entanto, trazem prejuízos 
especialmente aos sujeitos atendidos pelo Serviço Social, que invariavelmen‑
te podem ser atingidos por práticas alicerçadas em condutas preconceituosas 
e moralistas.
1.2 O que estamos chamando de negligência?
A palavra negligência, originada do latim negligentia (desprezar, descon‑
siderar), segundo definição do dicionário Michaelis, significa falta de diligência; 
descuido, desleixo; incúria, preguiça; desatenção, menosprezo.
Utilizada em diversas áreas da divisão sociotécnica do trabalho, como 
Direito, Medicina, Psicologia e no Serviço Social (dentre outras), seu conceito 
carrega determinada definição e sentido social, mostrando-se funcional para 
embasar condutas ético-morais, justificar intervenções práticas e compor o re‑
pertório legal. Ao se revelar com circulação vasta por diversas áreas do conhe‑
cimento, sendo utilizado de forma corriqueira por diferentes profissões, o 
conceito negligência demonstra sua multiplicidade de sentidos e a necessária 
apropriação de seus significados em cada contexto.
Visto que em outras profissões o conceito negligência é em geral empre‑
gado para denominar situações em que o indivíduo está sendo avaliado negati‑
vamente em relação ao (não)cumprimento de alguma de suas responsabilidades, 
nos questionamos sobre os juízos negativos de valor já imbricados no uso 
desse conceito.
O que nos parece é ser a negligência um termo viciado de conteúdo moral, 
pois, ao mesmo tempo em que pode representar desatenção, também se mostra 
como sinônimo de desleixo e preguiça, por exemplo, trazendo inevitavelmente 
consigo conteúdos valorativos negativos, reforçando um perfil estereotipado e 
preconceituoso sobre o outro.
www.canaldoassistentesocial.com.br 121
55Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 121, p. 48-65, jan./mar. 2015
Refletindo sobre o Serviço Social, entendemos que quando somos aciona‑
dos para avaliar determinada situação em que há suspeita de negligência, pre‑
cisamos avaliar o grau de desproteção em que se encontram as crianças e os 
adolescentes que vivem em determinado contexto. A desproteção em seu sen‑
tido objetivo, ou seja, como falta de proteção, que pode ser decorrência de uma 
situação intencional, ou não, dos responsáveis legais.
Reforçamos aqui a consideração da intencionalidade com o intuito de nos 
alinharmos ao entendimento de que pode haver situações de desproteção de 
crianças e adolescentes mesmo sem o consentimento ou a intenção dos respon‑
sáveis legais, conforme já ressaltado quando mencionamos as diversas situações 
de privação e violações de direitos vividas por muitas famílias que não detêm 
os recursos mínimos para suprir suas necessidades mais elementares.
A Constituição federal de 1988, assim como a Lei n. 8.080/1990, ao com‑
preenderem o conceito saúde em sua forma mais ampliada, passam a reconhe‑
cer que as expressões da questão social são elementos significativos na compo‑
sição do “status de saúde”. Desta forma, o reconhecimento dos determinantes 
sociais, econômicos e culturais que interferem no processo saúde-doença reve‑
la-se essencial para a real apropriação das condições de saúde experimentadas 
pelos sujeitos atendidos pelos serviços.
Conforme afirmativa da lei, a saúde encontra como determinantes e con‑
dicionantes, entre outros, “a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o 
meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte,o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais” (artigo 3º, Lei n. 8.080/1990).
A própria CID-10 (Classificação Internacional de Doenças) classifica 
entre os códigos Z55 a Z65 pessoas com riscos potenciais à saúde relacionados 
com circunstâncias socioeconômicas e psicossociais, apontando, entre outros 
fatores, os problemas relacionados com a educação e com a alfabetização (Z55), 
com o emprego e com o desemprego (Z56), com a habitação e com as condições 
econômicas (Z59), e ainda com o meio social (Z60).
Nessa perspectiva, conhecendo a realidade da maioria dos usuários dos 
serviços públicos de saúde, fazemos o seguinte questionamento: de que manei‑
ra o Serviço Social está realizando as avaliações de suspeita de negligência 
contra crianças e adolescentes diante de uma realidade tão fragilizada, em que 
www.canaldoassistentesocial.com.br 122
56 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 121, p. 48-65, jan./mar. 2015
as condições objetivas de vida interferem diretamente na qualidade da oferta 
de proteção e inclusive no grau de saúde das crianças e adolescentes?
2. A pesquisa
Diante dessas indagações e reflexões, foi realizada pesquisa qualitativa,2 
com entrevistas individuais semiestruturadas com seis assistentes sociais esco‑
lhidos aleatoriamente, inscritos em diferentes espaços sócio-ocupacionais (Saú‑
de, Assistência Social e Sociojurídico), que oferecem atendimento às famílias e 
que, entre outras demandas, atendem situações caracterizadas por negligência.
A partir de dezessete perguntas abertas feitas aos sujeitos, foi possível 
estabelecer com os mesmos a criação de um espaço de reflexão sobre esta de‑
manda, que foi considerada recorrente no cotidiano de trabalho por todos os 
entrevistados.
Sobre o uso e o conceito negligência
Do universo dos entrevistados, percebemos que apesar de a maioria dos 
sujeitos indicar alguma referência teórica que subsidie a definição de negligência, 
os mesmos sujeitos demonstraram usar este termo para designar diversas outras 
situações de violência e até mesmo de pobreza. Notamos incipiente apropriação 
teórico-crítica por parte dos sujeitos entrevistados sobre esse conceito, que apa‑
rece de forma mecanicamente incorporada no discurso profissional.
Sobre o Serviço Social e o atendimento às situações de negligência
Identificamos que o lugar ocupado pelo Serviço Social, quando inserido 
em uma equipe multiprofissional, é de referência para o atendimento e estabe‑
lecimento de condutas em situações de negligência. Segundo a fala dos sujeitos, 
2. Pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa PUC-SP.
www.canaldoassistentesocial.com.br 123
57Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 121, p. 48-65, jan./mar. 2015
nota-se da equipe ainda uma expectativa de um profissional da coerção e do 
consenso, iluminada por problematização feita por Iamamoto (1992, p. 42; 
grifos da autora):
Na tentativa de explicar o que unifica a demanda do assistente social em progra‑
mas multifacetados, pode-se levantar a seguinte hipótese, que direciona as refle‑
xões que se seguem: o assistente social é solicitado não tanto pelo caráter propria‑
mente “técnico-especializado” de suas ações, mas antes e basicamente pelas 
funções de cunho “educativo”, “moralizador” e “disciplinador”, que, mediante 
um suporte administrativo-burocrático, exerce sobre as classes trabalhadoras, ou, 
mais precisamente, sobre os segmentos destas que formam a “clientela” das ins‑
tituições que desenvolvem “programas socioassistenciais”. Radicalizando uma 
característica de todas as demais profissões, o assistente social aparece como o 
profissional da coerção e do consenso, cuja ação recai no campo político.
Sobre os critérios de identificação da negligência, poucos profissionais 
verbalizaram, em seus discursos, critérios claramente reconhecidos em sua 
prática profissional para a identificação da negligência.
Em relação aos encaminhamentos ao sistema de garantia de direitos, a fala 
dos profissionais evidenciou a fragilidade de muitos equipamentos públicos em 
oferecer os serviços esperados. Vale ressaltar que na fala de um profissional, a 
política pública da assistência social foi compreendida como ajuda, despoliti‑
zando o debate e reforçando o imaginário do assistente social como um profis‑
sional que oferece favores e apoio.
No entanto, cabe ressaltar que a maioria dos sujeitos se posicionou de 
forma crítica sobre o fazer profissional, identificando os limites e as contradições 
impostas pela própria realidade, com rebatimentos diretos na ação profissional.
Sobre a interface com a ética profissional e valores
Por compreendermos de maneira ontológica a inscrição dos valores nas 
ações práticas dos assistentes sociais, a discussão no campo da ética profissional 
ganhou espaço relevante nessa pesquisa, na medida em que buscamos identificar 
www.canaldoassistentesocial.com.br 124
58 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 121, p. 48-65, jan./mar. 2015
a inscrição de valores negativos nas avaliações de suspeita de negligência contra 
crianças e adolescentes.
A família recebeu evidência nessa análise, por continuar sendo, de manei‑
ra histórica, o objeto central de intervenção do assistente social, com apoio cada 
vez maior das diretrizes de políticas públicas no âmbito da seguridade social.
Conforme aponta Mioto (2012, p. 125), é necessário atentarmos para os 
“discursos e práticas de responsabilização das famílias altamente naturalizadas 
no processo de execução das diferentes políticas sociais, e nos quais os assis‑
tentes sociais estão profundamente envolvidos”, em que, segundo nossa per‑
cepção, é possível localizar a transferência de responsabilidades do Estado para 
a figura da família, assim como sua culpabilização pelo não desempenho das 
funções a ela atribuídas.
Durante as entrevistas com os sujeitos, foi possível apreender que os ele‑
mentos da cotidianidade marcam de maneira significativa a prática e o discurso 
profissional, e quando não realizado o movimento de suspenção da realidade, 
a possibilidade de práticas preconceituosas e acríticas mostram-se evidentes. 
Segundo Barroco (2010, p. 72):
Em função de sua repetição acrítica dos valores, de sua assimilação dos preceitos 
e modos de comportamento, de seu pensamento, repetitivo e ultrageneralizador, a 
vida cotidiana se presta à alienação. A alienação moral também se expressa através 
do moralismo, modo de ser movido por preconceitos. Devido ao seu peculiar 
pragmatismo e sua ultrageneralização, o pensamento cotidiano é facilmente tenta‑
do a se fundamentar em juízos provisórios, ou seja, em juízos pautados em este‑
reótipos, na opinião, na unidade imediata entre o pensamento e a ação.
A partir dos discursos dos sujeitos, esses estereótipos apareceram em 
nossas entrevistas como referência às famílias atendidas, sendo alguns deles: 
suja, maltrapilha, destratado, ignorante, despreparado, ruim, incapaz, sem 
noção de nada, respondona.
Todas essas referências estavam relacionadas aos juízos de valor atribuídos 
por alguns de nossos sujeitos, assistentes sociais, às famílias atendidas, e reve‑
lam, na medida de sua utilização, um importante direcionamento profissional 
www.canaldoassistentesocial.com.br 125
59Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 121, p. 48-65, jan./mar. 2015
calcado em desvalor. Além de uma atribuição valorativa negativa, há um mo‑
ralismo, já que tais atribuições são movidas por preconceito, aqui compreendi‑
do como uma forma de alienação moral.
É interessante problematizar essa prática profissional, pois na medida em 
que as situações de negligência são avaliadas a partir de critérios morais, em 
que há quesitos preestabelecidos sobre o “bom”, “adequado”, “capaz”, “normal”, 
elas passam, com grande chance, a ser discriminadas e (des)valorizadas moral‑
mente. Desta forma, a questão é que, para essas avaliações, se faz necessária a 
utilização de outros instrumentos avaliativos que não pertençam à esfera da 
moralidade, já que o objeto dessa avaliação não deveria ser avaliado do ponto 
de vista moral.
Aindaassim, é importante reforçar que não estamos aqui negando a apro‑
priação, fruto de uma elaboração histórica e coletiva, do que socialmente é 
compreendido pelo conjunto de cuidados necessários para o desenvolvimento 
saudável e integral de crianças e adolescentes, e que deve, de alguma forma, 
nortear as avaliações de situações de negligência. Queremos ressaltar que esse 
“padrão de cuidados”, também imbuído de valores, deve ser questionado e con‑
siderado a partir da apreensão de todas as mediações contidas nessas situações, 
para que as avaliações, que precisam ser técnicas, não recaiam no moralismo.
Toda avaliação que atribua ao outro determinados juízos implicará conse‑
quências e rebatimentos àqueles que estão sendo avaliados, sendo, portanto, 
uma atitude inscrita na esfera da ética, já que exige do profissional o reconhe‑
cimento de que suas ações terão implicações para o outro.
Por mais que tais avaliações exijam do profissional determinado grau de 
consciência, nem sempre esta se materializa no cotidiano profissional, fazendo 
com que muitas intervenções, motivadas pela imediaticidade e espontaneidade, 
ocorram sem acessar o nível da consciência. Não acessar a consciência não 
significa eximir a responsabilidade profissional, pois independentemente do 
grau de incorporação crítica do profissional, suas ações, inevitavelmente, terão 
rebatimentos nos sujeitos. Conforme aponta Barroco (2012, p. 32),
as ações cotidianas dos assistentes sociais produzem um resultado concreto que 
afeta a vida dos usuários e interfere potencialmente na sociedade e que nessas 
www.canaldoassistentesocial.com.br 126
60 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 121, p. 48-65, jan./mar. 2015
ações se inscrevem valores e finalidades de caráter ético. É verdade que essa in‑
terferência ocorre independente da consciência individual dos profissionais.
Assim, apreende-se que, independentemente do grau de apropriação crí‑
tica do profissional, os rebatimentos de suas condutas ocorrerão de maneira 
objetiva, na vida daqueles que estão sendo atendidos pelo assistente social. 
Portanto, temos um importante elemento para a discussão: o compromisso 
ético-profissional. Responsabilizar-se por suas ações, mensurar as suas conse‑
quências, eleger valores norteadores de acordo com o projeto ético-político da 
profissão e procurar efetivá-los nas ações profissionais são comportamentos 
esperados de uma ação ética, os quais, para ocorrer, precisam estar incorporados 
de forma consciente pelos profissionais.
Esta incorporação consciente mostrou-se ausente por parte de alguns su‑
jeitos, especialmente quando questionados sobre a inscrição de valores em suas 
práticas profissionais. Para a metade dos sujeitos entrevistados, a prática pro‑
fissional é neutra, parcial, sem qualquer interferência de valores. Para esses 
sujeitos, há uma compreensão de neutralidade e parcialidade do exercício 
profissional, em que é possível concretizar ações sem a presença de valores.
Resgatando o pressuposto da neutralidade, que como é sabido teve forte 
influência na trajetória profissional, especialmente nos Códigos de Ética ante‑
riores ao de 1986, com expressiva interferência do Positivismo, percebe-se que 
a compreensão e a idealização de uma prática “neutra” ainda persistem no 
imaginário profissional.
Esses exemplos trazidos pelos profissionais reforçam nossa afirmação inicial 
sobre a inscrição de valores nas práticas profissionais, assim como apontam para 
a existência de condutas profissionais ainda atreladas àqueles valores relacionados 
ao preconceito e à discriminação. Observa-se que para aqueles profissionais que 
apontaram valores inscritos nas ações profissionais, tanto o exercício profissional 
em sua totalidade quanto o atendimento específico às situações de negligência 
apareceram de forma mais problematizada, mediada e crítica, se comparada aos 
sujeitos que apontaram para uma suposta neutralidade das ações.
Apontamos que foi possível identificar maior coerência no discurso pro‑
fissional daqueles sujeitos que conseguiram apreender a presença de julgamen‑
tos de valor, e até mesmo de certo moralismo na prática profissional, bem como 
www.canaldoassistentesocial.com.br 127
61Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 121, p. 48-65, jan./mar. 2015
nas avaliações de suspeita de negligência. Afirmamos isso, pois para a maioria 
daqueles sujeitos que refutaram a presença de valores na prática profissional, 
percebemos justamente o contrário, uma prática muito influenciada por valores 
ainda conservadores, de cunho até mesmo autoritário, no que se refere à relação 
com o sujeito atendido.
Ou seja, para aqueles sujeitos que compreenderam haver a inscrição de 
valores no exercício profissional, e, além disso, que apontaram para a existência 
de juízos de valor (positivos ou negativos), a postura profissional é diferencia‑
da em relação aos sujeitos que não reconheceram essa situação. Diferenciada 
no sentido de se atrelar a uma postura mais questionadora acerca do papel 
protetivo do Estado, das funções e atribuições assumidas pela própria profissão, 
nessas avaliações, assim como um discurso mais crítico e incomodado com a 
realidade vivida pelos sujeitos atendidos.
O fato de a ética não ter sido alvo direto do discurso da maioria dos 
sujeitos, quando questionados sobre a possível presença de juízo de valor no 
atendimento profissional das situações de negligência, nos faz refletir sobre 
qual espaço, na atualidade, a esfera da ética ocupa e dialoga no cotidiano 
profissional. Tendemos a acreditar que a esfera da ética ainda está intimamen‑
te relacionada a acontecimentos nitidamente caracterizados como antiéticos. 
Ou seja, em situações do cotidiano em que os profissionais não estabeleceram 
as mediações necessárias para compreender a implicação ontológica da ética, 
essa esfera parece passar despercebida, com menos relevância, apartada cons‑
cientemente das ações profissionais.
Assim, trazer para o debate a atitude ética não apenas para a concretização 
das avaliações de situações de negligência, mas para o espaço cotidiano do 
assistente social, parece-nos importante imperativo, a fim de contribuir para a 
desmistificação desse campo, que é insuprimível da prática profissional.
3. Algumas considerações
Da perspectiva da utilização do conceito negligência pelos assistentes 
sociais entrevistados, ficou evidente a incipiente apropriação crítica do uso do 
conceito negligência. Apesar de conceitualmente definirem de maneira ainda 
www.canaldoassistentesocial.com.br 128
62 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 121, p. 48-65, jan./mar. 2015
introdutória o que compreendem por negligência, os sujeitos demonstraram, na 
prática profissional, que esse conceito é utilizado de forma ampla para caracte‑
rizar diversas outras situações.
Entendemos que a escassa produção acadêmica sobre o tema no campo do 
Serviço Social, a tendência observada em relação à errônea correlação imedia‑
ta entre as situações de pobreza vividas pelas famílias e a caracterização da 
negligência, assim como a incorporação acrítica e imediata desse conceito por 
grande parcela dos profissionais sejam alguns dos indicadores que auxiliem a 
compreensão de uma forma precipitada de utilização do conceito negligência 
na prática profissional.
As características que moldam o cotidiano também se revelaram como 
importantes componentes que interferem de forma imediata no modo com que 
os assistentes sociais estabelecem suas relações com os demais profissionais, 
com os sujeitos atendidos, bem como estabelecem a sua rotina de trabalho. A 
repetição, a fragmentação, o imediatismo e o pragmatismo, elementos da vida 
cotidiana, se desvelaram como indicadores de relevância na compreensão do 
uso do conceito negligência pelos assistentes sociais, uma vez que a vida coti‑
diana se mostra como o espaço da reprodução do trabalho do assistente social.
Diante dessas considerações, ratificamos a sugestão de utilização, por 
parte do Serviço Social, do termo desproteção em substituição a negligência,uma vez apontados os inúmeros comprometimentos do emprego desse último 
conceito. Percebemos, ao longo dos estudos, que o conceito negligência por si 
já tem em seu conteúdo um teor valorativo negativo, e que, de antemão, ao ser 
utilizado largamente sem a perspectiva crítica, indica de alguma maneira um 
juízo de valor preconcebido que tende a discriminar o sujeito.
Entendendo que para as demandas de “situações de negligência” a inter‑
venção do assistente social deva ser direcionada para a identificação de possíveis 
violações de direitos, avaliamos que o termo desproteção atinja seu intento de 
forma satisfatória. Isto porque esse termo não se baseia em nenhum pré-julga‑
mento em relação ao agente, ou seja, não discute o seu perfil moral, e sim as 
condições reais que interferiram para determinada situação.
Todas as manifestações capturadas ao longo das entrevistas que permiti‑
ram identificar expressões de preconceito relacionadas às famílias atendidas e 
www.canaldoassistentesocial.com.br 129
63Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 121, p. 48-65, jan./mar. 2015
definidas como negligentes serviram de elementos para a reflexão sobre o modo 
com que muitas avaliações profissionais têm se dado no exercício profissional. 
Um modo norteado por juízos de valor não alinhados aos valores defendidos 
pelo Código de Ética Profissional do Assistente Social, que conforme visto, 
muito embora hegemônico, não se concretiza de forma absoluta no dia a dia do 
assistente social, dado o movimento contraditório e dialético da realidade.
O fato de metade dos participantes da amostra compreenderem que não há a 
interferência de juízos de valor, quando requisitados a se posicionar diante de uma 
suspeita de situação de negligência, é suficiente para ratificar a pungente necessi‑
dade de trazer ao debate profissional a permanente discussão sobre valor, ética e 
moral. A não identificação do emprego de julgamentos morais nas avaliações de 
negligência, conforme já explicitado anteriormente, não significa a sua inexistên‑
cia. Em outras palavras, o não reconhecimento dessa ação não anula a sua realiza‑
ção, assim como não impede nenhum rebatimento e consequência aos envolvidos.
Da mesma forma, o fato da outra metade dos participantes da amostra 
conseguirem apreender a existência de valores implicados nas avaliações de 
negligência e problematizar aquelas situações entendidas por ela como emble‑
máticas no que se refere ao conflito de valores, estando esses situados em 
campos mais conservadores ou mais emancipatórios, também revelou perspecti‑
va importante a ser destacada: a de cunho crítico.
Validamos como consideração a existência de um campo de embate e 
disputa, mesmo que inconsciente, de práticas profissionais com maior ou menor 
possibilidade de concretizar valores de ordem emancipatória. Se as nossas in‑
quietações iniciais se situavam sobre quais eram os critérios para compreender 
que alguém é negligente; se eram objetivos ou decorriam apenas de uma ava‑
liação moral; e ainda se a avaliação moral estava pautada nos princípios do 
Código de Ética, tivemos muitas das respostas trazidas pelos depoimentos dos 
sujeitos, discutidos na análise.
E a partir dessa análise, tendo reconhecida a prática profissional com ob‑
jetivação de valores negativos, o que consideramos importante apresentar como 
desafio é a necessária aproximação, por parte dos profissionais, dos debates que 
tratem sobre a ética no sentido de ampliar o grau de consciência, possibilitando 
ações cada vez mais conscientes e dirigidas para o projeto profissional e socie‑
www.canaldoassistentesocial.com.br 130
64 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 121, p. 48-65, jan./mar. 2015
tário construído hegemonicamente pelo coletivo da profissão, conforme afirma 
a história do atual Código de Ética. Afirmamos essa necessidade tendo em 
vista ainda o parcial entendimento que parte da categoria tem sobre a dimensão 
ética, tratando-a como algo abstrato, apartado do cotidiano profissional.
Outro desafio que localizamos especialmente relacionado às situações de 
negligência, mas que se inscreve na totalidade da prática profissional, é a neces‑
sidade de superação de práticas que estejam situadas no senso comum. Os exem‑
plos aqui oferecidos foram ricos no sentido de traduzir as inúmeras possibilidades 
profissionais existentes frente às avaliações de suspeita de negligência, exigindo 
do profissional capacidades múltiplas para a apreensão das mediações postas.
Sendo assim, a formação continuada, o compromisso ético-político para 
a realização de atendimentos comprometidos com a população, a construção 
permanente de espaços institucionais que possam contribuir para o diálogo e o 
crescimento intelectual dos profissionais, assim como a defesa de relações de 
trabalho horizontais nas equipes multiprofissionais, a fim de não hierarquizar o 
saber, se mostram como imperativos para uma prática profissional coerente com 
suas finalidades, dispostas em nosso Código de Ética.
Recebido em 9/5/2014 ■ Aprovado em 24/11/2014
Referências bibliográficas
BARROCO, Maria Lúcia Silva. Ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos. 3. ed. 
São Paulo: Cortez, 2005.
______. Ética: fundamentos sócio-históricos. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010. (Coleção 
Biblioteca Básica para o Serviço Social, v. 4.)
______;TERRA, Sílvia Helena. Código de Ética do/a assistente social comentado. São 
Paulo: Cortez, 2012.
BERBERIAN, T. P. Serviço Social e avaliações de “negligência” contra criança e 
adolescente: debates no campo da ética profissional. Dissertação (Mestrado em Servi‑
ço Social) — Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2013.
www.canaldoassistentesocial.com.br 131
65Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 121, p. 48-65, jan./mar. 2015
BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código penal. Rio de Janei‑
ro, 1940. 
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Senado, 1988.
______. Lei federal n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da criança e do adoles-
cente. Brasília, 1990.
______. Decreto-lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Brasília, 1990.
______. Decreto-lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código civil. Brasília, 2002. 
CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS). Código de ética do assis-
tente social. Brasília: CFESS, 1993.
FÁVERO, Eunice Teresinha. Questão social e perda do poder familiar. São Paulo: 
Veras, 2007.
FUZIWARA, Áurea Satomi. Significados em disputa: reflexão sobre a influência dos 
laudos técnicos dos assistentes sociais do Judiciário paulista e das representações sociais 
na jurisprudências que tratam de “negligência” no cuidado de crianças e adolescentes. 
In: CBAS 11., Brasília, 2004.
GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. Apostila telecurso de especialização na área 
da infância e violência doméstica: 1 a/b pondo os pingos nos is. Guia prático para 
compreender o fenômeno. São Paulo: Iacri/Ipusp/USP, 1997.
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
IAMAMOTO, Marilda Vilela. Renovação e conservadorismo no Serviço Social: ensaios 
críticos. São Paulo: Cortez, 1992.
MARTINS, Fernanda Flaviana de Souza. Crianças negligenciadas: a face (in-)visível 
da violência familiar. Dissertação (Mestrado em Psicologia) — Pontifícia Universida‑
de Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.
MELLO, Ida Leyda Martinez Ávila. Negligência: contribuições para a avaliação de 
fatores de risco psicossociais em famílias assinaladas junto ao Conselho Tutelar. Dis‑
sertação (Mestrado) — Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, 
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2008.
MIOTO, Regina Célia Tamaso. Processo de responsabilização das famílias no contex‑
to dos serviços públicos: notas introdutórias. In: SARMENTO, H. B. M. (Org.). Servi‑
ço Social: questões contemporâneas. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2012.
www.canaldoassistentesocial.com.br 132
306 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 306-325, maio/ago. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/0101-6628.143Direitos reprodutivos, aborto e Serviço Social
Reproductive Rights, Abortion And Social Work
Cássia Maria Carloto
Doutora em Serviço Social pela PUC-SP, docente do Departamento de 
Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina, PR, Brasil. cmcarloto@gmail.com.
Nayara André Damião
Assistente social, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Política 
Social da Universidade Estadual de Londrina, PR, Brasil. nayara.damiao@gmail.com
RESUMO: Os direitos reprodutivos foram de-
marcados, pelo movimento feminista, como parte 
dos direitos humanos das mulheres. O aborto é um 
dos direitos contemplados pela concepção de di-
reitos reprodutivos, tendo como argumento central 
a autonomia das mulheres sobre o próprio corpo. 
O Serviço Social, que é uma profissão atrelada 
à garantia de direitos, tem se manifestado nesse 
debate, por meio do CFESS e enfrentando a reação 
de setores conservadores que buscam retroceder 
em direitos já conquistados. É sobre direitos re-
produtivos, o aborto no Brasil e o Serviço Social 
que tratará este artigo.
Palavras-chave: Direitos reprodutivos. Aborto. 
Serviço Social. Feminismo.
ABSTRACT: Reproductive rights were 
established by feminism, as part of human rights. 
Abortion is one of the rights assumed by the notion 
of reproductive rights, having as central argument 
women autonomy with their own bodies. Social 
work, a profesion related to rights guarantee, 
has manifested, through its Council, against 
conservative reactions which aims regressions 
in rights. Reproductive rights, abortion in Brazil 
and Social Work are the subjects discussed in 
this article.
Keywords: Reproductive Rights. Abortion. Social 
Work. Feminism.
Introdução
Não foi coincidência o fato de que a consciência das mulheres sobre seus 
direitos reprodutivos tenha nascido no interior do movimento organizado em 
defesa da igualdade política das mulheres. Na verdade, se elas permaneces-
sem para sempre sobrecarregadas por incessantes partos e frequentes abortos 
www.canaldoassistentesocial.com.br 133
307Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 306-325, maio/ago. 2018
espontâneos, dificilmente conseguiriam exercitar os direitos políticos que 
poderiam vir a conquistar. (Angela Davis, 2016)
A negação do direito das mulheres à autonomia sobre o próprio corpo reflete uma estrutura patriarcal, apropriada pelo capitalismo, sobre a qual as relações sociais se constroem. O patriarcado, segundo 
Saffioti (2004), organiza um sistema de dominação e exploração que oprime 
as mulheres, explorando seu trabalho e corpo para assegurar a produção e 
reprodução da vida. A sexualidade e reprodução da mulher são pontos-chave 
para a dominação e a exploração das mulheres. Como afirma Saffioti (2004), 
patriarcado, racismo e capitalismo formam um só sistema, que estrutura as 
relações sociais de maneira consubstancial.1 Por isso, as condições em que 
as mulheres podem fazer escolhas sobre sua autonomia reprodutiva e garan-
tia e exercício de direitos reprodutivos são dadas por essas três dimensões. 
O aborto é parte desse debate.
O Serviço Social é uma profissão que lida com a garantia de direitos. 
Nesse sentido, se analisarmos o aborto como um direito — conforme os 
dispositivos internacionais têm tratado —, enxergamos no Serviço Social 
uma área para essas reflexões e atuação acerca dos direitos reprodutivos das 
mulheres. Nesse contexto, o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) 
já se manifestou a favor da luta pela legalização do aborto. Diversas co-
municações oficiais tratando do tema foram publicadas, e o debate sobre o 
aborto vem sendo aquecido pelo órgão federal e por suas regionais com os 
profissionais da área.
No entanto, ainda prevalece uma lacuna no enfrentamento desse assunto 
na produção acadêmica e na formação dos e das assistentes sociais que no 
cotidiano de trabalho se deparam com mulheres, nossa principal popula-
ção atendida.
1. Segundo Kergoat (2010, p. 94), as relações sociais são consubstanciais, “formam um nó que não pode 
ser desatado no nível das práticas sociais, mas apenas na perspectiva da análise sociológica” e coextensivas; “ao 
se desenvolverem, as relações sociais de classe, gênero e ‘raça’ se reproduzem e se coproduzem mutuamente”.
www.canaldoassistentesocial.com.br 134
308 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 306-325, maio/ago. 2018
1. Direitos reprodutivos e aborto
O conceito de direitos reprodutivos se originou dentro do movimento 
feminista na luta pelo reconhecimento dos direitos da mulher quanto à se-
xualidade e reprodução, e, posteriormente, também a partir das elaborações 
dos movimentos de lésbicas e gays. Entretanto, a disputa de sentidos que 
existe atualmente sobre a temática demarca o envolvimento de outros atores 
sociais além daqueles anteriores (Ávila, 2003, p. 466).
A perspectiva feminista, adotada aqui, afirma que os direitos repro-
dutivos
dizem respeito à igualdade e à liberdade na esfera da vida reprodutiva. 
Os direitos sexuais dizem respeito à igualdade e à liberdade no exercício 
da sexualidade. O que significa tratar sexualidade e reprodução como 
dimensões da cidadania e consequentemente da vida democrática. (Ávila, 
2003, p. 466)
Ávila destaca a necessidade de tratar o campo da sexualidade e da re-
produção separadamente, para “assegurar a autonomia dessas duas esferas 
da vida, o que permite relacioná-las entre si e com várias outras dimensões 
da vida social” (2003, p. 466). A separação entre sexualidade e reprodução 
possibilita contestar a heterossexualidade compulsória, segundo a qual ape-
nas as relações entre homem e mulher são naturais, relegando à sexualidade 
feminina a função estritamente reprodutiva.
Os direitos reprodutivos dizem respeito à saúde sexual e reprodutiva; 
à sobrevivência e à vida; à liberdade e segurança; à não discriminação e 
respeito às escolhas; à informação e educação para possibilitar decisões; à 
autodeterminação e livre escolha da maternidade e paternidade; à proteção 
social à maternidade, paternidade e família (Ventura, 2009, p.19).
Os direitos reprodutivos e sexuais da mulher também foram reconhe-
cidos enquanto parte dos direitos humanos pela Conferência Internacional 
sobre População e Desenvolvimento (ICPD) do Cairo em 1994, e pela 
www.canaldoassistentesocial.com.br 135
309Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 306-325, maio/ago. 2018
4ª Conferência Internacional sobre a Mulher (FWCW) de Beijing, em 1995. 
A primeira estabeleceu que
Direitos reprodutivos incluem certos direitos humanos que já foram reconheci-
dos nas leis nacionais, em documentos internacionais sobre direitos humanos 
e outros documentos de consenso. Esses direitos baseiam-se no reconheci-
mento dos direitos básicos de todos os casais e indivíduos decidirem livre e 
responsavelmente o número, espaçamento e momento de terem seus filhos e 
ter informação e meios para isso, bem como alcançarem o mais alto padrão 
de saúde sexual e reprodutiva. (Nações Unidas, 1995, parágrafo 7.3)
Em Beijing, o acordo foi o seguinte:
Os direitos humanos das mulheres incluem seus direitos a ter controle e a 
decidir livre e responsavelmente sobre questões relacionadas à sua sexuali-
dade, incluindo saúde sexual e reprodutiva, livres de coerção, discriminação 
e violência. Relacionamentos igualitários entre mulheres e homens quanto 
às relações sexuais e reprodutivas, incluindo total respeito à integridade das 
pessoas, requerem o respeito mútuo, consentimento e compartilhar respon-
sabilidade quanto ao comportamento sexual e suas consequências. (Nações 
Unidas, 1996, parágrafo 96)
Ressaltamos que o Brasil foi signatário de ambos os dispositivos. Ainda 
que esses documentos não tenham força de lei, afirmam compromissos com 
o avanço dos direitos reprodutivos e sexuais. Apesar disso, percebemos que 
no Brasil a situação relativa aos direitos reprodutivos e sexuais ainda não 
avançou o suficiente, principalmente quando observamos a permanência 
da criminalização e a quantidade de mortes de mulheres que recorremao 
aborto. Há inclusive a intenção de retrocesso nos direitos já conquistados.
As leis restritivas acerca do aborto se amparam muitas vezes na reli-
gião, um dispositivo de controle das mulheres na ordem patriarcal e que 
influencia na moralidade do debate relativo ao aborto, contribuindo para a 
criminalização das mulheres que recorrem a ele.
www.canaldoassistentesocial.com.br 136
310 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 306-325, maio/ago. 2018
Atualmente, apesar da posição contrária da Igreja Católica em relação 
ao aborto ser hegemônica, ainda há divergências dentro da própria Igreja 
sobre a questão. Destacamos a posição do Grupo Católicas pelo Direito de 
Decidir, atuante no Brasil. Com base em argumentos teológicos e pastorais, 
o grupo busca dar visibilidade a um posicionamento alternativo dentro da 
Igreja sobre o tema, colocando-se como defensoras do direito de escolha 
das mulheres.
O aborto é considerado um procedimento de baixa complexidade téc-
nica. O que torna um aborto inseguro é a clandestinidade, “ao favorecer a 
quebra de alguns daqueles preceitos básicos de segurança” (Mesquita, 2000, 
p. 37). Esta é a dimensão política da questão. Outra dimensão, a econômica, 
tem a ver com a seguinte sentença: nem todo aborto clandestino é inseguro, 
desde que se possa pagar. Há maneiras de realizar o procedimento seguro, 
mesmo que clandestino. Isso destina às mulheres pobres os maiores níveis 
de insegurança no que se refere ao aborto.
A Pesquisa Nacional do Aborto (PNA) de 2016, aponta que aproxi-
madamente uma em cada cinco mulheres alfabetizadas da área urbana aos 
quarenta anos já fez pelo menos um aborto:
É possível observar que o aborto no Brasil é comum e ocorreu com frequên-
cia entre mulheres comuns, isto é, foi realizado por mulheres: a) de todas as 
idades (ou seja, permanece como um evento frequente na vida reprodutiva 
de mulheres há muitas décadas); b) casadas ou não; c) que são mães hoje; d) 
de todas as religiões, inclusive as sem religião; e) de todos os níveis educa-
cionais; f) trabalhadoras ou não; g) de todas as classes sociais; h) de todos os 
grupos raciais; i) em todas as regiões do país; j) em todos os tipos e tamanhos 
de município. (Diniz, Medeiros e Madeiro, 2017, p. 656).
Como afirmam Correa e Petchesky (1996, p. 159), para que as decisões 
reprodutivas possam ser exercidas efetivamente, assim como a autonomia 
das mulheres para fazerem escolhas nesse campo, há que existir condições 
concretas. Isso remete às condições de trabalho e renda, moradia, educação, 
www.canaldoassistentesocial.com.br 137
311Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 306-325, maio/ago. 2018
transporte, educação infantil, escolas em período integral, serviços de saúde 
humanizados e bem equipados, entre outros. Também é essencial a cons-
trução de relações afetivas compartilhadas sem violência de qualquer tipo. 
Para isso, requer-se a responsabilidade de Estados e instituições mediadoras, 
pressupondo uma ação pública para garantir que os direitos sejam exercidos 
por todos e todas.
Cabe aqui um destaque ao debate sobre direitos. Para Telles (1998) é 
necessário colocar os direitos sob a ótica daqueles sujeitos que os pronun-
ciam. Isso significa considerar os direitos não apenas como meras conces-
sões de Estado capitalista para as classes subalternas, mas como espaço de 
disputa e de construção também por aqueles que os demandam. O debate 
sobre direitos, apesar de não proporcionar automaticamente a emancipação 
humana e não romper com a ordem vigente, abre possibilidades para os 
grupos oprimidos.
É nesse aspecto que a luta pelos direitos é importante: apesar de, via 
direitos, não ser possível alcançar o fim das desigualdades, ou aquilo que 
Marx (2010) define como emancipação humana, ela permite que a ordem 
social seja questionada, que sujeitos desprovidos de poder quebrem o 
silêncio e a naturalização da sua condição subalterna e busquem outras 
possibilidades. A partir do questionamento e do movimento dos grupos 
oprimidos, a busca por novas vozes, novas perspectivas, outros pontos 
de vista, de resistência, a busca pelo compartilhamento do poder pode se 
tornar uma possibilidade.
É nesse sentido que a luta das mulheres pelos seus direitos se enquadra. 
Quando as feministas lutam pela legalização do aborto, não estão apenas 
colocando o aborto em questão, mas um sistema que domina e explora mu-
lheres, que instrumentaliza a sua capacidade biológica e as reduz ao único 
destino da maternidade como sua função social.
O processo de construção dos direitos reprodutivos e sexuais, segun-
do Ávila (2003), está integrado ao processo mais amplo de construção da 
democracia, uma vez que o controle do corpo e da sexualidade são centrais 
para a dominação patriarcal.
www.canaldoassistentesocial.com.br 138
312 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 306-325, maio/ago. 2018
2. A questão do aborto no Brasil
No final da década de 1970 o discurso era pelos direitos humanos das 
mulheres e estava alinhado à premissa “nosso corpo nos pertence”. Conforme 
o relato de Eleonora M. Oliveira,
As feministas brasileiras, nosotras, ex-exiladas, ex-presas políticas, viajantes, 
trouxeram, no final da década de 1970 e no início da década de 1980, essa 
questão dos direitos humanos das mulheres com muita força e com muita ra-
dicalidade para as mobilizações. Radicalidade que está associada à luta pelo 
direito ao aborto, na medida em que essa questão se relaciona à noção mais 
forte, mais reacionária, mais conservadora da maternidade compulsória, que 
é base da moral judaico-cristã. (Oliveira, 2005, p. 132)
A autora relata que a luta pelo direito ao aborto “foi uma luta muito 
solitária das mulheres feministas” (2005, p. 133). Isso porque as mulheres 
estavam sós tanto enquanto construíam uma rede de solidariedade entre as 
que fizeram aborto, como também estavam sós em seus próprios abortos. 
Os homens, quando muito, apenas e simplesmente “davam o dinheiro”. 
Além disso, Oliveira (2005) comenta sobre a solidão política sofrida pe-
las feministas que lutavam pelo direito ao aborto nos diferentes espaços 
que ocupavam.
Com a reabertura política no Brasil, as pautas do movimento feminista 
ganharam força novamente e, dentre elas, a questão dos direitos reprodutivos 
das mulheres. Nesse contexto, na década de 1980 uma grande quantidade de 
mulheres saiu às ruas pela legalização e descriminalização do aborto, bem 
como pelo direito de escolha.
Nesse sentido, Valdívia (1998) e Faria e Lopes (2016) informam que 
a luta das mulheres e organizações/instituições feministas foi essencial no 
contexto da constituinte. Na época, a participação popular na construção da 
Constituição brasileira era possibilitada por meio de emendas populares. Mo-
vimentos de mulheres feministas trabalharam intensamente para a inserção 
www.canaldoassistentesocial.com.br 139
313Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 306-325, maio/ago. 2018
de suas demandas por meio dessas emendas. Uma dessas demandas era a 
descriminalização do aborto.
As feministas lutavam para que a Constituição Federal defendesse o 
direito à vida “desde o nascimento”, a fim de buscar avanços na legislação 
sobre aborto. Porém, o forte lobby da Igreja Católica e a massiva presença 
de deputados evangélicos tentavam impor a defesa da vida “desde a con-
cepção” — o que impossibilitaria inclusive os permissivos de aborto nos 
casos citados pelo Código Penal de 1940. A recusa do termo “desde a con-
cepção” para se referir à vida foi uma conquista do movimento de mulheres 
feministas. Como resultado desse embate, a Constituição brasileira afirma 
o direito à vida, sem determinar quando esta começa — dando brecha para 
os dois lados.
Todavia, na data em que escrevemos este texto, há novamente a tentativa 
de incluir esse conceito na Constituição Federal. Dentre vários projetos que 
preveem retrocessos nos direitos das mulheres, a Proposta de Emenda Cons-
titucional (PEC) n. 181 é uma das mais agressivas e sorrateiras. Conhecida 
como PEC Cavalode Troia, a proposta inicialmente tinha como objetivo 
prolongar a licença-maternidade de mães de bebês prematuros. Após diversas 
modificações, consta no texto a alteração da Constituição para a garantia da 
“inviolabilidade do direito à vida desde a concepção”,2 novamente com o 
nítido intuito de impossibilitar o direito ao aborto.
Na legislação brasileira, a partir do Código Penal de 1940, o aborto 
é crime tipificado segundo o título I, dos crimes contra a pessoa, e do 
capítulo I, dos crimes contra a vida. Podemos perceber no documento a 
diferença entre aborto e infanticídio: é considerado infanticídio “matar, sob 
a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo 
após” (art. 123 do Código Penal). É considerado aborto quando a situação 
consiste em “provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho 
2. O texto completo com as alterações da relatoria da PEC pode ser observado em: <http://www.camara.
gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=54A20260D836F4E17061509229493620.proposi-
coesWebExterno1?codteor=1586817&filename=Parecer-PEC18115-16-08-2017>.
www.canaldoassistentesocial.com.br 140
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=54A20260D836F4E17061509229493620.proposicoesWebExterno1?codteor=1586817&filename=Parecer-PEC18115-16-08-2017
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=54A20260D836F4E17061509229493620.proposicoesWebExterno1?codteor=1586817&filename=Parecer-PEC18115-16-08-2017
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=54A20260D836F4E17061509229493620.proposicoesWebExterno1?codteor=1586817&filename=Parecer-PEC18115-16-08-2017
314 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 306-325, maio/ago. 2018
provoque” (art. 124 do Código Penal). O Código atenua a pena àqueles 
que realizam o procedimento com o consentimento da mulher, e, por ou-
tro lado, aumenta a pena caso a gestante sofra lesões corporais graves ou 
chegue a óbito.
O abortamento no Brasil, segundo os incisos I e II do artigo 128 do 
Código Penal, é permitido em casos de gravidez decorrente de estupro (abor-
tamento sentimental), em casos de risco de vida para a gestante (abortamento 
necessário). A Justiça também pode conceder autorizações específicas quando 
as gestações possuem anomalias fetais incompatíveis com a vida extrauterina, 
como no caso da anencefalia.
Em 1999, o governo federal lança a primeira Norma Técnica para Pre-
venção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual Contra 
Mulheres e Adolescentes com intuito de estabelecer normas gerais para 
o atendimento dessas demandas. A norma técnica de 1999 é resultado da 
pressão de diversas organizações feministas e previa:
Apoio laboratorial para diagnóstico de doenças sexualmente transmissíveis 
(DSTs) e Aids; prevenção profilática de DST; garantia de atendimento psico-
lógico; coleta e guarda de material para futura identificação do agressor por 
exame de DNA; administração de anticoncepção de emergência (até 72 horas 
da agressão); interrupção da gravidez até vinte semanas de idade gestacional; 
acompanhamento pré-natal, quando a mulher decidir pela não interrupção. 
(Talib, 2005, p. 21)
Em 2005, o governo federal lança, em resposta à pressão de diversas 
organizações feministas, uma nova versão da Norma Técnica para Prevenção 
e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual Contra Mulheres 
e Adolescentes e também lança a inédita Norma Técnica de Atenção Hu-
manizada ao Abortamento. A primeira trata do atendimento às vítimas de 
violência sexual e inclui questões como apoio psicossocial, contracepção 
de emergência, doenças e infecções sexualmente transmissíveis e também 
o atendimento nos casos de gravidez resultante de estupro. O documento 
www.canaldoassistentesocial.com.br 141
315Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 306-325, maio/ago. 2018
discorre ainda sobre a organização do serviço, desde a estrutura física e 
equipamentos até a capacitação e sensibilização dos recursos humanos, além 
do registro de dados.
As referidas normas técnicas reforçam conteúdos já presentes no Código 
Penal para normatizar os atendimentos tanto no caso das vítimas de violência 
sexual quanto nas situações de abortamento em geral. Um ponto trazido nas 
normas faz referência à dispensa de Boletim de Ocorrência para a realização 
do abortamento em casos de gravidez resultante de estupro. Segundo o Có-
digo Penal brasileiro, e conforme reforçado na norma técnica, a única coisa 
a ser requisitada nesses casos é uma autorização por escrito da mulher ou 
da(o) responsável para a realização dos procedimentos. Da mesma forma, 
a presunção da veracidade no relato das mulheres sobre a violência sexual 
sofrida é enfatizada pelo documento.
A Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, lançada 
em 2005 e atualizada em 2008, traz importantes avanços no que se refere 
ao acolhimento e atendimento de mulheres em situação de abortamento. O 
documento discorre sobre o dever dos profissionais da saúde no atendimento 
às mulheres tanto em caso de abortamento espontâneo quanto autoprovo-
cado. A norma também discorre sobre a importância do respeito ao sigilo 
profissional sobre as situações de abortamento, bem como o tratamento 
humanizado que deve ser conferido às mulheres independentemente da 
situação que decorreu no aborto.
As normas apontam que é dever do Estado garantir a presença nos 
serviços de atendimento de médicos e outros profissionais que não tenham 
objeção de consciência3 para realização do procedimento. Da mesma forma, 
afirma que “caso a mulher venha sofrer prejuízo de ordem moral, física ou 
psíquica, em decorrência da omissão, poderá recorrer à responsabilização 
pessoal e/ou institucional” (Brasil, 2005, p. 44).
3. A legislação brasileira assegura que profissionais contrários ao aborto possam recusar-se à realização 
do procedimento, caso não seja uma urgência e haja outros profissionais capacitados para a realização deste. 
Ao atendimento às mulheres com complicações decorrentes de abortamento não cabe objeção de consciência 
dos profissionais, sendo seu dever atender a esses casos.
www.canaldoassistentesocial.com.br 142
316 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 306-325, maio/ago. 2018
Os documentos citados deixam evidente a necessidade de uma equipe 
multidisciplinar para isso e afirma que todos os profissionais da saúde têm 
responsabilidade no atendimento.
É desejável que a equipe de saúde seja composta por médicos(as), psicólo-
gos(as), enfermeiros(as) e assistentes sociais. Entretanto, a falta de um ou mais 
profissionais na equipe — com exceção do médico(a) — não inviabiliza o 
atendimento. Ainda que cada um desses profissionais cumpra papel específico 
no atendimento à mulher, todos devem estar sensibilizados para as questões de 
violência contra a mulher e violência de gênero, e capacitados para acolher e 
oferecer suporte às suas principais demandas. (Brasil, 2005, p. 11)
Conforme vimos anteriormente, apesar de constituir direito das mulheres 
desde o Código Penal de 1940, apenas em 1990 um hospital público ofereceu, 
pela primeira vez, o serviço de abortamento legal. Trata-se do Hospital do 
Jabaquara, em São Paulo. Segundo Villela e Lago:
Em 1996, ocorreu a recomposição da Comissão Intersetorial da Saúde da 
Mulher (Cismu), instância assessora do Conselho Nacional da Saúde que ao 
ser rearticulada passa a contar com uma forte presença de feministas e com 
a representação da Febrasgo [Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos 
Reprodutivos e Sexuais e a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrí-
cia]. Por meio de uma negociação interna entre a Cismu e representantes do 
Ministério da Saúde, foi proposta a elaboração de uma norma técnica para a 
implementação de serviços de atendimento à violência sexual que incluísse o 
aborto. Após discussão no Conselho Nacional de Saúde, a proposta foi aprova-
da e encaminhada à Área Técnica de Saúde da Mulher, para ser implementada. 
(Villelae Lago, 2007, p. 473)
Não obstante a legislação e as normas, relatos colhidos por nós junto 
a assistentes sociais que atuam nesses serviços mostram várias dificulda-
des no atendimento ao abortamento previsto pela lei. Segundo os relatos, 
mesmo quando a equipe do Serviço Social é constituída por profissionais 
www.canaldoassistentesocial.com.br 143
317Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 306-325, maio/ago. 2018
voltados para a perspectiva de reconhecimento do direito, o setor não atende 
sozinho, contando com outros profissionais para esse atendimento. Assim, 
o enfrentamento da equipe de Serviço Social é essencial para confrontar 
práticas profissionais preconceituosas, culpabilizadoras e a negação dos 
direitos das mulheres.
Um dos exemplos disso é a garantia do acesso ao abortamento pre-
visto pela lei sem a realização do boletim de ocorrência. Segundo uma das 
entrevistadas, o único médico da instituição que aceitava realizar o aborto, 
requisitava o boletim de ocorrência para dar sequência ao procedimento. O 
embate das assistentes sociais possibilitou a garantia do direito ao aborta-
mento, conforme dispõe as normas técnicas de 2005 e 2008.
Terminamos este tópico lembrando que foi uma assistente social do 
Hospital do Jabaquara em São Paulo que liderou a luta para implantação de 
um dos primeiros serviços de abortamento legal no Brasil, o que nos aponta 
para a importância do Serviço Social nesse contexto.
3. Serviço Social, direitos reprodutivos e aborto
A partir do desenvolvimento de uma concepção crítica do Serviço So-
cial, cunhou-se um novo projeto profissional, que, segundo Netto (2001), 
tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor central — a 
liberdade historicamente concebida, que permite a escolha entre alternativas 
reais, concretas. Esse projeto profissional está alinhado a um projeto socie-
tário livre de opressões de classe, raça/etnia e gênero.
O Código de Ética do Serviço Social (Brasil, 2012), de 1993, revisado 
e atualizado em 2011, traz como um dos princípios fundamentais o reconhe-
cimento da liberdade como valor central, bem como das demandas políticas 
relativas a ela, como a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos 
indivíduos sociais. A discussão feminista sobre o aborto tem como eixo 
norteador a autonomia das mulheres, o que nos aponta novamente para 
aproximação entre essa questão e o Serviço Social.
www.canaldoassistentesocial.com.br 144
318 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 306-325, maio/ago. 2018
A defesa intransigente dos direitos humanos e a recusa do arbítrio e do 
autoritarismo aparecem no segundo item dos princípios fundamentais do 
Código, seguidos da ampliação da cidadania e defesa do aprofundamento da 
democracia na socialização da participação política e da riqueza socialmente 
produzida. O item n. 5 afirma o posicionamento em favor da equidade e da 
justiça social, assegurando acesso universal a bens e políticas sociais, além 
da sua gestão democrática. O empenho na eliminação de todas as formas de 
preconceito aparece no item 6. O referido código também traz a escolha por 
um projeto profissional em busca de uma sociedade sem dominação, seja 
ela de classe, etnia ou gênero (Brasil, 2012).
O Conselho Nacional de Serviço Social, CFESS, tem se posicionado 
frente aos direitos reprodutivos. Em 2009, o CFESS Manifesta de 28 de se-
tembro4 traz um panorama sobre a questão do aborto, colocando-a como uma 
questão de saúde pública e direito das mulheres. O referido documento relata 
que no 38º Encontro Nacional CFESS-Cress, os assistentes sociais presentes
Reafirmaram seus valo res e princípios, comprometidos com a emancipação 
humana e a construção de uma nova ordem societária, livre de toda forma de 
exploração e opressão, e delibe raram o posicionamento e o engajamento nas 
lutas pela descriminalização do aborto, e a realização de debates em todo o 
Brasil sobre a legalização do aborto como mecanismo de ampliar e democra-
tizar as discussões no âmbito da categoria, para retirada de posicionamento 
do Conjunto CFESS/Cress em setembro/2010. (CFESS, 2009)
No mesmo documento, é endossado o compromisso ético-político com 
a defesa dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e o apoio ao movi-
mento feminista nessa luta, uma vez que “o aborto inseguro é uma gravíssima 
questão de saúde pública e que as mulheres constituem seres éticos ca pazes 
de fazer escolhas de forma consciente e respon sável” (CFESS, 2009).
4. O dia 28 de setembro foi escolhido, pelos movimentos feministas presentes no V Encontro Feminista 
Latino-Americano e do Caribe, como o Dia Latino-Americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização 
e Legalização do Aborto.
www.canaldoassistentesocial.com.br 145
319Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 306-325, maio/ago. 2018
Assim, conforme proposto em 2009, no ano seguinte, em setembro de 
2010, por ocasião do 39º Encontro Nacional CFESS-Cress, colocou-se o 
assunto em pauta novamente. Dessa vez, os assistentes sociais representantes 
de todas as regiões do país deliberaram coletivamente pelo apoio à legalização 
do aborto. O debate foi feito no eixo Ética e Direitos Humanos do evento, 
no qual decidiu-se coletivamente pelo posicionamento. Antes, o tema já 
havia sido debatido em reuniões e assembleias nas regionais do Conselho.5
Em 2011, também no dia 28 de setembro, um CFESS Manifesta foi 
lançado em apoio à legalização do aborto. As exigências e compromissos de 
2009 foram novamente endossados, argumentando a defesa da legalização 
do aborto como questão de saúde pública, uma vez que é a terceira causa de 
morte materna e penaliza ainda mais as mulheres pobres e negras que não 
têm condições de acesso aos abortos clandestinos minimamente seguros. 
Além disso, também relata as ações deliberadas no 40º Encontro Nacional 
CFESS-Cress para a luta pela legalização do aborto.
É importante ressaltar que o CFESS também se manifestou, em 2015, 
em repúdio ao Projeto de Lei n. 5069/2013, de autoria de Eduardo Cunha. 
Na nota de repúdio, o Conselho informa que o projeto “prevê a criminali-
zação do anúncio de métodos abortivos e da prestação de auxílio ao aborto, 
principalmente por parte de profissionais de saúde”, e informa também o 
parecer do relator (Evandro Gussi, PV/SP) um “atentado ao aparato legal 
já existente sobre o tema, um retrocesso às lutas históricas de movimentos 
feministas e, principalmente, um ataque à saúde de milhares de mulheres 
no Brasil” (Idem). A nota de repúdio finaliza endossando o posicionamento 
contrário ao referido projeto de lei e afirmando a luta histórica da categoria 
pela legalização do aborto.
Outro CFESS Manifesta foi lançado em 28 de setembro de 2016 em 
apoio ao Dia Latino-Americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização 
Legalização do Aborto. Trazendo considerações sobre o aborto e o trabalho 
5. Conforme informações do site do Conselho Federal de Serviço Social, disponível em: <http://www.
cfess.org.br/visualizar/noticia/cod/471>. Acesso em: 15 mar. 2018.
www.canaldoassistentesocial.com.br 146
http://www.cfess.org.br/visualizar/noticia/cod/471
http://www.cfess.org.br/visualizar/noticia/cod/471
320 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 306-325, maio/ago. 2018
dos assistentes sociais, o documento de 2016 traz novamente a questão da 
saúde pública, mas também argumenta, norteado pela autonomia das mulhe-
res. O slogan feminista “nosso corpo nos pertence” é trazido para o debate.
O CFESS Manifesta de 28 de setembro de 2016 vai questionar os 
valores conservadores e expressar a necessidade de combatê-los na prática 
profissional, bem como de pensar o assunto de maneira crítica, conforme 
podemos observar abaixo:
No campo da atuação profissional, apesar do avanço do debate que se expres-
sa em deliberações e ações do conjunto CFESS-Cress e do posicionamento 
político da categoria nos instrumentos normativos que compõem o projeto 
ético-político profissional, podemos identificar ações profissionais que negam 
os direitos das mulheres, nosentido de ampliação de acesso a informações e de 
posicionamentos conservadores e questionadores frente à situação de decisão 
das mulheres sobre o aborto. (CFESS, 2016)
Para fazer essa defesa, os princípios éticos e políticos do Serviço Social 
são ressaltados: a defesa intransigente dos direitos, a busca por uma nova 
ordem societária sem opressão de classe, gênero e raça/etnia, o enfrentamen-
to das desigualdades. Categorias como emancipação humana e autonomia 
também são utilizadas no documento para fundamentar o debate, além dos 
posicionamentos dos movimentos feministas sobre esse tema.
Embora o debate esteja presente nos órgãos de defesa da categoria, não 
está necessariamente presente no conjunto da categoria. Em dados coletados 
dados junto a assistentes sociais em 20176 por meio de questionários, pu-
demos verificar que das cem entrevistadas, 46% afirmaram que a discussão 
sobre aborto não esteve presente na sua formação acadêmica/profissional; 
28% afirmaram que essa discussão esteve parcialmente presente na forma-
ção acadêmica/profissional, 10% não se recordam e 1% não sabe do que se 
trata. Apenas 15% das assistentes sociais responderam que a discussão sobre 
6. 4 Dados coletados para pesquisa em andamento sobre aborto e Serviço Social, no programa de Pós-
-Graduação Política Social e Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina.
www.canaldoassistentesocial.com.br 147
321Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 306-325, maio/ago. 2018
direitos reprodutivos esteve presente na formação acadêmica/profissional. 
Em entrevistas presenciais, algumas assistentes sociais pontuaram que ti-
veram contato com o debate sobre aborto e/ou direitos reprodutivos devido 
ao surgimento dessas demandas no cotidiano profissional.
Segundo as entrevistadas, o debate sobre aborto é levado na categoria 
profissional apenas por grupos pequenos que têm uma perspectiva feminista 
e/ou já estão inseridos na luta pela legalização do aborto. Os relatos apontam 
para a ausência desse debate de forma coletiva entre as assistentes sociais.
O posicionamento do CFESS pela legalização do aborto é conhecido 
por quase todas as assistentes sociais entrevistadas. Entretanto, a maior parte 
delas declara não ter lido nenhum documento que detalhe e justifique esse 
posicionamento.
Como nos traz Bonfim, “escolhas éticas só são possíveis a partir da 
relação dialética entre necessidade e liberdade” (2015, p. 202), o que reforça 
a necessidade de reconhecer as condições objetivas e subjetivas de trabalho 
desses profissionais, bem como do contexto em que estão inseridos.
Considerações finais
A luta das mulheres pela liberdade sexual e reprodutiva, bem como 
pela legalização do aborto, conforme percebemos, sempre foi pauta do 
movimento feminista. Afirmando que “o pessoal é político”, o movimento 
feminista pôde colocar em debate várias questões que antes eram deixadas 
de lado, pois “não eram de interesse público”. Conforme nos traz Ávila, essa 
discussão se torna essencial, uma vez que “as interdições legais sobre a vida 
amorosa, sexual e reprodutiva se transformaram, de fato, em mecanismos 
insuportáveis na vida cotidiana, pois são instrumentos de dominação, de 
repressão e de violência” (2005, p. 18).
A questão do aborto no Brasil exige não apenas a mudança na lei, mas 
também a adaptação das políticas sociais e as mudanças nos padrões esta-
belecidos culturalmente e que respaldam as práticas sociais. Seguindo esse 
www.canaldoassistentesocial.com.br 148
322 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 306-325, maio/ago. 2018
caminho, a questão do reconhecimento do direito ao aborto não deve ser 
encarada apenas com o estabelecimento do direito em lei, já que as práticas 
sociais que atravessam essa situação também impossibilitam ou precarizam 
o acesso a esse direito, assim como as políticas sociais não são suficientes
ou devidamente preparadas para o atendimento dessas demandas. Prevalece
ainda a imagem da mulher que abortou como criminosa e assassina; a mulher
que vivencia a sexualidade como desfrutável ou sem valor; a maternidade
como missão e dever da mulher.
No que tange ao Serviço Social, mesmo com as diversas manifestações 
do CFESS e do posicionamento oficial em relação ao aborto, não é possível 
afirmar que, no cotidiano de trabalho, as assistentes sociais traduzam essa 
direção em sua prática profissional. Assim como não é possível afirmar que 
conheçam ou concordem com o posicionamento do CFESS.
Ainda é forte a presença de valores religiosos conservadores na prática 
profissional, mesmo depois do movimento de reconceituação e da construção 
do Projeto Ético-Político do Serviço Social, o que nos mostra um tensio-
namento entre a moral conservadora à brasileira e o Projeto Ético-Político 
do Serviço Social quando o assunto é aborto. Essa moral não está presente 
apenas na formação dessa profissão, mas em toda a sociedade brasileira 
(Bonfim, 2015).
Conforme pudemos ver, o enfrentamento político dos assistentes sociais 
é essencial para a garantia dos direitos já conquistados, inclusive no que 
se refere ao aborto. Se visto enquanto um direito humano das mulheres, a 
negação dos seus direitos reprodutivos é considerada uma violação séria, e, 
portanto, de interesse do assistente social.
O contato do assistente social com situações de vulnerabilidade e ne-
gação de direitos traz, ao mesmo tempo, responsabilidade e possibilidades. 
Uma vez munido dessas informações, como colocado por Iamamoto (2015), 
o assistente social pode agir no atendimento e na socialização das informa-
ções, a fim de denunciar essa realidade, sendo de profunda importância para
a garantia e conquista de direitos. Tomam também contato diariamente com
o sofrimento de mulheres pobres, de maioria negra, com pouca perspectiva
www.canaldoassistentesocial.com.br 149
323Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 306-325, maio/ago. 2018
de autonomia, que sofrem violências de todos os tipos, inclusive a violação 
de direitos reprodutivos.
Recebido em 7/1/18 ■ Aprovado em 26/2/18
Referências bibliográficas
ÁVILA, M. B. Direitos sexuais e reprodutivos: desafios para a política de saúde. 
Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 19, sup. 2. 2003.
ÁVILA, M. B. Liberdade e legalidade: uma relação dialética. In: ÁVILA, M. B.; 
PORTELLA, A. P.; FERREIRA, V. (Orgs.). Novas legalidades e democratização da 
vida social: família, sexualidade e aborto. Rio de Janeiro: Garamond, 2005.
BONFIM, P. Conservadorismo moral e Serviço Social: a particularidade da formação 
moral brasileira e a sua influência no cotidiano de trabalho dos assistentes sociais. Rio 
de Janeiro: Lumen Juris, 2015.
BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações 
Programáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde da Mulher. Prevenção e tratamento 
dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes: norma 
técnica. 2. ed. atual. e ampl. Brasília: Ministério da Saúde, 2005.
BRASIL. Código de ética do/a assistente social. Lei n. 8.662/93 de regulamentação 
da profissão. 10. ed. rev. e atual. Brasília: Conselho Federal de Serviço Social, 2012.
______. Código penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ 
decreto-lei/Del2848compilado.htm> Acesso em: 20 maio 2017.
______. Pela descriminalização e legalização do aborto. CFESS Manifesta, Brasília, 28 
set. 2009. Disponível em: <www.cfess.org.br>. Acesso em: 5 maio 2017.
CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Dia Latino-Americano e Caribenho 
de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto. CFESS Manifesta, Brasília, 
28 set. 2011. Disponível em: <www.cfess.org.br>. Acesso em: 5 maio 2017.
www.canaldoassistentesocial.com.br 150
324 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 306-325, maio/ago. 2018
CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Dia Latino-Americano e Caribenho 
de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto. CFESS Manifesta, Brasília 
28 set. 2016. Disponível em: <www.cfess.org.br>. Acesso em: 5 maio 2017.
______. Nota de repúdiodo Conselho Federal de Serviço Social ao PL n. 5.069/2013. 
Brasília: CFESS, 2015. Disponível em: <www.cfess.org.br>. Acesso em: 5 maio 2017.
CORREA, S.; PETCHESKY, R. Direitos sexuais e reprodutivos: uma perspectiva 
feminista. Physis, Rio de Janeiro, v. 6 (1/2), p. 147-177, 1996.
DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016.
DINIZ, D.; MEDEIROS, M.; MADEIRO, A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciência 
e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 653-660, 2017.
FARIA, N.; LOPES, B. As lutas pelo direito ao aborto, ontem e hoje. In: LOPES, B.; 
MARTINS, J.; MORENO, T. (Orgs.). Somos todas clandestinas: relatos sobre aborto, 
autonomia e política. São Paulo: SOF, 2016.
IAMAMOTO, M. V. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, 
trabalho e questão social. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2015.
KERGOAT, D. Dinâmica e consubstancialidade das relações sociais. Novos Estudos 
Cebrap, São Paulo, n. 86, p. 93-103, 2010.
MARX, K. Sobre a questão judaica. São Paulo: Boitempo, 2010.
MESQUITA, R. F. Aborto inseguro. In: ROTANIA, A. Bioética: vida e morte femininas. 
Rio de Janeiro: Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos, 2000.
NAÇÕES UNIDAS Report of the International Conference of Population and 
Development, Cairo. Nova York: Nações Unidas (n. 95 XIII. 18), 1995.
______. Report of the Fourth World Conference of Women, Beijing. Nova York: Nações 
Unidas (n. 96. IV. 13), 1996.
NETTO, J. P. A construção do Projeto Ético-Político do Serviço Social. Serviço Social 
& Saúde, Brasília, 2001.
OLIVEIRA, E. M. Os sujeitos da luta pela legalização do aborto. In: ÁVILA, M. B.; 
PORTELLA, A. P.; FERREIRA, V. (Orgs.). Novas legalidades e democratização da 
vida social: família, sexualidade e aborto. Rio de Janeiro: Garamond, 2005.
www.canaldoassistentesocial.com.br 151
325Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 132, p. 306-325, maio/ago. 2018
SAFFIOTI, H. I. B. Gênero, patriarcado, violência. 1. ed. São Paulo: Fundação Perseu 
Abramo, 2004.
TALIB, R. A. Dossiê: serviços de aborto legal em hospitais públicos brasileiros (1989-
2004). São Paulo: Católicas pelo Direito de Decidir, 2005.
TELLES, V. Direitos sociais: afinal, do que se trata? Revista USP, São Paulo n. 37, 
1998. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/27023/28797>. 
Acesso em: 10 ago. 2016.
VALDÍVIA, V. B. Silêncios públicos, mortes privadas: a regulamentação jurídica do 
aborto na América Latina e Caribe. São Paulo: Comitê Latino-Americano e do Caribe 
para Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem), 1998.
VENTURA, M. Direitos reprodutivos no Brasil. 3. ed. Brasília: UNFPA, 2009.
VILLELA, W. V.; LAGO, T. Conquistas e desafios no atendimento das mulheres 
que sofreram violência sexual. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, 2007. 
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
311X2007000200025>. Acesso em: 10 mar 2017.
Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.
www.canaldoassistentesocial.com.br 152
(Re)descobrindo a adoção no Brasil trinta anos 
depois do Estatuto da Criança e do Adolescente 
Redescubriendo la adopción en Brasil treinta años 
despues del Estatuto da Criança e do Adolescente 
(Re)discovering child adoption in Brazil thirty years 
after the Children’s Code 
Claudia Fonseca claudialwfonseca@gmail.com 
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brazil 
(Re)descobrindo a adoção no Brasil trinta anos depois do Estatuto da Criança e do 
Adolescente 
Runa, vol. 40, núm. 2, pp. 17-38, 2019 
Instituto de Ciencias Antropológicas, Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de 
Buenos Aires 
DOI: https://doi.org/10.34096/runa.v40i2.7110 
Resumo:A base de fontes documentais e entrevistas informais com profissionais com 
atuação na área, propomos nesse artigo descrever algumas mudanças no campo de adoção 
de crianças e adolescentes no Brasil ao longo dos últimos trinta anos. Iniciamos por uma 
observação metodológica: a falta de dados sistemáticos sobre adoção doméstica. Passamos 
à consideração de uma ênfase crescente nos últimos anos na adoção pelo Cadastro 
Nacional de Adoção (em particular de crianças mais velhas) como solução para o número 
grande de jovens em acolhimento institucional. Sugerimos que avança uma visão 
pragmática calcada nos direitos individualizados da criança como princípio norteador das 
políticas de proteção, ao mesmo tempo que recuam os discursos sobre “justiça social” e 
“reintegração familiar” associados aos primeiros anos do Estatuto da Criança e do 
Adolescente. Trazemos então os debates em torno de “adoções diretas”, desenvolvendo a 
hipótese de que, apesar de sua pouca legitimidade e zero visibilidade nos discursos 
oficiais, elas exercem uma grande influência sobre as práticas de adoção no Brasil. 
Terminamos por sublinhar certos silêncios no campo de adoção que dificultam tanto a 
avaliação de políticas atuais quanto o planejamento de políticas eficazes no futuro. 
www.canaldoassistentesocial.com.br 153
https://doi.org/10.34096/runa.v40i2.7110
Palavras-chave:Adoção, Acolhimento institucional, Políticas públicas, 
Proteção da infância, Antropologia da criança e adolescente. 
Resumen:Sobre la base de fuentes documentales y entrevistas informales a profesionales 
que actúan en el área de la adopción de niños, en este artículo proponemos describir 
algunas transformaciones en el campo de la adopción de niños y adolescentes en Brasil a 
lo largo de los últimos treinta años. Iniciamos con una observación metodológica: la falta 
de datos sistemáticos sobre adopción doméstica. Consideramos luego el énfasis creciente 
que en los últimos años ha tenido la adopción por parte del Registro Nacional de Adopción 
(en particular de niños y niñas mayores) como solución para el gran número de jóvenes en 
acogimiento institucional. Sugerimos así el avance de una visión pragmática calcada en los 
derechos individualizados del niño/a como principio guía de las políticas de protección, al 
mismo tiempo que retroceden los discursos sobre “justicia social” y “reintegración 
familiar” asociados a los primeros años de vigencia del Estatuto da Criança e do 
Adolescente. Volvemos así a los debates em torno de las “adopciones directas” y 
desarrollamos la hipótesis de que, a pesar de su poca legitmidad y cero visibilidad en los 
discursos oficiales, ellas ejercen una gran influencia em las prácticas de adopción en Brasil. 
Finalmente señalamos ciertos silencios en el campo de la adopción que dificultan tanto la 
evaluación de las políticas actuales como la planificación de políticas eficaces en el futuro. 
Palabras clave:Adopción, Acogimiento institucional, Políticas públicas, 
Protección de la infancia, Antropología de la niñez y de la adolescencia. 
Abstract:Based on documental sources and informal interviews with professionals 
involved in this theme, we propose in this article to describe changes in the field of child 
adoption in Brazil over the past thirty years. We begin with a methodological observation 
on the lack of systematic statistics on domestic adoption. We proceed to consider a 
growing emphasis in recent years on adoption through the National Adoption Registry (in 
particular of older children) as a solution for the large number of youngsters in 
institutional care. We suggest that a pragmatic view based on the individualized child’s 
rights has gained ground, at the same time that discourses on “social justice” and “family 
reintegration”, associated with the beginning years of the Children’s Code, have been 
toned down. We then turn to the debates around “direct adoptions”, raising the hypothesis 
that, although suffering from doubtful legitimacy and zero visibility in official discourse, 
they exert a great influence on adoption practice in Brazil. We finish by underlining 
silences in the field of child adoption that hinder the evaluation of present policies as well 
as the planning of effective policies in the future. 
Key words:Adoption,

Mais conteúdos dessa disciplina