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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ - CERES DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA - DH CURSO DE HISTÓRIA BACHARELADO DA CASA DE FAZENDA À CASA DA RUA: A CONSOLIDAÇÃO URBANA DE ACARI-RN (1850-1900) CÍCERO JOSÉ DE ARAÚJO SILVA CAICÓ - RN 60 2014 CÍCERO JOSÉ DE ARAÚJO SILVA DE VILA A CIDADE: CAMINHANDO NA FORMAÇÃO DAS ARTERIAS DA URBS ACARIENSE Monografia apresentada ao Curso de História Bacharelado, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - CERES, para obtenção do título de Bacharel em História. Orientador: Prof. Dr. Helder Alexandre de Medeiros Macedo CAICÓ - RN 2014 CÍCERO JOSÉ DE ARAÚJO SILVA DA CASA DE FAZENDA À CASA DA RUA: A CONSOLIDAÇÃO URBANA DE ACARI(1850-1900) Aprovada em: _____/_____/_______ _____________________________________________ Prof. Dr. Helder Alexandre de Medeiros Macedo Orientador _____________________________________________ 1º Examinador _____________________________________________ 2º Examinador Caicó - RN 2014 A minha mãe, Maria Daguia que acompanhou cada passo meu nessa caminhada, a meu pai Antonio José (in memórian), que sempre me deu forças para continuar, mesmo diante de inúmeras dificuldades. Ao meu orientador e, acima de tudo, amigo, Helder Alexandre Medeiros de Macedo, por dividir comigo minhas dúvidas e angústias e por partilhar comigo um pouco de seu grande conhecimento, e me guiar pela mão nos caminhos da História. E a Rubenilson Teixeira Brazão por ter me ajudado com fontes e textos que foram importantes na construção desse trabalho. AGRADECIMENTOS A Deus, pelo dom da vida. A minha família, que é minha fortaleza. Aos meus amigos e colegas de curso, que compartilharam comigo suas angústias e conquistas, galgadas pouco a pouco. Aos professores, que contribuíram com seus conhecimentos e dedicação. Ao Arquivo da Prefeitura municipal de Acari, especialmente na pessoa de Rúbia Montenegro, por nos abrir as portas para a pesquisa, e gentilmente ter nos atendido. A Câmara dos Vereadores de Acari. RESUMO O objetivo deste trabalho é entender como se deu o processo de formação e desenvolvimento do espaço urbano acariense, atentando para as varias nuances que foram engendradas dentro desse contexto histórico. Foram realizadas pesquisas acerca da formação histórica da cidade, e a analise procura entender os diversos estágios da ocupação. Partindo da capela e o núcleo urbano inicial, passando pelo instauração da vila onde as posturas municipais tiveram papel importante no controle dos aspectos estéticos-fomais do espaço e chegando a cotonicultura e as transformações morfológicas que a cidade sofreu em fins do século XIX e inicio do XX. Palavras-chave: História. Acari. Urbano. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 07 1 ACARI: PREMISSAS DE UM TERRITÓRIO HISTORICAMENTE CONSTRUÍDO ................................................................................................................................... 13 1.1 A INTERIORIZAÇÃO DA PECUÁRIA E AS GUERRAS BÁRBARAS ........... 13 1.2 O caráter sagrado do território ....................................................................... 19 1.3 O capela e o núcleo urbano inicial ................................................................. 21 2 A ASCENSÃO DE UMA MUNICIPALIDADE E SUAS (RE)CONFIGURAÇÕES URBANAS................................................................................................................. 33 2.1 O STATUS DE VILA E O PODER MUNICIPAL ............................................. 33 2.2 O espaço urbano e as posturas municipais ................................................... 35 2.3 (Re)configurações urbanas em curso ............................................................ 40 2.4 O século XX e os ensaios de modernização possíveis ................................. 45 2.5 O papel do algodão no processo de urbanização .......................................... 49 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 54 REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 57 INTRODUÇÃO Acari foi uma das primeiras povoações "fundadas" no sertão da Capitania do Rio Grande do Norte, ainda no século XVIII. Seu surgimento está ligado à expansão das fazendas de gado, cujos proprietários, geralmente, mantinham a chamada “casa da rua”, situada na povoação. Referimo-nos à Povoação do Acari, que, a partir de 1738, passou a contar com a Capela de Nossa Senhora da Guia, no derredor da qual o tecido “urbano” desenvolveu-se de forma gradativa.[footnoteRef:1] [1: Sintetizamos, neste parágrafo, o conteúdo encontrado na historiografia tradicional de e sobre Acari (SANTA ROSA, 1974; MEDEIROS, 1985; CASCUDO, 1968) acerca do processo sócio histórico de produção do espaço, cujo marco principal, apontado, é a “fundação” do povoado, nas primeiras décadas do século XVIII. ] A partir do momento em que a povoação foi elevada à Vila do Acari (1833), as edificações urbanas proliferaram-se, obedecendo aos ditames do Código de Posturas Municipal. O espaço urbano aos poucos foi sendo regulado e moldado sofrendo transformações em variados níveis de intensidade, vivendo seu ápice de melhorias posterior a 1850, onde a localidade passou a se reconfigurar. A cidade guarda, hoje, um dos acervos arquitetônicos mais representativos e conservados do estado do Rio Grande do Norte.[footnoteRef:2] Sobretudo na parte mais central da cidade. O território do Acari foi desmembrado de Caicó[footnoteRef:3]·, com o desenvolvimento urbano pela qual passava a Província, a vila do Acari foi sofrendo fragmentações, fazendo emergir novas municipalidades, como Jardim do Seridó[footnoteRef:4] e a o atual Currais Novos[footnoteRef:5] – As tímidas manchas urbanas nascidas no contexto da guerra dos “barbaros” e no repovoamento, davam seus frutos, originando novas localidades. [2: Trata-se de uma opinião emitida pelo arquiteto Paulo Heider Forte Feijó, quando trata em sua dissertação do casario urbano de Acari (FEIJÓ, 2002, p. 11).] [3: A origem de Caicó está ligada ao Arraial do Queiquó, “fundado” em 1700 por Manuel de Souza Forte, no lugar onde havia, no fim do século XVII, a Casa Forte do Cuó e Capela da Senhora Santana do Vale do Acauã. Esse arraial foi elevado a Povoação do Caicó em 1735, em cuja sede foi instalada a Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó no ano de 1748. A povoação foi elevada ao status de Vila Nova do Príncipe em 1788, tendo sido transformada em cidade em 1868 (com o título de Cidade do Príncipe). Em 1890 essa cidade teve seu nome alterado para Seridó e, poucos meses depois, para Caicó, denominação que guarda ainda hoje (MEDEIROS FILHO, 1988). ] [4: Por volta de 1790, Antonio de Azevedo Maia erigiu uma capela em sua fazenda Conçeição, essa iniciativa atraiu para a orbita do templo, a construção de casinhas que aos poucos foi dando alguma importância a localidade, dando origem ao aglomerado Conçeição do Azevedo. A povoação cresceu, tendo sido criada sua freguesia em 1856, e logo dois anos depois em 1858, recebeu foros de vila.] [5: O atual território de Currais Novos teve sua gênese ligada ao ciclo do algodão, quando em 1754, Cipriano Lopes Galvão fixou-se no Totoró. Em 1808, foi eregida uma Capela e consagrada a Sant´anna, onde o aglomerado começou a se expandir. Em 1884, surge a freguesia da Senhora Sant´anna de Currais Novos, desmembrada da freguesia de Nossa Senhora da Guia do Acari, em 1890 receberia o titulo de vila ao se emancipar da referida cidade.] Nosso objetivo neste trabalho é fazer um estudo sobre a evolução urbana pelo qual passou Acari, analisando desde de sua emergência comoum simples povoado a beira do rio Acauã até a obtenção de foros de cidade, e adentrando em alguns períodos do século XX. Nossa problemática é pensar quais foram os fatores que se fizeram presentes na trajetória de desenvolvimento da aglomeração. Nosso recorte espacial abarca o espaço citadino como um todo, no entanto esta ligada a idéia do núcleo que deu origem a cidade, e hoje é conhecido por centro histórico e como sendo este um produto do século XIX, mereceu nosso enfoque uma vez que nasceu justamente das melhorias na forma urbana vividas pela municipalidade nesse período. Nosso recorte temporal é essencialmente o século XIX, mesmo que apresentamos em nossa pesquisa dados e fatos do século XVIII e XX, estes aparecem como suporte e complemento para conectar nossa escrita. O autor desta pesquisa é natural e morador em Acari, tendo observado, desde criança, o quanto o conjunto urbano da cidade é importante. A disposição das ruas, a largura milimétrica dos becos. A arquitetura do casario urbano, o alinhamento regular e retilíneo dos logradouros e o traçado urbano semelhante a um tabuleiro de xadrez. Observando a antiga Casa de Câmara e Cadeia, mercado publico e as igreja, fomos levados a pensar sobre qual o grau de importância desses edifícios para o desenvolvimento da cidade. Esse sentimento se aguçou quando o autor desta pesquisa iniciou sua graduação em História, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde as discussões sobre as aglomerações mais antigas do Seridó, incluindo Acari eram frequentes. Principiou, daí, o interesse em realizar um estudo que pudesse, ao menos, apontar a historicidade da formação e construção do atual Acari. Justificamos, pois, a validade desta pesquisa, tendo em vista que trabalharmos questões ligadas ao urbanismo, tocamos ainda que superficialmente em pontos da arquitetura e por conseguinte no casario urbano de Acari, considerado patrimônio arquitetônico. Inscrito no campo da História Local, o nosso estudo problematiza questões ligadas à cidade, permitindo que se possa pensar, a partir da análise da formação urbana, os variados níveis de evolução e melhorias pelo qual o município submeteu-se. Do ponto de vista acadêmico, o trabalho segue uma linha de estudos desenvolvidos no âmbito da História Urbanismo e da Arquitetura, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que enfocam o espaço urbano e relacionam a temática ao município de Acari. Em se tratando de pesquisas desenvolvidas no âmbito da Arquitetura,[footnoteRef:6] registramos a dissertação de mestrado de Paulo Heider Forte Feijó, que procede a um estudo comparativo entre a arquitetura tradicional de Acari no decurso do século XIX, a partir de exemplos do mundo rural e do urbano (FEIJÓ, 2002). No mesmo ano, desta feita, na Ecole des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), Rubenilson Brazão Teixeira defendeu sua tese de doutorado em Estudos Urbanos, que, no Brasil, foi publicada somente em 2009 com o título de Da cidade de Deus à cidade dos homens: a secularização do uso, da forma e da função urbana. Dentre as doze aglomerações urbanas escolhidas pelo autor como seu recorte espacial de análise encontra-se Acari, que é historicizada a partir dos aspectos ligados ao surgimento e expansão do tecido urbano (TEIXEIRA, 2009). A cidade de Acari voltou a ser objeto de atenção de Rubenilson Brazão Teixeira em 2012, figurando entre as treze cidades do Rio Grande do Norte analisadas, em perspectiva comparativa, no livro O poder municipal e as casas de câmara e cadeia: semelhanças e especificidades do caso potiguar (TEIXEIRA, 2012). [6: Publicações acadêmicas resultantes de esforços de investigação de arquitetos incluem, igualmente, Acari dentre as cidades que detém importante conjunto arquitetônico. Estamos nos referindo a Arquitetura no Rio Grande do Norte: uma introdução, de Pedro de Lima (LIMA, 2002) e ao capítulo “Arquitetura no Rio Grande do Norte”, de autoria de Jeanne Fonseca Leite Nesi, que integra o Caminhos da Arte no Rio Grande do Norte (NESI, OLIVEIRA e ALMEIDA, 2001). ] Do ponto de vista do aporte teórico, o estudo aqui apresentado se insere no campo da História da Cultura Material, dimensão que analisa os objetos materiais e sua comunicação com as faces mais sólidas da vida humana (BARROS, 2009, p. 30-3). Neste sentido estamos admitindo o espaço urbano de Acari enquanto produto da cultura humana, ou seja, artefatos revestidos de materialidade que podemos compreender, inclusive, como fontes, ao passo que nos revelam os modos de vida de quem os construiu, habitou e fez uso.[footnoteRef:7] [7: Sobre a História da Cultura Material, enquanto dimensão do conhecimento histórico, ver, também, as contribuições de MENEZES (1983) e REDE (2012). ] As discussões que fizemos acerca do desenvolvimento urbano de Acari, foram baseadas nos autores mencionados nos parágrafos anteriores (FEIJÓ, 2002; TEIXEIRA, 2009; 2012). É importante ressaltar, também, o trabalho de inventário desenvolvido sob a coordenação da professora Edja Bezerra Faria Trigueiro, do qual resultou o levantamento de edificações dos centros urbanos de cidades do Seridó. Durante algum tempo, o inventário esteve disposto no Portal Seridó OnLine (http://www.seol.com.br/bdc), todavia, nos dias de hoje, encontra-se desativado. Parte dos resultados foi publicada na revista City & Time, do Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada - CECI (TRIGUEIRO et all, 2007). Trata-se, pois, de trabalhos ligados ao domínio temático da História Urbana, que compreende um campo de estudos concentrado nas características formais e espaciais do núcleos urbanos e da formação da rede citadina. As investigações desse domínio temático avançam, também, na tentativa de compreender a importância das fachadas das edificações mais antigas dos centros históricos, no contexto da estrutura urbana das cidades, bem como, as transformações no espaço urbano a partir dos ideais de modernização, que acarretam intervenções públicas (RAMINELLI, 1997, p. 191;BARROS, 2009, p. 184-5). Para fundamentar nossa escrita sobre questões ligadas a cidade e ao urbanismo, o conjunto de autores englobou Françoise Choay, que problematiza, em seu livro, as formas pelas quais os historiadores ou arquitetos conceberam o as questões ligadas ao mundo citadino, como a forma, a função entre outros ponto como por exemplo a salubridade dos espaços e os planos das “urbs”, o livro nos forneceu um leque de possibilidades para engendrarmos nosso estudo (CHOAY, 1997); José D`Assunção Barros, cuja obra A Cidade na História nos deu subsídios para entender a trajetória da cidade ao longos dos tempos e suas muitas facetas a serem postas no microscópio dos estudos urbanos. Dessa obra absorvemos a escrita sobre a forma e a função, sobretudo por se encaixar perfeitamente em nosso escopo de observação. Dentro dessa mesma perspectiva está a obra O Que é Cidade de Raquel Rolnik, em sua escrita delimita as variadas funções que uma aglomeração urbana pode cumprir dependendo da época. Contudo de maneira geral pode-se dizer que os trabalhos que mais nos ajudaram e nortearam nossa produção, foram os livros e artigos de Rubenilson Brazão Teixeira, pois sua maneira de enxergar a produção do espaço urbano, encaixou-se perfeitamente na orientação que foi dada a nossa pesquisa, focado na historicidade das formações citadinas e pontuando questões arquitetônicas. O trabalho está dividido em dois capítulos. No primeiro, intitulado Acari premissas de um espaço historicamente construído discutimos características da do surgimento formação e expansão desse espaço urbano a partir, sua inserção em um contexto maior, que é a produção do Seridó que conhecemos hoje. A confecção desse texto teve como base a leitura, fichamento e análise de obras da historiografia regional e local[footnoteRef:8] (Velhas famílias e Velhos Inventários de Olavo de Medeiros Filho, Acari Fundação História e Desenvolvimento de Jayme Santa Rosa, Paróquia do Acari e Relembrando Momentos de Fé de Bianor Medeiros), a partir das quais vislumbramos a localizaçãodas fontes documentais, ensejando a ida aos acervos. A estrutura do primeiro capitulo permeia a formação da Ribeira do Seridó, a Guerra dos Bárbaros, o repovoamento, e ai o surgimento da povoação do Acari. Essa revisão historiográfica foi norteada por trabalhos de pesquisadores como Helder Macedo, Muirakytan Kennedy, Alcineia Rodrigues do Santos e Ione Morais, com um enfoque paras as questões do urbano do século XVIII, que nesse caso trata-se de pequenas machas populacionais com características semi-rurais. [8: Consideramos, para fins deste trabalho, como historiografia o conjunto da produção de obras de cunho histórico-historiográfico, seja de natureza acadêmica ou não acadêmica. A historiografia regional compreende as obras cuja finalidade foi abordar a região do Seridó, enquanto a local corresponde aos livros que tratam, especificamente, da realidade de Acari. ] No segundo capítulo, intitulado, A ascensão de uma municipalidade e suas (re)configurações urbanas, nos propomos a fazer um estudo sistemático sobre o essa espacialidade, após a obtenção dos foros de Vila do Acari, em 1833. Esta etapa da pesquisa se deu nos arquivos da Prefeitura e Câmara Municipal de Acari, onde efetuamos a consulta aos mananciais de documentos, sua leitura e fichamento daqueles que interessavam, principalmente, ao nosso objetivo de analisar os diversos estágios de ocupação e mudanças na morfologia urbana da cidade de Acari entre os séculos XIX e XX. No Arquivo da Prefeitura Municipal de Acari entramos em contato com documentação de caráter administrativo, como (pasta nº 36 1833-1834, pasta nº 37 1833-1844, pasta nº 38 1845-1864, pasta nº 41 1890-1900. Livro de atas nº1 1950-1951, livro de atas nº 2 1952-1954, livro de atas nº 3 1954-1962, pasta nº 9 documentos antigos 1925-1970). No Arquivo da Câmara Municipal, por sua vez, localizamos e consultamos (série dos livros de atas 1948-1980). Apresentamos questões relacionadas a constituição do poder municipal a partir a Casa de Câmara e Cadeia, os novos edifícios e tipologias arquitetônicas surgidas após meados do século XIX, a forma, a função e as transformações ocorridas nesse periodo Utilizamos, ainda fotografias foram captadas dos acervos de (fotos do autor, acervo fotográfico da prefeitura municipal de Acari, fotos cedidas por Rubenilson Brazão, fotos encontradas nos blogs da cidade e acervos de sites especializados)[footnoteRef:9]. Aliado à observação dos registros imagéticos, utilizamos, também, a documentação localizada e compulsada dos arquivos da Prefeitura e Câmara Municipal de Acari. [9: As formas de captação dessas fotografias foram por meios de câmeras digitais, escaneamentos e downloads.] CAPÍTULO I ACARI: PREMISSAS DE UM ESPAÇO HISTORICAMENTE CONSTRUÍDO Historicamente, Acari foi uma das primeiras povoações fundadas no interior da Capitania do Rio Grande. Neste sentido, o objetivo deste capítulo é entender como, historicamente, essa povoação foi adquirindo características urbanas, até expandir-se e conquistar o status de municipio. Foram realizadas pesquisas bibliográficas acerca da formação histórica do que hoje constitui a cidade de Acari. Partindo da construção da capela (1738) e do núcleo urbano inicial, passando pela instauração da vila (1833), onde as posturas municipais tiveram papel importante no controle dos aspectos estético-formais do espaço e chegando à cotonicultura e às transformações morfológicas, que a cidade sofreu em fins do século XIX e início do XX, objetivamos compreender dentro de quais contextos formou-se o tecido urbano do atual Acari, procurando discutir os diversos estágios da ocupação desse espaço. 1.1 A interiorização da pecuária e as guerras bárbaras Para entender o processo de gênese e de transformações pelas quais passou o território do atual Acari, faz-se necessário apresentar breves considerações sobre a constituição histórica das Ribeiras do Seridó e da Acauã. Nossa intenção está longe de fazer uma revisão historiográfica de autores que já mencionaram e problematizaram tais aspectos (Macêdo (2007), Macedo (2013), Morais (2005), Medeiros Filho (1981; 1983), Santa Rosa (1974), dentre outros). Nosso objetivo, ao permear as origens de um Seridó historicamente construído[footnoteRef:10], é visualizar as conjunturas e conexões, que permitiram a emergência das aglomerações urbanas presentes em nosso estudo, a princípio, Caicó, pela sua própria antiguidade e, posteriormente, a povoação do Acari. [10: Essa definição é dada por Morais (2005). Macedo (2013) também cita este Seridó historicamente construído. ] A ocupação do interior da Capitania do Rio Grande, a partir de meados do século XVII, foi feita através da interiorização da pecuária, com o levantamento de fazendas de gado. Para tanto, eram requeridas sesmarias, que se constituíam de glebas de terra em determinado sítio, pertencentes à Coroa, e que, sendo concedidas, deveria o requerente ficar pagando, anualmente, à Ordem de Cristo, entidade gerida pela Coroa Portuguesa, dez por cento de tudo o que fosse produzido nas referidas terras. Após a expulsão dos holandeses, em 1654, teve início o processo de ocupação no interior da Capitania do Rio Grande do Norte. As vastas sesmarias doadas precisavam ser ocupadas pelo elemento colonizador, ou, então, seriam consideradas terras devolutas, podendo ser novamente doadas. Os currais de criar gado começaram a surgir em territórios pertencentes às populações indígenas que viviam nos sertões. As primeiras sesmarias distribuídas na Ribeira do Seridó remontam ao século XVII, caracterizando-se por grandes áreas. Segundo Medeiros Filho (1983, p. 9), “é de 1670 o primeiro requerimento de sesmaria que se tem notícia nessa região.” Começando na serra da Borborema e margeando o rio Espinharas. Os primeiros contatos entre índios e brancos foram amistosos, porém as trocas de gentilezas e amizade não durariam muito, logo seriam substituído por conflitos que dariam origens à chamada “Guerra dos Bárbaros”. (MACÊDO, 2007) Lopes (2002) comenta que esse primeiro contato tenha sido amistoso. Índios e vaqueiros, ao compartilhar o mesmo território, acabaram por desenvolver certa amizade, estabelecendo trocas de utensílios que beneficiavam a ambos. Por volta de 1680, as ribeiras do sertão do Rio Grande estavam pontilhadas por fazendas de criar gado. Puntoni, ao falar da importância da pecuária nesse contexto, afirmou que, O crescimento desta economia, bem como suas dificuldades, é que permitiram a expansão e povoamento do sertão. As necessidades de criar gado, como uma extensiva da cana de açúcar, forçavam a pecuária a procurar e ocupar cada vez mais as regiões interioranas da capitania. (2002, p. 22) As frentes de penetração vindas, principalmente, do Pernambuco e da Paraíba, seguiam o curso dos rios e paulatinamente iam adentrando no território dos “tapuias”, termo genérico usado para nomear as populações indígenas dos sertões. (LOPES, op. cit., p. 272) As várias sesmarias, distribuídas nas Ribeiras do Seridó e do Açu, obrigaram índios e colonos a conviverem um com o outro. Aos poucos, pequenos conflitos, por posse de territórios, iam se tornando mais amplos. Puntoni (op. cit.) registra vários conflitos nas Capitanias do Norte como pertencentes à “Guerra dos Bárbaros” e, assim, prefere denominar esse conflito no plural “Guerras” dos Bárbaros, pois, para o mesmo, tratava-se de conflitos heterogêneos, com suas peculiaridades e motivações plurais. O autor (ibid.) não compactua da ideia dos índios terem se organizado em uma espécie de “confederação” para combater o elemento colonizador, existindo, assim, conflitos no Recôncavo da atual Bahia e nas antigas capitanias do Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Em linhas gerais, os anos finais da década de 1680 aparecem como marco para a deflagração geral dos conflitos que já vinham acontecendo nas Capitanias do Norte. No Rio Grande, o estopim para a guerra foi o desentendimento entre os Tapuias e os curraleiros, resultando na morte de um filho de um líder indígena.Esse evento ocorreu por volta de1687, nos sertões do Açu, e a demora por parte do Capitão-Mor Pascoal Gonçalves de Carvalho em resolver a contenda terminou por deflagrar a luta. (Puntoni, ibid., p. 127). Os conflitos aumentaram, mortes de gado de colonos e destruição de fazendas na Ribeira do Açu passaram a ser frequentes. Puntoni (ibid.) nomeia o conflito armado ocorrido em solo da Capitania do Rio Grande, especificamente, de “Guerra do Açu”, por ter sido nessa ribeira a maior intensidade do conflito. O coronel Antonio Albuquerque da Câmara e suas tropas foram alguns dos terços militares que combateram os nativos, que, utilizando-se de técnicas de guerrilhas, imprimiram baixas consideráveis aos esforços coloniais. Desconhecedores do território, bateram em retirada, em janeiro de 1688, buscando abrigo na Casa Forte do Cuó, fortificação militar muito importante na conquista e ocupação do território. Os índios expandiram seus domínios do sertão até o litoral, conseguindo vitórias sobre as tropas inimigas, chamando atenção da Coroa Portuguesa, fazendo o conflito ganhar contornos de extermínio para os nativos. A defesa das propriedades coloniais, a conquista do território e a extensão da pecuária acabaram se tornando os principais motivos de guerra para o colonizador. Os sucessivos fracassos nas campanhas, para combater o elemento indígena, fizeram a Coroa tomar uma postura mais agressiva. Os índios, agora, seriam considerados empecilhos à colonização e a guerra justa daria lugar ao degolamento e ao extermínio. A solução encontrada foi arregimentar terços de “bandeirantes” paulistas, conhecidos pelas crueldades praticadas no combate a quilombos, e o apresamento de índios. Matias Cardoso, que se encontrava próximo ao rio São Francisco, e Domingos Jorge Velho marcharam rumo aos sertões, em 1688, para enfrentar os índios “rebeldes”. Os insucessos das campanhas militares anteriores podem ser atribuídos a diversos fatores. Os índios conheciam melhor o território, e empregavam os ataques relâmpagos, que causavam enorme terror psicológico nas fileiras combatentes. A logística de guerra por parte dos portugueses parecia ser completamente inexistente. Faltava de tudo: água, comida, munição, farda e, acima de tudo, comunicação entre as tropas. Com a chegada dos bandeirantes essa situação parece ter mudado. Um novo “plano de guerra” foi montado, com as tropas atacando por várias frentes organizadas e bem aparelhadas. Abreu Soares marchou do Arraial do Açu para combater os nativos seguindo o curso da ribeira, a eficácia e os rumos de sua campanha são controversos, em certidão datada de 1687, diz ter imprimido pesadas baixas e terror aos Janduís, porém no memorial escrito por Pedro Carrilho em 1703, o séquito de Soares aparece sendo solapado pelos índios e baqueado entre as serras. De importante, em nosso contexto de estudo, podemos, ainda, registrar o arraial construído, pelo mesmo, de madeira e mato, que futuramente daria origem a aglomeração do Açu. No território que, futuramente, seria parte do município do Acari, desenrolou-se uma sangrenta batalha. Domingos Jorge Velho, em 28 de outubro de 1689, matou aproximadamente mil e quinhentos índios e capturou outros trezentos, entre mulheres e crianças. Esse combate se deu sobre a Serra da Rajada. O número exorbitante de nativos abatidos revela o desejo etnocida de limpar o território da presença nativa (MACÊDO, op. cit., p. 50-1). Em 1690, outro combate aconteceu. Dessa vez, dois mil índios se juntaram na Serra do Acauã contra as tropas comandadas pelos paulistas. Esse enorme agrupamento de Tapuias, reunidos sob o mesmo objetivo, o de combater o inimigo colonial, vai de encontro às ideias de Puntoni (op. cit.), quando o mesmo contraria a possibilidade de alianças entre os nativos. Tal contingente, lutando na mesma frente de batalha, faz-nos pensar, sim, em possíveis alianças e estratégias entre os tapuias. (MACÊDO, op. cit., p. 50). Essa informação dos Tapuias agrupados, lutando na Acauã, retirada da historiografia, é que nos permite imaginar que os índios fizeram algum tipo de acordo. No entanto, esse pensamento não possui em si nenhum ineditismo, pois Cavignac (2003, p. 20), no artigo “A etnicidade encoberta”, já havia aventado a possibilidade de haver, dentro da guerra, algumas alianças. Posterior à batalha da Acauã, em 1690, os conflitos se tornariam intermitentes até fins do século XVII, quando a guerra finalmente cessaria. Grande parte da população indígena do interior da Capitania do Rio Grande do Norte foi dizimada, contudo, isso não significou o seu fim. Os mesmos conviveram com os colonos e foram registrados em documentos do século XVIII e XIX, sobretudo, em inventários, registros de casamentos, batizados e óbitos, transcritos e arrolados por pesquisadores como Medeiros Filho (1984), Macêdo (2007) e Macedo (2013), para responder questões recentes no âmbito dos estudos históricos sobre o Seridó. Santa Rosa (1974), em estudo acerca da história de Acari, menciona alguns “silvícolas”, que viviam junto ao rio Acauã, nos primórdios do povoado que, futuramente, daria origem ao aglomerado urbano. Os demais índios sobreviventes foram aldeados em missões no litoral, fugiram para outras regiões ou então se esconderam nas serras e grutas. (LOPES, op. cit., 340-7). Macedo (2013, p. 102-12) menciona, ainda, as caboclas brabas, capturadas a dentes de cachorro e a cascos de cavalo, que foram conhecidas dos vaqueiros e dos primeiros colonizadores. Com o fim dos conflitos, a Ribeira do Seridó começou a ser novamente repovoada e, no lugar das fazendas, que foram levantadas para a criação de gado, surgiram manchas “urbanas” [footnoteRef:11], que foram, com o passar do tempo, a partir do século XVIII, ganhando novas formas. [11: O conceito tradicional de urbano refere-se à concentração, em um ponto do espaço, de edificações e de pessoas que não exerçam atividades rurais, ou as façam em proporções não significativas em relação às atividades ditas urbanas, como o comércio, por exemplo. A urbanização em nível de Brasil teve sua gênese em meados do século XVIII, no entanto, no Nordeste, essa realidade se deu de maneira um pouco tardia, e no Rio Grande do Norte só ocorreu posterior a meados do século XIX. As freguesias do Acari e Caicó eram rurais, então, nesse contexto, entendemos o urbano como as casas nucleadas ao redor das capelas, dispostos em um alinhamento embrionário. A única diferença perceptível entre “urbano” e “rural” é a dispersão das casas de fazenda, que às vezes juntavam, ao seu redor, várias casinhas de maneira desordenada. ] Cascudo, quando se refere às doações de terra na Capitania do Rio Grande, afirmou o seguinte: Em março de 1695 o Senado da Câmara de Natal informava ao Capitão-Mor que as terras da Capitania estavam todas doadas. A doação não era sinônimo de povoamento. Sesmeiros da Bahia, do São Francisco, de Pernambuco tinham terras de vinte e trinta léguas, incultas e desaproveitadas. Era apenas a fome da terra. (1984, p. 100) Mesmo com muitas sesmarias à disposição, o território da capitania continuava rareado demograficamente, o maior ajuntamento populacional se dava no litoral, onde a capital Natal estava fincada. As grandes extensões de terras parecem servir, nesse contexto, de afago para os que lutaram ao lado dos lusitanos contra Holandeses e índios “rebeldes”. Enfim, as terras davam certo prestígio social ao seu possuidor, porém, para a coroa, o interessante seria povoar e ocupar o interior da capitania. Por isso, as terras que foram doadas, depois do primeiro quartel do século XVIII, teriam menor proporção. Quando se refere à origem das cidades do Rio Grande do Norte, Cascudo (1975, p. 22) afirmou: “A fazenda foi sempre uma fixadora de povoação e muitas cidades nossas, inclusive Acari, surgiram dos antigos ‘limpos’ onde estadeava a casa grande do fazendeiro”. As fazendas e os currais de gados foram elementos de extrema importância na ocupação e povoação do território do atual Seridó. Mais do que isso, a partir das mesmas, algumas aglomeraçõesurbanas tiveram princípio. Eram nesses territórios, que, aos poucos, iam surgindo às primeiras casinhas rústicas de taipa. Na entrada do século XVIII, povoadores fixaram-se em vários lugares ao longo das ribeiras do sertão da Capitania do Rio Grande. A Ribeira do Seridó e, posteriormente, Ribeira do Acauã, onde atualmente se encontra o município de Acari, começou a ser ocupada com fazendas de gado, começando no século XVII e intensificando-se nos séculos XVIII e XIX. No território do atual Acari e nas terras em sua volta, os novos povoadores chegaram nas primeiras décadas do século XVIII e inauguraram as primeiras fazendas nas ribeiras do rio Acauã. Dentre os novos povoadores, destacaram-se Tomás de Araújo e, posteriormente, seu genro Caetano Dantas Corrêa, como registra Santa Rosa: Chegou em 1720 o jovem português Tomás de Araújo Pereira, [...] Trabalhou, progrediu e montou fazenda de gado em Picos de Baixo, à margem do rio Acauã [...] seguiu em 1727 para a ribeira do Piranhas [...] o adolescente Caetano Dantas Corrêa, filho de português, e de lá mudou-se para o Acari, instalando fazenda de criação em Picos de Cima, a uma légua e meia pouco mais ou menos do povoado. (1974, p. 31) Tomaz de Araújo foi o requerente da data de terra 592, na ribeira do Seridó, em 1734. Posteriormente, se tornou proprietário da fazenda São Pedro, atualmente fincada nos limites entre Acari e Jardim do Seridó. O fato é que agora essas glebas de terras requeridas eram ocupadas, possibilitando assim o povoamento do inóspito e vazio sertão. As fazendas de criar gado apareciam de maneira mais consistente, seguindo o curso dos rios, ajuntando timidamente uma população focada no mundo rural. Além desta data de terra, o português, oriundo da Viana, requereu outro pedaço de terra, onde hoje fica a serra da Rajada. A justificativa usada era a necessidade de terras para criar gado. 1.2 O caráter sagrado do território A racionalização do território, principalmente, no período colonial, foi uma preocupação advinda da Igreja Católica. A administração dos limites eclesiásticos era feita através dos curatos ou freguesias. A melhor solução para dar conta dos vastos territórios seria dividindo as igrejas presentes e criando novas freguesias, facilitando, assim a gerência por parte das autoridades católicas. (MACEDO, 2013, p. 44-51) Em 1748, foi criada a Freguesia da Gloriosa Santa Ana do Seridó, com sede na povoação do Caicó. Essa demarcação foi responsável por dar novos contornos e fronteiras ao que viria a ser o atual Seridó. O território, agora, não se limitava ao rio de igual nome, abarcava outros, incluindo o Rio Acauã, lugar onde ficava a Povoação de Nossa Senhora da Guia do Acari, ou, simplesmente, Povoação do Acari. Aliás, essa nomenclatura, que aparece nos trabalhos de Macedo (2013), é apenas mais um fator que confirma o poder do sagrado, onde o nome de uma aglomeração aparece ligado ao santo de sua invocação. Até então, antes da criação da Freguesia do Seridó, a Capela do Acari pertencera ao curato do Piancó, na Paraíba. Posterior a 1788, a freguesia do Seridó sofreu várias divisões, sobretudo, para facilitar a eficiência dos serviços religiosos. Seria possível que essas divisões fossem o indicativo de que alguns aglomerados “urbanos” mostravam certo grau de expansão de suas áreas? É possível que sim, embora, com os dados que dispomos, e a partir da bibliografia levantada, não possamos exprimir, com segurança, essa sentença. O certo é que a Igreja Católica foi muito importante para a construção do território das Ribeiras do Seridó e do Acauã, conforme pode-se evidenciar no contexto da criação da freguesia de Nossa Senhora da Guia do Acari, no ano de 1835. A ligação umbilical entre a Igreja e o projeto português de expansão dos territórios fica muito evidente ao visualizar-se o documento “Obras Publicas do município do Acary”, quando seu autor desconhecido diz: “O Dr Basílio Quaresma Torrião então Presidente desta Provincia do Rio Grande do Norte, Em concelho, em data de 11 de Abril de 1833 elevou essa Capella a Cathegoria de Villa”. Nesse ponto, é interessante observar que o autor anônimo menciona a capela sendo elevada a vila, e não a povoação ou o Acari, por exemplo. A administração eclesiástica colonial foi, assim, um dos pilares na ocupação e no delineamento territorial da Capitania do Rio Grande do Norte. A forte presença das freguesias e capelas, em dados momentos históricos, se sobrepunha à frágil estrutura administrativa civil e secular. O sagrado, nesse contexto, é tão importante quanto o poder secular e, em muitas situações, até se misturavam. Foram as freguesias que deram os limites iniciais às aglomerações nascentes e as ribeiras. As vilas surgiriam algum tempo depois, e, em algumas delas, como as de Santa Ana do Seridó e de Nossa Senhora da Guia do Acari, esses limites se confundiam com o próprio território das vilas. Essas situações são indícios de que o domínio do poder sagrado, nesse caso da igreja, estava bem à frente do poder secular ou civil, questão amplamente discutida em Teixeira (2009). Os limites entre o Rio Grande do Norte e a Paraíba foram objetos de disputas e discussões acaloradas ainda na condição de capitanias, quando moradores do termo da Vila Nova do Príncipe e de povoações e vilas da Paraíba inauguraram os acirramentos de ânimos. Para Macedo (2013), esses imbróglios nasceram de confusões causadas por territórios superpostos, onde limites eclesiásticos e civis se confundiam[footnoteRef:12]. [12: O imenso espaço do atual Seridó onde a Freguesia da Gloriosa Senhora Sant Anna foi demarcada, fracionou-se e projetou-se sobre território paraibano. Essa cartografia da fé foi usada para demarcar os limites municipais, invalidando a antiga linha imaginária que separavam as capitanias. As querelas iniciais entre moradores da freguesia de Patos e do Seridó gerou, certa aversão entre seus moradores. A situação se agravou em 1818 quando o Rio Grande do Norte conquistou autonomia judiciária. A comarca precisava de limites claros de atuação, e a povoação de Patos judicialmente pertencia a Vila do Príncipe, criando um imbróglio. Mas diante as questões que eram envoltos em contextos políticos e judiciais ganharam também campo na questão econômica, uma vez que os moradores do termo do Príncipe adentravam terras paraibanas para criar gado. O litígio viria a ser resolvido somente posterior a independência do Brasil e a quebra do pacto colonial com a participação do padre Brito Guerra, conseguindo que fosse aprovada lei demarcando o território da Vila do Príncipe. Por conseqüência essa situação deu novos contornos ao Seridó que conhecemos hoje e um sentimento embrionário de regionalismo.(MORAIS, op. cit., p90-5) ] O território da Vila do Príncipe foi, então, demarcado por Lei, em 25 de outubro de 1831, mas os embates orais seguiram-se até 1835, onde as autoridades do Príncipe e da Vila do Acari tiveram papéis cruciais ao arregimentar documentos e nos argumentos, fazendo saber a Assembléia Provincial do Rio Grande do Norte o seu desejo de serem pertencentes à citada província. Nesse contexto, segundo Morais (op. cit.), uma identidade embrionária, em relação à região, começaria a surgir em terras banhadas pelo rio Seridó. 1.3 A capela e o núcleo urbano inicial Em linhas gerais, no contexto do processo histórico de formação do território da Capitania do Rio Grande, aglomerações urbanas nasceram e se desenvolveram para cumprir várias funções. Assim, a conquista e apropriação do território conferiu uma função militar e, nesse sentido, as origens do atual município de Caicó são um bom exemplo a ser analisado. Segundo Santos (2005, p. 40-2) Caicó surgiu do Arraial do Cuó, por ocasião da construção da Casa Forte do Cuó, que teria sido edificada em 1683, com a finalidade de abrigar as tropas envolvidas na “Guerra dos Bárbaros”. Somente com a ereção da matriz, a partir de 1748, é que a vida urbana propriamente dita nasceu. As casas apareceriam aos poucos ao redor da matriz. Inicialmente, fica claro que a função militarera predominante, e que o mundo “urbano” surgiu timidamente a partir deste contexto. (SANTOS, 2013) Para Macedo (2013), a função religiosa foi a responsável por agregar a população dos arredores. A ereção de uma capela denominada da Senhora Santana do Vale do Acauã, no fim do século XVII, fixou a população e o ajuntamento de casas precárias próximo do templo contribuiu para a fundação de um arraial em 1700. Este mesmo arraial seria elevado à categoria de povoação em 1735. Sobre a fundação ou instalação da Povoação do Caicó, há fatos que merecem ser mencionados com certa atenção. O documento oficial já foi transcrito por Medeiros Filho (1984) e citado por Macedo (2013) e Morais (2005). Observando o teor da narrativa contida nessa fonte, percebemos que a festa foi muito pomposa, considerando o fato que se tratava de uma povoação e não uma vila, fato esse que nos leva a crer que o pequeno aglomerado tinha alguma importância a ponto de chamar atenção da administração civil. Mais revelador ainda é que, com a instalação da povoação, foi construído, um pelourinho. Nossa surpresa frente a essa situação não se dá sem conexões, vamos explicá-las de maneira objetiva. Esse mobiliário urbano, o pelourinho, tinha uma ligação umbilical com o edifício de Casa de Câmara e Cadeia, mais que um instrumento de tortura, era a representação da administração e da justiça civil. Nesse caso, só uma aglomeração com foros de município poderia possuí-lo em seu espaço. (TEIXEIRA, 2012, p. 198) Era a vila e não a povoação que tinha por obrigação possuir uma sede para o poder municipal, com um pelourinho. Não sabemos o motivo que levou a povoação do Caicó ganhar um pelourinho em sua instalação, no entanto, podemos afirmar que a aglomeração, que ali surgiu, foi considerada muito importante, pois, nesse contexto, já nasceu com ares de Vila como bem observou Morais (op. cit., p. 77-8). Acari, até onde sabemos, não teve, em sua origem, questões militares, embora o território fosse conhecido desde a “Guerra dos Bárbaros”. Santa Rosa (1974, p. 21), tratando da gênese do povoado, comentou que os poços situados no leito do referido rio, que mesmo em época de estiagem permaneciam com água, foram fator preponderante para a escolha desse local como ponto de pouso para dormida, bem como para o descanso do meio-dia, para viajantes e vaqueiros. O local contava com um pequeno ponto de apoio logístico, situado às margens do "Poço do Felipe" [footnoteRef:13], no rio Acauã, lugar onde viajantes e nativos pescavam um peixe chamado “acaraí”, do qual originou-se o nome do lugar. [13: Segundo a tradição oral, existe uma lenda que cerca a origem do nome Poço do Felipe. Conta-se que, em meados do século XVIII, uma jovem se apaixonou por um rapaz de condição social inferior chamado Felipe. Os pais da moça não aprovavam o relacionamento que passou a ser às escondidas, fruto dessa relação nasceu uma criança. A jovem mãe com medo de um escândalo social resolveu afogar seu filho nem um poço do Rio Acauã. O pai da criança desconhecia esse fato, acreditando que o menino estivesse sob a guarda de algum amigo ou parente da mãe. Certo dia Felipe foi banhar-se no rio e ouviu o choro de uma criança. Essa situação se repetiu por várias vezes, Felipe enlouqueceu e cometeu suicídio, a partir daí o Poço ganhou seu nome. (MEDEIROS, 1985, p. 110) ] Figura 1 - Rio Acauã por volta de 1970. Onde surgiu o povoado que originou Acari. Fonte: Miúdo (2007) Agregando em si as condições necessárias para a sobrevivência, a margem do rio foi, paulatinamente, sendo ocupada por cabanas, que, de maneira desordenada, juntavam-se ao redor da importante fonte de água. O espaço ao redor do Poço do Felipe foi sendo transformado, de lugar para descanso, em um terreno fixador de pessoas, que, aos poucos, iam se assentando de maneira sedentária. Esse contexto permitiu que, por volta de1720, um pequeno povoado se configurasse. Apesar de mencionar a existência de índios nesse lugar, o mesmo afirma que nenhuma atitude foi tomada no intuito de construir aldeia para juntá-los, retirando, assim, qualquer possibilidade de uma aglomeração com origem missionária ou de aldeamento. (SANTA ROSA, 1974) Por volta de 1725, o sargento-mor Manuel Esteves de Andrade comprou a fazenda do Saco, posteriormente chamada de Saco dos Pereiras, de seu parente, Nicolau Mendes da Cruz, um crioulo forro, que adquiriu terras na ribeira do rio São José, tornando-se um dos primeiros povoadores daquela localidade. Admite-se que o mesmo veio à ribeira do Seridó na condição de cobrador de dízimos e que decidiu construir uma pequena capela no local, atendendo aos pedidos de sua mãe, que só viria morar nos sertões se houvesse um templo religioso. (LIMA, 1990, p. 11) Assim, em 1736, Manoel Esteves de Andrade endereçou uma petição ao bispo de Olinda, com o seguinte teor: Ilustrissimo senhor. Dis o Sargento Mor Manuel Esteves de Andrade morador no discticto do curato de Piancó que elle pretende erigir hua capella com a invocação de N. S. da Guia, no lugar xamado Acari districto do dito curato, para o fim de sua alma e dos mais moradores circuvizinhos, por ficarem distantes de sua Matriz oito dias de viagem [...] Com a autorização do Bispo de Olinda, a capela foi erguida e consagrada a Nossa Senhora da Guia em 1738 e, como templo pertencente à Freguesia da Gloriosa Santa Ana do Seridó, teve que receber a devida aprovação dos membros da Igreja para auferir as prerrogativas de um templo católico. Santa Rosa (1974, p. 42) menciona que, inicialmente, a capela seria erguida na fazenda do Saco, no entanto devido às condições mais favoráveis da água e do fato do povoado ser junto ao rio Acauã, terminou por ser construída próximo desse. Essa escolha terminou por permitir e impulsionar o desenvolvimento da Povoação do Acari. A capela e o caráter religioso do empreendimento funcionaram como um imã para atrair construções em seu redor, dando origem a uma forma embrionária de aglomeração “urbana”. Figura 2 - Igreja do Rosário, em 1986 - Marco da povoação da Ribeira do Acauã Fonte: MUsA Iconografia (2007) Essa capela, nos dias de hoje, tem a denominação de Igreja de Nossa Senhora do Rosário[footnoteRef:14] e é uma das construções religiosas mais antigas do interior do estado, sendo contemporânea da Igreja de Nossa Senhora do Ó, em Serra Negra do Norte, que foi erguida em 1735. A Igreja do Rosário ainda mantém seu estilo arquitetônico original[footnoteRef:15] e é marco não somente para a povoação de Acari, mas, também, para o Seridó, em termos de fixação e irradiação humana, pois foi a partir deste último município que muitas das cidades seridoenses atuais tiveram origem, como Carnaúba dos Dantas, Jardim do Seridó, Cruzeta e Currais Novos. A Igreja do Rosário foi tombada pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em 1964, não só por sua arquitetura religiosa barroca, mas, por sua representatividade para a ocupação do território da Ribeira do Seridó. (SOUZA, 1981, p. 116) [14: A capela foi erigida em 1738 e consagrada a Nossa Senhora da Guia. Em 1835, com a criação da Freguesia, foi elevada à condição de Igreja Matriz. Porém, reduzida à condição de capela de Nossa Senhora do Rosário em 1863, quando a matriz foi transferida para um novo templo.(MEDEIROS FILHO, 1981, p. 109) ] [15: A atual capela do Rosário passou por muitas reformas ganhando e perdendo partes, mas sem alterações em seu corpo principal, foi tombada pelo IPHAN em 1964, que teve participação direta nessas restaurações e reformas.] Sobre a figura de Manuel Esteves, o mesmo é considerado o fundador[footnoteRef:16] da cidade por ter contribuído diretamente com a construção da antiga Capela de Nossa Senhora da Guia. Não se sabe, ao certo, o que aconteceu com ele depois da construção, pois o mesmo só aparece novamente em documentação escrita no ano de 1769, na demarcação do Sítio Acari e Poço e Cacimba do Saco, assinando como testemunha. Nesse ponto, estamos tomando por base um comentário que Macedo (2013)faz em sua tese de doutorado, quando discute dentro de um contexto de análise de relações genealógicas, sobre os descendentes dos Mendes Cruz. Essa demarcação do Sítio Acari, em nossa opinião, trata-se da própria povoação que se desenvolvia próximo ao rio Acauã. Medeiros Filho (1983) afirmou, a propósito, que o termo “Sítio Acari” prevaleceu até 1798 e que o nome Povoação do Acari já existia em 1814. Porém, no inventário de Dona Adriana de Holanda e Vasconcelos, processado em 1793, a mesma aparece sendo proprietária de uma casa no lugar e Povoação do Acari. Em nosso estudo, admitimos povoação como sendo um lugar que possui, pelo menos, uma capela e um arruado de casas. (TEIXEIRA, 2009) [16: Essa situação, em linhas gerais, é reproduzida pelo senso comum. Os históricos escritos sobre o município, de maneira reducionista e didática, apontam Manoel Esteves como o fundador da cidade sem maiores problematizações. A historiografia local de Santa Rosa (1974) não compactua dessa posição. Para ele, Tomaz de Araújo Pereira deveria ser considerado o fundador, por ter contribuído em mais aspectos com o desenvolvimento de Acari. ] As aglomerações urbanas, em seu estado mais incipiente, recebem o nome de povoação, segundo Teixeira (2012, p. 38), contendo uma capela ou cemitério para regular e estruturar o espaço, além de uma praça central. A gênese urbana de muitas povoações foi, em linhas gerais, marcadas pelo fator religioso, visto que o aglomerado se desenvolvia ao redor de capelas e igrejas. Este se torna importante nesse contexto, uma vez que as igrejas ou capelas funcionam como imã ou atrativo para o crescimento e expansão da aglomeração nascente. De acordo com Medeiros Filho (1983), que retrata inventários de pessoas de posses da Ribeira do Seridó e seus afluentes, existentes nos cartórios de Caicó e Acari, compreendidos entre os anos de 1754 e 1875, verifica-se que as casas de fazenda eram, em sua maioria, feitas de taipa e cobertas de telhas, até o século XVIII. Medeiros Filho (1983) comenta que as casas tinham pouco valor. Algumas delas, fossem rurais ou urbanas, valiam o equivalente a duas vacas parideiras. No entanto, isso é muito relativo, e, nesse contexto, torna-se perigoso serializar os inventários post-mortem. Nesse ponto, nossa intenção é apenas visualizar minimamente o conjunto ou paisagem “urbana” engendrada por estas casas. Segundo Macêdo (op. cit.), a tríade dos principais cabedais dos antigos sertanejos era composta de gado, escravos e terras, inclusas as casas. Delimitar o que é “urbano” ou “rural”, no contexto dessas povoações originárias do século XVII, é um tanto complicado. O mundo urbano ou núcleos citadinos, segundo Macêdo (ibid., p. 148), era uma reunião de casas arruadas ao redor de uma capela precária que sofreria várias reformas nos séculos seguintes. Em uma região onde predominou as atividades rurais, por consequência o desenvolvimento urbano foi muito lento. Caetano Dantas Corrêa, por exemplo, um dos povoadores da Ribeira do Acauã, possuía casa de morada na fazenda Picos de Cima, além de possuir uma casa no sítio do Acari, o que nos leva a crer que era na povoação ou nos arredores muito próximos[footnoteRef:17]. Não nos permitindo afirmar, nesse contexto se era “rural” ou “urbana”. Os limites eram muito confusos, portanto, não podemos tomar por base, as definições entre o que é rural ou urbano nos dias atuais e aplicá-los em um cenário totalmente diferente do nosso, sem antes fazermos as adaptações necessárias. [17: No inventário de Caetano Dantas Correa aparece morada de casa térrea no sitio do Acari, com três portas e fechaduras, tudo velho. Morada térrea de taipa coberta de telhas em Picos de cima, nove portas, três janelas e sete fechaduras, tudo velho. Segundo Medeiros (1981), a casa da fazenda apesar de ser de taipa nos parece mais importante, uma vez que pelo número de portas e janela é sem dúvida maior que sua “casa da rua”.] Antes de 1750, já existiam duas fileiras de casas partindo de ambos os lados da Igreja do Rosário. (TEIXEIRA, 2009, p. 20) Na parte mais central do núcleo urbano inicial[footnoteRef:18], em frente à capela abriu-se uma praça ou um largo em forma triangular, que certamente serviu para o uso religioso bem como para a vida social, até fins do século XVIII. Esse mesmo espaço, usado com objetivos sagrados e seculares, mostra-nos as interações entre a Cidade de Deus e a Cidade dos Homens, como discutido por Teixeira (2009). [18: Entendemos núcleo urbano inicial, como a parte mais central de uma aglomeração nascente, geralmente composta, por uma igreja, um largo ou praça e o arruado de casas no entorno. Este só fica perceptível ao se observar um aglomerado como um todo. ] Discutir o uso do solo “urbano” na Povoação do Acari é problematizar de que maneira uma sociedade arraigada nas questões religiosas poderia transformar esse espaço quanto a seu uso, forma e função. Santa Rosa (1974, p. 48) nos fornece elementos para analisar essa situação ao falar: “Tratava-se de um aglomerado urbano de fazendeiros, e sua principal função era de natureza religiosa, muito em harmonia com o espírito da população. A capela exerceu uma ação de reunir naquele centro as famílias dos arredores.” Eram os sinos da capela que chamavam os fazendeiros e seus agregados para se reunirem no solo sagrado da capela e em seu largo para assistir as missas, casamentos, enterros e festas. (MEDEIROS, 1985, p. 21). Esse comportamento e manifestações só atestam o caráter sagrado e religioso da precária aglomeração do Acari. O século XVIII é escasso de documentações e descrições sobre a Povoação do Acari, o que dificulta a problematização dos seus aspectos urbanos, no entanto, os inventários analisados por Medeiros Filho (1983) permitem-nos fazer breves incursões e especular sobre a estética do assentamento. Os elementos, que essa tipologia documental fornece, permite-nos analisar a precariedade da aglomeração, ao mencionar sempre casas de taipa, algumas cobertas com telhas. Esse conjunto arquitetônico rústico traduz o ambiente precário das povoações coloniais. A “formosura” de uma “casa urbana” ou rural poderia ser elevada com o acréscimo de portas, janelas fechaduras e telhas, mas tal conforto só foi possível para aqueles que possuíam um “cabedal” maior. A existência de ferramentas do ofício de oleiro, diz-nos que os moradores da Ribeira do Seridó e Acauã certamente confeccionavam seus próprios materiais como telhas e tijolos. Construções de pedra e cal eram raríssimas. Macêdo (2007, p. 150-1) observa que nesse território, existiam três casas que se utilizaram desta técnica-construtiva, muito por provavelmente terem testemunhado a “Guerra dos Bárbaros”. As feições de um aglomerado urbano no século XVIII, no sertão da Capitania do Rio Grande, certamente eram desoladoras, levando-se em conta que, em primeiro lugar, os proprietários das “casas da rua” eram fazendeiros que passavam a maior parte do tempo no mundo rural. A função religiosa inicial das povoações deixava o ambiente esvaziado a maior parte do tempo. O segundo ponto que sustenta nossa afirmação é a precária paisagem urbana, em muito sustentada pelo predomínio de uma tipologia arquitetônica pautada na taipa. A casa de taipa, durante o século XVIII, é, sem dúvida, uma expressão do estilo e das condições de vida dos moradores da Ribeira do Seridó e do Acauã. Nos núcleos urbanos ou rurais, a disponibilidade de materiais para realizar tal construção justifica seu largo predomínio. A administração colonial era fraca e sua presença no sertão da capitania era representado, sobretudo, pelos Regimentos de Ordenanças militares. (MACEDO, 2013, p. 40). Então os moradores dos núcleos urbanos seriam responsáveis pelas adaptações das construções. Casas sem pavimentos e sem paredes divisórias, as telhas e janelas eram objetos raros dispostos apenas por quem possuísse alguma posse. (MACÊDO, op. cit., p. 148) No inventário de Adrianade Holanda e Vasconcelos (1793) consta que a mesma possuía casa na povoação do Acari, com uma salinha ladrilhada de tijolos. (MEDEIROS FILHO, 1983, p. 176). Em seu inventário, processado em 1814, Cipriano Lopes Galvão (1750-1813) declarou possuir “uma casinha na povoação do Acari, coberta de telha, velha e pequena”. A “casa da rua” pertencente a Caetano Dantas Corrêa aparece em seu inventário de 1798, com um adjetivo nada animador: “tudo velho”. Manoel de Medeiros Rocha, falecido em 1839, possuía uma casa no Acari, velha com apenas uma mesa e um banco. Em uma freguesia rural, a pouca importância que pareceu ser dada para os moveis do interior da casa, confirma que, essas pessoas se utilizavam socialmente do mundo urbano. (MACÊDO, op. cit.). Nesse ponto, gostaríamos de reforçar que estamos trabalhando com inventários de pessoas com amplo cabedal, o que não quer dizer que esses dados valiam para toda a população da freguesia. Dos inventários analisados, Tomaz de Araújo Pereira (3º) foi o que apresentou melhor patrimônio no que se refere a casas de morada. No seu inventário, datado de 1847 possuía “uma casa grande, com currais e muros no Acari” e no total possuía oito casas, avaliadas em um montante de 1:150$000, valor considerável se comparado com os analisados anteriormente. A casa melhor avaliada valia 400$000 e, a mais simples, 100$000. Certamente maiores e em melhores condições que as demais, sendo alento para a paisagem visual da precária povoação. Fazendo uma comparação quantitativa interna, por exemplo, podemos mensurar quantas cabeças de gado, moeda valiosa da época poderia se comprar com o valor de todas as casas, com o valor da cabeça de gado custando aproximadamente 16$000, daria pra comprar algo em torno de 100 bois. (MEDEIROS FILHO, 1983, p. 249) A precariedade não era exclusividade da Povoação do Acari. A sede da capitania, a Cidade do Natal, figura nas descrições documentais do século XVIII como sendo um arruado cercado por dunas e água. Sua forma “urbana” não fazia jus à “nobreza” que o título de cidade gozava. Seu espaço “urbano” era extremamente precário, estando isolado dos demais aglomerados da capitania. As casas térreas e de taipas contribuíam para a imagem de pobreza, onde até a sede do poder municipal, uma das Casas de Câmara e Cadeia (1721) foi construída com o predomínio da taipa e com algumas inserções de pedra e cal. A impressão geral é que do ponto de vista, de estrutura urbana, a capital sofria tais quais as aglomerações situadas no interior. A frágil paisagem e aparato urbano eram assim afetados pela condição periférica da capitania, carecendo de engenheiros e arquitetos existentes em outras localidades da época, como Recife e Olinda. Lima (2002, p. 33) conclui que Natal “era apenas um arruado de casas precárias, crescendo de maneira irregular, coberta de dunas e mal iluminada.” Em linhas gerais a rede urbana[footnoteRef:19] da Capitania do Rio Grande do Norte era muito reduzida. Até meados do século XVIII, existia apenas o município de Natal. As demais aglomerações eram povoações ou aldeamentos indígenas no litoral. Somente posterior a 1750 é que vão surgindo as primeiras vilas, a partir de antigos povoados ou missões. (TEIXEIRA, 2012, p. 67) [19: Entendemos rede urbana como um conjunto de aglomerações interligado entre si, com possibilidade de comunicação através de estradas e trocas comerciais. No Rio Grande do Norte por todo século XVIII e por boa parte do século XIX, as municipalidades eram poucas e isoladas uma das outras, além do mais as estradas eram precárias dificultando ainda mais a conexão entre si. ] Figura 3 - Mapa mostrando o núcleo urbano inicial de Acari, em azul a Capela e em vermelho a Casa de Câmara e Cadeia Fonte: Teixeira (2012, p. 23) A Povoação de Acari foi formada, em linhas gerais, por habitações familiares alinhadas, localizadas no alto de um terreno com vista para o rio Acauã, que corria no fundo de um pequeno vale, logo atrás das casas. Esta linha de construções viria a se tornar a primeira rua da povoação, que se estendia em ambos os lados da antiga Capela de Nossa Senhora da Guia. As casas pertenciam, principalmente, aos fazendeiros dos arredores, que iriam usá-las, sobretudo aos domingos quando vinham assistir à missa e em outras ocasiões religiosas, além do mais, durante algumas festas como casamentos. Em uma sociedade rural, estas “casas da rua" iriam permanecer fechadas a maior parte do tempo. (SANTA ROSA, 1974, p. 41) Por ser uma sociedade de fazendeiros, as principais atividades, exceto as religiosas, eram realizadas no meio rural. Certamente, a fazenda fornecia os serviços e equipamentos inexistentes na precária e nascente Povoação do Acari. O poderio dos mais abastados moradores da Povoação do Acari, até meados do século XIX, vinha da terra, do gado e dos escravos que, segundo Macedo (2013), formavam a tríade ou cabedais, compostos por terra, gado e escravos. Como por exemplo, Tomaz de Araújo Pereira (3º), que, por seu poderio econômico e influência no interior, sobretudo, na Ribeira do Acauã, alcançou o posto de Presidente da Província do Rio Grande do Norte, em 1823. Neto de um português de igual nome, cuja esposa era, quiçá, da Capitania da Paraíba, foi um dos precursores na ocupação e povoação da Ribeira do Seridó. (MEDEIROS FILHO, 1981, p. 111) A Povoação do Acari, nos últimos anos do século XVIII, começou a crescer timidamente, com o aparecimento gradativo de novas ruas. Nesse período, os fazendeiros, que moravam nos arredores, resolveram melhorar ou reconstruir suas casas na povoação, aparecendo, talvez, as primeiras casas alpendradas com predomínio da taipa, mas talvez com a inserção de tijolos em alguns pontos. Essa situação começaria a apresentar melhora já no século XIX, quando a técnica da alvenaria se disseminou efetivamente. (MACÊDO, op. cit., p. 158) Aos poucos a vida “urbana” ia desenvolvendo elementos capazes de agregar e atrair pessoas, para além das atividades religiosas, o tempo de estadia na aglomeração ia aumentando. Um sintoma dessa sensível melhora na aglomeração urbana é o crescimento da feira semanal como registra Santa Rosa (1974): Já então a feira se mostrava com maior movimento, mais numerosos os freqüentadores e maior variedade nas mercadorias a venda. Lá para o fim do século, encontravam-se para comprar, além dos alimentos básicos - carne, farinha e rapadura - também milho, feijão, mel de abelha em potes, sal, aguardente em barris, temperos seridoense e obtidos em outras regiões. (p. 46) [footnoteRef:20] [20: O autor nos revela que para embasar boa parte sobre sua escrita referente à povoação do Acari se baseou em crônicas. No entanto, não menciona quem as escreveu, tampouco onde as encontrou. ] No Rio Grande do Norte, a grande maioria das localidades surgiu a partir de um simples arruado ou povoado, tornando-se, com o tempo, uma povoação que, dependendo do desenvolvimento urbano e econômico, podia se tornar, eventualmente, uma vila. Acari é um bom exemplo disso. Surgida, inicialmente, ao redor de um poço no rio Acauã, beneficiou-se da pecuária e criação de gado para alcançar alguma visibilidade no contexto do período imperial, uma vez que foi Tomaz de Araújo Pereira (3º), proprietário de terras nas cercanias da povoação, a receber o título de primeiro presidente da Província do Rio Grande do Norte. No início do século XIX, a povoação recebeu o título de Vila do Acari, corroborando o processo embrionário de urbanização vivido pela Província do Rio Grande do Norte. Podemos encarar esse fato olhando por dois ângulos: a criação de vilas fazia parte da política de consolidação empreendida pela Coroa Portuguesa no século XVIII e pelo Estado Imperial no pós-1822, o que nos revela que a aglomeração tinha atingido um desenvolvimento em algum dos aspectos mencionados no parágrafo anterior. Por outro lado, é possível pensarmos, que ao conceder o status de munícipio a uma determinada aglomeração, o império estivesse pensando em melhorar o frágil “mundo urbano” atraindo parasi a vida social e comercial, propiciando assim desenvolvimento em localidades semi-rurais, ou seja, aquelas onde as atividades do campo predominam. Foi durante o século XIX que a Vila do Acari e demais aglomerações da Província do Rio Grande do Norte passaram por um momento de maior transformação em seu espaço urbano, melhoria na infraestrutura, nas construções e no comércio, temáticas que serão abordadas no próximo capítulo. CAPÍTULO II A ASCENSÃO DE UMA MUNICIPALIDADE E SUAS (RE)CONFIGURAÇÕES URBANAS 2.1 O status de vila e o poder municipal O século XIX pode ser considerado como o da urbanização na Província do Rio Grande do Norte. A frágil rede urbana, que perdurou até meados do século XVIII, agora, dava sinais e indícios de um crescimento considerável. Se até 1750, a capitania possuía apenas uma cidade, Natal, nos anos 1800 essa situação começou a mudar. Até o fim do século XIX, a província possui 14 municípios, sendo 03 cidades e 11 vilas. Esse panorama permite-nos afirmar que, de maneira geral, o Rio Grande do Norte passava por um processo de desenvolvimento e urbanização uma vez que o município é desmembrado em outras unidades territoriais, quando essas alcançam certo grau de povoamento e ocupação. (TEIXEIRA, 2012, p. 67-9). A fundação de vilas fazia parte do projeto de urbanização do período provincial, expandir o território por meio da atração das pessoas e centralização do comércio. O município de Acari foi criado pelo Presidente da Província em de 11 de abril de 1833. (SANTA ROSA, 1974, p. 68). Esta criação foi aprovada pela Lei Provincial de 18 de março de 1835[footnoteRef:21]. [21: A bandeira do município exibe a data da confirmação, no entanto a emancipação política do município é comemorada em 11 de abril. Na documentação escrita e disponível no Arquivo da prefeitura Municipal, os documentos já fazem menção à Vila do Acari, mesmo aqueles datados de 1833 e 1834.] Sobre as denominações das aglomerações urbanas referentes à municipalidade, que vigoravam na colônia e império, pode-se citar, a povoação, a vila e, por último, a cidade. O termo vila refere-se ao centro de uma jurisdição territorial, sendo a sede do município, com implicações político-administrativas. (BLUTEAU, 2000, p. 489) Nos dias atuais, o termo vila é normalmente usado para nomear pequenas localidades geralmente ocupadas por pessoas de baixa renda (TEIXEIRA, 2012, p. 39) Recebido o título de vila, uma das primeiras medidas impostas por lei foi a construção da Casa de Câmara e Cadeia. Este edifício era geralmente de dois andares, o térreo servia como prisão local e o superior, como o conselho da Câmara. (TEIXEIRA, 2012, p. 117) A vila era o núcleo de um território, a sede do município, exigindo como prerrogativas possuir uma sede para o poder municipal, ou a Casa de Câmara e Cadeia. Em 1838, a sede da administração local do Acari já estava de pé, construída em pedra e barro por Tomaz de Araújo. Em um discurso, do mesmo ano, o presidente da província João Valentino Dantas Pinajé diz que, “[...] A Cadeia da Villa do Acari posso affirmar-vos, que he nova, e ainda não apresenta ruina [...]” (HARTNESS, 1838, p. 32). Não encontramos fontes documentais que forneçam informações sobre o local da primeira Cadeia. Em fins dos anos 1860 o prédio estava em ruínas e abandonado[footnoteRef:22]. [22: LABORDOC/FCC/1ºCJ/DIV/CAIXA 481 Municipio do Acary – Obras publicas, cota atual.] É possível que a construção tenha sido usada somente como cadeia, já que as laterais da Igreja do Rosário, construídas em 1840 por Tomaz de Araújo, aparecem como sendo lugar de reuniões para tratar de assuntos políticos e da administração pública, nos anos 1840 e 1850. (SANTA ROSA, 1974, p. 69) A nova Casa de Câmara e Cadeia de Acari começou a ser construída em 1878 e foi concluída em 1887. Sua fachada foi inspirada na arquitetura neoclássica. Pedra e tijolos foram os materiais usados nas paredes, denotando maior apuro técnico-construtivo, estilístico e melhoria no setor da construção civil. Na fase final da construção do edifício, por volta de 1885, um arquiteto aparece sendo contratado pela Câmara para trabalhar na obra, podemos imaginar que o mesmo foi o encarregado das questões estilísticas da fachada do prédio. ( CÂMARA MUNICIPAL DA VILA DO ACARI, 1885-1908) As pessoas que aparecem como trabalhadores na obra são: Paulino José de Maria (arquiteto), Manoel Joaquim da Silva (pedreiro), Joaquim Ignacio da Silva (pedreiro) Manuel Pedro de Azevedo (pedreiro) e Manoel Antonio Dantas (carpina). Figura 4 - Casa de Câmara e Cadeia de Acari em 1986 Fonte: MUsA Iconografia (2008) Durante todo o período colonial e no império, edifícios, como a Casa de Câmara e Cadeia, ocupavam lugar privilegiado no espaço das aglomerações. Eram o símbolo do poder secular e sempre se localizavam na praça central, o que nos leva a crer que a primeira sede de Acari tenha sido erguida em algum lugar no centro da vila. A segunda sede, como já mencionado, foi construída já em fins do século XIX, próximo ao alvorecer da República. A segunda Casa de Câmara e Cadeia foi certamente construída fora dos limites urbanos e logo se transformaria em intendência. 2.2 O espaço urbano e as posturas municipais O visual da “urbe” brasileira é gerado por normas urbanísticas, que regulam a largura das ruas, a altura das construções e a exemplos os impostos sobre o solo. Essas orientações refletem ideais estéticos, higiênicos e morais, onde a forma urbana e as edificações refletem os valores sociais vivenciados no espaço público. (MARTINS, 2010). Essa situação pode ser observada nos dias atuais, mas, neste estudo, lançamos nosso olhar para o período imperial, época em que as Posturas tiveram grande influência na concepção formal do espaço urbano. No Brasil Colonial, e com mais vigor no Império, as Câmaras Municipais eram responsáveis pela realização das obras públicas e pelo estabelecimento das Posturas municipais, que podem ser compreendidas como uma legislação inicial na tentativa de organizar o espaço urbano. As Posturas padronizavam e uniformizavam as construções das casas, com o objetivo de garantir uma melhor estética visual das vilas e aglomerações urbanas. A Altura, a largura, o alinhamento e até a cor da fachada eram impostos por lei. Foi durante a administração do Marquês de Pombal que as Províncias do norte receberam maior atenção no sentido de ordenar e organizar os seus núcleos urbanos, principalmente os que ficavam no interior. A estética das edificações e do espaço público eram preocupações vigentes. Sebastião José de Carvalho Melo, Marquês de Pombal, foi Primeiro-ministro do Rei Dom José I, entre 1750 e 1777. No período em que se manteve no cargo, deu muita atenção as questões relativas ao espaço urbano, especificamente, aos aspectos estéticos das aglomerações. No Rio Grande do Norte, as atuais cidades de Portalegre, Vila Flor e São José de Mipibu são exemplos da intervenção Pombalina. Seus projetos urbanos foram resultantes de uma série de ideais, que tinha a regularidade do espaço como premissa. O traçado urbano das localidades se expressava em forma xadrez e também circular. (TEIXEIRA, 2005, p. 189-206). A particularidade dessas três aglomerações é que tiveram suas origens em aldeamentos indígenas. Depois de termos verificado aspectos da organização e instalação do poder municipal na Vila do Acari, é necessário acompanhar suas atribuições e ações no que diz respeito à organização e controle do espaço urbano. Em 1835, com a confirmação do título de Vila, a localidade recebe seu primeiro Código de Posturas Municipais, e no artigo nº 8 chama atenção para o cuidado com o asseio das ruas bem como as casas da aglomeração. “Em todo o cabeça de casal será obrigado a ter limpas as frentes de suas casas nas povoações, nas quatro festas principais, de cada hum ano, sob pena de pagar por cada vez que faltar a limpeza, duzentos réis para as despesas da Câmara” (ACARI, Lei nº 7, de 04 de março de 1835). Esse artigo nos mostra uma preocupação com a higieneda aglomeração, não deveria haver mato, sujeira ou entulho, nem em via pública nem nos quintais das construções, onde até as formigas deveriam ser eliminadas, tudo isso para garantir a salubridade da vila. As Posturas municipais eram abrangentes, davam conta de vários aspectos do espaço urbano. Além da limpeza, as leis cobriam também os aspectos estéticos e formais das ruas. No artigo nº 13 (ACARI, 1835), há uma preocupação com o alinhamento das construções, caso fosse desobedecido a casa seria derrubada à custa do proprietário. As questões higiênicas também são cobertas pelas Posturas municipais. O espaço urbano insalubre e propício a doenças precisava ser saneado, havia preocupações com os enterramentos nas igrejas, que deveriam ser feitos em cemitérios fora dos limites urbanos. As ruas seriam mais largas para facilitar a circulação do vento, as casas com maiores janelas, de modo que o sol pudesse dissipar a umidade, os dejetos humanos e animais teriam que ficar longe das fontes de água. As ruas mais largas e retilíneas são expressões de uma evolução na forma urbana das vilas e cidades, esse processo acentuou-se principalmente no decorrer do século XIX. As epidemias eram constantes, varíola, febre e cólera apareciam em surtos, e melhorar a higiene seria fator decisivo para conter tais situações. A Câmara Municipal mostrou, em algumas oportunidades, certa preocupação com as fontes de água e as latrinas, por medo de contaminação[footnoteRef:23]. Em 1833, a Câmara da Vila do Acari recebeu 40 exemplares da Sociedade Médica do Rio de janeiro, com o parecer sobre questões ligadas à higiene pública e principalmente a cólera. [23: Como, por exemplo, visto em ata do dia 10/01/1844, onde o fiscal foi orientado a fazer a correção das fontes de água, dos muros das casas, e punisse aqueles que acumulassem lixo e entulho em seus respectivos quintais, sendo assim também proibido, jogar dejetos animais mortos e imundícies próximo as fontes de água. ] À medida que o espaço da municipalidade ia se transformando, o governo provincial precisou elaborar planos e políticas de higiene para o espaço público. O pensamento social no século XIX foi fortemente influenciado pelo olhar médico, era preciso diagnosticar os males urbanos e encontrar soluções para erradicá-los. A teoria dos miasmas tinha uma explicação para essas epidemias: eram causadas pelos odores exalados de cadáveres em decomposição, espalhando a pestilência através do ar respirado. Os ideais sanitaristas tiveram reflexo direto no espaço da vila, uma vez que os enterramentos nas igrejas deveriam ser proibidos, como visto em carta do governo provincial à Câmara da Vila do Acari em 1855. E reconhecendo a urgente necessidade de se tomarem medidas para fazer cessar o abuso que se tem admitido de fazerem-se enterramentos dentro das igrejas, recomendo a V.cias a expedição das ordens necessárias e enérgicas previdências para que não consinta semelhante costume, hoje geralmente reprovado e sempre nocivo a salubridade publica. (CÂMARA MUNICIPAL DA VILA DO ACARI (1842-1860), 1855) A epidemia de cólera, que assolou o Seridó em 1856, preocupou as autoridades municipais e a população, para a necessidade de se tomar uma atitude que objetivasse melhorar as condições higiênicas. Como consequência, os enterramentos nas igrejas cessaram e um novo cemitério foi construído fora dos limites urbanos em 1856[footnoteRef:24]. O trabalho de Silva (2003), intitulado Seridó em Tempos de Cólera, trata especificamente dessas epidemias e doenças que solaparam, por exemplo, as Vilas do Acari e em Príncipe na segunda metade do século XIX. [24: Documento obras publicas do município de Acari. LABORDOC/FCC/1ºCJ/DIV/CAIXA 481.] A estética foi uma preocupação evidente das autoridades municipais. O alinhamento nascente de uma rua e sua continuação deveriam ser respeitados. Essa regularidade das construções garantiria o aformoseamento da estética e forma urbana. (ACARI, 1835). O artigo adicionado às leis de Acari em 16 de junho de 1849, ilustra preocupações estéticas das autoridades locais no que respeita à forma urbana: Art. 15. Os proprietários que vivem nesta vila e povoações do município são obrigados a manterem caiadas (limpas) e pintar as fachadas de suas casas, e caiar (limpar) 5 m de extensão de largura na parte frontal e lateral [...] dentro dos próximos 11 meses a partir da data que esta lei for aprovada. Devem mantê-los em bom estado. Os transgressores irão pagar uma multa vale 5.000 réis, e no caso de não ter dinheiro será preso a uma taxa de 1.000 réis por dia[footnoteRef:25]. [25: APMA, Documentos antigos, Pasta nº 38, 1845 a 1864. ] A aplicação dessas leis era feita pelo fiscal que, se necessário, recebia auxílio de um Inspetor de Quarteirão. As principais funções desse estavam ligadas à fiscalização e execução das orientações legais, alertando e multando os que não cumprissem as determinações da Câmara, além de ter que apresentar um relatório de suas atividades. Agente muito importante do espaço urbano nesse período, o fiscal devia prestar conta de seu trabalho, a fim de melhorar a atuação do poder municipal, como visto a seguir: [...] Compareceu o fiscal do termo desta vila Manoel Severiano, o qual prestou contas das correições que tinha feito, e pedindo a Câmara que lhe mandasse satisfazer a quantia de 6.000 réis, que tinha sido despendido com dois serventes, o que sendo ouvido pela Câmara ordenou ao procurador para mandar satisfazer o fiscal [...]. (CÂMARA MUNICIPAL DA VILA DO ACARI, 1851) Todos os moradores deviam pedir licença para poderem construir suas casas, mas essa situação poderia se aplicar a outras construções. Alinhamento das casas, limpeza, extensão e largura/abertura de ruas/viela eram o foco principal das orientações. Em algumas ocasiões, como por exemplo, a registrada em ata de 30/10/1858 os vereadores discutiram sobre casas que não respeitavam o alinhamento proposto e convocavam seus donos para que as derrubassem. Em ata ordinária datada de 25/10/1858, a discussão era sobre a abertura de um beco de nove palmos de largura. As casas eram obrigadas a ter suas frentes caiadas (limpas), rebocadas e possuírem calçadas com 5 palmos de largura. (Pasta Nº 37, 1833-1849, artigo nº 15, 16/08/1849) A principal função dessas leis era controlar o espaço urbano em seus aspectos estético-formais. Acompanhando os artigos adicionados a esse instrumento legal de controle na Vila do Acari e cruzando com as atas e circulares[footnoteRef:26], podemos evidenciar duas situações: nem sempre as orientações do referido código eram cumpridas, ou por parte do fiscal ou por parte da população, e, em certas ocasiões, as construções se davam de maneira espontânea. É possível observar que em algumas oportunidades, o Governo provincial pediu à Câmara da Vila do Acari que cumprisse suas posturas. [26: As atas de reunião da Câmara da Vila do Acari nos revelam que em algumas ocasiões existiram conflitos e violência entre moradores e o fiscal encarregado de executar as leis municipais. Por vezes, os vereadores apontam negligência por partes dos fiscais, cobrando-lhes um relatório de suas atividades. O governo provincial, por várias vezes, demonstrou preocupação com o cumprimento das Posturas e enviou várias circulares às autoridades políticas do Acari, pedindo que as recomendações fossem seguidas, mesmo que fosse preciso usar a força policial. Essa documentação encontra-se no Arquivo da prefeitura Municipal.] Mesmo que as Câmaras Municipais não fossem dotadas de um plano urbanístico para as aglomerações como um todo, parece-nos claro que a estética e a forma urbana das vilas foram moldadas pelas posturas municipais, e que estas acabaram por ser, ainda que de maneira embrionária, uma espécie de pré-urbanismo. (TEIXEIRA, 2012, p. 58). No caso de Acari, essa forma urbana perdura até hoje, principalmente no centro histórico, produto do século XIX. O alinhamento, a largura, a extensão e as fachadas das ruas ainda mostram os efeitos e a importância que essas orientações tiveram paraa urbanização da cidade. 2.3 (Re)configurações urbanas em curso A partir de meados do século XIX, Acari começou a passar por importantes modificações em seu espaço urbano, o que revela certa prosperidade, inicialmente vinda da pecuária e que depois viria a ser do algodão. Essa situação permitiu que outro templo fosse erguido para ser a matriz de Nossa Senhora da Guia. A construção, de fato, teve início em 1857, mediante doze contos de réis, conseguidos com a venda de duas fazendas de gado pertencentes às irmandades religiosas do Santíssimo e de Nossa Senhora da Guia. O custo total da obra foi aproximadamente 100 contos de réis[footnoteRef:27]. Alguns nomes da elite política e econômica da vila aparecem como doadores de dinheiro, entre eles, o Tenente Coronel Manoel Gomes da Silva e o Capitão Cypriano Bezerra Galvão. Cada um deu 100$ de oferta. Foi construída de pedra e cal e com tijolos de adobe[footnoteRef:28]. O tempo, que levou para ser concluída, as proporções e o material humano e financeiro revelam que Acari passava por um momento de prosperidade econômica e por um desenvolvimento urbano, já que o templo deu novos limites espaciais à aglomeração, fazendo surgir a partir de si uma fileira ulterior de casas. É verdade que nesse período, o espaço urbano de Acari vivia uma evolução em sua forma, com maiores e melhores casas, de alvenaria e algumas em pavimentos, no entanto, a vila não tinha casas suficientes para abrigar as oito mil pessoas, que estiveram acompanhando o translado da padroeira em 1867. [27: Valor equivalente a 89,650 kg de ouro ou o preço de cinco mil vacas na época. (MEDEIROS FILHO, 1981, p. 177)] [28: Termo de origem árabe, que se aplica ao tijolo de terra ou barro, no qual se mistura frequentemente estrume ou fibra vegetal para lhe dar maior consistência. O adobe difere do tijolo principalmente por não ser cozido, apenas secado ao sol. (TEIXEIRA, 2012, p. 263)] À medida que o século XIX avançava, surgiu uma forte preocupação com a aparência estética das ruas e edifícios, especialmente com as fachadas, cujas dimensões, número e tamanho das aberturas e, até mesmo, as cores foram, às vezes, impostas por lei. As autoridades locais tentavam controlar o comportamento dos habitantes. A partir de meados do século XIX, novas casas foram sendo construídas no lugar de casas precárias. No contexto provincial, a atividade comercial começou dar indícios de crescimento. Na Vila do Acari, a regulamentação do comércio e o mercado público, por parte da Câmara Municipal, além inauguração da feira, em 1846, são sinais importantes do início das melhorias em curso. (CÂMARA MUNICIPAL DA VILA DO ACARI, 1846). O Mercado Público da vila que foi construído em 1890, considerado o melhor do Seridó naquela época[footnoteRef:29]. A Praça, designada para a “feira semanal", abriu-se em frente à Casa do Mercado. Atualmente, é conhecida como praça dos taxistas, mas, oficialmente, chama-se Coronel Silvino Bezerra. [29: APMA, documentos antigos, pasta nº 4, 1890 a 1900. ] A importância desempenhada pela atividade comercial no espaço urbano é revelada pela nomenclatura dos logradouros públicos. Atrás do mercado, nesse sentido, surgiu a Rua do Comércio. ( SANTA ROSA, 1974, p. 78) Figura 5 - Praça do Mercado em Acari por volta dos anos 1920 Fonte: Miúdo, 2005. Uma nova via de abertura se estendia desde o centro antigo da cidade, onde se desenvolvera o núcleo urbano inicial da povoação, sobretudo nos lados e na frente da Igreja do Rosário. O parcelamento urbano, que inicialmente se mostrava irregular, sobretudo na praça central, agora dava claras demonstrações que assumiria um plano xadrez como visto na seguinte orientação registrada em Ata. O alinhamento do novo edifício se abrirá em direção a rua grande, e dali um alinhamento para o poente, para o sul, para o nascente, formando quatro frentes, ficando entre as novas ruas e as existentes o espaço de 50 palmos nos lugares mais estreitos. (APMA, Pasta nº 7, 1865 a 1873) Segundo Nobre (1971, p. 151), Acari “[...] tem boa casaria. É ornada de dois templos sobressaindo o da padroeira da freguesia, para a construção e elegância do qual muito concorreu o respeitável Vigário Tomaz Pereira de Araújo”. Observando essa descrição, podemos concluir que o casario urbano de Acari já apresentava a alvenaria como técnica-construtiva, em duas águas inspirado no estilo colonial[footnoteRef:30]. Nobre era funcionário do governo provincial e viajou pelo interior fazendo descrições de vilas e cidades no ano de 1877. [30: A casa em estilo colonial se caracteriza em linhas geras por não possuir recuo lateral nem frontal, ser germinada, ou seja, colada a outra. O pé direito e cumeeira muito altos, telhado em duas águas (LIMA, 2002, p. 39-47). Além dessa tipologia, existia também o sobrado, elemento de certa distinção de classe. No Seridó, o primeiro sobrado foi construído em 1810, pertencente ao padre Francisco de Brito Guerra (MACÊDO, 2007, p. 151) Em Acari, esse tipo de edifício seria construído por volta de 1880, de propriedade do também Padre José Modesto Pereira de Brito, sobrinho de Brito Guerra. ( SANTA ROSA, 1974, p. 77)] As transformações da forma urbana no espaço de Acari não escaparam da secularização, que estava em curso nos demais lugares, Natal, Caicó, Assu. Para analisar essa situação, observamos em um primeiro momento, uma petição de 05 de julho de 1886, encaminhada pelo vigário Tomaz Pereira de Araújo. Nela, o mesmo pede à Câmara dos Vereadores que retire a feira semanal do domingo e transfira para outro dia, por este ser dia santo. Os vereadores responderam dizendo que não possuíam competência e, tão pouco, justificativa para atender tal desejo. A ata contem o seguinte teor: Na feira estabelecida aos domingos, costume esse reprovado, tanto do ponto de vista físico, pois não se pode consumir todo tipo de alimento, e moral pois trata-se de um dia santo, onde o senhor nosso Deus descansou depois de ter criado céus e terra, então venho em nome da moral e do progresso espiritual dessa vila pedir que a feira seja estabelecida na segunda. “O outro elemento que evidencia esse espaço urbano cada vez mais laico, foi a secularização do cemitério público local em 6 de dezembro 1898.” (CÂMARA MUNICIPAL DA VILA DO ACARI 1885-1908). Sobre a secularização dos cemitérios em específico, podemos citar a tese de Santos (2011) O Processo de Dessacralização da Morte e a Instalação dos Cemitérios no Seridó (XIX-XX). Na festa de translado da padroeira esse uso sagrado e profano do solo é visível, ao passo que se estima que 8 mil pessoas e 18 sacerdotes tenham assistido a cerimônia, 60 mesas de jogos foram vistas espalhadas pela vila. De acordo com o censo de 1890, o total da população dentro dos limites municipais de Acari foi de mais de 9.000 habitantes. A vila continha 198 prédios e 10 ruas. (SANTA ROSA, 1974, p. 87). O título de cidade foi concedido em 1898, uma boa evidência do desenvolvimento urbano local. Em1899, as lideranças políticas de Acari viam claramente a necessidade de organizar as ruas e praças e adotar uma nova malha urbana[footnoteRef:31], também mostravam preocupações estéticas no que diz respeito às paredes que se destacavam nas artérias da cidade. Ao consultar um corpus documental[footnoteRef:32] disponível no Arquivo da Prefeitura Municipal, ficou claro que esse Código de Posturas de 1899 já apresenta um discurso em função da modernidade. [31: Essas ideias foram postas na pauta de discussão pelos vereadores, quando discutiam sobre o novo código de postura da cidade em 1899 em reunião no Conselho da Câmara. As orientações que pautavam o discurso eram ideias de modernidade e progresso, corroborando o positivismo vivido pelo alvorecer da República.] [32: Os artigos, adicionados às Posturas municipais da Vila do Acari em 1896, exibem uma considerável preocupação com a expansão e alargamento das vias urbanas, como o tamanho, a forma e até a posição das ruas, que ficavam principalmente no centro da vila.] A “modernização” da malhaurbana se expressava no surgimento das novas ruas largas e retilíneas. A necessidade de modernizar o meio urbano da cidade se deu por uma forte remodelação na parte mais antiga do aglomerado urbano, sobretudo, no largo que se abria em frente à antiga matriz, onde várias construções da fase inicial da povoação foram destruídas[footnoteRef:33]. [33: Nessa onda avassaladora de modernização/demolição, subsidiada mediante a prosperidade trazida pela economia algodoeira e o gado, muitas construções de pouco valor venal, como cita Santa Rosa (1974, p. 77) foram destruídas, a exemplo de uma casa, considerada a primeira de Acari, que ficava à direita da Igreja do Rosário, e veio abaixo em 1908 para dar lugar ao moderno prédio do Grupo Escolar Tomaz de Araújo.] É das reuniões da Câmara e das Posturas Municipais de 1896 que se pode detectar o desejo de reconfigurar o espaço urbano de Acari, pois as preocupações com as questões estético-formais continuavam. Contudo, paulatinamente, vai se percebendo que as orientações apontam agora para a criação de novas ruas grandes e largas, e para efeito disso, as casas pequenas e de técnicas construtivas frágeis seriam substituídas, sucessivamente, por construções de maiores proporções, mas sem fugir do trinômio fachada/limpeza/alinhamento. É também desse período a demolição da Casa de Caridade erguida pelo Padre Ibiapina[footnoteRef:34]. [34: A Casa de Caridade foi construída em junho de 1864 pelo Padre Mestre José Antonio de Maria Ibiapina. Na casa, ficavam freiras, aleijados, cegos, paralíticos. Com boas provisões, abrigava entre 40 e 50 pessoas, o edifício tinha dois hospitais, salas de jantar, no pavimento térreo, no primeiro andar, sala de dormida e muitos quartos. Certamente, a casa foi construída em pedra e cal, ou, embora não seja mencionada por Manuel Ferreira Nobre, a construção devia ter boas proporções e um apuro construtivo acompanhando o momento de melhorias no meio urbano pelo qual Acari passava. (SANTA ROSA, 1974, p. 79)] Os valores de uma cidade republicana são vários: as praças, os nomes dos locais públicos, das ruas, e, principalmente, a regularidade dos espaços urbanos, valores que são vistos na cidade do Acari. O primeiro capítulo das Posturas municipais de 1899 é voltado completamente para seus aspectos urbanos, nomes de ruas, dos espaços, numeração das casas e pela primeira vez a necessidade de plantar de árvores. O primeiro artigo diz o seguinte: As ruas que de agora em diante se abrirem dentro do perímetro desta cidade, terão, pelo menos, a largura de 10 metros, salvo obstáculo invencível, e serão cortadas por outras em ângulo reto e na distancia de 25 metros de uma para a outra [...] (ACARI, Lei nº 1, de 14 de março de 1899, 1899) Os ideais de progresso e de modernidade passaram a aparecer de maneira mais evidente no discurso das lideranças políticas locais dos últimos dez anos do século XIX, podemos perceber os anseios de modernização da urbe, traduzido na vontade de ajardinar as ruas, construir praças e embelezar a cidade. É preciso seguir um horizonte norteador para modernizar a saúde, a higiene e o aspecto urbano. A cultura do algodão foi o principal catalisador dessa prosperidade de fins do século XIX e primeira metade do XX. Consideramos em nosso trabalho a ideia de modernidade apresentada em Le Goff (1990), vista a partir de uma perspectiva de ruptura com o passado, mesmo que apenas discursiva. Especificamente, para nossa escrita, associamos modernidade a um conjunto de modificações pelo qual passa uma sociedade, aqui se trata de urbanas, que geram um sentimento de novo frente ao antigo, uma necessidade de progresso na estrutura citadina. 2.4 O século XX e os ensaios de modernização possíveis Gostaríamos, nesse ponto, de conceituar em que sentido estamos usando a palavra modernidade e modernização em nosso trabalho, a fim de evitarmos que esses conceitos, tão importantes, sejam usados de maneira errônea e comprometam o entendimento e sentido de nossa escrita. Em primeiro lugar, quando nos referimos à modernização, aludimos as melhorias ocorridas no espaço urbano em variados aspectos, feições das construções, pavimentação, energia elétrica, criação de praças e ajardinamento de ruas. No caso específico de Acari, temos que limitar esse uso e pensar em quais destes aspectos foi possível alcançar melhorias, sobretudo, na infraestrutura. Uma cidade moderna, progressista não só apenas em aspectos arquitetônicos, onde a administração pública investiu dinheiro na higienização e no embelezamento, principalmente no centro da aglomeração. Com a entrada no século XX, uma figura aparece como elemento pensante e agente impulsionador dessa “modernização” da cidade: Francisco Bezerra[footnoteRef:35], homem que adquiriu casas antigas, empreendeu reformas dando caráter de arquitetura moderna, abriu novas ruas, construiu vilas[footnoteRef:36] em subúrbios. Embora saibamos o nome de uma das vilas fechadas que o mesmo construiu, Valparaíso, não podemos precisar a localização espacial exata. Porém, essa evidência permite-nos pensar por dois pontos: ou no centro da cidade já estava faltando espaço para construir ou essa orientação de modernização estava ligada à ocupação de áreas suburbanas. Por mais que essa nossa afirmação pareça óbvia, ela se dá por dois motivos, nas atas de fins do século XIX e início do século XX, percebemos um desejo de construir novas ruas, mas no primeiro quartel dos anos 1900 parece que a parte mais central da cidade já estava quase que totalmente ocupada, então pode ser que essa situação tenha impulsionado a expansão urbana naturalmente ou que a intendência desses subsídios para tal acontecimento por meio de desapropriação de terrenos pertencentes ao patrimônio da igreja. [35: Francisco Bezerra de Araújo Galvão iniciou sua vida como professor, lecionando na zona rural de Acari, no Bico da Arara. Com o passar do tempo, formou uma sociedade com Joaquim da Virgem Pereira e depois com seu próprio irmão Manuel Bezerra e por último com seu primo Antonio Bezerra de Albuquerque. Dessa sociedade surgiu a F. Bezerra & Cia, firma proprietária de uma loja no centro de Acari. Pelos sobrenomes fica claro que faziam parte de famílias da elite local. Admite-se que Francisco Bezerra tenha estudado em algum país europeu: França ou Portugal são as hipóteses. Santa Rosa (1974, p. 107) se refere ao mesmo como um elemento pioneiro no progresso da cidade pelo fato de ter realizado diversas inserções de caráter moderno em fins do século XIX e início do XX.] [36: Vila nesse contexto perde o sentido político-administrativo, sendo utilizado para nomear um conjunto de casas, com uma única saída para a rua, geralmente um portão. Às vezes estas casas estão dispostas ao redor de uma pequena praça ou avenida, sendo também chamada de cortiço. (DICIONÁRIO HOUAISS, versão eletrônica)] A mesma pessoa foi ainda responsável pela desapropriação de outros dois prédios, o primeiro para construção de uma escola e o segundo para uma residência em estilo chalét. Bezerra adquiriu alguns empréstimos e pediu ajuda aos mais abastados da cidade. Infelizmente, muitas das casas derrubadas ou descaracterizadas pertenciam à ocupação original. Em 1915, foi inaugurada a estação telegráfica, mas é a construção de uma ponte sobre o Rio Acauã, que reflete o panorama da modernização urbana da cidade e é descrita dessa forma: No ano de 1929, Acary recebeu mais um importante melhoramento, mandado executar pela Inspetoria de Obras contra as Seccas, com a colaboração do estado: a construção de uma elegante e solida ponte sobre o rio Acauã, à entrada da cidade. A ponte que recebeu o nome de Presidente Lamartine é a maior obra de arte em concreto armado construída até hoje no estado do RN. (SOARES, 1988, p. 5) Um dado interessante a ser observado é que essa fonte nos diz que a ponte foi construída na entrada da cidade. A referida construção, hoje, se intitula ponte velha e serve como ligação entre o bairro Petrópolis e o centro da cidade. Talvez o lugar fosse ocupado porpoucas casas de taipa ou fosse uma região considerada subúrbio, fora dos limites urbanos. A essa altura, Acari já era iluminada por energia elétrica, além de possuir um campo de pouso para aeronaves de pequeno porte, construído em 1928, a pedido do Governador Juvenal Lamartine. O mesmo veio inaugurar o campo em uma viagem de avião de Natal para Acari. Este campo de aviação de Acari serviu para aterrissagem de muitas autoridades políticas, em nível estadual e até nacional, que visitavam a cidade em compromissos políticos e de campanha. O lugar encerrou suas atividades em 1981. Acari se desenvolveu substancialmente no início do século XX como revela a descrição de 1930: A cidade, localizada na margem direita do rio Acauã, é iluminada por energia elétrica. Tem edifícios regulares, a maioria em estilos antigos. Existem, no entanto, algumas construções recentes em que certas regras da arquitetura moderna foram observadas. Uma boa quantidade de casas permanece fechada durante a semana, porque seus proprietários, que são pessoas mais ou menos prósperas, preferem viver com suas famílias nos sítios onde trabalham. Eles vêm para a cidade só aos domingos e ocasiões de festividades para realizar suas obrigações religiosas e visitar amigos. Entre os edifícios mais importantes podem ser citados a escola Thomaz de Araujo, a Câmara Municipal (Intendência) e da paróquia igreja, o segundo maior templo da diocese de Natal. (SOARES, ibid., p. 5) Essa fonte bibliográfica nos permite discutir sobre alguns pontos pertinentes, quanto aos aspectos do processo de melhoramentos do espaço urbano. O documento revela a existência predominante de construções do século XIX, ou arquitetura pré-modernista. Novos edifícios de arquitetura moderna estavam surgindo aos poucos. Essas tipologias arquitetônicas representavam o pensamento modernista iniciado em fins do século XIX e que agora ganhava maior intensidade. Mesmo com o processo de urbanização em marcha, a maioria da população ainda residia na zona rural. Em 1940, a cidade foi crescendo consideravelmente a população urbana era de 1.291 habitantes. (CÂMARA, 1941-1942, p. 10). Formada por 34 ruas e 304 edifícios, a zona urbana não tinha Banco. Acari em 1951 possuía cerca de 600 construções. Em 1970, chegou a 5.292 habitantes. (IBGE, 1971, p. 24). Outro sintoma do crescimento da cidade é revelado na proposição do prefeito para a Câmara Municipal, em 1949, para expropriar terras suburbanas pertencentes à Paróquia de Nossa Senhora da Guia para a construção de casas e um matadouro. O prefeito acrescentou que "na zona urbana não há mais lugares vagos para construir novas casas e muitas pessoas estão dispostas a construir, mesmo que seja na periferia da cidade”. A Câmara Municipal autorizou a aquisição do terreno por unanimidade. (CÂMARA MUNICIPAL DOS VEREADORES, 1948-1952). Essas atas, da década de 1940 e 1950, deixam-nos evidências de um perceptível florescimento urbano de Acari, passando a cidade a crescer do ponto de vista espacial. Em 1956, do ponto de vista dos aspectos urbanos, Acari era assim descrita: Acari tem duas praças e seis avenidas calçadas a paralelepípedos, estando em prosseguimento a pavimentação de outros logradouros públicos. A energia elétrica é fornecida pela Empresa Elétrica Municipal e destina-se exclusivamente à iluminação pública e domiciliar, não havendo consumo de energia como força motriz. (ENCICLOPÉDIA DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS, 1960, p. 21). Em 1950, a Câmara havia aprovado a aquisição de um novo motor para geração de energia na cidade, já que o existente era insuficiente[footnoteRef:37]. (CÂMARA MUICIPAL DOS VEREADORES DE ACARI, 1948-1952) Houve uma série de desapropriações de terrenos em áreas suburbanas a partir de 1960. Muitas casas de taipa construídas de maneira desordenada foram derrubadas para a abertura de novas ruas e vielas em áreas anteriormente desocupadas. A política de expansão urbana se dava da seguinte maneira: a casa era derrubada, o morador recebia uma indenização em dinheiro ou tinha sua casa construída em outro lugar. Todavia, em algumas situações, o Prefeito também pedia desapropriação de casas de telhas e tijolos que, por ventura, estivessem impedindo a abertura de novas ruas como visto em ata datada de 24 de Agosto de 1962: [37: Percebe-se que a cidade estava crescendo em um bom ritmo novas ruas sendo criadas em áreas suburbanas.] O prefeito por meio amigável pede que seja desapropriada uma casa de tijolo e telha na Rua Antonio Basílio, erguida como cadeia pública, pertencentes aos herdeiros de Manoel Ubaldo Neto, coma finalidade espacial, para a abertura de uma avenida a ser desenvolvida. ( CÂMARA MUNICIPAL DOS VEREADORES DE ACARI, 1954-1962) O cuidado e preocupação com as questões estético-formais do espaço urbano ainda aparecem como visto no Código de Posturas de 1948, artigo nº 26, Na construção de prédios a serem encravados na zona urbana da cidade e vilas do município, a altura dos mesmos deverá ser de três metros e meio no mínimo, do piso ao respaldo, tendo as portas dois metros e vinte centímetros a três metros de altura [...] (ACARI, Lei nº 51, de 23 de novembro de 1948, 1948). No mesmo código, aparecem alguns artigos, interessantes quanto à estética urbana, que proibiam a construção de casas ligadas entre si, e pedindo um espaço de dez metros entre os novos prédios. No capítulo VI, que trata das construções diz que edifícios em ruínas ou que impeçam o trânsito serão demolidos. A estética do centro da cidade recebe atenção também, à medida que as novas casas, que surgirem ao redor da praça central devem ter 400 palmos de distância entre si. Esse código traz, em seus artigos, algumas novidades, mas também permanências, em relação ao promulgado em 1889. Ainda, existe a mesma preocupação quanto à limpeza e higiene da “urbe”, porém, agora, a distância das construções e a largura das novas ruas a surgirem são maiores do que as mencionadas no anterior. A prisão como pena para quem não cumprisse as determinações não é mais mencionada. O Projeto de Lei nº 9 aprovado pela Câmara em 03 de Julho de 1950 mostrou cuidado com a aparência das ruas, sobretudo com as centrais, obrigando seus moradores a construírem os muros e calçadas de suas residências dentro dos moldes estabelecidos pelo Código de Posturas Municipais. Apesar de não existir mais a prisão como pena para quem não cumprisse as regras, a multa ainda seria aplicada, em menor proporção, pois caiu de Cr$ 500,00 para Cr$ 100,00. Observa-se também uma flexibilidade latente quanto aos prazos para execução das obras, já que o prazo delimitado inicialmente foi prorrogado, de 31 de dezembro de 1951 para 1952. ( CÂMARA MUNICIAPAL DOS VEREADORES DE ACARI, 1948-1952) 2.5 O papel do algodão no processo de urbanização A cotonicultura, desde sua ascensão até o seu declínio total, foi responsável por considerável parte do progresso urbano e econômico da atual região do Seridó. Por exemplo, em um contexto que Acari da segunda metade do século XIX, passava por muitas transformações, o algodão teve papel importante, fornecendo capital para que as melhorias urbanas fossem implementadas. Quando nosso foco se volta para o século XX, vemos que o algodão foi um dos responsáveis pela marcha para urbanização de alguns municípios da região. Dos três surtos exportadores do algodão, os dois últimos foram os que concorreram de forma marcante para a entrada do Rio Grande do Norte nas trilhas do algodão. No primeiro surto, despontou o Maranhão (MACÊDO, 2005, p. 185) Entre 1861 e 1869, ocorreu nos Estados Unidos a Guerra de Secessão, entre o Norte e o Sul. Esse conflito destruiu toda a produção algodoeira em solo americano e ainda deflagrou uma enorme crise comercial, pois, nesse contexto, cessaram as exportações para solo europeu, principalmente para a Inglaterra. Essa situação gerou a elevação do preço do algodão na esfera internacional e ainda possibilitou a emergência de novos mercados como o Brasil, principalmente nas províncias do Norte, entre elas, o Rio Grande do Norte. (GALVÃO,2005, p. 54) Nesse cenário, o Rio Grande do Norte obteve grande impulso e o Seridó despontou como principal núcleo da produção algodoeira. No sertão do Seridó, plantava-se o algodão arbóreo, mais conhecido por algodão “mocó” (devido nascer ao pé-da-serra), de fibra longa e resistente à seca e aos solos pobres. Essa variedade foi a que melhor se adaptou as condições climáticas do Seridó. Sobre a dinâmica econômica trazida pelo algodão, Santa Rosa (1971) diz o seguinte: A economia do Acari da segunda metade do século XIX passou a ser reforçada por essa necessidade de exportar o algodão descaroçado, esse processo de descaroçamento em larga escala substituiu o trabalho manual por de uma máquina, além de necessitar de uma força motriz maior; o boi já que a produção se dava em larga escala. (p. 76) A implantação desses descaroçadores movidos a vapor foi fator decisivo para um salto da atividade algodoeira, e, a partir da década de 1930, as usinas começam a surgir em terras seridoenses. (CLEMENTINO, 1985, p. 23) No Rio Grande do Norte, como um todo, a cotonicultura surgiu ligada à necessidade de matéria-prima para a indústria têxtil nacional, a abertura desse mercado consumidor para além das fronteiras estaduais permitiu aqui um crescimento tendencial até 1930. Inglaterra, França e Portugal eram os grandes compradores do algodão brasileiro, os produtores/exportadores eram todos nordestinos, ao Rio Grande do Norte cabia uma fatia de 8%. Estimulada pelo mercado interno e externo, a cotonicultura foi o principal sustentáculo da economia potiguar entre 1880 e 1915, com suas particularidades no que diz respeito a condições físicas e técnicas de produção. (TAKEYA, 1985, p. 48) O algodão começou a ser plantado em terras seridoenses em 1880, e difundido, de maneira geral, em 1887. Em 1910, o município de Acari possuía 27 bolandeiras de beneficiamento do algodão, Caicó vinha em seguida com 22 e logo após Jardim do Seridó com 28 e Currais Novos com 22[footnoteRef:38]. [38: Ministério da Agricultura Indústria e Comércio. Serviço de Inspeção e Defesa Agrícola. Questionário sobre as condições da agricultura nos municípios do Estado do Rio Grande do Norte, 1910-1912. Passim. Cf. Takeya, Denise Monteiro.] O Seridó passou por uma fase de prosperidade em fins do século XIX e nos primeiros 60 anos do século XX. Das usinas que ficavam no interior do estado, duas encontrava-se em Acari e pertenciam ao grupo Nóbrega & Dantas S/A e à Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro (SANBRA), multinacional que abriu várias filiais no Nordeste. Na década de 1940 e 1950, essas usinas operavam em pleno vapor. Segundo dados disponíveis no arquivo da Câmara Municipal, em 1955, a safra atingiu mais de 40 milhões de cruzeiros, estando, na tabela abaixo, discriminados os principais produtos, ficando-nos claro assim que a principal riqueza era o algodão. Tabela 1 - Safra de 1955 no município de Acari-RN PRINCIPAIS PRODUTOS UNIDADE QUANTIDADE Valor (Cr$ 1.000) Algodão Arroba 260.000 39.000 Feijão Saco de 60kg 1.490 447 Milho Saco de 60kg 1.800 306 Batata-doce Tonelada 250 250 Banana Cacho 2.400 180 Fonte: IBGE (1960) O algodão, que liderou a produção, foi indubitavelmente, nessa época, responsável direto por boa parte do capital que circulava na cidade. As duas usinas de beneficiamento e a fábrica de óleo de sementes de algodão foram os maiores geradores de emprego e renda. Essa conjuntura injetou dinheiro nos cofres da administração pública, permitindo um sopro de prosperidade econômica. As finanças públicas apresentavam saldos extremamente positivos, permitindo a execução de obras, que objetivassem o desenvolvimento da cidade, por exemplo, a remodelação de um prédio para servir como sede para a Prefeitura Municipal no valor de 3:000$000, além de noventa obras de pavimentos, todas no ano de 1951. Em reunião na Câmara, o prefeito revelava um saldo positivo de dois milhões de cruzeiros. A dinâmica urbana sofreu alterações atraindo vários serviços públicos e privados. (Pasta nº 9, documentos antigos, 1925-1970) Esse desenvolvimento, proporcionando pelo algodão, fez com que o espaço citadino atraísse as pessoas para o espaço urbano, concentrando em si maiores investimentos e melhorias por parte do poder municipal. A cidade vivia um bom momento, como observa Santa Rosa (1971), A cidade cresceu, nela concentrando-se a vida municipal, em consequência de terem aparecido empregos proporcionados pelas indústrias instaladas de descaroçamento de algodão, de óleo glicerídico, de alimentos, por oficinas e por serviços públicos como os de energia, águas e telefonia. (p. 112) Na década de 1970, a economia algodoeira seridoense entrou em uma crise sem precedentes (MORAIS, 2005, p. 253). Essa vicissitude foi deflagrada pela falta de competitividade do produto aqui produzido, decorrido de uma série de fatores como: baixo nível técnico de produção, baixa produtividade, alto custo de produção, difícil acesso a linhas de crédito, juros elevados, além da nova fibra usada pelo setor têxtil paulista. Entre 1975 e 1981, dez (10) empresas de beneficiamento de algodão foram fechadas no Seridó, permanecendo a Nóbrega & Dantas e a SANBRA, em Acari, e Arnaldo & Filhos, em Parelhas. A produção seridoense que chegava a 14 toneladas, em 1975, caiu para 5 toneladas em 1985. A partir daí a economia algodoeira, que tanto fez prosperar cidades seridoenses como Ouro Branco[footnoteRef:39], que tem esse nome ligado à prosperidade, entraria em estado terminal até sua morte completa. [39: Em 1734, num território habitado anteriormente por índios Paiacus chegavam os primeiros colonizadores. Tempos depois, quando já realizavam feiras na localidade e com a construção da capela em homenagem ao Divino Espírito Santo, em 1904, por Cirilo de Souza e Silva, foi que a povoação veio a nascer. Em 1918, a povoação passou a se chamar Ouro Branco, por causa da importância e predominância da cultura do algodão que exercia grande reflexo econômico na região e na localidade. Disponível em:<http://cidades.ibge.gov.br/painel/histórico/rio-grande-do-norte/ouro-branco>. Acesso em: 01 jan. 2013.] Em 1985, as duas usinas, que ainda operavam em Acari, fecham as portas. Em entrevista a um jornal do estado, o então prefeito do município José Braz lamenta a penúria econômica pela qual o município passa após esse acontecimento. O mesmo narra que as finanças públicas entraram em uma decadência desenfreada, o desemprego e a fome sofrida pelos mais humildes preocupam a ponto da administração municipal oferecer um sopão diário com medo que saques pudessem ocorrer. No entanto, não poderia fazer muito, além disso, já que tinha sofrido um enorme baque coma falência da cotonicultura. A desaceleração da economia acariense, dependente da agroindústria algodoeira, posterior à falência da atividade em pauta, gerou desemprego, limitou o comércio e deixou a cidade na penumbra[footnoteRef:40]. [40: Pasta de recortes de jornais avulsos, APMA, 1985-1990.] Em última análise, podemos dizer que o espaço urbano acariense, por nós estudado, sofreu reconfigurações importantes, partindo inicialmente do núcleo mais antigo, em frente à Igreja do Rosário e ocupando uma morfologia maior a partir de meados do século XIX. É posterior a 1850 que se percebe uma expansão urbana da Vila do Acari, subsidiada em um primeiro momento pela pecuária e depois pela cotonicultura, e nosso recorte de estudo progrediu cronologicamente nesse contexto. No último quartel do XIX, Acari começou a sofrer reconfigurações em seu espaço e arquitetura, e essa situação, que perdurou nos primeiros anos do século XX, é interessante para compreensão e problematizarão no âmbito do urbanismo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Alguém que procura uma agulha no palheiro, foi exatamente o sentimento que tivemos ao iniciar esta pesquisa. Na nossa busca intensa por encontrar respostas as inquietações trilhamos por caminhos tortuosos, e achar a saída do túnel ao qual estávamos metidos não foi tarefa fácil.No caminho nos deparamos com enormes barreiras, umas que por si só existiam no desenrolar da pesquisa, outras engendradas por nos mesmos. O enfoque inicial desde trabalho a principio era versar o conjunto arquitetônico de Acari a partir de uma perspectiva do patrimônio cultural, no entanto no meio da escrita e de maneira inconsciente, nosso traçado rumou por outos caminhos, indo lançar ancora nos estudos ligados a arquitetura e urbanismos, ai só então conseguimos visualizar melhor nossos horizontes e direcionar nossa pesquisa, afim de que ela mostrasse em sua conclusão, os resultados minimamente esperados. Estudar a evolução urbana de Acari nos foi um trabalho árduo e gratificante, a medida que as fontes são escassas para problematizar a aglomeração no século XVIII, principalmente bibliográficas, não podemos dizer o mesmo para o século XIX, o escopo documental de caráter administrativo se mostrou ser satisfatório nos permitindo elencar uma serie de formulações mas também de duvidas sobre nossa proposta inicial. No primeiro capitulo nosso dilema foi lidar com autores tarimbados de nossa historiografia regional e extrair deles as enormes contribuições para nosso trabalho, sobretudo mensurar em nosso ótica de estudos urbanos, o nascimento das riberiras e das manchas urbanas, e nesse ponto tivemos que fazer escolhas, deixar uns de fora usar outros e acima de tudo engendrar conceitos que nos auxiliasse na compreensão desse mundo urbano do século XVIII, freguesias semi-rurais e muito precárias fossem no interior ou na capital. Nossa sacada foi analisar inventários de pessoas da época e nos valer de teses e dissertações para podermos visualizar superficialmente a estética de uma povoação, juntando fragmento por fragmento, grão por grão e ai montar um quebra cabeças que ainda faltam peças. Nesse contexto é importante mencionar a importância que teve a igreja católica, dando limites e contornos sagrados a um território civil e secular, sem ela fatalmente essa empreitada colonial certamente teria sido ainda mais árdua, ou talvez nem tivesse ocorrido. Mergulhamos fundo nas bárbaras guerras, que custou a vida de muitos nativos “tapuias” que aqui habitavam, o preço da “civilização” foi o derramamento de muito sangue. A fazenda se mostrou um elemento muito importante para assentar e fixar pessoas em um sertão inóspito e vazio, mas que aos poucos ia atraindo portugueses interessados em “crear” gado como cita os requerimentos de terra. No segundo capitulo nossas atenções se voltaram para os séculos XIX e XX. Aos poucos as aglomerações iam melhorando e se desenvolvendo sendo o século XIX, o ápice da urbanização do Rio Grande do Norte. Acari foi elevado aos foros de vila em 1833, e nosso foco principal de estudo foi sua evolução a partir deste momento, onde visualizamos suas características em diversos aspectos que tangem os estudos urbanos. O controle da forma urbana foi um indicio de crescimento da aglomeração urbana, vimos essa situação de forma muito contudente ao analisar as posturas municipais de Acari, onde as autoridades exerceram controle sobre diversos aspectos do espaço, a forma das ruas, os alinhamentos,tamanho e largura das vielas e até das casas. A limpeza foi uma preocupação constante tanto em lugares públicos como no interior das residências e isso era fator decisivo para erradicar o espaço insalubre e propicio as epidemias que vez por outra assolavam a vila. Acari viveu a partir de meados do século XIX, uma evolução e melhorias em seu seio, mas nos fica claro que essa situação se deu de maneira menos intensa que em outras partes da província. A pecuária e o algodão forneceram capital parar alavancar essas melhorias, fazendo surgir novas tipologias arquitetônicas que transpareciam o bom momento vivido. O prédio de mercado publico, a Casa de Câmara e Cadeia, são sem duvidas representantes da prosperidade que o aglomerado viveu. No século XX a cidade continuou a crescer em um bom ritmo, a “modernidade” aparecia nas fachadas das casas e nas transformações vividas na parte “antiga” da cidade, o embelezamento e ajardinamento, a preocupação com as artérias da urbs mostram esse desejo de progresso. Em linhas gerais acreditamos que conseguimos dar contar de responder as questões por nos mesmos propostas, é obvio que há pontos que precisam e devem ser mais explorados e problematizados em ocasião futura, por nos ou pôr outro pesquisador interessado na temática. Nosso trabalho traz boas e pontuais contribuições para os estudos ligados ao mundo urbano, conseguimos nessas poucas paginas sistematizar um punhado de informações que são uteis a historiografia e serviram de norte para quem desejar trilhar o mesmo caminho, tivemos que fazer escolhas em detrimentos de outras, afinal não dar para “abarcar o mundo com os olhos”, em uma produção historiográfica cada vez mais micro, tivemos que circunscrever e impor limites a nossa escrita afim de que a mesma se torne concisa, clara e objetiva. A guisa de conclusão nos resta dizer que apesar de todas as dificuldades, nos apaixonamos pela temática e nos foi muito gratificante nos deleitarmos e debruçarmos sobre o produto final de nossa pesquisa. REFERÊNCIAS ACARI. Lei nº 1, de 14 de março de 1899. Acari, 1899. _______. Lei nº 7, de 04 de março de 1835. Acari, 1835. _______. Lei nº 51, de 23 de novembro de 1948. Acari, 1948. BLUTEAU, D´Raphael. Vocabulário português e latino. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000. 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