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Notas de aula de EDB
em construção :)
Aniura Milanés
Sl 4033 - DMat - UFMG
aniura@mat.ufmg.br
2021/I
Sumário
1 Equações Diferenciais Parciais. A equação do calor. 1
1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.1.1 Que são equações diferenciais parciais? Classificação . . . . . . . . . . 1
1.1.2 Soluções das EDPs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.1.3 Prinćıpio de superposição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.1.4 Por que estudar EDPs? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.2 A equação do calor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1.2.1 Propagação do calor em uma barra com temperatura nula nos extremos 11
1.2.2 Cálculo da temperatura da barra com extremos mantidos a temperatura
zero: a estratégia de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
2 Separação de variáveis. Séries de Fourier 19
2.1 Método de separação de variáveis. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.1.1 Soluções fatoradas da equação do calor. . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.1.2 Soluções fatoradas da equação do calor que satisfazem as condições de
fronteira (1.18) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
2.1.3 Estrutura do método de separação de variáveis . . . . . . . . . . . . . 21
2.2 Séries de Fourier. Definição e exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.2.1 Definição da série de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2.2.2 Exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
3 Séries de Fourier 29
3.1 Convergência das séries de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
3.1.1 Funções cont́ınuas por partes e suaves por partes . . . . . . . . . . . . 29
3.1.2 O Teorema de Dirichlet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
3.2 Séries de Fourier de senos e de cossenos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
3.2.1 Funções pares e ı́mpares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
3.2.2 Séries de Fourier de senos e de cossenos . . . . . . . . . . . . . . . . 40
4 Outros problemas de propagação do calor 45
4.1 Problemas com condições de fronteira homogêneas . . . . . . . . . . . . . . . 45
4.1.1 Temperatura dada nos extremos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
4.1.2 Barra com extremos termicamente isolados . . . . . . . . . . . . . . . 48
4.2 Condições de fronteira não homogêneas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
4.2.1 Temperaturas fixadas nos extremos da barra . . . . . . . . . . . . . . 52
4.2.2 Temperatura e fluxo fixados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
4.2.3 Fluxo de calor fixado nos extremos da barra . . . . . . . . . . . . . . 57
6 A equação da onda 61
i
ii SUMÁRIO
6.1 Um modelo de vibrações de uma corda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
6.2 A corda com extremos fixados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
6.2.1 Corda com velocidade inicial nula . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
6.2.2 A corda dedilhada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
6.2.3 Vibrações da corda com posição e velocidade iniciais quaisquer . . . . 69
6.2.4 Harmônicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
6.2.5 *Matemática e música através da equação da onda . . . . . . . . . . . 73
7 A fórmula de d’Alembert e suas consequências 77
7.1 Solução geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
7.2 Problema de valor inicial para a corda infinita . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
7.3 Resolução de problemas na corda finita com extremos fixados . . . . . . . . . 81
7.3.1 Problemas com velocidade inicial nula . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
7.3.2 O problema com posição e velocidade iniciais arbitrárias . . . . . . . . 84
7.4 F A equação da onda na história . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
8 A equação de Laplace 89
8.1 Generalidades sobre a equação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
8.1.1 Alguns problemas de contorno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
8.2 O problema de Dirichlet no retângulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
8.2.1 Resolução do problema “básico” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
8.2.2 Resolução do problema geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
9 O problema de Dirichlet em regiões circulares 103
9.1 Representação do problema em coordenadas polares . . . . . . . . . . . . . . 103
9.2 Problemas no anel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
9.3 Problemas no ćırculo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
11 A transformada de Fourier 113
11.1 A forma complexa das séries de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
11.2 A transformada de Fourier e sua inversa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
12 Propriedades da transformada de Fourier 115
12.1 O Prinćıpio da Simetria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
12.2 Translações e dilatações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
12.3 Derivadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
13 A transformada de Fourier e a convolução 117
13.1 A convolução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
13.2 A transformada de Fourier de algumas funções não integráveis . . . . . . . . . 117
14 O método da transformada de Fourier 119
14.1 A equação do transporte simples . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
14.2 A equação do calor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
Caṕıtulo 1
Equações Diferenciais Parciais. A
equação do calor.
1.1 Introdução
1.1.1 Que são equações diferenciais parciais? Classificação
Você, que já estudou equações diferenciais ordinárias, deve se lembrar que elas são equações
onde aparecem uma função incógnita e algumas de suas derivadas e que elas depende de uma
única variável que muitas vezes representa o tempo.
Por exemplo, a equação
dy
dt
= ry (1.1)
modela o crescimento exponencial de populações. Neste caso y = y(t) representa a quantidade
de indiv́ıduos e seu valor depende do instante t que observemos. r é um parâmetro que
depende de caracteŕısticas da população. Lembre também que para determinar uma solução
única, precisamos acrescentar uma condição inicial da forma y(0) = y0 e a partir dela obtemos
que a solução é y(t) = y0e
rt.
Outra equação que modela o crescimento populacional é a equação loǵıstica ou de Verlhust
dy
dt
= ry
(
1− y
K
)
. (1.2)
Esta equação tem mais um parâmetro, K, mas ela continua tendo como incógnita a função
y = y(t), que depende apenas da variável t. A única derivada que aparece em ambas as
equações (1.1) e (1.2) é a primeira derivada de y em relação a t, dy
dt
. Por isso, ambas são
equações de primeira ordem. Nisso, elas são similares, mas elas têm uma grande diferença.
A equação (1.1) é linear enquanto (1.2) não é pois ela contém um termo y2. Você pode ler
mais sobre modelos populacionais aqui.
Normalmente, numa primeira disciplinas de equações diferenciais ordinárias, são estudados
também sistemas de equações de primeira ordem, onde no lugar de uma função incógnita,
temos várias, e também equações de segunda ordem, onde a ordem da maior derivada que
aparece é 2.
Por exemplo, a equação diferencial
d2Θ
dt2
+
g
L
sen Θ = 0. (1.3)
1
https://pt.wikipedia.org/wiki/Din%C3%A2mica_populacional
2 CAPÍTULO 1. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS. A EQUAÇÃO DO CALOR.
modela a evolução no tempo do ângulo Θ = Θ(t) que um pêndulo forma com a vertical
no instante t. Nesta equação, chamada de equação do pêndulo, g e L são constantes querepresentam a aceleração da gravidade e o comprimento do pêndulo respectivamente. t é
a variável independente e Θ = Θ(t) é a função incógnita. Esta EDO é de ordem 2 pois a
única derivada que aparece na equação é de ordem 2. Ela também é não linear pois a função
incógnita Θ aparece no argumento da função seno.
Uma versão linear de (1.3) é
d2Θ
dt2
+
g
L
Θ = 0. (1.4)
Esta equação é válida quando tivermos certeza de que a amplitude das oscilações é pequena.
Nesta disciplina, nos ocuparemos de estudar as equações diferenciais parciais. A diferença
com as equações diferenciais ordinárias é que as funções incógnitas dependem de mais de uma
variável independente e assim, no lugar de aparecerem derivadas ordinárias (ou seja, em relação
a uma variável) na equação, aparecem derivadas parciais. Tipicamente essas variáveis são de
dois tipos: variáveis espaciais, x,y,z e a variável temporal que continuaremos representando
com a letra t.
Definição 1.1
Uma equação diferencial parcial (EDP) é uma equação cuja incógnita é uma função
de duas ou mais variáveis independentes e que contém pelo menos uma derivada parcial
da função incógnita. A ordem de uma EDP é a ordem da maior derivada parcial que nela
aparece.
Por exemplo, a equação do transporte,
∂u
∂t
+ c
∂u
∂x
= 0, (1.5)
é uma EDP pois u = u(x, t), a função incógnita, depende das variáveis x, que representa
uma coordenada espacial e t, que representa o tempo. Aqui c é um parâmetro constante.
Esta equação é de primeira ordem porque as duas derivadas que aparecem na equação são
primeiras derivadas. Ela também é uma equação linear porque cada derivada aparece elevada à
potência 1 e multiplicando um termo constante. Esta equação pode ser aplicada por exemplo
à modelagem da concentração de um poluente que é transportado pelo fluxo de um rio, por
exemplo, que se move com velocidade constante c. Nesse caso, x representa a coordenada da
seção transversal do rio que estamos observando.
Até aqui utilizamos a notação de Leibniz para representar as derivadas parciais, que é a
que se utiliza nos cursos de Cálculo II. Para simplificar, alguns textos utilizam a notação de
sub́ındices para as derivadas parciais. Nessa notação, as variáveis em relação às quais se deriva
se colocam na ordem em que as derivadas são aplicadas. Por exemplo,
ux =
∂u
∂x
, uxxy =
∂3u
∂y∂x2
,
uxy =
∂2u
∂y∂x
, uyx =
∂2u
∂x∂y
.
Assim, usando essa notação, a equação (1.5) seria ut + cux = 0.
1.1. INTRODUÇÃO 3
Uma outra notação que se utiliza muito para economizar espaço e para evitar conflito com
notações de sub́ındices e com outras que se usam em outras áreas, é uma mistura das duas:
∂xu = ux, ∂yxxu = ∂y∂
2
xu = uxxy,
∂yxu = ∂y∂xu = uxy, ∂xyu = ∂x∂yu = uyx.
Utilizaremos essa notação nestas notas de aula.
Observe que, usando essa notação, a equação do transporte ficaria escrita da forma
∂tu+ c∂xu = 0, (1.6)
Outros exemplos de EDPs são a equação de Laplace bidimensional
∂2xu+ ∂
2
yu = 0, (1.7)
chamada assim em homenagem a Pierre Simon de Laplace, que foi um dois primeiros a estudá-
la. A equação é linear, de segunda ordem e tem função incógnita u = u(x, y). As variáveis
x e y representam coordenadas espaciais. Esta equação pode representar a temperatura de
equiĺıbrio de uma placa fina ou a posição de equiĺıbrio de uma membrana, por exemplo.
A equação de Korteweg-de Vries (KdV),
∂th+ 6h∂xh = ∂
3
xh. (1.8)
modela a amplitude de onda h = h(x, t) na superf́ıcie de um fluido que se move ao longo
de um canal raso. Esta equação é de terceira ordem e deve seu nome a dois matemáticos
holandeses que a estudaram. Ela é não linear porque no termo 6h∂xh aparece o produto da
função h e de sua derivada em relação a x.
1.1.2 Soluções das EDPs
Uma função é solução de uma EDP se ao substituir a expressão da função e todas suas
derivadas parciais que aparecem na equação, obtemos uma igualdade. Este é um conceito
bastante natural mas é importante ressaltar duas coisas:
� antes de substituir uma função numa EDP precisamos calcular todas as derivadas
parciais que aparecem na equação;
� uma solução precisa ser regular o suficiente para podermos calcular essas derivadas
parciais.
Exemplo 1.1.
A função u(x, y) = x2 − y2 é solução da equação de Laplace (1.7). Primeiro, perceba que
ela é um polinômio, portanto, pode ser derivada quantas vezes seja necessário.
A seguir, calcularemos as derivadas parciais:
∂xu = 2x, ∂yu = −2y
∂2xu = 2, ∂
2
yu = −2.
Portanto, ∂2xu+ ∂
2
yu = 2− 2 = 0 e de fato, u é solução desta equação. /
Os gráficos de funções suaves de duas variáveis são superf́ıcies em R3. Esta é uma maneira
interessante de visualizar as soluções em alguns casos.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Pierre-Simon_Laplace
https://en.wikipedia.org/wiki/Korteweg%E2%80%93De_Vries_equation
4 CAPÍTULO 1. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS. A EQUAÇÃO DO CALOR.
Exemplo 1.2.
As soluções da equação de segunda ordem[
1 + (∂yZ)
2
]
∂2xZ − 2∂xZ∂yZ∂2xyZ +
[
1 + (∂xZ)
2
]
∂2yZ = 0, (1.9)
têm a propriedade de que a superf́ıcie z = Z(x, y) minimiza a área localmente.
Como entender isto? Por exemplo, imaginemos que retiramos um pequeno fragmento dessa
superf́ıcie mantendo a curva na beirada fixa. Então entre todos os posśıveis retalhos que
poderiam cobrir a abertura que ficou na superf́ıcie, o de menor área será precisamente o que
foi tirado. Superf́ıcies com esta propriedade são chamadas de superf́ıcies ḿınimas, por isso
esta equação é chamade de equação da superf́ıcie ḿınima.
(a) Superf́ıcie ḿınima de Scherk
Z(x, y) = ln
( sen y
senx
) (b) Superf́ıcie ḿınima de Enneper
Z está definida de forma paramétrica
Figura 1.1: Duas superf́ıcies ḿınimas
/
Nos exemplos anteriores as soluções foram dadas, mas é claro que o mais interessante é
encontrar a solução, sendo dada uma EDP. Nesta disciplina aprenderemos técnicas para fazer
isto, mas antes de passarmos a questões mais complexas, analisaremos alguns casos nos que
é posśıvel encontrar as soluções utilizando conhecimentos de cálculo diferencial.
Exemplo 1.3. Determine todas as soluções da equação
∂xu = 0, u = u(x, y). (1.10)
Solução:
Para resolver esta equação podemos usar que nela aparece apenas a derivada de u em relação
a x, embora a função incógnita depende também da variável y. Nesse sentido, ela pode ser
considerada como uma EDO para cada valor de y fixado como parâmetro.
Integrando em relação a x para resolver a equação, obtemos∫
∂xu(x, y)dx = f(y)
u(x, y) = f(y)
Portanto, qualquer solução da equação se escreverá da forma u(x, y) = f(y), onde f é alguma
função derivável desconhecida. Além disto, para qualquer função f derivável podemos verificar
que u satisfaz a equação. Isto significa que todas as soluções da equação se representam dessa
forma.
https://en.wikipedia.org/wiki/Minimal_surface
https:\/\/en.wikipedia.org\/wiki\/Enneper_surface
1.1. INTRODUÇÃO 5
Neste exemplo, conseguimos achar uma única expressão para todas as soluções da EDP.
Esta fórmula, quando existe, será chamada de solução geral. Por exemplo, u(x, y) = 1,
u(x, y) = y e u(x, y) = ey
3
são três soluções particulares desta equação.
/
Perceba que no exemplo anterior, a equação é de primeira ordem e a solução geral obtida
depende de uma função arbitrária. No exemplo a seguir, consideraremos uma equação de
segunda ordem.
Exemplo 1.4. Obtenha a solução geral da EDP
∂2yxu = 0, u = u(x, y). (1.11)
Solução: Como ∂2yxu =
∂
∂y
(∂xu), podemos integrar primeiro em relação a y, obtendo
∫
∂2yxu(x, y)dy = F (x)
∂xu(x, y) = F (x)
Integrando agora em relação a x chegamos a u(x, y) =
∫
F (x)dx + g(y), onde F e g são
funções arbitrárias. Chamando de f(x) =
∫
F (x)dx, podemos representar a solução geral
como
u(x, y) = f(x) + g(y),
onde f e g são funções duasvezes deriváveis.
Se escolhermos f(x) = x2 e g(y) = sen y, por exemplo, obteremos a solução particular
u(x, y) = x2 + sen y. /
Nos dois exemplos anteriores, conseguimos determinar todas as soluções da EDP de inte-
resse. Isto ocorreu porque a EDP tinha uma estrutura que nos permitiu utilizar a integração
direta, mas na maioria dos casos não poderemos fazer isto. Assim, às vezes, no lugar de
encontrarmos todas as soluções de uma equação, nos contentaremos com encontrar apenas
as soluções que têm uma estrutura pré-determinada. Ou seja, suporemos que a solução tem
uma certa forma e encontraremos todas as soluções daquela forma. Isto não garante que
encontramos todas as soluções, mas com sorte, encontramos as que nos interessam.
Exemplo 1.5. Consideremos a equação do transporte com c = 1, ou seja,
∂tu+ ∂xu = 0. (1.12)
Neste caso não adianta integrar em relação a x ou a t porque não conseguiremos eliminar
todas as derivadas da equação. Procuraremos então soluções na forma de produto de uma
função da variável independente x vezes uma função da variável independente t:
u(x, t) = X(x)T (t),
onde X = X(x) depende de x e T = T (t) depende de t. Para encontrar este tipo de solução
u precisaremos determinar estas duas funções X e T . Começaremos substituindo na equação
diferencial. Antes disso, temos que calcular as derivadas parciais:
∂tu(x, t) =
∂
∂t
[X(x)T (t)] = X(x)T ′(t), ∂xu(x, t) =
∂
∂x
[X(x)T (t)] = X ′(x)T (t).
6 CAPÍTULO 1. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS. A EQUAÇÃO DO CALOR.
Substituindo na equação, obtemos
∂tu(x, t) + ∂xu(x, t) = X(x)T
′(t) +X ′(x)T (t) = 0.
Precisamos então descobrir as funções X e T satisfazendo X(x)T ′(t) + X ′(x)T (t) = 0.
Para isto, vamos dividir a expressão toda por u(x, t) = X(x)T (t) e passar a segunda parcela
para a direita. Obtemos
X(x)T ′(t) +X ′(x)T (t)
X(x)T (t)
=
T ′(t)
T (t)
+
X ′(x)
X(x)
= 0⇒ T
′(t)
T (t)
= −X
′(x)
X(x)
.
Com isto, chegamos numa igualdade que nos permitirá resolver o nosso problema. Por quê?
A igualdade
T ′(t)
T (t)
= −X
′(x)
X(x)
diz que para qualquer valor de x e qualquer valor de t que você substitua, os termos esquerdo
e direito coincidem. Mas se fixarmos um valor t = t0,
T ′(t0)
T (t0)
é um valor constante e
isso nos permite concluir que −X
′(x)
X(x)
é uma função constante. Chamemos essa constante
(desconhecida) de λ.
A nossa conclusão é que
−X
′(x)
X(x)
= λ⇒ X ′(x) = −λX(x)
e além disto, como
T ′(t)
T (t)
= −X
′(x)
X(x)
,
T ′(t)
T (t)
= λ⇒ T ′(t) = λT (t).
Assim, obtivemos uma EDO para X: X ′ = −λX e uma outra, muito parecida, para T :
T ′(t) = λT (t). Sabemos resolver as duas EDOs, porque são apenas diferentes maneiras de
escrever y′ = ky, cuja solução é y(t) = const.ekt.
Portanto, X(x) = c1e
−λx T (t) = c2e
λt e
u(x, t) = Ce−λxeλt = Ce−λ(x−t).
Aqui C = c1c2, que é uma nova constante. Com isto, encontramos uma faḿılia de soluções
de ∂tu+ ∂xu = 0.
� Para cada valor de C e cada valor de λ, teremos uma solução diferente. Por exemplo,
se C = −1 e λ = 2, obtemos u(x, t) = e−2(x−t).
� Há soluções dessa EDP que não são da faḿılia que obtivemos. Uma delas é u(x, t) =
x − t. Você pode verificar que esta função satisfaz a equação, mas ela não pertence a
essa faḿılia. (Você saberia explicar por quê?)
/
Nestas notas de aula, chamaremos as soluções que podem ser fatoradas como produto de
funções de cada variável independente de soluções fatoradas. O que fizemos no exemplo
anterior foi achar todas as soluções fatoradas da equação ∂tu + ∂xu = 0. Essa técnica será
muito utilizada ao longo no semestre. Por isso é importante fazer um resumo aqui:
1.1. INTRODUÇÃO 7
� Substituimos a expressão u(x, t) = X(x)T (t) na equação.
� Dividimos por u(x, t) a após simplificações apropriadas, chegamos numa expressão da
forma
Expressão dependente apenas de x = Expressão dependente apenas de t.
A partir daqui, obtivemos uma EDO para a função X(x) e uma outra para a função
T (t). Resolvendo essas equações chegamos em expressões para essas funções.
� Multiplicando as expressões obtidas para X(x) e T (t), obtivemos as soluções u(x, t)
que desejávamos. Precisamos lembrar aqui que se tivermos um produto de constantes,
podemos substitúı-lo por uma nova constante como foi feito no exemplo.
1.1.3 Prinćıpio de superposição
Uma maneira de explicar o que é uma EDP linear é apresentada a seguir.
Definição 1.2
Uma EDP linear de n-ésima ordem é toda EDP que possa ser escrita da forma
� membro esquerdo: combinação linear da função incógnita u e de suas derivadas
parciais até a ordem n com coeficientes que são funções das variáveis independentes;
� membro direito: função f das variáveis independentes.
Se f ≡ 0, dizemos que a EDP linear é homogênea.
Atenção: Não faz sentido falar em EDPs não lineares homogêneas e não homogêneas.
Estas noções só existem para EDPs lineares. Este é um erro muito comum!!
Exemplo 1.6. A equação
x7∂xu+ e
xy∂yu+ sen(x
2 + y2)u = x3 (1.13)
é linear não homogênea, enquanto
(∂xu)
2 + (∂yu)
2 = 1
é não linear.
/
A forma mais geral para uma EDP linear de primeira ordem para u = u(x, y) é
a(x, y)∂xu+ b(x, y)∂yu+ c(x, y)u = d(x, y), (1.14)
onde a, b, c and d são funções de x e y. Esta equação é homogênea quando d ≡ 0.
Exemplo 1.7. As equações de transporte (1.5) e de Laplace (1.7) são lineares e ho-
mogêneas. A equação da superf́ıcie ḿınima (1.9) e a de Korteweg-deVries (1.8) são não
lineares. /
As EDPs lineares e homogêneas satisfazem uma propriedade que será extremamente útil
para construir suas soluções.
8 CAPÍTULO 1. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS. A EQUAÇÃO DO CALOR.
Teorema 1.1: Prinćıpio de superposição
Sejam u1 e u2 duas soluções de uma EDP linear e homogênea. Então para quaisquer
constantes c1 e c2, a função u = c1u1 + c2u2 também será solução da equação
Demonstração. Não faremos a demonstração formal aqui, mas perceba que o resultado é
consequência de duas propriedades das derivadas parciais:
� a derivada parcial de uma soma é a soma das derivadas parciais;
� a derivada de uma constante multiplicada por uma função é a constante multiplicada
pela derivada parcial da função.
�
Exemplo 1.8. As funções v(x, y) = x e u(x, y) = x2 − y2 são soluções da equação
de Laplace bidimensional. Como ela é uma equação linear e homogênea, o prinćıpio de
superposição garante que toda combinação linear de soluções é solução. Portanto, as funções
w1(x, y) = 3v(x, y)− u(x, y)
= −x2 + y2 + 3x
e
w2(x, y) = πv(x, y) +
√
2u(x, y)
=
√
2x2 −
√
2y2 + πx
também são soluções desta equação.
Perceba que desta maneira podemos encontrar infinitas soluções. /
O Prinćıpio de Superposição não vale em geral para as EDPs não lineares. Por isso, formar
novas soluções a partir de soluções dadas é mais dif́ıcil para estas equações.
Observação. O Prinćıpio de Superposição implica que as soluções de uma EDP linear ho-
mogênea formam um subespaço vetorial. Isso também ocorria no caso da EDOs. Por
exemplo, sabemos que todas as soluções da EDO
d2y
dt2
+ 4y = 0
se escrevem da forma y(t) = c1 cos 2t + c2 sen 2t com c1, c2 ∈ R. Como cos 2t e sen 2t
são funções linearmente independentes, pois uma não é múltiplo da outra, concluimos que o
conjunto das soluções dessa EDO é um subespaço de dimensão 2.
Na verdade, sabemos que o conjunto das soluções de uma EDO linear homogênea forma
um subespaço vetorial de dimensão igual à ordem da equação. Assim, podemos pensar no
conjunto de soluções de uma EDO linear de ordem 1 como uma reta que passa na origem,
se for de ordem 2, como um plano que passa na origem, etc. No entanto, o subespaço das
soluções de uma EDP linear homogênea é de dimensão infinita!!
1.1. INTRODUÇÃO 9
1.1.4 Por que estudar EDPs?
A área das equações diferenciais parciais esteve historicamenteligada à f́ısica. O nascimento do
Cálculo Diferencial no século XVII favoreceu o desenvolvimento de ferramentas matemáticas
que permitiram modelar fenômenos f́ısicos como a emissão e propagação de ondas acústicas
e aquáticas (a partir do século XVIII) e a propagação do calor (a partir do século XIX) por
meio de Equações Diferenciais Parciais.
Atualmente a área e Equações Diferenciais Parciais tem um desenvolvimento mais inde-
pendente, como área da Matemática mas de forma geral as EDPs mais interessantes desde
o ponto de vista matemático são aquelas que modelam fenômenos reais que podem ser da
F́ısica, da Biologia, das Finanças, etc. Isto é algo que não pode ser nunca desconsiderado
pois muitas das técnicas usadas para estudar das EDPs são motivadas em propriedades dos
modelos que elas representam.
Assim, a compreensão de modelos básicos das ciências exatas e naturais requer conhecimen-
tos sobre as Equações Diferenciais Parciais. E é por isso que existe esta disciplina.
Bom semestre para todos nós!
Ideias mais importantes da seção
(1) Definição, solução e ordem de uma EDP
(2) Aplicar integração direta às vezes permite encontrar todas as soluções de uma EDPs.
(3) Mesmo não conseguindo encontrar todas as soluções de uma EDP, às vezes podemos
achar pelo menos todas suas soluções fatoradas.
(4) EDPs lineares e não lineares
(5) Prinćıpio de Superposição.
10 CAPÍTULO 1. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS. A EQUAÇÃO DO CALOR.
1.2 A equação do calor
A equação do calor
∂tu =
K
CD
(∂2xu+ ∂
2
yu+ ∂
2
zu) (1.15)
“nasceu” em 1807 numa monografia escrita como proposta de uma teoria sobre a condução
do calor.
Aqui u = u(x, y, z, t) representa a temperatura de um corpo no ponto (x, y, z) e no instante
t, K é a condutividade térmica, C é o calor espećıfico e D é a densidade do sólido. Todas
essas propriedades f́ısicas eram suspostas constantes para facilitar a resolução do problema.
Para resolver a equação foram escolhidos sólidos com diferentes geometrias simétricas: um
prisma, uma placa, um cubo, um cilindro e uma esfera e foi estudada a condução do calor no
interior de cada corpo, assumindo conhecida a temperatura no instante inicial em cada ponto
e a temperatura ou o fluxo de calor nas bordas.
Infelizmente, essa monografia foi rejeitada por um comité de ilustres revisores formado por
� Pierre Simon de Laplace
� Joseph Louis Lagrange
� Sylvestre François Lacroix
� Gaspar Monge
Figura 1.2: Fragmento da monografia rejeitada
https://pt.wikipedia.org/wiki/Condutividade_t%C3%A9rmica
https://pt.wikipedia.org/wiki/Pierre\discretionary {-}{}{}Simon_Laplace
https://pt.wikipedia.org/wiki/Joseph\discretionary {-}{}{}Louis_Lagrange
https://fr.wikipedia.org/wiki/Sylvestre\discretionary {-}{}{}Fran%C3%A7ois_Lacroix
https://pt.wikipedia.org/wiki/Gaspard_Monge
1.2. A EQUAÇÃO DO CALOR 11
O autor? Joseph Fourier.
Figura 1.3: Joseph Fourier
As razões da rejeição? As veremos depois. De qualquer jeito, esta história tem um final feliz
porque o Fourier não desistiu e continuou defendendo suas ideias. Essa monografia também
marca a origem, além da equação do calor, de um dos objetos mais importantes na matemática
pura e nas aplicações: as séries de Fourier.
1.2.1 Propagação do calor em uma barra com temperatura nula nos
extremos
Consideraremos aqui um caso mais simples que os que foram analisados por Fourier na
monografia mencionada anteriormente. Vamos estudar o fenômeno da difusão do calor numa
barra ciĺındrica homogênea feita de um material condutor do calor. Suporemos que a superf́ıcie
lateral da barra está isolada termicamente. Assim, o intercâmbio térmico pode ocorrer apenas
através das extremidades.
Se a barra tiver comprimento L > 0, podemos colocá-la sobre o eixo x entre x = 0 (extremo
esquerdo) e x = L (extremo direito). Suporemos também que a temperatura em todos os
pontos da cada seção transversal x = x0 é a mesma e dada pelo valor u(x0, t) no instante t.
Figura 1.4: Barra de comprimento L com temperatura inicial e temperaturas nos extremos
dadas
https://pt.wikipedia.org/wiki/Jean_Baptiste_Joseph_Fourier
12 CAPÍTULO 1. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS. A EQUAÇÃO DO CALOR.
A equação satisfeita pela temperatura no interior da barra é a equação do calor em uma
dimensão espacial
∂tu = k∂
2
xu, (1.16)
onde k = K
CD
.
Esta equação do calor nos diz que a temperatura u(x, t) na seção x e no instante t cresce
(∂tu > 0) ou descresce (∂tu < 0) dependendo de ∂
2
xu ser positivo ou negativo.
Figura 1.5: Variação da temperatura no tempo de acordo com a equação do calor
Do mesmo jeito que Fourier fez, para determinarmos a solução num problema concreto,
precisaremos especificar
� a distribuição de temperatura no instante inicial em todos os pontos da barra (condição
inicial). Considerando o instante inicial como t = 0, essa condição ficará da forma
u(x, 0) = f(x), 0 ≤ x ≤ L;
� condições adicionais sobre os extremos da barra (condições de fronteira). Aqui
podemos supor, por exemplo, que a temperatura em cada extremo da barra é fixada e
igual a 0. Assim, para todo t ≥ 0, teremos u(0, t) = 0 (extremo esquerdo) e u(L, t) = 0
(extremo direito).
1.2.2 Cálculo da temperatura da barra com extremos mantidos a
temperatura zero: a estratégia de Fourier
Juntando as nossas reflexões anteriores, chegamos ao seguinte Problema de Valor Inicial
com Condições de Fronteira para a equação do calor:
ED ∂tu = k∂
2
xu, , 0 ≤ x ≤ L, t ≥ 0; (1.17)
CF u(0, t) = 0, u(L, t) = 0, t ≥ 0; (1.18)
CI u(x, 0) = f(x), 0 ≤ x ≤ L. (1.19)
A nossa dificuldade agora é descobrir, dada uma função f que representa a temperatura
inicial, encontrar a função u tal que satisfaz a equação do calor, toma o valor 0 nos extremos
da barra e coincide com f quando t = 0.
1.2. A EQUAÇÃO DO CALOR 13
Como pensou Fourier? Para cada um dos problemas de sua monografia, ele encontrou uma
faḿılia de funções que
� eram relativamente simples de calcular;
� satisfaziam a equação do calor;
� satisfaziam as condições de fronteira.
Fourier percebeu que, pelo Prinćıpio de Superposição, as combinações lineares dessas soluções
satisfaziam tanto a equação do calor como as condições de fronteira. Assim, para satisfazer a
condição inicial, a ideia seria montar a combinação linear adequada. Veremos como funciona
esse procedimento nos exemplos a seguir.
Exemplo 1.9. O problema
ED ∂tu = 2∂
2
xu, 0 ≤ x ≤ π, t ≥ 0;
CF u(0, t) = 0 u(π, t) = 0, t ≥ 0;
CI u(x, 0) = sen(2x), 0 ≤ x ≤ π.
tem solução u1(x, t) = e
−8t sen(2x). Isto pode ser verificado substituindo na equação, nas
condições de fronteira e na condição inicial.
Por outro lado, o problema
ED ∂tu = 2∂
2
xu, 0 ≤ x ≤ π, t ≥ 0;
CF u(0, t) = 0 u(π, t) = 0, t ≥ 0;
CI u(x, 0) = sen(3x), 0 ≤ x ≤ π.
tem solução u2(x, t) = e
−18t sen(3x). Podemos verificar isso de forma similar.
Suponhamos agora que queremos determinar a solução do problema
ED ∂tu = 2∂
2
xu, 0 ≤ x ≤ π, t ≥ 0;
CF u(0, t) = 0 u(π, t) = 0, t ≥ 0;
CI u(x, 0) = 5 sen(2x)− 30 sen(3x), 0 ≤ x ≤ π.
Solução:
� Observamos que a condição inicial u(x, 0) = 5 sen(2x)−30 sen(3x) é combinação linear
das funções sen(2x) e sen(3x) com coeficientes 5 e −30, respectivamente.
� Sabemos que qualquer combinação linear das soluções u1 e u2 também satisfaz a
equação do calor (pelo Prinćıpio de Superposição) e as condições de fronteira (porque
são homogêneas, ou seja, porque a temperatura é zero), pois
u(0, t) = c1u1(0, t) + c2u2(0, t) = 0;
u(π, t) = c1u1(π, t) + c2u2(π, t) = 0.
� Deduzimos que u(x, t) = 5u1(x, t) − 30u2(x, t) = 5e−8t sen(2x) − 30e−18t é a solução
que procuramos.
/
No exemplo anterior nos baseamos no conhecimento das soluções u1 e u2, com condição
inicial sen 2x e sen 3x, respectivamente. No caso geral, pode se verificar que
14 CAPÍTULO 1. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS. A EQUAÇÃO DO CALOR.
Figura 1.6:Gráfico de u(x, t) = 5e−8t sen(2x)− 30e−18t sen(3x)
Proposição 1.1
As funções da forma
un(x, t) = e
−(nπ
L
)2kt sen
(nπ
L
x
)
, n ∈ N; (1.20)
satisfazem o problema geral (1.17)-(1.19) com a condição inicial f(x) = sen
(
nπ
L
x
)
.
Demonstração. Mais um exerćıcio para você. �
Podemos generalizar o procedimento que seguimos no exemplo anterior. Para isto, resultará
conveniente utilizar o śımbolo de somatório.
Uma combinação linear das funções un em (1.20):
b1e
−k( π
L
)2t sen
(π
L
x
)
+ b2e
−k( 2π
L
)2t sen
(
2π
L
x
)
+ · · ·+ bNe−k(
Nπ
L
)2t sen
(
Nπ
L
x
)
pode ser escrita usando o śımbolo de somatório da forma
N∑
n=1
bne
−k(nπ
L
)2t sen
(nπ
L
x
)
.
A proposição seguinte generaliza o exemplo 1.9.
1.2. A EQUAÇÃO DO CALOR 15
Proposição 1.2
Sejam b1, . . . , bN constantes dadas. A solução do problema
ED ∂tu = k∂
2
xu, 0 ≤ x ≤ L, t ≥ 0;
CF u(0, t) = 0 u(L, t) = 0, t ≥ 0;
CI u(x, 0) = b1 sen
(π
L
x
)
+ b2 sen
(
2π
L
x
)
+ · · ·+ bN sen
(
Nπ
L
x
)
=
N∑
n=1
bn sen
(nπ
L
x
)
, 0 ≤ x ≤ L.
(1.21)
está dada por
u(x, t) = b1e
−( π
L
)2kt sen
(π
L
x
)
+ · · ·+ bNe−(
Nπ
L
)2kt sen
(
Nπ
L
x
)
(1.22)
=
N∑
n=1
bne
−(nπ
L
)2kt sen
(nπ
L
x
)
. (1.23)
Exemplo 1.10. Verifique que a solução do problema
ED ∂tu = 4∂
2
xu, 0 ≤ x ≤ 1, t ≥ 0;
CF u(0, t) = 0 u(1, t) = 0, t ≥ 0;
CI u(x, 0) = − sen(πx) + 6 sen(25πx), 0 ≤ x ≤ 1.
satisfaz u(x, t)→ 0 quando t→∞, para todo x ∈ [0, 1].
Ou seja, a temperatura em cada ponto da barra tende a zero quando o tempo cresce.
Solução:
Vamos primeiro encontrar a solução. Neste exemplo, k = 4 e L = 1. Assim, nπ
L
= nπ
1
= nπ.
Portanto, comparando com (1.20), sabemos que as funções da forma
un(x, t) = e
−4n2π2t sennπx, n ∈ N (1.24)
satisfazem a equação dada e também valem 0 quando x = 0 e quando x = π. Como a
temperatura inicial f(x) = − sen(πx)+6 sen(25πx) é combinação linear das funções sen(πx)
e sen(25πx) com coeficiente −1 e 6, teremos que a função u = −u1 + 6u25 é a solução que
estamos procurando. Inserindo os termos da forma e−4n
2π2t na frente de cada seno, obtemos
u(x, t) = −e−4π2t sen(πx) + 6e−2500π2t sen(25πx).
Agora, se fixarmos o valor de x, sen(5πx) é constante e e−100t tende a zero quando t→∞.
Portanto, a primeira parcela em u(x, t) tende a zero. Para a segunda, podemos fazer uma
análise similar e assim, com x fixo, u(x, t), tende a zero quando t→∞ por ser soma de duas
parcelas que tendem a zero quando t→∞. /
A proposição 1.2 resolve muitos exemplos mas ela fornece apenas uma solução parcial de
(1.17)-(1.19).
Exemplo 1.11. Consideremos o problema
ED ∂tu = ∂
2
xu, 0 < x < 1, t ≥ 0;
CF u(0, t) = 0 u(1, t) = 0, t ≥ 0;
CI u(x, 0) = f(x), 0 ≤ x ≤ 1.
(1.25)
16 CAPÍTULO 1. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS. A EQUAÇÃO DO CALOR.
Pela proposição 1.2 sabemos que se a temperatura inicial da barra é
u(x, 0) = −2 sen(3πx) + 5 sen(7πx),
então
u(x, t) = −2e−9π2t sen(3πx) + 5e−49π2t sen(7πx).
Analogamente, se
u(x, 0) = sen(11πx)− 6 sen(19πx)− 13 sen(65πx)
então
u(x, t) = e−121π
2t sen(11πx)− 6e−361π2t sen(19πx)− 13e−4225π2t sen(65πx).
Suponhamos agora que u(x, 0) = x(1− x). Como x(1− x) é um polinômio, ele não pode
ser escrito como combinação linear de funções periódicas. Assim, neste caso não podeŕıamos
usar essa proposição. São as séries de Fourier as que nos ajudarão a resolver este tipo de
problema. Mais adiante veremos como podemos calcular os coeficientes (bn) para os quais
x(1− x) =
∞∑
n=1
bn sen(nπx), x ∈ [0, 1]
e isso nos permitirá representar a solução desse problema da forma
u(x, t) =
∞∑
n=1
bne
−n2π2t sen(nπx), x ∈ [0, 1].
/
Antes de apresentar as séries de Fourier, precisaremos explicar como obtivemos as soluções
(1.20). É isto o que faremos na próxima seção.
1.2. A EQUAÇÃO DO CALOR 17
Ideias mais importantes da seção
(1) A temperatura no interior de uma barra homogênea isolada nas laterais e com
extremos mantidos a temperatura 0 é a solução do problema
(Equação do Calor 1D) ∂tu = k∂
2
xu, 0 ≤ x ≤ L, t ≥ 0;
(Condições de Fronteira) u(0, t) = 0, u(L, t) = 0, t ≥ 0;
(Condição Inicial) u(x, 0) = f(x), 0 ≤ x ≤ L.
(2) Para cada n ∈ N, a função
un(x, t) = e
−(nπ
L
)2kt sen
(nπ
L
x
)
satisfaz a equação do calor e as condições de fronteira do problema acima.
(3) Se a temperatura inicial for f(x) =
N∑
n=1
bn sen
(nπ
L
x
)
, onde N ∈ N, então a solução
do problema acima será
u(x, t) =
N∑
n=1
bne
−(nπ
L
)2kt sen
(nπ
L
x
)
.
18 CAPÍTULO 1. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS. A EQUAÇÃO DO CALOR.
Referências
[1] D. Bleecker and G. Csördas. Basic Partial Differential Equations. International Press,
1997.
[2] W. E. DiPrima R. C. Boyce. Equações Diferenciais Elementares e Problemas de Valores
de Contorno. LTC, New Jersey, 1975.
[3] D. M. Bressoud. A Radical Approach to Real Analysis . The Mathematical Association of
America; 2nd edition (April 12, 2007), segunda edition, 2007.
[4] T. N. Narasimhan. The dichotomous history of diffusion. Physics Today, 62(7):48–55,
2009.
Caṕıtulo 2
Método de separação de variáveis.
Séries de Fourier
A seguir explicaremos um processo que nos permitirá obter as soluções (1.20). Esse processo
junto com o racioćınio que desenvolvemos na seção anterior para resolver o PVI (1.17)-(1.19)
é conhecido como método de separação de variáveis e pode ser aplicado em muitos
problemas.
2.1 Método de separação de variáveis.
2.1.1 Soluções fatoradas da equação do calor.
No exemplo 1.5 vimos como, embora não sab́ıamos resolver a EDP, conseguimos achar soluções
com uma estrutura espećıfica: soluções fatoradas. Assim, faremos isso agora com a solução
do calor ∂tu = k∂
2
xu. Começaremos substituindo uma solução fatorada genérica u(x, t) =
X(x)T (t).
∂tu = k∂
2
xu⇒ X(x)T ′(t) = kX ′′(x)T (t)⇒
T ′(t)
kT (t)
=
X ′′(x)
X(x)
= λ (2.1)
onde λ é alguma constante que não conhecemos. Lembre que isto vale porque uma função de
x pode coincidir com uma função de t somente quando ambas as funções são constantes.
Daqui, obtemos uma equação diferencial ordinária satisfeita por T = T (t): T ′(t) = λkT (t),
com solução geral
T (t) = Ceλkt.
A equação satisfeita pela função X é X ′′(x) = λX(x). Esta equação é de ordem 2 e
coeficientes constantes. A estrutura de suas soluções depende das ráızes de sua equação
caracteŕıstica que é r2 − λ = 0. Dependendo do sinal da constante λ, temos três casos
posśıveis para a solução geral
X(x) = c1 + c2x, se λ = 0; (2.2)
X(x) = c1e
√
λx + c2e
−
√
λx, se λ > 0; (2.3)
X(x) = c1 cos(
√
|λ|x) + c2 sen(
√
|λ|x), se λ < 0. (2.4)
A constante C na expressão de T (t) é irrelevante, pois é uma constante arbitrária que vamos
multiplicar pelas outras constantes c1 e c2, então podemos supor C = 1. Assim, todas as
soluções fatoradas da equação do calor podem ser escritas da forma
19
20 CAPÍTULO 2. SEPARAÇÃO DE VARIÁVEIS. SÉRIES DE FOURIER
u(x, t) = c1 + c2x, se λ = 0; (2.5)
u(x, t) = eλkt[c1e
√
λx + c2e
−
√
λx], se λ > 0; (2.6)
u(x, t) = eλkt[c1 cos(
√
|λ|x) + c2 sen(
√
|λ|x)], se λ < 0. (2.7)
Aqui c1, c2, λ são constantes arbitrárias e k é a constante de difusividade que aparece na
equação do calor.
Por exemplo, as funções
x, 1 + x, e4kt+2x, e4kt[e2x − 3e−2x], e−9kt cos(3x) e e−9kt[cos(3x)− 5 sen(3x)]
são soluções fatoradas da equação do calor.
2.1.2 Soluções fatoradas da equação do calor que satisfazem as
condições de fronteira (1.18)
.
Como queremos resolver o PVI (1.17)-(1.19), na verdade, não precisaremos usar todas as
soluções fatoradas senão apenas aquelas que tomam o valor 0 na fronteira. Cada uma dessas
soluções satisfaz
u(0, t) = X(0)T (t) = 0, para todo t ≥ 0.
Se u não for uma função identicamente nula, necessariamente T (t0) 6= 0 para algum instante
de tempo t0 ≥ 0. Para esse valor, X(0)T (t0) = 0 e portanto, X(0) = 0. Analogamente,
obtemos que X(L) = 0.
Portanto, as soluções fatoradas quesatisfazem as condições de fronteira são aquelas que
também satisfazem X(0) = X(L) = 0. Precisamos identificar quais são essas soluções.
Analisaremos cada um dos três casos que obtivemos em (2.2)-(2.4).
Caso 1: X(x) = c1 + c2x. Neste caso, a função X é uma função linear. A única função
linear que toma o valor 0 em dois pontos distintos é a constante 0, portanto X ≡ 0.
Caso 2: Para facilitar a notação, escreveremos λ = α2, α > 0. Nesse caso, X(x) =
c1e
αx + c2e
−αx, α > 0.
X(0) = c1 + c2 = 0⇒ c1 = −c2
X(L) = c1e
αL + c2e
−αL
= −c2eαL + c2e−αL
= −c2(eαL − e−αL) = 0
Como α > 0 e L > 0, eαL 6= e−αL, então c2 = 0 e portanto c1 = 0 e X ≡ 0.
Caso 3: Para facilitar, escreveremos λ = −α2, α > 0 e assim, X(x) = c1 cos(αx) +
c2 sen(αx).
Como cos 0 = 1 e sen 0 = 0, obtemos
X(0) = c1 = 0⇒ c1 = 0
X(L) = c1 cos(αL) + c2 sen(αL)
= c2 sen(αL) = 0
2.1. MÉTODO DE SEPARAÇÃO DE VARIÁVEIS. 21
Se c2 = 0, obtemos X ≡ 0. Para termos a possibilidade de obter soluções X não nulas,
consideraremos portanto c2 6= 0. Neste caso sen(αL) = 0, ou seja, αL = nπ para n ∈ N ou
α =
nπ
L
⇒ λ = −
(nπ
L
)2
n ∈ N.
Como conclusão obtemos a proposição a seguir.
Proposição 2.1
O problema com condições de fronteiraa
X ′′ − λX = 0, X(0) = 0, X(L) = 0, L > 0 (2.8)
possui soluções que não são identicamente nulas apenas quando λ = −
(nπ
L
)2
, n ∈ N.
Estas soluções são da forma
Xn(x) = bn sen
(nπ
L
x
)
,
onde n ∈ N e bn ∈ R.
atambém chamado de problema de dois pontos
Finalmente, como consequência desta proposição conclúımos que as únicas soluções fatora-
das da equação do calor que satisfazem as condições de fronteira (1.18) são as soluções da
forma
un(x, t) = bne
−(nπ
L
)2kt sen
(nπ
L
x
)
, n ∈ N; (2.9)
com bn constante. Esta é exatamente a fórmula que apresentamos em (1.20).
2.1.3 Estrutura do método de separação de variáveis
Nesta disciplina utilizaremos o método de separação de variáveis para resolver vários proble-
mas de contorno associados a EDPs lineares e homogêneas. De forma geral, ele pode ser
esquematizado como segue.
1. Obter todas as soluções fatoradas da EDP.
2. Identificar aquelas que satisfazem certas condições de contorno homogêneas.
3. Satisfazer as outras condições de contorno aplicando o Prinćıpio de Superposição.
22 CAPÍTULO 2. SEPARAÇÃO DE VARIÁVEIS. SÉRIES DE FOURIER
Ideias mais importantes da seção
(1) As soluções fatoradas da equação do calor são da forma u(x, t) = X(x)T (t), onde
T ′(t) = λkT (t)
e
X ′′(x) = λX(x).
com λ ∈ R.
(2) O fato de procurarmos soluções fatoradas tem a vantagem de transformar o nosso
problema inicial: resolver uma EDP, em dois problemas mais simples: resolver uma
EDO de primeira ordem com incógnita T = T (t) uma de segunda ordem com
incógnita X = X(x).
(3) Ao procurarmos as soluções fatoradas da equação do calor valendo zero nas extremi-
dades da barra, fomos conduzidos ao problema de fronteira
X ′′ − λX = 0, X(0) = 0, X(L) = 0, L > 0.
(4) O problema acima só tem solução quando a constante λ satisfaz
λ = −
(nπ
L
)2
, com n ∈ N.
Resolvendo esse problema e multiplicando pela função T = T (t) correspondende,
chegamos às soluções (2.9) que nos permitem resolver uma larga coleção de proble-
mas, usando o Prinćıpio da Superposição (veja a proposição 1.2).
2.2. SÉRIES DE FOURIER. DEFINIÇÃO E EXEMPLOS 23
2.2 Séries de Fourier. Definição e exemplos
No exemplo 1.11 observamos que f(x) = x(1− x) não é uma combinação linear de funções
da forma sen(nπx), n ∈ N, por isso não conseguimos achar uma fórmula para a temperatura
da barra com essa condição inicial. O que fazer então?!
O conselho de Fourier seria:
1. faça a expansão de x(1− x) como série infinita de senos sen(nπx);
2. reproduza o mesmo procedimento que você usava trocando a soma finita por uma série.
De fato, esse procedimento funciona mas essa expansão em série de senos precisa ser bem
explicada. É por isso que a monografia de 1807 de Fourier foi rejeitada. Vários matemáticos
reconhecidos duvidavam que isso pudesse ser feito. Naquela época, parecia natural esperar
que uma série de funções tão regulares quanto as funções seno e cosseno, se comportasse
como uma séries de potência. No entanto, as séries de potências
� convergem sobre um intervalo (que pode ser R ou apenas um ponto);
� convergem para funções anaĺıticas no interior do intervalo de convergência;
� podem ser derivadas termo a termo no interior do intervalo de convergência.
Por outro lado, as séries de Fourier
� podem convergir apenas em subconjuntos muito “especiais” de um intervalo;
� podem convergir para funções descont́ınuas;
� nem sempre podem ser derivadas termo a termo nos pontos onde convergem.
No ano 1811, a Academia de Ciências da França criou um prêmio que seria outorgado a
quem apresentasse a melhor teoria da condução do calor. Fourier enviou uma versão estendida
da sua monografia de 1807 e recebeu o prêmio em 1812. Com a publicação, em 1822, de seu
trabalho Théorie analytique de la chaleur suas contribuições ficaram acesśıveis à comunidade
cient́ıfica em geral.
Mas, qual deve ser a estrutura de uma série de Fourier? Já sabemos que para encontrar
a temperatura no interior de uma barra com extremos a temperatura zero precisaremos ter
termos da forma
sen
(nπ
L
x
)
na temperatura inicial. Veremos depois que, para satisfazer outras condições de fronteira,
precisaremos que na temperatura inicial apareça uma combinação linear de funções cosseno
da forma
cos
(nπ
L
x
)
.
Assim, analisaremos séries com a estrutura a seguir
a0
2
+
∞∑
n=1
[
an cos
(nπ
L
x
)
+ bn sen
(nπ
L
x
)]
.
Algumas questões básicas que precisamos responder são:
https://archive.org/details/thorieanalytiqu00fourgoog
24 CAPÍTULO 2. SEPARAÇÃO DE VARIÁVEIS. SÉRIES DE FOURIER
� Dada uma função f , como calculamos seus coeficientes de Fourier an e bn?
� Quando converge uma série de Fourier?
� Que tipo de funções f podemos representar usando séries de Fourier?
2.2.1 Definição da série de Fourier
Começaremos introduzindo a série de Fourier de uma função f .
Definição 2.1: Série de Fourier
Seja f : [−L,L] → R (ou f : R → R de peŕıodo 2L) uma função tal que todas as
integrais
an =
1
L
∫ L
−L
f(x) cos
(nπ
L
x
)
dx, n ≥ 0; (2.10)
bn =
1
L
∫ L
−L
f(x) sen
(nπ
L
x
)
dx, n ≥ 1. (2.11)
estão bem definidas. Então
Sf(x) =
a0
2
+
∞∑
n=1
[
an cos
(nπ
L
x
)
+ bn sen
(nπ
L
x
)]
(2.12)
chama-se de série de Fourier de f .
Os valores em (2.10) e (2.11) são chamados de coeficientes de Fourier de f .
Convém fazer alguns comentários sobre esta definição.
(i) A série de Fourier é entendida como limite das somas parciais
SNf(x) =
a0
2
+
N∑
n=1
[
an cos
(nπ
L
x
)
+ sen
(nπ
L
x
)]
, (2.13)
ou seja, para cada x ∈ [−L,L] (ou para cada x ∈ R, caso f seja periódica), Sf(x) =
lim
N→∞
SNf(x).
(ii) Na definição não se afirma nada sobre a convergência da série. De fato, existem exemplos
(que dificilmente apareceriam na prática) de funções cuja série de Fourier diverge para
muitos valores de x (veja o exemplo 3.5).
(iii) Poderia acontecer que alguns dos coeficientes de Fourier não estivessem definidos, por
exemplo se f for não limitada e alguma das integrais em (2.10) ou (2.11) for uma integral
imprópria divergente. Uma maneira de garantirmos que todos os coeficientes de Fourier
estão bem definidos é exigindo que f seja absolutamente integrável, ou seja que∫ L
−L
|f(x)|dx <∞.
2.2. SÉRIES DE FOURIER. DEFINIÇÃO E EXEMPLOS 25
Nesse caso teremos que
|an| =
∣∣∣∣ 1L
∫ L
−L
f(x) cos
(nπ
L
x
)
dx
∣∣∣∣ ≤ 1L
∫ L
−L
∣∣∣f(x) cos(nπ
L
x
)∣∣∣ dx ≤ 1
L
∫ L
−L
|f(x)|dx
|bn| =
∣∣∣∣ 1L
∫ L
−L
f(x) sen
(nπ
L
x
)
dx
∣∣∣∣ ≤ 1L
∫ L
−L
∣∣∣f(x) sen(nπ
L
x
)∣∣∣ dx ≤ 1
L
∫ L
−L
|f(x)|dx.
Portanto, além de todos os coeficientes de Fourier existirem, obteŕıamos também que
eles devem tem seus valores absolutos limitadospela constante Mf =
1
L
∫ L
−L
|f(x)|dx.
(iv) Cada função da forma an cos
(nπ
L
x
)
+ bn sen
(nπ
L
x
)
tem peŕıodo 2L pois
an cos
(nπ
L
x
)
+ bn sen
(nπ
L
x
)
= an cos
(nπ
L
x+ 2nπ
)
+ bn sen
(nπ
L
x+ 2nπ
)
= an cos
(nπ
L
(x+ 2L)
)
+ bn sen
(nπ
L
(x+ 2L)
)
.
Portanto, as somas parciais em (2.13) também terão peŕıodo 2L, quando consideradas
como funções definidas sobre a reta toda. Isto significa que a série de Fourier Sf , se ela
convergir, o fará para uma função de peŕıodo 2L. Por isso faz sentido também definir a
série de Fourier para funções de peŕıodo 2L.
2.2.2 Exemplos
Exemplo 2.1. Calculemos a série de Fourier de
f(x) =
1, 0 ≤ x < L;
0, −L ≤ x < 0;
periódica com peŕıodo 2L.
Figura 2.1: Gráfico da função f no intervalo [−L,L]
26 CAPÍTULO 2. SEPARAÇÃO DE VARIÁVEIS. SÉRIES DE FOURIER
Solução: A função f é absolutamente integrável em [−L,L], portanto todos seus coefici-
entes de Fourier existem.
a0 =
1
L
∫ L
0
dx = 1
an =
1
L
∫ L
0
cos
(nπ
L
x
)
dx =
1
nπ
sen
(nπ
L
x
) ∣∣∣L
0
= 0
bn =
1
L
∫ L
0
sen
(nπ
L
x
)
dx = − 1
nπ
cos
(nπ
L
x
) ∣∣∣L
0
=
1
nπ
(1− cos(nπ)) = 1
nπ
(1− (−1)n)
=
{
2
nπ
, n ı́mpar;
0, n par.
A série de Fourier da função f é
Sf(x) =
1
2
+
1
π
∞∑
n=1
1− (−1)n
n
sen
(nπ
L
x
)
.
Como b2k = 0 e b2k−1 =
2
(2k − 1)π
, podemos escrever a mesma série na forma
Sf(x) =
1
2
+
2
π
∞∑
k=1
1
2k − 1
sen
(
(2k − 1)π
L
x
)
.
Podemos também calcular as primeiras somas parciais de Fourier.
S0f(x) =
1
2
S1f(x) =
1
2
+
2
π
sen
(π
L
x
)
= S2f(x)
S3f(x) =
1
2
+
2
π
sen
(π
L
x
)
+
2
3π
sen
(
3π
L
x
)
= S4f(x)
S5f(x) =
1
2
+
2
π
sen
(π
L
x
)
+
2
3π
sen
(
3π
L
x
)
+
2
5π
sen
(
5π
L
x
)
= S6f(x).
Na figura 2.2 representamos o gráfico de f junto com algumas somas parciais de Fourier.
Podemos perceber que as somas parciais de Fourier parecem se aproximar de uma função
descont́ınua que coincide com f sobre os intervalos da forma (jL, (j + 1)L), j ∈ Z e que
vale
1
2
nos extremos destes intervalos pois nesses pontos, todas as somas parciais tomam esse
valor. /
Analisaremos a questão da convergência da série de Fourier no próximo tópico.
REFERÊNCIAS 27
Figura 2.2: Somas parciais da série de Fourier de f
Ideias mais importantes da seção
(1) Os coeficientes de Fourier podem ser calculados tanto para uma função
f : [−L,L] → R como para uma função f , 2L-periódica e estão dados pelas
expressões (2.10)-(2.11).
(2) A série de Fourier correspondente é uma função 2L-periódica dada pela expressão
(2.12) que debe ser entendida como o limite das somas parciais (2.13).
Referências
[1] D. Bleecker and G. Csördas. Basic Partial Differential Equations. International Press,
1997.
[2] W. E. DiPrima R. C. Boyce. Equações Diferenciais Elementares e Problemas de Valores
de Contorno. LTC, New Jersey, 1975.
28 CAPÍTULO 2. SEPARAÇÃO DE VARIÁVEIS. SÉRIES DE FOURIER
Caṕıtulo 3
Propriedades das séries de Fourier.
3.1 Convergência das séries de Fourier
3.1.1 Funções cont́ınuas por partes e suaves por partes
Antes de formular o critério de convergência das séries de Fourier, precisamos fazer uma
pequena revisão sobre as funções cont́ınuas por partes.
Lembremos que para uma função f , definida em um intervalo aberto contendo o ponto
x0, denotamos por f(x0−) o limite de f(x), quando x se aproxima de x0 pela esquerda.
Analogamente, f(x0+) denota o limite de f(x), quando x se aproxima de x0 pela direita
f(x0−) = lim
x→x0−
f(x), f(x0+) = lim
x→x0+
f(x).
f tem uma descontinuidade de tipo salto em x = x0 se f(x0−) 6= f(x0+) e nesse caso a
diferença f(x0+)− f(x0−) é chamada de salto de f nesse ponto. Observe que o salto de f
não depende do valor de f(x0).
Figura 3.1: Uma função com um salto em x0 = 1
Definição 3.1
Uma função f : R → R é cont́ınua por partes se ela tiver no máximo um número finito
de descontinuidades, todas elas de tipo salto em cada intervalo da forma [a, b]. Se tanto
f quanto sua derivada (ali onde ela exista) forem cont́ınuas por partes, dizemos que f é
suave por partes.
29
30 CAPÍTULO 3. SÉRIES DE FOURIER
Exemplo 3.1. As funções cont́ınuas são cont́ınuas por partes. O número de descontinui-
dades de tipo salto em cada intervalo [a, b] é zero. /
Exemplo 3.2. A função
f(x) =
{ 1
x
, x 6= 0;
0, x = 0
não é cont́ınua por partes pois seu limite quando x → 0+ não existe e portanto a desconti-
nuidade em x0 = 0 não é de tipo salto. /
Exemplo 3.3. A função
f(x) =
x2 sen
(
1
x
)
, x 6= 0;
0, x = 0
possui derivada em todos os pontos mas f ′(0+) e f ′(0−) não existem (verifique isto!). Por
isso esta função é cont́ınua mas não é suave por partes. /
O gráfico de uma função suave por partes pode ser de vários tipos. Se f tem primeira
derivada cont́ınua, a inclinação da tangente ao seu gráfico em cada ponto muda continuamente,
sem saltos. Por isso o gráfico de uma função deste tipo é uma curva cont́ınua sem “ quinas”.
(veja a figura 3.2(a))
Se f for cont́ınua, mas f ′ possuir descontinuidades de tipo salto, teremos um gráfico sem
saltos, mas com “ quinas” nos pontos onde f ′ é descont́ınua, pois nesses pontos a tangente
vai se aproximar de dois valores distintos pela direita e pela esquerda. (veja a figura 3.2(b))
Se tanto f quanto f ′ possúırem descontinuidades de tipo salto, o gráfico de f terá saltos
nas suas descontinuidades e terá “ quinas” nas descontinuidades da derivada. (veja a figura
3.2(c))
Figura 3.2: Funções suaves por partes
3.1. CONVERGÊNCIA DAS SÉRIES DE FOURIER 31
3.1.2 O Teorema de Dirichlet
A compreensão que se tem atualmente sobre as séries de Fourier é muito mais profunda da
que existia nas primeiras décadas do século XIX. De fato, quem obteve o primeiro resultado
rigoroso sobre a convergência dessas séries não foi Fourier senão um aluno dele, Johann Peter
Gustav Lejeune Dirichlet. Ele publicou esse resultado no artigo
P.G.L. Dirichlet, Sur la convergence des series trigonométriques qui servent à représenter
une fonction arbitraire entre des limites donnés. J. Math. 4 (1829) pp. 157–169.
Teorema 3.1
(Teorema de Dirichlet) A série de Fourier de qualquer função f : R→ R de peŕıodo 2L,
suave por partes, converge em todos os valores de x. A soma da série vale f(x) em cada
ponto de continuidade e vale
1
2
(f(x+) + f(x−))
em cada ponto de descontinuidade de f .
Em particular, se além de suave por partes, f for cont́ınua, teremos que Sf(x) = f(x)
para todo x ∈ R.
Exemplo 3.4. No exemplo (2.1) obtivemos a série de Fourier da função
f(x) =
1, 0 ≤ x < L;
0, −L ≤ x < 0 ou x = L;
periódica com peŕıodo 2L.
Figura 3.3: Visualização da convergência da série de Fourier da função f do exemplo 3.4
Esta função é descont́ınua somente nos pontos da forma x = jL, com j ∈ Z. Em cada um
deles os limites laterais existem e valem 0 e L. A derivada de f existe fora desses pontos e é
https://pt.wikipedia.org/wiki/Johann_Peter_Gustav_Lejeune_Dirichlet
https://pt.wikipedia.org/wiki/Johann_Peter_Gustav_Lejeune_Dirichlet
32 CAPÍTULO 3. SÉRIES DE FOURIER
igual a zero. Portanto, as hipóteses do teorema são satisfeitas e obtemos
Sf(x) =
1, 2jL < x < (2j + 1)L;
0, (2j − 1)L < x < 2jL;
1/2, x = jL, j ∈ Z.
As séries de Fourier às vezes nos permitem obter somas de séries numéricas. Observe que
neste caso se 0 < x < L,
1
2
+
2
π
∞∑
k=1
1
2k − 1
sen
(
(2k − 1)π
L
x
)
= 1⇒
∞∑
k=1
1
2k − 1
sen
(
(2k − 1)π
L
x
)
=
π
4
Se substituirmos na expressão acima um valor de x ∈ [0, L] tal que sen
(
(2k − 1)π
L
x
)
seja
simples de se calcular, poderemos deduzir a soma de uma série numérica. Por exemplo, se
x =
L
2
, sen
(
(2k − 1)π
L
x
)
= sen
(
(2k − 1)π
2
)
= sen
(
−π
2
+ kπ
)
= (−1)k+1, portanto,
∞∑
k=1
(−1)k+1
2k − 1
=
π
4
.
/
O exemplo a seguir é muito interessante pois a função do exemplo não satisfaz as hipóteses
do Teorema de Dirichlet, no entanto,em certo sentido sua série de Fourier converge para f .
Exemplo 3.5. Consideremos a função f(x) = − ln |2 sen(x/2)|. A prinćıpio, ela não
estaria definida nos pontos onde sen(x/2) = 0, ou seja, nos pontos da forma x = 2kπ, k ∈ Z.
No entanto, este problema pode ser resolvido facilmente atribuindo o valor zero à função f
nesses pontos. Além disto, f tem peŕıodo 2π e é absolutamente integrável.
Figura 3.4: A função f(x) = − ln |2 sen(x/2)| não é cont́ınua por partes
Os coeficientes de Fourier de f são a0 = 0, an =
1
n
e bn = 0, n = 1, 2, . . . , ou seja
Sf(x) =
∞∑
n=1
cos(nx)
n
.
3.1. CONVERGÊNCIA DAS SÉRIES DE FOURIER 33
Portanto, se k ∈ Z,
Sf(2kπ) =
∞∑
n=1
cos(2nkπ)
n
=
∞∑
n=1
1
n
=∞.
Ou seja, a série de Fourier de f diverge em um número infinito de valores de x. Isto não
contradiz o teorema 3.1 pois f não é cont́ınua por partes uma vez que
lim
x→2kπ
f(x) =∞, k ∈ Z.
Por isso não podemos aplicar esse teorema neste caso.
Figura 3.5: Somas parciais de Fourier de f(x) = − ln |2 sen(x/2)|
Por outro lado, a análise gráfica (veja a figura 3.5) de algumas somas parciais de Fourier
desta série nos leva a conjecturar que nos valores de x onde f é cont́ınua vale Sf(x) = f(x).
Isto é verdade, mas não podemos conclúı-lo usando o teorema 3.1.
/
Suponha agora que f : [−L,L]→ R é cont́ınua por partes e sua derivada também. Podemos
estender esta função periodicamente sobre a reta toda de forma a obtermos uma função que
tem peŕıodo 2L e que coincide com f no intervalo (−L,L). Esta extensão é suave por partes
e podemos aplicar a ela o Teorema de Dirichlet para sabermos para quais valores converge a
série de Fourier de f .
Exemplo 3.6. Vamos estudar agora a série de Fourier de
f(x) =
{
x, 0 ≤ x ≤ L;
0, −L < x < 0.
Solução:
34 CAPÍTULO 3. SÉRIES DE FOURIER
Primeiro calculamos seus coeficientes de Fourier.
a0 =
1
L
∫ L
0
xdx =
1
L
x2
2
∣∣∣L
0
=
L
2
;
an =
1
L
∫ L
0
x cos
(nπ
L
x
)
dx =
1
L
{
x
L
nπ
sen
(nπ
L
x
) ∣∣∣L
0
− L
nπ
∫ L
0
sen
(nπ
L
x
)
dx
}
=
L
n2π2
cos
(nπ
L
x
) ∣∣∣L
0
=
L((−1)n − 1)
n2π2
bn =
1
L
∫ L
0
x sen
(nπ
L
x
)
dx =
1
L
{
x
−L
nπ
cos
(nπ
L
x
) ∣∣∣L
0
+
L
nπ
∫ L
0
cos
(nπ
L
x
)
dx
}
= − L
nπ
cos(nπ) =
(−1)n+1L
nπ
.
A série de Fourier adota a forma
Sf(x) =
L
4
+
L
π
∞∑
n=1
[
((−1)n − 1)
n2π
cos
(nπ
L
x
)
+
(−1)n+1
n
sen
(nπ
L
x
)]
(3.1)
ou ainda, observando que an =
{
− 2L
n2π2
, n ı́mpar;
0, n par,
Sf(x) =
L
4
− 2L
π2
∞∑
k=1
1
(2k − 1)2
cos
(
(2k − 1)π
L
x
)
+
L
π
∞∑
n=1
(−1)n+1
n
sen
(nπ
L
x
)
. (3.2)
Algumas somas parciais de Fourier são
S1f(x) =
L
4
− 2L
π2
cos
(π
L
x
)
+
L
π
sen
(π
L
x
)
,
S4f(x) =
L
4
− 2L
π2
cos
(π
L
x
)
+
L
π
sen
(π
L
x
)
− L
2π
sen
(
2π
L
x
)
− 2L
9π2
cos
(
3π
L
x
)
+
L
3π
sen
(
3π
L
x
)
− L
4π
sen
(
4π
L
x
)
.
Para sabermos qual é o valor de Sf(x) para cada valor de x, observemos que
� f é cont́ınua;
� f ′(x) = 0 sobre o intervalo (−L, 0) e f ′(x) = 1 sobre (0, L). Portanto, f ′ é cont́ınua
por partes.
Portanto, podemos aplicar o Teorema de Dirichlet.
Como f(−L) = 0 e f(L) = L a série de Fourier de f vai apresentar descontinuidades nos
pontos da forma x = (2k − 1)L, k ∈ Z e além disto vale
Sf(x) =
x, 0 ≤ x < L;
0, −L < x < 0.
L
2
, x = −L ou x = −L.
/
3.1. CONVERGÊNCIA DAS SÉRIES DE FOURIER 35
Figura 3.6: Ilustração da convergência da série de Fourier da função f
Ideias mais importantes da seção
(1) O Teorema de Dirichlet nos diz que
(i) a série de Fourier de qualquer função periódica e suave por partes converge;
(ii) onde a função for cont́ınua, ela coincide com a série de Fourier;
(iii) onde ela for descont́ınua, a série de Fourier é igual à soma dos limites laterais.
(2) Se f : [−L,L]→ R for suave por partes, aplicamos o teorema à extensão 2L−periódica
de f .
36 CAPÍTULO 3. SÉRIES DE FOURIER
3.2 Séries de Fourier de senos e de cossenos
Já sabemos como expandir uma função f : [−L,L] → R ou 2L-periódica, integrável, numa
série de Fourier da forma
a0
2
+
∞∑
n=1
an cos
(nπ
L
x
)
+ bn sen
(nπ
L
x
)
.
No entanto, para resolver o problema de condução do calor, teremos uma função temperatura
inicial definida apenas no intervalo [0, L]. Além disto, no caso da barra ter extremos mantidos
a temperatura zero, ela precisará ser expandida numa série contendo apenas funções seno.
Aprenderemos como fazer isso nesta seção.
3.2.1 Funções pares e ı́mpares
As séries de Fourier de funções pares e ı́mpares têm uma estrutura especial que vamos examinar
com detalhe. Começaremos lembrando a definição destas funções.
Definição 3.2
Uma função f : [−L,L]→ R é chamada de par se f(x) = f(−x), para todo x ∈ [−L,L].
Se f(x) = −f(−x) para todo x ∈ [−L,L], f é chamada de ı́mpar.
Se f é par, então se o ponto P = (x, f(x)) está no gráfico de f , o ponto Q = (−x, f(x))
também o estará. Ou seja, o gráfico de f é simétrico em relação ao eixo y. Alguns exemplos
são f(x) = c, f(x) = cos cx, onde c denota uma constante real qualquer. Se n ∈ N,
f(x) = x2n. Provavelmente o nome “par” vem desse último exemplo.
Figura 3.7: Gráfico de uma função par. http://www.mathsisfun.com
Se f é ı́mpar, então se o ponto P = (x, f(x)) está no gráfico de f , o ponto Q = (−x,−f(x))
também o estará. Neste caso, se rotacionarmos o gráfico de f um ângulo π em relação à origem
de coordenadas, obteremos o mesmo gráfico. Alguns exemplos são f(x) = x, f(x) = sen cx
e f(x) = x2n−1, n ∈ N.
http://www.mathsisfun.com
3.2. SÉRIES DE FOURIER DE SENOS E DE COSSENOS 37
Figura 3.8: Gráfico de uma função ı́mpar. http://www.mathsisfun.com
Diferentemente do que ocorre com os números naturais, nem toda função precisa ser par ou
ı́mpar. Existem muitas funções que não satisfazem as propriedades descritas acima. Alguns
exemplos são f(x) = ln x e f(x) = x2 − x.
Figura 3.9: Exemplo de função que não é nem par nem ı́mpar. http://www.mathsisfun.com
Proposição 3.1: Propriedades das funções ı́mpares e pares
� O produto de duas funções pares ou de duas funções ı́mpares é uma função par.
� O produto de uma função par (não identicamente nula) e uma ı́mpar é uma função
ı́mpar.
� Se f : [−L,L]→ R é ı́mpar, então
∫ L
−L
f(x)dx = 0, caso esta integral exista.
http://www.mathsisfun.com
http://www.mathsisfun.com
38 CAPÍTULO 3. SÉRIES DE FOURIER
� Se f : [−L,L] → R é par, então
∫ L
−L
f(x)dx = 2
∫ L
0
f(x)dx, caso as integrais
existam.
As propriedades listadas acima têm consequências importantes relacionadas aos coeficientes
de Fourier. De fato,
� se uma função f for ı́mpar, então f(x) cos
(nπ
L
x
)
é ı́mpar e f(x) sen
(nπ
L
x
)
é par;
� e se uma função f for par (e não identicamente nula), então f(x) cos
(nπ
L
x
)
é par e
f(x) sen
(nπ
L
x
)
é ı́mpar.
Portanto, obtemos o resultado a seguir.
Proposição 3.2
Seja f : [−L,L]→ R (ou 2L-periódica) uma função com todos os coeficientes de Fourier
bem definidos. Então
(i) se f é par, bn = 0, n = 1, 2, . . . e
an =
2
L
∫ L
0
f(x) cos
(nπ
L
x
)
dx, n = 0, 1, 2, . . . .
(ii) se f é ı́mpar, an = 0, n = 0, 1, 2, . . . e
bn =
2
L
∫ L
0
f(x) sen
(nπ
L
x
)
dx, n = 1, 2, . . . .
Exemplo 3.7. Calculemos a série de Fourier de f(x) = x, −π ≤ x ≤ π.
Como f é ı́mpar, sabemos que an = 0, n = 0, 1, 2, . . . . Além disto, utilizando os cálculos
feitos no exemplo 3.6, obtemos que
bn =
2
π
∫ π
0
x sennxdx =
2(−1)n+1
n
e então,
Sf(x) = 2
∞∑
n=1
(−1)n+1
n
sennx.
A série de Fourier apresenta descontinuidades nos pontos x que são múltiplos ı́mpares de π.
/
3.2. SÉRIES DE FOURIER DE SENOS E DE COSSENOS 39
Figura 3.10: Gráfico da série de Fourier de f(x) = x,−π ≤ x ≤ π
Exemplo 3.8. Calculemos agora a série de Fourier de f(x) = |x|, −π ≤ x ≤ π.
Neste caso, f é par e portanto bn = 0, n = 1, 2, . . . . Mais uma vez utilizando os cálculos
feitos no exemplo 3.6, obtemos que
a0 =
2
π
∫ π
0
xdx = π;
an =
2
π
∫ π
0
x cosnxdx=
2[(−1)n − 1]
πn2
e
Sf(x) =
π
2
+
2
π
∞∑
n=1
[(−1)n − 1]
n2
cosnx
=
π
2
+
4
π
∞∑
k=1
1
(2k − 1)2
cos((2k − 1)x)
A série de Fourier é uma função cont́ınua que não é derivável nos múltiplos ı́mpares de π.
Figura 3.11: Gráfico da série de Fourier de f(x) = |x|,−π ≤ x ≤ π
/
40 CAPÍTULO 3. SÉRIES DE FOURIER
3.2.2 Séries de Fourier de senos e de cossenos
Como a série de Fourier de uma função ı́mpar contém somente senos, parece razoável, para
expandirmos uma função f : [0, L]→ R numa série de senos, usar a série de Fourier de alguma
função ı́mpar definida no intervalo [−L,L] e que coincida com f sobre [0, L]. Isto nos leva à
ideia das extensões ı́mpares e pares das funções.
Definição 3.3
(a) A extensão ı́mpar da função f : [0, L]→ R é a única função ı́mpar fi, definida sobre
[−L,L] e que coincide com f em (0, L], ou seja
fi(x) =
f(x), 0 < x ≤ L;
0, x = 0
−f(−x), −L ≤ x < 0.
(b) A extensão par da função f : [0, L] → R é a única função par fp, definida sobre
[−L,L] e que coincide com f em [0, L], ou seja
fp(x) =
{
f(x), 0 ≤ x ≤ L;
f(−x), −L ≤ x < 0.
Na figura 3.12 podemos visualizar os gráficos de uma mesma função estendida de forma
ı́mpar e par, respectivamente.
Figura 3.12: Extensões ı́mpar e par de f(x) = −(x− 1)2 + 5, 0 ≤ x ≤ 3.
A seguir, definiremos as séries de Fourier de senos e de cossenos de uma função
f : [0, L]→ R. A ideia é bastante natural e está descrita a seguir.
� A série de Fourier de senos de f é a série de Fourier de sua extensão ı́mpar fi.
� A série de Fourier de cossenos de f é a série de Fourier de sua extensão par fp.
3.2. SÉRIES DE FOURIER DE SENOS E DE COSSENOS 41
Definição 3.4
Seja f : [0, L]→ R.
(a) A série de Fourier de f de senos é
∞∑
n=1
bn sen
(nπ
L
x
)
,
onde
bn =
2
L
∫ L
0
f(x) sen
(nπ
L
x
)
dx, n = 1, 2, . . . ,
desde que as integrais estejam bem definidas.
(b) A série de Fourier de f de cossenos é
a0
2
+
∞∑
n=1
an cos
(nπ
L
x
)
,
onde
an =
2
L
∫ L
0
f(x) cos
(nπ
L
x
)
dx, n = 0, 1, 2, . . .
desde que as integrais estejam bem definidas.
Vejamos um exemplo.
Exemplo 3.9. Obtenha a série de Fourier de senos e a série de Fourier de cossenos da
função f(x) = L − x, 0 ≤ x ≤ L e faca um esboço de ambas as séries no intervalo
[−3L, 3L].
Solução: Calculemos os coeficientes de Fourier da série de senos. Para isto vamos reapro-
veitar alguns dos cálculos feitos no exemplo 3.6.
bn =
2
L
∫ L
0
(L− x) sen
(nπ
L
x
)
dx
bn = 2
∫ L
0
sen
(nπ
L
x
)
dx− 2
L
∫ L
0
x sen
(nπ
L
x
)
dx
bn =
2L(1− (−1)n)
nπ
− 2L(−1)
n+1
nπ
bn =
2L
nπ
.
Portanto, a série de Fourier de senos de f é
2L
π
∞∑
n=1
1
n
sen
(nπ
L
x
)
.
Para obtermos o gráfico dessa série, devemos primeiro estender a função f de forma ı́mpar
para obtermos fi e depois desenhar o gráfico da série de Fourier de fi.
42 CAPÍTULO 3. SÉRIES DE FOURIER
Figura 3.13: f e sua série de Fourier de senos
Calculemos agora a série de cossenos. Mais uma vez reaproveitando os cálculos feitos no
exemplo 3.6:
a0 =
2
L
∫ L
0
(L− x)dx = 2
L
∫
(Lx− x
2
2
)
∣∣∣L
0
= L
an =
2
L
∫ L
0
(L− x) cos
(nπ
L
x
)
dx
an = 2
∫ L
0
cos
(nπ
L
x
)
dx− 2
L
∫ L
0
x cos
(nπ
L
x
)
dx
an =
2L(1− (−1)n)
n2π2
Portanto, a expressão da série de Fourier de cossenos de f é
L
2
+
2L
π2
∞∑
n=1
1− (−1)n
n2
cos
(nπ
L
x
)
=
L
2
+
4L
π2
∞∑
k=1
1
(2k − 1)2
cos
(
(2k − 1)π
L
x
)
.
Finalmente, para obtermos o gráfico, devemos primeiro estender a função f de forma par para
obtermos fp e depois desenhar o gráfico da série de Fourier de fp.
Figura 3.14: f e sua série de Fourier de cossenos
/
REFERÊNCIAS 43
Ideias mais importantes da seção
(1) Os coeficientes de Fourier bn das funções pares são todos nulos.
(2) Os coeficientes de Fourier an das funções ı́mpares são todos nulos.
(3) A série de Fourier de senos de uma função f : [0, L]→ R é a série de Fourier de sua
extensão ı́mpar, que é uma função definida sobre o intervalo [−L,L]. Ela é da forma
∞∑
n=1
bn sen
(nπ
L
x
)
, onde bn =
2
L
∫ L
0
f(x) sen
(nπ
L
x
)
dx, n = 1, 2, . . . .
(4) A série de Fourier de cossenos de uma função f : [0, L]→ R é a série de Fourier de
sua extensão par, que é uma função definida sobre o intervalo [−L,L]. Ela é da forma
a0
2
+
∞∑
n=1
an cos
(nπ
L
x
)
, onde an =
2
L
∫ L
0
f(x) cos
(nπ
L
x
)
dx, n = 0, 1, 2, . . . .
Referências
[1] D. Bleecker and G. Csördas. Basic Partial Differential Equations. International Press,
1997.
[2] W. E. DiPrima R. C. Boyce. Equações Diferenciais Elementares e Problemas de Valores
de Contorno. LTC, New Jersey, 1975.
44 CAPÍTULO 3. SÉRIES DE FOURIER
Caṕıtulo 4
Outros problemas de propagação do
calor
4.1 Problemas com condições de fronteira homogêneas
4.1.1 Temperatura dada nos extremos
Exemplo 4.1. Suponhamos que queremos encontrar a solução do problema
ED ∂tu = ∂
2
xu, 0 ≤ x ≤ 1, t ≥ 0;
CF u(0, t) = 0 u(1, t) = 0, t ≥ 0;
CI u(x, 0) = x(1− x), 0 ≤ x ≤ 1.
(4.1)
Aqui, L = 1, portanto, sabemos achar a solução quando u(x, 0) é uma combinação linear
de funções da forma sen(nπx), n ∈ N. Como f(x) = x(1 − x) é um polinômio, não pode
ser combinação linear de funções dessa forma. Uma maneira de verificar isso seria observando
que qualquer combinação linear de funções da forma sen(nπx) deve ser uma função periódica,
mas sabemos que os polinômios não são funções periódicas.
No entanto, a função f(x) = x(1−x) pode ser expandida na sua série de Fourier de senos.
Calculando os coeficientes
bn = 2
∫ 1
0
x(1− x) sen(nπx)dx = 4
π3
1− (−1)n
n3
obtemos
x(1− x) = 4
π3
∞∑
n=1
1− (−1)n
n3
sen(nπx) =
8
π3
∞∑
j=1
1
(2j − 1)3
sen((2j − 1)πx). (4.2)
Lembre que uma outra maneira de obter essa série seria subtraindo as séries de Fourier de
senos das funções g(x) = x e h(x) = x2, 0 ≤ x ≤ 1.
Observe que como f é cont́ınua e como f(0) = f(π) = 0, obtemos que para x ∈ [0, 1], vale
x(1− x) = 8
π3
∞∑
j=1
1
(2j − 1)3
sen((2j − 1)πx). (4.3)
Assim, parece razoável concluir que
u(x, t) =
8
π3
∞∑
j=1
1
(2j − 1)3
e−((2j−1)π)
2t sen((2j − 1)πx). (4.4)
45
46 CAPÍTULO 4. OUTROS PROBLEMAS DE PROPAGAÇÃO DO CALOR
é a solução do problema, mas será que realmente podemos afirmar isto?
Substituindo x = 0 e x = 1 na expressão de u, obtemos que u(0, t) = 0 e u(1, t) = 0,
portanto, as condições de fronteira são satisfeitas. Pela igualdade (4.3), temos que u(x, 0) =
x(1− x) e portanto, a condição inicial também é satisfeita.
A dificuldade neste exemplo está em verificar que a equação diferencial é satisfeita, pois para
isso precisamos derivar uma série efetuando a derivação termo a termo, o que nem sempre é
posśıvel. Neste caso, o decaimento das exponenciais permite fazer isto mas não entraremos
nesses detalhes aqui e consideraremos a expressão obtida apenas como uma solução formal ou
plauśıvel, uma vez que não foi estudada essa questão com a profundidade necessária.
Outra abordagem seria truncar a série e obter uma solução aproximada. É o que precisamos
fazer se quisermos plotar uma “solução” (veja a figura ??).
Figura 4.1: Aproximação da solução com 10 termos da série para diferentes valores de t.
/
A seguir apresentamos um exemplo onde a condição inicial não é satisfeita em todos os
pontos.
Exemplo 4.2. Determine a solução do problema
ED ∂tu = 2∂
2
xu, 0 < x < π, t > 0;
CF u(0, t) = 0 u(π, t) = 0, t > 0;
CI u(x, 0) =
{
1, 0 < x ≤ π/2;
2, π/2 < x < π
, 0 ≤ x ≤ π.
Solução:
Neste caso L = π. Como f não é combinação linear das funções sennx, n ∈ N, precisaremos
usar sua série de Fourier de senos para obter uma solução formal do problema.
4.1. PROBLEMAS COM CONDIÇÕES DE FRONTEIRA HOMOGÊNEAS 47
Os coeficientes da série são
bn =
2
π
∫ π
0
f(x) sennxdx =
2
π
[∫ π/2
0
f(x) sennxdx+
∫ π
π/2
f(x) sennxdx
]
=
2
π
[∫ π/2
0
sennxdx+ 2
∫ π
π/2
sennxdx
]
=
2
π
1 + cos(nπ/2)−2 cos(nπ)
n
=
2
π
1− 2(−1)n + cos(nπ/2)
n
.
Portanto, a série é
2
π
∞∑
n=1
1− 2(−1)n + cos(nπ/2)
n
sen(nx)
e a solução será
u(x, t) =
2
π
∞∑
n=1
1− 2(−1)n + cos(nπ/2)
n
e−2n
2t sen(nx).
Como no exemplo anterior, é simples verificar que u satisfaz as condições de fronteira. No
Figura 4.2: Aproximação da solução com 20 termos da série para diferentes valores de t.
entanto, u não satisfaz à condição inicial dada, senão a condição alternativa:
u(x, 0) =
1, 0 < x ≤ π/2;
0, x = 0 ou x = π;
3/2, x = π/2;
2, π/2 < x < π.
.
Este exemplo poderia corresponder com uma situação na qual temos duas barras do mesmo
material de comprimento π/2, com temperaturas distintas e constantes que são unidas e as
novas extremidades são mantidas a temperatura zero. A descontinuidade da temperatura
na seção transversal no meio da barra na condição inicial corresponde com o fato de termos
48 CAPÍTULO 4. OUTROS PROBLEMAS DE PROPAGAÇÃO DO CALOR
juntado nesse instante as duas barras. A transferência de calor entre as duas barras faz com que
esta descontinuidade desapareça rapidamente. Nesse sentido, a solução obtida é fisicamente
satisfatória. No entanto, aparentemente não faz muito sentido falar que u(0, 0) = u(π, 0) = 0.
Esta condição aparece teoricamente pois estamos usando a série de Fourier de senos. Na
prática, ela corresponde ao fato dos extremos da barra serem mantidos a temperatura zero.
/
4.1.2 Barra com extremos termicamente isolados
No processo de condução de calor na barra, a quantia −KA∂xu(a, t) representa a quantidade
de calor por unidade de tempo que atravessa a seção x = a no sentido crescente de x. Aqui,
A é a área da seção transversal e K é a condutividade térmica do material que compõe a
barra. Portanto, ao especificarmos valores para ∂xu(x, t) em x = 0 ou x = L, estaremos
impondo condições sobre a taxa com que a energia térmica passa pelos extremos da barra.
Em particular, a condição ∂xu(0, t) = 0 significa que não há calor fluindo pelo extremo x = 0.
Se a barra for completamente isolada, obtemos as condições
∂xu(0, t) = 0, ∂xu(L, t) = 0, t ≥ 0. (4.5)
Para encontrar as soluções, como fizemos no caso de extremos mantidos a temperatura
zero, começamos por encontrar quais das soluções fatoradas da equação do calor satisfazem
as condições acima.
Se u(x, t) = X(x)T (t), então ∂xu(0, t) = X
′(0)T (t) = 0 para todo t ≥ 0 implica que
X ′(0) = 0 e de forma similar obtemos X ′(L) = 0. Analisaremos a seguir quais são as
soluções de X ′′ − λX = 0 satisfazendo estas condições de fronteira.
No caso λ = 0, temos X(x) = c1x+ c2. Assim, X
′(x) = c1 e portanto
X ′(0) = 0, X ′(L) = 0⇒ c1 = 0.
Neste caso a única solução não nula posśıvel é uma constante. Para facilitar na hora de calcular
os coeficiente de Fourier, esta constante será escrita da forma X0(x) =
a0
2
, com a0 ∈ R.
Quando λ > 0, a única solução satisfazendo X ′(0) = 0, X ′(L) = 0 é a solução nula.
Pedimos para você verificar isso num exerćıcio.
No caso λ = −α2 < 0, α > 0, temos que X(x) = c1 cosαx + c2 senαx e X ′(x) =
−αc1 senαx+ αc2 cosαx. Portanto,
X ′(0) = αc2 = 0⇒ c2 = 0
e
X ′(L) = −c1α sen(αL) = 0.
Se c1 = 0, obtemos apenas a solução nula. Precisaremos então que sen(αL) = 0. Portanto
α =
nπ
L
e λ = −
(nπ
L
)2
n ∈ N.
Desta forma chegamos à
Proposição 4.1
A equação X ′′ − λX = 0 só pode ter soluções não nulas satisfazendo as condições de
fronteira X ′(0) = 0 e X ′(L) = 0 quando λ = 0 ou λ = −
(nπ
L
)2
, n = 0, 1, . . . .
4.1. PROBLEMAS COM CONDIÇÕES DE FRONTEIRA HOMOGÊNEAS 49
Estas soluções são da forma
X0(x) =
a0
2
e Xn(x) = an cos
(nπ
L
x
)
, n ∈ N,
onde a0, an ∈ R.
Portanto, as soluções fatoradas da equação do calor satisfazendo as condições de fronteira
(4.5) são da forma
un(x, t) = ane
−(nπ
L
)2kt cos
(nπ
L
x
)
, n = 1, . . . , (4.6)
com an ∈ R, além da solução constante u0(x, t) =
a0
2
.
Pelo Prinćıpio de Superposição e pela homogeneidade das condições de fronteira (4.5) temos
que se a0, a1, . . . , aN são constantes, uma solução da equação do calor satisfazendo (4.5) é
u(x, t) =
a0
2
+
N∑
n=1
ane
−(nπ
L
)2kt cos
(nπ
L
x
)
,
com condição inicial correspondente
u(x, 0) =
a0
2
+
N∑
n=1
an cos
(nπ
L
x
)
.
Podemos resumir estes resultados na proposição a seguir, análoga à proposição 1.2.
Proposição 4.2
Sejam a0, a1, . . . , aN constantes dadas. A solução do problema
ED ∂tu = k∂
2
xu, 0 ≤ x ≤ L, t ≥ 0;
CF ∂xu(0, t) = 0 ∂xu(L, t) = 0, t ≥ 0;
CI u(x, 0) =
a0
2
+
N∑
n=1
an cos
(nπ
L
x
)
, 0 ≤ x ≤ L.
(4.7)
está dada por
u(x, t) =
a0
2
+
N∑
n=1
ane
−(nπ
L
)2kt cos
(nπ
L
x
)
. (4.8)
A seguir apresentamos um exemplo.
Exemplo 4.3. Determine uma solução do problema
ED ∂tu = 2∂
2
xu, 0 ≤ x ≤ 1, t ≥ 0;
CF ∂xu(0, t) = 0 ∂xu(1, t) = 0, t ≥ 0;
CI u(x, 0) = cos2(3πx), 0 ≤ x ≤ 1.
Solução:
Neste exemplo temos L = 1 e k = 2. Além disto, nπ
L
= nπ, por isso precisamos ter na
condição inicial f , uma combinação linear de funções da forma cos(nπx), com n = 0, 1, . . . .
50 CAPÍTULO 4. OUTROS PROBLEMAS DE PROPAGAÇÃO DO CALOR
Como f(x) = cos2(3πx), vamos aplicar a identidade trigonómetrica
cos2(α) =
1
2
(1 + cos(2α))
e obtemos que
f(x) = cos2(3πx) =
1
2
(1 + cos(6πx)) =
1
2
+
1
2
cos(6πx).
Para construir a solução basta inserir a exponencial e−(6π)
2·2t = e−72π
2t na frente de cos(6πx).
Portanto,
u(x, t) =
1
2
+
1
2
e−72π
2t cos(6πx)
é a solução deste problema. /
No exemplo a seguir mostramos como resolver um problema utilizando a expansão da função
u(x, 0) na série de Fourier em cossenos.
Exemplo 4.4. Determine a solução do problema
ED ∂tu = 4∂
2
xu, 0 < x < π, t > 0;
CF ∂xu(0, t) = 0 ∂xu(π, t) = 0, t > 0;
CI u(x, 0) =
{
0, 0 < x ≤ π/2;
1, π/2 < x < π.
, 0 ≤ x ≤ π.
Solução: Neste problema temos L = π e condições de fronteira de extremidades isoladas,
portanto, sabemos encontrar a solução exata no caso de temperatura inicial sendo uma
combinação linear das funções cosnx, n = 0, 1, . . . . Como a função f dada não está nesse
caso, vamos determinar uma solução formal do problema, para isto precisaremos
1. obter a série de Fourier em cossenos da função f ;
2. inserir as exponenciais e−4n
2t na frente de cada função cosseno.
Os coeficientes da série em cossenos de f são
a0 =
2
π
∫ π
0
f(x)dx =
2
π
∫ π
π/2
dx = 1
an =
2
π
∫ π
0
f(x) cosnxdx =
2
π
∫ π
π/2
cosnxdx = − 2
π
sen(nπ/2)
n
.
Como sen(nπ/2) = 0 para n par e sen((2j − 1)π/2) = (−1)j+1, obtemos que an = 0 para n
par e a2j−1 =
2
π
(−1)j
2j − 1
. Assim, a série de Fourier em cossenos de f é
1
2
+
2
π
∞∑
j=1
(−1)j
2j − 1
cos(2j − 1)x
e a solução formal do problema é
1
2
+
2
π
∞∑
j=1
e−4(2j−1)
2t (−1)j
2j − 1
cos(2j − 1)x.
/
4.1. PROBLEMAS COM CONDIÇÕES DE FRONTEIRA HOMOGÊNEAS 51
Ideias mais importantes da seção
(1) Ao resolvermos o problema
ED ∂tu = k∂
2
xu, , 0 ≤ x ≤ L, t ≥ 0;
CF u(0, t) = 0, u(L, t) = 0, t ≥ 0;
CI u(x, 0) = f(x), 0 ≤ x ≤ L
se a função f não é uma combinação linear de funções da forma sen
(nπ
L
x
)
,
precisaremos
(a) determinar os coeficientes de sua série de Fourier de senos:
bn =
2
L
∫ L
0
f(x) sen
(nπ
L
x
)
dx, n ∈ N;
(b) escrever a solução formal u(x, t) =
∞∑
n=1
bne
−(nπL )
2
kt sen
(nπ
L
x
)
.
(2) Ao resolvermos o problema de condução de calor na barra com extremidades isoladas,
ED ∂tu = k∂
2
xu, , 0 ≤ x ≤ L, t ≥ 0;
CF ∂xu(0, t) = 0, ∂xu(L, t) = 0, t ≥ 0;
CI u(x, 0) = f(x), 0 ≤ x ≤ L
(a) se f(x) =
a0
2
+
N∑
n=1
an cos
(nπ
L
x
)
, então
u(x, t) =
a0
2
+
N∑
n=1
ane
−(nπL )
2
kt cos
(nπ
L
x
)
;
(b) caso contrário, precisaremos
(i) determinar os coeficientes da série de Fourier de cossenos de f :
an =
2
L
∫ L
0
f(x) cos
(nπ
L
x
)
dx, n = 0, 1, . . .
(ii) escrever a solução formal
u(x, t) =
a0
2
+
∞∑
n=1
ane
−(nπL )
2
kt cos
(nπ
L
x
)
.
52 CAPÍTULO 4. OUTROS PROBLEMAS DE PROPAGAÇÃODO CALOR
4.2 Condições de fronteira não homogêneas
4.2.1 Temperaturas fixadas nos extremos da barra
Nos problemas de contorno que resolvemos até agora, além da equação, as condições de
fronteira também eram lineares e homogêneas. Portanto, qualquer combinação linear de
duas funções satisfazendo essas condições de fronteira, também as satisfaz. Isto nos permitiu
utilizar o Prinćıpio de Superposição para a equação do calor e também para as condições de
fronteira que consideramos até agora.
Vamos considerar a seguir situações nas quais as condições de fronteira não são homogêneas.
A estratégia de solução será reduzir o nosso problema a um outro que saibamos resolver, ou
seja, com condições de fronteira homogêneas.
Consideremos o exemplo a seguir.
Exemplo 4.5. Encontre a solução de
ED ∂tu = ∂
2
xu, 0 ≤ x ≤ 1, t ≥ 0;
CF u(0, t) = 2, u(1, t) = 5 t ≥ 0;
CI u(x, 0) = 3x+ 2 + 3 sen(2πx), 0 ≤ x ≤ 1.
Solução:
Primeiramente devemos reconhecer que não podemos utilizar a estratégia de solução que
foi usada até agora porque o Prinćıpio de Superposição não pode ser aplicado às condições de
fronteira não homogêneas.
Assim, vamos pensar de outra maneira. Como as extremidades da barra são mantidas
a temperatura constante, por considerações f́ısicas sabemos que depois de muito tempo, a
temperatura vai se estabilizar como uma distribuição linear de temperatura interpolando os
valores 2 no extremo esquerdo e 5 no extremo direito. Ou seja, esta solução é da forma
v(x) = cx+ d e as constantes c e d devem ser tais que v(0) = 2 e v(1) = 5.
Portanto, 2 = v(0) = d e 5 = v(1) = c+ d = c+ 2⇒ c = 3 e assim, v(x) = 3x+ 2.
Agora, como v e u são soluções da mesma equação do calor, a função w(x, t) = u(x, t)−v(x)
também o será. Além disto,
w(0, t) = u(0, t)− v(0) = 2− 2 = 0;
w(1, t) = u(1, t)− v(1) = 5− 5 = 0;
w(x, 0) = u(x, 0)− v(x) = 3x+ 2 + 3 sen(2πx)− (3x+ 2) = 3 sen(2πx).
Com isso, w deve satisfazer o problema homogêneo,
ED ∂tw = ∂
2
xw, 0 ≤ x ≤ 1, t ≥ 0;
CF w(0, t) = 0, w(1, t) = 0 t ≥ 0;
CI w(x, 0) = 3 sen(2πx), 0 ≤ x ≤ 1,
com solução w(x, t) = 3e−4π
2t sen(2πx).
Portanto, a solução pedida é
u(x, t) = v(x) + w(x, t) = 3x+ 2 + 3e−4π
2t sen(2πx).
Na figura 4.3 é posśıvel visualizar como esta solução se aproxima de v(x) = 3x+ 2 quando
o tempo cresce. A função v é uma solução estacionária: ela não depende do tempo. Além
disto, a solução da equação do calor considerada, com as condições de fronteira colocadas,
converge para o valor de v em cada seção da barra quando t→∞. /
4.2. CONDIÇÕES DE FRONTEIRA NÃO HOMOGÊNEAS 53
Figura 4.3: Gráfico de u(x, t) = 3x+ 2 + 3e−4π
2t sen(2πx)
Veremos a seguir que a mesma estratégia do exemplo também funciona no caso geral. Supo-
nhamos que queremos resolver o problema de propagação de calor na barra com temperaturas
A e B nos extremos:
ED ∂tu = k∂
2
xu, 0 ≤ x ≤ L, t ≥ 0;
CF u(0, t) = A, u(L, t) = B t ≥ 0;
CI u(x, 0) = g(x), 0 ≤ x ≤ L.
Começaremos procurando uma solução particular v da equação que satisfaça as condições
de fronteira, e que seja independente do tempo, ou seja, da forma u(x, t) = v(x). Isto facilita
a nossa tarefa pois para encontrar essa solução precisaremos apenas resolver uma EDO e não
uma EDP. Esta é a solução estacionária deste problema.
Substituindo na equação obtemos
v′′(x) = 0⇒ v(x) = c1x+ c2,
onde c1 e c2 são constantes que determinamos usando as condições de fronteira:
A = v(0) = c2
B = v(L) = c1L+ c2.
Portanto c2 = A e c1 =
B − A
L
e a solução procurada será
v(x) =
B − A
L
x+ A. (4.9)
54 CAPÍTULO 4. OUTROS PROBLEMAS DE PROPAGAÇÃO DO CALOR
Se considerarmos agora a função w(x, t) = u(x, t)− v(x), então
w(0, t) = u(0, t)− v(0) = A− A = 0
w(L, t) = u(L, t)− v(L) = B −B = 0
w(x, 0) = u(x, 0)− v(x) = g(x)− v(x)
e w vai satisfazer
ED ∂tw = k∂
2
xw, 0 ≤ x ≤ L, t ≥ 0;
CF w(0, t) = 0, w(L, t) = 0 t ≥ 0;
CI w(x, 0) = g(x)− v(x), 0 ≤ x ≤ L.
Este é um problema que sabemos resolver.
� Se g(x) − v(x) =
N∑
n=1
bn sen
(nπ
L
x
)
, obteremos w(x, t) =
N∑
n=1
bne
−(nπ
L
)2kt sen
(nπ
L
x
)
,
portanto a solução procurada será
u(x, t) = v(x) + w(x, t) =
B − A
L
x+ A+
N∑
n=1
bne
−(nπ
L
)2kt sen(
nπ
L
x).
� Caso contrário, precisaremos expandir a função w(x, 0) = g(x) − v(x) na sua série de
Fourier em senos
∞∑
n=1
bn sen
(nπ
L
x
)
, bn =
2
L
∫ L
0
(g(x)− v(x)) sen
(nπ
L
x
)
dx
e a solução formal do problema será
u(x, t) = v(x) + w(x, t) =
B − A
L
x+ A+
∞∑
n=1
bne
−(nπ
L
)2kt sen(
nπ
L
x).
A solução v é a única solução da equação satisfazendo as condições de fronteira dadas e
que não depende do tempo. Ela é chamada de solução estacionária ou solução de estado
estacionário. A solução u obtida escreve-se como a soma da solução estacionária mais uma
solução do problema homogêneo (w), que é transiente no sentido que w(x, t) → 0 quando
t→∞. Portanto, temos que para qualquer seção x da barra,
u(x, t) = v(x) + w(x, t)→ v(x), quando t→∞.
Vejamos mais um exemplo.
Exemplo 4.6. Determine a solução do problema
ED ∂tu = 2∂
2
xu, 0 < x < π, t > 0;
CF u(0, t) = 1 u(π, t) = 2, t > 0;
CI u(x, 0) =
{
1, 0 < x ≤ π/2;
2, π/2 < x < π
, 0 ≤ x ≤ π.
Solução:
Sabemos que a solução estacionária é da forma v(x) = cx+d. v(0) = d = 1 e v(π) = cπ+
d = cπ + 1 = 2⇒ c = 1
π
. Portanto, a solução estacionária deste problema é v(x) = 1
π
x+ 1.
4.2. CONDIÇÕES DE FRONTEIRA NÃO HOMOGÊNEAS 55
Agora, precisamos encontrar a solução transiente w(x, t) = u(x, t) − v(x). Ela satisfaz o
problema
ED ∂tw = 2∂
2
xw, 0 < x < π, t > 0;
CF w(0, t) = 0 w(π, t) = 0, t > 0;
CI w(x, 0) = u(x, 0)− v(x) =
{
−x
π
, 0 < x ≤ π/2;
1− x
π
, π/2 < x < π
, 0 ≤ x ≤ π.
Como w(x, 0) não é combinação linear de funções sennx, precisamos determinar os coefici-
entes bn de de sua série de Fourier em senos.
bn =
2
π
∫ π
0
w(x, 0) sennxdx =
2
π
[∫ π/2
0
w(x, 0) sennxdx+
∫ π
π/2
w(x, 0) sennxdx
]
= − 2
π
[∫ π/2
0
x
π
sennxdx+ 2
∫ π
π/2
(
1− x
π
)
sennxdx
]
=
2
π
cos(nπ/2)
n
.
Portanto,
u(x, t) = v(x) + w(x, t) =
x
π
+ 1 +
2
π
∞∑
n=1
cos(nπ/2)
n
e−2n
2t sennx.
Perceba que como w(0, 0) = w(π, 0) = 0, a função u satisfaz a condição inicial em todos
os pontos salvo x = π
2
. Nesse ponto vale u(π
2
, 0) = 3
2
. Você saberia explicar por quê?
Também é interessante compararmos a solução deste problema com a do exemplo 4.2.
Naquele exemplo t́ınhamos a mesma condição inicial do problema deste exemplo mas as
condições de fronteira eram diferentes pois os extremos da barra eram mantidos a temperatura
zero. Por isso, nesse caso a solução estacionária é a função constante zero e a própria solução
é transiente: ela converge para zero quando o tempo cresce.
(a) Gráfico da solução deste exemplo (b) Gráfico da solução do exemplo 4.2
Figura 4.4: Visualização das soluções dos exemplos 4.2 e 4.6
56 CAPÍTULO 4. OUTROS PROBLEMAS DE PROPAGAÇÃO DO CALOR
Na verdade, na figura anterior não estamos plotando as soluções exatas senão aproximações
com 30 termos da série. Por isso no instante inicial os gráficos não são formados por segmentos
de retas mas por curvas que oscilam em torno deles. /
4.2.2 Temperatura fixada em um extremo da barra e fluxo de calor
fixado no outro
Quando temos condições de fronteira não homogêneas do tipo u(0, t) = A e ∂xu(L, t) = B
com A e B constantes, A 6= 0 ou B 6= 0 (ou ∂xu(0, t) = A e u(L, t) = B) podemos ,
� encontrar primeiro a solução de estado estacionário v = v(x) da equação e satisfazendo
as condições de fronteira;
� determinar w: solução do problema com condições de fronteira nulas e condição inicial
w(x, 0) = u(x, 0)− v(x);
� calcular u(x, t) = v(x) + w(x, t).
Neste caso existirá sempre uma solução v de estado estacionário, ou seja, independente do
tempo. v é da forma v(x) = cx + d e a solução u se aproxima de v quando t → ∞ porque
w(x, t)−−−→
t→∞
0. Vejamos um exemplo.
Exemplo 4.7. Ache a solução do problema de condução do calor
ED ∂tu = 4∂
2
xu, 0 ≤ x ≤ π, t ≥ 0;
CF u(0, t) = −1, ∂xu(π, t) = 1, t ≥ 0;
CI u(x, 0) = x+ 2 sen
(5
2
x
)
− 3 sen
(11
2
x
)
− 1, 0 ≤ x ≤ π.
Solução: A solução estacionária deve ser da forma v(x) = cx + d. Para calcular c e d,
utilizamos as condições de fronteira. v(0) = −1 = d, portanto v(x) = cx − 1. Além disto
devemos ter v′(π) = c = 1, portanto v(x) = x− 1.
O problema de contorno satisfeito por w = u− v será
ED ∂tw = 4∂
2
xw, 0 ≤ x ≤ π, t ≥ 0;
CF w(0, t) = ∂xw(π, t) = 0, t ≥ 0;
CI w(x, 0) = 2 sen
(5
2
x
)
− 3 sen
(11
2
x
)
, 0 ≤ x ≤ π.
Como as soluções fatoradas da equação que satisfazem as condições de fronteira dadas são
da forma
e−(2n−1)
2t sen
(
2n− 1
2
x
)
, n ∈ N
obtemos que w(x, t) = 2e−25t sen
(5
2
x
)
− 3e−121t sen
(11
2
x
)
e portanto
u(x, t) = x− 1 + 2e−25t sen
(5
2
x
)
− 3e−121t sen
(11
2
x
)
.
/
4.2. CONDIÇÕES DE FRONTEIRA NÃO HOMOGÊNEAS 57
4.2.3 Fluxo de calor fixado nos extremos da barra
Quando ∂xu(0, t) = A e ∂xu(L, t) = B, existe solução de estado estacionário apenas quando
A = B. Neste caso, v(x) = Ax+ d, com d arbitrário, ou seja, há infinitas soluções de estado
estacionário. Se A 6= B, não há solução de estado estacionário porque a energia térmica
da barra muda com uma taxa constante. Neste caso há uma solução particular simples, que
reflete este fato, da forma
v(x, t) = ct+ h(x), (4.10)
onde c é constante e h é uma função. Ambas podem ser determinadas usando a equação e
as condições de fronteira mas não faremos isso aqui.
Exemplo 4.8. Examinemos mais uma vez o exemplo 4.4. Nesse exemplo, escrevemos a
solução do problema
ED ∂tu = 4∂
2
xu, 0 < x < π, t > 0;
CF ∂xu(0, t) = 0 ∂xu(π, t) = 0, t > 0;
CI u(x, 0) =
{
0, 0 < x ≤ π/2;
1, π/2 < x < π.
, 0 ≤ x ≤ π.
na forma
u(x, t) =
1
2
+
2
π
∞∑
j=1
e−4(2j−1)
2t (−1)j
2j − 1
cos(2j − 1)x.
Aqui v(x) = 1
2
é uma solução estacionária e w(x, t) =
2
π
∞∑
j=1
e−4(2j−1)
2t (−1)j
2j − 1
cos(2j− 1)x é
a solução transiente que tende a zero quando t cresce, portanto, u(x, t) −−−→
t→∞
1
2
. Perceba que
1
2
= 1
2
∫ π
0
u(x, 0)dx é a média da temperatura inicial, ou seja, como a barra está totalmente
isolada, a temperatura se estabiliza com o passar do tempo se aproximando dessa constante. /
Vejamos a seguir um exemplo com A 6= 0.
Exemplo 4.9. Escreva a solução do problema
ED ∂tu = 100∂
2
xu, 0 < x < 10, t > 0;
CF ∂xu(0, t) = 2, ∂xu(10, t) = 2, t > 0;
CI u(x, 0) =
2x, 0 ≤ x ≤ 2;
4
3
(5− x), 2 ≤ x ≤ 8;
2(x− 10), 8 ≤ x ≤ 10.
Gráfico de u(x, 0)
Solução:
Como este problema tem condições de fronteira não homogêneas, devemos obter primeiro
uma solução estacionária v que satisfaça as condições de fronteira dadas.
Sabemos que v(x) = cx+d, com c e d constantes. Como v′(0) = c = v′(10) = 2, obtemos
que qualquer função da forma v(x) = 2x+d satisfará as propriedades que necessitamos. Como
o mais simples é fixar d = 0, escolheremos a solução estacionária v(x) = 2x para continuar
com os cálculos.
A seguir precisaremos determinar a solução w(x, t) = u(x, t) − v(x) = u(x, t) − 2x. w é
solução do problema:
58 CAPÍTULO 4. OUTROS PROBLEMAS DE PROPAGAÇÃO DO CALOR
ED ∂tw = 100∂
2
xw, 0 < x < 10, t > 0;
CF ∂xw(0, t) = 0, ∂xw(10, t) = 0, t > 0;
CI w(x, 0) =
0, 0 ≤ x ≤ 2;
10
3
(2− x), 2 ≤ x ≤ 8;
−20, 8 ≤ x ≤ 10.
Calculamos a seguir os coeficientes de Fourier da série em cossenos de w(x, 0).
a0 =
2
10
[∫ 8
2
10
3
(2− x)dx+
∫ 10
8
−20dx
]
= −20
an =
2
10
[∫ 8
2
10
3
(2− x) cos
(nπ
10
x
)
dx+
∫ 10
8
−20 cos
(nπ
10
x
)
dx
]
=
200
3π2
1
n2
[
cos
(nπ
5
)
− cos
(
4nπ
5
)]
=
400
3π2
1
n2
sen
(nπ
2
)
sen
(
3nπ
10
)
.
Se n é par, an vale zero. Para n ı́mpar, temos que
a2j−1 =
400
3π2
(−1)j+1
(2j − 1)2
sen
(
3(2j − 1)π
10
)
Expandindo agora a função w(x, 0) na sua série de Fourier em cossenos obtemos
−10 + 400
3π2
∞∑
j=1
(−1)j+1
(2j − 1)2
sen
(
3(2j − 1)π
10
)
cos
(
(2j − 1)π
10
x
)
e portanto a solução deste problema será
w(x, t) = −10 + 400
3π2
∞∑
j=1
(−1)j+1
(2j − 1)2
sen
(
3(2j − 1)π
10
)
e−(2j−1)
2π2t cos
(
(2j − 1)π
10
x
)
.
Utilizando que u(x, t) = w(x, t) + 2x, obtemos que
u(x, t) = 2x− 10 + 400
3π2
∞∑
j=1
(−1)j+1
(2j − 1)2
sen
(
3(2j − 1)π
10
)
e−(2j−1)
2π2t cos
(
(2j − 1)π
10
x
)
.
Neste exemplo podemos garantir que u satisfaz a condição inicial pois f é uma função
cont́ınua suave por partes e portanto coincide com sua série de Fourier em cossenos.
Na figura 4.5 representamos uma aproximação da solução.
4.2. CONDIÇÕES DE FRONTEIRA NÃO HOMOGÊNEAS 59
Figura 4.5: Uma aproximação de u com 8 termos na soma parcial
A solução satisfaz lim
t→∞
u(x, t) = 2x − 10. Esta é a única solução estacionária para a qual
se aproxima a solução u quando t cresce. Portanto, a solução transiente é
400
3π2
∞∑
j=1
(−1)j+1
(2j − 1)2
sen
(
3(2j − 1)π
10
)
e−(2j−1)
2π2t cos
(
(2j − 1)π
10
x
)
.
Podemos visualizar no gráfico que essa aproximação ocorre rapidamente. /
Ideias mais importantes da seção
(1) Para obtermos a solução de problemas de valor inicial com condições de fronteira para
a equação do calor no caso das condições de fronteira não serem homogêneas
e serem constantes.
� Primeiro encontramos uma solução v, estacionária, ou seja, independente do
tempo e que satisfaça as condições de fronteira.
� Depois resolvemos o problema satisfeito por w(x, t) = u(x, t)− v(x), que tem
condições de fronteira homogêneas.
� u(x, t) = v(x) + w(x, t).
(2) Nos casos de condições de fronteira u(0, t) = A, u(L, t) = B ou ∂xu(0, t) =
A, u(L, t) = B ou u(0, t) = A, ∂xu(L, t) = B, a solução estacionária é única e
a solução w é transiente no sentido que u(x, t) −−−→
t→∞
v(x).
(3) No caso de termos prescrito o fluxo de calor nos dois extremos da barra, existe solução
estacionária apenas se ∂xu(0, t) = A = ∂xu(L, t). Esta solução não é única, mas
apenas uma delas satisfaz u(x, t) −−−→
t→∞
v(x).
60 CAPÍTULO 4. OUTROS PROBLEMAS DE PROPAGAÇÃO DO CALOR
Referências
[1] D. Bleecker and G. Csördas. Basic Partial Differential Equations. International Press,
1997.
[2] W. E. DiPrima R. C. Boyce. Equações Diferenciais Elementares e Problemas de Valores
de Contorno. LTC, New Jersey, 1975.
Caṕıtulo 6
A equação da onda unidimensional
A seguir descreveremos um modelo clássico para as oscilações de uma corda.
6.1 Um modelo de vibrações de uma corda
Consideremos uma corda bem esticada feita de um material flex́ıvel e homogêneo com com-
primento L cujo movimento não é afetado substancialmente pela gravidade. No repouso, a
corda está estendida no eixo x entre x = 0 e x = L. Assumiremos que a corda vibra no plano
de forma que cada ponto se desloca apenas na direção y no instante t. Tais vibrações são
chamadas de vibrações transversais. Denotaremos por u(x, t) a posição no instante t do ponto
da corda que no repouso estaria no ponto x. Em um instante de tempo t, a corda poderia ter
a aparência mostrada na figura 6.1.
Figura 6.1: Uma configuração posśıvel da corda vibrante no instante t
Outras suposições que são feitas neste modelo são:
� a corda é flex́ıvel, ou seja, as tensões que aparecem na corda estão direcionadas sempre
ao longo da tangente em cada instante;
� a densidade linear da corda ([massa]/[comprimento]) será denotada por ρ = ρ(x);
� a tensão T da corda (módulo do vetor tensão ~T ), depende de x e t (T = T (x, t));
� as vibrações são de pequena amplitude;
61
62 CAPÍTULO 6. A EQUAÇÃO DA ONDA
� o atrito é despreźıvel.
Aplicando a segunda lei de Newton a uma pequena porção da corda, após fazermos algumas
outras considerações, chegamos à equação
∂2t u =
T0(t)
ρ(x)
∂2xu. (6.1)
Como a corda é homogênea, sua densidade é constante e obtemos ρ(x) = ρ. A suposição
de vibrações pequenas permiteconcluir que T0 não depende do tempo, nesse caso a equação
toma a forma
∂2t u = c
2∂2xu, (6.2)
onde c2 =
T0
ρ
e c =
√
T0
ρ
. As unidades de c2 são [c2] = [comprimento]
2
[tempo]2
, o que indica que c
tem unidades de velocidade. Veremos mais adiante qual é a interpretação da constante c.
Esta é a chamada equação da corda vibrante ou equação da onda unidimensional.
Ela descreve as vibrações das cordas em instrumentos como violino, violão e harpa.
A equação pode ser interpretada da forma seguinte. No termo esquerdo temos a aceleração
da corda pois como u representa a posição da corda, ∂tu representa sua velocidade e ∂
2
t u é a
aceleração. No termo direito, temos uma constante positiva multiplicando ∂2xu, que determina
a concavidade da corda. Assim, a equação nos diz que em cada ponto da corda e em cada
instante de tempo, a concavidade da corda determina sua aceleração.
Figura 6.2: Sentido da aceleração da corda
Como no caso da equação do calor, para determinarmos uma única solução da equação (6.2)
precisaremos acrescentar condições iniciais. No entanto, neste caso na equação aparece uma
derivada segunda em relação ao tempo. Por isso, necessitaremos de duas condições iniciais:
6.2. A CORDA COM EXTREMOS FIXADOS 63
u(x, t0) = f(x), ∂tu(x, t0) = g(x), 0 ≤ x ≤ L.
Aqui, f representa a posição inicial e g a velocidade inicial da corda. Desde o ponto de vista
f́ısico fica claro que é necessário especificar essas duas magnitudes para determinar a posição
da corda em qualquer instante. Tipicamente utilizamos o valor t0 = 0.
Além disto, precisaremos também fornecer condições de fronteira. Podemos por exemplo,
especificar onde estão os extremos da corda em cada instante t, ou seja exigir que
u(0, t) = a(t), u(L, t) = b(t), t ≥ 0, (6.3)
sendo a e b funções cont́ınuas dadas. Estas são chamadas de condições de Dirichlet. Em
particular, se os extremos da corda estiverem fixos no eixo x, obteremos
u(0, t) = 0, u(L, t) = 0, t ≥ 0. (6.4)
ou seja, neste caso temos condições de Dirichlet homogêneas.
6.2 A corda com extremos fixados
Um problema de valor inicial com condições de fronteira para a equação da onda é
ED ∂2t u = c
2∂2xu, 0 ≤ x ≤ L, t ≥ 0; (6.5)
CF u(0, t) = 0, u(L, t) = 0, t ≥ 0; (6.6)
CI u(x, 0) = f(x), ∂tu(x, 0) = g(x), 0 ≤ x ≤ L. (6.7)
Aqui ED denota a equação diferencial (equação da onda neste caso). CF denota as condições
de fronteira, que neste caso especificam que os extremos da corda estão fixados no eixo x. CI
denota as condições iniciais. A posição inicial da corda está especificada pela função f e sua
velocidade inicial, pela função g.
Para isto, serão muito úteis as observações abaixo. Estaremos denotando por c1 e c2 duas
constantes arbitrárias.
� Se as funções u e v são soluções da equação da onda, então w = c1u+c2v também será
solução da equação da onda pelo Prinćıpio de Superposição pois a equação da onda é
linear e homogênea.
� Se as funções u e v satisfazem as condições de fronteira (6.6), então a função w =
c1u + c2v também as satisfaz pois w(0, t) = c1u(0, t) + c2v(0, t) = 0 e w(L, t) =
c1u(L, t) + c2v(L, t) = 0.
� Se chamarmos de uf à solução do problema com velocidade inicial nula
ED ∂2t u = c
2∂2xu, 0 ≤ x ≤ L, t ≥ 0; (6.8)
CF u(0, t) = 0, u(L, t) = 0, t ≥ 0; (6.9)
CI u(x, 0) = f(x), ∂tu(x, 0) = 0, 0 ≤ x ≤ L. (6.10)
64 CAPÍTULO 6. A EQUAÇÃO DA ONDA
e de ug à solução do problema com posição inicial nula
ED ∂2t u = c
2∂2xu, 0 ≤ x ≤ L, t ≥ 0; (6.11)
CF u(0, t) = 0, u(L, t) = 0, t ≥ 0; (6.12)
CI u(x, 0) = 0, ∂tu(x, 0) = g(x), 0 ≤ x ≤ L, (6.13)
então a função u = uf + ug satisfaz o problema (6.5)-(6.7).
Assim, para resolvermos o problema (6.5)-(6.7) basta que saibamos resolver cada um dos
problemas (6.8)-(6.10) e (6.11)-(6.13). A solução dele será a soma dessas duas soluções.
Começaremos analisando como resolver o problema com a velocidade inicial nula.
6.2.1 Corda com velocidade inicial nula
Vejamos como podemos resolver o problema (6.8)-(6.10) utilizando o método de separação
de variáveis. A estratégia para resolver este problema será a seguinte
Passo 1: Encontraremos equações diferenciais ordinárias para as funções X e T de forma que
uma função da forma u(x, t) = X(x)T (t) (solução fatorada) satisfaça a equação da
onda.
Passo 2: Encontraremos condições para as funções X que garantam que as condições de fronteira
(6.9) são satisfeitas por uma solução fatorada. Determinaremos quais são essas funções
X.
Passo 3: Encontraremos condições para as funções T que garantam que a condição inicial ∂tu(x, 0) =
0, 0 ≤ x ≤ L é satisfeita por uma solução fatorada. Determinaremos quais são essas
funções T .
Passo 4: Formaremos combinações lineares das soluções fatoradas resultantes para podermos
satisfazer a condição inicial u(x, 0) = f(x), 0 ≤ x ≤ L.
Passo 1:
Suponhamos que u(x, t) = X(x)T (t) é solução da equação. Então,
X(x)T ′′(t) = c2X ′′(x)T (t)⇒ X
′′(x)
X(x)
=
T ′′(t)
c2T (t)
= λ (constante)
para alguma constante λ pois uma função de x pode coincidir com uma função de t somente
quando ambas as funções são constantes.
Daqui obtemos as equações diferenciais ordinárias X ′′(x) = λX(x) e T ′′(t) = λc2T (t).
Passo 2:
Utilizando os mesmos argumentos que vimos quando aprendemos a resolver o problema de
propagação do calor na barra com temperaturas nulas nos extremos, concluimos que X(0) =
X(L) = 0. Assim, temos que X deve satisfazer o problema
X ′′(x)− λX(x) = 0
X(0) = X(L) = 0.
6.2. A CORDA COM EXTREMOS FIXADOS 65
Pela proposição 2.1, sabemos que este problema tem solução apenas quando λ = −
(nπ
L
)2
para algum valor n ∈ N e que as soluções são da forma
Xn(x) = bn sen
(nπ
L
x
)
,
onde bn ∈ R.
Passo 3:
Suponhamos que a solução fatorada não identicamente nula u(x, t) = X(x)T (t) satisfaz
∂tu(x, 0) = 0, 0 ≤ x ≤ L. Então para todo 0 ≤ x ≤ L,
∂tu(x, 0) = X(x)T
′(0) = 0,
portanto como X(x) 6= 0 para algum valor de x, devemos ter T ′(0) = 0.
Como foi obtido no passo 2 que λ = −
(nπ
L
)2
, teremos que
T ′′(t) +
(nπc
L
)2
T (t) = 0
T ′(0) = 0,
para algum n ∈ N.
Utilizando a equação caracteŕıstica podemos concluir que a solução geral da equação dife-
rencial ordinária acima é
T (t) = d1 cos
(nπc
L
t
)
+ d2 sen
(nπc
L
t
)
.
Além disto,
T ′(t) = −d1
nπc
L
sen
(nπc
L
t
)
+ d2
nπc
L
cos
(nπc
L
t
)
.
Portanto, T ′(0) = d2
nπc
L
= 0⇔ d2 = 0 pois nπcL > 0. Então T (t) = d1 cos
(
nπc
L
t
)
.
Obtemos então que as soluções fatoradas da equação da onda que satisfazem as condições
de fronteira nulas (6.9) e a condição de velovidade inicial nula, são as funções da faḿılia
un(x, t) = An cos
(nπc
L
t
)
sen
(nπ
L
x
)
, (6.14)
onde An são constantes e n ∈ N.
Passo 4:
Para entender como utilizaremos as soluções fatoradas obtidas de forma a satisfazer as
condições iniciais, começaremos observando que un(x, 0) = An sen
(
nπ
L
x
)
, ou seja, un satisfaz
o problema (6.8)-(6.10) com f(x) = An sen
(
nπ
L
x
)
. Vejamos como usar isto em um exemplo.
Exemplo 6.1. Determine a solução do problema
ED ∂2t u = 9∂
2
xu, 0 ≤ x ≤ 1, t ≥ 0;
CF u(0, t) = 0, u(1, t) = 0, t ≥ 0;
CI u(x, 0) = 2 sen(3πx), ∂tu(x, 0) = 0, 0 ≤ x ≤ 1.
(6.15)
66 CAPÍTULO 6. A EQUAÇÃO DA ONDA
Neste exemplo, L = 1 portanto
nπ
L
= nπ. Além disto, c = 3, g ≡ 0 e a função f(x) =
2 sen(3πx). Pelo racioćınio feito, sabemos que as funções
un(x, t) = An cos(3nπt) sen(nπx),
com An ∈ R e n ∈ N, satisfazem ED, CF e
∂u
∂t
(x, 0) = 0, 0 ≤ x ≤ 1. Além disto,
u3(x, 0) = A3 sen(3πx). Portanto se escolhermos A3 = 2, obteremos a igualdade desejada e
assim, podemos garantir que a função
u3(x, t) = 2 cos(6πt) sen(3πx)
é a solução do problema colocado.
/
Exemplo 6.2. Determine a solução do problema
ED ∂2t u = 4∂
2
xu, 0 ≤ x ≤ π, t ≥ 0;
CF u(0, t) = 0 u(π, t) = 0, t ≥ 0;
CI u(x, 0) = 3 sen(x)− 5 sen(4x), ∂tu(x, 0) = 0, 0 ≤ x ≤π.
(6.16)
Neste exemplo, L = π portanto
nπ
L
= n. c = 2, g ≡ 0 e f(x) = 3 sen(x) − 5 sen(4x).
Sabemos que as funções
un(x, t) = An cos(2nt) sen(nx),
com An ∈ R e n ∈ N, satisfazem a equação, as condições de fronteira e ∂tu(x, 0) = 0, 0 ≤
x ≤ π. Além disto, pelas observações feitas no ińıcio da seção, sabemos que combinações
lineares destas soluções também satisfazem essas igualdades. Precisamos então procurar uma
soma de funções un que satisfaça u(x, 0) = 3 sen(x) − 5 sen(4x). Para isto basta escolher
u(x, t) = u1(x, t) + u4(x, t), A1 = 3 e A4 = −5, portanto
u3(x, t) = 3 cos(2t) sen(x)− 5 cos(8t) sen(4x)
é a solução do problema.
/
Sempre que f(x) =
N∑
n=1
An sen
(nπ
L
x
)
, poderemos proceder de forma similar e chegamos
então no resultado seguinte
6.2. A CORDA COM EXTREMOS FIXADOS 67
Proposição 6.1
Sejam A1, . . . , AN constantes dadas. A solução do problema
ED ∂2t u = c
2∂2xu, 0 ≤ x ≤ L, t ≥ 0;
CF u(0, t) = 0 u(L, t) = 0, t ≥ 0;
CI u(x, 0) =
N∑
n=1
An sen
(nπ
L
x
)
, ∂tu(x, 0) = 0, 0 ≤ x ≤ L
(6.17)
está dada por
u(x, t) =
N∑
n=1
An cos
(nπc
L
t
)
sen
(nπ
L
x
)
.
De forma geral, para resolvermos de forma rápida problemas do tipo do exemplo acima
devemos
� inserir o fator cos
(nπc
L
t
)
nos termos envolvendo sen
(nπ
L
x
)
na função f(x);
� adicionar todos os termos.
Se a função f , que determina a posição inicial da corda, não for combinação linear de
funções da faḿılia
{
sen
(nπ
L
x
)
, n ∈ N
}
, precisaremos calcular sua série de Fourier e exprimir
a solução como uma série de funções da forma
u(x, t) =
∞∑
n=1
An cos
(nπc
L
t
)
sen
(nπ
L
x
)
,
onde (An) denota a sequência de coeficientes de Fourier da série em senos de f . A seguir
veremos um exemplo bastante importante deste caso.
6.2.2 A corda dedilhada
O movimento de uma corda de um violão dedilhada, pode ser modelado pelo problema (6.8)-
(6.10), onde f representa a posição inicial da corda.
Exemplo 6.3. (Movimento da corda dedilhada) Determinemos uma expressão para a
posição em cada instante de tempo de uma corda dedilhada que satisfaz o problema
ED ∂2t u = c
2∂2xu, 0 ≤ x ≤ L, t ≥ 0;
CF u(0, t) = 0 u(L, t) = 0, t ≥ 0;
CI u(x, 0) = f(x), ∂tu(x, 0) = 0, 0 ≤ x ≤ L
(6.18)
onde f é uma função com gráfico representado a seguir.
68 CAPÍTULO 6. A EQUAÇÃO DA ONDA
Figura 6.3: Gráfico da posição inicial da corda
Lembremos que c2 =
T
ρ
, onde T representa a tensão da corda e ρ, sua densidade linear.
Portanto, todas as constantes que aparecem no problema dependem de propriedades f́ısicas
da corda.
Solução
Temos que
f(x) =
u0
x0
x, 0 ≤ x ≤ x0;
u0
x− L
x0 − L
, x0 ≤ x ≤ L.
Pelas caracteŕısticas da função f , precisaremos calcular os coeficientes de Fourier de sua
série em senos.
An =
2
L
∫ L
0
f(x) sen
(nπ
L
x
)
dx
=
2
L
f(x)
(
−L
nπ
) ∣∣∣L
0
+
2
L
(
L
nπ
)∫ L
0
f ′(x) cos
(nπ
L
x
)
dx.
A primeira parcela se anula porque f(0) = f(L) = 0. Utilizando que
f ′(x) =
u0
x0
, 0 ≤ x < x0;
u0
x0 − L
, x0 < x ≤ L
obtemos
An =
2
L
(
L
nπ
)[∫ x0
0
u0
x0
cos
(nπ
L
x
)
dx+
∫ x0
0
u0
x0 − L
cos
(nπ
L
x
)
dx
]
=
2
L
(
L
nπ
)2 [
u0
x0
sen
(nπ
L
x0
)
− u0
x0 − L
sen
(nπ
L
x0
)]
=
2L2u0
π2x0(L− x0)
1
n2
sen
(nπ
L
x0
)
6.2. A CORDA COM EXTREMOS FIXADOS 69
Portanto
u(x, t) =
2L2u0
π2x0(L− x0)
∞∑
n=1
1
n2
sen
(nπ
L
x0
)
cos
(nπc
L
t
)
sen
(nπ
L
x
)
. (6.19)
A solução obtida se comporta como no gráfico abaixo oscilando entre as partes superior e
inferior do paralelogramo constrúıdo a partir da configuração inicial da corda.
Figura 6.4: Gráfico de u(x, t)
Perceba que cada somando da solução é periódico em relação a t com peŕıodo
2L
c
. Portanto,
u
(
x, t+
2L
c
)
= u(x, t), e assim, podemos concluir que a corda volta à posição inicial no
instante t =
2L
c
e continua seu movimento.
Podemos analisar o que ocorre quando a corda for dedilhada no meio. Nesse caso teŕıamos
x0 =
L
2
e portanto,
u(x, t) =
8u0
π2
∞∑
n=1
1
n2
sen
(nπ
2
)
cos
(nπc
L
t
)
sen
(nπ
L
x
)
=
8u0
π2
∞∑
j=1
(−1)j+1
(2j − 1)2
cos
(
(2j − 1)πc
L
t
)
sen
(
(2j − 1)π
L
x
)
Note que na solução intervêm apenas os termos de ı́ndice ı́mpar. /
6.2.3 Vibrações da corda com posição e velocidade iniciais quaisquer
Para resolvermos o problema (6.11)-(6.13), nossa estratégia de resolução deverá mudar apenas
nos passos 3 e 4:
Passo 3’: Determinaremos quais funções T garantem que a solução fatorada correspondente sa-
tisfaz também a condição inicial u(x, 0) = 0, 0 ≤ x ≤ L.
70 CAPÍTULO 6. A EQUAÇÃO DA ONDA
Passo 4’: Formaremos combinações lineares das soluções resultantes para podermos satisfazer a
condição inicial ∂tu(x, 0) = g(x), 0 ≤ x ≤ L.
No passo 3’, precisaremos achar as soluções fatoradas tais que u(x, 0) = X(x)T (0) = 0,
0 ≤ x ≤ L. Portanto, T (0) = d1 = 0 e então T (t) = d2 sen(αct).
Assim, as soluções que precisaremos usar são da forma
un(x, t) = Bn sen
(nπc
L
t
)
sen
(nπ
L
x
)
, (6.20)
onde Bn são constantes e n ∈ N.
No passo 4’, vamos satisfazer a condição inicial ∂tu(x, 0) = g(x). Como ∂tun(x, 0) =
Bn
nπc
L
sen
(
nπ
L
x
)
, as contas são um pouquinho mais complicadas que no caso anterior. Veja-
mos um exemplo.
Exemplo 6.4. Determine a solução do problema
ED ∂2t u = c
2∂2xu, 0 ≤ x ≤ 1, t ≥ 0;
CF u(0, t) = 0 u(1, t) = 0, t ≥ 0;
CI u(x, 0) = 0, ∂tu(x, 0) = sen(πx)− 5 sen(5πx), 0 ≤ x ≤ 1.
(6.21)
Neste exemplo, L = 1 e c = 3. Como u(x, 0) = 0 e na função g apareceram apenas as
funções sen(3πx) e sen(5πx), procuraremos uma solução da forma.
u(x, t) = B1 sen(3πt) sen(πx) +B5 sen(15πt) sen(5πx).
Para calcularmos B1 e B5, derivamos em relação a t e substituimos t = 0:
∂u
∂t
(x, t) = 3πB1 cos(3πt)) sen(πx) + 15πB5 cos(15πt) sen(5πx).
u(x, 0) = 3πB1 sen(πx) + 15πB5 sen(5πx) = sen(πx)− 5 sen(5πx).
Então 3πB1 = 1 e 15πB5 = −5. Finalmente obtemos que B1 =
1
3π
e B5 = −
1
5π
.
Portanto a solução é
u(x, t) =
1
3π
sen(3πt) sen(πx)− 1
3π
sen(15πt) sen(5πx).
/
Podemos proceder sempre de forma similar desde que f(x) =
N∑
n=1
B̃n sen
(nπ
L
x
)
. Caso
contrário, precisaremos expandir f na sua série de Fourier em senos.
Finalmente, para resolvermos o problema (6.5) - (6.7), devemos
� resolver (6.8)-(6.10);
� resolver (6.11)-(6.13);
� somar as duas soluções obtidas.
6.2. A CORDA COM EXTREMOS FIXADOS 71
Exemplo 6.5. A solução do problema
ED ∂2t u = 9∂
2
xu, 0 ≤ x ≤ 1, t ≥ 0;
CF u(0, t) = 0 u(1, t) = 0, t ≥ 0;
CI u(x, 0) = 2 sen(3πx), ∂tu(x, 0) = sen(πx)− 5 sen(5πx), 0 ≤ x ≤ 1.
(6.22)
é a soma das soluções dos problemas (6.15) e (6.21), portanto
u(x, t) = 2 cos(6πt) sen(3πx) +
1
3π
sen(3πt) sen(πx)− 1
3π
sen(15πt) sen(5πx)
/
Quando a posição e a velocidade iniciais da corda não são combinações lineares finitas de
funções da faḿılia sen
(nπ
L
x
)
, podemos utilizar as séries de Fourier em senos das funções nas
condições iniciais, de forma similar a como foi feito para resolver o problema de propagação do
calor numa barra com extremos mantidos a temperatura zero. Pode ser provado o resultado
a seguir.
Teorema 6.1
A expressão
u(x, t) =
∞∑
n=1
[
An cos
(nπc
L
t
)
+
L
nπc
B̃n sen
(nπc
L
t
)]
sen
(nπ
L
x
)
, (6.23)
converge para a solução do problema (6.5) -(6.7) desde que
� An e B̃n sejam os coeficientes de Fourier das séries em senos das funções f :
[0, L]→ R e g : [0, L]→ R, respectivamente;
� f tenha duas derivadas cont́ınuas e g seja continuamente derivável;
� f(0) = f(L) = 0, f ′′(0) = f ′′(L) = 0 e g(0) = g(L) = 0.
O teorema acima garante que toda solução do problema da corda com extremos fixos pode
ser obtida como superposição finita ou infinita de certas soluções. Estas soluções “ básicas”
têm algumas propriedades interessantes que apresentamos a seguir.
6.2.4 Harmônicos
Cada solução
un(x, t) =
[
An cos
(nπc
L
t
)
+Bn sen
(nπc
L
t
)]
sen
(nπ
L
x
)
(6.24)
é chamada de harmônico da corda com extremos fixos. Vamos analisar a seguiralgumas
propriedades dessas soluções.
Cada termo
An cos
(nπc
L
t
)
+Bn sen
(nπc
L
t
)
72 CAPÍTULO 6. A EQUAÇÃO DA ONDA
representa uma oscilação com peŕıodo Tn =
1
n
2L
c
e frequência fn = n
c
2L
. Podemos reescrever
esses termos para evidenciar a amplitude das oscilações, da forma seguinte.
Se chamarmos de (Rn, αn) às coordenadas polares do ponto (An, Bn), teremos que Rn =√
A2n +B
2
n e que An = Rn cosαn e Bn = Rn senαn (αn ∈ [0, 2π)). Então
un(x, t) = Rn
[
cosαn cos
(nπc
L
t
)
+ senαn sen
(nπc
L
t
)]
sen
(nπ
L
x
)
= Rn cos
(nπc
L
t− αn
)
sen
(nπ
L
x
)
.
Rn é a amplitude do harmônico e αn é sua fase. Esses valores dependem da posição e
velocidade iniciais da corda. No caso de um instrumento de cordas, podemos dizer que eles
dependem de como a corda é tocada.
Cada ponto x0 da corda oscila em movimento harmônico simples entre os valores Rn sen
(nπ
L
x0
)
e −Rn sen
(nπ
L
x0
)
e com peŕıodo Tn. Ou seja, o fator sen
(nπ
L
x
)
representa o padrão de
deslocamento na corda quando ela vibra. Cada uma dessas funções é chamada de modo
natural de vibração. Os pontos tais que sen
(
nπ
L
x0
)
= 0, não se movem. Eles são chamados
de nós e são os pontos da forma
{
k
n
L | 0 ≤ k ≤ n
}
. Os pontos com amplitude máxima
(antinós) são aqueles que satisfazem sen
(nπ
L
x0
)
= ±1.
Na figura 6.5 apresentamos as amplitudes das oscilações de cada ponto dos harmônicos com
n = 1, . . . , 7 e seus nós, considerando L = 1.
Figura 6.5: Amplitude e nós dos harmônicos com n = 1, · · · , 7 e L = 1
Perceba que como todos os pontos oscilam com a mesma frequência fn, podemos falar na
frequência de cada harmônico:
fn = n
c
2L
=
n
2L
√
T
ρ
= nf1.
6.2. A CORDA COM EXTREMOS FIXADOS 73
As oscilações de uma corda são captadas geralmente pelo som que elas geram. Podemos
dizer que o som de uma corda de um instrumento musical, por exemplo, é a superposição de
vários harmônicos com diferentes frequências. O som mais grave que pode emitir uma corda
está determinado pela frequência f1, chamada de frequência fundamental. Este valor depende
da tensão, densidade e comprimento da corda. A igualdade acima mostra que as frequências
dos outros harmônicos são múltiplos dessa frequência fundamental.
6.2.5 *Matemática e música através da equação da onda
O funcionamento dos instrumentos de sopro também é modelado pela equação da onda, mas
nesse caso não há corda alguma. A solução da equação representa as variações da pressão
numa coluna de ar considerados em relação a um ńıvel de pressão de referência.
Imagine que em três instrumentos diferentes: flauta, oboé e violino, é tocada a mesma nota
Lá 440 Hz com o mesmo volume e que medimos a pressão do ar perto desses instrumentos. Ela
poderá ser representada aproximadamente através dos gráficos a seguir, tomados de https:
//amath.colorado.edu/pub/matlab/music/MathMusic.pdf.
Figura 6.6: Variações de pressão em função do tempo correspondentes à nota Lá 440 Hz em
3 instrumentos: flauta, oboé e violino
Os três gráficos são bem diferentes embora a amplitude (volume) e a frequência fundamental
(440 Hz) sejam iguais. E também sabemos que o som dos três instrumentos é bem diferente.
Como é posśıvel explicar isto?
O som de cada instrumento, representado atravês da pressão do ar em função do tempo satis-
faz a equação da onda e pode ser descrito como superposição generalizada de harmônicos. Na
figura a seguir, tomada também de https://amath.colorado.edu/pub/matlab/music/
MathMusic.pdf, são apresentadas, para cada um dos instrumentos, as amplitudes dos pri-
meiros harmônicos normalizadas usando a maior das amplitudes.
https://amath.colorado.edu/pub/matlab/music/MathMusic.pdf
https://amath.colorado.edu/pub/matlab/music/MathMusic.pdf
https://amath.colorado.edu/pub/matlab/music/MathMusic.pdf
https://amath.colorado.edu/pub/matlab/music/MathMusic.pdf
74 CAPÍTULO 6. A EQUAÇÃO DA ONDA
Figura 6.7: Amplitudes relativas dos harmônicos da flauta, oboé e violino tocando Lá 440Hz
Nesta representação do som através das amplitudes relativas de seus harmônicos identi-
ficamos muitas diferenças importantes entre os três instrumentos. Por exemplo, na flauta,
amplitudes correspondentes a frequências maiores do que 2200 Hz são basicamente irrelevan-
tes. No oboé, é muito interessante observar que embora a nota que foi tocada foi Lá 440 Hz,
a frequência com maior amplitude não é essa, senão f2 = 880 Hz.
As amplitudes relativas dos harmônicos estão relacionadas com o chamado timbre, que é
uma noção musical que caracteriza a sonoridade espećıfica de cada instrumento.
Assim, através do estudo dos harmônicos conseguimos quantificar diferenças fundamentais
entre os instrumentos musicais.
Concluimos aqui pegando emprestado um trechinho no mesmo texto:
A matemática dos harmônicos e das cordas vibrantes é um belo exemplo da matemática que
nos rodeia todo dia. A música, uma das nossas mais antigas e universais tradições, é ao mesmo
tempo, quantificável e emocional, matemática e emocionante. Espero que esta introdução
possa mostrar aos alunos que a matemática não é árida e tediosa, senão empolgante, intrigante
e divertida.
6.2. A CORDA COM EXTREMOS FIXADOS 75
Ideias mais importantes da semana
(1) A posição de uma corda elástica de comprimento L que oscila na direção perpen-
dicular ao segmento determinado pelos seus dois extremos fixados é a solução do
problema
(Equação da Onda 1D) ∂2t u = c
2∂2xu, , 0 ≤ x ≤ L, t ≥ 0;
(Condições de Fronteira) u(0, t) = 0, u(L, t) = 0, t ≥ 0;
(Condição Inicial) u(x, 0) = f(x), ∂tu(x, 0) = g(x) 0 ≤ x ≤ L.
Aqui c2 =
T
ρ
, onde T ŕepresenta a tensão da corda e ρ representa sua densidade
linear. f é a posição inicial da corda e g é sua velocidade inicial.
(2) Para encontrar a solução do problema acima com g = 0, precisamos usar as soluções
fatoradas da equação da onda com extremos fixados na horizontal:
un(x, t) = An cos
(nπc
L
t
)
sen
(nπ
L
x
)
, n ∈ N.
Formando uma combinação linear apropriada com elas conseguimos satisfazer a
condição inicial e portanto, resolver o problema acima.
(3) Esse método funciona desde que
f(x) =
N∑
n=1
bn sen
(nπ
L
x
)
.
Caso contrário, precisaremos usar a série de Fourier em senos da função f .
(4) A solução quando g 6= 0 pode ser obtida como a superposição da solução do problema
com condições iniciais u(x, 0) = f(x), ∂tu(x, 0) = 0 e a do problema com condições
iniciais u(x, 0) = 0, ∂tu(x, 0) = g(x).
(5) Qualquer solução do problema acima se escreve como superposição generalizada de
harmônicos
un(x, t) =
[
An cos
(nπc
L
t
)
+Bn sen
(nπc
L
t
)]
sen
(nπ
L
x
)
.
(6) Cada harmônico oscila com frequência fn = nf1 = n
c
2L
, com um padrão determinado
pela função sen
(nπ
L
x
)
: o modo natural de vibração.
76 CAPÍTULO 6. A EQUAÇÃO DA ONDA
Caṕıtulo 7
A fórmula de d’Alembert e suas
consequências
Em relação à equação da onda ainda há alguns pontos que não estão claros.
� O parâmetro c > 0 tem unidades de velocidade. Por quê? Qual seria sua interpretação
f́ısica?
� Na figura 6.4 no exemplo 6.3 graficamos a solução exata do problema (6.18). No
entanto, essa solução foi dada em forma de série. Como foi posśıvel plotar no computador
uma série infinita?
Nesta semana veremos como responde essas perguntas.
7.1 Solução geral
A equação da onda tem uma propriedade muito especial que a diferencia da equação do calor
e também da equação de Laplace, que estudaremos posteriormente. Ocorre que qualquer
solução dessa equação pode ser representada através de uma fórmula que depende de duas
funções arbitrárias (duas vezes deriváveis). Em outras palavras, a equação da onda possui
solução geral.
Para verificar isto, consideremos duas funções F : R → R e G : R → R que tenham duas
derivadas cont́ınuas. Vamos verificar que a nova função
u(x, t)= F (x+ ct) +G(x− ct)
satisfaz a equação da onda.
Para isto, na verdade verificaremos apenas que F (x+ ct) satisfaz a equação pois a demons-
tração para G(x− ct) seria idêntica e como a equação da onda é linear e homogênea, a soma
de duas soluções, também o será, pelo Prinćıpio de Superposição.
Pela regra da cadeia, temos que
∂t[F (x+ ct)] = F
′(x+ ct)∂t[x+ ct] = cF
′(x+ ct);
∂2t [F (x+ ct)] = ∂t[cF
′(x+ ct)] = cF ′′(x+ ct)∂t[x+ ct] = c
2F ′′(x+ ct);
∂x[F (x+ ct)] = F
′(x+ ct)∂x[x+ ct] = F
′(x+ ct);
∂2x[F (x+ ct)] = ∂x[F
′(x+ ct)] = F ′′(x+ ct)∂t[x+ ct] = F
′′(x+ ct).
77
78 CAPÍTULO 7. A FÓRMULA DE D’ALEMBERT E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Assim, verificamos que F (x + ct) é solução da equação da onda, para F arbitrária com
duas derivadas cont́ınuas. Isto nos permite concluir que qualquer função da forma u(x, t) =
F (x + ct) + G(x − ct) satisfaz a equação. No entanto, não sabemos se há outras soluções
que não se encaixem nessa fórmula. Veremos a seguir que isso não é posśıvel.
Para provar que qualquer solução da equação da onda tem a estrutura desejada, precisaremos
introduzir novas variáveis e fazer uma mudança de variáveis na equação. Isto a transformará
numa EDP muito simples de resolver.
As novas variáveis independentes ξ e η serão definidas por
ξ = x+ ct
η = x− ct
⇒
x = 1
2
(ξ + η)
t = 1
2c
(ξ − η)
e a nova função incógnita será v(ξ, η) = u(x(ξ, η), t(ξ, η)) = u
(
1
2
(ξ + η),
1
2c
(ξ − η)
)
.
Para obtermos a equação satisfeita por v, utilizamos a expressão u(x, t) = v(x+ ct, x− ct)
e a regra da cadeia para exprimir as derivadas de u em termos das derivadas de v.
∂xu = ∂ξv + ∂ηv
∂tu = c(∂ξv − ∂ηv)
∂2xu = ∂
2
ξv + 2∂
2
ξηv + ∂
2
ηv
∂2t u = c
2(∂2ξv − 2∂2ξηv + ∂2ηv).
Substituindo as expressões de ∂2xu e ∂
2
t u na equação da onda, obtemos
∂2ξηv = 0. (7.1)
Por integração direta, de forma similar a como foi resolvida a equação (1.11), obtemos que
v(ξ, η) = F (ξ) +G(η)
onde F e G são duas funções arbitrárias com duas derivadas cont́ınuas.
Voltando às variáveis originais, obtemos
u(x, t) = F (x+ ct) +G(x− ct). (7.2)
Assim, (7.2) é uma fórmula satisfeita por qualquer solução da equação da onda. Ela é
a solução geral desta equação. Isto significa que qualquer solução da equação pode ser
representada como acima, para certas funções F e G.
Fisicamente, ela representa a superposição de duas ondas viajantes, uma se movendo para
a direita e a outra, para a esquerda, com velocidade c. E assim, acabamos de encontrar o
significado f́ısico da constante c, que t́ınhamos visto que tem unidades de velocidade.
Alguns exemplos de soluções da equação da onda são
u(x, t) = sen(x− ct), F = 0, G(x) = senx;
u(x, t) = sen(x− ct) + ex+ct, F (x) = ex, G(x) = senx;
u(x, t) = (x− ct)2 − 3(x+ ct)3, F (x) = −3x3, G(x) = x2.
7.2. PROBLEMA DE VALOR INICIAL PARA A CORDA INFINITA 79
7.2 Problema de valor inicial para a corda infinita
A solução geral da equação da onda pode ser usada para resolver um problema de valor inicial
um pouco mais simples que (6.5)-(6.7): o problema da corda infinita. Neste caso consideramos
uma corda de comprimento infinito (isso mesmo!!), por isso não temos condições de fronteira.
Queremos saber onde está cada ponto da corda em cada instante, dado que conhecemos onde
ela estava e qual era sua velocidade no instante inicial.
O problema fica colocado na forma
ED ∂2t u = c
2∂2xu, −∞ < x <∞, t ≥ 0; (7.3)
CI u(x, 0) = f(x), ∂tu(x, 0) = g(x), −∞ < x <∞. (7.4)
Se, de fato, este problema tivesse uma solução u, deveriam existir F e G, funções com duas
derivadas cont́ınuas e tais que u(x, t) = F (x+ ct) +G(x− ct). Usando as condições iniciais
obtemos que
u(x, 0) = f(x) = F (x) +G(x)
∂tu(x, 0) = g(x) = c(F
′(x)−G′(x)).
Integrando a segunda equação, obtemos duas equações lineares com incógnitas F (x) e G(x)
F (x) +G(x) = f(x), F (x)−G(x) = 1
c
∫ x
0
g(r)dr + C.
Somando e subtraindo as duas equações, obtemos que
F (x) =
1
2
[
f(x) +
1
c
∫ x
0
g(r)dr + C] (7.5)
G(x) =
1
2
[
f(x)− 1
c
∫ x
0
g(r)dr − C] = 1
2
[
f(x) +
1
c
∫ 0
x
g(r)dr − C]. (7.6)
Portanto, vale o seguinte resultado.
Teorema 7.1: Fórmula de d’Alembert
Suponha que f : R → R tem duas derivadas cont́ınuas e g : R → R tem uma derivada
cont́ınua. Então a única solução de (7.3)-(7.4) está dada pela expressão
u(x, t) =
f(x+ ct) + f(x− ct)
2
+
1
2c
∫ x+ct
x−ct
g(r)dr. (7.7)
Demonstração. A partir de (7.5)-(7.6) podemos calcular F (x+ ct) +G(x− ct) e obteremos
a expressão acima. Isto garante que u satisfaz a equação. As condições iniciais podem ser
verificadas diretamente.
Exemplo 7.1. Obtenha a solução de
ED ∂2t u = c
2∂2xu, −∞ < x <∞, t ≥ 0;
CI u(x, 0) =
1
1 + x2
, ∂tu(x, 0) = 0, −∞ < x <∞.
80 CAPÍTULO 7. A FÓRMULA DE D’ALEMBERT E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Usando a fórmula de d’Alembert, obtemos
u(x, t) =
1
2
{ 1
1 + (x+ ct)2
+
1
1 + (x− ct)2
}
.
A solução é uma superposição de duas ondas viajando em sentidos opostos.
Abaixo é apresentado o gráfico da solução junto com o das ondas viajantes.
(a) u(x, 0) = 1
1+x2
(b) u(x, t) = 12
[
1
1+(x+1)2
+ 1
1+(x+1)2
]
Repare que quando t cresce, os valores máximos destas funções se afastam e obtém-se que
para cada ponto da corda, a amplitude vai para zero, ou seja u(x, t)→ 0 quando t→∞.
/
Exemplo 7.2. Obtenha a solução de
ED ∂2t u = c
2∂2xu, −∞ < x <∞, t ≥ 0;
CI u(x, 0) = 0, ∂tu(x, 0) =
2
1 + x2
, −∞ < x <∞.
Mais uma vez usando a fórmula de d’Alembert, obtemos
u(x, t) =
1
2c
∫ x+ct
x−ct
2
1 + s2
ds =
1
c
arctan s
∣∣∣x+ct
x−ct
= {arctan(x+ ct)− arctan(x− ct)}.
Utilizando que arctan(x) → ±π
2
quando x → ±∞, é posśıvel provar que u(x, t) → π
c
quando t→∞.
O comportamento das soluções é ilustrado nas figuras a seguir. Em azul representamos os
gráficos da função u para t = 1 e t = 5, com c = 1. Na cor cinza aparecem os gráficos de
arctan(x+ ct) e − arctan(x− ct).
7.3. RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS NA CORDA FINITA COM EXTREMOS FIXADOS 81
(a) u(x, 1) (b) u(x, 5)
/
Exemplo 7.3. A fórmula de d’Alembert também nos diz que se somarmos a solução do
problema com posição inicial f e velocidade inicial nula e a solução do problema com posição
inicial nula e velocidade inicial g, obteremos a solução do problema com posição inicial f e
velocidade inicial g. Portanto, usando os dois exemplos anteriores, obtemos que a função
u(x, t) =
1
2
{ 1
1 + (x+ ct)2
+
1
1 + (x− ct)2
}
+ {arctan(x+ ct)− arctan(x− ct)}.
satisfaz o problema
ED ∂2t u = c
2∂2xu, −∞ < x <∞, t ≥ 0;
CI u(x, 0) =
1
1 + x2
, ∂tu(x, 0) =
2
1 + x2
, −∞ < x <∞.
/
7.3 Resolução de problemas na corda finita com extre-
mos fixados
O fato de estarmos considerando uma corda infinita provavelmente deve ter chamado sua
atenção. No entanto, a corda infinita é apenas um recurso que nos permite abordar proprie-
dades das soluções de problemas “reais” desde outros pontos de vista.
7.3.1 Problemas com velocidade inicial nula
Exemplo 7.4. Suponhamos que queremos achar a solução do problema
ED ∂2t u = ∂
2
xu, 0 ≤ x ≤ π, t > 0;
CF u(0, t) = 0, u(π, t) = 0, t ≥ 0;
CI u(x, 0) = sen 2x, ∂tu(x, 0) = 0, 0 ≤ x ≤ π.
Vamos esquecer temporariamente as condições de fronteira. Buscaremos a solução de
82 CAPÍTULO 7. A FÓRMULA DE D’ALEMBERT E SUAS CONSEQUÊNCIAS
ED ∂2t v = ∂
2
xv, −∞ < x <∞, t > 0;
CI v(x, 0) = sen 2x, ∂tv(x, 0) = 0, −∞ < x <∞.
Ela é dada por
v(x, t) =
1
2
[sen(2(x+ t)) + sen(2(x− t))] = sen 2x cos 2t.
Será que esta função resolve também nosso problema? Vejamos. u(x, t) = sen 2x cos 2t
satisfaz
� u a equação da onda porque v a satisfaz.
� u as condições iniciais dadas no intervalo [0, π] porque v as satisfaz sobre a reta toda.
� u(0, t) = sen 0 cos 2t = 0, u(π, t) = sen 2π cos 2t = 0.
Portanto,
u(x, t) = sen 2x cos 2t
é a solução do problema! /
Neste exemplo a fórmula de d’Alembert conseguiu ser usada para determinar a posição de
umacorda finita. Vamos tentar generalizar esta ideia primeiramente para resolver o problema
da corda com extremos fixados e velocidade inicial nula
ED ∂2t u = ∂
2
xu, 0 ≤ x ≤ L, t > 0; (7.8)
CF u(0, t) = 0, u(L, t) = 0, t ≥ 0; (7.9)
CI u(x, 0) = f(x), ∂tu(x, 0) = 0, 0 ≤ x ≤ L. (7.10)
Como a função f está definida apenas no intervalo [0, L] e não na reta toda como no caso do
exemplo, precisaremos estendê-la para a reta toda. A equação da onda e as condições iniciais
serão satisfeitas pela função dada pela fórmula de d’Alembert e isto pode ser verificado como
no exemplo.
Para que ela também satisfaça as condições de fronteira u(0, t) = 0 = u(L, t) precisaremos
da extensão 2L periódica da extensão ı́mpar de f : f̃I , pois
� f̃I ı́mpar vai garantir que u(0, t) = 0, ∀t ≥ 0.
� f̃I periódica vai garantir que u(L, t) = 0, ∀t ≥ 0.
Aplicando a fórmula de d’Alembert com condições iniciais f = f̃I e g = 0, obteremos a
solução que procuramos. Você vai ter a oportunidade de provar esses resultados nos exerćıcios
desta semana.
Vejamos como funcionam essas ideias num exemplo.
Exemplo 7.5. Vamos determinar a solução do problema
ED ∂2t u = 4∂
2
xu, 0 ≤ x ≤ 30, t ≥ 0;
CF u(0, t) = 0 u(30, t) = 0, t ≥ 0;
CI u(x, 0) =
{ x
10
, 0 ≤ x ≤ 10,
30−x
20
, 10 ≤ x ≤ 30,
∂tu(x, 0) = 0, 0 ≤ x ≤ 30.
7.3. RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS NA CORDA FINITA COM EXTREMOS FIXADOS 83
Observe que a solução deste problema representa a posição de uma corda de comprimento
L = 30, tal que T = 4ρ e que foi dedilhada em x = 10.
Já sabemos resolver este problema usando séries de Fourier. Queremos utilizar agora a
fórmula de d’Alembert. Para isto, estendemos f de forma ı́mpar e depois de forma periódica,
com peŕıodo 60, como mostrado na figura a seguir.
Figura 7.3: Gráficos de f (verde) e de f̃I (azul)
Pela fórmula de d’Alembert, sabemos que a solução se escreve da forma
u(x, t) =
f̃I(x+ 2t) + f̃I(x− 2t)
2
.
Esta fórmula pode ser utilizada num software matemático para fazer gráficos, animações, etc.
Assim, temos certeza que estamos plotando a solução exata e não apenas uma aproximação
dela.
Podemos também usar a fórmula para achar valores da solução em alguns pontos. Por
exemplo,
u(10, 30) =
f̃I(10 + 60) + f̃I(10− 60)
2
=
f̃I(10) + f̃I(10)
2
= f(10).
Ou seja, obtemos que u(10, 30) = u(10, 0). Isto ocorre porque neste exemplo, o peŕıodo da
solução em relação ao tempo é T =
2L
c
= 30.
Vejamos outro exemplo.
u(10, 15) =
f̃I(10 + 30) + f̃I(10− 30)
2
=
f̃I(40) + f̃I(−20)
2
=
f̃I(−20) + f̃I(−20)
2
= f̃I(−20) = −f(20) = −
1
2
.
84 CAPÍTULO 7. A FÓRMULA DE D’ALEMBERT E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Aqui usamos que f̃I(40) = f̃I(40− 60) = f̃I(−20) e que f̃I(−20) = −f̃I(20) = −f(20).
Nos exerćıcios da semana passada, você deve ter visto que
u
(
x, t+
L
c
)
= −u(L− x, t), t ≥ 0.
Neste último cálculo, verificamos essa igualdade no caso particular x = 10.
Com os conhecimentos que temos sobre as séries de Fourier, podemos obter a expansão em
série da solução, usando a fórmula de d’Alembert.
De fato, como f é cont́ınua, com derivada cont́ınua por partes e f(0) = f(30), sabemos
que
f̃I(x) =
∞∑
n=1
bn sen
(nπ
30
x
)
onde
bn =
1
15
∫ 30
0
f(x) sen
(nπ
30
x
)
dx.
Assim, usando a igualdade
1
2
[
sen
(nπ
30
(x+ 2t)
)
+ sen
(nπ
30
(x− 2t)
)]
= cos
(nπ
15
t
)
sen
(nπ
30
x
)
,
obtemos o resultado que deduzimos no exemplo 6.3 usando o método de separação de variáveis
u(x, t) =
∞∑
n=1
bn cos
(nπ
15
t
)
sen
(nπ
30
x
)
.
/
7.3.2 O problema com posição e velocidade iniciais arbitrárias
Se as condições de fronteira do nosso problema forem de posição inicial nula, ou seja,
u(x, 0) = 0 ∂tu(x, 0) = g(x), 0 ≤ x ≤ L,
podemos usar também a fórmula de d’Alembert e a resolução é similar ao caso de velocidade
nula. Precisaremos da extensão 2L - periódica da extensão ı́mpar de g: g̃I . Aplicando a
fórmula ao novo problema colocado sobre a reta toda, obteremos
ũ(x, t) =
1
2c
∫ x+ct
x−ct
g̃(r)dr.
Essa fórmula, restrita aos valores 0 ≤ x ≤ L, nos dará a solução do problema original.
Quando f e g são arbitrárias, precisaremos estender as duas funções. Vale o resultado
seguinte.
7.4. F A EQUAÇÃO DA ONDA NA HISTÓRIA 85
Teorema 7.2
Sejam f̃I e g̃I as extensões 2L-periódicas das extensões ı́mpares das funções f e g. Su-
ponhamos que f̃I tenha duas derivadas cont́ınuas e que g̃I tenha uma derivada cont́ınua.
Então, se
ũ(x, t) =
f̃I(x+ ct) + f̃I(x− ct)
2
+
1
2c
∫ x+ct
x−ct
g̃I(r)dr,
a solução do problema (7.8)-(7.10) está dada pela restrição de ũ à faixa [0, L]× [0,∞).
Demonstração. Sabemos que ũ satisfaz a equação da onda e que satisfaz ũ(x, 0) = f̃I(x) e
∂tũ(x, 0) = g̃I(x), para todo x ∈ R.
Além disto, como ũ(·, t) é ı́mpar para todo t ≥ 0,
� ũ(0, t) = −ũ(0, t)⇒ ũ(0, t) = 0
� ũ(L, t) = −ũ(−L, t), mas ũ também é periódica, portanto, ũ(L, t) = ũ(−L, t).
Portanto, ũ(L, t) = 0.
7.4 F A equação da onda na história
Quando estudamos matemática ficamos com a impressão de que todos os resultados estiveram
sempre ordenados e organizados na forma que estamos lendo, mas isto não passa de uma
impressão. A matemática foi e está sendo constrúıda ao longo da história e muitas teorias
têm sido objeto de fortes debates. Um desses casos é a teoria da resolução da equação da
onda unidimensional.
Na segunda metade do século XVIII, este tema foi o centro de uma acalorada controvérsia
entre importantes pensadores da época, que passamos a descrever a seguir, de forma muito
resumida.
� Jean Le Rond d’Alembert (1717-1783)
Ele deduziu a equação, sua solução geral e chegou numa expressão para a solução
satisfazendo as condições de fronteira de extremos fixados no eixo x. Uma condição
que ele considerava essencial, é que a solução precisava ser derivável. Ele fez tudo com
c = 1.
� Leonhard Euler (1707-1783)
Deduziu a equação, a solução geral e a fórmula de d’Alembert, tudo com c > 0 arbitrário.
Ele pedia que as condições iniciais fosse apenas cont́ınuas e não necessariamente de-
riváveis, como exigia d’Alembert. Dessa maneira ele conseguia incluir casos fisicamente
importantes, como o da corda de um violão dedilhada, por exemplo, que não é derivável
em alguns pontos.
� Daniel Bernoulli (1700-1782)
Usando argumentos de natureza mais f́ısica, Bernoulli propôs escrever a solução como
superposição de harmônicos. Como essa soma a prinćıpio teria infinitos termos, nessa
https://pt.wikipedia.org/wiki/Jean_le_Rond_d%E2%80%99Alembert
https://pt.wikipedia.org/wiki/Leonhard_Euler
https://pt.wikipedia.org/wiki/Daniel_Bernoulli
86 CAPÍTULO 7. A FÓRMULA DE D’ALEMBERT E SUAS CONSEQUÊNCIAS
época não havia resultados matemáticos que permitissem justificar essa ideia teorica-
mente pois Fourier apresentaria seu primeiro trabalho sobre a equação do calor em 1807.
� Joseph Louis Lagrange (1736- 1813)
Lagrange deduziu a solução da equação da onda da uma forma muito original. Ele
modelou a corda como n massas pontuais ligadas entre si por molas de massa despreźıvel,
formulou EDOs que determinavam o movimento dessas massas, as resolveu e pegou o
limite quando n → ∞. Dessa forma, Lagrange obteve basicamente a solução que
obtivemos usando o método de separação de variáveis.
As controvérsias, de maneira bem simplicicada, eram as seguintes
� D’Alembert criticava a solução de Euler porque ele não conseguia garantir que a solução
era derivável.
� D’Alembert e Euler criticavam o Bernoulli porque não acreditavam que qualquer função
pudesse ser representada como superposição de funções trigonométricas.
� Bernoulli mantinha sua ideia na base de argumentos f́ısicos.
� A proposta de Lagrange era bastante mais satisfatória para todos e esfriou o debate.
Em certo sentido, Lagrange esteve bem perto de descobrir as séries de Fourier.
E esse seria um resumo da história. Com a aparição das séries de Fourier em 1807 e otrabalho subsequente de muitos matemáticos para provar suas propriedades fundamentais,
chegou-se ao conhecimento que temos hoje e que nos permite entender a relação entre a
chamada fórmula de d’Alembert e a representação da solução como uma série trigonométrica.
Esta questão não é para nada simples, você pode ver aqui que os mais destacados matemáticos
do século XVIII custaram para chegar num consenso que satisfizesse todos os pontos de vista.
Mais um argumento para nos convencermos que sempre precisamos estudar muito!
https://pt.wikipedia.org/wiki/Joseph-Louis_Lagrange
REFERÊNCIAS 87
Ideias mais importantes da semana
(1) Solução Geral
A expressão
u(x, t) = F (x+ ct) +G(x− ct),
onde F e G são funções arbitrárias com duas derivadas cont́ınuas, é a solução geral
da equação da onda
∂2t u = c
2∂2xu,
no sentido que ela satisfaz essa equação e que qualquer uma de suas soluções pode
ser representada dessa maneira.
(2) A solução da equação da onda ∂2t u = c
2∂2xu que satisfaz u(x, 0) = f(x) e
∂tu(x, 0) = g(x) para todo x ∈ R é dada pela fórmula de d’Alembert:
u(x, t) =
f(x+ ct) + f(x− ct)
2
+
1
2c
∫ x+ct
x−ct
g(r)dr.
(3) A solução do problema
ED ∂2t u = c
2∂2xu, 0 ≤ x ≤ L, t ≥ 0;
CF u(0, t) = 0, u(L, t) = 0, t ≥ 0;
CI u(x, 0) = f(x), ∂tu(x, 0) = g(x) 0 ≤ x ≤ L.
pode ser escrita da forma
u(x, t) =
f̃I(x+ ct) + f̃I(x− ct)
2
+
1
2c
∫ x+ct
x−ct
g̃I(r)dr, 0 ≤ x ≤ L, t ≥ 0
onde f̃I e g̃I denotam as extensões ı́mpares e 2L-periódicas das funções f e g,
respectivamente.
Referências
[1] R. Biezuner. Notas de aula de Equações Diferenciais Parciais Lineares. http://www.mat.
ufmg.br/~rodney/notas_de_aula/edb.pdf.
[2] W. E. DiPrima R. C. Boyce. Equações Diferenciais Elementares e Problemas de Valores
de Contorno. LTC, New Jersey, 1975.
[3] G. F. Wheeler and W. P. Crummett. The vibrating string controversy. Am. J. Physics,
55(1):33–37, 1987.
http://www.mat.ufmg.br/~rodney/notas_de_aula/edb.pdf
http://www.mat.ufmg.br/~rodney/notas_de_aula/edb.pdf
88 CAPÍTULO 7. A FÓRMULA DE D’ALEMBERT E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Caṕıtulo 8
A equação de Laplace
8.1 Generalidades sobre a equação
A equação de Laplace bidimensional é
∂2xu+ ∂
2
yu = 0. (8.1)
Aqui a função incógnita é u = u(x, y), que depende das variáveis espaciais x e y. Uma
função u que satisfaça esta equação em todos os pontos de uma região aberta D, é chamada
de função harmônica sobre essa região. Lembremos que uma solução u de uma equação de
segunda ordem, como é a equação de Laplace, precisa ter todas suas derivadas de ordem dois
cont́ınuas. Isto quer dizer que todas as funções harmônicas sobre D são duas vezes continua-
mente deriváveis nessa região. De fato pode-se provar que todas as funções harmônicas sobre
uma região têm ali infinitas derivadas cont́ınuas.
A equação 8.1 aparece em várias aplicações.
Exemplo 8.1. A temperatura u = u(x, y, t) de uma placa fina o suficiente, feita de um
material homogêneo condutor do calor, com sua superf́ıcie termicamente isolada salvo, possi-
velmente nas bordas, na ausência de fontes de calor, satisfaz a equação do calor bidimensional
∂tu = k
(
∂2xu+ ∂
2
yu
)
(8.2)
onde k é uma constante que depende de caracteŕısticas f́ısicas da placa.
Isto ocorre porque neste caso podemos considerar que a temperatura não varia na direção
vertical e assim, ∂zu ≡ 0.
Uma distribuição estacionária do calor corresponderia a uma função u independente do
tempo, ou seja, tal que ∂tu = 0, portanto tal solução satisfaria a equação de Laplace
bidimensional.
/
Exemplo 8.2. A amplitude das oscilações de uma membrana elástica cujas bordas estão
fixadas numa armação e que vibra no sentido perpendicular a essa armação, pode ser modelada
pela equação da onda bidimensional
∂2t u = c
2
(
∂2xu+ ∂
2
yu
)
, (8.3)
onde c > 0 representa a velocidade de propagação das perturbações.
Uma membrana cuja forma permaneça inalterada com o tempo é representada por uma
solução da equação de Laplace bidimensional pois nesse caso ∂2t u = 0. /
89
90 CAPÍTULO 8. A EQUAÇÃO DE LAPLACE
8.1.1 Alguns problemas de contorno
Descreveremos a seguir dois tipos de problemas que podem ser colocados para a equação de
Laplace. Eles são chamados de problema de Dirichlet e problema de Neumann.
Suponhamos que D é uma região no plano limitada por uma quantidade finita de curvas
fechadas (que não pertencem a D). Chamaremos de C à união destas curvas. (veja a figura
8.1)
Figura 8.1: Exemplo de região D limitada por curvas com união C.
Suponhamos que f é uma função cont́ınua definida sobre a fronteira C. Desde o ponto de
vista f́ısico, podemos pensar que D é uma placa condutora de calor e nesse caso f representaria
a distribuição de temperatura nas bordas da placa. O problema de Dirichlet consiste em
determinar a temperatura no interior da placa assumindo conhecida a temperatura nas suas
bordas. Do ponto de vista matemático, no problema de Dirichlet para a equação de Laplace
buscamos a solução desta equação sobre a região D que pode ser estendida até os pontos
da fronteira de forma cont́ınua. Isto quer dizer que para cada ponto P ∈ C, os valores da
solução u(x, y) podem ficar arbitrariamente próximos de f(p) se (x, y) ∈ D for suficientemente
próximo de p. O problema de Dirichlet pode ser escrito da forma
ED ∂2xu+ ∂
2
yu = 0, em D; (8.4)
CF u(P ) = f(P ), para todo P em C. (8.5)
Aqui estamos assumindo implicitamente que a função u pode ser estendida continuamente
a D ∪ C.
Com a mesma notação anterior, no problema de Neumann buscamos uma função harmônica
em D tal que, em cada ponto P da fronteira C, a derivada direcional de u na direção da normal
exterior n(P ) seja igual ao valor g(P ), onde g é uma função dada, definida e cont́ınua sobre
C.
ED ∂2xu+ ∂
2
yu = 0, em D; (8.6)
CF
∂u
∂n
(P ) = g(P ), para todo P em C (8.7)
Fisicamente, ao especificarmos
∂u
∂n
estamos definindo a taxa de fluxo de calor através da
borda da placa e queremos encontrar a distribuição estacionária da temperatura no interior
https://en.wikipedia.org/wiki/Peter_Gustav_Lejeune_Dirichlet
https://en.wikipedia.org/wiki/Carl_Neumann
8.2. O PROBLEMA DE DIRICHLET NO RETÂNGULO 91
Figura 8.2: Problema de Neumann
dela. Para que esta distribuição estacionária exista, o fluxo total de calor através de C deve
ser zero. Portanto, o problema de Neumann só terá solução se a média da função g sobre a
curva C for zero, ou seja, se ∫
C
g(s)ds = 0.
Esta suposição é conhecida como condição de compatibilidade. No caso da equação do
calor unidimensional, a condição análoga seria −∂xu(0, t) + ∂xu(L, t) = 0, que como vimos,
é requerida para a existência de uma solução estacionária nesse caso.
8.2 O problema de Dirichlet no retângulo
As formas que pode ter uma placa são muito variadas. Isto influencia as propriedades
das soluções e também a maneira de resolvermos os problemas de contorno. Nesta seção
estudaremos o problema de Dirichlet no caso em que a placa tem forma retangular.
Suponhamos que a placa pode ser representada como na figura 8.3.
Figura 8.3: Placa retangular
O problema de Dirichlet neste caso pode ser escrito da forma
92 CAPÍTULO 8. A EQUAÇÃO DE LAPLACE
∂2xu+∂
2
yu = 0, 0 < x < L, 0 < y < M ; (8.8)
u(x, 0) = f1(x), u(x,M) = f2(x), 0 ≤ x ≤ L; (8.9)
u(0, y) = g1(x), u(L, y) = g2(y), 0 ≤ y ≤M. (8.10)
Para que a temperatura dada na fronteira do retângulo seja uma função cont́ınua, precisa-
remos que todas as funções f1, f2, g1 e g2 sejam funções cont́ınuas e além disto, precisaremos
também que elas coincidam nos vértices, ou seja, f1(0) = g1(0), f1(L) = g2(0), f2(L) =
g2(M) e f2(0) = g1(M).
Veremos como determinar a solução de um problema deste tipo usando o método de
separação de variáveis.
8.2.1 Resolução do problema “básico”
Vamos explicar agora a estratégia que usaremos para achar a solução do problema (8.8)-(8.10).Resolveremos primeiro um problema que estamos chamando aqui de ”básico”e que é obtido
a partir do problema geral tomando g1 = g2 = 0 e f1 = 0.
Figura 8.4: A placa do problema “básico”.
Temos então que
∂2xu+∂
2
yu = 0, 0 < x < L, 0 < y < M ; (8.11)
u(x, 0) = 0, u(x,M) = f2(x), 0 ≤ x ≤ L; (8.12)
u(0, y) = 0, u(L, y) = 0, 0 ≤ y ≤M, (8.13)
onde f2(0) = f2(L) = 0.
Vamos resolver este problema usando o método de separação de variáveis. Para isto
precisamos primeiramente encontrar as soluções fatoradas u(x, y) = X(x)Y (y).
Substituindo na equação, obtemos que
X ′′(x)Y (y) +X(x)Y ′′(y) = 0⇒ X
′′(x)
X(x)
= −Y
′′(y)
Y (y)
= λ,
8.2. O PROBLEMA DE DIRICHLET NO RETÂNGULO 93
onde λ é alguma constante.
Assim, os fatores da solução que estamos procurando satisfazem as equações X ′′ = λX e
Y ′′ = −λY para alguma constante λ ∈ R.
Para que uma solução fatorada não nula satisfaça as condições u(0, y) = 0, u(L, y) =
0, 0 ≤ y ≤ M , precisaremos ter X(0) = X(L) = 0. Pela proposição 2.1 obtemos que os
valores posśıveis de λ são
λn = −
(nπ
L
)2
e as soluções X devem ser da forma
Xn(x) = const× sen
(nπ
L
x
)
.
Além disto, para a solução fatorada satisfazer u(x, 0) = 0 0 ≤ x ≤ L, é necessário que
Y (0) = 0. Portanto, Y = Y (y) satisfaz
Y ′′ =
(nπ
L
)2
Y, Y (0) = 0.
Você pode verificar que nesse caso
Yn(y) = const× senh
(nπ
L
y
)
.
Juntando as duas expressões obtidas podemos concluir que toda solução fatorada satisfa-
zendo
∂2xu+∂
2
yu = 0, 0 < x < L, 0 < y < M ;
u(x, 0) = 0, 0 ≤ x ≤ L;
u(0, y) = 0, u(L, y) = 0, 0 ≤ y ≤M,
deve ser da forma
un(x, y) = B̃n sen
(nπ
L
x
)
senh
(nπ
L
y
)
(8.14)
onde n ∈ N e B̃n é uma constante.
Se a função f2 em (8.12) for uma combinação linear de funções sen
(nπ
L
x
)
, podemos usar
as soluções que acabamos de obter e o Prinćıpio de Superposição para determinar a solução
de um problema dado. Faremos isto no exemplo a seguir.
Exemplo 8.3. Resolva o problema
∂2xu+∂
2
yu = 0, 0 < x < π, 0 < y < π;
u(x, 0) = 0, u(x, π) = 5 sen(2x)− 7 sen(8x), 0 ≤ x ≤ π;
u(0, y) = 0, u(π, y) = 0, 0 ≤ y ≤ π.
Resolução:
Neste caso a placa é quadrada e L = M = π. Sabemos que as soluções fatoradas da
equação, que satisfazem as condições de fronteira nulas são da forma
un(x, y) = B̃n sen(nx) senh(ny),
94 CAPÍTULO 8. A EQUAÇÃO DE LAPLACE
com B̃n constante. Cada uma destas soluções, no lado superior do quadrado (y = π) satisfaz
un(x, π) = B̃n sen(nx) senh(nπ) = (B̃n senh(nπ)) sen(nx).
Comparando esta expressão com u(x, π) = 5 sen(2x) − 7 sen(8x), concluimos que para
formar a solução buscada precisaremos utilizar uma combinação linear das soluções fatoradas
correspondentes aos ı́ndices n = 2 e n = 8. Esta combinação linear continuará satisfazendo
a equação pelo Prinćıpio de Superposição porque a equação de Laplace é linear e homogênea
e satisfará as três condições de fronteira nos lados inferior e laterais do quadrado porque ali
todas as soluções fatoradas encontradas valem zero.
Precisamos então buscar uma solução da forma
u(x, y) = B̃2 sen(2x) senh(2y) + B̃8 sen(8x) senh(8y).
Vamos calcular agora os valores das constantes B̃2 e B̃8. Para isto, fazemos com que o valor
da nossa candidata a solução coincida com 5 sen(2x)−7 sen(8x) no lado superior do quadrado:
u(x, π) = B̃2 sen(2x) senh(2π) + B̃8 sen(8x) senh(8π)
= (B̃2 senh(2π)) sen(2x) + (B̃8 senh(8π)) sen(8x)
= 5 sen(2x)− 7 sen(8x).
Portanto, B̃2 senh(2π) = 5 e B̃8 senh(8π) = −7, ou seja, B̃2 =
5
senh(2π)
e B̃8 = −
7
senh(8π)
e a solução será
u(x, y) =
5
senh(2π)
sen(2x) senh(2y)− 7
senh(8π)
sen(8x) senh(8y).
(a) Gráfico de z = u(x, y)
(b) Mapa de calor de u
Figura 8.5: u(x, y) =
5
senh(2π)
sen(2x) senh(2y)− 7
senh(8π)
sen(8x) senh(8y).
Na figura 8.5 mostramos dois tipos de gráficos que representam esta solução.
/
8.2. O PROBLEMA DE DIRICHLET NO RETÂNGULO 95
Nos casos em que u(x,M) não for uma combinação linear de funções sen
(nπ
L
x
)
, podemos
usar a série de Fourier de senos da função f2. Além de f2 ser uma função cont́ınua, precisaremos
também que sua derivada seja cont́ınua por partes e que f2(0) = f2(L) = 0. Estas condições
garantem que sobre o intervalo [0, L], f2 e sua série de Fourier de senos coincidem. Esse
resultado e o comportamento da função senh(x) para |x| grande o suficiente, permitem provar
que neste caso vale também um Prinćıpio de Superposição Generalizado. Ou seja, sob as
condições descritas para f2, a função
u(x, y) =
∞∑
n=1
un(x, y) =
∞∑
n=1
B̃n sen
(nπ
L
x
)
senh
(nπ
L
y
)
,
é a solução procurada, onde os coeficientes B̃n são calculados usando a informação que temos
sobre f2. Ou seja, por um lado, usando a expressão propost para u, obtemos
f2(x) = u(x,M) =
∞∑
n=1
B̃n sen
(nπ
L
x
)
senh
(nπ
L
M
)
.
Por outro lado, como f2 coincide com sua série em senos,
f2(x) = u(x,M) =
∞∑
n=1
Bn sen
(nπ
L
x
)
, Bn =
2
L
∫ L
0
f2(x) sen
(nπ
L
x
)
dx,
portanto,
Bn = B̃n senh
(nπ
L
M
)
⇒ B̃n =
Bn
senh
(
nπ
L
M
)
e então
u(x, y) =
∞∑
n=1
un(x, y) =
∞∑
n=1
Bn
senh
(
nπ
L
M
) sen(nπ
L
x
)
senh
(nπ
L
y
)
,
A seguir apresentamos um exemplo desse tipo.
Exemplo 8.4. Determine a solução do problema
∂2xu+∂
2
yu = 0, 0 < x < π, 0 < y < π;
u(x, 0) = 0, u(x, π) = x3(x− π), 0 ≤ x ≤ π;
u(0, y) = 0, u(π, y) = 0, 0 ≤ y ≤ π.
A função f2(x) = x
3(x − π) é um polinômio, portanto é cont́ınua e derivável por partes.
Além disto, vale f2(0) = f2(L) = 0. Após calcularmos os coeficientes de Fourier da série em
senos de x3(x− π), obtemos que se 0 ≤ x ≤ π,
x3(x− π) = 12π
∞∑
n=1
[
(−1)n
n3
+
4
π2
(−1)n+1 + 1
n5
]
sen(nx)
e portanto, a solução do problema será
u(x, y) = 12π
∞∑
n=1
1
senh(nπ)
[
(−1)n
n3
+
4
π2
(−1)n+1 + 1
n5
]
sen(nx) senh(ny)
/
96 CAPÍTULO 8. A EQUAÇÃO DE LAPLACE
8.2.2 Resolução do problema geral
Voltemos agora à resolução do nosso problema geral com a placa retangular representada
na figura 8.3. Pelo prinćıpio de superposição, podemos decompor a solução deste problema
na soma das soluções de quatro problemas, em cada um dos quais a temperatura é zero
sobre três lados. Destes, sabemos resolver apenas um, por enquanto. Para resolver os
outros três problemas, não precisamos aplicar o método de separação de variáveis novamente,
basta observarmos que mudando a placa de posição, sempre podemos colocá-la na forma que
corresponde ao problema que aprendemos a resolver.
Desde o ponto de vista matemático, o que ocorre é que se transformarmos uma solução
da equação de Laplace aplicando uma reflexão em relação a uma reta, o resultado continuará
sendo solução.
Resumimos as soluções de cada problema na tabela a seguir.
Soluções fatoradas da equação de Laplace
que se anulam sobre três lados do retângulo
Lados onde a solução se anula Transformações Soluções fatoradas
(x, y)→ (x,M − y) Ãn sen
(nπ
L
x
)
senh
(nπ
L
(M − y)
)
(x, y)→ (y, x) D̃n senh
(nπ
M
x
)
sen
(nπ
M
y
)
(x, y)→ (y, L− x) C̃n senh
(nπ
M
(L− x)
)
sen
(nπ
M
y
)
Tabela 8.1: Soluções fatoradas de cada problema
Vejamos como usar estas soluções em um exemplo.
Exemplo 8.5. Determine a solução da equação de Laplace no interior do retângulo
[0, 1]× [0, 3] satisfazendo as condições de Dirichlet
u(x, 0) = 0, u(x, 3) = 0, 0 ≤ x ≤ 1;
u(0, y) = − sen
(π
3
y
)
+ 9 sen(4πy), u(1, y) = sen
(π
3
y
)
− 6 sen(5πy), 0 ≤ y ≤ 3.
Resolução:
Para resolver este problema devemos somar as soluções de dois problemas, nos dois a solução
vale zero nos lados horizontais do retângulo.
� Temperatura no lado direito da placa igual zero e no lado esquerdo: − sen
(
π
3
y
)
+
9 sen(4πy).
Para construirmos a solução usaremos as soluções fatoradas
C̃n sen
(nπ
3
y
)
senh
(nπ
3
(1− x)
)
com n = 1 e n = 12. Nossa candidata a solução será
8.2. O PROBLEMA DE DIRICHLET NO RETÂNGULO 97
C̃1 sen
(π
3
y
)
senh
(π
3
(1− x)
)
+ C̃12 sen(4πy) senh(4π(1− x)).
Para calcularmos os coeficientes,avaliamos x = 0
C̃1 sen
(π
3
y
)
senh
(π
3
)
+ C̃12 sen(4πy) senh(4π) = − sen
(π
3
y
)
+ 9 sen(4πy),
portanto C̃1 = −
1
senh
(
π
3
) e C̃12 = 9
senh(4π)
. Obtemos então a solução
− 1
senh
(
π
3
) sen(π
3
y
)
senh
(π
3
(1− x)
)
+
9
senh(4π)
sen(4πy) senh(4π(1−x)) (8.15)
� Temperatura no lado esquerdo da placa igual zero e no lado direito: sen
(
π
3
y
)
−
6 sen(5πy).
Para construirmos a solução usaremos as soluções fatoradas
D̃n sen
(nπ
3
y
)
senh
(nπ
3
x
)
com n = 1 e n = 15. Nossa candidata a solução será
D̃1 sen
(π
3
y
)
senh
(π
3
x
)
+ D̃15 sen(5πy) senh(5πx).
Para calcularmos os coeficientes, avaliamos x = 0
D̃1 sen
(π
3
y
)
senh
(π
3
)
+ D̃15 sen(5πy) senh(5π) = sen
(π
3
y
)
− 6 sen(5πy),
portanto D̃1 =
1
senh
(
π
3
) e D̃15 = − 6
senh(5π)
. Obtemos então a solução
1
senh
(
π
3
) sen(π
3
y
)
senh
(π
3
x
)
− 6
senh(5π)
sen(5πy) senh(5πx). (8.16)
A resposta é a soma de (8.15) e (8.16):
u(x, y) = − 1
senh
(
π
3
) sen(π
3
y
)
senh
(π
3
(1− x)
)
+
9
senh(4π)
sen(4πy) senh(4π(1− x))
+
1
senh
(
π
3
) sen(π
3
y
)
senh
(π
3
x
)
− 6
senh(5π)
sen(5πy) senh(5πx).
Na figura 8.6 aparecem algumas representações gráficas da solução obtida.
98 CAPÍTULO 8. A EQUAÇÃO DE LAPLACE
(a) Gráfico de z = u(x, y) (b) Mapa de calor de u
Figura 8.6: u(x, y) =
senh
(
πx
3
)
− senh
(
π(1−x)
3
)
senh
(
π
3
) sen(πy
3
)
+ 9
senh(4π(1− x))
senh(4π)
sen(4πy)− 6
senh(5πx)
senh(5π)
sen(5πy).
/
No exemplo a seguir, a temperatura não é nula em nenhum dos lados da placa.
Exemplo 8.6.
Resolva o problema
∂2xu+∂
2
yu = 0, 0 < x < π, 0 < y < π;
u(x, 0) = sen(x), u(x, π) = 2 sen(2x), 0 ≤ x ≤ π;
u(0, y) = 3 sen(3y), u(π, y) = 4 sen(4y), 0 ≤ y ≤ π.
Resolução:
Para construirmos a solução
� Resolvemos o problema com condições de fronteira u(x, 0) = sen(x) e zero nos outros
lados da placa. A solução é
1
senh(π)
sen(x) senh(π − y).
� Resolvemos o problema com condições de fronteira u(x, π) = 2 sen(2x) e zero nos
outros lados da placa. A solução é
2
senh(2π)
sen(2x) senh(2y).
� Resolvemos o problema com condições de fronteira u(0, y) = 3 sen(3y) e zero nos outros
lados da placa. A solução é
3
senh(3π)
senh(3(π − x)) sen(3y).
8.2. O PROBLEMA DE DIRICHLET NO RETÂNGULO 99
� Resolvemos o problema com condições de fronteira u(π, y) = 4 sen(4y) e zero nos outros
lados da placa. A solução é
4
senh(4π)
senh(4x) sen(4y).
� Somamos as quatro soluções obtidas.
Portanto, a solução é
u(x, y) =
1
senh(π)
sen(x) senh(π − y) + 2
senh(2π)
sen(2x) senh(2y)+
3
senh(3π)
senh(3(π − x)) sen(3y) + 4
senh(4π)
senh(4x) sen(4y).
Na figura 8.7 mostramos dois gráficos da solução obtida.
(a) Gráfico de z = u(x, y) (b) Mapa de calor de u
Figura 8.7: u(x, y) = senh(π − y)
senh(π)
sen(x) + 2
senh(2y)
senh(2π)
sen(2x) + 3
senh(3(π − x))
senh(3π)
sen(3y) + 4
senh(4x)
senh(4π)
sen(4y)
/
Seguindo a estratégia dos exemplos anteriores, conseguiremos resolver o problema (8.8)-
(8.10). Este é o conteúdo do resultado a seguir.
100 CAPÍTULO 8. A EQUAÇÃO DE LAPLACE
Proposição 8.1
Suponha que as funções f1 : [0, L] → R, f2 : [0, L] → R, g1 : [0,M ] → R e g2 :
[0,M ] → R são séries de Fourier de senos finitas com no máximo N coeficientes não
nulos An, Bn, Cn e Dn respectivamente, ou seja
f1(x) =
N∑
n=1
An sen
(nπ
L
x
)
, An =
2
L
∫ L
0
f1(x) sen
(nπ
L
x
)
dx
f2(x) =
N∑
n=1
Bn sen
(nπ
L
x
)
, Bn =
2
L
∫ L
0
f2(x) sen
(nπ
L
x
)
dx
g1(y) =
N∑
n=1
Cn sen
(nπ
M
y
)
, Cn =
2
M
∫ M
0
g1(y) sen
(nπ
M
y
)
dy
g2(y) =
N∑
n=1
Dn sen
(nπ
M
y
)
, Dn =
2
M
∫ M
0
g2(y) sen
(nπ
M
y
)
dy.
Então a solução da equação de Laplace no interior do retângulo [0, L] × [0,M ] satis-
fazendo
u(x, 0) = f1(x), u(x,M) = f2(x), 0 ≤ x ≤ L; (8.17)
u(0, y) = g1(y), u(L, y) = g2(y), 0 ≤ y ≤M. (8.18)
é
u(x, y) =
N∑
n=1
1
senh
(
nπM
L
) [An senh(nπ
L
(M − y)
)
+Bn senh
(nπ
L
y
)]
sen
(nπ
L
x
)
+
(8.19)
N∑
n=1
1
senh
(
nπL
M
) [Cn senh(nπ
M
(L− x)
)
+Dn senh
(nπ
M
x
)]
sen
(nπ
M
y
)
(8.20)
Observação. Se alguma das funções que determina a temperatura em algum lado do retângulo
coincidir com sua série de Fourier de senos infinita, vale uma proposição análoga trocando N
por ∞. Não provaremos aqui esse resultado.
8.2. O PROBLEMA DE DIRICHLET NO RETÂNGULO 101
Ideias mais importantes da semana
(1) Uma solução da equação de Laplace bidimensional ∂2xu + ∂
2
yu = 0 pode representar a
temperatura estacionária de uma placa ou a posição de uma membrana elástica fixa numa
armação, no repouso.
(2) No problema de Dirichlet para a equação de Laplace
ED ∂2xu+ ∂
2
yu = 0, em D;
CF u(P ) = f(P ), para todo P em C.
sabemos quanto vale a solução sobre um conjunto C de curvas e queremos saber quando
ela vale na região D delimitada por essas curvas.
(3) No problema de Neumann para a equação de Laplace
ED ∂2xu+ ∂
2
yu = 0, em D;
CF
∂u
∂n
(P ) = g(P ), para todo P em C
sabemos quanto vale a derivada da solução na direção normal a cada curva de um conjunto
C de curvas e queremos saber quando ela vale na região D delimitada por essas curvas.
(4) Para resolvermos o problema de Dirichlet
∂2xu+∂
2
yu = 0, 0 < x < L, 0 < y < M ;
u(x, 0) = 0, u(x,M) = f2(x), 0 ≤ x ≤ L;
u(0, y) = 0, u(L, y) = 0, 0 ≤ y ≤M,
onde f2(0) = f2(L) = 0, utilizamos uma soma (ou soma generalizada na forma de série)
das funções
un(x, y) = B̃n sen
(nπ
L
x
)
senh
(nπ
L
y
)
, n ∈ N, B̃n ∈ R.
Os coeficientes são escolhidos de forma a satisfazer a condição de fronteira u(x,M) =
f2(x), 0 ≤ x ≤ L.
(5) Para resolvermos o problema de Dirichlet geral no retângulo,
∂2xu+∂
2
yu = 0, 0 < x < L, 0 < y < M ;
u(x, 0) = f1(x), u(x,M) = f2(x), 0 ≤ x ≤ L;
u(0, y) = g1(x), u(L, y) = g2(y), 0 ≤ y ≤M.
dividimos o nosso problema em quatro problemas que tenham temperaturas nulas em três
lados da placa retangular. As soluções que utilizamos para resolver cada problema são
obtidas a partir do problema acima usando a tabela 8.1.
102 CAPÍTULO 8. A EQUAÇÃO DE LAPLACE
Caṕıtulo 9
O problema de Dirichlet em regiões
circulares
9.1 Representação do problema em coordenadas polares
O problema de Dirichlet para a equação de Laplace num anel pode ser escrito na forma
∂2xu+ ∂
2
yu = 0, R
2
int < x
2 + y2 < R2ext; (9.1)
u(x, y) = g(x, y), x2 + y2 = R2int; (9.2)
u(x, y) = f(x, y), x2 + y2 = R2ext. (9.3)
Para podermos resolver este tipo de problema pelo método de separação de variáveis,
usaremos coordenadas polares pois elas noos permitem transformar anéis em retângulos.
Lembremos que um ponto de coordenadas cartesianas (x, y) que não seja a origem, possui
coordenadas polares r > 0 e θ ∈ (−π, π] tais que{
x = r cos θ
y = r sen θ
e que podem ser obtidas explicitamente através das fórmulas
r = (x2 + y2)
1
2 (9.4)
e
θ =
arccos
(
x
(x2 + y2)
1
2
)
, y ≥ 0
− arccos
(
x
(x2 + y2)
1
2
)
, y < 0.
(9.5)
Ao mudarmos as coordenadas, formalmente a função incógnita muda também. Utilizaremos
letras maiúsculas para as funções definidas em coordenadas polares, i. e.
U(r, θ) = u(r cos θ, rsenθ),
G(r, θ) = g(r cos θ, rsenθ),
F (r, θ) = f(r cos θ, rsenθ).
103
104 CAPÍTULO 9. O PROBLEMA DE DIRICHLET EM REGIÕES CIRCULARES
Perceba que desta forma, as funções U , G e F satisfazem
U(r, θ) = U(r, θ + 2π),
G(r, θ) = G(r, θ + 2π),
F (r, θ) = F (r, θ + 2π).
A seguir vamos deduzir qual será a expressão da equação de Laplace em coordenadas polares,
ou seja, obteremos a partir da equação de Laplace, uma equação diferencial parcial satisfeita
pela nova função incógnita U = U(r, θ). Para isto, usaremos a regra da cadeia.
∂rU = ∂xu cos θ + ∂yu sen θ
∂θU = −r∂xu sen θ + r∂yu cos θ
∂2rU =
∂
∂x
[∂xu cos θ + ∂yu sen θ] cos θ +
∂
∂x
[∂xu cos θ + ∂yu sen θ] sen θ
= ∂2xu cos
2 θ + 2∂2xyu sen θ cos θ + ∂
2
yu sen
2 θ
∂2θU = −
∂
∂x
[−r∂xu sen θ + r∂yu cos θ] r sen θ +
∂
∂y
[−r∂xu sen θ + r∂yu cos θ] r cos θ
= r2∂2xu sen
2 θ − 2r2∂2xyu sen θ cos θ+ r2∂2yu cos2 θ − r∂xu cos θ − r∂yu sen θ.
Portanto,
∂2ρU +
1
r2
∂2θu = ∂
2
xu+ ∂
2
yu−
1
r
∂rU
e assim, u satisfaz a equação de Laplace se e somente se U satisfaz
∂2rU +
1
r
∂rU +
1
r2
∂2θu = 0. (9.6)
O problema de Dirichlet (9.1)-(9.3) em coordenadas polares fica então da forma
ED ∂2rU +
1
r
∂rU +
1
r2
∂2θu = 0, Rint < r < Rext, θ ∈ (−π, π]; (9.7)
CF U(Rint, θ) = G(θ), U(Rext, θ) = F (θ), F,G de peŕıodo 2π; (9.8)
CP U(r, θ) = U(r, θ + 2π), Rint < r < Rext, θ ∈ R. (9.9)
Exemplo 9.1. A função u(x, y) = c ln(x2 +y2), onde c é uma constante qualquer, é uma
função harmônica sobre qualquer região do plano que não contenha a origem de coordenadas.
Para verificarmos isto, podemos usar a regra do produto ou a regra do quociente para calcular
∂xu = c
2x
x2 + y2
, ∂yu = c
2y
x2 + y2
∂2xu = c
2(y2 − x2)
(x2 + y2)2
, ∂2yu = c
2(x2 − y2)
(x2 + y2)2
.
Como ∂2xu = −∂2yu, conclúımos que u é uma função harmônica.
9.2. PROBLEMAS NO ANEL 105
Se c =
1
ln 2
, obtemos que para (x, y) tal que x2 + y2 = 4,
u(x, y) =
1
ln 2
ln(4) =
2 ln 2
ln 2
= 2.
Além disto, u = 0 sobre a circunferência x2 + y2 = 1 porque ln 1 = 0. Portanto, u(x, y) =
1
ln 2
ln(x2 + y2) satisfaz o problema
∂2xu+ ∂
2
yu = 0, 1 < x
2 + y2 < 4;
u(x, y) = 0, x2 + y2 = 1;
u(x, y) = 2, x2 + y2 = 4.
Em coordenadas polares, u fica da forma U(r, θ) =
1
ln 2
ln(r2) =
2
ln 2
ln r. O problema acima
escrito em coordenadas polares é
∂2rU +
1
r
∂rU +
1
r2
∂2θu = 0, 1 < r < 2,−π < θ ≤ π;
U(1, θ) = 0, U(2, θ) = 2, −π < θ ≤ π;
U(r, θ) = U(r, θ + 2π), 1 < r < 2,−π < θ ≤ π.
/
Exemplo 9.2. No exemplo 1.1, vimos que a função u(x, y) = x2− y2 satisfaz a equação
de Laplace. Em coordenadas polares, a representação desta função é
U(r, θ) = (r cos θ)2 − (r sen θ)2 = r2(cos2 θ − sen2 θ) = r2 cos(2θ).
Sobre a circunferência centrada na origem e de raio 1, obtemos U(1, θ) = cos(2θ) e sobre a
circunferência centrada na origem e de raio 2, vale que U(2, θ) = 4 cos(2θ). Portanto, neste
caso, G(θ) = cos(2θ) e F (θ) = 4 cos(2θ).
Portanto, o problema de Dirichlet que esta função satisfaz no anel de raios 1 e 2 é
∂2rU+
1
r
∂rU +
1
r2
∂2θu = 0, 1 < r < 2,−π < θ ≤ π;
U(1, θ) = cos(2θ), U(2, θ) = 4 cos(2θ),−π < θ ≤ π;
U(r, θ) = U(r, θ + 2π), 1 < r < 2,−π < θ ≤ π.
/
9.2 Problemas no anel
Nos exemplos anteriores, a partir da solução constrúımos o problema, mas tipicamente nos
deparamos com a situação contrária: dado um problema queremos achar sua solução. Ve-
remos como fazer isto usando o método de separação de variáveis. Para isto, começaremos
procurando as soluções fatoradas da equação que satisfaçam a condição de periodicidade.
Consideremos uma função U que seja solução fatorada da equação (9.7). Então U(r, θ) =
R(r)Θ(θ) onde Θ é uma função de peŕıodo 2π. Substituindo na equação (9.6) e dividindo
106 CAPÍTULO 9. O PROBLEMA DE DIRICHLET EM REGIÕES CIRCULARES
pela solução, obtemos
R′′(r)Θ(θ) +
1
r
R′(r)Θ(θ) +
1
r2
R(r)Θ′′(θ) = 0
r2R′′(r)Θ(θ) + rR′(r)Θ(θ) + Θ′′(θ) = 0
r2
R′′(r)
R(r)
+ r
R′(r)
R(r)
+
Θ′′(θ)
Θ(θ)
= 0
r2
R′′(r)
R(r)
+ r
R′(r)
R(r)
= −Θ
′′(θ)
Θ(θ)
= −λ.
E chegamos nas equações diferenciais ordinárias
r2R′′(r) + rR′(r) + λR(r) = 0, Θ′′(θ) = λΘ(θ). (9.10)
Além disto, sabemos que Θ deve ser uma função de peŕıodo 2π. Ou seja, para todo θ ∈ R
deve valer que
Θ(θ + 2π) = Θ(θ).
A partir dessa condição, precisamos descobrir a estrutura da função Θ. Vamos considerar os
três casos posśıveis para o sinal da constante λ.
Caso 1: λ = 0.
Neste caso Θ(θ) = c1 + c2θ. Portanto, para ela ser periódica precisamos que c2 = 0 e
assim, nossa primeira possibilidade é
Θ(θ) = c1,
com c1 constante.
Caso 2: λ > 0.
Podemos supor que λ = α2 com α > 0. Assim, a solução geral da equação Θ′′−α2Θ = 0
é
Θ(θ) = c1e
αθ + c2e
−αθ.
Uma função com essa estrutura, só poderá ser periódica se, para todo θ ∈ R,
c1(1− e2πα)eαθ = c2(−1 + e−2πα)e−αθ
mas como α > 0, isso só é posśıvel se c1 = c2 = 0.
Caso 3: λ < 0.
Neste caso, vamos escrever λ = −α2 com α > 0. A solução geral de Θ′′ + α2Θ = 0
adota a forma
Θ(θ) = c1 cos(αθ) + c2 sen(αθ).
Como cos(αθ) e sen(αθ) têm peŕıodo
2π
α
, a função Θ neste caso vai ter também peŕıodo
2π
α
. Para ela ter peŕıodo 2π, precisaremos que
2π
α
seja um divisor inteiro desse valor,
ou seja, precisamos que α = n, com n ∈ N. Neste caso λ = −n2 e
Θ(θ) = c1 cos(nθ) + c2 sen(nθ).
9.2. PROBLEMAS NO ANEL 107
Para a equação satisfeita por R temos dois casos:
Caso 1: λ = 0
rR′′(r) +R′(r) = 0.
Esta equação pode ser resolvida reduzindo-a numa equação de primeira ordem. Fazendo
isto obtemos que R(r) = γn + δn ln r.
Caso 2: λ = −n2
r2R′′(r) + rR′(r)− n2R(r) = 0
Esta é uma equação de Euler. Para resolvê-la, verificamos que rn e r−n são soluções
linearmente independentes da equação. Portanto, a solução geral pode ser escrita da
forma R(r) = γnr
n + δnr
−n.
Conclúımos então que as soluções fatoradas não nulas da equação de Laplace em coordena-
das polares (9.7) que satisfazem as condições de periodicidade (9.9) são da forma.
U0(r, θ) = a0 + α0 ln r (9.11)
Un(r, θ) = (anr
n + αnr
−n) cos(nθ) + (bnr
n + βnr
−n) sen(nθ), n ≥ 1, (9.12)
onde an, αn, bn e βn são constantes.
Exemplo 9.3. Vamos determinar a solução do problema
∂2rU +
1
r
∂rU +
1
r2
∂2θu = 0, 1 < r < 2,−π < θ ≤ π;
U(1, θ) = 3 + 4 cos(2θ), U(2, θ) = 5 sen(θ),−π < θ ≤ π;
U(r, θ) = U(r, θ + 2π), 1 < r < 2,−π < θ ≤ π.
Para isto, podemos raciocinar da forma seguinte.
As soluções em (9.11)-(9.12) satisfazem a equação diferencial e a condição de periodicidade.
Precisamos usar o Prinćıpio de Superposição para construir a solução que também satisfaça as
condições de fronteira. Como nas funções F e G temos um termo constante, cos(2θ) e sen(θ),
vamos usar apenas as funções U0, U1 e U2 com as restrições a1 = α1 = 0 e b2 = β2 = 0.
Procuraremos a nossa solução da forma
U(r, θ) = U0(r, θ) + U1(r, θ) + U2(r, θ)
= a0 + α0 ln r + (b1r + β1r
−1) sen(θ) + (a2r
2 + α2r
−2) cos(2θ).
Calculemos as constantes.
U(1, θ) = a0 + (b1 + β1) sen(θ) + (a2 + α2) cos(2θ) = 3 + 4 cos(2θ)
⇒ a0 = 3, b1 + β1 = 0, a2 + α2 = 4.
U(2, θ) = 3 + α0 ln 2 + (2b1 +
1
2
β1) sen(θ) + (4a2 +
1
4
α2) cos(2θ) = 5 sen(θ)
⇒ α = − 3
ln 2
, 2b1 +
1
2
β1 = 5, 4a2 +
1
4
α2 = 0.
Resolvendo os sistemas de equações
{
b1 + β1 = 0
2b1 +
1
2
β1 = 5
e
{
a2 + α2 = 4
4a2 +
1
4
α2 = 0,
obtemos que
b1 =
10
3
, β1 = −
10
3
, a2 = −
4
15
, α2 =
64
15
.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Equa%C3%A7%C3%A3o_de_Euler-Cauchy
108 CAPÍTULO 9. O PROBLEMA DE DIRICHLET EM REGIÕES CIRCULARES
Portanto, a solução buscada é
U(r, θ) = 3− 3
ln 2
ln r +
10
3
(r − r−1) sen(θ)− 4
15
(r2 − 16r−2) cos(2θ).
Na figura 9.1 você pode ver esta solução representada graficamente de duas formas diferen-
tes.
(a) Gráfico de z = U(r, θ) (b) Mapa de calor de U
Figura 9.1: U(r, θ) = 3− 3
ln 2
ln r +
10
3
(r − r−1) sen(θ)− 4
15
(r2 − 16r−2) cos(2θ)
/
De forma geral, temos o resultado a seguir
Teorema 9.1
Sejam F e G funções 2π-periódicas com séries de Fourier finitas
F (θ) =
A0
2
+
N∑
n=1
(An cos(nθ) +Bn sen(nθ));G(θ) =
C0
2
+
N∑
n=1
(Cn cos(nθ) +Dn sen(nθ)).
Então a solução do problema (9.7)-(9.9) se escreve da forma
U(r, θ) = U0(r, θ) +
N∑
n=1
Un(r, θ), (9.13)
onde U0 e Un, n ∈ N estão definidos em (9.11)-(9.12) e seus coeficientes an, αn, bn e βn
ficam determinados pelos coeficientes das séries de Fourier de F e G.
9.3. PROBLEMAS NO CÍRCULO 109
9.3 Problemas no ćırculo
Em coordenadas polares, o problema de Dirichlet num ćırculo com centro na origem de
coordenadas e raio R, exclúıda a origem, fica na forma
ED ∂2rU +
1
r
∂rU +
1
r2
∂2θu = 0, 0 < r < R; (9.14)
CF U(R, θ) = F (θ), F de peŕıodo 2π; (9.15)
CP U(r, θ) = U(r, θ + 2π), 0 < r < R. (9.16)
Vamos utilizar as soluções fatoradas obtidas. Precisamos observar que a solução obtida
precisa ser estendida até a origem,de forma a preservar a continuidade. No entanto, algumas
soluções fatoradas não podem ser estendidas como funções cont́ınuas no ćırculo pois são não
limitadas perto da origem.
Para eliminar estas singularidades, faremos α0 = 0, αn = βn = 0, n ≥ 1. Obtemos então
que as soluções fatoradas que podemos utilizar no ćırculo são
U0(r, θ) = a0 (9.17)
Un(r, θ) = r
n(an cos(nθ) + bn sen(nθ)), n ≥ 1, (9.18)
onde an e bn são constantes.
Vejamos como usar estas soluções em um exemplo.
Exemplo 9.4. Obtenhamos a solução do problema
∂2rU +
1
r
∂rU +
1
r2
∂2θu = 0, 0 < r < 1;
U(1, θ) = −1 + 8 cos2(θ);
U(r, θ) = U(r, θ + 2π), 0 < r < 1.
Usando a identidade cos2 θ =
1 + cos(2θ)
2
, obtemos que U(1, θ) = 3 + 4 cos(2θ). Vamos
procurar então uma solução da forma
U(r, θ) = U0(r, θ) + U2(r, θ)
= a0 + r
2(a2 cos(2θ) + b2 sen(2θ)).
Com esta expressão obteŕıamos U(1, θ) = a0 + a2 cos(2θ) + b2 sen(2θ) = 3 + 4 cos(2θ) e
portanto, a0 = 3, a2 = 2 e b2 = 0. Com isto, a solução fica da forma
U(r, θ) = 3 + 4r2 cos(2θ).
Na figura 9.2 aparecem representações gráficas da solução obtida.
110 CAPÍTULO 9. O PROBLEMA DE DIRICHLET EM REGIÕES CIRCULARES
(a) Gráfico de z = U(r, θ) (b) Mapa de calor de U
Figura 9.2: U(r, θ) = 3 + 4r2 cos(2θ)
/
No exemplo anterior, obtivemos uma solução com uma expressão muito parecida com a
função dada na condição de fronteira. Utilizando o mesmo procedimento podemos obter o
seguinte resultado geral.
Teorema 9.2
Seja F uma função 2π-periódica com série de Fourier finita
F (θ) =
A0
2
+
N∑
n=1
(An cos(nθ) +Bn sen(nθ)). (9.19)
Então a solução do problema (9.14)-(9.16) é
U(r, θ) =
A0
2
+
N∑
n=1
rn
Rn
(An cos(nθ) +Bn sen(nθ)). (9.20)
Se a série de Fourier de F não for finita, escreveremos a solução de forma análoga, mas não
trataremos aqui da formalização desse resultado.
9.3. PROBLEMAS NO CÍRCULO 111
Ideias mais importantes da semana
(1) Se u for duas vezes derivável e U(r, θ) = u(r cos θ, r sen θ), então
∂2xu+ ∂
2
yu = ∂
2
rU +
1
r
∂rU +
1
r2
∂2θU.
(2) O problema de Dirichlet para a equação de Laplace no anel pode ser representado em
coordenadas polares da forma
ED ∂2rU +
1
r
∂rU +
1
r2
∂2θu = 0, Rint < r < Rext, θ ∈ (−π, π);
CF U(Rint, θ) = G(θ), U(Rext, θ) = F (θ), F,G de peŕıodo 2π;
CP U(r, θ) = U(r, θ + 2π), Rint < r < Rext, θ ∈ R.
Se F e G são funções 2π-periódicas com séries de Fourier finitas
F (θ) =
A0
2
+
N∑
n=1
(An cos(nθ) +Bn sen(nθ));
G(θ) =
C0
2
+
N∑
n=1
(Cn cos(nθ) +Dn sen(nθ));
então a solução desse problema se escreve da forma
U(r, θ) = U0(r, θ) +
N∑
n=1
Un(r, θ), (9.21)
onde U0 e Un, n ∈ N estão definidos em (9.11)-(9.12) e seus coeficientes ficam determi-
nados pelos coeficientes An, Bn, Cn e Dn.
(3) No ćırculo, esse problema pode ser representado em coordenadas polares da forma
ED ∂2rU +
1
r
∂rU +
1
r2
∂2θu = 0, 0 < r < R;
CF U(R, θ) = F (θ), F de peŕıodo 2π;
CP U(r, θ) = U(r, θ + 2π), 0 < r < R, θ ∈ R.
Se F é uma função 2π-periódica com série de Fourier finita
F (θ) =
A0
2
+
N∑
n=1
(An cos(nθ) +Bn sen(nθ)). (9.22)
Então a solução deste problema é
U(r, θ) =
A0
2
+
N∑
n=1
rn
Rn
(An cos(nθ) +Bn sen(nθ)).
112 CAPÍTULO 9. O PROBLEMA DE DIRICHLET EM REGIÕES CIRCULARES
Caṕıtulo 11
A transformada de Fourier
11.1 A forma complexa das séries de Fourier
11.2 A transformada de Fourier e sua inversa
113
114 CAPÍTULO 11. A TRANSFORMADA DE FOURIER
Caṕıtulo 12
Propriedades da transformada de
Fourier
12.1 O Prinćıpio da Simetria
12.2 Translações e dilatações
12.3 Derivadas
115
116 CAPÍTULO 12. PROPRIEDADES DA TRANSFORMADA DE FOURIER
Caṕıtulo 13
A transformada de Fourier e a
convolução
13.1 A convolução
13.2 A transformada de Fourier de algumas funções não
integráveis
117
118 CAPÍTULO 13. A TRANSFORMADA DE FOURIER E A CONVOLUÇÃO
Caṕıtulo 14
O método da transformada de Fourier
Nesta semana começaremos a estudar como podemos utilizar a transformada de Fourier para
resolver problemas de contorno para EDPs em regiões não limitadas. Neste método, a ideia
é realizar manipulações formais usando as propriedades da transformada até chegar numa
expressão plauśıvel para a solução. Essa expressão precisaria sim ser verificada mas não faremos
isso aqui.
14.1 A equação do transporte simples
Consideremos um fluido que se move ao longo de um canal de seção transversal fixa, com
velocidade constante c no qual há part́ıculas em suspensão que são transportadas. No modelo
são desconsideradas interações entre as part́ıculas. Um exemplo poderia ser um poluente que
é transportado pelo fluxo de um rio.
Chamemos de u = u(x, t) ao valor da concentração do poluente na seção x e no instante
t, medida em unidades de massa por unidades de comprimento. Então u satisfaz a equação
∂tu+ c∂xu = 0. (14.1)
Para determinarmos a concentração do poluente em cada instante de maneira única, pre-
cisamos acrescentar ao problema uma condição inicial que especifique a distribuição da con-
centração no instante t = 0, por exemplo, u(x, 0) = f(x), onde f representa a concentração
inicial do poluente.
Assim, obtemos o problema de valor inicial
∂tu+ c∂xu = 0, −∞ < x <∞, t > 0;
u(x, 0) = f(x), −∞ < x <∞.
Como a solução u está definida para todo x ∈ R, vamos resolver este problema usando o
método da transformada de Fourier. Para isto, precisaremos transformar o problema original,
com função incógnita u = u(x, t), num outro cuja função incógnita será û, onde
û(ω, t) =
1√
2π
∫ ∞
−∞
u(x, t)e−iωxdx = F [u(x, t)](ω).
Aqui, F denota a transformada de Fourier em relação à variável x.
Para obter a equação satisfeita por û, vamos aplicar F nos dois lados da equação (14.1):
119
120 CAPÍTULO 14. O MÉTODO DA TRANSFORMADA DE FOURIER
F [∂tu(x, t) + c∂xu(x, t)](ω) = F [∂tu(x, t)](ω) + F [c∂xu(x, t)](ω)
= F [∂tu(x, t)](ω) + cF [∂xu(x, t)](ω)
= 0
Como estamos tomando a transformada em relação a x, a variável t funciona apenas como
um parâmetro e então pela propriedade que nos dá a transformada da derivada, temos que
F [∂xu(x, t)](ω) =
1√
2π
∫ ∞
−∞
∂xu(x, t)e
−iωxdx = iωû(ω, t).
Por outro lado
F [∂tu(x, t)](ω) =
1√
2π
∫ ∞
−∞
∂tu(x, t)e
−iωxdx = ∂t
1√
2π
∫ ∞
−∞
u(x, t)e−iωxdx = ∂tû(ω, t).
Aplicando a transformada também nos dois lados da condição inicial, obtemos
F [u(x, 0)](ω) = F [f(x)](ω)
ou, de maneira mais abreviada û(ω, 0) = f̂(ω).
Portanto, o problema satisfeito por û = û(ω, t) é
∂tû(ω, t) + icωû(ω, t) = 0, −∞ < ω <∞, t > 0;
û(ω, 0) = f̂(ω), −∞ < ω <∞.
Como na equação não há nenhuma derivada em relação a ω, obtemos um PVI para uma
EDO de primeira ordem, na variável t. Precisamos resolver esse PVI lembrando sempre de
considerar ω como um parâmetro.
A solução geral da equação é û(ω, t) = C(ω)e−icωt mas sabemos que û(ω, 0) = f̂(ω) e
portanto,
û(ω, t) = e−icωtf̂(ω).
Pela propriedade da transformada da translação temos que e−icωtf̂(ω) = F [f(x − ct)](ω).
Assim, concluimos que
u(x, t) = f(x− ct).
Esta solução representa translações (à direita se c > 0 e à esquerda se c < 0) da concentração
inicial, ou seja, a medida que o tempo avança, as part́ıculas se deslocam numa direção com
velocidade constante c, pelo fato da substância estar sendo carregada pelo fluido.
Perceba que, embora precisemos de condições de decaimento para aplicar a transformada
de Fourier, a inversa e suas propriedades, na fórmula que obtemos para a solução
u(x, t) = f(x− ct) (14.2)
só necessitamos exigir que f seja continuamente derivável para garantirmos a regularidade
da solução. Você pode usar a regra da cadeia para verificar que, de fato, (14.2) satisfaz a
equação do transporte.
14.2. A EQUAÇÃO DO CALOR 121
(a) t = 0 (b) t = 1 (c) t = 2
Figura 14.1: Gráficos da solução (14.2) com c = 1 em diferentes instantes de tempo
Neste exemplo:
1. Aplicamos a transformada de Fourier em relação à variável xna EDP e na sua condição
inicial.
2. Obtivemos uma faḿılia de EDOs na variável t e uma condição inicial associada, indexadas
em ω ∈ R.
3. Resolvemos cada PVI e obtivemos û(ω, t).
4. Invertemos a expressão obtida para û(ω, t). Assim, obtivemos uma fórmula para a
solução. Essa fórmula precisa ser verificada separadamente.
14.2 A equação do calor
Vamos considerar a seguir o problema de propagação do calor numa barra infinita:
∂tu = k∂
2
xu, −∞ < x <∞, t > 0;
u(x, 0) = f(x), −∞ < x <∞.
Este é um problema similar ao problema da corda infinita (7.3) - (7.4) que foi analisado
na semana 7. No final, barras infinitas não existem. No entanto, sua solução pode ser
representada por meio de uma fórmula fechada análoga à fórmula de d’Alembert. Essa fórmula
pode ajudar a analisar o problema da barra finita mas aqui nos limitaremos a obté-la utilizando
a transformada de Fourier.
Começaremos aplicando a transformada de Fourier em relação a x nos dois lados da equação.
F [∂tu(x, t)](ω) = F [k∂2xu(x, t)](ω);
∂tû(ω, t) = kF [∂2xu(x, t)](ω);
= −kω2F [u(x, t)](ω).
= −kω2û(ω, t).
Aqui usamos que
F [∂2xu(x, t)](ω) = F [∂x∂xu(x, t)](ω) = iωF [∂xu(x, t)](ω)
= (iω)2F [u(x, t)](ω) = −ω2F [u(x, t)](ω).
122 CAPÍTULO 14. O MÉTODO DA TRANSFORMADA DE FOURIER
Tomando a transformada de Fourier na condição inicial obtemos que
F [u(x, 0)](ω) = f̂(ω);
û(ω, 0) = f̂(ω).
Portanto, após aplicarmos a transformada de Fourier, o problema original se transformou
em
∂tû(ω, t) = −kω2û(ω, t), −∞ < ω <∞, t > 0;
û(ω, 0) = f̂(ω), −∞ < ω <∞.
Como ocorreu com a equação do transporte simples, chegamos numa equação onde não há
nenhuma derivada em relação a ω. Assim, obtemos um PVI para uma EDO de primeira ordem,
com variável indepentente t. Vamos resolver esse PVI a seguir lembrando sempre de considerar
ω como um parâmetro. Portanto, −kω2 pode ser considerado constante e a solução do PVI
será
û(ω, t) = û(ω, 0)e−kω
2t = f̂(ω)e−kω
2t.
Finalmente, para encontrar u devemos obter a inversa da expressão acima. Como ela é um
produto de transformadas, precisaremos utilizar a convolução. Lembremos que se b > 0,
e−bω
2
=
1√
2b
F
[
e−
x2
4b
]
(ω). Portanto,
e−kω
2t =
1√
2kt
F
[
e−
x2
4kt
]
(ω)
e assim,
u(x, t) = F−1
[
f̂(ω)e−kω
2t
]
=
1√
2π
f ∗
(
1√
2kt
e−
x2
4kt
)
=
1√
4πkt
f ∗ e−
x2
4kt
=
1√
4πkt
∫ ∞
−∞
e−
(x−y)2
4kt f(y)dy.
Portanto,
u(x, t) =
1√
4πkt
∫ ∞
−∞
e−
(x−y)2
4kt f(y)dy.
é a fórmula que estávamos buscando. Perceba que ela só vale se t > 0.
Que acontece quando t = 0? Observe que se escrevermos a aproximação da identidade
gaussiana () da forma g(n, x) =
n√
2π
e−
n2x2
2 , podemos escrever a fórmula para a temperatura
da barra infinita da forma
u(x, t) =
∫ ∞
−∞
g
(
1√
2kt
, x− y
)
f(y)dy.
Quando t → 0+, 1√
2kt
→ ∞, portanto u(x, t) −−−→
t→0+
f(x). Ou seja, quando o tempo se
aproxima do instante inicial, a temperatura da barra se aproxima do instante inicial.
14.2. A EQUAÇÃO DO CALOR 123
Exemplo 14.1. Vamos obter a solução do problema
∂tu =
1
4
∂2xu, −∞ < x <∞, t > 0;
u(x, 0) = e−x
2
, −∞ < x <∞.
Solução 1:
Uma maneira de resolver o problema seria utilizar a fórmula que acabamos de encontrar.
u(x, t) =
1√
πt
∫ ∞
−∞
e−
(x−y)2
t e−y
2
dy
=
1√
πt
∫ ∞
−∞
e−
x2−2xy+y2
t e−y
2
dy
=
1√
πt
∫ ∞
−∞
e−
x2−2xy+y2
t
−y2dy.
Vamos fazer algumas manipulações no expoente do integrando. Completaremos um quadrado
x2 − 2xy + y2
t
+ y2 = x2 − 2xy + 1 + t
t
y2
=
1 + t
t
(
t
1 + t
x2 − 2 t
1 + t
xy + y2
)
=
1 + t
t
(
t
1 + t
x2 − t
2
(1 + t)2
x2 +
t2
(1 + t)2
x2 − 2 t
1 + t
xy + y2
)
=
1 + t
t
[
t
(1 + t)2
x2 +
(
y − t
1 + t
x
)2]
=
1
1 + t
x2 +
1 + t
t
(
y − t
1 + t
x
)2
.
Portanto,
u(x, t) =
1√
πt
∫ ∞
−∞
e−
1
1+t
x2− 1+t
t (y−
t
1+t
x)
2
dy
=
1√
πt
e−
1
1+t
x2
∫ ∞
−∞
e−
1+t
t (y−
t
1+t
x)
2
dy.
Agora, vamos fazer a mudança de variáveis
z =
√
2(1 + t)
t
(
y − t
1 + t
x
)
para aproveitarmos que sabemos que
∫ ∞
−∞
e−
x2
2 dx =
√
2π. Obtemos que
u(x, t) =
1√
2π(1 + t)
e−
1
1+t
x2
∫ ∞
−∞
e−
z2
2 dz
=
1√
1 + t
e−
1
1+t
x2 .
124 CAPÍTULO 14. O MÉTODO DA TRANSFORMADA DE FOURIER
Solução 2:
Outra maneira, bastante mais curta de encontrar a solução é utilizar a fórmula da transfor-
mada da solução.
û(ω, t) = f̂(ω)e−kω
2t.
Neste caso, temos que
û(ω, t) =
1√
2
e−
ω2
4 e−
ω2t
4 =
1√
2
e−
ω2
4
(1+t).
Portanto,
u(x, t) = F−1
[
1√
2
e−
ω2
4
(1+t)
]
(x) =
1√
2
√
2
1 + t
e−
x2
1+t =
1√
1 + t
e−
1
1+t
x2 .
Perceba que neste caso foi bem mais simples usar a expressão de û do que utilizar a fórmula
da convolução.
(a) t = 0 (b) t = 1 (c) t = 2
Figura 14.2: Gráficos da solução em diferentes instantes de tempo
/
Exemplo 14.2. Suponhamos agora que queremos determinar a solução do problema
∂tu =
1
4
∂2xu− ∂xu, −∞ < x <∞, t > 0;
u(x, 0) = e−x
2
, −∞ < x <∞.
A EDP acima corresponde um modelo de propagação do calor numa barra infinita no qual,
além da propagação por difusão, é considerado um efeito de advecção (transporte) com c = 1.
Para obter uma fórmula para asolução podemos aplicar o método da transformada de Fourier.
A EDO para û ficará da forma
∂tû = −
[
ω2
4
+ iω
]
û.
Portanto,
û(ω, t) = û(ω, 0)e−
ω2t
4 e−iωt =
1√
2
e−
ω2
4 e−
ω2t
4 e−iωt
=
1√
2
e−
ω2
4
(1+t)e−iωt
= F
[
1√
1 + t
e−
1
1+t
x2
]
(ω)e−iωt
= F
[
1√
1 + t
e−
1
1+t
(x−t)2
]
(ω).
14.2. A EQUAÇÃO DO CALOR 125
Assim,
u(x, t) =
1√
1 + t
e−
1
1+t
(x−t)2 .
Perceba que o efeito do termo advectivo −∂xu na EDP foi deslocar a solução do exemplo
anterior com velocidade c = 1.
(a) t = 0 (b) t = 1 (c) t = 2
Figura 14.3: Gráficos da solução em diferentes instantes de tempo
/
Equações Diferenciais Parciais. A equação do calor.
Introdução
Que são equações diferenciais parciais? Classificação
Soluções das EDPs
Princípio de superposição
Por que estudar EDPs?
A equação do calor
Propagação do calor em uma barra com temperatura nula nos extremos
Cálculo da temperatura da barra com extremos mantidos a temperatura zero: a estratégia de Fourier
Separação de variáveis. Séries de Fourier
Método de separação de variáveis.
Soluções fatoradas da equação do calor.
Soluções fatoradas da equação do calor que satisfazem as condições de fronteira (1.18)
Estrutura do método de separação de variáveis
Séries de Fourier. Definição e exemplos
Definição da série de Fourier
Exemplos
Séries de Fourier
Convergência das séries de Fourier
Funções contínuas por partes e suaves por partes
O Teorema de Dirichlet
Séries de Fourier de senos e de cossenos
Funções pares e ímpares
Séries de Fourier de senos e de cossenos
Outros problemas de propagação do calor
Problemas com condições de fronteira homogêneas
Temperatura dada nos extremos
Barra com extremos termicamente isolados
Condições de fronteira não homogêneas
Temperaturas fixadas nos extremos da barra
Temperatura e fluxo fixados
Fluxo de calor fixado nos extremos da barra
A equação da onda
Um modelo de vibrações de uma corda
A corda com extremos fixados
Corda com velocidade inicial nula
A corda dedilhada
Vibrações da corda com posição e velocidade iniciais quaisquer
Harmônicos
*Matemática e música através da equação da onda
A fórmula de d'Alembert e suas consequências
Solução geral
Problema de valor inicial para a corda infinita
Resolução de problemas na corda finita com extremos fixados
Problemas com velocidade inicial nula
O problema com posição e velocidade iniciais arbitrárias
A equação da onda na história
A equação de Laplace
Generalidades sobre a equação
Alguns problemas de contorno
O problema de Dirichlet no retângulo
Resolução do problema ``básico''
Resolução do problema geral
O problema de Dirichlet em regiões circulares
Representação do problema em coordenadas polares
Problemas no anel
Problemas no círculo
A transformada de Fourier
A forma complexa das séries de Fourier
A transformadade Fourier e sua inversa
Propriedades da transformada de Fourier
O Princípio da Simetria
Translações e dilatações
Derivadas
A transformada de Fourier e a convolução
A convolução
A transformada de Fourier de algumas funções não integráveis
O método da transformada de Fourier
A equação do transporte simples
A equação do calor