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Cirurgia - Volume 1 1Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
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Cirurgia - Volume 1 2Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
Seção 3:
CirroSe HepátiCa e SuaS CauSaS
Introdução
Causas de Cirrose
HepatiteS ViraiS CrôniCaS
Microbiologia e Fisiopatologia
Avaliação Inicial
Hepatite Viral B CrôniCa
Hepatite Viral C CrôniCa
Doença HepátiCa alCoóliCa
Introdução
Fisiopatologia
Fatores de Risco e Manifestações Clínicas
Achados Laboratoriais
Tratamento e Prognóstico
Doença HepátiCa GorDuroSa não
alCoóliCa (DHGna)
Introdução, Fisiopatologia e Diagnóstico
Tratamento
Doença De WilSon
Manifestações Clínicas
Diagnóstico
Tratamento
HemoCromatoSe
Introdução
Manifestações Clínicas
Diagnóstico
Tratamento
apênDiCe
I - Cirrose Cardiogênica
II - Cirrose x Prova de Pediatria
III - Boletim Operatório
. Medicina de Transplantes
. Transplante Hepático
m.e.D r3 ClíniCa méDiCa
m.e.D r3 CirurGia Geral
área De treinamento m.e.D
Questões de Concursos
Comentários
DiaGnóStiCo DiferenCial
(Hypothesis)
Seção 1:
a SínDrome De inSufiCiênCia
HepatoCelular
Introdução
Manifestações Clínicas
Diagnóstico e Tratamento
CompliCaçõeS aSSoCiaDaS à
inSufiCiênCia HepatoCelular
1) Encefalopatia Hepática
2) Síndrome Hepatorrenal
3) Complicações Pulmonares
4) Desnutrição
5) Coagulopatia
6) Anormalidades Hematológicas
7) Doença Óssea
8) Carcinoma Hepatocelular
Seção 2:
a SínDrome Da HipertenSão porta
Introdução
Etiologia
Manifestações Clínicas
eStuDo DiriGiDo 1: aSCite
Introdução e Diagnóstico
Etiologia
Tratamento
Complicações
eStuDo DiriGiDo 2: VarizeS
eSofaGoGáStriCaS
Introdução
Fatores de Risco para o Sangramento
Abordagem Geral
tratamentos inVasiVos da Hipertensão
porta
1) Tratamento Cirúrgico
2) TIPS – Derivação Portossistêmica
Transjugular Intra-Hepática
VÍDEO DE INTRODUÇÃO
CIRURGIA - VOLUME 1
M.E.D - 2018
SíndromeS de InSufIcIêncIa
Hepatocelular
e HIpertenSão porta
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Aloísio, 38 anos, ex-tabagist
a e etilista eventual (sic), nã
o
vem se sentindo bem. Grande
apreciador de banho de lago
as, vem evi tando a
atividade por conta de queixa
s constantes de náuseas, fadig
a e indisposição, o
que motivou a procura de um
serviço médico. Após avaliaçã
o clínica sumária em um
posto de saúde, recebeu surp
reso a prescrição de sulfato f
erroso e a recomendação de
comer bastante feijão, sendo
encaminhado a um serviço de
hematologia com o relato de
“redução
do hematócri to”. No entanto,
Aloísio, desconfiado, ignorou
as recomendações do médico
e
voltou às suas atividades norm
ais. Duas semanas depois, os
sintomas ganharam mais impor
tância e
teve de voltar ao hospi tal, de
ssa vez, ao setor de Emergên
cia. Neste dia, como o hospi t
al estava
incrivelmente vazio, recebeu m
aior atenção. Assim, além de
mucosas hipocoradas, os plan
tonistas
acabaram por notar vasos san
guíneos que caprichosamente
desenhavam o abdome
do paciente. Notaram também
que, apesar de plano, o abdo
me não era
completamente atípico já que
uma massa era palpada com a
posição de
Schuster. De posse destes ach
ados, um dos médicos, que era
gastroenterologista, resolveu
proceder à videoendoscopia d
igestiva
alta do paciente cujo resultad
o está demonstrado a seguir.
Qual(is) o(s) diagnóstico(s) sindrômico(s) deste paciente?
Caso 1
Como você classificaria este distúrbio? Justifique.
Como você investigaria o caso? Cite duas
hipóteses diagnósticas.
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Qual seria sua conduta terapêutica diante deste paciente se
viesse a apresentar hematêmese?
Caso 2
Jocasta, sexo feminino, 42 anos, enfermeira, procurou
o consultório de um endocrinologista para perder peso. Segundo o relato da
paciente, há algumas semanas seu abdome vinha aumentando de tamanho, ficou mais
doloroso e não conseguia emagrecer. Desde o primeiro momento da consulta, no entanto,
o formato mais arredondado da barriga já fazia o médico perceber que o problema era outro.. .
Além disso, durante o exame físico, após a manobra da “arranhadura”, observou que a ausculta se
tornava mais intensa a 6 cm do rebordo costal direi to.
A paciente nunca consumiu bebida alcoólica e utilizava apenas anticoncepcionais orais. Tem o
relato na família, de um irmão do outro casamento do seu pai, ter uma doença do sangue, mas
não sabe dizer exatamente qual seria. Não havia turgência jugular, nem edema de membros
inferiores. Trazia consigo ainda exames solici tados pelo médico de seu trabalho, mas que não
tinham sido interpretados: ALT 20 U/L, AST 15U/L, Proteína total 7,0 g/dl; albumina 4,3
g/dl, Bilirrubina total 1,0 mg/dl, TAP 75%, HBsAg negativo, anti-HBs posi tivo, IgM anti-
HBc negativo, IgG anti-HBc posi tivo, IgG anti-HAV posi tivo, anti-HCV negativo.
Qual o diagnóstico sindrômico desta paciente?
Qual a melhor forma de classificar este
quadro? Justifique.
Como você investigaria o caso?
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a) Esquistossomose:
b) Trombose de veia cava inferior:
c) Insuficiência cardíaca direi ta:
d) Síndrome de Budd-Chiari:
Faça o seu comentário para as seguintes possibilidades diagnósticas.
Caso o aumento abdominal fosse atribuído à cirrose hepática,
quais seriam as linhas gerais do tratamento?
Moça recatada do
interior, garçonete e
dançarina de uma famosa
boate da região, dá entrada na
emergência de um hospi tal universi tário com
quadro de febre não aferida, dor abdominal
difusa, náuseas e fraqueza. A mãe relata que a filha
está com insônia e dormindo mui to durante o dia. Como o
médico de plantão estava em outro atendimento, foi avaliada
pelo acadêmico do sexto período mais capaci tado para a
função. O acadêmico logo observou um aumento do volume
abdominal. Será que estaria grávida? - pensou imediatamente.
No entanto, acompanhada da mãe e da tia, carolas
implacáveis do padre Tomás, negava qualquer tipo de relação
sexual ou atos similares. Trazia toda orgulhosa, inclusive, o
laudo ‘um pouco apagado’ de ter adquirido o vírus B há 10
anos, após uma picada de mosqui to... Sem perder tempo com
histórias, o acadêmico se surpreende, pois, à palpação, não
havia sinais de aumento uterino, mas sim de um abdome
batraquial, com discreto desconfor to à palpação profunda.
Foi observado também hiper timpanismo central que
prevalecia nos flancos quando em decúbi to lateral. Espaço
de Traube estava ocupado. Baço palpável a 3 cm do RCE.
Foram solici tados prontamente exames laboratoriais, cuja
principal alteração foi uma panci topenia (leucóci tos 1.700/
mm3; hemácias 2.400.000/mm3 e plaquetas 30.000/mm3).
Trazia uma amostra negativa do anti-HIV.
Caso 3
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Qual o diagnóstico sindrômico e o possível diagnóstico etiológico
desta paciente?
Como justificar a confusão mental que apresenta? E o quadro febril?
Qual seria a sua primeira abordagem para o quadro?
Como você justificaria os achados hematológicos?
Caso viesse a apresentar elevação dos níveis séricos de creatinina e
oligúria, em que complicação deveríamos pensar? Qual seria a
conduta mais adequada?
Quais seriam suas condutas diante desse caso, se o
diagnóstico de PBE fosse confirmado?
Carlota Stefenani tz é uma bem
sucedida executiva de 38 anos, que leva uma
vida aparentemente invejável. No entanto, o que poucos
sabem é que, fora da empresa, ela é uma pessoa soli tária e
com histórico de etilismo impor tante, inclusive já tendo sido
internada por conta de uma crise de abstinência.
Recentemente, ela vem sendo acometida por uma terrível fadiga
que a impede de trabalhar adequadamente. Apresenta ainda um
amarelamento da pele e a mão constantemente vermelha na sua
região palmar. Suas mãos também parecem mais rígidas e seus
amigos vêm notando queas bochechas estão mais crescidas.
Desesperada, tentou fazer dieta, mas de nada adiantou a não
ser afinar ainda mais suas pernas e braços. Procurou então
atendimento médico para esclarecer seu problema de saúde,
sendo realizados os seguintes exames:
Caso 1
• Ht 32%
• Leucócitos 4.000/mm3 • Plaquetas 120.000/mm3• Glicose 118 mg/dl• Ureia 30 mg/dl• Creatinina 1,0 mg/dl• AST 40 U/L
• ALT 30 U/L
• Fosfatase Alcalina 100 U/L• Bilirrubina 3,8 mg/dl (BI=1,0; BD=2,8)
• TAP 60% (INR 1,5)• PTT 38s
• Albumina 2,8 g/dl• Na 136 mEq/L• K+ 4,0 mEq/L• USG de abdome: fígado com textura hiperecoica devido à infiltração gordurosa difusa.
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Qual o diagnóstico sindrômico desta paciente? Justifique.
Qual o provável diagnóstico etiológico? Quais os principais
padrões de lesão hepática a que esse agente pode levar e o
tratamento proposto para cada um deles?
Considerando que Dona Carlota fosse obesa e por tadora de síndrome
metabólica, mas não apresentasse hábi to etílico e as sorologias
fossem negativas para hepati tes virais e doenças autoimunes, qual
condição deveria ser pensada? Como você trataria?
Como você estadiaria funcionalmente essa paciente?
Caso 2
Júlio, um aplicado estudante de Ciências Aeroespaciais de 25 anos,
procurou atendimento médico esta semana, queixando-se de indisposição.
Ao exame, mostrava-se ictérico +/4+, afebril, eupneico e hipocorado +/4+.
Na ectoscopia, foram observadas formações vasculares no tórax, que sumiam com
a digitopressão, rarefação de pelos e mamas aumentadas de tamanho. A pontuação
no mini-exame do estado mental era de 29 pontos (perdeu um ponto na estação do
ano). Relatou que seus pais faleceram muito cedo e a única coisa que sabia era que sua mãe
tinha morrido ainda jovem, em uma instituição psiquiátrica. A namorada que o acompanhava
na consulta, contou à equipe médica que, há seis dias, após diversas discussões no seu
trabalho, ele foi para casa e resolveu se isolar por alguns dias. Nesse período, passou a notar
alguns tremores e dificuldade para realizar alguns movimentos, como a flexão da perna.
Aflita, realizou uma pesquisa na Internet e imaginou que ele tivesse a mesma doença de
celebridades como Michael J. Fox e Muhammad Ali. O que intriga o casal neste momento é
que Júlio não recebeu encaminhamento nem para um neurologista, nem um psiquiatra, mas para
um oftalmologista...
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Qual é o achado oftalmológico esperado?
Como você explicaria os achados de anemia e icterícia
neste paciente?
Qual a principal hipótese diagnóstica e os exames necessários
para confirmá-la?
Quais as linhas gerais de tratamento para o caso?
Existe alguma alternativa para os casos refratários?
Caso 3
Januário, ex-ator de filmes adultos, 45 anos, vem ao seu
consultório queixando-se de que não consegue mais
emprego no ramo. O principal motivo seria uma “queda na
performance ar tística” e, por isso, gostaria de tomar algumas
das pílulas azuis que seu vizinho vem usando. Quando questionado, refere
também cansaço progressivo nos últimos meses,
palpi tações e dor abdominal em hipocôndrio
direi to de moderada intensidade. Graças a essa
dor, traz um exame de urina realizado no PS na
semana anterior que mostra densidade de 1.018,
2 pióci tos por campo, glicosúria +++/4+ e
presença de cilindros hialinos. O fígado está
palpável a 4 cm RCD e há edema de membros
inferiores (++/4+). Antes de terminar o
exame físico, você percebe, ao olhar mais
atento, uma discreta diferença de coloração,
uma espécie de ‘bronzeado’, mais intenso
na face, pescoço, regiões extensoras dos
antebraços e dorso das mãos e pernas.
Qual o provável diagnóstico deste paciente?
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Quais são as bases do tratamento proposto?
Como você confirmaria este diagnóstico?
Quais drogas poderiam ser utilizadas
no tratamento do Sr. Teixeira?
O que mudaria se, em vez de sorologia para o vírus B,
Sr. Teixeira apresentasse anti-HCV (+)?
Teixeira, 55 anos é um
famoso jornalista que ac
aba
de se afastar da mídia p
or problemas de saúde.
Tudo
começou por uma de sua
s avaliações de rotina, e
m
que foram detectadas al
terações nas enzimas
hepáticas (sic) que o co
nduziram ao inesperado
diagnóstico de hepati te
B. O paciente se enco
ntra
assintomático e não é h
iper tenso, diabético ou
por tador de qualquer mo
rbidade. Os demais exa
mes
laboratoriais se mostrara
m normais. Acompanhado
por
um grande hepatologista
, Teixeira está agora em
avaliação para saber se
deve ou não entrar no
protocolo de tratamento
antiviral específico. Se
us
achados sorológicos são
: HBsAg (+); anti-HBc
total (+); anti-HBc IgM
(-); HBeAg (+); anti-
HBe
(-); anti-HBs (-); HBV
-DNA > 20.000 Ul/ml.
Com
a biópsia realizada esta
semana, não houve mai
s
dúvidas e o tratamento f
oi iniciado.
Com base nessas si tuaçõ
es clínicas, responda:
Caso 4
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11
Homem, 56 anos, hepatopata crônico por
etiologia alcoólica, classe funcional Child-Pugh C é admitido no pronto-socorro com
desconfor to abdominal e abdome batraquial. Durante rápida avaliação inicial, observa-se que
o paciente apresenta confusão mental, háli to de odor fétido e escleras ictéricas. Não relata
episódios de hematêmese, mas refere constipação há aproximadamente 3 dias. Como já era
sabidamente por tador de asci te e o exame físico não deixava dúvidas disso, foi prontamente
submetido à paracentese diagnóstica e de alívio (com a retirada de 6,5 L de líquido) que trazia:
líquido amarelo-ci trino, contendo 500 leucóci tos, 300 polimorfonucleares, glicose 60 mg/dl;
LDH normal; proteína 0,9 g/dl. O gradiente de albumina soro-asci te calculado foi de 1,8.
Com base nesse quadro clínico, faça a prescrição desse paciente:
Prescrição
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12
Anamnese:
ID: Mulher, 32 anos, casada, professora universitária
QP: vômitos e dor abdominal
HDA: paciente procurou serviço médico com queixa de vômitos
sanguinolentos em moderada quantidade, associados a dor abdominal difusa
iniciada nos últimos dois meses, mas com piora acentuada há três dias. Nega
qualquer padrão de irradiação da dor, associação com alimentação, disúria ou alteração
do hábito intestinal.
HPP: Nega ser hiper tensa, diabética ou possuir história de alergia. Não refere história prévia de
li tíase biliar nem faz uso regular de medicamentos, exceto por anticoncepcionais.
H. Fam: Pai de 68 anos, hiper tenso e mãe de 59, por tadora de doença do refluxo e varizes
essenciais.
Tem um filho sadio e tem história de três abor tos espontâneos.
H Fisiol: Questionada sobre a história reprodutiva, afirma por vezes apresentar ciclos menstruais
irregulares e, por conta disso, utiliza anticoncepcionais orais. Relata que durante a gestação
recebeu tratamento para sífilis após detecção ocasional da infecção num exame de sangue.
Hsoc: Nega ser tabagista, etilista ou usuária de drogas IV. Dieta sem restrições, levemente
hipercalórica.
Exame Físico:
Ectoscopia: Lúcida, hipocorada +/4+, afebril, acianótica, anictérica, eupneica, em bom estado
geral. PA 128 x 82 mmHg; FC 88 bpm; FR 18 irpm.
ACV e AR: NDN
Abdome: atípico, peristáltico, flácido, com dor abdominal difusa à palpação profunda, sem sinais
de irri tação peri toneal e sem massas palpáveis.
Mmii: Pulsos palpáveis, isóbaros. Ausência de empastamento de panturrilhas. Nota-se a presença de
livedo reticularis.
Exames Complementares:
Foram inicialmente solici tados hemograma, amilase, transaminases, albumina, TAP, EAS e dosagem
de beta-HCG cujos resultados não acrescentaram nenhum valorao caso. Realizada tomografia
computadorizada de abdome, cujo achado se mostra abaixo:
Com base nesses dados, responda:
Qual a alteração observada pelo exame de imagem?
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13
Qual seria a hipótese diagnóstica para o caso?
Qual a conduta terapêutica?
Caso Extra
Dona Santana é uma famosa comerciante da cidade e detentora, por
diversas vezes, dos títulos “Fígado do ano” e “Miss Branquinha”. No
entanto, como gosta de afirmar, tais títulos fazem jus apenas ao seu
passado, quando estava “desencontrada”, já que atualmente tornou-se uma
religiosa convicta. Há alguns meses, descobriu ser por tadora do vírus B, procurando
atendimento médico. E é nessa situação que nos encontramos. Do outro lado da mesa de
atendimento, mal iniciada a tão cobiçada residência de cirurgia geral, João e Paulo, residentes
do primeiro ano recém chegados, aguardavam ansiosamente para acompanhar o serviço de
transplante hepático. Logo na primeira consulta, eles atenderam a Dona Santana. No prontuário,
ela aparecia classificada no momento como Child B-9. Para piorar a situação, durante
avaliação rotineira foi constatado um hepatocarcinoma de 4 cm entre os segmentos IVB e V. O
transplante hepático estava então indicado, ficando os residentes responsáveis pelo cadastro na
fila de transplantes.
Baseado no caso, responda as seguintes questões:
Qual seria a maneira correta de “ranquear” Dona Judi te na fila do transplante?
Quais são os principais cri térios empregados para alocação dos fígados advindos
de doadores cadáveres?
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A paciente em questão recebe alguma pontuação especial?
Caso mantivesse o hábi to etílico, haveria
alguma contraindicação ao transplante?
Após 3 meses de espera e na ausência de crescimento tumoral, a dupla mui to mais
“experiente” de residentes pôde acompanhar a paciente durante sua internação e a
realização do tão esperado transplante hepático. Ao longo do procedimento, o
preceptor responsável notou a empolgação de ambos e logo os presenteou com
algumas perguntas:
Quais são as principais fases do procedimento cirúrgico no receptor?
Cite as principais formas de anastomose com veia cava. Quais delas são
capazes de reduzir o tempo de anepatia do receptor?
Qual é a principal complicação intraoperatória?
Ela ocorre em que tempo da cirurgia?
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15
A cirurgia foi um sucesso! Durante as
semanas seguintes os colegas dos dois
novos entusiastas do transplante hepático
cansaram de ouvir o quão espetacular foi o
procedimento. Contudo, nem tudo corria as
“mil maravilhas”. A paciente há 4 dias vinha
sentindo febre e um desconfor to impor tante
no hipocôndrio direi to. Realizado Eco-
Color-Doppler do sistema por ta que
resultou no seguinte laudo:
- Veia Cava com calib
re de 1 ,8 cm,
anastomose pérvia, sem
falhas de
preenchimento, com ve
locidade de
fluxo normal .
- Veia por ta de calibr
e de 1 ,2 cm,
fluxo hepatopetal , com
velocidade de
fluxo normal (15 cm/s
).
- Não foi possível visu
alizar a ar téria
hepática.
A par tir do exame, responda:
Qual é o provável diagnóstico? É necessário algum exame
adicional para sua confirmação?
Qual a conduta indicada para o caso?
Durante a realização do procedimento indicado, quais são os achados
mais frequentes? Por quê?
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Cirurgia - Volume 1 16Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
A Síndrome de inSuficiênciA
HepAtocelulAr
16
“O cão de caça alado de Zeus,
Deve vir como um convidado
espontâneo ao seu banquete.
Durante todo o dia ele irá
rasgar seu corpo em frangalhos,
deliciando-se furiosamente
sobre o fígado escuro.
Não espere o fim dessa
agonia, até que um Deus
sofra livremente por você.”
Ésquilo (em “Prometeu acorrentado”)
omo podemos observar neste fabuloso trecho da mitologia grega,
o castigo de Prometeu por ter levado o fogo dos deuses aos
humanos foi ter um pedaço de seu fígado arrancado diariamente.
Graças à sua incrível capacidade de regeneração, este castigo
seria “eterno” até que algum Deus o libertasse por piedade... Ao longo
desta apostila, apesar de falarmos novamente do fígado (a exemplo da
apostila de Síndrome Ictérica), você perceberá que teremos um enfoque
diferente. Nosso objetivo agora estará voltado basicamente para
as hepatopatias crônicas e a cirrose hepática. Estas condições são
responsáveis por duas síndromes principais. A primeira, veremos neste
capítulo, representada pela Síndrome de Insuficiência Hepatocelular.
A segunda, discutida adiante, é a Síndrome de Hipertensão Porta
(HP). A partir de agora, convidamos você a embarcar num detalhado
estudo do fígado e das principais condições que o acometem, um tema
que há centenas de anos tanto fascina o ser humano!
C
Figura 1: O Lóbulo Hepático = unidade funcional do fígado.
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Cirurgia - Volume 1 17Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
Saiba maiS:
O fígado possui uma incrível capacidade
de se regenerar e ajustar o seu volume às
necessidades do organismo, o que pode
ser notado após as hepatectomias e os
transplantes hepáticos. Em alguns animais
como os ratos, por exemplo, o fígado é ca-
paz de se regenerar totalmente após sete
dias! Você já parou para imaginar um cora-
ção infartado ou um rim isquemiado que se
renovassem dessa forma?? Seria o fim das
diálises e dos trombolíticos!!!
QUADRO DE CONCEITOS
MICROARQUITETURA
Lóbulos Hepáticos (Polígonos) / centro:
veia centro lobular / “cantos”: espaço-porta
(tríade: vênula, arteríola e dúctulo biliar).
Zona 1: periportal; Zona 2: intermediária;
Zona 3: perivenular.
PRINCIPAIS FUNÇÕES HEPÁTICAS:
(1) Eliminação de toxinas;
(2) Coordenação do metabolismo interme-
diário;
(3) Síntese de proteínas; e
(4) Metabolismo da bilirrubina e síntese dos
ácidos biliares.
MANIFESTAÇÕES NA HEPATOPATIA
- Achado mais comum = fadiga.
- Aguda (neurocardiovasculares) x Crônica
(“Estigmas hepáticos”).
ESTADIAMENTO DA FUNÇÃO HEPÁTICA
- Geral = Escore de Child-Pugh (“BEATA”):
classes A, B e C.
- Transplante = Escore de MELD.
COMPLICAÇÕES DA INSUFICIÊNCIA
HEPATOCELULAR
(1) Encefalopatia Hepática.
(2) Síndrome Hepatorrenal.
(3) Complicações Pulmonares.
(4) Desnutrição.
(5) Coagulopatia.
(6) Anormalidades hematológicas.
(7) Doença Óssea.
(8) Hepatocarcinoma.
Introdução
A) Microestrutura hepática
O fígado é o mais volumoso órgão interno do
corpo humano, pesando aproximadamente
1-1,5 kg e representando 1,5-2,5% da massa
corporal magra. Funcionalmente, ele está or-
ganizado em pequenos lóbulos. Observe na
FIGURA 1 que estes lóbulos nada mais são
que polígonos construídos a partir de “muros
de hepatócitos”, (as principais células do pa-
rênquima), contendo a veia centrolobular no
meio e o espaço-porta nos cantos. Cada espa-
ço-porta, por sua vez, é formado por uma tríade
portal que possui no seu interior uma vênula
(ramo da porta), uma arteríola (ramo da artéria
hepática) e um dúctulo biliar. Na FIGURA 2
observamos ainda que estes “muros de hepa-
tócitos” são revestidos por células endoteliais
e fagocitárias (células de Kupffer), compondo
o que denominamos de Sinusoides Hepáticos.
E é justamente nestes sinusoides que caminha
o sangue que “banha” os hepatócitos.
O sangue que chega ao fígado é proveniente
de duas grandes vias: arterial (artéria hepática)
e venosa (veia porta). Eles chegam ao órgão
através de seus ramos terminais no espaço-
-porta. Assim, percorrem um caminho particu-
lar que se inicia pelos cantos do lobo hepático
(zona 1 – periportal), percorre os sinusoides
(zona 2 – intermediária) até desembocar se-
quencialmente nas veias centrolobulares (zona
3 – perivenular), sublobulares, supra-hepáticas
(duas ou três) e veia cava inferior.
Graçasa essa disposição anatômica, as células
de cada zona são diferentes umas das outras e
acabam reagindo de forma diversa às agressões
externas. Por exemplo, a zona 1 que é rica em
nutrientes e oxigênio, sofre menos nos estados
de hipotensão que a zona 3, mais distante do
espaço portal e, portanto, menos irrigada. Essa
é uma das explicações para a necrose centro-
lobular nos casos de hipóxia tecidual.
Obs.: Se você esqueceu estes conceitos, seria
bom revê-los na apostila de Síndrome Ictérica...
Por último, o fígado ainda dispõe de um sistema
onde a bile é secretada, formado pelos canalí-
culos biliares e que caminha num fluxo contrário
ao sanguíneo, vindo do centro para periferia.
Estas estruturas também estão descritas com
mais detalhes no volume “Síndrome Ictérica”.
Figura 2: Entre os muros de hepatócitos...
Como na verdade o endotélio não está “co-
lado” nos hepatócitos, ainda existe entre
eles outro espaço (espaço de Disse).
IMPORTANTE:
Antes de prosseguir, assista ao vídeo:
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Cirurgia - Volume 1 18Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2014
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DA UFSC – SC
Assinale a alternativa CORRETA. O sangue
venoso portal pode conter patógenos e toxi-
nas entéricas neutralizadas no fígado por
células que agem como macrófagos residen-
tes. Essas células são:
a) Hepatócitos.
b) De Kupffer.
c) Colangiócitos.
d) Endoteliais dos vasos hepáticos.
e) Hepáticas estelares.
Agora que acabamos de citar esta célula,
fica mais fácil! Resposta: letra B.
B) As Funções do Fígado
Por conta de sua vascularização característica,
além de receber sangue do sistema arterial
(como qualquer outro órgão), o fígado recebe
também todo o sangue originário dos intestinos
(através da veia porta). Com isso, acaba por
exercer duas funções diferenciadas: eliminação
de toxinas e coordenação do metabolismo in-
termediário. Além dessas funções, por conta da
complexidade dos “hepatócitos”, fica a cargo do
fígado também a produção da maior parte das
proteínas plasmáticas do nosso organismo e
o metabolismo da bilirrubina/formação da bile.
Vamos rever alguns detalhes:
1) Eliminação de toxinas (biotransformação
e detoxificação): O fígado é capaz de eliminar
substâncias tóxicas e inativar diversos medi-
camentos através de reações bioquímicas.
Estas são classificadas em reações de fase I e
fase II e costumam ocorrer sequencialmente.
• Fase I = oxidação, redução ou hidrólise. É
nesta fase que encontramos as famosas
enzimas do citocromo P-450. Das 50 isoen-
zimas já identificadas, a mais importante é
a CYP3A4.
• Fase II = enzimas conjugadoras como a
glutationa, que normalmente resultam em
substâncias inativas.
No final dessas reações, o produto solúvel
gerado é excretado na urina ou na bile. Um
grande exemplo é a transformação hepática
de amônia em ureia (ciclo de Krebs-Hense-
leit). A amônia é nociva principalmente para
o sistema nervoso central e a ureia, além de
menos tóxica, pode ser eliminada pelos rins.
Curiosamente, embora o papel principal seja
desativar substâncias nocivas, em alguns ca-
sos, é o próprio fígado quem as converte para
a forma ativa após metabolização.
2) Coordenação do Metabolismo Intermediá-
rio: O fígado é o “grande maestro” do metabo-
lismo intermediário, coordenando os nutrientes
que ganham a circulação plasmática a partir
do sistema porta, de forma a armazená-los e
redistribuí-los da melhor forma possível.
• Aminoácidos: A proteína da dieta é trans-
formada em aminoácidos que circulam
no organismo e que são utilizados para a
síntese de novas proteínas, hormônios e
nucleotídeos. Os aminoácidos em excesso,
não aproveitados pelos demais tecidos, são
utilizados como fonte de energia no fígado
ou convertidos em glicose (gliconeogênese),
corpos cetônicos ou gorduras. O fígado não
é capaz de metabolizar os aminoácidos de
cadeia ramificada, que são, desta forma,
utilizados pelo tecido muscular.
• Carboidratos: Com exceção do momento
em que os carboidratos são absorvidos da
dieta (atuação da insulina), é o fígado quem
define os níveis glicêmicos no organismo!!!
Participam dessa regulação dois fenômenos:
a glicogenólise (quebra dos estoques de gli-
cogênio) e a gliconeogênese (produção de
glicose a partir de fontes não glicídicas, como
os aminoácidos). Vários fatores influenciam
estimulando ou inibindo estes processos,
como insulina, glucagon, epinefrina, etc. As-
sim, a doença hepática pode produzir tanto
hipoglicemia (doença aguda) quanto intole-
rância à glicose (doença crônica).
• Metabolismo dos Lipídios: O fígado é o
principal local de síntese de ácidos graxos
no organismo, gerados pelo excesso de
glicose. É no fígado também que os ácidos
graxos se unem ao glicerol para formar os
triglicerídeos. O fígado gorduroso (esteatose
hepática) reflete habitualmente um acúmulo
excessivo de triglicerídeos, resultante de um
desequilíbrio entre a biossíntese destes e
sua secreção no plasma na forma de lipopro-
teínas de muito baixa densidade (VLDL). O
fígado é ainda a principal fonte de colesterol
endógeno e responsável por sua captação,
armazenamento e secreção na bile.
• Metabolismo das Vitaminas: O fígado é
responsável pelo armazenamento das vitami-
nas lipossolúveis A, D, E K e está envolvido
com a captação e armazenamento de outras
vitaminas hidrossolúveis como a tiamina,
cianocobalamina e piridoxina.
HIPOGLICEMIA OU HIPERGLICEMIA? Hi-
poglicemia leve (45 a 60 mg/dl) ocorre em
aproximadamente metade dos pacientes com
hepatite viral aguda não complicada. Como
regra, estes pacientes não são hiperinsulinê-
micos. Se a doença hepática aguda for grave
(hepatite fulminante), a hipoglicemia pode ser
acentuada e potencialmente fatal. Intolerância
à glicose, por outro lado, está associada mais
comumente à doença hepática crônica e cirro-
se. As concentrações plasmáticas de insulina
tendem a ser altas, sugerindo um estado de
resistência periférica. A resistência à insulina
também pode refletir uma maior secreção de
glucagon, ou mesmo a presença do shunt por-
tossistêmico dos pacientes cirróticos, que faz
com que a insulina secretada pelo pâncreas
tenha menos “contato” com o fígado. Naqueles
com hepatopatias crônicas associadas a outros
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Cirurgia - Volume 1 19Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
distúrbios (ex.: hemocromatose e pancreatite
crônica), o diabetes mellitus contribui para a in-
tolerância à glicose. Nestes pacientes, os níveis
de insulina sérica, ao contrário, estão baixos.
3) Síntese de Proteínas: O fígado é uma verda-
deira “fábrica de proteínas” no organismo. Com
exceção das imunoglobulinas (produzidas pelos
linfócitos B), a maior parte das proteínas encon-
tradas no plasma é sintetizada exclusivamente
pelo fígado. São exemplos dessas proteínas a
Albumina, os Fatores de coagulação, os Carrea-
dores e Armazenadores (Transferrina, Ferritina,
Ceruloplasmina), a Proteína C reativa, o Angio-
tensinogênio, a Alfa-1-antitripsina, os fatores de
crescimento, dentre outros.
Toda vez que você estiver diante de uma le-
são hepática aguda, você deve atentar para
os seguintes fatos:
Obs. 1) Cada proteína possui uma velocidade
de renovação diferenciada. Assim, em situa-
ções de falência hepatocelular, proteínas que
se renovam rapidamente, como os fatores
de coagulação, estarão reduzidas antes das
proteínas que têm meia-vida maior, como a
albumina. Isso explica porque, na insuficiência
hepática, o alargamento das provas de coagu-
lação precede a redução da albumina sérica.
Obs. 2) A concentração das proteínas plas-
máticas nem sempre reflete o grau de lesão
hepática. Um exemplo disto é o catabolismo
acelerado em algumas condições, como coa-
gulação intravascular disseminada (para os
fatores de coagulação) e enteropatias perde-
doras de proteínas (para a albumina).
4) Metabolismo da Bilirrubina e síntese dos
ácidos biliares
(ver detalhes no volume 1 de ClínicaMédica:
“Síndrome Ictérica”)
Vamos aproveitar e entender mais um con-
ceito com essa questão:
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2011
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO ONOFRE
LOPES – UFRN
Nos estados de choque, independente da
causa, prevalece o status de hipoperfusão
tecidual, com hipóxia celular, o que gera um
metabolismo anaeróbico, sendo, portanto, a
relação lactato/piruvato sérico um importante
marcador desse metabolismo. A relação lac-
tato/piruvato está aumentada, sem, no entan-
to, haver hipóxia celular:
a) Na insuficiência hepática.
b) No pós-operatório de cirurgias de grande
porte.
c) No diabetes mellitus.
d) Na glicólise aeróbica.
Distúrbio hemodinâmico, que se acompanha
de má perfusão tecidual generalizada (estado
de choque). Sabemos também que este fenô-
meno é multifatorial e decorre, principalmente,
de uma disfunção generalizada da microcircu-
lação. Os principais mecanismos implicados
são os seguintes: (1) menor depuração hepá-
tica de substâncias endógenas vasoativas; (2)
liberação de actina pelos hepatócitos necro-
sados, a qual sofre polimerização na circula-
ção periférica e lesa as células endoteliais; (3)
ocorrência de CIVD (pela coagulopatia hepá-
tica), com piora da disfunção endotelial e is-
quemia de múltiplos tecidos. Muitos pacientes
em falência hepática aguda também apresen-
tam quadro séptico sobreposto às alterações
citadas, o que agrava ainda mais o distúrbio
hemodinâmico. Evidentemente, este contexto
de “caos microcirculatório” é suficiente para
gerar um metabolismo anaeróbio e acidose
metabólica lática – que no caso estaria asso-
ciada à má perfusão tecidual e hipóxia celular.
Todavia, mesmo os portadores de falência
hepática aguda que ainda não se encontram
em franco estado de choque já apresentam
elevação do lactato sérico (ou da relação lac-
tato/piruvato, que não é habitualmente pes-
quisada na prática clínica). Estes indivíduos
possuem um mecanismo adicional para o
aumento do lactato sérico, além da má perfu-
são e hipóxia celular: estamos falando da
DEFICIÊNCIA NA DEPURAÇÃO DE LACTA-
TO! Temos que nos lembrar de que o fígado
é o principal local de metabolização do lacta-
to sérico e, por conseguinte, diante da perda
das funções hepatocitárias, é esperado um
aumento do lactato sérico mesmo que o pa-
ciente não tenha evoluído com disfunção mi-
crocirculatória. Assim, resposta: A.
Manifestações Clínicas
Acabamos de rever a estrutura e as prin-
cipais funções do fígado. Até aqui tudo
bem... Foram basicamente conceitos. Mas,
na prática, como definir que um paciente
realmente apresenta ALTERAÇÃO DA FUN-
ÇÃO HEPÁTICA?
A) Anamnese e Exame Físico
Muitos pacientes com doença hepática de-
senvolvem uma forma clínica oligoassinto-
mática, principalmente nas fases iniciais da
doença, sendo o diagnóstico suspeitado por
alterações em exames laboratoriais de rotina.
Dentre os principais achados inespecíficos
desta fase temos a Fadiga (mais comum),
predominantemente noturna e intermitente,
e os sintomas gastrointestinais inespecí-
ficos, como náuseas, vômitos, dor em hipo-
côndrio direito e hiporexia. Quanto aos mais
específicos, temos que levar em considera-
ção se a falência hepática é aguda ou crônica,
se compensada ou descompensada...
Na forma Aguda (hepatite B fulminante, por
exemplo) vimos que predominavam a icterícia
e as manifestações circulatórias e neurológi-
cas, não havendo tempo para o aparecimento
das manifestações clássicas da hepatopatia
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Cirurgia - Volume 1 20Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
crônica, os famosos “estigmas hepáticos”.
Este foi o nosso enfoque na primeira apostila
do MED, você se lembra?
Na forma Crônica, representada pela cirrose
hepática, encontramos dois momentos distin-
tos. A primeira fase da cirrose hepática é dita
“compensada” e o que a diferencia da “fase
descompensada” é a ausência de complica-
ções da hipertensão porta ou da disfunção
hepática. Na primeira fase, a sobrevida média
é de 9 anos, sendo que a taxa de evolução
para a “descompensada” gira em torno de
5-7% ao ano. Na fase “descompensada”, a
sobrevida média é de 1,6 anos. Condições
como sangramento por varizes, síndrome he-
patorrenal e Carcinoma Hepatocelular (CHC)
podem reduzir esses intervalos.
Doença Compensada:
Estágio 1 (ausência de varizes ou asci-
te) – Mortalidade 1% ao ano
Estágio 2 (varizes, sem ascite ou san-
gramento) –
Mortalidade de 4% ao ano
Doença Descompensada:
Estágio 3 (ascite com ou sem varizes que
nunca sangraram) –
Mortalidade de 20% ao ano
Estágio 4 (sangramento por varizes, com
ou sem ascite) –
Mortalidade de 57% ao ano
Fase compensada: É nesta fase que
começam a aparecer os sinais relacionados
aos distúrbios endócrinos do complexo Hi-
perestrogenismo – Hipoandrogenismo.
Na disfunção hepática inicial, algumas vias
metabólicas estão alteradas, entre elas a da
metabolização do estrogênio – gerando o
Hiperestrogenismo. Este leva a alterações
vasculares cutâneas representadas pelo eri-
tema palmar e pelas telangiectasias (FIGU-
RA 4). As telangiectasias do tipo “aranha vas-
cular” (ou spider angioma) são caracterizadas
por uma dilatação arteriolar central que se liga
a capilares dilatados com disposição radial.
São encontradas especialmente no pescoço,
na porção superior do tronco e dos membros
superiores. O eritema palmar é decorrente
da vasodilatação cutânea restrita à região
palmar, principalmente nas regiões tenar e
hipotenar. O fluxo sanguíneo para essa re-
gião pode aumentar em até seis vezes. Outra
manifestação possível é a vasodilatação do
pescoço e tórax anterior, dando o aspecto de
“colar hepático” ou “xale hepático”.
Com relação à testosterona, sabemos que,
embora a maior parte seja transformada na
forma ativa por ação da 5-alfa-redutase na
próstata, uma parte também se dá na pele e
no fígado. Assim, na disfunção hepática, temos
um estado de Hipoandrogenismo, responsá-
vel pela queda da libido, impotência mas-
culina, atrofia testicular, redução da massa
muscular (atrofia dos interósseos) e rarefação
de pelos (a distribuição dos pelos passa a
respeitar o padrão feminino). A ginecomastia
é decorrente tanto do hipoandrogenismo como
do hiperestrogenismo.
Figura 3: Manifestações clássicas da Cirrose Hepática.
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Cirurgia - Volume 1 21Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
Outras alterações observadas ainda incluem o
baqueteamento digital (ver causas adiante) e
os sinais associados à hepatopatia alcoólica,
como o entumescimento de parótidas e a
contratura palmar de Dupuytren (FIGURA 5).
Figura 4: Telangiecta-
sias e eritema palmar na
insuficiência hepática.
Figura 5: Contratura palmar de Du-
puytren.
Por último, sabemos que a albumina, produ-
zida exclusivamente pelo fígado, é a grande
responsável pela pressão oncótica (pressão
que “prende” o líquido no ambiente intravas-
cular). Portanto, na hipoalbuminemia, o líquido
intravascular tende a migrar para o interstício,
levando à formação de edema.
CAUSAS DE BAQUETEAMENTO
(OU hIPOCRATISMO) DIgITAl
Forma Hereditária
Doenças Intratorácicas e Pulmonares
Ca Broncogênico
Outros Ca Intratorácicos (Metástase, Mesote-
lioma, Tumor de Mediastino)
Supurações Crônicas (Empiema Pleural, Abs-
cesso Pulmonar)
Bronquiectasias
Fibrose Cística
Fibrose Pulmonar idiopática
Doenças Cardíacas
Cardiopatia Congênita Cianótica (ex.: Tetralo-
gia de Fallot)
Endocardite Bacteriana Subaguda
Doenças Gastrointestinais
Cirrose Hepática
Esquistossomose
Doença Inflamatória Intestinal (Crohn, Retocolite)
Diarreia Crônica
Uso de Laxantes
Saiba maiS:
A contratura de Dupuytren e suas repercus-
sões funcionais tradicionalmente vêm sendo
abordadas de forma cirúrgica. No entanto, um
trabalho publicado na revista The New En-
gland Journal of Medicine, mostrou que a in-
jeção de colagenase também pode ser uma
opção terapêutica neste caso. Num estudo
duplo-cego com 300 participantes, mostrou-se
uma significativa redução de 64% na contra-
tura em paciente tratados, sendo os efeitos
adversos relacionados(dor, edema, prurido)
todos resolvidos dentro de 10 dias.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DE CIÊNCIAS
DA SAÚDE DE PORTO ALEGRE – RS
A enfermidade de Dupuytren:
a) Está relacionada à doença ocupacional.
b) Inicia, na maioria dos casos, pelo compro-
metimento do quarto e do quinto quirodáctilos.
c) Adere a músculo e nervos da mão.
d) Raramente compromete as duas mãos.
e) Acomete mais frequentemente mulheres
após a menopausa.
Na Doença de Dupuytren, ocorre uma
fibrodisplasia da fáscia palmar com espes-
samento, formação de nódulos e cordas que
levam à deformidade em flexão dos dedos.
É doença idiopática, apresentando alguns
fatores relacionados: DM, alcoolismo, uso de
drogas (ex.: anticonvulsivantes). Não existe
associação ocupacional comprovada. Tipi-
camente afeta homens brancos, em torno da
7ª década de vida. Em geral, é bilateral. Os
dedos mais frequentemente acometidos são
os ulnares (anular e mínimo) e eventualmente
o polegar. Atenção para a alternativa C, pois
a doença acomete a fáscia palmar (tecido su-
perficial, logo abaixo do subcutâneo), porém,
durante a cirurgia, muito frequentemente, o
tecido doente encontra-se aderido aos tecidos
profundos, principalmente aos nervos, com
risco de lesão. Resposta: alternativa B.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2009
SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE DE
SANTA CATARINA – SES – SC
Sintoma predominante na cirrose hepática:
a) Ascite.
b) Icterícia.
c) Fraqueza.
d) Perda de peso.
e) Hepatomegalia.
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Cirurgia - Volume 1 22Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
Como vimos, predominam os sintomas
inespecíficos, principalmente na fase inicial
da doença. Destes, o mais comum é a fadiga.
Resposta: C.
Fase descompensada: Aqui aparecem
as complicações da Hipertensão Porta e da
Insuficiência Hepatocelular. Na verdade, essas
síndromes não são excludentes, mas convi-
vem de forma bem próxima. O paciente que
faz encefalopatia por disfunção hepática, por
exemplo, também encontra no shunt portossis-
têmico da hipertensão porta (desvio do sangue
do sistema porta para a circulação sistêmica,
sem passar pelo fígado), um mecanismo de-
flagrador da encefalopatia.
Assim, poderíamos dizer que esta fase é mar-
cada por:
- Hipertensão Porta e suas consequências
(varizes esofagogástricas, ascite, circulação
colateral abdominal, esplenomegalia);
- Encefalopatia hepática;
- Síndrome hepatorrenal;
- Complicações pulmonares;
- Desnutrição;
- Coagulopatia e anormalidades hematológicas;
- Doença óssea;
- Hepatocarcinoma.
Devido às particularidades de cada uma des-
sas complicações, ao final deste capítulo, elas
serão abordadas de forma mais específica.
A Hipertensão Porta e suas consequências
serão revistas no capítulo seguinte.
Saiba maiS:
Atualmente, com a identificação mais precoce
de pacientes com doença hepática crônica pela
avaliação não invasiva de fibrose com a Elas-
tografia Transitória (ET), um novo termo foi
criado: a doença hepática crônica avançada
compensada (do inglês cACLD – compensated
Advanced Chronic Liver Disease). Ele seria
equivalente ao termo anterior “cirrose compen-
sada”. Na ET, os pontos de corte estabelecidos
foram: < 10 Kpa (na ausência de outros sinais
clínicos, afasta-se cACLD);10-15 Kpa (neces-
sários outros testes confirmatórios); e >15 Kpa
(altamente sugestivos de doença hepática
crônica). Outro termo importante a ser conhe-
cido é a “hipertensão porta clinicamente signi-
ficativa” quando teremos um gradiente venoso
de pressão porta (ver adiante) ≥ 10 mmHg e
ausência de varizes esofagogástricas.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2010
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PELOTAS
– UCPEL
No diagnóstico diferencial da icterícia, é COR-
RETO afirmar que:
a) Níveis sanguíneos elevados de bilirrubina
indireta sugerem o diagnóstico de colestase.
b) Prurido, hipocólica e colúria ajudam na sus-
peita diagnóstica de icterícia hemolítica.
c) A presença de esplenomegalia levanta a
suspeita de síndrome de Gilbert.
d) Aranhas vasculares e eritema palmar suge-
rem insuficiência hepatocelular.
e) Níveis sanguíneos elevados de gama-GT
ajudam na diferenciação de colestase intra e
extra-hepática.
Essa questão mescla conceitos deste
módulo com o de Síndrome Ictérica. Sa-
bemos que na colestase aumenta a BD e
não a BI (opção A errada) e ocorrem pru-
rido, hipocolia e colúria (opção B errada).
Síndrome de Gilbert é um distúrbio isolado
do metabolismo da bilirrubina associado à
deficiência parcial da glucoroniltransferase
e o paciente não cursa com esplenomega-
lia na sua evolução (opção C errada). Para
diferenciarmos o nível da obstrução biliar,
precisamos de exames de imagem como
USG e TC e não de elevação da gama-GT
que marca apenas a colestase em si (opção
E errada). Por último, alterações como as
aranhas vasculares e eritema palmar nos
sinalizam para um quadro de insuficiência
hepatocelular. Resposta: D.
B) Dados laboratoriais
Quando se quer avaliar a presença de doença
hepática, ouvimos frequentemente o termo
“provas de função hepática”. No entanto, ob-
serve que este não é um nome muito adequa-
do, pois algumas dessas provas não avaliam
necessariamente a capacidade de síntese
ou metabolização do fígado, mas sim lesão
celular ou fluxo biliar obstruído (ex.: ALT e
fosfatase alcalina). Além disso, outro cuidado
que se deve ter é que os testes nunca são
diagnósticos e devem ser avaliados caso a
caso, podendo estar normais em hepatopatas
graves ou mesmo anormais em indivíduos
sem doença hepática.
A abordagem inicial de um quadro suspeito
de disfunção hepática deve incluir inicialmen-
te os seguintes exames: aminotransferases
(transaminases), fosfatase alcalina, albumina,
bilirrubinas e tempo de protrombina.
Já falamos bastante das transaminases, da
fosfatase alcalina e da bilirrubina na apos-
tila de Síndrome Ictérica. Você se lembra?
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Cirurgia - Volume 1 23Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
AminotrAnsferAses (trAnsAminAses): São
duas enzimas, a aspartato aminotransfera-
se (AST ou TGO) e a alanina aminotrans-
ferase (ALT ou TGP), liberadas na corrente
sanguínea após lesão da membrana do
hepatócito. A ALT é praticamente exclusiva
do fígado enquanto a AST pode ser encon-
trada também no miocárdio, músculo es-
quelético, rim, cérebro, pâncreas, pulmões,
leucócitos e hemácias. Ao contrário do que
se poderia esperar, não existe boa corre-
lação entre os níveis de transaminases e
o grau de lesão celular!
fosfAtAse AlcAlinA: Enzima localizada na
membrana do hepatócito próxima ao cana-
lículo biliar. Pode estar presente em outros
locais como o osso, a placenta e o intestino
delgado. Elevações discretas podem estar
presentes em idosos, crianças e adolescen-
tes em fase de crescimento, gestantes e
pacientes dos tipos sanguíneos O e B sem
doença hepática subjacente. A elevação
da gamaglutamiltransferase (Gama-GT)
ou da 5’ nucleotidase podem diferenciar a
elevação da fosfatase alcalina produzida no
fígado das produzidas em outros tecidos.
BilirruBinA totAl e frAções (diretA e indiretA):
Detalhado no volume de Síndrome Ictérica,
este teste se relaciona à função excretora
e detoxificadora do fígado. A hiperbilirrubi-
nemia é um fator de mau prognóstico na
cirrose hepática, ocorrendo principalmente
à custa da fração direta. Amônia sanguínea
e bilirrubina urinária também podem ser
utilizadas nesse sentido.
Com relação aos demais exames:
AlBuminA: Como é produzida exclusivamen-
te pelo fígado, trata-se de um teste valioso
da função de síntese do órgão. No entanto,
como circula durante muito tempo no plas-
ma (meia-vida de 15 a 21 dias, com degra-
dação diária de apenas 4%) é um parâme-
tro ruim para disfunções leves ou agudas.
Os níveis associados à hepatopatia crônica
estão abaixo de 3 g/dl. Outras condições
associadas incluem desnutrição, síndrome
nefrótica, enteropatia perdedora de proteína
e infecções crônicas (ação da IL-1 e TNF).
Quando solicitamos a dosagem de proteína
total do plasma, além da albumina, outra
importanteclasse de proteínas plasmáti-
cas está incluída – as globulinas – entre as
quais se incluem as gamaglobulinas (imu-
noglobulinas produzidas por linfócitos B).
Com a disfunção hepática, menos bactérias
oriundas da circulação porta são depuradas
e ocorre um aumento na produção de imu-
noglobulinas. Com isso, as gamaglobulinas
encontram-se elevadas na doença hepática
crônica, sendo alguns isotipos sugestivos
de determinadas doenças, como hepatite
autoimune (IgG), cirrose biliar primária (IgM)
e doença hepática alcoólica (IgA).
Obs.: Como a albumina é um marcador do
estado nutricional, aqueles com maior deficit
nutricional são também os que apresentam
menor albumina plasmática. No entanto,
apesar de alguns pacientes apresentarem
hipoalbuminemia grave, não há nenhum
estudo que comprove o benefício da sua
reposição. Conclusão: cuidado com a res-
trição proteica nestes pacientes...
tempo de protromBinA (tAp): Consideran-
do que o fígado é o local de síntese dos
fatores de coagulação e que a meia-vida
destes fatores é muito mais curta do que
a da albumina (ex.: fator VII = 6 horas), as
provas da coagulação constituem uma das
melhores medidas da função hepática.
Apesar de não muito bem validados, exis-
tem outros marcadores séricos indiretos
de fibrose avançada/cirrose:
• Níveis séricos de laminina, peptídeo pró-co-
lágeno tipo III, ácido hialurônico e a própria
plaquetopenia (principalmente na hepatite
crônica C).
• Testes Enzimáticos: Guanase (elevada na
hepatite viral aguda); desidrogenase glutâ-
mica (GIDH, associada à necrose hepática
mesmo quando as transaminases estão em
queda) e a pseudocolinesterase (reduzida no
deficit de síntese hepática e de valor prog-
nóstico na evolução da cirrose).
• Testes de Função: Clearance do verde de indo-
cianina (depuração hepática exclusiva), teste
da aminopirina (medido no ar exalado), capa-
cidade hepática de eliminação da galactose e
teste MEGX (injeção intravenosa de lidocaína).
Veja estas questões...
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2014
HOSPITAL DA POLÍCIA MILITAR – MG
Marque a alternativa INCORRETA. São pre-
ditores de cirrose em adultos com conheci-
mento ou suspeita de doença hepática:
a) Discriminante de Bonacini de cirrose maior
que 7.
b) Presença de ascite.
c) Presença de aranha vascular.
d) Contagem de plaquetas menor de 200.000.
Buscando avaliar a probabilidade de desen-
volvimento de cirrose em pacientes com doen-
ça hepática suspeita ou conhecida, alguns
fatores já foram listados, entre eles: (1) pre-
sença de ascite; (2) aranhas vasculares; (3)
contagem de plaquetas < 160.000/mm3. Outro
parâmetro que pode ser utilizado na prática é
o escore discriminante de Bonacini (escore >
7). Este escore utiliza em seu cálculo a con-
tagem de plaquetas, a relação ALT/AST e o
INR do paciente. Assim, esta questão para lá
de específica, por utilizar um valor inadequado
das plaquetas, torna o item D a melhor opção
a ser marcada.
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Cirurgia - Volume 1 24Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2006
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO – UERJ
Nos primeiros dias de evolução em pacientes
com insuficiência hepática fulminante, o último
dado laboratorial que se altera é:
a) Fator VII.
b) Albumina.
c) Bilirrubina.
d) Atividade de protrombina.
Já sabemos que na avaliação hepática, o
resultado do exame é dependente da meia-vida
do que estamos medindo. Por exemplo, o fator
VII tem uma meia-vida de aproximadamente seis
horas e, portanto, é o primeiro a se alterar, tornan-
do-se muito importante para os casos agudos.
O mesmo vale para o tempo de protrombina. A
bilirrubina também aparece nos primeiros mo-
mentos de lesão hepatocelular. Agora, imagine
um quadro fulminante e você esperar pela re-
dução da albumina que tem uma meia-vida em
torno de 15 a 21 dias... Portanto, resposta letra B.
C) Estadiamento da
Função hepática
Diante de um hepatopata crônico, algumas
perguntas se impõem ao médico que o as-
siste. Qual é o grau de disfunção hepática
desse paciente? Quais são os índices de
mortalidade nesta faixa de exames labora-
toriais? Existem tratamentos que estariam
indicados ou contraindicados de acordo
com a doença hepática desse paciente?
Além disso, imagine que dois médicos, um
do México e outro do Paquistão venham a
trazer relatos de caso de seus países de
origem... Como padronizar a definição de
um hepatopata leve ou grave???
Na tentativa de melhorar todos esses aspec-
tos, foi desenvolvida a classificação de Child-
-Pugh, baseada num esquema de pontuação
e interpretação conforme as tabelas a seguir.
ClASSIFICAçãO DE
ChIlD-PUgh
Pontos
1 2 3
Ascite Ausente Leve Mode-
rada/
Grave
Bilirrubina
(mg/dl)
< 2 2 a 3 > 3
Albumina
(g/dl)
> 3,5 3,5 a
3,0
< 3,0
Tempo de
Protrombina
Paciente -
controle(s);
ou INR
0-4
< 1,7
4 a 6
1,7 a
2,3
> 6
> 2,3
Encefalopatia Ausente Graus I
a II
Graus
III a IV
Pontuação Classificação
5 a 6 pontos Grau A
7 a 9 pontos Grau B
10 a 15 pontos Grau C
Para fins de transplante e avaliação de ris-
co, considera-se um quadro descompensa-
do a partir da classe B (Child ≥ 7). Gravou
a classificação??? Então, para facilitar, me-
morize a imagem!
Outro escore funcional adotado para a doen-
ça hepática é o MELD (Model for End-Stage
Liver Disease), mais simples e com melhor
capacidade de prever a sobrevida dos hepa-
topatas, quando comparado à classificação
de Child-Pugh. Este escore baseia-se em
apenas três variáveis: bilirrubina, INR e
creatinina. Na prática, o escore MELD é uti-
lizado principalmente para pacientes com
doença descompensada, a fim de determinar
a prioridade na fila do transplante. Outros
usos do MELD incluiriam a seleção de pa-
cientes para realização de TIPS e como mar-
cador prognóstico em condições como hepa-
tite alcoólica, síndrome hepatorrenal e he-
morragia digestiva. Observe a seguir a fór-
mula do escore MELD:
ESCORE MElD (CálCUlO)
10 x {[0,957 x loge (creatinina mg/dl) + 0,378
x loge (bilirrubina mg/dl)
+ 1,12 x loge (INR)]} + 6,43
a) caso os valores de laboratório sejam meno-
res que 1,0, arredondar para 1,0;
b) a creatinina poderá ter valor máximo de 4,0,
caso seja maior que 4,0, considerar 4,0;
c) no caso de necessidade de realização de
diálise duas ou mais vezes na última se-
mana, o valor da creatinina será conside-
rado como 4,0;
d) existem outras fórmulas disponíveis para
o cálculo, como o MELD modificado pela
UNOS (utilizado pelo serviço de transplantes
nos EUA) e o MELD de acordo com o sódio
(MELDNa).
Obs.: loge = logaritmo neperiano (presente em
qualquer calculadora científica).
Existe ainda uma variação deste escore para
crianças menores de 12 anos conhecido
como PELD.
http://#scrolldown
http://#page=287
Cirurgia - Volume 1 25Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
ESCORE PElD (CálCUlO)
10 x [0,480 x loge (bilirrubina mg/dl) + 1,857
x loge (INR) - 0,687 loge
(albumina mg/dl) + 0,436 (se até 24 meses
de vida) + 0,667]
(se tiver deficit de crescimento menor que
duas vezes
o desvio padrão para idade)
a) caso os valores de laboratório sejam meno-
res que 1, arredondar para 1,0;
b) cálculo do valor do deficit de crescimento
baseado no gênero, peso e altura.
c) ajustamento do PELD para harmonização
com o MELD: multiplicar por 3 e arredondar
para valor inteiro.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2012
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO PEDRO
ERNESTO – RJ
No repouso masculino está sendo reavaliado
um alcoólatra com possível indicação de lapa-
rotomia exploradora. Ele sofre de cirrose hepá-
tica e tem ascite moderada a grave, mas não há
evidências de encefalopatia. A bioquímica san-
guínea revela bilirrubina total de 2,5 mg/dl, albu-
mina de 3,8 g/dl e tempo de protrombina prolon-
gado de 5 seg. (INR “aproximadamente” 1,9).
O somatório de pontos alcançados, à luz da
classificação de Child-Pugh, é de:
a) 6. c) 8.
b) 7. d) 9.
De acordo com os dados fornecidos no enun-
ciado, temos que calcular a pontuação no es-
core de Child-Pugh. Parâmetros clínicos: au-
sênciade encefalopatia vale 1 ponto; ascite
moderada a grave, 3 pontos. Parâmetros labo-
ratoriais: bilirrubina 2,5 mg/dl vale 2 pontos;
albumina de 3,8 g/dl corresponde a 1 ponto; e
INR de 1,9 vale 2 pontos. Somando tudo, temos
um valor de 9. Portanto, resposta: letra D.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2011
FUNDAÇÃO JOÃO GOULART
HOSPITAIS MUNICIPAIS – RJ
Em relação à cirrose hepática, são critérios da
classificação de Child-Pugh:
a) Albumina sérica e PCR-T.
b) Bilirrubina sérica e leucocitose.
c) Febre e VHS.
d) Encefalopatia e TAP.
Na avaliação funcional de cirróticos, uma
classificação inicialmente desenvolvida para
avaliar risco para as cirurgias de shunt e
atualmente utilizada para determinar gravida-
de, risco pré-operatório e prognóstico, é a de
Child-Pugh. Ela inclui cinco variáveis: ascite,
bilirrubina, albumina, TAP e encefalopatia.
Resposta: D.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2010
INSTITUTO JOSÉ FROTA – IJF
A alocação de enxerto hepático de doador fale-
cido no Brasil é priorizado pelo escore MELD.
Esse escore é calculado por uma equação
logarítmica utilizando as seguintes variáveis:
a) Tempo de protrombina, albumina e bilirru-
binas.
b) INR, creatinina e bilirrubinas.
c) INR, albumina e bilirrubinas.
d) Tempo de protrombina, bilirrubinas e crea-
tinina.
Agora que acabamos de ver fica realmente
muito fácil. Resposta: B.
Diagnóstico e Tratamento
Ao longo desta abordagem inicial, algumas
causas se mostrarão mais evidentes seja pela
evolução clínica, seja por evidência soroló-
gica. Nesse caso, cada uma delas terá um
tratamento específico e que será discutido
adiante, na seção “Causas de Cirrose”. Por
ora, passaremos para uma análise geral das
principais complicações associadas à insufi-
ciência hepatocelular.
http://#scrolldown
http://#page=288
Cirurgia - Volume 1 26Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
26
COMPlICAçõES ASSOCIADAS
à INSUFICIêNCIA hEPATOCElUlAR
raças à Síndrome de Insuficiência Hepatocelular, teremos
caracteristicamente na forma crônica “descompensada” das
hepatopatias e, por vezes, também em algumas formas agudas
(ex.: hepatite fulminante), o surgimento de distúrbios clínicos
mais graves. Entre eles, poderíamos destacar a encefalopatia
hepática; síndrome hepatorrenal; complicações pulmonares;
desnutrição; coagulopatias; etc. Abaixo iremos detalhar cada uma
delas. Complicações como ascite e varizes de esôfago, que também
aparecem nessa fase, devem-se mais à Síndrome de Hipertensão Porta
e, por isso, serão revistas no próximo capítulo.
G
QUADRO DE CONCEITOS
ENCEFALOPATIA HEPÁTICA
- Classificação por condição subjacente:
Tipo A: associada à falência hepática aguda.
Tipo B: associada a by-pass portossistê-
mico.
Tipo C: associada à cirrose e à hipertensão
porta.
- Classificação por evolução:
Episódica (esporádica) / Recorrente / Per-
sistente.
- Classificação por gravidade:
Mínima / Graus I, II, III e IV.
- Classificação por fator desencadeante:
Espontânea / Precipitada (Lembrar Hemor-
ragia digestiva, alcalose, hipocalemia e uso
diuréticos!!!).
- Tratamento:
Não fazer restrição proteica – substituir
fonte animal / repor BCAA.
Medicamentosa: Lactulose – associada ou
não à rifaximina.
SÍNDROME HEPATORRENAL
- Patogênese:
(1) Vasodilatação esplâncnica.
(2) Vasoconstricção renal exacerbada.
- Diagnóstico:
(1) Hepatopatia aguda ou crônica com insu-
ficiência hepática avançada e hipertensão
portal.
(2) Creatinina elevada que não melhora com
reposição de albumina e remoção de diuré-
ticos.
(3) Parênquima preservado (sem causa pré-
-renal, renal intrínseca ou pós-renal aparente).
- Classificação:
Tipo 1: rápida progressão da insuficiência re-
nal (< duas semanas), geralmente precipitada
por PBE. Prognóstico ruim.
Tipo 2: evolução é mais insidiosa, espontâ-
nea, associada à ascite refratária. Prognóstico
melhor.
- Tratamento:
Albumina + vasoconstrictor (terlipressina, oc-
treotide, midodrine) / transplante hepático.
1) ENCEFAlOPATIA hEPáTICA
Introdução
A Encefalopatia Hepática (EH) é, por definição,
um quadro reversível, caracterizado por altera-
ções neurológicas de graus variados decorren-
tes da falência hepática. Pode ser encontrada
nas lesões agudas (hepatite fulminante) ou
nas crônicas (mais comum). O mecanismo é
relacionado à presença de “toxinas” intestinais
que chegam à circulação sem serem depuradas
tanto por disfunção primária dos hepatócitos
(insuficiência hepatocelular) quanto por shunt
portossistêmico (hipertensão porta).
Dentre essas substâncias, a mais impor-
tante é a Amônia, produzida pelos ente-
rócitos a partir da glutamina e pelo cata-
bolismo proteico das bactérias colônicas
sobre fontes nitrogenadas como as pro-
teínas ingeridas! Em condições normais,
o fígado transformaria a amônia em ureia ou
glutamina, eliminando-a pelas fezes e urina, o
que não ocorre na disfunção hepática. Como
resultado, a amônia arterial está elevada em
90% dos pacientes com EH. Cabe apenas
marcar que, apesar de a hiperamonemia levar
http://#scrolldown
http://#videomiolo=15557-VIDEO_02_MEDCIR01_2018
Cirurgia - Volume 1 27Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
à encefalopatia, os níveis séricos desta subs-
tância não se correlacionam com a gravidade
da EH.
Outros componentes participantes seriam:
mercaptanos, neurotransmissores inibi tórios
do SNC como GABA ou seus estimulantes
como os benzodiazepínicos endógenos.
Classificação
Após o Congresso Mundial de Gastroenterolo-
gia, realizado em Viena (1998), foi formulada
uma classificação da Encefalopatia Hepática
(EH) que ajudou a entender melhor o compor-
tamento desta condição, com base no meca-
nismo subjacente. Vejamos:
Tipo A EH associada à falência hepática aguda
Tipo B EH associada a by-pass portossistê-
mico (sem lesão hepatocelular intrínseca)
Tipo C EH associada à cirrose e à hipertensão
porta
De acordo com a evolução, a EH pode ser
ainda classificada em:
(1) Encefalopatia Hepática Episódica (Espo-
rádica);
(2) Encefalopatia Hepática Recorrente (perío-
dos de EH com duração de até seis meses);
(3) Encefalopatia Hepática Persistente (alte-
rações permanentes com períodos de exacer-
bação com EH franca).
Diagnóstico
Devemos entender que não existe nenhum
exame laboratorial que confirme o diagnós-
tico de EH, sendo, portanto, eminentemente
clínico! Dessa forma, na primeira abordagem
de um paciente com suspeitas de EH, outros
diagnósticos diferenciais devem ser levados
em consideração:
Diagnóstico Diferencial da
Encefalopatia hepática
Metabólicas Tóxicas SNC
Hipo ou
Hiperglicemia
Intoxicação
Alcoólica
Acidente
Vascular
Cerebral
Hipo ou
Hipercalcemia
Abstinência
Alcoólica
Meningite e
Abscesso
Hipocalemia Narcose
por CO
Encefalite
Hipóxia Drogas ilícitas Trauma
Uremia Medicações Tumor
Nos casos agudos, o aparecimento dos sinto-
mas é mais rápido e associado a rebaixamento
do nível de consciência que pode levar ao coma
em algumas semanas. A grande preocupação é
com o edema cerebral e o risco de herniação.
Nos quadros crônicos, a apresentação é mais
característica e composta por dois fatores:
(1) embora a maior parte dos cirróticos se
apresente sem sintomas evidentes (EH
mínima), a história típica é daquele pa-
ciente que começa a se mostrar confuso,
com alteração da personalidade. Depois
do primeiro episódio, até o paciente é
capaz de reconhecer que está ficando
“diferente”. Alguns se comportam de ma-
neira mais agressiva e outros se mantêm
sonolentos no leito.
Para facilitar a abordagem, foi sugerida
uma classificação em estágios (veja na
tabela a seguir):
* Os graus II, III e IV são considerados como EH
franca ou aberta.
ESTágIOS DA ENCEFAlOPATIA
hEPáTICA – CRITÉRIOS DE
wEST hAvEN –
Estágio Consciência Intelecto
e Com-
porta-
mento
Achados
Neuroló-
gicos
Mínima Normal Normal Exame
normal;
testes
psicomo-
tores pre-
judicados
1 Leve perda
da atenção
Redu-
ção na
atenção;
adição e
subtração
prejudica-
das
Tremor
ou flap-
ping leve
2 Letárgico Deso-
rientado;
comporta-
mento ina-dequado
Flapping
evidente;
fala ar-
rastada
3 Sonolento
mas
responsivo
Deso-
rientação
severa;
compor-
tamento
bizarro
Rigidez
muscular
e clônus;
hiper-
-reflexia
4 Coma Coma Postura
de desce-
rebração
(2) o paciente apresenta algum fator de
descompensação (ainda que possa ser
também espontânea). A Hemorragia
Gastrointestinal é o principal deles! Veja
a seguir os demais.
http://#scrolldown
Cirurgia - Volume 1 28Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
FATORES PRECIPITANTES NA
ENCEFAlOPATIA hEPáTICA
• Hemorragia gastrointestinal
• Hipocalemia e Alcalose metabólica
• Constipação
• Diuréticos, Hipovolemia e Desidratação
• Excesso de proteínas na dieta
• Hipóxia
• Infecção (urinária, peritonite, etc.)
• Medicações (narcóticos, sedativos, etc.)
• TIPS e Procedimentos cirúrgicos
Entendendo os fatores principais...
• Hemorragia digestiva: o sangue liberado
no tubo digestivo é digerido pelas bactérias
colônicas. Do metabolismo da hemoglobi-
na, forma-se mais amônia. Esta amônia é
prontamente absorvida pelos enterócitos,
desencadeando a EH. O acúmulo destas
substâncias na constipação também pre-
dispõe ao quadro.
• Alcalose metabólica: o pH plasmático mais
alcalino converte a forma ionizada NH4+ (amô-
nio) na forma não ionizada NH3 (amônia). Esta
última, por ser lipossolúvel, passa livremente
na barreira hematoencefálica, aumentando a
impregnação cerebral da neurotoxina.
• Hipocalemia: aumenta a produção renal
de NH3, por reduzir o pH intracelular das
células tubulares proximais (saem íons K+
em troca de íons H+). A maior produção de
NH3 e a precipitação de uma alcalose fazem
da hipocalemia um fator desencadeante de
encefalopatia hepática.
• Os diuréticos de alça (furosemida) e os tiazí-
dicos podem causar encefalopatia em cirróti-
cos (se usados indiscriminadamente), por pro-
vocarem hipocalemia e alcalose metabólica...
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2012
SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE
SÃO PAULO – SP
Todos os itens abaixo são considerados fato-
res precipitantes na encefalopatia hepática,
com EXCEÇÃO de:
a) Constipação e desidratação.
b) Hipocalemia e alcalose metabólica.
c) Enterorragia e hiperuricemia.
d) Cirurgia de derivação portossistêmica e
hepatocarcinoma.
e) Infecções e anemia.
Dentre os fatores precipitantes da encefalo-
patia hepática, a hiperuricemia não faz parte
deste grupo, o que torna a assertiva C a res-
posta da questão. Analisando as opções, temos
alguns bem clássicos que não podem deixar
de ser lembrados, como as infecções, cons-
tipação, hemorragia digestiva (o metabolismo
da hemoglobina pelas bactérias colônicas leva
à formação de amônia), alcalose metabólica
(pH alcalino converte o NH4+ em amônia) e
hipocalemia (aumenta a produção renal de
amônia, por reduzir o pH das células tubula-
res proximais). Além disso, os procedimentos
(TIPS e derivações portossistêmicas cirúrgicas)
e fatores como anemia, hepatocarcinoma e
hipoglicemia também podem ser listados.
Saiba maiS:
Apesar de uma característica clássica da disfun-
ção hepática grave, o flapping não é patognomô-
nico desta condição. Na prática ele pode ocorrer
em diversas condições como a encefalopatia
urêmica, carbonarcose, DPOC, pré-eclâmpsia
grave ou eclâmpsia e intoxicação pelo lítio.
Sobre o Flapping
ou Asterix
Embora não sejam obrigatórios, na prática,
podemos acrescentar alguns testes psico-
métricos específicos (ex.: Teste de Conexão
Numérica – NCT; Teste Dígito e Símbolo –
DST) e a eletroencefalografia para auxiliar
no diagnóstico e caracterização da EH. Cabe
lembrar, no entanto, que não se recomenda
rastreamento de EH em assintomáticos.
Testes laboratoriais geralmente revelam evidên-
cias de disfunção hepática (ex.: hipoalbumine-
mia, INR alargado) e distúrbios eletrolíticos resul-
tantes da hipertensão porta e do uso de diuréti-
cos. A dosagem da amônia sérica é controversa,
pois pode sofrer influência de outros fatores (ex.:
sangramento digestivo, choque, doença renal,
NPT etc.). Contudo, apesar de não ser necessá-
ria para o diagnóstico, pode ser utilizada na mo-
nitorização do tratamento. Outro marcador em
estudo é a 3-nitrotirosina que ainda precisa de
validação para uso clínico.
Tratamento
Os objetivos básicos do tratamento da ence-
falopatia hepática são:
(1) Identificação e remoção dos fatores pre-
cipitantes de EH! São medidas para preven-
ção de fatores precipitantes:
• profilaxia para sangramento de varizes
gastroesofágicas.
• para peritonite bacteriana espontânea.
• uso correto e não abusivo de diuréticos!
• evitar constipação intestinal (proliferação
bacteriana).
(2) Dieta: Não existe evidência clínica com-
provando benefício da restrição proteica nos
pacientes com encefalopatia hepática... Pelo
contrário, esta medida acabava piorando o
grau de desnutrição dos pacientes, sendo
hoje uma medida não recomendada. Algum
benefício pode ser obtido com a substituição
http://#scrolldown
http://#videomiolo=15557-CIR204038
Cirurgia - Volume 1 29Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
da fonte proteica animal pela vegetal, ou pela
reposição de fonte nitrogenada com aminoá-
cidos de cadeia ramificada (BCAA).
(3) Lactulose: 30-120 ml/dia, divididos em
quatro tomadas, até atingir 2-3 evacuações de
fezes amolecidas. A lactulose (nome comercial
Lactulona®) é metabolizada pelas bactérias
colônicas em ácidos graxos de cadeia curta
(ácido lático e ácido acético), reduzindo o pH
do lúmen colônico para em torno de 5,0. Com
o pH mais ácido, o NH3 (amônia) é convertido
em NH4 + (amônio), este último não conse-
gue ser absorvido pela mucosa intestinal. O
resultado é a menor absorção de amônia e a
melhora do quadro da EH... Outro mecanismo
de ação da lactulose (um dissacarídeo não ab-
sorvível) é o seu efeito laxativo que elimina o
mais rapidamente possível as fontes proteicas
do lúmen intestinal, além de reduzir a estase
intestinal, evitando a proliferação bacteriana.
Esta droga também possui um efeito direto
no metabolismo bacteriano das proteínas,
fenômeno que diminui a formação de NH3...
Outras drogas:
• Rifaximina: 550 mg, via oral, 12/12 horas.
Menos efeitos adversos e, por isso, consi-
derada a melhor opção para ser adicionada
à lactulose. Se não houver disponibilidade
da rifaximina, uma medida para reduzir as
complicações das outras medicações seria
usá-las de forma alternada.
• Sulfato de Neomicina: 500 mg – 1 g, via
oral, 8/8h. A Neomicina é administrada no
intuito de reduzir a flora bacteriana colônica
produtora de amônia. Mesmo sendo pouco
absorvido, este aminoglicosídeo pode ser
ototóxico e nefrotóxico, principalmente quan-
do tomado por longo tempo.
• Metronidazol: 250 mg, via oral, duas a qua-
tro vezes por dia. O grande risco é a neuro-
patia periférica.
Outras drogas que podem ser
incluídas e que agem aumen-
tando a eliminação de amônia
do organismo são:
• complexo ornitina-aspartato,
que aumenta a transformação
de amônia em ureia nos hepa-
tócitos; e
• benzoato de sódio, que au-
menta a excreção renal de
nitrogênio.
Essas drogas, assim como o sul-
fato de zinco (200 mg VO 8/8h)
podem ser utilizadas nos casos
refratários. Outras tentativas de
relativo sucesso em alguns estu-
dos também já foram feitas com
melatonina, naltrexona, antago-
nistas serotoninérgicos e suple-
mentação com aminoácidos de
cadeia ramificada (BCAA).
(4) Transplante Hepático: Após um episódio
de encefalopatia hepática, a sobrevida média
em um ano é de apenas 40%, devendo o pa-
ciente ser submetido a uma avaliação para
entrar na fila de transplante hepático (única
terapia definitiva para sua doença!!!).
PROFIlAXIA
Recentemente, alguns estudos mostraram que
lactulose ou rifaximina poderiam ser utilizadas
como profilaxia para a encefalopatia hepática
após episódio de sangramento. Contudo, não
existe ainda uma recomendação formal para
a conduta e mais trabalhos são necessários
para avaliação do risco/benefício e de quais
pacientes estariam sob risco mais elevado.
2) SíNDROME hEPATORRENAlIntrodução
A Síndrome Hepatorrenal (SHR) se caracteriza
por uma insuficiência renal aguda que ocorre
em 10% dos pacientes com cirrose hepática
avançada. Caracteristicamente, o parênquima
renal está intacto e a perda progressiva da
sua função está associada à vasoconstrição
renal exacerbada, que ocorre em resposta à
vasodilatação esplâncnica desenvolvida nos
quadros hepáticos.
Mas de onde vem essa alteração hemo-
dinâmica?
O mecanismo da SHR até hoje não está muito
bem definido, mas a vasodilatação arterial pe-
riférica parece ser um evento precoce. Sabe-
mos que na disfunção hepática grave, agentes
vasodilatadores, como o óxido nítrico, são acu-
mulados, levando a um quadro hemodinâmico
caracterizado por hipotensão arterial e dimi-
nuição do volume circulante efetivo. De acordo
com uma recente revisão da New England em
2009, a vasodilatação é provavelmente secun-
dária à produção de citocinas pró-inflamatórias
(TNF-alfa, IL-6) nos linfonodos mesentéricos e
hipersecreção endotelial de vasodilatadores
(óxido nítrico, monóxido de carbono e cana-
binoides endógenos), após um processo de
translocação bacteriana (algumas bactérias
conseguiriam ultrapassar a mucosa). Como
resultado, teríamos uma vasodilatação princi-
palmente no leito esplâncnico, capaz de “rou-
bar” sangue dos demais locais e desencadear
um quadro de hipovolemia...
Assim, da mesma forma que num quadro
verdadeiro de hipovolemia, surge então va-
soconstricção renal (mediado pelo sistema
adrenérgico), só que, neste caso, de intensida-
de desproporcional, ocorrendo uma inversão
do fluxo sanguíneo corticomedular. Temos
também um estímulo para retenção renal de
sódio e água (mediado pelo sistema renina
http://#scrolldown
Cirurgia - Volume 1 30Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
-angiotensina-aldosterona), levando a uma
urina pobre em sódio e concentrada. Existiria
ainda um terceiro mecanismo relacionado à
secreção de vasopressina (com mais retenção
de água e vasoconstricção), mas só ativado
em casos extremos.
ReSumindo...
A SHR é uma IRA “pré-renal” que não res-
ponde a volume! Na verdade, ela reflete um
desequilíbrio entre os fatores vasodilatadores
e vasoconstritores, resultando no aumento
significativo da resistência vascular renal,
diminuição da taxa de filtração glomerular e
uma ávida retenção de sódio e água. Nestes
casos, a reversão só é possível com a recu-
peração da função hepática ou transplante. É
um quadro bastante grave cuja mortalidade
nos pacientes cirróticos chega a 80%!!!
Diagnóstico
Toda vez que um hepatopata, geralmente com
ascite volumosa, manifestar oligúria ou ele-
vação de escórias nitrogenadas, você deverá
pensar na síndrome hepatorrenal!
Como estes pacientes também estão sujeitos a
outras formas de lesão renal, o primeiro passo é
excluir outras causas de IRA, como hipovolemia
(hemorragia digestiva, diarreia) e drogas nefro-
tóxicas. Em segundo lugar, devem ser identi-
ficados fatores precipitantes que diminuam o
volume intravascular, como diureticoterapia
vigorosa ou paracentese (IRA iatrogênica).
Existem critérios diagnósticos para a SHR que
foram definidos pelo International Ascites Club.
Veja a seguir:
CRITÉRIOS DIAgNóSTICOS PARA
A SíNDROME hEPATORRENAl
• Doença hepática aguda ou crônica com insufi-
ciência hepática avançada e hipertensão portal.
• Creatinina sérica > 1,5 mg/dl (recentemente,
a definição de aumento ≥ 0,3 mg/dl em 48h
ou ≥ 50% em sete dias passou a vigorar, em
consonância com as recomendações das di-
retrizes das Sociedades de Nefrologia).
• Ausência da melhora da creatinina sérica após
pelo menos dois dias de retirada de diuréticos
e expansão volêmica com albumina (1 g/kg/
dia até o limite de 100 g/dia).
• Ausência de causa aparente, entre elas: cho-
que, infecção bacteriana, uso recente ou atual
de drogas nefrotóxicas e ausência de sinal
ultrassonográfico sugestivo de obstrução ou
doença parenquimatosa renal.
• Hematúria < 50 hemácias por campo de maior
aumento e proteinúria < 500 mg/dia.
Cabe ressaltar que apenas uma minoria dos
pacientes cirróticos que apresentam azotemia
possui de fato a SHR. Inclusive, atualmente
existem marcadores que podem nos ajudar
nesta distinção, como é o caso da lipocalina
neutrofílica urinária associada à gelatinase,
que se mostra com valores mais elevados na
lesão renal aguda (325 ng/ml) que na SHR
(105 ng/ml).
Classificação
Existem dois tipos de SHR: tipo 1 e tipo 2,
diferenciados pela velocidade de progressão
da disfunção renal.
O tipo 1 é caracterizado pela rápida progres-
são da insuficiência renal (< duas semanas),
havendo aumento da creatinina sérica para o
dobro da inicial (níveis superiores a 2,5 mg/dl),
geralmente precipitada por um quadro de PBE.
O prognóstico da SHR tipo 1 é extremamente
ruim, com uma sobrevida média de cerca de
duas semanas.
No tipo 2, a creatinina sérica se situa entre
1,5 e 2 mg/dl, a evolução é mais insidiosa, es-
pontânea, associada à ascite refratária e com
prognóstico melhor.
Tratamento
A melhor terapia é o transplante hepático, com
boa recuperação da função renal!
O tratamento clínico é bem menos efetivo e a
prevenção deve ser o foco das intervenções,
evitando-se o uso inapropriado de diuréticos
e corrigindo-se precocemente os distúrbios
hidroeletrolíticos, hemorragias e infecções.
Pacientes com peritonite bacteriana espon-
tânea podem se beneficiar da administração
precoce de albumina (ver capítulo de Ascite)
para prevenir o desenvolvimento da SHR.
Das abordagens farmacológicas propostas
nos últimos anos, o uso de vasoconstritores
sistêmicos (terlipressina, noradrenalina, oc-
treotide mais midrodrina) associados à albumi-
na intravenosa (1 g/kg/dia – 100 g no máximo
– por dois a três dias) tem se mostrado como a
melhor proposta. Deve ser obtido um aumento
de, pelo menos, 15 mmHg na pressão arterial
média e a melhora clínica costuma ser obser-
vada após a primeira semana de tratamento.
As doses indicadas estão a seguir:
• Terlipressina: 0,5 a 2 mg, a cada quatro ou
seis horas.
• Octreotide: 100-200 mcg, subcutâneo, três
vezes por dia.
• Midrodrina: 7,5-12,5 mg, oral, três vezes
ao dia.
Além dos vasoconstrictores, outras opções
incluem a TIPS e a diálise extracorpórea com
albumina, servindo apenas como uma “pon-
te” até a realização do transplante hepático.
Drogas de ação vasodilatadora renal como a
dopamina em baixa dose, muito utilizadas no
passado, não devem mais ser administradas.
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Cirurgia - Volume 1 31Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
Vamos às questões:
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2013
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO ALCIDES
CARNEIRO – PB
Uma das complicações da cirrose hepática
avançada e insuficiência hepática é a Síndro-
me Hepatorrenal (SHR). Assinale a alternativa
CORRETA em relação a esta complicação.
a) A insuficiência renal nesta condição é irre-
versível e o paciente deve ser encaminhado ao
diagnóstico logo após o diagnóstico confirmado.
b) Vasodilatação renal abrupta é o principal
evento fisiopatológico.
c) A insuficiência renal aguda, neste caso, é
decorrente de vasodilatação esplâncnica e
shunting arteriovenoso.
d) Pode ocorrer fibrose maciça dos rins em
fases precoces, quando a doença é mais
agressiva.
e) É causa de Insuficiência Renal Aguda
pós-renal.
A síndrome hepatorrenal é uma forma es-
pecial de IRA “pré-renal” associada à perda
avançada da função hepática (que pode ser
aguda ou crônica). Trata- se de uma condi-
ção potencialmente reversível, caracterizada
pelo surgimento de severo vasoespasmo di-
fuso das arteríolas pré-glomerulares (levan-
do a uma queda na TFG). O vasoespasmo
é rapidamente desfeito se a função hepática
for recobrada (ex.: melhora espontânea de
uma hepatite fulminante ou pós-transplante
hepático no paciente com cirrose terminal).
Se transplantarmos o rim do paciente com
SHR num indivíduo sem doença hepática,
o rim também volta a funcionar normalmen-
te. Logo, opções A, B, D e E grosseiramente
erradas. A letra C está correta porque nãoé
apenas a vasoconstrição das arteríolas pré-
glomerulares que acontece na hemodinâmi-
ca do paciente. Na realidade, o próprio DE-
SENCADEANTE dessa vasoconstrição é a
vasodilatação exagerada do leito esplâncni-
co, secundária ao efeito pró-inflamatório local
da translocação bacteriana intestinal caracte-
rística da cirrose hepática. Resposta: letra C.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2012
FACULDADE DE MEDICINA DO ABC – SP
A SHR é uma disfunção renal:
a) Acomete de modo irreversível somente os
pacientes cirróticos em fase avançada.
b) Acomete somente os pacientes cirróticos,
mas é potencialmente uma condição reversível.
c) Pode acometer tanto pacientes cirróticos
como também pacientes com hepatite alcoó-
lica e em falência hepática aguda, sendo que
somente a do tipo I deverá ser tratada com
drogas vasoativas.
d) A SHR do tipo I caracteriza-se bioquimica-
mente por creatinina acima de 1,5 mg/dl em
paciente com função renal prévia normal, ha-
bitualmente precipitada por episódio de he-
morragia digestiva alta (HDA).
A síndrome hepatorrenal é uma forma de
insuficiência renal aguda “funcional” e reversí-
vel (não há lesão estrutural renal, apenas va-
soconstrição extrema das arteríolas pré-glo-
merulares, levando a uma queda acentuada da
TFG), que acomete pacientes num contexto de
perda da função hepática. A SHR tipo 1 é aque-
la caracterizada pelo desenvolvimento rápido
de azotemia significativa (a creatinina plasmá-
tica dobra de valor em menos de semanas, fi-
cando > 2,5 mg/dl). Acomete mais comumente
os indivíduos com cirrose avançada (em geral
após evento deflagrador, como peritonite bac-
teriana espontânea), mas também pode apa-
recer de forma aguda (na ausência de cirrose
pré-estabelecida), em associação com a hepa-
tite alcoólica grave ou mesmo qualquer outra
forma de falência hepática (também chamada
de hepatite fulminante). O tratamento consiste
em transplante ortotópico de fígado, mas até
que o transplante seja realizado, podemos
manter o paciente vivo com o emprego de dro-
gas vasoativas, como a terlipressina e a nora-
drenalina. Esta forma de terapia de suporte, no
entanto, está indicada para a SHR tipo I. A SHR
tipo II, associada à ascite refratária, é insidiosa
e tem um prognóstico melhor. Resposta: C.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2011
HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE
PERNAMBUCO
Um paciente cirrótico por álcool, que vinha sem
beber há mais de um ano e bem compensado,
passou a apresentar queda do estado geral há
quatro dias, com piora da icterícia e ascite, de-
senvolvendo posteriormente desorientação e
sonolência. Ao exame físico está afebril, sono-
lento, ictérico (2+), com edema de MMII e
flapping. O abdome é indolor e apresenta ma-
nobra do piparote positiva. Exames laborato-
riais: BT 4,8 mg/dl; BD 2,5 mg/dl; INR 2,8;
creatinina 2,3 mg/dl e ureia 90 mg/dl. Sobre o
caso descrito, assinale a alternativa CORRETA.
a) O paciente deve receber infusão de albu-
mina na dose de 1,0 g/kg/dia por dois dias.
Caso haja melhora das escórias nitrogenadas
após esta medida, pode-se descartar o diag-
nóstico de síndrome hepatorrenal.
b) A determinação do sódio urinário é útil para
diferenciar síndrome hepatorrenal de insufi-
ciência renal pré-renal por hipovolemia.
c) A presença de flapping (asterixis) indica que
o quadro neurológico é secundário à encefa-
lopatia hepática e não à uremia.
d) Como o INR está alargado e não há dor
abdominal ou febre, paracentese diagnóstica
não deve ser realizada no momento.
Vejamos as alternativas:
Alternativa A correta: Frente a um paciente
cirrótico com ascite que evolui agudamente
com piora da função renal, na ausência de
outras causas predisponentes, devemos pen-
sar em Síndrome Hepatorrenal (SHR). De
acordo com os critérios diagnósticos que aca-
bamos de ver, um deles é a ausência de me-
lhora da creatinina sérica após dois dias de
retirada de diuréticos e expansão volêmica
com albumina.
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Cirurgia - Volume 1 32Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
Alternativa B incorreta: A medida do sódio uri-
nário não tem utilidade alguma para diferenciar
a SHR de uma causa pré-renal, visto que,
tanto nesta última quanto na primeira, teremos
sódio urinário baixo.
Alternativa C incorreta: O flapping não é ex-
clusivo da encefalopatia hepática, podendo
estar presente em condições como uremia,
carbonarcose do paciente DPOC, intoxicação
pelo lítio e pré-eclâmpsia grave.
Alternativa D incorreta: Fatores predisponen-
tes para SHR incluem sangramento gastroin-
testinal, infecção (principalmente PERITONI-
TE BACTERIANA ESPONTÂNEA), diurese
intensa com rápida perda de peso e paracen-
tese de grande volume sem reposição de al-
bumina. Logo, a paracentese deve ser reali-
zada com o objetivo de se afastar a presença
de PBE, independentemente do valor do INR
e mesmo não havendo as manifestações clí-
nicas clássicas (febre e dor abdominal).
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2011
PROCESSO SELETIVO UNIFICADO – MG
Homem de 32 anos, com cirrose hepática es-
core Child-Pugh “C”, está em uso de espiro-
nolactona (100 mg/dia), furosemida (40 mg/
dia) e propranolol (40 mg/dia) há cerca de 30
dias. É admitido em serviço de urgência com
náuseas, vômitos e sonolência. Há dois dias,
foi submetido à paracentese com retirada de
oito litros de líquido ascítico. Bioquímica séri-
ca à admissão: sódio = 116 mEq/L, cloreto =
88 mEq/L, potássio = 3,1 mEq/L, creatinina =
1,8 mg/dl. Qual é o mecanismo mais provável
da hiponatremia?
a) Déficit de produção da aldosterona pela
suprarrenal.
b) Eliminação excessiva de sódio pelos rins.
c) Expansão do volume intravascular.
d) Retenção de água livre pelos túbulos renais.
Cirrose hepática Child C nos indica cirrose
“descompensada”, em fase avançada. Sabe-
mos que o paciente cirrótico, por definição,
apresenta uma redução do volume circulante
efetivo, ou volume de sangue no leito arterial
(aquele que perfunde os tecidos). Essa redu-
ção é secundária a uma série de fatores, a
saber: (1) hiperestrogenismo, pela menor me-
tabolização hepática de estrogênio, que pro-
move vasodilatação generalizada e redução
da resistência vascular periférica, com tendên-
cia à hipotensão arterial e aumento do débito
cardíaco; (2) hipertensão porta, que promove
vasodilatação esplâncnica, sequestro de san-
gue no leito mesentérico e formação de asci-
te, com desvio de líquido para o “terceiro es-
paço” intraperitoneal; (3) hipoalbuminemia,
que reduz a pressão coloidosmótica do san-
gue, diminuindo a capacidade de reter líquido
no intravascular, levando à formação de ede-
ma periférico. A reação normal do organismo
frente à redução do volume circulante efetivo
é ativar o sistema renina-angiotensina-aldos-
terona, num quadro conhecido como hiperal-
dosteronismo secundário. Trata-se de uma
tentativa de restaurar o volume intravascular
promovendo retenção renal de sódio e água.
Mas como o paciente possui outros agravan-
tes (ex.: hipoalbuminemia, hipertensão porta),
o sódio e a água retidos acabam sendo “per-
didos” para o “terceiro espaço” (edema peri-
férico, ascite), e o “hiperaldosteronismo se-
cundário” acaba não tendo a eficácia espera-
da. Assim, em vista da falência do SRAA em
restaurar o volume circulante efetivo, o corpo
do paciente ativa um sistema secundário de
proteção que é a secreção de ADH (vasopres-
sina). A ação principal do ADH, neste caso,
visa à vasoconstrição periférica, mas sabemos
que ele também atua nos túbulos coletores do
néfron promovendo retenção de água livre.
Portanto, um dos efeitos adversos desse sis-
tema compensatório é o surgimento de hipo-
natremia, pois o excesso de água livre em
relação ao total de sódio retido gera um quadro
de franca intoxicação hídrica. O nível de sódio
sérico, por tal motivo, é usado como um mar-
cador de gravidade da doença de base, já que
reflete a intensidade do distúrbio circulatório
das doenças que cursam com redução do
volume circulante efetivo, como a cirrose he-
pática e a ICC. Ora, se uma paracentese de
grande monta (> 5 L) forrealizada, ainda mais
num paciente em uso de diuréticos, sem que
se reponha uma quantidade adequada de al-
bumina pela via intravenosa (a fim de restau-
rar a pressão coloidosmótica), é esperada uma
exacerbação aguda dessa “hipovolemia rela-
tiva” a ponto de induzir um quadro de franca
insuficiência renal pré-renal (má perfusão re-
nal)! E foi o que aconteceu com nosso pacien-
te, que tem sintomas urêmicos e azotemia.
Logo, podemos afirmar que: (1) a suprarrenal
desse paciente provavelmente está hiperfun-
cionante (“hiperaldosteronismo secundário”),
até porque na falência adrenal se espera hi-
ponatremia + hipercalemia (o paciente tem
HIPOcalemia); (2) a natriurese deve estar
extremamente reduzida (efeito do hiperaldos-
teronismo); (3) o volume intravascular, óbvio,
deve estar bastante reduzido; (4) o excesso
de ADH secretado em resposta à grave hipo-
volemia está impedindo os rins de excretarem
água livre. Resposta: Letra D.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2011
HOSPITAL ISRAELITA
ALBERT EINSTEIN – SP
A síndrome hepatorrenal, na sua apresentação
clínica, assemelha-se à:
a) Insuficiência renal aguda pré-renal.
b) Insuficiência renal aguda pós-renal.
c) Nefrite intersticial aguda.
d) Necrose tubular aguda.
e) Glomerulonefrite rapidamente progressiva.
A síndrome hepatorrenal é uma consequência
hemodinâmica da falência hepática grave (agu-
da ou crônica). Sabemos que na falência hepá-
tica ocorrem vasodilatação e sequestro de vo-
lume na circulação esplâncnica (hipertensão
porta, aumento de LPS bacteriano e óxido nítri-
co), e que tal fato promove uma grave redução
do volume circulante efetivo (volume de sangue
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Cirurgia - Volume 1 33Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
que preenche o leito arterial). A resposta do
organismo à redução do VCE é um aumento na
secreção de mediadores neuro-hormonais,
como as catecolaminas (resposta adrenérgica),
o sistema renina-angiotensina-aldosterona (is-
quemia glomerular) e a secreção não osmótica
de vasopressina (ADH). Quando a vasopressi-
na e as catecolaminas aumentam intensa e
subitamente, ocorre uma profunda constrição
da circulação arterial pré-renal, levando a um
tipo especial de IRA pré-renal caracterizada por
isquemia glomerular e hiperatividade dos túbu-
los. Como os túbulos estão ávidos por reabsor-
ver sódio e água (na tentativa de normalizar o
VCE), o sódio urinário se torna extremamente
reduzido (em geral < 10 mEq/L). Faz parte dos
critérios diagnósticos a exclusão de obstrução
urinária e doenças parenquimatosas (ausência
de células no EAS e/ou proteinúria). Logo, o
quadro laboratorial é compatível com o de uma
IRA pré-renal “pura”. Resposta: A.
3) COMPlICAçõES
PUlMONARES
São duas complicações principais (síndrome he-
patopulmonar e hipertensão hepatopulmonar),
com características particulares em cada uma,
que não podem ser confundidas. Veja a seguir:
A) Síndrome HepAtopulmonAr (SHp)
Introdução
Trata-se de uma condição presente em
5-10% dos pacientes que aguardam o trans-
plante hepático e se caracteriza basicamente
por três achados:
(1) doença hepática estabelecida;
(2) hipoxemia (gradiente alvéolo-arterial ele-
vado em ar ambiente);
(3) evidência de alterações vasculares intra-
pulmonares, referidas como “Dilatações
Vasculares Intrapulmonares” (DVIP).
Mas o que está por trás da SHP?
Sabemos que o paciente cirrótico é um indiví-
duo “naturalmente vasodilatado” pela predo-
minância de substâncias como o óxido nítrico
na circulação. Com isso, o paciente tende a
apresentar alterações circulatórias como dimi-
nuição do volume circulante efetivo, hiperfluxo
compensatório e ativação do sistema renina-
-angiotensina-aldosterona. A síndrome hepa-
topulmonar seria uma complicação associada
a este mecanismo, só que no leito pulmonar...
Vamos entender melhor:
Normalmente os capilares pulmonares são
bastante estreitos (cerca de 8 µm) de forma a
permitir apenas a passagem de hemácia por
hemácia (cada uma mede pouco menos de
8 µm). Esse processo garante uma grande
proximidade entre os alvéolos e as células
vermelhas, garantindo assim uma boa oxi-
genação (FIGURA 6A). Nos pacientes com
SHP, estes capilares estão extremamente di-
latados, chegando a um diâmetro de até 500
µm. O resultado já podemos imaginar... he-
mácia passando rápido pelos alvéolos e com
pequena proximidade, resultando numa baixa
oxigenação! (FIGURA 6B). Como já é reco-
nhecido na fisiologia pulmonar, esse processo
se assemelha a um “shunt direito esquerdo”.
Figura 6: A) Pulmão normal. B) Vasodila-
tação na síndrome hepatopulmonar.
A B
Manifestações Clínicas
O paciente apresenta tipicamente dispneia aos
esforços, cianose de lábios e extremidades, ba-
queteamento digital e aranhas vasculares. No
entanto, dois achados são clássicos: a platipneia
(dispneia que surge ou se agrava com a posi-
ção sentada ou em pé) e a ortodeóxia (queda
acentuada da saturação arterial com a posição
ortostática). Uma das explicações é a localização
preferencial das DVIP nas bases pulmonares.
Diagnóstico
Os critérios diagnósticos variam bastante segun-
do a fonte e não existem valores muito rígidos
para confirmá-los. Em geral, podemos dizer que:
Vejamos alguns detalhes sobre os exames:
• A coexistência de anormalidades pulmona-
res, tais como derrame pleural ou obstrução
ao fluxo expiratório, comuns em pacientes
com doenças hepáticas, não exclui o diag-
nóstico de SHP.
• Gasometria Arterial: permite avaliar a
presença ou não de hipoxemia, hipocapnia,
alcalose respiratória e ortodeóxia. Deve-
mos atentar para o fato de que a saturação
de O2 pode estar falsamente diminuída nos
pacientes com hiperbilirrubinemia.
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Cirurgia - Volume 1 34Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
• Radiografia de Tórax: o principal papel é
afastar outras causas de hipoxemia (atelec-
tasias, derrame pleural, pneumonia, etc.).
Na SHP, ela pode ser normal ou mostrar al-
terações inespecíficas como um discreto in-
filtrado intersticial bilateral, com acentuação
dos vasos pulmonares tanto na região hilar
como na periferia, ou aspecto mosqueado
com imagens nodulares, principalmente nas
bases pulmonares.
• O Ecocardiograma Contrastado é o
exame não invasivo mais importante para
o diagnóstico. Consiste na administração
endovenosa periférica de verde de indocia-
nina ou solução fisiológica “agitada” (para
a formação de microbolhas). Se houver
comunicação intracardíaca anormal apa-
recerá opacificação imediata das câmaras
esquerdas após a chegada das microbolhas
nas câmaras direitas do coração. Na pre-
sença de SHP, ocorrerá opacificação retar-
dada nas câmaras esquerdas, entre três a
seis batimentos cardíacos após a chegada
das microbolhas no ventrículo direito. Esta
técnica não permite a diferenciação entre
dilatações pré-capilar, capilar ou pleurais e
comunicações arteriovenosas.
• A Cintilografia com macroagregados de
albumina marcados com 99m Tc também
pode revelar indícios das DVIP, mostrando
fluxo radioativo para o cérebro como resul-
tado do shunt.
• Angiografia pulmonar: utilizada para
os casos de diagnóstico duvidoso. Pode
revelar dois padrões: alterações difusas
aracneiformes correspondentes às DVIP
(tipo 1) e comunicações arteriovenosas
localizadas (tipo 2).
Tratamento
A SHP está associada a uma mortalidade de
pelo menos 40% em um período aproximado
de 2,5 anos, sendo que a causa de morte nem
sempre está associada à hipoxemia. A melhora
ou reversão espontânea da SHP constitui um
evento raro. A hipoxemia costuma responder à
administração de oxigênio, embora a dispneia
aos esforços se mantenha como importante
fator debilitante. Por isso, o transplante hepá-
tico é o único tratamento viável na SHP.
B) HipertenSão portopulmonAr
A manifestação clínica pode ser semelhan-
te (dispneia aos esforços) ou associada a
alguns achados mais característicos como
síncope, dor torácica, B2 hiperfonética e ba-
timento de VD. No entanto, o mecanismo de
base é bem diferente...
Ao contrário da SHP, não temos umavaso-
dilatação do leito pulmonar, mas sim uma
vasoconstricção. Embora, o predomínio
nestes pacientes seja de substâncias vaso-
dilatadoras, por vezes, algumas substâncias
vasoconstrictoras produzidas pela circulação
esplâncnica também podem chegar à circula-
ção pulmonar, levando ao aumento da pres-
são neste local. Inicialmente, a Hipertensão
Pulmonar (HP) é reversível; no entanto, com
o tempo vai levando à proliferação endotelial,
vasoconstricção, trombose in situ, obliteração
dos vasos e HP irreversível.
Atualmente, o tratamento é feito com base no
que se conhece para a hipertensão pulmonar
idiopática, baseado na anticoagulação e em
drogas vasodilatadoras como epoprostenol,
bosentan e sildenafil. Como a pressão pul-
monar arterial média > 50-60 mmHg consti-
tui uma contraindicação para o transplante,
o procedimento pode não ser possível para
esta condição.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2016
INSTITUTO NACIONAL DE
TRAUMATOLOGIA E ORTOPEDIA – RJ
Paciente com cirrose alcoólica, classificado
como Child-Pugh C, evoluiu com platipneia e
ortodeoxia. Qual síndrome de comprometi-
mento orgânico extra-hepática está presente
neste caso?
a) Encefalopatia hepática.
b) Gastropatia hepática.
c) Cardiomiopatia cirrótica.
d) Síndrome hepatorrenal.
e) Síndrome hepatopulmonar.
Uma das complicações da doença hepáti-
ca crônica que cursa com hipertensão portal
(com ou sem cirrose) é a chamada Síndrome
Hepatopulmonar (SHP), a qual surge às cus-
tas da dilatação grosseira de capilares e va-
sos pré-capilares da circulação pulmonar.
Para considerarmos a presença de SHP o
paciente deve apresentar a seguinte tríade:
doença hepática, comprometimento da oxi-
genação e anormalidades vasculares intra-
pulmonares (referidas como dilatações vas-
culares intrapulmonares). Dentre as manifes-
tações clínicas, existem duas que sempre
devem levar a suspeição do diagnóstico:
platipneia (dispneia induzida pela ortostase,
que melhora com o decúbito) e ortodeoxia
(queda da saturação em mais de 5% quando
o paciente vai da posição supina para posição
sentada ou de pé), ambas associadas a al-
terações de perfusão pulmonar que ocorrem
em decorrência das dilatações vasculares
intrapulmonares. Resposta: letra E.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2011
HOSPITAL ISRAELITA
ALBERT EINSTEIN – SP
Um homem de 40 anos com cirrose alcoólica
queixa-se de dispneia quando passa da posição
deitada para sentada. O médico utiliza um oxí-
metro de pulso e confirma: deitado, a saturação
de O₂ é de 96% e sentado é de 84%. O pacien-
te apresenta sinais de hepatopatia crônica, fí-
gado duro no rebordo costal, baço percutível,
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Cirurgia - Volume 1 35Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
sem ascite, com edema pré-tibial 1+/4+; tem
pulso = 90 bat/min, PA = 110 × 70 mmHg, au-
sência de estase venosa jugular, ausculta car-
díaca normal e pulmões livres. Os seus sinto-
mas decorrem, mais provavelmente de:
a) Tromboembolismo pulmonar crônico.
b) Insuficiência cardíaca diastólica.
c) Trombose de veia supra-hepática.
d) Fístulas arteriovenosas pulmonares.
e) Hipotensão postural.
Questão bem inteligente, utilizando a se-
miologia como base para a realização do
diagnóstico diferencial. Hipotensão postural é
algo que pode ser descartado logo de cara,
pois o paciente não tem uma queda da pres-
são/taquicardia com a posição ortostástica,
mas dessaturação – o que se denomina orto-
deóxia (E errada). TEP crônico também pode
ser excluído já que falência de VD e turgência
jugular seriam esperados nesse caso, com-
pondo uma síndrome congestiva sistêmica (A
errada). A insuficiência diastólica não explica
a ortodeóxia, pois viria acompanhada de al-
guma alteração na ausculta como o apareci-
mento de uma B4 e, se viesse relacionada à
congestão pulmonar, teria alterações no exa-
me respiratório (B errada). Na trombose de
veia supra-hepática, a famosa síndrome de
Budd-Chiari, seria esperada a formação de
uma grande ascite, o que não ocorre (C erra-
da). Ou seja, o que temos aqui é a síndrome
hepatopulmonar! Estes pacientes extrema-
mente vasodilatados possuem uma vasodila-
tação dos capilares pulmonares e formam um
verdadeiro shunt direito-esquerdo (as hemá-
cias passam sem serem oxigenadas). Essas
vasodilatações tratadas como Dilatações Vas-
culares Intrapulmonares (DVIP), ou simples-
mente fístulas arteriovenosas, localizam-se
preferencialmente nas bases, justificando a
presença da ortodeóxia e também da platip-
neia (dispneia que se agrava na posição sen-
tada). Resposta: D.
4) DESNUTRIçãO
O paciente com cirrose hepática é caracte-
risticamente desnutrido e hipercatabólico.
Dentre os diversos fatores associados à des-
nutrição, incluem-se baixa ingestão de alimen-
tos, alteração na mucosa absortiva intestinal e
alterações no metabolismo proteico. Esse foi
um dos motivos pelo qual a restrição proteica,
uma prática muito utilizada no passado em
pacientes hepatopatas, caiu por terra.
5) COAgUlOPATIA
A coagulopatia da disfunção hepática grave
ocorre pela redução na síntese dos fatores
da coagulação. De todos eles, o fator VII é
quem tem a meia- vida mais curta (seis horas).
Como o fator VII é o primeiro a se reduzir na
insuficiência hepática, o primeiro exame a ser
alterado é o Tempo de Protrombina (TAP),
que avalia a via extrínseca da coagulação.
Em seguida, como os outros fatores da coa-
gulação também acabam sendo reduzidos,
o Tempo de Tromboplastina Parcial (PTT)
– que avalia a via intrínseca – também pode
se alterar. O sangramento, nestes casos,
deve ser tratado com reposição de plasma
fresco congelado – o único que fornece todos
os fatores da coagulação. Não adianta fazer
crioprecipitado (que contém apenas os fatores
I – fibrinogênio, VIII e XIII).
Os hepatopatas ainda podem ter o TAP
alargado por outra condição: a colestase! A
colestase (intra ou extra-hepática) reduz a
secreção de sais biliares, fundamentais para
a absorção das vitaminas lipossolúveis, como
a vitamina K. A má absorção da vitamina K
pode causar uma coagulopatia pela redução
da síntese dos fatores II, VII, IX e X. O coa-
gulograma pode ser muito parecido com o da
insuficiência hepática.
TAP alargado: disfunção hepática pura ou
colestase associada?
Como os achados clássicos de colestase
(icterícia, acolia fecal) nem sempre estão
presentes, todo hepatopata com TP alarga-
do deve ser submetido a uma prova tera-
pêutica com vitamina K exógena, dose úni-
ca de 10 mg SC ou IV, obtendo-se novo TP
(INR) 24h depois. Se houver uma resposta
significativa do coagulograma, há uma boa
chance de o paciente ter colestase, mesmo
que subclínica...
6) ANORMAlIDADES
hEMATOlógICAS
A prevalência de anemia nos pacientes he-
patopatas crônicos gira em torno de 75%,
sendo a hepatopatia alcoólica a causa mais
associada. Na maioria dos casos, o meca-
nismo da anemia é dilucional, como resposta
à retenção hidrossalina característica da
hipertensão portal. No entanto, a anemia do
hepatopata é multifatorial, sendo os outros
fatores envolvidos:
a) Redução da vida média das hemácias
de 100-120 para 20-30 dias devido a:
(1) hiperesplenismo (esplenomegalia
congestiva ou hemólise); (2) alterações
no metabolismo eritrocitário, tornando
as hemácias instáveis; e (3) alterações
da composição lipídica de suas mem-
branas, com aumento do teor de coles-
terol e lecitina.
b) Redução da resposta eritropoiética
à anemia devido: (1) efeito direto do
álcool na medula óssea; (2) anemia
megaloblástica por carência de folato;
(3) anemia ferropriva por sangramento
crônico, geralmente proveniente do
trato digestivo alto (varizes, doença
ulcerosa); e (4) queda da produção da
eritropoetina hepática.
http://#scrolldown
Cirurgia - Volume 1 36Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
E quais são as características dessa anemia?
O quadro costuma ser leve ou moderado,
com achados característicos de uma anemia
normocítica ou macrocítica, com o índice de
reticulócitos corrigido elevado, em torno de
8,5% (variação entre 2,5-24%). A macrocitose
ocorreem 30-50% dos casos, geralmente não
excedendo o limite de 115 fL. Pancitopenia
ou bicitopenia (devido à esplenomegalia e
ao hiperesplenismo) podem ser encontradas,
embora raramente necessitem de tratamento.
No esfregaço do sangue periférico, podemos
encontrar:
(1) Macrócitos finos (hemácias com diâme-
tro aumentado, porém com VCM normal
– este achado é comum, ocorrendo em
cerca de 60% dos casos);
(2) Hemácias em alvo (o mecanismo é o au-
mento da superfície da hemácia, devido
ao acúmulo de lipídios na membrana, em
relação ao volume corpuscular); e
(3) Acantócitos (indica hemólise grave, ocor-
rendo em apenas 5% dos pacientes).
Você já ouviu falar na Síndrome de Zieve?
São episódios autolimitados de anemia hemo-
lítica aguda, que podem se desenvolver em eti-
listas crônicos, associados à esplenomegalia,
à icterícia e à hiperlipidemia. A hepatopatia é
apenas leve ou incipiente, geralmente com o
predomínio de esteatose hepática. A patogê-
nese desta anemia é desconhecida.
7) DOENçA óSSEA
Osteoporose é uma condição comum entre
pacientes com colestase crônica, devido à má
absorção da vitamina D lipossolúvel e redução
da ingesta de cálcio. O tratamento não difere
do utilizado em pacientes sem hepatopatias e
consiste na utilização de bisfosfonatos.
8) CARCINOMA
hEPATOCElUlAR
A cirrose é o principal fator predisponente
para o hepatocarcinoma. As principais con-
dições associadas são:
- Hepatite viral crônica (B e C);
- Álcool;
- NASH (esteato-hepatite não alcoólica);
- Hemocromatose hereditária;
- Hepatite autoimune;
- Deficiência de alfa-1-antitripsina; e
- Colangite biliar primária.
Abordaremos com detalhes cada uma dessas
condições na Seção 3 deste módulo. Quanto
ao hepatocarcinoma, voltaremos a falar dele
dentro do módulo de Oncologia.
Saiba maiS:
Até 50% dos pacientes cirróticos apresentam
algum grau de disfunção cardíaca. Nesses
pacientes, devido à vasodilatação, sabemos
existir um consequente estado hiperdinâmico.
No entanto, ainda assim, os tecidos periféricos
mostram uma perfusão reduzida, caracteri-
zando uma insuficiência cardíaca de alto dé-
bito. Esta forma é chamada de “cardiomiopatia
cirrótica”. O quadro é insidioso e os pacientes
costumam falecer mais pela doença hepática
que pela cardiopatia.
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Cirurgia - Volume 1 37Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
A Síndrome dA
HipertenSão portA
amos continuar nosso módulo voltado para as hepatopatias crô-
nicas e cirrose com a síndrome de hipertensão porta (HP). Para
fins didáticos, ela será dividida em dois momentos. No primeiro, serão
abordadas as características gerais deste sistema venoso, incluindo
anatomia, fisiopatologia, classificação, etiologia e manifestações clínicas
associadas. No segundo momento, daremos ênfase às duas manifestações
clínicas da HP mais cobradas nos concursos de residência médica: ascite e
varizes esofagogástricas. Confiram!
V
37
SISTEMA PORTA = Veia mesentérica su-
perior + veia esplênica.
HIPERTENSÃO PORTA = (gradiente de
pressão venosa hepática > 5 mmHg).
- Formação de varizes > 10 mmHg.
- Ruptura de varizes > 12 mmHg.
CAUSAS DE HIPERTENSÃO PORTA
• Pré-hepática: Trombose de veia porta;
trombose de veia esplênica; esplenome-
galia maciça.
• Intra-hepática: Esta categoria é ainda
subdividida em três componentes:
- pré-sinusoidal: esquistossomose, fibrose
hepática congênita, sarcoidose etc.
- sinusoidal: CIRROSE.
- pós-sinusoidal: síndrome veno-oclusiva.
• Pós-hepática: síndrome de Budd-Chiari,
obstrução de veia cava inferior, congestão
direita crônica.
EXAME PARA AVALIAÇÃO INICIAL = USG
com Doppler.
EXAME PARA PROGRAMAÇÃO CIRÚR-
GICA = Angiografia.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
(1) Ascite
(2) Circulação colateral (abdominal, esofági-
ca, gástrica, anorretal, retroperitoneal, renal)
(3) Esplenomegalia
(4) Encefalopatia hepática
hIPERTENSãO PORTA
Introdução
Você sabia que o termo “sistema porta” tem um
significado específico? Veja, qual é o normal,
o esperado, quando pensamos nos proces-
sos de circulação e nutrição dos tecidos? Um
vaso (artéria) leva sangue rico em oxigênio e
nutrientes do coração para determinado teci-
do, e, dando sequência, um outro vaso (veia)
recolhe este sangue e o reconduz novamente
em direção ao coração. Assim, a microcircula-
ção (onde as “trocas” acontecem) fica disposta
classicamente no ponto exato entre o sistema
arterial e venoso.
Em determinadas situações, entretanto, no
trajeto de retorno ao coração, o sangue após
percorrer uma rede de capilares, encontra
novamente um vaso venoso calibroso para
chegar a outra rede de capilares. É como
se este vaso formasse um caminho direto,
uma “porta” entre os dois sistemas capila-
res... A isto chamamos de “sistema porta”
(FIGURA 1).
Abordaremos aqui o sistema porta mais co-
nhecido, que é certamente o porta-hepático,
que comunica os capilares mesentéricos
aos sinusoides hepáticos. Mas é necessário
entendermos que existem outros também
muito importantes, como o sistema porta
hipotalâmico-hipofisário, responsável pela
condução de hormônios controladores do
hipotálamo à hipófise.
Figura 1: A microcirculação. A) Padrão habitual; B) Sistema “porta”.
BA
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http://#videomiolo=15557-VIDEO_08_MEDCIR01_2018
Cirurgia - Volume 1 38Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
Neste momento alguém poderia indagar: mas
qual seria a razão de uma ligação direta entre
essas redes de capilares, ainda mais de san-
gue venoso? Esta é uma ótima pergunta, e
realmente não existem muitas razões... Agora
veja o caso do fígado, por exemplo: como é
que este órgão seria capaz de exercer as suas
funções, como a de defesa do nosso organis-
mo, se o vaso que traz o sangue que vem do
mesentério (intestino delgado) contendo todos
os produtos de nossa alimentação (incluindo
toxinas), não se capilarizasse para banhar,
difusamente, a massa de hepatócitos? Como
que o fígado, grande maestro do metabolismo
intermediário, faria para controlar os nutrientes
ingeridos (carboidratos, proteínas e gorduras)
se não fosse o sistema porta-hepático?
O sistema porta-hepático viabiliza um fenô-
meno tão conhecido quanto importante: a
“primeira passagem no fígado” – ou seja, toda
substância que chega pelo trato gastrointes-
tinal (incluindo medicamentos) e é absorvida
pelo intestino, antes de circular pelo corpo,
tem que, obrigatoriamente, passar pelo fíga-
do. O sistema porta–hepático coloca o fígado
em posição militarmente estratégica...
Vamos revisar as características gerais e
os aspectos mais importantes da anatomia
deste sistema venoso. Apesar de possíveis
variações anatômicas, podemos dizer o que
habitualmente ocorre...
O fígado recebe cerca de 1.500 ml de sangue
por minuto. Para se ter uma ideia, isto repre-
senta cerca de 25% do débito cardíaco. Mas
este fluxo não chega através de um vaso úni-
co, como acontece com a maioria dos outros
órgãos. Na verdade, existem duas fontes que
alimentam o fígado: a veia porta, responsável
por 75% do fluxo, e a artéria hepática, respon-
sável pelos 25% restantes.
Prestaram atenção neste conceito? A artéria
hepática compõe um dos três ramos do tronco
celíaco, junto com a artéria gástrica esquerda
e a artéria lienal ou esplênica. Mas não é ela
quem está em destaque, e sim a veia porta, que
é uma grande veia abdominal, formada pela
confluência das veias mesentérica superior e
esplênica. A veia gástrica esquerda (ou coro-
nária) é responsável pela drenagem do esôfago
distal e da pequena curvatura, entrando direta-
mente na veia porta logo após a sua formação.
A veia mesentérica inferior geralmente drena
para a veia esplênica! (FIGURA 2).
CONCEITO 1: O parênquima hepático é “sus-
tentado” principalmente por sangue venoso!
CONCEITO 2: VEIA PORTA = VEIA MESEN-
TÉRICA SUPERIOR + VEIA ESPLÊNICA
Outro conhecimento fundamental, princi-
palmente para as intervenções cirúrgicas,
são as relações topográficas. A veia porta
é formada atrás do colo pancreático, na al-
tura da segunda vértebralombar e corre no
interior do ligamento hepatoduodenal junto
com o colédoco e a artéria hepática. Seu
comprimento vai de 6 a 8 cm, com diâmetro
médio de 1 cm. Ao chegar ao hilo, a veia
porta se divide nos ramos direito e esquerdo
e, diferente do sistema arterial hepático e
da via biliar, sua anatomia é menos sujeita
a variações. Observe a FIGURA 2.
Naturalmente, a pressão no sistema porta é
baixa já que os sinusoides hepáticos pratica-
mente não oferecem resistência ao fluxo. Des-
sa forma, a hipertensão porta começa quando
existe obstrução de seu fluxo em algum ponto.
Geralmente essa obstrução se dá pela distor-
ção da arquitetura hepática por fibrose e nódu-
los de regeneração. No entanto, a obstrução
não é o único fator a atuar na fisiopatologia da
HP! Outro fator muito importante associado é o
aumento do fluxo sanguíneo portal secundário
à vasodilatação esplâncnica.
Apesar de o mecanismo não ser bem co-
nhecido, os principais fatores atribuídos à
vasodilatação são: ação do glucagon, óxido
nitroso e prostaciclinas e baixa sensibilidade
a catecolaminas.
Para completar, eis um conceito descrito mais
recentemente: com o aumento da pressão
portal e dilatação de vasos preexistentes,
ocorre também liberação de fatores angiogê-
nicos (ex.: VEGF) que propagam a formação
de varizes.
Mas qual é a pressão normal do Sistema
Porta?
Embora exista alguma discordância entre di-
ferentes referências, podemos dizer que ela é
baixa, situando-se entre 3-5 mmHg.
Resistência
Aumentada (Obstrução)
Hipertensão
Porta
Hiperfluxo
(Vasodilatação Esplâncnica)
E como medir a pressão no interior do Sis-
tema Porta?
Embora raramente necessário, podemos me-
dir a pressão portal de duas formas principais:
(1) aferição direta – menos utilizada, através
de cateterismo trans-hepático percutâneo
ou durante a cirurgia com “agulha fina”,
diretamente sobre a veia porta; ou
(2) aferição indireta (gradiente) – através da
punção da veia jugular e da passagem de
um cateter balonado pelo sistema cava
superior até as veias hepáticas, ocluindo
um de seus ramos. A pressão sentida na
ponta do balão equivale à pressão sinusoi-
dal. Aos que gostam de Terapia Intensiva,
seria semelhante à avaliação da pressão
http://#scrolldown
Cirurgia - Volume 1 39Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
capilar pulmonar para aferir a pressão do
átrio esquerdo... Para aprimorar a avalia-
ção, faz-se a medida com o balão desinsu-
flado e insuflado. A partir da diferença entre
as duas medidas, estabelece-se o Gradien-
te de Pressão Venosa Hepática (GPVH).
Esta é a forma mais acurada de realizar a
medida. No entanto, por aferir no território
supra-hepático, não é capaz de detectar
quadros onde a hipertensão portal tiver
origem pré-sinusoidal.
Figura 2
Outras formas propostas e ainda carentes de
maior validação seriam: medida da pressão
intravariceal pela endoscopia digestiva, alguns
parâmetros da USG com Doppler e contagem
de plaquetas no sangue periférico.
Quando eu estou autorizado a dizer que
existe Hipertensão Porta?
Já podemos dizer que há aumento da pres-
são no sistema porta quando o gradiente de
pressão venosa hepática for superior a 5
mmHg. Ou então, o que quase ninguém faz,
pela medida direta na pressão porta durante
a cirurgia acima de 20 mmHg ou, ainda, uma
pressão esplênica acima de 15 mmHg. A partir
daí, teremos elevações subsequentes acom-
panhadas da formação e rupturas das varizes.
Hipertensão Porta: Pressão > 5 mmHg
Formação de varizes: Pressão > 10 mmHg
Ruptura de varizes: Pressão > 12 mmHg
Mas preciso sempre medir a pressão no
Sistema Porta para diagnosticar Hiperten-
são Porta?
Não! E é importante que você entenda isso.
Na prática clínica, apesar de existirem diver-
sos métodos e um extenso arsenal diagnós-
tico de imagem (invasivos e não invasivos),
a confirmação da hipertensão porta é sempre
feita de forma indireta, através da identifica-
ção de uma ou mais de suas complicações,
em especial as varizes de esôfago, a espleno-
megalia, as colaterais abdominais e a ascite.
O principal método de imagem para avalia-
ção de hipertensão porta é a ultrassonogra-
fia com Doppler. Ela é capaz de identificar a
direção e a velocidade do fluxo pela veia, além
de visualizar outras importantes estruturas
como baço, fígado e detectar a presença de
ascite em estágios mais precoces.
9
Veja mais alguns detalhes no quadro...
• A USG com Doppler é o método de escolha
para acessar o sistema porta. A não visuali-
zação da veia porta é um dado sugestivo de
trombose deste vaso. Uma veia porta normal
aumenta seu calibre em resposta à alimenta-
ção (hiperemia reativa) e a ausência dessa
resposta também é sugestiva de hipertensão
portal. A fluxometria pelo Doppler permite
ainda uma estimativa do fluxo porta, que
pode ter sentido hepatopetal (em direção ao
fígado – indivíduos normais e alguns casos
de HP) ou hepatofugal (contrário ao fígado –
hipertensão porta).
• A Endoscopia Digestiva Alta está sempre
indicada na suspeita ou após o diagnóstico de
HP. A presença de varizes esofagogástricas
(esofagianas e/ou gástricas) sela o diagnós-
tico de hipertensão portal!! No entanto, uma
proporção variável de pacientes com HP não
possui varizes. Veja mais detalhes adiante
dentro do tópico “Varizes Hemorrágicas”.
• A USG endoscópica tem sido utilizada
como instrumento adicional para avaliar
alguns aspectos das varizes esofagianas.
Ela permitiria identificar pacientes sob maior
risco de sangramento de acordo com a área
seccional das varizes, fluxo pelas veias gás-
trica esquerda, ázigos e paraesofagianas.
Além disso, a medida da pressão transmural
permite a estimativa da tensão na parede do
vaso e constitui atualmente num importante
preditor de sangramento.
• A Angio-TC e Ressonância Magnética são
métodos não invasivos capazes de delinear
o sistema porta. Diagnosticam com elevada
acurácia a trombose de veia porta, além de
determinar a patência de derivações cirúrgi-
cas. Ao contrário da USG, esta técnica não
apresenta limitações devido à obesidade,
experiência do examinador e presença de
gás intestinal, embora sejam exames de alto
custo e problemas inerentes.
• A Angiografia é um método radiológico
invasivo capaz de delinear a anatomia das
colaterais do sistema porta, a patência dos
vasos, a presença de aneurismas, fístulas
e lesões vasculares intra-hepáticas. A an-
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http://#videomiolo=15557-VIDEO_09_MEDCIR01_2018
Cirurgia - Volume 1 40Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
giografia de fase venosa pode ser realizada
após a injeção seletiva de contraste na ar-
téria mesentérica superior e esplênica. Este
exame nos permite uma definição correta da
anatomia, sendo utilizado no planejamento
cirúrgico da hipertensão porta.
Alerta: Chegamos a um ponto crucial para
o entendimento deste assunto. Se você
está cansado, não prossiga! Tome uma
xícara de café, descanse uns cinco minutos
e volte com toda a atenção necessária. No
mais, seguimos!
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2012
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO
PEDRO ERNESTO – RJ
Tendo agendado uma hepatectomia parcial
em doente com cistoadenocarcinoma lobar,
o cirurgião recomendou ao interno do leito
que revisse a anatomofisiologia do fígado.
No dia da intervenção, enquanto mudava de
roupa no vestiário, começou a fazer pergun-
tas sobre o tema e logo notou que o jovem
discípulo desdenhara o seu conselho, visto
que, acerca do suprimento sanguíneo, ele
sequer sabia que:
a) A pressão portal gira em torno de 50% da
pressão na artéria hepática.
b) A artéria hepática contribui com pouco mais
de 60% do afluxo de sangue.
c) A veia porta é responsável por aproxima-
damente 75% do fluxo para o órgão.
d) O sangue venoso transporta cerca de 25%
dos nutrientes que a ele chegam.
O fígado é a mais volumosa víscera do cor-
po humano, recebendo 25-30% do débito car-
díaco. Com relação ao suprimentosanguíneo,
sabemos que a veia porta é responsável por
70-80% do fluxo e a artéria hepática pelo res-
tante (cerca de 25%) – C correta, B e D erradas.
Além disso, a letra A também está errada, pois
a pressão na veia porta é bem menor do que
na artéria hepática (basta comparar os valores
portais que acabamos de ver como 5...10...
20 mmHg, com a pressão sistêmica).
Resposta: C.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2012
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO
JÚLIO MULLER – MT
A formação de varizes de esôfago e a ocor-
rência de sangramento varicoso em pacien-
tes portadores de cirrose na forma sinusoidal
e pós-sinusoidal estão relacionadas, respec-
tivamente, a valores do gradiente de pressão
porta a partir de:
a) 10 mmHg e 12 mmHg.
b) 4 mmHg e 7 mmHg.
c) 6 mmHg e 9 mmHg.
d) 5 mmHg e 10 mmHg.
e) 2,5 mmHg e 5 mmHg.
Hipertensão porta é definida quando o gra-
diente de pressão no sistema está acima de
5 mmHg. No entanto, as varizes só começam
a aparecer quando o gradiente de pressão
chega a 10 mmHg, com risco de ruptura e
sangramento quando este gradiente ultrapas-
sa 12 mmHg.
Logo, resposta: A.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2010
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO CASSIANO
ANTÔNIO DE MORAES – ES
A formação da veia porta decorre mais comu-
mente pela confluência de:
a) Veia mesentérica superior e veia esplênica.
b) Veia mesentérica superior e veia mesenté-
rica inferior.
c) Veia mesentérica inferior e veia esplênica.
d) Veia mesentérica inferior e veia pancreáti-
ca inferior.
e) Veia mesentérica superior e veia pancreá-
tica inferior.
Vamos aproveitar a questão e rever alguns
detalhes anatômicos! Pela veia porta chega
ao fígado todo material absorvido nos intes-
tinos, com exceção de parte dos lipídios que
são transportados por via linfática. Graças a
essa característica, ele se encontra em posi-
ção privilegiada para metabolizar e acumular
nutrientes e neutralizar e eliminar substân-
cias tóxicas absorvidas. A veia porta é forma-
da pela junção da veia mesentérica superior
e veia esplênica e se dirige para o lobo direito
na medida em que se aproxima do porta-hepa-
tis. Ramifica-se num tronco curto direito (lobo
superior D, área à direita da vesícula, porção
anterossuperior do fígado) e num tronco es-
querdo mais longo (região lateral do lobo E,
lobos quadrado e caudado). Cada ramo ter-
minal tem um território nitidamente definido.
A artéria hepática e seus ramos são bem me-
nos constantes. Em 55% das pessoas ela se
origina diretamente da artéria celíaca, mas,
no restante, pode se originar da mesentérica
superior, gastroduodenal, gástrica D ou E ou
até mesmo da aorta. Dentro do fígado, se-
guem os ramos da veia porta. A maior parte
do fluxo vai para o estroma, ductos biliares e
vesícula biliar. As veias hepáticas são retas e
drenam posteriormente para a veia cava pos-
terior (a D drena o lobo superior D, a E drena
o lobo E e a intermediária drena a área supri-
da pelos ramos D e E da veia porta).
Resposta: A.
Etiologia
Na prática clínica, quando estamos diante de
um paciente com sinais e sintomas clínicos
evidentes de HP, devemos lembrar que em
algum ponto deste sistema existe uma obs-
trução, mesmo que parcial. E é justamente
este simples conhecimento que nos ajudará
a “mapear” o ponto de obstrução.
Para isso, podemos dividir a hipertensão por-
ta em três grupos, de acordo com o local da
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http://#videomiolo=15557-RCIR204045
Cirurgia - Volume 1 41Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
obstrução ao fluxo: (1) Pré-hepática; (2) In-
tra-hepática; (3) Pós-hepática. As condições
intra-hepáticas respondem por 95% dos casos
de HP, representadas basicamente pela cirrose
hepática. Como o sinusoide hepático assume
papel central na HP, podemos fazer mais uma
divisão; a do compartimento intra-hepático em
mais outros três: pré-sinusoidal, sinusoidal e
pós-sinusoidal.
A cirrose hepática é a causa mais co-
mum de hipertensão porta, que se de-
senvolve em 60% destes pacientes!
Obviamente, nem sempre essas divisões e
classificações são tão rigorosas, e algumas
doenças podem ter mais de um mecanismo
levando ao aumento da pressão portal. Por
exemplo, a cirrose, principal causa de HP, gera
mecanismos tanto pré quanto pós-sinusoidais.
E é exatamente por esta razão que, como ve-
remos mais adiante, o seu quadro clínico pode
conter todas as manifestações possíveis para
um paciente com HP.
Pré-hepá-
tica
Intra-he-
pática
Pós-he-
pática
• Trombose de veia porta.
• Trombose de veia esplênica.
• Aumento do fluxo portal (ex.: es-
plenomegalia maciça).
Pré-sinusoidal:
• Esquistossomose.
• Fibrose hepática congênita.
• Outros: Sarcoidose, cirrose biliar
primária, hiperplasia nodular
regenerativa, doença de Wilson,
carcinoma hepatocelular.
Sinusoidal:
• Cirrose hepática.
Pós-sinusoidal:
• Síndrome veno-oclusiva.
• Síndrome de Budd-Chiari.
• Obstrução da veia cava inferior.
• Congestão direita crônica (car-
diomiopatia restritiva, pericardite
constrictiva, ICC grave).
CAUSAS DA hIPERTENSãO PORTA
hipertensão Porta Pré-hepática
tromBoSe de VeiA portA
A principal condição associada à trombose da
veia porta é o estado de hipercoagulabilidade (ver
tabela). Mesmo nas crianças, onde a trombose
de veia porta representa até 50% das causas
de HP (e tem sua origem a partir da infecção da
veia umbilical), os estados pró-trombóticos cos-
tumam estar associados. Um dado mais recente,
resultado do desenvolvimento de novas técnicas
de imagem, é o fato de que a prevalência da
trombose em cirróticos é ainda maior do que
mostravam as séries anteriores. Além disso, a
associação com o carcinoma hepatocelular se-
ria menos contundente do que se imaginava no
passado. A trombose crônica da veia porta leva a
uma dilatação das veias colaterais, descrita como
transformação cavernomatosa. Clinicamente,
chamam atenção as varizes hemorrágicas. O
aparecimento de dor abdominal pode levantar a
suspeita de isquemia mesentérica por extensão
do trombo até a veia mesentérica superior.
O tratamento da TVP está baseado no controle
e na prevenção do sangramento pelas varizes
esofágicas. Pacientes com quadro pró-trombó-
tico de base e cujas varizes sejam de pequeno
calibre devem ser anticoagulados. Embora
os betabloqueadores também sejam eficazes
na prevenção do sangramento, a abordagem
direta mais comum para as varizes é a en-
doscópica. Pacientes refratários podem ser
manejados com cirurgia de derivação portos-
sistêmica, mas a TIPS (derivação portossistê-
mica transjugular intra-hepática) não costuma
ser indicada na trombose venosa portal.
Principais Causas de Trombose de Veia Porta:
Cirrose
Estados de Hipercoagulabilidade
• Doenças Mieloproliferativas: Policitemia
Vera; Trombocitemia essencial; Hemoglo-
binúria paroxística noturna.
• Trombofilias: Deficiência de proteína C, S ou
antitrombina III; Fator V de Leiden; Mutação
no gene da protrombina (G20210A).
• Gravidez / uso de contraceptivos.
Doenças Inflamatórias: Doença Intestinal
Inflamatória; Pancreatite
Procedimentos: Esplenectomia; Transplan-
te de fígado; TIPS
Infecção
Trauma Abdominal
tromBoSe de VeiA eSplênicA
(Hp SegmentAr)
A chave para suspeitar de trombose de veia
esplênica é o aparecimento de varizes hemorrá-
gicas de fundo gástrico isoladas, em pacientes
com função hepática normal. A presença desse
tipo de varizes ocorre pelo fato das veias gástri-
cas curtas, responsáveis pela drenagem do fun-
do gástrico, serem tributárias da veia esplênica.
No entanto, o achado das varizes gastroeso-
fágicas é comum e não exclui o diagnóstico
de hipertensão segmentar.
Atenção: As doenças do pâncreas represen-
tam a principal causa dessa condição, sendo
a pancreatite crônica a mais comum. Como as
varizes são de difícil tratamento endoscópico
e, por se tratar de um distúrbio segmentar, a
esplenectomia é o melhor tratamento.
TROMBOSE DE VEIA ESPLÊNICA
=
Hipertensão Segmentar (Varizes de
fundo gástrico isoladas) + Função He-
pática Normal
=
DOENÇAS PANCREÁTICAS / ESPLE-
NECTOMIA
http://#scrolldownCirurgia - Volume 1 42Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
condiçõeS que AumentAm
o Fluxo portAl
Grupo representado pelas fístulas arterioveno-
sas e pela esplenomegalia de grande monta. É
importante perceber que, apesar dessas condi-
ções elevarem o fluxo venoso portal, raramente
levam a um quadro real de hipertensão porta,
por conta da baixa resistência no sistema.
Fístula Arteriovenosa Esplâncnica: Pode
ser congênita ou adquirida. Um exemplo de
causa congênita é a telangiectasia heredi-
tária familiar. Os casos adquiridos incluem
os traumatismos abdominais, a ruptura de
aneurismas de artéria ou veia esplênica e o
carcinoma hepatocelular. As fístulas podem
estar presentes no baço ou no leito vascular
esplâncnico e as varizes hemorrágicas podem
vir acompanhadas de dor abdominal no qua-
drante superior direito e sopro abdominal.
Esplenomegalia de Grande Monta: Nesses
casos, o fluxo hiperdinâmico é proveniente da
veia esplênica a partir do baço aumentado.
Ocorre em uma minoria de pacientes com
esplenomegalia e as principais condições
associadas são: leucemia mieloide crônica,
linfomas, doença de Gaucher, policitemia vera
e metaplasia mieloide. A esplenectomia pode
normalizar a pressão em alguns pacientes,
embora seja comum nas doenças hematológi-
cas já encontrarmos resistência intra-hepática
por infiltração do parênquima.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2013
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DA UNIVERSI-
DADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – SC
Assinale a alternativa que completa CORRE-
TAMENTE a frase a seguir. Paciente mascu-
lino, 45 anos de idade, com história de etilismo,
apresenta quadros repetidos de hemorragia
digestiva alta. Sua história clínica sugere for-
temente pancreatite alcoólica. A endoscopia
digestiva alta mostra varizes de fundo gástrico
cujo sangramento foi controlado previamente
por medicamentos. Foi realizada uma esple-
noportografia que mostrou veia mesentérica
superior e veia porta pérvias. A veia esplênica
não foi visualizada. O tratamento definitivo
mais adequado para este paciente é:
a) Esplenectomia.
b) Anastomose portocava laterolateral.
c) Shunt esplenorrenal distal.
d) Shunt mesentérico-cava.
e) Terapia prolongada com betabloqueadores.
A questão deixa claro que estamos diante
de um paciente com pancreatite crônica. As
varizes de fundo gástrico isoladas são franca-
mente sugestivas de trombose de veia esplê-
nica, o que vem a ser confirmado pela ausên-
cia de fluxo na venografia. Frente ao quadro
de hipertensão portal segmentar por trombose
da veia esplênica, os tratamentos medicamen-
tosos e a escleroterapia possuem um resulta-
do pobre e o tratamento definitivo é feito pela
esplenectomia. Resposta: letra A.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2011
HOSPITAL MATERNIDADE THEREZINHA DE
JESUS – MG
Paciente de 38 anos de idade, alcoolista crô-
nico, com história de dor em andar superior do
abdome, esporádica e de fraca intensidade,
cuja endoscopia digestiva alta revelou varizes
de fundo gástrico, sem varizes de esôfago. A
hipótese diagnóstica mais provável é:
a) Pancreatite crônica com trombose de veia
gástrica direita.
b) Pancreatite crônica com trombose de veia
porta e/ou esplênica.
c) Cirrose hepática com hipertensão portal.
d) Esquistossomose hepatoesplênica.
Temos um paciente com varizes de fundo
gástrico isoladas. Nesta situação devemos
sempre suspeitar de uma causa localizada
de hipertensão porta – a trombose de veia es-
plênica! Isso se justifica pelo fato de as veias
gástricas curtas, responsáveis pela drenagem
do fundo gástrico, serem tributárias da veia
esplênica. As doenças do pâncreas, pela pro-
ximidade anatômica, representam a principal
causa dessa condição, sendo a pancreatite
crônica a mais comum. Resposta: B.
hipertensão Porta
Intra-hepática
1) pré-SinuSoidAl
A principal condição que determina HP intra-
-hepática pré-sinusoidal é a esquistossomo-
se. Além dela, podemos citar a síndrome de
Banti e algumas situações específicas, como
a fase pré-cirrótica da cirrose biliar primária
e alguns casos de sarcoidose. Entretanto,
antes de analisarmos estas condições em
maior detalhe, responda a uma pergunta:
Qual é a diferença entre obstruir a veia porta
antes de sua entrada no parênquima hepá-
tico, e obstruir, difusamente, cada um dos
seus ramos microscópicos dentro do fígado
(espaços-porta)? Nenhuma! Em resumo, as
formas de hipertensão porta pré-sinusoidais
intra-hepáticas têm as mesmas características
do que a trombose de veia porta. Na verdade,
como explicado anteriormente, o divisor de
águas para as manifestações clínicas da HP
é o envolvimento dos sinusoides hepáticos...
Apenas para recordar: A ascite depende do ex-
travasamento de líquido (linfa) dos sinusoides
hepáticos para a cavidade peritoneal. Portan-
to, as obstruções pré-sinusoidais não costu-
mam apresentar ascite. Excepcionalmente,
ela pode ocorrer nos casos mais graves que
desenvolvem hipoalbuminemia ou cirrose.
Nestes casos, o líquido ascítico terá origem
nos sinusoides mesentéricos.
Esquistossomose mansônica hepatoesplê-
nica: Essa condição será revista no módulo
de síndrome diarreica. No momento, deve-
mos apenas nos lembrar de que se trata de
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Cirurgia - Volume 1 43Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
doença endêmica no Brasil, causada pelo
Schistosoma mansoni. Pode se apresentar
de forma aguda (dermatite cercariforme e
febre de Katayama) e crônica (formas intes-
tinal e hepatoesplênica). A hipertensão porta
está presente nos pacientes cronicamente
infestados, em que os ovos do Schistosoma
carreados do intestino ao fígado pelo sistema
porta, embolizam ainda nas áreas pré-sinusoi-
dais (espaços-porta) devido ao seu tamanho
(150 x 60 µm). A deposição destes ovos nas
vênulas pré-sinusoidais levam a uma infla-
mação do tipo granulomatosa. Num segundo
momento, desenvolve-se um processo de
fibrose periportal, conhecido como fibrose de
Symmers, dependente de fatores genéticos e
da interação entre linfócitos T e fibroblastos. A
arquitetura lobular não é alterada e a cirrose
hepática só ocorre quando distúrbios nutricio-
nais ou agentes infecciosos (hepatite B ou C)
estão associados.
Fibrose hepática não cirrótica (síndrome
de Banti): Compreende doenças raras ca-
racterizadas por fibrose hepática difusa ou
localizada, na ausência de atividade nodular
regenerativa. A síndrome de Banti constitui o
tipo idiopático e pode ter três variantes: fibro-
se e fleboesclerose intra-hepática, esclerose
portoesplênica e trombose portoesplênica
(podendo ser encarada também como uma
condição pré-hepática). Esta síndrome, inicial-
mente descrita na Ásia (especialmente Índia e
Japão), agora é reconhecida em outros países
como os EUA. Predomina em pessoas jovens
e tem as mesmas características clínicas e
patológicas da esquistossomose hepatoesplê-
nica. A causa não é bem definida na maioria
dos casos, embora possa estar relacionada à
intoxicação por arsênio, exposição ao cloreto
de vinila (composição do termoplástico PVC)
e hipervitaminose A. A fibrose hepática con-
gênita é uma entidade que pode vir associada
à doença policística hepática e renal.
CONDIÇÕES DIVERSAS:
Sarcoidose: Manifestação rara da sarcoidose
hepática, sendo muito mais frequente o en-
volvimento histológico sem sintomas clínicos.
Quando ocorre, é decorrente da proximidade
entre os granulomas periféricos e as vênulas
do espaço portal.
Hiperplasia nodular regenerativa: Descri-
ta em condições cujo fluxo sanguíneo para
o parênquima hepático esteja diminuído de
maneira não uniforme. As principais causas
são as doenças do colágeno (artrite reuma-
toide – síndrome de Felty), aterosclerose,
vasculites, ICC, diabetes e idade avançada.
Como consequência do hipofluxo, ocorreria
uma transformação nodular sem tecido fibroso.
Embora os sinusoides também possam ser
acometidos, os espaços-porta são os mais
afetados, gerando uma HP pré-sinusoidal.
Cirrose biliar primária (fase pré-cirrótica):
A inflamação dos ductos bilíferos que ocorre
na fase inicial (pré-cirrótica)compromete tam-
bém as vênulas adjacentes, determinando HP
pré-sinusoidal. Com a cirrose já estabelecida,
o componente sinusoidal passa a assumir
maior importância.
Doença de Wilson (fase pré-cirrótica): As le-
sões pela doença de Wilson são predominan-
temente pré-sinusoidais, embora acometimen-
to sinusoidal também possa ser encontrado.
Malignidade hepática: Pode levar à HP por
diversos mecanismos: formação de fístula en-
tre artéria hepática e veia porta, compressão
do tronco porta, trombose das vênulas porta,
etc. Um quadro característico é o do paciente
com cirrose compensada cuja HP se agrava
(ex.: ascite refratária), podendo representar a
manifestação inicial do hepatocarcinoma.
Peliosis hepatis: Lesão histológica rara do
fígado caracterizada pelo surgimento de cistos
cheios de sangue de diversos tamanhos, que
ocupam espaço nos lóbulos hepáticos. Sua
origem pode ocorrer pela lesão e dilatação
dos sinusoides. A HP não costuma chamar a
atenção nesses pacientes. As principais cau-
sas incluem a toxicidade pela azatioprina em
transplantados, AIDS, tuberculose, doença de
Hodgkin e esteroides anabolizantes.
2) “SinuSoidAl”
Este item trata, na verdade, da principal causa
de hipertensão porta: a CIRROSE HEPÁTICA.
A classificação é simbólica (e por isto está
entre aspas), já que esta condição é marcada
por apresentar um formato misto de lesão he-
pática. Melhor dizendo, a distorção originada
pela fibrose do tecido hepático gera compro-
metimento (obstrução) tanto pré quanto pós-
sinusoidal. O resultado é o desenvolvimento
de uma síndrome de HP rica em sinais e sinto-
mas. Os pacientes com cirrose hepática e HP
grave se apresentam tanto com ascite de difícil
controle (clássica das formas pós-sinusoidais)
quanto com esplenomegalia importante e va-
rizes gastroesofagianas sangrantes (clássicas
das formas pré-sinusoidais).
3) póS-SinuSoidAl
Doença hepática veno-oclusiva: Distúrbio
mais comumente observado na doença en-
xerto vs hospedeiro, sendo uma complicação
comum no transplante alogênico de medula
óssea. Outras causas incluem irradiação
hepática e uso de um chá jamaicano (bush
tea disease) que contém alcaloides de deter-
minadas plantas (crotalaria). Esta condição
acomete pequenas veias hepáticas, sendo
caracterizada pela deposição de matriz rica
em fibronectina em torno das veias centrolobu-
lares (portanto pós-sinusoidal). Manifesta-se
de forma aguda com icterícia, hepatomegalia
congestiva e dolorosa, ascite e varizes esofa-
gogástricas. A elevação de transaminases e
bilirrubina é um achado frequente.
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Cirurgia - Volume 1 44Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
hipertensão Porta
Pós-hepática
Nestas condições, a obstrução ao fluxo portal
encontra-se “acima” do fígado. O que pode
ocorrer nas veias hepáticas (síndrome de Bu-
dd-Chiari), na veia cava inferior (que recebe a
confluência de todo o trato porta) ou mesmo no
coração direito (insuficiência cardíaca direita).
O achado histológico da obstrução pós-hepá-
tica é representado por congestão sinusoidal
com áreas de infarto centrolobular.
Síndrome de Budd-cHiAri
A veia hepática tem três ramos principais. A
síndrome de Budd-Chiari surge da trombose
parcial ou completa de qualquer um dos ramos
da veia hepática ou da combinação entre eles.
Está associada aos estados de hipercoagula-
bilidade (doenças mieloproliferativas, trombo-
filias, neoplasias e infecções) e, assim como
a doença veno-oclusiva, não possui achados
histológicos de cirrose. Clinicamente, temos
uma ascite volumosa que se acumula de forma
subaguda (semanas a meses), dor abdominal,
hepatoesplenomegalia e, por último, varizes
hemorrágicas. Não é comum o surgimento
de sinais de insuficiência hepática fulminante.
Devido à presença de hepatomegalia conges-
tiva, pode ser confundida com insuficiência
cardíaca, embora o ecocardiograma normal
diferencie as condições.
A USG hepática com Doppler é o primeiro
exame a ser feito, sendo que sinais sugestivos
(trombo ou ausência de fluxo hepático) podem
aparecer na TC/RMN. A venografia hepática,
além de confirmar o diagnóstico, pode auxiliar
o tratamento, que inclui a terapia da ascite e
anticoagulação. A manutenção de anticoa-
gulação, mesmo após o transplante hepático,
pode ser necessária para muitos pacientes. A
descompressão hepática pode ser realizada
por intervenção radiológica (stent, angioplas-
tia, TIPS) ou derivação cirúrgica, sendo o
transplante hepático reservado para os casos
mais raros de falência hepática.
Cuidado: Alguns autores definem a
síndrome de Budd-Chiari como qual-
quer processo obstrutivo pós-sinusoi-
dal, incluindo a pericardite constrictiva
e a doença veno-oclusiva.
oBStrução dA VeiA cAVA
inFerior (VCI)
Um dado sugestivo da obstrução de veia cava
inferior é o aparecimento de edema de mem-
bros inferiores e circulação colateral no dorso.
As principais causas são: trombose venosa,
compressão tumoral (ex.: carcinoma de células
renais e hepatocarcinoma), cistos e abscessos.
No Japão e alguns países africanos, a obs-
trução membranosa idiopática é a causa mais
comum, acometendo principalmente pacientes
jovens. Quando a obstrução da VCI está asso-
ciada à oclusão da veia hepática (síndrome de
Budd-Chiari), apresenta evolução clínica mais
abrupta, com o surgimento mais precoce de
sangramento por varizes e ascite.
doençAS cArdíAcAS
Qualquer aumento de pressão nas cavida-
des direitas do coração pode ser transmitido
sequencialmente para as veias cava inferior,
hepática e porta. Forma-se assim um meca-
nismo de HP pós-hepático. As causas incluem
desde pericardite constrictiva até cardiopatias
orovalvares e cardiomiopatias. Embora desen-
volvam ascite, as varizes esofagogástricas só
aparecem naqueles indivíduos com doença
hepática intrínseca que seja capaz de gerar
um gradiente portal significativo.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2012
HOSPITAL DA CRUZ VERMELHA
DO PARANÁ – PR
Com relação aos agentes etiológicos da hiper-
tensão portal, é INCORRETO afirmar:
a) Pré-hepática: trombose de veia porta.
b) Intra-hepática pré-sinusoidal: esquistosso-
mose.
c) Intra-hepática pós-sinusoidal: hepatite al-
coólica.
d) Intra-hepática sinusoidal: Síndrome de Bu-
dd-Chiari.
e) Pós-hepática: trombose da veia cava inferior.
A hipertensão porta pode ser dividida em:
(1) pré-sinusoidal, quando o processo patológi-
co acomete o sistema porta antes que os vasos
desaguem nos espaços-porta; (2) sinusoidal,
quando o processo patológico está dentro do
espaço-porta; (3) pós-sinusoidal, quando o pro-
cesso patológico se localiza após os espaços-
-porta, dificultando o fluxo de sangue a partir
dessa estrutura. A trombose de veia porta é um
evento macroscópico pré-sinusoidal, na verda-
de, geralmente “pré-hepático”. A esquistosso-
mose (pela deposição de ovos do Schistosoma)
obstrui o sistema porta antes que seus vasos
penetrem no espaço-porta propriamente dito, e
por isso a hipertensão porta nesta situação é
classificada como pré-sinusoidal. Na hepatite
alcoólica, a lesão do parênquima hepático pre-
domina na região centrolobular, o que dificulta
a drenagem venosa a partir dos espaços-porta
causando hipertensão intra-hepática pós-sinu-
soidal. Na trombose de cava inferior, a ideia é
semelhante ao que falamos sobre a trombose
de veia porta: neste caso, porém, a obstrução é
extra-hepática PÓS-sinusoidal! Na síndrome de
Budd-Chiari (trombose das veias supra-hepáti-
cas), o tipo de hipertensão porta que sucede é
semelhante ao da trombose de cava inferior, isto
é, trombose pós-hepática. Resposta: D.
10
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http://#videomiolo=15557-VIDEO_10_MEDCIR01_2018
Cirurgia - Volume 1 45Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
Manifestações Clínicas
A síndrome de Hipertensão Porta, quando ple-
namente desenvolvida, é marcada por quatro
achados principais. Você se lembra quais são?
1- Ascite
2- Esplenomegalia
3- Encefalopatia Hepática
4- Circulação Colateral
Tipo: Abdominal
Tipo: Varizes Esofagianas, Gástricas, e
Anorretais
Vamosfalar de cada um deles!
1 - Esplenomegalia
Esta é fácil de entender! O aumento da pressão
no sistema porta é transmitido ao baço pela
veia esplênica, levando-o à congestão. Em
determinadas situações, o baço aumentado
pode protagonizar uma “retenção” de elemen-
tos figurados do sangue (conhecida como “se-
questro esplênico”) ou mesmo a sua destruição
(hiperesplenismo). Em ambos os casos, as
consequências serão as mesmas: anemia, leu-
copenia e trombocitopenia. A diferença é que,
no estado de hiperesplenismo, os marcadores
de destruição celular poderão ser encontrados.
Só para lembrar (e aproveitando a oportunida-
de), os principais marcadores de hemólise são:
1- Aumento de LDH;
2- Elevação da Bilirrubina Indireta;
3- Redução (ou desaparecimento) da Hapto-
globina;
4- Reticulocitose.
Na maioria das vezes não é necessário tra-
tamento específico e os quadros de anemia
/ leucopenia / trombocitopenia, por si só, ra-
ramente são graves o suficiente para indicar
esplenectomia. Entretanto, tais achados even-
tualmente constituem um problema clínico e
indicam a remoção do órgão. Além disso, a
esplenectomia também pode ser indicada se
for a causa (ex.: doença linfoproliferativa e
hiperfluxo esplênico) em vez de consequência
da hipertensão porta. Em grande parte das
vezes, a esplenectomia é realizada durante
uma cirurgia de derivação portossistêmica.
Devemos atentar que a remoção do baço sem
a associação de um shunt pode, na verdade,
resultar em mais hipertensão portal e, conse-
quentemente, na trombose de veia porta.
Obs.: O hiperesplenismo associado ao apa-
recimento de trombocitopenia é geralmente
o primeiro indicador de hipertensão porta.
O tema “Esplenomegalia” será revisto mais
adiante no MED, na apostila de “Linfonodo
e Esplenomegalias”.
2 - Encefalopatia hepática
Como já vimos neste módulo, a encefalo-
patia hepática pode estar relacionada com
a hipertensão porta ou com a insuficiência
hepática. A princípio, em meio a um qua-
dro exclusivamente de hipertensão portal,
o shunt portossistêmico na presença de um
fígado de função normal não deve ser capaz
de causar encefalopatia. Por este motivo, a
encefalopatia foi abordada dentro do capítulo
de insuficiência hepatocelular.
3 - Ascite
Em função de sua importância e complexi-
dade, discutiremos o tema “Ascite” a seguir,
na forma de Estudo Dirigido. Mas já vamos
adiantar alguns conceitos!
Exatamente no meio do sistema porta existe
uma válvula de “escape”, composta por mi-
lhões de sinusoides. Como em uma panela de
pressão! Veja, se ocorre aumento da pressão
no sistema porta por obstrução em algum
ponto posterior aos sinusoides, não há como
a pressão portal aumentar muito... Percebeu?
Assim que ela começa a se elevar, começa a
extravasar linfa hepática. Para onde? Para a
cavidade abdominal... Forma-se Ascite! Isso
mesmo, a ascite da hipertensão porta nada
mais é do que linfa hepática, oriunda dos
sinusoides hepáticos. O Fígado literalmente
transpira linfa, que escorre pelo seu parênqui-
ma e goteja na cavidade abdominal. Perce-
ba: a formação de ascite alivia a pressão no
sistema porta. Este é o caso clássico, como
veremos mais adiante, da síndrome de Budd-
Chiari (trombose das veias hepáticas): ascite
de difícil controle, na ausência das outras
manifestações clássicas de HP, como varizes
de esôfago sangrantes, esplenomegalia com
hiperesplenismo, circulação colateral super-
ficial abdominal etc.
Agora pensem: e se a obstrução ao fluxo
portal for estabelecida em um ponto anterior
aos sinusoides? É simples, se a obstrução
for significativa, a pressão no sistema porta
atingirá níveis bastante elevados, e isto trará
diversas consequências clínicas para o indi-
víduo, como as varizes de esôfago e hemor-
roidárias, a circulação colateral abdominal, a
esplenomegalia, mas... Dificilmente haverá
ascite! É o caso da esquistossomose... Ao
contrário do que muitos ainda pensam, esta
condição não costuma originar ascite. E
quando o faz*, ou é porque já existe cirrose
ou hipoalbuminemia associada. Na esquistos-
somose, como veremos mais adiante, há uma
obstrução disseminada dos espaços-porta
(logo antes dos sinusoides), pela presença
dos ovos dos Schistosoma.
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Cirurgia - Volume 1 46Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
(*) Curiosidade: Tem sempre alguém que
pergunta: Mas se a ascite da HP é pura linfa
hepática, de onde vem a ascite que se forma
nos raros casos em que a esquistossomose a
origina? Será que sempre tem que existir des-
nutrição ou disfunção hepática cursando com
hipoalbuminemia e edema? Nem sempre...
Aqui precisamos conhecer um detalhe muito
pouco comentado. Nestes casos, a ascite
nasce dos sinusoides do mesentério, os sinu-
soides esplâncnicos, que também são fenes-
trados, mas não tanto quanto os hepáticos.
Figura 3
4 - Circulação Colateral
O sistema vascular do nosso corpo é com-
posto por um único sistema ARTERIAL, que
sai do ventrículo esquerdo pela artéria aorta
e se distribui por todos os órgãos e tecidos,
e por dois sistemas VENOSOS, que trazem
o sangue dos órgãos e tecidos do corpo para
o coração direito – são eles: (1) O sistema
cava (superior e inferior); e (2) o sistema por-
ta. O interessante é que, embora totalmente
independentes, estes dois sistemas venosos
apresentam pequenas comunicações – os
vasos colaterais... Assim, quando um deles
é obstruído, mesmo que parcialmente, e expe-
rimenta uma elevação de sua pressão, ocorre
um desvio através destes vasos colaterais,
de um sistema para o outro. Em resumo, em
determinadas situações, um sistema pode
utilizar-se do outro para fazer com que o seu
conteúdo de sangue venoso consiga atingir o
objetivo maior: o coração direito.
Vejamos a seguir as principais circulações
colaterais:
1) A inversão do fluxo pela veia gástrica
esquerda em busca do sistema cava
preenche, neste percurso, as veias eso-
fagianas e paraesofagianas, formando as
“temidas” varizes de esôfago!!!
2) O aumento da pressão transmitido ao baço
pela veia esplênica leva tanto à espleno-
megalia congestiva como às varizes do
fundo gástrico pelo ingurgitamento das
veias gástricas curtas. Obs.: como as
veias pancreáticas são tributárias da veia
esplênica, as doenças do pâncreas (ex.:
pancreatite crônica) também podem levar
à trombose da veia esplênica e cursar com
varizes de fundo gástrico... só que nestas
condições, de forma isolada (veremos
adiante dentro das causas de HP).
3) Também são geradas varizes anorre-
tais graças à anastomose da veia retal
superior (tributária da mesentérica infe-
rior) com as veias retais média, inferior
e pudenda interna (tributárias do sistema
cava). Elas devem ser diferenciadas de
hemorroidas, as quais não se comunicam
com o sistema porta e não estão presen-
tes em frequência elevada na HP.
4) A ligação do ramo esquerdo da veia
porta com as periumbilicais (sistema
cava), levam à formação da circulação
colateral abdominal “tipo portocava” ou
cabeça de medusa. A recanalização da
veia umbilical (antes colabada e conhe-
cida como ligamento falciforme) pode
vir acompanhada de frêmito e sopro,
compondo a Síndrome de Cruveillier-
-Baumgarten.
A parede abdominal pode apresentar três
padrões de circulação colateral venosa,
causados pela obstrução das veias cava
superior, cava inferior e porta. Mas como de-
terminar no exame físico o tipo de circulação
colateral? É simples, basta comprimir a veia
ingurgitada com os indicadores, afastá-los
deslizando sobre a veia comprimida e soltá-
-los, um a um... Fluxo para cima (tipo Cava
Inferior), para baixo (tipo Cava Superior),
para cima e para baixo (tipo Porta).
5) Colaterais no retroperitônio (veias de
Retzius) podem ser formadas, principal-
mente nas mulheres, pela comunicação
com vasos ovarianos e veias ilíacas. Ou-
tras colaterais podem ser formadas ainda
com a veia renal esquerda.
No entanto, sem dúvida alguma, de todas es-
sas circulações colaterais, a mais importante
é a que levaà formação das varizes esofa-
gogástricas. Assim ela será vista com mais
detalhes a seguir, junto com a ascite!
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Cirurgia - Volume 1 47Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
Figura 4: A) Situação especial – um determinado tecido apresenta drenagem venosa para
ambos os sistemas (Porta e Cava). No caso de obstrução de um deles, este tecido tem
o seu fluxo invertido e passa a ser um local de Shunt... O alto fluxo e a hipertensão
venosa resultante originam as clássicas varizes.
Figura 5: Circulação colateral portossistêmica; Caput medusae.
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Cirurgia - Volume 1 48Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
ESTUDO DIRIgIDO 1
ASCITE
scite é um termo originário do grego “askites” (“saco”) que
significa acúmulo de líquido livre na cavidade peritoneal.
Tecnicamente não representa uma doença, mas um sinal, uma
manifestação comum a diversas condições específicas. Apesar
de corriqueiramente estudarmos a ascite dentro do módulo de
doenças hepáticas, sabemos que outras doenças além da cirrose também
podem cursar com ascite. E é por isso que no MED, colocamos o tema num
capítulo à parte, para que possa ser estudado com mais detalhes. Afinal
de contas, este é um tema cobrado com bastante frequência nas provas!
“... sabemos existir uma condição em que os flu-
ídos hepáticos preenchem a cavidade peritoneal,
que os abriga como um saco”.
Hipócrates V A.C
48
QUADRO DE CONCEITOS
• Baixo índice de complicação (1%).
• Avaliação de rotina: contagem celular e dife-
rencial; proteína total e albumina.
• GASA: Gradiente de albumina soro-ascite.
GASA ≥ 1,1 = Transudato = Hipertensão
Porta / GASA < 1,1 = Exsudato = Doença
Peritoneal.
PRINCIPAL COMPLICAÇÃO: Peritonite Bac-
teriana Espontânea (PBE).
• Quadro clínico: Ascite + Febre + Dor Abdo-
minal.
• Dx: PMN > 250/mm3.
• Cultura: monobacteriana.
• Tratamento: cefalosporina de 3ª geração;
amoxicilina + clavulanato.
DEFINIÇÃO: acúmulo de líquido livre na ca-
vidade peritoneal.
EPIDEMIOLOGIA: Das manifestações clínicas
associadas à hipertensão porta, é a mais co-
mum. É também a principal causa de admissão
hospitalar em cirróticos.
ETIOLOGIA: Cirrose: 85%; Outros: 15% (tuber-
culose, neoplasia, ICC, síndrome nefrótica etc.).
AVALIAÇÃO DA ASCITE:
• Principal método diagnóstico: paracentese.
• Deve ser realizada em qualquer paciente
hospitalizado ou ambulatorial que se mostre
com ascite de início recente.
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Cirurgia - Volume 1 49Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
QUADRO DE CONCEITOS (Cont.)
PROFILAXIA DA PBE:
Droga de escolha: Norfloxacino.
• Primária: Após Hemorragia digestiva // Prote-
ína do líquido ascítico ≤ 1,5 g/dl + um destes:
(a) Cr ≥ 1,2 mg/dl ou BUN ≥ 25 mg/dl (ureia >
53,5 mg/dl) ou Na ≤ 130 mg/dl; ou (b) Child-
-Pugh ≥ 9 pontos e bilirrubina total ≥ 3 mg/dl.
• Secundária: Após todo episódio de PBE.
PROFILAXIA DA SÍNDROME HEPATORRE-
NAL:
• Como fazer? Albumina 1,5 g/kg no primeiro
dia e 1 g/kg no terceiro dia de tratamento.
• Indicação: Pacientes com PBE (especial-
mente naqueles com elevação de creatinina/
bilirrubina).
VARIEDADES DA PBE:
• Bacterascite não neutrofílica = PMN < 250/
mm3 + Cultura positiva.
• Ascite neutrofílica = PMN > 250/mm3 + Cul-
tura negativa.
PRINCIPAL DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
DA PBE: Peritonite Bacteriana Secundária
(PBS).
• Diagnóstico (dois critérios): Proteína total do
líquido ascítico > 1 g/dl; glicose < 50 mg/dl;
LDH elevado.
• Cultura: polibacteriana.
• Tratamento: aumentar espectro de cobertura
para anaeróbios.
Introdução
Estamos começando a estudar este tema, e,
exatamente por esta razão, queremos fazer um
“vinculo cerebral” extremamente importante,
um grande divisor de águas. Na prática clínica,
frente a um paciente com ascite visível, você
terá duas possibilidades para a sua origem:
(1) Hipertensão Porta;
(2) Doença do Peritôneo.
A Hipertensão Porta (HP) já foi detalhada no
capítulo anterior e todos já sabemos que,
nesta condição, a ascite se origina dos sinu-
soides hepáticos, que funcionam como ver-
dadeiras “válvulas de escape” do leito vas-
cular porta. Assim, a ascite da HP nada mais
é do que linfa hepática. O fígado transborda
linfa, que escorre pela sua superfície e se
acumula na cavidade abdominal. Mas aten-
ção: por ser formada por um mecanismo que
envolve apenas o aumento da pressão vas-
cular, a ascite da HP é classicamente um
Transudato (líquido pobre em proteínas).
O mecanismo responsável pelo surgimento
da ascite nas doenças peritoneais é mais sim-
ples ainda: a lesão do tecido peritoneal (seja
inflamatória ou neoplásica) altera a permeabi-
lidade dos seus pequenos vasos, originando
o extravasamento insidioso de líquido para a
cavidade abdominal. Nestes casos, em função
do mecanismo envolvido, o líquido ascítico é
exsudativo, rico em proteínas.
É só isso? Simples assim? Cadê aqueles
fluxogramas complexos, que envolvem a
produção de óxido nítrico, vasodilatação es-
plâncnica e ativação do sistema renina-an-
giotensina? Bobagem! Na verdade, estes
eventos ocorrem, mas não precisamos me-
morizá-los. Basta perceber o seguinte: se
o evento causador de ascite fosse apenas
a translocação de plasma (seja na forma
de linfa hepática, seja através do peritônio)
para a cavidade abdominal, como podería-
mos explicar as grandes ascites, formadas
por algumas dezenas de litros de líquido?
Quantos litros de sangue temos em nossos
vasos? Mesmo que todo o plasma fosse
transferido para a cavidade abdominal, não
teríamos ascite significativa. Isto é certo!
Então é óbvio que a hipertensão porta e a
doença peritoneal são eventos “deflagra-
dores” de um processo mais amplo, cíclico,
que justifica e mantém constante a produ-
ção de líquido abdominal.
Classicamente, existem teorias que tentam
explicar estes mecanismos, sendo duas bem
conhecidas (Underfiling e Overflow). Recen-
temente, essas teorias têm assumido apenas
um papel complementar e mais atenção tem
sido dada à vasodilatação esplâncnica e re-
dução do volume circulante efetivo induzidos
pelo óxido nítrico como eventos iniciais (o
que acabamos de ver dentro de Insuficiência
Hepatocelular). De qualquer forma, todas
acabam no final se unindo em torno de um
mesmo denominador: a ativação do sistema
renina-angiotensina-aldosterona, retenção
de sódio e água, aumento do volume plasmá-
tico, extravasamento para o líquido ascítico...
Diagnóstico
Em alguns casos o diagnóstico de ascite é
óbvio, graças à quantidade de líquido acu-
mulada. Nesses casos, encontramos um
abdome globoso, com volume bastante au-
mentado, muitas vezes caindo sobre o pubis
quando o paciente está de pé (abdome em
“avental”) ou espalhando-se para os flancos,
quando o paciente está em decúbito dorsal
(abdome em “batráquio”). Nos casos onde
a origem é a hipertensão porta, costuma ser
flagrante a existência de circulação colateral
superficial abdominal.
Em outros casos, no entanto, a ascite pode
passar despercebida, levantar dúvidas ou
mesmo ser falsamente diagnosticada. Dizem
alguns livros de Semiologia que a ascite come-
ça a ser detectada pelo exame físico quando o
acúmulo de fluido excede 500 ml. Entretanto,
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Cirurgia - Volume 1 50Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
na prática, sabemos que ascites de até 1.500
ml podem oferecer dificuldade diagnóstica,
mesmo para médicos experientes, especial-
mente no caso de pacientes obesos. É im-
portante atentarmos também para o fato de
que, nas formas relacionadas aos processos
inflamatórios e neoplásicos do peritônio, o lí-
quido ascítico pode ficar contido em cavidades
septadas. Nesses casos, será necessária a
avaliação com exames complementares.
Tudo bem, mas quais são as manobras
semióticas para a detecção da Ascite?
Os livros de semiologia, especialmente os
mais tradicionais, costumam relacionar di-
versas manobras para o diagnóstico de as-
cite. Com o paciente sentado, deitado, com
quatro apoios, de cabeça para baixo. Todas
tão interessantes quantoinúteis para a prá-
tica clínica. Exceção feita para aqueles que,
após formados, desejarem montar suas clí-
nicas no cerne da floresta, realizando con-
sultas em tupi-guarani.
Como não podemos dizer a todos vocês que
o melhor método semiológico para a detecção
de ascite é, sem dúvida, a ultrassonografia – o
que causaria cólicas nos preceptores da velha
guarda – vamos conversar rapidamente sobre
três principais manobras semióticas ainda
realizadas. Até porque podem ser cobradas
nas provas práticas.
Sinal do Piparote (Morgani): O sinal do pi-
parote deve ser pesquisado no paciente em
decúbito dorsal – o médico dá um “peteleco”
em um dos flancos do paciente e tenta sentir a
sua propagação no outro flanco. Para evitar a
propagação de uma onda superficial da parede
abdominal, o que confundiria o diagnóstico, o
médico deve colocar a borda cubital da mão de
um assistente na região mediana do abdome do
paciente, ou pedir para que o próprio paciente o
ajude (FIGURA 1A). Este sinal é muito frequen-
temente desconsiderado na prática clínica, pois
realmente só é positivo quando a ascite é muito
grande, geralmente superior a cinco litros, e ain-
da pode ser negativo se houver grande tensão
da parede abdominal.
Macicez de Decúbito: É o principal método
semiológico, na prática, para detecção de
ascite e baseia-se na análise diferencial dos
sons da percussão abdominal, quando o pa-
ciente se posiciona em várias angulações de
decúbito lateral.
Semicírculos de Skoda: constitui um méto-
do para diferenciar líquido livre na cavidade
de líquido septado. Com o paciente em de-
cúbito dorsal, percute-se todo o abdome a
partir de linhas convergentes para o mesmo
ponto para delimitar os limites entre o timpa-
nismo e a macicez. Se a concavidade for
voltada para cima estaremos diante de um
líquido livre. No caso contrário, trata-se de
um derrame septado, cisto anexial, bexigoma
ou aumento uterino.
Observações:
(1) Existe normalmente um líquido transudato
semelhante ao plasma (50 ml) que lubrifica as
membranas peritoneais e não traduz ascite;
esse líquido é maior nas mulheres e varia de
acordo com a fase menstrual. Aumentos acima
desse nível configuram a ascite.
(2) Embora o líquido ascítico possa ser con-
taminado com sangue (ascite hemorrágica)
ou mesmo com bactérias (ascite infectada),
a presença pura de sangue (hemoperitônio)
ou pus (pioperitônio) na cavidade peritoneal,
também não traduz ascite.
(3) Existem sistemas para a graduação da ascite
de pouca validade clínica. Um deles, proposto
pela International Ascitis Club, divide em grau 1
(leve, detectada apenas pela USG); grau 2 (mo-
derada, com distensão simétrica do abdome) e
grau 3 (grande, com distensão acentuada).
(4) Alguns livros dos primórdios da Semiologia
trazem que as manobras “mais sensíveis” para
detecção de ascite seriam o toque retal e pes-
quisa do sinal da “poça”, quando fazemos a
percussão da barriga com o paciente apoiado
sobre quatro apoios.
E quanto aos Exames Complementares para
o Diagnóstico de Ascite?
Agora sim! A Ultrassonografia (USG) é o mé-
todo de escolha para detectar pequenas co-
leções líquidas no abdome (100 ml), que são
descritas como imagens anecoides. Também
permite verificar se é uma coleção encistada
ou uma massa heterogênea (hematomas,
abscessos e tumores necrosados), além de
auxiliar na realização de paracenteses.
A tomografia computadorizada faz um diag-
nóstico mais acurado, permitindo diferenciar
as coleções líquidas livres das massas sólidas
ou císticas. Devido ao custo mais elevado, a
TC não costuma ser usada no diagnóstico de
ascite – entretanto, é frequentemente utilizada
para o seu diagnóstico etiológico.
Figura 1A: Sinal do Piparote.
As radiografias não têm valor diagnóstico,
apesar de ocasionalmente mostrarem sinais
sugestivos como a presença de líquido livre
na cavidade peritoneal, obliteração do ângulo
hepático e aspecto homogêneo do abdome,
sem o contorno dos órgãos.
Figura 1B: Pesqui-
sa dos semicírcu-
los de Skoda.
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Cirurgia - Volume 1 51Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
Etiologia
Muito bem, já sabemos como comprovar a
existência de ascite. De agora em diante,
vamos ao ponto mais importante: frente a
um paciente com ascite, como identificar
a sua origem? Qual é a condição de base
responsável pelo derrame abdominal?
Como vimos há pouco, existem duas possi-
bilidades maiores para um quadro de ascite
significativa: (1) hipertensão porta e (2) doença
peritoneal. Assim, o primeiro passo na abor-
dagem diagnóstica específica é fazer esta
distinção. Como? Através da coleta e análise
do líquido ascítico – é a paracentese diag-
nóstica, um procedimento bastante seguro e
praticamente sem contraindicações.
De posse do líquido ascítico, é possível fa-
zer esta distinção basicamente através da
análise da quantidade de proteínas... Vamos
lembrar? Na hipertensão porta, a ascite é
formada por um mecanismo que envolve
apenas o aumento da pressão vascular, re-
sultando classicamente em um Transudato
(líquido pobre em proteínas). Na lesão do
tecido peritoneal (seja Inflamatória ou Neo-
plásica), há alteração da permeabilidade dos
seus pequenos vasos, originando um líquido
Exsudativo, rico em proteínas.
Embora muito usada em um passado recente,
a classificação das ascites em Transudativas e
Exsudativas não é mais realizada. Hoje em dia
devemos classificá-las como “alto gradiente
de albumina” e “baixo gradiente de albumina”.
No fundo, no fundo não mudou nada! As as-
cites transudativas são as de alto gradiente,
enquanto das exsudativas são as de baixo
gradiente. Ok, mas sendo assim, por que a
mudança? Veja, a classificação de um líquido
em transudato ou exsudato envolve apenas a
mensuração da quantidade de proteínas (em
especial a albumina). Não levamos em conta
os valores destas mesmas proteínas no plas-
ma do indivíduo. No caso das ascites, isto faz
toda diferença, especialmente se levarmos em
conta que grande parte destes pacientes são
hepatopatas e hipoalbuminêmicos.
Vamos tentar simplificar: Uma ascite transu-
dativa quer dizer o quê? Que a sua formação
ocorreu com pouca passagem de proteínas
do plasma para a cavidade abdominal. E
como averiguar isto? A medida simples da
sua composição de proteínas nos dá esta
informação? Não! Acompanhe: se um pa-
ciente com ascite tem níveis muito baixos
de proteína no plasma, mesmo que a origem
do quadro seja uma doença peritoneal (onde
“passa” muita proteína), os níveis de proteí-
nas no líquido ascítico ainda seriam baixos,
o que confundiria o diagnóstico...
Por esta razão, idealizou-se o conceito do
“Gradiente” (que significa subtração) entre a
albumina do Plasma e a albumina do Líquido
Ascítico. Preencham o quadro a seguir para
nunca mais esquecer: Gradiente de Albumina
Soro-Ascite ≥ 1,1 = Transudato = Hipertensão
Porta // Gradiente de Albumina Soro-Ascite <
1,1 = Exsudato = Doença Peritoneal.
Transudato
Exsudato
gradiente de Albumina Soro-Ascite ≥ 1,1 =
=
gradiente de Albumina Soro-Ascite < 1,1 =
=
Hipertensão Porta
Doenças do Peritôneo
A tabela a seguir resume as principais causas de ascite de acordo com o gradiente de albu-
mina soro-ascite.
HIPERTENSãO PORTA
AlTO gRADIENTE ≥ 1.1g/dl
ClASSIFICAçãO DAS ASCITES
Hepatopatia
Cirrose
Hepatite Alcoólica
Insuficiência Hepática Fulminante
Metástases Hepáticas
Esteatose de Gravidez
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Cirurgia - Volume 1 52Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
HIPERTENSãO PORTA (Cont.)
AlTO gRADIENTE ≥ 1.1g/dl
Congestão
Cardiogênica
Síndrome de Budd-Chiari
MIxEDEMA
SíNDROME DE MEIGS
MALIGNIDADES
BAIXO gRADIENTE < 1.1g/dl
Carcinomatose Peritoneal
Mesotelioma Primário
Pseudomixoma Peritoneal
Carcinoma Hepatocelular
INFECçõES
Peritonite Tuberculosa
Peritonite Fúngica
Peritonite associada ao HIV
HIPOALBUMINEMIA
SíndromeNefrótica
Enteropatia perdedora de proteína
Desnutrição grave
CONDIçõES INCOMUNS
Lesão Ductal: Biliar, Quilosa e Pancreática
Colagenoses e Vasculites
Ascite Urinária
ClASSIFICAçãO DAS ASCITES
Após ler a tabela é normal que algumas dúvi-
das lhe venham à cabeça. Por exemplo, por
que a síndrome nefrótica, estado em que o
peritônio está preservado, é classificada como
baixo gradiente junto com as exsudativas?
Como se forma a ascite no mixedema? Eu
posso ter tuberculose peritoneal com gradien-
te elevado? As metástases hepáticas podem
cursar com os dois gradientes?
Para ampliar seu entendimento sobre o assun-
to, vamos tecer alguns comentários sobre as
principais causas de ascite.
A ascite da hipertensão porta é a causa mais
comum e 85% das vezes está associada à cirro-
se hepática, sendo um marcador de mau prog-
nóstico (sobrevida de dois anos menor que 50%).
Conforme já foi descrito, a HP pré-sinusoidal não
costuma gerar ascite, sendo este um achado das
obstruções sinusoidais e pós-sinusoidais.
A ascite cardiogênica é classicamente tran-
sudativa e a principal associação é com a peri-
cardite constrictiva. Outras condições incluem
a cardiomiopatia restritiva, a insuficiência tri-
cúspide grave e a falência ventricular direita.
A ascite neoplásica – carcinomatose peri-
toneal – é a segunda causa mais comum. O
líquido é geralmente amarelo-citrino, embo-
ra a presença de ascite hemorrágica ou
quilosa seja bastante sugestiva de etiologia
neoplásica. As principais neoplasias envol-
vidas são do ovário e trato gastrointestinal
(cólon, estômago, pâncreas). Menos comu-
mente, encontramos mama, pulmão, linfo-
ma, mesotelioma, próstata, colangiocarcino-
ma e câncer de esôfago. Quando uma gran-
de quantidade de líquido é retirada, a cito-
logia costuma ser positiva (90%). Outros
dados incluem: aumento de LDH, proteína
e colesterol. Marcadores tumorais podem
ser encontrados nos pacientes com cirrose
hepática e devem ser interpretados com
cautela. É o caso do CA 125, que está au-
mentado em grande parte dos pacientes com
ascite ou derrame pleural de diversas cau-
sas configurando-se, portanto, como um
dado bastante inespecífico. Por outro lado,
ele tende a cair drasticamente com a reso-
lução da ascite. Cabe lembrar que, quando
as neoplasias vêm associadas à hipertensão
portal (carcinoma hepatocelular, metástases
hepáticas maciças), estas costumam se
apresentar com GASA elevado. Outro tumor,
o mesotelioma primário, é raro, sendo que
mais de 70% dos pacientes têm história de
exposição ao asbesto e em 50% deles é
encontrada doença pulmonar à radiografia
de tórax. A ascite mucinosa é uma condição
rara causada pelo pseudomixoma peritoneal,
em que células epiteliais provenientes pro-
vavelmente do apêndice e do ovário se im-
plantam na cavidade peritoneal e passam a
produzir mucina. Trata-se, na maioria das
vezes, de um achado à laparotomia e o tra-
tamento é a remoção cirúrgica.
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Cirurgia - Volume 1 53Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
CUIDADO!!! Não confunda a carcinomatose
peritoneal por tumor de ovário metastático com
a Síndrome de Meigs. No primeiro caso, ocorre
metástase de um tumor à distância com franca
doença do peritônio e o líquido é um exsudato
de baixo gradiente. Na síndrome de Meigs,
temos a associação de um tumor benigno
(cistoadenoma de ovário) + ascite + derrame
pleural e o líquido ascítico é um transudato de
gradiente elevado (GASA ≥ 1,1). Neste último, o
motivo provável da ascite seria uma dificuldade
na drenagem venosa do tumor. Curiosamente,
na síndrome de Meigs o derrame pleural geral-
mente é caracterizado como exsudato.
A tuberculose peritoneal é causa mais impor-
tante de ascite infecciosa. Deve ser suspeitada
nos pacientes jovens não cirróticos. Por ser
uma das formas pós-primárias, em metade dos
casos não se encontram outras evidências de
tuberculose, exceto por febre moderada. No
líquido ascítico, os leucócitos giram em torno
de 500 a 2.000 céls/mm3, com predomínio de
mononucleares, fazendo diagnóstico diferen-
cial com a ascite bacteriana. Não costuma ser
um bom local para a pesquisa do bacilo de
Koch (5% de positividade), sendo a cultura e
a pesquisa da Adenosina Deaminase (ADA)
mais sensíveis. Por último, o teste de maior
sensibilidade (quase 100%) é a laparoscopia,
que permite visualizar granulomas e aderên-
cias peritoneais típicas da tuberculose, além de
permitir a biópsia por visualização direta. Der-
rames serosos, como os pleurais e peritoneais
em pacientes jovens devem sempre levantar a
suspeita de tuberculose extrapulmonar!!!
A Ascite “Mista” está presente em até 5%
dos pacientes e compreende uma situação
em que a hipertensão portal é complicada
por um processo secundário, geralmente in-
feccioso. Nestes casos, por exemplo, um pa-
ciente com cirrose e tuberculose peritoneal
poderia cursar com GASA ≥ 1,1 g/dl e ser
classificado erroneamente como hiperten-
são porta isolada. Portanto, a interpretação
do líquido ascítico nestes pacientes pode
estar bastante dificultada e a chave para o
diagnóstico pode estar simplesmente numa
contagem linfocitária aumentada.
A ascite pancreática (complicação rara da
pancreatite) resulta do extravasamento de
um pseudocisto ou de uma fístula do ducto
pancreático para o peritônio. O líquido se
acumula ao longo de semanas a meses e
pode ser maciço. Como as enzimas estão
inativas, não ocorre inflamação do peritônio e
a ascite costuma ser indolor. O líquido ascítico
pode ser hemorrágico, com proteína elevada
(> 3 g/dl), mas a grande chave para o diagnós-
tico é a amilase > 1.000 UI/L associada a va-
lores normais (ou quase normais) da amilase
sérica. As lipases têm pouco valor diagnóstico.
O tratamento consiste na utilização de NPT
e octreotídio e nos refratários, colocação de
stent pancreático e drenagem cirúrgica.
A ascite biliar (coleperitônio) resulta da lesão
na vesícula ou vias biliares provocada por um
cálculo ou procedimento (cirurgia, trauma,
biópsia hepática, colangiografia trans-hepáti-
ca percutânea-CTP). O acúmulo da bile pode
ser rápido e cursar com peritonite química
ou insidioso (“ascite biliosa”). O líquido as-
cítico é de coloração esverdeada e a dosa-
gem de bilirrubina é diagnóstica (> 6 mg/dl)
com a razão bilirrubina ascítica / sérica > 1. A
absorção da bile da cavidade pode ser o su-
ficiente para determinar icterícia. Além disso,
é muito comum o desenvolvimento de perito-
nite bacteriana secundária. A CPRE e a CTP
podem ser utilizadas para localizar a lesão
quando se planeja uma cirurgia reparadora.
A ascite quilosa é de aspecto leitoso, pos-
sui triglicerídeos elevados (> 1000 mg/dl) e
está caracteristicamente associada à obs-
trução linfática pelo linfoma. Causas menos
comuns incluem: trauma pós-operatório,
cirrose, tuberculose, irradiação, filariose e
pancreatite. O quiloperitônio em pacientes
HIV positivos deve levantar a suspeita de
sarcoma de Kaposi ou infecção por Myco-
bacterium avium intracellulare. O tratamento
consiste na correção da doença de base,
utilização de triglicerídeos de cadeia média
e repouso intestinal com NPT. Como não há
hipertensão porta associada, diuréticos são
pouco eficazes.
A ascite da síndrome nefrótica tem uma
peculiaridade: apesar do mecanismo de for-
mação ser um “desequilíbrio pressórico” por
baixa pressão oncótica e retenção hidrossa-
lina, a hipoalbuminemia reduz os valores do
GASA para abaixo de 1,1; classificando-a
erroneamente como uma ascite “exsudativa”.
A ascite nefrogênica ainda é um tipo de as-
cite pouco compreendida que se desenvolve
nos pacientes em diálise. Envolve provavel-
mente um mecanismo multifatorial, incluindo
desnutrição, hipoalbuminemia, congestão vo-
lêmica ou mesmo hepatopatias subjacentes
(principalmente hepatopatia alcoólica e por
vírus C). A presença de ascite denota pior
prognóstico e, na coexistência de doença
hepática e renal, o transplante de fígado e
rim pode ser recomendado.
A ascite urinária é uma condiçãorara no adulto
em que ocorre acúmulo de urina na cavidade
peritoneal resultante de traumatismo nas vias
urinárias. A dosagem de ureia e creatinina no
líquido ascítico confirmam o diagnóstico.
A ascite mixedematosa é uma rara complica-
ção do hipotireoidismo e uma possível expli-
cação seria a lentidão na drenagem linfática,
associada ao aumento da permeabilidade
capilar. Em alguns casos, observou-se a pre-
sença de fibrose em torno da veia centrolobu-
lar na histologia hepática. No líquido ascítico
temos paradoxalmente, proteína elevada com
GASA ≥ 1,1. A reposição hormonal corrige o
distúrbio em semanas.
A ascite nos pacientes HIV positivos pode
estar ou não associada à hipertensão porta.
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Cirurgia - Volume 1 54Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
Quando associadas, as principais causas
continuam sendo a hepatite crônica e a cir-
rose. Quando é do tipo exsudativa, pode ser
infecciosa (micobactéria, CMV) ou neoplásica
(sarcoma de Kaposi e linfoma peritoneal).
Uma pausa para refletir e fazer esta questão:
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2013
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE
PELOTAS – UCPEL
Ao avaliar um paciente com ascite crônica,
um gradiente sero-ascítico de albumina ele-
vado (> 1.1 g/dl) é compatível com os seguin-
tes diagnósticos, EXCETO:
a) Cirrose.
b) Insuficiência cardíaca congestiva.
c) Pericardite constritiva.
d) Trombose de veia hepática.
e) Nefrose.
Diante de um Gradiente de Albumina Soro
-Ascite (GASA) elevado, devemos sempre in-
vestigar condições relacionadas à hipertensão
portal, geralmente grandes causas de transu-
datos. Nesse sentido, as opções de A a D se
encaixam muito bem. Contudo, apesar das
nefroses (leia-se aqui síndrome nefrótica) re-
presentarem também uma importante causa
de transudato, a hipoalbuminemia leva a um
gradiente baixo, a exemplo das ascites exsu-
dativas. Resposta: E.
Perceba então que, na prática, o diagnóstico
da ascite pode não ser tão simples assim... De
qualquer forma, toda abordagem começa pelo
GASA e é ele quem deve nortear seu raciocínio
clínico. Para finalizar, vamos definir os últimos
conceitos sobre a abordagem da ascite:
CONCEITO 1: Algumas condições podem
levar à interpretação equivocada do GASA...
(a) A concentração da albumina no sangue
e no líquido ascítico varia ao longo do
dia. Portanto, para garantir a validade do
exame, as coletas do líquido ascítico e
de sangue periférico devem ser realiza-
das simultaneamente.
(b) Hipotensão arterial diminui a pressão
porta e pode, com isso, diminuir o GASA.
(c) A concentração de lipídios pode alterar
os valores da albumina e do GASA nas
ascites quilosas.
(d) Nos casos de hiperglobulinemia (maior
que 5 g/dl) pode haver alteração do GASA
e devemos utilizar um fator de correção:
GASA corrigido = GASA x 0,16 x (globu-
lina* + 2,5).
* unidade: g/dl.
CONCEITO 2: Pacientes com ascite de
difícil diagnóstico ou cujo líquido ascítico não
assuma um padrão característico e compatí-
vel com a história clínica, podem, na verda-
de, ter duas ou mais causas concomitantes
(ex.: cirrose hepática, insuficiência cardíaca
e carcinomatose peritonial). É importante
que você perceba que um GASA ≥ 1,1 g/dl
confirma a presença de hipertensão porta,
mas não exclui causas concomitantes como
neoplasias ou infecções!!! É por isso que um
paciente com PBE, em que normalmente a
cirrose é sua doença de base e o proces-
so inflamatório peritoneal é muito discreto,
apresenta um GASA também elevado.
CONCEITO 3: Antes da descrição do GASA,
as ascites eram diferenciadas em transudato ou
exsudato com base no valor da proteína do líquido
ascítico. Valores menores que 2,5 g/dl represen-
tariam um transudato e os maiores, um exsudato.
Embora esse critério tenha se mostrado inferior
ao GASA na avaliação diagnóstica, ele ainda
pode ser utilizado como instrumento adicional.
PROTEÍNA > 2,5 g/dl = EXSUDATO*
PROTEÍNA < 2,5 g/dl = TRANSUDATO
* Segundo o Cecil, a ascite cardiogênica
seria uma exceção e entraria no grupo com
proteína elevada.
Faça mais estas questões:
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2012
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
PERNAMBUCO – PE
Mulher com 65 anos de idade chega à en-
fermaria com uma ascite que se iniciou há 1
mês. Refere uma perda de 6 kg. Nega etilis-
mo e tabagismo. Nega passado de hepatite.
Ao exame físico, não apresenta sinais clíni-
cos de insuficiência hepática. No hospital,
o residente realiza uma paracentese diag-
nóstica que mostra um gradiente albumina
soro-ascite de 0,8 g/dl. Qual o diagnóstico
MAIS PROVÁVEL para o caso acima?
a) Cirrose descompensada.
b) Ascite cardíaca.
c) Esquistossomose hepatoesplênica descom-
pensada.
d) Carcinomatose peritoneal.
e) Hepatite alcoólica.
O Gradiente Soro-Ascite de Albumina (GASA)
é um marcador extremamente importante pelo
fato de servir como grande “divisor de águas” na
investigação diagnóstica da ascite. Sabemos
que um GASA ≥ 1,1 g/dl define que a causa
da ascite é a HIPERTENSÃO PORTA e que
um GASA < 1,1 g/dl define ascite por doença
peritoneal (sem hipertensão porta). Ora, a única
opção citada que representa uma doença peri-
toneal que poderia justificar o GASA da nossa
paciente é, sem dúvida, a letra D.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DO
RIO DE JANEIRO – UFRJ
Homem, 55 anos, com cirrose alcoólica, che-
ga à emergência com desconforto abdominal
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Cirurgia - Volume 1 55Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
inespecífico e febre (38°C) há 2 semanas.
Relata hiporexia nos últimos meses. Há 1 ano
episódio de pancreatite biliar. Usa espirono-
lactona 100 mg/dia. Exame físico: aumento
do volume abdominal, com macicez móvel
de decúbito e leve desconforto à palpação
superficial, difusamente, sem sinais de irrita-
ção peritoneal. Paracentese: líquido amarelo
citrino, albumina 1,8 g/l e 500 leucócitos (35%
de polimorfonuclear); albumina sérica 2,8 g/l.
Culturas do líquido ascítico em andamento. A
principal hipótese diagnóstica é:
a) Peritonite bacteriana espontânea.
b) Peritonite bacteriana secundária.
c) Ascite pancreática.
d) Peritonite tuberculosa.
Cirrótico com ascite, que é admitido em am-
biente hospitalar... qual é a conduta? Paracen-
tese! Com o líquido ascítico puncionado, iremos
calcular o GASA que, nesse caso, foi de 1,0.
Ou seja, sugere doença peritoneal exsudativa.
Entre os dados que seriam sugestivos de asci-
te neoplásica, poderíamos citar a presença de
líquido hemorrágico (o do paciente é amarelo
citrino) e o encontro de células malignas na cito-
logia oncótica confirma tal hipótese (outro dado
indisponível no momento). Se não é neoplasia,
ficamos com a hipótese infecciosa... qual delas?
Com apenas 175 (35%) de polimorfonucleares
e proteína acima de 1,0 g/L não pode ser PBE.
A escassez de leucócitos e polimorfonucleares
e o quadro arrastado (duas semanas) também
falam contra um quadro secundário. Sobra en-
tão a tuberculose peritoneal. Reparem que esse
paciente tem a apresentação clínica habitual
(anorexia, desconforto abdominal inespecífico e
febre, todos lentamente progressivos). O diag-
nóstico dificilmente será confirmado pela análise
do líquido ascítico; o mais adequado seria realizar
uma LAPAROSCOPIA diagnóstica, com bióp-
sia de qualquer área suspeita. Em geral podem
ser observados “tubérculos” no peritônio, e sua
análise histopatológica confirma o diagnóstico
(ex.: granulomas caseosos). Na verdade, não se
pode excluir com toda certeza que não se trata
de ascite pancreática. Mas a questão pergunta:
a principal hipótese. Temos que ir então pela
frequência e pela história. O episódio de pancrea-
tite não tem relação temporal com a queixa do
momento. Além disso, falta o essencial que seria
uma amilase aumentada. Melhor resposta: D.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2009
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO
RIO DE JANEIRO – UERJ
É internado um homem de 48 anos para in-
vestigação diagnóstica de ascite tensa, sendo
realizada paracentese diagnóstica. A análise
do líquido ascítico mostra pH = 8,0, glicose
= 80 mg/dl, proteínas = 3,5 g/dle albumina =
2,3 g/dl. A dosagem da albumina sérica é de
3,8 g/dl. Frente a estes achados, a hipótese
diagnóstica mais provável é:
a) Cirrose hepática.
b) Pericardite constrictiva.
c) Peritonite tuberculosa.
d) Carcinomatose peritoneal.
O Gradiente de Albumina Soro-Ascite
(GASA) neste caso é maior que 1,1 (3,8 –
2,3 = 1,5) e isto deixa claro: estamos frente a
uma ascite transudativa ou de alto gradiente
– excluímos as opções C e D, que são cau-
sas típicas de ascite exsudativa ou de baixo
gradiente (doença peritoneal). Existe dúvida
entre A ou B? Está mais do que óbvio que,
frente aos achados apresentados, a principal
possibilidade diagnóstica é a cirrose hepática!
E a segunda principal? Cirrose hepática... até
a 18ª possibilidade assim será! Ah, mas pode
ser pericardite constritiva? Sejamos sinceros,
obviamente pode, mas... algum de vocês já
viu um paciente ser internado em um leito de
enfermaria para investigação diagnóstica de
ascite tensa (veja bem, não é de anasarca...),
e receber o diagnóstico de pericardite cons-
tritiva??! Francamente, esta questão é uma
afronta e prejudicou diversos candidatos que
realizaram este concurso. À época, foi uma
enxurrada de recursos, mas nenhum deles, por
mais contundente, mostrou-se capaz de mover,
ao menos um milímetro, a vaidade da banca
examinadora. Enfim, eles não reconheceram o
erro. Alguns podem questionar: mas o que le-
varia um professor de tão renomada instituição
a cometer erro tão crasso? Fizemos esta mes-
ma pergunta... mas só descobrimos a resposta
quando encontramos no Cecil (referência deste
concurso) a seguinte tabela inusitada:
Condição GASA Proteína Total
do L. Ascítico
Cirrose > 1,1 < 2,5
Ascite Maligna < 1,1 > 2,5
Ascite Cardíaca > 1,1 > 2,5
Vamos lá – EM TESE, durante o processo de
lesão do parênquima hepático, os sinusoides,
sob agressão, poderiam ter as suas fenestra-
ções parcialmente prejudicadas e obstruídas.
Muito bem, e aí? Novamente, EM TESE, se
assim for, as condições que geram hiperten-
são porta por obstrução pós-hepática (como
a pericardite constritiva) poderiam resultar em
um líquido ascítico com mais proteínas que o
observado na cirrose... É realmente triste... Na
tentativa de montar uma pegadinha, o autor
desta questão acabou prejudicando a quase
todos os candidatos (à exceção, obviamente,
daqueles que, por ignorância específica neste
assunto, “chutaram” a resposta B).
Enfim, mesmo que a teoria anterior fosse con-
siderada pelo estudante de medicina, vejamos
o que é perguntado na questão: “Frente a estes
achados, a hipótese diagnóstica mais provável
é?” Ora, o que é mais provável: uma apresenta-
ção atípica de uma doença muito comum ou uma
apresentação clássica de quadro raríssimo?
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Cirurgia - Volume 1 56Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
Que outros dados além do GASA podemos
extrair da análise do líquido ascítico?
(1) Aspecto Macroscópico
O líquido ascítico pode ser:
• SEROSO: mais comum – o líquido é claro e
transparente ou amarelo-citrino e decorre de
várias causas. É o mais frequente na cirrose,
nas neoplasias, na peritonite tuberculosa e
na ascite cardíaca.
• HEMORRáGICO: aspecto serossanguino-
lento, róseo ou de cor sanguínea mais viva
– pode ser observado nas neoplasias e na
peritonite tuberculosa...
• INFECTADO: de aspecto turvo e odor fétido.
• QUILOSO: caracterizado pela presença de
linfa, resulta da obstrução ou ruptura do canal
torácico ou de vasos linfáticos quilíferos. As
causas mais frequentes são as neoplasias e
os traumatismos.
• BILIOSO: de coloração esverdeada, ob-
servado nos traumatismos das vias biliares
(inclusive cirúrgicos).
(2) Exames Bioquímicos
• Gradiente de albumina soro-ascite (já comen-
tado).
• Proteína total / Glicose / LDH: diferenciar a
peritonite bacteriana espontânea da secun-
dária em cirróticos.
• Triglicerídeos: bastante aumentados nas
ascites quilosas.
• Bilirrubinas: presentes nas ascites biliares.
• Níveis de Ureia: elevados na ascite urinária.
• Amilase: presente na ascite pancreática.
líquido ascítico amarelo-
citrino (normal).
líquido ascítico turvo (PBE).
líquido ascítico quiloso.
(3) Citometria
A contagem de leucócitos elevada sugere
fortemente a presença de um processo in-
flamatório do peritônio – a predominância de
Polimorfonucleares (PMN) sugere infecção
bacteriana aguda, enquanto a presença de
mononucleares (linfócitos/monócitos) sugere
tuberculose peritonial, neoplasia e colageno-
ses. O diagnóstico da peritonite bacteriana
espontânea é dado pela presença de mais de
250 polimorfonucleares (neutrófilos) por mm3.
A contagem é feita de forma manual, mas
deve ser a mais precisa possível. Um fator
de erro ocorre nos derrames hemorrágicos:
o sangue tem leucócitos e, portanto, a leuco-
metria do líquido ascítico estará falsamente
elevada. Pode-se corrigir a leucometria do
líquido ascítico subtraindo-se 1 PMN para
cada 250 hemácias por mm3 encontradas.
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Cirurgia - Volume 1 57Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
(4) Citologia Oncótica
É o principal exame para o diagnóstico da
ascite carcinomatosa (tumores de ovário e
gastrointestinais), apresentando alta sensibi-
lidade. No hepatocarcinoma, a citologia oncó-
tica quase sempre é negativa.
(5) Bacteriologia
Os exames bacteriológicos incluem a bacte-
rioscopia e as culturas. A bacterioscopia, seja
pelo Gram seja pelo Ziehl-Nielsen, é de valor
limitado (baixa sensibilidade): são positivos
em apenas 5% dos pacientes com peritonite
tuberculosa e 25% dos pacientes com ascite
infectada. As ascites fúngicas são muito raras
e, dessa forma, não são geralmente pedidas
culturas para estes organismos. Para confir-
mar o diagnóstico bacteriológico da peritonite
bacteriana espontânea, o material colhido
deve ser imediatamente introduzido em um
frasco de hemocultura. O ideal é colocar 10
ml num frasco de 100 ml: neste caso, a sen-
sibilidade chega a 80%.
Preencha abaixo as características das prin-
cipais etiologias de ascite:
1) Ascite da Cirrose
Ascite volumosa e tb a + comum...
GASA > 1.1
Aspecto amarelo-citrino
Bioquímica e citometria s/ anormalidades
2) Ascite Neoplásica
É a 2ª + comum (ovário / colorretal / estô-
mago)
GASA < 1.1
Aspecto amarelo-citrino, pode ser hemor-
rágico...
Citologia + 90% dos casos / LDH e PTN altos
3) Ascite Cardíaca
É a 3ª causa de ascite + comum...
GASA > 1.1
Pericardite constrictiva / insuficiência tri-
cúspide/ IVD / Cardiomiopatia restritiva
4) Ascite Tuberculosa
Reativação de foco latente...
Será que temos que solicitar todos esses
exames na avaliação de ascite?
Não. Nem todos os exames devem ser ne-
cessariamente solicitados numa primeira
avaliação já que a cirrose é a causa da ascite
na grande maioria dos casos. Os parâmetros
considerados fundamentais são a citometria,
proteína total, albumina, sendo os demais
classificados como opcionais e solicitados em
caso de suspeita de infecção ou outra condição
mais específica. Por outro lado, dosagens de
pH, colesterol e lactato não têm nenhum valor
diagnóstico. Veja a seguir a recomendação da
última diretriz da AASLD (American Association
for the Study of Liver Disease):
Rotina
- Celula-
ridade
e conta-
gem di-
ferencial
- Proteína
total
- Albumina
Opcio-
nais
- Cultu-
ra em
frascos
de he-
mocul-
tura
- Glicose
- LDH
- Amilase
- Gram
Não
habituais
- Bacilos-
copia e
cultura
para mi-
cobacté-
ria
- Citologia
- Triglice-
rídeo
- Bilirrubi-
na
Desneces-
sários
- pH
- Lactato
- Colesterol
- Fibronec-
tina
- Glicosa-
minoglica-
nas
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2012
HOSPITAL DA POLÍCIA MILITAR – MG
Em relação às ascites, marque a alternativa
CORRETA:
a) O hipotireoidismo grave é uma das causas
mais comuns de ascite não cirrótica.
b) A principal importância do gradiente de al-
bumina ascite-soro é distinguir ascites infec-
ciosas de não infecciosas.
c) O gradientede albumina ascite-soro < 1.1
g/dl é tipicamente encontrado nas ascites com
peritonites tuberculosas, na carcinomatose
peritonial e na ascite pancreática, quando não
há hipertensão portal.
d) A paracentese é um procedimento seguro
até mesmo em pacientes com coagulopatias;
complicações como hematomas de parede,
hipotensão, síndrome hepatorrenal e infecção
são infrequentes.
Analisando cada assertiva. A: no hipotireoi-
dismo a ascite é uma manifestação clínica
muito rara! Mais comuns seriam causas exsu-
dativas a exemplo da tuberculose peritoneal e
neoplasias. B: a principal importância do Gra-
diente Soro-Ascite (GASA) é distinguir ascite
causada ou não por hipertensão portal! Este é
o erro da questão, além de não ser “gradiente
ascite-soro”, mas gradiente “soro-ascite”! C: o
GASA < 1.1 g/dl indica que a ascite não é devi-
do à hipertensão portal, podendo corresponder
à peritonite tuberculosa, carcinomatose perito-
neal ou ascite pancreática. Outras causas são
ascite biliar e síndrome nefrótica. Entretanto, o
grande erro da questão está na fórmula. Não
é gradiente ascite-soro, mas sim, soro-ascite.
D: como se faz na prática e, segundo o próprio
Harrison, a paracentese é um procedimento
seguro mesmo em pacientes com coagulo-
patias; complicações, incluindo hematoma
de parede abdominal, hipotensão, síndrome
hepatorrenal ou infecção, são infrequentes.
Exatamente esta frase colocada na assertiva
está escrita no livro. Afinal, é o cirrótico quem
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Cirurgia - Volume 1 58Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
mais se beneficia do procedimento, normal-
mente em uma fase em que a hepatopatia já
está bem avançada. Resposta: D.
Tratamento
Confirmado o diagnóstico, a primeira tarefa
é tratar a doença de base se possível (ex.:
esquema RIPE na tuberculose peritoneal). Na
cirrose hepática, além de medidas específicas
que possam existir para a doença de base,
algumas condutas gerais também devem ser
tomadas. Uma medida controversa seria o
repouso no leito que, ainda sem evidências
que comprovem sua eficácia, facilitaria a mo-
bilização de fluidos no paciente com ascite
(na posição ortostática ocorre aumento dos
hormônios retentores hidrossalinos). Assim, a
abordagem terapêutica de qualquer paciente
com ascite consiste inicialmente na RESTRI-
ÇÃO DE SÓDIO e utilização de DIURÉTI-
COS orais. Apenas com isso, conseguimos o
controle de 90% dos pacientes. A internação
hospitalar deve ser reservada para pacientes
com ascite volumosa, restando aos demais
acompanhamento ambulatorial.
Restrição de sódio: Cerca de 2 g/dia ou
88 mEq/dia.
Diuréticos: Indicados quando a restrição de
sódio não for suficiente.
Esquema clássico: dose única matinal de
espironolactona 100 mg/dia e furosemida 40
mg/dia. A progressão na dose dos diuréticos
deve ser feita a cada 3-5 dias, mantendo-se
a proporção de 100:40. A dose máxima é
normalmente de 160 mg/dia de furosemida
e de 400 mg/dia de espirolactona (600 mg/
dia pelo Harrison), atentando sempre para a
manutenção dos níveis séricos de potássio
(diurético de alça espolia potássio, enquanto
a espironolactona o poupa...). A utilização
isolada de espironolactona é uma alternativa,
especialmente em pacientes ambulatoriais,
na ausência de edema periférico.
Mas qual é o parâmetro para aumentar ou
diminuir os Diuréticos???
O objetivo básico é a perda diária de peso entre
0,5 a 1 kg/dia. O paciente internado na enferma-
ria deve ser pesado antes do café da manhã!!!
• Ascite isolada = perda de 0,5 kg/dia.
• Ascite + edema de membros inferiores = em-
bora não haja um limite preciso, recomenda-
se perda de 1 kg/dia. (Ex.: se o paciente per-
deu 0,3 kg devemos aumentar os diuréticos).
Nestes casos, o líquido é mobilizado mais
prontamente do tecido celular subcutâneo,
evitando a espoliação intravascular e a mais
temida das complicações hipovolêmicas no
cirrótico: a síndrome hepatorrenal.
Alguns cuidados...
• O surgimento de encefalopatia ou retenção
azotêmica indica suspensão imediata da te-
rapia diurética, já que pode se tratar de um
evento deflagrador!!!
• Não confunda restrição de sódio com restrição
hídrica. A restrição hídrica só está indicada
nos casos de hiponatremia grave (Na sérico
< 120-125 mEq/L) ou sintomática.
• Não há indicação de albumina intravenosa
de rotina, exceto quando o paciente for sub-
metido à paracentese de grande volume ou
na prevenção de insuficiência renal nos pa-
cientes cirróticos com peritonite espontânea
(ver adiante).
• A medida da excreção de sódio é um bom
parâmetro para averiguar se a perda de
peso é ou não satisfatória. O objetivo do tra-
tamento é manter a excreção acima de 78
mmol/dia (isto porque uma ingesta diária de
88 mmol de sódio leva a uma excreção não
urinária de 10 mmol, restando a eliminação
dos outros 78 mmol pela urina). Para substi-
tuir a coleta da urina de 24h, o “spot” da urina
(amostra única pela manhã) com relação só-
dio/potássio > 1 é uma alternativa.
Ascite resistente a diuréticos: represen-
ta menos de 10% dos pacientes. É definida
quando o paciente apresenta um destes cri-
térios: (1) incapacidade de resolução da as-
cite apesar de restrição dietética apropriada
(confirmada por urina de 24h) e utilização de
dose máxima tolerável de diuréticos; ou (2)
recorrência precoce após paracentese!
Obs.:
• Por reduzirem a excreção renal de sódio, o
paciente não pode estar utilizando AINE.
• É também considerada incapacidade de re-
solução quando se desenvolvem contraindi-
cações ao uso de diuréticos (azotemia/distúr-
bio eletrolítico progressivos, encefalopatia).
• Mesmo em pacientes sem excreção urinária
de sódio, paracentese realizadas a cada duas
semanas são capazes de controlar a ascite.
Diante desses casos podemos indicar:
• Paracenteses terapêuticas seriadas.
• TIPS (derivação portocava intra-hepática
transjugular).
• Transplante Hepático.
• Shunt peritônio-venoso: Le Veen, Denver
(em último caso, por uma comunicação arti-
ficial da cavidade peritonial com a veia cava
superior, naqueles não candidatos ao TIPS
ou transplante).
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Cirurgia - Volume 1 59Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
• Terapias experimentais (infusão regular de
albumina, clonidina).
É válido marcar que, embora o benefício não
seja tão contundente, nas paracenteses de
grande volume (acima de 5 litros) deve ser
realizada a infusão de coloides para a ma-
nutenção do volume intravascular, espe-
cialmente se o paciente não tiver edema pe-
riférico. Recomenda-se a infusão de 6-8 g (ou
8-10 g por algumas fontes) de albumina por
litro retirado (devendo-se considerar o total
removido e não apenas o volume acima de 5
L). A midodrina (7,5 mg 3x/dia) poderia ser
adicionada aos diuréticos para aumentar a
pressão arterial (um estudo randomizado mos-
trou que a droga aumentava o volume urinário,
a PA média e a sobrevida). Por último, ascites
que não resolvem com transplante hepático
podem estar associadas à obstrução relativa
do fluxo venoso hepático ou infecção subja-
cente por vírus C.
Figura 2: Shunt de Le Veen.
NOTA 1: Observe este cálculo fascinante e
sua importante aplicação prática nas para-
centeses de repetição! A restrição de sódio
na dieta para pacientes com ascite deve ficar
em torno de 88 mmol/L, o que levaria (confor-
me vimos anteriormente) a uma excreção não
urinária de 10 mmol/L. Caso nenhum sódio
fosse excretado pela via urinária, haveria um
acúmulo diário de 78 mmol/L, certo?
Sabendo-se que a concentração de sódio do
líquido ascítico é praticamente a mesma do
plasma (130 mmol/L); se retirássemos 8 L,
estaríamos retirando cerca de 1.040 mmol/L
de sódio. Perceba que esta retirada seria,
portanto, equivalente a 14 dias de acúmulo
(1040:78 mmol/L). Assim, mesmo para pa-
cientes que não consigam excretar sódio pela
urina, uma frequência de paracenteses mais
curta que duas semanas, indica que eles
provavelmente não estão seguindonenhuma
restrição de sódio...
NOTA 2: Os frascos disponíveis de Albumina
Humana estão na concentração de 20% (20
g/100 ml). Portanto, num frasco usual de 50
ml, temos 10 g. Por exemplo, num paciente
em que sejam retirados 7 L de líquido ascíti-
co, estaria indicada a reposição de 7 x 8-10
g = 56-70 g ou 5-7 frascos de 50 ml de albu-
mina. Para se ter uma ideia do custo desta
prática, até a data da edição desta apostila,
cada frasco custava em torno de R$ 300.
Saiba maiS:
Como vimos, o paciente cirrótico é um pa-
ciente vasodilatado por conta do efeito do
óxido nítrico, o que leva a uma tentativa de
resposta compensatória com vasoconstric-
tores, a fim de manter a pressão arterial do
paciente. Além disso, a PA é um preditor inde-
pendente de sobrevida nestes casos. Assim,
drogas que atuem contra esses mediadores
como é o caso de IECA e Antagonistas da
AngioII devem ser evitados ou usados com
cautela. Os AINEs, inibidores de prostaglan-
dinas, também entram na lista de drogas
que não devem ser utilizadas (exceto AAS
naqueles de alto risco cardiovascular).
Outra droga com efeito deletério em potencial
é o propranolol. Um estudo observacional
prospectivo mostrou que pacientes com ascite
refratária que recebiam betabloqueadores não
seletivos tinham menor sobrevida que os de-
mais. Observem: você não leu errado, é ME-
NOR mesmo. Mas estas drogas não são boas
na hipertensão portal – você pode se pergun-
tar? Pois é, esta é a Medicina! Ninguém sabe
ainda direito o porquê deste achado. Algumas
possíveis explicações seriam uma maior rela-
ção com hepatocarcinoma e redução da per-
fusão renal... De qualquer forma, guarde então
este conceito para a prova: em pacientes com
cirrose descompensada e ascite refratária, os
betabloqueadores não devem ser utilizados,
podendo até mesmo serem suspensos.
Drogas a serem evitadas ou
utilizadas de forma cautelosa
Um dos objetivos do tratamento da ascite, ao
reduzir a quantidade de líquido na cavidade pe-
ritonial, é evitar complicações. Dentre todas elas,
sem dúvida alguma, a peritonite é a mais impor-
tante e é sobre ela que nos fixaremos agora!
Este é um assunto muito... mui-
to... mas muito importante para
os concursos!!!
Complicações
Peritonite Bacteriana
Espontânea
Introdução
Conceitualmente, a PBE é a infecção da
ascite que surge na ausência de uma fonte
contígua de contaminação, tal como abs-
cessos intra-abdominais ou perfuração de
víscera oca. Em sua fisiopatogenia está en-
volvida a translocação bacteriana a partir do
tubo digestivo e a deficiência de opsoninas
(proteínas do complemento) no líquido as-
http://#scrolldown
http://#videomiolo=15557-VIDEO_14_MEDCIR01_2018
Cirurgia - Volume 1 60Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
cítico (comum em cirróticos). Daí o fato da
proteína total do líquido ascítico encontrar-se
caracteristicamente baixa na PBE, inferior a
1 g/dl. Em princípio, qualquer paciente com
ascite pode desenvolver infecção primária
do líquido ascítico. Este risco, no entanto, é
muito maior naqueles com cirrose hepática!
A síndrome nefrótica é outra causa de ascite
relacionada à PBE...
Etiologia
Caracteristicamente, a PBE é monobacteria-
na, sendo que na maioria dos casos (70%) é
causada por Gram-negativos entéricos, com
destaque para a Escherichia coli, seguida
da Klebsiella pneumoniae, que chegam ao
peritônio a partir de disseminação linfo-he-
matogênica após translocação bacteriana in-
testinal. Em seguida, temos o Streptococcus
pneumoniae (pneumococo), proveniente de
um foco à distância.
Tanto a presença de infecção polimicrobiana
(Gram-negativos entéricos, Enterococcus
faecalis e anaeróbios) quanto a ausência de
resposta clínica à antibioticoterapia padrão,
devem levantar suspeitas quanto à possibilida-
de de peritonite bacteriana secundária, devido
a abscesso intra-abdominal ou perfuração de
víscera oca. Dos casos de peritonite bacteria-
na nos cirróticos com ascite, 90% dos casos
são PBE e 10%, peritonite secundária.
ATENÇÃO: Neste módulo, reforçaremos que
o agente etiológico mais comum da PBE é a
E. coli, seguida de outro Gram-negativo en-
térico que é a Klebsiella! Contudo, não pode-
mos perder de vista que isso se aplica à
cirrose, principal causa de ascite em adultos,
mas não à ascite de crianças, que geralmen-
te se deve à síndrome nefrótica (por lesão
mínima). Neste caso, teremos que pensar
imediatamente no Pneumococo!
Manifestações Clínicas
Os sinais e sintomas mais comuns de apre-
sentação da PBE são: febre em torno de 38oC
(70%), dor abdominal (60%), alteração do es-
tado mental por encefalopatia hepática (55%),
dor à palpação abdominal (50%) e outros
(diarreia, íleo paralítico, hipotensão arterial).
Vamos guardar os seguintes conceitos:
CONCEITO 1: Pela presença da ascite, os
sinais de peritonite estão praticamente inexis-
tentes. Algumas vezes, o paciente está com
ascite assintomática e o diagnóstico da PBE é
feito apenas pelo exame do líquido ascítico...
CONCEITO 2: A PBE deve ser suspeitada
sempre que houver deterioração do quadro
clínico em um paciente com ascite, principal-
mente se houver febre ou dor abdominal!
Diagnóstico
É tão simples quanto arbitrário: o diagnóstico
de PBE é definido pela contagem de Polimor-
fonucleares (PMN) no líquido ascítico > 250/
mm³, com cultura positiva monobacteriana.
Como a cultura demora 48h para revelar o
resultado e o tratamento não pode esperar,
o diagnóstico já pode ser considerado ape-
nas pelo critério dos leucócitos! Atualmente,
mas ainda aguardando validação, dispõe-se
de uma fita reagente destinada para avaliar
líquido ascítico, que poderia tornar o diagnós-
tico mais rápido (dentro de 2-3 minutos, com
sensibilidade de até 100%).
Devido à frequência significativa da PBE (12%),
recomenda-se a todo paciente admitido em
ambiente hospitalar com ascite que realize pa-
racentese diagnóstica. IMPORTANTE!!! A PBE
pode apresentar duas variantes de infecção
espontânea do líquido ascítico:
(1) Bacterascite Não Neutrofílica: definida
pela cultura positiva monobacteriana com
PMN < 250/mm3. Na prática, você faz uma
paracentese que não apresenta critérios para
PBE (PMN < 250/mm3), mas logo depois che-
ga uma cultura positiva...
Significado: A bacterascite seria uma fase
muito precoce na patogênese da PBE e, em
60% dos casos, resolve espontaneamente,
sem evoluir para a peritonite espontânea...
Conduta: Como muitos pacientes com
bacterascite resolvem espontaneamente,
o tratamento pode ser individualizado e o
seu grande valor é para aqueles que sejam
sintomáticos. Nos casos assintomáticos,
poderíamos repuncionar e tratar apenas se
a PBE é confirmada em nova paracentese.
(2) Ascite Neutrofílica: é o inverso da condi-
ção anterior, em que a cultura é negativa, mas
os PMN estão acima de 250/mm3. Na prática,
você faz uma paracentese que apresenta cri-
térios para PBE (PMN > 250/mm3), mas logo
depois chega uma cultura negativa...
Significado: Quanto mais sensível é o méto-
do utilizado para cultura dos germes, menor
é a ocorrência deste achado. Como outras
condições podem levar a mesma situação,
devem ser considerados hemorragia, carci-
nomatose peritoneal, tuberculose, pancrea-
tite e uso prévio de antibiótico.
Conduta: Como nesse caso os pacientes
costumam ter achados clínicos e mortalida-
de semelhantes aos da PBE, eles devem
sempre receber antibioticoterapia.
BACTERASCITE = Bactéria na Ascite =
CULTURA POSITIVA
ASCITE NEUTROFÍLICA = Neutrófilos na
Ascite = PMN > 250/MM3
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Cirurgia - Volume 1 61Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2010
HOSPITAL DO CÂNCER – INSTITUTO
DO CÂNCER DO CEARÁ – CE
A peritonite denota uma inflamação peritoneal
por vários motivos. A peritonite bacteriana
primária ou espontânea pode ocorrer sob a
forma de infecção bacteriana difusa sem uma
fonte intra-abdominal óbvia de contaminação.
São os agentes mais comuns em crianças e
adultos, respectivamente:
a) Pneumococcus + Streptococcus hemolíticoe E. coli + Klebsiella.
b) Stafilococcus aureus + Pseudomonas e
Proteus + Clostridium.
c) E. coli + Pseudomonas e Streptococcus
hemolítico + Stafilococcus.
d) Moraxella + Pneumococccus e Klebsiella +
Streptococcus hemolítico.
e) E. coli + Klebsiella e Pneumococcus + Clos-
tridium.
A ascite no paciente pediátrico em geral é
uma complicação da síndrome nefrótica (cuja
principal etiologia nesta faixa etária é a doença
por lesões mínimas), ao passo que no adulto
a principal etiologia é a hipertensão porta rela-
cionada à cirrose hepática. Ambas as formas
de ascite apresentam risco aumentado de pe-
ritonite bacteriana espontânea (ou primária),
devido à deficiência de mecanismos imunoló-
gicos no líquido peritoneal (particularmente os
baixos níveis de proteínas de defesa, como as
opsoninas). Uma das principais diferenças en-
tre esses dois grupos está na microbiologia. Na
PBE associada à síndrome nefrótica, o agente
etiológico mais frequente é o pneumococo e
outras espécies estreptocócicas. Na PBE as-
sociada à cirrose hepática o mais comum é a
E. coli, seguido pela Klebsiella (outro bastone-
te Gram-negativo entérico). Resposta: letra A.
Mas para o que devemos sempre estar aten-
tos quando é feito o diagnóstico de PBE?
O diagnóstico diferencial mais importante da
PBE é a Peritonite Bacteriana Secundária
(PBS) perfuração visceral, pós-paracentese
etc. Nestes casos, se não for feito o tratamento
cirúrgico a tempo, praticamente 100% dos pa-
cientes irão falecer! Por outro lado, não seria
muito agradável confundir estas entidades, já
que uma cirurgia abdominal traz uma mortali-
dade de até 80% na PBE...
CONCLUSãO: não podemos confundir essas
duas entidades!!! Na PBS os pacientes podem
apresentar exame abdominal mais alterado,
leucocitose acentuada (>10.000/mm3) com des-
vio para esquerda e cultura polimicrobiana. O
diagnóstico diferencial é feito pela dosagem de
proteína total, glicose e LDH do líquido ascítico.
Dois ou mais dos seguintes critérios indicam
peritonite secundária e, portanto, provável
laparotomia.
• proteína total > 1,0 g/dl
• glicose < 50 mg/dl
• LDH elevada
No líquido ascítico, CEA > 5 ng/ml e fosfata-
se alcalina > 240 U/L também se mostraram
acuradas para detectar perfuração intestinal.
Os casos suspeitos de peritonite secundária
devem ser submetidos à exames de imagem,
como as radiografias (rotina de abdome
agudo) e o exame intestinal contrastado.
Pneumoperitônio ou extravasamento do con-
traste selam o diagnóstico, indicando pronta
laparotomia.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2011
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS – SÃO
PAULO – SP
Em um paciente com peritonite bacteriana,
são achados do líquido ascítico que sugerem
tratar-se de peritonite secundária:
a) Glicose > 50 mg/dl e DHL < limite superior
da normalidade no sangue.
b) Glicose < 50 mg/dl e concentração de pro-
teínas > 1 g/dl.
c) Polimorfonucleares > 500/mm³ e concen-
tração de proteínas < 1 g/dl.
d) Glicose > 50 mg/dl e concentração de pro-
teínas < 1 g/dl.
e) Polimorfonucleares > 500/mm³ e glicose <
50 mg/dl.
Diante da infecção do líquido ascítico, o
principal diagnóstico diferencial que se faz é
entre PBE e peritonite secundária. A PBE se
define simplesmente pela contagem de poli-
morfonucleares a partir de 250. No caso da
peritonite secundária, devem estar presentes
pelo menos dois dos três critérios a seguir: 1.
Concentração total de proteína > 1 g/dl;
2. Concentração de glicose < 50 mg/dl;
3. LDH maior do que o limite superior da nor-
malidade da LDH sérica.
Sendo assim, a única resposta é a B.
Tratamento
No tratamento da PBE, é fundamental que a
antibioticoterapia seja iniciada anteriormente
ao resultado dos estudos microbiológicos do
líquido ascítico. Se iniciada precocemente,
reduz sobremaneira a mortalidade! A terapia
de escolha é uma cefalosporina de terceira
geração venosa: Cefotaxime 2 g IV 8/8h. O
ceftriaxone é uma alternativa, porém rela-
cionada ao desenvolvimento de resistência.
Além disso, depende da ligação proteica
para entrar no líquido ascítico, o que estaria
comprometido nesses pacientes. A duração
do esquema é de 5 dias. A associação amo-
xicilina-clavulanato (Clavulin®) mostrou-se
eficaz em um ensaio clínico realizado e para
pacientes com PBE adquirida na comunida-
de, sem encefalopatia e com função renal
normal. A ofloxacina (400 mg VO 12/12h)
também é uma alternativa válida para aqueles
sem vômitos, choque, encefalopatia ou dis-
função renal importante. Não há necessidade
de realização rotineira de paracentese de
controle após 48 horas conforme se preco-
nizava, estando reservada para aqueles que
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Cirurgia - Volume 1 62Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
não melhoram ou pioram com o tratamento.
Nesse caso, espera-se uma queda de mais
de 25% de PMN do primeiro exame. A falta
de resposta deve motivar prontamente a
pesquisa de peritonite secundária. O trata-
mento antibiótico da PBS inclui um espectro
maior, devendo ser associada cobertura para
anaeróbios com Metronidazol.
Para se ter uma ideia, a PBE levava
ao óbito cerca de 90% dos pacientes
quando foi descrita. Atualmente, com
o diagnóstico precoce e a antibiotico-
terapia adequada, essa taxa foi redu-
zida para cerca de 20%. Entretanto, a
recorrência de PBE nos sobreviventes
do primeiro episódio é bem elevada:
70% em um ano.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2011
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO ALCIDES
CARNEIRO – PB
Sobre o estudo do líquido ascítico, marque a
alternativa INCORRETA.
a) A presença de polimorfonucleares acima de
250, com cultura negativa, caracteriza a asci-
te netrocítica, devendo ser tratada como peri-
tonite bacteriana espontânea.
b) A presença de polimorfonucleares acima de
250, com cultura polimicrobiana positiva, pro-
teína total acima de 1,0 g, glicose < 50 e DHL
> 225 caracteriza a peritonite bacteriana es-
pontânea, sendo indicado tratamento.
c) A contagem de polimorfonucleares menor
que 250, com cultura positiva, caracteriza a
bacterascite e, o paciente sintomático, deve-
mos tratá-la como peritonite bacteriana espon-
tânea.
d) Se após 48 horas do início do tratamento
para peritonite bacteriana espontânea, repe-
tirmos a paracentese e, se houver queda me-
nor que 25% nos polimorfonucleares, podere-
mos considerar falha terapêutica e trocarmos
o antibiótico.
e) A ascite com número de polimorfonucleares
menor que 250 e com cultura negativa é cha-
mada de ascite estéril.
Diante da infecção do líquido ascítico, o
principal diagnóstico diferencial que se faz é
entre PBE e peritonite secundária. A PBE se
define simplesmente pela contagem de Poli-
morfonucleares (PMN) a partir de 250. Caso
a cultura venha a ser negativa posteriormente,
a condição passa a ser conhecida como asci-
te neutrocítica, mas deve sempre ser tratada,
já que o resultado da cultura apenas vem tar-
diamente (A correta). Em uma situação em
que a cultura seja positiva, mas que não preen-
cha os critérios de polimorfonucleares, temos
a bacterascite não neutrofílica. Nesse caso,
tratam-se os sintomáticos ou repuncionam-se
os assintomáticos para nova avaliação (C
correta). A ascite estéril, por lógica, seria aque-
la em que se tem menos de 250 PMN e a
cultura venha negativa (E correta). Não há
necessidade rotineira de paracentese de con-
trole após 48 horas, mas caso seja realizada,
espera-se uma queda de mais de 25% de
polimorfonucleares. Caso não seja obtida,
deve ser pesquisada peritonite secundária e
ampliar esquema de antibioticoterapia (D cor-
reta). Por último, no caso da peritonite secun-
dária, devem estar presentes pelo menos dois
dos três critérios a seguir: 1. Concentração
total de proteína maior que 1 g/dl; 2. Concen-
tração de glicose < 50 mg/dl; 3. LDH maior do
que o limite superior da normalidade da LDH
sérica. Além disso, outros dados já validados
que apontariam para um quadro secundário
seria CEA > 5 ng/ml e fosfatase alcalina > 240
mg/dl. Os quadros ditos secundários devem
ser submetidos a exame de imagem para in-
vestigação de uma condiçãointra-abdominal
de base. Resposta: B.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2011
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO ONOFRE
LOPES – UFRN – HUOL
No tratamento da peritonite bacteriana es-
pontânea, a proposta terapêutica recomen-
dada é:
a) Sulfametoxazol – trimetropim.
b) Vancomicina.
c) Amicacina.
d) Cefotaxima.
O grande grupo de drogas no tratamento
da PBE são as cefalosporinas de terceira ge-
ração, entre elas, a cefotaxima. Resposta: D.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2010
UNIVERSIDADE DE
SANTA CATARINA – UFSC
Sobre peritonites, assinale a alternativa COR-
RETA.
a) A presença de flora polimicrobiana é típica
de uma peritonite primária.
b) A peritonite secundária é uma forma inco-
mum de peritonite.
c) A peritonite primária tem indicação cirúrgica
e antibioticoterapia dirigida aos patógenos
envolvidos e isolados através de culturas.
d) O tratamento da peritonite terciária tem o
mesmo manejo adotado nas peritonites se-
cundárias, associado à imunomodulação e às
manipulações medicamentosas.
e) A peritonite terciária se dá através de con-
taminação por via hematogênica, linfática ou
transmural.
Vamos aprofundar um pouco mais o con-
ceito das peritonites com esta questão! As
infecções intra-abdominais costumam ser
divididas em: peritonite (primária, secundária
e terciária) e abscesso intra-abdominal. A
peritonite primária (espontânea) costuma ser
monomicrobiana, associada à contaminação
por via hematogênica, linfática ou transmural
e de tratamento clínico (opções A, C e E er-
radas). A peritonite secundária é a forma mais
frequente de peritonite em geral, resultante
da perda da integridade anatômica do trato
gastrointestinal (opção B errada). Resposta:
D. Mas peritonite terciária... Existe isso? Sim.
A peritonite terciária é definida como a infec-
ção que ocorre após a terapia inicial para uma
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Cirurgia - Volume 1 63Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
peritonite secundária, devido à deficiência
dos mecanismos de defesa do paciente e à
falta de controle do processo infeccioso, le-
vando a uma peritonite difusa persistente. O
tratamento costuma ser complexo e inclui
imunomodulação e manipulação medicamen-
tosa, sendo a mortalidade elevada, em torno
de 64%. A flora bacteriana também costuma
ser diferente com maior importância para
Enterococo, Candida spp, Staphylococcus
coagulase negativo e Enterobacter spp.
Profilaxias
proFilAxiAS dA pBe
Vejamos as recomendações das últimas dire-
trizes americanas e europeias para profilaxia
da PBE:
A profilaxia primária aguda é indicada em
pacientes cirróticos após hemorragia gastroin-
testinal. Esses pacientes têm risco elevado de
PBE. Ela é feita pela administração de sete dias
de antibióticos. Ela pode ser feita com Ceftria-
xone, Sulfametoxazol-trimetoprim ou Norfloxa-
cino. Uma boa proposta seria iniciar com Cef-
triaxone 1 g IV diariamente, sendo substituída
por Norfloxacino 400 mg 12/12h quando o
sangramento estiver controlado e o paciente
tolerar a via oral. Contudo, sempre deve ser
pesado o perfil de resistência à quinolona na
unidade, bem como o uso prévio desta medi-
cação como profilaxia.
A profilaxia primária crônica é utilizada em
pacientes cirróticos com níveis de proteína
total no líquido ascítico ≤ 1,5 g/dl e, pelo
menos, um dos seguintes achados: (a) crea-
tinina ≥ 1,2 mg/dl ou BUN ≥ 25 mg/dl (ureia
> 53,5 mg/dl) ou sódio ≤ 130 mg/dl; ou (b)
Child-Pugh ≥ 9 pontos e bilirrubina total ≥ 3
mg/dl. Ela é feita com Norfloxacino 400 mg/
dia ou Sulfametoxazol/Trimetoprim (Bactrim
F® – 800/160 mg/dia) por tempo indetermi-
nado (ou, como alguns autores colocam, até
o desaparecimento da ascite ou a realização
do transplante hepático). Ciprofloxacino 500
mg/dia é uma opção quando o norfloxacino
não estiver disponível. Em pacientes com
cirrose, hospitalizados por outras condições,
e que tenham apenas uma proteína total no
líquido ascítico ≤ 1,0 g/dl pode-se utilizar
norfloxacino ou sulfametoxazol-trimetoprim
nas mesmas doses, até a alta do paciente.
A Profilaxia Secundária está indicada para
todos os pacientes que desenvolveram PBE,
também por tempo indeterminado, com as
mesmas doses descritas acima para norfloxa-
cino ou sulfametoxazol-trimetoprim. Aliás, uma
vez que a sobrevida após o primeiro episódio
de PBE é de cerca de 9 meses, esta infecção
deve sempre motivar a colocação do paciente
em lista de espera para o transplante hepático.
Obs.: quando estes pacientes desenvolvem
novo episódio de PBE durante o uso de nor-
floxacina, a chance de que um germe Gram-
-positivo esteja envolvido é muito maior.
O ALUNO PERGUNTA...o
Estou com uma dúvida: o pa-
ciente precisa ter ascite para
receber profilaxia para PBE
após um quadro de sangramento?
Boa pergunta e que, como vários outros temas
na Medicina, nenhuma diretriz responde dire-
tamente! Está bem definido que o benefício do
uso de antibióticos é maior para os pacientes
com classe funcional avançada (e certamente
portadores de ascite, ainda que clinicamente
não identificável). Contudo, os demais pacien-
tes também se beneficiariam. Além disso, a
ideia central é a de que não só a PBE, mas
outras infecções podem ocorrer no cirrótico que
apresenta sangramento digestivo, a exemplo
das infecções urinárias e respiratórias e que
elas também seriam reduzidas. Assim, como
não existe nenhuma recomendação formal
para realizar USG e verificar se há ascite em
pacientes que sangram, o que se pode depre-
ender é que a profilaxia deve ser estendida a
todos os cirróticos e não apenas aqueles com
ascite confirmada.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2012
SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DE
SANTA CATARINA – SC
Sobre a Peritonite Bacteriana Espontânea
(PBE), considere os itens abaixo:
I. Contagem de leucócitos > 250/mm³ no líqui-
do ascítico é critério necessário para o diag-
nóstico de PBE.
II. O diagnóstico diferencial é com peritonite
bacteriana secundária e a segunda é mais
provável na presença de infecção polimicro-
biana do líquido ascítico.
III. Paciente cirrótico com ascite que tem um
episódio de sangramento por varizes esofági-
cas deve receber profilaxia antimicrobiana
primária para PBE.
Está(ão) CORRETO(S):
a) Apenas o item I.
b) Apenas os itens I e II.
c) Apenas os itens II e III.
d) Apenas o item II.
e) Todos os itens.
O critério citológico que permite firmar o
diagnóstico de PBE na prática é a presença de
> 250 POLIMORFONUCLEARES/ml de líquido
ascítico. Perceba que a afirmativa I se refere a
“leucócitos”, sem especificar o diferencial. Ora,
de um modo geral, na presença de 250 “leucó-
citos” espera-se encontrar menos de 250 poli-
morfonucleares (poderíamos, por exemplo, ter
80% de linfócitos e 20% de PMN). Logo, afir-
mativa I errada! O diagnóstico diferencial mais
importante da PBE é a peritonite bacteriana
secundária, causada, em geral, por perfuração
de uma víscera oca. Nesta situação, espera-se
uma infecção polimicrobiana do líquido ascítico,
respeitando a composição da microbiota pre-
sente no lúmen intestinal (afirmativa II correta).
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Cirurgia - Volume 1 64Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
Por fim, sabemos que após um episódio de
hemorragia digestiva alta, em um paciente com
cirrose descompensada, a chance de evolução
em curto prazo para PBE e outras infecções
decorrentes de translocação bacteriana intes-
tinal é extremamente elevada! Tão elevada a
ponto de justificar de rotina a instituição de
antibioticoprofilaxia primária (afirmativa III cor-
reta). Resposta: C.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DE
SÃO PAULO – UNIFESP
A complicação infecciosa tardia que se ca-
racteriza por dor e distensão abdominal após
hemorragia digestiva alta em paciente com
cirrose hepática é:
a) Pneumonia aspirativa.
b) Enterite necrotizante.
c) Peritonite bacteriana espontânea.
d) Colite pseudomembranosa.
e) Infecção urinária.
Simples, não? A complicação infecciosa
mais classicamente associada ao quadro de
hemorragia digestiva alta em cirróticos é a
PBE! Daí a necessidade de se instituir anti-
bioticoprofilaxiana vigência de sangramento.
Resposta: C.
Saiba maiS:
Além das peritonites primária e secundária,
temos ainda um terceiro tipo especial de pe-
ritonite: a relacionada à diálise. Como era de
se esperar pela fisiopatogenia – semelhante
a outras infecções por cateter – ela está as-
sociada a germes da pele, geralmente mono-
bacteriana (Staphylococcus spp). A apresen-
tação clínica revela dor abdominal e sinais de
peritonite e o líquido dialisado mostra-se
opaco e com mais de 1.000 leucócitos/µL,
sendo mais de 50% de polimorfonucleares. O
tratamento deve ser direcionado empiricamen-
te para S. aureus, S. coagulase-negativo e
Gram-negativo (ex.: cefazolina ou vancomici-
na + amicacina ou ceftazidima). A administra-
ção deve ser preferencialmente intraperito-
neal, de forma contínua (antibióticos forneci-
dos a cada troca) ou intermitente (1x/dia,
Peritonite Relacionada à
Diálise Peritoneal
devendo repousar na cavidade ao menos por
6h) e a resposta deve ocorrer em até cinco
dias de tratamento. Na ausência de resposta,
nas recidivas ou em caso de infecção fúngica
ou por micobactéria, a remoção do cateter
deve ser considerada. Outras terapias incluem
o uso de trombolíticos e a lavagem peritoneal.
A peritonite é a principal causa para substitui-
ção da diálise peritoneal pela hemodiálise.
Portanto, está indicada a expansão plasmática
com albumina como terapia adjuvante à antibio-
ticoterapia na dose abaixo:
• Albumina 1,5 g/kg nas primeiras seis horas
da detecção e 1 g/kg no terceiro dia de tra-
tamento. Esta dose é empírica e não deve
exceder 100 g/dose.
Outras Complicações da Ascite
• Celulite: trata-se de uma infecção comum
de partes moles em pacientes obesos com
edema acentuado. A probabilidade de ce-
lulite mostrou-se cerca de três vezes maior
que a de peritonite bacteriana espontânea
em pacien tes cirróticos com ascite durante
internação hospitalar.
• Hérnias da parede abdominal: são princi-
palmente umbilicais e incisionais, com grande
potencial de complicação e que devem ser
tratadas cirurgicamente. Para evitar a recor-
rência, o líquido ascítico deve ser removido
antes da cirurgia nestes casos. A ruptura é
a complicação mais temida. Na presença de
ulceração cutânea ou pontos pretos na pele,
a cirurgia deve ser realizada o mais breve
possível. As rupturas e o encarceramento
exigem cirurgia emergencial.
• “Hidrotórax Hepático”: condição comum nos
pacientes cirróticos em que aparece derrame
pleural geralmente unilateral e à direita, mas
que também pode ser bilateral e levar à difi-
culdade respiratória. A origem parece estar
num defeito no hemidiafragma direito. Como
as pressões hidrostáticas são um pouco di-
ferentes da que existe no sistema porta, o
líquido pleural tende a apresentar concentra-
ção proteica maior que a do líquido ascítico.
O tratamento consiste na restrição de sódio
e diuréticos. Casos refratários podem ser
tratados com shunt peritônio-venoso, TIPS,
pleurodese com tetraciclina, reparo cirúrgico
do hemidiafragma ou transplante hepático.
• Ascite “Tensa”: grandes volumes de ascite
podem cursar com dificuldade respiratória e
de alimentação, devendo ser drenados com
urgência. Ao contrário do que se pensava em
termos de uma descompensação hemodinâ-
mica catastrófica, grandes volumes de até 20
L podem ser retirados pela paracentese.
Saiba maiS:
Embora só conste na última diretriz da
AASLD e não nas principais referências de
prova, a grande indicação de albumina como
profilaxia da SHR seria naqueles pacientes
com PBE que tivessem também creatinina
> 1 mg/dl, BUN > 30 mg/dl (ureia > 64 mg/
dl) ou bilirrubina total > 4 mg/dl.
proFilAxiA dA SHr
A PBE pode levar à disfunção renal em 33%
dos pacientes, pela diminuição do fluxo san-
guíneo renal após vasodilatação esplâncnica
mediada por óxido nítrico. Em um grande en-
saio clínico, a albumina se mostrou eficaz na
redução da disfunção renal e no aumento da
sobrevida, graças aos seus efeitos benéficos
sobre o volume intravascular (aumento da
pressão oncótica).
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http://#videomiolo=15557-VIDEO_15_MEDCIR01_2018
Cirurgia - Volume 1 65Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
ESTUDO DIRIgIDO 2
vARIZES ESOFAgOgáSTRICAS
QUADRO DE CONCEITOS
CONCEITO: Formadas por uma circulação co-
lateral a partir da v. gástrica esquerda, tributária
do sistema porta, em direção ao esôfago distal/
fundo gástrico.
FATORES DE RISCO PARA
SANGRAMENTO:
- Disfunção Hepática (Child B e C);
- Hipertensão porta (> 12 mmHg);
- Calibre (F2/F3);
- Sinais “vermelhos” endoscópicos;
- Presença de ascite volumosa;
- Elastografia transitória e contagem plaquetária.
LOCALIZAÇÃO MAIS COMUM: 1/3 distal.
ABORDAGEM
Situação 1 = Nunca Sangrou = Profilaxia
1ª do Sangramento
• Betabloqueador não seletivo (propranolol, na-
dolol, carvedilol) ou ligadura elástica venosa.
Situação 2 = Sangramento
- Estabilização hemodinâmica.
- Controle do Sangramento (endoscopia; vaso-
constrictor; tamponamento por balão; TIPS;
Cirurgia).
A terapia endoscópica não é eficaz para as
varizes gástricas (exceto quando uso de
cianoacrilato) ou para a gastropatia hiper-
tensiva portal.
- Prevenir complicações.
• Ressangramento por varizes (profilaxia 2ª
do sangramento): betabloqueador + ligadura
elástica venosa.
• PBE: ceftriaxone/norfloxacino (ver no ED1
– “Ascite”).
TRATAMENTO INVASIVO DA HIPERTEN-
SÃO PORTA
• TIPS (shunt portocava intra-hepático trans-
jugular).
• Cirurgias:
(1) Shunt portossistêmico: não seletivo; par-
cial e seletivo.
(2) Cirurgias de desvascularização.
65
Introdução
A Hemorragia Digestiva Alta (HDA) por
ruptura das varizes de esôfago pode se
manifestar como hematêmese ou melena
e surge de forma inesperada, sem fato-
res precipitantes ou dor.
Além do quadro hemodinâmico, marcado por
hipotensão e choque, a HDA pode levar a (1)
broncoaspiração e hipoxemia; (2) precipitação
de encefalopatia hepática pelo aumento da
produção de amônia e substâncias nitroge-
nadas (degradação intestinal das proteínas
do sangue); (3) precipitação da síndrome he-
patorrenal; (4) facilidades para translocação
de micro-organismos entéricos, predispondo
ao desenvolvimento de Peritonite Bacteriana
Espontânea (PBE).
Como acabamos de ver, o mecanismo é ób-
vio. A hipertensão dos vasos que compõem
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Cirurgia - Volume 1 66Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
o sistema porta determina, naturalmente, o
seu ingurgitamento...
Figura 1: Situação especial – um determi-
nado tecido (esôfago distal / fundo gás-
trico) apresenta drenagem venosa para
ambos os sistemas (Porta e Cava). No caso
de obstrução de um deles, este tecido
tem o seu fluxo invertido e passa a ser
um local de Shunt... O alto fluxo e a hi-
pertensão venosa resultante originam as
clássicas varizes.
Para entendermos a importância do tema,
selecionamos alguns dados estatísticos:
• A ruptura das varizes esofágicas é a mais
importante complicação da hipertensão porta,
tendo as varizes uma prevalência de 30% no
momento do diagnóstico de cirrose e de 60%
quando a cirrose vem acompanhada de ascite.
• Dentre os portadores de varizes, 1/3 apre-
senta sangramento.
• O ressangramento ocorre em 60% dos pa-
cientes em um período de apenas um ano,
com letalidade de 30% em cada episódio.
O risco é máximo nos primeiros dias após o
sangramento e diminui gradativamente nas
próximas seis semanas, quando volta aos
níveis pré-hemorrágicos.
• Pacientes com sangramento por cirrose mor-
rem mais que por outras causas.
Fatores de Risco para o
Sangramento
Os principais preditores de sangramento por
varizes são:
1- grAu de inSuFiciênciA HepáticA
pelA clASSiFicAção de cHild-pugH
Você pode se questionar: mas Child-Pugh
não é para definir disfunção celular? O que
isso teria a ver com varizes hemorrágicas? Na
verdade, esta classificação foi desenvolvida
inicialmente para avaliar o desfecho de pa-
cientes submetidos às cirurgias de derivação
portossistêmica (veremos adiante) e, a partir
daí, utilizada de forma geral emhepatopatas.
Mas fica fácil de entender que quanto mais
avançada é a disfunção, pior a discrasia e
maior a chance de ter hipertensão porta as-
sociada. Assim, pacientes a partir da classe B
estão sob risco mais elevado de sangramento.
2- grAu de HipertenSão portA
Acabamos de ver que a hipertensão porta é
definida quando o gradiente de pressão no
sistema está acima de 5 mmHg. No entanto,
vimos também que as varizes só começam a
aparecer quando chega aos 10 mmHg, com
risco de ruptura ao ultrapassar 12 mmHg.
3- cAliBre e locAlizAção dAS VArizeS
A graduação das varizes de acordo com o ta-
manho é muito útil para indicarmos profilaxia
primária ou não, sendo a presença de varizes
de grosso calibre uma indicação. Embora seja
um tema muito específico e sem um padrão
universalmente aceito, observe uma das
classificações de acordo com o seu tamanho:
F1 (pequeno calibre): pequenas varizes não
tortuosas (< 3 mm)
F2 (médio calibre): varizes aumentadas e tor-
tuosas que ocupam < 1/3 do lúmen (3-5 mm)
F3 (grosso calibre): varizes grandes e tor-
tuosas que ocupam > 1/3 do lúmen (> 5 mm)
*Utiliza-se como parâmetro, na prática, uma pinça
de biópsia aberta (= 5 mm)
Quanto à localização, devemos entender
que, por conta da vasta circulação colate-
ral, varizes podem se formar em qualquer
segmento do tubo digestivo. No entanto, o
local mais comum de sangramento é o ter-
ço inferior do esôfago (85% das rupturas). As
varizes gástricas podem ser isoladas (IGV)
ou associadas às esofágicas (GOV – achado
mais comum). Veja a questão da UERJ a se-
guir. Devemos atentar para o fato de que as
varizes gástricas podem se confundir com as
pregas mucosas e não serem reconhecidas.
A endoscopia digestiva alta deve sempre
ser realizada nos casos de sangramento!!!
Além das possibilidades terapêuticas, uma
de suas funções é afastar outras fontes de
sangramento, como a doença ulcerosa pép-
tica, síndrome de Malory-Weiss... Dentre
essas condições, uma tem especial impor-
tância por conta de suas particularidades:
a Gastropatia Hipertensiva Portal (GHP)...
Esta é uma condição caracterizada por alte-
rações na mucosa do estômago também re-
lacionadas à hipertensão porta. À endosco-
pia, é descrita como uma mucosa com áreas
esbranquiçadas reticulares entremeadas a
http://#scrolldown
Cirurgia - Volume 1 67Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
áreas róseas (por vezes sangrantes), dando
o aspecto de “pele de cobra”. Sua principal
forma de apresentação é a perda crônica
de sangue pelo trato gastrointestinal, algu-
mas vezes com intensa anemia. Todavia,
não são raros os casos de hematêmese e
melena com instabilidade hemodinâmica!
Histologicamente, observam-se dilatações
dos capilares e vênulas da mucosa. O
sangramento da GHP é difuso por toda a
mucosa gástrica, não respondendo ao tra-
tamento antiácido das doenças pépticas e
de difícil controle pelo método endoscópico.
O controle é obtido com fármacos, TIPS e
as derivações cirúrgicas.
Para complementar o tema...
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2012
FACULDADE DE MEDICINA DE
PETRÓPOLIS – RJ
Paciente do sexo masculino, 45 anos, com
quadro de cirrose hepática decorrente de
alcoolismo crônico, é submetido à medição
de pressão portal com resultado final de 13
mmHg. Qual complicação da cirrose he-
pática tem maior probabilidade de ocorrer
neste paciente?
a) Trombose de veia esplênica.
b) Encefalopatia hepática.
c) Hepatite fulminante.
d) Hemorragia digestiva alta varicosa.
Vamos marcar este conceito: níveis de
pressão portal superiores a 10 mmHg levam
ao surgimento de circulação colateral portos-
sistêmica e de varizes esofágicas e gástri-
cas. A partir de 12 mmHg, por sua vez, o que
temos é o aumento significativo do risco de
hemorragia digestiva decorrente da ruptura
das varizes. Melhor resposta: item D.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2008
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO
RIO DE JANEIRO – UERJ
As varizes gástricas decorrentes, geralmente,
da hipertensão portal são amplamente classi-
ficadas em gastroesofágicas e gástricas iso-
ladas. As varizes gástricas isoladas são, por
sua vez, subclassificadas. Aquelas situadas
no fundo gástrico são do tipo:
a) I.
b) II.
c) III.
d) IV.
Localização
Varizes
gastroesofágicas
(GOV)
Varizes gástricas
isoladas (IGV)
Tipo
1
2
1
2
Descrição
Continuação pela
pequena curvatura
do estômago
Continuação pela
grande curvatura do
estômago
Localizadas no
fundo gástrico
Varizes gástricas
isoladas que ocor-
rem em qualquer lo-
cal do estômago
Resposta A.
4- SinAiS endoScópicoS
Outros achados endoscópicos, além da lo-
calização e do calibre, podem ser preditores
de sangramento, conhecidos como manchas
vermelhas, sendo os principais:
• Cordões avermelhados sobre as varizes
(marcam diminuição da espessura epitelial);
• Pontos hematocíticos (Hematocystic points).
Saiba maiS:
A partir da obtenção de alguns desses dados,
um trabalho publicado na New England suge-
riu o cálculo de um escore para avaliar a pro-
babilidade (em percentual) de sangramento
por varizes. Veja abaixo:
“Sinais
Verme-
lhos”
na EDA
Child A Child B Child C
F1 F2 F3 F1 F2 F3 F1 F2 F3
- 6 10 15 10 16 26 20 30 42
+ 8 12 19 15 23 33 28 38 54
++ 12 16 24 20 30 42 36 48 64
+++ 16 23 34 28 40 52 44 60 76
5- AScite VolumoSA
A presença de ascite de grande volume é mais
um fator que aponta para doença hepática
avançada e também está associada a episódios
mais frequentes de sangramento por varizes.
6- elAStrogrAFiA trAnSitóriA (et)
Pacientes com valores na ET < 20 kPa e con-
tagem plaquetária > 150.000 apresentam ris-
co muito baixo de precisarem de tratamento
para varizes esofagogástricas. Assim, a última
diretriz sobre o tema traz que o rastreamento
endoscópico seria desnecessário nesses ca-
sos. Eles deveriam ser seguidos apenas com
contagem plaquetária e ET anuais.
http://#scrolldown
Cirurgia - Volume 1 68Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
Saiba maiS:
Uma revisão da revista The New England
Journal of Medicine trouxe que, para a es-
tratificação de pacientes cirróticos, alguns
métodos menos invasivos podem se mos-
trar vantajosos nos próximos anos, como a
cápsula endoscópica e a relação contagem
de plaquetas/tamanho esplênico na USG
(em mm). Neste último método, uma relação
acima de 909 traria baixa probabilidade de
existirem varizes. De qualquer forma, o me-
lhor método de estratificação permanece a
medida do gradiente de pressão portal, com
pior prognóstico para aqueles com medidas
acima de 20 mmHg.
Saiba maiS:
Além dos betabloqueadores não seletivos, ou-
tras drogas potencialmente benéficas também
já foram descritas. Entre elas, nitrato e sinvas-
tatina (pela elevação do óxido nítrico na circu-
lação intra-hepática), prasozin/clonidina (pelo
bloqueio adrenérgico) e captopril/losartan (pelo
bloqueio da angiotensina). O grande problema
dos venodilatores, no entanto, é agravar a re-
tenção de sódio e a vasoconstricção renal.
ReSumindo...
A utilização de terapia betabloqueadora ou de
ligadura endoscópica naqueles que não toleram
os fármacos representa a melhor opção para a
profilaxia primária de sangramento no cirrótico.
Abordagem geral
Situação 1:
nuncA SAngrou = proFilAxiA
primáriA do SAngrAmento
Todo paciente com diagnóstico de cirrose
hepática deve ser avaliado por endoscopia
digestiva alta para que possamos verificar
a presença e graduar as varizes esofago-
gástricas. Ela deve ser repetida a cada 2-3
anos na ausência de varizes, 1-2 anos na
presença de pequenas varizes e anualmente
se Child-Pugh B/C.
A profilaxia está indicada nas seguintes si-
tuações:
- Varizes de médio e grande calibre (F2/F3); ou
- Varizes de pequeno calibre em pacientes
com alto risco de sangrar (Child B/C ou “pon-
tos avermelhados” na EDA).
Não há recomendação para a utilização de
profilaxia em pacientes sem varizes.
A profilaxia primária é feita com betabloquea-
dores (titulados para FC ou gradiente portal
como veremos em seguida) ou pela ligadura
endoscópica de varizes quando opaciente
não tolera o fármaco (broncoespasmo, blo-
queios cardíacos...).
Veja a seguir alguns detalhes dessas duas
modalidades aceitas:
A) BETABLOQUEADORES: Os mais estuda-
dos são o propranolol e o nadolol, mostrando
redução no sangramento e na mortalidade por
varizes. O grande efeito destes betabloquea-
dores não seletivos é levar à vasoconstricção
esplâncnica (bloqueia o efeito beta, predomina
o efeito alfa vasoconstrictor), isto é, dos órgãos
mesentéricos. A consequência é uma redução
do fluxo venoso que chega ao sistema porta
e da pressão portal. Lembre-se de que além
da obstrução, um dos mecanismos da HP é o
aumento do fluxo! Recentemente, o carvedilol
(capaz de inibir o efeito alfa-1-adrenérgico va-
soconstrictor) foi inserido entre as alternativas,
sendo considerado até mesmo como mais
efetivo que os demais e com a possibilidade
de ser bastante útil na titulação da dose para
aqueles que não toleram o propranolol.
Esquema: Propranolol, 20 mg 12/12h ou na-
dolol 20 mg/dia. A dose deve ser titulada até
uma FC de repouso entre 50-55 bpm.
B) LIGADURA ENDOSCÓPICA DE VARI-
ZES (LEV): é o método de escolha quando
o paciente não tolera betabloqueadores. É
realizada a cada 1-2 semanas até obliteração
do vaso. Em seguida, faz-se vigilância endos-
cópica com EDA 1-3 meses depois e conse-
cutivamente, a cada 6 meses.
Figura 2
Situação 2:
SAngrou
=
eStABilizAção HemodinâmicA + interromper
o SAngrAmento + preVenir complicAçõeS
a) Estabilizar a “hemodinâmica”
do Paciente
Como veremos dentro do módulo de “Hemor-
ragia Digestiva”, a primeira conduta é sempre
a estabilização clínica!!! Em qualquer quadro
de hemorragia digestiva, o primeiro passo é a
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Cirurgia - Volume 1 69Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
reposição com solução cristaloide ou mesmo
sangue nos quadros de HDA maciça. Um cui-
dado a ser tomado é com base na reposição
excessiva de líquidos que pode aumentar a
pressão portal, aumentando o sangramento!
A hemoglobina deve ser mantida entre 7-8 g/
dl. Embora se indique plasma fresco conge-
lado no caso de discrasia associada à cirrose
(principalmente se INR > 1,7), não se tem
uma base de dados devidamente comprovada
para estabelecer o manejo da coagulopatia/
trombocitopenia no cirrótico.
Na prática, podemos classificar a intensidade do
episódio de HDA em leve, moderada e maciça.
HDA Leve: não há alterações hemodinâmicas.
HDA Moderada: hipotensão reversível com a
administração de sangue em até 1h.
HDA Maciça: Choque hipovolêmico após 1.000
ml na primeira hora ou 2.000 ml de sangue nas
primeiras 24h, com hemoglobina ≤ 8 g/dl.
Apenas depois da estabilização clínica é que
podemos pensar nos próximos passos. Então
vamos continuar...
que provocam irritação na parede vascular e
subsequente trombose. As drogas emprega-
das são o oleato de etanolamina a 2,5-5%,
o polidocanol a 0,5-1%, tetradecilsulfato de
sódio a 1-3%, ou o morruato de sódio a 5%.
Trata-se de uma estratégia particularmente
utilizada no sangramento de grande monta.
A injeção do adesivo tissular (cianoacrilato) é
outra técnica que vem sendo utilizada, princi-
palmente nas varizes gástricas (ver “observa-
ções” a seguir) em que o efeito esperado pela
terapia endoscópica é menor.
Na Ligadura Elástica ou Ligadura Endoscó-
pica de Varizes (LEV) ocorre estrangulamento
do vaso varicoso, e o sangramento cessa. A
ligadura elástica encontra-se associada a uma
obliteração mais rápida das varizes e tem sido
o método preferido pelos endoscopistas, pelo
menor potencial de complicações!!! A principal
complicação (porém incomum) é a ulceração mu-
cosa, que pode provocar sangramento em 20%
dos casos e requer uma mudança no tratamento.
Outras complicações incluem: febre baixa, disfa-
gia temporária, derrame pleural assintomático e
dor torácica retroesternal. A perfuração esofágica
é rara e a mais temida das complicações.
Observações...
É importante ressaltar que todas essas
modalidades de terapia endoscópica são
altamente eficazes para a hemorragia digestiva
alta decorrente de sangramento por varizes
esofagianas, mas não por varizes gástricas.
Estas são varizes maiores e mais extensas e
que repousam profundamente na submucosa
e, portanto, a terapia endoscópica com
escleroterapia ou ligadura, quando utilizada,
é menos efetiva. As varizes de fundo gástrico,
inclusive, fazem sangramentos mais graves e
estão associadas a maior mortalidade. Nesses
casos, os melhores resultados são encontrados
com a injeção via endoscópica sobre o vaso do
adesivo de cianoacrilato, substância líquida que
se polimeriza e solidifica quando em contato
com o sangue. Injeções de trombina humana
também despontam como terapia promissora.
Na indisponibilidade desses agentes, o grande
tratamento é a terapia farmacológica, seguida
de TIPS ou cirurgia nos casos refratários.
Outros casos particulares são os sangramentos
de origem não varicosa, como na colopatia portal
e, mais comumente, a Gastropatia Hipertensiva
Portal (GHP). A GHP, mais comum no corpo
e fundo gástrico, por sua natureza difusa e
relacionada a dilatações de capilares e vênulas
da mucosa gástrica, também não responde
ao tratamento endoscópico. Assim, o melhor
tratamento se faz com drogas redutoras da
pressão porta, tanto de forma aguda com as
drogas parenterais (terlipressina, octreotide,
somatostatina) como de forma crônica com os
Betabloqueadores (BB). O uso do propranolol
mostrou reduzir sangramentos ativos, risco
de ressangramento e o aspecto endoscópico
da gastropatia em cirróticos. Felizmente, na
GHP temos geralmente hemorragia crônica de
pequena monta e anemia, permanecendo o
tratamento baseado na reposição de ferro e uso
de BB, restando o TIPS, ou mesmo a cirurgia,
para os quadros mais graves.
b) Interromper o Sangramento
1- Endoscopia
2- Drogas
3- Balão
4- TIPS
5- Cirurgia
1- terApiA endoScópicA
Os procedimentos empregados podem ser a
Escleroterapia ou a Ligadura Elástica. Cerca
de 50-60% dos episódios de hemorragia por
varizes cessam de maneira espontânea. En-
tretanto, a hemostasia endoscópica torna-se
sempre necessária, mesmo em vasos que já
pararam de sangrar, devido ao elevado risco
de ressangramento precoce. O tratamento
endoscópico controla o sangramento das va-
rizes em 85-90% dos casos. O ideal é que a
terapia seja iniciada nas primeiras 12 horas
da apresentação e, na ausência de contraindi-
cações (Ex.: intervalo QT alargado), deve ser
considerada a administração de eritromicina
2h antes como procinético.
A Escleroterapia Endoscópica tem como
princípio a injeção nas varizes ou na região
paravariceal de substâncias esclerosantes,
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http://#videomiolo=15557-ECIR204069
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Cirurgia - Volume 1 70Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
2- terApiA FArmAcológicA
A terapia com vasoconstrictores esplâncnicos
reduz o fluxo sanguíneo e a pressão portal
sendo, portanto, uma boa opção para contro-
lar a hemorragia aguda. A vasopressina foi
substituída por conta de seus efeitos adversos
(vasoconstricção coronariana, hiponatremia,
insuficiência renal, isquemia mesentérica).
Atualmente, a somatostatina e seus análo-
gos octreotídio e vapreotide tornaram-se os
agentes “preferidos” ao lado da terlipressina
(análogo sintético da vasopressina) que tem
atividade biológica mais prolongada. Eles são
iniciados na admissão (de preferência antes
mesmo da endoscopia) e continuados por dois
a cinco dias... Vejamos as doses empregadas:
• Octreotídio : bolus de 50 µg + ma-
nutenção de 50 µg/h.
• Somatostatina : 250 µg + infusão
contínua 250 µg/h.
• Terlipressina : 2 mg a cada 4 horas
até parar o sangramento.
Figura 3A: Balão de Minnesota.
Figura 3B: Prótese autoexpansí-
vel esofágica.
3- tAmponAmento por BAlão
O balão de Sengstaken-Blakemore* (três lu-
zes) ou o de Minnesota (quatro luzes – FIGU-
RA 3A) são indicados apenas nos pacientes
comsangramento vultoso incontrolável pela
endoscopia ou em locais em que a endosco-
pia não se encontra disponível. É um procedi-
mento eficaz (para o sangramento em > 90%
dos casos), porém o retorno do sangramento
após a desinsuflação do balão é frequente.
Os balões gástrico e esofágico não devem
ficar insuflados por mais de 24h, em função
das possíveis complicações como ulcerações
ou ruptura esofágica. Está sempre indicada a
intubação orotraqueal antes da colocação des-
sas sondas, pelo risco de aspiração pulmonar.
Atualmente, uma opção que vem se mostran-
do mais segura que o balão são as próteses
esofágicas auto-expansíveis (self-expandable
metal stents – FIGURA 3B).
*Técnica: O BSB possui três lúmens (para
encher o balonete gástrico, o balonete esofá-
gico e para aspiração gástrica). Modelos novos
possuem um quarto lúmen para aspiração
esofágica... O dispositivo deve ser passado
até o estômago e inflado o balonete gástrico
com 250 ml de ar, sendo duplamente pinçado;
após devida tração do BSB, é colocado um
peso com 500 ml de soro para mantê-lo tra-
cionado. O balonete esofágico então é inflado
com 40 mmHg de pressão de ar, sendo tam-
bém pinçado. Parece que o efeito hemostático
mais importante do BSB deve-se ao balonete
intragástrico tracionado!
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2015
FUNDAÇÃO JOÃO GOULART
HOSPITAIS MUNICIPAIS – RJ
O balão de Sengstaken-Blakemore é utilizado
na seguinte emergência médica:
a) Ruptura de aneurisma da aorta.
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Cirurgia - Volume 1 71Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
b) Obstrução urinária por tumor.
c) Hidronefrose secundária à calculose.
d) Sangramento de varizes esofagianas.
O famoso, mas cada vez menos utilizado,
balão de Sengstaken-Blakemore é reserva-
do para casos de hemorragia digestiva alta
vultuosa por ruptura de varizes de esôfago,
nos quais a terapia endoscópica ou não está
disponível ou não obteve sucesso no controle
do sangramento. Resposta: letra D.
4- tipS
A TIPS (Transjugular Intrahepatic Porto-sys-
temic Shunt), conforme será descrito adiante,
consiste na colocação de um stent entre a
veia Hepática e a veia Porta. Uma experiên-
cia cada vez maior se dá com a colocação
da TIPS durante episódios agudos de san-
gramento por varizes, com trabalhos mos-
trando sucesso do procedimento acima de
95%! Recentemente, mostrou-se o benefício
da realização precoce da TIPS nos pacientes
de alto risco (Child C, Child B com sangra-
mento ativo, gradiente portal > 20 mmHg),
dentro das primeiras 24-72 horas de admis-
são. Habitualmente, nos centros especializa-
dos, ela é indicada nos casos de hemorragia
refratária aos métodos convencionais e tam-
bém como opção à cirurgia de emergência
(derivações portossistêmicas não seletivas).
5- cirurgiA
Como estes pacientes estão frequentemente
descompensados do ponto de vista clínico
(encefalopatia, coagulopatia, desnutrição...),
o tratamento de emergência sempre que
possível não deve ser cirúrgico! A principal
desvantagem da cirurgia de emergência é
alta taxa de mortalidade que alcança 25%
em algumas séries. Por conta disso, a TIPS
atualmente superou este procedimento na
maioria dos casos.
Mais à frente veremos alguns detalhes dos
principais procedimentos cirúrgicos disponíveis,
que consistem basicamente em realizar deri-
vações do sistema porta para o sistema cava.
Entre todas as modalidades apresentadas,
qual devemos escolher preferencialmente?
O tratamento mais efetivo para o sangramen-
to agudo é a terapia combinada: endoscópica
+ farmacológica. Nos casos em que a endos-
copia não estiver disponível ou o sangramen-
to for muito intenso, podemos utilizar o tam-
ponamento por balão até que outros procedi-
mentos mais invasivos sejam realizados.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2012
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – BA
Homem, 42 anos de idade, com esquistosso-
mose hepatoesplênica e hipertensão portal
previamente diagnosticados, apresentou, há
quatro horas, hematêmese copiosa. No trata-
mento imediato desse paciente, é INCORRE-
TO afirmar:
a) A endoscopia digestiva alta só deve ser fei-
ta após estabilização hemodinâmica.
b) O uso de propranolol controla o sangra-
mento, antes da hemóstase endoscópica.
c) O uso de octreotide controla o sangramen-
to, antes da hemóstase endoscópica.
d) O uso de inibidores de bomba de próton, por
via parenteral, está indicando.
e) A esclerose endoscópica de varizes tem indi-
cação, na impossibilidade de ligadura elástica.
Frente a um paciente com sangramento di-
gestivo alto, nossa primeira conduta deve con-
sistir na estabilização hemodinâmica e respira-
tória do paciente. Antes de se realizar a endos-
copia digestiva, devemos iniciar a terapia farma-
cológica com vasoconstritores esplâncnicos
intravenosos, como a terlipressina e o octreotide.
Feito isso, a EDA deve ser iniciada preferencial-
mente nas primeiras 12-24 horas, visto que a
terapia endoscópica é a conduta de escolha para
a HDA decorrente da ruptura de varizes de esô-
fago, podendo ser feita através de ligadura elás-
tica (método com menos complicações) ou es-
cleroterapia (útil nos sangramentos ativos devi-
do a sua maior facilidade de execução). Os ini-
bidores de bomba de próton podem ser admi-
nistrados no contexto de sangramento digestivo
alto, pois nada impede que este paciente, por-
tador de varizes de esôfago, esteja sangrando
por conta de uma úlcera péptica (visto que mes-
mo em pacientes cirróticos, a úlcera péptica
também apresenta alta incidência). Dentre as
alternativas apresentadas, apenas o uso de be-
tabloqueadores não está indicado no momento
do sangramento, possuindo papel fundamental
nas profilaxias primária e secundária da hemor-
ragia por varizes. Resposta: letra B.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2012
SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE DO
RIO DE JANEIRO – SES/RJ
Paciente de 42 anos, etilista pesado (80 g
de álcool/dia, há 18 anos), nega doenças
prévias e uso de medicações. Admitido no
pronto-socorro com dor abdominal, hematê-
mese e melena há 1 dia. Ao exame: PA: 85 x
60 mmHg, FC: 104 bpm, Hipocorado ++/4+,
desidratado +/4+, confuso, com flapping.
Abdome globoso, difusamente doloroso à
palpação, com ascite discreta ao exame clí-
nico. Baseado neste caso clínico, todas as
condutas estão corretas, EXCETO:
a) Iniciar propranolol dentro das primeiras 12
horas, para diminuir o risco de ressangramento.
b) A endoscopia digestiva alta deverá ser rea-
lizada em até 12 horas após admissão.
c) Uso de octreotide endovenoso está indicado
devido à suspeita de sangramento por ruptura
de varizes esofagogástricas, mesmo antes da
realização da endoscopia digestiva alta.
d) O uso de lactulose está indicado.
Em primeiro lugar, ninguém teve dúvidas
de que este paciente, etilista pesado, que
chega à emergência com ascite, hematême-
http://#scrolldown
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Cirurgia - Volume 1 72Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
se, melena e sinais de encefalopatia hepática
é portador de cirrose alcoólica e muito pro-
vavelmente está apresentando um episódio
de hemorragia digestiva alta por varizes de
esôfago. No entanto, muitos alunos acharam
que esse paciente deveria receber proprano-
lol à admissão, e erraram! Em primeiro lugar,
devemos ressaltar que a redução do risco de
ressangramento proporcionada pelo betablo-
queador em portadores de varizes de esôfa-
go é a LONGO PRAZO! Além disso, o uso
do betabloqueador deve ser iniciado apenas
após a estabilização clínica do paciente (ele
está hipotenso)! Ou seja, dentre as opções
citadas, a única que não é PRIORITÁRIA no
manejo inicial do paciente (pelo contrário, nem
é indicada) é o betabloqueador. No momen-
to, representam prioridade as medidas para
manejo do sangramento (vasoconstrictor +
terapia endoscópica), o que é descrito nas
opções B e C. Para completar, considerando
a presença de encefalopatia à admissão, uma
das medidas que pode ser tomada é o uso da
lactulose (opção D). Resposta: A.
Ainda em relação ao caso clínico anterior,
marquea alternativa INCORRETA:
a) A paracentese diagnóstica deve ser reali-
zada à admissão hospitalar.
b) A contagem maior ou igual a 250 polimorfo-
nucleares/mm3 de líquido ascítico é diagnosti-
ca de peritonite bacteriana espontânea (PBE).
c) A hemorragia digestiva alta é fator predis-
ponente para o desenvolvimento de PBE.
d) Caso se confirme o diagnóstico de PBE,
deverá ser realizado paracentese de controle
após 48 horas de tratamento antibiótico, mes-
mo se houver melhora clínica.
Mais uma questão que “pegou” alguns alu-
nos, que brigaram com a questão e marcaram
a letra B como incorreta, alegando que devería-
mos esperar a cultura positiva do líquido ascíti-
co, para só então dar o diagnóstico de PBE! Em
primeiro lugar, ninguém teve dúvidas de que um
paciente cirrótico que interna descompensado
deve ser submetido à paracentese diagnóstica
para exclusão de PBE. Ainda mais conside-
rando que a hemorragia digestiva aumenta a
translocação bacteriana e consequentemente
o risco de infecção do líquido ascítico. Ou seja,
A e C corretas. A principal causa de dúvida foi
a opção B. Vamos lá: todo paciente com 250
ou mais polimorfonucleares/mm3 no líquido as-
cítico recebe IMEDIATAMENTE o diagnóstico
PRESUNTIVO de PBE e começa a ser tratado
com antibiótico! Em resumo, como a cultura vai
levar pelo menos 48h para dar algum resultado,
o diagnóstico já pode ser dado só pelo critério
dos polimorfonucleares e pode ser posterior-
mente mudado para ascite neutrofílica com o
resultado da cultura (caso negativa). B correta,
portanto. A paracentese de controle após 48
horas atualmente é preconizada apenas para
os pacientes que não melhoram ou que pioram
neste período, ou seja, a opção incorreta, a ser
marcada, é a letra D.
c) Prevenir Complicações
1- Peritonite Bacteriana Espontânea
2- Ressangramento
1- proFilAxiA dA peritonite
BActeriAnA eSpontâneA
Devemos iniciar antibioticoterapia para todos os
pacientes cirróticos com sangramento por vari-
zes tanto para prevenir infecções bacterianas
como para reduzir ressangramento e morte. A
profilaxia recomendada é a administração de
sete dias de antibióticos (inicialmente Ceftriaxo-
ne 1 g/dia IV, sendo substituída por Norfloxacino
400 mg 12/12h quando o sangramento estiver
controlado e o paciente tolerar a via oral).
2- proFilAxiA do reSSAngrAmento
A prevenção do ressangramento é de vital im-
portância, já que em um ano a chance de recor-
rência é de 60%, devendo ser feita antes da alta
hospitalar! Os melhores resultados são obtidos
com a redução monitorizada do gradiente de
pressão venosa hepática (< 12 mmHg). No en-
tanto, este método raramente está disponível e
a melhor terapia acaba sendo a combinação de
ligadura endoscópica venosa e betabloqueado-
res não seletivos. As LEV devem ser repetidas
a cada 2-4 semanas até que os vasos sejam
totalmente obliterados. Os betabloqueadores
são iniciados em torno do 6º dia, quando o qua-
dro inicial já foi estabilizado, podendo ser asso-
ciados a nitrato (mononitrato de isossorbida
20-80 mg/dia – o valor desta droga é mais defi-
nido para a profilaxia secundária de sangramen-
to que a primária). No entanto, uma vez que as
varizes tenham sido obliteradas, o benefício do
betabloqueador é reduzido, exceto nos pacien-
tes que tenham gastropatia hipertensiva portal.
Os shunts portossistêmicos têm sido cada vez
menos utilizados na prevenção da hemorragia
recorrente das varizes esofágicas.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2011
FUNDAÇÃO JOÃO GOULART
HOSPITAIS MUNICIPAIS – RJ
As principais manifestações clínicas de hiper-
tensão portal e de complicação frequente da
cirrose hepática incluem hemorragias de va-
rizes gastroesofágicas, esplenomegalia com
hiperesplenismo e encefalopatia hepática. A
terapia efetiva na prevenção da primeira he-
morragia e de episódios subsequentes é:
a) Vitamina K.
b) Propranolol.
c) Transfusão sanguínea.
d) Antibioticoterapia preventiva.
Recordando... A profilaxia de hemorragia por
varizes de esôfago pode ser primária ou secun-
dária. A primária é aquela realizada antes de
um episódio de sangramento. Está indicada,
http://#scrolldown
Cirurgia - Volume 1 73Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
sobretudo para pacientes com varizes a partir
de médio calibre ou pequeno calibre associada
à classe funcional Child B/C. Pode ser feita com
escleroterapia endoscópica OU droga. Caso a
escolha seja pela terapia medicamentosa, as
drogas de escolha são os betabloqueadores
não seletivos, em geral, o propranolol. Com
relação à profilaxia secundária, ela é feita após
o episódio de sangramento. Nesse caso, devem
ser usadas as terapias medicamentosa E en-
doscópica. Resposta: B.
RESUMINDO AS PROFILAXIAS:
PROFILAXIAS PRIMÁRIAS
CIRROSE
SANGRAMENTO
POR VARIZES
PBE
SÍNDROME HEPATORRENAL
PROFILAXIAS SECUNDÁRIAS
VARIZES...
PBE...
3 - proFilAxiA dA enceFAlopAtiA
HepáticA
Embora não haja recomendação formal para
serem iniciadas de rotina, a lactulose e a ri-
faximina poderiam ser usadas como profilaxia
para a encefalopatia hepática após episódio
de sangramento digestivo, segundo os bene-
fícios apresentados por alguns estudos.
ReSumindo...
A associação de terapia endoscópica por
ligadura elástica + terapia betabloqueadora
representa a melhor opção para a profilaxia
secundária de sangramento no cirrótico.
Ao longo dos anos, temos percebido uma
grande dificuldade entre os alunos para en-
tender esta parte do assunto. As descrições
garbosas e os desenhos pouco atrativos cer-
tamente são grandes obstáculos...
Não pule essa parte! Para todos nós do
Medgrupo, o gratificante é que, ao final des-
ta explicação, os alunos são uníssonos: Ah,
agora eu entendi as cirurgias para hiperten-
são porta!
Inicialmente, devemos entender que, apesar
de reduzirem a pressão porta e, por conse-
quência, a esplenomegalia (hiperesplenismo)
e a ascite, o principal objetivo dessas medidas
é reduzir o calibre das colaterais e o risco de
sangramento. Portanto, ao falar destas tera-
pias, estamos falando, na verdade, do trata-
mento das varizes hemorrágicas refratárias!!
As principais medidas de alívio da pressão no
sistema porta podem ser divididas em:
- Cirúrgicas: derivação portossistêmica e
cirurgias de desconexão ázigo-porta.
- Radiológicas: shunt portossistêmico
transjugular intra-hepático (TIPS).
Mas antes de começarmos a falar de cada
procedimento especificamente, seguindo
o nosso conceito do MED de simplificar o
entendimento das grandes cirurgias, vamos
partir para algo prático...
Pedimos a vocês que fechem os olhos e se
imaginem no século XIX:
Tratamentos Invasivos da hipertensão Porta
Já existia a hemorragia digestiva, é claro. E na-
quela época existia também um cirurgião – Dr.
Eck. Ele começou a desenvolver as primeiras
cirurgias voltadas para hemorragia digestiva
em cachorros. Imaginem então que vocês au-
xiliassem o Dr. Eck e fossem chamados para
operar um paciente com hipertensão porta e
sangramento refratário. Um problema apenas:
vocês não conhecem nenhuma técnica cirúr-
gica! Parem para pensar:
O que fariam?!
PASSO 1
entendendo o proBlemA
A primeira medida é entender o problema
que você tem à frente. De um lado, existe
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http://#page=296
http://#videomiolo=15557-VIDEO_20_MEDCIR01_2018
Cirurgia - Volume 1 74Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
um sistema venoso em alta pressão (Porta)
que está lhe causando problemas (varizes
hemorrágicas, ascite, hiperesplenismo...).
Do outro lado, um sistema de baixa pressão
(Cava) louco para “ajudá-lo”, recebendo
uma parte do fluxo sanguíneo. Perceba que
sua única função é unir os dois sistemas...
PASSO 2
unindo oS SiStemAS
A segunda etapa é questionar-se: de que
forma poderiam-se unir os sistemas? Racio-
cínio rápido e rasteiro: ligando os dois dire-
tamente! Muito bem, você acaba de deduzir
a primeira cirurgia descrita para hipertensão
porta: a derivação Portocava (fístula de Eck).
Portanto, o termo derivação portossistêmicanada mais é do que uma ligação entre a veia
porta e a circulação sistêmica (nesse caso,
o mesmo que veia cava inferior). Por des-
comprimirem todos os segmentos do sistema
porta, as primeiras cirurgias foram chamadas
de derivações não seletivas.
Contudo, os resultados não foram animado-
res... Graças à passagem direta do sangue do
intestino para a circulação sistêmica, a maior
parte dos pacientes desenvolvia encefalopa-
tia hepática e morria! Outras vezes, como era
interrompido o fluxo sanguíneo da veia porta
para o fígado, os hepatócitos sofriam isquemia
e o paciente morria de insuficiência hepática.
Muitos a apelidaram, por isso, como a cirurgia
de “portoCOVA”...
Assim, outros métodos de derivação portossis-
têmica tiveram de ser desenvolvidos. Métodos
estes que não permitissem a passagem direta
de todo o sangue venoso do sistema porta
para a veia cava.
Uma das ideias foi restringir o fluxo que pas-
saria entre estes sistemas. Ao invés de unir
um ao outro diretamente, eles seriam unidos
através de uma prótese aramada (derivação
parcial). Ficou muito melhor, mas ainda as-
sim não era suficiente... Em alguns pacientes,
havia trombose da prótese, recidivando os
sinais e sintomas da hipertensão portal; em
outros, a prótese se alargou, transformando
o shunt parcial em um shunt completo... De-
veria existir uma forma de reduzir ainda mais
o índice de complicações.
Até que foram criadas as derivações utilizan-
do apenas alguns dos segmentos do sistema
porta. Por exemplo, o cirurgião passou a ligar
algumas veias colaterais que formavam as
varizes hemorrágicas e desviar o fluxo pela
veia esplênica até a veia renal.
Essas derivações ficaram conhecidas como
derivações seletivas.
PASSO 3
e pArA quem não podiA operAr...
Por último, naqueles pacientes que não apre-
sentavam risco cirúrgico satisfatório ou que
simplesmente aguardavam a fila do trans-
plante (nesse caso, não seria bom mexer na
vasculatura hepática) foi criado um método
não cirúrgico, através da colocação de uma
prótese guiada por hemodinâmica, capaz de
unir a veia porta à veia cava (veja adiante).
Estavam definidas as bases do tratamento!
Entendida esta parte inicial – para todos
nós – a mais complexa, partimos agora
apenas para os detalhes técnicos destes
procedimentos.
1) TRATAMENTO CIRúRgICO
A) Derivações
Portossistêmicas (Shunts)
A) deriVAçõeS não SeletiVAS (totAiS)
São diversas as formas possíveis de fazer
este tipo de conexão. As principais podem ser
observadas na FIGURA 4.
Observações:
1) Com exceção da derivação terminolateral,
todas as outras mantêm a continuidade
do sistema porta. Dessa forma, são pro-
cedimentos que descomprimem tanto os
sinusoides intra-hepáticos como a circula-
ção venosa esplâncnica, sendo eficazes
também para o alívio da ascite.
2) As principais complicações destes méto-
dos são o ressangramento e a insuficiência
hepática acelerada.
3) Na derivação esplenorrenal convencional,
é realizada esplenectomia e comunicação
do “coto” da esplênica (que sobrou) com
a veia renal. Este “coto” é mais proximal e
trombosa mais, diferente do “coto distal”
que veremos a seguir.
4) A interposição de uma prótese ou enxerto au-
tógenos (trombosam menos) entre as duas
circulações pode ser colocada em diversas
posições e a mesocava é uma delas. Trata-
se de um método mais fácil, reversível e que,
por isso, atrapalha menos o transplante.
http://#scrolldown
Cirurgia - Volume 1 75Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
B) deriVAçõeS pArciAiS (cAliBrAdAS)
Utilizam descompressões menores, mais
estreitas. Enquanto nas derivações não sele-
tivas (totais), a comunicação portossistêmica
tem um diâmetro médio de 16 mm, o segredo
das derivações parciais é a interposição de
uma prótese com diâmetro < 10 mm, o que
restringe parcialmente o fluxo. Assim, embora
haja descompressão varicosa, o fluxo portal
em direção ao fígado apenas se reduz, em
vez de acabar. O risco de encefalopatia e de
disfunção hepática progressiva é bem menor
do que nas derivações não seletivas!
c) deriVAçõeS SeletiVAS
O grande exemplo é a Derivação Esplenorre-
nal Distal (cirurgia de Warren). Nesta cirurgia,
a veia esplênica é desconectada das veias
porta e anastomosada na veia renal esquer-
da, enquanto que as veias gástrica esquerda
e gastroepiploicas são ligadas. Isso provoca
uma descompressão portal compartimentali-
zada (somente do território esofagogástrico e
esplênico), enquanto que o fluxo mesentérico
-porto-hepático é mantido em sua totalidade.
É uma cirurgia inteligente: ao mesmo tempo
em que se descomprimem as varizes eso-
fagogástricas, o fluxo porta em direção ao
fígado é mantido, preservando-se a “primeira
passagem” e, desta forma, evitando-se a en-
cefalopatia hepática.
A
B
A) Derivação portocava terminolateral
(fístula de Eck).
B) Derivação portocava laterolateral.
C
d
Figura 4: Cirurgias de derivação portossistêmicas não seletivas.
C) Derivação esplenorrenal central (con-
vencional).
D) Derivação mesocava; mesorrenal e por-
tocava (shunt de largo diâmetro).
Apesar desses benefícios, você consegue
imaginar os grandes problemas dessa
cirurgia?
(1) Ascite refratária: como a hipertensão in-
trassinusoidal é mantida, a ascite pode
inclusive piorar graças à lesão de algumas
importantes vias linfáticas durante a dis-
secção da veia renal esquerda.
(2) Esplenectomia prévia: Um “coto” com < 7
mm de diâmetro é contraindicação relativa
pelo alto risco de trombose.
Figura 5: Shunt Parcial.
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Cirurgia - Volume 1 76Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
Figura 6: Derivação Esplenorrenal-
-Distal.
B) Desconexão ázigo-Portal
Existem outros tipos de cirurgia no tratamento
da hipertensão portal que não envolvem as de-
rivações, isto é, que não promovem diretamente
a redução da pressão porta. São as chamadas
cirurgias de desconexão ázigo-portal ou desvas-
cularização. A ideia delas é ainda mais simples!
Se a hemorragia ocorre apenas porque existem
veias hipervolêmicas e prontas a se romperem,
por que não ligá-las diretamente e ainda associar
a esplenectomia para curar o hiperesplenismo?
Pois é justamente isso. Faremos a interrupção
das veias na parede externa do esôfago e do
estômago ou atuaremos internamente, pela
abertura do esôfago e do estômago com su-
tura direta das varizes. A variação que pode
ocorrer com esses procedimentos é o que
diferencia uma técnica da outra.
O grande exemplo é a cirurgia de Sugiura
(FIGURA 7A). O procedimento começa com
uma toracotomia lateral esquerda para que
seja realizada a desvascularização do esôfa-
go, desde a veia pulmonar inferior até o hia-
to esofágico. O que se faz, na verdade, é a
interrupção de pequenas veias comunican-
tes que existem na circulação periesofágica.
A ligação é feita junto à emergência dessas
veias na veia periesofágica, que permanece
intacta. Essa é uma característica importante
do procedimento. Uma vez que as veias pa-
raesofagianas são preservadas, permite-se o
escoamento de sangue até o sistema ázigo,
garantindo-se a descompressão das varizes,
ao mesmo tempo em que se evita a recidiva
do sangramento. A parte venosa que pene-
tra na musculatura do órgão é arrancada com
pinça hemostática. Complementando o proce-
dimento, temos ainda a transecção esofágica
com anastomose do esôfago (FIGURA 7B) e
uma laparotomia quatro a seis semanas de-
pois, em que se faz a desvascularização da
pequena e grande curvatura, esplenectomia,
vagotomia e piloroplastia.
Atualmente a técnica descrita por Sugiura foi
modificada para ser completamente realizada
em apenas um tempo, através do acesso ab-
dominal. Aqui, apenas as veias comunicantes
da parte distal do esôfago são ligadas com au-
xílio de clipes e a ressecção e anastomose do
esôfago ficam a cargo de um grampeador cir-
cular. Os procedimentos do tempo abdominal
permanecem os mesmos.
Figura 7A: Cirurgia de Sugiura.
Figura 7B: Transecção esofágica em de-
talhes.
Figura 7C: Cirurgia de Hassab.
É bem verdadeque os excelentes resultados no
Japão não se confirmaram nos EUA, onde estas
cirurgias continuam reservadas para aqueles
com impossibilidades técnicas para realização
das demais cirurgias de derivação portossistê-
mica. Um grande exemplo é a preferência ame-
ricana pela cirurgia de Hassab que é bem mais
“econômica” que o procedimento de Sugiura
em relação à revascularização (FIGURA 7C). A
cirurgia consiste na esplenectomia, desvascu-
larização peri-hiatal do esôfago distal, ligadura
da veia gástrica esquerda e desvascularização
apenas da metade proximal do estômago, sem
necessidade da transecção esofágica.
O Brasil tem uma importante participação nes-
se tema, pela cirurgia desenvolvida em 1954
por Vasconcelos – a desconexão ázigo-portal
+ esplenectomia. É a cirurgia de escolha para
a profilaxia secundária do sangramento varico-
http://#scrolldown
Cirurgia - Volume 1 77Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
PoR dentRo da ciRuRgia...
CONCEITO 1: Antes de qualquer procedi-
mento cirúrgico, uma avaliação do sistema
porta, por meio de ultrassonografia com Do-
ppler e angiografia, é sempre recomendada.
CONCEITO 2: Como cerca de 75% do aporte
de sangue (e nutrientes) para os Hepatócitos
provém do sistema Porta, quando desviamos
o fluxo e “bypassamos” fígado por algum
procedimento cirúrgico (Shunt Portossistê-
mico), conseguimos reduzir a pressão leito
vascular Porta, mas o preço que se paga por
isso é a possibilidade de deterioração (ainda
maior) da função hepática e precipitação de
encefalopatia portossistêmica.
CONCEITO 3: Não podemos esquecer que
o Transplante Hepático alterou de forma
dramática o prognóstico de pacientes com
doença hepática avançada associada ou
não à hipertensão porta e ao sangramento
de varizes. Em muitos serviços, a sobrevida
em cinco anos alcança 70%.
CONCEITO 4: Na emergência, como vi-
mos, outras modalidades devem vir à frente
da terapia cirúrgica (endoscopia, fármacos,
TIPS). O Sabiston em sua última edição
é taxativo: “TIPS é realizada mais comu-
mente e restam poucos cirurgiões com
experiência em cirurgias do tipo shunt. (...)
É provável que a cirurgia exerça um papel,
nos próximos anos, ainda menor do que o
atual”. Ou seja, essas descrições cirúrgi-
cas vão ficando cada vez mais coisas do
passado... No entanto, quando se opta
pela cirurgia, a técnica de escolha é dire-
cionada principalmente pela experiência do
cirurgião. Uma técnica rápida e mais sim-
ples seria a transecção esofágica com um
grampeador cirúrgico apropriado, embora a
so na esquistossomose hepatoesplênica, com
bons resultados a curto e longo prazos (entre
80-85%). Neste procedimento, é realizada a
ligadura da veia gástrica esquerda (coronária),
desconectando a veia porta da veia ázigos,
além de desvascularização da grande curvatura
gástrica, do esôfago distal e esplenectomia.
Figura 8: Desconexão Ázigo-Portal.
taxa de ressangramento seja elevada com
este procedimento. Com isso, as deriva-
ções portossistêmicas não seletivas como
a laterolateral acabam sendo as mais utili-
zadas (as cirurgias seletivas poderiam ser
utilizadas em pacientes sem sangramento
ativo no momento da cirurgia).
CONCEITO 5: Apesar de a técnica seletiva
parecer a mais “fisiológica”, é difícil definir
qual seria a “melhor”. Na verdade, estas ci-
rurgias ocupam importância cada vez menor
após o advento da TIPS. O Sabiston divide
a conduta em duas formas:
• Candidato a transplante: a conduta muda
conforme a gravidade. Na doença descom-
pensada, o transplante deve ser realizado
o mais rápido possível. Neste ínterim, en-
trariam as terapias endoscópica, farmaco-
lógica e TIPS.
• Não candidato a transplante: Após terapia
endoscópica, deveria ser considerado o
risco operatório do paciente. Pacientes com
alto risco, devem ser submetidos à TIPS.
Aqueles de baixo risco podem ser subme-
tidos à TIPS ou à cirurgia. O shunt seletivo
seria utilizado nas ascites controladas; o não
seletivo nas ascites refratárias e a cirurgia
de Sugiura na trombose de veia esplênica.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2012
HOSPITAL CENTRAL DO EXÉRCITO – RJ
Um exemplo de derivação portal seletiva é:
a) Esplenorrenal convencional.
b) Portocava laterolateral.
c) Esplenorrenal distal.
d) Portocava calibrada.
e) Desconexão ázigo portal.
No tratamento cirúrgico das varizes esofa-
gianas, destacam-se as Derivações Portos-
sistêmicas (Shunts). Esses podem ser:
- Derivações Não seletivas (totais);
- Derivações Parciais (Calibradas);
- Derivações seletivas.
Nesse último grupo, destaca-se a derivação
esplenorrenal distal (cirurgia de Warren). Nes-
sa cirurgia, a veia esplênica é desconectada
da veia porta e anastomosada no coto distal
da veia renal esquerda, enquanto as veias
gástrica esquerda e gastroepiploica são liga-
das. Isso causa uma descompressão portal
compartimentalizada, enquanto o fluxo me-
sentérico-porto-hepático é mantido em sua
totalidade. Portanto, resposta: item C.
2) TIPS
deRivação PoRtoSSiStêmica
tRanSjugulaR intRa-HePática
CONCEITO: A TIPS é um procedimento
percutâneo que forma uma comunicação ar-
tificial (por um stent) entre o sistema porta e
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Cirurgia - Volume 1 78Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
Figura 9
a circulação venosa sistêmica, usualmente
no ramo direito da veia porta, realizada no
espaço intra- hepático, após a punção da veia
jugular interna.
TIPS = Derivação Portossistêmica não
seletiva, SEM CIRURGIA!
TÉCNICA
Os passos do procedimento estão listados
abaixo.
(1) POR CIMA... Punção da veia jugular interna
direita e cateterismo da veia hepática direita,
guiado pela radioscopia e injeção de contraste.
(2) POR BAIxO... Realização de uma veno-
grafia do sistema Porta (Portografia): Cate-
terismo da artéria femoral, ascendendo pela
artéria aorta até a saída da artéria esplênica,
onde é injetado o contraste. O baço é então
visualizado e a veia esplênica se encarrega
de contrastar a veia porta e seus ramos intra-
hepáticos... FIGURA 9.
(3) uma vez visualizados a veia hepática
direita e o ramo direito da veia porta intra-
-hepática, num ponto em que esses vasos
quase se encostam, uma agulha com um guia
é transpassada pela parede dessas veias,
comunicando-as, onde então é colocado um
stent metálico (diâmetro de 10 mm), para
manutenção do shunt. FIGURA 10.
Quando indicá-la?
A TIPS está indicada para:
(1) pacientes que aguardam transplante he-
pático;
(2) aqueles que ressangraram apesar da te-
rapia endoscópica e do tratamento medi-
camentoso; e
(3) ascite refratária.
O grande valor da TIPS é que, diferentemen-
te do tratamento cirúrgico, ela não altera a
anatomia do sistema porta e cava – a cirur-
gia muitas vezes inviabiliza o transplante.
Além disso, a redução prévia da pressão no
sistema porta também facilita o próprio trans-
plante hepático. Pacientes cuja função he-
pática indique um prognóstico muito ruim
também são candidatos à TIPS, já que não
costumam sobreviver tempo suficiente para
experimentar suas complicações (como a
estenose do stent).
O problema é que poucas unidades de saúde
dispõem de um serviço de hemodinâmica e um
radiologista treinado para este procedimento.
Então, quando não pudermos indicar a TIPS,
indicaremos a cirurgia.
Quais são as principais complicações da
TIPS?
Os problemas principais são (1) Encefalopatia
Hepática e (2) Estenose do Stent.
Figura 10
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http://#videomiolo=15557-CIR204076
Cirurgia - Volume 1 79Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
• A encefalopatia hepática, também conheci-
da como “portossistêmica”, ocorre em cerca
de 30% dos casos, 2-3 semanas após a
implantação da TIPS e está associada ao
shunt de diâmetro > 10 mm. Como desvia
praticamente todo o sangue do sistema porta
para o sistema cava, o sangue originário dos
capilares mesentéricos chega à circulação
sistêmica passando diretamente pela TIPS,
sem sofrer a primeira passagem pelo fígado
(detoxicação hepática). Como consequência,
substâncias tóxicas como a amônia chegam
mais facilmenteao sistema nervoso central...
• Quanto ao stent, estudos mais antigos
mostravam que a estenose ocorria em 50-
75% dos casos após 6-12 meses e, após
dois anos, em quase todos os pacientes.
O mecanismo era baseado na hiperplasia
da camada neoíntima. No entanto, com o
aparecimento dos stents revestidos com
politetrafluoretileno, esta taxa caiu para
50% em dois anos. Ela pode ser corrigida
por angioplastia ou com a colocação de um
novo stent.
Outras complicações já relatadas são sangra-
mento intra-abdominal ou das vias biliares,
infecções, insuficiência renal, insuficiência
cardíaca em portadores de cardiopatia.
A TIPS é um tratamento eficaz?
Sim. Ela é capaz de prevenir o sangramento
das varizes esofagogástricas (80% em um
ano) e é útil no tratamento da ascite refratá-
ria. Ainda existe uma experiência limitada,
embora crescente, com a colocação da TIPS
durante episódios agudos de sangramento
por varizes, mas sabe-se que o sucesso
supera os 95%. Apesar disso, até o mo-
mento, a TIPS não deve ser utilizada para
a abordagem inicial da hemorragia aguda
por varizes, e sim nos casos de hemorragia
refratária aos métodos convencionais. A
mortalidade no procedimento depende do
nível de disfunção hepática.
Existem contraindicações para a TIPS?
Sim. Duas são absolutas: (1) Insuficiência
Cardíaca Direita; e (2) Doença Policística
Hepática. As demais são contraindicações
relativas e incluem: trombose de veia porta,
tumores hepáticos muito vascularizados e
encefalopatia.
Qual é a diferença entre a TIPS e a Cirurgia?
O fundamento da TIPS é o mesmo que o de
uma cirurgia de derivação portossistêmica não
seletiva (veja adiante), cuja técnica é menos
invasiva e não dificulta o transplante (na TIPS
o trato portal não é manipulado cirurgicamente,
ficando absolutamente intacto).
Vejamos mais estas questões:
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2011
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO CASSIANO
ANTÔNIO DE MORAES – UFES
Indivíduo do sexo masculino, 35 anos de ida-
de, proveniente de zona rural da região sul
da Bahia. Portador de esquistossomose na
forma hepatoesplênica, com 03 episódios de
hemorragia digestiva alta (hematêmese) no
último ano, por duas vezes tendo sido neces-
sário receber hemotransfusões. Atualmente,
não sangra há 30 dias. A melhor conduta para
o caso em questão é:
a) Tratamento farmacológico e endoscópico.
b) TIPS.
c) Desconexão ázigo-portal + esplenectomia.
d) Shunt esplenorrenal proximal.
e) Shunt esplenorrenal distal.
Pelo que podemos perceber no caso clínico
desse paciente, é necessário um tratamento
mais definitivo para sua condição, já que as
hemotransfusões vêm sendo frequentes. E qual
seria o método de escolha para profilaxia se-
cundária da hemorragia na esquistossomose?
É a desconexão ázigo-portal com esplenecto-
mia (cirurgia de Vasconcelos). Como está com-
pensado no momento, acaba por ser o melhor
período para programar a cirurgia. Resposta: C.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2010
ASSOCIAÇÃO MÉDICA DO
RIO GRANDE DO SUL – RS
São métodos cirúrgicos utilizados para con-
trole de sangramento agudo de varizes eso-
fágicas, EXCETO:
a) Derivação portossistêmica.
b) Transecção esofágica e reanastomose.
c) Desvascularização esofagogástrica.
d) Shunt intra-hepático transjugular.
e) Ligadura das varizes por sutura.
Preste muita atenção ao que está sendo
perguntado aqui. O autor não quer saber de
você qual é o melhor método cirúrgico para
tratamento da hemorragia digestiva por hiper-
tensão porta. Tampouco está interessando se
algum dos métodos disponíveis é ou não é
utilizado na atualidade! Ele está perguntando
qual dos métodos abaixo NÃO É CIRÚRGICO,
e por isso a resposta é “TIPS”! O TIPS (Trans-
jugular Intrahepatic Portosistemic Shunt) é um
método de radiologia intervencionista, e não
propriamente cirúrgico. Resposta: letra D.
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Cirurgia - Volume 1 80Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
princípio, qualquer hepatopatia crônica pode estar associada
à cirrose, sendo a hepatite pelo vírus C e a doença hepática
gordurosa as mais comuns! Nas próximas páginas, estas
principais condições e mais outras também importantes para as
provas serão detalhadas. Mas para começar, o que é mesmo cirrose?
A
cirroSe HepáticA
e SuAS cAuSAS
Figura 1: O processo de Cirrose Hepática:
observe os septos de fibrose isolando o
tecido hepático ainda viável.
Introdução
Todos sabemos que a insuficiência cardíaca
é a falência do miocárdio e o remodelamento
cardíaco seu substrato fisiopatológico. Da
mesma forma, a insuficiência hepática é a fa-
lência do fígado, e o seu substrato, a cirrose.
No entanto, a “cirrose” não é simplesmente
fibrose do fígado, como muitos pensam. Isso
seria subestimar a incrível capacidade de
regeneração hepática. Veja a seguir a defi-
nição mais adequada de cirrose e observe
as FIGURAS 1 e 2.
Cirrose Hepática é um processo patológico do
parênquima hepático caracterizado por dois
componentes: (1) fibrose hepática, (2) rearranjo
da arquitetura dos hepatócitos nos chamados
“nódulos de regeneração”. É a resposta
comum do parênquima hepático a qualquer
estímulo lesivo persistente, representado geral-
mente por inflamação e necrose hepatocitária.
E quem é a “ESTRELA” desse
processo?
Apesar de o hepatócito ser a
principal célula do parênquima
hepático, ele não é a “estrela”
desse processo... Você se lembra da existên-
cia do espaço de Disse entre o endotélio e o
hepatócito (reveja a microarquitetura hepática
no primeiro capítulo)? Pois é, as células mais
importantes para a progressão da cirrose se
encontram neste espaço e recebem o nome
de Células Estreladas. Essas células nor-
malmente armazenam vitamina A. A partir de
uma agressão prolongada, citocinas (como
a TGF-β) ativam as células estreladas, que
80
assumem a forma de um miofibroblasto e
passam a sintetizar colágeno. São estes que,
por último, formarão as travas fibróticas que
distorcem a arquitetura hepática e perpetuam
a atividade inflamatória. Participam também
leucócitos, fibroblastos e plaquetas.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DE
SÃO PAULO – UNIFESP
Sobre a cirrose hepática, pode-se afirmar que:
a) Raramente associa-se à insuficiência renal.
b) Histologicamente o desarranjo estrutural é
mais importante que a perda de células pa-
renquimatosas.
c) O distúrbio circulatório que se associa é
caracterizado por vasoconstricção periférica
com aumento da volemia central.
d) O hepatocarcinoma, embora possa asso-
ciar-se com o vírus da hepatite C, é incomum
em outras etiologias.
e) As complicações pulmonares são decor-
rentes de outros hábitos e costumes (por
exemplo, tabagismo) ou mecânica (hidrotórax
hepático), mas não há associação conhecida
de causa com a hipertensão porta ou a insu-
ficiência hepática.
Vimos neste módulo que a disfunção he-
pática pode vir associada a alterações renais
e pulmonares e é marcada principalmente
por um estado de vasodilatação. Assim como
veremos que algumas condições a exemplo
da hepatite B, hemocromatose e NASH se
relacionam frequentemente ao hepatocarci-
noma. De qualquer forma, vamos frisar des-
de já que a cirrose é marcada principalmente
por alteração na microestrutura hepática,
com o desenvolvimento de áreas de fibrose
e nódulos de regeneração.
Resposta: B.
Causas de Cirrose
As principais causas de cirrose no mundo são
as hepatites virais crônicas B e C e o álcool.
No entanto, outras condições também devem
ser lembradas como as doenças autoimunes,
metabólicas, tóxicas ou até mesmo de causa
indefinida. Algumas já foram tratadas no volu-
me de “Síndromes Ictéricas”... Vamos conti-
nuar falando de mais algumas delas!
http://#scrolldown
Cirurgia - Volume 1 81Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
(1) Acúmulo de grande quantidade de colágeno e espessamento do espaço de Disse;
(2) Endotélio sinusoidal perde as suas fenestras;
(3) Hepatócitos perdem as suas microvilosidades;
(4) As células estreladas contraem-se em volta dos sinusoides, reduzindo o seu calibre ou mesmo
colabando-os. Comoconsequência, temos menor captação de substâncias pelos hepatócitos e
hipertensão porta intrassinusoidal.
Figura 2: O desenvolvimento da cirrose hepática.
cirrosecirrose
Vírus B, C
Doença Hep
ática
Gordurosa
Não
Alcoólica
Doença
de Wilson Cardiogênic
a
Criptogênic
a
Doenças da
Infância (D
ef. de
alfa-1-antit
ripsina,
Fibrose Cís
tica...)
Álcool
Hemocroma
tose
Autoimune
Drogas
Cirrose Bil
iar
Primária
Colangite
Esclerosan
te
http://#scrolldown
Cirurgia - Volume 1 82Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
hEPATITES vIRAIS CRôNICAS
CONCEITOS gERAIS
DEFINIÇÃO: Hepatite viral que persiste por
mais de 6 meses.
QUAIS VÍRUS? B / C / B + D.
Qual é a principal causa de cirrose e trans-
plante?
O vírus C, que infecta 3,5% da população mun-
dial e quase 90% dos pacientes cronificam.
E quem causa mais hepatocarcinoma?
O vírus B, que infecta 8,5% da população
mundial e pode causar hepatocarcinoma in-
clusive em não cirróticos.
APRESENTAÇÃO: na maioria das vezes é
assintomática. Nos casos sintomáticos, a FA-
DIGA é o sintoma mais comum (por vezes, o
único). Outros sintomas possíveis: anorexia,
náuseas e icterícia flutuante.
EXAME FÍSICO: geralmente é normal. Pode
haver hepatomegalia e, nos casos mais avan-
çados, sinais de insuficiência hepática: aranhas
vasculares (telangiectasias), eritema palmar,
atrofia testicular, ginecomastia. A persistência da
hepatomegalia numa hepatite viral aguda é um
forte indício de evolução para hepatite crônica...
LABORATÓRIO: o aumento das transamina-
ses é o achado mais característico, embora
nem sempre presente. Tal como nas hepatites
virais agudas, a ALT (TGP) predomina sobre
a AST (TGO). Contudo, os níveis séricos são
menores que os da hepatite aguda, além de
serem flutuantes, oscilando entre 2x a 10x o
valor de referência (p.ex.: 90 U/L a 500 U/L).
COMPLICAÇÕES:
(1) Cirrose hepática pós-necrose;
(2) Hepatocarcinoma (especialmente nos casos
que já evoluíram para cirrose);
(3) Fenômenos autoimunes – os principais
são:
Hepatite B: síndrome nefrótica por nefropatia
membranosa e poliarterite nodosa clássica
(PAN-clássica).
Hepatite C: crioglobulinemia mista tipo II (vas-
culite), síndrome nefrótica por glomerulonefrite
membranoproliferativa (mesangiocapilar), lí-
quen plano (principalmente formas mucosas),
porfiria cutânea tarda.
TRATAMENTO:
Objetivos primários: erradicar a infecção (raro)
e prevenir o desenvolvimento de cirrose e
hepatocarcinoma.
Objetivos secundários: resposta bioquímica
com normalização das transaminases, supres-
são sustentada da replicação viral, resposta
histológica com redução da atividade inflama-
tória e da fibrose.
- Está indicado, de uma forma geral, nos pa-
cientes que apresentam:
(1) Transaminases elevadas;
(2) Sinais de replicação viral (HBeAg positivo
/ HBV-DNA elevado);
(3) Biópsia mostrando inflamação ativa/fi-
brose.
A terapia respeita protocolos específicos
para cada agente etiológico e suas nuances
(ver adiante).
Microbiologia
Dentre os vírus hepatotrópicos, aqueles asso-
ciados à cronificação são os vírus B, C e D.
O vírus B é o único vírus DNA deste grupo.
Ele contém dez genótipos denominados de A
a J, que variam quanto à distribuição geográ-
fica, patogenicidade e sequência de nucleotí-
deos no genoma. Alguns genótipos do HBV
são classificados em subgenótipos, exceto E,
G e H, sendo mais de 30 já identificados. O
genótipo A está presente na África subsaaria-
na, ocidental e norte da Europa; os genótipos
B e C, na Ásia; o genótipo C, no Sudeste
Asiático; o genótipo D, na África, Europa e
Índia; o genótipo G, na França, Alemanha e
Estados Unidos; o genótipo H, nas Américas
do Sul e Central; o genótipo I, no Vietnã e
Laos; e o genótipo J, no Japão. No Brasil, al-
guns estudos identificaram a predominância
dos subgenótipos A1, A2, F2a e F4.
O vírus C é um vírus RNA de grande diversi-
dade genética, sendo classificados em seis
genótipos e diversos subtipos (1a, 1b...).
Existem ainda, as “quasiespecies” que são
vírus de genomas semelhantes, exceto por
alguns nucleotídeos diferentes. No Brasil, os
genótipos mais prevalentes são o 1 (64%), 3
(30,2%) e 2 (4,6%).
O vírus D, como vimos em “Síndromes Ictéri-
cas”, é um vírus RNA satélite do VHB, também
classificado em genótipos I (presença mundial
– cirrose hepática e hepatocarcinoma), II e III
(região amazônica – hepatite fulminante).
Fisiopatologia
Na Medicina existem doenças traiçoeiras!
Pense agora em duas patologias bastante co-
nhecidas: a hipertensão arterial sistêmica e o
diabetes mellitus tipo 2. O que elas têm em
82
http://#scrolldown
Cirurgia - Volume 1 83Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
comum? Estas desordens cursam assintomáti-
cas por décadas. Contudo, sem um tratamento
adequado, as consequências já sabemos: um
belo dia, sem aviso algum, o indivíduo é “ata-
cado” por uma grave complicação, envolvendo-
-se num infarto, num acidente vascular encefá-
lico ou mesmo numa perda súbita da visão...
Ele pensa que a doença começou naquele dia,
mas, na verdade, já vinha provocando lesões
há muitos anos, culminando no evento atual.
Infelizmente, este evento pode ser fatal ou dei-
xar sequelas irreparáveis e tudo isso poderia ter
sido prevenido se antes, na fase assintomática,
a doença tivesse sido tratada.
É exatamente assim que acontece com as
hepatites crônicas virais! O vírus se instala
no organismo do paciente, tornando-se um
morador definitivo de seu fígado. Mas não
costuma causar nenhum problema direto e,
em geral, nem danifica o hepatócito. O que
acontece na verdade é que o nosso sistema
imune, ao reconhecer a existência deste intru-
so, tenta a todo custo extirpá-lo, e acaba com
isto lesando os hepatócitos... Se a tentativa de
eliminar o vírus é bem sucedida, o quadro de
hepatite tem fim (a hepatite aguda é curada).
Caso contrário, o paciente entra no processo
de hepatite crônica, caracterizado basica-
mente por uma eterna e frustrada tentativa de
remover o intruso viral as células hepáticas.
CONCEITO: Hepatite Crônica >> O sistema
imune não desiste, mas também não consegue
remover o vírus. E, com isto, os hepatócitos
ficam cronicamente submetidos a agressões
repetidas e incessantes.
Os casos assintomáticos de hepatite crônica
viral são identificados em diver-sas circuns-
tâncias, como “quando alguém vai doar san-
gue”, durante exame de pré-natal, pacientes
em programa de hemodiálise, portadores de
HIV, usuários de drogas injetáveis, parceiros
sexuais ou pessoas que coabitam com indiví-
duos sabidamente portadores do vírus B ou
C. Em todos estes casos, a sorologia para
hepatite B e C é recomendada!
Este cenário pode se arrastar por décadas
até que, não mais que de repente, o paciente,
previamente assintomático/oligossintomático,
desenvolve ascite, hemorragia digestiva (por
varizes esofagogástricas), coagulopatia ou
mesmo encefalopatia hepática. Neste mo-
mento, não há mais o que fazer. Agora é só
esperar na fila do transplante hepático...
Avaliação Inicial
O mais importante desde o início é detectar os
pacientes que se beneficiarão do tratamento
antiviral específico. Veja! Não são todos os
pacientes portadores crônicos que devem
receber a terapia. O benefício clínico é com-
provado principalmente para aqueles com
replicação viral, inflamação ativa e fibrose/
cirrose no fígado.
Assim, o primeiro exame a ser solicitado para
avaliar se há ou não hepatite em atividade é
a DOSAGEM DE TRANSAMINASES. Junta-
mente com as transaminases, solicitaremos
outros exames que marquem a replicação viral
(HBeAg, anti-HBe, HBV-DNA) e outros para
avaliar a presença ou não de cirrose (albumi-
na, bilirrubina, TAP, contagem de plaquetas).
E A BIÓPSIA HEPÁTICA??
Em casos selecionados (veremos adiante), a
biópsia pode ser uma grande ferramenta para
auxiliar na indicação de terapia. A biópsia hepá-
tica também tem outra função (além de graduar
e estagiar a hepatite crônica viral): é a função
diagnóstica – algumas vezes nos surpreen-
demos com diagnósticosalternativos (doença
hepática alcoólica, esteato-hepatite não alcoó-
lica, doença de Wilson etc.) em pacientes que
jurávamos ter apenas hepatite crônica viral...
Na análise histopatológica da peça, duas ca-
racterísticas devem ser determinadas: (1)
GRAU de Atividade Necroinflamatória; e (2)
ESTÁGIO de Fibrose/Cirrose. Antigamente,
utilizavam-se as denominações “hepatite crô-
nica ativa”, “hepatite crônica persistente” e
“hepatite crônica lobular”. Hoje, a preferência
é para os escores de classificação de “ativida-
de” de doença e estágios de fibrose/cirrose.
O GRAU de Atividade Necroinflamatória
aumenta à medida que são encontrados os se-
guintes achados, DO MELHOR PARA O PIOR:
Inflamação dos espaços-porta;
Necrose lobular focal;
Necrose em saca-bocado*;
Necrose em ponte**.
*A necrose em saca-bocado era o critério
que definia a antiga nomenclatura “hepatite
crônica ativa”.
**A necrose em ponte indica hepatite grave
e um alto potencial para evoluir para cirrose
pós-necrótica, se não tratada.
O ESTÁGIO de fibrose/cirrose depende da in-
tensidade da fibrose e da presença de cirrose,
DO MELHOR PARA O PIOR:
Fibrose dos espaços-porta;
Fibrose dos espaços-porta com septos;
Fibrose em ponte;
Cirrose (nódulos de regeneração circun-
dados por fibrose).
Atualmente, recomenda-se o uso de uma das
seguintes classificações: METAVIR, ISHAK
e Sociedade Brasileira de Patologia (SBP).
Observe a seguir uma comparação entre es-
tas classificações:
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Cirurgia - Volume 1 84Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
- GRAU de atividade ne-
croinflamatória
A0: ausente
A1: leve
A2: moderada
A3: acentuada
ESCORE DE METAVIR:
É o mais simples e utilizado escore em nosso
meio para as hepatites crônicas virais. Ele
determina de forma simplificada:
- ESTÁGIO de fi-
brose/cirrose
F0: ausente
F1: fibrose portal
F2: fibrose portal
com septos
F3: fibrose em ponte
F4: cirrose
AlTERAçãO ARQUITETURAl
(FIBROSE)*
*No ISHAK, o escore de fibrose vai até 6, enquanto
que no METAVIR e no SBP vai até 4.
**Correspondendo à atividade periportal para o SBP
e o ISHAK, e um misto de periportal e lobular para
o METAVIR; no METAVIR, o escore de atividade
vai até 3, enquanto no ISHAK e no SBP vai até 4.
SBP, 2000 METAVIR, 1994 ISHAK,
1995
0 0 0
1 1 1 ou 2
2 2 3
3 3 4 ou 5
4 4 6
ATIvIDADE INFlAMATóRIA**
SBP, 2000 e ISHAK, 1995 METAVIR,
1994
Atividade
Periportal
Atividade
Parenquimatosa
A
0 ou 1 0 0
0 ou 1 1 ou 2 1
2 0 – 1 1
2 2 2
2 3 – 4 3
3 0 – 2 2
3 3 – 4 3
4 0 – 4 3
Cabe reforçar que cada vez mais métodos
não invasivos de avaliação de lesão hepática
vêm sendo incorporados e dividindo espaço
com a biópsia hepática... Falaremos mais
disso à frente!!!
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2014
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO CASSIANO
ANTÔNIO DE MORAES – ES
Dos métodos não invasivos abaixo, aquele com
maior sensibilidade e especificidade para a gra-
duação do nível de fibrose hepática em doentes
portadores de hepatites virais crônicas é:
a) Ultrassonografia abdominal com Doppler e
medida de resistência da artéria hepática.
b) Tomografia computadorizada do abdome,
helicoidal e trifásica.
c) Ressonância nuclear magnética do abdome
com saturação de gordura.
d) Fibroscan (elastografia hepática).
e) Biópsia hepática guiada por ultrassonografia.
Vamos aprender mais um conceito com esta
questão! Reparem que a questão pediu um mé-
todo NÃO INVASIVO!!! A letra E nunca poderia
ser marcada... Quanto às demais opções, fica-
remos com a letra D. O FibroScan (elastografia
hepática) é um exame que consegue quantificar
a fibrose hepática medindo a velocidade da onda
que o tecido reproduz, sendo essa diretamente
relacionada à elasticidade hepática. Resumindo,
é como se fosse um “ultrassom mais moderno”
capaz de medir a elasticidade hepática. Chega
a ter 94% de sensibilidade e 89% de especifici-
dade na determinação de fibrose hepática sig-
nificante. Desta forma, o Fibroscan é conside-
rado o exame NÃO INVASIVO de maior acurá-
cia para determinação do grau de fibrose hepá-
tica. Gabarito: letra D.
Vejamos a seguir as características prin-
cipais das hepatites virais crônicas B e C.
hepatite viral B crônica
hepatite viral B crônicaB
CRITÉRIO DIAGNÓSTICO: HBsAg positivo
por mais de seis meses.
Obs.: Nos raros casos de hepatite B crônica HB-
sAg negativo (< 5% dos casos) o diagnóstico é
estabelecido pelo HBV-DNA qualitativo (PCR),
também positivo por mais de seis meses.
QUAL É A EVOLUÇÃO ESPERADA DA IN-
FECÇÃO PELO HBV?
• Oligossintomáticos: maioria.
• Hepatite aguda ictérica: 30%.
• Fulminante: < 1%.
• Cura: depende da idade. Em adultos, é a
regra; em crianças, pode variar.
QUAL É A CHANCE DE CRONIFICAÇÃO?
Depende da faixa etária:
• Recém-nascidos (transmissão vertical):
90%.
• Crianças (transmissão horizontal): 20-30%.
• Adultos: 1-5%.
Cronificam mais e evoluem para formas mais
graves: extremos de idade, fatores genéticos,
concomitância de substâncias tóxicas – in-
cluindo álcool, fumo, história familiar de CHC
e contato com carcinógenos (ex.: aflatoxinas),
replicação viral persistente, presença de cirro-
se, genótipo C, mutação na região promotora
do pré-core e a coinfecção com o HIV ou HCV.
QUAL É A CHANCE DE EVOLUÇÃO PARA
CIRROSE EM 20 ANOS? 20-50%.
HISTÓRIA NATURAL (ENTENDENDO AS 5
FASES):
1ª fase – Imunotolerância: existe replica-
ção viral intensa (> 20.000 UI/ml), mas não
há lesão hepática. Transaminases e Biópsia
normais. HBeAg + / anti-HBe – esta fase dura
poucas semanas nos adultos, mas pode durar
décadas em crianças. Essa fase é geralmen-
te mais longa nos indivíduos infectados por
http://#scrolldown
Cirurgia - Volume 1 85Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
transmissão vertical. Em virtude da elevada
viremia, os pacientes nessa fase podem trans-
mitir a doença com maior facilidade.
2ª fase – Imunoclearance (Imunoatividade
ou Imunorreativa): a replicação viral conti-
nua, mas agora o sistema imune “acorda” e
inicia lesão dos hepatócitos. As transaminases
aumentam e a biópsia é positiva para necroin-
flamação. Sem tratamento, cerca de metade
evolui para cirrose ou hepatocarcinoma.
3ª fase – Portador inativo: a reação imune
consegue conter parcialmente o vírus, evo-
luindo para a fase não replicativa: HBeAg
- / anti-HBe +. Em um primeiro momento,
paradoxalmente, pode haver uma exacer-
bação imunoinflamatória que produz uma
“agudização” do quadro com elevação ainda
maior das transaminases. Em um segundo
momento, as transaminases normalizam e a
biópsia é negativa para necroinflamação. A
doença se “acalma”... Então, esses pacientes
são ditos “portadores crônicos inativos”
do vírus B. Em raros casos, pode haver ne-
gativação do HBsAg.
4ª fase – Reativação: pode ocorrer por imu-
nodepressão do hospedeiro (quimioterapia,
imunossupressores) ou mutações virais que
escapam da vigilância imunológica.
5ª fase – Fase HBsAg negativa (não reagen-
te): mesmo após resposta imune com elimina-
ção do HBsAg, há possibilidade de uma baixa
replicação viral (índices indetectáveis ou muito
baixos de HBV-DNA sérico). Existem poucas
informações sobre a importância dessa infec-
ção oculta e persistente, mas compreende-se
que a reativação pode ocorrer em pacientes
com perfil sorológico atípico, caracterizado
pela presença de anti-HBc reagente, indepen-
dentemente da reatividade para anti-HBs. O
acompanhamento regular está indicado para
os pacientes nessa fase, principalmente em
situações de imunossupressão.
MUTAÇÃO DO PRÉ-CORE = Mutação que
torna o vírus B incapaz de produzir o antígeno
“e”. Nestes casos, não podemos confiar na inter-
pretação dos marca dores HBeAg e anti-HBe, e
a única maneira de reconhecer a replicação viral
neste grupo é dosando o HBV-DNA quantitativo,
que estará > 10.000 cópias/ml. Esta mutação
torna o vírus mais agressivo e menos responsivo
ao interferon-alfa, embora tenha boa resposta
ao tenofovir (ver adiante). O vírus não mutante
(original) é referido como vírus “selvagem”.
COMPLICAÇÕES HEPÁTICAS:(1) Cirrose: 20-50% dos casos dos casos, sem
o tratamento (grupo de risco: fase replicativa,
grau moderado ou acentuado de necroinfla-
mação na biópsia, coinfecções [HBV-HIV,
HBV-HDV, HBV-HCV], crianças, asiáticos).
(2) Hepatocarcinoma: 5-15% em cinco anos
(grupo de maior risco: cirrose, asiáticos, crian-
ças). 30-50% dos hepatocarcinomas ocorrem
sem cirrose prévia.
QUAIS SÃO AS MANIFESTAÇÕES EXTRA-
-HEPÁTICAS?
(1) Glomerulopatia: o tipo mais comum é a
nefropatia membranosa (mais comum em
crianças, fazendo diagnóstico diferencial com
a nefropatia por lesão mínima).
(2) Poliarterite Nodosa Clássica (PAN clás-
sica): ocorre em menos de 1% dos casos de
hepatite B. Entretanto, dos casos de PAN
clássica, 20-30% possuem hepatite B crônica
(são HBsAg positivos e HBeAg positivos).
TRATAMENTO: ver texto.
QUEM RESPONDE MAIS? Níveis baixos de
HBV-DNA, níveis elevados de transamina-
ses, sexo feminino, adultos, HIV (-), hepatite
crônica ativa na biópsia e sorologia negativa
para o vírus D.
PRINCIPAIS FONTES:
• Protocolo Clínico e Diretrizes para Hepatite
Viral Crônica B – Ministério da Saúde (MS).
• Diretriz Sobre Tratamento da Hepatite B
Crônica – Sociedade Brasileira de Hepa-
tologia (SBH).
• Chronic Hepatitis B – Associação Ameri-
cana para o Estudo de Doenças Hepáticas
(AASLD).
Figura 3
http://#scrolldown
Cirurgia - Volume 1 86Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
Abordagem geral
Vamos começar esse tópico da maneira
mais prática possível, pois isso nos ajudará
nas questões de prova. Não se impressio-
ne se à primeira leitura parecer confuso.
Não é! Tudo faz sentido e se justifica pela
lógica que acabamos de ver. Lembre-se: o
tratamento é destinado para aqueles com
fibrose/cirrose e com maior replicação viral
e inflamação ativa.
Então vamos lá. Imagine-se recebendo um pa-
ciente com diagnóstico sorológico confirmado
de hepatite B crônica. Ele chega à consulta
e conta “Doutor, eu vim aqui porque o meu
exame de hepatite deu positivo...” O que fazer
nesse momento???
Obviamente tudo começa por uma história
clínica cuidadosa em que se procuram ou-
tros fatores agressivos ao fígado (ex.: álcool,
obesidade, drogas etc.). Nos exames labo-
ratoriais, sorologia para HIV, HAV, HCV e
HDV também devem ser solicitadas (HDV em
áreas endêmicas) e avaliação do ferro sérico
e TIBC, para descartar hemocromatose.
As consultas devem ser realizadas, no mínimo,
duas a quatro vezes ao ano, considerando o
estado clínico do paciente, o tratamento em
curso e a gravidade da doença. Veja a seguir
os exames recomendados pelo protocolo do
Ministério da Saúde.
a. Exames complementares comuns a todos
os pacientes portadores de hepatite B crônica
que devem ser solicitados em primeira consul-
ta e durante acompanhamento ambulatorial:
Anti-HAV IgG Para definir imunização*
Anti-HDV A cada 12 meses**
Anti-HCV Identificar coinfecção.
Esses exames devem
ser repetidos pelo me-
nos a cada 12 meses
Anti-HIV
HBsAg/Anti-HBs/
HBeAg/Anti-HBe
Identificar a fase de
infecção pelo HBV. De-
vem ser repetidos con-
forme diagnóstico e
tratamento instituído
ß-hCG
A cada 6 meses (mu-
lheres em idade repro-
dutiva)
Endoscopia
Digestiva Alta
(EDA)***
A cada 2-3 anos – sem
cirrose ou cirrose Child
A
A cada 12 meses – cir-
rose Child B ou C
Biópsia hepática Individualizar****
Elastografia
hepática
Individualizar*****
*Caso o paciente não apresente anti-HAV reagente
(exposição anterior ao vírus da hepatite A), a
imunização ativa com vacina para hepatite A está
recomendada.
**Os exames são recomendados para os pacientes
procedentes de região endêmica. Nos demais
casos, os exames são recomendados apenas nas
situações de descompensação clínica.
***Não se aplica aos casos em que forem identificados
antecedentes de hemorragia digestiva alta ou
varizes em EDA (74).
****Embora não seja obrigatória para iniciar o
tratamento, a biópsia hepática deverá ser realizada
em casos nos quais há dúvida diagnóstica, para
auxiliar na decisão de iniciar ou postergar o
tratamento.
*****Métodos não invasivos de avaliação de fibrose
podem ser úteis para identificar o estágio de fibrose
avançada (F3 e F4) – mas os resultados podem ser
alterados na presença de intensa atividade
inflamatória com elevação dos níveis de ALT.
Hemograma
A cada 3-6 meses,
conforme atividade da
doença ou cirrose
hepática
Razão Normalizada
Internacional (INR)
AST/TGO (aspartato
aminotransferase),
ALT/TGP (alanina
aminotransferase)
Fosfatase alcalina/
gama glutamil
transferase/bilirrubina
total e frações
Glicemia de jejum
Proteína total/
albumina
TSH/T4L
A cada 12 meses ou
conforme tratamento
instituído (DOC)
Na (sódio)/K
(potássio)/ureia/
creatinina A cada 6 meses (alto
risco de lesão renal)
A cada 12 meses
(baixo risco de lesão
renal)
Urina tipo 1 (EAS –
Elementos e
Sedimentos
Anormais)
Clearance de
creatinina
HBV-DNA
A cada 6 meses no
portador inativo e a
cada 12 meses
conforme diagnóstico
e tratamento instituído
Lipídios (colesterol
total e frações,
triglicérides), ferritina/
ferro sérico/saturação
transferrina
A cada 12 meses para
os pacientes em uso
de tenofovir e nos
casos de
descompensação
hepática e cirrose
Desintometria óssea
A cada 48 meses (mu-
lheres acima de 40
anos em transição me-
nopausal; homens aci-
ma dos 50 anos com
risco de perda óssea)
Individualizar em pa-
cientes em uso de teno-
fovir (72) ou com antece-
dentes relevantes (73)
http://#scrolldown
Cirurgia - Volume 1 87Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
b. Exames recomendados para acompanha-
mento ambulatorial da hepatite B sem cirrose
em pacientes até 30 anos de idade:
Hemograma
A cada 6-12 meses
Coagulograma
Na (sódio)/K (potássio)/
ureia/creatinina
Clearance de creatinina
AST/TGO (aspartato
aminotransferase),
ALT/TGP (alanina ami-
notransferase)
Bilirrubina total e
frações
Proteína total/albumina
Urina tipo 1 (EAS –
Elementos e
Sedimentos Anormais)
A cada 12 meses
c. Exames recomendados para acompanha-
mento ambulatorial da hepatite B crônica sem
cirrose em pacientes acima de 30 anos de
idade ou hepatite B crônica com cirrose:
Hemograma
A cada 3-4 meses no
primeiro ano de acom-
panhamento
A cada 6 meses após o
primeiro ano de acom-
panhamento
Coagulograma
Na (sódio)/K (potássio)/
ureia/creatinina
Clearence de
creatinina
AST/TGO (aspartato
aminotransferase),
ALT/TGP (alanina ami-
notransferase)
Bilirrubina total e
frações
Glicemia de jejum
Proteína total/
albumina
d. Exames recomendados para rastreamento
de CHC:
Ultrassonografia de
abdome total A cada 6 meses
Alfafetoproteína
No entanto, visando especificamente a abor-
dagem da hepatite crônica pelo vírus B, o que
nos importará mesmo será a pesquisa de:
• Replicação viral: HBeAg e HBV-DNA.
A replicação viral, para fins de tratamen-
to, ocorre quando temos títulos de HBV-
DNA iguais ou maiores que 20.000 UI/ml
(100.000 cópias/ml) nos pacientes HBeAg
positivos, e iguais ou maiores que 2.000
UI/ml (10.000 cópias/ml) nos HBeAg ne-
gativos, mutantes pré-core. Apenas para
constar, uma Unidade Internacional (UI)
corresponde a 5,26 cópias.
• Atividade inflamatória: transaminases ou
aminotransferases (especialmente a ALT,
duas vezes o valor limite) e biópsia em
casos selecionados.
• Função hepática: albumina, bilirrubina,
fosfatase alcalina, TAP.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DE
SÃO PAULO – UNIFESP
Os três principais critérios para avaliar a indi-
cação de tratamento da hepatite B crônica são:
a) Fosfatase alcalina, ALT e grau de fibrose
hepática.
b) AST, GGT e Carga viral do HBV.
c) Idade, AST e ALT.
d) ALT, carga viral do HBV e grau de fibrose
hepática.
e) Idade, AST e Carga viral do HBV.
Exatamente como acabamos de ver. Para
ficar completo, deveríamos apenas acrescen-
tar HBeAg. Resposta: D.
Com esses exames em mãos, podemos orga-
nizar nossa conduta em dois passos:
(1) AVALIAR INDICAÇÃO DE TRATA-
MENTO
Voltando à ideia inicial deste capítulo, os pacien-
tes que mais se beneficiam dotratamento são
aqueles com replicação viral, inflamação ativa
e fibrose/cirrose no fígado. E para pesar as de-
cisões sobre o tratamento, estaremos pautados
em características individuais e familiares (histó-
ria de CHC, comorbidades e gestação); quadro
clínico apresentado; perfil sorológico (HBeAg);
elevação dos níveis de ALT, quando excluídas
outras causas; níveis de HBV-DNA; e histologia
hepática, quando disponível. Existem pequenas
diferenças de acordo com as orientações do Mi-
nistério da Saúde e da American Association for
the Study of Liver Disease (AASLD) / Sociedade
Brasileira de Hepatologia. Apenas pela impor-
tância da primeira referência (MS) em provas,
daremos mais ênfase a ela.
Atualmente, os critérios de inclusão para tra-
tamento da hepatite B sem agente Delta são:
• Paciente com HBeAg reagente e ALT >
2x Limite Superior da Normalidade (LSN);
• Adulto maior de 30 anos com HBeAg
reagente;
• Paciente com HBeAg não reagente, HBV
-DNA > 2.000 UI/mL e ALT > 2x LSN.
Outros critérios de inclusão para tratamen-
to, independentemente dos resultados de
HBeAg, HBV-DNA e ALT, são:
• História familiar de CHC;
• Manifestações extra-hepáticas com acome-
timento motor incapacitante, artrite, vasculi-
tes, glomerulonefrite e poliarterite nodosa;
• Coinfecção HIV/HBV ou HCV/HBV;
• Hepatite aguda grave (coagulopatias ou
icterícia por mais de 14 dias);
http://#scrolldown
Cirurgia - Volume 1 88Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
• Reativação de hepatite B crônica;
• Cirrose/insuficiência hepática;
• Biópsia hepática METAVIR ≥ A2 F2 ou
elastografia hepática > 7,0 kPa;
• Prevenção de reativação viral em pacien-
tes que irão receber terapia Imunossu-
pressora (IMSS) ou Quimioterapia (QT).
(2) DEFINIR O MELHOR TRATAMENTO
O Ministério da Saúde, em seu documento mais
recente, define três medicamentos que podem
ser utilizados: alfapeginterferona (citocina an-
tiviral e imunomoduladora), tenofovir (antiviral
análogo de nucleotídeo) e entecavir (análogo
de nucleosídeo). O alfainterferona e o adefovir,
antes citados, ficaram de fora em virtude dos
novos trabalhos pesando segurança, posologia
e efetividade do tratamento. Vamos conferir
alguns detalhes sobre estas medicações.
Alfapeginterferona
Dados gerais: A alfainterferona foi a primeira
droga aprovada, em 1992, para o tratamento
da hepatite crônica pelo vírus B. Esta forma é
o interferon ligado ao Polietilenoglicol (PEG);
este composto possui uma concentração sé-
rica mais estável e uma meia-vida bem maior
que o IFN-alfa convencional. O resultado é
uma eficácia superior com a posologia de
apenas uma vez por semana (em vez de diária
ou 3x/semana para o IFN-alfa convencional).
Atualmente, está indicada para tratamento
alternativo, reservado a pacientes porta-
dores de infecção pelo vírus da hepatite B
com exame HBeAg reagente. A extensão
ou repetição da modalidade terapêutica não
está autorizada, e o ciclo de tratamento do
paciente deverá ser realizado uma única vez.
Excepcionalmente, o ciclo de tratamento po-
derá ser reiniciado mediante comprovação
por relatório médico e retificação do processo
de solicitação do medicamento.
Esquema: Para o interferon peguilado α-2a,
na dose de 180 mcg por semana, via SC, e
α-2b, na dose de 1,5 mcg/kg/semana, via SC.
A experiência da utilização de ambos é equi-
valente em pacientes virgens de terapia. Não
há interações medicamentosas conhecidas.
A duração do tratamento é de 48 semanas.
A terapia que não apresentar soroconversão
do anti-HBs ao final da 48ª semana de trata-
mento deverá ser substituída por Tenofovir
(TDF) ou Entecavir (ETV).
Contraindicações: Consumo atual de álcool e/
ou drogas; cardiopatia grave; disfunção tireoi-
diana não controlada; distúrbios psiquiátricos
não tratados; neoplasia recente; insuficiência
hepática*; antecedente de transplante, exceto
hepático; distúrbios hematológicos: anemia,
leucopenia, plaquetopenia (obrigatória se <
30.000); doença autoimune; intolerância ao
medicamento. O tratamento durante a gesta-
ção também está contraindicado, devido aos
efeitos teratogênicos da alfapeguinterferona.
*O interferon é totalmente contraindicado nestes pacien-
tes, pela possibilidade de piorar a insuficiência hepática!
Espera aí... Piorar a insuficiência hepática??? Como
assim??? Um tratamento que estimula o sistema imune
a eliminar o vírus deveria melhorar a lesão hepática e
não o contrário! Vamos sublinhar novamente este im-
portante conceito, para que você nunca mais esqueça:
O vírus da hepatite B não lesa diretamente o hepatócito.
Quem promove o dano ao fígado é o próprio sistema
imune, na tentativa de eliminar o vírus... O interferon é
um imunoestimulante, e por esta razão está contrain-
dicado tanto nos casos de doença hepática crônica
descompensada quanto nos casos de hepatite B aguda
grave (fulminante), sob risco de piora da lesão hepática.
Tenofovir (TDF)
Dados gerais: Análogo de nucleotídeo que
bloqueia a transcriptase reversa, com efeitos
virais diretos. Apresenta elevada potência de
supressão viral e alta barreira genética de
resistência contra às mutações do HBV.
Esquema: 300 mg/dia por tempo indetermi-
nado, dependendo da conversão sorológica.
Contraindicações: Doença renal crônica; os-
teoporose e outras doenças do metabolismo
ósseo; terapia antirretroviral com didanosina
(ddI); cirrose hepática (contraindicação relati-
va); intolerância ao medicamento. Embora não
apresente contraindicação por faixa etária, a
eficácia, a segurança e os demais efeitos em
pacientes menores de 18 anos de idade ain-
da não estão completamente estabelecidos.
O uso de tenofovir em pacientes portadores
de cirrose hepática deve ser realizado com
cautela. Quando possível, o tenofovir deve
ser substituído por entecavir.
Entecavir (ETV)
Dados gerais: Análogo nucleosídeo da gua-
nosina também com efeitos virais diretos que
bloqueia as três funções da DNA polimerase
(iniciação, síntese e transcrição reversa).
Está indicado em situações em que houver
contraindicação ao tenofovir. Além disso, deve
ser o medicamento de primeira linha para pa-
cientes em tratamento de imunossupressão
e quimioterapia. Recomenda-se evitar seu
uso em pacientes já experimentados com
análogos de nucleosídeo, como lamivudina e
telbivudina, uma vez que apresenta eficácia
reduzida quando há presença de mutações,
encontradas especialmente nesses pacientes.
Contraindicações: Gestação. A eficácia, a
segurança e os demais efeitos em pacientes
menores de 16 anos de idade ainda não es-
tão completamente estabelecidos. Os efei-
tos da coadministração com medicamentos
excretados pelos rins, que afetam a função
renal – ciclosporina e tacrolimo –, ainda não
foram avaliados.
Esquema: 0,5 mg/dia a 1 mg/dia (cirrose
descompensada), por tempo indeterminado,
dependendo da conversão sorológica. Ajuste
na posologia pode ser necessário em portado-
res de doença renal. O entecavir e o tenofovir
são fármacos potentes na inibição da infecção
pelo vírus da hepatite B e apresentam baixas
taxas de resistência.
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Cirurgia - Volume 1 89Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
Quanto ao objetivo do tratamento, temos como
resultado ideal a perda sustentada do HBsAg,
com ou sem soroconversão para anti-HBs.
Desfechos alternativos devem ser buscados:
- HBeAg reagente: quando o resultado
ideal é improvável, a soroconversão para
anti-HBe é um desfecho satisfatório, pois
essa resposta está associada a um melhor
prognóstico. Independentemente da soro-
conversão para anti-HBe e da negativação
do HBeAg, deve-se buscar a normalização
da ALT e a redução do HBV-DNA para
menos de 2.000 UI/mL ou no limite de in-
detectabilidade.
- HBeAg não reagente e anti-HBe reagen-
te: o desfecho que se busca é a normali-
zação da ALT e a redução do HBV-DNA
para menos de 2.000 UI/mL ou no limite
de indetectabilidade.
Nos pacientes portadores de cirrose hepática,
a redução da carga viral e o desaparecimen-
to do HBeAg, espontâneos ou induzidospor
tratamento, associam-se à diminuição no risco
de carcinogênese, descompensação clínica e
melhora da qualidade de vida.
Assim, a avaliação de resposta recomendada
é HBsAg, anti-HBs, HBeAg, anti-HBe ao final
da 48ª semana; HBV-DNA ao final da 24ª e
48ª semana de tratamento. A metodologia do
HBV-DNA deve ser PCR em tempo real.
Pacientes que apresentarem HBV-DNA >
20.000 UI/mL podem ter o tratamento com al-
fapeguinterferona substituído por tenofovir ou
entecavir, em virtude da baixa probabilidade
de resposta terapêutica.
Excepcionalmente, o paciente poderá ter o
tratamento suspenso se comprovada indetec-
tabilidade do HBV-DNA e perda sustentada
do HBsAg, ou soroconversão do HBeAg para
anti-HBe em dois exames de realização anual.
Essas situações caracterizam o desfecho ideal
e o estado de portador inativo, respectivamente.
Em relação à monitorização durante tratamen-
to, recomenda-se:
- HBeAg reagente: o HBsAg, anti-HBs,
HBeAg, anti-HBe e HBV-DNA realizados
anualmente.
- HBeAg não reagente: o HBsAg, anti-HBs,
HBV-DNA realizados anualmente.
- Pacientes em tratamento com alfapeguin-
terferona: hemograma completo a cada 12 se-
manas; AST/ALT na 2ª semana de tratamento
e a cada 4 semanas de tratamento; glicemia
de jejum, TSH e T4L a cada 12 semanas.
Abordagem específica
Para escolha da melhor terapia, podemos
considerar duas situações distintas, conforme
mostram os algoritmos ao final deste capítu-
lo. Além delas, existem situações especiais
que também devem ser pesadas. Confira!
Situações Especiais
IMUNOSSUPRESSÃO E QUIMIOTERA-
PIA: Entecavir é o medicamento de esco-
lha e o paciente deve recebê-lo antes da
terapia imunossupressora ou quimioterapia
– pelo risco de hepatite grave, insuficiência
hepática e óbito. A lamivudina poderá ser
utilizada quando o entecavir não estiver dis-
ponível (por tempo curto em razão do risco
de resistência elevado). As terapias antiviral
profilática (antes da reativação) e preemptiva
(após a reativação) deverão ser mantidas por
6 a 12 meses após o término do tratamento
imunossupressor. Caso a terapia seja por
tempo indefinido (transplante renal e hepáti-
co, por exemplo), o análogo também deverá
ser mantido indefinidamente.
A indicação de terapia preventiva será
orientada pelo perfil sorológico – tipo de
tratamento imunossupressor – e pelo ris-
co de reativação viral. Nos pacientes com
risco elevado, tais como aqueles que farão
uso de quimioterápicos ou outros medica-
mentos imunossupressores – considera-
dos de alto risco para reativação viral –,
o tratamento profilático está indicado e
pode ser iniciado antes da terapia imunos-
supressora ou concomitantemente a esta.
Todavia, em casos de neoplasias ou doen-
ças com manifestações graves, o início
da profilaxia contra a reativação da hepa-
tite B não deve retardar o tratamento da
doença de base. Se houver impossibilida-
de de medicamentos para o início da pro-
filaxia antes ou junto com a imunossupres-
são, deve-se iniciar o tratamento da doen-
ça de base e, tão logo possível, a profila-
xia. Nos casos de risco moderado e baixo,
a terapia poderá ser iniciada imediatamen-
te, ou postergada e iniciada apenas após
o diagnóstico de reativação viral.
Pacientes que não iniciarem a terapia pro-
filática deverão ter os níveis de HBV-DNA
e ALT monitorados a cada dois meses; no
caso de haver reativação viral, deve-se
iniciar terapia preemptiva. Quando não
houver a disponibilidade de testes de HB-
V-DNA para o monitoramento sequencial
durante a terapia imunossupressora ou
quimioterápica, o tratamento profilático
deverá ser iniciado nos pacientes com ris-
co elevado e moderado.
Pode-se considerar reativação viral a ele-
vação da viremia (≥ 2log) em relação à
viremia basal; o reaparecimento do HBV-
-DNA em pacientes com viremia inicialmen-
te indetectável; e a sororreversão HBsAg
em pacientes antes HBsAg não reagentes.
Pacientes com HBsAg reagente ou HBsAg
não reagente com anti-HBc reagente (inde-
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Cirurgia - Volume 1 90Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
pendentemente dos títulos de anti-HBs),
que são candidatos à terapia com anti-CD20
(rituximab), anti-CD52 (alemtuzumab), qui-
mioterapia para neoplasias hematológicas
e transplante de medula óssea, são consi-
derados de alto risco para reativação viral,
devendo receber terapia profilática antes do
início do tratamento, independentemente
dos níveis de HBV-DNA.
COINFECÇÃO HBV-HIV: É necessária a
mesma avaliação clínica e laboratorial da
extensão da doença hepática, sendo os
critérios de tratamento semelhantes aos
que acabamos de ver. De acordo com as
últimas recomendações do Ministério da
Saúde, pessoas assintomáticas com LT-
CD4+ > 500 células/mm³ e coinfectadas
pelo vírus B com indicação de tratamento
da hepatite devem iniciar Terapia Antirre-
troviral (TARV). Como o tenofovir (TDF)
e a lamivudina (3TC) apresentam ação
contra os dois vírus, o esquema deve ter a
associação dessas duas drogas, sendo a
terceira o efavirenz.
COINFECÇÃO HBV-HDV: A modalidade
terapêutica selecionada pelo novo docu-
mento do MS constitui-se por administração
simultânea de alfapeguinterferona 2a e um
análogo de nucleos(t)ídeo durante 48 se-
manas, renovada por outras 48 semanas
mediante avaliação clínica e laboratorial. A
presença de sinais e sintomas que demons-
tram atividade da doença hepática e/ou
exames de função hepática com elevação
dos índices de AST/ALT justificam imediata
renovação do tratamento por mais 48 se-
manas, totalizando 96 semanas de terapia
combinada. Ao final da 48ª ou da 96ª sema-
na, os pacientes deverão continuar apenas
ANEXO: Estratificação do Risco para Reativação do hBv
Nível do
risco HBsAg(+) HBsAg(-) e anti-HBc (+)
Terapia
antiviral
Alto Quimioterapia;
anti-CD20 e/ou
anti-CD52; imunos-
supres sores para
transplantes (células-
-tronco, órgão sólido);
esteroides em com-
binação com outros
imunossupressores.
Quimioterapias para ma-
lignidade hemato lógica;
anti-CD20 e/ou anti-
-CD52.
Profilaxia.
Moderado Anti-TNF; manuten-
ção isolada de este-
roides em baixas do-
ses; outras terapias
imunossupressoras
sem esteroides.
Quimioterapia para tu-
mores sólidos; imunos -
supressores para trans-
plantes (células-tronco,
órgão sólido);
este roides em combina-
ção com outros imunos-
supressores.
Profilaxia ou preemptiva.
Baixo Esteroides isolados
por poucos dias.
Anti-TNF; manutenção
isolada de esteroides em
baixas dosagens, outras
terapias imunossupresso-
ras sem esteroides.
Nenhuma
profilaxia.
com os medicamentos de administração
oral, por tempo indefinido. A continuidade
do tratamento não está condicionada à
comprovação do HBV-DNA.
COINFECÇÃO HBV-HCV: Ver adiante.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2011
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO
ALCIDES CARNEIRO – PB
Com relação à hepatite B, marque a alterna-
tiva INCORRETA.
a) O estado de imunidade para a hepatite B é
dado pela presença de anti-HBS e anti-HBc
total positivos (após infecção); anti-HBs iso-
lado (após vacina).
b) Na infecção crônica pela hepatite B, temos
HbsAg e anti-HBc total positivos (HBeAg ou
anti-HBe positivo).
c) São metas do tratamento da hepatite B:
suprimir a replicação viral, induzir a remissão
da doença hepática e eliminação do vírus.
d) Quadros gripais, astenia, anorexia, cefa-
leia, pancitopenia, fenômenos autoimunes e
alterações psiquiátricas estão entre os efei-
tos colaterais do interferon.
e) Uma vantagem do interferon é a de po-
der ser feito na vigência de cirrose hepática
descompensada, que é uma das contraindi-
cações do uso da lamivudina.
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http://#videomiolo=15557-VIDEO_03_MEDCIR01_2018
Cirurgia - Volume 1 91Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
Inicialmente, ao analisarmos esta questão,
passamos pelas opções A e B que se referem
meramente a aspectos sorológicos e estão
corretas. O mesmo se pode dizer para as letras
C e D que destacam apenas conceitos básicos
sobre a terapia antiviral. Para responder essa
questão, é precisoentender que o interferon
atua aumentando a reação imunológica contra
a infecção viral. Lembre-se de que o dano cau-
sado pela hepatite é secundário diretamente à
resposta imunológica de cada um. O uso de
interferon paradoxalmente aumenta a lesão
hepatocelular na tentativa de curar o fígado da
infecção. Assim, nos pacientes com cirrose
descompensada, o tratamento com interferon
pode acabar por danificar ainda mais um fíga-
do com função limítrofe. Dessa maneira, é fácil
concluir que o interferon é contraindicado nes-
ses casos, ao contrário da lamivudina que é
bem tolerada por não induzir quase nenhum
tipo de efeito adverso. Opção “E” incorreta.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DO
PARANÁ – HC UFPR
Em relação à coinfecção HIV/HBV, considere
as seguintes afirmativas:
1. Indivíduos infectados pelo HIV que desenvol-
vem hepatite aguda pelo HBV têm risco 5 a 6
vezes maior de se tornarem portadores crônicos
do HBV quando comparados a HIV negativos.
2. Apresenta replicação viral mais elevada do
DNA do HBV e como consequência risco de
desenvolver doença crônica hepática grave.
3. A taxa de resistência à lamivudina é estima-
da em 15% a 30% ao ano e tem sido associada
ao uso prolongado dessa droga.
4. Os inibidores de protease e inibidores de
transcriptase reversa não nucleosídeos não
estão associados a uma maior hepatotoxici-
dade nesses pacientes.
Assinale a alternativa CORRETA.
a) Somente as afirmativas 1 e 2 são verdadeiras.
b) Somente as afirmativas 1, 2 e 3 são ver-
dadeiras.
c) Somente as afirmativas 3 e 4 são verdadeiras.
d) Somente a afirmativa 4 é verdadeira.
e) As afirmativas 1, 2, 3 e 4 são verdadeiras.
Vamos nos aprofundar um pouco mais nessa
coinfecção... Devido à imunodeficiência cau-
sada pelo HIV, os indivíduos não conseguirão
uma imunidade adequada contra o vírus B,
alterando drasticamente a história natural da
doença. Sendo assim, são pacientes que têm
chance 5-6 vezes maior de se tornarem porta-
dores crônicos (item 1 correto). São pacientes
também com menores taxas de soroconversão
HBeAg/Anti-HBe e HBsAg/anti-HBs, altas taxas
de replicação viral (item 2 correto), pior respos-
ta ao interferon (lembre-se que a imunidade já
está alterada), maior hepatotoxicidade pelas
drogas utilizadas na TARV (item 4 incorreto)
e maior mortalidade. A própria síndrome de
reconstituição imune que surge após a TARV
pode levar à piora acentuada da função hepáti-
ca. A lamivudina, uma das drogas que age con-
tra os dois vírus ao lado do tenofovir, tem como
seu pior efeito adverso o desenvolvimento de
resistência, ao selecionar as cepas mutantes
conhecidas como YMDD (item 3 correto). A
taxa de resistência pode passar de 20% após
um ano de tratamento até 70% no quarto ano
de uso. Resposta: B.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2010
UNIVERSIDADE FEDERAL
FLUMINENSE – UFF
A poliarterite nodosa relaciona-se mais fre-
quentemente com o vírus da hepatite:
a) A. c) C. e) E.
b) B. d) D.
Se você já se esqueceu, reveja no quadro
de conceitos. As principais manifestações ex-
tra-hepáticas relacionadas ao vírus B são as
lesões glomerulares (nefropatia membranosa)
e a poliarterite nodosa. Resposta: B.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2009
UNIVERSIDADE FEDERAL DE
PERNAMBUCO – UFPE
Assinale a alternativa CORRETA com relação
às hepatites virais.
a) O risco de cronificação da infecção pelo
vírus B em um adulto previamente hígido é de
cerca de 50%.
b) Um portador crônico do vírus B que se con-
tamina com o vírus delta (superinfecção) tem
pior prognóstico que aquele que adquire os
dois vírus concomitantemente (coinfecção).
c) O anticorpo anti-HBc é o marcador mais
útil para determinar a presença de infecção
pelo vírus B.
d) O risco de transmissão maternofetal do vírus
C é alto, estando indicado o tratamento com riba-
virina durante a gestação, para reduzir a viremia.
Pela última edição do Harrison, observa-
ções recentes sugerem que a verdadeira
taxa de infecção crônica após hepatite B
aguda clinicamente aparente é de apenas
1% em adultos jovens normais e imunocom-
petentes. Os números anteriores davam uma
taxa de cronicidade em torno de 10%, tam-
bém distante de 50% (A-Incorreta). O me-
lhor marcador para determinar a presença
do HBV é o HBsAg (C-Incorreta). Veremos
adiante que a ribavirina é reconhecidamen-
te uma droga teratogênica e não deve ser
utilizada na gestante. Além disso, não há
nenhuma profilaxia de transmissão vertical
para hepatite C (D-Incorreta). Resposta: B.
Como vimos dentro de “Síndromes Ictéricas”,
a hepatite D tem potencial de contribuir para
a gravidade da hepatite B crônica.
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Cirurgia - Volume 1 92Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
ABORDAGEM DA HEPATITE B (MINISTÉRIO DA SAÚDE)
Hepatite B crônica
HBeAg reagente
Contraindicação
PEG?
Sim
Cirrose com
descompensação
clínica?
Sim
Entecavir
1,0 mg/dia
Realizar
monitoramento
clínico e laboratorial
HBV-DNA
indetectável,
perda de HBsAg e
soroconversão anti-
Hbe em
2 exames
anuais?
Sim
Sim
Cirrose?
Sim
Manter tratamento com
análogos de nuclet(s)ídeos
Não
PEG 2a
180 mcg/semana
ou
PEG 2b
1,5 mcg/kg/semana
(48 semanas)
Não
HBV-DNA
24ª
semana
>20.000
Não
Sorocon-
versão
HBsAg em
48ª
semana?
Não
Iniciar trata-
mento com
análogos de
nucleot(s)ídeos
Sim
Sim
Sim
Resultado ideal
alcançadoNão
Não Contraindicação ao TDF?
Não
Tenofovir
300 mg/dia
Sim
Entecavir
0,5 mg/dia
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Cirurgia - Volume 1 93Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
Hepatite B
crônica HBeAg
não reagente
Cirrose com
descompensação
clínica?
Sim
Não
Não Não
Entecavir
1,0 mg/dia
Contraindicação
ao TDF?
Tenofovir
300 mg/dia
Entecavir
0,5 mg/dia
Sim
Realizar
monitoramento
clínico e
laboratorial
HBV-DNA
indetectável,
perda de HBsAg
e soroconversão
anti-HBs em 2
exames
anuais?
Sim
Sim
Cirrose? Não
Resultado ideal
alcançado
Manter
tratamento com
análogos de
nuclet(s)ídeos
Sim
Realizar
monitoramento
clínico e
laboratorial
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Cirurgia - Volume 1 94Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
hepatite viral C crônicaC
CRITÉRIO DIAGNÓSTICO: anti-HCV (ELI-
SA) positivo + HCV-RNA, por mais de seis
meses e/ou sinais biológicos ou histológicos
de hepatite crônica.
É COMUM A INFECÇÃO PELO VÍRUS C TOR-
NAR-SE CRÔNICA? É muito comum!! Isto
acontece em 80-90% dos casos, independente
da faixa etária. A maioria dos pacientes não se
recorda de ter apresentado nenhum quadro clí-
nico semelhante a uma hepatite aguda clássica.
POR QUE É TÃO COMUM A CRONIFICAÇÃO?
O vírus C é extremamente mutagênico, “esca-
pando” do sistema imunológico do hospedeiro.
HISTÓRIA NATURAL: Após acompanhamen-
to de 20 anos, a infecção crônica pelo vírus C
pode tomar três tipos de rumo:
• Estável: 30% dos casos.
• Evolução para cirrose descompensada: 20-
30% dos casos.
• Curso variável (entre os extremos): restante
dos casos.
SOBRE O DIAGNÓSTICO SOROLÓGICO:
• Infecção ativa = anti-HCV positivo + HCV
-RNA positivo.
• Infecção curada ou falso-positivo = anti
-HCV positivo + HCV-RNA negativo.
FATORES PROGNÓSTICOS:
Os pacientes podem ser divididos em: progres-
sores rápidos (evoluem para cirrose em menos
de 20 anos); intermediários (evoluem para
cirrose em 20 a 50 anos); e progressores lentos
ou não progressores (podem levar mais de 50
anos para desenvolver cirrose). Entre os prin-
cipais preditores de evolução para cirrose des-
compensada e hepatocarcinoma, temos:
1- Biópsia hepática demonstrando intensidade
moderada ou acentuada de inflamação, necro-
se e/ou fibrose. Este é o principal preditor!!!
2- Outros maus preditores: alcoolismo, coin-
fecções (HCV-HIV, HCV-HBV), imunossupres-
são, idade > 40 anos, sexo masculino, duração
prolongada da infecção, obesidade, negros
americanos, ferro hepático elevado, hepato-
patias concomitantes, grande variedade de
“quasiespecies” do vírus C, má aderência ao
tratamento, carga viral elevada.
IMPORTÂNCIA DO GENÓTIPO: O vírus C
possui seis genótipos principais, sendo a te-
rapia guiada por este parâmetro.COMPLICAÇÕES HEPÁTICAS:
(1) Cirrose descompensada: 20-30% dos
casos (fatores de risco acima); atualmente, a
hepatite C é a maior responsável pelos casos
de cirrose descompensada e transplante he-
pático nos EUA.
(2) Hepatocarcinoma: ocorre apenas nos cir-
róticos, numa taxa de 5-10% em 5 anos.
QUAIS SÃO AS MANIFESTAÇÕES EXTRA-
-HEPÁTICAS?
(1) Glomerulonefrite membranoproliferativa
(mesangiocapilar).
(2) Crioglobulinemia mista tipo II: cursa com
vasculite cutânea (púrpura palpável), glomeru-
lonefrite, fenômeno de Raynaud e aumento
das crioglobulinas. A hepatite C é a causa
mais comum desta desordem, responsável
por 90% dos casos!
(3) Líquen plano.
(4) Porfiria cutânea tardia.
TRATAMENTO: Ver texto. Atentar para a
importância recebida pelos antivirais diretos
nas recomendações mais recentes.
FONTES:
• Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas
para Hepatite Viral C e Coinfecções – MS.
• Diagnosis, Management and Treatment of
Hepatitis C – AASLD.
• Hepatite C crônica: Tratamento – SBH.
Introdução
Os conceitos sobre a hepatite C crônica são
semelhantes aos da hepatite B crônica, com
algumas exceções:
• Não há fases diferentes de atividade viral
(replicativa, não replicativa).
• As transaminases são menos elevadas e
mais flutuantes e, por isso, seus valores são
menos determinantes que na hepatite B.
• Apesar da alta taxa de cronificação, a evolu-
ção da hepatopatia é bem mais arrastada e
o hepatocarcinoma praticamente só ocorre
naqueles que já apresentam cirrose. Mas
não se enganem. Como a infecção é muito
prevalente, a hepatite C é atualmente a cau-
sa mais comum de cirrose descompensada
e transplante hepático nos EUA.
• As manifestações extra-hepáticas são di-
ferentes e menos comuns.
• Nos exames laboratoriais podemos encontrar
autoanticorpos como o anti-LKM1 (se você
não se lembra mais, reveja a apostila de
“Síndrome Ictérica”, em hepatite autoimune).
• Saber qual é o genótipo é fundamental para
orientar a terapia.
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Cirurgia - Volume 1 95Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
Abordagem geral
Uma condição frequente nos dias de hoje é
atender um paciente, que por algum motivo
(campanha, doação de sangue etc.), realizou
sorologia que se mostrou positivo para hepa-
tite C – anti-HCV (+). O que devemos fazer
neste momento?? Vamos organizar nossos
passos numa forma bem equivalente à abor-
dagem da hepatite crônica pelo vírus B.
PRIMEIRO PASSO: A pesquisa do anti-HCV
por imunoensaios ou testes rápidos (imunocro-
matografia) está sujeita a resultados falso-positi-
vos (ex.: presença de fator reumatoide no soro).
Assim, devemos sempre confirmar o diagnósti-
co, a partir de testes moleculares de detecção
de ácidos nucleicos, denominados HCV-RNA.
ATENÇÃO: Todo ano cai uma questão com essa
“pegadinha”! Esses testes podem ser do tipo
qualitativo ou quantitativo. Atualmente, recomen-
da-se o método quantitativo para diagnóstico e
monitoramento. Alguns detalhes:
• Em pacientes anti-HCV (+) e HCV-RNA
(-), mas com fatores de risco para infecção
pelo vírus C, é recomendada a pesquisa
de HCV-RNA no intervalo de seis meses
para confirmar a ausência de viremia.
• Em pacientes imunossuprimidos, o HCV
-RNA deve ser solicitado independente-
mente do resultado do anti-HCV.
O HCV-RNA é indicado:
• Para confirmar diagnóstico de hepatite C.
• Para caracterizar transmissão vertical.
• Em acidentes com materiais biológicos,
para definir a transmissão.
• No monitoramento clínico, para avaliar
resposta virológica.
SEGUNDO PASSO: Confirmado o diagnósti-
co, o paciente deve ter consultas no intervalo de
2-4 meses e exames complementares devem
ser solicitados conforme o quadro a seguir:
Anti-HAV/HBsAg/Anti-
HBc/Anti-HBs
Para determinar a
imunização e coin-
fecções
Anti-HIV
Beta-hCG A cada 6 meses
(mulheres em idade
reprodutiva)
Endoscopia digestiva alta A cada 6-12 meses,
conforme diagnósti-
co de cirrose
Biópsia hepática A cada 3-5 anos
Elastografia hepática Individualizar
Hemograma
A cada 3-6 meses
Coagulograma
Na (sódio)/K (potássio)/
ureia/creatinina
Clearance de creatinina
AST/TGO (aspartato
aminotransferase),
ALT/TGP (alanina ami-
notransferase)
Fosfatase alcalina/
gama glutamil
transferase/bilirrubina
total e frações A cada 3-6 meses
Glicemia de jejum
Proteína total/albumina
Urina tipo 1
TSH/T4L A cada 12 meses ou
conforme tratamen-
to instruído
HCV-RNA quantitativo
(carga viral)
Na confirmação do
diagnóstico, no pré-
-tratamento e duran-
te e após o tratamen-
to, conforme a moda-
lidade escolhida
Lipídios (colesterol total
e frações, triglicérides),
ferritina/ferro sérico/satu-
ração transferrina
A cada 12 meses
Reparem que a sorologia para hepatites A e B
é importante, pois os pacientes devem ser imu-
nizados para elas caso sejam susceptíveis. A
biópsia hepática, por sua vez, é o exame pa-
drão-ouro para a definição do grau de acome-
timento hepático, além de ser útil no diagnós-
tico de outras doenças hepáticas concomitan-
tes. A preferência se dá pela biópsia por agulha
transcutânea, pois permite a retirada de frag-
mentos de áreas distantes da cápsula de Glis-
son e dispensa a anestesia geral. A biópsia
ideal deve ser cilíndrica, não fragmentada,
contendo de 10 a 20 espaços-porta. Se a opção
for a biópsia cirúrgica, orienta-se o cirurgião a
realizar coleta de material em cunha profunda
e evitar a região subcapsular. Para biopsiar, o
paciente deve ter doença hepática compensa-
da; contagem de plaquetas > 60.000/mm3;
atividade de protrombina > 50%. Embora em
alguns casos não seja obrigatória para iniciar
o tratamento (ex: coinfecção com o HIV), a
biópsia hepática poderá ser realizada quando
houver dúvida no diagnóstico, para auxiliar a
decisão de iniciar ou postergar o tratamento.
Em algumas situações, a biópsia hepática
percutânea está contraindicada:
• Contraindicações relativas: ascite, obe-
sidade mórbida, possibilidade de lesões
hepáticas vasculares, amiloidose, incapa-
cidade de cooperação do paciente.
• Contraindicações absolutas: coagulo-
patia grave, infecção no parênquima he-
pático e obstrução biliar extra-hepática.
Quando indisponível ou contraindicada, reco-
menda-se a realização de métodos não inva-
sivos, como a elastografia hepática e os es-
cores APRI e FIB4. Tais métodos podem ser
úteis para identificar o estágio de fibrose
avançada (F3 e F4), mas os resultados podem
ser alterados na presença de intensa ativida-
de inflamatória.
A elastografia permite a estratificação dos
graus de fibrose e pode ser realizada por di-
ferentes metodologias, sendo uma de suas
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Cirurgia - Volume 1 96Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
principais vantagens a avaliação de uma área
maior do que a avaliada por fragmento de
biópsia hepática. Outra vantagem seria a ob-
tenção de resultados que reproduzem a real
situação do parênquima. Suas principais limi-
tações são a especificidade da tecnologia; o
inadequado treinamento do profissional de
saúde que realiza o exame; o custo; a neces-
sidade de atualização e manutenção de equi-
pamentos; e a potencial interferência em si-
tuações que aumentam a rigidez hepática,
independentemente de fibrose e de atividade
necroinflamatória (ALT > 5x LSN), colestase
e ascite. A elastografia também apresenta li-
mitações adicionais – como valores de refe-
rência distintos, variando de acordo com a
etiologia da doença hepática, e eventual mau
desempenho em casos de obesidade. Ela não
está validada para pacientes portadores de
comorbidades que apresentem alterações do
parênquima ou da função hepática, como es-
quistossomose, leishmaniose e hepatite D
(Delta). O tratamento fica recomendado na-
queles com resultado de elastografia de onda
transitória ≥ 9,5 kPa (corresponde ao estágio
F3 de fibrose hepática).
Na ausência de métodos preferenciais como
biópsia ou elastografia, outra opção seria a
utilização dos escores APRI e FIB4 (veja os
cálculos a seguir). O tratamento está indicado
para pacientes monoinfectados pelo HCVcom
APRI > 1,5 ou FIB4 > 3,25, caracterizando
METAVIR ≥ F3. Tais índices, no entanto, só
devem ser utilizados nos casos de monoinfec-
ção pelo HCV, já que coinfecções podem
superestimar o grau de envolvimento hepático.
Para calcular o APRI:
Para calcular o FIB4:
Valor de AST (UI/L)
Limite superior normal de AST
(UI/L)
Contagem de plaquetas (109)
APRI = x 100
Idade (anos) x AST (UI/L)
Contagem de plaquetas (109)
x ALT (UI/L)
FIB4 =
TERCEIRO PASSO: Este é um grande
diferencial para a hepatite B. O genótipo da
infecção viral deve ser determinado em todos
os pacientes candidatos ao tratamento, pois,
como veremos a seguir, a terapia é guiada de
acordo com este dado.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2010
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS – BAHIA
Mulher, 52 anos de idade, assintomática, em
início de menopausa, apresentou em exames
de rotina AST: 210U/dl, ALT:102U/dl gama-
glutamiltransferase: 92U/l. Não faz reposição
hormonal. Nega transfusões sanguíneas e tem
apenas um parceiro sexual. O exame físico é
normal. Realizou exames adicionais que revela-
ram Hb: 13,2 g/dl, Ht: 37%, leucograma: 5.700
leucócitos/mm³ sem desvios, glicemia: 82 mg/
dl. Anti-HCV positivo, AgHBs negativo, índice
de saturação de transferrina: 40%, ferritina
sérica: 850mcg/dl. Anticorpos antimitocôndria,
antimúsculo liso e anti-LKM negativos. Anticor-
pos anti-TPO positivos. O passo seguinte, entre
os exames complementares, é:
a) Repetir o Anti-HCV.
b) Realizar PCR para o RNA do vírus C da
hepatite.
c) Pesquisar mutações da hemocromatose.
d) Pesquisar anticorpos anti-DNA nativo e FAN.
e) Realizar biópsia hepática.
Apesar da longa história, poderíamos re-
sumir: na presença de um anti-HCV (+), qual
deve ser o nosso próximo passo??? Confirmar
a infecção pelo vírus C realizando PCR-RNA...
Alguma dúvida poderia surgir com relação à
Hemocromatose Hereditária (HH) pelo aumen-
to da ferritina. Mas essa elevação pode ocor-
rer na infecção pelo vírus C e como veremos
mais à frente, na HH o índice de saturação da
transferrina seria mais alto. Resposta: B. Uma
curiosidade!!! Quanto ao anti-TPO, temos aqui
algo interessante a marcar. Os pacientes com
vírus C podem produzir diversos autoanticorpos
como antinucleares, antimúsculo liso, anticorpo
anti-LKM-1, antimitocondrial, anticorpo cito-
plasmático antineutrófilo (ANCA), antipeptídio
citrulinado (anti-CCP) e anticorpo antiperoxida-
se (anti-TPO). Contudo, são apenas achados,
pois a presença deles não influenciaria o perfil
clínico, bioquímico, nem a resposta ao trata-
mento. Portanto, ele é apenas um dado, mas
que não altera a resposta em nada.
Tratamento
(Obs: atenção especial para este tópico, pois
mudanças importantíssimas apareceram nos
últimos anos! )
Você bem conhece o vírus HIV... O que ele tem
de especial? Trata-se de um dos vírus mais
mutagênicos do mundo e, por isso, é capaz de
escapar do sistema imunológico do hospedeiro
e das drogas antirretrovirais. Uma única droga
não trata o HIV: são necessárias pelo menos
três drogas (terapia tríplice antirretroviral). O
tratamento pode conter o vírus por muitos anos,
mas infelizmente não confere a cura.
Façamos agora uma comparação do HIV com
outro vírus: o vírus da hepatite C. Este último
também é bastante mutagênico, diferente do
vírus B. Isto explica alguns fatos:
(1) É o vírus da hepatite que mais cronifi-
ca, por “escapar” do sistema imune do
hospedeiro. Num paciente infectado, o
genoma dos vírus C circulantes não é
homogêneo. Na verdade, existe uma se-
quência dominante entre eles com uma
região variável que se altera no curso da
infecção. A essa população com sequên-
cia genética diferenciada damos o nome
de “quasiespecies”. Quanto maior a diver-
sidade destas “quasiespecies”, menor a
chance de responder ao tratamento.
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Cirurgia - Volume 1 97Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
(2) Não existe até hoje vacina eficaz contra
a hepatite C (assim como também não
existe contra o HIV): a mutagenicidade
viral “escapa” da resposta imune vacinal!!
(3) O tratamento da hepatite C crônica não
deve ser feita com monoterapia: pelo
menos duas drogas devem pertencer ao
esquema antivírus C. Felizmente, o vírus
C não é tão mutagênico quanto o HIV e,
com a terapia atualmente recomendada,
existe uma alta chance de cura!!!
E aí é que entramos em um tema fascinante:
vivemos um momento de grande transforma-
ção no tratamento da hepatite C! A terapia que,
desde que passou a ser recomendada, basea-
va-se na combinação entre interferon e ribavi-
rina, sofreu uma importante modificação com
a introdução dos novos antivirais. Essas me-
dicações atuam diretamente sobre o vírus e
interrompem a sua replicação, algo até então
inédito para um tratamento que se pautava na
modulação da resposta imune...
Assim, entraves sempre reconhecidos, como
baixo índice de cura; tempo prolongado de te-
rapia e administração concomitante de medica-
mento injetável (interferon) e de elevado núme-
ro de comprimidos por dia (ribavirina) acabaram
sendo superados. E a história começou a mudar
de figura com a disponibilização do boceprevir
e o telaprevir (inibidores de protease de primei-
ra geração), cujos resultados preliminares já
anteviam uma mudança na história natural da
doença. Posteriormente, essa mudança se con-
firmou com a entrada dos antivirais mais recen-
tes, entre os quais se incluem: o sofosbuvir (um
análogo nucleotídeo que inibe a polimerase do
HCV); o simeprevir (um inibidor de protease de
segunda geração); e o daclatasvir (um inibidor
da NS5A). Além desses, temos também o es-
quema 3D, com a associação dos fármacos
ombitasvir (inibidor de NS5A); dasabuvir (ini-
bidor não nucleosídico da polimerase NS5B); e
veruprevir (inibidor de protease NS3/4A) com
ritonavir (potencializador farmacocinético).
Nessa linha de raciocínio, o Ministério da Saú-
de estabeleceu, em sua última diretriz, uma
importante atualização nas suas recomenda-
ções. Vamos acompanhar a partir de agora
todas essas novas orientações.
Indicações
De acordo com o protocolo brasileiro para
tratamento da hepatite C, a terapia fica indi-
cada nas seguintes situações:
- Biópsia hepática com resultado METAVIR
F3 ou F4 (fibrose hepática avançada) ou
evidências clínicas de cirrose (varizes de
esôfago, ascite, alterações da morfologia
hepática compatíveis com cirrose);
- Biópsia hepática ou elastografia hepática
com resultado METAVIR F2 presente há
mais de três anos.
Na ausência de doença hepática avançada, o
tratamento está indicado para os pacientes
com diagnóstico de hepatite C crônica incluí-
dos nas situações abaixo:
- Coinfecção com o HIV;
- Coinfecção com HBV;
- Manifestações extra-hepáticas com acome-
timento neurológico motor incapacitante,
porfiria cutânea, líquen plano grave com
envolvimento de mucosa;
- Crioglobulinemia com manifestação em ór-
gão-alvo (glomerulonefrite, vasculites, envol-
vimento de olhos, pulmão e sistema nervoso
periférico e central);
- Poliarterite nodosa;
- Insuficiência renal crônica;
- Púrpura Trombocitopênica Idiopática (PTI);
- Pós-transplante de fígado e de outros órgãos
sólidos;
- Linfoma, gamopatia monoclonal, mieloma
múltiplo e outras doenças hematológicas
malignas;
- Hepatite auto-imune;
- Hemofilia e outras coagulopatias hereditárias;
- Hemoglobinopatias e anemias hemolíticas.
Esquemas terapêuticos
O tratamento é conduzido de acordo com o
genótipo do HCV. Os pacientes que nunca
foram tratados são designados como “pacien-
tes virgens de tratamento” (treatment-naïve)
e os portadores de histórico de terapia antivi-
ral, como “paciente experimentados com tra-
tamento” (treatment-experienced).
genótipo 1
A base do tratamento se faz com o sofosbu-
vir, sendo, de uma forma geral, equivalentes
a associação com o simeprevir ou o dacla-
tasvir. Devido à possibilidade de resistência
cruzada do simeprevir e esquema 3D com
antirretrovirais, dá-se preferência pelo da-
clatasvir na coinfecção com o HIV. Está in-
dicado o ajuste posológicodo daclatasvir
para pacientes em uso de TARV que conte-
nha efavirenz e atazanavir/ritonavir. Nevira-
pina e etravirina não são recomendados com
daclatasvir.
Outro item a ser considerado é o acréscimo
da ribavirina para todos os esquemas a seguir,
sendo particularmente benéfica nos pacientes
preditores de má resposta ao tratamento, pa-
cientes experimentados e com cirrose.
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Cirurgia - Volume 1 98Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
Monoinfecção HCV: sofosbuvir + simprevir
(ou) sofosbuvir + daclatasvir (ou) ombistavir
+ veruprevir + ritonavir e dasabuvir, por 12
semanas. O esquema 3D não deve ser usa-
do no genótipo 1a, se paciente tem cirrose
Child-Pugh A.
Coinfecção HIV/HCV: sofosbuvir + daclatas-
vir, por 12 semanas. Na presença de insufi-
ciência renal, indica-se o tratamento com o
esquema 3D.
Monoinfecção HCV ou coinfecção HCV/HIV
experimentado com telaprevir/boceprevir sem
cirrose: sofosbuvir + daclatasvir, por 12 se-
manas. Aumentar para 24 semanas na pre-
sença de cirrose ou Child-Pugh B e C.
genótipo 2
Sofosbuvir + ribavirina, por 12 semanas. Se
intolerante à ribavirina: sofosbuvir + dacla-
tasvir, por 12 semanas. Na presença de cir-
rose: sofosbuvir + daclatasvir +/- ribavirina,
por 12 semanas.
genótipo 3
Sofosbuvir + alfapeguinterferona, por 12 se-
manas. Se PEG-IFN contradindicado: sofos-
buvir + daclatasvir +/- ribavirina, por 12 se-
manas. Se PEG-IFN contraindicado com
cirrose: sofosbuvir + daclatasvir +/- ribavirina,
por 24 semanas.
genótipo 4
Sofosbuvir + daclatasvir +/- ribavirina ou so-
fosbuvir + simeprevir +/- ribavirina, por 12
semanas. Na presença de cirrose: sofosbuvir
+ daclatasvir +/- ribavirina, por 24 semanas.
genótipo 5 e 6
Sofosbuvir + daclatasvir +/- ribavirina, por 12
semanas. Na presença de cirrose: sofosbuvir
+ daclatasvir +/- ribavirina, por 24 semanas.
poSologiA
- Alfapeguinterferona2a 40 KDa – 180 mcg/
semana via SC.
- Alfapeguinterferona2b 12 KDa – 1,5 mcg/kg/
semana via SC.
- Ribavirina comprimidos de 250 mg – 11 mg/
kg/dia VO ou 1 g (< 75 kg) e 1,2 g (> 75 kg).
- Sofosbuvir comprimidos de 400 mg – 400
mg/dia VO.
- Daclatasvir comprimidos de 30-60 mg – 30-
60 mg/dia VO.
- Simeprevir comprimidos de 150 mg – 150
mg/dia VO.
- Veruprevir 75 mg / ritonavir 50 mg / ombitas-
vir 12,5 mg – 2 comprimidos uma vez ao dia
(pela manhã) + 1 comprimido de dasabuvir
250 mg – duas vezes ao dia (manhã e noite).
Eventos Adversos
Quanto ao interferon, os principais já foram
descritos anteriormente, a exemplo das altera-
ções hematológicas, sintomas gripais, distúrbios
psiquiátricos etc. De acordo com a diretriz bra-
sileira, este grupo fica contraindicado nos casos
de: cardiopatia grave; disfunção tireoidiana não
controlada; distúrbios psiquiátricos não tratados;
neoplasia recente; insuficiência hepática; ante-
cedente de transplante que não de fígado; dis-
túrbios hematológicos: anemia, leucopenia,
plaquetopenia; e doença autoimune.
Para a ribavirina, os principais são teratoge-
nicidade, hemólise, prurido, congestão nasal
e gota. Assim, a droga fica contraindicada em
caso de alergia, gravidez (deverá ser evitada
por até seis meses após o término do trata-
mento); durante a amamentação; história
prévia de insuficiência cardíaca grave, incluin-
do doença cardíaca instável ou não controla-
da nos seis meses anteriores (a critério médi-
co); disfunção hepática grave ou cirrose des-
compensada (a critério médico); hemoglobi-
nopatias (talassemia, anemia falciforme,
dentre outras); e hemoglobina < 8,5 g/dl. O
uso de eritropoetina (até 40.000 UI/semana)
deve ser recomendado em caso de anemia
grave associada à ribavirina. Como a elimina-
ção da ribavirina é renal, esta droga também
deve ser evitada nos nefropatas.
Para os antivirais de ação direta (sofosbuvir,
simeprevir e daclatasvir), as manifestações
são geralmente leves. Alguns desses medica-
mentos podem causar eventos adversos espe-
cíficos, como fotossensibilidade e elevação da
bilirrubina indireta (simeprevir) e elevação de
transaminases (esquema 3D). É contraindicada
a utilização concomitante da amiodarona com
sofosbuvir, daclatasvir e o esquema 3D. Sime-
previr e o esquema 3D são contraindicados em
pacientes com cirrose Child B ou C.
Objetivos
O principal objetivo do tratamento é a erradi-
cação do vírus! Consequentemente, espera-se
o aumento na expectativa e na qualidade de
vida do paciente, a diminuição de complica-
ções da hepatopatia crônica e a redução na
transmissão do HCV. Para isso, o resultado
ideal é a Resposta Virológica Sustentada
(RVS), quando temos, após o tratamento, a
indetectabilidade do HCV-RNA em 24 sema-
nas (em esquemas com interferon) ou 12 ou
24 semanas (em esquemas sem interferon).
A mensuração do HCV-RNA deve ser realiza-
da por metodologia de Real Time PCR com
limite de detecção < 12 UI/ml. É importante
ressaltar, no entanto, que, nos pacientes com
cirrose hepática instalada, a erradicação do
HCV não afasta o risco de hepatocarcinoma
ou descompensação clínica. Além disso, a
hepatite C (aguda ou crônica) não confere
imunidade protetora após a primeira infecção,
havendo o risco de reinfecção. Mesmo após
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Cirurgia - Volume 1 99Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
a eliminação espontânea do HCV na fase
aguda ou após a RVS, o paciente permanece
sujeito à reinfecção caso mantenha a exposi-
ção aos fatores relacionados à infecção. As
populações mais vulneráveis à reinfecção são:
homens que fazem sexo com homens (HSH);
pessoas vivendo com HIV/Aids (PVHA); pes-
soas que usam drogas; entre outros. Nessas
circunstâncias, são fundamentais o contínuo
acompanhamento e o aconselhamento sobre
a prevenção de reinfecções, além do monito-
ramento, pelo menos anual, do HCV-RNA.
Fatores associados à menor eficácia terapêutica:
alcoolismo, coinfecções (HCV- HIV, HCV-HBV),
idade > 40 anos, sexo masculino, imunossupres-
são, duração prolongada da infecção, obesida-
de, negros americanos, ferro hepático elevado,
hepatopatias concomitantes, grande variedade
de “quasiespecies” do vírus C, má aderência,
carga viral elevada (> 600.000 UI/ml).
4. Fibrose hepática não avançada.
5. Infecções pelos genótipos 1 e 4.
São fatores de risco para a NÃO obtenção
da resposta virológica sustentada (RVS) em
pacientes coinfectados HIV/HCV:
a) 1, 2 e 5 apenas.
b) 1, 2 e 4 apenas.
c) 1, 3 e 5 apenas.
d) 1, 2, 3, 4 e 5.
e) 2, 3, 4 e 5 apenas.
Vamos aprender mais um conceito com a
questão! Buscando marcar os fatores de mau
prognóstico, podemos dizer que:
Item 1 correto, 4 incorreto: quanto maior a
carga viral, mais difícil de combatê-la. As ca-
racterísticas associadas ao sucesso terapêu-
tico são: genótipo viral não 1, carga viral baixa
(< 600.000 UI/ml), ausência de fibrose, ativi-
dade inflamatória inexistente ou mínima e
ausência de obesidade.
Item 2 incorreto, 5 correto: o HCV é classi-
ficado em seis principais genótipos (1 a 6),
diversos subtipos e cerca de 100 diferentes
cepas, com base na heterogeneidade da
sequência genômica. Os genótipos 1, 2 e 3
têm distribuição mundial: entre eles, os ge-
nótipos 1a e 1b são os mais comuns, repre-
sentando 60% das infecções no mundo. No
Brasil, são encontrados, principalmente, os
genótipos 1a, 1b, 2a, 2b e 3, com predomi-
nância do genótipo 1 sobre genótipos não
1. Alguns autores consideram o genótipo
como o mais forte preditor de resposta ao
tratamento, sendo a pior resposta relaciona-
da ao genótipo 1 (dados obtidos antes dos
novos antivirais). Os genótipos 2 e 3, quan-
do associados com carga viral elevada (>
600.000 UI/ml) e comprometimento histoló-
gico significativo (METAVIR ≥ F3), também
implicam pior resposta ao tratamento.
Item 3 correto: o gene IL28B participa da res-
posta imune contra o vírus C, codificando a
produção do interferon lambda, que está rela-
cionado ao clareamento espontâneo do HCV
por interagir com receptores transmembrana
e induzir potente resposta antiviral. Existem
três genótipos para este gene: CC, CT e TT.
Os indivíduosCC são os de melhor resposta
imune e à terapia com IFN e ribavirina. Os “não
CC” representam o oposto.
Assim, a melhor resposta é o item C.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2010
HOSPITAL DA POLÍCIA MILITAR
HPM – MG
Entre as infecções crônicas abaixo, a que
mais frequentemente está associada à crio-
globulinemia é:
a) Tuberculose pulmonar.
b) Pneumonia por micoplasma.
c) Hepatite pelo vírus C.
d) Pneumonia por Pneumocisti carinii.
Vocês certamente já viram uma questão que
perguntava sobre manifestações extra-hepáti-
cas da hepatite B, como a nefropatia membra-
nosa, não é mesmo? Agora, para a hepatite C,
trata-se da crioglobulinemia! Resposta: C.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2016
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO
ANTÔNIO PEDRO – RJ
Em maio de 2015, a Comissão Nacional de
Incorporação de Tecnologias no SUS (Coni-
tec) apresentou um novo Protocolo Clínico e
Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para Hepatite
C, recomendando, entre outros medicamen-
tos, a inclusão dos seguintes:
a) Daclastasvir, sofosbuvir e simeprevir.
b) Dasabuvir, telaprevir e boceprevir.
c) Sofosbuvir, simeprevir e telaprevir.
d) Sirolimo, tacrolimo e daclatasvir.
e) Dasabuvir, boceprevir e tacrolimo.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2016
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL
DO TOCANTINS – TO
Com relação aos pacientes portadores de
hepatite C crônica e, de acordo com o novo
protocolo do Ministério de Saúde, os pacien-
tes portadores do vírus da hepatite C, forma
crônica, monoinfectados, com genótipo 1a e
1b, terão tratamento indicado com:
a) Interferon + Ribavirina por 24 semanas.
b) Sofosbuvir + Simeprevir por 12 semanas.
c) Interferon peguilado + Simeprevir por 24
semanas.
d) Sofosbuvir + Daclatasvir por 24 semanas.
e) Boceprevir + Ribavirina por 12 semanas.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2014
UNIVERSIDADE FEDERAL
DO PARANÁ – HC UFPR
Considere os seguintes fatores de risco:
1. HCV-RNA elevado.
2. Infecção pelos genótipos 2 e 4 do HCV.
3. Alelos desfavoráveis do gene IL28B (Não
–CC).
http://#scrolldown
http://#videomiolo=15557-VIDEO_04_MEDCIR01_2018
Cirurgia - Volume 1 100Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
Situações Especiais
GESTAÇÃO: por conta dos efeitos terato-
gênicos da ribavirina e da alfapeguinterferona
e da ausência de estudos que garantam a
segurança no uso dos novos medicamentos,
o tratamento fica contraindicado. Além disso,
é recomendado que a gravidez seja evitada
durante todo o tratamento antiviral e durante
os seis meses seguintes ao seu término. O
aleitamento também deve ser evitado durante
a terapia – se não estiver tratando, ele pode
ser realizado, desde que na ausência de le-
sões nos mamilos ou de coinfecção pelo HIV.
DOENÇA RENAL CRÔNICA: devem ser
tratados com esquema sem alfapeguinterfe-
rona e, se possível, sem ribavirina, pelo mes-
mo tempo que acabamos de ver. Em pacien-
tes com disfunção renal leve a moderada
(clearance de creatinina > 30 ml/min), não há
contraindicação do uso de DAA, nem é neces-
sário o ajuste da dose dos medicamentos
recomendados. Para pacientes com genótipo
1, coinfectados ou não pelo HIV, e com clea-
rance de creatinina < 30 ml/min, o esquema
terapêutico preferencial é o 3D.
COINFECÇÃO HCV-HIV: devem receber
tratamento compatível com sua terapia antir-
retroviral e a escolha se dá conforme o genó-
tipo do vírus C.
COINFECÇÃO HCV-HBV: os pacientes
devem ser prioritariamente tratados, inde-
pendentemente do grau de fibrose, também
de acordo com o genótipo. A reativação viral
da hepatite B tem sido descrita naqueles
tratados com os novos antivirais durante ou
após o término do tratamento. Os indivíduos
com HBsAg positivo devem realizar o teste
de HBV-DNA, e os casos com indicação te-
rapêutica do HBV devem iniciar o tratamen-
to para hepatite B antes ou ao mesmo tem-
po em que se iniciar a terapia para o HCV.
Pacientes com HBV-DNA indetectável ou
baixo (< 2000 UI/ml) deverão ser monitora-
dos a cada quatro semanas.
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Cirurgia - Volume 1 101Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
DOENçA hEPáTICA AlCOólICA
LESÕES PELO ÁLCOOL: (1) Esteatose (90-100%); (2) Hepatite Alcoólica (10-20%); (3) Cirrose
(8-20%).
PORCENTAGEM DE ALCOÓLATRAS COM DOENÇA HEPÁTICA: 15%.
FATORES DE RISCO: quantidade e duração da ingestão alcoólica; sexo feminino; HCV (idade
mais precoce); fatores genéticos (PNPLA3); obesos.
LIMITES DE USO: 40 – 80 g/dia para homens; > 20 g/dia para mulheres (10 anos).
ESTEATOSE HEPÁTICA
• Acúmulo de lipídios nos hepatócitos centrolobulares.
• Assintomática; eventualmente hepatomegalia dolorosa.
• Pode regredir (abstinência alcoólica), evoluir para hepatite alcoólica ou, em alguns casos, pro-
gredir diretamente para cirrose.
HEPATITE ALCOÓLICA
• Vimos na apostila de “Síndromes Ictéricas”, levando à hepatomegalia dolorosa, ascite, icterícia,
febre baixa, leucocitose.
CIRROSE HEPÁTICA
• Estágio terminal.
• Micronodular.
• Achados de insuficiência hepatocelular e hipertensão porta semelhante às outras causas de cirrose.
DIANGÓSTICO: História de uso crônico e “pesado” de álcool + Clínica + Laboratório + Biópsia
(se necessário).
TRATAMENTO:
• Esteatose: Abstinência, Terapia nutricional e Aconselhamento em centro especializado.
• Hepatite Alcoólica: Corticoides (prednisona 40 mg/dia ou prednisolona 32 mg/dia por quatro
semanas), Pentoxifilina.
• Cirrose: Transplante hepático. É necessária abstinência por seis meses.
Introdução
O etanol (álcool etílico) é uma substância que
acompanha a humanidade desde seus pri-
mórdios, como elemento presente em rituais
religiosos, eventos sociais ou ainda nos mo-
mentos de confraternização. Contudo, o uso
abusivo do álcool é um importante problema
COMPlICAçõES RElACIONADAS
AO CONSUMO DO álCOOl
Gastrointestinais
Cardiovasculares
1. Doença hepática alcoólica (esteatose, hepatite alcoólica, cirrose).
2. Diarreia (aquosa, acarretada pelo álcool, ou esteatorreia, devido
à pancreatite).
3. Pancreatite (embora ataques agudos ocorram, usualmente há
doença crônica subjacente).
4. Gastrite, esofagite.
1. HAS.
2. Cardiomiopatia.
3. Arritmias.
de saúde pública, causando considerável
impacto social e econômico. O álcool pode
acometer diversos órgãos e sistemas, con-
forme demonstrado na tabela a seguir. Den-
tre as inúmeras complicações relacionadas,
a hepatopatia alcoólica se destaca, pela sua
prevalência e mortalidade e é dela que fala-
remos a partir de agora.
101
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Cirurgia - Volume 1 102Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
Fisiopatologia
metABoliSmo do álcool
Nos Hepatócitos...
O fígado é o órgão mais importante no me-
tabolismo do etanol. Existem três enzimas,
presentes nos hepatócitos, que são respon-
sáveis por sua oxidação inicial, convertendo-o
em Acetaldeído:
(1) Desidrogenase Alcoólica: Responsável
por todo o metabolismo do etanol em condi-
ções normais, de baixa concentração tecidual
do álcool (< 50 mg/dl).
(2) CYP2E1: Integrante do complexo do ci-
tocromo P450, a CYP2E1 tem sua atividade
aumentada pelo alcoolismo crônico, sendo
particularmente importante nos pacientes com
maior concentração tecidual de etanol, agindo
de forma complementar à ADH.
(3) Catalase: Presente nos peroxissomas e
mitocôndrias, possui papel menor no metabo-
lismo do etanol.
Em seguida, o Acetaldeído é oxidado a Ace-
tato pela enzima Acetaldeído Desidrogenase.
O Acetato é então liberado na circulação e
metabolizado no tecido muscular. Acompanhe
em aula as explicações pelo esquema:
Reação Dissulfiram ou efeito “Antabuse”:
o acetaldeído é um metabólico tóxico e seu
acúmulo leva a vasodilatação com hipotensão
arterial, rubor facial, taquicardia, náusea e
vômitos. Seu acúmulo decorre principalmente
do uso de etanol concomitante à inibição da
acetaldeído-desidrogenase por determinados
fármacos: dissulfiram, metronidazol, tinidazol,
secnidazol, sulfonilureias (principalmente a
clorpropamida) e algumas cefalosporinas (ce-
famandol, cefoperazona, cefotetan). Assim, é
recomendável abstinência alcoólica durante o
uso de tais substâncias.
Obs.: O dissulfiram ainda é utilizado como
adjuvante no tratamento doalcoolismo, sob a
hipótese que, face aos efeitos desagradáveis
da ingestão concomitante de dissulfiram e ál-
cool, o paciente evitará a bebida... Na emer-
gência, às vezes descobrimos casualmente
que a esposa coloca este produto na refeição
de um marido alcoólatra.
É interessante observar que determinados
indivíduos podem nascer com deficiência (de
graus variáveis) da acetaldeído-desidroge-
nase. Você já percebeu que existem pessoas
COMPlICAçõES RElACIONADAS
AO CONSUMO DO álCOOl (CONT.)
Neurológicas
e Psiquiátricas
Hematológicas
Pulmonares
Metabólicas
1. Problemas relacionados à nutrição: Encefalopatia de Wernicke,
psicose de Korsakoff (deficiência de tiamina), pelagra (dermatite,
diarreia e demência decorrentes de deficiência de niacina).
2. Síndromes de abstinência: Tremor, alucinações, comportamento
bizarro, Delirium Tremens.
3. Demência (atrofia cerebral, doença de Marchiafava-Bignami,
deficiência nutricional).
4. Degeneração cerebelar.
5. Hematoma subdural crônico.
6. Neuropatia periférica.
7. Miopatia proximal.
8. Estado de intoxicação aguda.
1. Anemia megaloblástica (deficiência de folato na dieta, efeito
tóxico do álcool na medula, alterações nas membranas eritrocitárias,
hemólise).
2. Anemia ferropriva por erosões sangrantes e varizes esofagianas.
3. Trombocitopenia (efeito tóxico do álcool na medula,
hiperesplenismo).
4. Coagulopatia (trombocitopenia, deficiência de fatores de
coagulação produzidos pelo fígado).
1. Risco elevado de pneumonia pneumocócica ou por Klebsiella,
tuberculose e broncoaspiração).
1. Acidose (láctica, cetoacidose).
2. Hipopotassemia, hipomagnesemia, hipofosfatemia.
3. Hiper e hipoglicemia.
4. Hipertrigliceridemia, hiperuricemia.
Desidrogenase alcoólica Aldeído desidrogenase
Sintomas tóxicos
– “ressaca”
Sintomas de embriaguez
(hiperforia...)
ETANAL (ACE-
TALDEÍDO) ACETATOETANOL >> >>
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http://#page=297
Cirurgia - Volume 1 103Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
que, logo que começam a beber, ficam com o
semblante avermelhado?... Este rubor facial
geralmente vem acompanhado por discreta
elevação da frequência cardíaca e encontra
explicação na presença de acetaldeído cir-
culante. Quanto maior o grau de deficiência
desta enzima, mais rica e consistente será a
reação dissulfiram.
No Estômago...
Atribui-se à desidrogenase alcoólica gástrica
parcela do metabolismo do etanol. Contudo,
ainda não foi comprovado que uma possível
deficiência dessa enzima leve a aumento do
risco de desenvolvimento de DHA. Advoga-se
que as mulheres, ao expressarem esta enzima
em menor quantidade, estão mais suscetíveis
aos danos hepáticos causados pelo abuso de
álcool, como veremos a seguir.
pAtogêneSe dA leSão HepáticA AlcoólicA
Diversos fatores são implicados como res-
ponsáveis pela doença hepática causada
pelo etanol. Embora não seja comum que tal
assunto seja perguntado com muitos detalhes
em concursos, é interessante que você com-
preenda como o simples processo de oxidação
do álcool pode gerar tantos transtornos para os
hepatócitos. Ressalta-se que estes mecanis-
mos não são autoexcludentes, pelo contrário,
ocorrem concomitantemente.
Formação de NADH: A oxidação do etanol
pela álcool-desidrogenase (ADH) é feita
às custas da redução de NAD+ a NADH.
O NADH, quando em excesso, causa au-
mento da síntese de ácidos graxos e inibe a
betaoxidação lipídica, levando ao aumento
do nível de triglicerídeos e, em última análise,
favorecendo a esteatose hepática. O NADH
ainda prejudica a gliconeogênese hepáti-
ca, através da diminuição dos substratos
necessários ao processo e ainda inibindo
diretamente as enzimas atuantes. Assim,
principalmente em pacientes desnutridos,
não é raro observarmos hipoglicemia decor-
rente de hepatopatia alcoólica. Vale ressaltar
que a redução excessiva de NAD+ a NADH
é decorrente do processo oxidação do etanol
recém-ingerido. Assim, a abstinência pode
levar à reversão dos processos descritos.
Estresse Oxidativo: A oxidação do etanol
no fígado pela CYP2E1 do citocromo P450
cursa com a formação de diversos radicais
livres, que causam peroxidação de lipídios e
podem ainda atacar o DNA celular, levando
a mutações e deleções. Como agravan-
te, o etilismo crônico leva à depleção das
substâncias antioxidantes do fígado, como
o glutation e as vitaminas A e E.
Hipóxia Centrolobular: Devido ao seu me-
tabolismo hepático, o uso de etanol causa
aumento do consumo de oxigênio pelos he-
patócitos. Deste modo, há desenvolvimento
de hipóxia e lesão celular primeiramente nas
células ao redor das veias centrolobulares
(zona 3 do ácino hepático), regiões mais
afastadas do sangue oxigenado periportal.
Advoga-se ainda que nestas regiões seja
mais intensa a expressão do citocromo
P450, com maior produção de acetaldeído
e de radicais livres, contribuindo para o
processo de lesão centrolobular. A hipóxia
é agravada ainda pela anemia, comum nos
etilistas crônicos.
Efeitos do Acetaldeído: Esta substância,
formada durante o processo de oxidação do
etanol (FIGURA 5), serve como substrato
para geração de radicais livres sob ação das
enzimas aldeído-oxidase e xantina-oxidase,
contribuindo para o estresse oxidativo. O
acetaldeído pode ainda formar complexos
com diversas proteínas celulares, comple-
xos estes que servem como neoantígenos,
provocando resposta imune celular e humo-
ral contra os hepatócitos.
Hiperativação das Células de Kupffer:
As células de Kupffer são os macrófagos
hepáticos e, como tais, têm função de fa-
gocitose e produção de citocinas. O con-
sumo crônico de álcool leva a uma maior
absorção intestinal de lipopolissacarídeos
bacterianos (LPS), o que aumenta a ativa-
ção das células de Kupffer. Está compro-
vado que a hiperprodução de TNF e TGF
decorrente deste processo é prejudicial ao
fígado. O TNF, além de induzir apoptose
celular, estimula a formação de superóxido
e leva à produção de outras citocinas e
moléculas de adesão celular, contribuindo
para o processo inflamatório local.
Hiperativação de Células Estreladas: As
células de Ito, ou Estreladas, são lipócitos
encontrados nos espaços de Disse, sendo
responsáveis pela síntese de colágeno e
da matriz extracelular, além do armazena-
mento de vitamina A. O consumo de etanol
leva à ativação destas células, acarretando
hiperprodução de colágeno, que, sendo
mantida durante longo período, leva à fi-
brose do parênquima hepático.
Fatores de Risco
1- doSe e durAção do uSo de etAnol
São os fatores mais importantes relacionados
à DHA! O tipo de bebida (vinho, cerveja, aguar-
dente) teria um papel menos claro...
Figura 4: Hipoxemia Centrolobular na DHA.
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Cirurgia - Volume 1 104Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
E quais seriam os níveis “seguros” de in-
gestão etílica? É difícil definir com certeza,
uma vez que a doença é multifatorial e não
depende apenas da quantidade de álcool
ingerida, mas poderíamos dizer que o limi-
te para o desenvolvimento de DHA em dez
anos seria de:
• Homens: 40-80 g/dia;
• Mulheres: > 20 g/dia.
Você se lembra do teor alcoólico das principais
bebidas quando discutimos hepatite alcoólica
dentro de “Síndromes Ictéricas”. Veja agora
com um pouco mais de detalhes:
TEOR AlCOólICO E “lIMITE hEPATOTóXICO”
DAS PRINCIPAIS BEBIDAS AlCOólICAS
Teor “Limite “Limite
Alcoólico Hepatotóxico” Hepatotóxico”
Homens (ml/dia) Mulheres (ml/dia)
Bebidas
Fe
rm
en
ta
da
s
Cerveja, “Ice” 5% 400 - 1600 200 - 800
Vinho, Champagne 12% 165 - 660 82 - 330
Vinho do Porto 19% 105 - 420 52 - 210
D
es
til
ad
as Uísque, Conhaque 40% 50 - 200 25 - 100
Aguardente
Vodca 45% 45 - 180 22 - 90
Só para lembrar, 1 lata de cerveja = 350 ml; 1 taça de vinho = 150 ml; 1 dose de destilado = 50 ml. Elas
representam a dose padronizada para cerca de 10-12 g de etanol.
2- Sexo
As mulheres são mais suscetíveis à doença
hepática alcoólica que os homens. A pre-
valência global de dependência alcoólica
é dez vezes maior em homensdo que em
mulheres, contudo, ao analisar-se a preva-
lência de DHA, a relação homens:mulheres
cai para 3:1.
A causa exata permanece incerta, mas o
fato é que, após ingestão de dose padrão de
álcool, verifica-se maior concentração san-
guínea de etanol nas mulheres do que nos
homens. É possível que tal fato decorra da
menor expressão da desidrogenase alcoólica
gástrica pelas mulheres. Outro fator seria o
maior teor de gordura e menor percentual de
água corporal, o que diminuiria o volume de
distribuição do álcool, resultando em alcoo-
lemia superior à dos homens. Ainda, a me-
nor capacidade de metabolismo dos ácidos
graxos pelas mulheres, poderia favorecer a
esteatose hepática (processo inicial da DHA).
Fatores hormonais, como o estrogênio, tam-
bém podem estar relacionados.
3- FAtoreS genéticoS
Acabamos de discutir que o processo de
oxidação do etanol depende de diversas
enzimas. Assim, é esperado que polimorfis-
mo genético destas enzimas leve a diferen-
tes níveis de tolerância e susceptibilidade
ao álcool. Sendo o acetaldeído o seu meta-
bólito mais tóxico, polimorfismos que levem
ao acúmulo desta substância (seja através
do metabolismo acelerado do etanol a ace-
taldeído ou da menor oxidação do acetaldeí-
do a aldeído) são associados a menor tole-
rância e maior susceptibilidade aos efeitos
tóxicos do álcool. Nestes indivíduos, devido
aos efeitos desagradáveis decorrentes da
ingestão etílica, é verificada uma menor pre-
valência de alcoolismo e, consequentemen-
te, de DHA. Entre os genes já relacionados
com a cirrose alcoólica, temos a participação
do codificador da PNPLA3 (Patatin-like phos-
pholipase domain-containing protein 3), uma
lipase também conhecida como adiponutri-
na, responsável pela hidrólise do triacilgli-
cerol nos adipócitos.
4- FAtoreS nutricionAiS
Não necessariamente a desnutrição, mas,
sobretudo a obesidade é considerada fator
de risco independente para desenvolvimento
da DHA. A associação seria pelo efeito dos
carboidratos no controle da síntese e trans-
porte de lipídios, resultando num acúmulo de
triglicerídeos e esteatose como vimos acima.
5 - ASSociAção com HepAtite c
Considera-se que o vírus da hepatite C
(HCV) acelera o dano hepático causado
pelo álcool. Estatísticas demonstram que o
risco de evolução de esteatose ou hepatite
alcoólica para cirrose é dez vezes maior em
indivíduos infectados pelo HCV. Em pacien-
tes com cirrose já estabelecida, o risco de
desenvolvimento de carcinoma hepatocelu-
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Cirurgia - Volume 1 105Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
lar é quatro vezes maior dentre os indivíduos
com DHA e infecção pelo HCV, quando com-
parados a controles que apresentam apenas
DHA. Advoga-se que tal efeito sinérgico
decorra da influência do álcool na replica-
ção do HCV e da resposta imunológica ao
vírus, que exacerbaria também o processo
de dano hepático imunomediados causados
pelos metabólitos do etanol. Acredita-se ain-
da que o álcool possa diminuir o sucesso do
tratamento com interferon.
A infecção pelo vírus C está associada à DHA
em pacientes mais jovens, grau histológico
mais avançado e maior mortalidade.
Manifestações Clínicas
Existem três formas principais de apresenta-
ção da doença hepática alcoólica:
(1) Esteatose Hepática;
(2) Hepatite Alcoólica;
(3) Cirrose Hepática.
Obs.: Nesse módulo, focaremos nas alterações
hepáticas resultantes do etilismo. O uso nocivo do
álcool, a dependência e a síndrome de abstinências
serão abordados com mais detalhes na apostila de
“Medicina Ambulatorial”.
Em primeiro lugar, devemos entender que
esta divisão possui caráter essencialmente
esquemático, já que os limites entre as formas
anatomoclínicas não são bem definidos e, com
frequência, verifica-se a coexistência de mais
de uma lesão no mesmo fígado. Mais que isso,
a esteatose, a hepatite alcoólica e a cirrose
podem ser consideradas etapas evolutivas de
um mesmo processo patológico.
Na primeira etapa, o aspecto histológico ca-
racterístico é a esteatose, que pode ocorrer
após um único episódio de libação alcoólica e
é encontrado na grande maioria dos etilistas
crônicos (> 90%), apresentando resolução
espontânea após cerca de quatro semanas
de abstinência.
Na hepatite alcoólica (ou esteato-hepatite al-
coólica, devido à alta associação hepatite-es-
teatose), já há necrose e inflamação evidentes,
constituindo-se numa patologia potencialmen-
te grave. Trata-se de uma lesão pré-cirrótica.
Nós revisamos este tema na apostila de “Sín-
drome Ictérica”...
Com o surgimento de fibrose, há alteração
progressiva da arquitetura hepática até a for-
mação de cirrose, também denominada cirro-
se de Laënnec. Apesar de ser comumente
precedida pela hepatite alcoólica, também
podemos encontrar evolução direta da estea-
tose para cirrose, na ausência de um quadro
histológico típico de hepatite.
Obs.: Nesse módulo focaremos nas alterações
hepáticas resultantes do etilismo. O uso nocivo
do álcool, a dependência e a síndrome de abs-
tinências serão abordados com mais detalhes
na apostila de “Medicina Ambulatorial”.
1- eSteAtoSe HepáticA
Patologia: A forma mais comum de lesão al-
coólica, sendo encontrada na grande maioria
dos etilistas. Um único episódio de libação
alcoólica já é capaz de levar à esteatose,
sendo que a mesma usualmente regride em
quatro semanas de abstinência. Ao exame
histopatológico, caso seja realizado, encon-
tra-se acúmulo de lipídios geralmente restrito
aos hepatócitos centrolobulares – é neste local
que se concentra a maior parte das enzimas
álcool-desidrogenase. A esteatose é mais co-
mumente macrovesicular, ou seja, há grandes
inclusões lipídicas no citoplasma dos hepató-
citos, levando ao deslocamento do núcleo de
sua posição. Ocasionalmente, encontram-se
cistos lipídicos e lipogranulomas decorrentes
da ruptura hepatocitária. Há inflamação leve
e esparsa do parênquima hepático. Pode
ocorrer fibrose centrolobular, justificando a
evolução de alguns casos para cirrose. Me-
nos frequente é a esteatose microvesicular,
também chamada de degeneração espumosa
alcoólica, na qual há pequenas e múltiplas
inclusões lipídicas no interior dos hepatócitos,
não ocorrendo deslocamento nuclear. Cursa
ainda com necrose focal, porém sem inflama-
ção. Nestes casos, verifica-se maior chance de
progressão para formas mais graves de DHA.
Quadro Clínico e Laboratorial: A esteatose
hepática, quando não está associada à hepa-
tite alcoólica, é frequentemente assintomática,
razão pela qual poucos casos são diagnostica-
dos. Nos casos sintomáticos, costuma haver
apenas hepatomegalia dolorosa. Há relato de
casos de hipertensão porta transitória, devido
ao edema hepatocitário e consequente com-
pressão sinusoidal.
Tratando-se de lesão hepática ainda inicial, pou-
cas são as alterações laboratoriais relacionadas
à esteatose. Pode haver aumento discreto da
bilirrubina e das transaminases, com AST>ALT.
Figura 5: Progressão da DHA em alcoolis-
tas crônicos.
http://#scrolldown
Cirurgia - Volume 1 106Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
O VCM e a GGT podem estar elevados, como
é característico dos etilistas crônicos.
Diagnóstico e Tratamento: Exames de ima-
gem, como a ultrassonografia, tomografia com-
putadorizada, e cada vez mais a ressonância
magnética, podem detectar graus variáveis de
esteatose, mas, caso necessário, o diagnóstico
definitivo só pode ser conseguido através de
biópsia hepática. O tratamento consiste, ape-
nas, na redução / interrupção do uso de álcool.
Figura 6: Esteatose Hepática – A) Peça;
B) In loco.
A
B
2- HepAtite AlcoólicA
Esta forma de lesão hepática, já estudada na
apostila de “Síndromes Ictéricas”, cursa com
hepatomegalia dolorosa, ascite, icterícia, febre
baixa e leucocitose. Nesse contexto, ela pode
fazer diagnóstico diferencial com outras con-
dições como as hepatites virais (que causam
leucopenia e aumento predominante da ALT)
e as colangites (com quadro mais toxêmico e
marcadores de colestase mais elevados).
3- cirroSeAlcoólicA
Figura 7
Patologia: A cirrose alcoólica ou cirrose de Laën-
nec representa o estágio terminal da DHA. Pode
evoluir diretamente de um fígado com esteatose,
porém o mais comum é que haja hepatite alcoó-
lica precedendo a instalação da cirrose.
Ao exame histopatológico, observa-se bandas
fibrosas ligando os espaços-porta e nódulos
de regeneração. Tais nódulos são geralmente
pequenos (1-3 mm) e de tamanho uniforme,
dando aspecto Micronodular ao fígado.
Quadro Clínico e Laboratorial: Os achados
clínicos não diferem significativamente daque-
les observados na cirrose por outras etiologias.
Defende-se que os sinais ligados ao hipogona-
dismo, tais como telangiectasias, ginecomastia
e atrofia testicular, sejam mais pronunciados na
cirrose alcoólica devido ao efeito supressivo do
etanol no eixo hipotálamo-hipófise e nas células
de Leydig (diminuindo a síntese de testosterona)
e à indução da aromatase presente no tecido
adiposo, levando à conversão de andrógenos
em estrógenos. Vale lembrar que outra forma
de cirrose que cursa com hipogonadismo pro-
nunciado é a hemocromatose. Entumescimento
de parótida e contratura palmar de Dupuytren
também são achados característicos da hepa-
topatia alcoólica. A cirrose alcoólica ainda pode
cursar com aumento do ferro tecidual, devido à
maior absorção intestinal deste íon em etilistas.
Por vezes, é necessária avaliação genética a
fim de realizar diagnóstico diferencial com a
hemocromatose hereditária.
Os exames laboratoriais em paciente com-
pensado geralmente não se encontram signi-
ficativamente alterados. Anemia macrocítica,
plaquetopenia, aumento de transaminases
(mantendo o padrão AST/ALT > 1), GGT e FA,
além de hipoalbuminemia e alargamento do
TAP, são as alterações mais frequentes.
Quando biopsiar? É fato que em muitos ca-
sos o exame histopatológico não é elemento
indispensável ao diagnóstico de DHA. Na pre-
sença de paciente com história de alcoolismo
acompanhada por quadro clínico e exames
laboratoriais compatíveis, o diagnóstico pode
ser definido com relativa segurança. Além dis-
so, é comum que fatores como a coagulopatia
e trombocitopenia contraindiquem a biópsia
nos casos mais avançados. Ainda assim, é
mandatória a biópsia nos casos que suscitem
dúvida quanto ao diagnóstico ou ao prognós-
tico (salvo em caso de contraindicação).
Achados laboratoriais
Num paciente com hepatopatia, diversos são
os achados laboratoriais que sugerem etiologia
alcoólica, contudo, nenhum ainda apresentou
especificidade suficiente a ponto de confirmar
o diagnóstico.
1- HemogrAmA
Mais de 75% dos pacientes com alguma forma
de DHA apresentam Anemia, que é geralmente
macrocítica (VGM > 96-100 fL). Diversas são
as causas de anemia nestes pacientes:
• Anemia Dilucional: A doença hepática
avançada com hipertensão porta comumen-
te leva a um estado de hiperaldosteronismo,
cursando com retenção hidrossalina e con-
sequente hemodiluição.
• Deficiência Vitamínica: Decorrente de
alimentação inadequada, com baixa inges-
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Cirurgia - Volume 1 107Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
tão de ácido fólico (principalmente) e/ou
vitamina B12.
• Efeito Tóxico direto do álcool no setor eri-
troide da medula.
• Diminuição da Vida Média das Hemácias:
Devido a alterações da composição lipídica
das membranas (podendo levar ao achado
de hemácias em alvo no esfregaço de sangue
periférico) ou hiperesplenismo secundário à
hipertensão porta.
• Anemia Ferropriva: Decorrente de sangra-
mento por varizes de esôfago ou gastropatia
congestiva (secundários à hipertensão porta).
• Episódios de anemia hemolítica aguda au-
tolimitada (síndrome de Zieve).
• Anemia Hemolítica com Acantocitose: Em
até 5% dos hepatopatas graves, o aumen-
to do teor de colesterol da membrana sem
aumento correspondente de lecitina leva a
hemólise grave no baço, marcada pela pre-
sença de acantócitos (spur cells) ao esfrega-
ço sanguíneo.
• Anemia Sideroblástica Adquirida.
A Trombocitopenia (plaquetas < 150.000/mm3)
também é comumente observada nos pacien-
tes com DHA. Assim como a anemia, trata-se
de uma condição multifatorial, a saber:
• Efeito tóxico direto do álcool no setor mega-
cariocítico da medula.
• Hiperesplenismo secundário à hipertensão
porta.
• Ingestão deficiente de ácido fólico, que tem
importância também na trombopoese.
O leucograma pode apresentar leucocitose
decorrente de hepatite alcoólica (conforme ve-
remos a seguir) ou infecções. Não é frequente
que a hipertensão porta leve a leucopenia.
2- enzimAS SéricAS
As Transaminases (Aminotransferases) séri-
cas geralmente apresentam-se discretamente
aumentadas (< 400 UI/dl), contrastando com
outras formas de hepatopatia, como as hepa-
tites virais, que cursam com elevações mais
pronunciadas. Assim, transaminases acima
deste patamar devem estimular a investigação
de outras causas de hepatopatia, particular-
mente hepatites virais e medicamentosas.
A Gamaglutamil-Transferase (GGT) geral-
mente apresenta-se elevada nos casos de
abuso atual ou recente de álcool, despropor-
cionalmente à Fosfatase Alcalina, sendo este
outro achado que sugere etiologia alcoólica
em paciente hepatopata. Contudo, trata-se de
achado de menor sensibilidade (porém maior
especificidade) que o VGM. Vale lembrar que o
uso de anticonvulsivantes também pode levar
ao aumento isolado da GGT.
Dado característico da DHA é a
elevação desproporcional da TGO
(AST) em relação à TGP (ALT),
com a relação AST/ALT > 2. Tal
fato deve-se à deficiência de pi-
ridoxina (vitamina B6) observada
comumente em etilistas, que leva
à diminuição do conteúdo hepa-
tocitário de transaminases, princi-
palmente da ALT. Assim, qualquer
forma de necrose hepatocelular
em paciente com tal deficiência
vitamínica pode (e deve) apresen-
tar-se com AST > ALT.
Recentemente, a dosagem de Transferrina
Deficiente de Carboidratos (TDC) foi intro-
duzida como marcador para o abuso atual
ou recente de álcool. Apesar de apresentar
sensibilidade e especificidade superiores ao
VGM e à GGT, não é um exame amplamente
disponível e não apresentou eficácia suficiente
para que fosse indicado rotineiramente.
3- proVAS de “Função HepáticA”
As Bilirrubinas séricas, como em qualquer outra
hepatopatia, podem estar aumentadas em está-
gios avançados de insuficiência hepatocelular.
Nestes casos, o predomínio é de bilirrubina
direta, cuja secreção pelo hepatócito é depen-
dente de ATP. Casos de aumento pronunciado
de bilirrubina indireta podem sugerir hemólise ou
deficiência de ácido fólico (devido à hematopoie-
se ineficaz), conforme explicado no item anterior.
Albumina e TAP também podem encontrar-se
alterados no caso de lesão hepática significativa.
Nos casos de DHA, a hipoalbuminemia pode ser
mais evidente devido à deficiência nutricional
frequentemente encontrada em etilistas.
4- BioquímicA
Apesar de a Hiperglicemia ser um achado
frequente em consumidores de álcool, em es-
tágios avançados de DHA podemos encontrar
hipoglicemia, devido a prejuízos à gliconeo-
gênese hepática.
A elevação nos níveis de Triglicerídeos deve-
se ao aumento da síntese de ácidos graxos
e da inibição da betaoxidação lipídica que
acompanham a oxidação do etanol, conforme
explicado anteriormente.
A Hiperuricemia, comumente verificada,
é decorrente tanto da hiperprodução de
ácido úrico quanto da diminuição de sua
eliminação renal. Como veremos na aula de
Gota, o álcool e os diuréticos são inimigos
dos pacientes hiperuricêmicos.
A Hipofosfatemia é comum em etilistas, de-
vendo-se a deficiência dietética e aumento
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Cirurgia - Volume 1 108Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
da excreção renal. O distúrbio é comumente
acompanhado por Hipomagnesemia, tam-
bém devido à perda urinária, e Hipopotas-
semia, decorrente de deficiência dietética,
vômitos e diarreia. Vale lembrar ainda que
a hipomagnesemia frequentemente induz
hipopotassemia, ao aumentar a excreção
urinária de potássio. A Hiponatremia ocorre
em casos maisavançados, já com hiperten-
são porta, devido ao hiperaldosteronismo e
consequente retenção hidrossalina.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2013
SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE – RJ
Iniciava-se mais uma reunião vespertina dos
residentes de um hospital universitário. A pro-
posta era, a partir de imagens de histopato-
logia selecionadas pelo diretor do Centro de
Estudos, discutir o diagnóstico e a conduta a
ser adotada. Na primeira projeção, foi pos-
sível identificar clássica imagem de inclusão
perinuclear, o “corpúsculo hialino de Mallory”,
achado descrito em casos de:
a) Encefalite rábica.
b) Hepatopatia alcoólica.
c) Glomerulonefrite lúpica.
d) Miocardiopatia chagásica.
Questão bastante clássica e direta. Os cor-
púsculos hialinos de Mallory, apesar de não
serem patognomônicos desta condição, são
extremamente sugestivos de esteato-hepa-
tite alcoólica, sua principal etiologia (outras
causas seriam a doença de Wilson, a NASH,
a CBP entre outras doenças onde eles são
mais raros). Resposta: letra B.
RESIDÊNCIA MÉDICA – 2009
SECRETARIA ESTADUAL DE SAÚDE – SES
– RJ
Vendo que o marido, um poeta beberrão de
44 anos, estava debilitado e perdera a alegria
esfuziante de outrora, sua esposa levou-o ao
clínico da família. O diagnóstico de depressão
foi quase imediato e, nos exames complemen-
tares, ficou evidenciada doença gordurosa do
fígado em fase inicial. No que tange à causa da
hepatologia, além do registro anamnéstico de
etilismo, outro dado em favor do vínculo com
abuso alcoólico foi a identificação de:
a) História pregressa de icterícia flutuante e
colúria.
b) Fígado de consistência endurecida e tama-
nho normal.
c) Corpúsculos eosinofílicos de Negri na his-
tologia hepática.
d) Predomínio de AST no perfil das amino-
transferases séricas.
O título da AST (aspartato-aminotransfera-
se) tende a ser pelo menos duas vezes o da
alanina-aminotransferase em muitos pacien-
tes com esteato-hepatite alcoólica, enquanto
este padrão de valores das enzimas hepáticas
geralmente não ocorre até que os pacientes
com esteato-hepatite não alcoólica desenvol-
vam cirrose. Resposta D. Só para constar: o
corpúsculo de Negri é uma alteração patog-
nomônica da raiva e consiste numa inclusão
viral citoplasmática encontrada em neurônios,
principalmente do hipocampo e do cerebelo.
Tratamento e Prognóstico
O pilar do tratamento é a abstinência alcoólica,
com aumento da sobrevida e possibilidade
de regressão dos danos histológicos. Estes
pacientes devem sempre ser manejados a
serviços especializados em alcoolismo. O
suporte nutricional é outra etapa fundamental
do tratamento.
1- eSteAtoSe HepáticA
A esteatose hepática é considerada benigna
na ausência de fibrose centrolobular e dege-
neração espumosa alcoólica, fatores relacio-
nados a um risco aumentado de insuficiência
hepática e cirrose. O tratamento é feito a partir
de abstinência alcoólica e correção de deficits
nutricionais. Caso não haja outras formas de
DHA associadas, espera-se uma regressão
dentro de quatro semanas de abstinência al-
coólica na maioria dos casos.
2- HepAtite AlcoólicA
(Acompanhe também pelo volume 1 de Clínica
Médica: “As Síndromes Ictéricas”).
As taxas de mortalidade da hepatite alcoólica
em dois meses variam de 19 a 78%. Alguns
achados laboratoriais sugerem pior prognósti-
co: TAP alargado mais de quatro segundos ape-
sar de reposição de vitamina K, bilirrubina total
> 5 mg/dl e aumento da creatinina > 0,6 mg/dl
durante os dez primeiros dias de internação.
O grau da fibrose ou cirrose verificados à bióp-
sia e a presença de encefalopatia hepática
também influem diretamente na sobrevida.
Para o planejamento da terapia, é interes-
sante estratificar os pacientes de acordo com
a gravidade do quadro clínico e prognóstico.
O Índice de Função Discriminante (IFD) é o
indicador de maior valor preditivo no que diz
respeito ao prognóstico. Um IFD superior a
32 está relacionado a uma mortalidade > 50%
em 30 dias.
IFD = 4,6 x alargamento do TAP (s) +
bilirrubina total (mg/dl)
Tratamentos de Eficácia
Comprovada
Terapia Nutricional: A presença de má
nutrição calórica e proteica é muito comum
no alcoolista crônico, especialmente nos pa-
cientes com hepatopatia, sendo importante
cofator etiológico na patogênese da doen-
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Cirurgia - Volume 1 109Medgrupo - CiClo 2: M.E.D
ça hepática alcoólica. Os pacientes com
frequência têm deficiência de ácido fólico,
tiamina, piridoxina e vitamina A. A principal
causa de desnutrição no alcoolista é a dimi-
nuição da ingestão alimentar, mas também
contribuem os distúrbios de absorção, além
de perdas excessivas e aumento nas neces-
sidades de nutrientes. As calorias fornecidas
pelo etanol são destituídas de valor biológi-
co, sendo consideradas “calorias vazias”.
Há numerosos estudos demonstrando que
a terapia nutricional melhora o prognóstico
da DHA em todos os seus estágios. Assim,
deve ser fornecida ao paciente uma dieta
diária de no mínimo 30 Kcal/kg de peso,
sendo 50-55% das calorias sob forma de
carboidratos e 30-35% sob forma de lipídios
(preferencialmente insaturados), além de 1
a 1,5 g de proteínas ao dia, por kg de peso.
Corticoterapia: Devido a suas propriedades
anti-inflamatórias e imunossupressivas, os
glicocorticoides têm sido amplamente estu-
dados como tratamento da HA. Em teoria a
droga é útil, pois inibe a produção de citoci-
nas, diminui a ativação de células estrela-
das, aumenta a produção de colagenase e
reduz a quimiotaxia de leucócitos. No entan-
to, não modifica substancialmente as alte-
rações histológicas, não diminui o tempo de
cura e não impede a evolução para cirrose.
Além disto, pode aumentar a susceptibilida-
de a infecções. Nos casos de menor gravi-
dade, que são a maioria, há um consenso
que a medicação não deve ser utilizada
devido ao fato de os seus riscos superarem
os possíveis benefícios. Recomenda-se o
uso da corticoterapia nos casos graves de
HA, com Índice de Função Discriminante
(IFD) superior a 32, escore MELD acima de
20 e/ou encefalopatia hepática. A droga deve
ser evitada nos pacientes com infecção,
insuficiência renal ou hemorragia digestiva,
pois nestes subgrupos a diminuição da mor-
talidade não é verificada, devido ao efeito
deletério do uso do corticoide em tais con-
dições. A droga a ser utilizada pode ser a
prednisolona* ou a prednisona. Inicia-se
dose de 40 mg/dia de prednisona ou 32 mg/
dia de prednisolona, que é mantida duran-
te quatro semanas, sendo então reduzida
progressivamente até a suspensão.
*Alguns autores preferem a prednisolona
em relação à prednisona, pois esta última
requer conversão hepática em prednisolona
(forma ativa), mecanismo que pode estar
deficiente em hepatopatas. O Harrison con-
sidera as duas opções.
Tratamentos Alternativos
Pentoxifilina: A pentoxifilina é um inibidor
seletivo da fosfodiesterase, cujo possível
benefício no tratamento da HA deve-se
à inibição da síntese do TNF. A indicação
desta droga seria principalmente na con-
traindicação ao corticoide ou quando não
tenha levado ao efeito esperado.
Propiltiouracil (PTU): O estado hiperme-
tabólico induzido pelo álcool é semelhante
àquele encontrado no hipertireoidismo, o que
levou o PTU a ser avaliado como possível
terapia para a HA. Diversos ensaios foram
realizados, porém os resultados obtidos não
foram concordantes. Aliando tal fato ao de-
senvolvimento de hipotireoidismo nos pacien-
tes tratados, o uso de PTU não está aprovado
para a HA e segue em investigação.
Colchicina: A colchicina inibe a migração
leucocitária e possui efeitos antifibróticos, o
que levou a mesma a ser considerada para
uso na HA. Contudo, os estudos já realiza-
dos falharam em comprovar o benefício da
mesma na HA.
Agentes Antioxidantes: Devido à impor-
tância dos radicais livres na patogênese da
DHA, diversas substâncias com proprieda-
des antioxidantes foram testadas, mas
nenhuma mostrou benefício significativo no
tratamento da HA até o momento:
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