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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA 
DEPARTAMENTO DE LITERATURA 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA 
DOUTORADO EM LITERATURA 
 
 
 
 
 
 
 
 A COLUNA SOCIAL COMO GÊNERO DE FOFOCA 
Paula Francineti da Silva 
 
 
 
 
 
 
 
 
SETEMBRO/2010 
 8 
 
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA 
DEPARTAMENTO DE LITERATURA 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA 
DOUTORADO EM LITERATURA 
 
A COLUNA SOCIAL COMO GÊNERO DE FOFOCA 
Paula Francineti da Silva 
 
 
 
TESE APRESENTADA À UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA 
COMO REQUISITO PARCIAL PARA A OBTENÇÃO DO GRAU 
DE DOUTORA EM LITERATURA, EM CUMPRIMENTO ÀS 
NORMAS DA PÓS-GRADUAÇÃO DA UNIVERSIDADE DE 
BRASÍLIA, SOB A ORIENTAÇÃO DA PROFESSORA 
DOUTORA CINTIA CARLA MOREIRA SCHWANTES 
 
 
 
SETEMBRO/2010 
 
 
 9 
DEFESA DE TESE 
 
SILVA, Paula F. A coluna social como gênero de fofoca. Universidade de Brasília, 
Departamento de Literatura. Programa de Pós-graduação em Literatura/2010 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
Professora Doutora Cíntia Carla Moreira Schwantes 
Orientadora 
 
Professora Maria Isabel Edom 
Membro 
 
Professor Rildo Cosson 
Membro 
 
Professor Dione Oliveira Moura 
Membro 
 
Professor João Vianney Cavalcante Nuto 
Membro 
 
Professora Regina Dalcastagné 
Suplente 
 
 
 
 
Defendida em 15/10/2010 
Conceito: Aprovada 
 
 10 
AGRADECIMENTOS 
 
No percurso de nossa existência várias pessoas passam pela nossa vida. Muitos 
deixam sua contribuição e se vão. Para estas pessoas, alguns mesmo ausentes fisicamente, 
deixaram sua lembrança e me fazem acreditar no ser humano, é especialmente para eles que 
vão os meus agradecimentos. 
À Parentela 
À amiga Giana pela leitura perscrutante e valiosas sugestões. 
Ao Ragna e sua contribuição para elucidar o meu parco inglês. 
À Bethe Cancelli por ter despertado a minha curiosidade sobre o tema. 
Às amigas Luceli e Márcia Grassi pelo apoio e carinho. 
Ao casal Nivalda e Alexandre, amigos de sempre. 
À professora Cíntia que mais do que orientadora foi uma grande amiga. 
À Zirsa por disponibilizar os seus ouvidos nos longos desabafos. 
À Ione por ter assumido as tarefas da casa e me liberar para o exercício do pensar. 
Aos amigos da Secretaria de Educação (CEAD/CESAS) pelo incentivo e coragem. 
À Banca Qualificadora representada pela professora Isabel Edom e pelo professor 
Ricardo pelas preciosas sugestões. 
Enfim, para todos, e são muitos, os que não estão nomeados, mas que me 
incentivaram e me ajudaram na conclusão do trabalho. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 11 
OFERECIMENTO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Às minhas filhas, meu baluarte. 
 
 
 
 12 
RESUMO 
 
 
 
O presente estudo parte da compreensão da coluna social como gênero de mexerico e 
por isso, como expressividade do diálogo cotidiano, como intersecção de vozes que, mais do 
que uma relação com a matéria narrativa, constitui-se como uma relação com o mundo. O 
corpus é constituído pelas colunas sociais editadas pelo jornal O Globo entre os anos de 1987 
e 1989. A análise foi feita a partir de uma amostra composta pelos jornais publicados de 
janeiro de 1987 a outubro de 1988, totalizando 1654 notas. A delimitação cronológica 
justifica-se por ser este um período em que o país estava dando os primeiros passos para a 
retomada do poder político pelos civis, o que em parte determinou a existência de duas 
colunas sociais no mesmo jornal. O resultado da análise nos levou ao primeiro capítulo: “A 
coluna social como gênero de fofoca”, em que será enfocado o conceito de fofoca e sua 
relação com o texto da coluna social. No segundo capítulo, “A coluna social como repertório 
de memória”, procurou-se analisar as práticas discursivas como um processo dialógico, entre 
uma multiplicidade de vozes presentes ou presentificadas no texto e por isso, atualizadora da 
memória individual e coletiva. No terceiro capítulo, “O riso na Assembléia Nacional 
Constituinte (1987-1988)”, a partir das notas da coluna sobre o transcorrer do trabalho 
legislativo, foi possível apreender o riso, revelador das contradições e ambivalências do 
período. Como conclusão, o texto da coluna se apresenta como uma prática discursiva repleta 
de memória, que nos faz rir de nós mesmos. 
 
PALAVRAS-CHAVE 
Coluna social – Gêneros discursivos – memória – riso – Assembléia Nacional Constituinte de 
1987 -1988. 
 
 
 
 
 
 13 
 
ABSTRACT 
 
This study departs from the understanding of the fait divers as a 
gossip genre and thus as an expression of daily life conversations, 
with an intersection of voices that, more than a relationship with its 
narrative maters, constitutes itself as a relationship with its 
surroundings. The corpus is formed by the fait divers published by O 
Globo newspaper between 1987 and 1988. The analysis took a sample on 
the newspapers published from January, 1987, to October, 1988, summing 
up to 1654 notes in the fait divers. The chorological cut is justified 
by the fact that, in that moment, the country was trying its first 
steps to end the military dictatorship, with civilians taking back the 
control of the political life, which partly determined the existence 
of two fait divers columns in the same newspaper. The results of these 
analyses lead us to the first chapter, “A coluna social como gênero de 
fofoca”, in which we focus in the concept of gossip and its relation 
with the journalistic text. In the second chapter, “A coluna social 
como repertório de memória”, we aimed to analyze the discursive 
practices as a dialogical process, among a muliplicity of voices, 
either present or presented in the text and thus, actualizing the 
colective as well as personal memory. In the third chapter, “O riso na 
Assembléia Nacional Constituinte (1987-1988)”, departing from the 
notes in the column during the legislating works at the National 
Congress, it was possible to perceive the laugh as revealing the 
contradictions and ambivalences proper of that period. Ultimately, we 
identified the discourse 
produced in the fait divers as a repertoire of memory that, in a 
hilarious form, made us laugh of ourselves. 
 
KEY WORDS: 
Fait divers – Discursive genres – memory – laugh – Assembléia Nacional Constituinte de 
1987 -1988. 
 14 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 15 
I A COLUNA SOCIAL COMO GÊNERO DE FOFOCA .............................................. 22 
 1.1 Origem da coluna social ................................................................................................ 32 
 1.2 Os gêneros na coluna social ............................................................................. 36 
 1.3 As colunas do jornal o globo ............................................................................ 43 
1.3.1 A coluna de Sued ................................................................................................ 46 
1.3.2 A coluna de Swann ............................................................................................. 54 
1.3.3 O estilo nas colunas ............................................................................................ 76 
II A COLUNA SOCIAL COMO REPERTÓRIO DE MEMÓRIA ................................ 82 
III O RISO NA ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE (1987-1988) ............. 114 
 3.1 O humor caricatural na coluna social ............................................................. 141 
CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 151 
FONTES E REFERÊNCIAS ............................................................................................. 156 
ANEXOS .............................................................................................................................. 163 
ANEXO 1: Total de notas entreos anos de 1987 e 1988 ........................................ 163 
ANEXO 2: Distribuição temática das notas das colunas do jornal O Globo ............ 164 
ANEXO 3. Paralelo entre a coluna de Sued e a coluna de Swann no ano de 1987 .. 165 
ANEXO 4: Paralelo entre a coluna de Sued e a coluna de Swann no ano de 1988 .. 165 
ANEXO 5: Cobertura feita pelas duas colunas sobre as temáticas: social e política166 
ANEXO 6: Os temas sociais e políticos na coluna de Sued .................................... 166 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 15 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
Conta Heidegger (1998) que certa vez, estranhos chegaram à casa de Heráclito para 
saber o que fazia um grande pensador. Ao entrarem, viram-no aquecendo-se junto ao forno. 
Ali permaneceram de pé, impressionados por ser um lugar tipicamente cotidiano e irrelevante. 
Neste lugar cotidiano Heráclito mostra, além do mais, toda a sua indigência. Com o olhar 
decepcionado, os curiosos perderam a vontade de se aproximar um pouco mais. O que 
estavam fazendo ali? Qualquer um pode, a qualquer momento, encontrar na sua casa essa 
necessidade cotidiana e sem graça de aconchegar-se ao forno quando se sente frio. Para que 
então visitar um pensador? Heráclito lê nas suas fisionomias a curiosidade decepcionada. Por 
isso os encoraja, convidando-os a entrar com as palavras: “mesmo aqui, os deuses também 
estão presentes”. 
A lembrança acima é elucidativa uma vez que a coluna social no jornal é, geralmente, 
vinculada à frivolidade e superficialidade. Esta visão corriqueira da coluna social resiste às 
tentativas de análise científica. Assim, optamos por um estudo da coluna social como um 
gênero de fofoca. A temática surgiu da constatação de que, apesar de a coluna social ser 
considerada um segmento não expressivo do jornal impresso diário, torna-se evidente que, em 
nenhum lugar do planeta, surgiu um jornalismo tão vigoroso e voltado para a alta sociedade 
quanto no Brasil. Ademais, geralmente ela é inserida na parte que os jornais destinam aos 
eventos culturais. 
Porém, a opção de analisar a coluna social como gênero de fofoca provocou um outro 
emaranhado: como tratar um tema que é uma parte de nossa experiência imediata sem perder 
o caráter científico exigido pela academia? 
Restavam dois caminhos. O primeiro era tentar evitar a perda da cientificidade diante 
da obviedade do corpus, e o segundo, procurar não comprometer a compreensão ao não 
atingir o núcleo central e levar a uma espécie de fatalismo interpretativo. 
A principio optamos pelo mapeamento do estudo sobre a fofoca, constatando que ela 
não é desconhecida da literatura científica. Ela aparece nas sociologias urbana, das 
comunidades, da família, das profissões, de grupos e das organizações; ela também aparece 
no direito, na antropologia, na psicologia social, sociopatologia e é também objeto de estudo 
da linguagem, dentre outras áreas. Apesar de existir uma literatura em que a fofoca é utilizada 
como um meio de retratar o cotidiano de grupos sociais, vilarejos ou vizinhança urbana, o 
 16 
fenômeno da fofoca é visto sempre de forma superficial e marginal, um tema entre muitos 
outros. 
A possibilidade de tratar uma questão empírica, como a fofoca, se tornou viável com o 
método de pesquisa de campo, conhecido como etnografia ou observação participante. O 
caráter essencial deste método é a participação de longo prazo na vida social do grupo, 
instituição ou ambiente de pesquisa. Método inaugurado por Malinowski (1976) e sua 
pesquisa sobre as ilhas Trobriand, a sua vivência com os habitantes da ilha lhe assegurou a 
compreensão da mentalidade e do comportamento dos nativos. Esta inserção levou 
Malinowski a preencher com “carne e sangue o esqueleto vazio das construções abstratas” 
(Malinowski,1976, p. 17). 
Neste trabalho procuramos efetivar uma espécie de etnografia histórica, ou seja, não 
será a nossa própria observação que servirá de base para a descrição, mas sim a coluna social, 
entendida como um documento escrito que retrata a vida cotidiana e fofoca da elite social
1
. 
Então vamos à nossa fonte de pesquisa. 
Num primeiro momento, o foco da investigação centrou-se na compreensão do texto 
da coluna, confrontando-o com os estudos sobre os gêneros jornalísticos. Nessa confrontação, 
foi possível identificar, na coluna, uma aglutinação de diferentes gêneros jornalísticos. 
A identificação dos diversos gêneros conduziu à reflexão de Geertz (2008) acerca da 
indistinção dos gêneros no pensamento social, que tem levado à desordem dos vários tipos de 
discurso, ao ponto de diluir as fronteiras entre as categorias de textos, resultando em trabalhos 
com objetivos os mais variados e elaborados de formas as mais diferentes. Isso com o 
propósito de mostrar que o cientista social, não necessariamente, deva moldar o seu trabalho 
de acordo com um método, mas sim de “acordo com as necessidades que estes apresentem e 
não para satisfazer percepções externas sobre aquilo que devem ou não fazer” (Geertz, 2008, 
p. 28). 
Ciente dessa dispersão dos estilos e gêneros passamos a buscar a origem da coluna 
social, encontrando-a no século XVII, juntamente com a criação das primeiras oficinas de 
impressão e a publicação dos primeiros pasquins, período de surgimento das indústrias da 
mídia com o desenvolvimento das técnicas de impressão. 
 
 
1
 Para o conceito de elite social apropriou-se de Pareto (1984), segundo o qual elite é toda e qualquer classe 
restrita (numerus clausus) de indivíduos que possuem bens de valor, em virtude de sua raridade e escassez. Estes 
bens podem ser de natureza econômica ou cultural. 
 
 17 
Entretanto, a sua consolidação como gênero jornalístico vai ocorrer no século XIX e 
coincidir com o crescimento das indústrias da mídia e a expansão do mercado jornalístico. 
Tema enfocado por Thompson (2008), que destaca três razões para esse crescimento: a 
transformação das instituições da mídia em interesses comerciais de grande escala; a 
globalização da comunicação e o desenvolvimento das formas de comunicação mediadas, que 
vão transformar a vida social e política e alterar a concepção do que é público e do que é 
privado. Em consequência, são diluídas as fronteiras entre o que é público e o que é privado, 
ocorrendo, geralmente, uma invasão do privado no público, já que público passa a ser tudo o 
que pode ser enfocado pela mídia, inclusive questões que eram de cunho privado. 
 Desse prisma, não se pode desconsiderar o impacto dos meios de comunicação – não 
apenas no intuito de transmitir informações, mas no que se refere à criação de novas formas 
de ação e de interação no mundo social, a novos tipos de relações sociais e a novas maneiras 
de relacionamento do indivíduo com os outros e consigo mesmo. 
Neste sentido, a realidade é compreendida além de uma superfície lisa, e o 
acontecimento, em especial, não existe de per si. O jornalista não é aquele sujeito exterior e 
distante, armado de uma independência, de uma neutralidade sem falhas, e o jornal não é uma 
mera estrutura tecnológica particular. 
Isso quer dizer que, com características que o identificam e lhe conferem propriedades 
específicas, o discurso jornalístico é, ele mesmo, lugar de influências que se dão tanto em sua 
própria discursividade, pela absorção de falas do cotidiano, quanto lugar de influência de falas 
e discursos outros. O poder de síntese do discurso jornalístico é, muitas das vezes, bem mais 
um modo de ocultação e silenciamento de significados e significações do que de 
esclarecimentos ou de difusão de informações produzidas pela sociedade. Nele, discursos e 
sentidos podem estar ocultos ou mesmo silenciados, mediante um processo de escolha, 
seleção e edição que vai nortear os leitores. Na busca da principalidade do evento jornalístico, 
perde-se, usualmente, o fundamental: ou se o esconde, ou se o escamoteia, ou seo dilui. 
A partir deste entendimento observamos que as micronarrativas da coluna social eram 
permeadas por diversos assuntos que versavam sobre notícias de cunho social, político, 
econômico, cultural, internacional, local, e ainda contemplavam saúde e religião. Ou seja, 
assuntos daquelas conversas travadas entre amigos. Se a hipótese fosse verdadeira, então a 
coluna social seria uma prática discursiva que promove a reconstrução contínua do sentido na 
forma de redes comunicacionais, bem como um gênero popular de mexerico apropriado pela 
elite. 
 18 
Nessa perspectiva, as referências em língua portuguesa eram insuficientes para 
embasar o que se pretendia, por isso a recorrência a uma bibliografia em língua inglesa sobre 
o tema, que possibilitou a reflexão e a descrição da coluna social como um gênero de fofoca. 
Diante da observação de que a coluna social possuía a mesma estrutura da fofoca, 
cabia agora encontrar uma concepção em que a linguagem fosse compreendida como ação 
social e horizonte em que os indivíduos exprimem a realidade. 
Contribui para essa fase acerca do estudo da linguagem a linhagem de estudos críticos 
formada pelo Círculo Linguístico de Praga, notadamente a noção de gênero de M. Bakthin. 
Para Bakhtin (1981-1988-1992-1999-2000), o conceito de gênero não é uma forma 
hierárquica de classificação de espécies, mas uma possibilidade combinatória, um instrumento 
organizador que levará em conta a relatividade estável de enunciados, isto é, existe uma 
ligação entre gênero como texto e possíveis fornecedores de modelos do mundo e a cultura, 
como matriz de um modelo de mundo. 
Na abordagem bakhtiniana, a língua é semelhante a uma mônada, na qual se 
encontram codificados os níveis socioculturais, e as palavras são as portadoras de marcas 
ideológicas. A palavra é um ato de duas faces, em que estão quem a emite e quem a recebe, 
sendo essa relação a condição do sentido do discurso, tornando-o um fenômeno de 
comunicação social porque é dependente da situação social que o engendrou. Assim sendo, a 
materialização do gênero é desvelada sob a forma de enunciados que trazem imbricadas em 
sua formação todas as esferas da atividade humana, e o textual, o intertextual e o contextual se 
entrelaçam para manifestar a linguagem. Chegamos, por conseguinte, à elaboração do 
primeiro capítulo, intitulado “A coluna social como gênero de fofoca”. 
Considerada a coluna social um gênero de fofoca, torna-se possível entendê-la como 
uma interação. Nessa interação, várias fontes de informações são ativadas paralelamente e 
integradas aos vários micro e macroacontecimentos, o que tornava possível a produção de 
macro e microinformações que, por sua vez, produzia uma polissemia da realidade pela 
multiplicidade de significados, incluídos no contexto social. Pensando assim, o discurso da 
coluna social poderia ser entendido como um discurso que atualiza a memória social. 
Para embasar esse pensamento, recorreu-se aos historiadores sociais e seus estudos 
sobre as interfaces entre a língua falada e a língua escrita na construção e representação da 
realidade. Por não conceber a linguagem como uma prisão que estabelece regras estritas de 
funcionamento, mas sim a linguagem com um papel ativo na criação da realidade e 
compreensão das relações entre os usos e os contextos da comunicação, ela se torna capaz de 
incorporar representações coletivas e as divisões da organização social. 
 19 
Essencial ainda para essa fase do trabalho foi o contato com outra clivagem que 
atravessa a linguagem encontrada na obra de Halbwachs (2006); ao procurar compreender os 
quadros sociais que compõem a memória, o autor afirma que a memória particular remete a 
um grupo, isso representa dizer que o indivíduo carrega em si a lembrança, mas está sempre 
interagindo com a sociedade, seus grupos e instituições. Nessas inter-relações, são construídas 
as lembranças, assim, a rememoração individual se faz na tessitura das memórias dos 
diferentes grupos com os quais nos relacionamos. Essa memória coletiva tem, por 
conseguinte, a função de contribuir para o sentimento de pertinência a um grupo de passado 
comum que compartilha memórias. O tempo vivido é conotado pela cultura e pelo indivíduo. 
Tal como o tempo social engole o individual, a percepção coletiva abrange a pessoal. 
Outra contribuição é a obra de Nora (1993) sobre a memória e o esquecimento, que 
discorre sobre a distinção entre memória e história. Para o autor, a aceleração histórica, com 
seus desdobramentos e as transformações incessantes, leva ao esquecimento; em 
consequência, destaca que não mais existe a memória, ela só existe como forma de obsessão 
pelo registro, ou seja, pela necessidade de história. 
Contribuiu também para o embasamento teórico as idéias de Bergson (2006) e sua 
concepção de que a memória não é uma propriedade do cérebro – porque este pertence ao 
mundo da matéria –, mas uma propriedade do espírito. Bergson esclarece que apesar da 
memória ser uma propriedade do espírito, ela tem uma limitação física, por isso o autor fala 
de uma memória pura: o registro de todas as percepções que um indivíduo realiza. Quando ela 
é atualizada, vira uma lembrança. Aquelas que nunca são atualizadas e permanecem obscuras 
vão compor os sonhos. 
Na esteira desses teóricos, foi possível elaborar o segundo capítulo, intitulado “A 
coluna social como repertório de memória”. Nele, foi possível concluir que o discurso da 
coluna é fruto de uma cultura compartilhada por uma sociedade e um universo comum de 
sociabilidade. Pode, portanto, ser um repertório de memória e representações sobre o social. 
Tal idéia foi cotejada com algumas interpretações sobre o Brasil nas obras de alguns 
pensadores, como Oliveira Viana, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda. 
Consequentemente, buscou-se identificar no discurso da coluna a atualização de discursos de 
longa duração. 
O presente texto se ocupa, finalmente, de uma das características da fofoca: o riso. 
Para tanto, foram selecionadas as notas da coluna social que enfocavam o trabalho da 
Assembléia Nacional Constituinte de 1987/88. Cabe assinalar que essa perspectiva surgiu das 
sugestões da banca, que nos motivou a entrar em contato com a obra de Henri Bergson (2007) 
 20 
quanto ao riso. Conforme o autor, o riso é algo vivo em movimento e ocorre na sociedade por 
meio de relações e pontos de contato entre o risível e o ridente. 
A concepção de Bergson sobre o riso, juntamente com as idéias de Bakhtin a respeito 
da carnavalização, provocou a identificação do humor da coluna social como algo ambíguo e 
polissêmico, que pode ser comprovado na teoria bergsoniana de correção, como de 
transformação, na visão bakhtiniana. A reação vai depender da recepção. Nessa mesma 
perspectiva, registrou-se o texto imagético da coluna social. O resultado foi o terceiro 
capítulo, denominado “O riso na Assembléia Nacional Constituinte”. 
O texto da coluna social foi analisado como uma combinatória de elementos 
diferenciados: o código alfabético, os símbolos e as imagens que, relacionados, podem 
exprimir os códigos da cultura. O resultado é a compreensão do discurso da coluna social 
como expressividade do diálogo cotidiano, como intersecção de vozes que, mais do que uma 
relação com a matéria narrativa, constitui uma relação com o mundo. 
O corpus é formado pelas colunas sociais editadas pelo jornal O Globo entre os anos 
de 1987 e 1988. O critério de seleção do periódico levou em conta, em especial, a circulação 
nacional, a representatividade junto à imprensa escrita brasileira e a existência de duas 
colunas sociais simultaneamente. A delimitação cronológica justifica-se por ser esse um 
período em que o país estava dando os primeiros passos em direção à retomada do poder 
político pelos civis. 
A análise foi feita com base numa amostra composta pelos jornais publicados de 
janeiro de 1987 a outubro de 1988,totalizando 1.654 colunas. Impunha-se, ainda, efetuar a 
distribuição temática das colunas. Entretanto, o corpus indicava que não só de eventos sociais 
sobrevivia a coluna. 
Observou-se o predomínio de notas de cunho social (7.050 em Sued e 3.111 em 
Swann), totalizando 10.161 notas, o que evidenciava ainda a prevalência, na coluna, de 
assuntos relacionados à sociedade. O segundo maior índice das notas da coluna eram as 
dedicadas aos assuntos políticos e mostrava-se como indício de que as colunas nos anos de 
1987/88 não se restringiam apenas aos noticiários sobre as pessoas das altas rodas sociais, o 
higth society, mas contemplava outros aspectos. Vale ressaltar que a divisão temática foi 
meramente metodológica e não representa uma delimitação de fronteiras entre eles, visto que 
eram entretecidos nos campos do social, da política, da economia e da cultura. 
Desse universo temático, foram selecionadas, para análise, as notas que abordavam os 
temas políticos e o desenrolar das atividades na Assembléia Nacional Constituinte. Num total 
de 1.924 notas da coluna de Sued e 3.308 da coluna de Swann, elas perfazem 5.232 notas. 
 21 
 
No tocante ao período de cobertura das notícias políticas publicadas nas colunas, 
foram consideradas duas divisões temporais. A primeira vai de 1º de janeiro a 31 de dezembro 
de 1987, correspondente ao período de instalação da Assembléia Constituinte. A segunda 
compreende o espaço de tempo entre janeiro e outubro de 1988, fase dos trabalhos finais da 
Constituinte. Levamos em conta a suposição de que a imprensa veicularia, de modo mais 
sistemático, notícias referentes ao universo pesquisado. 
Assim, vamos ao primeiro capítulo que enfoca a coluna social como gênero de fofoca. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 22 
I - A COLUNA SOCIAL COMO GÊNERO DE FOFOCA 
 
Segundo o Dicionário Houaiss, a fofoca é uma palavra de procedência banta, radicado 
no quimbundo fuka, significa revolver, remexer. Esta origem é confirmada pelos estudos de 
Yeda A. Pessoa de Castro da Faculdade de Letras de Lubumbashi, no Zaire. O sentido é 
semelhante ao do Brasil, quase sempre um dito maldoso, divulgação de detalhe da vida alheia 
que o outro gostaria que fosse ignorado. 
Com o mesmo significado, na língua inglesa encontra-se a palavra gossip, derivada de 
godshibb, que no inglês antigo representa o padrinho da criança no batismo, ou seja, alguém 
que tivesse contraído uma ligação espiritual com outra pessoa pelo fato de se ter 
responsabilizado por ela no batismo; a palavra passou a se aplicar a amigos próximos e 
conhecidos, notadamente aos amigos de uma mulher que fossem convidados a estarem 
presentes ao nascimento de uma criança. Pelo fim do século XVI, a palavra foi usada de 
maneira mais geral para se referir a uma pessoa (em geral uma mulher) que participasse de 
uma conversa leve e, no século XX, passou a significar uma conversa com um grau de 
familiaridade ou intimidade entre os interlocutores. 
A fofoca é considerada um dos meios de comunicação mais antigos do mundo. É um 
fenômeno social inserido no cotidiano das pessoas. Ela implica contar histórias de cunho 
moral, que realçam os erros dos outros e reafirmam os comportamentos morais cotidianos que 
os outros não seguiram. Exerce, também, a função integradora, de entretenimento, diversão e 
de interação grupal. 
Durante muito tempo, predominou o sentido de futilidade, ociosidade, desperdício de 
tempo e de informações; atualmente, a fofoca tem sido estudada como um fenômeno que 
consome parte considerável do tempo e atenção de várias pessoas, tanto nos encontros 
presenciais quanto nas conversas por telefone e na leitura de colunas e revistas especializadas 
em fofoca. 
Os pioneiros no estudo da fofoca são os norte-americanos, instigados pelos seus 
efeitos sobre o moral das tropas e da população durante a Segunda Guerra. Allport e Postman 
(1947, apud Kapferer, 1993), os primeiros a se interessar pelo assunto são unânimes ao 
afirmar que a fofoca é uma informação que traz elementos novos a respeito de uma pessoa ou 
um acontecimento ligado à atualidade. 
Os estudos recentes apontam para a fofoca como um modo de ação que subjuga, seduz 
e excita, além de ser um fator de interação social, capaz de provocar ações que reposicionam 
relações pessoais. A fofoca também é analisada como um fenômeno social que, tematizado 
 23 
conceitos acerca das pessoas e das coisas do mundo – um poder invisível que permeia as 
relações pessoais. A fofoca também é analisada como um fenômeno social que, tematizado 
como evento social, passa informações que são recontadas, recriadas e reconstruídas, como 
uma maneira oficiosa de checar as informações oficiais, ou seja, ela ajuda a organizar nossas 
percepções para se autovalidar. Quanto mais opaco o fato, tanto maior o surgimento da fofoca 
como uma tentativa de impor ordem ao que não é totalmente compreensível. 
 Por seu cunho estritamente oral, a ênfase da fofoca está no uso da linguagem, como 
prática social e dialógica, presente antes mesmo da escrita, era a fofoca que veiculava as 
informações. Assim, ela estará presente em vários contextos sociais, adquirindo diferentes 
significados; Schein (1994, apud Bem-ze´ev, 1994) e Wylen (1993, apud Bem-ze´ev, 1994), 
por exemplo, ao estudarem o fenômeno na Idade Média, afirmam que a delação e a fofoca 
eram os principais meios para identificar os heréticos e denunciá-los ao Tribunal da Santa 
Inquisição. Neste contexto, ela disseminava os valores morais, os bons costumes e a religião 
do período. O cenário medieval, conforme bem observa Schein (1994, apud Bem-ze´ev, 
1994), dava à fofoca um grande poder, o qual estava relacionado às características da 
sociedade: credibilidade da informação oral, código de comportamento para as classes sociais, 
imobilidade social e pequenos agrupamentos humanos. 
Atualmente, os estudos de Bem-ze´ev (1994), Souza (1994) e Begmann (1993) 
identificam na fofoca um fator de coesão de grupos, uma forma de sustentar normas grupais e 
transmitir informações importantes; além de disponibilizar soluções para os conflitos 
vivenciados pelo grupo. 
Existem várias definições, conceitos e natureza do fenômeno fofoca. Rosnow e Fine 
(1976), Elias (1985), Levin e Srluke (1987), Bergmann (1993) Taylor (1994), Thomas (1994), 
Ayim (1994), Goodman e Bem-ze´ev (1994), apesar de apresentarem diferentes conceitos, 
convergem nas condições necessárias para a sua proliferação: geralmente é uma conversa 
informal, o assunto é pessoal (relativo à intimidade), é conduzida dentro de um grupo 
pequeno de participantes que se conhecem bem uns aos outros, têm confiança mútua e as 
pessoas alvo estão ausentes. 
Segundo John Morreal (in Bem-ze´ev, 1994), a fofoca é um tipo de conversação-
comunicação interativa e pessoal. Nessa interação, está presente o prazer de falar com o outro, 
a promoção da solidariedade, o recebimento de informação nova. É a partir da fofoca que o 
indivíduo ouve as opinião e avaliação de uns sobre os outros, sobre as coisas e eventos e onde 
pode expressar sua própria opinião e avaliação sobre o mundo. 
 
 24 
Apesar dos termos fofoca, rumor e boato aparecerem como sinônimos, de acordo com 
Rosnow e Fine (1976) existem diferenças entre eles. O rumor e o boato distinguem-se da 
fofoca porque nem sempre se referem às pessoas. Kapferer (1993) afirma que a diferença está 
na cadeia de comunicação: no rumor há mensagens não autorizadas de interesse universal, 
enquanto a fofoca é disseminada de forma seletiva, dentro de um grupo específico. 
A sua característica básica da fofoca é ser focalizada nos indivíduos, nos detalhes da 
vida das pessoas, como as relações sexuais, as virtudes e os vícios. Os pormenores na fofoca 
são privados e se desenvolvem nos bastidores. 
Em relação à sua duração, Morreal (in Bem-ze´ev, 1994) afirma que a fofoca tem vida 
curta; estárelacionada a aspectos da vida de pessoas que podem ser moralmente avaliadas. 
Além disso, a avaliação em fofoca é negativa e pode ser capciosa; e há, ainda, a tendência de 
muitos avaliarem as outras pessoas negativamente em forma de inveja, ciúme e indignação, 
provenientes da comparação ou da experiência negativa vivenciada. 
Quanto ao conteúdo, Morreal (in Bem-ze´ev, 1994) sublinha que a fofoca é uma 
conversa fútil e superficial, que não examina profundamente o assunto, mas enfatiza os 
aspectos que asseguram sua sustentação; apesar da frivolidade, desperta a curiosidade, não 
tem um padrão rigoroso de evidência, é aberta à associação com o rumor. 
A fofoca, como processo de disseminação e de formação de cadeia, conduz as 
informações, que vão aumentando, transformando-se descompassada e desencontradamente. 
Essa transitoriedade na fofoca revela que ela é reconstruída. Os eventos passados podem ser 
retidos na memória, nomeados, tipificados, tematizados e apresentados novamente em 
conversações com diferentes versões. É difícil identificar o que é verdade e o que é falso na 
fofoca. Constitui a verdade aquilo que o grupo acredita que o é, uma vez que os critérios da 
verdade são construídos levando em conta convenções pautadas por critérios de coerência, 
utilidade, inteligibilidade, moralidade, enfim, de adequação às finalidades que são designadas 
coletivamente como relevantes. 
Parece que o que caracteriza o conteúdo de uma fofoca não é o seu caráter verificável 
ou não, mas suas fontes não oficiais. Isso nos remete ao estudo de representação de Goffman 
(2008): o desempenho dos papéis sociais tem relação com o modo como cada indivíduo 
concebe a sua imagem e a pretende manter. 
 
Quando um indivíduo chega à presença de outros, estes geralmente, procuram obter 
informação a seu respeito ou trazem à baila a que já possuem. Estarão interessados na sua 
situação socioeconômica geral, no que pensa de si mesmo, na atitude a respeito deles, 
 25 
capacidade, confiança que merece. Embora algumas destas informações pareçam ser 
procuradas quase como um fim em si mesmo, há comumente razões bem práticas para obtê-
las. A informação a respeito do indivíduo serve para definir a situação, tornando os outros 
capazes de conhecer antecipadamente o que ele esperará deles e o que dele podem esperar. 
Assim, informados, saberão qual a melhor maneira de agir para dele obter uma resposta 
desejada. (Goffman, 2008, p. 11) 
 
Segundo Goffman (2008), essa é uma das razões pela qual o indivíduo controla a 
circulação de informação que pode desacreditá-lo, já que as correntes subterrâneas, 
transmitidas de maneira sub-reptícia, vão contradizer e desacreditar a definição da situação 
projetada pelos participantes e, na interação social, isso implica relações cautelosas e 
exigências insinuadas. Significa que a fofoca não usa o que é evidente, e onde a evidência 
termina, a fofoca começa. Dessa forma, a fofoca compartilha a fronteira da evidência, 
surgindo a partir de olhares desconfiados e falas às escondidas. 
Ainda segundo Morreal (in Bem-ze´ev, 1994) em relação ao teor da fofoca, ela pode 
ser maléfica ou benéfica, no entanto, constantemente, ela apresenta aspectos de crueldade e 
maldade visando a denegrir, ridicularizar e destruir a imagem do outro. 
Não existe um espaço propicio para a disseminação da fofoca, para Morreal (in Bem-
ze´ev, 1994) ela ocorre em todo e qualquer lugar que possibilita contatos interpessoais e onde 
existam pessoas que favoreçam o estabelecimento de redes de interação e amizade. Muitas 
vezes, a fofoca prolifera em organizações como modo de amolecer ou subverter as tendências 
despersonalizantes e como forma de resistência passiva a muitas formas de poder. 
A fofoca também é apresentada como mecanismo de controle social, facultada pelas 
normas e valores do grupo ou cultura específica que norteiam a organização social. Segundo 
Thompson (2008), em virtude de ser uma atividade por meio da qual as relações sociais são 
continuamente renovadas e transformadas, a fofoca promove a integração do grupo, no qual o 
grau de confidencialidade é o termômetro do grau de proximidade. 
Com a fofoca é possível obter dados sobre a representação de desempenhos da 
idealização dos estratos superiores para aqueles que ocupam posições inferiores e aspiram 
ascender às mais elevadas. 
Na orientação da fofoca predomina o princípio da exclusão e da inclusão social, como 
bem demonstra Thompson (2008): coesão grupal, identidade social, normas sociais, pressões 
sociais são todos os fatores da dinâmica social que são mantidos e administrados pelas 
agências das regras de fofoca. Ela também proporciona às pessoas informações sobre o 
mundo social, revelando normas e a extensão de seu descumprimento. As leis, as normas de 
 26 
procedimento social afetam as ações, pois codificam e prescrevem, e, portanto, têm a sua 
aplicação como mecanismo de controle social. 
O segredo é o motor da fofoca, isso porque ele propicia a união com aqueles da 
mesma classe; por outro lado, marca uma exclusão dos demais grupos. De acordo com 
Simmel (1971), o segredo oferece um segundo mundo além do revelado. Assim sendo, o tema 
central da fofoca reside nessa tensão entre o mundo revelado e o mundo oculto. 
De modo geral, os assuntos predominantes na fofoca estão relacionados à vida privada 
dos indivíduos. Essa invasão da privacidade desperta curiosidade, excitação e prazer, que 
podem estar relacionados a uma forma subversiva de poder, como ressalta Souza (in Bem-
ze´ev, 1994): um ataque ao frágil, utilizando-se do poder do conhecimento ou experiência, ou 
uma forma velada de agressividade, uma forma de liberar o que está recalcado, podendo 
assumir, nesses casos, uma similaridade com o humor não inocente. 
Ao estudar a fofoca e o escândalo, Thompson (2002) frisa que, por ser uma conversa 
informal, a fofoca permanece no âmbito da comunicação privada entre amigos e conhecidos; 
por sua vez, o escândalo ultrapassa os limites da fofoca e ganha projeção pública. De acordo 
com o autor, a fofoca pode fomentar o escândalo e fornecer um meio para a difusão da 
informação, entretanto o escândalo vai ocorrer quando certas condições adicionais estiverem 
presentes. 
Concernente ao escândalo propriamente, Thompson (2002) destaca que as colunas de 
fofoca são as principais alimentadoras de segredos públicos e fomentadores do deslocamento 
de fronteiras entre o público e o privado. Em sua teoria social do escândalo, o autor distingue 
três tipos de escândalos políticos: político-sexual, político-financeiro e o escândalo de poder. 
Nessa classificação, os assuntos relativos aos escândalos têm semelhança com os assuntos 
veiculados pela fofoca. 
O gênero feminino foi considerado o principal veículo da fofoca. Possivelmente essa 
afirmação esteja relacionada ao fato de que as mulheres silenciadas pela História, criaram 
seus espaços de interação, o que justifica, segundo Perrot (1988), a reação feminina quando as 
lavanderias públicas de Paris do século XIX foram fechadas pelo pode público, retirando da 
mulher um espaço de direito e de voz. Diferentemente da idéia generalizada de atribuição da 
fofoca a categorias profissionais e gêneros, pesquisas realizadas por Spacks (1985), Levin e 
Arluke (1985/1987) indicam que a fofoca é um fenômeno que independe do gênero, tanto os 
homens como as mulheres, despendem uma quantia semelhante de tempo para fofoca. A 
diferença está nos tópicos de discussão. As mulheres tendem a falar mais sobre outras 
pessoas, e os homens enfatizam jogos esportivos, política e negócios. 
 27 
Segundo Thompson (2002), a fofoca é uma atividade por meio da qual as relações 
sociais são continuamente renovadas e transformadas; é uma forma de inserção, ao definir 
quem é suficientemente próximo ou integrado ao grupo. 
Elias (2000), ao investigar as relações de prestígio e poder em um bairro da cidade deLeicester, constata as interdependências que se estabelecem no interior da comunidade na 
qual a fofoca é um integrante privilegiado desse processo. Para o autor, a fofoca não é um 
fenômeno independente. O que é digno dele depende das normas e crenças coletivas e das 
relações comunitárias. 
Goffman (2008), por sua vez, afirma que a sociedade está organizada tendo por base o 
principio de que o individuo projeta a definição da situação e com isso pretende, implícita ou 
explicitamente, ser uma pessoa de determinado tipo, automaticamente exerce uma exigência 
moral sobre os outros, obrigando-os a valorizá-lo e a tratá-lo de acordo com o que as pessoas 
de seus tipo têm o direito de esperar. Aqui entra a importância da fofoca, Bergman (1993) 
aponta duas principais razões para a fofoca. A primeira é psicológica: a posse de uma 
informação é socialmente valiosa para o reconhecimento social, prestigio e notoriedade, e isso 
dá ao individuo um sentimento de superioridade ou de privilégio, por dispor de um 
conhecimento em primeira mão. 
Outra razão apontada por Bergman (1993) é de ordem sociológica, ou seja, a tendência 
universal para criticar, depreciar, culpar e implicar uma pessoa na sua ausência. De acordo 
com o autor, se a pessoa detentora da informação confidencial repetir a confidência, ela 
comete um ato de indiscrição. Se recusar disseminar a informação, essa pessoa se comporta 
de forma discreta. Dessa forma, a fofoca é a forma social de “indiscrição discreta”: pode 
violar o preceito da discrição e, ao mesmo tempo, respeitá-lo. Assim, a fofoca se inscreve 
como fenômeno de elementos contraditórios e adquire uma estrutura paradoxal básica, 
dinâmica e de natureza dúbia. Bergman (1993) desenvolve também a idéia da fofoca como 
um bálsamo da alma, visto que a fofoca exerce fascínio, mexe com a imaginação e dá abertura 
à malícia e à maledicência. 
Na concepção de Gluckman (in Bem-ze´ev, 1994) a fofoca é uma forma de interação 
social que fortalece a identidade e a coesão de um grupo social e, por outro lado, cumpre sua 
função dentro do grupo com membros integrados pelo sentimento de pertencimento. 
Rosnow e Fine (1973) veem a fofoca como fonte de entretenimento, prazer e diversão. 
Além disso, a fofoca pode promover relaxamento. 
Goffman (2008) ao observar os funcionários de um hotel, relata o tratamento 
respeitoso dos fregueses na presença e na ausência, quase sempre ridicularizados, comentados 
 28 
maliciosamente, caricaturados, amaldiçoados e criticados jocosamente, o que possivelmente 
constitui momentos de relaxamento. 
Bem-ze´ev (1994) observa que a fofoca e a diversão são atividades intrinsecamente 
valiosas, pois são essencialmente sociais e fortalecem os laços interpessoais. Bergman (1993) 
acrescenta que essa ocorrência pode se localizar no domínio da sociabilidade: tanto nos 
encontros de pequenos grupos, onde as conversas são imbuídas de sensibilidade local, quanto 
no domínio periférico: na presença de outras pessoas a partir de sussurros ou manobras 
semelhantes. 
Morreal (in Bem-ze´ev, 1994), ao relacionar a fofoca e as piadas, mostra que as duas 
atividades envolvem, muitas vezes, insultos disfarçados. Entretanto, a fofoca, devido a seu 
caráter mais realístico, cumpre funções mais complexas do que divertir. 
Difonzo (2009) afirma que a fofoca é um instinto natural do ser humano para tentar 
entender o mundo. Segundo o autor, a compreensão é um desejo humano e as pessoas não 
gostam quando as coisas não estão claras e não fazem sentido. As pessoas gostam da ordem e 
das explicações para diferentes situações. 
Outros motivos apontados para a propagação da fofoca são a curiosidade e a fantasia 
em relação às atividades privadas das pessoas. Pela fofoca, torna-se possível a expressão de 
opinião com um grau de franqueza que seria difícil manter em uma situação pública. 
Thompson (2002) salienta, ainda, um outro tipo de fofoca: a veiculada pelas revistas e 
jornais acerca de personalidades da mídia, chamada pelo autor de “intimidade não-recíproca à 
distância”, que representa uma intimidade unilateral, já que os leitores sabem sobre as 
personalidades, mas esse conhecimento não é recíproco, mútuo. Consoante Schutz (1976) o 
interesse pela vida das celebridades é movido pela necessidade de comparação social. O leitor 
pode se servir desse modelo para identificação ou desenvolvimento do seu ego e da 
autoestima. Já Medini e Rosenberg (1976) afirmam que o que aguça a curiosidade em relação 
à vida dos famosos é a suposição de que ela contenha fofoca e, por conseguinte, declarações 
sobre assuntos da condição humana, assuntos secretos, voyeurismo e intimidade. 
Nesse sentido, justifica-se o interesse e a proliferação de revistas especializadas em 
fofocas. Thompson (2002) considera que a experiência da fama traduz um esforço de 
individuação em uma sociedade de cultura urbana massificada. Isso quer dizer que, embora a 
vida privada de um indivíduo seja exibida nas páginas das revistas, aquela personalidade 
encarna arquetipicamente valores e desejos coletivos. Segundo o autor, neste mundo 
multifacetado, em que o indivíduo tem acesso a diversos códigos, diversas alternativas de 
vida, emerge uma consciência exacerbada da própria singularidade. A fofoca não somente 
 29 
ressignifica os padrões de beleza e sucesso como pode potencializar as trocas culturais, 
inclusive entre classes. 
A mesma postura é compartilhada por Bergmann (1993), quando entende que a fofoca 
pode ampliar a nossa compreensão da vida, fornecendo informações que os outros modos de 
investigação não proporcionam. 
Consoante Dunban (1993), a troca de informação é o motor da evolução do intelecto 
humano. A partir da linguagem, os indivíduos adquirem informações sobre o comportamento 
um do outro, favorecendo aos indivíduos conhecer as características comportamentais de 
membros de outros grupos. 
A fofoca como uma forma alternativa de conhecimento e informação nem sempre se 
reporta aos detalhes da intimidade, ela pode versar sobre outros assuntos que envolvem a 
arena política. As suspeitas de corrupção e os bastidores das articulações constituem matérias 
de fofoca. Avim (in Bem-ze´ev, 1994) vai além, ao identificar nos dados informais obtidos em 
conversações a matéria-prima para as decisões tomadas pelas sindicâncias e inquéritos 
administrativos. É o que a autora denomina de “fofoca investigativa”. 
Pode-se afirmar que a fofoca tem o poder ambíguo de demarcar e policiar as fronteiras 
culturais, os valores interclasses, ao mesmo tempo em que flexibiliza essas mesmas fronteiras. 
Assim, a fofoca é uma maneira de produzir sentido e se posicionar nas relações que se 
estabelecem no cotidiano. Neste aspecto, o sentido é uma construção social, uma ação 
coletiva e interativa por meio da qual as pessoas constroem os termos a partir dos quais 
compreendem e lidam com as situações e fenômenos das coisas do mundo. 
Conforme já havia demonstrado Durkheim (1984), o social é algo que está ligado a 
uma forma de consciência específica, e a consciência é uma modalidade de ser não automática 
e sobredeterminada. Para o autor, os processos coletivos possuem uma primazia sobre os 
indivíduos que, por sua vez, orbitam, desde o nascimento, em torno de algo imposto como 
natural que regula e molda as vontades individuais, permite a convivência do homem em 
sociedade. Essa estruturação do indivíduo segundo os padrões preestabelecidos e exteriores 
ao próprio indivíduo, perpassa pelo psicológico, pelo moral, pelos hábitos e costumes, pelo 
comportamento, enfim, pela cultura: 
 
 
 (...) o devoto, ao nascer, encontra prontas as crenças e as práticas da vida religiosa; 
existindo antes dele, é porque existem fora dele. O sistema de sinais de que me sirvo para 
exprimir pensamentos, o sistema de moedas que emprego para pagar dívidas, os 
 30 
instrumentos de crédito que utilizo nas relações comerciais, (...),etc, funcionam 
independentemente do uso que faço delas. (...). Estamos, pois, diante de maneiras de agir, 
de pensar e de sentir que apresentam a propriedade marcante de existir fora das 
consciências individuais. (Durkheim, 1984: 94). 
 
Na perspectiva durkhemiana, o indivíduo ingressa na sociedade no momento em que 
nasce. A partir desse momento, ele começa a ser moldado pelas instituições que compõem a 
sociedade. São essas instituições as responsáveis pela assimilação dos indivíduos dos hábitos, 
moral, costumes e toda forma de lei não escrita que rege a convivência de seu grupo. Dessa 
forma, o indivíduo procura agregar as regras do grupo ao seu sistema individual de valores, 
procurando agir em conformidade com o grupo. 
Nessa visão, o fato social está intrinsecamente relacionado aos processos culturais, 
hábitos e costumes coletivos de um determinado grupo ou indivíduos, ou sociedade. Tais 
elementos conferem unidade e identidade ao grupo social, serve de controle e parâmetros às 
atividades individuais. O fato social, por conseguinte, é a aceitabilidade por parte da maioria 
do coletivo dentro da sociedade. A aceitação é o produto de uma maneira peculiar e 
circunstancial de pensar, sentir e agir de um grupo, em um dado contexto social e histórico. 
Durkheim (1984) parte do pressuposto de que a realidade é socialmente construída e 
que a Sociologia deve analisar a maneira pela qual o meio social, mediante aparelhos de 
coerção e da instituição educativa, contribui para regular, controlar e moldar 
permanentemente o comportamento individual, tornando os processos coletivos 
aparentemente harmônicos e estáveis. 
A crítica a essa visão de Durkheim é que existe uma dicotomia entre o indivíduo e 
sociedade. Por essa concepção, indivíduo e sociedade são essências puras e indissociáveis, 
entes em oposição. Desse modo, afirma-se o primado de um ou de outro: a sociedade como 
uma generalidade intransponível e impossível de ser decomposta e, por outro lado, o 
indivíduo como algo atomizado, não suscetível de ser universalmente considerado. 
A proposta para romper os limites teóricos da distinção entre sociedade e indivíduo é 
pensar as sociedades humanas como configurações sociais, que são transformadas a todo o 
tempo pelos homens. Tal teoria se concretiza nos pressupostos teóricos de Norbert Elias. 
Elias (1994), em vez de tomar indivíduo e sociedade como substâncias isoladas, 
considera as suas relações e funções, o que implica tomá-los de modo relacional e dinâmico, 
fundido-se e refundindo-se, integrando-se e distinguindo-se, em contínua interação. Nessa 
perspectiva, a sociedade é formada por indivíduos e estes são constituintes da sociedade, 
 31 
ambos imbricados, não sendo possível considerar os dois separadamente, visto que não há 
sociedade sem indivíduos e não há indivíduos sem sociedade. 
Para o autor, os indivíduos, conforme seus habitus
2
,são integrados como constituintes 
da sociedade, modelando-a e modelando-se ao relacionarem-se uns com os outros. Essa 
relação tensa, dinâmica e mútua entre os indivíduos e a sociedade faz com que a sociedade 
produza o indivíduo e que o indivíduo molde-se em contínua ação com outros indivíduos, e 
assim influencia a própria forma dinâmica da sociedade. 
Assim, Elias pensa a sociedade em mudança estrutural, como um equilíbrio tenso entre 
suas partes. Segundo o autor, a noção de configuração é que permite pensar as ligações entre 
mudanças na organização estrutural da sociedade e mudanças na estrutura de comportamento 
e na constituição psíquica do indivíduo. A construção teórica de Elias sobre a relação entre 
indivíduo e sociedade explora as relações dinâmicas entre os dois e sua caracterização em 
distintas sociedades e tempos históricos. 
Coerente com essas concepções, a produção de sentidos na sociedade não é uma 
atividade cognitiva intraindividual, nem pura e simples reprodução de modelos 
predeterminados. Ela é uma prática social, dialógica, que implica a linguagem em uso. Nesse 
sentido, ela é um fenômeno sociolingüístico, uma vez que é o uso da linguagem que sustenta 
as práticas sociais geradoras de sentido. 
Considerando essa constatação, pode-se afirmar que a produção do sentido é dada pelo 
discurso. O discurso é entendido como o uso institucionalizado da linguagem e de sistemas 
simbólicos semelhantes. Para Davies e Haré (1990), a institucionalização pode ocorrer tanto 
nos níveis dos sistemas políticos e disciplinares, como no âmbito de grupos sociais. Esta 
institucionalização é dada pelo discurso e que possibilita uma tendência à permanência, 
mesmo com a mudança do contexto histórico, os discursos são atualizados. 
Essa atualização ocorre na prática discursiva, já que o discurso se constrói em função 
dos demais discursos com que dialoga: o uso que fazemos da língua é o resultado da relação 
entre o eu e o outro, o discurso é o resultado da relação que ele mantém com outros discursos. 
Neste sentido, o discurso é uma intercessão de subjetividades e de objetividades. O discurso 
estará sempre nessas intercessões, nessas passagens de objetividades e subjetividades. 
Nessa concepção, os discursos aproximam-se da noção de gêneros de fala de Bakhtin 
(1929/1995), o qual destaca serem as formas mais ou menos estáveis de enunciados que 
 
2
 Habitus é uma noção filosófica originária no pensamento de Aristóteles e na Escolástica medieval. Foi 
recuperada e retrabalhada a partir dos anos 1960 pelo sociólogo Pierre Bourdieu para explicar a teoria da 
capacidade inventiva dos agentes, na tentativa de fugir das abordagens subjetivistas da conduta social. 
 32 
buscam coerência com o contexto, o tempo e os interlocutores. Isso significa que existem 
regras linguísticas que orientam as práticas cotidianas das pessoas e tendem a manter e 
reproduzir discursos. Entretanto, Bakhtin considera que nesses discursos pode ocorrer a 
diversidade das práticas discursivas. 
Nas relações, portanto, que são estabelecidas no cotidiano, a conversa é uma das 
maneiras por meio da qual as pessoas produzem sentidos e por sua informalidade representam 
modalidades privilegiadas para o estudo da produção de sentido. Bakhtin situa a riqueza da 
conversação na comunicação na vida cotidiana, enfatizando a sua importância como prática 
social. 
Na concepção de gêneros discursivos de Bakhtin, tudo o que comunicamos só se faz 
possível através dos gêneros. O advento da tecnologia e dos novos meios de comunicação faz 
emergir novos gêneros, entretanto, para o autor, novos gêneros possuem velhas bases, isso 
quer dizer que o surgimento de novos gêneros acontece a partir de gêneros já existentes, orais 
ou escritos. 
Para Marcushi (Apud Dionísio, 2001), a relação entre fala e escrita fundamenta-se em 
um contínuo e não em uma polarização: fala e escrita constituem diferentes modalidades de 
uso da língua. As diferenças existentes entre elas vão ocorrer no continuo tipológico das 
práticas sociais e produção textual. É este continuo que permite o entrecruzamento de gêneros 
da oralidade e da escrita. 
Assim, podemos pensar que o advento da escrita provocou o aparecimento de novos 
gêneros. Aqui identificamos a permanência do gênero conversacional da fofoca migrando 
para o texto escrito da coluna social. 
Não é de estranhar a migração desse gênero eminentemente oral para as revistas 
especializadas, colunas dos jornais, tablóides e recentemente para a internet, que introduz uma 
nova modalidade de fofoca – a fofoca visual, na forma de fotografias, filmes e programas de 
televisão ao vivo. Nessa perspectiva, a fofoca é um gênero em cuja base se desenvolve a 
coluna social do jornal. 
 
 1.1. ORIGEM DA COLUNA SOCIAL 
Thompson (2008) identifica, na segunda metade do século XV, a proliferação de 
técnicas de impressão pelos centros urbanos da Europa. O sucesso e a sobrevivência destes 
impressos dependeramda capacidade de mercantilizar formas simbólicas. Assim, manuais 
práticos e livros de conduta ofereciam orientações para uma vasta gama de atividades, desde 
boas maneiras, comportamento moral e oratória, a métodos de práticas comerciais. Como 
 33 
exemplo, o autor cita o De Civilitate Morum Puerillium, de Erasmo, que fixava um código de 
boas maneiras e orientações para a instrução das crianças, o qual teve enorme sucesso 
editorial. 
Ao revirar as páginas da obra de Chartier (2007), encontra-se, na Inglaterra do século 
XVII, a descrição de um office ou staple, local onde são reunidas, copiadas e vendidas as 
notícias da corte, da cidade e do mundo, e vendidas ao Mestre Cymbal – um mercador de 
notícias e responsável em fazer ecoar boatos públicos. De acordo com a descrição, o escritório 
dos jornalistas é composto por quatro correspondentes ou emissários que coletam as notícias 
em quatro lugares estratégicos da capital do reino. Os locais escolhidos são: a Corte, a 
Catedral de São Paulo, onde os cortesãos e as pessoas do comércio se encontram antes e 
depois do almoço, o Royal Exchange – a Bolsa de Mercadorias, em que os mercadores trocam 
informações comerciais e letras de câmbio, e no Westminster Hall, endereço dos tribunais e 
das livrarias. 
Além dos correspondentes trabalham no local, mais quatro empregados: o examinador 
(Examiner), o registrador (Register) e dois secretários que fazem a triagem, classificam e 
publicam as notícias. 
As práticas do jornalismo resumiam-se nos seguintes processos: cada notícia que 
chegava ao escritório era examinada, registrada, distribuída e classificada. Em seguida, as 
notícias eram organizadas por ordem alfabética em temas. 
Quanto ao teor das notícias, Chartier (2007) afirma que as “notícias coletadas e 
classificadas no escritório dos jornalistas são anedóticas e fúteis”. O traço essencial desse 
novo jornalismo é a ausência de credibilidade. O que menos importava era a autenticidade da 
notícia, muitas vezes, inventadas. Entretanto, a novidade da impressão imprimia um ar de 
verdade aos impressos. 
Thompson (2008) lembra que muitas dessas primeiras formas de jornal se 
preocupavam com notícias do estrangeiro, com eventos que estavam acontecendo em outros 
lugares. A circulação dos jornais, segundo o autor, ajudou a criar a percepção de um mundo 
de acontecimentos distantes do ambiente imediato dos indivíduos, mas que tinha alguma 
relevância potencial para suas vidas. 
Chartier (2007) também ressalta o surgimento dos pasquins, distribuídos pelos 
ambulantes urbanos. No pasquim, o texto é acompanhado de gravuras. Uma mesma narração, 
com pequena diferença de nomes e datas, pode ser retomada a alguns anos de distância. Os 
temas tratam do desregramento moral, a desordem dos elementos e o sobrenatural, o 
miraculoso ou diabólico – assuntos que rompem com o ordinário do cotidiano. 
 34 
Pode-se inferir que tais exemplos sejam reminiscência da coluna social, no século 
XVII, quando começam a circular as primeiras gazetas impressas, bem como os primórdios da 
autenticidade (registro escrito e atestado com assinatura) – da fofoca. 
No entanto, ela vai se consolidar como colunismo social no jornal impresso, na 
segunda metade do século XIX, época em que surgiram os grandes órgãos de comunicação de 
massa, destinados a diferentes públicos e com a proeminência da penny press (factual) em 
detrimento da party press (partidária), predominante anteriormente, em que os jornais eram 
pouco mais que instrumento de debate político e religioso, ou suportes de idéias aprofundadas 
em pequenos grupos. 
A industrialização e a queda dos custos de produção do preço do papel, bem como a 
melhoria das redes de transporte, alargamento do espaço público, expansão da alfabetização, 
ou seja, o desenvolvimento do capitalismo provocou o aparecimento de um jornal que 
cultuava a objetividade e o privilégio dos fatos e não das opiniões; os jornalistas passaram a 
reproduzir as notícias mantendo anônimas as suas fontes. 
Entretanto, o público requeria matérias personalizadas, além do anonimato redacional. 
Advieram seções assinadas por profissionais renomados, “superando a frieza e a 
impessoalidade do corpo do jornal e originando espaços dotados de valor informativo e de 
vigor pessoal” (Frazer, 1978, p. 54). Ramos (1994) afirma que, à medida que a massificação 
jornalística crescia e se consolidava, a celebridade tornou-se o centro das atenções da coluna 
social. 
Essa é a origem do que a linguagem jornalística define como coluna social, texto que é 
redigido cobrindo-se um espaço da cabeça ao pé da página, na horizontal ou verticalmente. 
Diferencia-se das demais partes do jornal pela autoria, pois nela a objetividade do fazer 
jornalístico quebra-se na proximidade do autor/leitor e dissipa-se a autoridade formal do 
escrito nos relatos e comentários das atividades da vida mundana, da política, da economia e 
dos eventos. 
No Brasil a sua introdução ocorreu nos primórdios do século XX, com a crônica 
social, uma simbiose entre o jornalismo e a literatura. João do Rio é considerado o introdutor 
da crônica social na imprensa brasileira. Em sua coluna, A Tribuna, o cronista abordou as 
questões de seu tempo, os estilos, as maneiras de ser e de viver. Registrava as pessoas que 
eram respeitadas e admiradas por sua classe social, por suas realizações e influências. João do 
Rio é o responsável pela observação direta das ruas, valendo-se da entrevista e do inquérito, e 
se tornou um dos mais populares jornalistas da cidade. Segundo Almeida (in Girardi, 2000): 
 
 35 
O cronista por excelência de 1900 brasileiro seria Paulo Barreto. E uma das principais 
inovações que trouxe para nossa imprensa foi a de transformar a crônica em reportagem - 
reportagem por vezes lírica e com vislumbres poéticos. (...) Foi essa experiência nova que 
João do Rio trouxe para a crônica, a de repórter, do homem que, freqüentando salões, 
varejava também as baiúcas e as tavernas, os antros do crime e do vício. Subia o morro de 
Santo Antônio pela madrugada com um bando de seresteiros e ia aos presídios entrevistar 
sentenciados (Almeida, in Girardi, 2000, p. 198). 
 
Na coluna a comunicação é sintética e a temática explorava fatos variados. Geralmente 
aparece um título em negrito para notícia. Ver, por exemplo, no dia 24 de julho de 1987, na 
página 2 do Segundo Caderno, na coluna de Swann o seguinte comunicado: 
 
Fiscalização rigorosa – as empresas que boicotarem o Novo Plano Cruzado vão ser 
rigorosamente punidas. A garantia é do palaciano Fernando César Mesquita, adiantando 
que o Governo está de olho em alguns tubarões da área comercial. A principal punição a ser 
aplicada aos que remarcarem preços, ainda segundo o Ouvidor, é corte aos créditos 
bancários. Mesquita disse que o Presidente não quer falhas na vigilância sobre os preços 
tabelados. 
 
No exemplo do dia 26 de abril de 1988, página 2 do Segundo Caderno, na coluna de 
Sued, encontramos outro comunicado típico da coluna. O trecho é o seguinte: 
 
Nos próximos 40 anos os botânicos prevêem que vão desaparecer em todo o mundo cerca 
de 60 mil espécies de plantas, o que totaliza cerca de 15% dos vegetais conhecidos. A única 
maneira de prevenir a catástrofe seria a implantação de bancos de mudas e sementes em 
cada município e em todos os países. 
 
No dia 27 de abril de 1988, ainda na página 2 do Segundo Caderno, o colunista, 
Ibrahim Sued, faz o seguinte relato: 
 
Com 250 participantes aconteceu um Simpósio na Academia Nacional de Medicina os 
aspectos atuais do tratamento da Doença de Parkinson, organizado pelos acadêmicos Hélcio 
Alvarenga e Sérgio Novis. Coma presença dos professores da Escola Paulista de Medicina 
e do professor José Obeso, da Universidade de Navarra na Espanha. 
 
 36 
Pelos exemplos acima, pode ser percebido que a coluna social funciona como uma 
síntese de todas as notícias veiculadasno jornal. Este entrelaçamento de gêneros dá à coluna 
um aspecto paródico relativo ao próprio jornal. 
 
1.2. OS GÊNEROS NA COLUNA SOCIAL 
A classificação do texto jornalístico obedece à divisão clássica dos gêneros do 
discurso proposta desde a antiguidade. Pela classificação, os estudos de gênero limitavam-se 
aos gêneros literários, gêneros retóricos e gêneros do discurso cotidiano. 
Entretanto, como bem observa Seixas (2009), os estudos sobre os gêneros jornalísticos 
pararam na década de 80, quando Marques de Melo publicou “A opinião no jornalismo 
brasileiro”(1985). Nesta obra Marques de Melo propõe uma classificação, constantemente 
citada e criticada pela maioria dos pesquisadores do jornalismo. Seixas sugeriu nesta obra um 
conjunto de critérios de definição de gênero jornalístico, obedecendo à pressuposição de que 
os gêneros se institucionalizam na prática social e se reafirmam no dia-a-dia. 
Nas classificações propostas pelos estudos de gênero, a coluna social aparece como 
jornalismo informativo e opinativo. Beltrão (1996), por exemplo, identifica a proximidade 
com os leitores e a atualidade dos fatos como uma informação social em que se registram e 
comentam atividades que os indivíduos desenvolvem em clubes, restaurantes, excursões e 
campanhas filantrópicas. 
Por outro lado, Melo (1995) entende a coluna como opinativa, um mosaico de 
unidades soltas de informação e de opinião. Para o autor, o colunismo se nutre do fenômeno 
social que Edgar Morin chama de “olimpismo moderno”, universo de novos deuses criados 
pela indústria cultural, convertidos ao estrelato, cujos modos de agir serão sugeridos à 
imitação da sociedade. Ela seria, assim, traço da cultura de massa que dá sentido a um tipo de 
jornalismo em que a futilidade e a frivolidade se entrelaçam. Dessa maneira, podemos 
considerar a coluna social como um gênero de fofoca. 
Coutinho (1986) apresenta uma terceira visão sobre a coluna social: uma mistura dos 
gêneros jornalísticos e literários. 
 
Inserida geralmente na parte que os jornais destinam aos eventos culturais, a coluna social 
habita este espaço sob o signo da ambigüidade. É um gênero literário como a crônica, e é 
noticiário, vive da dispersão frívola dos acontecimentos. Evidentemente, é um gênero 
literário. Tem sua economia textual, suas inovações formais. (...). Provavelmente é um 
gênero menor que a crônica; mesmo que trate de eventos, se alimenta da redundância 
literária, seja manipulando poesia, conto ou memória. A crônica e a crítica têm um 
 37 
superego cultural, a coluna social (...) a prática de tornar tudo mundano. (Coutinho, 1986, 
p.47) 
 
Tal visão é compartilhada por Cosson (2007), o qual, em seu estudo comparativo, 
reconhece a dificuldade de delimitação das fronteiras discursivas do jornalismo e da literatura. 
Outra versão sobre o colunismo social encontra-se em Gilberto Freyre, que a vê como 
o cultivo de traços de vaidade e frivolidades. 
 
Quem não sofre da vaidade, ainda burguesa, de ter noticiado, no Brasil de hoje, em 
jornal, o batizado de um filho ou um noivado de uma filha ou um jantar oferecido a 
um amigo? São fatos que constituem um burguesíssimo ramerrame, isto é certo. Mas 
esse ramerrame parte da história da vida, do convívio de uma comunidade do feitio 
da brasileira dos nossos dias, tanto quanto dos dias de nossos pais e de nossos avós. 
(apud, MELO: 1995, p. 126.) 
 
Nessa visão, a coluna torna-se um espaço de confirmação que enaltece a vaidade das 
pessoas notáveis em arte e espetáculo, esporte, política e oferece simultaneamente modelos de 
comportamento. Estimula modismos, incrementa o consumo e dá esperança aos que 
pretendem ingressar no paraíso burguês. 
Na verdade, a coluna social no jornal é uma tessitura de gêneros e funcionava como 
uma síntese dos vários gêneros jornalísticos, em seu espaço gráfico era publicada notícias 
sobre o interior e o exterior com comentários do colunista. 
Melo (1995) entende que a permanência da coluna no jornalismo brasileiro se dá 
porque ela atende à satisfação substitutiva dos leitores, dado que a maioria está excluída do 
poder e do estrelato colunável. Assim, dá-se-lhe a sensação de participar desse nicho, embora 
de modo artificial e abstrato: “participar sem fazer parte; acompanhar à distância”. 
Para ampliar a visão dos gêneros do discurso na coluna social é necessária outra 
concepção de gêneros, que pode ser gestada a partir das idéias de Bakhtin (2003), quando 
atesta que não há como falar em uso da língua sem relacioná-la com os inúmeros campos da 
atividade humana, com as diversas esferas sociais, já que cada esfera social possui um 
inesgotável repertório de gêneros, com diferentes estilos, conteúdos temáticos, composição, 
funções discursivo-ideológicas e concepções do emissor e do destinatário. 
Para Seixas (2009) 
 
A definição de tipos relativamente estáveis de enunciados põe, pela primeira vez, o 
foco na situação social de interação, ou seja, em condições extralingüísticas como 
 38 
finalidade discursiva, “autor” e destinatário. Estas condições, constitutivas do 
enunciado, seriam reveladas através dos vestígios deixados na própria unidade real 
da comunicação discursiva (enunciado) (Seixas, 2009, p. 44). 
 
Isto porque, segundo Bakhtin (2003), o desenvolvimento das atividades humanas faz 
emergir novos gêneros que se fundam em antigas bases, à proporção que um determinado 
campo da atividade humana se desenvolve e se torna mais complexo, crescem e se 
diversificam os gêneros nesse mesmo campo. Justifica-se, em consequência, a proliferação 
dos mais variados gêneros do discurso nos diferentes campos da atividade humana. 
Ainda para Bakhtin, todo gênero é próprio de determinadas esferas sociais e nelas ele 
se constrói, sob diferentes condições sócio-históricas. Nesse sentido, ocorre uma relação 
intrínseca entre as esferas da atividade humana e os gêneros do discurso, e entre língua e 
sociedade, já que o uso da língua se concretiza através de enunciados, que surgem nas 
infinitas relações sociais entre os falantes dos diversos campos da atividade humana. 
Com base em tais pressupostos teóricos, torna-se impossível definir quantitativamente 
os gêneros que se diferenciam e se ampliam, por conseguinte, o gênero como fenômeno social 
só existe em determinada situação comunicativa e sócio-histórica. Um gênero do discurso é 
parte de um repertório de formas disponíveis no movimento de linguagem e comunicação de 
uma sociedade. Ele só existe relacionado à sociedade que o utiliza. 
Pela diversidade dos gêneros do discurso, resultado das relações sociais da vida 
humana, Bakhtin os dividiu em dois tipos: gênero primário e gênero secundário. Os gêneros 
primários são aqueles que emanam das situações de comunicação verbal espontâneas, 
caracterizados pela informalidade e espontaneidade, por exemplo, uma comunicação imediata 
entre dois interlocutores. 
Os gêneros secundários são os mais complexos e geralmente são configurados pela 
escrita, que funciona como um instrumento, uma forma de uso mais elaborada da linguagem 
para construir uma ação verbal. Esses gêneros absorvem e modificam os gêneros primários. 
Esse fenômeno de transmutação dos gêneros primários pelos secundários ocorre 
quando um fragmento de conversação do cotidiano é inserido em um romance e se desvincula 
da realidade comunicativa imediata. Entretanto, ele conserva seu significado no romance. Isso 
quer dizer que o gênero primário transmuta para um discurso mais elaborado. O que os 
diferencia é o grau de complexidade e elaboração em que se apresentam. 
Os elementos principais para verificar o gênero a que pertence um determinado 
enunciado se fundamentam em: conteúdo temático, plano composicional e estilo. 
 39 
O conteúdo temático refere-se ao assunto de que vai tratar o enunciado em questão. O 
plano composicional é a estrutura formal, e o estilo considera a seleção do repertóriovocabular disponível. 
Os três elementos não têm sentido se não for levado em conta o contexto, visto que os 
enunciados pertencem a determinada esfera da atividade humana, localizados em um tempo e 
espaço e dependem dos participantes e de suas intenções. 
Em relação ao texto da coluna social, reconhece-se de antemão que se está diante de 
um texto jornalístico, por isso ele passa por todo o processo de elaboração: seleção de 
conteúdos, consecução do texto, editoração, diagramação e revisão. O processo em si já é 
indicativo de um gênero secundário, cuja linguagem é mediata e o gênero um meio para a 
realização da situação comunicativa. 
Quanto ao seu conteúdo, o leitor, ao folhear as páginas do jornal O Globo, nos anos de 
1987 e 1988, vai-se se deparar necessariamente com duas colunas sociais, a do colunista 
Ibrahim Sued e a de Carlos Swann. Elas são constituídas por notícias instantâneas, breves, 
descontínuas e móveis. Os títulos são grafados em negrito e possuem um caráter jocoso que 
aludem ao conteúdo informacional – circunscritas a um espaço por um traço negro, que as 
limita do restante do jornal. Destinadas à cobertura de acontecimentos de rotina da sociedade, 
as duas colunas apresentam uma diversidade de pontos de vista, que lhes imprime uma 
característica popular de mexerico. 
O conteúdo temático versa sobre assuntos do momento, notícias das mais variadas 
áreas de interesse: política, economia, televisão, turismo, moda, etiqueta, esporte, saúde, etc. 
O leitor sabe que na coluna ele espera receber as informações de forma superficial e 
irreverente. 
O enfoque ora em um personagem, ora em outro não altera a totalidade da história. Os 
dados que aparecem isolados e difusos são transformados em uma unidade homogênea. Na 
coluna, os personagens são evidenciados no instante em que se operam certas transformações 
de suas relações. Em seguida, eles saem de cena para que outros possam entrar. 
Continuamente, entrada e saída de personagens. Nesse ínterim repousa silenciosamente um 
espaço discursivo, um discurso que parece pertencer a um lugar comum, pouco perceptível 
porque está disseminado no campo social e se envolve em um fluxo imaterial que está em 
perpétua modificação. 
Nesse espaço discursivo, não existe um sujeito individual, mas um sujeito social, 
unidade que se constitui na multiplicidade e se manifesta como produto da interação social. 
“Quem fala seleciona palavras e as combina em frases, de acordo com o sistema sintático da 
 40 
língua que utiliza; as frases, por sua vez, são combinadas em enunciados. Quem fala é apenas 
um usuário, não um criador de palavras” (Jakobson, 1971:37,38). 
Em se tratando da sua estrutura composicional, a coluna apresenta dois tipos de 
linguagem: a verbal e a imagética. A linguagem visual se apresenta sob a forma de fotografia 
ou desenhos caricaturais que se combina com o verbal, propiciando uma maior informalidade 
à notícia, cujo tema é ironizado e satirizado, quebrando a distância com o leitor. 
O certo é que, por ser limitado a um pequeno espaço, o colunista apresenta a 
informação de forma mais concisa que uma reportagem, que dispõe de um maior número de 
linhas. A brevidade da notícia dos fatos e o texto curto acentua a sua natureza falada. A 
fluidez da conversa dissipa a natureza de autoridade que o texto escrito legou à imprensa. 
Assim, na coluna, os textos são concisos, o que implica diretamente economia e simplicidade 
no uso de conectivos. Não há estruturas longas, nem períodos com muitas orações, o conteúdo 
informacional é passado de forma rápida, visto que estruturas elaboradas prejudicariam o 
efeito imediatista desejado. 
Nessa perspectiva, a coluna social se apresenta como o mais subjetivo dos gêneros 
jornalísticos. O colunista expõe o seu pensamento, faz interpretações, emite opiniões, 
sentimentos e atitudes. Diferentemente das demais partes do jornal, a coluna parece 
especialmente endereçada para o leitor. Por isso se identifica nela um estilo alimentado pela 
fala, pelo diálogo, pela conversa, onde aquele que lê é muito mais que um leitor: é um 
ouvinte. 
Curioso notar que a coluna se utiliza de um gênero rebaixado para falar da elite social 
e política. Graças ao estilo mais livre de redação que o noticiário comum e uma maior 
liberdade de invenção temática por parte do colunista, tal texto ser um dos mais pessoais dos 
gêneros jornalísticos. Essa liberdade do colunista que, segundo Buendia (1996), permite a 
opção pelos problemas sociopolíticos contemporâneos, o gosto pelas cenas de escândalo, 
pelas condutas excêntricas e pelos discursos inoportunos, ou seja, o que se denomina 
fofoca/boato. 
Num primeiro momento observa-se no texto da coluna social um cuidado em conciliar 
os interesses de uma comunicação eficiente com a aceitabilidade social. Assim há uma 
preocupação do uso de registro coloquial comprometido com a eficiência da comunicação, 
desde que palavras, expressões e combinações características deste registro sejam, pelo 
menos, aceitáveis num padrão mais acentuado de formalidade. 
Ou seja, em seu texto ocorre a incorporação de elementos coloquiais, mas, esta 
incorporação do coloquialismo está relacionada à sua especificidade, em que muitos dos 
 41 
assuntos de que trata e a maneira breve como eles aparecem se ajustam sem dificuldades às 
expressões própria de um registro menos tenso. 
A tensão é diluída visto que o texto da coluna possibilita maior articulação entre 
quem escreve, quem lê e o que se escreve, sem deixar de atender aos requisitos: comunicação 
eficiente e aceitação social. Para isso, o colunista se apropria de palavras, expressões; 
construções do registro coloquial sem sair do registro formal. 
Um dos recursos utilizados pelo colunista é o uso do estrangeirismo, que imprime às 
colunas uma identificação com outras culturas, que são tomadas como modelos para 
comportamento social, vestuário e culinária (francês) e de status econômico (inglês). O uso de 
termos estrangeiros é sempre recorrente na coluna, mesmo havendo equivalentes em 
português. Este estatuto de universalidade encontra-se também no rosto estampado nas 
colunas: os mesmos rostos do Rio ou São Paulo podem ser vistos em Londres ou Paris. 
Outra característica de apelo ao leitor: uso de superlativos com a abundância do 
sufixo “érrimo” e “issimo”. Ex. chiquérrimos, queridíssima. Também se observa o uso de 
figuras de linguagem com pouco grau de inovação. A pontuação é um recurso bastante 
utilizado: as reticências são usadas entre as notas, recurso ambíguo porque de acordo com a 
interpretação que o leitor faça pode indicar elementos referenciais ou sugestão de idéias. O 
travessão separa expressões e orações intercaladas, responsáveis pelos comentários e 
sugestões do colunista sobre o que informa. Interjeição que valem por toda uma frase, são 
comentários que tem um papel metalingüístico, pois versam sobre o próprio texto. 
Como características das colunas sociais, temos: o detalhamento, as minúcias nas 
descrições, que são elementos ligados aos elementos referenciais. 
O trabalho gráfico na escrita das colunas procura representar a oralidade, seja por 
repetição de grafemas e uso de maiúscula (caixa alta) para a indicação de intensidade, seja 
pela pontuação excessiva. A repetição de grafemas marca a intensidade do sentido e a longa 
duração da pronúncia, o próprio sentido de extensão. Os hífens marcam os passos e a 
entonação da oralidade. Os pontos de exclamação e interjeição repetidos reforçam a expressão 
das falas. A reprodução do discurso direto possibilita um tom de conversa aos comentários 
que são feitos. Emergindo interlocutores a quem é dada voz, a coluna faz brotar diferentes 
discursos. 
A metalinguagem aparece com a discussão do valor aspectual no emprego do tempo 
verbal (presente do indicativo) é indício de permanência. Cabe assinalar o lado humorístico 
do texto: na coluna, há largo usode ironia, deboche e jogos semânticos. A pontuação é muito 
explorada em benefício do tom de deboche: as orações terminam por pontos de exclamação 
 42 
ou interrogação e os termos utilizados buscam resgatar expressividade, ironizando e 
satirizando, como quem se admira e debocha daquilo que estar relatando. 
O espaço ocupado pela coluna exige um trabalho de diagramação. As colunas ocupam 
posições bem destacadas, de uma e meia página no caderno do jornal. Ganha destaque o nome 
do colunista que a assina e lhe dá nome. Cabe assinalar que também colaboradores assinam as 
colunas, muitas vezes mais de um por coluna, esse fato parece ser comum nos jornais em que 
vários profissionais atuam sob a supervisão de um editor chefe. 
A neologia é ponto de destaque, notadamente na coluna do Sued, quer pela sintaxe 
com composição e derivação de novos vocábulos, quer pela semântica. 
É comum, na coluna, a utilização de abreviações, abundâncias de onomatopéias, 
presença de gírias, recorrente uso de perguntas retóricas e outros recursos que visam 
estabelecer interlocução com o leitor. 
A dialogicidade presente no texto da coluna social permite entendê-la como uma 
transmutação do gênero oral da fofoca, que, ao migrar para o texto escrito do jornal, mantém 
as suas características. 
Kapferer (1993) ressalta que, mesmo com o aparecimento da imprensa, em seguida o 
rádio e finalmente a explosão audiovisual, a fofoca não desapareceu, pois o público continua a 
buscar informações valendo-se do ouvi-dizer. A emergência das mídias, longe de suprimir a 
fofoca, contribuiu para torná-la mais especializada. 
 Seguindo as orientações de G.M. Young, ao sugerir que os textos deveriam ser lidos 
até que se pudesse “ouvir as pessoas conversando” (apud, Obelkevich, 1997, p. 43), a 
intenção foi ouvir a voz por trás do texto da coluna. Recomendação enfatizada por W. Ong 
(1998), ao situar o texto escrito como continuidade da oralidade; mesmo que a imprensa 
tenha, inicialmente, tentado eliminar os filtros, ainda permanecem ruídos que parasitam a 
comunicação. Assim, passamos a entender o texto da coluna como originalmente oral, um 
gênero de fofoca e boato que, ao migrar para o texto escrito do jornalismo, mantém as suas 
características. 
Segundo Kapferer (1993), o ouvi-dizer (bouche-à-oreille) desde os tempos pré-
históricos é um meio de comunicação nas sociedades. O boato veiculava as informações, fazia 
e desfazia as reputações, precipitava os motins ou as guerras. 
Sob este aspecto, a fofoca pode ser entendida como uma manifestação cultural que 
marca um determinado espaço e tempo da vida social. Na fofoca, pois, surgem e se processam 
as expressões culturais, situações e relações cotidianas que vão projetando e instituindo o 
mundo cultural, como também evidencia-se um espaço onde ocorre a luta pelo poder. Com 
 43 
suas informações ambíguas, ela legitima a vida cotidiana em suas relações informais e 
espontâneas. 
1.3 - AS COLUNAS DO JORNAL O GLOBO 
 
O jornal O Globo, fundado em 1925 por Irineu Marinho, atualmente faz parte das 
Organizações Globo, que incluem a Rede Globo de Televisão, considerada uma das maiores 
redes de televisão do país. Ideologicamente, tal jornal é tido como conservador, tendo apoiado 
em 1964 o golpe militar que derrubou o regime constitucional. 
No entanto foi em 1970 que se pôde verificar o boom, resultante do modelo de 
desenvolvimento adotado pelos militares, que vai ajudar a definir os grandes oligopólios da 
comunicação, alavancados com os recursos do governo, principal anunciante dos meios de 
comunicação. Bahia (1990) vê esse período como fundamental para a modernização dos 
jornais. Será esse o caso do O Globo, que adotou novas técnicas a partir de favorecimentos 
governamentais. No período, alguns jornais eram beneficiados e outros eram submetidos e 
asfixiados pela censura prévia, como é o caso do semanário Opinião. Este estava entre as 
tantas publicações brasileiras atingidas pela censura prévia, imposta inicialmente no seu 
oitavo número impresso em 1972 e cuja intensidade aumentou, com prisões, ameaças, 
apreensões de edições, processos judiciais, pressões econômicas e lançamento de uma bomba 
na redação, até levar a direção do jornal, em 1977, a suspender a sua circulação. 
Caminho diferente de O Globo, que começou a modernizar a sua produção no ano de 
1972, tornando-a melhor e mais econômica. Para isso, trocou a impressão letterpress, feita em 
chapas de chumbo e em baixo relevo, pela impressão offset, que funcionava com um carimbo, 
formado por uma chapa fina. A modernização vai situar o jornal como o mais lido no Rio de 
Janeiro, superando o seu maior concorrente, o Jornal do Brasil, e igualmente como o segundo 
mais lido do Brasil, sendo superado apenas pela Folha de S. Paulo. 
Neste período já havia se consolidado a profissionalização da atividade jornalística e a 
transformação dos jornais em empresas comerciais, processo iniciado na década de 60. 
Segundo Abreu (1996), foi na década de 60, que os jornais passaram a deter um considerável 
poder econômico, sendo possível a introdução de inovações técnicas, gráficas e editoriais. 
 44 
Pesquisas de opinião realizadas trimestralmente pela Marplan
3
 indicam que ocorre 
pouca variação na vendagem desse jornal, que chega a perfazer uma média de um exemplar 
para cada três pessoas. A pesquisa informa, também, que os leitores de O Globo, em sua 
maioria, pertencem às classes A e B, definidas como aquelas formadas por famílias com renda 
a partir de R$ 1.278,00 ou mais. Quanto ao sexo, a pesquisa indica que o público leitor é 
constituído em sua maioria por mulheres, sendo a faixa etária entre os 20 e 29 anos, e no 
tocante à escolaridade, a maioria dos leitores tem nível superior. 
O Globo ainda hoje é considerado um dos jornais brasileiros mais relevantes por se 
aproximar de uma idéia de veículo nacional, em virtude de seu alto índice de penetração. 
Fazem parte dessa classificação, de acordo com Werthein (1979), também os jornais O Estado 
de S Paulo, Folha de S.Paulo e o Jornal do Brasil. 
A publicação das colunas sociais de Ibrahim Sued e de Carlos Swann, nos anos de 
1987 e parte de 1988 – período de instalação e funcionamento da Assembléia Nacional 
Constituinte – é significativa, haja vista a existência simultânea de duas colunas no mesmo 
jornal, utilizando a mesma língua, os mesmos temas, a mesma estrutura composicional e, 
estando submetidas aos mesmos padrões jornalísticos, marcam os seus textos com poucas 
diferenças. Entretanto, em sua especificidade, pouco visível, mas hegemônica, apresentam um 
diálogo contextual com uma totalidade de sentido. 
Nos fios discursivos desse diálogo, um conjunto de formas simbólicas expressam a 
distinção de uma elite, bem como o conflito que existe entre seus membros. No texto da 
coluna, essa elite justifica sua existência e administra suas ações em termos de um conjunto 
de estórias, cerimônias, insígnias, formalidades e pertences. É o que Geertz (1983) considera 
como antropomorfização do poder, que torna o caráter simbólico da dominação, impossível 
de ser ignorado. 
Nesse diálogo, segundo Bakhtin, são executadas pelo menos três vozes: “a do autor 
enquanto imagem, a do seu destinatário e aquelas que ressoam no discurso e que se representa 
independentemente de seu autor e que não é possível projetar nele ou no seu interior” 
(Bakhtin: 1981, p.82). 
 
3
 Fundada no Brasil em 1958, a Marplan é reconhecida como uma das mais respeitadas empresa de pesquisa do 
país, integrou-se à Ipsos em 2001, passando a constituir a área especializada em estudos de hábitos de mídia e 
consumo. 
 
 45 
Observando essa tríade, o colunista é aquele que dá visibilidade a essa elite, e a 
coluna, o espaço demarcado com os sinais rituais da dominação, ou seja, “o mundo que o 
mundo deve imitar” (Geertz: 1983, p.201). O destinatárioé a recepção de assimilação dessas 
virtudes. 
Cabe lembrar Goffman (2008) e seu estudo sobre o comportamento humano em 
sociedade; ele observa que, quando um indivíduo desempenha um papel social, solicita de 
seus observadores que levem a sério a impressão sustentada perante eles. Pede-lhes que 
acreditem que o personagem que veem no momento possui os atributos que aparenta possuir, 
que o papel que representa terá as consequências implicitamente pretendidas por ele e que, de 
modo geral, as coisas são o que parecem ser. 
Goffman (2008) afirma que, quando um indivíduo se apresenta diante dos outros, seu 
desempenho tenderá a incorporar e exemplificar os valores oficialmente reconhecidos pela 
sociedade, muito mais do que o comportamento individual. Tal representação reafirma os 
valores morais da comunidade: 
 
Existe uma idealização dos estratos superiores e uma certa aspiração, por parte dos que 
ocupam posições inferiores, de ascender às mais elevadas, isto implica na representação de 
desempenhos adequados e que os esforços para subir e para evitar descer exprimem-se em 
sacrifícios feitos para a manutenção da fachada. Uma vez obtido o equipamento 
conveniente de sinais e adquirida a familiaridade na sua manipulação, este equipamento 
pode ser usado para embelezar e iluminar com estilo social favorável as representações 
diárias do indivíduo. (Goffman: 2008, p..41) 
 
A constatação de duas colunas no mesmo jornal e no mesmo contexto pode levar a um 
entendimento de que uma objetiva a representação de uma elite socialmente mais enraizada, 
exemplo da coluna de Ibrahim Sued; a outra, a coluna do Swan, com tons sutilmente 
variáveis, autoriza recepções inéditas, o que permite uma pluralidade de apropriações, 
portanto cria novos públicos e novos usos. Os dois exemplos levam a considerar as 
diferenciações culturais, não como a tradução de divisões estáticas e imóveis, mas como 
efeito de processos dinâmicos. 
Nos anos analisados (1987-1988) constatamos a variedade temática e a maior 
frequência dos assuntos de cunho: político, econômico, cultural, notícias internacionais, 
constituinte, social, cidade, esporte, religião e saúde. 
Ao comparar os temas que aproximavam e distanciavam as duas colunas, foi possível 
perceber que, no ano de 1987, predominava um maior índice de notas de cunho social. Elas se 
 46 
aproximam quando versam sobre economia, notícias internacionais, constituinte, esporte e 
religião. Entretanto elas se distanciam no que tange o aspecto político, ou cultural, ou trata da 
cidade e da saúde. 
Apesar de as colunas privilegiarem o enfoque social, é visível uma maior quantidade 
de notas sobre a temática social na coluna de Sued, comparativamente à de Swann. Verifica-
se um distanciamento entre as duas quando o tema é a cidade. Isto pode ser explicado pelo 
fato de que Sued dá destaque ao Rio de Janeiro, para ele, sede da elite. 
No ano de 1988, algumas modificações vão ser perceptíveis, como o fato de que a 
notícia política, ou seja, aquele acontecimento noticiável (escândalo, conflito, incerteza e 
proeminência de algum político) decresce na coluna de Sued, sendo sobrepujado pelas 
notícias sociais. Por outro lado, nessa coluna ocorre um aumento naquelas notícias 
decorrentes das atividades realizadas pelos congressistas no interior das comissões e 
subcomissões. Entrementes, na coluna de Swann, aumenta o índice de notas referentes ao 
aspecto político e diminui o enfoque social. Quanto aos temas que abordam cidade, esporte, 
religião e saúde, as duas colunas se aproximam. 
A insistência da mesma temática nas duas colunas evidencia o caráter ideológico do 
discurso, entendido como lugar de elaboração e de difusão de ideologia. Essa lição, aprendida 
com Bakhtin (1992), sublinha que a sobrevivência das duas colunas no mesmo contexto 
histórico atesta aproximação e distanciamento. A aproximação se revela pelo espaço de 
expressão de padrões ideais; por outro lado, também evidencia uma luta oculta entre uma elite 
tradicional e uma outra nascente. Nesse entendimento, a coluna do Sued poderia ser 
enquadrada no denominado colunismo clássico, aquele que dava ênfase aos expoentes do high 
society; a de Swann representava um tipo de colunismo surgindo, segundo Ramos (1994), 
durante a censura prévia da imprensa, que fez migrarem as notícias políticas para o espaço 
menos vigiado da coluna social. 
Cabe agora observar os elementos que compõem o enunciado em cada uma das 
colunas. 
 
1.3.1. A COLUNA DE SUED 
Ibrahim Sued foi um dos principais colunistas da época. Filho de imigrantes árabes, 
ele começou sua carreira em 1946, como repórter fotográfico. Ficou famoso ao cobrir a visita 
ao Brasil do general Dwight Eisenhower, comandante das tropas aliadas, vencedoras da 
Segunda Guerra Mundial, e futuro presidente dos Estados Unidos. Sued fotografou o 
cumprimento de Otávio Mangabeira, que parecia beijar a mão do general. Essa fotografia 
 47 
gerou muita polêmica, porque, de certa forma, retratava a submissão do país à política 
capitalista americana. 
Em sua primeira coluna, “Zum-Zum”, nascida nos anos 50 e publicada no jornal A 
Vanguarda, ele retratava a vida social do Rio de Janeiro, os hábitos, comportamentos e modas 
da elite brasileira, principalmente a carioca. Em 1954, a coluna passou a ocupar as páginas do 
jornal O Globo, onde ficou até o seu falecimento, em 1995. Tornou-se um dos mais 
conhecidos colunistas sociais. Considerado “pai do colunismo no Brasil”, Ibrahim Sued criou 
uma escola de jornalismo e influenciou vários jornalistas. Para Travancas (2001), Sued foi o 
fundador de um tipo novo de colunismo, informativo e opinativo, uma vez que ele não se 
detinha apenas na cobertura de festas e eventos da alta sociedade, mas privilegiava a 
informação e a opinião sobre os fatos políticos e sociais. 
A coluna de Sued no jornal O Globo mantinha uma estrutura e periodicidade fixas. Os 
temas mais frequentes tratavam de política e políticos, empresários e socialites, notícias 
internacionais e locais, boates, restaurantes, desfiles, moda, comportamento, viagens, festas, 
cultura, astros, economia, saúde, esporte, etiqueta social. O texto escrito era ancorado por 
fotos, charges e caricaturas. 
O espaço ocupado pelo colunista Ibrahim Sued era denominado Jornal do Ibrahim 
Sued, e ocupava meia página do Segundo Caderno. A coluna apresentava seis notas e uma 
minicoluna com notícias diversas; o texto imagético era formado de uma a quatro fotos, como 
podemos ver no fac-símile a seguir: 
 
 
 48 
Fac-simile da coluna de Ibrahim Sued com a sua variedade temática 
 49 
O colunismo de Sued possuía um estilo próprio, mais voltado para o relato dos 
políticos em eventos sociais e era, inclusive, produtor de gírias, como ademã que eu vou em 
frente, que ganhavam as ruas depois de serem destiladas e acrescidas de novas acepções; o de 
Swann era mais infringente, com seu tom zombeteiro. As duas se aproximando na evidência 
dos valores e dos antagonismos do contexto. 
Era comum encontrar na sua coluna normas de comportamento em sociedade, que iam 
desde as indicações de como organizar uma recepção até receber os convidados. Este tipo de 
informação era dirigido exclusivamente para a mulher e o discurso está ancorado em temas 
como felicidade, saúde e beleza. 
A fama de sua coluna relacionava-se ao uso da informação e da criatividade: lançou 
personagens, modismos, mesclou notas mundanas com informação sobre política e economia, 
encabeçou campanhas beneficentes, inventou bailes e festas, elegeu as dez mais belas 
mulheres, as dez mais elegantes anfitriãs da sociedade carioca, popularizou expressões e 
termos como “ademã”, “de leve”, “eu chego lá”, “os cães ladram e a caravana passa”, “olho 
vivo porque cavalo não desce escada” e tantas outras. Além das notícias locais e nacionais, a 
coluna do Ibrahim destacava assuntos concernentes aos astros e estrelas internacionais.A preocupação com a cortesia, predominante na coluna de Sued, não é 
contemporânea, ela aparece desde a Idade Média e se define como gênero na cultura 
ocidental, com a Renascença, como bem observa Burke (1997), ao analisar O Cortesão, de 
Castiglione. Nessa obra, ocorre uma discussão sobre o cortesão perfeito, e explicita-se o modo 
de adquirir a perfeição com o domínio do corpo, aparência, posturas e gestos. 
Tal tema também foi estudado por Elias (1994;1995). No Processo Civilizador, Elias 
associa o processo de civilização ao avanço da interdependência condicionada pelo grau de 
divisão de trabalho na sociedade, já que isto contribuiu para o surgimento de novos 
agrupamentos sociais que passaram a concorrer com um grupo já estabelecido anteriormente. 
Em A Sociedade de Corte, Elias analisa a formação da corte absolutista, oriunda da 
transformação dos guerreiros em cortesãos, ou seja, de uma nobreza belicosa a uma nobreza 
domada, com emoções abrandadas, uma nobreza de corte, em que quanto maior a 
dependência ao rei, mas alto o seu prestígio social. 
Também Burke (1991), no estudo sobre a formação das elites em Veneza e 
Amsterdam no século XVII, recompõe o universo de uma elite com hábitos de vida aliados ao 
comércio, ou seja, na origem do capitalismo. Nessa obra, Burke apresenta elementos que 
auxiliam a pensar a respeito das noções básicas de elite, poder e riqueza. 
 50 
Como colunista de renome, Sued tinha autonomia para vasculhar a vida alheia e obter 
dados de relevância política ou relacionados com a economia do país. Sua coluna era 
respeitada pelo fato de ser uma espécie de criptograma, onde grandes lances eram antecipados 
e somente entendidos por seus destinatários. Ele atuava como jornalista, opinando sobre os 
principais fatos políticos do país e do mundo. Essa exposição de idéias e juízos de valor 
acerca dos acontecimentos ganhava aspectos de espontaneidade e dissipava a objetividade do 
texto jornalístico. Com seus textos curtos, que tinham uma finalidade informativa de 
entretenimento, trabalhava sobre idéias e deduzia quais seriam as consequências ideológicas e 
culturais dos acontecimentos. 
Sued tinha consciência da capacidade de penetração da própria coluna em diferentes 
meios sociais. O perfil de Sued enquadra-se naquele jornalista identificado por Patrick 
Champagne (apud, Rebelo: 2002) como o profissional que procura a notícia e as informações 
“quentes” e completas com uma maior rapidez. Sued participava os fatos ocorridos na 
privacidade dos políticos e nas salas palacianas. A narrativa era alimentada em seu convívio 
direto com os acontecimentos do país e do mundo. Tudo isso não apenas lhe proporcionou ser 
o porta-voz dessa elite, como o tornou testemunha das circunstâncias históricas. 
Por essa razão, a coluna de Sued parece cristalizar conceitos particulares de um 
determinado tempo e segmento social. As constantes abordagens de eventos, reuniões sociais 
e festas que giravam principalmente em torno de uma elite e o detalhamento excessivo dos 
eventos, acrescido de valorações, desvelavam a representação de uma elite nacional. Mas não 
apenas o estilo de vida dessas pessoas podia ser evidenciado; as citações que estruturam o 
texto das notas de sua coluna guardam a memória de tal grupo social. 
Os relatos dos banquetes que aliavam quantidade e refinamento era mérito de alguns 
poucos bem-nascidos, sempre sujeitos com nomes e sobrenomes precedidos de títulos 
expressivos de sua distinção social. Geralmente, o enfoque era na elite nacional e 
internacional, mas nem sempre esse grupo era constituído pelas mesmas personagens, já que 
existia uma dinâmica. A mobilidade era um fator essencial nessa dinâmica; as intrigas, rixas e 
negociações funcionavam como instrumento de busca de contato, e a forma dessa elite 
permanecer unida. 
Eles se confrontavam e se assimilavam, e nesse processo de continuidade e 
deslocamento, iam-se configurando como um grupo no qual os membros estão ligados uns 
aos outros, em múltiplas relações e estratégias de competição e cooperação para obtenção e 
manutenção do poder. Eram tais estratégias de competição e/ou cooperação que definiam o 
 51 
pertencimento do grupo. O consentimento da publicidade de sua privacidade, pela coluna 
social, fazia parte da visibilidade e da legitimidade sociais. 
Os eventos narrados pela coluna social do Sued eram um resquício das notícias 
publicadas pelo jornal El País, do Segundo Reinado, que mantinha em suas páginas uma 
seção intitulada “notícias sociais”, dedicada aos acontecimentos da corte. Tanto que os relatos 
da coluna de Sued apareciam como um ritual cerimonioso que ia desde a descrição da estética 
da mesa, os vinhos apropriados para determinado prato, o comportamento à mesa ou em 
sociedade, até o modo de vestir do anfitrião e dos convidados. Contemplava-se mesmo a 
disposição dos copos e dos talheres que, seguindo a orientação francesa, devem ser virados 
para a toalha, de modo a apresentar o brasão ou as iniciais dos hosts. O comportamento à 
mesa exigia do convidado uma postura corporal e um ritual de escolha do talher correto, 
incluindo a distinção do alimento que devia ser comido com as mãos. Essa percepção da 
coluna social como porta-voz da elite, nos moldes da nobreza do antigo regime, é confirmada 
por José Mauro ao lembrar que, até o início do século XX, o jornal era escrito em português, 
mas a crônica social em francês (apud, Erbolato, 1981, p.39). 
Na nota da sua coluna, Sued comenta: “a aparência deve privilegiar o bom gosto e a 
elegância, sem esquecer a maquiagem apropriada e o emocionar-se evitando tensões”. Isso é 
indicativo do cuidado com a conduta. Sued alerta para a omissão do nosso caráter mundano: a 
não permissão de paixões que possam lembrar os hábitos animais de um grupo socialmente 
projetado para ser superior. 
Nietzsche (1998) ao buscar a origem da idéia e juízos sobre o “bom”, afirma que 
“foram os “bons”, isto é os nobres poderosos, superiores em posição e pensamento que 
sentiram e estabeleceram a si e a seus atos como bons, em oposição a tudo que era baixo, de 
pensamento baixo e vulgar, isto é plebeu”. Para Nietzsche, desse pathos da distância é que 
eles tomaram para si o direito de criar valores, e de cunhar nomes para os valores que lhes 
importavam por sua utilidade. Este pathos da nobreza e da distância é a origem de um 
sentimento global de uma elevada estirpe senhorial, em sua relação com uma estirpe baixa, 
com um “sob”. É aqui, segundo Nietzsche, que se localiza a oposição entre “bom” e “ruim”. 
No cardápio desta elite: boeuf a l`Etuvée à la Chinoise, boeuf à la Bourguignonne, 
canard aux olives, canard à l`Orange, ragoût de lapin au vin. Eis algumas denominações, 
dentro do arsenal vocabular da coluna, que indicavam o predomínio da culinária francesa; 
com raras exceções, apareciam pratos da cozinha tradicional brasileira. Possivelmente, o 
domínio dos sinais de distinção pelo colunista seja a razão para o sucesso de sua coluna; essa 
elite via em seus conselhos os sinais de uma representação confiável. 
 52 
Algumas notas do colunista pareciam dirigir-se em especial às mulheres. Nelas, ele 
enfatizava normas de comportamento em sociedade: como ser um bom aluno, de que forma 
uma mulher deveria se comportar nos restaurantes, nas compras, no cinema, e como escolher 
um bom vinho, fazer um assado e falar ao telefone. 
 Os sinais do texto da coluna podem registrar a maneira pela qual os indivíduos 
produzem o mundo social, por meio de suas alianças e seus confrontos, das dependências que 
os ligam ou dos conflitos que os opõem. Nesse sentido, a linguagem passa a ser investida de 
significações plurais e móveis, construídas na negociação entre uma proposição e uma 
recepção, no encontro entre as formas e motivos que lhes dão sua estrutura e as competências 
ou expectativas dos públicos que delas se apoderam. 
E por mais que se queira fixaro sentido e enunciar a interpretação correta do 
interlocutor, ele inventa, distorce e produz em uma esfera específica, em um campo que tem 
suas regras, suas convenções, suas hierarquias; as palavras se evadem e ganham sentido, 
peregrinando na longa duração, através do mundo social. 
Aqui está a importância da fofoca com a função de fazer comparação entre a pessoa de 
quem se fala e algum ponto de referência social, tais como as normas sociais ou a perspectiva 
e o comportamento dos falantes. Aqui cabe uma referência à teoria da comparação social 
desenvolvida por Festinger (1954), que acreditava que as pessoas têm um desejo fundamental 
de avaliar suas opiniões e habilidades e que elas preferem avaliar-se conforme o que ele 
chama de “testes da realidade objetiva, ou critérios sólidos”. Entretanto, o autor observa que 
quando os testes de realidade não estão à mão, os indivíduos precisam recorrer uns aos outros 
para obter informações. Para o autor, a comparação social é motivada não apenas pela 
necessidade de aperfeiçoamento pessoal, mas também para reclamar uma identidade social. 
Sarah e Salovery (2008), em sua análise de uma descrição social comparada da fofoca, 
consideram seis tipos de comparações: com os semelhantes, com os menos afortunados, com 
os mais afortunados, com os membros do grupo, com pessoas de fora do grupo, com 
entidades imaginárias e na comparação emocional. Vale a pena tratar de cada uma delas. 
Segundo Sarah e Salovery (2008), a comparação com os semelhantes ocorre, 
principalmente, com os amigos íntimos, com quem, possivelmente, compartilhamos os 
mesmos valores e atitudes. O objetivo dessa comparação é obter informações para validar 
opiniões ou medir habilidades. A fofoca é o meio para avaliar se o comportamento 
corresponde à expectativa social. Segundos os autores, as instâncias de transgressão moral 
que são discutidas na fofoca servem de moduladores de princípios morais, ou seja, eles 
 53 
servem como auto-avaliação porque dão sustentação exterior a nossos próprios pontos de 
vista. 
Já a comparação social para baixo, conforme os autores, é aquela realizada com o 
intuito de autopromoção. A fofoca, nesse caso, é o meio ideal para promover a si mesmo. 
Sarah e Salovery (2008) observam o fluir de emoções, como o orgulho, para quem se 
promove, e o desprezo, para o que é comparado. Essa modalidade envolve não apenas a 
comparação consigo mesmo mas também com o conceito que o falante tem de regras sociais. 
A comparação social para cima também é abordada pelos autores: ela ocorre quando 
as pessoas estão interessadas em melhorar a si mesmas – envolver pessoas consideradas 
superiores é fundamental para adquirir informações na comparação feita consigo mesmas. 
Isso quer dizer que a comparação social para cima está mais comumente ligada a esforços de 
melhoria pessoal e da própria posição social. 
Em contrapartida, a comparação interna e externa ao grupo, de acordo com os autores, 
é feita para estabelecer uma identidade social. Segundo a teoria da identidade social de Hogg 
(2000, apud Sarah e Salovery: 2008), o sentimento de pertença a um grupo leva os indivíduos 
a se sentirem melhor sobre si mesmos e menos incertos sobre o mundo. A filiação em 
determinados grupos é que estabelece a identidade social e a construção da alteridade, ou seja, 
o eu que pertence a um grupo e o outro que é o diferente. Por conseguinte, a fofoca é 
fundamental para identificar quem pertence e quem não pertence ao grupo. 
Há ainda a modalidade denominada “social construída”, aquela estabelecida com 
pessoas imaginárias ou entidades sociais. Ela representa uma projeção de qualidades ou 
conjuntos de tendências as quais se deseja imaginar pertencentes a outras pessoas. Aqui, a 
fofoca tem a função de comparar aquele que é seu alvo com o comportamento perfeito da 
encarnação imaginária das normas. Esta é uma maneira pelas quais as normas sociais podem 
ser transmitidas e mantidas. O resultado da comparação social feita com entidades imaginadas 
ou socialmente construídas é que os comparadores têm um panorama menos acurado do 
mundo, mas sentem suas opiniões e habilidades validadas (Goethals, 1986, apud, Sarah e 
Salovery, 2008). 
Finalmente, Sarah e Salovery tratam da última comparação, a emocional. Esse tipo de 
comparação ocorre quando a pessoa se sente ameaçada e procura outras pessoas em situação 
semelhante. Segundo Schacter (1959: apud Sarah e Salovery,2008), esse comportamento 
afiliador pode ser uma necessidade de comparação emocional para entender melhor os 
próprios sentimentos ou uma situação. Destarte, a fofoca é um ponto de apoio como fonte de 
informação de comparação emocional durante tempos incertos ou ansiosos. 
 54 
Em suas conclusões Sarah e Salovery (2008) afirmam que a fofoca se origina da 
comparação social. É ela que provê os indivíduos de informações úteis e necessárias para se 
autoavaliar e reclamar uma identidade social. Assim, para os autores, as pessoas fofocam para 
se sentirem socialmente conectadas, para não se sentirem isoladas, sem aliados e sem um 
grupo ao qual pertencer. 
Nessa perspectiva, a coluna social é um espaço institucionalizado de fofoca necessário 
para o funcionamento do corpo social, e a fofoca, um fenômeno que se apresenta promissor 
para estudos de processos inter e extragrupais. 
Tal visão pode ser referendada por Bird e Dardenne (apud, Traquina, 1993), que, ao 
procurarem entender a relação do jornalista com a notícia, identificam uma base mítica da 
organização da realidade a partir da experiência sensível, composta de diversas experiências, 
narrativas e relatos, que vão se reunindo, até compor um mito geral. Para eles, essas mesmas 
características são identificadas também na notícia. Da mesma forma que uma das funções do 
mito é delinear as fronteiras do comportamento aceitável, só tendo significado ao contar os 
temas e os valores culturais – que só existem se forem comunicados – isso também transcende 
a função tradicional da notícia de informar e explicar, contribuindo igualmente para um 
sistema simbólico que recria o sentido de segurança da sociedade. 
Com base nesses autores, a notícia pode ser entendida como um discurso que se 
apresenta semioticamente constituído por uma variedade de sistemas de significações que, em 
sua maior parte, remete de forma direta à realidade, ou como um dos múltiplos textos 
culturais nos quais se realiza a cultura. 
Reforça essa visão Carey (apud, Manoff, 1986), ao identificar uma matriz mitológica 
que caracteriza a produção jornalística como manutenção e criação mítica. O jornalista, ao 
narrar os acontecimentos, está na verdade utilizando valores culturalmente embutidos, 
retirando-os da cultura e reapresentando-os a ela. Também Darnton (apud, Traquinas, 1993), 
observa que, nas comunidades tribais, o mito oferecia a abolição do tempo transcorrido pelo 
reencontro com a origem, pelo retorno do atual ao antes do tempo. O mesmo acontece com a 
notícia de jornal, onde os acontecimentos ocorridos em uma sociedade particular são 
recontados por meio da mesma história. Robert Darnton chegou a tal conclusão ao descobrir 
que a notícia que escrevia sobre o roubo de uma bicicleta já tinha sido contada antes em outro 
contexto. 
 
1.3.2 - A COLUNA DE SWANN 
 55 
A coluna de Swann, nos anos de 1987/88, era formada por meia página, com 22,5 cm, 
localizada no Segundo Caderno, denominado Grande Rio, ocupando invariavelmente as 
páginas 6, 7, 8, 9, 10, 11 ou 12; com cerca de dezesseis colunas por dia. As notas eram bem 
menores que as de Sued e havia um espaço denominado Zona Franca, com mininotícias; 
apresentava também fotos e caricaturas. A coluna apresentava cerca de seis fotos e uma 
ilustração de segunda a sábado, e três fotos e uma ilustração, aos domingos, como podemos 
ver no fac-símile à página 58. 
Um dos seus principais titulares foi Ricardo Boechat. Contam que ele inicioucomo 
repórter aos dezessete anos de idade, no antigo Diário de Notícias, em 1970, mesmo sem ter 
concluído o correspondente ao atual ensino médio. Em 1971 passou a trabalhar com Ibrahim 
Sued, interrompendo essa relação em 1983, quando assumiu a Coluna do Swann, no jornal O 
Globo. Dela foi titular por 18 anos e em 1997 passou a dar o seu próprio nome à coluna. 
No período mencionado, Boechat havia assumido a Secretaria de Comunicação Social 
do governador Moreira Franco (1987/89), passando a assinar a coluna de Swann diversos 
jornalistas, sendo o mais frequente Fred Suter, considerado o braço direito do Zózimo
4
. Após 
um rompimento entre eles, Suter passou a assinar uma coluna no Jornal do Brasil e, em 
seguida, a coluna do Swann em O Globo. Por essa coluna passaram vários colunistas. Entre 
seus titulares figuram Ancelmo Góis, Dora Kramer, Elio Gaspari, Marcelo Pontes, Marcos Sá 
Corrêa, Maurício Dias, Paulo Fona, Walter Fontoura, Zózimo, Ricardo Boechat e Fred Suter. 
Esses colunistas deram o tom da coluna social de Carlos Swann, do jornal O Globo, 
caracterizada por um estilo que exigia do leitor “os olhos entreabertos da sutileza”, nas 
palavras de Elio Gaspari. O tom geral da coluna era pautado na ironia. A seguinte frase da 
coluna ilustra bem o que se propunha: “O problema de Brasília é o tráfico de influência, 
enquanto o do Rio é a influência do tráfico” (FILHO, 2000). 
Nos anos de 1987/88, a distribuição temática apresentava-se da seguinte forma: 4409 
notas políticas, 1415 sobre economia, 3855 sociais, 409 relacionadas à cidade, 2201 a respeito 
de eventos culturais, 963 notícias internacionais, 233 sobre esporte, 61 notas sobre religião, 
 
4
 Jornalista brasileiro, (...) considerado um dos modernizadores do colunismo social brasileiro, um estilo carioca, 
bem-humorado e mordaz de dar notícias. Entrou para a profissão no Jornal do Brasil (1963) e, depois, assumiu a 
coluna Carlos Swann (1965). Aos poucos construiu um novo estilo, que além de trazer os acontecimentos 
sociais, passou a inserir também notícias exclusivas, particularmente de política e economia. Durante o Regime 
Militar foi preso duas vezes por curtos períodos por causa de notas envolvendo militares. No Jornal do Brasil, 
onde trabalhou cerca de 25 anos, foi também coordenador de colunas e editor do Caderno B. Passou para O 
Globo (1993), no qual passou a assinar a coluna Zózimo.(...). Esse colunista carioca fez escola no jornalismo 
brasileiro, com suas notas diárias cheias de humor sutil e elegância. (disponível em 
http://www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_1611.html, acesso, 24/10/2010) 
 
http://www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_1611.html
 56 
162 sobre saúde e as notas especificamente sobre a Assembléia Nacional Constituinte 
totalizam 237 nos dois anos. Observa-se que nela havia uma ênfase nos temas relacionados à 
política (706), no ano de 1987 e (709) no ano de 1988. Esses dados, somados às notas da 
Constituinte (122 no ano de 1987 e 115 no ano de 1988), ultrapassam a temática social (1485 
no ano de 1987 e 2370 no ano de 1988). 
Das 13.945 notas analisadas, nos anos de 1987 e 1988, a maior parte focalizam o 
cotidiano dos homens políticos; seguido por aquelas que abordavam o homem em sua 
convivência com o outro; em terceiro lugar, a temática eram os assuntos culturais que 
versavam sobre exposição e apresentação de artistas; em quarto lugar, os assuntos 
econômicos; depois notícias internacionais, uma pequena proporção de notas sobre a cidade, 
sobre esporte, constituinte e saúde. 
Nota-se que a presença de pessoas identificadas com as altas rodas da high society é 
menos representativa, atingindo o percentual de 55% das notas, enquanto os temas sobre a 
política e os políticos somam 61% das notas publicadas. Isso quer dizer que a cobertura do 
mundo político é expressiva na coluna de Carlos Swann. 
Na cobertura dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte havia uma hierarquia 
para a publicação de notas, privilegiavam-se os parlamentares que ocupavam cargos dentro do 
Congresso Nacional (presidência do Senado ou da Câmara); os líderes de governo ou 
partidários; os que eram citados pelos seus pares; os que estavam envolvidos em algum 
escândalo ou àquele candidato a algum cargo eletivo. Isto indicava que havia uma ênfase nas 
ações individuais dos congressistas e que as críticas nominais apareciam veladas em notas que 
tinham um tom pejorativo, envolvendo os políticos e os fatos relacionados aos bastidores da 
Assembléia Constituinte. Também indicava que, apesar dessa coluna dar uma maior ênfase ao 
político, ainda era um espaço de fofoca e intriga, e de invasão da privacidade dos políticos. 
Exemplo disso é a nota da coluna do dia 25 de junho de 1987: 
 
Mesas separadas 
Não convidem mais para a mesma mesa o Deputado Helio Costa e o Ouvidor-Geral da 
República, Fernando César Mesquita. As deferências especiais com que o Presidente 
Sarney tem cumulado ultimamente o Deputado do PMDB despertaram ciúmes do futuro 
Governador de Fernando de Noronha. Depois de trocarem farpas, um não quer mais ouvir o 
nome do outro. 
 
Entretanto, ainda eram a fofoca e a intriga que constituíam os elementos básicos da 
coluna social. Thompson (2008, p. 129) chama os furos de bastidores de fenômeno do 
 57 
vazamento, conceituado pelo autor como uma falha no esforço de administrar a relação entre 
a região frontal e o comportamento de fundo, ou seja, uma revelação intencional de 
informação por alguém de dentro que decide tornar público algo que sabe reservado para a 
região de fundo. Na coluna, o acesso aos bastidores confere credibilidade e a legitima como 
uma forma de poder, capaz de produzir efeitos reais, sem gasto aparente de energia (Bourdieu, 
1977). 
A ênfase dada pelo colunista ao que acontece nos bastidores da política chega a cobrir 
melhor a notícia do que todo o resto da imprensa. O Legislativo, palco de decisões vitais para 
o dia a dia dos brasileiros, só recebe a cobertura em determinados momentos de interesse 
direto dos meios de comunicação. O que caracteriza a coluna é o fato de ela ter abastecido o 
resto da mídia com revelações importantes, fato já observado por Ramos (1994). Por isso o 
colunista depende, acima de tudo, de contatos, como comprova Joyce Pascowitch, ao afirmar 
que 
 
para fazer uma boa coluna não é preciso circular tanto e sim estar atento aos movimentos 
do mundo, da cidade, das pessoas. De 90% a 95% das informações que eu dou, são 
garimpadas por telefone. É muito raro alguém me entregar de bandeja. Só uma única vez 
um furo caiu no meu colo. O resto foi batalha. (in Gonçalves, 1999). 
 
São freqüentes, na coluna, os furos: notícias exclusivas que o colunista publica 
resumidamente para que, no dia seguinte, pelo menos alguns jornais desenvolvam o assunto 
em reportagens detalhadas, como, por exemplo, a nota da coluna do dia 25 de janeiro de 1987, 
que antecipou a nomeação do Ministro Raphael de Almeida Magalhães para a Chefia do 
Gabinete Civil. 
Essa possibilidade de constantes furos jornalísticos explica-se pela fofoca; muitas 
vezes, o colunista divulga a informação sem verificar a sua veracidade. Para Ramos (1994), 
isso possibilita uma “proliferação descontrolada dos balões de ensaio, das maldades e das 
intrigas, formando uma malha jornalística tão frouxamente trançada, que por ela escapam com 
excessiva facilidade a ética e a aproximação da verdade”. Assim, evidencia-se o limite pouco 
nítido entre um boato, fofoca ou intriga, da informação verídica no noticiário das colunas. 
Mas isso é possível porque o colunista não está submetido à regra elementar da 
produção da notícia: o respeito ao fato e a identificação da fonte. Como a coluna é 
pessoalmente assinada, muitas vezes o discurso do colunista é excessivamente adjetivado e o 
 58 
personalismo é exacerbado, refletindo interesses, gostosou compromissos pessoais. Esses 
elementos contaminam o texto da coluna e lhe dá uma coloração de fofoca. 
Assim, é possível perceber, tanto na coluna de Sued como na de Swann, respeitando as 
suas nuances, a semente de histórias chamativas de ligações secretas envolvendo 
proeminentes políticos. 
A especificidade de cada coluna pode ser atribuída ao enfoque temático, enquanto na 
coluna de Sued a ênfase é para as notícias sobre a high society: casamentos de nobres 
linhagens, enlaces de fortunas notórias ou personalidades do mundo político oficial; em 
Swann o foco são os políticos e as atividades dos parlamentares. 
 59 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fac-simile da página de O Globo, na qual era publicada a coluna de Swann 
 60 
O tom valorativo presente nas duas colunas pode permitir entendê-las como parte da 
teia cultural que, expressa em seu texto, imprime na palavra um sentido vivencial. Isso nos 
leva a pensá-las como um espelho do cotidiano e como construtoras de sentidos, já que elas 
não só refletiam o sistema cultural, como também lhes davam corpo. A idéia do jornalismo 
como fruto do sistema cultural foi enfocado por Colombo (1998), ao reconhecer a existência 
de um jornalismo nacional que se distingue pela tradição, pela cultura, pelas técnicas, pelos 
métodos de trabalho, e não apenas pela língua. 
As pequenas nuances entre as duas não residem apenas no conteúdo das notícias, mas 
na forma de representação e nas convenções da narrativa empregada, deixando transparecer as 
formas divergentes de representação da vida nacional. Nesse sentido, é possível afirmar que a 
coluna do Sued vinculava-se ao universo dos políticos e da alta sociedade formada durante o 
regime militar, e a de Swann apontava para um novo cenário que estava sendo montando a 
partir da elaboração de uma nova constituição. Possivelmente, essa seja uma prática do jornal 
visando “agradar gregos e bárbaros”. 
Nessa perspectiva, cada colunista converte o discurso do outro, em seu próprio 
discurso: ambos constituem um discurso social. A apreensão do discurso social torna-se mais 
visível na coluna social porque no período analisado, o interesse dos jornais pela Assembléia 
Constituinte privilegiava os fatos relacionados à votação no plenário, uma vez que os 
trabalhos das subcomissões tinham o caráter provisório, exigindo votação futura. Já a coluna 
social dava maior ênfase ao que ocorria nos bastidores do Congresso e ao que acontecia nas 
comissões e subcomissões. 
As amostras das duas colunas quanto à abordagem política ilustram o fato já 
observado de que ambas não se encontram exclusivamente voltadas para a futilidade fidalga 
da elite. Ao contrário, evidencia-se nelas, também, a importância do momento histórico por 
que passava o país. De acordo com pesquisa realizada pelo Departamento de Sociologia e 
Política da PUC/RJ (Jorge, 2000), o período de elaboração da Constituinte foi o ponto áureo 
de atenção da imprensa, visto que foi um momento em que o Congresso Nacional se fortalecia 
politicamente, primeiro porque recuperou atribuições que o regime militar havia retirado, e 
depois porque também ganhou outras atribuições que jamais havia tido. 
Assim, a coluna social torna-se um espaço discursivo complexo e permeado de 
historicidades construídas e disputadas, lugar de deslocamentos, interferência e interação, em 
que interagem e se digladiam dois grupos sociais: um grupo representativo de uma elite de 
longa data e outro representado por aqueles que ascenderam ao poder com as mudanças 
ocorridas no Brasil na década de 80. O primeiro grupo ironizava e procurava estigmatizar o 
 61 
novo grupo como pessoas de menor valor humano. Considerava-se que lhe faltava a virtude 
humana superior, virtude que o grupo anterior atribuía a si mesmo. 
No Brasil, o período compreendido entre 1985 e 1990, conhecido como Nova 
República, é caracterizado por transições: democrática, política, econômica e social. Nas 
colunas sociais do jornal O Globo, pode-se observar o movimento de migração do grupo que 
ascende ao poder, formado por alguns políticos até então excluídos e novos ricos que 
procuram assimilar as virtudes do grupo anterior, que os levariam a pensar a si mesmos como 
humanamente superiores. 
Isto não quer dizer que a nossa análise esteja pautada numa oposição binária (elite e 
não elite), mas no entendimento do discurso da coluna social como um processo permanente 
de construção e reconstrução do lugar, do passado, da cultura, cujo papel ativo é 
desempenhado pelos atores sociais. Nesse sentido, a coluna social é capaz de revelar o 
processo de mudanças que obriga a reler o passado e o presente e a readaptar significados. 
Esses processos são em si mesmos elementos culturais dinâmicos, cujos protagonistas não 
poderão ser considerados sujeitos passivos do sistema cultural do qual fazem parte. 
Para entender melhor, cabe aqui a recorrência a Elias e à idéia de configuração social. 
 
Se quatro pessoas se sentarem à volta de uma mesa e jogarem cartas, formam uma 
configuração. As suas ações são interdependentes. Neste caso, ainda é possível curvarmo-
nos perante a tradição e falarmos do jogo como se este tivesse uma existência própria. É 
possível dizer “o jogo hoje à noite está muito lento”. Porém, apesar de todas as expressões 
que tendem a objetivá-lo, neste caso o decurso tomado pelo jogo será obviamente o 
resultado das ações de um grupo e indivíduos interdependentes. Mostramos que o decurso 
do jogo é relativamente autônomo de cada um dos jogadores individuais, dado que todos os 
jogadores têm aproximadamente a mesma força. Mas este decurso não tem substância, não 
tem ser, não tem uma existência independente dos jogadores, como poderia ser sugerido 
pelo termo “jogo”. Nem o jogo é uma idéia ou um “tipo ideal”, construído por um 
observador sociológico através da consideração do comportamento individual de cada um 
dos jogadores, da abstração das características particulares que os vários jogadores têm em 
comum e da dedução que destas se faz de um padrão regular de comportamento individual. 
(Elias, 1987, p.18) 
 
A idéia do jogo como um sistema de interdependência complexo, metáfora utilizada 
por Elias para pensar relacionalmente os grupos humanos, indica que entram no processo de 
configuração e reconfiguração social as experiências, as adaptações, as reconstruções e a 
 62 
imaginação dos grupos que interagem e conflitam. Nesse processo, alguns elementos são 
incorporados e outros rechaçados. 
Sob este prisma, o que parece ser uma ruptura entre o que é considerado tradicional e 
o que é atual não pode ser encarado como conceitos estáticos, mas na perspectiva de que um 
existe por força da existência do outro. Tal fato é perceptível pelo constante retorno ao 
anterior como manifestação do atual. As suas fronteiras não são demarcadas e não supõe 
totalidades culturais independentes, mas sim sistemas que vão se constituindo e passam a 
integrar novas relações a partir de deslocamentos de um e de outro. 
No Brasil, o processo de reconfiguração social é visível na década de 80 com a 
transição democrática, o impacto da morte do Presidente Tancredo Neves, a crise econômica 
da década e a instalação da Assembléia Nacional Constituinte. 
Para os dois grupos que disputavam o poder de elite o momento é de insegurança, o 
mesmo clima que era vivenciado em todo o país com a crise econômica, a recessão, o 
desemprego, a inflação e o desgaste dos salários, bem como a sucessão de planos econômicos 
e ministros. Isto afetava a auto-imagem desta elite social que se via como pessoas melhores e 
dotadas de virtudes. Apesar dos conflitos entre os dois grupos, eles compartilhavam a crença 
em virtudes comuns e ausentes nos demais. 
Pode-se notar, na coluna de Sued, o seu saudosismo e preferência pelo Rio de Janeiro 
como espaço da corte, que é evidenciadopela sua repulsa, ainda nos anos 60, pela mudança 
da capital para Brasília. Os habitantes da nova capital eram apresentados como homens feitos 
para o trabalho braçal e sem vocação para a vida social. Como afirmava Ibrahim: “o Rio será 
sempre o Rio. Mesmo porque Brasília não tem a menor condição de funcionar como sede da 
capital da República. A verdade é que, por enquanto, só oficialmente Brasília será a capital. 
Mas oficiosamente (não há alternativa) será o nosso querido Rio”. (Sued, coluna do dia 21 de 
abril e 1960.) 
Aqui sobressai a visão do novo como alteridade não reconhecida. Nessa oposição 
entre o eu e o outro, o outro é o estranho, ou seja: aquele que trabalha. O eu considera o labor 
vulgar e assume os ares aristocráticos da desenvoltura e do capricho A predeterminada 
superioridade do grupo ancorava a crença de que nem mesmo valesse a pena dar visibilidade a 
algo invisível. A imagem negativa dos trabalhadores de Brasília era o inverso da imagem 
positiva que esse grupo mantinha de si mesmo. 
Isto quer dizer que os comentários depreciativos emitidos por esse grupo de elite se 
tornam, ao mesmo tempo, elogios que costumam restringir-se ao próprio indivíduo ou aos 
grupos com que ele se identifica. As notícias sobre as pessoas publicamente conhecidas 
 63 
traziam fama para o próprio indivíduo e seu grupo. De um lado, o discurso torna visíveis os 
valores daqueles que detinham o poder e que agiam como guardiões da imagem do grupo e 
das atitudes aprovadas, num processo dialético de exclusão e inclusão. 
Por outro lado, para o grupo que ascendia socialmente, o discurso da coluna era a 
bússola que orientava a identificação de pertencimento a essa elite social, retirando-o da 
marginalidade, entendida com a mesma noção de homem marginal, desenvolvida por Everett 
Stonequist da Escola de Chicago
5
. Para ele, a marginalidade não deve ser definida apenas em 
termos étnicos ou raciais. A personalidade marginal é encontrada quando um indivíduo se vê 
involuntariamente iniciado em duas ou várias tradições históricas, lingüísticas, políticas ou 
religiosas, ou em vários códigos morais. 
Para esse grupo em ascensão as suas atitudes correspondiam ainda ao antigo tipo de 
organização social a que estava habituado, quando sua nova posição social já não 
correspondia a essa organização social. Os seus membros deixam de ter marcos que os 
possam guiar e normas sociais em que possam confiar. 
A coluna social funcionava como um difusor de normas e crenças. Possivelmente era 
para esse grupo que Ibrahim Sued se dirigia ao afirmar em entrevista a um semanário carioca, 
no dia 26 de junho de 1969, que a maior contribuição da coluna social para o Brasil foi elevar 
a educação do povo (vestir e comer bem). Em suas palavras, “alimentar a sofisticação e o 
supérfluo, sem os quais a vida não vale nada”. 
Os banquetes, através da estrutura e do ritual, narrados pela coluna social, remetem à 
memória o fato de que o ato de comer não é um ato solitário ou autônomo do ser humano. 
Neles estão a origem da socialização. Apesar da prática de comer junto, partilhando a comida, 
ser comum entre os homens e os animais, a diferença é que a comensabilidade humana atribui 
sentidos aos atos da partilha e eles se alteram com o tempo. 
É possível observar que ao longo das épocas e regiões, diferentes culturas humanas 
encaram a alimentação como um ato revestido de conteúdos simbólicos. Cabe lembrar que os 
significados desses conteúdos não são interpretados pelas culturas que o praticam, mas sim 
cumprido como um preceito inquestionável. 
 
5
 Por Escola de Chicago costuma-se designar um conjunto de trabalhos de pesquisa sociológica realizados, entre 
1915 e 1940, por professores e estudantes da Universidade de Chicago. A característica principal dessa escola é 
ter iniciado um processo que aborda os estudos em antropologia urbana, em que o “outro” torna-se o “próximo”. 
Tendo no meio urbano seu foco de análise principal, a Escola desencadeia os estudos relacionados ao 
surgimento de favelas, a proliferação do crime e da violência, e ao aumento populacional das grandes cidades. 
 
 64 
Elias (1998), ao acompanhar as mudanças dos processos sociais no ocidente, elege o 
ritual à mesa como indicador de que a partir do século XVI o conceito medieval de boas 
maneiras – “cortesia”, praticado pelos nobres na corte, começa a ser designado “civilidade”, 
expressão que abrange todo um novo sistema de propriedade corporal, aplicado não apenas à 
elite, mas a todos os cidadãos. Segundo Elias, a mudança social decorre do fato de que as 
cadeias de interdependência modificaram-se, visto que as antigas formações sociais são 
solapadas por uma nova e as diferentes formações sociais dão origem a uma nova estrutura de 
mentalidade. 
Para confirmar sua tese Elias (1998) analisa a Corte de Versalhes, no século XVII, 
quando a nobreza, que até então dependera da força, da fanfarronice e do vigor e violência 
pessoal para deixar sua marca, teve que se adaptar a uma outra maneira de agir pautada na 
cautela, observação, astúcia e no disfarce dos objetivos e das paixões. Estas novas maneiras, 
tanto as regras formais de protocolo e precedência como as regras não faladas, eram o 
termômetro para indicar quem era superior a quem. 
À medida que a burguesia galgava o poder, sentia necessidade de se apropriar destes 
códigos. Não é de se estranhar a proliferação de manuais que instruíam sobre a maneira de se 
comportar nos melhores círculos. São vários os manuais, dos quais podem ser destacados: O 
Cortesão, de Baldassare Castiglione, publicado na Itália em 1528, O Galateo Espanhol, de 
Lucas Gracián Dantisco, publicado na Espanha em 1585, O discreto e Oráculo Manual e Arte 
da Prudência, ambos do jesuíta Baltazar Gracián, publicados na Espanha em 1646 e 1647, 
respectivamente. 
O Cortesão, de Castiglione, é uma obra em forma de diálogo que se passa no Palácio 
de Urbino, no ano de 1507. A obra é constituída de quatro partes, as quais, em conjunto, 
pretendem definir quais características, em relação a comportamentos, discursos e aparência, 
deveria possuir o homem ideal. Burke (1997), ao analisar a obra, observa que o livro alcançou 
grande repercussão dentro e fora da Itália e transformou-se em uma espécie de centro do 
universo moral. 
Entretanto, estas regras não são estáticas, elas vão se modificando quando surgem 
novos conceitos que mais se adaptem ao momento. Assim, O Cortesão de Castiglione é 
substituído pelo O Galateo Espanhol, um tratado destinado a um público amplo e genérico, 
extrapolando o universo da corte de Castiglione. Em analise da obra, Hansen (In Novaes, 
1996), observa que ele encampa uma concepção maior do ser humano, considerando não 
apenas as questões levantadas por Castiglione, como o vestuário, gestos, assuntos, adequação, 
equilíbrio e mediania, mas também aquelas relativas às virtudes e vícios de caráter. Gracián 
 65 
Dantisco condena as atitudes de soberba, vaidade e prolixidade, considerando o homem 
interior não apenas como o reflexo daquilo que mostra seu exterior. 
Seguindo as mudanças da época, O Galateo Espanhol vai caracterizar um período em 
que a graça passa a ser substituída pela prudência como atributo fundamental para o convívio 
social. Na mesma tendência também estão os livros de Baltazar Gracián, dentre eles O 
Discreto, de 1646 e Oráculo Manual e Arte da Prudência, de 1647. Neste momento, a 
exigência era de um homem astuto, prudente e agudo. Estes elementos, somados às práticas 
corporais exteriores, fazem com que o indivíduo possa transitar com menos dificuldades e 
ingenuidade no ambiente que o cerca. Segundo Hansen (In Adauto, 1996), Gracián retoma os 
restritivos modelos de discrição propostos pelos manuais do século XVI e amplia suas 
proposições. Assim, ao decoro, espontaneidade estudada, urbanidade, disciplina, tranqüilidadede animo e controle de si mesmo, ele agrega qualidades como a inteligência, astúcia, 
engenhosidade, prudência, agudeza e capacidade de dissimular honestamente. 
Paralelamente às mudanças no comportamento, Visser (1998) observa que ocorriam 
também mudanças no que diz respeito aos talheres, pratos e a distribuição dos assentos. 
Mesmo aquelas atitudes antigas, como comer com os dedos e partilhar o vaso de beber, 
também envolviam boas maneiras. Elas só vão se tornar obsoletas com a introdução de novos 
utensílios, como o garfo, que vai exigir novos estilos de comportamento. 
Tais regras, contemporaneamente veiculadas pelas colunas sociais, quanto aos gostos, 
à maneira de falar e comportar-se, são aspectos de uma formação elitista de distanciamento e 
isolamento do restante da sociedade. Sua assimilação dava a sensação de pertencimento a um 
grupo social, onde as vias de acesso iam sendo bloqueadas, tornando-se cada vez mais difícil, 
para quem não nasceu ou nela viveu, desenvolver o estilo físico e mental pelo qual seus 
membros se distinguiam daqueles que a ela não tinham acesso e através do qual se 
reconheciam, pelos costumes, hábitos, formas de falar, vestir e movimentar. 
A prodigalidade festiva simboliza poder, a festa tem que ser dada com regularidade, 
como marca de poder e prestígio. Os banquetes, através da estrutura e do ritual, usam 
deliberadamente as poderosas conotações da comida, para traçar uma barreira em volta de si 
mesmos contra a intrusão dos impertinentes e vulgares, como nos lembra Visser (1998). 
É comum o aparecimento de um gênero risível com exemplos do comportamento mais 
grosseiro em torno da gula e da falta de cortesia. Visser (1998, p. 64) nos dá alguns destes 
exemplos de comportamento invertido: “deve-se gritar pela comida, abrir caminho à força até 
os pratos, agarrar os melhores pedaços, lamber a gordura dos dedos, arrotar, brigar aos socos 
com os demais convidados – e, se o nariz estiver escorrendo limpar o ranho com o cotovelo”. 
 66 
Os mexericos depreciativos globalizantes tinham a função vivificadora do sentimento 
de valor próprio à custa do valor do outro. Ver nota do dia 22 de abril de 1987: “Passou-se 
anteontem no Florentino, duas conhecidas socialites foram tomadas de irreprimível desejo de 
furtar. O objeto da cobiça era simplesmente um modestíssimo saleiro de mesa” (Ibrahim 
Sued, O Globo, 22 de abril de 1987). 
A notícia sobre o desrespeito às normas aceitas, cometido por pessoas anônimas, 
reforçava a comunhão dos virtuosos, assim a censura grupal imposta aos que infringiam as 
regras tinha uma vigorosa função integradora, porque reforçava os vínculos grupais já 
existentes. A repressão a determinadas condutas servia para sublinhar a superioridade 
exclusiva da conduta, dos valores e do estilo de vida dessa elite social, bem como a 
inferioridade do outro. 
A coluna de Sued torna-se um espaço de difusão de boas maneiras, de bem viver em 
sociedade. Para ele, “a vida é composta de uma série de cerimônias, para as quais existem 
normas sociais determinadas pela comunidade (...), pretendo transmitir uma filosofia de vida 
moderna que permita uma atuação apropriada a quem está interessado em aprimorar seu 
relacionamento social” (Sued, 1997). 
Para esse grupo em ascensão, a sensação é de inferiorização, aliada à necessidade 
urgente de se apropriar dos códigos da ideologia triunfante. Neste sentido, as gafes são 
provocadas pela tentativa de assimilação das normas sociais do grupo com o qual se deseja 
identificação. A passagem de tais códigos para os emergentes vai ocorrer na conjunção das 
duas culturas, elas vão se polinizar reciprocamente e vão ser revitalizadas; movem-se e 
ocultam-se. 
Ibrahim parece ser o arauto das mensagens da aristocracia, fornecendo uma imagem 
da mesma, que é a de quem não tem dúvida sobre o próprio papel de participante dessa 
aristocracia. Suas palavras demonstram a certeza de que suas orientações serão 
compartilhadas por alguém que necessita do outro para completar a visão de si mesmo e para 
assegurar a sua realidade. 
Assim, o discurso da coluna social se apresenta como constituindo um território de 
interlocução, em que se confrontam diferentes vozes. Tais vozes digladiam-se e cooperam 
uma com a outra em busca de poder, visibilidade, legitimidade social e reconhecimento. 
Já a coluna de Swann deu maior cobertura à política e aos trabalhos do Congresso 
Nacional (46%) do que a coluna do Sued (16%). Tais dados reforçam a tese de Ramos (1994) 
de que a coluna social passava por uma transformação, deixando de ser um espaço apenas 
destinado à cobertura da vida mundana da elite social, do qual Ibrahim Sued era o 
 67 
representante por excelência. Indicava também que a coluna social no jornal era um espaço de 
fofoca, fonte de notícias e de opiniões, de rumores, de fatos que correm paralelamente aos 
centros delegados do poder e proporciona a emergência de “estórias” (termo utilizado pelos 
jornalistas norte-americanos para referir-se simultaneamente a acontecimento e notícia) sobre 
a política nacional. A coluna do Sued do dia 14 de abril de 1987 reflete bem a maneira como 
o mesmo fato era abordado pelos dois colunistas: 
 
Aipim no coquetel 
No coquetel oferecido em Brasília pelo Presidente do Congresso do Peru, Armando 
Villanueva, causou surpresa um dos canapés oferecidos abundantemente na festa. Tratava-
se de aipim frito, servido no melhor estilo dos camarões que costumam circular nestas 
ocasiões: com uma vasilha de molho ao lado, onde o mesmo era mergulhado. Aos surpresos 
brasileiros, os anfitriões explicavam que isso é comum no Peru, ou seja, o aipim rola solto 
nas grandes recepções. No papo político Villanueva disse que o Peru levou 11 meses para 
preparar sua nova Constituição, considerando um desafio o prazo estabelecido pelos 
brasileiros (até 15 de novembro). 
 
Nessa nota a descrição do coquetel com a elevação de um item do cardápio 
considerado trivial na alimentação dos brasileiros elimina a gravidade do discurso sério em 
que o colunista oferece-se como testemunha dos acontecimentos que descreve. Ele dá a 
palavra ao Presidente do Congresso do Peru, ou seja, uma autoridade devidamente 
credenciada, que passa a ser o seu porta-voz para dirigir-se ao leitor e opinar sobre o prazo 
estabelecido para o término da Constituinte. O uso da fala do Presidente do Congresso de um 
outro país escamoteia a postura do colunista, de descrença nos trabalhos da Constituinte, e 
consequentemente a desqualificação discursiva. Tal estratégia enunciativa funciona como 
instância de legitimação. A transferência da responsabilidade do que é dito para o outro não 
exime a responsabilidade do colunista, os dois discursos estão imbricados porque o discurso 
do outro conserva, na sua integralidade, o discurso de quem o produziu. 
Na verdade, o que é expresso no discurso de Sued é o seu ponto de vista sobre a 
dificuldade do cumprimento dos prazos na elaboração da Constituição. O seu discurso é 
invertido e suprime a distância entre o texto sério elaborado pela Constituinte e a 
insignificância do aipim no coquetel. Com isso, é instaurado no texto um estado contraditório 
no discurso. 
Cremos que essa passagem está dentro da divisão que faz Dunbar (1996) sobre os 
rumores em técnicos e não técnicos. Nesse caso, seria o rumor não técnico definido como 
 68 
aquele que surge espontaneamente e reflete os temores, podendo atuar com um alerta social, 
um freio para descomprimir situações de crises ou conflitos. 
 No dia 15 de junho de 1987, a coluna de Swann publica texto tratando, também, do 
prazo de término do trabalho dos constituintes: 
 
Cálculos preliminares realizados pela mesa diretora do Congresso arriscam o palpite de que 
os parlamentares levarão de sete a oito dias para votar em plenário o texto da nova 
Constituição. Isso se ela tiver 500 artigos, como está prevendo o relator da Comissão deSistematização, Deputado Bernardo Cabral. E, principalmente, se o sistema de votação 
eletrônica estiver funcionando a contento. 
 
O mesmo discurso na coluna de Swann é relativizado, a dificuldade do cumprimento 
do prazo é qualificada com o excesso de trabalho e a falta de uma infra-estrutura a contento. 
Nas duas notas, os colunistas recorrem, para consumar a notícia, à estrutura da 
pirâmide invertida – modalidade jornalística para designar a narrativa que começa por reunir o 
máximo de informações e de significados até se chegar à conclusão. 
A diferença entre os dois discursos está no tom determinado pela atitude do colunista. 
Encontramos aqui a entonação, expressão utilizada por Bakhtin para compreender como nos 
aproximamos das palavras. Para exemplificar, Bakhtin (1995: p.133) nos remete ao exemplo 
retirado do Diário de um Escritor, de Dostoievski, quando seis operários emitem o mesmo 
palavrão com diferentes tonalidades e se fazem compreender mutuamente, visto que, para o 
autor, a significação não está nem na palavra nem na alma do falante ou do interlocutor. Ela é 
o efeito da interação do locutor e do receptor produzido no espaço social, num processo de 
compreensão ativa e responsiva. Em duas passagens do texto de Bakhtin, fica melhor 
explicitada a questão: 
 
Toda palavra usada na fala real possui não apenas tema e significação no sentido objetivo, 
de conteúdo, desses termos, mas também um acento de valor ou apreciativo, isto é, quando 
um conteúdo objetivo é expresso (dito ou escrito) pela fala viva, ele é sempre acompanhado 
por um acento apreciativo determinado. Sem o acento apreciativo, não há palavra. (Bakhtin, 
1995, p. 132) 
(...) 
As seis falas dos operários são todas diferentes, apesar do fato de todas consistirem de uma 
mesma e única palavra. Essa palavra, de fato, só constitui um suporte da entonação. A 
conversa é conduzida por meio de entoações que exprimem as apreciações dos 
interlocutores. Essas apreciações, assim como as entoações correspondentes, são 
 69 
inteiramente determinadas pela situação social imediata em cujo quadro se desenvolve a 
conversa. (Bakhtin, 1995, p. 134) 
 
Dessa forma, os dois discursos dos colunistas sobre o mesmo tema carregam uma 
orientação valorativa que vai determinar a seleção das palavras. Elas vêm marcadas pelos 
significados que historicamente vão absorvendo e que nelas vão-se impregnando. Ambos 
recorrem, para consumar a notícia, à autoridade política ou científica, que dá ao discurso um 
encadeamento lógico, mas permeado de sentimento, preconceitos e estereótipos. 
As agitações ocorridas nas ruas do Rio de Janeiro no início de julho de 1987 
igualmente repercutiram na coluna de Sued do dia 5 de julho de 1987. 
 
Cenário de confusão 
Do alto de sua vivência, o senador Roberto Campos, primeiro-ministro do Planejamento 
dos governos da Revolução, analisa com cautela e apreensão o ocorrido no Rio. “Estamos 
numa situação perigosamente próxima à vivida pelo Brasil em 1963”. Segundo o 
parlamentar, para piorar as coisas, a Constituinte, que poderia funcionar como uma válvula 
de escape, para aliviar o cenário, não vem cumprindo o seu papel. “Pelo contrário, em 
muitos casos aumenta a frustração”. Fazendo uma alusão ao filme de Polanski, “Bebê de 
Rosemary”, onde uma donzela é engravidada pelo diabo, Campos arremata: “Constituinte, 
com a inseminação da esquerda, não gerou um pequeno satã, mas um monstrengo 
mongolóide”. 
 
No texto, constata-se uma polarização entre esquerda e direita, em que a esquerda está 
vinculada ao comunista, mostrado como uma aberração humana, e a direita, associada à 
ordem. O colunista, nesse caso, assume um discurso panfletário, como conceituado por 
Rebelo (2002): 
 
O panfletário reage perante o que se lhe afigura como sendo um escândalo, como uma 
impostura. Anima-o o sentimento de defender uma evidência que, por razões para si 
incompreensíveis, não pode partilhar. Anima-o o sentimento de, embora na posse da 
verdade, da verdade única, insofismável, estar reduzido ao silêncio por causa de um incrível 
e de um generalizado absurdo. Lança um olhar simultaneamente incrédulo e indignado 
sobre o mundo que o rodeia (Rebelo, 2002, p.149). 
 
O mesmo acontecimento é abordado pela coluna de Swann no dia 02 de julho de 1987, 
da seguinte forma: “De um telespectador atônito, assistindo às cenas de saque a uma livraria 
do Centro, anteontem, pela TV: - Isso é o que se pode chamar de fome de cultura”. 
 70 
No caso de Swann, o discurso assume um ar satírico, que exemplifica o que Rebelo 
(2002, p.149) considera “um olhar divertido, displicente, sobre uma realidade na qual, 
ostensivamente, o satírico não se reconhece”. O tom irônico utilizando pelo colunista a partir 
da assimilação do discurso do outro, descaracteriza a seriedade do evento, favorecendo a 
ironia e deslocando o discurso enobrecido da cultura que vira fome. A diferença entre os dois 
colunistas é que, na polêmica, o confronto entre posições diversas permite o convencimento, 
enquanto, na sátira, a desqualificação não exige a argumentação para convencer, pois basta a 
exposição pelo ridículo. Neste caso, a alusão irônica é direta e pelo filtro da visão irônica é 
que a notícia é apresentada juntamente com o comentário. 
Esse caráter ideológico identificado nos discursos das colunas em que se confrontam 
pólos opostos que criam em seu interior choques e contradições, ilustram uma lição aprendida 
com Bakhtin (1995) sobre as relações entre linguagem e sociedade, e a idéia de que, nas 
palavras, defrontam-se valores sociais. 
Com esse entendimento, as duas colunas não transmitem apenas informações, mas um 
conceito particular de política encarnada na vida dessa sociedade, e os conflitos entre grupos 
sociais e políticos no país: de um lado os dirigentes oficiais das instituições administrativas, e 
do outro, o processo de debate político sobre a redemocratização do país e os personagens que 
dele participam. 
Isso não significa que o jornal como um todo não faça parte desse diálogo de vozes 
dissonantes. Ao cotejar as notas da coluna social com as demais notícias do jornal, observa-se 
que, nele, elas são mais coerentemente organizadas, pois a apresentação é temática e 
unificada, as notícias possuem um espaço para cada tema (política nacional e internacional, 
esporte, cultura, saúde etc.). Esses acontecimentos, publicados pelo jornal, são averiguados, as 
fontes identificadas e as razões conhecidas, ou seja, são contempladas questões que estão no 
âmago do discurso jornalístico da objetividade. 
Diferentemente, as notícias na coluna social são mais soltas, são notícias que tendem 
mais para a subjetividade, imbricadas numa complexa rede entre o fato e a interpretação; 
muitas vezes, são pautadas em falsas evidências e em aparentes testemunhas. Na verdade isto 
funciona como uma “faca de dois gumes”, pois pode ser uma via de acesso para um “furo”, ou 
seja, uma notícia não revelada, como também pode levar ao descrédito do colunista. Cabe 
lembrar o episódio ocorrido com Ricardo Boechat, quando afirma no dia 02 de março de 1999 
que, desde dezembro do ano anterior, o INSS ainda não havia concluído um só pedido de 
aposentadoria. Sendo obrigado a se retratar, o colunista publica, no dia 03/3/99, a concessão 
 71 
de 341 mil aposentadorias e benefícios concedidos pelo INSS, declarando que “os velhinhos 
que denunciaram a lentidão do órgão, neste caso, pisaram na bola”. 
Reafirma-se a idéia de que os dois colunistas, na condição de sujeitos inseridos na 
memória e na história, organizam o seu discurso no meio social que os envolve como 
indivíduos; por isso, em seus discursos, é possível apreender o contexto, bem como a 
memória social. Citem-se dois exemplos, um da coluna do Sued e outro da de Swann. 
Na coluna do Sued do dia 06 de fevereiro de 1987 a notícia aparece assim: “Já foram 
detectados os primeiros movimentos em Brasíliade lideranças do PT, da CUT, do PC do B e 
da “CNBB do B” visando exercer pressões em Brasília, a partir de março, contra uma 
Constituição conservadora. Vem muita marola por aí”. 
A coluna de Sued identifica o debate como manifestação dos grupos de esquerda, que 
se escondem por trás dos partidos políticos PT e PC do B e de organizações como a CUT e a 
CNBB, designada pejorativamente pelo colunista como “CNBB do B”, nítida alusão ao papel 
desempenhado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil na organização da pastoral 
dos direitos humanos, no apoio ao Movimento contra o Custo de Vida e, em algumas 
dioceses, na formação das Comunidades Eclesiais de Base, na solidariedade prestada às 
famílias dos presos políticos e na denúncia da violação dos direitos humanos que se sucediam 
no DOI-CODI. A introdução do comentário realça a tonalidade oral e indica que o discurso 
foi expresso diretamente pelo colunista, mas o fato de ser focalizado nas palavras dele não 
significa dizer que é individual. Ele conduz outros discursos, frutos de uma única história e 
como parte de uma ordem moral. 
Por outro lado, lemos na Coluna do Swann, intitulada Plantão, dia 17 de julho de 
1987: “O deputado Luiz Inácio Lula da Silva deverá ser o primeiro a discursar sobre o 
anteprojeto da Constituição, abrindo assim o período de 30 dias de discussão da matéria em 
plenário. Lula amanheceu na fila de inscrição para garantir o privilégio”. 
Nessa coluna, o fato é apresentado como uma inevitabilidade do processo para os 
destinos do país. A utilização individual do político para indicar que fazer parte dele é um 
privilégio indica que o homem que está falando é a imagem de sua própria linguagem. 
Diferentemente da nota de Sued, não existe nenhuma ameaça implícita no fato, ele é 
apresentado como especialmente importante para o debate dos novos rumos da nação. 
Os dois textos são construídos utilizando a estratégia da citação, que implica uma 
remissão do leitor noutra direção: um dado ou uma autoridade que procuram realçar diversas 
interpretações para o mesmo fato. Bakhtin chama a atenção sobre esse tipo de discurso e 
afirma que: “O discurso citado é o discurso no discurso, mas é ao mesmo tempo um discurso 
 72 
sobre o discurso, uma enunciação sobre a enunciação. Aquilo de que nós falamos é apenas o 
conteúdo do discurso, o tema das nossas palavras” (Bakhtin, 1981, p.161). 
Para o autor, o discurso direto tem uma dupla direção: ele é orientado para o seu 
objeto, como para o discurso do outro. Por mais pessoal que seja o discurso do colunista, ele 
está falando em nome de uma visão de mundo ou de um sistema de idéias que são absorvidos 
e transformados em outro discurso. 
Acerca do debate do sistema de governo que deveria ser adotado pelo Brasil e a 
possibilidade de implantação de uma monarquia, registre-se a coluna de Sued do dia 17 de 
agosto de 1987, com o título de Cristina com o rei: 
 
Cristina de Bourbon de Orléans e Bragança retornou este fim de semana, com suas filhas 
Ana e Paolo, de uma temporada de um mês e meio nas praias da Espanha. Cristina esteve 
no Palácio de Majorca hóspede de seu primo, o Rei Juan Carlos, na mesma época em que 
estiveram por lá Lady Di, o Príncipe Charles e filhos. 
 
Na nota, o colunista informa da temporada na Europa da família real brasileira como 
hóspede dos seus parentes da família real espanhola. O círculo de convivência dessa realeza é 
a família real inglesa. Com essas palavras, o colunista assume o discurso de seus personagens 
e deixa-os falar no seu próprio discurso, estabelecendo uma relação de identidade e 
interatividade com um tipo de elite da nação. 
Na coluna de Swann do dia 14 de setembro de 1987, sobre a mesma elite, a notícia 
aparece assim: 
 
D. Luiz de Orleans e Bragança, que se autoproclama Chefe da Casa Imperial do Brasil, está 
lançando sua candidatura a titular do Poder Moderador, ou seja, a Imperador do Brasil 
assim que vier a ser restaurada a Monarquia Parlamentar que está, segundo ele, sendo 
considerada pelos Constituintes em Brasília. Está distribuindo planfletos conclamando o 
povo a exigir um sistema de Governo que faça retornar a responsabilidade, a decência, o 
respeito ao cidadão e à sua família. Quer porque quer recolocar o Brasil nos eixos através 
de um sistema monárquico, parlamentar, democrático e federativo. 
 
Na coluna de Swann, a referência aos atos de D. Luiz de Orleans e Bragança se dá nos 
seguintes termos: 
Se autoproclama... 
Está lançando a sua candidatura... 
 73 
Titular a... 
Conclamando o povo... 
Quer recolocar o Brasil... 
 
A estratégia utilizada, ao aludir à ação e à fala da autoridade, faz com que o colunista 
controle a interpretação da notícia. Ao apagar o discurso de D. Luiz de Orleans e Bragança, 
Swann funde as duas falas e suas afirmações são incorporadas num único discurso. Nele 
encontramos aspectos invertidos na conduta do representante da família real: usar as mesmas 
táticas políticas (panfletagem) daqueles menos do que nobres operários grevistas do ABC 
paulista. 
No jornalismo, essa estratégia é chamada de apagamento, que ocorre quando o 
jornalista se utiliza não só da visão sobre a realidade fornecida pelas fontes, mas também das 
próprias expressões utilizadas por elas. Nesse processo, em determinados momentos, o 
colunista assume a perspectiva de enunciação, em outros assume como sua a enunciação. 
Os dois colunistas utilizam os mesmos recursos, que conferem legitimidade 
incontestável ao seu discurso, com a montagem do texto com citações de autoridades 
insuspeitas. O enfoque no mesmo fato confere ao seu texto uma característica de cópia um do 
outro, uma espécie de plágio, de repetição. 
Assemelha-se, também, nas duas colunas, a recorrência à iconografia. O uso das 
imagens na coluna de Sued acontece para referendar o texto escrito. Elas aparecem perto da 
nota, acompanhadas de um lead que as torna a própria notícia, e cada coluna vem ilustrada 
por duas a quatro imagens. Na coluna de Swann, as imagens que acompanham o texto escrito 
podem referendar o texto ou constituir um outro texto. O uso da charge e da caricatura pelas 
duas colunas compõe uma articulação entre a linguagem verbal e a visual. Elas são tão 
intensas quanto o texto escrito e a sua utilização configura uma estratégia para atrair a atenção 
do leitor e transmitir um posicionamento crítico sobre personagens e fatos políticos. As 
imagens hipertrofiadas e caricaturais da coluna, ao parodiar o texto escrito, instauram a 
comicidade. 
Rabacas & Barbosa (1978) definem caricatura como uma forma de arte que se 
expressa por meio do desenho, da pintura, da escultura, e cuja finalidade é o humor. De 
acordo com esses autores, são subdivisões da caricatura: a charge, o cartum, o desenho de 
humor e a própria caricatura. Na caricatura, conforme os autores, existe o que se costuma 
chamar de portraite-charge, ou seja, caricatura de pessoas; a charge é basicamente política; o 
cartum, com ou sem palavras, sempre transmite uma piada, e o desenho de humor concentra o 
 74 
humor no próprio traço. A charge, do francês charger (carregar, exagerar) é um tipo de 
cartum cujo objetivo é a crítica humorística de um fato ou acontecimento específico, em geral 
de natureza política. 
A charge é entendida por Discini (2003) como um corpo debochado, construído no 
enunciado e que remete ao modo de ser do ator da enunciação e igualmente à totalidade do 
discurso, cuja narratividade constitui um simulacro da realidade. A charge, a caricatura, o 
cartum ou o desenho de humor formam um discurso construído por dois textos que se 
apresentam na forma de um disjunção, de tal modo que um deles surge como a inversão 
jocosa, paródica, do outro. O resultado é uma alteração, ridícula ou risível, da visão de mundo 
habitual. 
Na coluna do Sued do dia 17 de julho de 1987, a caricatura de Casio, um dos 
cartunistas da coluna, apresenta Moreira Franco,Orestes Quércia, Newton Cardoso e o 
presidente José Sarney. O primeiro recurso é o gráfico, o detalhe fica por conta do texto 
escrito que afirma que os três políticos fecharam com Sarney. A linguagem cotidiana marcada 
(“fecharam com Sarney”) remete o leitor ao texto que se encontra acima da caricatura: 5 anos. 
Essas informações condensam a comunicação, convidando o leitor a entrar no universo 
discursivo. O contexto enseja o entendimento de que a caricatura comunica que Moreira 
Franco, Orestes Quércia e Newton Cardoso vão apoiar os cinco anos de mandato do 
presidente Sarney. O discurso do colunista imbrica-se com o discurso do caricaturista, 
desdobrando-se em outros discursos: o do Presidente, para a defesa de sua permanência no 
poder; os dos políticos, para justificar o apoio; o discurso dos que vão respaldar as 
negociações políticas para o fato; os dos outros políticos que não concordam com a 
prorrogação do mandato; o da oposição popular e outros que de forma incessante e 
permanente vão se dissolvendo e se recompondo. 
No exemplo a ser ressaltado, o discurso se constrói a partir do diálogo entre os dois 
textos do mesmo discurso ─ de um lado a seriedade e, de outro, a jocosidade. O riso fica por 
conta do deslocamento do discurso oficial político para o nível cômico da caricatura. 
Na coluna do Swann do dia 18 de julho de 1987, numa caricatura de Jimmy Scott, 
aparece a imagem do chanceler Abreu Sodré com um olhar assustado de quem falou demais: a 
mão na boca e uma taça de vinho na outra mão. Ao lado da imagem, o texto escrito, intitulado 
“Falando demais”. A imagem e o título são indícios de que o chanceler, após libação 
alcoólica, havia falado demais no discurso da posse do novo secretário de Administração do 
Itamaraty, Marcos César Naslausky, e a despedida de seu antecessor, o embaixador Marcos 
Azambuja. Nesse texto, o discurso está invertido, porque a atitude do chanceler Abreu Sodré é 
 75 
a mesma de uma pessoa comum. Tal inversão provoca o destronamento do sério e a intrusão 
do cômico, reunindo dois aspectos que parecem distintos. 
Essa duplicidade ocorre mesmo que a linguagem utilizada pelos colunistas procure 
cingir-se à versão do jornal e do público a que principalmente se dirige, e que o seu trabalho 
esteja inserido nas novas orientações introduzidas na prática do jornalismo no decorrer dos 
séculos XIX e XX. Apesar disso, fica no seu texto a marca da fofoca, do boato, de 
entretenimento com base em imagens caricaturais e jargões que incidem sobre o texto e 
apagam as fronteiras entre o sério e o cômico. Exemplo disso são as expressões criadas por 
Sued: “fica o registro, de leve, bola branca, linda de machucar, estas são as de hoje”. Jargões 
que carregavam a coluna de significação pessoal e eram repetidos nas ruas pelas pessoas. 
Cabe lembrar Bergmann (1993) ao explicitar a expressão “hora do cafezinho”, 
entendida como o momento explícito de fofocar, remontando à origem, no século XVIII, 
quando editores e autores se reuniam nas cafeterias, destinadas somente aos homens, para 
conversar e discutir “negócios”. Nesse espaço, a fofoca era irrestrita, não precisava ser 
mascarada, nem os fofoqueiros precisavam se preocupar com julgamento. A fofoca 
significava a verdadeira razão do encontro. 
Nesse aspecto, uma das prerrogativas da fofoca é estabelecer distinções entre os 
membros do grupo e os de fora; essa distinção repousa nas referências aos protótipos de 
membros e não membros. Assim, a fofoca intergrupal e a intragrupal podem estabelecer o 
prototípico do que é externo ao grupo, bem como do que é interno. 
Não obstante, o foco da coluna nas ações da elite (embora eventualmente se constitua 
como fofoca intergrupal) cria uma impressão de repetição eterna da sociedade como ordem 
social composta de movimento, mas não de inovação. Essa idéia é referendada por Ruge 
(apud. Traquina, 1993): 
 
As ações da elite são, pelo menos geralmente e na perspectiva a curto prazo, mais 
importantes do que as actividades dos outros: isto aplica-se tanto às nações de elite como às 
pessoas de elite. Além disso, como amplamente demonstrado pelas revistas populares 
existentes na maioria dos países, a elite pode ser utilizada, em certo sentido, para falar de 
toda a gente. (...). As pessoas de elite estão disponíveis não só para servir de objetos da 
identificação geral, mas também por causa da sua importância intrínseca. Assim, num 
sistema de comunicação noticioso centrado na elite, não se dá a hipótese às pessoas 
vulgares de se representarem a si próprias. Mutatis mutandis (Ruge, in Traquina, 1993, p. 
67). 
 
 76 
1.3.3 – O ESTILO NAS COLUNAS 
Pode parecer estranho ao leitor ler a mesma notícia nas duas colunas do mesmo jornal, 
até porque, sendo a coluna no jornal um dos espaços mais subjetivos, não significa dizer que 
ela não seguia as normas da escritura jornalística. Ambos seguem as mesmas normas, aceitas 
ao longo da história do jornalismo como adequadas ao fazer jornalístico. Entretanto, o que vai 
diferenciar o espaço da coluna dos demais espaços do jornal é que seus textos eram 
permeados de gírias, neologismos e palavras com significados metaforizados. Esses 
elementos serviam para dissimular a objetividade e torná-la mais subjetiva. Também 
possibilita ao colunista movimentar-se entre dois ou mais enunciadores, assim ele pode se 
posicionar ora de um ponto de vista, ora de outro. 
A objetividade aparece com freqüência nos textos do colunista como uma estratégia 
para proteger o jornalista dos riscos da profissão, que consistem nos possíveis erros da 
informação e nos constantes ataques críticos de outras pessoas. Tuchman (apud, Traquina, 
1993, p.74) observa que a objetividade não é privilégio da profissão dos jornalistas: é 
utilizada com outras conotações pelos cientistas sociais, médicos e advogados. No entanto, no 
jornalismo ela é um procedimento cotidiano para neutralizar potenciais críticos. Para o autor, 
a objetividade no jornalismo é uma “tática ofensiva destinada a prevenir o ataque ou a 
deflectir, do ponto de vista defensivo, as críticas”. 
Por ser a coluna social constituída de notas que implicam juízos de valor, as 
estratégias como citações de outras pessoas, apresentação de hipóteses alternativas e 
apresentação de opiniões contraditórias, usadas pelo colunista, servem para dissipar as 
pressões e assédios enfrentados pelos colunistas. Ao mesmo tempo, configuram a emersão de 
vozes díspares que soam no texto da coluna. Nesse sentido, “a citação consiste na articulação 
de dois discursos que põem, face a face, universos de discursos diferentes, articulados no 
interior de uma enunciação única, aquela do locutor que reproduz o enunciado de um outro 
locutor” (Mouillaud, 2002, p.122). Essa estratégia da citação funciona como um lembrete do 
status dos locutores investidos da autoridade do poder de dizer. Fazendo das fontes que cita 
referências, o jornal reproduz seu status. Assim, as vozes que o colunista reporta, são o seu 
ponto de vista e o álibi de sua própria voz. 
Para resguardar-se, o colunista apaga a noção de que seu discurso nada mais é do que 
a escolha de determinadas estratégia de expressão. No jornalismo, esse é o processo de 
denegação, em que se escolhe uma forma em detrimento de outra: algo é dito, recusando um 
não dito. Esse esquecimento é parte constitutiva da ação discursiva do colunista e confirma a 
 77 
noção de que todo discurso é o encontro de muitas vozes, não apenas de quem fala, mas 
também das que não falam. Esse ínterim é fundamental na formação dos sentidos. 
Em relação aos personagens a quem era dada visibilidade, na coluna do Swann, 
destacavam-se as personagens políticas, como o deputado Ulysses Guimarães e demais 
políticos vinculados ou que gravitavam em torno da Assembléia Nacional Constituinte. Na de 
Sued era o presidente Sarney e a elite política instituída (ministros, políticos locais, 
embaixadores,militares, governadores, etc.). Mesmo com a ênfase neste ou naquele político 
vinculado a uma determinada facção, era possível identificar a duplicidade do discurso, a 
exemplo do que acontece em uma nota de Sued denominada Crítica, do dia 24 de março de 
1987: 
 
O deputado Delfim Neto se mostrava um pouco mais tranqüilo esta semana em Brasília. 
Felizmente, na sua opinião, está sendo possível formar um bloco parlamentar centro-liberal 
dentro do Congresso. O deputado acha que isto é fundamental para se obter garantias para a 
livre iniciativa dentro da Nova Constituinte. Sobre a área de sua especialização, o ex-
Ministro admite que a economia brasileira está sendo completamente desorganizada. E 
lamenta muito por isso. 
 
A articulação do discurso do colunista está assegurada por meio da fala reportada do 
deputado Delfim Neto. Nesse caso, o discurso do colunista, ao entrelaçar-se com o discurso 
de Delfim Neto, conserva a pretensão que o colunista possuía em dizer a sua própria verdade. 
A ênfase no que é citado omite o que é dito pelo colunista, entretanto os dois discursos estão 
no mesmo nível. O que está sendo dito é que a política econômica em vigor na Nova 
República é diferente da do período anterior, o qual teve o economista Delfim Neto como 
principal articulador. Um outro discurso também se apresentava independentemente do 
colunista e do ministro, conforme a interpretação dada pelo leitor sobre a atuação do 
economista como ministro. 
Notícia com o mesmo título, mas com enunciado diferente, encontra-se na coluna de 
Swann, Críticas, do dia 1º de junho de 1988: 
 
Na palestra marcada para o próximo dia 6, na Escola Superior de Guerra, o Ministro 
Antônio Carlos Magalhães fará críticas veementes a alguns pontos aprovados na 
Constituinte no que se refere ao setor de telecomunicações. O Ministro promete deter-se, 
principalmente, na questão da manutenção da reserva de mercado para a informática, que, 
no seu entender, prejudicará o futuro das telecomunicações no País. 
 78 
 
Aqui, da mesma forma que a anterior, o colunista, por fazer das fontes que cita 
referências, mantém-se a distância e produz um efeito de legitimidade e autoridade do que é 
dito. A referência lembra o status do ministro, investido da autoridade de poder-dizer. Essa 
estratégia, segundo Mouillaud (2002, p.130), “submete os discursos efetivamente produzidos 
ao organograma da instituição social”. 
Nas notas, a defesa dos dois discursos ressalta a quebra da reserva de mercado, 
apontando para o que mais tarde se chamaria de política neoliberal adotado no país, pelo 
governo de Fernando Henrique Cardoso. Nelas, os dois colunistas procuram impor a sua 
verdade. As estratégias utilizadas pelos colunistas para produzir o efeito de real e a afirmação 
da verdade têm a mesma finalidade: produzir o real e produzir a verdade. 
Contudo, a verdade não é sentenciosa, ela é espalhada no texto e recai sobre a 
identidade dos leitores que o lêem. Logicamente que essas posições não são tomadas de forma 
consciente, mas são projetadas sobre a linguagem que revela a vida de que participam o 
colunista e diversas vozes que ressoam nesse drama. Elas podem ser identificadas a partir das 
marcas espalhadas pelo texto, e se materializam na própria formatação e posição da coluna no 
jornal, na legenda, na foto, na tipologia da letra, no número de vezes que a notícia é 
publicada, na palavra usada para designar o fato e na posição que tudo isso assume no texto. E 
principalmente no interior do próprio discurso do colunista, que divulga o que deseja afirmar 
como real. 
Em vista disso, o colunista, ao veicular os diversos discursos que constituem os 
acontecimentos, explicita um determinado contexto histórico produzido por sujeitos, por isso 
ser a coluna um texto que capta, transforma, produz e faz circular acontecimentos, 
interpretando e nomeando situação e sentimentos do presente. 
O colunista como sujeito social se manifesta inclusive na opção por este ou aquele 
fato. Quando Motta (2002, p.305) se propõe a investigar, diante de uma infinidade de eventos 
que ocorrem todos os dias, o que faz um evento se transformar em notícia, ele aponta dois 
critérios de noticiarismo como fundamentais: os atributos do fato em si e as circunstâncias e 
exigências do trabalho jornalístico. Porém, nas notícias de interesse humano, esses atributos 
são aplicados apenas de maneira relativa. 
Para Motta, notícias de interesse humano ou fait divers seriam mais subjetivas, em 
oposição às hard news, que tenderiam ao registro e à objetividade. No caso das notícias de 
interesse humano, o jornalista teria uma maior autonomia interpretativa e mesmo inventiva, 
porque, como essas notícias visam propositadamente entreter o leitor, a subjetividade é muito 
 79 
mais tolerada, e o jornalista, ao relatar tais fatos, cria, intervém no evento, destaca certos 
aspectos, detalha e omite intencionalmente outros. 
Na literatura acadêmica sobre o jornalismo, essa é a teoria da ação pessoal ou a teoria 
do gatekeeper. Nela, o processo de produção da informação é concebido como uma série de 
escolhas, onde o fluxo de notícias tem de passar por diversos gates ou portões, que são as 
áreas de decisão em relação às quais o jornalista tem de decidir se vai escolher esta ou aquela 
notícia. Para essa teoria, o processo de seleção da notícia é subjetivo e arbitrário. A decisão 
passa pela subjetividade e depende de juízos de valor do jornalista. Desse prisma, o poder dos 
jornalistas é a última palavra sobre a construção do acontecimento como notícia. 
De modo diferente, a teoria interacionista defende que os jornalistas não são simples 
observadores passivos, mas participantes ativos na construção da realidade. Sendo assim, o 
acontecimento no jornal produz um discurso que se constitui com base em outros discursos, 
ocorrendo um profundo imbricamento entre a palavra social e a palavra do colunista. Esse 
modelo se aproxima da perspectiva bakhtiniana, na qual um discurso é produzido a partir de 
outros discursos, sobre outros discursos, numa trama infindável, como bem observa Rebelo 
(2002) acerca da presença do discurso do outro: 
 
Para além de um movimento para trás, o locutor descreve um outro, para a frente. Em 
direção do seu interlocutor. O seu discurso é, então, função de um complexo jogo de 
imagens, desde a imagem que tem de si, à que ele gostaria de ter de si, à que ele tem do 
auditor, à que ele pensa que o auditor tem de si, à que ele gostaria que o auditor tivesse de 
si... (Rebelo, 2002, p. 63) 
 
Entretanto, as duas teorias não são totalmente opostas, porque é pouco provável que 
alguém compreenda o que o outro quer dizer, fora de uma situação de interação, na qual o 
contexto é compartilhado. Como o jornalista é um sujeito de seu tempo, o diálogo coloca num 
terreno comum o colunista e o leitor. A comunicação ocorre a partir de um encadeamento de 
mensagens construído na relação entre eles, num processo de repetição e de renovação, em 
que se juntam o passado e o presente. 
O que pode parecer contraditório – o discurso jornalístico que supõe a informação da 
vida imediata e sua relação com os fatos configurados pela memória e incorporados ao 
cotidiano social – é justificado pelo próprio fazer jornalístico, visto que o fenômeno 
jornalístico não pode ser compreendido sem a percepção de sua coexistência com a história 
 80 
dos sentidos que constituem o seu discurso e que se manifesta nos sentidos em movimento 
que vão sendo entrelaçados às malhas sociais. 
Assim, o texto da coluna não pode ser caracterizado como individual, porque todo 
discurso, construído nas diferentes esferas da vida social e atravessado de histórias, deixa de 
ser um produto individual e deve ser pensado a partir da pluralidade de discursos sociais que 
nele estão imbricados. 
Portanto, o colunista, como indivíduo que partilha o mesmo contexto histórico com 
outros indivíduos,possui valores políticos e sociais que podem reverberar em suas 
preferências e análise do conteúdo noticioso. Da mesma forma, como membro da sociedade e 
de uma comunidade profissional, ele está submetido às diversas pressões; a exemplo dos 
demais jornalistas, ele se equilibra sobre a “corda bamba”. Adghirni (2002, p. 449), ao 
analisar as rotinas produtivas da notícia na área política e econômica dos jornais O Globo, 
Folha de S. Paulo e Correio Braziliense, assinala que os colunistas desses jornais costumam 
queixar-se do assédio de certas fontes ávidas de promoção, que chegam a telefonar 
pessoalmente para os jornais oferecendo notícias nem sempre relevantes. 
São vários os exemplos de assédio ao colunista. Um deles é fornecido por Alberto 
Dines (apud, Ramos, 1994, p. 12), colunista da Folha de S. Paulo na década de 1970, que, no 
estudo sobre as matérias publicadas por colunistas, identifica várias agências que cobravam 
dos clientes a inserção de notas na coluna. Tavares de Miranda (apud Erbolato, 1981, p. 39), 
também da Folha de S. Paulo, em entrevista à revista Status, em 13 de agosto de 1975, 
declara: “Sou convidado constantemente para as festas. Tanto que às vezes cedo meu lugar a 
auxiliares meus”. Ramos (1994) conta que, durante a elaboração da Constituição de 1988, 
costumava ir ao Congresso Nacional. Lá encontrava assessores de políticos importantes 
colados ao telefone com algum colunista, passando notas pitorescas, engraçadas e muitas 
vezes inventadas sobre os bastidores do Congresso Constituinte. 
Porro (2001) narra várias formas de assédio ao colunista por pessoas interessadas em 
manter relações privilegiadas. Elas variam desde a entrega de envelopes contendo dinheiro, 
recibos de depósito feito na conta do beneficiado, avisos de que basta passar em determinada 
loja e o destinatário encontrará a sua disposição este ou aquele objeto de certo valor, ou 
mesmo assédio sexual pelas aspirantes a socialite. 
Até o momento, averiguamos a relação entre as duas colunas do jornal O Globo, os 
pontos de coesão, similaridade e afastamento. Constatamos que o enquadramento das notícias 
e a utilização das palavras pelos colunistas, da mesma forma que um artefato cultural, traz 
implícitas representações acerca da ordem política e social do contexto vivenciado. As duas 
 81 
colunas se aproximavam, se distanciavam e ganhavam autonomia. Observamos, também, que 
a coluna social como um texto está inserida numa história coletiva e, por essa razão, retém a 
memória histórica. 
Por não ser um produto exclusivamente do colunista mas fruto de experiências 
coletivas tecida nas cadeias da comunicação, ela se torna um elo que projeta o texto no tempo 
e na história e evidencia uma tensão de forças: a conservação e a mudança. 
Ao considerar o texto da coluna como memória histórica discursiva, constatamos que 
para ela migram diversas outras histórias vivenciadas em contextos anteriores, atualizadas no 
discurso do colunista. Consequentemente, constitui tarefa do próximo capítulo identificar a 
permanência de eventos que irrompem em outro contexto histórico e social, ou seja, a 
repetição inovada de eventos passados que vêm subjacentes aos eventos presentes. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 82 
 
 
II. A COLUNA SOCIAL COMO REPERTÓRIO DE MEMÓRIA 
 
A coluna social como um espaço de visibilidade das interações sociais é um indicativo 
de socialização, já que retém os fatos, transmitindo-os, reelaborando-os e criando-os. Nesse 
sentido, é um registro de cultura. 
Nesse caso, o conceito de cultura é aquele apropriado da Escola de Tartu
6
, cultura 
como um texto, que pressupõe sistemas de signos cuja organização reproduz comportamentos 
distintos daqueles considerados naturais que são, assim, culturalizados por algum tipo de 
codificação. Os códigos como sistemas modelizantes e modeladores têm a função de 
culturalizar o mundo, isto é, conferir-lhe uma estrutura de cultura. De acordo com Lotman 
(1981, p. 39) “o „trabalho‟ fundamental da cultura consiste em organizar estruturalmente o 
mundo que rodeia o homem. A cultura é um gerador de estruturalidade: cria à volta do 
homem uma sociosfera que, da mesma maneira que a biosfera torna possível a vida, não 
orgânica, é óbvio, mas de relação”. 
A Escola de Tartu afirma que toda atividade humana em desenvolvimento troca e 
armazena informação por meio de signos; esses signos migram e se apresentam em vários 
momentos históricos. Para tais teóricos, o elemento chave da cultura é a memória – a memória 
não hereditária que garante o mecanismo de transmissão e conservação. Nesse caso, a cultura 
compreende não só uma determinada combinação de sistemas de signos como também o 
conjunto das mensagens que são realizadas historicamente num texto (Machado, 2003, p. 39). 
Pode-se afirmar, com base no exposto, que a memória é transmitida e atualizada pelos 
gêneros discursivos, conforme pensa Bakhtin, e de que determinados modos culturais, ou 
partes deles, se separam dos contextos de origem e se recombinam com modos ou partes de 
outra origem, adicionando novas práticas ao processo histórico. Por meio do gênero 
discursivo, diferentes domínios da atividade humana, com suas condições e suas finalidades, 
encontram-se refletidos no enunciado. 
 
6
 A escola de Tartu é uma designação genérica para os estudos de pesquisadores atuantes em diversas esferas do 
conhecimento e preocupados com problemas semióticos. Destacam-se os trabalhos de Iuri Lotman. Desde 1957 
a Escola de Tartu passa a sediar encontros anuais com o objetivo de desenvolver estudos de natureza semiótica 
sobre teoria da literatura, do texto, do mito e do folclore, do cinema, do teatro e dos sistemas culturais em geral, 
considerando suas regularidades e mecanismos sistemático-estruturais, tipológicos e histórico-dinâmicos. 
 
 83 
Os gêneros discursivos definem-se, ainda segundo Bakhtin (2000), como tipos 
relativamente estáveis de enunciados que uma determinada comunidade utiliza no processo de 
interação verbal. Para o autor, não pensamos por palavras, mas por gêneros. É como se as 
palavras fossem tijolos isolados, e os gêneros, o campo gravitacional que, dentro de sua 
órbita, determina o que, naquele contexto, elas devem significar. Dessa forma, existe uma 
articulação dinâmica entre as relações sociais e as interações verbais, estas evoluem em 
consequência daquelas, e esse processo reflete-se na mudança das formas da língua. Nessa 
concepção, Bakhtin propõe que “uma análise fecunda das formas do conjunto de enunciados 
como unidades reais na cadeia verbal só é possível de uma perspectiva que encare a 
enunciado individual como um fenômeno puramente sociológico” (Bakhtin, 2000, p. 280). 
Todavia, Bakhtin (2000) reconhece que cada gênero é capaz de controlar apenas certos 
aspectos da realidade. Pode-se encontrar uma infinidade de gêneros do discurso, presentes 
desde os gêneros da vida cotidiana, passando pelas formas variadas de exposição científica, 
até todos os modos literários. Cada um possui princípios exatos de seleção e formas precisas 
para ver e conceituar a realidade; cada um com uma extensão e profundidade de penetração. 
Nessa heterogeneidade de gêneros, o pensador soviético divide a cultura humana em três 
domínios: a ciência, a arte e a vida. Os três domínios são unidos na pessoa individual e estão 
orientados para o processo. Nas palavras do autor, “a língua vive e evolui historicamente na 
comunicação verbal concreta, não no sistema lingüístico abstrato das formas da língua nem no 
psiquismo individual dos falantes” (Bakhtin, 2002, p. 24). 
Graças à inserção dos gêneros na dinâmica de uma cultura, as tendências que se 
manifestam neles estão em contínua transformação no mesmo instante em que buscam 
garantir uma estabilização, porque, segundo Bakhtin (1991), os gêneros discursivos têm umfuncionamento: “o gênero sempre é e não é o mesmo, sempre é novo e velho ao mesmo 
tempo. O gênero renasce e se renova em cada nova etapa do desenvolvimento da literatura e 
em cada obra individual de um dado gênero” (Bakhtin,1981, p. 91). Ao nascer, um novo 
gênero nunca suprime nem substitui quaisquer outros já existentes; qualquer gênero novo é 
assimilado e passa a completar os antigos e ampliar o círculo de gêneros já existentes. Cada 
gênero tem seu campo predominante de existência em relação ao qual é insubstituível; cada 
gênero que surge se torna essencial e importante, porque, uma vez surgido, influencia todo o 
círculo de gêneros preexistentes: o novo gênero torna os velhos mais claros e a influência dos 
novos gêneros sobre os velhos contribui para a renovação e o enriquecimento dos antigos. A 
teoria de Bakhtin permite entender a dimensão histórica dos gêneros e a permanência de seus 
começos, bem como favorece distinguir o que nesse processo foi fragmentado e recomposto. 
 84 
O que a teoria de gêneros discursivos esclarece é o entendimento do texto como um 
concerto de vozes, discordantes por suas origens, seus conteúdos e seus locutores. São essas 
vozes que remontam ao passado e encadeiam sequências que se apóiam em pontos de 
referência datados e ligam o presente da informação à história. 
Essa idéia de cultura como processo, em que os elementos são produzidos nas 
fronteiras entre o antigo e o novo, encontra-se também em Bhabha (2007). Apesar de não citar 
o pensador soviético, Bhabha reconhece que a formação da cultura é produzida num processo 
de negociação pelo antagonismo ou afiliação, que emerge em momentos de transformação 
histórica. 
Na leitura de Bhabha, são esses “entre-lugares”, o terreno para a elaboração de 
estratégias que dão início a novos signos de identidade e postos inovadores de colaboração e 
contestação. O autor reconhece que esse processo afasta qualquer acesso imediato a uma 
identidade original ou a uma tradição recebida, pois o que se forma não é o domínio do Eu ou 
do Outro, mas uma negação, variação, repetição e deslocamentos que resultam em algo 
imprevisível. 
Nesse aspecto, há uma semelhança com o pensamento de Bakhtin, já que ambos 
afirmam que o imprevisível se torna uma subversão, já que transgride o projeto do discurso 
dominante e exige o reconhecimento da diferença. 
Por este prisma, o embate entre diferentes momentos históricos pode ser identificado 
nas formas discursivas que compõem a coluna social, ou seja, a descrição de um fato ou 
evento: uma nota, um título, texto, foto ou ilustração, ou uma combinação de quaisquer – ou 
mesmo todos – desses recursos editoriais. 
A memória, portanto, é a fronteira, o “entre-lugar”, o lugar de embate entre o velho e o 
novo, e onde se realiza o híbrido, ou seja, a atualização e renovação dos signos. 
Cabe agora uma excursão para identificar como a memória se estrutura, se transmite e 
se atualiza. 
 Em seu ensaio sobre a relação do corpo com o espírito, Bergons (2006) identifica dois 
tipos de memória. A primeira é a memória automática ou corporal, aquela adquirida pelos 
hábitos corporais, pela repetição. A outra é a memória por imagens, a lembrança de tudo o 
que vivemos anteriormente e que permanece arquivado em nosso inconsciente. Tanto a 
lembrança quanto as condições corporais são modos de ser da memória e representam uma 
marca do passado no presente. 
Nesse ponto, Bergson (2006) leva em consideração a questão do tempo. Entretanto, o 
seu tempo não é espacial, mas único, possuidor de infinidades de fluxos ou durações 
 85 
temporais, o tempo como o tecido do real, cujas propriedades fundamentais são a sucessão, a 
continuidade, a mudança, a memória e a criação. Todos esses elementos entrelaçados pelos 
acontecimentos psicológicos ou físicos, segundo o autor, definem o “tempo real”, identificado 
quando consideramos os acontecimentos psíquicos ou físicos. 
 Dessas propriedades fundamentais, citadas por Bergson, a sucessão está relacionada 
com as vivências interiores da mesma forma que os acontecimentos do mundo físico são 
sucessivos, elas ocorrem uma após a outra e formam uma história. Nesse sentido, tanto as 
vivências interiores como os acontecimentos ocorrem em um tempo contínuo, não sendo 
possivel separar o presente do passado, uma vez que o instante presente já é passado. Por isso, 
a sucessão temporal é uma transição ininterrupta, um fluxo contínuo tanto na vida psíquica 
quanto no mundo físico. Para Bergson, a duração é uma continuação do que não é mais do 
que é, e a memória é o elemento fundamental para a compreensão da relação entre a sucessão 
contínua e a mudança heterogênea. Uma memória corporal adquirida pela repetição e a 
memória por imagens, a memória psicológica ou lembrança, ou seja, a consciência de tudo o 
que vivemos anteriormente. Nas palavras do autor: 
 
A duração interior é a vida contínua de uma memória que prolonga o passado no presente, 
seja porque o presente encerra distintamente a imagem incessantemente crescente do 
passado, seja, mais ainda, porque testemunha a carga sempre mais pesada que arrastamos 
atrás de nós à medida que envelhecemos. Sem essa sobrevivência do passado no presente, 
não haveria duração, mas somente instantaneidade. (Bergson, 2006, p.200.) 
 
Com base no entendimento de Bergson, o presente psicológico e físico de uma pessoa, 
grupo social, seres vivos e do próprio universo traz a marca dos acontecimentos que lhes 
precederam. Isso quer dizer que a história presente e pessoal de qualquer ser humano não se 
deve apenas aos eventos de sua história pessoal, mas também ao que a antecede, ou seja, a 
história da cultura em que está inserido, da evolução biológica e do próprio universo do qual é 
herdeiro. 
Assim sendo, o que Bergson denomina como “tempo real” é uma criação, segundo o 
modelo da duração psicológica. No entanto, não uma criação determinista, mas algo dinâmico 
e indeterminado. Essa dinamicidade e indeterminação é que propiciam a imprevisibilidade e a 
novidade; segundo o autor, o elã vital, ou seja, a dinâmica criadora que envolve a história do 
universo, no seu percurso de uma estrutura simples de matéria condensada ao número 
gigantesco de diferentes mundos com suas estruturas e modo de funcionamento complexo, 
 86 
bem como a história evolutiva dos seres vivos com suas extraordinárias formas e 
competências cognitivas e comportamentais. A memória é o que permite estabelecer relações 
entre as vivências presentes e as passadas e religar dois instantes um ao outro. A memória, na 
visão bergsoniana, é uma reserva do espírito, um estado latente que emerge na consciência 
quando solicitada a deliberar. 
Halbwachs (2006), em seu estudo sociológico da vida cotidiana, procura estabelecer a 
relação entre a memória e a história e identifica uma memória social. Memória que, segundo o 
autor, não pode ser confundida com a história, já que a história começa onde a memória 
acaba, e a memória acaba quando não tem mais suporte no grupo. 
Nesse caso, a forma de salvar as lembranças é fixá-las na forma de história. Assim, a 
memória é história viva e permanece no tempo, renovando-se; a história viva é o lugar da 
permanência da memória e a possibilidade de recolocação das situações escondidas que 
habitam na sociedade. Ainda de acordo com Halbwachs (2006), a condição necessária para 
que exista memória é o sentimento de continuidade presente naquele que se lembra. A 
memória, pois, não faz corte ou ruptura entre passado e presente porque retém, 
 
do passado, somente aquilo que ainda está vivo ou capaz de viver na consciência do grupo 
que a mantém. Por definição, ela não ultrapassa os limites deste grupo. Quando um período 
deixa de interessar ao período seguinte, não é um mesmo grupo que esquece uma parte de 
seu passado: há, na realidade, dois grupos que se sucedem. A história divide a seqüência 
dos séculos em períodos,como se distribui o conteúdo de uma tragédia em vários atos. 
Porém, enquanto que numa peça, de um ato para outro, a mesma ação prossegue com os 
mesmos personagens, que permanecem até o desenlace de acordo com seus papéis, e cujos 
sentimentos e paixões progridem num movimento ininterrupto, na história se tem a 
impressão de que, de um período a outro, tudo é renovado, interesses em jogo, orientação 
dos espíritos, maneiras de ver os homens e os acontecimentos, tradições também e 
perspectivas para o futuro, e que se, aparentemente, reaparecem os mesmos grupos, é 
porque as divisões exteriores, que resultam dos lugares, dos nomes e também da natureza 
geral das sociedades, subsistem. Mas os conjuntos de homens que constituem um mesmo 
grupo em dois períodos sucessivos são como duas barras em contato por suas extremidades 
opostas, mas que não se juntam de outro modo, e não formam realmente um mesmo corpo. 
(Halbwachs, 2006, p. 81-82.) 
 
Nesse entendimento, a memória transforma-se numa inesgotável possibilidade de 
lembranças, já que as representações das vivências são tantas, quantos são os grupos 
 87 
existentes. Então, não existe lembrança estática: a multiplicidade está conectada ao rearranjo 
permanente das vivências grupais ao longo da vida. 
Aqui Halbwaches (2006) chama a atenção para as longas durações ou o tempo da 
memória, visto que o lugar da reconstrução da lembrança não é o acontecimento único, mas o 
tempo de um determinado grupo. Nesse caso, para o autor, é o grupo e não o indivíduo que 
garante a permanência do passado no presente. 
Entre o que pode parecer como memórias dicotômicas (a memória como fonte do 
espírito de Bergson e a memória coletiva como pensa Halbwachs) existe um ponto de 
concordância, já que Bergson chama de memória verdadeira aquela que sobrevive no espírito 
e que não remonta somente as nossas experiências, mas a experiência humana, e desta forma 
não podemos apreendê-la completamente. Temos acesso às reminiscência dessa memória a 
partir de uma memória coletiva, como pensa Halbwachs. 
Entretanto, o debate sobre a relação entre a memória e a história continua e Pierre 
Nora (1993) vai contribuir ao identificar na contemporaneidade com o advento das tecnologia, 
uma alteração na questão do espaço e do tempo, o que permite maior rapidez da informação, 
afetando diretamente os fatos históricos, que passam a ter a mesma duração da notícia. 
Para Nora (1993), nesta sociedade dominada pelos meios de comunicação de massa, 
não há possibilidade de uma história-memória. Nesse contexto, o passado cede lugar ao eterno 
presente, cabendo à história ser uma narrativa que unifica o tempo e lhe proporciona sentido, 
contudo, distancia memória social do passado e condena a sociedade contemporânea a uma 
memória integrada, ditatorial e inconsciente: 
 
Aceleração: o que o fenômeno acaba de nos revelar bruscamente, é toda a distância entre a 
memória verdadeira, social, intocada, aquela cujas sociedades ditas primitivas, ou arcaicas, 
representaram o modelo e guardaram consigo o segredo - e a história que é o que nossas 
sociedades condenadas ao esquecimento fazem do passado, porque levadas pela mudança. 
Entre uma memória integrada, ditatorial e inconsciente de si mesma, organizadora e toda 
poderosa, espontaneamente atualizadora, uma memória sem passado que reconduz 
eternamente a herança, conduzindo o antigamente dos ancestrais ao tempo indiferenciado 
dos heróis, das origens e do mito – e a nossa, que só é história, vestígio trilha. Distância que 
só se aprofundou à medida em que os homens foram reconhecido como seu um poder e 
mesmo um dever de mudança, sobretudo a partir dos tempos modernos. Distância que 
chega, hoje, num ponto convulsivo. (Nora, 1993, p. 8) 
 
 88 
Com essa constatação, Nora (1993) afirma não mais existir memória: esta só é 
revivida e ritualizada numa tentativa de identificação por parte dos indivíduos, uma forma de 
conferir lugares onde se possa pensar que não somos feitos de esquecimentos, mas de 
lembranças. O autor introduz, dessa forma, uma dicotomia entre memória e história. A 
memória sem passado, e a história, uma narrativa com a mesma função de fundamentar e 
organizar o que o mito assumia nas sociedades tradicionais. 
Para o autor, nos encontramos no ponto de mutação da memória em história: “o 
momento preciso onde desaparece um imenso capital que nós vivíamos na intimidade de uma 
memória, para só viver sob o olhar de uma história reconstituída” (Nora, 1993, p. 12) 
Decretado o fim da memória e da história, o autor identifica uma intensa necessidade 
de história e memória da nossa sociedade como uma forma para encontrar um significado 
mais inteligível de si mesma. Como resposta a essa necessidade de identificação de si mesmo, 
o autor apresenta como via os “lugares de memória”, subentendidos como espaço de 
conciliação entre história e memória. 
Nesses “lugares de memória”, contudo, o passado é radicalmente outro: um passado 
desligado para sempre. Na impossibilidade da existência de uma memória espontânea e 
verdadeira, a possibilidade que se apresenta é o acesso a uma memória reconstituída que nos 
forneça o sentido de identidade. 
Ainda conforme Nora (1993), só há um lugar de memória se a imaginação o investe de 
uma aura simbólica, se é nele que se pode ressuscitar a lembrança a partir da ritualização. 
Nesse sentido, a ritualização pressupõe a representação do modo tradicional de 
comportamento em que se refletem as crenças, idéias, atitudes e sentimentos implícitos e 
explícitos, ou seja, o ritual é entendido como um introdutor de diferenças no seio de operações 
que poderiam parecer idênticas, a partir das palavras proferidas, gestos cumpridos, objetos 
manipulados. O ritual tem a função de coesão e lugar no qual os indivíduos podem se 
reconhecer como sujeitos. 
Para Halbwachs e Nora, não existe memória individual, ela só existe enquanto inserida 
no social, nas idéias gerais e nos marcos referenciais sociais. Estas concepções não anulam as 
percepções da subjetividade da memória presente em Bergson. Elas se completam, o que nos 
leva a concluir que a memória é contraditória, é e não é conhecimento, é objetividade e 
subjetividade, é voluntária, mas pode ser involuntária. Tal como a existência humana, cheia 
de imprevistos e percalços. 
 
 89 
A partir dessas análises acerca da memória dos três autores podemos pensar a cultura 
como memória, fundamental para as reconstituições de época e para as representações de 
grupos. Nesse aspecto, os textos que compõem a coluna social apresentam um repertório de 
memórias. Uma memória que não é mais construída no grupo, mas para o grupo, pela história, 
a fim de que este possa nela encontrar elementos que legitimem sua ação no presente. Nos 
textos da coluna ocorre o ato de criar e recriar inerente aos mecanismos de atuação da 
memória que liga o presente, de onde parte o apelo ao qual a lembrança responde e traz a 
marca do passado. 
Acredita-se que o texto da coluna social pode fazer aflorar a memória, uma memória 
não linear e descontinua que emerge do movimento entre o discurso e a história. 
Cabe evocar Certeau (1996), ao distinguir dois tipos de prática: uma é a que o autor 
identifica como “maneiras de fazer” das práticas menores, não fundadoras de discursividade 
em relação aos produtos culturais difundidos e impostos pelas práticas organizadoras das 
instituições normativas de uma sociedade. O que diferencia uma prática da outra são os 
procedimentos que empregam para, de um lado, produzir cultura e, de outro, consumi-la. As 
práticas culturais valem-se de procedimentos estratégicos pelos quais circunscrevem um 
“lugar” como próprio, a partir do qual se relacionam com a exterioridade. As práticas 
ordinárias, por sua vez, empregam procedimentos do tipo tático, caracterizados por uma ação 
determinada pela ausência de um lugar próprio e de poder.Assim, a coluna social pode ser enquadrada na categoria de sistema de produção 
cultural por seu poder de organizar, reorganizar e de pôr em situação de confronto os diversos 
discursos, bem como servir de suporte para que os antigos discursos sejam deslocados e 
ressignificados. Dessa forma, o texto pode ser o relato de um acontecimento, mas pode levar 
a uma reflexão sobre os aspectos definidores da memória coletiva. 
Na produção discursiva da coluna social nos anos de 1987 e 1988, os enunciados, em 
sua dispersão de acontecimentos e na instância de delimitação que é própria da coluna, 
articulam outros campos discursivos, num jogo de descontinuidade entre o acontecimento 
discursivo e a história que remaneja memórias e as atualiza. 
Nesse período o país iniciava um processo de mudança, vivendo a redemocratização 
pós-ditadura militar. Coerentemente com as transformações sociais e econômicas, duas 
vertentes marcarão o cenário político e ideológico brasileiro, principalmente nas discussões 
sobre os modelos político e econômico a serem adotados. De um lado, estavam os que 
defendiam que era entre os militares que o Estado encontra sua mais forte base de 
sustentação; do outro, aqueles que se opunham a essa posição e defendiam a reorganização da 
 90 
sociedade no sentido de uma transição democrática. O debate social era pautado nas idéias e 
propostas mais direta e explicitamente, afinadas ou comprometidas com esta ou aquela 
vertente. Ele será veiculado pelas duas colunas sociais, a de Ibrahim Sued e a de Carlos 
Swann, do jornal O Globo. 
Tais enunciados traziam entretecidos outros enunciados que, via memória, faziam 
emergir – não somente pela recitação, mas também pela transformação, pelos deslocamentos 
e pela atualização – o sentido da identidade brasileira. Como esses discursos não partem de 
um único, mas de vários lugares enunciativos (o colunista, o político, a elite, etc.), a rede de 
formulações gerada pelo cruzamento dessas diferentes posições enunciativas põe em 
evidência a angústia do período para saber quem é o brasileiro e o que nos espera. Essa rede 
interdiscursiva instaura um confronto entre posições enunciativas, a partir do qual é possível 
entender, circunscrever e atualizar a memória da nossa história. 
Nessa prática, o colunista é o porta-voz de uma pluralidade de discursos; no processo 
de incorporação de outros discursos, há um trabalho de reescrita cujo funcionamento aciona 
determinados feixes de sentidos, traços discursivos que estabelecem a inter-relação entre os 
diversos discursos. Segundo Certeau (1982), é um trabalho de escrita histórica do presente, 
que envolve a representação do acontecimento em face dos vários discursos incorporados e à 
formação discursiva assumida. 
O seu funcionamento pode ser identificado nas diversas recorrências à fala do outro, 
geralmente personagens emergentes na atualidade, protagonistas ou testemunhas de um 
determinado assunto ou especialistas em matérias que sejam objeto de interesse. Com isso, o 
colunista põe, face a face, discursos diferentes, que são articulados pelo seu próprio discurso. 
Entramos aqui no que Bakhtin define como discurso citado: “é o discurso no discurso, 
a enunciação na enunciação, mas é, ao mesmo tempo, um discurso sobre o discurso, uma 
enunciação sobre a enunciação” (Volochinov/Bakhtin, 1995, p.144). O discurso citado 
procura compreender como estão articuladas as palavras do outro no texto, numa interação 
dinâmica dessas duas dimensões. Apesar das diferentes modalidades (discurso direto, indireto 
e indireto livre), eles só se formam e vivem através desta interrelação, e não de maneira 
isolada. 
A primeira dessas modalidades, o discurso direto, dirigido ao objeto de referência, 
leva consigo todo o peso da autoridade semântica de quem fala. Tal discurso visa a conservar 
o discurso de citação, sua integridade e sua autenticidade. 
 91 
A segunda refere-se ao discurso que se orienta para o discurso do outro, uma 
orientação que pode estar oculta, de modo disfarçado. Ele se esforça para desfazer a estrutura 
compacta e fechada do discurso de citação, para reabsorvê-lo, para apagar suas fronteiras. 
O terceiro tipo exerce influência de fora; nele muitas formas de interrelação com o 
discurso do outro são possíveis. Aqui, a influencia dominante do discurso é transferida para o 
discurso de citação, que se torna, em função de tal fato, mais forte e mais ativo que o contexto 
narrativo que o enquadra, que se põe, de certa maneira, a reabsorver este último. 
Esses princípios baktinianos de citação na construção do texto são reconhecidos nos 
procedimentos jornalísticos utilizados pelo colunista, como alternar a própria escrita com 
citações textuais de personagens; as descrições e narrações, muitas vezes na terceira pessoa, 
intercaladas com citações de frases exatas do interlocutor do autor, indicando que o texto 
perde o seu caráter mais subjetivo e assume um sentido sociológico em que estão envolvidas 
relações complementares e contraditórias. Nesse mesmo caso, o uso do recurso da citação 
pelo colunista para colocar na boca de quem disse o que é efetivamente importante e o que só 
poderia ter sido dito por essa pessoa, pode ser entendido não apenas como uma transmissão de 
informação mas sim como forma de produzir sentidos interativos e sócio-historicamente. São 
esses discursos citados que conservam vestígios da exterioridade do discurso do colunista. 
Acrescenta-se, ainda, o uso das modalidades de citação em situações em que a fonte 
deve apoiar o ponto de vista do colunista, já afirmado em discurso indireto. Esses 
procedimentos usados pelo jornalista/colunista merecem uma referência a Michael Schudson 
(apud, Traquina, 1993, p. 279), quando ele afirma que “o poder dos médias está não apenas no 
seu poder de declarar as coisas como sendo verdadeiras mas no poder de fornecer as formas 
nas quais as declarações aparecem”. No fazer jornalístico, o uso de citações tem a função de 
resguardar o jornalista, é uma possibilidade de reduzir a sua responsabilidade quanto à 
significação literal do enunciado, relegando para o enunciatário a reconstrução da respectiva 
significação implícita. Tal jogo permite-lhe, de acordo com as circunstâncias do momento, 
negar ou ratificar a interpretação do enunciatário. 
Essa idéia será tratada aqui com vistas a indicar que o discurso na coluna do jornal 
conserva, na sua integralidade e na sua autenticidade, o discurso reportado, que fica protegido, 
no âmbito da narrativa produzida e delimitada por “limites claros e estáveis”. O discurso 
reportado é absorvido após decomposição da sua estrutura compacta e fechada. A citação 
obriga, pois, a que sejam mantidas certas marcas da enunciação original. 
O texto da coluna torna perceptíveis os conflitos da política, comum nos processos de 
transição, que consistia na busca de estratégias de construção de uma nova ordem 
 92 
institucional. Por isso, surgem as desavenças, pela sobrevivência de arcaísmos políticos, como 
o clientelismo e o favoritismo, contrastando com a emergência de estruturas econômicas e 
sociais relativamente modernizantes, ou seja, uma sociedade mais urbana, mais diversificada 
socialmente e muito mais complexa. 
No discurso da coluna, é possível apreender a cena doméstica brasileira. Por um lado, 
a persistência da corrupção, das mordomias e do desperdício no governo, a insistência em 
políticas que ignoram a opinião nacional e contrariam frontalmente o interesse público, a 
incapacidade para encontrar soluções duradouras de controle da inflação e para enfrentar o 
atraso da economia em geral, e particularmente o atraso científico e tecnológico. A crise 
interna era agravada pela economia internacional instável, gerando os temores da elite política 
quanto a um possível impacto negativo dessa instabilidade na nossa frágil configuração 
política. 
Por outro lado, se percebe um movimento derejeição do período anterior e o 
consequente avanço da democratização, que teve o seu início na segunda metade dos anos 
1980, com a ruptura do bipartidarismo e a emergência de movimentos sociais populares nas 
grandes cidades, bem como as pressões exercidas por grupos de elite no terreno da política 
formal, que obrigam o Estado a encetar diálogo com figuras de destaque da oposição 
organizada, como os líderes do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), da Ordem dos 
Advogados do Brasil (OAB), da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e com 
representantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 
O processo de transição, subentendido como o lapso de tempo que decorreu entre o 
enfraquecimento do regime autoritário e a institucionalização de outro regime, é, por sua 
qualidade e por suas próprias características, povoado de incertezas. Por um lado, o regime 
anterior encontrava-se ameaçado em sua reprodução, porque sua legitimação, assentada 
exclusivamente em índices econômicos, já não podia ser mantida. Por outro, a transição, com 
seus traços conservadores, evocava permanentemente o retrocesso. 
Nesse momento, em que o velho regime político não pode mais reproduzir-se e o novo 
regime não tem formas desenhadas, começa a se delinear uma nova força hegemônica. Essa 
força necessitará de um sentimento de pertença e portanto irá se aproximar, através da 
imitação e de tentativas de integração, da classe dominante tradicional (militares e 
tecnoburocracia). Trata-se de um processo em que algumas personagens almejam uma 
simples modernização, enquanto outras se movimentam em direção à superação de velhos 
modelos políticos. Assim, as duas colunas funcionarão como porta-vozes dos dois grupos 
antagônicos. 
 93 
A tensão provocada por essas duas vertentes afetou a existência histórica específica de 
indivíduos particulares. Nessa interação de forças, os novos contornos indicavam a superação 
dos setores mais atrasados do empresariado e da instituição militar. As Forças Armadas saem 
de cena, porém conservam largas fatias do poder; os empresários ingressam com força na 
cena política, a tecnoburocracia mantém seus privilégios; os velhos políticos, que souberam se 
desligar a tempo do antigo regime, são conservados na nova composição. 
No percurso desse processo, e em função das circunstâncias presentes, as interações 
cotidianas vão se modificando. Entretanto, isso não ocorre com linearidade. Alguns elementos 
primordiais são conservados e se mantêm adaptados às circunstâncias geradas no interior de 
sua existência histórica. Repulsão e assimilação vão comandar a dinâmica dessas interações, 
que passam a ser reorganizadas a partir do envolvimento do todo. O desenho da estrutura 
social contemporânea seria o resultado dessas interações, desse diálogo provocado no decurso 
e que vai determinar a fisionomia histórica individual, de classe e de época, ou seja, uma 
configuração que só pode ser entendida na diversidade de sua anterioridade. 
O grupo resultante dessa coalizão das novas circunstâncias políticas e ideológicas 
forma um contínuo, sobrevive, coexiste e reproduz-se. As festas e eventos sociais revelados 
pela coluna eram os momentos de integração de seus membros, que se conheciam pelo nome 
e pela reputação. Era muito mais que a visão de um colunista, na visão de Palmério Dória, em 
entrevista a revista Caros Amigos: “um mundo glamouroso e falso, fútil, onde a vaidade 
humana e o lobby puro e simples se encontram nos salões luxuosos, festas milionárias, orgias, 
negociatas, histórias cabeludas que desvendam as facetas mais sórdidas da elite dirigente 
brasileira”. (Caros Amigos, nº 27, p. 20) 
Nesse percurso, o que se manifesta é um fenômeno no qual as palavras vão se 
revestindo de sentidos, tons e valores, e assumem múltiplas tonalidades em diferentes 
campos, como o político, o moral e o religioso. Na expressão do real predomina o verbo, não 
dos fatos sob as palavras, mas das palavras sobre os fatos. Esse tom vai ricochetear nas 
análises do período, a exemplo de Nascimento (1987), que, ao examinar a situação 
econômica, constata: 
 
O país assistia a uma desaceleração do crescimento econômico, com um possível 
sucateamento gradativo de parte de seu parque industrial, dilapidação de porção 
considerável de sua força de trabalho especializado, fuga de capital, perda de 
competitividade no plano internacional do trabalho. Conseqüências que se conformarão 
gradativamente, variando índices positivos e negativos de crescimento, sem investimentos 
significativos, inclusive no nível infra-estrutural. Isso provocará estrangulamento cada vez 
 94 
maior ao crescimento econômico, como um círculo vicioso que o capital internacional não 
estaria disposto a romper, nem existiriam forças internas competentes para fazê-lo. 
(Nascimento, 1987, p. 82) 
 
O mesmo discurso da crise econômica é apresentado no texto da coluna, não como 
falta de sugestão de soluções, já que os economistas ofereciam várias fórmulas, porém todas 
elas dependiam de liderança política para ser implementadas. O texto da coluna deixava 
implícito que era exatamente isso que faltava nos anos Sarney. 
É possível apreender, na intertextualidade, a superação da fase de euforia de um estado 
de promessa e a instalação do desencanto, já que o prometido se apresentava como uma 
esperança sem determinação. Esse obscurecimento possivelmente explique a queda de 
popularidade do governo e expresse a frustração diante das expectativas sociais ou 
econômicas não correspondidas. O discurso da crise econômica imbrica-se ao da crise política 
e social. A relação é construída entre eles no processo de interação, como observado na 
seguinte nota: 
 
Jornal do Ibrahim do dia 20 de março de 1987 
 
O governador Newton Cardoso parece ter descoberto o ovo de Colombo, nas relações 
Executivo e Legislativo. Dias antes da convenção nacional do PMDB, mostrou como 
costuma pautar seu relacionamento em Minas Gerias: “Só atendo deputados que estão 
comigo. Os contra mim não têm atos de nomeação. O presidente Sarney deveria fazer a 
mesma coisa”. É a receita pública do clientelismo no estilo Antônio Carlos Magalhães. 
 
Como é possível observar, o colunista produz uma mediação entre si e o discurso 
citado. O outro é instituído como uma referência investida da autoridade de poder dizer, e 
nessa rede de relação tramada no texto, camuflada por uma linguagem de empréstimo 
formada num longínquo passado, o colunista atualiza outros discursos históricos e 
sociológicos para designar realidades diferentes. Isso porque a idéia de clientelismo liga-se ao 
coronelismo, fenômeno surgido no período imperial, para designar a direção política que 
correspondia ao mesmo tempo à liderança econômica e social. Era uma manifestação que 
partia do centro de poder, com os nomeados e não eleitos presidentes da província, em regra 
ativos apenas na fase eleitoral. Os denominados coronéis eram pessoas socialmente 
qualificadas e detentoras de riqueza, que, juntamente com a Guarda Nacional, detinham os 
instrumentos de manipulação para o domínio dos meios locais de compressão e fraude. A 
 95 
passagem do regime imperial ao republicano irá acentuar a função eleitoral do coronel, e o 
conceito entrou na linguagem corrente para designar um sistema de lealdades que distribui 
prestígio e autoridade em troca de apoio político
7
. 
Os enunciados do período colocam em movimento uma memória que atualiza versões 
do mesmo fato e põem em cena o acontecimento histórico pela memória, assim como 
materializam o confronto entre as diversas memórias. 
Oliveira Viana (1982) procura explicar o predomínio desse miasma na política 
nacional pelo descompasso entre idéias e realidade no Brasil. Segundo ele, a raiz do problema 
estaria na condição de marginalidade das elites brasileiras, que vivem entre duas culturas: 
uma do seu povo, que lhes forma o subconsciente coletivo, e outraeuropéia ou norte-
americana, que lhes dá as idéias, as diretrizes de pensamento, os paradigmas constitucionais e 
os critérios de julgamento político. 
Para Oliveira Viana, predominava no Brasil a ausência de consciência coletiva. Era 
possível distinguir pelo menos três históricas diferentes: a do norte, a do centro-sul, a do 
extremo-sul. Elas, por sua vez, teriam gerado três sociedades diferentes: a dos sertões, a das 
matas e a dos pampas, com seus três tipos específicos: o sertanejo, o matuto e o gaúcho. 
O seu estudo se deteve na população do centro-sul, por ter sido nesse espaço 
geográfico, de acordo com o autor, que se processou a independência, a sede do governo 
central. Os matutos do centro-sul (regiões montanhosas do estado do Rio, o grande maciço 
continental de Minas e os platôs agrícolas de São Paulo), teriam predomínio sobre os demais 
tipos regionais brasileiros, ainda conforme Oliveira Viana. Esse espaço recebeu os 
descendentes dos ramos mais ilustres da nobreza portuguesa, “comportando-se como um 
recanto de corte européia transplantada para o meio da selvageria americana” (Oliveira Viana, 
1982, p.23). 
Consoante Oliveira Viana, os hábitos urbanos dessa aristocracia entrariam em choque 
com o ambiente. Um segundo grupo, de origem plebéia, acabaria por prevalecer. Ou seja: o 
meio americano absorveria o espírito europeu, consequentemente, a vida social dos 
colonizadores adquiria uma fisionomia própria, assim, em conformidade com o meio, 
ocorreria a ruralização da população colonial. Tal fato vai dar a tonalidade da sociedade 
colonial: o predomínio da grande propriedade rural no país. Assim, os grandes domínios, que 
tudo absorvem, seriam um mundo em miniatura, onde prevaleceria a vida doméstica, sob o 
 
7
 Sobre o coronelismo, ver o trabalho de MAIA, Nunes Leal. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa-
ômega, 1975. 
 96 
poder do pater famílias. O grande domínio, com a sua estrutura, exerceria uma função 
simplificadora sobre o restante da sociedade. 
A mesma palavra foi usada por Sérgio Buarque de Holanda, para caracterizar o 
clientelismo que persiste na relação sociopolítica brasileira. Nesse caso, o clientelismo é 
definido como um tipo de personalismo que está enraizado em nossa cultura e que, de certa 
forma, assegurou uma estabilidade política; isso se explica, segundo ele, porque “a idéia de 
uma espécie de entidade imaterial e impessoal, pairando sobre os indivíduos e presidindo os 
seus destinos, é inteligível para os povos da América Latina” (Holanda, 1995, p. 183). 
Já para Damatta (1987), o fato de termos constituído, até o final do século passado, 
uma sociedade de nobres, com uma ideologia aristocrática e anti-igualitária, dominada pela 
ética do familismo, da patronagem e das relações, tudo isso emoldurado por um sistema 
jurídico formalista e totalizante, que sempre privilegia o todo e não as partes, deu às nossas 
relações sociais um caráter especial. Conforme o autor, a lógica do sistema de relações sociais 
no Brasil é fortemente hierarquizada, ninguém é igual entre si ou perante a lei. 
Estes exemplos funcionam como amostras iluminadoras entre existência e linguagem, 
mundo e mente. Sublinhe-se que a palavra usada em diferentes discursos mantém a totalidade 
de sua energia; em seu desabrochar, ela capta o tempo e faz dele o objeto de um 
conhecimento. Ela ganha um sentido sociológico e subordina esses elementos, os quais 
carregam, ampliam e transformam. 
Portanto, nas palavras ocorre a gestão da memória social verbalizada na individuação, 
a qual não apenas projeta a sua identidade cultural, mas também a individualiza, tanto na 
percepção sensitiva quanto na compreensão do mundo. Do ponto de vista de nossa história, 
essa memória emerge e parece referendar a ascensão do autoritarismo político formulado na 
fase inicial da República, transplantada ao plano nacional por Getúlio Vargas e incorporado 
pelos militares em 1964. Esse ideário encontrou, também, em Oliveira Viana (1883/1951) um 
dos seus principais teóricos, que defendia a formação de uma elite política especial, que 
transformaria a cultura política brasileira. Isso era justificado pelo mito da apatia política da 
população. Nas palavras do autor: 
 
Em toda esta psicologia da vacuidade ou ausência de motivações da nossa vida pública, há 
um traço geral que só por si bastaria para explicar todos os outros aspectos, (...), a tenuidade 
ou fraqueza da nossa consciência do bem coletivo, do nosso sentimento da solidariedade 
social e do interesse público. Esta tenuidade ou esta pouca densidade do nosso sentimento 
do interesse coletivo é que nos dá a razão científica do fato de que o interesse pessoal ou de 
família tenha, em nosso povo – no comportamento político dos nossos homens públicos – 
 97 
mais peso, mais força, mais importância determinante, em geral, do que as considerações 
do interesse coletivo ou nacional. (Oliveira Viana, 1982, p. 553.) 
 
Quando uma palavra migra de contexto, sua atualização implicará perda de ao menos 
uma parte do sentido original. Assim, evidencia-se uma proliferação do mesmo discurso 
pronunciado de forma diferente. Lenharo (1986) afirma ter a nossa concepção de cidadania 
tomada como parâmetro o estilo europeu, que vai desde o burguês vitoriano, passando pelo 
jacobino de 1789, o eleitor bem informado, até o militante organizado das barricadas. Essa 
memória discursiva é alimentada por discursos políticos de altas autoridades, atos 
administrativos e outras falas, e reverbera no texto da coluna de Sued: 
 
Jornal do Ibrahim 27 de março de 1987 
A Juíza Martha Valle Meira de Vasconcelos, ao condenar vários bandidos traficantes de 
drogas da Favela da Rocinha, confirmou na sua sentença as denúncias que aqui fiz de que o 
ex-Governador Brizola protegia os traficantes, não permitindo que a Polícia subisse os 
morros. O governo do engenheiro “transformou as favelas em antros dos bandidos do 
tóxico”. É este o homem que quer ser presidente da República, o que protegia traficantes de 
drogas nos morros. Vai perder as eleições, embora conte com os votos dos traficantes que 
vendem droga à nossa juventude. 
 
O texto do colunista está relacionado à memória recente do país, que tem como marco 
o ano de 1964, e em Leonel Brizola, uma das personagens chaves do período. Na época, 
Brizola era deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro e um dos que se posicionou a 
favor da posse de João Goulart na Presidência da República e contra o golpe dos militares. 
Exilado político, retornou ao Brasil, beneficiado pela Lei 6.683/79, que concedia anistia a 
todos os envolvidos com crimes políticos ou conexos. Foi governador do Rio de Janeiro e 
candidato à eleição presidencial de 1989. Sued se opunha abertamente ao governador Brizola 
e à sua administração, bem como a todos os políticos que se opuseram ao regime militar. 
Essa posição “direitista”, assumida em várias notas de sua coluna, é que identificamos 
como conservadora e, portanto, coloca o colunista como partidário do militarismo. Em 
reportagem de Palmério Dória, a imagem de Sued aparece assim: “O Ibrahim foi nosso 
colunista mais famoso. Era um tipo servil com os poderosos e totalmente desagradável e feroz 
com os humildes. Uma figura repulsiva, execrável. Era competente, mas tinha um humor 
péssimo, raivoso. Veio de baixo, mas era fixado nos ricos e odiava os pobres”. (Caros 
Amigos, nº 27.) 
 98 
Sued nunca negou que foi favorável ao golpe e que tinha na elite política do período o 
seu círculo de amizades. No contexto de seu tempo (1951-93), testemunhou a pretensão dos 
governantes militares de elevar o Brasil ao primeiro mundo e acreditou que o governo 
instalado em 1964 tiraria o país do provincianismo. Também nunca escondeu sua adesão ao 
ideário aristocrático e a sua intimidade com o poder. Como observa Zollo (1999), “Ibrahim 
defendia com unhase dentes o direito da elite ser um espetáculo em si mesma. E, sobretudo, 
tinham um enorme e variado poder”. 
A denúncia de Sued contra Brizola não se configurava um fato isolado. Ao contrário, a 
ocorrência de várias denúncias era representativa da inquietude que tendia a alimentar a 
desconfiança popular diante da democracia, agravando o descrédito de setores da população 
com relação aos políticos e às instituições de representação. Esse fenômeno gerou uma crise 
de representatividade que não afetou apenas o prestígio político dos líderes partidários e das 
suas personalidades, mas as próprias expectativas da população. 
Pesquisas realizadas em 1987 e 1988, pelo Datafolha, indicam que parte importante da 
população estava parcialmente decepcionada com os resultados dos trabalhos constituintes. 
70,5%, dos entrevistados na região metropolitana de São Paulo, na primeira semana de 
novembro de 1987, não se sentiam representados na Constituinte; apenas 21,1% 
consideravam-se contemplados. Esses mesmos índices são confirmados em outras pesquisas, 
como a do Instituto Gallup, em 1987, e a do jornal Estado de S. Paulo, em janeiro de 1988, na 
qual 66% dos entrevistados consideravam incompetentes os políticos que elaboravam a nova 
Constituição. (Dados publicados por Veja, em 28/9/88; Folha de S. Paulo, em 5/10/88; 
Gallup, em 1987, e O Estado de S. Paulo, em 1988.) 
A desconfiança social quanto ao processo de redemocratização era difundido em 
vários textos e veiculado cotidianamente. A apreensão passa pela leitura dos espaços brancos 
do discurso implícito produzido pelo colunista. Esse procedimento jornalístico de 
ocultamento é explicado por Rebelo e ocorre quando o enunciador do discurso “assume 
plenamente o lugar de sujeito da enunciação e a responsabilidade plena do enunciado 
produzido, assim ele envereda por uma dupla estratégia: de dissimulação, através do emprego 
de sujeitos coletivos, de naturalização e do emprego de sujeitos indefinidos ou universais” 
(Rebelo, 2002, p. 152). 
Tal forma de reprodução do discurso torna o fato uma evidência social porque produz 
um efeito de reconhecimento daquilo que já é sabido, diga-se lido, estabelecendo uma relação 
de conivência entre o colunista e o leitor. Isso caracteriza que o discurso não é autônomo, nem 
falado por uma única voz, mas é o resultado de outros discursos que se entrecruzam no tempo 
 99 
e no espaço. Ele passa a ser o produto da interação dos interlocutores em seu espaço social, 
como nos ensina Bakhtin (1991, 2000, 2001). 
Essa pluralidade de discursos era externada pelo colunista e se tornava comum, 
evidenciando o descrédito nas instituições representativas, principalmente naquelas que 
abrigam o poder Legislativo: 
 
Jornal do Ibrahim, 27 de abril de 1987 
Na Constituinte há um movimento para acabar com o Supremo Tribunal Federal, após cem 
anos de serviços prestados à cultura jurídica do País. A idéia é levar para o novo Congresso 
de superpoderes a tarefa que cabe à instância máxima do Poder Judiciário. Deputados 
podem esperar uma dura resposta dos ministros. Vem aí chumbo grosso. Aliás, vocês já 
imaginaram um deputado analfabeto casca grossa, tipo índio do Congresso passado tendo 
que julgar com saber jurídico? 
 
No discurso, no qual há alusão ao deputado constituinte representante dos povos 
indígenas Mário Juruna, o colunista dá vida a um outro que não está apenas no outro, no 
diferente, mas sim no próprio sujeito da enunciação. A ironia no trecho que coloca em dúvida 
a capacidade de um índio, e analfabeto, de representar politicamente a nação, evidencia a 
discriminação étnica com subestimação do outro. Nessa estratégia discursiva, é possível a 
afirmação da superioridade de um sobre o outro. 
Para além do espaço e do tempo desse texto, desenvolve-se outro, que o incorpora e 
que por sua vez se liga a outros textos e outros espaços temporais, num movimento incessante 
feito de colisões, de interferências, de transformações, de trocas e rupturas. O tom é a ênfase 
na mestiçagem e o meio geográfico como justificativas para o atraso brasileiro, como pensava 
Paulo Prado, que, em 1928, escreveu em Retrato do Brasil: 
 
O Brasil não progredia, mas vivia e crescia como cresce e vive uma criança doente no lento 
desenvolvimento de um corpo mal-organizado. Isto porque era um país conformado por 
uma raça triste, vítima, desde o período colonial, da melancolia dos abusos venéreos e da 
melancolia dos que vivem na idéia fixa do enriquecimento – no absorto sem finalidades 
dessas paixões insaciáveis. (Prado, apud Fico, 1997, p. 31) 
 
Na verdade, esse discurso que ecoa na contemporaneidade foi constituído 
considerando o deslocamento da teoria científica das três raças, que por sua vez foi 
assimilada, principalmente, das obras de Darwin, Comte e Ratzel. Essa simbiose ressoa no 
texto da coluna como concepções personalizadas de vida e de mundo. Isto porque, seguindo a 
 100 
lição de Bakhtin (1981, p. 77): “nenhum membro da comunidade verbal encontra, alguma 
vez, palavras neutras, isentas de aspirações e de avaliações feitas por outro, inabitadas pela 
voz de outro. Não, ele recebe sempre a palavra pela voz do outro e essa palavra está sempre 
preenchida pela voz do outro”. Não existe um autor autêntico, o texto é fruto de outros textos 
que geram a consciência coletiva, do mesmo modo que a linguagem cria a sociedade que a 
fala. 
Mesmo se tratando de um texto pessoalmente assinado, a coluna social é um 
fragmento discursivo que migrou no tempo e no espaço e aqui está sendo apreendida como 
uma atualização de discursos históricos. Tal fenômeno pode ser observado na nota da coluna a 
seguir: 
 
Jornal do Ibrahim 22 de julho de 1987 
O deputado Ulysses Guimarães permanece até amanhã em São Paulo, mantendo sucessivas 
reuniões com as bancadas, federal e estadual do PMDB, e discutindo com o Governador 
eleito Orestes Quércia o secretariado paulista. Até o fim do mês o parlamentar pretende se 
licenciar do comando do PMDB. Bancadas de vários Estados unem voz para que a 
presidência do partido fique com o senador Affonso Camargo, da corrente moderada. Na 
redefinição de forças no PMDB, a segunda vice-presidência vai ser entregue ao Rio Grande 
do Sul. A terceira provavelmente a Pernambuco. 
 
Percebe-se, no texto da nota, um conjunto de relações complexas relacionado ao 
processo de fragmentação interna do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), 
um dos principais partidos políticos que, juntamente com o Partido da Frente Liberal (PFL), 
integrava a coligação que tornou possível a transição negociada do regime autoritário para o 
civil. 
O PMDB se organizou a partir da sigla anterior (MDB), partido que teve sua 
existência tolerada como oposição controlada, para justificar a fachada democrática que 
ornamentava o discurso do regime militar. Como oposição, o partido foi o ponto de fusão de 
diferentes correntes partidárias, e o hospedeiro de representantes de partidos na 
clandestinidade. O que parecia o eixo aglutinador da resistência ao autoritarismo, converteu-
se em heterogeneidade, já que passou a absorver as primeiras dissidências do autoritarismo. 
Pesquisa realizada pela Universidade de Brasília, em março de 1987, sobre as origens 
partidárias de 298 membros da bancada do PMDB na Constituinte, revela que haviam 
pertencido à Aliança Renovadora Nacional (ARENA) em 1979, ou ao Partido Democrático 
Social (PDS) em 1983, 82 membros; integravam os quadros do MDB em 1979 ou do PMDB 
 101 
em 1983, 137 membros; não tinham filiação partidária em 1982 (data de filiação ao PMDB) 
75 membros. Isso quer dizer que 27% do universo considerado tinham pertencido aos partidos 
de sustentação do regime autoritário e menos da metade, 46%, eram peemedebistas históricos. 
(Fleischer, 1987) 
Marins (1989, p. 240) ressalta que, com a perspectiva de liquidação do regime 
autoritário e a iminente ascensão de TancredoNeves ao poder, o partido tornava-se mais 
atraente, tanto para os desertores do autoritarismo quanto para o uso conveniente dos setores 
mais conservadores. Essa intensa mobilidade era refratada ainda pelas disputas e 
incompatibilidades ditadas pelas lógicas políticas regionais. No esforço de ampliar a frente 
política que liderava e fortalecer suas condições de barganha nas negociações com os 
militares, Tancredo Neves tratou de aceitar e acomodar essas adesões mediante distribuição 
de postos e cargos no futuro governo. Segundo o autor, o que seria uma contingência de um 
momento de acumulação de forças contra o regime autoritário visando a sua liquidação, 
converteu-se numa característica permanente do maior partido político do país no curso da 
transição. Logo, o que unia a heterogeneidade vai se romper com as disputas que vão se 
desenhar na Constituinte. A mobilização dos mais variados interesses afetados acentuou a 
desarticulação do partido e provocou as divisões internas do PMDB. 
Esse processo de conciliação e ruptura nos remete à particularidade do processo de 
formação do Estado nacional brasileiro, iniciado após a independência, que foi ancorado na 
manutenção do trabalho escravo, não tendo o trabalho livre ganho espaço para seu 
implemento e consolidação. O resultado foi a ausência de um liberalismo que atendesse nova 
demanda da sociedade recém-emancipada politicamente, mas que não conseguia se firmar em 
toda a sua plenitude. No âmbito político, o surgimento de uma tradição de conciliação e 
contrarevolução vai caracterizar a história política brasileira. 
A Assembléia Constituinte instituída em 1987, pode ser analisada, portanto, como 
mais um processo da conciliação que vinha se processando no país. Nas palavras de Gramsci 
(2002), 
 
são as “restaurações progressivas” ou “revoluções-restaurações” e significa que, ao 
contrário de uma revolução popular, implica dois momentos: o da restauração, que trata de 
uma reação à possibilidade de uma transformação efetiva e radical “de baixo para cima”; e 
o da renovação, na medida em que muitas demandas populares são assimiladas e postas em 
prática pelas classes dominantes (Gramsci, 2002, p. 127). 
 
 102 
Do relato cotidiano da coluna, determinam-se duas camadas discursivas. Uma se 
refere à publicação do fato noticioso e da qual podemos apreender os procedimentos 
jornalísticos que legitimam a autoridade do texto. A outra camada manifesta uma 
historicidade. Essa duplicidade não é excludente, ela estabelece as coordenadas sociais e 
históricas entre relações, significações e ações sociais. Os acontecimentos que, na sociedade, 
servem de referência ao jornal para as criações de suas representações do contexto, sofrem a 
influência e influenciam o contexto social, como jogo de forças do poder e da economia. Isso 
justifica a afirmação de Traquinas (2004, p. 203) de que as notícias acontecem na conjunção 
de acontecimentos e textos. Enquanto o acontecimento cria a notícia, a notícia cria o 
acontecimento. 
Mas, não é de outro modo que funciona o jornal como um todo, que em seus conjuntos 
discursivos desenvolve uma rede de comunicação constitutiva de um estado de cultura. Porém 
no texto da coluna o teor do jornal é pulverizado. Essa síntese funciona como um jogo de 
memória, no qual o colunista apresenta questões e sugere respostas: o uso da palavra comum 
e descontínua se torna reconhecível pela memória coletiva. Isso torna-se evidente na seguinte 
citação 
 
Jornal do Ibrahim, 26 de abril de 1987: 
O senador Fernando Henrique Cardoso reconhece que está se intensificando bastante o 
movimento pelas diretas em 1988. “Há um comichão neste sentido no Congresso”, 
enfatizou. Acha que a data mais provável para a reabilitação do pleito é novembro do 
próximo ano. “Isto se os que defendem este ponto de vista conseguirem vencer esta luta”, 
confidenciou. Eleição direta, segundo Fernando Henrique, poderá ajudar na condução 
política e econômica do Brasil, “pois hoje sentimos um quadro realmente meio confuso”. 
 
O discurso mantém, em seu núcleo, a estabilidade da memória política, reconhecível 
pela maioria dos brasileiros. O colunista faz recair toda a responsabilidade do discurso no 
senador Fernando Henrique Cardoso. No entanto, em seus meandros, o nome declina, e não é 
mais capaz de manter a autoridade do discurso, porque, na memória coletiva, ele está 
relacionado a outro discurso em aberto, ou seja, a campanha das Diretas-Já em 1984, cujas 
mobilizações populares, articuladas pelos partidos políticos e organizações profissionais e 
classistas, não foram suficientes para promover a ruptura democratizante do regime. Esse fato 
demonstrou que a correlação de forças estratificadas no Congresso expressava uma flagrante 
contradição com a correlação de forças existentes na sociedade. 
 103 
Halbwachs (2006) recorre aos diferentes pontos de referência (monumentos, 
patrimônios arquitetônicos, datas e personagens históricos) que funcionam como indicadores 
empíricos da memória coletiva de uma determinada sociedade. Para o autor, o caráter quase 
institucional dessa memória coletiva encontra, na memória nacional, sua forma mais 
completa. Hierarquizada e classificatória, a memória define aquilo que é comum a um grupo 
e, ao mesmo tempo, diferencia-o de outros, fundamentando e reforçando os sentimentos de 
pertença e as fronteiras socioculturais. 
De acordo com Halbwachs (2006), a memória coletiva exerce a função de reforçar a 
coesão social não pela coerção, mas pela adesão afetiva do grupo. Para que isso aconteça, 
ocorre um processo de “negociação” no qual são conciliadas a memória coletiva e as 
memórias individuais, porquanto, a fim de que a memória de um indivíduo seja beneficiada 
pelas memórias de outros, é necessário que haja pontos de contato suficientes para que as 
lembranças de ambas as partes possam ser reconstruídas sobre uma base comum. Fica claro 
que a memória coletiva não é algo fixo, mas um processo em permanente mutação, fruto de 
uma negociação de sentidos e de interações culturais. 
Neste aspecto, o colunista faz emergir um outro discurso relacionado à campanha 
ocorrida em 1984, pela aprovação da emenda Dante de Oliveira, que propunha eleições 
diretas para Presidente da República, apresentando, como principal característica, a 
manifestação popular nas ruas das principais cidades brasileiras. Os comícios e manifestações 
de massa se constituíram momentos de conflito estabelecido. De um lado, a manutenção de 
uma transição negociada e, de outro, a ampliação de participação popular. 
Afirmação evidenciada na atitude de Tancredo Neves, que pretendia uma solução 
negociada com o governo militar, visto que procurava se mostrar em sintonia com a vontade 
popular e, ao mesmo tempo, não se indispor com os representantes do regime militar 
favoráveis a uma negociação na sucessão presidencial. É memorável o comício ocorrido em 
Belo Horizonte, que contou com a participação de 300 mil pessoas, reunidas na Praça Rio 
Branco. O próprio governador se encarregou de cuidar para que a população não sofresse 
nenhuma forma de repressão, mas, em contrapartida, também nenhuma expressão de 
radicalismo fosse percebida. 
Para cada discurso, podem-se pensar diversos e sucessivos encadeamentos de 
processos de significação, sem que isso possa representar uma visão simplista da história 
como repetição. Desse modo, pretende-se dizer que tais discursos não são independentes uns 
dos outros, mas são dimensões de um mesmo processo. No mesmo sentido, gravita nessa 
órbita o discurso de Guilhon Alburquerque: 
 104 
 
A rejeição da Emenda Dante de Oliveira significou o fracasso de uma das estratégias em 
que se dividiu a Oposição democrática, desde a formulação da política de distensão do 
presidente Geisel. A estratégia derrotada consistia em granjear apoio popular para uma 
ampla frente de todas as correntes de oposição. Essa coalizãobuscaria alianças em todos os 
setores da sociedade civil, a neutralidade das Forças Armadas e a simpatia dos setores 
dissidentes liberais do regime autoritário. (Guilhon Alburquerque, 1987, p, 120) 
 
Nesse entrelaçamento de discursos, o do texto da coluna é o desfecho da rejeição da 
Emenda Dante de Oliveira e faz parte de um longo e complexo processo de transição política, 
que tem na Nova República a estratégia que possibilitou a substituição mais suave do regime 
autoritário por um governo democrático. Ele também está articulado a outro texto da coluna, o 
do dia 13 de junho de 1987, quando está em debate a questão da opção entre o 
parlamentarismo e o presidencialismo: 
 
O presidente José Sarney mandou um recado para seus colaboradores. Não quer ninguém 
falando, nem mesmo em tese, sobre a realização de eleições no próximo ano. Acha que a 
simples discussão do tema por membros do Governo somente serve para acalorar a já 
elevada temperatura política. Com cautela o presidente acha ser possível reverter a situação 
e conseguir dos políticos presidencialismo e mandato de cinco anos. Aliás, a notícia 
infundada de que seus filhos o aconselharam a aceitar quatro anos foi mais uma sinfonia 
orquestrada contra o Presidente... De leve. 
 
O discurso das Diretas-Já está entretecido ao debate travado na Assembléia 
Constituinte acerca da forma e o período de governo, como se um organizasse o outro, 
todavia, em vez de se apaziguarem, ordenam-se em outra cadência; algumas vezes se 
aproximando, outras vezes se contraindo. O estabelecimento dessa duplicidade é visível no 
texto. Um lado voltado para o debate da organização da nação após as eleições; o outro, 
impelindo a um fechamento, já que ainda não estava definido o processo eleitoral. Em longo 
prazo, tende a instaurar-se uma hegemonia que, por seu lado, abre-se para outras 
possibilidades. 
Em relação aos rumos que deveria tomar a organização da nação, o interesse em 
preservar o presidencialismo não se resumia ao presidente Sarney ou a governadores de 
Estado. Na verdade, um novo sistema de governo mudaria os horizontes de milhares de 
participantes da classe política, cujos objetivos político-eleitorais se organizavam numa matriz 
presidencialista. A aprovação do parlamentarismo frustraria as expectativas dos políticos e 
 105 
subordinaria o Legislativo ao Executivo. Por isso, não se estranha a vitória do 
presidencialismo com mandato de cinco anos. 
O debate dessa duplicidade não é harmônico, mas é uma manifestação dinâmica e 
multíplice, no qual os sentidos mudam de direção, aproximam-se, derrubam-se e liberam-se 
mutuamente. A cada nova configuração, vão se atualizando, com ajustamentos imprevistos 
nas épocas anteriores. Em tal processo, ocorre o afrontamento de histórias diferentes geradas a 
partir de representações e interpretações individuais, que, por sua vez, encontram-se com 
outras similares e se constituem em representações e interpretações coletivas, que se 
materializam no texto. 
Fico (1997), em análise sobre o imaginário social do período Sarney, afirma que o 
então presidente é caracterizado por uma exacerbação dos sentimentos patrióticos, com 
atitudes individuais ou coletivas. Cita-se, por exemplo, o fato de que, em julho de 1985, numa 
atmosfera cívica posterior à campanha das Diretas, quando os espectadores que se preparavam 
para assistir à partida de futebol entre Brasil e Paraguai, começaram a cantar, 
espontaneamente, o Hino Nacional, embora isso não estivesse previsto pelos organizadores. 
O exemplo acima é demonstrador de que a subjetividade é plural, ela é um conjunto 
das condições que torna possível que instâncias individuais e coletivas estejam articuladas na 
mesma dinâmica social, ou seja, a subjetividade é produzida por instâncias individuais, 
coletivas e institucionais. 
Reencontramos aqui as idéias de Bakhtin (1998), o qual salienta que o modo como o 
discurso é ordenado em uma dada sociedade é o registro mais sensível e compreensivo de 
como são ordenadas todas as suas práticas ideológicas, inclusive religião, educação, 
organização do estado e política. “A língua não é o reflexo das hesitações subjetivo-
psicológicas, mas das relações sociais estáveis dos falantes”. (Bakhtin, 1995, p. 147) Para o 
autor, quando há a apropriação do discurso do outro ocorre uma assimilação não apenas de 
uma estilística literária ou regras da gramática ou pontuação, mas também dos sentimentos e 
das ações. 
Seguindo esse raciocínio, é possível identificar os diversos discursos sobre a memória 
nacional, que passa por versões múltiplas e apropriações que se complementam e se afastam; 
remontam à memória para atualizar os acontecimentos do presente, num movimento de 
retorno ao passado, buscando os pontos de ligação entre o passado e o presente. 
Os sentimentos e comoções históricas dos quais trata Bakhtin são exemplificados no 
texto da coluna: 
 
 106 
 
Jornal do Ibrahim, 15 de maio de 1987 
O governo que se cuide. A CUT está articulando manobras com o objetivo de reforçar suas 
ações no campo. A partir do próximo mês pretende intensificar greves na zona rural por 
operações diversas, como o bloqueio de estradas. A CUT partiu para esta operação por 
considerar que não é oportuno fazer muitas greves na área urbana. As paralisações por aqui, 
na maioria, estão servindo para ajudar os patrões a aumentar o preço das mercadorias. Foi 
por isto que não estourou agora a greve dos metalúrgicos do ABC paulista. A CUT deve 
gostar de uma ditadurazinha militar. Fomenta bastante. Aliás, um dos seus chefes, o 
inteligente Lula, adora cultivar ditaduras tipo Fidel... De leve. 
 
A leitura do contexto indica que o período entre os anos 1987 e 1988 foi considerado 
de desmobilização política: a derrota da campanha pelas eleições diretas e o fracasso do Plano 
Cruzado haviam deixado marcas de decepção no otimismo da população. Além da crise 
econômica, sucederam-se seus corolários, como a recessão, o desemprego, a inflação e o 
desgaste dos salários, bem como uma sucessão de planos econômicos mal sucedidos e 
consequentemente de ministros, que não ajudaram a infundir confiança. A fragilidade do 
governo Sarney em responder com reformas às expectativas de mudanças tornava o ambiente 
propício para a intensificação os movimentos grevistas, que culminaram com a mobilização 
dos assalariados em março de 1988. 
Nesse clima, foram realizadas as eleições para prefeitos e vereadores em novembro de 
1988. O resultado das eleições indicava que o Partido dos Trabalhadores (PT) foi o único que 
cresceu em termos eleitorais, saindo vencedor nas principais cidades do país: São Paulo, 
ABC, Campinas, Santos, Piracicaba, Porto Alegre e Vitória. A vitória do PT em outros 
centros urbanos demonstrava que o partido havia obtido um perfil mais nacional e menos 
paulistano. 
Entram em cena, nesse discurso, categorias de fato, de sujeito e de tempo históricos 
que rompem com a história tradicional, o que dá destaque à atuação de sujeitos, até então, 
marginalizados, como por exemplo, o advento da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e 
do deputado constituinte Luis Inácio da Silva Lula. 
O posicionamento ideológico do colunista no texto anterior não é, contudo, uma regra, 
porquanto, em muitos de seus discursos, ele se utiliza do recurso a abstrações, que propicia a 
ilusão de afastamento, pois ele se limita a transmitir uma opinião de outro. Com essa 
estratégia, funda-se um relato, um diz-que-diz, como pode ser comprovado na nota abaixo, 
relativa às constantes trocas de ministros no governo Sarney: 
 107 
 
Jornal do Ibrahim, 23 de setembro de 1987 
Confidencial: Amigos do ministro Bresser Pereira o têm aconselhado a largar o Ministério, 
com a justificativa que não controla o déficit público. Não está fácil controlar em 3,5% do 
PIB. A agulha do déficit não sai de 4,5% e ameaça chegar aos 5%. O Ministro não tem 
apoio do PMDB e nemo menor apoio dos demais ministros, que só querem implodir o 
déficit. Os inimigos proclamam que Bresser fraudou a moratória, imposta pelo antecessor 
Funaro, além do que colocou à frente da renegociação da dívida Fernão Bracher, que se 
afastara do Banco Central por discordar da moratória, do discurso e do palanque do Sr. 
Dilson Funaro. 
 
Quanto mais longa a duração, mais aparecem linhas de semelhanças que ligam um 
texto a outros e que ligam entre si as diversas esferas. O texto relaciona-se ao rumo do 
governo Sarney, apontando para a dificuldade de ultrapassar as limitações de uma política 
econômica nacional-desenvolvimentista. Em análise do período, Sallum Jr. (1996) indica que 
a gestão econômica do governo Sarney demonstrava a insuficiência de se tomar o Estado 
apenas como setor/agente econômico desajustado, fosse pelo desequilíbrio interno (desajuste 
fiscal, descontrole financeiro, administrativo), que perturbava o funcionamento do setor 
privado, fosse porque indevidamente intervinha no sistema econômico. Desse ângulo 
dominante no debate público, o Estado tem sido identificado como “setor público” e não 
como organização de dominação de alguns segmentos sociais sobre os demais. 
Para Sallum Jr., essa visão neutraliza sociologicamente o Estado/setor público, que, 
tratado como entidade sujeita à má administração, em geral atribuída à “interferências” 
políticas de partidos e interesses eleitorais, dificulta as distintas estratégias de enfrentamento 
da crise econômica. A capacidade de veto de cada um dos componentes da aliança nacional-
desenvolvimentista demonstra que a crise de hegemonia do começo dos anos 80 não fora 
superada. 
Ainda segundo esse autor, cada tentativa heterodoxa/ortodoxa de ajuste econômico 
buscava recuperar a autoridade do Estado, estabilizar a moeda, e jogar o ônus do ajuste do 
setor público sobre um ou outro componente da velha aliança. Num momento, cortaram-se 
rendimentos de credores externos e internos do Estado. Noutro, restringiram-se os gastos com 
salários dos funcionários públicos e transferências do Tesouro para estatais; adiante, decidiu-
se onerar o empresário privado com carga tributária, mas, em todas as situações, os segmentos 
eventualmente perdedores, dada a solução implementada, encontraram meios de vetar o ajuste 
pretendido. 
 108 
A assimilação do contexto pelo texto da coluna revela que as divergências pós-
Cruzado entre Funaro x Sayad x Bresser e técnicos vários resumem as oscilações da política 
econômica da Nova República antes e depois da nova moeda: 1ª fase: Dornelles/Sayad; 2ª 
fase: Bresser/Maílson. A contínua troca de ministros e planos econômicos mostra que 
nenhuma orientação econômica obteve consenso no leque de forças sociais e políticas que 
conduziram à transição política brasileira do período. 
Essa idéia fica mais clara no texto abaixo, quando a coluna faz referências às 
qualificações desfavoráveis ao Plano Bresser: 
 
Jornal do Ibrahim, 10 de novembro de 1987: 
O caixa alta Elmo Araújo Camões, presidente da Associação Brasileira de Bancos 
Comerciais, acha que entrou areia no Plano Bresser. Foi descaracterizado com os reajustes 
salariais ocorridos no Banco do Brasil e no Banco Central. Portanto não acredita nas 
previsões de inflação feitas pelo Governo e não acha que o Brasil vá receber US$ 1,5 bilhão 
em investimentos externos. “A grande chance de conversão da dívida externa já passou. 
Com a queda nas bolsas internacionais e incertezas na economia americana, a turma está 
com as barbas de molho”. 
 
Expressões como “entrou areia no Plano Bresser”, “a grande chance de conversão da 
dívida já passou” e “a turma está com as barbas de molho” expressam qualificações 
negativas/desfavoráveis. Essas vozes contextualizadas desvelam as derrotas do ministro 
contra corporações de funcionários da administração direta e indireta e grupos privados. O 
discurso de contestação presente no texto da coluna manifesta a perda do pequeno suporte 
empresarial do ministro, que culminaria com sua saída em dezembro de 1987. 
São inúmeras as analogias discursivas possíveis, inclusive o que distingue em 
contraste os estados passionais do Brasil. A sua história é marcada por “altos e baixos”, ou 
seja, por dois discursos opostos: o do otimismo e o do pessimismo. São discursos presentes no 
imaginário da sociedade brasileira desde a sua independência e cujos ecos ouvimos ainda no 
período analisado. Como discurso de otimismo, temos o entusiasmo pela vida nacional, de 
confiança no futuro do país. O outro, pessimista, aborda a crise moral e política como fatores 
que impediam o aproveitamento do potencial natural do país. As duas modalidades de textos 
podem ser identificadas, também, nos textos da coluna. 
Os dois discursos podem ser ativados além do tempo e do espaço; por exemplo, o 
discurso ideológico da crise moral é sempre impulsionado e pode servir a diversos fins, como 
afirma Fico (1997:43). Ele serviu para justificar o Golpe de 64, já que, ideologicamente, 
 109 
março de 1964 veio para restaurar o primado dos valores éticos e morais do Ocidente cristão, 
haja vista a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Ele também será intensificado nos 
anos 1980, conhecido como a década perdida para o Brasil, como dá a entender o texto da 
coluna de Sued. 
O seu oposto, o discurso otimista numa relação análoga, conquanto inversa, é 
associado aos momentos de euforia ou quando ocorre uma fragilidade do equilíbrio entre um 
e outro momento. O Globo, na reportagem de Fred Suter, do dia 18 de janeiro de 1988, 
comenta sobre um estudo de modelos de felicidade, realizado pela Listening Post, editado 
periodicamente pela Standard Ogilvy & Mather. O resultado da pesquisa aponta que 0% do 
povo brasileiro está completamente feliz; 5% estão muito felizes; 50% mais ou menos felizes; 
32% pouco felizes; e 13% nada felizes. Ouvidos individualmente, 14% estão completamente 
felizes; 33% muito felizes; 47% mais ou menos; 8% pouco felizes e apenas 4% nada felizes. 
93% dos entrevistados estão satisfeitos de terem nascidos no Brasil, porque, segundo a 
reportagem, “a população acredita escorada no ufanismo ser o país do futuro, uma nação que 
ambiciona repetir a experiência americana no século XXI”. 
Apesar de a conotação positiva ou negativa do discurso ser sincronicamente função do 
grupo social que o usa e, diacronicamente, dos contextos que se vão criando, observa-se que 
essas qualidades migram e se entrelaçam em vários outros discursos, como o discurso 
ideológico e o discurso intelectual. Exemplo desse nomadismo pode ser identificado na obra 
de Jurandir Costa, com suas explicações psicanalíticas para o estado do Brasil nos anos 80: “o 
homem comum, habituado a delegar à classe dirigente o poder e a iniciativa de decidir o que é 
bom para si para os outros, perde a confiança na justiça. É a crise moral que acompanha a 
crise política, econômica e social (Costa, 1988:166). 
Torna-se perceptível que os discursos, positivo ou negativo, estruturam um conjunto 
de formas cristalizadas de pensar, sentir e agir das elites hegemônicas e funciona em âmbito 
simbólico e imaginário, viabilizando a convivência grupal aparentemente harmônica. Assim, 
eles estão prontos para serem usados, sempre que preciso, para conciliar os interesses 
coletivos em detrimento dos interesses individuais. 
A prática discursiva do colunista opera com a diversidade de tempos sociais e com a 
diversidade de memórias coletivas; ocorre uma descontinuidade entre o discurso produzido 
pelo colunista e o presente construído pela coluna – com os recortes que realiza da memória e 
da realidade – e o conjunto de enunciações dispersas, heterogêneas e atemporais que formam 
o saber histórico de uma sociedade sobre aquilo que a constitui e a diferencia de outras. 
 110 
Um recuo espaço-temporal faz aparecerem indícios de deslocamento e revela uma 
notável continuidade de discursosentre o texto apropriado para esse estudo e uma tradição 
organicista do social. Da mesma forma que a medicina estuda o corpo para diagnosticar e 
medicá-lo, os métodos políticos atuam como remédios para a preservação da ordem social. 
Tal metáfora já foi observada por Lefort (1983), em análise que faz do regime totalitário 
soviético. A metáfora do corpo é utilizada para designar um instrumento racionalmente 
justificador da subjugação das partes em relação ao todo: 
 
O mais perfeito typo de organização que temos para estudar e copiar é o homem. Toda 
organização racional se assemelha ao corpo humano ou as suas partes componentes. Ella 
deve possuir o orgão de “direcção”, como o cerebro, capaz de receber as sensações 
exteriores, definil-as, conjugal-as e resolvel-as, determinando a “reacção” adequada. Deve 
possuir igualmente apparelhos transmissores, não só das sensações, como das 
determinações do comando central, como os nossos nervos. Ella deve ser dotado de agentes 
executores que obedecem, (sem discutir) as ordens e determinações do centro director, tal 
qual os nossos músculos, Tem de ter também orgãos de rotina, que agem por si mesmos, de 
accordo com as circunstancias, sem interferencia do cerebro, como o fígado, glandulas, etc. 
Deve ainda possuir uma “estructura” que lhe dê uma forma estável e que resista às 
deformações, dotada, porém, de certa mobilidae, como o nosso esqueleto. Finamente, deve 
ser apparelhada com um systema de agentes de conservação, que cuidam de conservar, 
limpar o organismo, como nosso sangue e o nosso systema de secreções. 
Que é um systema de telephones senão uma copia grosseira do cerebro (centro) dos nervos 
(fios) e cellulas receptoras (apparelhos)? 
Que é um systema de transporte senão uma copia rudimentar do nosso perfeito systema 
circulatorio? 
(...) 
No corpo humano, não se dá o caso do estomago ou do fígado querer funccionar como 
cérebro, ou os pés querem substituir os olhos ou ouvidos... Se isto se désse, seria uma 
anarchia completa. Entretanto, no organismo social esse absurdo é tentado de várias formas 
e as chamadas lutas de classes não são mais do que uma luta de orgãos que pretendem 
dirigir o organismo, isto é, fígados e estômagos que pretendem ser cérebros, de vez em 
quando. (Lefort, 1983, p.120) 
 
O teor do discurso acima é uma reverberação do discurso positivista que entendia o 
universo e a sociedade submetidos a leis invariáveis e, por isso, possíveis de serem ordenados. 
Esse lema positivista atravessou fronteiras e, apesar de ser discutível o peso do positivismo 
para o estabelecimento da República brasileira, é inegável a sua influência nos pensadores do 
período, que o viam como modelo para o país. 
 111 
Essa postura refere-se, implicitamente, à unidade orgânica do país. As crises são 
explicadas porque a cabeça dirigente não está fazendo a correspondência interna de todas as 
partes, o que provoca os conflitos desagregadores da ordem social. Nesse sentido, qualquer 
insubordinação ao poder corrompe uma ordem preestabelecida, além de levar à falsa noção de 
que o fato de existirem diferentes grupos sociais implicaria uma oposição insolúvel de 
interesses entre esses grupos. Qualquer proposta ou ação que dificulte ou impeça a aceitação 
da concepção de que os diferentes grupos sociais existentes são complementares e necessários 
uns aos outros e de que a harmonia entre eles é benéfica e indispensável à sociedade é vista 
como falsa e perigosa. Estilhaços desse discurso ecoam na reportagem da coluna do dia 18 de 
janeiro de 1988: 
 
Lugar de baderneiro é na cadeia 
Repetiu-se no Rio mais uma baderna profissional, organizada pela minoria de agitadores 
contumazes do PT, CUT e PDT. 
Numa cerimônia católica, simples, sem nenhuma ostentação, com pouco mais de cem 
convidados, os baderneiros, uma pequena minoria, friso, foi para a frente da igreja impedir 
que um dos padrinhos comparecesse à cerimônia. 
Acontece que o referido padrinho era o Presidente da República. Os Direitos Humanos 
devem ser para todos e, principalmente, para o Chefe da Nação. 
Se essa minoria de desordeiros profissionais afirma que o Presidente é persona non grata no 
Rio, a maioria dos cariocas proclama o contrário. Sarney é persona grata e foi graças a ele 
que banimos, nas eleições passadas, o nefasto e corrupto Brizola do Rio. 
 
Do texto da coluna é possível depreender a visão positivista que procura construir uma 
imagem de sociedade homogênea e harmônica. A violência da dominação exercida por uma 
classe torna-se natural e legítima, porque fornece aos membros de uma sociedade dividida e 
separada do poder a imagem da indivisão política e elabora, para a classe que detém o poder, 
a imagem de si como representante homogênea e eficaz da sociedade como um todo. As 
manifestações tornavam-se, portanto, crime contra a nação, pois essas posições apontavam 
para a destruição do organismo nacional. 
A metáfora do corpo político permanece, ainda hoje, como um discurso apropriado 
para reforçar a submissão a um poder miraculoso que emana dos líderes políticos esperados e 
que encarnam em suas pessoas a identidade possível da sociedade consigo mesma. Ele é um 
discurso que oscila entre a luz, ora visível, e a sombra, ora escamoteado, mas sempre utilizado 
como instrumento potente para o entrelaçamento governo/povo, aberto a várias modalidades 
 112 
de discurso que se entrelaçam, se aproximam, se distanciam, deslocam-se e dialogam entre si, 
e neste diálogo sofrem os condicionamentos sociais e históricos que perpassam os sujeitos e 
as palavras. 
No entanto, o discurso do colunista também aponta para as grandes mobilizações 
ocorridas na sociedade brasileira no decorrer dos anos 80. Elas foram de suma importância 
para que houvesse uma correlação de forças favorável à instauração de instâncias decisórias 
democráticas, de modo a possibilitar a criação de mecanismos voltados para a ampliação da 
participação da população nas decisões, combinando democracia representativa com 
instrumentos de democracia participativa. 
Embora o período tenha reproduzido, em alguns momentos, a velha tradição brasileira 
dos “arranjos pelo alto”, ele também foi determinado pela pressão advinda “de baixo”, que 
tinha como estratégia abrir e conquistar espaços para as camadas excluídas do poder. 
Nessa articulação mútua, as palavras vão se materializando em discurso e 
impregnando as formas de pensamento e de sensibilidade. O texto da coluna participa desse 
universo comunicativo de informações acumuladas na memória da sociedade. A reconstrução 
da sua narrativa se expressa sob formas de encadeamentos sígnicos, ordenações e hierarquias, 
não necessariamente lineares. O texto resultante é uma interação desses elementos e da sua 
projeção temporal e espacial num infinito diálogo consigo mesmo e com outros signos, 
transportando-se para além das fronteiras da língua, para a própria cultura e se construindo 
nesse diálogo entre seus componentes subtextuais e na interação entre os signos e dos signos 
com o seu próprio percurso histórico. 
A tarefa que se impôs, ao longo deste texto, foi identificar que, no conjunto de 
enunciações dispersas, heterogêneas e atemporais da coluna social, forma-se o saber histórico 
de uma sociedade sobre aquilo que a constitui e a diferencia de outras. Ademais, situar a 
existência concreta do discurso e as circunstâncias em que foi produzido e, para além do 
espaço e do tempo, atestar o seu ressoar em outros tempos históricos. 
O texto analisado neste estudo específico foi a coluna social do Ibrahim Sued, no qual 
identificou-se o predomínio de uma tradição política que via, nos aparentes aspectos 
democráticos do processo de transição, aspectos situacionais que poderiam prejudicar a sua 
legitimidade. Na investigação de tal discurso, observa-se uma convergência com o discurso 
dos políticos ligados ao regime de exceção. Eles eram retratadoscomo protetores, mais do 
que repressores; já a nova avalancha de políticos que ascenderam ao poder pelo voto, como 
perturbadores e inimigos da democracia. 
Assim, de acordo com a percepção de Nora (1985) a respeito do princípio da 
 113 
descontinuidade, podemos entrever um passado que é dado como radicalmente outro, porque 
revela um mundo no qual os indivíduos estariam desligados para sempre. O passado que 
retorna pelo esforço da lembrança é sempre outro passado, nunca o mesmo. Entretanto essas 
marcas possibilitam um deciframento do que somos à luz do que não somos mais. 
Destarte, a defesa do discurso da coluna social se deve ao fato de que ele se configura 
como uma fonte para a construção, no presente, de uma memória que fornece elementos para 
a construção da história. Todavia é necessário considerar os limites oferecidos pela memória 
histórica. 
Certamente que esses discursos possibilitam o retorno de temas do passado e a sua 
emergência na memória do presente. Nesse processo, a memória é acionada e tem o efeito de 
produzir sentidos construídos em um percurso inscrito em outros discursos e em outras 
épocas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 114 
III - O RISO NA ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE (1987-1988) 
 
Nos capitulos anteriores, procuramos demonstrar que a coluna social é um gênero de 
fofoca, entendida como um fenômeno social e tematizada como evento social, cuja 
informação passada para os participantes pode ser recontada, recriada e reconstruída, tendo 
por foco o uso da linguagem como prática social e dialógica. Por isso o seu caráter 
mnemônico. 
Observamos que uma das características da fofoca é trazer à luz aspectos relevantes do 
cotidiano de forma jocosa. O humor provocado pela fofoca está firmemente arraigado na 
realidade social e política e revela questões importantes da sociedade: desde os interesses 
dominantes, as atitudes e valores relativos à identidade até seus contrapontos, contradições e 
ambivalências. 
A proposta agora é analisar a coluna social pelo ângulo do humor instaurado pelo tom 
provocante, irônico e risível. Para compreender o riso em sua dimensão social, foram 
selecionadas as notas da coluna social de Swann relacionadas à cobertura dos fatos pitorescos 
e das diversas manifestações de ironia, ocorridas nos bastidores da Assembléia Constituinte. 
A primeira referência acerca do cômico que abordaremos encontra-se em Bakhtin 
(1999), no estudo das festas pagãs primitivas, no qual o autor identifica na comicidade uma 
ligação com as tradições vivenciadas na antiguidade por meio da carnavalização. Nesse 
sentido, a carnavalização é uma cosmovisão revitalizadora que tem como princípio o 
redimensionamento das relações do homem com o mundo. Na leitura de Bakhtin, o elo entre o 
sério e o cômico já existia na vida social, desde os primórdios da humanidade. Tal afirmação 
está assentada na observação de que os rituais sérios se coadunavam com os rituais que 
parodiavam os mitos, os acontecimentos e os heróis cultuados pela comunidade. A morte e a 
vida, o divino e o profano, o sério e o cômico, o oficial e o extra-oficial, o sublime e o 
escatológico conviviam harmonicamente na vida social da antiguidade. 
Se na antiguidade o sério e o cômico conviviam de forma harmônica, foi com o 
surgimento do Estado e da sociedade de classes que eles passaram a ser dicotômicos. O sério 
se tornou a cultura dominante, e o cômico foi proibido em alguns espaços e permitido em 
ocasiões restritas aos momentos festivos. 
Segundo Bakhtin, é nas festas populares que ocorre um afrouxamento da fronteira 
entre o sério e o cômico. Nelas, os lugares sociais são dessacralizados, ocorrendo a inversão 
de papéis sociais, e as verdades emergiam em forma de brincadeira e escárnio. Os indivíduos 
ganham voz para dizer o que pensam por meio de gestos e vocabulários obscenos. No 
 115 
carnaval, por exemplo, ninguém assiste passivamente: todos vivem as situações que são 
colocadas em jogo. 
Na visão bakhtiniana, o riso é transgressor, já que pode ser interpretado como uma 
inversão, dada a dignidade da instituição atingida, lugar de ordem, de manipulações e 
imposturas. A sua estratégia básica consiste na desfamiliarização, ou destronamento, em que o 
senso comum é rompido, o inesperado é evocado, o que é familiar é exposto em contextos 
desconhecidos ou chocantes. 
Já para Bergson (2007), o riso é como um eco social, ele dá respostas a certas 
exigências da vida em comum e tem uma significação social. Além de ser um fenômeno 
social, é também psíquico: o sujeito ri de situações constrangedoras com as quais não se 
envolve emocionalmente. O cômico é provocado pela observação das falhas humanas em uma 
perspectiva corretiva, diante dos olhos do observador, ou seja, o riso tem um significado 
social com a função de aperfeiçoamento do indivíduo. O cômico estaria ligado à capacidade 
de explicitar e identificar o ridículo humano projetado no exagero caricaturado, na encenação 
do automatismo, nos gestos de transgressões e nos clices desgastados. 
Em seu estudo sobre o riso, Bergson (2007) salienta que o cômico é um fenômeno 
exclusivamente humano. Ele ocorre quando se dá uma “anestesia” momentânea das emoções. 
Afirmação que pode ser questionada pelas investigações contemporâneas sobre a natureza da 
racionalidade; exemplo disso encontra-se em Damásio (1996), que investiga a correlação 
existente entre emoção e razão
8
. Bergson, quando ressalta que a comicidade se dirige à 
inteligência pura, faz a separação entre razão e emoção, desconsiderando que a emoção e os 
sentimentos são indispensáveis para a racionalidade; e que todo conhecimento é precedido de 
algum julgamento, assim a própria identificação do que é risível passa pelo processo de 
conhecimento daquilo que não é. Entretanto, ao identificar no riso um princípio de 
relaxamento que anestesia o pensamento, sugere a noção de riso decorrente do 
distanciamento, sem o qual nenhuma forma de comicidade se viabiliza. 
As percepções de Bergson a respeito do riso ocorreram a partir da observação da 
dinâmica dos brinquedos infantis: o boneco de mola, o fantoche a cordões, a bola de neve; 
com base nessa investigação, ele elabora os processos fundamentais do riso: a repetição, a 
inversão, a interferência de séries e a transposição. Nesse processo, Bergson identifica 
algumas características do cômico: cômico de linguagem, o cômico de situação e o cômico de 
caráter. 
 
8
 Nesta obra, fruto de duas décadas de trabalho clínico e experimental, Antonio Damásio mostra que a ausência 
de emoção e sentimento pode destruir a racionalidade. 
 116 
Essa identificação dos vários tipos de cômico é feita de acordo com uma perspectiva 
que faz residir na fusão entre o mecânico e o vivente, a essência da comicidade. Assim sendo, 
o cômico das formas resultaria da rigidez adquirida por uma fisionomia, e o cômico dos 
movimentos teria origem nas atitudes, gestos ou movimentos mecânicos com caráter 
repetitivo. O exemplo clássico desse tipo de cômico, para o autor, são os artifícios usuais da 
comédia, quando ocorre a repetição periódica duma palavra ou de uma cena, e a intervenção 
simétrica dos papéis. 
Nessa perspectiva, o cômico de situação resultaria da repetição de um determinado 
acontecimento ou da inversão dos papéis das personagens diante de uma dada situação; ou, 
ainda, da interferência das séries, quando uma situação pertence simultaneamente a duas 
séries de acontecimentos independentes, podendo interpretar-se alternadamente em dois 
sentidos completamente diferentes. 
O cômico de palavras teria origem na aplicação à linguagem dos processos de 
repetição, inversão e interferências. Entretanto, Bergson (2007) enfatiza que devemos 
distinguir entre o cômico que a linguagem exprime e aquele que a linguagem cria. O primeiro 
poderia sertraduzido de uma linguagem para outra. Isso é perceptível quando o sujeito passa 
para uma sociedade nova, diferente pelos seus costumes, pela sua literatura e, sobretudo, pelas 
suas associações de idéias. Assim, as atitudes perante o humor variam de acordo com o 
sistema de valores e as questões epistemológicas privilegiadas por uma cultura. 
O segundo é geralmente intraduzível. Deve o seu ser à estrutura da frase ou às palavras 
escolhidas. Nesse aspecto, estaria a transposição, da qual a paródia é um exemplo, ou seja, a 
transposição do solene para o familiar, ou o exagero resultante do processo de transposição da 
grandeza ou do valor dos objetos; bem como a ironia e o humor. 
Finalmente, Bergson identifica o cômico de caráter derivado da falta de integração da 
personagem na sociedade e de algo semelhante a uma distração da própria personagem. 
Assim, é cômica a personagem que segue automaticamente o seu caminho sem se preocupar 
em entrar em contato com os outros. O riso surge para corrigir a sua distração. 
Acredita-se que pensar o riso é transpor os limites do sério, um modo especial de 
compreensão da realidade. O riso, então, é como se fosse uma fissura deixada pela seriedade e 
uma reação imediata e conciliadora, mas também ele pode ser uma reflexão sobre a realidade, 
uma forma de interpretá-la, de ver-lhe o sentido ou a falta dele. 
Por isso, o riso esconde e revela. Na leitura de Bergson (2007), o riso é provocado pela 
rigidez mecânica, pelo automatismo. Isso porque a vida e a sociedade exigem do ser humano 
uma atenção e uma elasticidade do espírito e do corpo para se adaptar às constantes mudanças 
 117 
de situação; o riso, por conseguinte, é uma espécie de gesto social que reprime as 
excentricidades e procura corrigir certa rigidez do corpo, do espírito e do caráter que a 
sociedade gostaria de eliminar de seus membros. Assim, o cômico em Bergson teria a função 
social de corrigir. 
Com base nesses referenciais, analisamos o contexto do Brasil durante a Assembléia 
Nacional Constituinte. 
Após a eleição dos deputados constituintes, as discussões predominantes giraram em 
torno dos poderes a eles atribuídos e da organização a ser adotada nos trabalhos seguintes. Ao 
final do processo, prevaleceu uma organização descentralizada, constituída por subcomissões 
e comissões temáticas, que realizariam os estudos iniciais, ouvindo a sociedade e votando os 
relatórios preliminares. Encerrada essa fase, uma Comissão de Sistematização de 97 membros 
se responsabilizou por preparar o projeto a ser votado pelo plenário. No princípio de 1988, 
após um ano e sete meses de trabalhos da Assembléia Constituinte, o projeto constitucional 
foi levado para uma primeira votação em plenário. Após intensos debates, uma segunda 
votação ocorreu, e a Constituição foi promulgada em 5 de outubro de 1988. 
Essa Assembléia Constituinte, eleita durante a presidência de Sarney, além do trabalho 
legislativo ordinário, tinha como tarefa a redação da Constituição. A convivência conflituosa 
do Poder Executivo e do Poder Constituinte, as negociações, disputas ou revelações das 
lideranças políticas e a intensa atividade dos lobistas marcaram todo o ano de 1987 e parte do 
ano de 1988. 
O exemplo mais evidente da atividade dos lobbies foi a votação que definiu o mandato 
presidencial de Sarney, para cinco anos. É também a origem do “centrão”, grupo de 
parlamentares dispostos a barrar as proposições mais progressistas em troca de 
favorecimentos políticos pessoais. 
Apesar da hegemonia do PMDB, grande vitorioso nas eleições de 1986, 
principalmente em razão de ter assumido a paternidade dos efeitos positivos do Plano 
Cruzado, a correlação de forças na Constituinte foi marcada por diversas concepções 
ideológicas e doutrinárias. Isso poderia indicar a falta de definição ideológica dos partidos 
políticos. Pesquisa divulgada na Folha de S. Paulo, no dia 19 de fevereiro de 1987, indicava o 
perfil ideológico dos 559 constituintes: 181 de centro (32,3%), 131 de centro-direita (23,4%), 
126 de centro-esquerda (22,5%), 69 de direita (12,3%) e 52 de esquerda (9,3%). 
Curioso notar o fato de que a ação desses grupos suplantou a dos partidos e seus 
programas. Por conseguinte, os grupos conservadores se organizaram em torno do “centrão”. 
Uma das vitórias do “centrão” em plenário foi ter conseguido que o presidente da 
 118 
Constituinte, o deputado Ulisses Guimarães, convocasse uma sessão ordinária para discutir e 
aprovar o projeto de modificação do regimento interno, elaborado pelos parlamentares. 
Outros grupos se formaram, entre eles o “centrinho”, que congregava liberais e 
progressistas, unidos contra o “centrão”. Também surgiu o “grupo dos 32”, reunindo 
constituintes moderados de diversas legendas partidárias. Outra tendência foi o “grupo de 
consenso”, também pluripartidário, formado por representantes de centro-esquerda, cujo 
objetivo principal era o de oferecer propostas para os pontos polêmicos da Constituição. A 
liderança desse grupo ficou com o senador Mário Covas, líder do PMDB. E finalmente o 
“centro-democrático”, surgido do seio da ala moderada do PMDB. 
São esses grupos que vão digladiar-se durante as atividades parlamentares, muitas 
vezes tensas e rígidas. Porém suas ações acabam dando oportunidade à manifestação do riso 
nas situações cômicas específicas aos políticos e provocadas por comentários inoportunos, 
chistes e jocosidades, trocadilhos e citações erradas, que destronam as manifestações 
elementares do sério e instauram o cômico. 
A raiz etimológica grega (kôrnikós), que chegou até nós pelo latim (cornicu) designa a 
conciliação de idéias ou de situações aparentemente irreconciliáveis. A conciliação é 
produzida por um raciocínio engenhoso com a intenção de produzir o riso. Isso pode ser 
verificado na aproximação entre o riso e o poder, em suas essências contraditórias. 
O que fazia rir na plenária da Assembléia Constituinte eram os comentários jocosos, o 
escárnio, a paródia e a ironia e outras formas de risos captados pela coluna social na forma do 
discurso direto ou o relato na primeira pessoa. Identificado o humor, interessa saber por que 
havia o riso naquele momento da história. Quais eram as circunstâncias e o contexto do riso 
durante as sessões parlamentares? 
O humor aqui será entendido na mesma acepção dada pela história cultural: “qualquer 
mensagem expressa por atos, palavras, escritos, imagens ou músicas, cuja intenção é a de 
provocar o riso ou um sorriso” (Bremmer e Roodenburg, 2000, p. 13). 
Sabe-se que o riso tem o poder de mobilizar a sociedade, criando um senso comum 
entre os indivíduos que vivem em comunidade, já que viver em sociedade significa 
reconhecer os mesmos interesses sociais e culturais. O que torna algo risível é justamente 
torna-se risível perante alguém que ri, ou seja, o riso nasce da percepção do outro. 
Os indivíduos de uma mesma comunidade riem daquilo que é senso comum nessa 
sociedade, e é este “estar sintonizado” em um mesmo ideal que determina a maneira de ver e 
compreender as mesmas idéias e o comportamento uns dos outros. Este “ver coletivo” é o 
elemento agregador que determina o sentimento de pertencimento a uma comunidade. 
 119 
Assim, qual a percepção do riso que podemos apreender da coluna social durante os 
trabalhos legislativos? 
Logo no início dos trabalhos se comentava: “o Congresso Nacional já tem painel 
eletrônico e um detector de metais. Fica faltando agora um relógio de ponto”. No dia 30 de 
janeiro de 1987, ao apreciar a programação de posse dos deputados e senadores: 
 
No primeiro dia haverá a diplomação às 9 horas da manhã; a prestação de compromisso às 
10 horas e, às 16 horas, a instalação oficial da Constituinte. No dia seguinte, o programa 
será mais ou menos puxado: às 9 horas haverá a eleição dos membros da mesa e, às 15 
horas, a eleição do novo Presidente da Câmara. Vai ter gente pedindo licençano terceiro 
dia para descansar, ameaçados pelo stress. 
 
O cômico da nota é expressa naquilo que Bergson chama de transposição, ou seja, a 
presença de dois tons extremos: o solene e o familiar. Para o autor, “o risível nasceria quando 
uma coisa antes respeitada, aparece-nos como medíocre e vil” (Bergson, 2007, p.93), ou seja, 
ocorre a transposição do solene para o trivial, do melhor para o pior. 
A transposição ocorre com a insinuação de que os parlamentares trabalham em um 
ritmo muito lento e rememorava a atuação da política e dos políticos aos anos de ditadura: 
parte de seus integrantes se curvavam às pressões do executivo ou à política de favorecimento 
pessoal. Encontramos, em outra nota, a insinuação de que em algumas atividades, 
especialmente de interesse direto, o empenho parece ser bem maior, como no caso a seguir 
relatado. No dia 1º de fevereiro de 1987, os senadores Nélson Carneiro e Humberto Lucena, 
ambos candidatos à presidência do Senado, encontraram-se na hora do almoço, no restaurante 
do Senado. Entre a sobremesa e o cafezinho, Nélson Carneiro se levantou e foi até a mesa de 
Humberto Lucena, desculpando-se depois: “Eu não perco essa mania de pedir votos e fico 
tentado até mesmo quando vejo o adversário”. 
O texto também remete ao fato de que toda a sociedade tem suas normas e padrões 
determinados. Isso resulta em uma conduta uniforme, sem extravagâncias, sem desvios. Tais 
normas e padrões exigem de todos os indivíduos componentes dessa sociedade uma vigília 
constante, para que não haja o desvio, o escorregão, o que chamaria a atenção sobre o 
indivíduo infrator. Aqui, apontamos novamente a um exemplo do que Bergson chama de 
transposição de baixo para cima, como, por exemplo, exprimir honestamente uma idéia 
desonesta ou descrever um comportamento não muito adequado em termos de estrita 
 120 
respeitabilidade. Nesse caso, o riso é um fator de ordem, sancionando as irregularidades de 
conduta, as violações do regulamento e os propósitos incongruentes. 
Pouco tempo após o início dos trabalhos, no dia 03 de fevereiro de 1987, já se ouviam 
comentários jocosos sobre o tipo de atuação de alguns parlamentares: “o Deputado Xuxa – 
aquele que antes das eleições brindava seus eleitores com “beijinhos, beijinhos”; agora, só os 
trata com „tchau, tchau‟”. 
O colunista alude ao chavão utilizado pela apresentadora de um programa infantil para 
criticar a ação de alguns deputados antes das eleições; ao mesmo tempo demonstra a 
banalização do fazer política, exemplificada na insistência dos políticos em cumprimentar os 
eleitores e recebê-los em seus gabinetes. Entretanto, após as eleições, eles se atêm aos 
próprios compromissos. Na leitura de Minois, isso ocorre quando a política assume, sem 
complexo, seu papel de comédia: 
 
como zombar com eficácia dos políticos que apresentam a si mesmos como palhaços sérios 
quando proclamam sua integridade, as mãos sobre o coração, em meio a processos, 
investimentos fictícios ou desvios de fundos, palhaços cômicos quando se misturam ao 
povo para apertar mãos, provar os pratos típicos do torrão natal (Minois, 2003, p.598). 
 
Alguns comentários sarcásticos indicavam que as disputas político-ideológicas se 
davam com palavras como essas do dia 03 de fevereiro de 1987, proferidas por um dos 
parlamentares, retrucando a notícia de que o PMDB pretendia fazer uma Constituição 
explosiva: “O PMDB foi a todas as festinhas na casa do regime anterior e agora quer casar na 
Igreja de véu e grinalda”. Esse caso corresponde ao que Bergson (2007, p. 83) vê como regra: 
“obtém-se uma frase cômica inserindo-se uma idéia absurda num molde frasal consagrado”. 
Fatos e ações pitorescas podem ser exemplificados com o acontecido à Deputada 
Jandira Feghalia, líder na Assembléia Legislativa do PC do B, partido que elegeu um único 
parlamentar. Ela dispunha de apenas uma sala, cujo espaço mal dava para abrigar dois 
armários, uma mesa e dois assessores. “A musa do PC do B está agora tentando driblar o 
Regimento Interno da Casa para conseguir uma sala só para a liderança do Partido, vale dizer, 
ela” (Coluna do Swann, 3 de novembro de 1987). A mesma Deputada foi notícia no dia 18 de 
março de 1988, quando decidiu fazer uma incursão no plenário da Constituinte. Como não 
portava nenhuma identificação, foi barrada na porta. O comentário irônico da coluna foi o 
seguinte: “de nada valendo sua condição de parlamentar e muito menos a clássica indagação: 
“sabe com que está falando?” Jandira pode ser popularíssima na Albânia. Em Brasília, não faz 
 121 
o menor sucesso”. Ou seja, a representante de um partido pouco expressivo pode fazer 
sucesso no anacrônico país onde a ideologia que ela defende ainda vigora; no Brasil em 
processo de modernização, não. Leia-se modernização das forças capitalistas. 
Na nota, o efeito cômico sublinhado por Bergson (2007, p.85): “obteremos efeito 
cômico se fingirmos entender uma expressão no sentido próprio quando ela é empregada no 
sentido figurado”. A atenção, pois, é voltada para a sala ampla que deve abrigar a liderança do 
PC do B, só que a deputada é a única representante; nesse ponto é instaurada a comicidade. 
Ressalte-se também aquele episódio do dia 8 de fevereiro de 1987, quando a Deputada 
Cristina Tavares, do PMDB de Pernambuco, pediu a palavra para afirmar que iria criar um 
projeto de lei garantindo aos congressistas prioridades nas vagas de voos de carreira. 
Tal passagem referencia afirmação de Bergson de que “não saborearíamos o cômico se 
nos sentíssemos isolados”. O autor desloca a comicidade para a sociedade; na nota, a 
comicidade está no fato de a sociedade conhecer o mecanismo da repetição do nosso 
Congresso em criar leis com o intuito de resolver problemas pessoais. 
Na versão bakhtiniana, o riso rabelaisiano tem uma relação direta com a verdade; ele é 
a liberação dos sentimentos que mascaram o conhecimento. Ele permite que a verdade se 
mostre. Na sociedade brasileira fortemente hierarquizada, que articula os seus gestos de 
exclusão a partir do impedimento aos espaços públicos, o humor é associado ao lúdico: pelo 
riso, o brasileiro apropriava-se, por momentos, do espaço público que lhe era negado pelo 
poder. 
Alude-se, em conseqüência, ao processo de distanciamento do Congresso em relação 
aos seus eleitores, fato já observado por Nascimento (2004), que identifica como reflexo desse 
processo repercussões negativas para a imagem da instituição e para o processo democrático. 
No dia 24 de novembro de 1987, lia-se a seguinte nota: 
 
Dirce “Tutu” Quadros está numa luta sem tréguas. Quer inserir na futura Constituição a 
figura do curador psiquiátrico, de maneira a impedir que a família seja a única instância a 
decidir sobre a conveniência da internação de um paciente em clínica especializada. 
Semelhança entre o empenho e recentes atribulações por que passou a deputada não é mera 
coincidência. 
 
O colunista usa o discurso empenhado: o cômico está na desarmonia da situação, já 
que a deputada tinha sido hospitalizada numa clínica psiquiátrica, com o consentimento da 
família. Ao mesmo tempo, a ironia da nota é uma reação defensiva para questionar o voto 
cedido a alguém que não consegue ter domínio de sua própria vida. 
 122 
Alguns tipos de conduta não intencional invocam o cômico, como o fato ocorrido no 
dia 15 de junho de 1987. Algumas participantes do Conselho Nacional dos Direitos da 
Mulher, na madrugada de sábado, distribuíram aos parlamentares que votavam emendas de 
seus interesses 800 sanduíches de atum e 400 caixas de achocolatado. Isso porque elas não 
queriam que os Constituintes fossem obrigados a interromper seus trabalhos. O comentário de 
Swann é: “como gesto, nota dez. Mas atum com chocolate é uma combinação de lascar”. Na 
nota, desfaz-se a imagem da mulher como detentora do espaço doméstico, a qual saberia de 
antemão, que a combinação de chocolate com atumproduz ventosidades. O discurso, ao 
sofrer um desmantelamento, aproxima o homem de sua fisiologia: tal associação de idéias é o 
rebote da comicidade. Por outro lado, o fato evidenciava que havia sido elevado o potencial 
organizativo da sociedade destinado a pressionar os membros do Congresso Nacional em 
torno de interesses comuns, e se estabelecia uma nova dinâmica no processo de ruptura com o 
período anterior. 
Nesse aspecto, o humor representa uma aposta na vida futura, e assim a dimensão 
cômica abria um espaço para o indivíduo afirmar-se, perante aquela espécie de vazio moral, 
característico dos processos históricos em que se cruzam a repetição e a transformação. 
No dia 05 de setembro de 1988, criticado pelos colegas pela venda de camisetas para 
campanhas políticas, o deputado Antenir Werner, do PDS-SC, defendeu-se: “ora, o meu 
negócio é muito normal. Todo mundo vende tudo no Congresso. Tem até quem venda boi!”. 
No exemplo, o riso está na incongruência apresentada num contexto do qual estão ausentes a 
moralidade ou a razão; ou seja: o indivíduo comete um deslize ou não consegue acompanhar a 
sincronia da sociedade; ele é, pois, imediatamente interpelado a justificar o seu desvio ante os 
demais. Também, é uma referência à repetitividade de que fala Bergson (2007), referindo-se 
aos políticos “honestamente” larápios. A premissa de que todo político é desonesto constitui-
se um implícito cultural do brasileiro na medida em que se cristalizou a idéia de que todo 
político é corrupto. O estereótipo é uma característica do cômico. 
Notícias jocosas com ênfase na ação de alguns congressistas demonstram a 
ambiguidade do riso, que une e exclui; por um lado é um riso de coesão que reforça a 
solidariedade do grupo parlamentar; por outro, é um riso excludente que evidencia o uso do 
poder legislativo para exercício de políticas individuais e desqualifica o espaço público como 
esfera onde as decisões cruciais da sociedade devem ser tomadas, o que, de certa forma, 
reforçava o descrédito da sociedade quanto aos rumos da democratização do país. 
No dia 28 de abril de 1988, o deputado Olavo Pires, do PMDB de Rondônia, sugere 
(com o aplauso de todos), para driblar a falta de quorum nas sessões da Assembléia 
 123 
Constituinte, a criação de uma pasta com todas as emendas, destaques e dispositivos, a ser 
entregue aos parlamentares, os quais deveriam devolver à Mesa, com os votos 
correspondentes. O deputado alega que, agindo assim, “a Constituição ficaria pronta em um 
mês”. À primeira vista, parece tratar-se de um comentário inocente, mas contribui para gerar 
uma sensação de distância quanto à sociedade, além de evidenciar que o congresso 
constituinte, aparentemente, se sentia superior à sociedade e por isso podia legislar em causa 
própria. 
O diz-que-diz confere visibilidade à fofoca. Essas fofocas trazem à tona 
exteriorizações do homem público e podem ser entendidas à luz do que Bakhtin (1989) 
afirma: “não há propriedade privada nos domínios da linguagem; e a palavra é parte da teia 
dialógica da vida”. Isso quer dizer que as palavras drenam o sentido da própria vida. 
Menciona-se, igualmente, o comentário que o Ministro Aureliano Chaves fez, ao ser 
perguntado sobre os rumos do Brasil: “não sei! Meu senhor. Tenho rezado muito para que não 
vá para o inferno” (Coluna do Swann, 4 de novembro de 1987). A resposta, apropriando-se de 
uma canção popular, demonstra que ele não era favorável aos rumos que tomava a política do 
país na época, evidenciando a dissociação dos representantes do núcleo governamental, que se 
fracionavam e polarizavam em torno de interesses e idéias distintos. 
Considerado o parlamentar mais proeminente à época, o deputado Ulysses Guimarães 
mereceu vários comentários. Em 33% das notas, o nome do político é citado, ora para elogiar, 
ora para criticar. A ocorrencia é devida ao fato do deputado ter acumulado vários cargos, 
como o de presidente da Câmara dos Deputados, da Assembléia Nacional Constituinte e do 
PMDB. A eleição dele para presidente da Constituinte ganhou a adesão de D. Marly, esposa 
do Presidente Sarney. Numa roda de amigos, no dia 06 de fevereiro de 1987, a primeira dama 
comenta: “entrei para valer na campanha. Cheguei mesmo a fazer corpo-a-corpo com muitos 
constituintes”. 
O comentário da primeira dama era uma referência ao PMDB como o grande centro 
político que sustentava precariamente o governo Sarney. A precariedade estava no fato de ser 
um partido de orientação pouco definida. Se a orientação já era indefinida, por motivos 
históricos, na transição essa indefinição tornou-se mais nítida porque acentuou as tendências 
tanto de uma minoria de esquerda quanto da outra facção do partido, que não rompera com o 
antigo regime. Vale ressaltar as observações de Sallum Jr. (1996), que vê na ausência de um 
projeto definitivo de reconstrução socioeconômica e institucional que orientasse o partido 
majoritário (no caso o PMDB), um fator que facilitou o andamento de um movimento de 
afirmação do poder próprio do Congresso desde o início da Constituinte. 
 124 
Nesse processo, destaca-se a atuação do presidente do PMDB, Ulysses Guimarães, 
que, com muita habilidade política, conseguiu unificar as alas opostas do partido, ao 
acomodar a esquerda liberal à maioria da bancada peemedebista. Na verdade, a articulação do 
PMDB era para tentar fixar-se como centro do sistema político, tornando estrutural o poder 
que conquistara, conjunturalmente, a partir do governo Figueiredo. 
Em nota na coluna do dia 6 de fevereiro de 1988, esse deputado responde as críticas 
do presidente do PT, Luiz Inácio da Silva, que afirmava que ele não era mais presidente da 
Constituinte, mas imperador. Ulysses responde: “que eu seja, então, o D. Pedro II, que era 
liberal”. Com essa frase, Ulysses Guimarães parece indicar que, nos casos de mudança de 
sistemas de dominação, para que um dos sistemas sobreviva, será necessário desenvolver uma 
base qualquer de legitimidade. Remetendo-se a D. Pedro II, e qualificando-o como liberal, em 
oposição a D. Pedro I, que outorgou a primeira Constituição, Ulysses procura neutralizar as 
possíveis implicações de que sua atuação seja autoritária. 
O mesmo parlamentar foi alvo de críticas do deputado Álvaro Valle, que, ao fazer 
observações sobre a urgência que estava sendo imposta para a votação do texto final da 
Constituição, no dia 12 de fevereiro de 1988, comenta: “é preciso que distinga entre ter pressa 
e ser apressado”. Explica mais à frente: “o ritmo faz com que seja humanamente impossível 
votar cada item em pauta. A Constituição está correndo o risco de nascer já defeituosa”. Essa 
era uma crítica às pressões que Ulysses Guimarães imprimiu aos trabalhos, para cumprimento 
do prazo estabelecido. 
A respeito da Presidência de Ulysses Guimarães na Assembléia Constituinte, o 
ministro José Hugo de Abreu, em 15 de setembro de 1987, avalia: “O Doutor Ulysses é o 
maestro de uma grande orquestra em que cada músico toca por uma partitura diferente”. O 
comentário revela o pacto original entre as elites dominantes para a transição negociada e que 
fez do PMDB partido majoritário nas eleições de 1986, tanto na Câmara dos Deputados 
quanto no Senado Federal. Porém o crescimento do PMDB, em vez de unificá-lo, inibiu o seu 
poder de iniciativa. À medida que os trabalhos na Constituinte avançavam, exigindo a 
definição de questões, como, por exemplo, de definição do jogo sucessório e quanto à duração 
do mandato do presidente, apareceram os muitos interesses conflitantes que intervêm para 
desfazer o equilíbrio instável inicial. Por isso, o PMDB “tornou-se um partido-ônibus, com 
vários motoristas, cada qual se substituindo na condução para dirigi-lo em rumos diferentes, 
quando não antagônicos”. (Nascimento, 2004.) 
Conforme já mencionado, Ulysses Guimarães era um dos focos de atenção, mesmo 
quando não estava envolvido nos trabalhos legislativos,como no dia 16 de novembro de 
 125 
1988, quando concedia autógrafo. Na ocasião, ele advertiu: “desse jeito, eu vou ser convidado 
para trabalhar na próxima novela das oito na TV Globo”. Interessante observar que a novela 
da Rede Globo que estrearia brevemente era “O Salvador da Pátria”. O comentário do 
colunista diz respeito ao enredo da novela, no qual quem assumiu a responsabilidade pelos 
rumos do país foi uma espécie de testa de ferro, que estava submetido às pressões de vários 
campos. O que, de alguma forma, lembra a posição assumida por Ulysses. 
Uma das formas de riso é a provocada pelo trocadilho com palavras retiradas do 
contexto, como na menção de que em 25 de abril de 1988, por recomendação médica, Ulysses 
Guimarães passou a andar quatro quilômetros por dia. Valeu o comentário de que “com isto, 
Ulysses passou também a ser Presidente em exercício”. Alusão ao fato de que o deputado 
acumulava vários cargos importantes, bem como a sua pretensão de concorrer ao mandado 
presidencial, o que de fato aconteceu. O riso nesse caso nem sempre significa deboche; ao 
contrário, pode ser inclusive uma lisonja, ou mesmo uma declaração velada de apoio. 
O riso permeava as sessões da Assembléia e ia além. O ponto mais frequente era o 
cafezinho da Câmara, conhecido como um tradicional ponto de intrigas, fofocas e gozações. 
Uma delas é dada a conhecer pela coluna de Swann do dia 25 de julho de 1988. Quando foi 
aventado o projeto do arquiteto Oscar Niemeyer para a construção de uma capela no Anexo 
IV do Congresso, um dos deputados propôs: “é hora de a gente lançar a candidatura do Dr. 
Ulysses a capelão-mor. Afinal, ele já é Presidente de tudo!” O comentário alude, novamente, 
ao acúmulo de cargos pelo Deputado/Presidente. É claro que esse acúmulo também colocava 
o deputado na mira dos jornalistas e de outros políticos, aliados ou nem tanto. Não é de 
estranhar, portanto, que tantas notas fossem dedicadas a ele, e sobretudo alfinetando a 
tendência do parlamentar de acumular cargos de poder. Essa estrutura de choque de contextos 
excludentes entre si está presente em todas as formas de cômico. O confronto inesperado entre 
o significado da palavra e o seu som é o que produz o riso. 
Nos momentos “do cafezinho” quase nada escapava do riso. Ele podia ser deflagrado 
também por citações erradas, muito comuns no mundo político. Registre-se, por exemplo, a 
explicação do assessor do ministro Maílson da Nóbrega, procurando desmentir o boato da 
saída do ministro: “não há nada de verdade nisso tudo. O Ministro continua indo de vento em 
proa” (Coluna do Swann, 5 de outubro de 1987). 
A expressão adequada para a situação seria “vento em popa”; o vento em proa se 
refere a um vento contrário, exatamente o que estava sendo negado. Cabe, nesse ponto, 
reconstruir o processo em que se insere o comentário, ou seja, a contínua crise da dívida 
externa estimulada pelo seu crescimento desde a década de 1970. O problema atinge, no 
 126 
governo Sarney, o seu ponto máximo, uma vez que, para efetuar os pagamentos da dívida 
externa, o governo recorria à crescente dívida pública interna e à criação de dinheiro 
inflacionário, que por sua vez alimentava a inflação. Essa é a origem de um novo plano, o 
Plano Verão, instituído em janeiro de 1989 pelo ministro Maílson Ferreira da Nóbrega, o qual 
assumiu o lugar de Bresser Pereira na dança das cadeiras que perdurou durante o governo 
Sarney. O Plano Verão foi mais uma tentativa de evitar a hiperinflação e o descontrole da 
economia brasileira; decretado num cenário de profunda deterioração econômica, o plano 
virou repertório de anedotário e aumentou a impopularidade do governo Sarney. 
Na verdade, era uma continuidade da política econômica deflagrada com o Plano 
Cruzado que, nos primeiros momentos, parecia ser um sucesso: a inflação caiu, houve uma 
explosão de consumo e um superaquecimento da economia. A euforia durou até as eleições 
para deputados, senadores e governadores, realizadas em novembro de 1986. Já em dezembro, 
o plano começava a apresentar os primeiros sintomas de declínio, com o recrudescimento da 
inflação, o aumento dos preços dos serviços públicos, o aumento das importações em 
detrimento das exportações. Em fevereiro de 1987, a crise atinge o auge, com a moratória. 
Inicia-se um período de sucessivas trocas de ministros e de orientações econômicas, por meio 
de planos de estabilização, ora ortodoxos ora heterodoxos. Nenhuma orientação econômica, 
no entanto, conseguiu resolver a crise durante a Nova República. Todo esse contexto era 
apreendido nos boatos que circulavam nas notas da coluna. 
Nessa atmosfera econômica, vai preponderar a tradicional política de clientelismo, que 
tem por base os poderes locais. Fato que podemos observar no comentário da fala do ministro 
Roberto Cardoso Alves, em resposta a um amigo que perguntava se o seu lema de campanha 
seria “é dando que se recebe”. O ministro, com um trocadilho popular, responde que “seria 
amor com amor se paga”. O significado é o mesmo, mas, retirando da sua enunciação o 
possível sentido equívoco e colocando em troca o amor, o ministro enobrece seu lema 
(Coluna do Swann, 30 de setembro de 1987). 
Surge, igualmente, na Assembléia Constituinte, um dos pontos mais polêmicos do 
período, relacionado à opção entre a continuidade do sistema presidencialista ou a adoção do 
parlamentarismo. A defesa da implantação do parlamentarismo era uma reação ao que se 
percebia como incapacidade do governo Sarney em realizar as reformas sociais necessárias 
para implementar o rompimento com o regime anterior. Enquanto a discussão 
presidencialismo x parlamentarismo era ponto de pauta, um jornalista perguntou ao deputado 
Ulysses Guimarães o que achava da adoção do sistema parlamentarista, questão que o 
paulistano retrucou com o seu costumeiro mineirismo: 
 127 
“- Depende. 
- Depende de quê, Deputado? 
- De tudo. 
E mais não disse, nem adiantava lhe perguntar”. (Coluna do Swann, 15 de 
novembro de 1988). 
 
Como esse era um assunto que despertava intensa polêmica, não seria de se esperar 
que o deputado fizesse uma exposição direta sobre ele. Afinal, fazer um comentário infeliz 
poderia afastar possíveis aliados. 
Muitas vezes, durante a Constituinte, expressões inconvenientes eram usadas para 
restabelecer a ordem. Por exemplo, o deputado pefelista Jesus Tajra, numa manobra de 
esvaziamento, solicitou ao deputado Ulysses Guimarães a suspensão da sessão, ao que 
Ulysses prontamente respondeu: “ora, meu filho, eu vou dormir pensando na Constituinte, 
sonho e tenho pesadelos com a Constituinte, acordo e tomo café com a Constituinte, almoço e 
janto com a Constituinte, e logo hoje você vem me pedir que suspenda a sessão? Nem 
pensar”. (20 de novembro de 1988). Nessa resposta as palavras ressoam como um eco 
deformado, visto que a seriedade pouco a pouco se dissipa e destrona a fala do outro. 
O deputado Ulysses Guimarães, ao fazer comentários sobre o ato de militantes do PT 
terem rasgado dinheiro nas galerias do Congresso em represália à vitória do “centrão”, disse: 
“ou o dinheiro não vale mais absolutamente nada ou o pessoal do PT está muito rico” (20 de 
novembro de 1987). A sua observação torna-se um humor dúbio. Pode ser uma crítica ao 
momento inflacionário, em que o dinheiro valia de fato muito pouco, e pode, ao mesmo 
tempo, rir furtivamente da atitude radical dos militantes do Partido dos Trabalhadores, 
implicando que eles na verdade não seriam trabalhadores. 
Muitas vezes, no auge do calor da Constituinte, surgia o humor que se opunha 
principalmente ao discurso, ao comportamento e às ações inoportunas. Poderia ser um aparte 
estranho, disparates não intencionais, expressões ilógicas, qualquer uma dessas 
excentricidades ditas por um dos parlamentares e perdidas em meio a um árduo debate. A 
exemplo do deputado Inocêncio de Oliveira, ao apresentar um projeto de lei estabelecendoque o fogo simbólico na pira do Panteão da Pátria, na Praça dos Três Poderes, só deveria ser 
aceso durante três dias por ano – 21 de abril, 7 de setembro e 15 de novembro. O deputado 
justifica: “patriótica e meritória a iniciativa que homenageia a memória dos nossos maiores, o 
Panteão da Pátria não precisa ter a tocha acesa todos os dias do ano como se pretendesse 
 128 
empanar o brilho do sol que crestou as asas de Ícaro” (Coluna do Swann, 24 de novembro de 
1987). O fato se torna engraçado pelo uso de termos empolados, mas vazios de sentido. 
Episódio semelhante ocorreu em 27 de fevereiro de 1988, quando, em brilhante e 
fulminante pronunciamento, o deputado Edmilson Valentim solicitou a transcrição nos anais 
da Casa do resultado dos desfiles das escolas de samba no carnaval do Rio. Como justificativa 
alegou: “Eu tive a honra de desfilar pela Vila Isabel e não quero me esquecer nunca disso”. A 
falta de compreensão do sentido da honra apresentada pelo deputado, isto é, a disposição de 
utilizar a documentação oficial para interesses pessoais, aponta para a privação de seu suposto 
sentido para os eventos, deslocando-os do lugar que lhes é assinalado na ordem estabelecida. 
Isso é o que provoca o riso. 
A ação de alguns personagens era o principal ingrediente para o riso. Isso porque, 
diante de centenas de projetos de lei que aguardavam análise e votação, causavam irritação e 
comicidade os vários pedidos de homenagem feitos por alguns parlamentares. Um deles 
solicitou, em 26 de abril de 1989, uma homenagem especial do Congresso brasileiro por 
ocasião da comemoração dos 200 anos da Constituição americana. 
Nesse caso, o riso faz nascer um sentimento de nacionalismo e camaradagem 
acrescido de uma ponta de agressividade contra aquele representante político brasileiro que 
deseja interromper os trabalhos da Constituinte para discutir uma possível homenagem a uma 
data significativa apenas para a população americana. 
Alguns dos parlamentares percebiam a importância do riso e procuravam adotar a 
expressão de Jean de Santeul, poeta do final do século XVII: ridendo castigat mores (corrige 
os costumes pelo riso). O deputado José Elias Murad, em 20 de maio de 1988, distribuía um 
folheto aos Constituintes, com dez conselhos para combater o estresse. Um deles é rir sempre 
que possível, “pois o riso é um ótimo método de relaxamento e ajuda o organismo a aliviar as 
tensões”. Interessante observar que o tema do riso era parodiado e alimentava o comentário 
crítico: “as más línguas de Brasília estão espalhando que, mesmo sem conhecer o folheto, o 
ex-ministro Bresser Pereira já segue esse conselho há muito tempo”. Essa era uma referência 
ao espiral inflacionário que atingia índices próximos à hiperinflação. Convocado para assumir 
o Ministério da Fazenda, Luís Carlos Bresser Pereira concebeu um novo plano econômico, 
lançado em 6 de janeiro de 1988, mas que não obteve sucesso. Então, do que ria Bresser? 
Apesar da saída do ministério motivada pelas severas críticas ao seu plano anti-inflação, 
Bresser presenciou a incapacidade de seus sucessores em resolver a crise econômica. 
O humor se manifestava na Assembléia em situações como esta, em que o deputado 
Augusto Carvalho (PMDB/DF) protocolou oficialmente um pedido ao presidente Sarney: 
 129 
“para que a bandeira da URSS seja hasteada no Monumento aos Pracinhas, no Aterro, onde já 
tremulam, ao lado do pavilhão nacional, as bandeiras dos Estados Unidos, França e 
Inglaterra” (Coluna do Swann, 11 de dezembro de 1987). A fonte do cômico está no 
enraizamento de convicções, de valores definidos e sólidos. Aqui podemos rir tanto da 
burocracia comunista presente na fala do deputado, como quando da idiotia da comemoração 
da independência americana. 
Outro fato ocorreu com o deputado José Carlos Vasconcellos (PMDB/PE) que, com 
uma justificativa de 51 laudas, apresentou à Assembléia Constituinte uma proposta pedindo 
anistia póstuma a Frei Joaquim do Amor Divino Caneca – o Frei Caneca, do movimento 
republicano da Confederação do Equador. Na mesma exposição, o parlamentar pede a 
reincorporação da Comarca do Rio São Francisco ao Estado de Pernambuco. O tom 
humorístico está na confusão de áreas geográficas e contextos históricos. O comentário que se 
ouvia era: “neste pique, a Constituinte não vai longe. Corre o risco, aliás, de não chegar a 
lugar nenhum” (Coluna do Swann, 10 de março de 1988) 
A tentativa de fazer valer o código de conduta também se tornou motivo de escárnio. 
Em 10 de março de 1987, um grupo de deputados e senadores de primeiro mandato estava 
empenhado em conseguir a aprovação da reforma do Regimento do Congresso, no intuito de 
moralizar o comparecimento às sessões e aplicar punições graduais aos faltosos. Para tanto, 
sugeriram o seguinte: “quem não aparecesse por uma sessão, deixaria de receber o jeton; 
quem deixasse de estar presente a oito sessões, teria suspenso o mandato por outras três 
sessões; os que faltassem a dois terços das sessões do mês perderiam definitivamente o 
mandato”. Os parlamentares mais antigos de casa afirmavam: “é evidente que são 
parlamentares de primeira viagem”. O comentário aponta para a preocupação dos novos 
congressistas com a imagem do Congresso, ao mesmo tempo em que sublinha seu pouco 
conhecimento dos procedimentos sedimentados na Casa. 
O clima de tensão presente nos debates de assunto de maior relevância era quebrado 
com a abertura de discussões que afetavam diretamente as vidas cotidianas dos parlamentares. 
Um dos exemplos é o apresentado pelo deputado Fausto Rocha, que proibia fumar em locais 
fechados. Outro, do senador Humberto Lucena, que propunha a redução do recesso 
parlamentar de quatro para três meses. 
O controle e vigilância de uns congressistas sobre outros vigorou desde os primeiros 
momentos da instalação da Constituinte. O principal foco era a participação dos 
parlamentares, como é o caso dos deputados Felipe Cheidde (PMDB) e Alair Ferreira (PFL), 
segundo os comentários, “os campeões do pior desempenho na Câmara dos Deputados”. (15 
 130 
de abril de 1988). Na lista dos doze mais faltosos, os dois deputados empataram no primeiro 
lugar, pois não compareceram a uma só sessão, nem formularam nenhuma proposta na 
Assembléia Nacional Constituinte. Essa fonte de pressão atuou durante os trabalhos da 
Constituinte e resultou numa inovação, porque, ao tornar público o desempenho dos políticos, 
possibilitou ao eleitor avaliar a atuação deles. 
A preocupação com os baixos índices de participação dos parlamentares nas sessões 
da Constituinte provocava as mais engraçadas atitudes. A coluna de Swann de 5 de maio de 
1988 conta que, convidado a presidir a comissão que examinaria os atestados médicos dos 
congressistas faltosos, o Secretário da Mesa e médico Mário Maia recusou, alegando questões 
de ética; primeiro por contrariar o atestado de um colega médico, depois porque teria que 
denunciar um colega parlamentar. Entretanto, a recusa foi efetivada dois dias após o convite, 
porque o parlamentar não havia comparecido às sessões. As faltas dos congressistas às 
sessões não constituíam exatamente novidade, no entanto, com a visibilidade adquirida pela 
Assembléia Nacional Constituinte, esse comportamento ganhou notoriedade e reações 
contrárias, como mostra o comentário da coluna, que destaca sutilmente que a ética invocada 
pelo parlamentar talvez estivesse por trás de um telhado de vidro. 
À medida que os trabalhos iam sendo aprofundados, também se acirravam a vigilância 
e a exigência de punição de uns parlamentares sobre os outros. O deputado Nilson Sguarezi, 
do PMDB paranaense, entrou com requerimento solicitando a cassação do mandato do 
deputado Felipe Cheidde, do PMDB paulista. O pedido se justificava, visto que Cheidde, das 
96 sessões até então realizadas, comparecera a apenas 11; das 727 votações, ele só participara 
de 39. O requerimento é reforçado pelaexistência de um processo por estelionato movido pela 
Justiça norte-americana em virtude da compra de fichas, com cheque sem fundos do 
parlamentar, num cassino de Porto Rico. Essas denúncias, veiculadas pela imprensa, eram a 
manifestação de um processo pelo qual a sociedade se tornava visível a si própria. 
Aqui o cômico marca a passagem de um estado de tensão para um estado de distensão. 
O clima tenso e a pressa na elaboração da Constituição necessita de um catalisador que 
favoreça a recomposição da racionalidade. 
O controle extrapolava o Congresso, pois era exercido também nos conchavos 
políticos que ocorriam fora daquele espaço. No dia 6 de agosto de 1987, comentava-se que o 
líder ruralista Ronaldo Caiado seria um dos presentes ao almoço no Copacabana Palace, em 
homenagem ao ministro José Hugo Castelo Branco. Ao comentário feito a um amigo 
espantado com a estranha adesão, Caiado responde: “vou homenagear o Ministro por suas 
posições em favor da livre empresa. Só isso”. 
 131 
Ronaldo Caiado era líder da União Democrática Ruralista (UDR), movimento político 
organizado pelos donos de terras em 1987, com o objetivo de impedir qualquer tentativa de 
reforma agrária pelos constituintes. Esse movimento, surgido no campo, foi uma resposta às 
mobilizações populares que assumiram, em meados dos anos 80, um caráter violento, com 
ocupações de terra. A característica básica da UDR é a defesa do uso da violência para 
proteger o direito da propriedade. Na visão de Skidmore (1998), tal grupo fazia parte da 
direita que “consistia de um amplo corpo de políticos tradicionais, um pequeno quadro de 
fanáticos preparados para usar a violência e um bando de advogados ricos e homens de 
negócios que ansiavam por um mercado livre”. A atuação do movimento por ocasião da nova 
constituição resultou em um fracasso da proposta de reforma agrária e acentuou o 
corporativismo responsável pela fragmentação política na Constituinte. 
Nesse contexto, vale lembrar a crise iniciada em 1986, quando a elevação dos juros e o 
grande impacto inflacionário levaram os produtores de café a pressionar o governo para 
comprar os quatro milhões de sacas de café excedentes, com os recursos do Tesouro 
Nacional. Entretanto, o governo, representado na época pelo ministro da indústria e do 
comércio José Hugo Castelo Branco, atrasou o pagamento aos produtores, fato que motivou a 
oposição de Ronaldo Caiado, na época presidente nacional da UDR. A UDR, desde a sua 
criação, sempre se posicionou contrária à ingerência governamental nas atividades que 
deveriam estar a cargo da iniciativa privada. Na visão da UDR, o governo, por ser lento na 
tomada de decisões importantes, acaba sendo fonte de arbitrariedades cometidas contra o 
empresário, muitas vezes em função de aspectos puramente políticos. 
Retornando à Assembléia Constituinte, durante todo o tempo dos trabalhos, o 
mexerico, a fofoca, a acareação e a grosseria provocavam razões para apelar para o riso. O 
senador Roberto Campos, falando na Comissão de Tributação e Planejamento, desenvolveu o 
seguinte raciocínio: “pela Constituição o orçamento da União tem que ser obedecido, mas 
infelizmente, o governo está gastando mais do que pode e está emitindo moeda – o que resulta 
num aumento da inflação. Portanto a inflação é inconstitucional” (Coluna do Swann, 17 de 
agosto de 1988). Roberto Campos, um economista que apoiou o regime anterior, portador 
agora de um discurso democrático, vai fazer parte do coro daqueles que procuram provocar 
repercussões negativas para o processo de redemocratização e reforçar a instabilidade 
administrativa do governo Sarney. 
Mesmo nos momentos mais tensos, o riso estava presente, como na sessão de 3 de 
dezembro de 1987, quando o deputado Gastone Righi, do Partido Trabalhista Brasileiro 
(PTB), anunciou que ia fazer um discurso em solidariedade ao deputado Juarez Antunes, do 
 132 
Partido Democático Trabalhista (PDT), agredido em plenário a socos pelo colega Gilson 
Machado. Acontece que Gastone Righi era adversário de Juarez Antunes. Começou seu 
discurso dizendo: “eu me solidarizo com o Deputado Juarez Júlio ou será Juarez Adolfo? 
Como é mesmo o seu sobrenome, Deputado?”. Motivo suficiente para reanimar o clima de 
agressão e riso. Isso quer dizer que nem sempre o riso na assembléia era fonte desopilante, 
surgido de uma piada inesperada capaz de desfazer um clima tenso. Algumas vezes, era um 
riso ameaçador, como pensam os etnólogos, ao asseverarem que o riso começa numa exibição 
agressiva dos dentes. 
Alguns conchavos políticos eram abordados de forma cômica, como no dia 9 de abril 
de 1987, quanto à opção do deputado Álvaro Valle, que abriu mão de ser o Relator da 
Subcomissão de Educação da Constituinte, como desejava, e em troca de sua pretensão 
recebeu dos líderes do PMDB e PFL a proposta de participação em três outras Comissões e na 
Mesa Diretora da Constituinte. O comentário era que “ele preferiu ter quatro pássaros na mão 
e um voando”. Ao parodiar o ditado popular, Swann desvela a precariedade de consenso e a 
instabilidade que levou os constituintes a negociações e mudanças frequentes na ocupação de 
cargos. 
Nos momentos em que as discussões transcorriam com certa calma, também era 
possível identificar o riso, como na afirmação da coluna de Swann do dia 15 de dezembro de 
1987, de que havia mudado o tratamento dado e recebido pelos membros da Subcomissão dos 
Direitos Trabalhistas da Câmara. Eles não mais se referiam aos seus pares dentro da 
Subcomissão por “Excelência”. Por influência da forte presença sindical, todo mundo lá agora 
é “Companheiro”. Essa presença sindical era alvo do humor porque, implicitamente, a piada 
poderia indicar uma desaprovação, visto que, em consequência de suas convicções, os 
parlamentares estavam descumprindo o protocolo da Casa. 
Também os efeitos das decisões dos temas aprovados pela Constituinte ganhavam 
destaque nos debates, como aquele publicado na coluna de Swann, no dia 21 de outubro de 
1987, com o seguinte comentário: “tão logo foi aprovado na Constituinte o dispositivo sobre a 
estabilidade, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC demitiu 40 de seus 120 empregados. Isso 
é que é esprit de corps”. O comentário irônico do colunista reflete o que vai ocorrer no âmago 
do processo de construção democrática: a perda do papel de articulador dos interesses dos 
trabalhadores, desempenhado pelos sindicatos na década passada. Constata-se, nesse período, 
a fragmentação da representação sindical em CUT, CGT e Força Sindical, implicando a perda 
de capacidade de mobilização do movimento trabalhista tradicionalmente conhecido com os 
metalúrgicos da grande São Paulo. 
 133 
O processo de ampliação da autonomia do Congresso Nacional em relação aos 
eleitores repercutia negativamente na imagem dos congressistas, que envidavam esforços para 
reabilitá-la. Um deles foi a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito que 
investigaria, inclusive, os políticos envolvidos em casos de corrupção. Durante os trabalhos 
da Constituinte, uma eventual convocação do ministro Antônio Carlos Magalhães para depor 
nessa Comissão redunda, ao contrário, no aprofundamento dessa negatividade. Nota-se, pelos 
comentários do ministro: “se eles me convocassem para depor, a CPI encerraria 
imediatamente seus trabalhos” (Coluna do Swann, 14 de abril de 1988). Tal comentário é 
reforçado por outro do dia 7 de maio de 1988, desencadeado pelo boato de que Antônio 
Carlos Magalhães seria convocado pelo senador Luís Vianna Filho: “levando em conta a 
idade avançada do senador Luís Vianna Filho, só vou falar sobre ele no Senado, quando for 
depor na CPI, inclusive respondendo a algumas de suas declarações. Se for convocado, vou 
falar para valer. O dossiê dele é grande”. A resposta exasperada do ministro, buscando 
defender-se, repete a noção maquiavélica de que os fins justificam os meios. E nisso está o 
riso.Aqui ele implica a dúvida como mecanismo de defesa e permite confessar o 
inconfessável sob uma forma socialmente aceita. Vale lembrar que o fato de não poupar 
esforços para levantar dossiês polpudos de seus colegas acabou por determinar o fim da 
carreira política de Antonio Carlos Magalhães. O esforço de comprovação de que ele 
utilizava-se de métodos não legais de investigação e das informações obtidas como arma de 
chantagem, afins das práticas de dominação dos coronéis, tinha o propósito de desmantelar o 
sistema de poder que o ex-ministro havia construído. 
Essa comissão também mereceu destaque pelos comentários picantes do ministro 
Paulo Brossard, que, ao opinar sobre a CPI da corrupção no dia 6 de maio de 1988, afirmou: 
“minha impressão é que ela está pescando em alto-mar, num oceano imenso, sem fronteiras e 
sem limites e, por isso, correndo o risco de não alcançar resultados satisfatórios”. 
O riso divulgado pela coluna expõe o comportamento, as práticas, os modelos, as 
normas que supostamente critica, e assim faz esquecer os debates de idéias. Possivelmente 
seja esta a razão do desprestígio da classe política. Pesquisa de opinião divulgada pela 
imprensa em 1988 indicava que o prestígio dos militares (53%) voltou a ser superior ao 
desfrutado pelos políticos (46%). A sociedade passa a reagir com cinismo, demonstrando um 
desencantamento, o que dificultaria a sua mobilização para resistir a uma eventual regressão 
autoritária. Sendo assim, a demanda por legitimidade pelos parlamentares apresentava-se 
como um movimento de avanços e recuos. 
 134 
Por outro lado, nota-se a mobilização de grupos e instituições em lobbyes que fizeram 
pressões durante todo o trabalho da Constituição, assumindo feições até mesmo risíveis, como 
a do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, cujos membros, para entregar as emendas 
populares, compareceram em peso à Assembléia Nacional Constituinte, vestidas de rosa-
shocking e com uma margarida amarela na orelha. Tal manifestação foi batizada de “o lobby 
do batom”. As mulheres se posicionaram a favor do aborto e exigiam a legalização de sua 
prática no Brasil. O grupo, formado principalmente de membros da classe média, exigia 
direitos de reprodução, visto que, pela legislação vigente, o aborto era ilegal, excetuando-se 
nos casos de perigo de vida da mãe. A exigência era pela livre e acessível contracepção, 
aborto gratuito e creches gratuitas nas comunidades. 
A população também podia participar por meio das emendas populares. Cabe assinalar 
que, segundo os dados citados por Penna (1999, p. 310), cerca de 12 milhões de brasileiros 
subscreveram as emendas populares, explicitando as propostas que desejavam verem 
asseguradas na Constituição. Para o autor, isso constituiu um exemplo afirmativo da 
cidadania, aliado ao fato de que o cidadão teve acesso aos debates por intermédio das 
audiências públicas, durante a fase das 24 subcomissões, que estavam integradas às oito 
comissões temáticas. 
Essas conquistas eram passíveis de ser acompanhadas por meio de comentários 
jocosos refletidos nas notas da coluna, da mesma forma que o leque partidário, a debilidade 
dos partidos políticos e as divergências entre os próprios parlamentares. Por exemplo, o 
deputado federal José Geraldo, do PMDB de Minas, analisando o texto que dispõe sobre o 
capítulo referente aos Direitos do Menor, aprovado na Constituinte, expressava sua 
discordância do texto da lei: “O texto diz que o Estado deve proteger o menor contra a 
violência e a agressão sexual. Quer dizer, o brasileiro só será protegido conta a agressão 
sexual se tiver menos de 18 anos. Quem for maior que se cuide” (Coluna do Swann, 23 de 
setembro de 1988). 
Brigas por prestígio também podiam render acontecimentos engraçados. A fofoca e o 
disse-que-disse tomavam conta dos corredores da agitada Assembléia Constituinte no dia 21 
de março de 1988. O tititi parlamentar envolvia a deputada petista Benedita da Silva. Diziam 
que a deputada procurava se apropriar do prestígio, ao tomar para si a idealização da emenda 
sobre os direitos das empregadas domésticas, que era de autoria da “loura Rita Camata”. 
 Essa inversão da lógica torna a nota risível, já que seria natural esperar que Benedita, 
negra e oriunda das classes populares, assinasse a autoria da emenda, todavia, o fato é 
destacado pela qualificação da verdadeira autora como loura – além de ser, como se sabe, 
 135 
oriunda da classe média e, portanto, não teria motivos para, pessoalmente, ser engajada nessa 
questão. 
A visibilidade dos parlamentares ocorria, ainda, nos momentos de interrupção dos 
trabalhos, como este, ocorrido no restaurante do Congresso, quando um deles, acompanhado 
por uma repórter, foi alertado pelo gerente de que ela não poderia permanecer no local por 
estar trajando calça comprida. Ao que o parlamentar respondeu: “está aberta a primeira 
exceção. A senhora pode se sentar!” (Coluna do Swann, 27 de abril de 1988). A entrada de 
mulheres no Congresso, no período, só era permitida se ela estivesse trajando saia ou vestido. 
A discriminação sofreu mudança com o novo grupo de congressistas que ascendeu ao poder. 
Os assuntos mais polêmicos, como a decisão entre o presidencialismo ou 
parlamentarismo, eram sempre abordados de forma satírica. No dia 28 de agosto de 1987, o 
senador José Richa (PMDB-PR), fervoroso defensor do parlamentarismo na Constituição, 
discordando da alternativa de implantação de um sistema híbrido que misturava sistema de 
gabinete com o presidencialismo, sentenciou: “para mim a questão é como virgindade. Ou é 
ou não é virgem, sem meio termo”. 
Cabe assinalar que esse foi um dos assuntos que causou muita polêmica. Opinando 
acerca do assunto, Mário Henrique Simonsen, com deboche, comenta em 7 de maio de 1987: 
 
Se for aprovado o parlamentarismo, o Primeiro-Ministro será o deputado Ulysses 
Guimarães – por meia hora. Depois, virá o Mário Covas, que durará 15 minutos; em 
seguida, o José Richa, que ficará no cargo, se tanto, uns cinco minutos. Aí, então, virá o 
General Pires Gonçalves, que certamente não vai receber nenhuma moção de desconfiança 
do Congresso. 
 
A voz da autoridade do professor Simonsen constata que a aprovação do sistema 
parlamentarista quebraria a subordinação do Legislativo ao Executivo, uma das características 
centrais do Estado brasileiro, já que o poder do presidente da República e dos governadores 
de Estado tem sido o elo de distribuição privilegiada de recursos públicos. Por sua vez, o 
Congresso e as Assembléias Legislativas desempenhavam papel secundário de intermediação 
ou usufruto desses recursos, em troca de lealdade política. A ironia do final da frase indica 
que, caso esse elo fosse rompido, uma das possíveis consequências seria a tomada do poder 
por um general, que colocaria o Congresso em sua condição subordinada ao Poder Executivo. 
O discurso relaciona-se à tênue redemocratização do país, momento político suspeitável, 
 136 
oscilante e incerto, e a palavra é dirigida a um interlocutor historicamente concreto, por um 
dos ministros da área econômica do antigo regime. 
Outro assunto polêmico trata do mandato do presidente. A respeito da opção pelo 
mandato de cinco anos, o deputado Rubem Medina, no dia 4 de fevereiro de 1988, enfatiza: “a 
situação nacional está tão difícil que a gente acaba optando pelos cinco naquela base do ruim 
com ele, pior sem ele”. 
O tom de fofoca dos bastidores é comprovado diante da declaração de que o 
governador Álvaro Dias “sabe o que está fazendo, ao apoiar ostensivamente a tese do 
mandato de cinco anos para o Presidente Sarney. O Governo Federal liberou ontem Cz$ 99 
milhões para a execução de projetos do setor de irrigação no Estado do Paraná” (Coluna do 
Swann, 13 de março de 1988). 
As duas notas referem-se às alianças de sustentação políticas utilizadas no período 
para a manutenção da governabilidade, caracterizadas pelatroca de apoio político por 
benesses administrativas. 
A visibilidade dos congressistas ocorre mesmo nos períodos de paralisação dos 
trabalhos da Assembléia. O recesso parlamentar é comentado aqui com um tom de ironia e 
reflete o abuso do poder do Congresso em definir aumentos astronômicos de salários, num 
momento em que toda a população perdia o poder aquisitivo com os sucessivos planos 
econômicos: 
 
Nos próximos 15 dias nada de palpitante acontecerá na Constituinte. Cerca de 20% dos 
parlamentares estão empenhados em estafantes viagens ao exterior. Com a carteira 
recheada pelas diárias que o Governo paga, os parlamentares estão espalhados pelo Japão, 
Marrocos, Estados Unidos e Europa. Foram espairecer das muitas e cansativas sessões 
extras das Comissões e Subcomissões da nova Constituição (Coluna do Swann, 20 de 
outubro de 1988). 
 
À medida que os trabalhos da Constituinte chegavam ao fim, surgiam novos motivos 
para o riso. O senador José Richa, que defendia o adiamento temporário do prazo de 
conclusão dos trabalhos da Constituinte, comentava: “algumas lideranças estão com tanta 
pressa em concluir a nova Constituição que estão empenhados num verdadeiro campeonato 
mundial de velocidade” (Coluna do Swann, 15 de agosto de 1988). O recado era dirigido ao 
deputado Ulysses Guimarães – uma das principais lideranças políticas do processo de 
transição. Ulysses concentrava e personalizava o papel do PMDB e, na época, o seu papel foi 
o de administrar as relações do partido com o governo Sarney e os trabalhos da Constituinte. 
 137 
Quando o último projeto de Constituição foi entregue pelo deputado Bernardo Cabral 
ao deputado Ulysses Guimarães, os boatos eram de que pelo menos 23 erros de português 
ilustravam as primeiras 46 páginas do projeto. O revisor antecipava que “tem muito mais 
coisa pela frente para arrepiar os cabelos dos puristas do idioma de Camões” (Coluna do 
Swann, 20 de outubro de 1988). Esse tipo de comentário implicitamente reforçava que, se a 
forma contém tantos equívocos, que dirá o conteúdo. 
O trabalho de impressão do texto final da Constituição também era alvo de choça: 
 
É de pânico, desde já, o clima reinante na gráfica do Congresso. Os passageiros do maior 
trem da alegria de que se tem notícia – 4 mil funcionários – vão ser convocados em 
novembro para mergulhar de cabeça nos trabalhos de composição e impressão de 3 milhões 
de exemplares da nova Constituição. Os responsáveis pela gráfica estão fazendo figa para 
não aparecer todo mundo junto (Coluna do Swann, de 24 de dezembro de 1988). 
 
Aqui ironicamente o colunista refere-se a uma das contratações de aliados políticos. 
Prática do fisiologismo, ou seja, concessões feitas pelos congressistas a si mesmos e 
promessas a seus aliados políticos de recompensas financeiras ou empregatícias à custa dos 
cofres públicos. Esta prática de contratação excessiva foi denominada de “trem da alegria”. 
Com tantos funcionários na gráfica, era incompreensível que os primeiros textos da 
Constituição saíssem com erros, como afirma nota publicada no sábado, 15 de outubro de 
1988: 
A pressa tomou conta da gráfica do Senado Federal. No afã de entregar toneladas da 
Constituição aos ´brasileiros e brasileiras´, muitos exemplares estão saindo do forno 
incompletos – faltam preâmbulos, capítulos e artigos. Só não falta uma coisa: a introdução 
escrita pelo Deputado Ulysses Guimarães. 
 
Veladamente, a onipresença do “gelatinoso”, expressão da época para referir-se ao 
presidente do PMDB, Ulysses Guimarães, é apontada. Possivelmente para indicar a sua falta 
de definição política inequívoca. 
Para complementar o trabalho da Assembléia Constituinte, criou-se uma Comissão 
Especial na Câmara dos Deputados, responsável pela elaboração dos Anais da Constituinte. 
A função era acompanhar o trabalho de impressão dos 150 volumes de relato dos 19 meses de 
trabalhos constitucionais. O parecer sinalizava que a preocupação dos coordenadores era a 
pressa, porquanto havia pouco tempo acabava de ser impresso o último volume dos Anais da 
Constituinte de 1946. A nota aponta duas críticas; além da censura à morosidade do trabalho 
 138 
da gráfica, há outra, embutida: a rapidez com que as constituições do país se tornam 
obsoletas. 
O riso, atestado no decorrer dos trabalhos da Assembléia Constituinte, tinha uma 
função dupla: ao mesmo tempo em que servia para restabelecer a ordem com uma função 
catártica de alívio de tensões, era um riso que fugia ao controle da ordem vigente, com seus 
ideais de dignidade e decoro, convocando o leitor a participar criticamente da realidade. Um 
riso cheio de contradições que ecoava e criava uma realidade própria, pois, ao mesmo tempo 
em que preservava, transgredia os limites e as regras. 
Esse riso, identificado nas notas da coluna social, era um riso ambíguo porque era 
formado pelas simultâneas recusa e aceitação da nova realidade pela precedente. Nesse 
processo de negação e afirmação, o humor é deflagrado pelo contexto excepcional de 
transição para uma nova ordem. 
Considerando-se retrospectivamente, quando a coalizão civil-militar tomou o poder 
em 1964, contava o país com um esquema geral para a institucionalização do Estado. A 
ideologia da segurança nacional servia de quadro de referência organizacional e de 
justificação para a necessidade de se constituírem mecanismos repressivos de controle da 
sociedade civil. Esse processo só se completaria no final dos anos 80. Tal década será 
caracterizada pela transição entre o regime ditatorial e o democrático. Para Nascimento 
(2004), a transição política brasileira conheceu distintas etapas em seu curso. A primeira etapa 
correspondeu ao momento da segunda metade dos anos 70, compreendendo o governo Geisel 
e a ascensão do General Figueiredo. Para o autor, essa natureza específica deve-se ao fato de 
se tratar de um processo de mudança no então vigente regime político a partir dos detentores 
do poder estatal. A finalidade foi a de modernizar o regime burocrático-militar, ameaçado em 
sua reprodução. Em seu interior, porém, alguns atores posicionaram-se por uma modernização 
simples, enquanto que outros se movimentaram em direção à sua superação. 
Ainda consoante Nascimento (2004), a segunda etapa é a da inflexão, a da passagem 
entre o momento da liberalização, denominado de abertura, e o momento da democratização, 
em que a condução do processo político a partir do interior do regime não mais se realiza. A 
inflexão, para o autor, ocorrida entre 1981 e 1984, é o momento de ruptura, no qual o velho 
regime político não tem mais meios de se reproduzir, e o novo regime ainda não encontrou as 
novas e necessárias formas de condução da vida política do país. 
Uma terceira etapa registrada pelo autor é a democratização, momento em que 
predomina a incerteza. O jogo é definido pelo resultado da relação de forças que se estabelece 
 139 
entre os atores políticos. Essa etapa é a do governo Sarney, conhecida como Nova República 
(1985-1989). 
O quarto momento, considerado o último por Nascimento, ocorre entre a primeira e a 
segunda eleição presidencial. É a etapa na qual se inicia a consolidação democrática. 
Rigorosamente, não se pode falar mais de uma transição, mas simplesmente do complemento 
necessário ao novo regime gestado no processo transicional. 
O ponto chave para a compreensão do período enfocado neste trabalho é, 
especificamente, o terceiro momento (1984/1985) apontado por Nascimento (2004), que se 
inicia com a eleição pelo Colégio Eleitoral de Tancredo Neves, fato que anuncia perspectivas 
de mudança. 
A doença do então presidente eleito Tancredo Neves deixava uma interrogação quanto 
aos caminhos da Nova República. Ao longo de 41 dias o país acompanhou a luta pela vida do 
presidente eleito. Com a morte dele em 21 de abril, a Nova República sofre o primeiro 
impacto: a perda da sua credibilidade diante da opinião públicabrasileira. A esperança estava 
na convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, capaz de instaurar legitimamente 
pelo menos uma nova perspectiva para a República. 
Vencida a etapa de abertura oficial, chegou a vez de se pôr em prática o projeto 
político de transição democrática. Assim, tornou-se tarefa política da Nova República a 
eliminação de todo o “entulho autoritário”, com vistas à efetiva democratização do país. 
Aboliu-se a censura oficial, embora ela já estivesse desativada há algum tempo, e criou-se 
uma enorme expectativa no tocante ao futuro da nação brasileira. 
O governo Sarney, encarregado de implantar a Nova República e promover a transição 
democrática, contava, pelo menos, com duas sérias dificuldades de ordem política: havia sido 
guindado a essa posição em circunstâncias trágicas e imprevisíveis, e a composição de forças 
que se reuniu para o êxito eleitoral contra o continuísmo oficial trazia consigo contradições 
bastante acentuadas. No primeiro caso, o presidente Sarney tratou de manter a equipe 
ministerial constituída por Tancredo. Para Penna (1999), essa situação impôs a Sarney 
limitações em visível desacordo com as exigências históricas de um momento tão decisivo 
para a nação como um todo. Isso porque, se a legitimidade do processo indireto era 
contestada, Tancredo possuía a credibilidade necessária para conduzir a transição; o mesmo, 
no entanto, não acontecia com o presidente Sarney. Para o autor, tal questão se agravou em 
virtude da segunda dificuldade, ou seja, da composição das forças que originaram a aliança 
democrática. 
 140 
O ponto de convergência dessas diferentes tendências integrantes dessa aliança 
situava-se na perspectiva de uma ordem político-institucional, o que incluía a própria 
definição do caráter da Constituinte. Assim sendo, ela passou a ser o locus onde as 
divergências se manifestaram e em que a disputa por espaço de poder passou a ser uma 
constante no jogo de equilíbrio do governo de transição. 
Apesar das dificuldades em superar as crises que herdou do começo dos anos 1980, a 
Nova República foi muito significativa para a construção de uma democracia estável no 
Brasil, e isso sem quebra das regras básicas de convivência democrática, fato que levou 
alguns analistas a denominá-la transação política. 
Foi nesse momento que diversos segmentos sociais puderam lutar por seus interesses e 
idéias, com uma maior liberdade de organização. O florescimento político do período 
contribuiu para consolidar o processo de democratização da sociedade, dificultando, ao 
mesmo tempo, a viabilização de soluções autoritárias para as crises legadas pelo passado. Na 
visão de Sallum Jr: 
 
A Nova República começou como uma sobrevida deteriorada da velha aliança 
desenvolvimentista terminou por impedir que ela se reconstituísse por algum “pacto de 
adesão” de estabilidade precária. Constituiu, dessa forma, um arranjo político que garantiu 
um tempo de liberdade para a experimentação de novas alternativas de pactação 
sociopolítica, que deu tempo para os atores aprenderem a formular seus interesses 
mediantes novas idéias, mais ajustadas às circunstâncias, que deu uma espécie de sursis 
para que a sociedade pudesse começar a renovar o seu pacto de dominação, reformar o 
Estado e gerar um novo regime político. (Sallum Jr, 1996, p. 199) 
 
Durante todo o período de funcionamento da Assembléia Constituinte, a coluna social, 
com um tom de humor, pôde servir de guia para revelar as mudanças sociais e políticas do 
período de transição. Na coluna, o questionamento dos valores, a ascensão do medo, da 
inquietação e da angústia, o recuo das certezas são acompanhados por uma ambígua 
generalização do riso, visto que, à medida que os valores e as certezas naufragam, são 
substituídos pelo riso. É como se fosse exercida a ironia sobre o nosso passado, e o humor 
sobre o presente. 
É de conhecimento comum a ação dos censores após a ascensão dos militares ao poder 
em 1964. Com serviços de escuta, de recortes e análise, mantiveram a sociedade sob 
vigilância. O foco de atenção foi dirigido principalmente para a imprensa, asfixiando vários 
jornais e jornalistas, com a famosa censura prévia que se estendia aos livros, teatro, cinema e 
 141 
televisão. No momento de redemocratização, uma das principais bandeiras foi a liberdade de 
expressão. Apesar de ocorrerem algumas reinvestidas da censura durante o governo Sarney, 
graças à liberdade de imprensa, foi possível acompanhar o desenrolar dos trabalhos da 
Constituinte. 
A coluna social participava ativamente desse momento político. A visibilidade da 
Constituinte na coluna era difusa e quase sempre ambígua. A comicidade estaria nessa 
impossibilidade de conciliação, revelando o contraste entre o parecer e o ser. Desse modo, da 
mesma forma que a coluna social é um espaço de fofoca, subentendida em sua multiplicidade 
de significados, o riso divulgado pela coluna é também polissêmico. 
O riso pode apresentar-se dentro de um modelo enobrecido, em oposição ao riso 
popular. Nesse sentido, a coluna social assume a mesma função que o bobo da corte, que 
nunca põe em risco o poder; mas também pode indicar que o poder provoca o riso, assim 
como o próprio riso tem poder. O riso, pois, que permeia as notas da coluna social é ambíguo: 
pode ser um meio de instruir ou refletir a sociedade, transformar ou conservá-la; entretanto, 
ele vai contribuir decisivamente para a instalação da nova ordem moral. 
A polissemia e a ambiguidade indicam que ele pode ser um riso debochado, jovial, 
moralizante, familiar, conservador, inquieto e perturbador, que denuncia, exclui e inclui, 
porque desenvolve o sentimento de comunidade e exclui pelo riso. Esse embate entre a 
suplantação do velho pelo novo não é nítido e nem fácil de isolar e fixar, ele se manifesta de 
forma contraditória, entretecida e sem explicação lógica. 
O riso que era provocado pelos comentários picantes do colunista representava um 
mundo que se desestruturava, decompunha-se. Seus elementos iam se fundindo, recompondo-
se e abrindo para a possibilidade de uma outra configuração. 
Nesse movimento de fluxo e refluxo, a Constituição de 1988 foi gerada. Segundo 
Penna (1999, p. 313), pode ser considerada referência em relação aos textos constitucionais 
anteriores: uma Constituição que atende à face moderna e urbana do país, apesar de não 
propiciar a incorporação das grandes massas do campo e das periferias. Todavia, ao embutir o 
dispositivo revisionista que permite consultas populares quanto à sua própria vigência, o texto 
constitucional torna-se sensível à imponderabilidade do tempo. Para o autor, o texto suscita a 
participação e, nesse sentido, fortalece o exercício da cidadania e sinaliza um movimento de 
reincorporação de sujeitos históricos até então marginalizados. 
 
 
 
 142 
3.1 - O HUMOR CARICATURAL NA COLUNA SOCIAL 
 
Mas não é apenas o texto escrito da coluna social que provoca riso, ele está presente 
também nos textos imagéticos. Como texto, as caricaturas presentes na coluna social, expressa 
a situação política e os fatos sociais de forma astuciosa e sagaz. O seu poder está em trazer à 
luz aspectos relevantes do cotidiano, condensando-os numa única configuração, caracterizada 
pela agressividade dos traços, presente na deformidade das linhas que o exagero imprime. 
O surgimento da caricatura como linguagem, segundo Minois (2003) vai desabrochar 
no século XVII e XVIII, quando o romano Píer-Leone Ghezzi faz uma exposição com 
caricaturas de aristocratas, mecenas, padres e artistas. A sua difusão é rápida, e na Inglaterra, 
a caricatura de cunho político, que satirizava a vida do rei e da nobreza, valeu a reação dos 
deputados, que criaram uma lei, Licensing Act, destinada a controlar a imprensa. 
Mas, ainda segundo Minois (2003), com a proclamação da liberdade de imprensa em 
1789, a caricatura invade os grandes centros europeus.De forma carnavalesca e pedagógica, a 
caricatura elabora retratos ridículos, construindo, por meio deles, o negativo da nova 
sociedade sonhada pela Revolução Francesa. Para o autor, a função da caricatura era a 
dessacralização, o rebaixamento dos antigos valores e ídolos. Entretanto, o riso provocado 
pela caricatura não é aquele alegre e popular, tal como pensava Bakhtin; mas um riso cômico, 
violento, agressivo e odioso. 
Para Bergson, tudo que foge à normalidade tende a tornar-se cômico. O cômico está na 
forma estranha que uma silhueta se projeta diante dos nossos olhos, a forma que ela adquire. 
É o que ele denomina de comicidade das formas. Visto que a comicidade está no homem, o 
cômico se estende por todas as formas que ao homem é possível apresentar. 
O texto caricatural da coluna geralmente se apresenta na forma de charge. Comumente 
ele é híbrido (visual e verbal). O texto verbal vem embutido em outras partes do jornal. A 
localização da charge no mesmo espaço do jornal é que determina o estabelecimento de 
relações de redundância, complementaridade, ou mesmo de discrepância. 
A sua característica básica é acentuar defeitos dos sujeitos caricaturados e instaurar o 
riso, que pode ser provocado pelo tipo social representado pelo personagem, pela 
identificação de alguma falha por ele manifestada, ou pode nos fazer rir da maneira como o 
discurso é organizado e proferido. Neste aspecto, o humor perpassa a grande maioria das 
charges e atua como um agente corrosivo. A ridicularização de ações e de personagens incita 
o riso da situação cômica retratada. 
 143 
Bakhtin (1981) declara que todo sistema de linguagem é objeto da cultura, portanto, é 
produto de processos culturais e consequentemente de práticas discursivas. A charge, ao 
refletir a realidade, compactua com o sistema. Ao assumir a força do discurso, a charge deixa 
escapar as fissuras da dominação. Ou seja, a caricatura aponta para outro discurso, para outra 
linguagem. É na deformação do original que existe o desvio revelador: ao refletir, quebrar a 
direção, a charge transforma, transfigura, refrata a realidade. Neste entendimento que se 
pretende entender o humor caricatural da coluna social. 
Ao fazer coro às críticas emanadas pelo Ministro da Fazendo Delfim Netto durante o 
governo Figueiredo, o professor Mário Henrique Simonsen, notável personagem política na 
época, assegura no texto verbal da coluna de Sued do dia 07 de janeiro de 1987: “Falta a 
bússola”. Já no texto imagético ele aparece segurando uma bússola, sugerindo que o fracasso 
do Plano Cruzado é fruto da inércia do governo em atacar o déficit público, cortando despesas 
e elevando a arrecadação. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
De acordo com Bergson, o riso é sempre grupal e determinado por um conjunto de 
atitudes que são discriminadas e expressadas como desvios perante a sociedade. A 
identificação de uma atitude cômica ou humorística aponta para o reconhecimento de gestos 
sociais que rompem com uma conduta ideal. Esse desvio é expresso no comportamento dos 
seres que são objetos de uma narrativa. Na maioria das vezes, a sua ridicularização decorre de 
uma parte do corpo enrijecida ou de um tropeço. Nesse caso, o cômico é provocado pela 
inadaptação dos sujeitos a determinadas regras sociais. Aqui, o riso estava na insistência do 
uso da antiga fórmula de Simonsen quando assumiu o Ministério da Fazenda, em 1974, 
 144 
marcada pela racionalidade econômica e contenção de gastos, bem como no cálculo salarial 
baseado na média dos dois anos anteriores, o que reduziu o poder aquisitivo dos 
trabalhadores. Entretanto, a crise econômica que agora se vislumbrava era acumulativa do 
período em que Simonsen foi Ministro da Fazenda durante o governo de Ernesto Geisel, e 
Ministro do Planejamento no governo Figueiredo. 
A crítica à situação econômica do país é reforçada pela imagem do deputado Delfim 
Netto, na coluna de Swan, do dia 21 de fevereiro de 1987: 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A charge de Jimyy Scott é composta de traçados simples que reforçam as principais 
características visuais da personagem representada: o ex-ministro da Fazenda do governo 
Figueiredo, e então deputado Delfim Netto. A imagem ganha sentido aliada ao texto verbal, 
posicionada ao lado da charge e intitulado “Pontificando”. Em um jantar, num dos 
restaurantes de Brasília freqüentado pela elite política, o ex-ministro fazia severas críticas à 
política econômica do governo, enumerando alguns itens que faltavam para tirar o “o pé do 
Brasil da lama”. 
Na mão direita o deputado segura uma taça de bebida, na mão esquerda suspensa, uma 
espécie de coxinha de galinha. Estes dois elementos sugerem conflito e tensão. O riso é 
instaurado quando o texto verbal conclui: “Quem ouviu, custou a crer”, ou seja, é fácil propor 
o ataque ao déficit público com o corte de despesas e a elevação da arrecadação, numa 
situação confortável e instalado na alta esfera da sociedade. O escárnio provocado sobre a 
figura do deputado promove o riso de leitor, já que pela charge é desmitificada figura do 
“todo poderoso” Delfim Netto, colocando-o numa situação (comer e fofocar) semelhante a 
qualquer um dos mortais. 
 145 
Na coluna, o texto imagético ironiza o texto verbal, cujo alvo costuma ser personagens 
da vida pública brasileira. Por exemplo, na charge que se segue, posicionada à esquerda da 
coluna de Sued, 2 de março de 1988, logo abaixo do texto escrito, intitulado “5 anos”: 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Da esquerda para a direita, apresentam-se Moreira Franco, Orestes Quércia, o 
presidente Sarney no centro e Newton Cardoso. A charge examina os cinco anos de mandado 
para o presidente. A imagem só se torna inteligível quando localizada num momento 
particular do confronto de certas forças sociais, ou seja, no momento em que a Assembléia 
Constituinte procurava definir o período de mandato do presidente da República e das 
negociações políticas para que fosse aprovado o mandado de cinco anos para Sarney. 
A configuração visual da charge traz intrínseca uma negociação. Alguns 
procedimentos da linguagem verbal se manifestam na imagem, como por exemplo, a 
hipérbole, ao acentuar o gesto político (mão no queixo) do presidente, a posição de Moreira 
Franco (definindo que ele foi o último a fechar com o presidente), o gesto explicativo e 
receptor de Newton Cardoso. Em seguida pode ser identificada a antítese que superpõe duas 
realidades e revela o desacerto entre elas. É da antítese que se estabelece o choque entre o que 
é e o que foi, entre charge e a negociação dos cinco anos. A metáfora se manifesta no gesto 
matreiro do presidente a indicar que, em política, todo jogo vale. Tais figuras de linguagem, 
aliadas na charge, acentuam a crítica e formam uma alegoria que instaura o riso ao 
metaforizar a arbitrariedade e autoritarismo do fazer político. 
 146 
É perceptível na postura, no comportamento dos traços que vão compor a 
configuração fisionômica e a sua articulação no campo visual, identificar as fontes geradoras 
do riso. É no cômico de gestos e formas explorados pela imagem que evidencia o 
automatismo, o enrijecimento e deformações do corpo físico dos personagens. Nessa charge 
se encontram as diversas características do cômico enfocado por Bergson: o cômico de 
caráter, que demonstra o temperamento impositivo dos personagens; o cômico de situação, 
que reproduz cenas da vida política brasileira, e o cômico de palavras, organizadas em letras 
pretas, anunciando o tema enfocado pela imagem. A charge, em seu contexto histórico, revela 
as estratégias, as táticas e os movimentos dos atores políticos, definindo os potenciais aliados 
e inimigos. 
Na charge a seguir, de Cláudio, do dia 6 de dezembro de 1987, a imagem de Newton 
Cardoso aparece no centro com o seguinte texto verbal: “Doutor Newtão não vira para direita 
nem para esquerda, só´pro` centro”. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A imagem é composta de elementos que a caracterizam em relação ao personagem. 
Nas entrelinhas ela expressa o panorama político, as forças políticas em constantes mudanças, 
bem como o comércio de voto e o abuso do poder econômico. O riso nasce da constatação das 
contradições arraigadas no contexto sociopolítico e vindo à tona com a charge. Ela é 
significativa também, por indicar atitudes de políticos brasileiros que procuram se posicionar 
no centro para um maior poder de mobilidade de negociações. Como por exemplo, o então 
 147 
governador de Minas Gerais destacado na charge. Futuramente, Newton Cardoso foi motivo 
de vários escândalos envolvendo evasão de divisas e fortunas sediadas em paraísos fiscais. 
As charges ainda desvelam o processo de transição, na qual sujeitos históricos, até 
então alijados do processo, procuram alcançar seus fins no terreno da ação política. Registre-
se a charge a seguir de Jimmy Scott, intitulada “Articulação”, da coluna de Swann do dia 7 de 
março de 1987. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O texto verbal afirma que Mário Juruna, em contatos diários com Luís Inácio Lula da 
Silva, solicita transferência do PDT para o PT. O texto imagético confirma o texto verbal ao 
indicar o chute dado pelo personagem na letra D. 
A charge cria uma movimentação dinâmica dentro do texto, nivela, destrona e instala a 
marca do deboche, neste ínterim faz cintilar vozes dispares que se conflitam. O que de certa 
forma, revela que embora a transição tenha reproduzido a velha tradição política brasileira de 
“arranjos pelo alto”, também foi determinada pela pressão “de baixo”. 
 
Sobre a crise política e a constante mudança de ministros da área econômica, na 
charge da coluna de Sued, datada de 07 de março de 1987, aparece o Ministro do 
Planejamento, João Sayad, com o seguinte texto embaixo da imagem: “más notícias da equipe 
de Sayad”. 
 
 148 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A charge está relacionada à política econômica adotada durante o governo Sarney, que 
tinha como principal idealizador o ministro do Planejamento João Sayad. Tal política 
procurava contornar a crise econômica aplicando medidas contrárias às do governo anterior. 
Tal equipe foi responsável pela criação do Plano Cruzado, com vistas ao controle dos salários 
e dos preços e o consequente freio à inflação. Num primeiro momento, a inflação atingiu 
valores negativos, o consumo aumentou e os fundos aplicados foram lançados na economia. 
Entretanto, alguns meses mais tarde, a euforia de consumo levou o plano à falência. A 
estabilização forçada dos preços retraiu os setores produtivos e acabou fazendo que os bens de 
consumo desaparecessem das prateleiras dos supermercados e das empresas. Muitos 
fornecedores passaram a cobrar ágio sobre determinados produtos. As reservas cambiais do 
país foram empregadas na obtenção das mercadorias essenciais que desapareceram da 
economia nacional. 
A fuga das reservas desencadeou um processo de crise econômica, marcado pela 
moratória. O resultado do Plano Cruzado foi uma inflação anual de 1764% e a proliferação de 
planos econômicos: Plano Cruzado I e II, Plano Bresser, Plano Verão e Cruzado Novo. Junto 
com os planos a dança das cadeiras dos ministros. 
Acompanhando o mesmo tema na coluna de Swann do dia 03/03/1987 temos a 
seguinte charge de Jimmy Scott: 
 
 
 
 
 
 149 
Com o título “Novo destino”, o texto alude à demissão de João Sayad do Ministério do 
Planejamento, assegurando que, como prêmio de consolação, ele vai para os Estados Unidos 
trabalhar na Organização das Nações Unidas (ONU): pela presença da estátua da liberdade, o 
destino é Nova York. 
Na coluna de Swann do dia 10 de maio de 1987, reproduz-se a charge, também de 
Jimmy Scott, sobre a posse do novo Ministro da Fazenda Bresser Pereira: 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Bresser Pereira assumiu o Ministério da Fazenda em 29 de abril de 1987, deparando-se 
com sérios problemas inflacionários, e constatou que o governo gastava mais do que 
arrecadava. O porte decidido do ministro, na charge, indica que ele estava decidido a resolver 
o problema da inflação, que atingia os 23,26%. Em junho de 1987, foi decretado o Plano 
Bresser, com congelamento de preços, dos aluguéis e dos salários por 60 dias. Para diminuir o 
déficit público, houve aumento de tributos. O subsídio do trigo foi eliminado, retomaram-se 
as negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a moratória foi suspensa. 
Todavia, o Plano se mostrou ineficaz contra a inflação, que chegou a 366% em dezembro de 
1987. Bresser deixa o ministério em janeiro de 1988, reiniciando a dança das cadeiras de 
ministros e planos econômicos. 
Tais exemplos evidenciam que o poder da charge está em revelar as fissuras de um 
dado contexto no momento da ocorrência. A charge, quando descontextualizada, perde sua 
capacidade de ação, por isso a sua transitoriedade e instantaneidade. No contexto analisado, 
elas trazem as marcas da oposição entre o velho e o novo, a conservação e a superação. 
 150 
Por este prisma, o riso é uma forma de interação social, a base a partir da qual surge a 
possibilidade de agir sobre o mundo, de transformação da realidade mediante imagens, o que 
dá a ele um lugar privilegiado na compreensão do mundo, já que a comicidade permite ir além 
do compreensível dentro dos limites da razão. Contudo, tal conhecimento é lúdico e permite 
tratar de assuntos delicados sem a aspereza da racionalidade, já que se cria um espaço para 
que cada um possa decidir por conta própria os termos das relações e possibilidades de ação e 
reação. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 151 
CONCLUSÃO 
 
 
A hipótese inicial de estudo da coluna social possuía uma vertente histórica e 
procurava entender como surgiu e como vivia a elite dominante do Brasil. O interesse surgiu 
da reflexão sobre os fundamentos da nossa sociedade e da percepção de que, ideologicamente, 
ele teve a sua estrutura formada no Antigo Regime e que sua hierarquia era sustentada de, 
forma piramidal, pela nobreza estritamente ligada ao poder religioso, que legitimava seus 
poderes no plano temporal. Esta base transplantada de Portugal durante o período colonial 
configura uma sociedade extremamente categorizada e com imensas distâncias sociais que 
diferencia quem é quem na pirâmide social pelos gestos, maneira de vestir, sobrenome e 
modos de comportamento. Entretanto, esse enfoque foi, eventualmente, substituído por outro, 
que enfatiza a questão dos gêneros discursivos. 
Por um lance de sorte, recolhi um grande numero de exemplares, num momento em 
que iam ser descartados. A presença de um corpus a ser minudentemente estudado 
possibilitou o estabelecimento de uma perspectiva teórica a ser adotada. 
Observamos que os gêneros jornalísticos, assim como os literários, resultaram de uma 
lenta elaboração histórica. Primeiramente foram agrupadas as semelhanças e afinidades 
literárias entre os diferentes textos, retirando-se daí o conceito de gênero. Depois, de outra 
observação, desta vez sobre a tessitura do ato humano e sua capacidade de criar textos, 
originou-se o conceito de estilo. 
Então, dentro do enfoque teórico escolhido, em princípio encontram-se os textos que, 
agrupados por traços literários, fornecem os conceitos dos gêneros, os quais, por sua vez, se 
observados pela ótica do ato humano de criar textos, produzem como resultado o conceito 
científico de estilos. Os gêneros são as abstrações teóricas e se manifestam como entidades ou 
modalidades históricas e os estilos como novas abstrações teóricas que refletem estruturas 
históricas e disposições coletivas. 
Assim, o que conhecemos como teoria dos gêneros literários é um princípio de 
ordem que classifica os gêneros por tipos de organização ou estruturas literárias específicas.Este é um esquema hierárquico consagrado pela clássica teoria aristotélica dos gêneros 
literários. 
O mesmo conceito de gêneros, na teoria literária, é extrapolado para o campo do 
jornalismo, como as modalidades históricas específicas e particulares de criação da 
 152 
informação. Este conceito de gênero jornalístico foi inaugurado por Jacques Kayser, primeiro 
pesquisador com projeção internacional, que procurou classificar os textos dos jornais. 
A classificação dos gêneros jornalísticos está ligada ao processo de evolução do 
conceito de jornalismo. Num primeiro momento, os pesquisadores procuram entender os 
gêneros jornalísticos em função das características históricas. A primeira etapa, o jornalismo 
ideológico, iniciado no século XIX, indo até o fim da Primeira Guerra Mundial, era 
caracterizado por ser doutrinal e moralizador, geralmente a serviço das idéias políticas e 
religiosas, com poucas informações e muitos comentários. A segunda etapa, iniciada também 
no século XIX, coexistiu com o jornalismo ideológico, caracteriza-se pelo relato dos 
acontecimentos, uma narrativa dos fatos. O jornalismo informativo, como ficou conhecido, 
ganha vigor nos Estados Unidos e se impõe em todo o mundo ocidental como um novo estilo. 
Dele originam-se os gêneros jornalísticos informativos: a reportagem, a crônica e suas 
variantes. 
Ao contrapor o texto da coluna social com os estudos sobre os gêneros jornalísticos 
observamos que ela não poderia ser incorporada a um gênero especifico, posto que o que a 
caracterizava era uma grande mixagem de gêneros. 
Insistir na identificação de um gênero na coluna social, com uma abordagem 
tradicional não alcançaria resultados positivos em termos de significação. Essa percepção 
soma-se ao entendimento de que a realidade social não é uma superfície lisa. O acontecimento 
não existe de per si. O jornalista não é aquele sujeito exterior e distante, armado de uma 
independência, de uma neutralidade sem falhas, e o jornal não é uma mera estrutura 
tecnológica particular. Isto tem levado à desconstrução do discurso jornalístico e colocado em 
questão a problemática da leitura e da compreensão do real. 
Passamos a buscar referencias que pudessem abrir as portas do entendimento do 
texto da coluna não mais como uma forma hierárquica de classificação de espécies, mas sim, 
uma possibilidade combinatória, um instrumento organizador que leva em conta a relatividade 
estável de enunciados, ou seja, existe uma ligação entre gênero enquanto texto e possíveis 
fornecedores de modelos do mundo e a cultura, enquanto matriz de um modelo de mundo. 
Com estas informações, foi possível identificar no texto da coluna uma autoria que a 
tornava um dos mais pessoais dos gêneros jornalísticos. Isto justificava ser o texto da coluna 
voltado para os problemas sociopolíticos, as cenas de escândalo, condutas excêntricas e 
discursos inoportunos. Os mesmos temas da fofoca/boato. 
Impunha-se então determnar qual a diferença entre a fofoca e o boato. As referencias 
encontradas indicam que a fofoca acontece dentro de redes sociais de relações familiares, de 
 153 
amigos e conhecidos, com a função de renovar e transformar as relações sociais e ao mesmo 
tempo reafirmar as normas e os valores dos grupos, sem formulá-las explicitamente. 
Enquanto a fofoca pode, ou não, ser verdadeiro, o boato é sempre uma notícia não 
autenticada, que ao ser confirmado perde o estatuto de boato. O contato com as referencias 
sobre a fofoca nos levou a compreender a sua capacidade de favorecer a interação social e o 
entretenimento, fato que tem se tornado objeto de estudos da antropologia, sociologia, 
psicologia e história. 
Tudo indicava que poderíamos enfocar a coluna social como um espaço de fofoca. 
Nesse intuito, nossa exposição orientou-se pela perspectiva de que a coluna social no jornal é 
o texto que mais se aproxima da oralidade, porque as suas notas são alimentadas pelo gênero 
da fofoca, assemelhando-se às conversas que são trocadas entre os vizinhos e nos espaços 
informais. Isto a caracteriza como um gênero popular, utilizado para divulgar os feitos e 
eventos de uma elite política e social, pessoas que apresentam os mesmos padrões de 
comportamento e decoro, que os unificam e ao mesmo tempo os diferenciam dos demais 
membros da sociedade. 
Isto exigiu ampliar a noção de texto para abranger outras coisas além das que são 
escritas, incorporar o contexto e as suas implicações de sentido. Na verdade, procuramos 
interpretar um texto através de outro texto. 
Construímos o texto a partir da percepção de que a interação dessa elite geralmente 
ocorre em espaços privados; em suas conversas informais, que versam sobre o cotidiano. 
Nessas interações, é comum a referência aos ausentes de forma maliciosa e crítica; e os 
defeitos, fraquezas e comportamentos são observados clinicamente. É o que podemos 
denominar como fofoca. 
A fofoca exerceria a função de comparação social, na formação e manutenção de 
grupos e pode se apresentar como intragrupal ou intergrupal. A sua ocorrência predomina em 
ambientes em que existe a necessidade de informação moral, ou há falta de poder, bem como 
em situações que fazem emergir percepções de injustiça ou sentimentos de inveja, ciúme e 
ressentimento. 
A periodização do estudo foi importante (1987-1988), em um momento em que a 
sociedade brasileira passava pela transição entre o regime ditatorial e o democrático. A 
instalação do Congresso Constituinte seria mais um passo no processo de ruptura da situação 
anterior; configurando um contexto de instabilidade política, formada por um conjunto de 
crises, tanto de caráter econômico como institucional ou político, que se interpenetram, 
 154 
acrescentando novos problemas e novas dimensões: política, econômica, social, institucional e 
administrativa. 
No âmbito da sociedade as tendências de fluxo e refluxo se enfrentam. De um lado, 
aumento do corporativismo dos setores médios urbanos; maior capacidade de articulação dos 
interesses empresariais; surgimento ou ampliação de movimentos sociais conservadores; 
manifestações de protesto e contestação; ações repressivas e esparsas no tempo e no espaço; 
fragmentação das associações controladas pelas esquerdas. Do outro, movimentos sociais 
populares nas grandes cidades, cujos integrantes são excluídos do acesso a bens e serviços 
urbanos; surgimento de movimentos socioculturais, como o ecológico e o feminino; 
resistência de alguns setores do sindicalismo trabalhista, parte da Igreja Católica e de um 
segmento expressivo da intelectualidade. 
A análise do contexto facultou o entendimento de que os discursos flagrados nas 
colunas mantinham uma relação direta com a situação em que eles foram produzidos, o que 
levava à afirmação de que o centro organizador do discurso da coluna não estava na 
individualidade do colunista, mas no meio social no qual ele estava envolvido. 
Visto por esse prisma, quando o colunista se apropria da voz do outro, ela se entranha 
no seu discurso e se apresenta como vários discursos sociais. Assim, o texto da coluna foi 
entendido como um cruzamento de discursos oriundos de práticas de linguagem socialmente 
diversificadas, que falam e polemizam no texto e nele reproduzem outros textos. Em seu 
percurso, são confrontadas e impressas historicamente as contradições e choques do contexto. 
Assim, chegou-se a conclusão que o discurso da coluna é portador de uma memória 
coletiva, já que o colunista, ao produzir um enunciado, utiliza um sistema de linguagem, 
constituído de enunciados preexistentes. Assim, o seu discurso é um repertório de memória 
que se estende ao passado sem fronteiras e ao futuro infinito, ou seja, como processos de 
formação e ressignificação continuadas, os quais dão acesso aos múltiplos significados que 
foram historicamente construídos. 
Partimos de um texto midiático que passou a ser visto como um gêneroque incorpora 
outros gêneros, dentre eles o gênero de mexerico/fofoca. A partir desta constatação 
observamos que a fofoca é receptiva às transformações históricas, por isso termos considerado 
o texto da coluna como um repositório de memória, visto que os elementos constitutivos que 
orientam as pessoas na produção dos sentidos manifestam as tendências expressivas 
acumuladas ao longo de várias gerações de discursos e permanecem em contínua 
transformação. 
 155 
Restava agora trata um dos componentes da fofoca: o riso. Observando o contexto 
histórico, a experiência cotidiana demonstrava haver um conflito entre o novo, que está 
entrando e o dominante, que tenta defender e expulsar a concorrência. Aqui, o riso pode ser 
corretivo, ao ridicularizar as faltas, os defeitos, os desvios. No entanto, ele também evidencia 
como o período foi caótico, e pode servir, por um lado, de alivio, e por outro de amargura, ou 
seja, um ácido que corrói, com a pergunta: como levar a sério aqueles que estão no poder? 
A conclusão é que o corpus estudado faz emergir discursos que ironizam as posturas 
políticas e os procedimentos arcaicos do Congresso Nacional. Faz-nos rir dos recém 
empossados congressistas, que ainda não dominavam as regras e procedimentos da casa, pois 
em suas tentativas de atuação, apresentam atitudes risíveis. Em seu texto as críticas 
zombeteiras do contexto provocam risos. Rimos de nós mesmos. Este riso não apenas 
evidencia uma perspectiva negativa, mas uma recreação que também servia para 
conscientizar. 
Ao final do trabalho sobre o texto da coluna social, podemos identificá-la como um 
espaço de fofoca, com os seus elementos constitutivos: a memória e o riso. A afirmação é 
pautada na observação de que com o desenvolvimento dos meios de comunicação, a interação 
face a face não desapareceu, mas foi suplementada por novas formas de ação e interação, com 
a utilização de meios técnicos que conservam a intenção da interação face a face, para tornar 
pública uma ação ou acontecimento para outros que não estão fisicamente presentes no tempo 
e no lugar de sua ocorrência. Dessa forma, podemos concluir que a coluna social é um gênero 
hibrido, nascido da intersecção entre o gênero fofoca e o gênero coluna, vindo do jornalismo 
ideológico, que se configurava como um espaço de pessoalidade e opinião. 
Visto que o colunista está em constante processo dialógico, entre uma multiplicidade 
de vozes presentes ou presentificadas e em permanente negociação entre sentidos possíveis, é 
possível ouvir esses textos e entendê-los como uma pluralidade, não apenas de temas e de 
tons, mas de tipos de discurso inscritos nas próprias condições de produção de sentidos e no 
movimento plural da memória e da história. 
A conclusão é que o discurso da coluna é um eco de nós mesmos, é o resultado de 
pertencermos a um grupo social, com o qual dividimos as opiniões, os valores, as atitudes e o 
riso. 
 
 
 
 
 156 
IV. FONTES E REFERÊNCIAS 
 
 
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 163 
V. ANEXOS 
 
 
ANEXO 1 - Total de notas entre os anos de 1987 e 1988 
 
 
TOTAL DE NOTAS: 27820
Swann/1987
21%
Sued/1987
20%Swann/1988
30%
Sued/1988
29%
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 164 
ANEXO 2 - Distribuição temática das notas das colunas do jornal O Globo 
 
 
 1987 1988 total 
Swann 
 1987 1988 total 
Sued 
Político 1579 2830 4409 849 763 1612 
Econômico 706 709 1415 558 408 966 
Cultural 902 1299 2201 659 160 819 
Notícias 
internacionais 
632 331 963 485 908 1393 
Constituinte 122 115 237 190 122 312 
Social 1485 2370 3855 2094 4956 7050 
Cidade 122 287 409 290 213 503 
Esporte 101 132 233 87 118 205 
Religioso 21 40 61 24 14 38 
Saúde 101 61 162 275 162 437 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 165 
ANEXO 3 - Paralelo entre a coluna de Sued e a coluna de Swann no ano de 1987 
 
Paralelo entre Swann X Sued ano de 1987
0
500
1000
1500
2000
2500
P
ol
íti
co
E
co
nô
m
ic
o
C
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tu
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C
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E
sp
or
te
R
el
ig
io
so
S
aú
de
Swann/1987
Sued/1987
 
 
 
 
ANEXO 4 - Paralelo entre a coluna de Sued e a coluna de Swann no ano de 1988 
 
Paralelo entre Swann X Sued ano de 1988
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
P
ol
íti
co
E
co
nô
m
ic
o
C
ul
tu
ra
l
N
ot
íc
ia
s 
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C
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te
S
oc
ia
l
C
id
ad
e
E
sp
or
te
R
el
ig
io
so
S
aú
de
Swann/1988
Sued/1988
 
 
 
 
 
 
 166 
 
ANEXO 5 - Cobertura feita pelas duas colunas sobre as temáticas: social e 
política 
 
 
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
7000
8000
Polí t ico Econômico Cultural Notícias
internacionais
Constituinte Social Cidade Esporte Religioso Saúde total sw ann
total sued 
 
 
 
ANEXO 6 - Os temas sociais e políticos na coluna de Sued 
 
 
 Coluna do Sued/1987
849
558
659
485
190
2094
290
87
24
275
0 1000 2000 3000
Pol ít i co
Cul tur al
Const i tui nte
Ci dade
Rel i gi oso
 
7 6 3
4 0 8
1 6 0
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