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CBI of Miami 1 CBI of Miami 2 DIREITOS AUTORAIS Esse material está protegido por leis de direitos autorais. Todos os direitos sobre ele estão reservados. Você não tem permissão para vender, distribuir gratuitamente, ou copiar e reproduzir integral ou parcialmente esse conteúdo em sites, blogs, jornais ou quaisquer veículos de distribuição e mídia. Qualquer tipo de violação dos direitos autorais estará sujeito a ações legais. CBI of Miami 3 Anamnese Comportamental Liliane Guethe Quando recebemos um aluno com alguma dificuldade de aprendizagem, normalmente é a família que nos procura para a prestação de serviços, porque o aluno recebeu um diagnóstico médico e foi encaminhado pelo profissional ou a escola fez algumas observações e solicitou uma avaliação psicopedagógica ou ainda a própria família percebeu a dificuldade e nos procurou. E qual seria então o primeiro passo a dar assim que realizamos este contato inicial com a família? Neste primeiro contato realizamos a anamnese comportamental. A palavra anamnese tem origem grega e está relacionada aos termos “trazer de volta” e “memória”. No dicionário, a palavra vem relacionada à medicina e significa histórico dos antecedentes de uma doença (doenças anteriores, caracteres hereditários, condições de vida etc.). Em nosso contexto de uso, a anamnese é uma entrevista inicial, realizada com a família ou responsáveis pelo aluno, com profissionais da escola que convivem diretamente com o aluno ou ainda com ele próprio, quando for possível. O objetivo da anamnese é resgatar a história de vida do aluno e coletar informações importantes sobre como foi seu processo de aprendizagem, quais oportunidades lhe foram dadas para aprender e qual a situação atual relativa à aprendizagem. O Psicopedagogo Comportamental realiza a anamnese comportamental. A anamnese comportamental é uma forma indireta de acessar os comportamentos do aluno e, de certa forma, pode orientar a tomada de decisão do Psicopedagogo com relação à escolha da avaliação e também com relação ao planejamento das intervenções. Na anamnese comportamental a preocupação do Psicopedagogo está em fazer perguntas que possam fornecer informações sobre as condições do ambiente antes, durante e depois da ocorrência dos comportamentos que podem implicar nas experiências de aprendizagem. Além disso, é a oportunidade para o estabelecimento de um relacionamento com quem está participando da entrevista, de saber qual a visão da família e/ou professores a respeito do aluno e também de se atentar CBI of Miami 4 às expectativas destas pessoas com relação ao serviço prestado pelo Psicopedagogo. Para conduzir a anamnese comportamental o profissional pode usar como ferramenta um roteiro, que além de direcionar as suas questões a aspectos relevantes do comportamento do aluno, funciona como uma folha de registro, para que as principais informações sejam anotadas e possam ser revistas sempre que necessário. A seguir, descrevemos os principais tópicos que compõem uma anamnese comportamental, porém, é apenas uma sugestão, e o profissional pode e deve adequar estes tópicos de acordo com a sua realidade de trabalho e, principalmente, de acordo com a realidade do aluno e seus comportamentos, que são o foco da entrevista. Se a anamnese for realizada com professores, por exemplo, alguns tópicos não são aplicáveis, pois dizem respeito somente à família ou responsáveis. Inicialmente, podemos anotar informações gerais, como nome do aluno, data da realização da anamnese, nome do entrevistador (Psicopedagogo), nome do entrevistado (familiares, responsáveis ou professores), contatos, endereço e e-mail. O histórico médico também pode ser questionado e contemplar informações relacionadas à visão, audição ou outras condições médicas e possíveis diagnósticos, alergias e medicações em uso (dosagem/frequência). Algumas informações sobre a moradia do aluno, do tipo com quem o aluno mora (número de pessoas), se os pais são separados, se há guarda compartilhada, podem ser importantes para quando forem feitas orientações sobre determinados procedimentos de ensino ou treinamento de pais. Informações sobre outros profissionais de outras áreas (psicólogo, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, educador físico) que prestem atendimentos ao aluno são relevantes para identificar as terapias que o aluno já frequenta e para a necessidade de realizar reuniões com o objetivo de alinhar todas as intervenções. Sobre comunicação e outras habilidades, podem ser questionados fatos sobre as características da forma de comunicação do aluno (fala, sinais, trocas de figuras, gestos), se ele consegue pedir pelo que quer obter. CBI of Miami 5 Questões relacionadas a estímulos sensoriais, à busca por certos tipos de estímulos sensoriais ou esquiva de outros tipos podem alertar para questões sensoriais que precisam ser investigadas por profissionais competentes e, portanto, encaminhadas. Habilidades de brincar, se ocorrem de forma independente, de maneira apropriada, com outros alunos, podem ser alvos interessantes da anamnese, e podem se estender a habilidades sociais, como fazer e manter amizades, sobre entendimento em questões de normas sociais, entre outras. A abordagem de habilidades motoras, de execução de atividades de vida diária (vestir-se, tomar banho, lavar as mãos, escovar os dentes), controle de esfíncteres (uso do banheiro), habilidades de se alimentar (uso de utensílios, tipos de alimentos ingeridos) e rotina do sono também faz parte da anamnese. Questões sobre a compreensão e uso de habilidades de segurança (na cozinha, na rua, com estranhos, etc.) devem ser feitas e também sobre problemas de comportamento como agressões e destruição de objetos. Com relação ao histórico educacional, podem ser formuladas perguntas sobre a escola que frequenta, se escola regular ou de educação especial, quantos dias da semana, por quantas horas, se a escola oferece um Plano de Ensino Individualizado (PEI) para o aluno, se ele tem acompanhante especializado. Além desses pontos, podem ser investigadas algumas habilidades acadêmicas ou seus pré-requisitos: • Comportamentos de aluno: estabelecer e manter contato visual, sentar e permanecer sentado, atentar-se à pessoa que fornece instrução, atentar-se aos estímulos de ensino, etc. • Leitura (sons, letras, sílabas, palavras, frases, trocas). • Escrita (rabiscar, tracejar, pintar, copiar, escrever, trocas). • Matemática (contar, nomear números, relacionar números e quantidades, adição, subtração, valor de moedas). Conhecer os itens, atividades e alimentos preferidos do aluno pode nos ajudar na hora de selecionar possíveis reforçadores para a intervenção, por isso podemos dedicar algumas questões da anamnese a esta finalidade. CBI of Miami 6 Para finalizar a entrevista, podemos pedir ao entrevistado que descreva os pontos fortes que ele observa no aluno, assim como os pontos fracos e também suas expectativas com relação à intervenção. A seguir sugerimos um roteiro para a anamnese comportamental: Sugestão de Roteiro para Anamnese Comportamental Informações gerais: • Nome do aluno; • Data; • Psicopedagogo; • Entrevistado(s); • Contatos; • E-mail. Histórico médico: • Algum problema de visão, audição ou outras condições médicas; • Alergias (medicamentos/alimentos);• Medicações em uso (dosagem/frequência). Informações de casa: • Com quem mora (número de pessoas na casa); • Pais separados; • Guarda compartilhada. Atendimento por profissionais de outras áreas: • Psicólogo; • Fonoaudiólogo; • Fisioterapeuta; • Educador Físico. (Obs.: anotar dias da semana/horários) CBI of Miami 7 Comunicação: • Fala; • Sinais; • Troca de figuras; • Gestos; • Consegue pedir pelo que quer obter. Questões sensoriais: • Busca por estímulos sensoriais; • Evita estímulos sensoriais. Habilidades de brincar: • Brinca de forma independente; • De maneira apropriada; • Com outros alunos. Habilidades motoras: • Correr, andar, pular, etc. Atividades de vida diária: • Vestir-se, tomar banho, lavar as mãos, escovar os dentes); • Uso do banheiro (controle de esfíncteres); • Alimentar-se (uso de utensílios, tipos de alimentos ingeridos); • Rotina do sono. Habilidades de segurança: • Uso de utensílios e eletrodomésticos (cozinha); • Atravessar a rua; • Falar com estranhos. CBI of Miami 8 Comportamentos desafiadores: • Agressões (a si mesmo e a ao outro); • Destruição de objetos. Histórico educacional: • Escola regular; • Escola de educação especial; • Dias da semana/horários; • Escola oferece Plano de Ensino Individualizado (PEI); • Acompanhante especializado. Habilidades acadêmicas e pré-acadêmicas: • Comportamentos de aluno: estabelecer e manter contato visual, sentar e permanecer sentado, atentar-se à pessoa que fornece instrução, atentar-se aos estímulos de ensino, etc. • Leitura (sons, letras, sílabas, palavras, frases, trocas); • Escrita (rabiscar, tracejar, pintar, copiar, escrever, trocas); • Leitura (sons, letras, sílabas, palavras, frases, trocas); • Matemática (contar, nomear números, relacionar números e quantidades, adição, subtração, valor de moedas). Preferências do aluno: • Itens, objetos; • Atividades; • Alimentos. Visão do(s) entrevistado(s) sobre o aluno: • Pontos fortes; • Pontos fracos. CBI of Miami 9 Dimensões Mensuráveis do Comportamento Nós já falamos anteriormente sobre a importância do Diagnóstico Comportamental feito pela avaliação direta do comportamento. Após a avaliação comportamental, o Psicopedagogo tem uma visão geral dos comportamentos que o aluno apresenta, quais seus antecedentes (contexto) e suas consequências (o que os mantém, o reforçador). A partir daí, as intervenções podem ser planejadas de maneira mais direta e com maiores chances de darem certo. A observação do comportamento durante a avaliação também envolve medi-lo com precisão. Aliás, a medida precisa do comportamento é uma das características fundamentais da Análise do Comportamento Aplicada (ABA). Através das medidas nós identificamos os níveis de ocorrência do comportamento. Medir um comportamento significa quantificar, dar valores e números a uma dimensão deste comportamento. E quais dimensões (aspectos) do comportamento podem ser medidas? O comportamento, como um fenômeno do ambiente físico, apresenta propriedades que podem ser medidas, quantificadas. Assim como podemos medir a altura de uma mesa, a largura de uma caixa, também podemos medir a ocorrência do comportamento em um determinado momento do tempo, o quanto ele durou e quantas vezes ele ocorreu. As dimensões mensuráveis do comportamento que vamos abordar a seguir são: latência, duração e frequência/taxa. A latência nos diz em que momento o comportamento ocorre no tempo. É a quantidade de tempo que se passa entre a apresentação de um antecedente e a ocorrência do comportamento. Vamos imaginar uma situação em que o Psicopedagogo dita uma palavra para o aluno escrever. O tempo que se passa entre o Psicopedagogo ditar a palavra e o aluno começar a escrever é chamado de latência. Neste caso, se uma demora em iniciar a escrita após o ditado estiver atrapalhando o desempenho do aluno, o registro de latência pode ser usado para avaliar se é necessário planejar uma intervenção para diminuir esse tempo. E, na prática, como é feito esse registro? Para o registro de latência, ainda no caso do ditado de palavras, o Psicopedagogo aciona um cronômetro CBI of Miami 10 assim que ele termina de ditar a palavra e pausa o cronômetro assim que o aluno inicia a escrita. E então registra o tempo de latência em uma folha de registro, como no modelo abaixo: Modificado de CANOVAS, Daniela (2018) A próxima dimensão mensurável do comportamento a ser abordada será a duração. A duração é o tempo que se passa entre o início e o término de um comportamento. A medida de duração pode ser importante quando precisamos saber a quantidade de tempo que o aluno permanece em um determinado comportamento. Por exemplo, não é adequado que um aluno permaneça falando com os colegas de sala por um período de tempo prolongado, já que isso pode interferir na realização de algumas atividades, então uma intervenção CBI of Miami 11 poderia ser planejada para diminuir a duração deste comportamento. Por outro lado, permanecer sentado durante um período de tempo maior na sala de aula, durante uma explicação do professor, por exemplo, é relevante. Neste sentido, a medida de duração ajudaria no planejamento de uma intervenção com o objetivo de aumentar o tempo que o aluno permanece sentado. Podemos registrar a duração de um comportamento de duas formas: por ocorrência ou por duração total. No caso do registro por ocorrência, vamos registrar a duração de cada ocorrência do comportamento, ou seja, toda vez que o comportamento for iniciado (o aluno sentar) vamos acionar o cronômetro e a hora que o comportamento terminar (aluno levantar) vamos pausar o cronômetro. O cronômetro pode então ser zerado e aguardamos a próxima vez que o aluno sentar para iniciar o próximo registro. E assim, durante o período de aula vamos ter o registro de duração para cada ocorrência do comportamento de sentar do aluno. Já no registro de duração total, vamos iniciar o cronômetro quando o comportamento ocorrer pela primeira vez (aluno começar a conversar com os colegas) e pausar o cronômetro quando o comportamento terminar (aluno parar de conversar com os colegas). Mas desta vez nós não vamos zerar o cronômetro, e quando o aluno iniciar novamente o mesmo comportamento (conversar com os colegas) retomamos a medida, a partir da duração anterior que permaneceu no cronômetro. Se no primeiro registro a duração da conversa foi de 10 minutos, na segunda vez que o aluno começar a conversar com os colegas vamos acionar o cronômetro a partir dos 10 minutos, e assim por diante. Neste caso, teremos a duração total do comportamento ao longo de uma sessão de observação. Uma outra dimensão mensurável do comportamento é a frequência, relacionada à repetição. A frequência é o número de vezes que o comportamento se repete e em geral, medimos a taxa do comportamento, isto é, a repetição em um determinado tempo. Então, a frequência ou taxa de comportamento é a razão entre o número de comportamentos e o tempo de observação. Para calcular a taxa, nós dividimos o número de comportamentos pelo tempo de observação, seja a unidade de tempo em segundos, minutos, horas ou dias. CBI of Miami 12 Medidas de taxa do comportamento são muito usadas ABA e são indicadas para comportamentos em que seja possível identificar a sua ocorrência ou o seuinício e fim e que tenham duração curta. Se a frequência do comportamento for muito alta, pode ser difícil de registrar, aí esta medida não é a mais indicada. Em alguns comportamentos autolesivos, como por exemplo, morder-se e bater-se, o registro de taxa pode ser indicado. Vamos imaginar um aluno que apresenta um comportamento de morder a sua própria mão 60 vezes durante um período de observação de 60 minutos. Neste caso, nós dividimos 60 (número de comportamentos) por 60 (tempo de observação) e a taxa vai ser 1 comportamento/minuto. A partir destas coletas da taxa do comportamento é possível planejar uma intervenção para diminuir este comportamento (morder-se) que é prejudicial para o aluno. Também podemos utilizar a medida de taxa quando pretendemos ensinar uma habilidade nova para um aluno ou melhorar o seu desempenho em alguma habilidade que ele já apresente. Pensando em melhorar o desempenho de um aluno na escrita de palavras, um objetivo para a intervenção pode ser aumentar o número de palavras escritas de forma correta em um dado período de tempo. Neste exemplo, se o aluno escrever 12 palavras de maneira correta em 2 minutos, a taxa é de 6 palavras corretas/min (12 palavras corretas dividido por 2 minutos). A intervenção pode ser planejada para aumentar o número de palavras escritas de forma correta para 20 em 2 minutos, por exemplo. E como fazemos esse tipo de medida na prática? Programamos o tempo de observação no timer e no caso do exemplo de comportamento autolesivo (morder-se), acionamos o timer no momento planejado para o início da observação e vamos anotando cada ocorrência do comportamento em folha de registro ou usando um contador manual. Quando o timer tocar, somamos as ocorrências (quando anotadas em folha de registro) ou verificamos o número de ocorrências pelo contador e então podemos calcular a taxa do comportamento. No caso do exemplo de escrita de palavras, a própria folha em que o aluno escreve as palavras pode ser usada para a realização da soma de palavras escritas e cálculo da taxa. CBI of Miami 13 Realizar medidas dos comportamentos é uma constante na prática do Psicopedagogo Comportamental, pois sem elas não existem intervenções de qualidade. Referências Bibliográficas UNIVERSITY of Washington, Center on Human Development & Disability. ABA Intake Form. Disponível em: https://depts.washington.edu/uwautism/wp-content/uploads/2018/04/1b.- IntakeForm_ABA1.pdf. Acesso em: 08 out. 2021. CANOVAS, Daniela. Escolha das medidas do comportamento. In: SELLA, Ana Carolina; RIBEIRO, Daniela Mendonça (Orgs). Análise do comportamento aplicada ao transtorno do espectro autista. Curitiba: Appris Editora, 2018. p. 167-184. SAMPAIO, Simaia. Manual prático do diagnóstico psicopedagógico clínico. 6. ed. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2016. https://depts.washington.edu/uwautism/wp-content/uploads/2018/04/1b.-IntakeForm_ABA1.pdf https://depts.washington.edu/uwautism/wp-content/uploads/2018/04/1b.-IntakeForm_ABA1.pdf