Prévia do material em texto
Prezado (a) Acadêmico (a), bem-vindo (a) à UNINGÁ – Centro Universitário Ingá. Primeiramente, deixo uma frase de Só- crates para reflexão: “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida.” Cada um de nós tem uma grande res- ponsabilidade sobre as escolhas que fazemos, e essas nos guiarão por toda a vida acadêmica e profissional, refletindo diretamente em nossa vida pessoal e em nossas relações com a socie- dade. Hoje em dia, essa sociedade é exigente e busca por tecnologia, informação e conheci- mento advindos de profissionais que possuam novas habilidades para liderança e sobrevivên- cia no mercado de trabalho. De fato, a tecnologia e a comunicação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, diminuindo distâncias, rompendo fronteiras e nos proporcionando momentos inesquecíveis. Assim, a UNINGÁ se dispõe, através do Ensino a Distância, a proporcionar um ensino de quali- dade, capaz de formar cidadãos integrantes de uma sociedade justa, preparados para o mer- cado de trabalho, como planejadores e líderes atuantes. Que esta nova caminhada lhes traga muita experiência, conhecimento e sucesso. Reitor: Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira Pró-reitor: Prof. Me. Ney Stival Diretora de Ensino a Distância: Profa. Ma. Daniela Ferreira Correa PRODUÇÃO DE MATERIAIS Designer Educacional: Clovis Ribeiro do Nascimento Junior Diagramador: Alan Michel Bariani Revisão Textual: Letícia Toniete Izeppe Bisconcim / Mariana Tait Romancini Domingos Produção Audiovisual: Eudes Wilter Pitta / Heber Acuña Berger Revisão dos Processos de Produção: Rodrigo Ferreira de Souza Fotos: Shutterstock © Direitos reservados à UNINGÁ - Reprodução Proibida. - Rodovia PR 317 (Av. Morangueira), n° 6114 Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira REITOR UNIDADE 3WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................. 4 ABORDAGENS DO REAL ............................................................................................................................................ 5 O CONCEITO DE FILOSOFIA ..................................................................................................................................... 6 OS PRIMEIROS FILÓSOFOS: OS PRÉ-SOCRÁTICOS .............................................................................................. 6 OS SOFISTAS E A VERDADE RELATIVA ................................................................................................................... 8 SÓCRATES: IRONIA E MAIÊUTICA ........................................................................................................................... 9 PLATÃO E O MUNDO DAS IDEIAS .......................................................................................................................... 10 FILOSOFIA DE ARISTÓTELES .................................................................................................................................. 11 PENSAMENTO MEDIEVAL ..................................................................................................................................... 13 FILOSOFIA MODERNA ............................................................................................................................................. 15 FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA .............................................................................................................................. 19 UMA INTRODUÇÃO À FILOSOFIA PROF. ME. FLÁVIO DONIZETE BATISTA 01 4WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO Os fundamentos � losó� cos e históricos da educação, que constituem o que convenciona- mos chamar de Fundamentos da Educação, nos ajudam a compreender o fenômeno da educação na sociedade moderna em que vivemos, encontrando relações entre os diferentes períodos histó- ricos e concepções de pensamento e a realidade em que estamos inseridos. O estudo desses fundamentos nos ajudará a perceber que a educação não é um fenômeno neutro, mas sim o contrário, possuindo uma intencionalidade. Poderemos identi� car diferentes conceitos de educação e ainda, compreender que a educação não é uma prerrogativa da escola, e que ela ocorre em diferentes espaços sociais. Trata-se de um estudo com necessária atitude críti- ca, � losó� ca. 5WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA ABORDAGENS DO REAL O homem entra em contato com o mundo de diversas maneiras, dependendo das cir- cunstâncias e necessidades, bem como da cultura de que faz parte. Em geral, dentre as aborda- gens principais destacam-se a mítica, religiosa, artística, cientí� ca, � losó� ca e do senso comum. Tais abordagens não são necessariamente excludentes e podem inclusive coexistir. Maria Lúcia acrescenta que em alguém pode predominar uma ou outra, mas pode muito bem conviver com a presença de outras: um cientista pode ter elaborado conhecimento numa área especí� ca e não deixar de usar o senso comum na vida cotidiana quando educa seu � lho, ou ainda, pode recorrer à � loso� a para interpretar os fundamentos de determinado texto cientí� co (ARANHA, 1996, p.104). O nível de elaboração de cada abordagem varia historicamente e depende do tipo de cultura predominante. Entre povos tribais, o que predomina é o mito, com o uso do sobrenatural e do divino nas explicações dadas aos fenômenos da realidade. Quando as relações sociais se tornam mais complexas e a economia é incrementada, exigindo o contato com outros povos, a racionalidade se torna mais elaborada e crítica, o que reduz o poder do mito, delimitando-o mais a alguns setores da vida privada. Maria Lúcia escreve sobre uma mudança que ocorre quando se rompem as estruturas econômicas tribais: À medida que o mito deixa de ser uma forma abrangente de compreensão do real, o que acontece quando se rompem as estruturas econômicas tribais, o co- nhecimento se seculariza, isto é, deixa de ser predominantemente religioso. Po- de-se falar então de um saber menos mágico e mais racional, que busca fundar sua verdade na experiência de vida (ARANHA, 1996, p.104). Chamamos de senso comum esse tipo de conhecimento proveniente da experiência de um grupo social, que é transmitido por herança e que continua sendo levado a efeito pelos indiví- duos da comunidade. Algumas de suas características e ser fragmentário, difuso e, num primeiro momento, não questionado, pois é um conhecimento ametódico, assistemático. Há necessidade de se retomar criticamente esse conhecimento questionando os valores recebidos, para adequá- -los ou transformá-los a partir da análise de novas situações. Outra forma de abordagem do real é a ciência, que pode ser considerada relativamen- te nova, tendo surgido no século XVII, quando Galileu lançou as bases de um revolucionário método cientí� co. Com o recurso da experimentação e da matematização, foi possível à ciência delimitar os objetos a serem estudados, descobrindo as regularidades que permitiram estabelecer leis gerais e teorias nos fenômenos observados. As consequências de um saber tão rigoroso e elaborado não demoraram a se fazer sentir, com as transformações tecnológicas que mudaram a face do mundo. Diante das implicações de nosso estudo, vamos nos ater a uma dessas abordagens do real: aquela que nos permite realizar com a � loso� a. O que queremos é perceber em que medida esta pode nos ajudar a compreender o fenômeno da educação. 6WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA O CONCEITO DE FILOSOFIA A re� exão � losó� ca não é privilégio exclusivo de quem possui formação acadêmica em Filoso� a. Toda vez que sequestiona o “como” e o “porque” de seus pensamentos e de suas ações, já está, de certo modo, “� losofando”. Entre muitos povos antigos, essas especulações estavam tão misturadas às narrativas míticas que era quase impossível separar uma coisa da outra. Por isso, podemos dizer que a � loso� a, como pensamento que busca pensar a experiência humana de modo distinto do pensamento mítico, surgiu primeiramente entre os gregos. Filoso� a é uma palavra de origem grega (philos = amigo; sophia= sabedoria) e em seu sentido estrito designa um tipo de especulação que se originou e atingiu seu apogeu entre os gre- gos, e que teve continuidade com os povos ocidentais. Para entender que tipo de especulação é essa precisamos de� nir um pouco mais a própria � loso� a. Rezende busca essa de� nição citando Aristóteles: É, pois, evidente que a sabedoria [sophia] é uma ciência sobre certos princí- pios e causas. E, já que procuramos essa ciência, o que deveríamos indagar é de que causas e princípios é ciência a sabedoria. (...) àquele que conhece com mais exatidão e é mais capaz de ensinar as causas, consideramo-lo mais sábio em qualquer ciência. E, entre as ciências, pensamos que é mais sabedoria a que é desejável por si mesma e por amor ao saber, do que aquela que se procura por causa dos resultados (...). (REZENDE, 2010, p.11). Cada uma das características apontadas por Aristóteles mereceria um exame especial. Mas � xemo-nos em algumas delas. O saber � losó� co: 1) é uma saber “de todas as coisas”, um saber universal; 2) é um saber pelo saber; um saber livre, e não um saber que se constitui para resolver uma di� culdade de ordem prática; 3) é um saber pelas causas; o que Aristóteles entende por causa não é exatamente o que nós chamamos por esse nome; de qualquer forma, saber pelas causas envolve o exercício da razão, e esta envolve a crítica: o saber � losó� co é, pois, um saber crítico (REZENDE, 2010, p.12). OS PRIMEIROS FILÓSOFOS: OS PRÉ-SOCRÁTICOS A � loso� a surgiu na Grécia, por volta do século VI a.C., inicialmente em suas colônias (parte insular, com a Jônia e Magna Grécia) para depois se desenvolver na parte continental. A � loso� a nascente rejeitava as interpretações míticas que eram baseadas no sobrenatu- ral. Os primeiros � lósofos, chamados de pré-socráticos, buscavam explicar os fenômenos com elementos do próprio mundo natural, negando a interferência dos agentes divinos. Durante todo o século VI, foi sobre a phisis, o mundo natural, que se exerceu, sobretudo, a especulação racional dos gregos. Buscava-se construir uma cosmologia, um estudo do princípio de todas as coisas, para identi� car a ordem que garantiria o mundo ser do jeito que ele é. 7WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA Figura 1 - Mapa da Grécia antiga, coma indicação da origem dos principais � lósofos. Fonte: Avi (2016). Ao buscarem a racionalidade do universo, os � lósofos dessacralizam a natureza, isto é, retiram dela a dimensão do sagrado. A � loso� a surge, então como um pensamento re� exivo que busca a de� nição rigorosa dos conceitos, a coerência interna do discurso, a � m de possibilitar o debate e a discussão. Entre os � lósofos desse período, podemos destacar Tales, Parmênides e Heráclito, que apresentaram soluções racionais a questões que se colocavam quanto ao entendimento da reali- dade. Princípio de todas as coisas: arkhé. A principal indagação dos filósofos pré-socráticos era o movimento. Para os gregos, o conceito de movimento tem um sentido bem amplo, podendo signi- ficar mudança de ugas, aumento e diminuição, qualquer alteração substancial quando alguma coisa é gerada ou se deteriora. Então alguns se perguntavam: o que faz com que, apesar de toda mudança, haja algo na realidade que sempre permaneça o mesmo? Assim, sob a multiplicidade das coisas, eles buscavam a identidade, um princípio original e racional (em grego, arkhé). Nesse contexto, o termo princípio pode ser entendido como “origem” ou “fundamento”. (ARANHA & MARTINS, 2016, p. 28) No período clássico, os filósofos – sobretudo Aristóteles – se apropriaram das ideias de Parmênides para fundamentar e formular os princípios de lógica. Um deles é o princípio de identidade, em que “A=A”, ou seja, todo ser é igual a si mesmo. 8WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA OS SOFISTAS E A VERDADE RELATIVA Se no começo da � loso� a suas principais especulações eram a respeito da natureza (perí- odo cosmológico) e dos fenômenos físicos, no período clássico da � loso� a grega, quando Atenas era o grande centro cultural e intelectual do mundo, os � lósofos se voltaram cada vez mais para o estudo das dimensões ética e política da vida humana (período antropológico). A organização democrática da vida política grega exigia um conhecimento mínimo das leis e dos costumes, o que frequentemente levava a discussões acerca da ação humana em termos de bem e mal, certo e errado, justo e injusto. É no plano político que a razão, na Grécia, primeiramente se exprimiu, consti- tuiu-se e formou-se. A experiência social pode tornar-se entre os gregos o objeto de uma re� exão positiva, porque se prestava, na cidade, a um debate público de argumentos. O declínio do mito data do dia em que os primeiros sábios puseram em discussão a ordem humana, procuraram de� ni-la em si mesma, traduzi-la em fórmulas acessíveis à sua inteligência, aplicar-lhe a norma do número e da medida. Assim se destacou e se de� niu um pensamento propriamente político, exterior à religião com seu vocabulário, seus conceitos, seus princípios, suas vis- tas teóricas. [...] A razão grega é a de que maneira positiva, re� etida, metódica, permite agir sobre os homens, não transformar a natureza. Dentro de seus limi- tes como em suas inovações, é � lha da cidade (VERNANT, 2011, p.95). Uma das questões mais importantes desse período era o problema da verdade. Nos deba- tes públicos, frequentemente havia a divergência de opiniões, e as discussões, as trocas de ideias, em vez de resultarem em consenso, não rato acabavam acentuando as divergências. Diante des- sa situação, muitos pensadores atenienses, especialmente os pertencentes ao grupo dos so� stas, concluíam que a verdade, aquilo que todos anseiam conhecer, simplesmente não existe. Sendo incapazes de conhecer a verdade, deveríamos nos voltar para o domínio da opinião, que seria en- tão o máximo que nossa inteligência poderia alcançar. Em outras palavras, deveríamos abando- nar a pretensão de um conhecimento certo, total e objetivo e aceitar o fato de que o conhecimento humano é sempre duvidoso, parcial e subjetivo. A solução so� sta para o problema da verdade tem consequências éticas tremendas. Se não podemos ter certeza sobre o que quer que seja, então jamais poderemos a� rmar categori- camente que uma ação é boa ou má, moral ou imoral. Tudo se torna uma questão de ponto de vista. Está colocado o relativismo: ações como matar, mentir ou roubar podem ser consideradas boas se o sujeito que as pratica considerá-las boas. As noções de bem e mal, de certo e errado, esvaziam-se e, assim, mergulhamos no mais completo relativismo moral. Diante dos dilemas colocados pelos so� stas, muitos � lósofos gregos tentaram repensar o problema do conhecimento verdadeiro encontrar o fundamento da verdade signi� caria encon- trar também o princípio norteador de toda a ação moral. Inicialmente, falemos de Sócrates. Etimologia de Sofista: do grego sophistés, “sábio”, ou melhor, “professor de sa- bedoria”. Posteriormente, o termo adquiriu sentido pejorativo para denominar aquele que emprega sofismas, ou seja, alguém que usa de raciocínio capcioso, de má-fé, com intenção de enganar. Sóphisma significa “sutileza de sofista”. 9WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO| U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA SÓCRATES: IRONIA E MAIÊUTICA Sócrates (470-399 a.C.) era um homem feio, dizem. Mas exercia um grande fascínio sobre aqueles que o ouviam. Ninguém saía de uma conversa com ele sem algo de novo para pensar. Ja- mais escreveu qualquer obra. Interpelava os transeuntes, dizendo-se ignorante, e fazia perguntas aos que julgavam entender determinado assunto: “O que é a coragem e a covardia?”, “O que é a beleza?”, “O que é ajustiça?”, “O que é a virtude?”. Ao � nal, o interlocutor concluía que não conhe- cia tanto o quanto imaginava, sendo obrigado a reconhecer a própria ignorância sobre o assunto em questão. A discussão tomava então outro rumo, na tentativa de explicitar melhor o conceito. Esses dois momentos, que constitui o método socrático de fazer � loso� a, são chamados de ironia e maiêutica. A ironia socrática é fazer perguntas � ngindo não saber a resposta, sendo esse o sen- tido etimológico da palavra, para levar o interlocutor a se posicionar sobre o assunto, levando-a a � nalmente reconhecer sua ignorância. O momento da maiêutica, palavra grega que signi� ca fazer parto, signi� ca a ajuda de Sócrates numa espécie de parto de ideias, ou seja, ele conduz a pessoa na investigação do conceito, naquilo que será um novo conhecimento. O interessante, nesse método, é que nem sempre as discussões levam de fato a uma conclu- são efetiva, mas ainda assim trazem o benefício de cada um abandonar a sua opinião (em grego, dóxa), um conhecimento impreciso e sem fundamento. A partir daí, e possível abandonar o que se sabia sem crítica e atingir o conhecimento verdadeiro. Vemos, então, a oposição existente entre o pensamento so� sta e o pensamento � losó� co de Só- crates. Para os so� stas, o conhecimento era fruto da persuasão e do uso da retórica, a arte de convencer. Já para os � lósofos, a verdade deveria ser buscada de uma forma contínua, enriquecida pelo diálogo. A crítica socrática aos so� stas dirigia-se à sua prá- tica de discutir sem questionar, pois os so� stas não se prendiam à discussão dos conceitos e da essência de algo, mas apenas à manutenção da conduta e à complexidade de raciocínios que os afastavam do homem comum. Figura 2 – Sócrates. Fonte: Flores (2017). Por não ter deixado escrito algum, só podemos conhecer Sócrates de forma indireta, por meio de outros – tanto admiradores, como inimigos – que escreveram sobre ele. O princí- pio socrático, o de que somos capazes de alcançar um conhecimento verdadeiro das coisas, foi posteriormente desenvolvido por dois outros � lósofos importantes – Platão e Aristóteles – que viveram no século IV a.C. cada um deu uma solução para o problema da verdade e, consequen- temente, derivaram dessas soluções concepções � losó� cas diferentes. 10WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA PLATÃO E O MUNDO DAS IDEIAS A importância de Platão (428-347 a.C.) deriva, sobretudo, da teoria do conhecimento, que serve de base para a construção do seu sistema � losó� co. A problemática que move toda a teoria platônica do conhecimento se baseia na distinção entre duas ordens de seres: as ideias e as coisas. As coisas nos remetem a tudo aquilo que podemos perceber pelos sentidos, e pertencem ao mundo da mudança, das transformações. O puro pensamento, pelo contrário, permite-nos ter acesso a ideias imutáveis, como a ideia do bem, da verdade e da justiça. Para Platão, as ideias, sendo eternas, devem ser necessariamente superiores às coisas, que são transitórias. Em sua con- cepção, as ideias são seres perfeitos que existem por si mesmos desde sempre e para sempre. Elas habitam um mundo perfeito, chamado, por Platão, de mundo das ideias. As coisas, por sua vez, são seres degradados, cópias imperfeitas das ideias existentes no mundo das ideias. O verdadeiro conhecimento é o das ideias, que o homem consegue alcançar quando não se limita ao conhecimento sensível (das coisas), mas utiliza da razão para galgar níveis mais elevados de conhecimento. Platão utiliza a alegoria da caverna como metáfora para expor sua teoria do co- nhecimento. Conforme a descrição de Platão, pessoas estão acorrentadas desde a infância em uma caverna, de tal modo que enxergam apenas a parede ao fundo, na qual são projeta- das sombras, que eles pensam ser a realidade. Trata-se, entretanto, de sombras de mario- netes empunhadas por pessoas atrás de um muro, que também esconde uma fogueira. Se um dos indivíduos conseguisse se soltar das correntes para contemplar a luz do dia, os ver- dadeiros objetos, ao regressar à caverna seus antigos companheiros o tomariam por louco e não acreditariam em suas palavras. Figura 3 – Platão. Fonte: Rafael Sanzio (1510). Sair da caverna deixando as sombras para trás e ir ao encontro da luz do Sol representa a passagem dos graus inferiores do conhecimento aos superiores. A proposta platônica de busca do conhecimento é a de uma dialética: através do diálogo sair de um nível inferior de conhecimento (conhecimento sensível, mundo dos fenômenos) e atingir o nível mais elevado (conhecimento das ideias, mundo inteligível). O mundo sensível, percebido pelos sentidos, é o local da multiplicidade, do movimento; é ilusório, pura sombra do verdadeiro mundo. Por exemplo, mesmo que existam inúmeras abelhas dos mais variados tipos, a ideia de abelha deve ser uma, imutável, a verdadeira realidade. O mundo inteligível é alcançado pela dialética ascendente, que fará a alma elevar-se das coisas múltiplas e mutáveis às ideias unas e imutáveis. As ideias gerais são hierarquizadas, e no topo delas está a ideia do Bem, a mais alta em perfeição e a mais geral de todas – na alegoria cor- responde à metáfora do Sol. 11WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA Os seres, em geral, não existem senão enquanto participam do Bem. Como as ideias são a única verdade, o mundo dos fenômenos só existe na medida em que participa do mundo das ideias, do qual é apenas sombra ou cópia. Trata-se da teoria da participação, mais tarde duramen- te criticada por Aristóteles. Podemos perceber que, em Platão, há a divisão da verdade em dois elementos, o material e o imaterial. O primeiro, que se refere às coisas em si, captadas pelos sentidos, em sua existência física. O outro elemento, o imaterial, é o que utilizamos para dar sentido e valor a tudo aquilo que nos cerca. O conceito moral, a relevância social e o peso ético. FILOSOFIA DE ARISTÓTELES Dono de um saber enciclopédico, Aristóteles (384-322 a.C.) escreveu sobre quase todos os assuntos, examinando teorias das diversas escolas � losó� cas que o precederam na Grécia. Segundo ele, a � loso� a implica o abandono do senso comum e o despertar da consciência crítica que tem uma função libertadora para o homem. O abandono do senso comum se dá em virtude do espanto (admiração), e este é a origem do � losofar. Foi discípulo de Platão e, embora perma- neça � el a seu mestre em muitos e importantes aspectos de sua � loso� a, Aristóteles, desde sua mocidade, rejeita a Teoria das Ideias, alegando que ela não explica o movimento dos seres mate- riais e cria mais di� culdades do que resolve, segundo Rezende (2010, p. 71). Para ele, a realidade é exatamente aquilo que conhecemos por meio dos sentidos, e as ideias só existem na mente humana e não em um mundo separado e superior ao nosso, como acreditava Platão. REFLITA Vemos na imagem abaixo, uma parte da versão de Maurício de Souza sobre a Alegoria da Caverna de Platão. Quais seriam nossas “cavernas” modernas? O que nos impediria de ver o mundo como ele é, verdadeiramente? Como podemos sair de nossas “cavernas” atualmente? Veja a imagem completa em: https://livrepensamento.com/2014/02/11/o-mito-da-caverna-de-platao-em- -quadrinhos/ 12WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F ILOS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA A � loso� a é a ciência (episteme), isto é, o conhecimento necessário e universal, distin- guindo-se da opinião (doxa), que varia de acordo com as situações, os sujeitos e as mutações da realidade. Figura 4 - Aristóteles. Fonte: Jastrow (2006). Ao rejeitar a teoria platônica do mundo das ideias, Aristóteles corria o risco de não ad- mitir nada de permanente, uma vez que as coisas estão em perpétua mudança. Além disso, como explicar que possamos formar em nossa mente ideias gerais se o conhecimento vem dos senti- dos que nos apresentam unicamente coisas particulares? Aristóteles superou essas di� culdades a� rmando que as coisas, mesmo sendo particulares, possuem uma essência que é universal. Por exemplo: Maria, João, José e Ana são pessoas, seres humanos singulares. Mas há algo em comum entre eles: a sua humanidade. Enquanto os seres humanos nascem, crescem e envelhecem e mor- rem, a humanidade, que é comum a todos, permanece sempre a mesma. Segundo Aristóteles, portanto, adquirir ideias signi� ca conhecer justamente isto: a essência, aquilo que permanece diante das mudanças. Do ponto de vista � losó� co, é difícil encontrar qualquer pensamento posterior que, de uma forma ou de outra, não se remeta ao pensamento aristotélico, quer adotando-o como pres- suposto e fundamento, quer discutindo-o. Por sua gigantesca in� uência no domínio da ciência, da teologia, da estética como da política, a � loso� a de Aristóteles o coloca como, senão o maior, um entre os maiores pensadores da humanidade, de que a cultura ocidental é uma grande tribu- tária. Estudar Aristóteles é assim debruçar-se sobre as raízes culturais e � losó� cas de nosso modo de pensar e do mundo ocidental. REFLITA As inovações de Aristóteles: - A Filosofia não precisa abandonar este mundo, mas, ao contrário, é o conheci- mento da essência daquilo que existe em nosso mundo. - Não se pode pensar apenas em um Ser uno e não é a imutabilidade que garan- te a verdade ou não de um ser. - Os diferentes seres têm essências diferentes, e a mudança é o critério que as diferencia. 13WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA PENSAMENTO MEDIEVAL No � nal da Idade Antiga e em toda a Idade Média, ocorre o que denominamos Filoso� a Cristã que, em seu sentido histórico, refere-se à � loso� a in� uenciada pelo cristianismo. Predomi- nou no Ocidente, principalmente na Europa, no período do século I ao século XIV de nossa era. O problema central da Filoso� a Cristã é a conciliação das exigências da razão com a revelação divina. Compreende duas épocas: a primeira, que vai até o século V, conhecida como Patrística; a segunda, que vai do século X ao século XIV, e que corresponde à chamada � loso� a Escolástica. A Patrística resultou do esforço para conciliar a nova religião – o cristianismo – com o pensamento � losó� co dos gregos e dos romanos, a � m de convencer os pagãos da nova verdade e convertê-los a ela. A � loso� a Patrística liga-se, portanto à evangelização e à defesa da religião cristã contra os ataques que recebia, segundo Chauí (p. 59, 2017). Seus nomes mais importantes: Justino, Cle- mente, Tertuliano, Orígenes, São Gregório de Nazianzo, Santo Ambrósio e Santo Agostinho. Figura 4 - Santo Agostinho. Fonte: Benítez (2016). A Patrística introduziu ideias desconhecidas para os � lósofos greco-romanos: a de cria- ção do mundo a partir do nada, de pecado original do homem, de Deus como trindade uma (Pai, Filho e Espírito Santo), de encarnação e morte de Deus, de juízo � nal ou de � m dos tempos e ressurreição dos mortos, etc. Precisou, também, explicar como o mal pode existir no mundo, uma vez que tudo foi criado por Deus, que é pura perfeição e bondade. Com Santo Agostinho, foi introduzida a ideia de “homem interior”, isto é, da consciência moral e do livre-arbítrio da vonta- de, a� rmando que o homem, por ser dotado de liberdade para escolher entre o bem e o mal, é o responsável pela existência do mal no mundo, segundo Chauí (p. 60, 2017). Agostinho foi muito in� uenciado pela � loso� a de Platão, assimilando a concepção de que a verdade, como conheci- mento eterno, deveria ser buscada intelectualmente no “mundo das ideias”. Por isso defendeu o autoconhecimento, a caminho da interioridade, como instrumento legítimo para a busca da verdade. 14WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA O grande tema da � loso� a Patrística é o da possibilidade ou impossibilidade de conciliar a razão (que lida com demonstrações) com a fé (que lida com mistérios incompreensíveis, como três pessoas formando uma só, a morte de Deus por meio de Jesus, etc.). A � loso� a medieval do século VIII ao século XIV abrange pensadores europeus, muçul- manos e judeus. É o período em que a Igreja romana dominava a Europa, ungia e coroava os reis, organizava cruzadas à chamada Terra Santa e criava, à volta das catedrais, as universidades ou escolas. A partir do século XII, por ter sido ensinada nas escolas, a � loso� a medieval também é conhecida com o nome de Escolástica. A Escolástica não abandonou, em um pri- meiro momento, a � loso� a platônica. Mas, a partir do século XII, o aristotelismo penetrou de forma profunda no pensamento escolástico, marcando- -o de� nitivamente. Isso se deveu à descoberta de muitas obras raras de Aristóteles, desconhecidas até então, e à tradução para o latim de algumas delas, diretamente do grego. São Tomás de Aquino foi um dos responsáveis pela revitalização do pensamento aristotélico, em busca de argumentos que explicas- sem os principais aspectos da fé cristã. Assim, fez da � loso� a de Aristóteles um instrumento a serviço da solução dos problemas teológicos que enfrentava, ao mesmo tempo em que transformou essa � loso- � a em uma síntese original. Questões sobre o ser, a essência, o conhecimento, a existência de Deus, foram abordados por Santo Tomás com a utilização de conceitos aristotélicos. Figura 5 - São Tomás de Aquino. Fonte: Crivelli (1476). REFLITA Em vários aspectos, podemos dizer que o cristianismo não precisava de uma Filosofia, propriamente dita: 1. Sendo uma religião da salvação, seu interesse maior estava na moral, na prá- tica dos preceitos virtuosos deixados por Jesus com vistas a salvar os seres humanos dos seus pecados, e não em uma teoria sobre a realidade. 2. Sendo uma religião vinda do judaísmo, já possuía uma ideia muito clara do que era o Ser, pois Deus disse a Moisés: “Eu sou aquele que é, foi e será. Eu sou aquele que sou”. 3. Sendo uma religião, seu interesse maior estava na fé e não na razão teórica, na crença e não no conhecimento intelectual, na revelação e não na reflexão. Os cristãos se dedicaram à Filosofia, portanto, com o objetivo de converter os intelectuais gregos e os chefes e imperadores romanos (isto é, aqueles que estavam acostumados à Filosofia. (CHAUÍ, Marilena. Iniciação à Filosofia. São Paulo: Ática, 2017, p. 212) 15WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA FILOSOFIA MODERNA Algumas mudanças de ordem social, cientí� ca e religiosa permitem considerar o desen- volvimento de uma nova � loso� a a partir dos séculos XV e XVI, com características bem pe- culiares. As guerras de religião, a era dos descobrimentos, o surgimento de novos modelos de conhecimento, além de outros fatores, levou a buscar outras visões de mundo. Uma forte característica desses novos tempos foi a maior facilidade com que circulavam as informações de todo tipo. A invenção da imprensa, por João Gutemberg (1398-1468), compõe um quadro novo na disseminação do conhecimento. Obviamente não foi algo rápido e imediato, sendo necessários muitos séculos até que o hábito de ter livros em casa se tornasseamplamente difundido. No entanto, comparando a fabricação dos livros pela máquina inventada por Gutem- berg (a prensa) com as técnicas anteriores (os manuscritos ou cópias à mão em pergaminhos de pele de animal ou em papel caseiro), temos uma noção clara desse grande volume de circulação de informações nos séculos XV e XVI. Esses fatores permitiram considerar os séculos XV e XVI como um período de ampliação de horizontes para os europeus. Nesse movimento, a circulação de informações fez aumentar também o conhecimento de autores antigos e intensi� car o estudo não só da � loso� a e da teolo- gia, mas ainda da literatura, ciências e artes. Assim, há um sentido em falar de “Renascimento”, que está ligado à maior divulgação do patrimônio cultural antigo. Alguns pensadores “renascentistas” criam, então, o ideal do humanismo, ou seja, uma visão de mundo centrada no ser humano e com medidas humanas. Eles queriam enfatizar um modelo de ser humano universal, superior às diferenças culturais e ao mesmo tempo garantidor do valor de cada indivíduo. Podemos citar, também, a produção � losó� ca dos séculos XVII-XVIII, período conside- rado o auge da Modernidade, com o desenvolvimento de pelo menos quatro estilos que duram até hoje: o racionalismo, o empirismo, o Iluminismo e o materialismo. A variedade da produção � losó� ca moderna revela um dado comum aos autores do período: por mais que tenham suas raízes antigo-medievais, eles buscavam criar � loso� as inteiramente novas e, em maior ou menor grau, por ruptura com o passado. Na vertente humanista da Renascença, o Homem é a peça principal, agora ocu- pando o lugar antes impensável do próprio Criador. Este aspecto antropocen- trista se prolonga por pelo menos um século em toda a Europa Ocidental. Este movimento privilegia a Antiguidade Clássica, mas não se limita a reproduzir suas obras, o que reduziria sua importância. Seus seguidores recusavam radicalmen- te os valores medievais e para alcançar esse objetivo usavam a cultura greco- -romana como o instrumento mais adequado para a realização de suas metas. Além do Antropocentrismo, o Renascimento também introduz princípios hedo- nistas – a busca do máximo prazer no momento presente, como tesouro maior do Homem – e individualistas – a exaltação do indivíduo e de sua suprema liber- dade dentro do grupo social -, bem como o otimismo e o racionalismo. Fonte: Santana, Ana Lúcia. Disponível em: https://www.infoescola.com/movimentos-culturais/renascimento/ Acessado em janeiro de 2018. 16WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA Etimologia do termo Moderno: A palavra Moderno está relacionada aos termos latinos: modernus, que significa atual, pertencente aos nossos dias; modo, agora, de certa maneira; modus, me- dida, maneira. Os pensadores modernos viviam um misto de admiração pelas novidades, principal- mente as ciências, concebidas segundo o modelo renascentista, e o descontentamento com as explicações tradicionais. Acontecia a busca de formas mais seguras de conhecimento e de ação, para o que contribuía enormemente a herança dos � lósofos renascentistas e a nova concepção de conhecimento cientí� co baseada em modelos matemáticos. Uma refundação da � loso� a estava em curso. Diante das inúmeras novidades que os tempos modernos traziam, os � lósofos decidiram, de modo geral, apostar em um “projeto” que pusesse em primeiro plano aquilo que, acima de qualquer dúvida, caracterizava a experiência humana: o uso da razão. E a principal atividade da razão passa a ser também, a principal preocupação dos � lósofos: o conhecimento. Era necessário “conhecer o conhecimento”, investigar quais as reais possibilidades de conhecer e os reais mé- todos para pôr essa atividade em prática. O conhecimento é considerado a principal marca da � loso� a moderna. A primeira tarefa, e mais importante, para os � lósofos modernos era a justi� cação do tipo e do modo de conhecimento praticado. Tal preocupação está na raiz tanto do racionalismo como do empirismo, duas correntes � losó� cas típicas da modernidade. O racionalismo dá prioridade ao papel da razão na atividade de conhecer. O ser humano é dotado de consciência re� exiva, que lhe permite elaborar as informações captadas por meio dos cinco sentidos. O empirismo, por sua vez, dá prioridade ao papel dos cinco sentidos e entende a razão como um hábito desenvolvido pelo uso dos mesmos sentidos. Se o racionalismo a� rma a existência de uma capacidade humana (situada na alma) que possibilita a atividade dos cinco sentidos, o empirismo prefere a� rmar que a razão é apenas o nome do hábito gerado pela ativação dos sentidos. Vejamos dois expoentes de cada uma destas correntes: René Descartes (1596-1650), que viveu no século XVII, foi um dos mais in� uentes � ló- sofos racionalistas. Para esse pensador, a essência humana era o pensamento. Tanto assim que, para ele, o corpo e a alma seriam duas substâncias ab- solutamente distintas e independentes, sendo que o meu “eu” se identi� caria com a alma, mas não com o corpo. Descartes a� rmava que se para pensarmos não necessitamos de nada material, é porque o conhecimento, na verdade, não de- pende dos sentidos. Para esse � lósofo, as ideias humanas são inatas, isto é, já nascem conosco e só vão se manifestando a medida que vamos de- senvolvendo nosso intelecto. Figura 6 - Portrait of Rene Descartes. Fonte: Hals (1649). 17WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA Figura 7 - Bildnis von John Locke. Fonte: Kneller (1704). John Locke (1632-1704) critica as ideias inatas Descartes, a� rmando que a alma é como uma tábula rasa – tábua sem inscrições -, como um papel e branco. Por isso o conhecimento co- meça apenas com a experiência sensível. Se houvesse ideias inatas, as crianças já as teriam. Outro argumento contra o inatismo: a ideia de Deus não se encontra em toda parte, pois há povos sem essa representação, ou pelo menos, sem a representação de Deus como ser perfeito. O debate entre interpretações racionalistas e empiristas amplia-se do campo da teoria do conhecimento para os outros saberes, principalmente a Ética e a Política, tornando-se ambas áreas especí� cas da pesquisa � losó� ca. Racionalistas, como Descartes, defenderão que, pelo uso da razão é possível chegar a verdade no campo das emoções, da ação ética e da ação política. Uma razão bem desenvolvida poderia controlar os diversos aspectos da vida humana. Figura 8 - David Hume. Fonte: Ramsay (1766). Já empiristas, como David Hume (1711-1776), alertarão para o que eles consideravam as “ilusões” da razão e preferirão tomar como fontes de compreensão da vida humana aquilo que, segundo eles, era evidente: o papel das sensações (o conhecimento obtido por meio dos cinco sentidos) e das paixões ou emoções. Na re� exão ética, portanto, a razão seria vista de modo mais adequado se fosse posta em seu lugar, não como controladora das emoções, mas como sua serva ou, no mínimo, como sua aliada � el. 18WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA Figura 9 - Immanuel Kant. Fonte: Becker (1767). Em consequência direta do debate entre racionalismo e empirismo, surge outra corrente � losó� ca, interessada em levar até o � m a análise das possibilidades e dos limites do conhecimen- to humano. Trata-se do criticismo, ou também conhecida, � loso� a transcendental de Immanuel Kant (1724-1804). Vendo razões no pensamento racionalista de Descartes e na atitude empirista de Hume, Kant procura conciliá-las e oferecer uma concepção mais adequada da razão humana. Ele concorda com Descartes quando este a� rma que a razão tem um papel fundamental na orga- nização dos dados oferecidos pelos sentidos, pois estes, sozinhos, não produzem conhecimento. Porém,sem as informações captadas pelos sentidos, a razão não teria material para elaborar. Nisso, Hume tinha razão. Kant elabora, então, uma concepção do conhecimento como atividade de uma estrutura universal, presente em todos os seres humanos (a estrutura da subjetividade transcendental, quer dizer, estrutura cognitiva dada sempre que existe um ser humano) e operan- te sobre os dados da sensibilidade (cinco sentidos). O trabalho de Kant separa, de um lado, aquilo que pode ser conhecido de modo seguro, cientí� co, com base no conhecimento, e, de outro, aquilo que não pode ser conhecido de modo cientí� co (embora, pela atividade da razão, possa fazer algum sentido para os indivíduos e os grupos). Segundo Kant, o que pode ser conhecido é somente aquilo que é captado inicialmente pelos sentidos, pela experiência sensível. Kant e o Criticismo Sua Filosofia é chamada criticismo porque, diante da pergunta “Qual é o verda- deiro valor dos nossos conhecimentos e o que é conhecimento?”, Kant coloca a razão em um tribunal para julgar o que pode ser conhecido legitimamente e que tipo de conhecimento é infundado. Segundo o próprio Kant, a leitura da obra de Hume o despertou do “sono dogmático” em que estavam mergulhados os filósofos que não questionavam se as ideias da razão correspondiam mesmo à realidade. (ARANHA & MARTINS, 2016, p. 130) 19WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA São os fenômenos aquilo que não pode ser captado pelos sentidos, chamado de númeno, pode até ser pensado, mas não pode ser conhecido efetivamente, pois o conhecimento humano limita-se ao campo da experiência. Exemplos de númenos apresentados por Kant: Deus, alma e � nitude. Vale dizer que ao a� rmar que estas ideias escapam das condições de possibilidade do conhecimento, Kant não negou a existência de Deus e da alma ou da � nitude do mundo. O que ele fez foi demonstrar que não é possível um conhecimento cientí� co sobre a existência ou não de Deus, a imortalidade ou não da alma e a in� nitude ou � nitude do mundo. De certo modo, Kant rejeitou a maneira como essas ideias estavam sendo tratadas pela � loso� a, segundo Chauí (2016, p. 226). A ênfase na luz da razão fez com que as � loso� as produzidas no século XVIII recebessem o nome de Iluminismo. Trata-se de uma con� ança irrestrita no poder da razão para explicar a experiência humana. Chegou-se mesmo a crer que o ser humano pode se aperfeiçoar pela razão a ponto de progredir sempre e encontrar a felicidade ética e política. A crença num progresso sem � m ou na perfectibilidade do ser humano levou também à distinção entre Natureza e Cultura: a Natureza ou o mundo físico-químico-biológico seria o campo da necessidade, das leis � xas; a Cultura ou a civilização seria o campo propriamente humano, lugar da autoconstrução e da liberdade. FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA A contemporaneidade nasceu de uma problematização do “projeto” moderno de � loso- � a. Do ponto de vista histórico, acontecimentos como a Revolução Industrial, no � m do século XVIII e início do século XIX, e a passagem do capitalismo comercial e pré-industrial (típicos dos séculos XV a XVII) ao capitalismo industrial e � nanceiro acarretaram mudanças profundas na organização socioeconômica e cultural. Do ponto de vista da � loso� a, alguns elementos faziam pensar em uma nova era. Esses elementos consistiam no trabalho de autocrítica que a própria razão começava a desenvolver. A primeira forma de autocrítica que se descola do “projeto” moderno foi a dos autores pertencentes ao Romantismo. Discordando diretamente do pensamento iluminista, os român- ticos consideravam um imperdoável estreitamento de horizonte o fato de associar a razão com o modelo cientí� co. Em outras palavras, considerar que uma pesquisa racional ou “verdadeira” seja apenas aquela construída segundo os padrões da ciência equivaleria a uma decisão de fechar os olhos para algo óbvio: há outras fontes de sentido para a experiência humana (como a arte e a religião); nada justi� caria deixar essas fontes de lado quando se trata de conhecer o mundo e exprimi-lo. Etimologia de Fenômeno e Númeno Fenômeno: do grego phainómenon, “aparência”, “o que aparece para nós”. Númeno: do grego noumenon, “o que é pensado”. Kant usa o termo para desig- nar “a coisa em si”, em oposição a “fenômeno”. 20WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA Uma das críticas mais duras ao “projeto” moderno vieram de � lósofos como Georg W. F. He- gel (1770-1831), que propôs um tipo de trabalho � - losó� co como “consciência da consciência”, ao qual ele deu o nome de fenomenologia. Algumas décadas depois, outro � lósofo se servirá dessa palavra e dará uma visão semelhante da � loso� a como “consciên- cia da consciência”, chegando, porém, a conclusões bastante diferentes daquela de Hegel. Trata-se de Edmundo Husserl (1859-1938), que, mesmo sen- do um leitor atento de Descartes e Hume, produziu uma crítica explícita do “projeto” moderno. Figura 10 - Friedrich Hegel. Fonte: Schlesinger (1825). No dizer de Husserl, era um equívoco fazer a � loso� a seguir o ritmo das ciências, pois as ciências partem de pressupostos que somente a � loso� a pode esclarecer. Noções como a de maté- ria, espaço, força, causa etc. são usados por cientistas, mas sem um exame radical do seu sentido. Cabe à � loso� a analisá-las; ela possui, então, uma especi� cidade que merece ser respeitada, a de re� etir criticamente sobre o que é pressuposto pelas ciências. Inverter essa relação e obrigar a � loso� a a seguir o modelo das ciências equivaleria à morte da re� exão � losó� ca. É importante destacar também a atenção dada à historicidade das organizações sociais e do pensamento, o que levará a uma nova perspectiva dessa crítica ao “projeto” moderno. Levanta-se a hipótese de que o modo de os humanos viverem depende das condições externas ou do momento histórico em que elas se encontram. O próprio pen- samento, dessa perspectiva, seria in� uenciado por tais condições. Figura 11 - Edmundo Husserl. Fonte: Google Images (2017). Karl Marx (1818-1883) a� rma que o pen- samento é resultado das condições materiais da existência, ou seja, de tudo aquilo que os indivídu- os dispõem para sobreviver. Isso signi� ca que não é o pensamento que constrói a história, mas são as condições históricas que produzem o pensamento humano. Alguns � lósofos do século XX, como Max Horkheimer (1895-1973), Herbert Marcuse (1898- 1979) e � eodor Adorno (1903-1969), membros das escolas de Frankfurt, continuarão o trabalho de Marx e o aplicarão ao tratamento de temas típicos da vida no século XX. Figura 12 - Karl Marx. Fonte: Mayal (1875). 21WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA Figura 13 - Principais representantes da Escola de Frankfurt. Fonte: Abdo (2017). Há, também, o questionamento feito por muitos � lósofos em relação à objetividade cien- tí� ca, pois, por trás desta, muitas vezes, há visões parciais ou subjetivas, sem mencionar os inte- resses econômicos e políticos. O tema da produção dos dados cientí� cos tornou-se um objeto de pesquisa central para a contemporaneidade, especialmente na área conhecida como � loso� a da ciência. Os pensadores da Escola de Frankfurt, procederam a análises detalhadas dos mecanis- mos históricos pelos quais se articula com o poder. Debruçaram-se ainda sobre a arte, a religião, as tecnologias e os meios de comunicação, revelando a dependência das formas culturais (e dos saberes em geral, inclusive das ciências) para com as contradições vividas em cada momento presente. Outros � lósofos, diante da ênfase na historicidade da razão, observarão que certas ex- periências humanas não são explicáveis apenas em termos de in� uência do meio oude cada momento presente. Eles constituem pelos menos duas atitudes � losó� cas distintas. Uma delas identi� ca, na base ou nos fundamentos da razão humana, pressupostos universais que precedem o próprio exercício racional em todos os tempos e lugares. Essa atitude � losó� ca defenderá que todas as coisas têm um modo de se mostrar a nós e que isso não depende das circunstâncias his- tóricas. Trata-se da fenomenologia de Husserl. A segunda atitude procura ligar a fenomenologia à recuperação do papel da História na constituição da experiência humana, como fez, por exem- plo, Martin Heidegger (1889-1976). Heidegger questionava o modo como a razão foi concebida a partir de Sócrates e defendia a necessidade de recuperar uma existência atenta ao modo de ser do mundo, sem a interferência de explicações que ocultam esse modo de ser. Ele denunciava ainda a maquinização da razão humana na contemporaneidade ou a sua transformação em algo de procedimento puramente mecânico e voltado para o “fazer” coisas. Figura 14 - Martin Heidegger. Fonte: Linker (2009). 22WWW.UNINGA.BR FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 1 ENSINO A DISTÂNCIA Em uma linha semelhante de recuperação da História no interior do pensamento, vemos Jean-Paul Sartre (1905-1980) enfatizando o ser humano como doador de sentido para a existên- cia e construtor de seu próprio destino. Daí Sartre ser considerado como um dos maiores repre- sentantes da atido � losó� ca chamada de existencialismo e iniciada já no século XIX, por Soren Kerkegaard (1813-1855). Nos limites desta apresentação resumida, é impossível retratar a inesgotável riqueza de formas � losó� cas no decorrer da contemporaneidade. Mas é possível perceber que uma de suas principais marcas é fazer a razão pôr a si mesma em questão, sobretudo pela análise crítica da razão “moderna”. O ganho do autoquestionamento da razão é enorme; e a própria multiplicidade de � loso� as e correntes � losó� cas é uma prova disso. Figura 15 - Jean-Paul Sartre. Fonte: Penelope (2016). UNIDADE 23WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................... 25 A MODERNIDADE, O NASCIMENTO DA NOÇÃO DE INFÂNCIA E A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO ..................... 26 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO MODERNA E NOVA CONCEPÇÃO EPISTEMOLÓGICA ............................................ 27 A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO ILUMINISTA: RENÉ DESCARTES ...........................................................................27 A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO ROMÂNTICA: JEAN-JACQUES ROUSSEAU .......................................................... 29 POSITIVISMO .......................................................................................................................................................... 30 MATERIALISMO DIALÉTICO ................................................................................................................................... 32 FILOSOFIA E EDUCAÇÃO PROF. ME. FLÁVIO DONIZETE BATISTA 02 24WWW.UNINGA.BR FENOMENOLOGIA ....................................................................................................................................................35 EXISTENCIALISMO ................................................................................................................................................. 36 ESTRUTURALISMO .................................................................................................................................................. 37 PRAGMATISMO ....................................................................................................................................................... 38 FILOSOFIA ANALÍTICA ............................................................................................................................................ 39 25WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 INTRODUÇÃO Criança sempre existiu, mas a infância não. O mundo pré-moderno não conheceu pro- priamente, a noção de infância da forma como a temos hoje. Não havia uma construção da crian- ça a partir de uma literatura infantil, a partir da de� nição de um lugar próprio onde para as crian- ças viverem e serem educadas etc. Podemos perceber isso nas obras de arte que representavam a criança não como criança, mas como um adulto em miniatura. Todo esse cenário, no entanto, aproximadamente a partir do século XV, começou a mudar radicalmente. A partir do contexto dos novos tempos da modernidade, os intelectuais começaram a di- zer que as crianças deveriam ser tratadas diferente dos adultos, por serem diferentes dos adultos. Um novo sentimento em relação às crianças passa ser construído, um sentimento de cuidado, de cultivo da vida da criança. A infância passa a ser vista como uma fase natural e necessária à vida do ser humano; uma fase que, para o bem do ser humano, deve ocorrer. A infância surge como uma época especial da vida dos homens e mulheres – uma fase natural à existência humana, mas que precisa de um ambiente histórico-social para se realizar. Para que a infância acontecesse, as crianças deveriam ser postas em um lugar especial: a escola. Uma ligação especial passou a ser criada: entre a criança e um determinado adulto: o professor. Este deveria, na escola e pela escola, garantir a infância às crianças. Figura 1 - As crianças como pequenos adultos. Fonte: Google Images (2017). 26WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 A MODERNIDADE, O NASCIMENTO DA NOÇÃO DE INFÂNCIA E A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO Na sua gênese, a noção de infância se apresentou oscilando entre duas con� gurações bá- sicas. Essas con� gurações determinaram as características dos professores e do ambiente escolar e, de certo modo, com a ajuda da � loso� a, impuseram ou pelos menos regraram as � nalidades da educação. Em uma primeira con� guração, a infância é vista como uma fase negativa. Que deve ocor- rer sim, mas que deve passar, dando espaço ao aparecimento do adulto enquanto a antítese da criança. A infância é a época da rebeldia e por isso a criança deve ser conduzida da heteronomia à autonomia por meio de regras exteriores, postas pelo adulto. A autonomia e a individualidade nascem “de fora para dentro”. Nesse caso, o professor é um disciplinador no sentido tradicional da palavra. A escola, um ambiente de formação e conformação. A � nalidade da educação é fazer com que a fase negativa da infância passe brevemente e possibilite ao homem surgir a partir das regras do homem (adulto) sobre o homem (criança) – ou seja, que o homem possa vir a surgir da criança, negando-a. Em uma segunda con� guração, a infância é vista como uma fase positiva, que deve não só ocorrer mas também ser prolongada, de modo a poder contaminar o homem que dela deve surgir. A infância é criatividade e pureza, e se a disciplina deve aparecer, deve vir como autono- mia tirada “de dentro para fora”. O professor, nesse caso, é companheiro de viagem. A escola, um ambiente natural propiciador das melhores experiências. A � nalidade da educação é fazer com que a fase positiva da infância permaneça ao longo da vida adulta, no que ela tem de bom, ou seja, que o homem (adulto) venha a materializar-se a partir do interior do homem (criança), mantendo em seu íntimo o verdadeiro humano que existia na criança. As visões da infância estão intimamente ligadas com as posições � losó� cas elaboradas no início dos tempos modernos. Do resultado da relação dessas posições � losó� cas com as � nali- dades da educação, postas por essas con� gurações, nasceram pelo menos duas grandes � loso� as da educação: a de René Descartes ea Jean-Jacques Rousseau. Essas concepções � losó� cas não apareceram apenas como ligadas exteriormente a tais con� gurações, mas ajudaram efetivamente na formulação conceitual dessas con� gurações de infância e de educação e, mais que isso, de cer- to modo passaram a se colocar como fundamentadoras dos discursos pedagógicos articulados a essas con� gurações. As � loso� as elaboradas por Descartes e Rousseau, bem como as tradições que elas origi- naram, podem ser consideradas � loso� as da educação por duas razões: a) Pretenderam fundamentar todo e qualquer saber e, nesse sentido, também o saber pedagógico, a própria pedagogia moderna. b) Determinaram o caminho da “busca da verdade” (a� nal, a “busca da verdade” é, como sabemos, a tarefa tradicional da � loso� a) como um percurso necessariamente � losó� co-pedagó- gico, isto é, como algo que deveria ser seguido por aqueles que se educam e deveria ser preserva- do por aqueles que pretendem educar; trata-se da ideia de � losofar e como isso se educar para se tornar um sujeito moderno – o indivíduo autônomo -, ou seja, uma pessoa que é consciente de seus pensamentos e tem a responsabilidades sobre seus atos. 27WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO MODERNA E NOVA CONCEPÇÃO EPISTEMOLÓGICA A transição do pensamento � losó� co antigo para o pensamento � losó� co moderno – nos séculos XVII e XVIII – também é chamada de “virada epistemológica”. De certa forma, essa virada pode ser compreendida como valorização das questões ligadas à teoria do conhecimento, à epistemologia. A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO ILUMINISTA: RENÉ DESCARTES Descartes, diante da percepção de tudo o que conhece necessita de solidez, lança-se ao propósito de só aceitar como verdadeiro aquilo que lhe parecer de fato, claro e distinto. Conven- ce-se de que é preciso abandonar tudo e começar um processo – que é � losó� co e pedagógico ao mesmo tempo – de busca de um conhecimento verdadeiro. Precisa encontrar as bases sólidas do conhecimento. Considerando que tudo que ele sabe está no seu pensamento e que tudo que está no seu pensamento ou veio dos sentidos ou é inato, e ainda considerando que os sentidos nem sempre são con� áveis, pois eles não raro nos enganam, Descartes inicia seu projeto de duvidar de tudo o que há em seu pensamento partindo da descon� ança sobre os sentidos. Através de uma série de pensamentos, Descartes chega a uma primeira verdade: Penso, logo, existo. Poderia du- vidar de tudo, menos de uma coisa: de que existe pelo fato de estar pensando. REFLITA Lembremos que o pensamento filosófico moderno, quase todo ele, é um pensa- mento voltado para a necessidade de explicar o conhecimento e fundamentá-lo, a partir da compreensão da relação “sujeito-objeto”, a relação entre aquele que conhece e o que é conhecido. Ao mesmo tempo, os filósofos modernos procu- ram estabelecer em que circunstâncias é possível o conhecimento verdadeiro, confiável, aceitável; e elaboram métodos pelos quais esse conhecimento verda- deiro poderia ser alcançado por qualquer pessoa. Explicar o conhecimento é, então, mostrar como ele ocorre no sujeito. Fornecer uma explicação sobre o conhecimento e seus fundamentos é explicar melhor a “relação sujeito-objeto”, que se torna questão por excelência da filosofia. 28WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 COGITO, ERGO SUM. Duvidando de tudo, Descartes só interrompe a cadeia de dúvidas diante do seu próprioser que duvida ao alcançar sua primeira intuição: cogito, ergo, sum (pen- so, logo, existo). Veja o trecho que ele escreve em sua obra Discurso do Método: “[...] enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria neces- sariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, notando que esta verdade eu penso, logo existo era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de a abalar julguei que podia aceita-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio da filosofia que procurava”. (ARANHA & MARTINS, 2016, p. 123) Essa primeira verdade traz consigo o critério básico de verdade: a certeza que ela fornece pode servir de critério para outras verdades. Assim, Descartes encontra a verdade e seu critério básico, a certeza, e como isso, ligando a verdade à certeza, põe a primeira na dependência desta instância chamada pensamento subjetivo, o cogito cartesiano. Nesse caso, o saber e as ciências como saber verdadeiro vão estar assentados no eu, isto é, assentadas em um sujeito que se carac- teriza por possuir um núcleo permanente: o cogito. Entendendo que a alma não está alojada no corpo como um piloto em seu navio, Descar- tes vê o homem vivente, empírico, como uma mistura entre corpo e alma. É por ser esta mistura, segundo Descartes, que o homem está imerso no erro. O fato de a alma estar fundida ao corpo coloca o homem na dependência dos sentidos, da imaginação, turvando a sua razão e impedin- do-o de colocar-se como puro sujeito, como pura coisa pensante (res cogitans). Descartes, em sua obra Meditações, apresenta um caminho � losó� co e pedagógico para a chegada ao podium onde o prêmio é a conquista da verdade na medida em que o homem, ao completar esse caminho, ele- va-se à condição de puro sujeito do conhecimento – de puro sujeito epistemológico. Descartes vê um certo escândalo na condição humana: que o homem comece por ser criança. Ele entende que o fato de termos sido crianças nos manteve durante muito tempo sob o governo de apetites e preceptores – o corpo e a cultura -, de modo que, uma vez adultos, nossos juízos não são tão puros e tão sólidos quanto seriam se tivéssemos tido o uso de nossa razão por inteiro desde o nascimento e se tivéssemos sido conduzidos só por ela. A primeira e principal causa de nossos erros são os preconceitos de nossa infância, diz Descartes nos Princípios de Fi- loso� a. Temos, então, de substituir a criança pelo homem. A infância seria um estado originário, com valor meramente histórico, de recalque da razão. REFLITA Para Descartes, não é pela história que o homem abandonaria sua condição infantil chegando à idade adulta, mas sim pela filosofia que, na ascese peda- gógica das Meditações, faz dessa cidadela chamada subjetividade o campo no qual a razão, finalmente, pode governar sozinha e, então, se autopremiar com a verdade. 29WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 Temos aqui a instauração de um programa iluminista, cuja efetivação levaria ao “desen- cantamento do mundo”, tarefa da razão – maneira pela qual tantos pensadores descreveram a modernidade. Não efetivar esse projeto seria, para Descartes, a derrota da � loso� a e do homem. A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO ROMÂNTICA: JEAN-JACQUES ROUSSEAU Por mais que esse projeto moderno também esteja em Rousseau, este encontra outro tipo de fundamento, outro tipo de subjetividade, por meio de um caminho � losó� co especí� co, gerando uma proposta pedagógica distinta. Para Rousseau, o que importa, como para Descartes, é o amor à verdade como atividade nuclear da � loso� a; e, como para Descartes, ele só quer se satisfazer com a admissão do que é evidente. No entanto, se para Descartes a evidência é algo exclusivamente intelectual, Rousseau, por sua vez, coloca a evidência em dependência do que ele entende ser a “sinceridade do coração”. Tendo seu critério como sendo o assentimento do coração, a verdade não encontra porto seguro em um sujeito epistemológico, de� nido de modo restrito e convencional, mas na pessoa, na me- dida em que a verdade é avaliada por uma subjetividade – uma consciência moral – organizada à base dos sentimentos. Em Rousseau a verdade é avalizada pelo coração, e se no coração não há perversidade ori- ginal – como elede fato a� rma com a frase “o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe” -, então a subjetividade íntima melhor se apresenta na infância; e eis então que, ao contrário de Descartes, para quem a infância é uma ameaça à � loso� a, com Rousseau ela é condição essencial para o desenvolvimento da � loso� a como tarefa da busca da verdade. A � loso� a da educação tipicamente iluminista, herdeira do cartesianismo, deseja que todo homem possa ser, diante do conhecimento, sujeito. O sujeito, nesse caso, é uma estrutura universal capaz de acessar ou conter a verdade evidente. A � loso� a da educação romântica, de- fendida por Rousseau, quer ver o homem como pessoa harmoniosamente desenvolvida, capaz do autêntico sentimento de verdade. REFLITA O homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe. Para Rousseau, as crianças são boas e transparentes em seus pensamentos e emoções, mas, à medida que crescem, vão tomando mais contato com os adul- tos ou com crianças mais velhas e vão aprendendo sobre a mentira, a calúnia, o desprezo e todos os demais vícios que envenenam a alma humana. Do ponto de vista pedagógico, Rousseau propõe uma educação mais em sintonia com a natureza de modo que o ser humano possa desenvolver ao máximo suas poten- cialidades sem comprometer a retidão de seu caráter e a pureza de sua alma. 30WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 POSITIVISMO A � loso� a positivista surgiu no século XIX, inspirada principalmente por dois fatores: o iluminismo e a revolução industrial. Ao valorizarem igualmente a razão e o progresso da hu- manidade, os positivistas davam continuidade ao ideário iluminista, de progresso contínuo da humanidade, com níveis cada vez mais altos de desenvolvimento social e cultural. No � nal do século XVIII e início do século XIX, surgiram novas tecnologias, como a má- quina a vapor, novos materiais, como o aço e o concreto armado, e novas formas de organização do trabalho. Isso produziu um impacto profundo na mentalidade das pessoas da época. O ser humano se tornava “senhor da natureza”, adaptando o mundo ao seu redor de acordo com suas necessidades. O � lósofo Augusto Comte, pensador francês da primeira metade do século XIX, marcou o início da � loso� a positivista. Segundo esse autor, as sociedades humanas estão em contínuo processo de evolução, no qual elas passam necessariamente por três estados: teológico, metafísico e positivo. No plano educacional, o positivismo valoriza a disciplina pois entende que é a partir da “ordem” que a sociedade pode avançar rumo “ao progresso”. Além disso, do mesmo modo como a sociedade passou pelos três estágios apresentados, também cada ser humano, ao longo de seu de- senvolvimento, conhece esses três estágios. Assim, as crianças são mais inclinadas a explicações mítico-religiosas, envolvendo fadas e personagens semelhantes; os adolescentes são mais ques- tionadores, indicando sua propensão à metafísica; mas é na idade adulta que o ser humano se apresenta maduro, buscando explicações cientí� cas para os problemas. Desse modo, a cada idade deve corresponder uma educação adequada. O ideal é formar o espírito cientí� co nos jovens, de modo a superar a superstição e o irracionalismo ainda presente na sociedade. A lei dos três Estados, de Auguste Comte. Estado Teológico: as explicações dos fenômenos supõem uma causalidade so- brenatural. Os fenômenos da natureza, a origem dos eres e os costumes são explicados pela ação dos deuses. Estado Metafísico: noções abstratas e absolutas substituem as anteriores, na tentativa de explicar a origem e o destino do Universo. Na metafísica aristotélica, por exemplo, a queda dos corpos é explicada pela essência dos corpos pesados, cuja natureza os faria “tender para baixo”, para o seu “lugar natural”. Estado Positivo: é decorrente do desenvolvimento das ciências modernas, le- vando à superação das ilusões teológicas e metafísicas. O conhecimento das relações invariáveis dos fatos é obtido por meio da observação e do raciocínio, que visam alcançar leis universais. Para Comte, o termo positivo designa o real em oposição ao quimérico, a certeza em oposição à indecisão, o preciso em opo- sição ao vago. Portanto, o estado positivo corresponde à maturidade do espírito humano, objetivo de toda educação daí em diante, segundo Martins & Aranha (2016, p. 134). 31WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 Entre os muitos seguidores de Comte, está Émile Durkheim (1858-1917), fundador da escola francesa de sociologia. Embora não seja conhecido especi� camente como � lósofo, e sim como sociólogo Durkheim é importante para a � loso� a pelo fato de ser o principal representante da corrente funcionalista, um desdobramento moderno do positivismo. Para Durkheim, os fatos sociais devem ser estudados como coisas. Em outras palavras, o pesquisador deve colocar de lado seus preconceitos e estudar os fenômenos ocorridos nas sociedades humanas quase do mesmo modo como analisa um fenômeno da física e da biologia. Argumenta que a sociedade, mesmo sendo formada a partir de indivíduos, é algo mais de que a soma deles. Assim como em um ser vivo cada órgão cumpre uma função sem se confundir com a totalidade do organismo, o comportamento e a personalidade do indivíduo não se confun- dem com o comportamento e a personalidade do grupo social ao qual esse indivíduo pertence. Durkheim dedica muita atenção à educação, pois é por meio dela que os indivíduos to- mam contato com o conjunto de conhecimentos, valores e normas válidas em uma sociedade, que são inculcados em todos os membros da sociedade. A obra de Durkheim foi escrita em uma perspectiva funcionalista, que enfatiza os meca- nismos pelos quais a sociedade busca superar os con� itos e atingir a integração social. Por causa disso, é visto como um intelectual conservador, principalmente em contraste com Marx e Engels, que ressaltam o papel do con� ito nas transformações sociais. Contudo, não podemos negar no autor um pensamento de caráter bastante humanista. Para Durkheim uma compreensão cientí- � ca da sociedade torna possível transformá-la para melhor. Além disso, Durkheim exerceu uma importante liderança intelectual em seu tempo e, com suas ideias, in� uenciou profundamente gerações de sociólogos. O positivismo e o funcionalismo foram e ainda são correntes � losó� cas imensamente in� uentes nas teorias e práticas educacionais. A valorização do conhecimento cien- tí� co e suas consequentes implicações para o currículo são, talvez, os mais importantes legados positivistas para a educação escolar. As teorias pedagógicas de Durkheim estão intimamente associadas a uma con- cepção que atribui a primazia do social em detrimento do individual. Um dos estudos mais importantes de Durkheim que serve como exemplo nesse sentido é sobre o suicídio. Por mais que ele seja um ato individual é, em grande medida, determinado pela sociedade. Ele percebe que a taxa de suicídios é maior nas so- ciedades em que existe menor coesão social, o que faz pensar que a integração do indivíduo ao meio em que vive, o protege em certa medida contra as crises existenciais que geralmente levam as pessoas ao suicídio. REFLITA Há, ainda, um caráter a ser considerado: o papel tecnicista e conservador no positivismo. A supervalorização da ciência em detrimento das humanidades, que foram descartadas como anticientíficas ou pré-científicas, e uma abordagem que acaba favorecendo os interesses das classes dominantes, interessadas na conservação da ordem e na ausência do conflito como forma de manter a do- minação sobre as classes subalternas. 32WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 MATERIALISMO DIALÉTICO A revolução industrial traz em seu contexto uma série detransformações sociais, econô- micas e tecnológicas: novos materiais, novas formas de energia e generalização do trabalho assa- lariado. Embora a revolução industrial tenha aumentado imensamente a produção de riquezas, a desigualdade social se intensi� cou: baixos salários, longas jornadas de trabalho, insalubridade dos ambientes industriais, trabalho infantil, etc. Diante dessa situação, diversos pensadores inti- tulados socialistas, buscavam encontrar soluções para melhorar as condições de vida e trabalho das classes menos favorecidas. Para Marx e Engels, a contínua exploração do trabalho assalariado levaria a sociedade capitalista a uma crise sem precedentes. Chegando a esse ponto, ocorreria necessariamente uma revolução proletária, que substituiria o governo tradicional, instrumento da classe dominante por um governo dos trabalhadores. Porém, progressivamente, esse governo proletário também desapareceria, dando origem a um novo tipo de sociedade, na qual todos seriam livres e não ha- veria distinções de classes. Segundo a interpretação desses � lósofos, a classe dominante, com o objetivo de diminuir o potencial revolucionário das classes trabalhadoras, desenvolve as “ideologias”, que consistem em conjuntos de conhecimentos, crenças e valores criados pelos capitalistas, mas assimilados pela classe dominada. O papel dessas ideologias é o de justi� car as relações de poder existentes na sociedade, e a sua aceitação irre� etida leva a classe trabalhadora a um fenômeno chamado alie- nação – nela, a produção é separada do alcance e do interesse do trabalhador para se transformar em mercadoria. Nesse processo, o próprio ser humano deixa de ser considerado como pessoa e passa a ser tratado como coisa. Para compreendermos melhor a proposta pedagógica de Marx, é importante termos em mente que a ideologia, embora constituída de elementos imateriais – ideias, crenças, valores etc. -, tem a origem nas relações concretas que os seres humanos estabelecem entre si para proverem sua subsistência material. No entender de Marx e Engels, a sociedade estabelece dicotomias como produção e con- sumo, nas quais quem produz – a classe trabalhadora – geralmente não usufrui da totalidade do resultado de seu trabalho, enquanto que os maiores consumidores – os capitalistas – usufruem do resultado do trabalho dos outros. A sociedade é dividida entre aqueles que pensam e aqueles que executam: o engenheiro pensa a obra, o pedreiro assenta os tijolos; o projetista pensa um novo modelo de máquina, o trabalhador na linha de montagem aperta os parafusos. Para os � lósofos alemães o ideal é que todos sejam capazes de ambas as atividades: pensamento e execução. Nesse sentido, a educação não pode se desvincular do trabalho. Crítica de Marx e Engels à educação. Marx e Engels empreendem uma dura crítica à educação escolar de se tempo, afirmando que a escola serve aos propósitos da classe capitalista, pois pode ser comparada a uma empresa, na qual o professor assume o papel de trabalhador assalariado, cujo produto – a instrução de crianças e jovens – visa formar mão de obra para o trabalho alienante da indústria. O projeto de Marx implica conce- ber o trabalho como princípio educativo para superar a alienação. 33WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 O mundo do trabalho não deve estar alheio à aprendizagem escolar, pois, ao executar uma determinada atividade profissional, também ser realiza uma for- ma de aprendizagem. Vemos isso nos programas de estágio que existem ainda hoje nos cursos profissionalizantes e nos programas de graduação. Marx defen- de a lenta progressão da carga horária: a criança deve dedicar no máximo uma ou duas horas de seu dia a atividades produtivas e, à medida que ela cresce essa carga horária vai se ampliando, mas sem comprometer os demais aspectos de sua formação. Mas na época de Marx não era isso que acontecei. As famílias dos trabalhadores das fábricas eram pobres, fato que obrigava não só adultos, mas também as crianças, ao trabalho na indústria, o que comprometia a educação escolar delas. A situação das crianças que trabalhavam em minas de carvão era ainda pior, pois, além do árduo trabalho, dos baixos salários, de longa jornada de trabalho, havia um altíssimo grau de insalubridade, fator causador de irrepará- veis danos à saúde dos pequenos trabalhadores. Marx e Engels foram dois � lósofos profundamente engajados nas questões sociais e eco- nômicas de sua época. Seus escritos levantam ainda muita discussão entre seus estudiosos, em parte pela complexidade e signi� cação de seus conceitos. Por exemplo, em suas obras o termo ideologia às vezes assume uma conotação negativa, indicando uma visão distorcida da realidade como forma de justi� car uma relação de poder e, em outros momentos, o termo é compreendido de forma positiva, como “visão de mundo”, quando se trata da ideologia da classe trabalhadora. Trata-se de um debate complexo e ainda fecundo, com questões cruciais, especialmente as que dizem respeito à � loso� a da educação. No debate educacional a partir do marxismo, temos o � lósofo francês Louis Althusser, que se dedica ao estudo do papel dos sujeitos individuais no processo histórico. Ele desenvolve o conceito de aparatos ideológicos do Estado, onde este é formado por uma série de instituições, como a administração pública, o exército, a polícia, os tribunais, as prisões etc., que exercem um controle coercitivo na sociedade. REFLITA A Educação na visão de Althusser Em uma perspectiva althusseriana, a educação em geral, e a escola em par- ticular, são veículos de transmissão da ideologia dominante, cujo objetivo é o de garantir a manutenção do controle social nas mãos da classe burguesa. Em função disso, a filosofia de Althusser serve de inspiração a uma corrente peda- gógica chamada crítico-reprodutivista, designação motivada pela característica marcante dessa linha pedagógica de denunciar o caráter ideológico da classe dominante para a reprodução das condições sociais e econômicas vigentes, que permitem a dominação de classe. Desse modo, em um processo revolucionário, a eliminação da educação escolar é condição necessária para a emancipação da classe trabalhadora. 34WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 Outro teórico marxista que pensa a educação é Antonio Gramsci, intelectual e militante marxista italiano da primeira metade do século XX, importante precursor do movimento de re- novação crítica da instituição escolar. Gramsci critica o sistema educacional de sua época, que mantinha dois tipos de ensino formal: um academicista, de maior duração e nível de profundidade, voltado à formação das elites; e outro pro� ssionalizante, voltado às camadas populares, visando dar-lhes o mínimo de quali� cação pro� ssional. Como alternativa a esse modelo dicotômico, esse intelectual propõe uma educação pública e unitária, que não faça distinções de classes sociais. Gramsci in� uenciou o pensador brasileiro Dermeval Saviani (1943) na elaboração de uma corrente pedagógica que, embora admita que a escola historicamente seja usada como ins- trumento para inculcar a ideologia nas gerações mais jovens, como dizia Althusser, a� rma que a escola pode e deve transformar no seu oposto: em local de formação da consciência crítica. Gramsci e a classe hegemônica. Gramsci era ainda um intelectual extremamente preocupado com o papel da cultural nas transformações sociais. Para ele, a cultura da classe dominante – também chamada de classe hegemônica – é produtora de valores ideológicos que contribuem para a manutenção das classes subalternas em um regime de submissão. Aqui cabe destaque ao “intelectual orgânico” – um intelectual em sintonia com uma classe social determinada, procurando torna-la coesa, fomentando uma consciência de classe.A burguesia também possui seus in- telectuais orgânicos, mas, no âmbito da cultura, os do proletariado devem ser capazes de filtrar para as classes subalternas os conhecimentos necessários dos valores ideológicos a eles geralmente relacionados. Desse modo, devemos estar atentos àqueles profissionais que atuam junto às classes mais baixas, especialmente a figura do professor, que poder ser um mero transmissor da ideologia dominante ou um verdadeiro intelectual orgânico. Daí a importância da escola como instância possível de formação da consciência crítica do educando. REFLITA Dermeval Saviani e a pedagogia histórico-crítica A pedagogia histórico-crítica, apresenta uma prática educativa que deve levar a uma tomada de consciência da dominação de classe e que forneça subsídios para uma ação social transformadora, indo além de uma mera crítica ao papel ideológico da escola, e sugerindo alternativas para que a escola também se transforme e assuma um novo papel. 35WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 FENOMENOLOGIA Antes de se constituir como ciência autônoma, a psicologia estava vinculada à � loso� a. Questões relativas ao conhecimento, marca da � loso� a moderna, eram assumidas pela psicologia quando se referia às condições de possiblidade do conhecimento. Porém, ao longo do século XIX, a psicologia se � rmou como uma ciência empírica e autônoma, e não mais uma parte da � loso� a. O que é a verdade, como é possível o conhecimento e como distinguir o falso do verdadeiro, dei- xam de ser questões � losó� cas e passam ser consideradas como questões cientí� cas. Estas questões são respondidas de maneira a criar uma grande crise na � loso� a, pois es- tavam mais à volta com a subjetividade do conhecimento do que com sua objetividade, uma vez que, segundo os psicologistas da segunda metade do século XIX, o conhecimento se dá em atos mentais, que variam de um sujeito para outro. O meu pensamento é diferente do de outra pessoa, então os objetos mentais são também subjetivos. Com isso, a objetividade, isto é, a possibilidades de do dois ou mais sujeitos se referirem a um mesmo e único objeto de conhecimento, torna-se simplesmente impossível. Nesse contexto, surgiram basicamente duas propostas de superação dos impasses ocasio- nados pela intepretação psicologista do conhecimento. A primeira delas foi o neokantismo, que situa a questão do conhecimento em um campo transcendental, acima da experiência imediata, não permitindo que a psicologia empírica se confunda com a re� exão � losó� ca. Retomando Kant, trabalha com categorias muito abstratas e distantes da realidade, não atraindo muito adep- tos. A segunda proposta vem de Edmund Husserl que, partindo da psicologia, a ultrapassa, ressituando as questões � losó� cas em um novo nível de entendimento. Partia do conceito � lo- só� co de “fenômeno”, entendido como todo objeto que aparece na consciência de um sujeito, � rmando-se na tradição � losó� ca com o nome de fenomenologia. Husserl utilizou o conceito de intencionalidade entendido como um ato da vontade que impele o sujeito a uma ação. A intenção tem implicações morais: alguém teve boas ou más “intenções” ao praticar determinada ação. Para a � loso� a medieval, no entanto, a palavra intencionalidade signi� cava também um ato mental em direção a um objeto de conhecimento. Assim, uma intenção é uma ação puramente de ordem cognitiva, isto é, um ato pelo qual um sujeito visa a um determinado objeto. Husserl retoma esse conceito medieval, concebendo o conhecimento não como algo que acontece a um sujeito, mas como algo que o sujeito faz acontecer, uma vez que a intenção é um ato e não uma passividade. Na perspectiva fenomenológica, o sujeito tenciona (tende a) um objeto. O método fenomenológico consiste em uma descrição minuciosa dos atos psíquicos cor- respondentes às vivências intencionais. Husserl critica o psicologismo, a� rmando que ele con- funde o ato mental com o objeto de conhecimento: o primeiro é individual e subjetivo, mas o segundo pode ser universal e objetivo, isto é, pode ser o mesmo para diversos sujeitos. Com essa distinção, Husserl não só recupera a possibilidade da objetividade do conhecimento, que o psico- logismo havia tentado desacreditar, mas também garante a primazia e autonomia da especulação � losó� ca. 36WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 EXISTENCIALISMO A fenomenologia, como tradição � losó� ca e método de investigação, ultrapassou os li- mites do pensamento de Husserl e ganhou novos contornos nas investigações de outros autores, como Martin Heidegger, um dos mais importantes para a história da � loso� a. Em sua obra Ser e Tempo, Heidegger busca delimitar a compreensão do ser em geral a partir de uma análise feno- menológica do ente que pensa o ser, isto é, o homem. Na terminologia heideggeriana, o homem é chamado de Dasein (ser aí), constituindo-se como um ser para a morte, pois nada é tão certo na vida humana quanto o fato de que um dia ela terá � m, ainda que não se saiba, de modo preciso, como e quando isso acontecerá. Ao fazer uma análise da existência humana de um ponto de vista fenomenológico, Hei- degger tornou-se a principal fonte de inspiração de outra corrente � losó� ca conhecida como existencialismo. Esta enfatiza a liberdade e a responsabilidade individual do ser humano. Heidegger retoma a � loso� a de Kierkegaard, mas em uma perspectiva não teísta, isto é, se levar em consideração a dimensão religiosa. Refere-se a dois modos de existência: o inautêntico (que equivale ao estado estético) e o autêntico (que equivale ao estado ético). Segundo Heidegger, ser humano assume sua existência inautêntica quando busca fugir da angústia associada à ideia da morte e se distrai com as preocupações imediatas. A existência autêntica ocorre quando o sujeito assume a morte como possibilidade existencial última e certa, mas indeterminada, e vive intensamente a angústia dela decorrente. O pensamento de Heidegger in� uenciou sobremaneira o pensador francês Jean-Paul Sar- tre, considerado o principal representante da corrente existencialista, cujas obras principais são O ser e nada e Crítica da razão dialética. Ao defender a liberdade e a responsabilidade humanas, Sartre nega a crença em Deus, no destino, nos astros e em qualquer fator que pretenda determi- nar o curso da existência humana. Kierkegaard e o existencialismo Historicamente, o principal antecedente da filosofia existencialista e o pensa- mento de Soren Kierkegaard, filósofo dinamarquês do século XIX. Em sua visão, a existência humana é absurda e sem sentido, levando o homem à angústia e ao desespero. Diante dessa situação, o ser humano pode assumir umas das três seguintes condições: a) O estado estético: quando tentamos nos distrair com as coisas do mundo para não pensarmos no absurdo da vida. b) O estado ético: quando assumimos um atitude de resignação diante do caos que cerca a existência humana. c) O estado religioso: por meio da fé, o ser humano dá um “salto” para Deus. 37WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 Na � loso� a de Sartre, o reconhecimento do “outro” é fundamental pra tornar possível o reconhecimento de “si mesmo”. É só por meio dos olhos dos outros que posso ver a mim mes- mo. Assim, o ser humano é concebido em uma relação dinâmica com os outros, que limitam a liberdade individual, mas, ao mesmo tempo e paradoxalmente, são precondição para o exercício dessa liberdade. ESTRUTURALISMO O termo é original da linguística, com Ferdinand Saussure, que o utilizava para deno- minar seu modelo de análise da linguagem considerando-a como um sistema estruturado de signi� cantes (palavras), no qual o signi� cado de cada termo é dado nãoa partir de suas origens históricas, mas de sua posição “diferencial” em um sistema de signos. No entanto, o termo es- truturalismo ultrapassou o âmbito da linguística, sendo incorporado também a outros campos, como a antropologia, a psicanálise e a � loso� a. No campo da � loso� a, destaca-se � lósofo Michel Foucault (1926-1984), que produziu impor- tantes obras de cunho estruturalista, como História da loucura, O nascimento da clínica, A arqueologia do saber, Vigiar e punir e História da sexualidade. Assim como outros pensadores estruturalistas, Fou- cault trabalha com a noção de que existem estrutu- ras inconscientes que determinam o que um indiví- duo ou uma comunidade historicamente localizada pode ou não pensar. Figura 2 - Michel Foucault. Fonte: Study (2017). Para Foucault, a história do pensamento é a história da sucessão de formação discursivas, de conjuntos de conceitos e de um vocabulário característicos de uma época ou de uma comu- nidade sendo incomensuráveis, isto é, não podem ser compreendidas por alguém que não esteja naquela formação discursiva. Ele denuncia a crença no progresso como um mito. A psiquiatria ou a medicina, por exemplo, não evoluíram. O que aconteceu foi a substituição de uma estrutura de pensamento por outra. O psiquiatra moderno não compreende a loucura de forma mais apri- morada que em outras épocas – ele simplesmente se serve de um conjunto de conceitos por meio dos quais nós hoje pensamos a loucura diferente dos conceitos a partir dos quais a insanidade era interpretada em épocas passadas. REFLITA Em uma perspectiva existencialista, o aprendizado, portanto, deve incorporar essa visão do homem como um campo de possiblidades. O papel da educação, nesse caso, é o de formar os indivíduos para uma vida de liberdade e respon- sabilidade. O fato é que, na filosofia de Sartre, o reconhecimento do “outro” é fundamental para tornar possível o reconhecimento de “si mesmo”: é só por meio dos olhos dos outros que posso ver a mim mesmo. 38WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 A partir do conceito de disciplina ou poder disciplinar, Foucault é capaz de identi� car estruturas comuns a instituições sociais tão diversas como o hospício, o hospital, o exército, as prisões e a escola. Por exemplo, entre o hospício e a escola é possível encontrar muitos elementos estruturais comuns, especialmente em relação ao poder disciplinar que visa à produção de seres dóceis e úteis. No hospício é necessário que se estabeleçam relações de poder baseadas na possi- bilidade de castigo, desempenhando uma “função” de organização e disciplina: duchas de água fria, con� namentos etc. Na escola estas relações de poder também ocorrem, por exemplo, quan- do a questão do “saber” está associada à do “poder”: o poder exercido pelo professor é uma fun- ção de seu saber e vice-versa. Os alunos são classi� cados na escola a partir de diferentes fatores, podendo atingir altos níveis de so� sticação: porte físico, temperamento, higiene pessoal, fortuna dos pais etc. Com essa classi� cação, o professor e demais autoridades escolares conseguiram uma maior racionalidade e produtividade na produção do saber. Essa produção do saber mais racional e mais produtiva vai além da escola e está presente na própria sociedade. No mundo do trabalho, por exemplo, predominava a divisão na qual cada empregado executava uma função especí� ca, situado em um lugar determinado. Desse modo, a escola preparava o aluno para esse novo tipo de organização do espaço e da ação humana que estava vigente na sociedade. PRAGMATISMO Na � loso� a moderna, a busca da verdade exigia a identi� cação de um fundamento imu- tável, a partir do qual fosse possível a� rmar que algo e falso ou verdadeiro. Em outras palavras, era preciso encontrar um ponto de vista acima e além das opiniões parciais e subjetivas. Dife- rentes foram as propostas dadas ao problema da verdade. Para os pragmatistas, a verdade em si mesma é inatingível pelo intelecto humano, pois não há como nos situarmos “fora da realidade” para avaliá-la objetivamente. Nossas experiências sempre são interpretadas a partir dos conhe- cimentos, valores, crenças e preconceitos que variam de indivíduo para indivíduo, nos levando a posicionamentos distintos e até con� itantes. De modo geral, os pragmatistas concordam que a verdade não é imutável, isto é, a con- cepção daquilo que consideramos verdade hoje pode mudar em função de fatores práticos que alterem nosso ponto de vista. Mas não se trata de um relativismo absoluto o que os pragmatistas concebem. Há um critério possível que deve ser utilizado: as consequências práticas que deter- minada ideia ou ação pode vir a produzir. John Dewey (1859-1952) foi o � lósofo pragma- tista que mais se debruçou sobre a questão da educa- ção. Para ele o pensamento humano não consiste em uma esfera isolada e independente das relações que o sujeito estabelece como mundo. Ao contrário: o pensa- mento é um instrumento por meio do qual nos relacio- namos com as coisas e com as pessoas ao nosso redor. Dewey desenvolveu uma versão particular de pragma- tismo que ele mesmo chamava de instrumentalismo. Dentro dessa perspectiva, o pensamento é orientado para a resolução de problemas que temos, e a principal função da educação é preparar a pessoa humana para usar o pensamento adequadamente.Figura 3 - John Dewey. Fonte: Ethan (2016). 39WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 Dewey via que o principal problema da educação é que ela não preparava os alunos para a vida. Repetição e memorização de fórmulas não ajudam em nada no dia a dia pessoal ou do trabalho, somente criam uma pessoa com respostas automatizadas. Somos desa� ados constan- temente por problemas que devem ser resolvidos com base nos mesmos padrões de pensamento que conduzem a investigações cientí� cas. A escola, ao dar respostas prontas por meio de fórmulas a serem decoradas, mas não necessariamente compreendidas, cria um mundo arti� cial onde tudo é dado pronto de antemão. Dewey propõe a criação de comunidades investigativas dentro das salas de aula onde os alunos buscariam as soluções aos problemas propostos. Assim, a aprendizagem tem em vista as conse- quências práticas dos conteúdos trabalhados e está e sintonia com a vida dos educandos. FILOSOFIA ANALÍTICA No século XX, sob a in� uência dos estudos linguísticos, muitos � lósofos tomaram a lin- guagem como fundamento para o pensamento em geral e para a � loso� a em particular, tendên- cia que � cou conhecida como virada linguística, que de� niu um campo de investigação � losó� ca chamada de � loso� a analítica. Para a � loso� a analítica, o objeto da � loso� a não é a realidade, mas a linguagem, o discur- so sobre a realidade não linguística. Uma vertente dessa � loso� a, o positivismo lógico se ocupa com o estudo do discurso cientí� co. Já uma outra vertente, chamada de � loso� a linguística toma como objeto da investigação � losó� ca a linguagem em geral. Um � lósofo que se destacou, entre muitos ou- tros, foi Ludwig Wittgenstein (1889-1951), com obras nas duas vertentes da � loso� a analítica: Tractatus logi- co-philosophicus (no positivismo lógico) e Investigações � losó� cas (na � loso� a linguística). Wittgenstein a� rma que o pensamento e linguagem são indissociáveis sen- do impossível pensar algo que não possa ser dito. Ele argumenta que o mundo não pode ser pensado como uma totalidade de objetos, mas como uma totalidade de fatos. Desse modo, os objetos não têm existência em si, mas sim na relação uns com os outros, nos fatos. Para ele, a linguagem, tendo uma função designativa e comunicativa, estabelece a correspondência entre o mundo e o pensamento por meio da � guração. Figura 3 - Ludwig Wittgenstein. Fonte: Nähr (1929). O mundo é a totalidade dos fatos,a unidade mínima de sentido na linguagem não é a palavra, que designa um objeto isolado, mas a frase, isto é, a expressão correspondente a uma � guração que, por sua correspondência estrutural com um determinado estado de coisas, repre- sentaria um fato, uma relação entre objetos. A existência do objeto é dependente da relação que ele estabelece com outros objetos em um estado de coisas. Primeiramente, pensamos a relação e só secundariamente nos referimos aos objetos da relação. Por exemplo, um predicado só tem sentido na frase, e nunca isoladamente. Para Wittgenstein, que vai mais além, o sujeito só ganha sentido em sua relação com o predicado. 40WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 2 Wittgenstein também apresenta a ideia de que o signi� cado de uma palavra é de� nido pelo seu uso na linguagem, o que parece ser um de seus mais importantes insights na obra In- vestigações � losó� cas. As palavras não são representações de uma ideia ou coisa de modo gene- ralizante, mas elas adquirem seu signi� cado nos contextos especí� cos em que são articuladas. O � lósofo não se restringe a falar de proposições, questões e comandos, típicos das frases da lógica tradicional, mas ele se refere a um conjunto mais de possibilidades, que ele chama de jogos de linguagem: relatar um evento, especular sobre um acontecimento, formar e testar hipóteses, atuar em uma peça teatral, cantar, adivinhas charadas, contar piadas, são alguns dos inúmeros exem- plos. Nesse contexto, Witggenstein inspirou uma corrente conhecida como � loso� a linguística, que valoriza a linguagem comum, diferente do positivismo lógico que só valorizava a linguagem cientí� ca. Para os adeptos dessa corrente, a fala não é simplesmente o meio pelo qual expressa- mos ideias: ela é a forma pela qual agimos no mundo. John Austin e John Searle a� rmam que o contexto na qual as expressões são pronunciadas lhes conferem sentido. A mesma fala em duas situações diferentes pode ter signi� cados também diferentes. É o fato de os falantes se situarem no mesmo contexto e partilharem do mesmo conjunto de códigos que lhes permite entender e agir adequadamente em cada situação. Existem implicações da � loso� a analítica na � loso� a da educação. Uma interpretação de caráter analítico nos torna conscientes e rigorosos no uso dos conceitos. O � lósofo da educação Paulo Guiraldelli Júnior (2000, p.42) escreveu que a busca por uma análise dos conceitos e lin- guagem educacionais, inclusive contribuiu e muito para o desenvolvimento da � loso� a analítica, pois essa busca estava vinculada à crença de que a linguagem ordinária guardava uma preciosi- dade de signi� cado ainda não percebido porque não analisado. UNIDADE 41WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................... 42 EDUCAÇÃO E PROCESSO HISTÓRICO ................................................................................................................... 43 EDUCAÇÃO FORMAL E INFORMAL ....................................................................................................................... 44 EDUCAÇÃO PRIMITIVA ........................................................................................................................................... 44 ANTIGUIDADE ORIENTAL ....................................................................................................................................... 45 ANTIGUIDADE GREGA E A PAIDÉIA ....................................................................................................................... 46 ANTIGUIDADE ROMANA ......................................................................................................................................... 47 A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA ............................................................................................................................. 48 EDUCAÇÃO RENASCENTISTA .................................................................................................................................50 EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA ...........................................................................................................................52 EDUCAÇÃO ILUMINISTA ......................................................................................................................................... 53 A EDUCAÇÃO NA HISTÓRIA PROF. ME. FLÁVIO DONIZETE BATISTA 03 42WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 3 INTRODUÇÃO O senso comum permeia nossa forma de compreender o mundo em que estamos inse- ridos. Num primeiro momento não buscamos fazer uma re� exão mais aprofundada sobre os porquês de pensarmos e agirmos de determinadas maneiras. Temos a crença de que as coisas acontecem ou por si mesmas, ou porque seguem um plano superior pré-estabelecido. Assim, não estabelecemos conexões que podem explicar quem somos e como somos. Precisamos superar essa forma acrítica de compreender a realidade, indo além de uma atitude de mera absorção das ideias dominantes e alicerçadas pelo senso comum. Buscando atra- vés da re� exão � losó� ca a apreensão de sua realidade, participando inclusive da construção do conhecimento que alicerce esta re� exão seremos sujeitos de nossa própria existência. Isso somente será possível se entendermos que o ser humano se constrói a partir de sua própria existência no decorrer da história. A própria concepção de história não pode ser a de um amontoado de fatos de um passado distante, mas precisa con� gurar-se como um processo em constante transformação, no qual o passado, o presente e o porvir estão intimamente imbricados e referenciados. O ser humano é um ser social que não vive e sobrevive sozinho no mundo e isolado em sua individualidade. Pelo contrário, é somente através das diferentes interações, abrangentes ou nem tanto, com os outros seres que ele consegue sobreviver. Desde o início dos primeiros agru- pamentos simples até as comunidades atuais complexas, os homens constroem relações entre si que possam garantir a sua existência material. São estabelecidas relações econômicas, sociais e culturais, no qual o trabalho é a fonte produtora dos recursos materiais necessários para a sobre- vivência humana. REFLITA Nos humanizamos pelo trabalho O trabalho é a atividade pela qual a natureza é transformada mediante o esforço coletivo para arar a terra, colher os frutos, domesticar os animais, modificar paisagens e construir cidades. Do trabalho surgem instituições, como a famí- lia, o Estado, a escola; e obras de pensamento, como o mito, a ciência, a arte, a filosofia. Podemos dizer que o ser humano se faz pelo trabalho, porque, ao mesmo tem- po em que produz coisas, torna-se humano, constrói a própria subjetividade. Ao se relacionar com os demais, aprende a enfrentar os conflitos e a exigir de si mesmo a superação de dificuldades. Ao passar por esse processo, ninguém permanece o mesmo, porque o trabalho modifica e enriquece a percepção do mundo e de si próprio. Porém o trabalho desperta sentimentos ambíguos. Enquanto para uns repre- senta desafio instigante e prazeroso, para outros não passa de uma obrigação a que prefeririam não dedicar tempo algum. [...] Se a vida depende do trabalho, que causa tanto desprazer, poderíamos con- cluir que, no contexto do trabalho como tortura, o ser humano estaria condena- do à infelicidade. Essas duas concepções trazem um impasse: o trabalho é tortura ou emancipa- ção? (ARANHA & MARTINS, 2016, p. 57). 43WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 3 EDUCAÇÃO E PROCESSO HISTÓRICO Quando falamosem educação, precisamos discutir seu papel socializador e seu aspecto representativo da cultura analisando, nesse caso, seus fundamentos históricos, pois a educação só é possível através da transmissão do conhecimento que ocorre no decorrer da história, pelo diá- logo e no contato entre as pessoas. Uma re� exão sobre a educação precisa se perguntar sobre as formas de socialização e sobre quais objetivos são postos para ela. Essas questões deram origens a inúmeras tendências pedagógicas e diversas propostas para sua realização. A educação signi� ca a transmissão de hábitos, costumes, valores e outros conhecimentos necessários para a vida, que ocorre em todas as sociedades entre os membros de uma mesma geração e os de uma geração atual para outra seguinte. A educação se realiza nas situações pre- senciadas e experiências vividas pelo indivíduo ao longo da sua vida. As ações e in� uências exercidas voluntariamente por um ser humano em outro, nor- malmente de um adulto para um jovem podem integrar esse conceito de educação. A � nalidade dessas ações pode ser para que o indivíduo consiga desempenhar alguma função nos contextos sociais, culturais, políticos e econômicos de uma sociedade. Precisamos, antes de prosseguir, discutir o que torna a educação possível: a socialização e sua relação com a educação e como elas estão diretamente relacionadas com o processo histórico. A socialização ocorre na interação do indivíduo em seu meio social, na sua capacidade de integrar-se a um grupo, assimilando, questionando e modi� cando os padrões sociais. Isso in- terfere profundamente na maneira como o sujeito percebe o mundo, o outro e a si mesmo. Desde seu nascimento, ao utilizar a linguagem, o sujeito está imerso em um processo de interação e socialização, que será encerrado com sua morte. A linguagem é fundamental na socialização e através dela o indivíduo, situado cultu- ralmente, conhece e constrói signi� cados. Podemos a� rmar que o ser humano só se humaniza (passa a fazer parte do mundo humano) a partir da socialização e da assimilação da cultura (esta entendida como o conjunto acumulado historicamente de conhecimentos, valores e práticas que dá identidade a um grupo). Obviamente, conforme falamos no início, não podemos reduzir a educação a um preparo para executar tarefas. Deve-se também considerar que a educação precisa dar as condições para que o indivíduo atribua sentido a tudo o que lhe rodeia, de maneira crítica e consciente. REFLITA Por que se pode dizer que a aquisição da linguagem é a senha de entrada no mundo humano? 44WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 3 Portanto, educar é permitir que o indivíduo, ao integrar-se no mundo da linguagem, humanize-se, dando as condições para que ele se relacione com os demais de sua comunidade. Mas como a educação se realiza e como essa integração se efetiva historicamente? Essa pergunta leva-nos a pensar também o papel da educação dentro e fora do processo de escolarização esta- belecido em cada momento histórico. EDUCAÇÃO FORMAL E INFORMAL Se pretendermos analisar a educação de forma abstrata, descontextualizada de suas con- tradições e antagonismos de classes, não conseguiremos ter uma real compreensão de seu sig- ni� cado, e poderemos atribuir-lhe um caráter inadequado, seja pessimista, seja redentor. Há diferentes formas de educação historicamente enraizadas; não é possível para falar de educação abstratamente, nem desconsiderando seu ambiente e sua época histórica. Isso porque as � nalida- des com que se educa não são as mesmas em todas as épocas, lugares e sociedades. A educação não é um fenômeno que se entenda fora de uma determinada sociedade. A compreensão daquela passa necessariamente pela compreensão desta. Cada sociedade tem seus espaços próprios para a socialização, que não se reduzem ao espaço escolar. Por isso, para enten- der o papel da educação na socialização, precisamos discutir a transmissão da cultura dentro e fora da escola. A transmissão do saber acumulado por uma comunidade em especial e por toda a hu- manidade não se concretiza somente na escola, mas também a partir das necessidades imediatas da vida, ligadas à sobrevivência e organização do cotidiano. É a chamada educação informal, que não é formalizada a partir de critérios, horários, hierarquia ou sistema de avaliação. Por sua vez, a educação que se formaliza se dá na institucionalização da transmissão do saber. Ela ocorre na escola, com a adequação de normas e padrões, dentro de um contexto de sis- tema educacional que organiza seu funcionamento. Diferente da educação informal, o conheci- mento escolar é sistematizado e sua transmissão submete-se a critérios e métodos. Embora a ideia seja a escola criar uma proximidade com a realidade concreta, possibilitando uma � exibilidade de conteúdos, isso nem sempre acontece, assumindo certo caráter dogmático no conhecimento. Podemos dizer que a educação formal contém, num certo sentido, a educação informal, uma vez que os indivíduos envolvidos no processo podem criar espaços de ação que vão além das formalizações e padronizações da educação escolar. O que queremos nesse estudo dos fun- damentos históricos é perceber como se deu e continua acontecendo esse processo educacional, dentro das diferentes realidades históricas das sociedades. EDUCAÇÃO PRIMITIVA Muito provavelmente, a educação entre os grupos primitivos tenha ocorrido de modo es- pontâneo, com as crianças e jovens aprendendo por imitação ao observarem os mais velhos reali- zando suas atividades cotidianas importantes para a sobrevivência do grupo, que eram a pesca, a caça, a criação de animais e o plantio. As novas gerações precisaram ser treinadas para diferentes atividades: observação da natureza, rituais sagrados e preparação para a guerra. O grupo tinha a necessidade de que seus membros soubessem sobre isso, e isso era repassado pelos mais velhos. 45WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 3 Figura 1 – Educação entre os grupos primitivos. Fonte: We Portal (2017). Com o desenvolvimento das primeiras civilizações agrícolas, cerca de oito ou dez mil anos atrás, no período chamado Neolítico, ocorre uma verdadeira revolução cultural, uma vez que os grupos humanos passam a ser sedentários, aperfeiçoando suas técnicas de plantio, caça e fabri- cação de utensílios artesanais. Podemos falar de uma divisão do trabalho que vai se moldando de maneira cada vez mais nítida entre homem e mulher, com características patriarcais, depois de uma fase que estava centrada na feminilidade e no culto da Grande Mãe. ANTIGUIDADE ORIENTAL Nas sociedades orientais antigas não há propostas propriamente pedagógicas. Com a criação de segmentos privilegiados, a população, composta por lavradores, comerciantes e arte- sãos, não tem direitos políticos nem acesso ao saber da classe dominante. Dos inúmeros povos que constituem a chamada antiguidade oriental, entre eles os chineses, babilônios, hindus, he- breus e egípcios, escolheremos estes últimos para estudo de algumas características que, de certo modo, são uma constante no mundo antigo. Apesar das diferenças entre essas civilizações, todas impõem governos despóticos de caráter teocrático em que o poder absoluto do rei ou do impera- dor se sustenta na crença em sua origem divina, segundo Aranha (1996, p.31-33). São sociedades tradicionais que pretendem perpetuar os costumes e evitar a transgressão das normas. Possuem, portanto, um caráter religioso dos compromissos impostos e que não são discutidos. No antigo Egito há a produção de grandes riquezas com utilização da exploração da mão de obra de seus habitantes e de escravos, egípcios ou não. Nessa sociedade, o saber como forma de poder era restrito a uma pequena elite, cabendo aos demais uma educação que atendesse às necessidades de realizaçãode tarefas braçais. 46WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 3 Eram quatro os grupos de pessoas que rece- biam um ensino diferenciado: o faraó e os senhores da corte, os escribas e todos aqueles que se estavam responsáveis às tarefas administrativas, os artesãos e, por último os escravos. Os � lhos do faraó, os con- selheiros e os nobres do Egito eram educados para dominar a arte da palavra, fundamental no coman- do da sociedade. O círculo dos nobres e da família do faraó não se preocupa em ensinar seus � lhos a escrever, uma vez que a escrita era apenas um ins- trumento administrativo, utilizado somente para o registro dos atos o� ciais do governo. O ensino que predomina é aquele que desenvolve um profundo sentimento de obediência e submissão. Como em toda sociedade dividia em classes, os grupos domi- nantes usam o processo educativo como meio para moldar as várias camadas da população, a � m de que cada uma cumpra com seu papel dentro da so- ciedade estabelecida. Figura 2 – Antigo Egito. Fonte: Seidel e Shedid (1991). ANTIGUIDADE GREGA E A PAIDÉIA Os povos da antiguidade oriental não dispunham de uma re� exão especialmente voltada para a educação, uma vez que essa prática se encontrava vinculada às tradições religiosas recebi- das dos antepassados. O saber do passado é transmitido de forma rígida às novas gerações, em um contexto teocrático, de modo que a educação não se separa da religião, onde escriba e sacer- dote são os responsáveis pelos valores da sociedade (ARANHA, 1996, p.41). Figura 3 - Arte em vaso de Douris. Fonte: Multi Arte (2017). Mas na Grécia clássica, como já vimos anteriormente, há a substituição das explicações religiosas pela utilização da razão autônoma. Segundo Aranha (1996, p. 41): 47WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 3 Surge a necessidade de elaborar teoricamente o ideal de formação, não do herói, submetido ao destino, mas do cidadão. Este deixa de ser depositário do saber da comunidade, para se tornar o que elabora a cultura da cidade. A ênfase no pas- sado é deslocada para o futuro: o homem não está preso a um destino traçado, mas é capaz de projeto, de utopia. Nesse contexto, surge a palavra paidéia, signi� cando inicialmente criação dos meninos (pais, paidós, “criança”), mas que assumirá nuanças que a tornarão um termo complexo. Pode signi� car expressões modernas como civilização, cultura, tradição, literatura ou educação; mas na verdade, seu signi� cado entre os gregos é o de um projeto de formação do homem em todas as suas dimensões. O ideal grego de educação vai passar por muitas mudanças. Ora associado ao corpo, ora à ênfase na habilidade militar do guerreiro, passando ainda pela formação do cidadão que nas praças (ágoras) vai utilizar a palavra no exercício da vida política, mas sempre vinculado ao uso da razão crítica da condição humana. Segundo Platão, a educação é o instrumento para desen- volver no homem tudo o que implica sua participação na realidade ideal, tudo o que de� ne sua essência verdadeira, embora as� xiada por sua existência material. Também segundo Aristóteles, a educação é um processo que auxilia na transformação do homem naquilo que é sua � nalidade como realização enquanto pessoa. ANTIGUIDADE ROMANA Na Roma antiga o primeiro educador é o pai de família que, desde a fundação da cidade, tem a autonomia da educação garantida por lei, sendo o pai o dono e artí� ce de seus � lhos. O pai-proprietário (pater) exerce sobre as mulheres, os � lhos, os escravos, os animais e qualquer outro bem um poder soberano de vida e de morte. Figura 4 – Roma Antiga. Fonte: Aguiar (2017). A educação que ocorre na família tinha em vistas o domínio de habilidades necessárias para o exercício das atividades políticas, próprias das classes dominantes. Entre elas o uso da pa- lavra, da escrita e do conhecimento das leis. As poucas escolas que existiam estavam destinadas aos indivíduos da elite, sendo impedido de ter acesso à arte da palavra falada e escrita àqueles que faziam parte do povo. 48WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 3 A ideia de trabalho que predomina é a de que todas as atividades produtivas são conside- radas indignas de um homem livre, com exceção da agricultura, pois nela está presente a � gura do pai-proprietário. Portanto, os demais trabalhos braçais eram destinados aos escravos e estran- geiros que migravam para Roma. Havia também uma educação destinada ao aprimoramento de conhecimentos e habilida- des em algumas pro� ssões para melhor explorar o trabalho servil. Assim eram formados escravos mais quali� cados para trabalharem nas propriedades, o que permitia maior lucro na medida em que era possível vender ou mesmo alugar os escravos a um preço bem mais alto. A EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA Historicamente, a idade média iniciou no século V com a queda do império romano do ocidente, que foi tomado pelos povos chamados bárbaros que viviam além das fronteiras e não falavam latim. Com a invasão dos bárbaros, houve grande alteração no mapa político da Europa. Há o desenvolvimento do feudalismo, com a distribuição de terras para os nobres, para toda a vida, com todos direitos de uso sobre a área por toda vida. O cristianismo estava se desenvolven- do e muitos reinos bárbaros foram convertidos. O poder dos nobres foi aumentando e a � gura do rei torna-se fraca. O clero da Igreja Católica dava o apoio necessário à estabilidade do sistema. A nobreza era hereditária, o � lho mais velho herdava o título de nobreza do pai e irmão não her- deiros ingressavam para os quadros da Igreja, tornando-se bispos, papas etc., chamados de alto clero. Os servos da gleba pertenciam ao feudo e, se o feudo passasse para outras pessoas, a eles o acompanharia. A nobreza não tinha qualquer interesse pelo conhecimento, que � cava sob a tutela da Igreja, enquanto os nervos não tinham qualquer acesso. Com a invasão dos bárbaros e a destruição das instituições romanas, a Igreja foi-se a� r- mando e passou a desempenhar funções de destaque, inclusive cristianizando os bárbaros. Os mosteiros tornaram-se centros únicos de educação e cultura. Entre as ordens religiosas, os bene- ditinos se espalharam por quase toda a Europa. A sociedade medieval é organizada por estamentos, ou estados: a nobreza, o clero e os servos. Cada estamento recebia um tipo de educação diferenciada. O clero era preparado princi- palmente com ensinamentos � losó� cos e teológicos, disciplinados e enquadrados nos parâmetros das ordens religiosas. A nobreza recebia outro tipo de educação, sendo preparada para a guerra, principalmente na arma de cavalaria, para as boas maneiras, lealdade ao seu senhor, moral e cívi- ca, lançamento de dardos, � echas, corridas, natação etc. A educação de um nobre começava com uma fase de escudeiro, quando recebia os ensinamentos de um cavaleiro, acompanhando-os nos campos de batalha. Os servos da gleba eram instruídos pelos familiares e por iguais, dentro dos limites do feudo. Esses ensinamentos não abarcavam ler, escrever e contar, apenas sobre a prática agrícola levada a efeito. Tipos de escolas na idade Média Embora a Igreja, desde o início, tivesse se preocupado com o conhecimento, no quinto século havia padres e bispos ainda analfabetos. Eram pessoas que procediam da nobreza e o conhecimento, como já foi dito, não era a preocu- pação dos nobres. Para se ter uma ideia, no ano 800, Carlos Magno tornou-se imperador aos 32 anos de idade e ainda era analfabeto. Depois aprendeu a ler, mas sempre teve dificuldade para escrever. Em seu reinado, foram criados três tipos de escolas: 49WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NIND AD E 3 - Escolas paroquiais: sob a responsabilidade do padre local, ensino elementar, que alfabetizava as primeiras letras. - Escolas episcopais: onde se ensinava gramática e textos sagrados, sob a su- pervisão dos bispos. - Escolas de mosteiros: uma espécie de curso superior, dirigidas pelas respec- tivas ordens religiosas. Tinha por base os estudos cristãos e o latim. Eram deco- radas frases e textos sagrados, acompanhados por um mestre. Alguns desses mestres ensinavam ofícios artesanais. Há a separação entre o falar e o fazer, o pensar e o trabalhar, a teoria e prática, formando as principais dicotomias da época. A partir do século X, a marca principal na idade Média quando se fala em educação é a criação das universidades. Eram locais onde se formavam grupos de estudos, com uma cultura superior, de acordo com as condições locais. A primeira universidade da Europa ocidental de que se tem notícias é a Escola de Medicina de Salermo, na Itália, com algumas in� uências árabes. De- pois ocorreu a fundação da Universidade de Bolonha, considerada, por muitos estudiosos, como a primeira direcionada aos estudos do Direito. No século XIII, surgiu a Universidade de paris, originária da Escola Catedral de Notre Dame e serviu de modelo às universidades europeias por no mínimo dois séculos. Surgiram no século XIV, Oxford e Salamanca, depois muitas outras. Figura 5 - Universidade de Oxford. Fonte: Oxford International (2017). No � nal da Idade Média, os habitantes dos burgos ou cidades � rmaram-se como uma classe social. Foram os burgueses, organizados em corporações e grêmios, fundando escolas de diferentes pro� ssões. Com o crescimento das cidades, criaram-se escolas municipais, indepen- dentes das catedrais. A maioria tinha o caráter prático, mas algumas se dedicaram a ensinar lite- ratura, geogra� a, história e outras disciplinas consideradas humanísticas. 50WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 3 O ensino era promovido em língua local e já existiam diretores e até supervisores da própria organização. Havia mestres ambulantes que circulavam por muitos lugares ou até países, contratados temporariamente e que tinham de passar por exames criteriosos. Foi o embrião da escola pública, durante a ascensão do capitalismo comercial. Por � m, vale ressaltar que durante a Idade Média, devido ao protagonismo da Igreja Ca- tólica, muitos religiosos dedicaram-se à educação. Os primeiros representavam a Patrística, � - loso� a e pedagogia exercidas pelos padres, seguindo os ensinamentos principalmente de Santo Agostinho (354-430). Na segunda metade da idade Média, os � lósofos e educadores pertenciam à Escolástica, seguindo, principalmente, as orientações de São Tomás de Aquino (1225-1274). EDUCAÇÃO RENASCENTISTA A Renascença europeia é o período compreendido entre os séculos XV e XVI e leva esse nome por representar uma volta aos valores greco-romanos. O Renascimento desencadeia um movimento conhecido como humanismo, pois coloca o homem no centro dos interesses e da cul- tura, diferentemente do que acontecia na Idade Média, quando as concepções são predominante- mente teológicas. Há um esforço para a superação do teocentrismo, com o destaque para valores antropocêntricos. A cultura greco-romana é retomada pelos renascentistas de modo a não passar pelos comentadores medievais, o que leva a uma secularização do saber, separando-o de uma in- terpretação religiosa, tornando o saber algo realmente humano. O homem desvia-se do céu para a terra, segundo Aranha (1996, p.86-87). Trata-se de um período de grande efervescência em todos os campos: � loso� a, ciência, nas artes em geral. O olhar do homem perpassando todos eles. Na Renascença acontece uma busca da individualidade, pois a razão funda-se em cada indivíduo, levando-o a estabelecer seus próprios caminhos. O princípio da autoridade, cultuado no período medieval, vai aos poucos se enfraquecendo com o espírito da liberdade e da crítica que cada vez ganha mais espaço. O humanismo está vinculado às transformações econômicas que vinham ocorrendo des- de o � nal da Idade Média, com o desenvolvimento das atividades artesanais e comerciais dos bur- gueses, que eram os antigos servos libertos do modelo feudal. Há uma revolução comercial em movimento que se caracteriza pelo novo modo de produção capitalista, que leva o feudalismo ao esgotamento. Da riqueza baseada na posse das terras, próprio do regime feudal, haverá o desen- volvimento da produção de bens em grande escala e realização de grandes negócios, impulsiona- dos por um período de grandes navegações e viagens ultramarinas, decorrentes da necessidade de ampliação das transações comerciais e enriquecimento da burguesia. Para muitos autores, além da importância da Patrística e da Escolástica para a educação cristã, houve um primeiro período, de igual importância, chamada Apostólico, correspondendo à atuação de Jesus de Nazaré e seus apóstolos, du- rante os primeiros anos do Cristianismo, chegando até o quarto século, com ou- tros seguidores. Esses ensinamentos foram anteriores à invasão dos bárbaros e tiveram continuidade com a Patrística. Alguns educadores se destacaram nessa época como, por exemplo, Clemente de Alexandria (160-220), que foi diretor da escola de Alexandria, divulgador dos ideais cristãos e grande pedagogo. 51WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 3 Figura 6 - Homem Vitruviano, obra de Leonardo Da Vinci, símbolo do Humanismo. Fonte: Escola de Artes Liberais (2017). O espírito inovador do Renascimento se manifesta inclusive na religião, pois ocorrem movimentos de ruptura com a Igreja Católica, criticando sua autoridade e estrutura de comando centrada no poder papal. Aliados a interesses políticos nacionalistas e de natureza econômicos, Lutero, Calvino e o Rei Henrique VIII, entre outros, encabeçam movimentos reformistas (Re- forma Protestante), que recebem prontamente uma reação da parte da Igreja Católica, com a chamada Contrarreforma. Com essa atitude, a Igreja vai buscar recuperar o poder que estava perdendo, a partir de decisões tomadas no Concílio de Trento (1545-1563), como a rea� rmação dos princípios da fé, da supremacia papal, da criação dos seminários para a formação dos padres. A Inquisição, tribunal eclesiástico existente desde a Idade Média para combater as heresias, tam- bém se torna mais atuante. Destaca-se também o papel dos jesuítas, membros da Companhia de Jesus, organização criada por Inácio de Loyola na Contrarreforma, que serão uns dos principais responsáveis pela difusão do cristianismo por meio da educação durante séculos. As causas desses movimentos reformistas não são somente de natureza religiosa, mas estão relacionadas às ações de rebeldia que surgem nas cidades, que começam a se libertar dos senhores feudais e das restrições econômicas impostas pela Igreja, como a condenação à prática dos empréstimos a juros feita pela Igreja, segundo Aranha (1996, p.87-88). No Renascimento há o grande interesse na superação das contradições entre o pensa- mento religioso da Idade Média e a nova proposta burguesa de secularização. Nesse momento de grande crítica à tradição, também a educação procura bases naturais, não-religiosas, a � m de se tornar um instrumento adequado para a difusão dos valores burgueses. A disciplina e a autori- dade até então predominantes deixam espaço ao desenvolvimento do pensamento livre e crítico. As matérias cientí� cas retornam ao currículo, embora ainda em segundo plano. Surge o colégio humanista (escola secundária), onde são estudados o latim e o grego. Os exercícios físicos são valorizados. Vai aos poucos sendo esboçada uma sociedade baseada nos princípios da civilização ur- bana e cosmopolita, originando uma forma de pensar que assente na valorização da “dignidade do homem”, colocando-ono centro do universo, dando ênfase à sua forma de agir e de pensar, abrindo-lhes novos horizontes para desenvolver sua personalidade, conduzindo o seu pensa- mento a uma nova perspectiva da vida. 52WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 3 EDUCAÇÃO NA IDADE MODERNA No século XVII ocorre a transição entre a pedagogia renascentista e a pedagogia ilu- minista do século XVIII. As grandes mudanças no cenário da ciência e da � loso� a provocadas pelas novas ideias de Galileu, Newton e Descartes, por exemplo, dá início aos novos métodos da educação moderna. As ideias advindas do racionalismo e do renascimento cientí� co in� uenciam os pedagogos, cada vez mais interessados pelo método e realismo em educação. A principal ten- dência é a busca de métodos diferentes a � m de tornar a educação mais agradável e ao mesmo tempo e� caz na vida prática. O realismo é caracterizado pela valorização da experiência, das coisas do mundo e pela maior atenção aos problemas da época. A pedagogia realista contraria a educação antiga, exces- sivamente formal e retórica. Considera que a educação deve partir da compreensão das coisas e não das palavras, o que exige uma nova didática. Por exemplo, Comênio (1592-1670) mostra a necessidade de um método que garanta um ensino mais rápido e mais seguro. Propõe uma didá- tica que torne a aprendizagem e� caz e atraente mediante uma cuidadosa organização de tarefas, tendo como ponto de partida sempre o conhecido, indo do simples para o complexo, do concreto para o abstrato. A experiência sensível é a fonte de todo o conhecimento, sendo valorizada a edu- cação dos sentidos. Na mesma linha está o pensamento de Locke que, ao criticar o racionalismo de Descartes, desenvolve uma concepção de da mente infantil e da educação, destacando o papel do mestre ao proporcionar experiências fecundas, que auxiliem a criança no uso correto da razão. Segundo esse pensador, os � ns da educação se concentram no caráter, muito mais importante que a for- mação apenas intelectual, embora não se deva ser absolutamente descuidada. No século XVII, os esforços para institucionalizar a escola, iniciados no século anterior, se aperfeiçoam com a legislação referente à obrigatoriedade, aos programas, níveis e métodos. Figura 7 - Inácio de Loyola (1491-1556), fundador da Companhia de Jesus. Fonte: Araújo (2017). O monopólio do ensino ainda pertence aos jesuítas, membros da Companhia de Jesus, que no século XVIII contavam com mais de seiscentos colégios espalhados pelo mundo. Repre- sentam um ensino tradicional mais conservador, que valoriza a Escolástica (método marcado pelo respeito à autoridade e à reprodução de um pensamento busca a con� rmação racional das verdades de fé), desprezam as ciências e a � loso� a modernas e enfatizam o ensino do latim e da retórica. 53WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 3 Dentro do campo religioso, os jesuítas têm vários opositores, como os oratorianos, da Congregação do Oratório que, por sua vez, aceitam a in� uência das novas ciências e da � loso� a cartesiana; ensinam o francês e outras línguas modernas, além do latim; estudam história e geo- gra� a com o uso de mapas e encorajam a curiosidade cientí� ca, utilizando um sistema disciplinar brando. Dentro do espírito da modernidade, vemos um forte movimento pela universalização do ensino elementar. Na Alemanha, por exemplo, há tentativas de implantação de projetos de uma educação pública, com regulamentação da obrigatoriedade escolar para todas as crianças de seis a doze anos, estabelecimento de leis para a educação primária obrigatória, de� nindo os graus, as horas de trabalho, os exames regulares e a inspeção, bem como a atenção na formação de mestres. Na França, ainda dentro do ideal da escola pública e gratuita destaca-se o trabalho do abade Charles Demia (1636-1689), in� uência na fundação de diversas escolas gratuitas para crianças pobres e um seminário para a formação de mestres. É importante notar que essas es- colas vão contribuir com a instrução religiosa, disciplinar de trabalhos manuais, servindo para que os mais abonados pudessem encontrar servidores domésticos ou empregados comerciais ou industriais. A implantação dessas escolas ocorre nos centros onde é grande a necessidade de mão de obra com certa instrução. As muitas transformações do início da Idade Moderna marcaram profundamente a edu- cação. No século XVII a Europa se debate nas contradições que indicam a ultrapassagem da visão aristocrática da nobreza feudal em direção a um mundo que se constrói com os valores burgueses. Esse debate é percebido na educação quando vemos que a aspiração de uma peda- gogia realista e, em alguns casos, até universal, coexiste com as escolas ministrando um ensino conservador, predominantemente nas mãos dos jesuítas, apesar de toda a re� exão � losó� ca e pedagógica que se realiza. Na realidade, na educação se esboça o dualismo que vai caracterizar claramente o século seguinte. EDUCAÇÃO ILUMINISTA O século XVIII é conhecido como o Século das Luzes, do Iluminismo e da Ilustração (Au� lärung). Nesse contexto, as luzes signi� cam o poder da razão humana de interpretar e reor- ganizar o mundo. Esse otimismo vem sendo preparado desse Renascimento, quando o homem passou a valorizar os próprios poderes contra o teocentrismo medieval e o princípio da autorida- de. No século XVII o racionalismo e a revolução cientí� ca acentuam essa tendência. No Século das Luzes o homem já é con� ante, artí� ce do futuro e não mais se contenta em contemplar a harmonia da natureza, mas quer conhecê-la para dominá-la. O Iluminismo é um período muito rico em re� exões pedagógicas. Destaca-se o esforço para tornar a escola leiga e função do Estado, e a ênfase de que o ensino é um veículo importante das luzes da razão e fundamental no combate às superstições e ao obscurantismo religioso. Há a defesa da universalização da instrução. Mas há também, ao mesmo tempo, um receio de que a educação das massas provocasse o desequilíbrio na ordem social que então se estabelece, atingin- do os interesses da alta burguesia. 54WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 3 REFLITA Educação para todos vs. educação para poucos Exemplos dessas duas posições: Diderot, em carta à imperatriz Catarina da Rússia: “É bom que todos saibam ler, escrever e contar, desde o primeiro-ministro ao mais humilde dos camponeses”. Voltaire, em carta ao Rei da Prússia: “Vossa majestade prestará um serviço imor- tal à humanidade se conseguir destruir essa infame superstição [a religião cris- tã], não digo na canalha, indigna de ser esclarecida e para qual todos os jugos são bons, mas na gente de peso”. (ARANHA, 1996, p.121). Precisamos registrar novamente a importância de Rousseau no período Iluminista, seja no pensamento político, seja no pedagógico. Costuma-se dizer que Rousseau provocou uma re- volução copernicana na pedagogia: assim como Copérnico inverteu o modelo astronômico, re- tirando a Terra do centro, Rousseau centraliza os interesses pedagógicos no aluno, não mais no professor e faz isso ressaltando a especi� cidade da infância da criança, que não deve ser encarada como um adulto em miniatura. Os � ns da educação se encontravam na formação do homem para Deus ou para a vida em sociedade, mas Rousseau quer que o homem integral seja educado para si mesmo. Dizia ele que o principal a ser ensinado era o viver e que depois de passar por suas mãos de educador não sairia um juiz, soldado ou sacerdote, mas, antes de tudo, um homem. Rousseau critica o regime feudal e os costumes da aristocracia, elaborando os princípios da doutrina liberal, entre eles principalmente o da liberdade. Nesse contexto, defende uma educa- ção afastadadas convenções sociais, por entendê-las meras formalidades. Da mesma forma que, na esfera política, cidadão elabora as leis da sociedade democrática, também a educação busca a espontaneidade original, livre da escravidão dos hábitos exteriores a � m de que o homem seja dono de si mesmo, agindo por interesses naturais e não por constrangimento exterior e arti� cial. No século XVIII, ainda, continua a in� uência dos jesuítas, com os colégios espalhados pelo mundo, mas há uma forte onda de críticas sendo feitas, devido ao dogmatismo da escolás- tica decadente. No entanto, as questões econômicas e políticas se sobrepõem aos limites estri- tamente pedagógicos. Os jesuítas são expulsos de diversos países, sendo a Companhia de Jesus extinta, em 1773, pelo papa Clemente XIV. Isso provoca uma desestabilização no sistema escolar, uma vez que os jesuítas possuíam muitas escolas. Em pleno Iluminismo não fazia mais sentido atrelar a educação à religião, como nas esco- las confessionais, nem aos interesses de uma classe, como queria a aristocracia. A escola deveria ser leiga (não-religiosa) e livre (independente de privilégios de classe). Estão atreladas a isso a educação ao encargo do Estado, e a obrigatoriedade e gratuidade do ensino elementar, ideias es- tas que nem sempre são colocadas em prática. Para Rousseau, homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe. Em sua obra Emílio, ele apresenta de forma romanceada a educação de um jovem, acompa- nhado por um preceptor ideal e afastado da sociedade que corrompe a todos. Está presente aí a proposta de uma educação conforme a natureza, não no sentido de retornar à vida selvagem ou primitiva, e sim buscar a verdadeira natureza, que corresponde à vocação humana. 55WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 3 Mesmo com o ideal liberal da educação, é crítica a situação do ensino na Europa. As es- colas elementares são raras, as de grau médio são antiquadas e servem às classes privilegiadas. As universidades permanecem escolásticas e ultrapassadas, alheias ao movimento iluminista. Apesar dos projetos de estender a educação a todos os cidadãos, prevalece a diferença de ensino, ou seja, uma escola para o povo e outra para a burguesia. Essa dualidade era aceita com grande tranquilidade, em o temor de ferir o preceito da igualdade, tão caro aos ideais revolu- cionários. A� nal, para a doutrina liberal, o talento e a capacidade não são iguais, e, portanto, os homens não são também iguais em riqueza. A partir de agora, vamos continuar estudando os fundamentos históricos da educação a partir da perspectiva da educação no Brasil, uma vez que é possível fazer a correlação de nossa história com o que ocorria na educação pelo mundo a fora. Aproveitaremos, ao � nal, para apre- sentar sucintamente as tendências pedagógicas na prática escolar realizada em nosso país. Isso nos ajudará a perceber a relação das implicações históricas e � losó� cas na educação brasileira, mostrando o quanto elas são inseparáveis para a compreensão do processo pedagógico que por aqui se realizou. UNIDADE 56WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................... 57 EDUCAÇÃO COLONIAL ............................................................................................................................................ 58 EDUCAÇÃO NO IMPÉRIO ........................................................................................................................................ 59 EDUCAÇÃO NA REPÚBLICA .................................................................................................................................... 61 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS NA PRÁTICA ESCOLAR ......................................................................................... 65 PEDAGOGIA LIBERAL .............................................................................................................................................. 66 PEDAGOGIA PROGRESSISTA ................................................................................................................................. 68 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO NO BRASIL E AS TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS NA PRÁTICA ESCOLAR PROF. ME. FLÁVIO DONIZETE BATISTA 04 57WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 4 INTRODUÇÃO Apesar de não ser adequado falar de uma separação rígida de épocas, é possível dizer que o período colonial é compreendido de 1500 a 1808, antecedendo ao período Brasil-Império (188- 1889) e Brasil-República (de 1889 até nossos dias). A separação das épocas é política e pode haver movimentos que comecem antes ou depois dessa datação. Em todo caso, aquilo que chamamos de Brasil Colônia corresponde às condições gerais presentes nos séculos XVI, XVII e a primeira metade do XVIII, quando há o movimento inicial de separação da Colônia Brasil e da Metrópole Portugal. A educação no período colonial esteve delegada aos jesuítas, não de modo exclusivo, mas sim, hegemônico, de 1549, quando chegaram os primeiros padres jesuítas, até 1759, quando estes foram expulsos pelo Marquês de Pombal. 58WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 4 EDUCAÇÃO COLONIAL Não é possível compreender a presença dos jesuítas no Brasil sem relembrarmos a con- textualização histórica do que aconteceu na Europa e na América na modernidade do século XV ao XVIII. Com o desenvolvimento do mercantilismo (fase do capitalismo marcado pela circu- lação de mercadorias) e com o Estado Absoluto, houve uma corrida entre as nações europeias pelo controle das rotas comerciais terrestres e marítimas. A busca do acúmulo de riquezas em metais, produtos tropicais e especiarias, levou a Europa a desbravar mares e oceanos, conquis- tando e explorando partes da Ásia, do litoral africano e “descobrindo” a América. A conquista e a colonização da América, sobretudo, por parte de Portugal e Espanha se inscrevem na perspectiva econômica do mercantilismo, com o objetivo de conseguir a maior quantidade de riqueza, seja em ouro e prata, seja em matérias-primas e produtos tropicais. Faz-se necessário também observar que há um quadro-histórico peculiar na Europa nes- se período: a quebra da hegemonia da Igreja Católica com o movimento reformista, que leva a Companhia de Jesus a assumir um papel muito importante na reação católica chamada de Con- trarreforma. Os jesuítas se tornam estratégicos no combate ao protestantismo, impedindo a pro- pagação dos ideais reformistas e defendendo os dogmas. Assumem lugar de destaque na questão da educação das elites europeias e das colônias americanas. Figura 1 – Catequização indígena. Fonte: Couto (2017). Compreende-se que a colonização do Brasil em particular, e da América Latina como um todo, está circunscrita em um duplo projeto: econômico e cultural-religioso. A colonização do Brasil ocorreu no contexto da expansão mercantilista e católica, com a metrópole portuguesa tra- zendo para a colônia brasileira seu modelo cultural. Portanto, não foi por acaso que um grupo de jesuítas aqui chegou sob o comando do Pe. Manoel da Nóbrega, em 1549, mas sim, perfeitamente de acordo com o projeto colonizador português. Conforme o Regimento de 1548 (o primeiro documento escrito que trata da educação no Brasil e que estabelecia os parâmetros colonizadores na América portuguesa), cabia aos colonos o papel de “conversão dos indígenas à fé católica pela catequese e pela instrução” (RIBEIRO, 203, p. 18). Apesar das ações educacionais dos jesuítas terem como foco os indígenas, o Padre Mano- el da Nóbrega elaborou um plano que expandiu a ação dos jesuítas também a outrosgrupos da colônia: � lhos dos colonos e negros escravos. Além da catequese, o plano de ação incluía aulas de português, de música, de leitura, de escrita, ensino de práticas agrícolas e aprendizagem de ofí- cios. A prática pedagógica utilizava do teatro, canto e atividades práticas com a terra e artesanato. 59WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 4 Não durou muito e os jesuítas haviam fundado igrejas, colégios, seminários, missões e re- colhimentos por diferentes lugares da costa brasileira, marcando profundamente a vida colonial nos primeiros duzentos anos de colonização. Depois da morte do Pe. Manoel da Nóbrega, seu plano de ação foi deixado de lado e passou a ser adotado o plano educacional geral da Compa- nhia de Jesus, chamado de Ratio Studiorum, marcado pela separação entre a instrução mínima para os “de baixo” (índios, negros e mestiços) e formação clássica para os “do alto” (os � lhos dos colonizados brancos). Uma formação humanística e intelectual europeia para os brancos. Para os demais, bastava a catequização. A Ratio Studioroum tinha um objetivo predominantemente religioso, afastando-se do caráter cientí� co que estava em pleno desenvolvimento na Europa. E diante das transformações trazidas pela reestruturação do sistema produtivo capitalista, a Ratio (e os jesuítas) perderá es- paço nas colônias portuguesas, uma vez que a Metrópole lusitana vai adequar-se, mesmo que lentamente, aos novos tempos. Assume medidas de cunho reformista tanto em termos políticos como econômicos e educacionais, o que inviabiliza a permanência dos jesuítas na colônia, sendo expulsos, em 1759, pelo Marquês de Pombal. A educação � cará sob a responsabilidade do Estado, sofrendo in� uências iluministas, que até então não encontravam espaço em Portugal. Essa nova etapa da educação passa a ser chamada Régia. O Ensino Régio instituído pelas reformas de Pombal não passava de aulas avulsas que eram dadas por professores selecionados rigidamente por meio de exames o� ciais, mas que se- riam pagos pelos próprios alunos. Tratou-se de um ensino fragmentado, com disciplinas isola- das, sem uma estrutura e organização, muito diferente, portanto, do que havia com os jesuítas. Não havia currículo, ou seja, um conjunto de estudos ordenados e concatenados, nem uma dura- ção adequada para o desenvolvimento do conteúdo. A matrícula era feita em quantas disciplinas o aluno desejasse e pudesse participar das aulas. Além disso, os professores eram geralmente de baixo nível, mal pagos, numa grande diferença como o magistério dos jesuítas, que tinham gran- de formação acadêmica. O Ensino Régio continua com o caráter elitista da educação dada pelos jesuítas, uma vez que os estudos em nível superior eram concluídos em Coimbra, agora com um espírito cientí� co, o que não era acessível a todos obviamente. Há o trabalho intelectual em detrimento do manual, valorizando a cultura europeia. EDUCAÇÃO NO IMPÉRIO Esse modelo de educação vai durar no século XIX, permanecendo como marca da edu- cação brasileira durante os anos do regime monárquico. São mantidas as linhas gerais, havendo a criação do “subsídio literário”, um imposto destinado ao pagamento das despesas com educação por parte do Estado. No século XIX, no contexto internacional, com as guerras napoleônicas, haverá uma série de acontecimentos que trarão desdobramentos marcantes para Portugal e Es- panha e, consequentemente, para o Brasil. Diante da iminência de ver Portugal invadido por Napoleão, e temendo ser deposto, como foi o rei da Espanha, Dom João VI, a família real e a corte fogem para o Brasil, escoltados pela marinha britânica. Essa transferência inicia uma etapa decisiva para o Brasil, com mudanças na política, na economia e no status da colônia, que passa a ser a sede do império português. Tudo isso vai repercutir também na educação, com investimentos no campo cultural, início de cursos superiores, com a criação de academias e aulas: Academia Real da Marinha, Aula de Economia Política, Escola de Anatomia e Cirurgia, Aula de Comércio, Aula de Botânica. 60WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 4 Todas essas no Rio de Janeiro. Na Bahia é implantada a Escola de Cirurgia e em Pernam- buco um curso de matemática. A implantação desses cursos não se trata de uma estruturação do sistema de ensino, pois seu funcionamento se dá de forma isolada, atendendo a necessidades que se apresentavam urgentes. As escolas elementares e as secundárias funcionavam isoladamente de modo muito parecido com as Aulas Régias da época de Pombal, sempre privilegiando elementos da aristocracia local. Com a volta da família real para Portugal e a busca da elite local de continuar gozando de uma autonomia comercial, um “arranjo político” é realizado e, em 1822, o Brasil se torna inde- pendente de Portugal, mantendo a monarquia, o que caracteriza uma situação única entre as re- públicas independentes na América. Com a monarquia, foi mantido também o regime de traba- lho escravo. Vemos que a independência política não alterou as estruturas internas do Brasil e há um processo de dependência econômica cada vez maior dos centros capitalistas, em especial com a Inglaterra. No que diz respeito à educação, pouco ou quase nada foi alterado em suas estruturas. Na Constituição de 1824 é estabelecida a gratuidade da educação em nível primário para todos os cidadãos, mas isso não chega a ter desdobramentos práticos na educação existente até então. No primeiro reinado (1822-1831) há a criação de uma lei, proposta por Januário da Cunha Barbosa, que institui a distribuição racional por todo o território nacional das escolas das primeiras letras, o que signi� ca que haveria a limitação somente a um grau. Ao mesmo tempo, persiste a predominância do ensino superior com a abertura de cursos jurídicos no Recife e em São Paulo em 1827, tornando a carreira jurídica (e outros cursos de nível superior) cada vez mais valorizada. Isso evidencia que a educação tinha um caráter mais classi� catório, ao dar maior prestígio social aos que frequentavam o ensino superior, do que uma real promoção do desenvol- vimento social ao Brasil. Podemos a� rmar que durante o século XIX e boa parte do século XX, o ensino funda- mental não era prioridade do Estado brasileiro, favorecendo a marginalização de grande con- tingente de brasileiros. Educação como privilégio de poucos que frequentavam escolas leigas ou confessionais, acessíveis a uma minoria da população. Firma-se uma hegemonia de uma elite economicamente dominante que, por serem � lhos educados, tem acesso praticamente exclusivo aos cargos públicos, participando da vida política partidária e do integrando o aparato judiciário. Houve um período na monarquia brasileira, de 1831 a 1840, que vai da abdicação de Dom Pedro I até a subida ao trono de Dom Pedro II, marcado por muitas revoltas nas províncias, crise econômica e disputas entre as elites políticas, que por pouco não levaram a uma fragmenta- ção da unidade territorial do Brasil. Figura 2 - Colégio Pedro II. Fonte: Silva (2010). 61WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 4 Em 1834, um decreto altera a Constituição de 1824 fazendo com que a educação passe a ser da competência das Províncias, que deveriam promover os níveis primário e secundário. Os cursos superiores continuariam sob a responsabilidade do governo central. Dois anos após, em 1836, ocorre a fundação do Colégio Pedro II, que tornar-se-á uma referência nacional em termos de currículo e método de ensino. Esse colégio possuía uma autorização jurídica para realizar exa- mes que conferiam o título de bacharel aos aprovados, condição indispensável para o ingresso em cursos superiores. Sob o comando do governo central,o Colégio Pedro II simbolizou a distinção para os � lhos das aristocracias urbana e rural brasileiras. Dom Pedro II imperou por quase cinquenta anos, não tendo em seu governo alguma reforma substancial na educação. O Brasil reforça sua vocação agrícola cada vez mais, com o desenvolvimento da cultura do café. A educação nunca foi prioridade para o Estado. Tentativas de reformas foram tímidas e super� ciais, mas que não levaram a uma efetiva transformação. Há iniciativas de particulares, protestantes ou positivistas, de fundação de escolas primárias em São Paulo. O Brasil terminou o século XIX ainda sem a organização de um sistema de educação com abrangência nacional. Questões políticas e intelectuais levam a movimentos para a derrubada da monarquia e a adoção do regime republicano, gerando uma busca por reformas em diversas áreas, na tentativa de elevar o país a um nível que atendesse às novas necessidades da Revolução Industrial, tais como, maior competitividade econômica e a colocação da ciência como base para o desenvolvimento. Nessa esteira, surgem entusiastas que defendem uma revolução no campo da educação, para que o Brasil pudesse progredir. Estas e outras questões acendem o debate político e intelectual que marca a transição da Monarquia para a República. EDUCAÇÃO NA REPÚBLICA Com a República, proclamada em 1889, fruto de um golpe militar possível pelo alinha- mento de interesses de setores do exército, da elite cafeeira e de intelectuais da época, a política educacional ditada pelo Estado pouco muda em relação ao período do império. A prioridade continua sendo o ensino secundário e superior, com os estados legislando sobre o ensino primá- rio. Figura 3 – Proclamação da República. Fonte: Correio do Povo (1889). 62WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 4 No período chamado de Primeira República e República Velha (1889-1930), apesar da falta de prioridade em relação à educação básica, foram muitas as propostas de reformas – por exemplo, Reforma Benjamim Constant (1891), Reforma Rivadávia Correia (1911), Reforma Luiz Alves Rocha Vaz (1925) –, mas todas elas com pouca ou nenhuma modi� cação. Com a Primeira Grande Guerra Mundial (1914-1918), o Brasil se viu forçado a produ- zir tudo aquilo que não conseguia importar mais por conta do con� ito bélico. Isso leva a uma reviravolta industrial e urbana, mas ainda de forma não muito estruturada. Na década de 1920, há uma busca por renovação cultural e intelectual, marcadas pela semana de arte de 1922 e pela fundação da Associação Brasileira de Educação (ABE), em 1924. No � nal dessa década há um clima de entusiasmo pela educação e de um otimismo pedagógico que fazem acontecer as Confe- rências Brasileiras de Educação, promovidas pela ABE, e novamente por uma série de propostas de reformas educacionais em vários estados da federação: em São Paulo, Reforma Sampaio Dória (1920); no Ceará, Reforma Lourenço Filho (1922); no Distrito Federal, Reforma Carneiro Leão (1922); na Bahia, Reforma Anísio Teixeira (1924); no Rio Grande do Norte, Reforma Bezerra de Meneses (1925); e no Paraná, Reforma Lisímaco da Costa (1927). Vemos, portanto, que a década de 1920 trouxe grande agitação no campo cultural, inte- lectual e educacional, cujos efeitos poderão ser percebidos a partir das próximas décadas. Uma série de fatores internos e externos contribuiu para a Revolução de 1930, que leva ao � m da he- gemonia oligárquica no poder federal, forçando uma nova conjugação das classes dominantes que desejam um novo modelo de Estado e de desenvolvimento econômico. Temos o período chamado de Era Vargas, com enormes consequências na urbanização do Brasil. Figura 4 - Educadores brasileiros do movimento Escola Nova, entre eles Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Anísio Teixeira. Fonte: Oliveira (2015). Os debates sobre os rumos da educação continuam na década de 1930, sendo lançado, em 1932, o Manifesto dos Pioneiros, encabeçado por Fernando Azevedo, Anísio Teixeira, Pas- choal Lemme, Lourenço Filho e tantos outros, com características renovadoras e até radicais para a época. Estes debates se prolongarão até a década de 1960, com uma enorme variedade de correntes de pensamento. As ideias propostas no debate estão, mesmo que parcialmente, na Constituição de 1934 e na Reforma Francisco Campos, em 1931. Esses documentos se tornaram paradigmas para a efetiva construção de um sistema educacional nacional, estabelecendo prin- cípios norteadores – educação como direito, obrigatoriedade do ensino primário –, e de� nindo atribuições da União – assistência, controle e � scalização. 63WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 4 Na Europa dos anos de 1930 há um radicalismo político que coloca, de um lado, a es- querda ligada ao socialismo e ao comunismo, e de outro, a direita representada pelo fascismo (Itália), nazismo (Alemanha) e franquismo (Espanha). O Brasil também tem seu extremismo na oposição entre grupos comunistas e grupos fasci-nazistas. Essa polarização é utilizada por Vargas para perpetrar um golpe de estado em 1937, instituindo o chamado Estado Novo, com uma nova constituição sendo imposta à nação, com um caráter autoritário e centralizador. Na educação são mantidos os princípios previstos na Constituição de 1934, com as maio- res funções ao governo central. A política educacional será implementada através da Reforma Capanema, através do Ministro da Educação Gustavo Capanema, que buscou uma maior consis- tência ao ainda incipiente sistema educacional brasileiro, desde o ensino primário até o ensino superior, passando pelo secundário, industrial, comercial, normal e agrícola. Visava uma quali� - cação da mão de obra, em vistas à industrialização crescente, e contou com a criação do SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial). Durante o Estado Novo, o sistema escolar brasileiro foi organicamente estruturado, com o estabelecimento da duração, dos currículos, dos exames e objetivos que deveriam ser alcança- dos em cada nível de ensino. Tal estruturação permaneceu praticamente inalterada até as refor- mas dos não de 1970. Mas não houve um debate tão intenso na educação, como aquele que havia antes da ditadura de Vargas. Os representantes das diversas correntes de pensamento educacional � caram divididos, com maior ou menor aproximação ideológica com o governo. Somente quinze anos após, com o � m do Estado Novo, em 1945, o debate será intensi� cado por uma nova geração de intelectuais, como Florestan Fernandes, Caio Prado Júnior, Nelson Werneck Sodré, criando um clima intenso de re� exão, que chegará até os anos de 1960. Figura 5 – Estado Novo. Fonte: Sousa (2016). Após a Era Vargas, a democracia é vivenciada num clima de Guerra Fria, com os ven- cedores da Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos e URSS, polarizando num embate entre capitalismo e comunismo. A nova Constituição brasileira, de 1946, mantém os princípios gerais daquela de 1934, como a obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário, permitindo que esco- las públicas e privadas coexistissem. 64WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 4 A União deveria estabelecer as “diretrizes e bases da educação nacional” (LDB). A LDB de 1961, percorreu como projeto de lei treze longos anos, até ser aprovada. Foi acirrado o debate entre os defensores da escola pública e os defensores da escola privada, ultrapassando os limites do Congresso. A defesa da escola pública mobilizou a sociedade civil organizada, com manifes- tações, convenções e campanhas. Quando foi sancionada por João Goulart, a LDB 4024/61 já estava superada pelas necessidades educacionais da época, o que foi causa de grande decepção da partede intelectuais e educadores. A LDB de 1961 reorganizou o sistema escolar em ensino primário, ginasial e colegial; manteve os princípios e objetivos de inspiração liberal e democrática e determinou que a União deveria implementar um Plano Nacional de educação em 1962, com metas e objetivos que deve- riam ser alcançados em oito anos, o que não aconteceu devido ao golpe militar de 1964, dando um � m ao curto período democrático na história republicana do país. O golpe militar foi resulta- do da ameaça que as elites brasileiras e grupos conservadores sentiam com o tom “populista” do governo Goulart, fazendo com que aderissem a uma estratégia norte-americana de combate ao comunismo, levando ao fechamento do regime político por duas décadas, sendo construído um Estado autoritário e antidemocrático, alinhado com o capital nacional e multinacional. Durante o regime militar, houve a desmobilização dos movimentos estudantis e intelec- tuais, articulados desde o � nal do Estado Novo, por meio de forte repressão do Estado. Implan- tou-se uma legislação educacional autoritária, tentando impedir avanços alcançados na educação popular. Em 1968, ano em que Ato Institucional de número 5 é lançado, sendo justi� cada grande prática de violência da parte do Estado, é anunciada uma reforma do sistema universitário que leva a uma reorganização acadêmica e administrativa do ensino superior, tendo em vista a qua- li� cação da mão-de-obra para atender aos interesses da indústria e de infraestrutura do país, � nanciados grande parte pelo capital estrangeiro. Um acordo internacional entre o Ministério da Educação e uma agência econômica norte-americana (USAID) é � rmado, levando a educação a atender cada vez maior aos interesses do capital. Em 1971 entrou em vigor uma nova LDB, subs- tituindo a de 1961, decretando a estruturação do sistema escolar em primeiro grau, com oito anos de duração, correspondendo ao primário e ginásio antigos, e em segundo grau, com três anos de duração, equivalentes ao antigo colegial, que deveria ser agora pro� ssionalizante. Figura 6 – Regime Militar. Fonte: Reis (2014). 65WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 4 A política educacional no período da ditadura militar tinha por objetivo a desmobiliza- ção estudantil e incutir uma educação acrítica, baseada em práticas autoritárias, com um sistema avaliativo punitivo e com predomínio da simples memorização. Exemplo disso é a retirada das disciplinas de Filoso� a, História e Geogra� a, que foram substituídas pelas disciplinas de Educa- ção Moral e Cívica, Estudos Sociais e Organização Social e Política Brasileira. Liberdade docente não era permitida, o que levou à perseguição, aposentadoria e exílio de muitos professores. A ditadura mostra sinais de enfraquecimento a partir da década de 1980, com mudanças internacionais e nacionais, através de um arrefecimento da guerra fria, mudança da lógica capita- lista, agora de orientação neoliberal, e pela defesa dos direitos humanos. A transição da ditadura para a democracia foi negociada, lenta e gradual, permitindo uma abertura à sociedade civil, com a reorganização dos partidos políticos, sindicatos e organizações estudantis. Em março de 1985, é eleito o primeiro presidente civil, ainda por meio de eleição indireta, dando início a uma longa transição política. Diante das mudanças no sistema capitalista, de corte neoliberal, defensor de privatiza- ções e do estado mínimo, os governos brasileiros a partir de 1985, na chamada Nova República, passam a tomar medidas pontuais no campo da educação. Forte indicação disso é a Constituição de 1988, onde está consagrada a educação como dever do Estado, compartilhado com a família e a sociedade, e um direito de todos. Na Constituição está a previsão dos recursos � nanceiros para a educação com a de� nição dos percentuais mínimos de investimento para o poder público. Também estão � xados os conteúdos mínimos da organização curricular, válidos nacionalmente. Um avanço expressivo na construção de um sistema educacional qualitativa e quantitati- vamente e� ciente foi a promulgação da nova LDB em 1996 (Lei federal 9394), que reestruturou os níveis de ensino em ensino básico (infantil, fundamental e médio) e superior, prevendo a obri- gatoriedade do ensino fundamental e gestão democrática das unidades escolares. Os governos Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva procuram garantir na prática as conquistas da Constituição de 1988 e da LDB de 1996, criando dispositivos efetivos para o cumprimento dos dispositivos legais. São criados fundos que visam manter as crianças e jovens mais pobres nas escolas: Fundef no governo FHC e o Fundeb no governo Lula. O número de matrículas aumenta na educação básica e a evasão escolar diminui. Mas ainda há um grande caminho a ser percorrido, principalmente no que diz respeito ao desempe- nho qualitativo do processo ensino-aprendizagem. TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS NA PRÁTICA ESCOLAR Depois de percorrermos, mesmo que sucintamente, os períodos históricos de nossa edu- cação brasileira, vamos apresentar as tendências pedagógicas que se constituíram durante essa mesma história. Segundo Luckesi (2001), abordar essas tendências teóricas é uma forma de bus- car dar conta da compreensão e da orientação da prática educacional nos diversos momentos e circunstâncias de nossa história. Dessa forma, estaremos aprofundando a compreensão da articulação entre � loso� a, his- tória e educação, que, aqui, atinge o nível da concepção � losó� ca da educação, que se sedimenta em uma pedagogia. É evidente que tanto as tendências quanto as manifestações não são puras nem mutua- mente exclusivas o que, aliás, é a limitação principal de qualquer tentativa de classi� cação. Em alguns casos as tendências se complementam, em outras, divergem. 66WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 4 A exposição das tendências pedagógicas compõe-se de uma caracterização geral da ten- dência liberal e progressista, seguidas da apresentação das pedagogias que as traduzem e que se manifestam na prática docente. A apresentação parte dos pressupostos de Cipriano Carlos Luckesi, na obra Filoso� a da Educação, na edição de 2001, e será utilizado como critério a posição que cada tendência adota em relação às � nalidades sociais da escola. PEDAGOGIA LIBERAL O termo liberal não tem o sentido de “avançado”, “democrático”, “aberto”, como costuma ser usado. A doutrina liberal apareceu como justi� cação do sistema capitalista que, ao defender a predominância da liberdade e dos interesses individuais da sociedade, estabeleceu uma forma de organização social baseada na propriedade privada dos meios de produção, também denomina- da sociedade de classes. A pedagogia liberal, portanto, é uma manifestação própria desse tipo de sociedade. A educação brasileira tem sido marcada pelas tendências liberais. A pedagogia liberal sustenta a ideia de que a escola tem por função preparar os indiví- duos para o desempenho de papeis sociais, de acordo com as aptidões individuais, por isso os indivíduos precisam aprender a se adaptar às normas vigentes na sociedade de classes através do desenvolvimento da cultura individual, o que esconde a realidade das diferenças de classes, pois, embora difunda a ideia de igualdade de oportunidades, não leva em conta a desigualdade de condições. Historicamente, a educação liberal iniciou-se com a pedagogia tradicional e, por razões de recomposição da hegemonia da burguesia, evoluiu para a pedagogia renovada (também cha- mada escola nova ou ativa), o que não signi� cou a substituição de uma pela outra, pois ambas conviveram e convivem na prática escolar. TENDÊNCIA LIBERAL TRADICIONAL Papel da Escola: Consiste na preparação intelectual e moral dos alunos; compromisso com a cultura; os menos capazesdevem lutar para superar suas di� culdades e conquistar seu lugar junto aos mais capazes. Conteúdos de Ensino: Valores sociais acumulados pelos antepassados. As matérias pre- param o aluno para a vida. Conteúdos são separados da experiência do aluno e das realidades sociais. Método: Exposição verbal da matéria, preparação do aluno, apresentação, associação, exercícios e repetições. Professor x Aluno: Predomina a autoridade do professor. O professor transmite o conte- údo na forma de verdade a ser absorvida. Disciplina rígida. Pressupostos de Aprendizagem: Repassar os conhecimentos para o espírito da criança. Aprendizagem receptiva e mecânica, recorrendo à coação. Considera que a capacidade de assimi- lação da criança é a mesma do adulto. Reforço em geral negativo às vezes maior. Prática Escolar: Comum em nossas escolas. Incluem-se as escolas religiosas ou leigas que adotam uma orientação clássico-humanista ou uma orientação humano-cientí� ca. Modelo de escola predominante em nossa história educacional. 67WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 4 TENDÊNCIA RENOVADA PROGRESSIVISTA Papel da Escola: Adequar as necessidades individuais do aluno ao meio social. Experiên- cias que devem satisfazer os interesses do aluno e as exigências sociais. Interação entre estruturas cognitivas do indivíduo e estruturas do ambiente. A escola deve retratar a vida. Conteúdos: Conteúdos estabelecidos em função de experiência vivi� cada. Processos mentais e habilidades cognitivas. Aprender a aprender, ou seja, é mais importante o processo de aquisição do saber do que o saber propriamente dito. Métodos: Aprender fazendo. Trabalho em grupo. Método ativo: aluno numa situação de experiência; problemas desa� antes, soluções provisórias; testar as soluções, colocá-las à prova. Professor x Aluno: Professor sem lugar privilegiado. O professor é um auxiliar. Disci- plina como tomada de consciência. Indispensável bom relacionamento entre professor e aluno. Pressupostos de Aprendizagem: Estimulação da situação problema. Aprender é uma atividade de descoberta. Retido o que é descoberto pelo aluno. Prática Escolar: Aplicação reduzida. Choque com a prática da pedagogia tradicional. TENDÊNCIA LIBERAL RENOVADA NÃO-DIRETIVA Papel da Escola: Formação de atitudes. Preocupações com problemas psicológicos. Cli- ma favorável à mudança do indivíduo. Boa educação é muito semelhante a uma boa terapia (Carl Rogers). Conteúdos: Esta tendência põe nos processos de desenvolvimento das relações e da co- municação, tornando secundária a transmissão de conteúdo. Método: O esforço do professor é praticamente dobrado para facilitar a aprendizagem do aluno. Boa relação entre professor e aluno. Professor x Aluno: A pedagogia não-diretiva propõe uma educação centrada no aluno. O professor é um especialista em relações humanas. Toda intervenção é ameaçadora, inibidora da aprendizagem. Pressupostos de aprendizagem: A motivação resulta do desejo de adequação pessoal da autorrealização. Aprender, portanto, é modi� car suas próprias percepções; daí que apenas se aprende o que estiver signi� cativamente relacionado com essas percepções. Prática Escolar: As ideias do psicólogo Carl Rogers in� uenciam um número expressivo de educadores, professores, orientadores, psicólogos escolares. TENDÊNCIA LIBERAL TECNICISTA Papel da Escola: Num sistema social harmônico, orgânico e funcional, a escola funciona como modeladora do comportamento humano, através de técnicas especí� cas. Levar o indivíduo a se integra na máquina social. A escola atua, assim, no aperfeiçoamento da ordem social vigente. Conteúdos: São as informações, princípios e leis, estabelecidos e ordenados numa sequ- ência lógica e psicológica por especialistas. O material instrucional encontra-se sistematizado nos manuais, nos livros didáticos, etc... Métodos: Consistem nos procedimentos e técnicas necessárias ao arranjo e controle nas condições ambientais que assegurem a transmissão/recepção de informações. A tecnologia edu- cacional é a aplicação sistemática de princípios cientí� cos comportamentais e tecnológicos a pro- blemas educacionais. Professor x Aluno: A comunicação entre professor e aluno tem um sentido exclusiva- mente técnico, buscando a e� cácia da transmissão do conhecimento. Debates, discussões são desnecessárias. 68WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 4 Pressupostos de Aprendizagem: As teorias de aprendizagem que fundamentam a peda- gogia tecnicista dizem que aprender é uma questão de modi� cação do desempenho. Trata-se de um ensino diretivo, centrado no controle das condições que cercam o organismo que se compor- ta. Prática Escolar: Remonta a segunda metade dos anos 50 (Programa Brasileiro-Ameri- cano de Auxílio ao Ensino Elementar). Mas foi introduzida mais efetivamente no � nal dos anos 60, como objetivo de adequar o sistema educacional à orientação político-econômica do regime militar: inserir a escola nos modelos de racionalização do sistema de produção capitalista. É quando a orientação escolanovista cede lugar a tendência tecnicista, pelo menos no nível o� cial, uma vez que não há indícios seguros de que os professores da escola pública tenham assimilado a pedagogia tecnicista. PEDAGOGIA PROGRESSISTA O termo progressista é usado aqui para designar as tendências que, partindo de uma análise crítica das realidades sociais, sustentam implicitamente as � nalidades sociopolíticas da educação. Evidentemente a pedagogia progressista não tem como institucionalizar-se numa so- ciedade capitalista; daí ser ela um instrumento de luta dos professores ao lado de outras práticas sociais. A pedagogia progressista tem-se manifestado em três tendências: a libertadora, mais co- nhecida como pedagogia de Paulo Freire; a libertária, que reúne os defensores da autogestão pe- dagógica; a crítico-social dos conteúdos que, diferentemente das anteriores, acentua a primazia dos conteúdos no seu confronto com as realidades sociais. As versões libertadora e libertária têm em comum o antiautoritarismo, a valorização da experiência vivida como base da relação educativa e a ideia da autogestão pedagógica. A prática educativa somente faz sentido numa prática social junto ao povo, razão pela qual preferem as modalidades de educação popular “não-formal”. A tendência da pedagogia crítico-social dos conteúdos propõe uma síntese superadora das pedagogias tradicional e renovada, valorizando a ação pedagógica enquanto inserida na prá- tica social e concreta. Entende a escola como mediação entre o individual e o social, exercendo aí a articulação entre a transmissão dos conteúdos e a assimilação ativa por parte de um aluno con- creto (inserido num contexto de relações sociais); dessa articulação resulta o saber criticamente reelaborado. Dermeval Saviani articulará essas tendências com a pedagogia histórico-critica, a qual nos referimos anteriormente. TENDÊNCIA PROGRESSISTA LIBERTADORA Papel da Escola: Atuação não formal. Consciência da realidade para transformação so- cial. Questionar a realidade. Educação crítica. Conteúdos: Temas geradores são extraídos da problematização da prática, da vida dos educandos. Caráter político. Método: Predomina o diálogo entre professor e aluno. O professor é um animador que por princípio deve se colocar ao nível dos alunos. Professor x Aluno: Relação horizontal. Ambos são sujeitos do ato do conhecimento. Sem relação de autoridade. Pressupostos de Aprendizagem: Educação problematizadora. Educação se dá a partir da codi� cação da situação problema. Conhecimento da realidade. Processo de re� exão e crítica. 69WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 4 Prática Escolar: A pedagogia libertadora tem como inspiradorPaulo Freire. Movimen- tos populares: sindicatos, formações teóricas indicam educação para adultos, muitos professores vêm tentando colocar em prática todos os graus de ensino formal. TENDÊNCIA PROGRESSISTA LIBERTÁRIA Papel da Escola: Que a escola exerça uma transformação na personalidade do aluno, modi� cações institucionais a partir dos níveis subalternos, mas que mudarão todo o sistema. Resistência contra a burocracia como instrumento da ação dominadora do Estado, que tudo controla, retirando a autonomia. Conteúdos: Matérias são colocadas à disposição dos alunos, mas não são cobradas. Vai do interesse de cada um. Método: É na vivência grupal, na forma de auto-gestão que os alunos buscarão encontrar as bases mais satisfatórias. Professor x Aluno: Considera-se desde o início a ine� cácia e a nocividade de todos os métodos. Embora professores e alunos sejam desiguais e diferentes, nada impede que o professor se ponha a serviço do aluno, sem transformá-lo em objeto. Pressupostos de Aprendizagem: Aprendizagem informal, relevância ao que tem uso prático. Tendência anti-autoritária. Crescer dentro da vivência grupal. Prática Escolar: Abrange quase todas a tendências antiautoritárias em educação, entre elas, a anarquista, a psicanalista, a dos sociólogos, e também, a dos professores progressistas. A tônica dos representantes não são trabalhos de cunho pedagógico, mas de uma crítica às insti- tuições. TENDÊNCIA “CRÍTICA-SOCIAL DOS CONTEÚDOS” Papel da Escola: A difusão dos conteúdos é a tarefa primordial. Não conteúdos abstratos, mas vivos, concretos, indissociáveis das realidades sociais. A escola é a parte integrante de todo social, a função é “uma atividade mediadora no seio da prática social e global”. Consiste na pre- paração do aluno para o mundo adulto e suas contradições, mas de maneira que o aluno possa participar de modo organizado e ativo na democratização da sociedade. Conteúdos: São os conteúdos culturais universais que se constituíram em domínios de conhecimento relativamente autônomos, incorporados pela humanidade, mas permanentemen- te reavaliados face às realidades sociais. Não basta que eles sejam apenas ensinados, é preciso que se liguem, de forma indissociável, à sua signi� cação humana e social. A Postura da Pedagogia dos Conteúdos: assume o saber como tendo um conteúdo re- lativamente objetivo, mas ao mesmo tempo “introduz” a possibilidade de uma reavaliação crítica frente a este conteúdo. Método: É preciso que os métodos favoreçam a correspondência dos conteúdos com os interesses dos alunos, e que estes possam reconhecer nos conteúdos o auxílio ao seu esforço de compreensão da realidade (prática social). Professor x Aluno: Consiste no movimento das condições em que professor e alunos possam colaborar para fazer progredir nas trocas que se estabelecem na interação entre o meio, o sujeito e o professor. O esforço de elaboração de uma pedagogia dos conteúdos está em propor ensinos voltados para a interação “conteúdos x realidades sociais”. Pressupostos de Aprendizagem: O aluno se reconhece nos conteúdos e modelos sociais apresentados pelo professor. O conhecimento novo se apoia numa estrutura cognitiva já existen- te. 70WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA FU ND AM EN TO S HI ST ÓR IC OS E F IL OS ÓF IC OS D A ED UC AÇ ÃO | U NI ND AD E 4 Prática Escolar: O esforço de elaboração de uma pedagogia “dos conteúdos” está em pro- por modelos de ensino voltados para a interação conteúdos-realidades sociais; portanto, visando avançar em termos de uma articulação do político e do pedagógico, aquele como extensão deste, ou seja, a educação a serviço da transformação das relações de produção. A democratização da sociedade brasileira, o atendimento aos interesses das camadas populares, a transformação estru- tural da sociedade brasileira. 71WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA REFERÊNCIAS ABDO. C. A Escola de Frankfurt, o marxismo cultural e o politicamente correto como fer- ramenta de controle. 2017. Disponível em: <http://politicaedireito.org/br/a-escola-de-frank- furt-o-marxismo-cultural-e-o-politicamente-correto-como-ferramenta-de-controle/>. Acesso em: 23 jan. 2018. AGUIAR. L. M. M. Os funerais na Roma Antiga. 2017. Disponível em: <http://alunosonline. uol.com.br/historia/os-funerais-na-roma-antiga.html>. Acesso em: 24 jan. 2018. ARANHA, M. L. A. Filoso� a da Educação. 2.ed. São Paulo: Moderna, 1996. ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução a � loso� a. 6.ed. São Paulo: Moderna, 2016. ARAÚJO. A. P. Santo Inácio de Loyola. 2017. Disponível em: <https://www.infoescola.com/ biogra� as/santo-inacio-de-loyola/>. Acesso em: 24 jan. 2018. AVI. ¿Por qué Grecia es la Cuna de la Filosofía y del Pensamiento Filosó� co?. 2016. Dis- ponível em: <http://www.visualavi.com/grecia-la-cuna-la-� loso� a-del-pensamiento-� loso� - co/>. Acesso em: 23 jan. 2018. BECKER. Immanuel Kant. 1767. Disponível em: <https://www.art-prints-on-demand.com/a/ becker-2/immanuelkant.html>. Acesso em: 23 jan. 2018. BENÍTEZ. J. M. Agustín de Hipona o la aventura de ser. 2016. Disponível em: <http://igle- siadelsocorropm.com/2016/09/agustin-de-hipona-o-la-aventura-de-ser/>. Acesso em: 23 jan. 2018. CHAUÍ, M. Iniciação à Filoso� a. 3.ed. São Paulo: Ática, 2017. CORREIO DO POVO. Proclamação. 1889. Disponível em: <http://www.novomilenio.inf.br/ festas/brasil1f.htm>. Acesso em: 24 jan. 2018. COUTO. V. O legado dos Jesuítas no Brasil. 2017. Disponível em: <https://artigos.gospelprime. com.br/legado-jesuitas-brasil/>. Acesso em: 24 jan. 2018. CRIVELLI. C. São Tomás de Aquino. 1476. Disponível em: <http://pt.wahooart.com/@@/8XX- R5Z-Carlo-Crivelli-S%C3%A3o-Tom%C3%A1s-de-Aquino>. Acesso em: 23 jan. 2018. ESCOLA DE ARTES LIBERAIS. Educação Liberal I: Educar e Ensinar. 2017. Disponível em: <http://escoladeartesliberais.com.br/educacao-liberal-i-educar-e-ensinar/>. Acesso em: 24 jan. 2018. ETHAN. John Dewey on music education as experience. 2016. Disponível em: <http://www. ethanhein.com/wp/2016/john-dewey-on-music-education-as-experience/>. Acesso em: 23 jan. 2018. 72WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA REFERÊNCIAS FLORES. J. Linea del tiempo. 2017. Disponível em: <https://www.timetoast.com/timelines/lin- ea-del-tiempo-2fa4bfe7-60ad-4cf4-820d-88b5afc79212>. Acesso em: 23 jan. 2018. GUIRALDELLI. J. P. O que é Filoso� a da Educação. 2.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. HALS. F. Portrait of Rene Descartes. 1649. Disponível em: <https://www.art-prints-on-de- mand.com/a/hals-frans/portrait-of-rene-descarte-1.html>. Acesso em: 23 jan. 2018. JASTROW. Busto de Aristóteles. 2006. Disponível em: <http://www.musicaesociedade.com.br/ aristoteles-e-a-musica-entre-a-disciplina-e-o-ocio/>. Acesso em: 23 jan. 2018. KNELLER. G. Bildnis von John Locke. 1704. Disponível em: <https://www.art-prints-on-de- mand.com/a/kneller-sir-godfrey/bildnisvonjohnlocke1632-1.html>. Acesso em: 23 jan. 2017. LINKER. D. Why Read Heidegger. 2009. Disponível em: <https://newrepublic.com/arti- cle/70750/why-read-heidegger>. Acesso em: 23 jan. 2018. LUCKESI, C. C. Filoso� a da Educação. 16.Reimp. São Paulo: Cortez, 2001. MAYAL. J. J. E. A portrait of Karl Marx. 1875. Disponível em: <http://friendsofdarwin.com/ articles/marx-capital/>. Acesso em: 23 jan. 2018. MULT ARTE. Arte em vaso de Douris. 2017. Disponível em: <https://www.multarte.com.br/ arte-grega/>. Acesso em: 24 jan. 2018. NÄHR. M. Ludwig Wittgenstein. 1929. Disponível em: <https://www.prospectmagazine.co.uk/ magazine/ray-monk-wittgenstein>. Acesso em: 23 jan. 2018. OLIVEIRA. J. G. S. Múltiplos desa� os, responsabilidades divididas. 2015. Disponível em: <http://contee.org.br/revista/index.php/julho-ano-v-22/itemlist/user/822-2016-09-08-18-06- 26?start=10>. Acesso em: 24 jan. 2018. OXFORD INTERNATIONAL. Explore a Premier Academic City. 2017. Disponível em: <https://www.oxfordinternationalenglish.com/school/oxford/>. Acesso em: 24 jan. 2018. PENELOPE. Jean-Paul Sartre. 2016. Disponível em: <https://www.babelio.com/auteur/Jean-Paul-Sartre/2157/photos>. Acesso em: 23 jan. 2018. RAMPSEY. A. David Hume. 1766. Disponível em: <http://nautil.us/blog/why-david-hume-is- so-hot-right-now>. Acesso em: 23 jan. 2018. REIS. L. Livros analisam as entranhas do regime militar no Brasil. 2014. Disponível em: <http://hmgazetaonline.redegazeta.com.br/_conteudo/2014/03/entretenimento/cultura_e_fa- mosos/1482176-livros-analisam-as-entranhas-do-regime-militar-no-brasil.html>. 73WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA REFERÊNCIAS REZENDE, A. Curso de Filoso� a: para professores e alunos dos cursos de ensino médio e de graduação. 15.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. SCHLESINGER. J. Portrait of Georg Wilhelm Friedrich Hegel. 1825. Disponível em: <https:// www.art-prints-on-demand.com/a/schlesinger-jacob/portrait-of-georg-wilhelm.html>. Acesso em: 23 jan. 2018. SEIDELl. M.; SHEDID A. G. Vestuário, Cosméticos e Joias. 1991. Disponível em: <http://an- tigoegito.org/vestuarios-cosmeticos-e-joias/>. Acesso em: 24 jan. 2018. SILVA. C. A. Colégio Pedro II à avenida Marechal Floriano, na atualidade. 2010. Disponível em: <https://diariodorio.com/historia-do-colegio-pedro-ii/>. Acesso em: 24 jan. 2018. SOUSA. Era Vargas - Estado Novo. 2016. Disponível em: <http://brasilescola.uol.com.br/histo- riab/vargas.htm>. Acesso em: 24 jan. 2018. STUDY. Michel Foucault: Biography & Books. 2017. Disponível em: <https://study.com/acad- emy/lesson/michel-foucault-discipline-and-punish-biography.html>. Acesso em: 23 jan. 2018. VERNANT, J. As Origens do Pensamento Grego. 20.ed. Rio de Janeiro: Difel, 2011. WE PORTAL. Five Early Man Inventions that Transformed the World. 2017. Disponível em: <https://www.weportal.in/� ve-early-man-inventions-transformed-world/>. Acesso em: 24 jan. 2018.