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DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 4 Tema 01: Questões e Processos Incidentes. Noções gerais. Das questões prejudiciais. Conceito e Natureza Jurídica. Distinção entre questões prejudiciais e questões preliminares. Classificação das questões prejudiciais: imperfeitas e perfeitas; homogêneas e heterogêneas; não devolutivas e devolutivas (absoluta e relativa); obrigatórias e facultativas; total e parcial. Os vínculos das questões prejudiciais. Sistema de solução das questões prejudiciais. Procedimento. Das exceções. Conceito e Natureza Jurídica. Classificação das exceções. Efeitos. Exceção de Suspeição. Exceção de suspeição por violação da garantia da imparcialidade do julgador e do sistema acusatório. Impedimentos e incompatibilidades. 1ª QUESTÃO: MERIVAL impetra habeas corpus em favor de MAURÍLIO e SILVIANO, no qual objetiva a suspensão de duas ações penais em que denunciados pela suposta prática dos delitos previstos no art. 168-A, §1º, I, e art. 337-A, §1º, I, ambos do Código Penal. Narra o impetrante que foram os pacientes acusados de, na qualidade de presidentes da Cooperativa Cachoeirinha Ltda., terem deixado de recolher as contribuições sociais incidentes sobre a comercialização da produção rural, conhecida como Funrural, bem como terem deixado de informá- la em guia específica da Previdência Social. Refere que os delitos, apesar de tratarem de um mesmo débito previdenciário, têm natureza diferenciada, razão pela qual a ação penal foi desmembrada em dois processos. Alega também que "o débito que deu ensejo ao presente processo refere-se ao período de 2000 a 2004, quando a contribuição sobre a comercialização do produto rural não era mais devida, seja pela inconstitucionalidade de sua cobrança com o advento da Constituição Federal de 1988, nas operações internas; seja pela previsão constante da EC 30/2001, que determina a não incidência tributária sobre a atividade de exportação." MERIVAL aduz que "a Cooperativa autuada ingressou com duas medidas judiciais que têm por objeto a declaração de inconstitucionalidade de sua exigência a partir da Constituição Federal de 1988, bem como, a partir da Emenda Constitucional de 2001, que determinou a imunidade das atividades de exportação no País." Sustenta que a contribuição de que trata a denúncia é de constitucionalidade duvidosa, tendo sido proferidos, recentemente, pelo órgão plenário do Supremo Tribunal Federal, cinco votos pela inconstitucionalidade das normas que a instituíram. Argumenta que a definição acerca da exigibilidade da contribuição de cuja apropriação e sonegação estão sendo acusados os pacientes é imprescindível ao prosseguimento das demandas, pois a denúncia está embasada em tributo controvertido perante a Suprema Corte. Por tais razões, requer seja determinada a suspensão das ações penais promovidas pelo Ministério Público Federal em face de MAURÍLIO e SILVIANO. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 5 Com base na situação hipotética acima descrita, esclareça se a existência de ação discutindo a constitucionalidade de norma ou de diploma penal deve ser considerada uma questão prejudicial capaz de conduzir à suspensão do processo criminal com base no art. 93 do CPP. Resposta devidamente fundamentada. RESPOSTA: “(...) Também aqui a resposta afigura-se negativa, pois esta hipótese não condiz com a definição jurídica de questão prejudicial. Evidentemente, a existência de uma ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) pode conduzir, durante a sua tramitação, à suspensão dos processos criminais relativos aos dispositivos discutidos na demanda constitucional. Isto, aliás, ocorreu há bem pouco tempo envolvendo a Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967), hoje já afastada do ordenamento pátrio. Tal suspensão, entretanto, ocorreu em face da plausabilidade dos argumentos invocados na ADPF proposta junto ao Excelso Pretório, pois de forma alguma a situação enquadrava-se no âmbito de incidência do art. 93 do CPP. Situação análoga foi enfrentada pelo STJ, oportunidade em que se discutiu que “a existência de ação em que se discute a constitucionalidade da exação do tributo já definitivamente constituído, ainda que já iniciado julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, com forte tendência, pelos votos até então proferidos, ao reconhecimento de sua inconstitucionalidade, não configura questão prejudicial a justificar o sobrestamento da ação penal, nos termos do art. 93 do CPP.” (AVENA, Noberto. Processo Penal Esquematizado. 6 ed. rev, atual e ampl. São Paulo: Editora Método, 2014, pág. 335-336). “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 2.º, INCISO II, DA LEI N.º 8.137/1990. NÃO RECOLHIMENTO DE ICMS PRÓPRIO. PLEITO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR ATIPICIDADE DA CONDUTA. MEDIDA EXCEPCIONAL. NÃO CABIMENTO. PEDIDO DE SOBRESTAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Em atual interpretação - progressiva e teleológica - dada pela Terceira Seção desta Corte sobre o tema vertente, ficou assentado que configura-se, em tese, o crime previsto no art. 2.º, inciso II, da Lei n.º 8.137/1990, em qualquer hipótese de não recolhimento de ICMS, seja próprio ou por substituição, uma vez comprovada em juízo, após regular instrução criminal, a pretensão do agente de apropriar-se - animus rem sibi habendi - dos valores tributados, ao não efetuar, no prazo legal, o recolhimento do imposto por este apenas retido pela venda de mercadorias. 2. Mostra-se indevido o trancamento do processo-crime pela via do habeas corpus, que é medida de exceção e só admissível quando emerge dos autos, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, a atipicidade do fato, a ausência de indícios capazes de fundamentar a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade, circunstâncias não evidenciadas no caso em apreço. 3. Não se pode impedir o Estado, antecipadamente, de exercer a função jurisdicional, coibindo- o de realizarolevantamentodos elementos de prova para a verificação da verdade dos fatos - o que constitui hipótese de extrema excepcionalidade, não evidenciada na espécie. É prematuro, DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 6 pois, determinar desde já o trancamento do processo-crime, até mesmo por não ser o caso de manifesta atipicidade da conduta, sendo certo que, no curso da instrução processual, poderá a Defesa demonstrar a veracidade das suas teses perante o Juízo de origem, no qual o feito se encontra, inclusive, concluso para sentença. 4. Não há falar em suspensão da ação penal até que ocorra o julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal do RHC n.º 163.334/SC, que trata sobre a matéria objeto deste recurso. Ressalta-se que a questão não foi sequer afetada, mas somente encaminhada para julgamento perante o Plenário da Suprema Corte. E até mesmo o reconhecimento da repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal sobre a matéria não impede o julgamento do feito pelas instâncias ordinárias, se não houver decisão da Corte Suprema determinando a suspensão de todos os processos que tratam do mesmo assunto. 5. O RHC n.º 93.704/SC, de relatoria do Ministro RIBEIRO DANTAS, no qual houve o deferimento da medida liminar, embora tenha sido interposto igualmente pelo Recorrente, refere-se à outra ação penal, não prejudicialemrelação ao presentefeito, razão pela qual não há motivo para que haja a suspensão da ação penal em epígrafe até o julgamento do mérito daquele recurso. 6. Agravo regimental desprovido.” grifei (STJ. Sexta Turma. AgRg no RHC 102.121/SC. Relatora Ministra Laurita Vaz. Julgamento em 03/09/2019). “PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 168-A, § 1º, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. HABEAS CORPUS CONCEDIDO PELO E. TRIBUNAL A QUO PARA DETERMINAR A SUSPENSÃO DA AÇÃO PENAL DEFLAGRADA EM DESFAVOR DO RECORRIDO NOS TERMOS DO ART. 92 DO CPP TOMANDO-SEPOR BASE A PENDÊNCIA PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DE DISCUSSÃO A RESPEITO DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º DA LEI Nº 8.540/92 QUE, DISPONDO SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DO EMPREGADOR RURAL PARA A SEGURIDADE SOCIAL - FUNRURAL - ALTEROU ALGUNS DISPOSITIVOS DA LEI Nº 8.212/91, BEM COMO A EXISTÊNCIA DE DECISÃO CONCESSIVA DE MANDADO DE SEGURANÇA QUE ESTENDE AO RECORRIDO A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA PREVISTA NO ART. 149, § 2º, INCISO I, DA CF. QUESTÕES PREJUDICIAIS HETEROGÊNEAS FACULTATIVAS QUE NÃO OBRIGAM A SUSPENSÃO DO PROCESSO CRIMINAL. INTEGRIDADE DO LANÇAMENTO AINDA NÃO AFETADA - MANUTENÇÃO DA AÇÃO PENAL - INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS I - A teor do art. 93 do Código de Processo Penal, se o reconhecimento da existência da infração penal depender de decisão, na esfera civil, de questão diversa da do estado civil das pessoas (questão prejudicial obrigatória) e neste houver sido proposta ação para resolvê-la, o jui criminal poderá, presentes os requisitos exigidos no dispositivo legal em destaque, suspender o curso do processo penal. II - Não se pode, na hipótese, contudo, tomar o fato de pender discussão perante o Supremo Tribunal Federal a respeito da constitucionalidade do art. 1º da Lei 8.540/92, que, dispondo DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 7 sobre a contribuição do empregador rural para a seguridade social - FUNRURAL, alterou dispositivos da Lei 8.212/91 (artigos 12, V e VII; 25, I e II; 30, IV), bem como a existência de decisão favorável ao recorrido proferida nos autos de mandado de segurança que estende a ele a imunidade tributária prevista no art. 149,§2º, inciso I,da Constituição Federal como questão prejudicial heterogênea facultativa (art. 93 do Código de Processo Penal) da questão penal, porquanto, até aqui, o lançamento do tributo não foi atingido. III - A prejudicial heterogênea não obriga a suspensão da ação penal. Vale dizer, não obsta automaticamente a persecutio criminis (art. 93 do CPP). Recurso provido.” grifei (STJ. Quinta Turma. Resp 973.641/RS. Relator Ministro Felix Fischer. Julgamento em 03/02/2009). Outrossim, importante destacar julgado proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no qual deferiu o sobrestamento do processo na hipótese de questão prejudicial heterogênea, a saber: “PENAL E PROCESSUAL. QUESTÃO PREJUDICIAL. ART. 337-A DO CP. DISCUSSÃO CÍVEL. ART. 93 DO CPP. EXISTÊNCIA DE CONTROVÉRSIA JURÍDICA DE NATUREZA NÃO-PENAL. SUSPENSÃO DA AÇÃO E DA PRESCRIÇÃO. POSSIBILIDADE. RITO PROCEDIMENTAL. REMESSA À VARA DE ORIGEM. RECURSO INTERPOSTO PREJUDICADO. 1. Havendo debate na esfera cível, capaz de tornar inexigível o crédito tributário que embasa a presente ação penal, tem-se questão prejudicial externa a autorizar a suspensão da ação penal, bem como do curso do prazo prescricional (art. 116, I, do CP). 2. É orientação desta Corte que, durante o sobrestamento, os autos devem permanecer no Juízo de origem, cabendo ao Ministério Público, titular da ação penal, acompanhar o óbice que deu ensejo à prejudicial, visando eventual retomada da marcha do processo, se necessário. 3. Prejudicado o exame do apelo interposto, ao menos por enquanto.” grifei (TRF 4ª Região. Sétima Turma. Apelação Criminal n. 5046195-33.2015.4.04.7000. Relatora Des. Cláudia Cristina Cristofani. Julgamento m 11/05/2021). 2ª QUESTÃO: RUBINHO é réu na ação penal, onde se insurgiu contra o fato de ter o magistrado de 1º grau prolatado sentença condenatória quando se encontrava alegadamente sem jurisdição para atuar naquele feito, em virtude de convocação para compor quórum no Tribunal Regional Federal da 2ª Região. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 8 De acordo com os autos, o Juiz Federal EUGÊNIO foi convocado por decisão do plenário daquela Corte para substituir o Desembargador EURICO, em razão de férias, com prejuízo de sua jurisdição. No curso do mencionado período, interrompidas as férias que motivaram a convocação, o Juiz Federal convocado proferiu sentença na ação penal supracitada, levando o réu a formular Pedido de Providências ao Conselho Nacional de Justiça, questionando a legalidade da atuação do juiz no feito, requerendo, posteriormente, a instauração de Procedimento de Controle Administrativo, sustentando, em síntese, a irregularidade dos atos administrativos que interromperam as referidas férias. Em virtude da instauração dos procedimentos administrativos perante o CNJ, o Corregedor Regional da Justiça Federal da 2ª Região, Desembargador CAIO, manifestou-se no sentido do abuso de direito de petição por parte do reclamante, em razão do excesso de procedimentos instaurados para apurar os mesmos fatos, na seara administrativa. Concomitantemente, o réu RUBINHO interpôs recurso de apelação contra a sentença condenatória, sendo o recurso distribuído à relatoria do Desembargador CAIO, ocasião em que a defesa opôs Exceção de Impedimento, a qual foi rejeitada pela Corte Regional. Inconformada, a defesa impetrou habeas corpus, no qual alegou a necessidade de se determinar a redistribuição do feito em decorrência do impedimento do Desembargador-Relator CAIO para participar do julgamento da apelação criminal interposta contra a sentença proferida nos autos da ação penal. Para tanto, aduziu que o Desembargador-Relator CAIO teria se manifestado na qualidade de Corregedor Regional da Justiça Federal da 2ª Região em autos dos procedimentos citados perante o Conselho Nacional de Justiça, nos quais, inclusive, teria externado juízo de valor em desfavor do ora paciente, demonstrando, por si só, o impedimento do julgador para atuar no processamento e julgamento da apelação criminal. Requereu, assim, o reconhecimento do impedimento do Desembargador para atuar no julgamento da apelação criminal. Posto isso, esclareça, com base no entendimento do Supremo Tribunal Federal, se a ordem deve ser concedida. RESPOSTA: “Ademais, enquanto as causas de suspeição constam de um rol exemplificativo (numerus apertus) constante do art. 254 do CPP, já que se admite o reconhecimento da suspeição por razões de foro íntimo, doutrina e jurisprudência entendem que as causas de impedimento elencadas nos arts. 252 e 253 são taxativas (numerus clausus).” (LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Volume único. Rio de Janeiro: Impetus, 2013, pág. 1.183). “Além da investidura, exige-se a competência e a imparcialidade. A imparcialidade é a aptidão para emitir um juízo de valor sem pender ao favorecimento de qualquer das partes. A ausência de imparcialidade pode dar ensejo ao impedimento ou à suspeição, além da incompatibilidade, que engloba as hipóteses de quebra da imparcialidade não disciplinadas em lei. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 9 As hipóteses de impedimento estão enumeradas no artigo 252 do CPP. O impedimento pode ser suscitado por qualquer das partes, a qualquer tempo, não se sujeitando à preclusão temporal. O rol das hipóteses de impedimento é taxativo, não admitindo analogia ou interpretação extensiva.” (TÁVORA, Nestor; ARAÚJO, Fábio Roque. Código de Processo Penal para Concursos. Doutrina, Jurisprudência e Questões de Concursos. 8 ed. rev., atual. e ampl. Bahia: Editora JusPodivm, 2017, pág. 466). “DECISÃO Vistos etc. JOÃO BOSCO COSTA SOARES DA SILVA opôs exceção de impedimento (fls. 750-755) contra a Dra. Lindôra Maria de Araújo, Subprocuradora-Geral da República que oficia neste procedimento, afirmando, em síntese, que: i) a excepta "é parte na Ação Penal nº 954 em curso nesse STJ (cópia em anexo), uma vez que a referida Procuradora é autora da denúncia promovida naquele feito contra o Procurador Regional da República José Cardoso Lopes, pelos mesmos fatos que deram ensejo a esta queixa-crime" (grifado e negritado no original); e ii) "É evidente o interesse da excepta Lindôra Maria nesta causa, haja vista que é autora da denúncia na APN 954 contrao Procurador José Cardoso, tratando dos mesmos fatos. Portanto, a Procuradora não tem isenção para oficiar como custos legis nesta ação penal de iniciativa privada, pois a sua conduta encontra vedação no artigo 252, inciso IV, do CPP, aplicável ao membrodo Ministério Público por força do artigo do 258, do CPP" (idem); e iii) "o interesse dela nesta causa salta aos olhos, basta ver a denúncia contra o Procurador José Cardoso Lopes pelos mesmos fatos que ensejaram esta queixa-crime" (negritado no original). A excepta apresentou resposta (fls. 795-800), sustentando que: i) não se faz presente nenhuma das situações caracterizadoras de impedimento previstas no rol taxativo do artigo 252 do CPP; e ii) não é parte na APN 954/DF, pois atua no exercício das funções institucionais inerentes ao cargo de Subprocuradora-Geral da República, enquanto representante do Ministério Público Federal, de forma que sua atuação não é pautada por interesse direto nas causas, mas pelo interesse público, É o breve relatório. Decido. A exceção de impedimento é manifestamente improcedente. De acordo com o artigo 258 do Código de Processo Penal, "os órgãos do Ministério Público não funcionarão nos processos em que o juiz ou qualquer das partes for seu cônjuge, ou parente, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, e a eles se estendem, no que lhes for aplicável, as prescrições relativas à suspeição e aos impedimentos dos juízes" O artigo 252, por sua vez, prescreve o seguinte: Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que: I - tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito; DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 10 II - ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha; III - tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão; IV - ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito. No caso dos autos, o excipiente não descreveu, sequer em tese, qualquer das situações previstas na Lei que poderiam caracterizar o impedimento da Dra. Lindôra Maria de Araújo, até porque a pessoa da Subprocuradora-Geral não se confunde com o órgão que representa. Por isso, ao contrário do que fora afirmado, a excepta não é parte na APN 954/DF, pois o polo ativo é integrado apenas pelo Ministério Público Federal. Ademais, conforme jurisprudência sedimentada nesta Corte, as hipótesesde impedimento previstas em lei são taxativas: PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. ROUBO MAJORADO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO MINISTERIAL PROVIDO. RECONHECIMENTO DE JUSTA CAUSA PARA AÇÃO PENAL. SUSPEIÇÃO DO MAGISTRADO EX OFFICIO. IMPEDIMENTO E SUSPEIÇÃO. ROL TAXATIVO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. IMPOSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo de revisão criminal e de recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado a justificar a concessão da ordem, de ofício. 2. O fundamento axiológico da exceção de suspeição é o princípio da imparcialidade, valor que constitui, por um lado, pressuposto processual de validade da relação jurídica e, por outro, atributo do magistrado na análise de cada causa sob sua tutela jurisdicional, que lhe exige distanciamento das partes, é dizer, nenhum vínculo social, familiar ou emocional com elas. Significa possuir simpatia senão pelo processo e pelas normas que o regem e que reclamam a materialização do direito. A imparcialidade manifesta, sob a ótica processual, valores do Estado Democrático de Direito e emprega, porque resultado de um processo legal, a decisão devida e justa ao caso concreto. 3. As hipóteses de impedimento são presunções legais absolutas de parcialidade, pois apontam relações entre o suspeito/impedido e o núcleo do processo (causa objetiva), imperativamente repelidas pela lei (CPP, arts. 252, 253, 254 e 258), de forma clara e objetiva. Ocorrida, pois, a subsunção às hipóteses legais, restará prejudicada, ope legis, a condição de atuação imparcial pelo membro do Parquet. 4. A consolidada jurisprudência dos Tribunais Superiores sustenta que as hipóteses causadoras de impedimento/suspeição, constantes nos arts. 252, 253 e 258 do Código de Processo Penal, são taxativas, não sendo viável interpretação extensiva e analógica, sob pena de se criar judicialmente nova causa de impedimento não prevista em lei, o que vulneraria a separação dos poderes e, por DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 11 consequência, cercearia inconstitucionalmente a atuação válida do magistrado ou mesmo do promotor. 5. Hipótese em que o Tribunal de origem, ao concluir pela suspeição do Magistrado prolator da decisão de rejeição da denúncia por já ter externado "o seu posicionamento sobre o mérito da imputação", incorreu em interpretação extensiva da legislação de regência, criando, assim, nova causa de impedimento não prevista em lei, o que não deve prosperar. 6. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para cassar em parte o acórdão impugnado, no que se refere à suspeição do Juiz prolator da decisão de rejeição da denúncia. (HC 478.645/RJ, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 28/05/2019, DJe 04/06/2019) Por outro lado, a opinio delicti manifestada na referida ação penalbaseou-se na convicção da representante do Ministério Público a partir dos elementos constantes dos respectivos autos, o que, de nenhuma forma, macula a imparcialidade das manifestações apresentadas nestes autos, feitas a partir de outros elementos de convicção, ainda que oriundos de fatos conexos. Ante o exposto, rejeito a exceção de impedimento. Dê-se ciência ao excipiente e à excepta. Cumpra-se.” (STJ. Apn 924. Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Publicado em 10/05/2021). “PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. ROUBO MAJORADO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO MINISTERIAL PROVIDO. RECONHECIMENTO DE JUSTA CAUSA PARA AÇÃO PENAL. SUSPEIÇÃO DO MAGISTRADO EX OFFICIO. IMPEDIMENTO E SUSPEIÇÃO. ROL TAXATIVO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. IMPOSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo de revisão criminal e de recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado a justificar a concessão da ordem, de ofício. 2. O fundamento axiológico da exceção de suspeição é o princípio da imparcialidade, valor que constitui, por um lado, pressuposto processual de validade da relação jurídica e, por outro, atributo do magistrado na análise de cada causa sob sua tutela jurisdicional, que lhe exige distanciamento das partes, é dizer, nenhum vínculo social, familiar ou emocional com elas. Significa possuir simpatia senão pelo processo e pelas normas que o regem e que reclamam a materialização do direito. A imparcialidademanifesta, sob a ótica processual, valores do Estado Democrático de Direito e emprega, porque resultado de um processo legal, a decisão devida e justa ao caso concreto. 3. As hipóteses de impedimento são presunções legais absolutas de parcialidade, poisapontam relações entre o suspeito/impedido e o núcleo do processo (causa objetiva), imperativamente repelidas pela lei (CPP, arts. 252, 253, 254 e 258), de forma clara e objetiva. Ocorrida, pois, a DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 12 subsunção às hipóteses legais, restará prejudicada, ope legis, a condição deatuação imparcial pelo membro do Parquet. 4. A consolidada jurisprudência dos Tribunais Superiores sustenta que as hipóteses causadoras de impedimento/suspeição, constantes nos arts. 252, 253 e 258 do Código de Processo Penal, são taxativas, não sendo viável interpretação extensiva e analógica, sob pena de se criar judicialmente nova causa de impedimento não prevista em lei, o que vulneraria a separação dos poderes e, por consequência, cercearia inconstitucionalmente a atuação válida do magistrado ou mesmo do promotor. 5. Hipótese em que o Tribunal de origem, ao concluir pela suspeição do Magistrado prolator da decisão de rejeição da denúncia por já ter externado "o seu posicionamento sobre o mérito da imputação", incorreu em interpretação extensiva da legislação de regência, criando, assim, nova causa de impedimento não prevista em lei, o que não deve prosperar. 6. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para cassar em parte o acórdão impugnado, no que se refere à suspeição do Juiz prolator da decisão de rejeição da denúncia.” grifei (STJ. Quinta Turma. HC478.645/RJ. Relator Ministro Ribeiro Dantas. Julgamento em 28/05/2019). “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. AUSÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS HÁBEIS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. NULIDADE. IMPEDIMENTO DE MAGISTRADO PARA JULGAMENTO DO WRIT. HIPÓTESE NÃO PREVISTA NO ART. 252, III, do CPP. OFENSA AO JUIZ NATURAL. DESIGNAÇÃO PRÉVIA DE JUIZ SUBSTITUTO. DECLARAÇÃO DO IMPEDIMENTO DO JUIZ TITULAR. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I - O agravo regimental deve trazer argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada por seus próprios fundamentos. II - O julgamento monocrático do recurso não representa ofensa ao princípio da colegialidade, quando a hipótese se coaduna com o previso no art. 34, XVIII, "a" e "b" do RISTJ, notadamente porque qualquer decisão monocrática está sujeita à apreciação do órgão colegiado, em virtude de possibilidade de interposição do agravo regimental, como na espécie. III -Não se verifica o alegado impedimento de e. Desembargador para participar do julgamento do habeas corpus, apenas porque anteriormente, e na condição de então Presidente do eg. Tribunal de origem, editou o ato normativo pelo qual designou Juiz substituto para presidir a sessão de julgamento do Tribunal do Júri em que o recorrente foi condenado, em razão da comunicação do impedimento do Juiz que presidiria o ato. IV - A causa de impedimento prevista no art. 252, inciso III, do CPP, refere-se à Magistrado que se manifestou sobre a mesma questão de fato ou de direito em outra instância, o que não se coaduna com a hipótese em testilha. Precedentes. V - A alegação de ofensa ao princípio do Juiz natural, sob DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 13 o argumento de que o ato normativo que designou o Magistrado para presidir a sessão plenária do Júri, teria sido editado após o julgamento, foi rechaçada pelo eg. Tribunal, que consignou que a portaria que designou o MM. Juiz para atuar nos autos foi editada em 09/02/2011, ou seja, antes da realização do julgamento, que ocorreu dia 11/02/2011. VI - Não tendo sido comprovado, oportunamente, a ocorrência de algum prejuízo ao recorrente, mas, ao contrário, tendo a sentença condenatória sido proferida por Magistrado designado oficialmente por ato da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná para atuar no feito, por ser Juiz de Direito em substituição na Comarca de Curitiba/PR, diante da declaração de impedimento de seu antecessor, não há que se reconhecer, na hipótese, ofensa ao princípio do Juiz natural. Agravo regimental desprovido.” grifei (STJ. Quinta Turma. AgRg no RHC 92.548/PR. Relator Ministro Felix Fischer. Julgamento em 02/08/2018). Informativo 824, STF: “RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE IMPEDIMENTO OU SUSPEIÇÃO DE DESEMBARGADOR FEDERAL DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA SEGUNDA REGIÃO PARA O JULGAMENTO DE RECURSO DE APELAÇÃO E HABEAS CORPUS:IMPROCEDÊNCIA. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO. 1. Nos arts. 252 e 254 do Código de Processo Penal, não se preceitua ilegalidade em razão de ter exercido a função de Corregedor Regional da Justiça Federal da Segunda Região em processo administrativo instaurado em desfavor do Recorrente e a jurisdição no julgamento das referidas medidas judiciais. 2. A jurisprudência deste Supremo Tribunal assentou a impossibilidade de criação pela interpretação de causas de impedimento e suspeição. Precedentes. 3. Recurso ordinário aqual se nega provimento.” grifei (STF. Segunda Turma.RHC 131.735/DF. Relatora Ministra Cármen Lúcia. Julgamento em 03/05/2016). “HABEAS CORPUS. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO REJEITADA. IMPEDIMENTO OU SUSPEIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. ATUAÇÃO DE MAGISTRADO EM PROCESSO JUDICIAL E PROCESSO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE ATOS QUE DEMONSTREM O COMPROMETIMENTO DA IMPARCIALIDADE DO MAGISTRADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. NÃO OCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 14 1. A jurisprudência desta Corte consolidou-se no sentido de que "as causas de impedimento (...) de magistrado estão dispostas taxativamente no Código de Processo Penal, não comportando interpretação ampliativa. O disposto no art. 252, III, do CPP aplica-se somente aos casos em que o juiz atuou no feito em outro grau de jurisdição como forma de evitar ofensa ao princípio do duplo grau. Não há impedimento quando o magistrado exerce, na mesma instância, jurisdição criminal após ter atuado em processo administrativo disciplinar". (REsp 1177612/SP, Rel. Min. OG FERNANDES, SEXTA TURMA, DJe 17/10/2011). 2. Naespécie, verifica-se que a manifestação do referido Desembargador nos autos dos procedimentos administrativos instaurados perante o Conselho Nacional de Justiça limitaram-se à atuação de natureza administrativa relativa ao cargo então ocupado de Corregedor Regional da Justiça Federal da 2a Região, não representando prejulgamento da causa, não havendo falar, pois, em impedimento para apreciar os processos judiciais em quefigura como réu o ora paciente. Não há que se cogitar,ainda, de suspeição, haja vista que não foi demonstrada, consoante destacou o Tribunal de origem, a existência de nenhum ato do Magistrado em questão que indique o comprometimento de sua imparcialidade, nos termos do rol exemplificativo descrito no art. 254 do Código de Processo Penal. Para chegar-se a conclusão diversa, é necessário o revolvimento do acervo fático probatório amealhado ao feito, o que é inviável na via angusta do writ. 3. Habeas corpus denegado.” grifei (STJ. Sexta Turma. HC 324.206/RJ. Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Julgamento em 04/08/2015). DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 15 Tema 02: Questões e Processos incidentes (continuação): Exceção de incompetência. Exceção de litispendência. Exceção de ilegitimidade de parte. Exceção de coisa julgada e a incidência da teoria da substanciação. Dos reflexos do crime continuado e do concurso formal. Conflito de Jurisdição e de Competência. Espécies. Procedimento. 1ª QUESTÃO: FÉLIX foi denunciado, processado e julgado pela morte de NINHO, tendo a respectiva decisão transitado em julgado. Posteriormente, foi descoberto que o mesmo tiro que matou NINHO causou, por acidente, a morte de um transeunte, TUFÃO, que também restou atingidopelo projétil, sendo, até então, desconhecido o autor desse disparo. Com base na situação hipotética acima descrita, esclareça se poderia o segundo resultado, descoberto apenas em momento posterior ao julgamento do primeiro, ser objeto de novo processo. Resposta devidamente fundamentada. RESPOSTA: No caso em comento, apenas será possível o ajuizamento de ação penal contra FÉLIX pelo resultado que vitimou TUFÃO se, quanto a NINHO, tiver sido condenatória a sentença. Agora, se foi FÉLIX absolvido pelo tiro que desferiu contra NINHO, neste caso será inviável nova ação penal imputando- se a mesma ação, ainda que com resultado diverso. No que diz respeito à amplitude da coisa julgada material na hipótese de concurso formal de crimes (próprio ou impróprio), tem-se compreendido que o instituto apenas poderá ser invocado como matéria de defesa na hipótese em que a sentença proferida em relação ao crime decidido tenha sido absolutória. Contudo, se houve, em relação àquele delito, veredicto condenatório, nada obsta a propositura de ação penal em relação ao crime remanescente. “Como destaca a doutrina, outros reflexos dos limites objetivos da coisa julgada podem ser encontrados, por exemplo, nos casos de crime continuado, concurso formal, crimes permanentes e habituais: ... 2) Concurso formal de delitos: supondo que determinado acusado tenha praticado dois crimes em concurso formal - homicídio culposo e lesão corporal culposa na direção de veículo automotor -, é de se esperar que ambos os delitos sejam processados e julgados em um único processo, haja vista a presença de continência (CPP, art. 77, II). Não obstante, se, num primeiro momento, for imputada ao acusado apenas o cometimento do crime de lesão corporal culposa, eventual absolvição quanto a essa imputação não faz coisa julgada em relação ao crime de homicídio culposo. No entanto, como o concurso formal envolve o cometimento de dois ou mais crimes por meio de uma única ação ou DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 16 omissão (CP, art. 70), se o acusado for absolvido quanto à lesão corporal, reconhecendo o juiz categoricamente estar comprovada a inexistência do fato (CPP, art. 386, I) ou que o acusado não concorreu para a infração penal (CPP, art. 386, IV), é de se concluir que essa absolvição também fará coisa julgada em relação ao crime de homicídio culposo. Afinal, se ambos os crimes foram cometidos mediante uma única ação - concurso formal -, se o juiz reconheceu peremptoriamente a inexistência do fato ou a negativa de autoria/participação, esta decisão também fará coisa julgada quanto ao crime de homicídio culposo.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 4 ed. rev., ampl. e atual. Bahia: Editora JusPodivm, 2016, pág. 1.101-1.102). “Mudando de enfoque, quando estivermos diante de concurso formal, material ou crime continuado, a situação deve ser analisada à luz das regras de conexão ou continência, conforme o caso, para reunião e julgamento simultâneo. Contudo, quando os pressupostos tramitarem em paralelo ou de forma sucessiva, a soma (concurso material) ou unificação das penas (concurso formal ou crime continuado) deverá ocorrer na fase de execução penal (art. 82). Recordemos que tanto o concurso formal como o crime continuado são unidades delitivas por ficção normativa, ou seja, são um delito por ficção do direito penal, pois são diferentes situações fáticas. Assim, se Mané, mediante uma única ação, praticar dois ou mais crimes, nos termos do art. 70 do Código Penal, haverá continência (art. 77, II, do CPP), implicando julgamento simultâneo. Contudo, se por equívoco ou ausência de provas for ele acusado por apenas um dos crimes e, após a sentença (tanto faz condenatória ou absolutória), forem descobertos os demais, em relação a eles poderá o réu ser novamente processado, pois não há identidade de fatos naturais para a constituição da coisa julgada. Se condenado, a unificação das penas ocorrerá na fase de execução penal, nos termos do art. 82 do CPP. Da mesma forma será o tratamento caso o réu seja processado por apenas um dos crimes e, posteriormente, vierem a ser descobertos outros, praticados em continuidade delitiva ou concurso material. Como são fatos diversos, nada impedirá o nascimento de novo processo, pois não há coisa julgada em relação a eles. Não se desconhece a importância de uma análise específica para cada caso, até porque, tanto no crime continuado como no concurso formal, dependendo do fundamento da sentença absolutória e do contexto probatório, um novo processo por fato não incluído na acusação anterior pode ser completamente desnecessário. Contudo, isso será objeto de discussão noutra dimensão, como falta de justa causa ou mesmo ausência de suficiente fumus comissi delicti. Não se trata propriamente de coisa julgada, pois o fato natural é diverso.” (LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. pág. 531-532). 2ª QUESTÃO: JUANES foi condenado à pena de 7 (sete) anos de reclusão, em regime inicial fechado, além de multa, pela prática de associação para o tráfico transnacional (art. 35, caput, c/c art. 40, I, ambos da Lei 11.343/2006). DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 17 Inconformada, a defesa de JUANES interpôs recurso de apelação no qual sustentou a ocorrência de bis in idem processual, sob o argumento de que o réu também foi denunciado pelos mesmos fatos no Uruguai, motivo pelo qual não pode ser penalizado duas vezes. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região desproveu o recurso, já que não configurada a hipótese de litispendência no caso em comento. Com base na situação hipotética acima descrita, esclareça, fundamentadamente, se o Tribunal agiu corretamente. RESPOSTA: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. LITISPENDÊNCIA. FATOS APURADOS EM DISTINTOS ESTADOS SOBERANOS. BIS IN IDEM. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A litispendência guarda relação com a ideia de que ninguém pode ser processado quando está pendente de julgamento um litígio com as mesmas partes (eadem personae), sobre os mesmos fatos (eadem res), e com a mesma pretensão (eadem petendi), que é expressa por antiga máxima latina, o ne bis in idem. 2. Pela análise de normativa internacionais incorporada e vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, constata-se a regra de que é a sentença definitiva oriunda de distintos Estados soberanos - e não a existência de litígio pendente de julgamento - que pode obstar a formação, a continuação ou a sobrevivência da relação jurídica processual que configuraria a litispendência. 3. Não há elementos suficientes nos autos para se afirmar, com certeza, que a investigação realizada no Uruguai envolveu exatamente as mesmas condutas. Ademais, caso se reconheça, na jurisdição ordinária, que o recorrente haja respondido, no Uruguai, pelos mesmos fatos delituosos a que veio a ser condenado no Brasil, dúvidas não há de que incidirá o art. 8º do Código Penal: "A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas". Tal dispositivo, embora não cuide propriamente da proibição de dupla punição e persecução penais, dispõe sobre o modo como deve ser resolvida a situação de quem é punido por distintos Estados soberanos pela prática do mesmo delito. 4. Não se afigura possível, na via estreita do habeas corpus, avaliar a extensão das investigações realizadas numa e noutra ação penal, bem como os fatos delituosos objeto de um e deoutro processo, para se concluir, com precisão, se há ou não bis in idem ou litispendência. 5. A questão da litispendência há de ser enfrentada e dirimida nas instâncias ordinárias, onde o maior âmbito da cognição - horizontal e vertical - permitirá a aferição da efetiva ocorrência do alegado pressuposto negativo da validadeda relação processual. 6. Agravo regimental não provido.” DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 18 grifei (STJ. Sexta Turma. AgRg no RHC 106.983/SP. Relator Ministro Rogério Schietti Cruz. Julgamento em 28/04/2020). “RECURSO EM HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. LITISPENDÊNCIA. FATOS APURADOS EM DISTINTOS ESTADOS SOBERANOS. BIS IN IDEM. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A litispendência guarda relação com a ideia de que ninguém pode ser processado quando está pendente de julgamento um litígio com as mesmas partes (eadem personae), sobre os mesmos fatos (eadem res), e com a mesma pretensão (eadem petendi), que é expressa por antiga máxima latina, o ne bis in idem. 2. Pela análise de normativa internacionais incorporada e vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, constata-se a regra de que é a sentença definitiva oriunda de distintos Estados soberanos - e não a existência de litígio pendente de julgamento - que pode obstar a formação, a continuação ou a sobrevivência da relação jurídica processual que configuraria a litispendência. 3. Não há elementos suficientes nos autos para se afirmar, com certeza, que a investigação realizada no Uruguai envolveu exatamente as mesmas condutas. Ademais, caso se reconheça, na jurisdição ordinária, que o recorrente haja respondido, no Uruguai, pelos mesmos fatos delituosos a que veio a ser condenado no Brasil, dúvidas não há de que incidirá o art. 8º do Código Penal: "A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas". Tal dispositivo, embora não cuide propriamente da proibição de dupla punição e persecução penais, dispõe sobre o modo como deve ser resolvida a situação de quem é punido por distintos Estados soberanos pela prática do mesmo delito. 4. Não se afigura possível, na via estreita do habeas corpus, avaliar a extensão das iinvestigações realizadas numa e noutra ação penal, bem como os fatos delituosos objeto de um e de outro processo, para se concluir, com precisão, se há ou não bis in idem ou litispendência. 5. A questão da litispendência há de ser enfrentada e dirimida nas instâncias ordinárias, onde o maior âmbito da cognição - horizontal e vertical - permitirá a aferição da efetiva ocorrência do alegado pressuposto negativo da validade da relação processual. 6. Recurso em habeas corpus não provido.” grifei (STJ. Sexta Turma. RHC 104.123/SP. Relator Ministro Rogério Schietti Cruz. Julgamento em 17/09/2019). Trecho do acórdão acima mencionado: DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 19 “Nesse contexto, pela análise de normativa internacionais incorporada e vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, constato a regra de que é a sentença definitiva oriunda de distintos Estados soberanos - e não a existência de litígio pendente de julgamento - que pode obstar a formação, a continuação ou a sobrevivência da relação jurídica processual que configuraria a litispendência. (...) Prevalece a regra, portanto, de que a pendência de julgamento de litígio no exterior não impede o processamento de demanda no Brasil, até mesmo porque, como é cediço, no curso da ação penal pode ocorrer tanto a alteração da capitulação (emendatio libeli) como, também, da imputação penal (mutatio libeli), o que, por si só, é suficiente para exigir maior cautela na extinção prematura de demandas criminais em Estados soberanos distintos. Seria temerário, pois, também sob esse aspecto, aniquilar o cumprimeto da pena no território brasileiro.” Tema 03: Questões prejudiciais. Processo incidentes (continuação): Do incidente de falsidade. Natureza jurídica. Do falso material e do falso ideológico. Procedimento. Efeitos. Da insanidade mental do acusado. Natureza. Efeitos. 1ª QUESTÃO: O Ministério Público denunciou SOFIA pela suposta prática do crime de roubo. Durante a instrução criminal, o Ministério Público requereu a instauração do incidente de insanidade mental da acusada, nos termos do disposto no artigo 149 do Código de Processo Penal, o que foi deferido pelo magistrado. Inconformada, SOFIA impetrou mandado de segurança, no qual afirmou que não deseja ser submetida ao exame médico-pericial. Com base na situação hipotética acima descrita, esclareça, com base no entendimento do Supremo Tribunal Federal, se a ordem deve ser concedida. RESPOSTA: “HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL DECORRENTE DA DETERMINAÇÃO DE EXAME DE INSANIDADE MENTAL. DIREITO DE NÃO SER COAGIDO EM COOPERAR COM A PERSECUÇÃO CRIMINAL. ORDEM CONCEDIDA. 1. Sobre o incidente de insanidade mental decidiu o STF ser "prova pericial constituída em favor da defesa", daí não ser possível determinar a sua realização compulsoriamente. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 20 2. O princípio nemo tenetur se detegere protege os acusados ou suspeitos de possíveis violências físicas e morais empregadas pelo agente estatal na coação em cooperar com a investigação criminal. Precedente do STJ. 3. Habeas corpus concedido para o Paciente não ser obrigado a se submeter ao incidente de insanidade mental.” grifei (STJ. Sexta Turma. HC 488.029/SC. Relatora Ministra Laurita Vaz. Julgamento em 26/03/2019). "HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL DECORRENTE DA DETERMINAÇÃO DE EXAME DE INSANIDADE MENTAL. LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. 1. No Código Penal Militar, assim como no Código Penal, adotou-se o critério biopsicológico para a análise da inimputabilidade do acusado. 2. A circunstância de o agente ter doença mental provisória ou definitiva, ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (critério biológico), não é suficiente para ser considerado penalmente inimputável sem análise específica dessa condição para aplicação da legislação penal. 3. Havendo dúvida sobre a imputabilidade, é indispensável verificar-se, por procedimento médico realizado no incidente de insanidade mental, se, ao tempo da ação ou da omissão, o agente era totalmente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (critério psicológico). 4. O incidente de insanidade mental, que subsidiará o juiz na decisão sobre a culpabilidade ou não do réu, é prova pericial constituída em favor da defesa, não sendopossível determiná-la compulsoriamente quando a defesa se opõe. 5. Ordem concedida." grifei (STF. Segunda Turma. HC 133.078/RJ. Relatora Ministra Cármen Lúcia. Julgamento em 06/09/2016). "4. Recursos adequados: não há previsão legal de recurso adequado para a impugnação da decisão judicial que determina a instauração do incidente de insanidade mental. Trata-se, pois, de decisão irrecorrível. De todo modo, como espécie de sucedâneo recursal, é cabível a impetração de mandado de segurança, visto que a própria Lei n. 12.016/09 afasta o writ of mandamus para a impugnação de decisões judiciais apenas se contra elas for cabível recurso com efeito suspensivo. Quanto à decisão que indefere o requerimento de instauração do incidente de insanidade mental, é cabível a impetração de habeas corpus, desde que haja risco potencial à liberdade de locomoção, sem prejuízo de a parte prejudicada suscitar a nulidade do feito por ocasião da interposição de futura e eventual apelação." DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 21 (LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado. Salvador: Juspodivm, 2016, pág. 439). Contrariando a decisão do STF, convém destacar os ensinamentos do doutrinador Renato Brasileiro de Lima, a saber: "Por fim, prevalece o entendimento de que, salvo em hipótese de ilegalidade manifesta, o acusado não pode se negar a se submeter ao exame médico-legal, vistoque a análise de seu estado de saúde mental é de fundamental importância para a persecução penal. Como não se exige do acusado qualquer comportamento ativo, não há falar em violação ao direito de não produzir prova contra si mesmo (CF, art. 5º, LXIII)." (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 4 ed. rev., ampl. e atual. Bahia: Editora JusPodivm, 2016, pág. 1.163). 2ª QUESTÃO: CONRAD GRAYSON foi denunciado pela suposta prática do delito de tráfico de entorpecentes. Durante o trâmite processual, a defesa do acusado requereu a realização do exame de insanidade mental, o que restou indeferido pelo magistrado. Inconformada, a defesa impetrou habeas corpus com pedido de anulação do processo-crime a que responde o paciente. Argumentou, para tanto, que a não instauração do incidente de insanidade mental do paciente implicou cerceamento de defesa, pois, em que pese a discricionariedade do magistrado para aferir a necessidade de realização do exame para formar sua convicção, é imprescindível para a solução da questão que se permita ao paciente demonstrar seu real estado psicológico. Com base na situação hipotética acima narrada, responda: a) Como Desembargador, esclareça se assiste razão à tese defensiva. b) Elaborado o laudo sobre a sanidade mental do acusado, estaria o juiz vinculado a este? RESPOSTA: a) “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE DO RECURSO ESPECIAL. RECONSIDERAÇÃO. FURTO QUALIFICADO. INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL. INDEFERIMENTO. AUSÊNCIA DE DÚVIDA RAZOÁVEL. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 22 CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. DECISÃO RECONSIDERADA PARA CONHECER DO AGRAVO E NÃO CONHECER DO RECURSO ESPECIAL. 1. Esta Corte já se manifestou no sentido de que, em ações que tratam de matéria penal ou processual penal, a contagem dos prazos correrá em cartório e será contínua e peremptória, sem interrupção por férias, domingo ou feriado; também, de que não se computará no prazo o dia do começo, porém se incluirá o do vencimento (art. 798 do CPP). 2. No caso concreto, o recurso especial foi interposto dentro do prazo legal de 15 dias, motivo pelo qual dou provimento ao agravo regimental, para reconsiderar a decisão agravada e analisar o agravo em recurso especial. 3. A jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que, apenas quando evidenciada dúvida razoável acerca da sanidade mental do acusado, se torna imperiosa a instauração do respectivo incidente. Precedentes. 4. As instâncias ordinárias consignaram não haver sido demonstrados pela defesa indícios mínimos acerca da incapacidade da ré de entender o caráter ilícito da conduta supostamente praticada e, inexiste dúvida razoável apta a ensejar a instauração do referido incidente. 5. Para rever a conclusão das instâncias antecedentes seria necessária a dilação probatória, medida inviável em recurso especial. 6. Agravo regimental provido, para reconsiderar a decisão recorrida, com o fim de conhecer do agravo e não conhecer do recurso especial.” grifei (STJ. Sexta Turma. AgInt no AResp 1.142.435/SC. Relator Ministro Rogério Schietti Cruz. Julgamento em 01/06/2021). “AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO. ALEGADA OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO RETROATIVA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INSTRUÇÃO DEFICIENTE. AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS ESSENCIAIS À ANÁLISE DA CONTROVÉRSIA. INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL. PRECLUSÃO. PRECEDENTE. DOSIMETRIA. SEGUNDA FASE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 231 DO STJ. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A matéria relativa à suposta ocorrência da prescrição não foi apreciada pelo Tribunal de origem, até porque não foi suscitada originariamente, razão pela qual não se mostra cabível a análise da matéria por esta Corte, sob pena de indevida supressão deinstância, nos termos do art. 105, inciso II, alínea a, da Constituição da República. 2. Ademais, não é possível apreciar a viabilidade do pleito deduzido, diante da instrução deficitária do writ, pois, além de não constar documento comprobatório da idade da Acusada, que justificaria a redução do prazo prescricional pela metade, nos termos do art. 115 do Código Penal, o Juízo de primeiro grau informou que, em virtude da não localização da Ré, foi determinada a sua citação por edital e decretada a suspensão do processo-crime e do curso do prazo prescricional, não havendo também, nos autos, comprovação do período em que o feito esteve suspenso. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 23 3. Inexistindo dúvida razoável a respeito da sanidade mental da Agravante, não há nulidade no indeferimento do pedido de instauração do incidente de insanidade mental formulado apenas nas razões da apelação. 4. "A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal" (Súmula n.º 231 desta Corte). 5. Agravo regimental desprovido.” grifei (STJ. Sexta Turma. AgRg no HC 534.724/DF. Relatora Ministra Laurita Vaz. Julgamento em 19/05/2020). “APELAÇÃO CRIMINAL - LATROCÍNIO - PRELIMINARES - INÉPCIA DA DENÚNCIA - INOCORRÊNCIA - CERCEAMENTO DE DEFESA - INDEFERIMENTO DE INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL - IMPROCEDÊNCIA - AUSÊNCIA DE DÚVIDA ACERCA DA HIGIDEZ MENTAL DO AGENTE - REJEIÇÃO - PLEITO ABSOLUTÓRIO - INVIABILIDADE - COAUTORIA DEMONSTRADA - DECLARAÇÕES DO CORRÉU - DEPOIMENTOS DE TESTEMUNHAS - PENAS - ADEQUAÇÃO. - Não há que se cogitar da inépcia dadenúncia quando a inicial contém todos os elementos exigidos no art. 41 do CPP, descrevendo com clareza os fatos e permitindo o pleno exercício da defesa. - Nos termos do disposto no artigo 149 do Código de Processo Penal, o juiz determinará a realização do exame de insanidade no acusado quando houver dúvida sobre a sua integridade mental. Ausente essa dúvida, diantedas evidências da higidez mental do réu, constatadas no curso da instrução, justifica-se o indeferimento da prova. - Diante de prova segura de autoria e materialidade do crime contra o patrimônio imputado aos réus, a manutenção da condenação é medida de rigor. -Se a ação penal não possui elementos legítimos para censurar as circunstâncias judiciais elencadas no artigo 59 do Código Penal, é inflexível o decote do juízo desfavorável.” grifei (TJMG. Sétima Câmara Criminal. Apelação Criminal n. 0044020-93.2018.8.13.0362. Relator Des. Cássio Salomé. Julgamento em 04/09/2019). “APELAÇÃO CRIME. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. CORRUPÇÃO DE MENORES. IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA. PRELIMINARES. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. INOCORRÊNCIA. Não há necessidade de mandado de busca e apreensão para ingresso na residência, tendo em vista que o delito de tráfico de drogas possui natureza permanente, no qual o estado de flagrância prolonga-se no tempo. Ademais, no caso dos autos, os policiais constataram, antes do ingresso na residência, fundadas razões que suficientemente demonstraram a necessidade de entrar no imóvel, e, segundo se pode depreender dos autos, não houve oposição à DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 24 entrada dos policiais, não sendo forçado, portanto, o ingresso dos milicianos, inexistente a alegada violação de domicílio. NULIDADE CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE EXAME DE DEPENDÊNCIA TOXICOLÓGICA. INOCORRÊNCIA. Para o deferimento da instauração de incidente de insanidade mental ou de dependência química, como no caso dos autos, deve haver fundada dúvida a respeito da higidezmental da acusada. Caso dos autos em que o juízo entendeu, fundamentadamente, ser descabida a instauração de incidente de dependência química, por não verificar a existência de elementos concretos a indicar possível dependência de drogas da acusada. AFRONTA AO TEOR DOS ART. 400 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRELIMINAR DE NULIDADE. AFASTAMENTO. NULIDADE DA PROVATESTEMUNHAL. VALIDADE DOS DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS. PRELIMINARES REJEITADAS. MÉRITO.MATERIALIDADE. AUTORIA. CARACTERIZAÇÃO. PALAVRA DOS POLICIAIS. PROVA VÁLIDA. INIDONEIDADE NÃO DEMONSTRADA. Comprovada a materialidade e a autoria dos réus nos delitos de tráfico de drogas e corrupção de menores, inviável a absolvição pretendida. Para afastar-se a presumida idoneidade dos policiais (ou ao menos suscitar dúvida), é preciso que se constatem importantes divergências em seus relatos, ou que esteja demonstrada alguma desavença com o réu, séria o bastante para torná- los suspeitos, pois seria incoerente presumir que referidos agentes, cuja função é justamente manter a ordem e o bem-estar social, teriam algum interesse em prejudicar inocentes. O tráfico de drogas é tipo múltiplo de conteúdo variado, havendo diversos verbos nucleares que o caracterizam; portanto, o flagrante do ato da venda é dispensável para sua configuração, quando restar evidente que a destinação dos entorpecentes é a comercialização como no caso restou comprovado. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DO ART. 28 DA LEI Nº 11.343/06. INVIABILIDADE. Não pode ser acolhido o pedido de desclassificação do delito de tráfico para aquele previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/06, formulado pela defesa, porque a prova dos autos demonstra que o réu praticava o tráfico de drogas e não era mero usuário. VIOLAÇÃO AO ART. 155 DO CPP. INOCORRÊNCIA. O art. 155 do CPP proíbe a utilização exclusiva da prova indiciária não sendo este o caso, onde os indícios colhidos na fase inquisitorial são considerados no contexto, em cotejo com a prova produzida sob o crivo do contraditório. Violação inexistente. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. AUSÊNCIA DE PROVAS. ABSOLVIÇÃO DECRETADA. Para configurar o delito do artigo 35, caput, da Lei nº 11.343/06, necessário que o acordo de vontades estabeleça um vínculo entre os participantes e seja capaz de criar uma entidade criminosa que se projete no tempo e que demonstre certa estabilidade em termos de organização e de permanência temporal. Caso dos autos em que os réus praticaram em conjunto o tráfico de drogas, mas não há nos autos prova de vínculo associativo permanente entre eles, devendo ser decretada a absolvição dos apelantes da prática do delito de associação ao tráfico. MINORANTE. ART. 33, § 4º, DA LEI DE DROGAS. INAPLICABILIDADE. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS. A privilegiadora do tráfico de drogas é uma benesse e, portanto,exceção à regra; destarte, não deve ser objetiva e indiscriminadamente aplicada, mas reservada a casos excepcionais em que a pena mínima do tráfico (que, por si só, é um crime grave e usualmente merece a mais severa repressão) se mostre desproporcional. Faz-se, então, necessária a análise do caso concreto para garantir que a minorante seja reservada não apenas a réus primários, mas a traficantes realmente eventuais, que não fazem do tráfico sua profissão. Caso concreto em que os acusados não demonstraram exercer qualquer atividade lícita, sendo flagrados comercializando droga, em concurso de agentes, com indivíduo menor de idade, e R.S.S. ainda responde a outra ação penal por roubo, além do presente feito. Deve-se considerar, ainda, a quantidade de drogas apreendidas com os acusados. Tais circunstâncias indicam o envolvimento dos réus em atividade criminosa. Inviável, pois, falar-se em tráfico eventual e ausência de dedicação DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 25 à atividade ilícita. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. Não há falar em substituição da pena privativa de liberdade, pois ausentes os requisitos previstos no art. 44 do CP. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME.” grifei (TJRS. Segunda Câmara Criminal. Apelação Crime n. 70080772148. Relator Des. Luiz Mello Guimarães. Julgado em 25/04/2019). “AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. SENTENÇA. ESTUPRO DE VULNERÁVEL (ART. 217-A DO CP), COM A CAUSA DE AUMENTO DE PENA POR SER O AGRAVANTE TIO DA VÍTIMA (ART. 226, II, DO CP). SENTENÇA. INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL. PRELIMINAR ARGUIDA EM ALEGAÇÕES FINAIS. INDEFERIMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. DECISÃO FUNDAMENTADA. NÃO OBRIGATORIEDADE. INEXISTÊNCIA DE DÚVIDA RAZOÁVEL QUANTO À SANIDADE MENTAL. VIA ELEITA INADEQUADA PARA AFERIR A NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DA MEDIDA. PRECEDENTES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA. 1. Deve ser mantida a decisão monocrática que indeferiu liminarmente o presente writ, uma vez que para ajurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, a instauração de exame de sanidade mental está afeta à discricionariedade do magistrado, devendo existir dúvida razoável acerca da higidez mental do réu. 2. Chegar a uma conclusão diversa das instâncias ordinárias, que concluíram pela ausência de indícios de insanidade e, portanto, pelo indeferimento da perícia, não é possível, uma vez que demandaria revolvimento do acervo fático probatório, inviável na via estreita do habeas corpus. 3. Agravo regimental improvido.” grifei (STJ. Sexta Turma. AgRg no HC 439.395/SC. Relator Ministro Sebastião Reis Júnior. Julgamento em 19/02/2019). “RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL E EXAME TOXICOLÓGICO. INDEFERIMENTO. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. MODIFICAÇÃO DAS CONCLUSÕES DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE. REEXAMEFÁTICO-PROBATÓRIO. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO. 1. A realização do exame de insanidade mental não é automática ou obrigatória, devendo existir dúvida razoável acerca da higidez mental do acusado para o seu deferimento. Precedentes. 2. A alegação de dependência química de substâncias entorpecentes do paciente não implica obrigatoriedade de realização do exame toxicológico, ficando a análise de sua necessidade dentro do âmbito de discricionariedade motivada doMagistrado. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 26 3. No caso, as instâncias ordinárias foram categóricas em afirmar que não existia nos autos dúvida quanto à higidez mental do recorrente e que este tinha consciência, entendia o caráter ilícito de suas ações e dirigiu o seu comportamento de acordo com esse entendimento, sendo, pois, inviável a modificação de tais conclusões na via do recurso ordinário, por demandar o revolvimento do material fático-probatório. 4. Recurso Ordinário em Habeas Corpus desprovido.” grifei (STJ. Quinta Turma. RHC 88.626/DF. Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Julgamento em07/11/2017). “HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO A RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATOS INFRACIONAIS ANÁLOGOS AOS DELITOS ELENCADOS NOS ARTS. 121, § 2º, II, III, IV E V, 159, 211 E 213, TODOS DO CÓDIGO PENAL. INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL. INDEFERIMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. MODIFICAÇÃO DAS CONCLUSÕES DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. - O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça,diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. - Nos termos do art. 149 do CPP, depreende-se que a implementação do exame de insanidade mental não é automática ou obrigatória, dependendo da existência dedúvida plausível acerca da higidez mental do acusado. Precedentes. - Na espécie, as instâncias ordinárias foram categóricas em afirmar que o exame de insanidade mental não se justificava por não haver dúvidas razoáveis quanto à insanidade do paciente, pois, embora as avaliações tenham recomendado acompanhamento psiquiátrico, em nenhum momento restou consignado que o motivo seria o fato de o adolescente não compreender a ilicitude de seus atos, mas, sim, diante da circunstância de o representado tentar esquivar-se da responsabilidade,mentindo, alterando suas versões e buscando culpabilizar terceiros pelos fatos. - Com efeito, se o Juízo de origem, em contato direto com o paciente e com as evidências reunidas no curso do feito, entendeu não ser o caso de realizar exame de insanidade mental, por não haver dúvidas quanto à sanidade mental do paciente, não cabe a este Superior Tribunal de Justiça fazê-lo, uma vez que a providência demandaria a apreciação de matéria fático-probatória, o que é incabível na via eleita. Precedentes. - Habeas corpus não conhecido.” grifei DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 27 (STJ. Quinta Turma. HC 394.810/SC. Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Julgamento em 27/06/2017). “PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ART. 28 DA LEI DE DROGAS. INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL. INDEFERIMENTO. NULIDADE. MATÉRIA EXAMINADA PELA TURMA RECURSAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ALEGADA OMISSÃO.NÃO OCORRÊNCIA. REDISCUSSÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Sem embargo acerca do amplo direito à produção das provas necessárias a dar embasamento às teses defensivas, ao magistrado, mesmo no curso do processo penal, é facultado o indeferimento, de forma motivada, das diligências protelatórias, irrelevantes ou impertinentes. Cabe, outrossim, à parte requerente demonstrar a real imprescindibilidade na produção da prova requerida. 2. Hipótese em que a matéria posta em discussão no apelo defensivo foi devidamente examinada pela Turma Recursal, que afastou o alegado cerceamento de defesa, diante da desnecessidade de instauração de incidente de insanidade mental. 3. A implementação do incidente deinsanidade não é automática ou obrigatória, dependendo da existência de dúvida plausível acerca da higidez mental do acusado. Exegese doart. 149do CPP. 4. A teor do disposto no art. 619 do Código de Processo Penal, os embargos de declaração, como recurso de correção, destinam-se a suprir omissão, contradição e ambiguidade ou obscuridade existente no julgado. Não se prestam, portanto, para sua revisão no caso de mero inconformismo da parte. 5. Recurso em habeas corpus nãoprovido.” grifei (STJ. Quinta Turma. RHC 42.254/MG. Relator Ministro Ribeiro Dantas. Julgamento em 06/06/2017). b) "10) Por fim, convém lembrar que, não obstante o caráter técnico do exame de insanidade mental, o juiz, assim como os jurados, não estão vinculados à conclusão pericial, podendo aceitá-la ou rejeitá-la, no todo ou em parte, nos termos do art. 182 do CPP." (LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de ProcessoPenal. Volume único. Rio de Janeiro: Impetus, 2013, pág. 1.163). “Em princípio, aplica-se ao laudo que resulta do incidente de insanidade mental a regra geral das perícias, prevista no art. 182 do CPP, segundo a qual o juiz não fica vinculado aos laudos periciais, podendo aceitá-los ou rejeitá-los, no todo ou em parte. O que é uma decorrência da máxima de que o juiz é o peritus peritorum. Todavia, em virtude da elevada especialização técnica da questão de DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 28 definir ou não a ocorrência de insanidade mental no momento da prática da infração penal, será muito difícil que o juiz, sem qualquer outro elemento técnico, possa divergir do laudo pericial.” (BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, pág. 246). “ROUBO QUALIFICADO E CORRUPÇÃO DE MENORES ABSOLVIÇÃO INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA INOCORRÊNCIA -DECLARAÇÕES DAS VÍTIMAS CORROBORADAS PELOS DEMAIS ELEMENTOS ACOSTADOS AOS AUTOS CONDENAÇÃO MANTIDA RECURSO IMPROVIDO. ROUBO QUALIFICADO E CORRUPÇÃO DE MENORES SEMI- IMPUTABILIDADE - ARTIGO 26 DO CP - RECONHECIMENTO - INADMISSIBILIDADE DEPENDÊNCIA À SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE ATESTADA PERICIALMENTE - LAUDO, ENTRETANTO, QUE APRESENTA CONTRADIÇÃO ENTRE O EXAME E A CONCLUSÃO JUIZ, ADEMAIS, QUE NÃO FICA VINCULADO OU ADSTRITO ÀS OPINIÕES CONSTANTES DO LAUDO PERICIAL RECURSO NÃO PROVIDO.” grifei (TJSP. Sexta Câmara de Direito Criminal. Apelação n. 0004368-06.2016.8.26.0224. Relator Des. Marco Antonio Marques da Silva. Julgamento em 22/02/2018). DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 29 Tema 04: Teoria geral da prova: Conceito. Objeto. Principiologia da prova: garantia da jurisdição (distinção de atos de investigação e atos de prova); presunção de inocência; carga da prova (ônus) e in dubio pro reo; in dubio pro societate ranço inquisitório); contraditório e momentos de prova; provas e direito de defesa (princípio do nemo tenetur se detegere). Finalidade da prova. Avaliação e conferência da prova (sistema legal de provas, íntima convicção e livre convencimento motivado). O problema da verdade no Processo Penal. Prova Indiciária. 1ª QUESTÃO: O Ministério Público ofereceu denúncia contra ZÉ ALFREDO como incurso nas sanções do artigo 304 do Código Penal, por ter, em tese, apresentado documento público (histórico escolar) e documento particular (diploma de qualificação técnica) falsos perante o Conselho Regional de Enfermagem do Estado do Rio de Janeiro, a fim de exercer ilegalmente a profissão de auxiliar de enfermagem. O magistrado recebeu a denúncia e determinou a citação do acusado para responder à ação penal. Durante a fase instrutória, as partes não produziram provas. Pelo juiz, foi determinada a intimação de 5 (cinco) testemunhas, com fundamento no art. 156, II, do Código de Processo Penal. Inconformada, a defesa de ZÉ ALFREDO impetrou habeas corpus, ao argumento de que houve abuso do poder probatório e, por consequência, violação da imparcialidade do juiz. Com base no exposto, esclareça, com base no entendimento da doutrina e jurisprudência, se o writ merece ser concedido. RESPOSTA: A ordem deve ser concedida, uma vez que o juiz não pode assumir papel de acusação. Segundo o STF, o juiz pode produzir provas ex officio, desde que o faça de modo complementar, não arvorando o papel de acusador, como, por exemplo, no caso de o Ministério Público arrolar 5 (cinco) testemunhas, tendo uma destas testemunhas mencionado que determinada testemunha não arrolada pelo MP presenciou o fato. Neste caso, o magistrado pode arrolar essa testemunha de ofício. Essa atuação é suplementar e admitida, não violando a imparcialidade do juiz. Sobre o tema em questão, podemos citar três correntes: 1) Majoritária. Fernando da Costa Tourinho Filho. Ada. Marcellus Polastri. Renato Brasileiro de Lima. Norberto Avena. Renato Marcão. Adotada inclusive pelo STF. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 30 “Já se referiu que o inc. II do art. 156 do CPP praticamente torna inútil a regra contida no caput. Não se deve olvidar, contudo, que o Juiz somente em casos excepcionais deve empreender a pesquisa de ofício. Seu campo de ação na área de pesquisa probatória deve ser por ele próprio limitado, para evitar uma sensível quebra da sua imparcialidade. (...) Arredada a hipótese de o Juiz assumir o papel de parte acusadora ou defendente, é claro que a regra constante do inc. II do art. 156 do CPP não é simplesmente decorativa. Em casos excepcionais, quando a dúvida assaltar o espírito do Julgador, poderá este procurar dirimi-la determinando a realização de diligências com tal objetivo. (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Volume 3. 35 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. pág. 269-270). “O Código de Processo Penal permite que, no processo, caso a parte não produza a prova ou persista dúvida, o juiz possa determinar de ofício diligências ou produção de provas. ... Mas, diferentemente dos países que adotam o juízo de instrução, no Brasil, onde se procura um processo acusatório, o juiz só deve agir na busca da prova de forma supletiva, (...). Assim, no sistema brasileiro, o juiz só pode buscar a prova, ainda assim de forma supletiva, dentro do processo. ... O processo penal busca averdade provável, e assim o juiz, que a princípio deve manter-se inerte, para esclarecer os fatos pode produzir a prova, supletivamente, no caso de não produção desta pelas partes.” (LIMA, Marcellus Polastri. Curso de Processo Penal. 7 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 2013, pág. 394-395). “No curso do processo penal, grande parte da doutrina e da jurisprudência admitem que o juiz, de modo subsidiário, possa determinar a produção de provas que entender pertinentes e razoáveis, a fim de dirimirdúvidas sobrepontos relevantes, seja por força do princípio da busca da verdade, seja pela adoção do sistema do livre convencimento motivado. Nesse caso, é imperioso o respeito ao contraditório e à garantia de motivação das decisões judiciais. A fim de dirimir eventual dúvida que tenha nascido no momento da valoração da prova já produzida em juízo, esta atuação deve ocorrer de modo supletivo, subsidiário, complementar, nunca desencadeante da colheita da pova. Em síntese, não se pode permitir que o magistrado se substitua às partes no tocante à produção das provas. Para tanto, deve o magistrado atuar de maneira imparcial. Se o escopo do juiz for o de buscar provas apenas para condenar o acusado, além da violação ao sistema acusatório, haverá evidente comprometimento psicológico com a causa, subtraindo do magistrado a necessária imparcialidade, uma das mais expressivas garantias inerentes ao devido processo legal, prevista expressamente na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. nº 678/92, art. 8º, nº. 1). DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 31 ... Além disso, de modo a preservar sua imparcialidade, impõe-se ao magistrado o dever de motivar sua decisão, expondo a necessidade e relevância da prova cuja realização foi por ele determinada ex offício. E nem se diga que essa atuação subsidiária do juiz na produção de provas compromete sua imparcialidade. Na verdade, como destaca a doutrina, “os poderes instrutórios do juiz não são incompatíveis com a imparcialidade do julgador. Ao determinar a produção de uma prova, o juiz não sabe, de antemão, o que dela resultará e, em consequência, a qual parte vai beneficiar. Por outro lado, se o juiz está na dúvida sobre um fato e sabe que a realização de uma prova poderia eliminar sua incerteza e não determina sua produção, aí sim estará sendo parcial, porque sabe que, ao final, sua abstenção irá beneficiar a parte contrária àquela a quem incumbirá o ônus daquela prova. (...) Também não há qualquer incompatibilidade entre o processo penal acusatório e um juiz dotado de iniciativa probatória, que lhe permita determinar a produção de provas que se façam necessárias para o esclarecimento da verdade.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Volume único. Rio de Janeiro: Impetus, 2013, pág. 586-587). “Considera-se, afinal, que , se a prova dirige-se ao juiz, visando à formação de seu convencimento quanto aos fatos alegados pelas partes, não seria razoável exigir do magistrado uma posição absolutamente inerte na fase instrutória do processo criminal, vinculando-se, apenas, às provas requeridas ou produzidas pelas partes. A despeito de não ignorarmos a posição oposta que vislumbra na produção oficiosa de provas uma violação ao modelo acusatório adotado pela Constituição Federal, compreendemos, conforme já abordamos no tópico anterior, que não há essa incompatibilidade, pois, ao assim proceder, não está o magistrado substituindo-se às partes noprocesso criminal, mastão somente ordenando diligências no intuito desaber a realidade como efetivamente ocorreram os fatos. (...) Não obstante tudo isso e a despeito de o regramento existente ser favorável à possibilidade da produção de provas de ofício pelo juiz, existe posição doutrinária e jurisprudencial entendendo que essa faculdade do magistrado não teria sido recepcionada pela Constituição Federal.” (AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. 6 ed. rev., atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2014. pág. 466). “Na busca da verdade real, tratar-se de mera faculdade conferida ao julgador, que apenas poderá agir de forma supletiva, visando tão somente a complementação da prova ou seu esclarecimento com o fim de dirimir dúvida, de modo que não se permite ao juiz suprir a inércia da parte ou a esta se sobrepor, tomando para si a iniciativa de produzir prova. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 32 A iniciativa probatória do juiz que atua no sistema acusatório encontra-se envolta por limites, de modo que não pode ganhar contornos de iniciativa acusatória, por isso concordamos com Pacelli quando acena para a possibilidade de se estabelecer um critério objetivo a esse respeito, mínimo que seja, e exemplifica: “o art. 564, III, b, do CPP, prevê como nulidade a falta de exame de corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, quando ainda presentes os vestígios. Acreditamos que, em tal situação, se o Ministério Público não requerer a produção da prova técnica, quando exigida, o juiz não poderá fazê-lo à conta do princípio da verdade real, na medida em que ele estaria atuando em substituição ao Ministério Público, empreendendo atividade tipicamente acusatória, supletivamente ao órgão estatal responsável pela sua produção”. Já não é atual, e não serve para o sistema acusatório, o pensamento de Pietro Ellero quando diz que “em matéria penal compete ao juiz a obrigação de prova”. É certo, como afirmou Malatesta, que o juiz penal deve, ele próprio, procurar alcançar a verdade substancial, que é o fim último de todo o processo, mas disso não se extrai possa o magistrado atribuir a sim mesmo o ônus, ou dever nesse caso, de produzir a prova pertinente. A afirmação de Malatesta só serve ao modelo acusatório de processo penal se compreendida como a tarefa conferida ao juiz de vasculhar a prova apresentada em juízo, com o objetivo de nela alcançar elementos de convicção que o aproximem da verdade real. Observados os limites apontados, calha pontuar que no CPP encontramos alguns dispositivos disciplinando diligências que podem ser adotadas pelo juiz com vistas à produção de provas, a saber: art. 196 (a todo tempo o juiz poderá proceder a novo interrogatório do réu, de ofício ou a pedido fundamentado de qualquer das partes); art. 290 (o juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas,além das arroladaspelas partes); art. 229 (proceder a acareações); art. 234 (determinar a juntada de determinado documento relevante), e art. 240 (determinar busca domiciliar ou pessoal, bem como a apreensão de objetos e coisas).” (MARCÃO, Renato. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2014, pág. 431-432). “AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL DA DEFESA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO. HOMICÍDIO NO TRÂNSITO. 1. OFENSA AO SISTEMA ACUSATÓRIO. PRODUÇÃO DE PROVA DE OFÍCIO. IMPARCIALIDADE DO MAGISTRADO. 2. INDEFERIMENTO DE OITIVA DA VÍTIMA HOSPITALIZADA. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. 3. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. ELEMENTOS INDICIÁRIOS. 4. DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO. DOLO EVENTUAL X CULPA CONSCIENTE. 5. PREQUESTIONAMENTO EXPLÍCITO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DOS VÍCIOS DO ART. 619 DO CPP. 6. COEXISTÊNCIA DE DOLO EVENTUAL COM QUALIFICADORAS - MEIO CRUEL E MOTIVO FÚTIL. 7. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1.1. A suposta violação dos arts. 156, II, e 402 do Código de Processo Penal não foi apreciada pelo Tribunal a quo, por se tratar de inovação recursal. 1.2. O processo é produto da atividade cooperativa triangular entre o juiz e as partes, onde todos devem buscar a justa aplicação do ordenamento jurídico no caso concreto. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 33 1.3. A produção de prova testemunhal de ofício está ligada aos princípios da verdade real, do impulso oficial e da persuasão racional (livre convencimento motivado). O juiz pode entender pela necessidade de produção de prova essencialao esclarecimento da verdade, em nítido caráter complementar. 2.1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que, em regra, salvo situação excepcionalíssima, não se acolhe alegação de nulidade por cerceamento de defesa, em função do indeferimento de diligências, porquanto o magistrado é o destinatário final da prova, logo, compete a ele, de maneira fundamentada e com base no arcabouço probatório produzido, analisar a pertinência, relevância necessidade da realização da atividade probatória pleiteada (ut, AgRg no AREsp 1082788/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, DJe 15/12/2017) 2.2. No caso, a oitiva da vítima, além de ter sido requerida pelo MP, foi indeferida por ausência de previsão acerca da alta hospitalar e para evitar o agravamento de seu quadro clínico. 3.1. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, é admissível o uso do inquérito policial como parâmetro de aferição dos indícios de autoriaimprescindíveis à pronúncia, sem que isto represente violação ou negativa de vigência ao art. 155 do CPP. 3.2. Ademais, na hipótese, o Magistrado de primeiro grau fundamentou a existência de indícios de autoria nos depoimentos testemunhais e no interrogatório do réu. 4.1. O pleito defensivo de desclassificação da conduta/impronúncia encontra óbice na impossibilidade de revolvimento do material fático-probatório dos autos em sede de recurso especial, a teor da Súm. n. 7/STJ. Não se pode generalizar a exclusão do dolo eventual em comportamentos humanos voluntários praticados no trânsito. 5.1. A jurisprudência desta Corte é uníssona ao afirmar que mesmo os recursos que pretendem o prequestionamento de tema constitucional demandam a demonstração concomitante da existência de um dos vícios do art. 619 do CPP, o que inocorreu no caso dos autos. 6.1. Inexiste incompatibilidade entre o dolo eventual e o reconhecimento do meio cruel para a consecução da ação, na medida em que o dolo do agente, direto ou indireto, não exclui a possibilidade de a prática delitiva envolver o emprego de meio mais reprovável, como veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel [...] (art. 121, § 2o, inciso III, do CP). 6.2. A anterior discussão entre autor e vítima não é suficiente para afastar a qualificadora do motivo fútil, cuja incidência é possível, ainda que se trate de dolo eventual. 7.1. Agravo regimental a que se nega provimento.” grifei (STJ. Quinta Turma. AgRg no Resp 1.573.829/SC. Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Julgamento em 09/04/2019). “RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E CORRUPÇÃO DE MENORES. BUSCA E APREENSÃO DE LAUDO PERICIAL. MEDIDA DETERMINADA DE OFÍCIO PELA MAGISTRADA SINGULAR APÓS A APRESENTAÇÃO DE ALEGAÇÕES FINAIS PELAS PARTES. POSSIBILIDADE DE O JUÍZO ORDENAR A PRODUÇÃO DOS DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 34 ELEMENTOS DE CONVICÇÃO NECESSÁRIOS À FORMAÇÃO DO SEU LIVRE CONVENCIMENTO. NULIDADE INEXISTENTE. 1. Embora o juiz seja um órgão do Estado que deve atuar com imparcialidade, acima dos interesses das partes, o certo é que o próprio ordenamento jurídico vigente permite que, na busca da verdade real, ordene a produção de provas necessárias para a formação do seu livreconvencimento, sem que tal procedimento implique qualquer ilegalidade. Inteligência do artigo 156, inciso II, do Código de Processo Penal. Doutrina. Jurisprudência. 2. O fato de a magistrada haver determinado, de ofício, a expedição de mandado de busca e apreensão do laudo de exame de material entorpecente após a apresentação de alegações finais pelas partes não enseja a nulidade da prova, uma vez que o referido documento foi por ela considerado indispensável para analisar o mérito da causa, e as partes terão a oportunidade de sobre ele se manifestar antes da prolação de sentença. Precedentes do STJ e do STF. NULIDADE DO LAUDO PERICIAL. MATÉRIA NÃO DISCUTIDA NO ACÓRDÃO IMPUGNADO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 1. A par de ainda não constar do processo o exame definitivo cuja busca e apreensão foi determinada, a aventada imprestabilidade do laudo pericial, que não seria autêntico por não conter a assinatura do perito por ele responsável, não foi alvo de deliberação pela Corte Estadual no acórdão impugnado, circunstância que impede qualquer manifestação deste Sodalício sobre otópico, sob pena de se configurar a prestação jurisdicional em indevida supressão de instância. 2. Recurso parcialmente conhecido, e, nessa extensão, desprovido.” grifei (STJ. Quinta Turma. RHC 92.458/RJ. Relator Ministro Jorge Mussi. Julgamento em 21/06/2018). “HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. ARTIGOS 4º DA LEI N. 7.492/1986 E 1º, VI, DA LEI N. 9.613/1998. MAGISTRADO QUE HOMOLOGA ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA. IMPEDIMENTO. INEXISTÊNCIA. ARTIGO 252 DO CPP. HIPÓTESES TAXATIVAS. JUNTADA DE DOCUMENTOS NO CURSO DA AÇÃO PENAL. DETERMINAÇÃO JUDICIAL EX OFFICIO. POSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 35 2. As causas de impedimento do Magistrado para o processamento e julgamento da causa são circunstâncias objetivas relacionadas a fatos internos ao processo, previstas, taxativamente, no artigo 252 do Código de Processo Penal. 3. Nesse diapasão: a) não é possível interpretar-se extensivamente os seus incisos I e II de modo a entender que o juiz que atua em fase pré-processual desempenha funções equivalentes ao de um delegado de polícia ou membro do Ministério Público ( HC 92893, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 02/10/2008, DJe de 11/12/2008); b) não se pode ampliar o sentido do inciso III de modo a entender que o juiz que atua em fase pré-processual ou em sede de procedimento de delação premiada em ação conexa desempenha funções em outra instância (o desempenhar funções em outra instância é entendido aqui como a atuação do mesmo magistrado, em uma mesma ação penal, em diversos graus de jurisdição) - HC 97553, Relator Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 16/06/2010, DJe de 09/09/2010. 4. Na hipótese vertente, não houve exteriorização de qualquer juízo de valor acerca dos fatos ou das questões de direito emergentes na fase preliminar que impeça o Juiz oficiante de atuar com imparcialidade no curso da ação penal. O acórdão impugnado considerou que a participação do magistrado restringiu-se à homologação do acordo de delação premiada e a sentença consignou que os depoimentosdos delatores não haviam sido isoladamente considerados para embasar a condenação. 5. Em resumo, a homologação do acordo de colaboração premiada pelo Magistrado não implica seu impedimento para o processo e julgamento da ação penal ajuizada contra os prejudicados pelas declarações prestadas peloscolaboradores, não sendo cabível interpretação extensiva do artigo 252 do CPP. Precedentes. 6. Em obediência ao princípio da busca da verdade real e pela adoção do sistema de persuasão racional do juiz, é possível que o magistrado, na fase processual, determine a produção de provas ex officio, desde que de forma complementar à atividade probatória das partes. No caso, o juiz, conhecedor de elementos probatórios constantes de outras ações penais conexas à presente, e que poderiam suprir dúvidas existentes nos autossobre pontos relevantes para o julgamento da causa, determinou a sua juntada ao procedimento criminal, com a reabertura de prazo às partes para manifestação. Inteligência dos arts. 156, II e 502 da Lei Adjetiva Penal. 7. Habeas corpus não conhecido.” grifei (STJ. Quinta Turma. HC 221.231/PR. Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Julgamento em 21/03/2017). 2) Aury Lopes Jr. Sustenta a inconstitucionalidade do art.156, II do CPP. Ele diz que a posição do STF coloca o juiz como ator coadjuvante na produção probatória, mas que o art.156, II do CPP deveria ser inconstitucional e se deveria vedar qualquer produção probatória do juiz de ofício, pois isso violaria oprincípio da inércia da jurisdição e consequentemente, o princípio da imparcialidade dojuiz. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 36 “Cada vez estamos mais convictos de que o processo acusatório impõe um repensar a construção do saber jurisdicional desde a perspectiva do contraditório, delimitando, portanto, o campo de exercício do poder. Para tanto, imprescindível quea gestão da prova esteja nas mãos das partes (juiz- espectador) e que, para dar eficácia a esse princípio, seja adotada a exclusão física dos autos do inquérito policial (ou qualquer outra forma de investigação preliminar que se tenha), garantindo-se assim a máxima originalidade do julgamento.” (LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. pág. 580). 3) Eugênio Pacelli. “Nesse ponto, o sistema acusatório imposto pela Constituição Federal de 1988 no qual foram delimitadas as funções do juiz e as atribuições do Ministério Público, deverá funcionar como um redutor e/ou controlador da aplicação do mencionado dispositivo, em face da imparcialidade que deve nortear a atuação judicial. Quando falamos em imparcialidade, não estamos nos referindo unicamente à ausência de interferências externas que, segundo a lei, podem influir no ânimo do magistrado, como ocorre nos casos legais de impedimento, suspeição ou incompatibilidade, previstos nos art. 112, 252, 253, 254, todos do CPP. Falamos, agora, na imparcialidade no que se refere à atuação concreta do juiz no processo, de modo a impedir que este adote postura tipicamente acusatória no processo, quando, por exemplo, entender deficiente a atividade desenvolvida pelo Ministério Público. O juiz não poderá desigualar as forças produtoras da prova no processo, sob pena de violação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, ambos reunidos na exigência de igualdade e isonomia de oportunidades e faculdades processuais. ... Se, de um lado, assim deve ocorrer em relação ao ônus probatório imposto à acusação, de outro lado, a recíproca não deve ser verdadeira. Provas não requeridas pela defesa poderão ser requeridas de ofício pelo juiz, quando vislumbrada a possibilidade de demonstração da inocência do réu. E não vemos aqui qualquer dificuldade: quando se fala na exigência de igualdade de armas, tem-se em vista a realização efetiva da igualdade, no plano material, e não meramente formal. A construção da igualdade material pasa, necessariamente, como há muito ensinam os constitucionalistas, pelo tratamento distinto entre iguais edesiguais. ... Hipótese diferente ocorreria quando a atividade probatória do juiz se destinasse unicamente a resolver dúvida sobre ponto relevante, nos exatos termos do art. 156, II do CPP. Por dúvida, que deve se dirigir ao questionamento acerca da qualidade ou da idoneidade da prova, não se pode entender a ausência dela (prova), como ocorreria no exemplo anterior. A dúvida somente instala-se no espírito a partir da confluência de proposições em sentido diverso sobre determinado objeto ou DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 37 ideia. No campo probatório, ela ocorreria a partir depossíveis conclusões diversas acerca do material probatório então produzido, e não sobre onão produzido. Assim, é de se admitir a dúvida do juiz apenas sobre prova produzida, e não sobre a insuficiência ou a ausência da atividade persecutória.” (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de.Curso de Processo Penal. 16 ed. Atualizada de acordo com as Leis nº 12.403, 12.432, 12.461, 12.483 e 12.529, todas de 2011, e Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011. Rio de Janeiro: Atlas, 2012, pág. 327-329). 2ª QUESTÃO: No direito processo penal pátrio, é aplicável o “standard além (ou acima) da dúvida do razoável”, como critério de decisão na avaliação do conjunto de provas e indícios, diante do princípio constitucional do in dubio pro reo? RESPOSTA: O standard além (ou acima) da dúvida razoável trata-se de matéria referente à lógica das provas, ou seja, ao raciocínio do tomador de decisão (julgador), e assim é perfeitamente aplicável (e tem sido aplicado) ao direito no direito processual pátrio, servindo de referencial para aplicação do princípio do in dubio pro reo. O standard apresenta-se como alternativa ao conceito de verdade real (absoluta ou substancial) que possui inegável carga utópica e é cientificamente indemonstrável. Vale dizer, o standard é critério adotado em raciocínio lógico probatório e, assim, não diz respeito ao ônus probatório ou a opções valorativas adotadas em determinadas fases ou em incidentes processuais (recebimento da denúncia, pronúncia, decreto de prisão). Segundo o standard para se proferir uma decisão é necessário se avaliar todo o conjunto probatório (incluída tanto a prova direta como o indício, eis que ambos têm valor jurídico) e se chegar a conclusão de que o fato (ou hipótese fática) apontado como verdadeiro, descrito na peça acusatória, melhor explica e é melhor explicada (IME - Inferência para Melhor Explicação) pelo referido conjunto além (ou acima) de qualquer dúvida razoável. Importante dizer que o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, adotado pelo Brasil a partir do Decreto nº 4.388/2002, no seu art. 66, estabelece que: “3. Para proferir sentença condenatória, o Tribunal deve estar convencido de que o acusado é culpado, além de qualquer dúvida razoável”. Nesta linha já decidiu o Supremo Tribunal Federal (voto da Ministra Rosa Weber no caso Operação Sanguessuga) e o Tribunal Regional Federal - 4ª Região (no voto do Desembargador João Pedro Gebran sobre processo criminal envolvendo o ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva). Finalizando, nestes termos, o referido standard pode ser aplicado no direito processual pátrio, passando a ser o referencial de aplicação do princípio do in dubio pro reo, na medida em que não DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 38 havendo convencimento além (ou acima) da dúvida do razoável para a condenação, o acusado deve ser absolvido. COMPLEMENTAÇÃO DO GABARITO: “10.1.14. Critérios de decisão: o problema dos standards probatórios No relacionamento entre verdade e prova, podem ser destacados momentos ou contextos distintos. Há o momento da descoberta, o momento da instrução, há o momento da valoração e o momento da decisão. A estes, se pode acrescentar o momento da justificação, posterior à atividade de reconstrução histórica dos fatos, mas fundamental para legitimá-la e permitir um controle intersubjetivo das escolhas racionais do julgador. Não é comum, na doutrina nacional, fazer a distinção entre momento da valoração e momento da decisão. A atividade valorativa tem por objeto os meios de prova, que deverão ser confrontados e valorados segundo regras lógicas e racionais. A valoração leva &à decisão sobre a veracidade ou não de uma determinada afirmação sobre os fatos. Todavia, os momentos de valoração e decisão não se confundem, e, mais relevante do que isso, são regidos por estatutos distintos. O contexto da valoração é eminentemente racional. Em um sistema de persuasão racional, as regras jurídicas não devem ter influência sobre como valorar os meios de provas.Questão diversa diz respeito ao critério de decisão. Cabe ao legislador, a partir de um determinado valor que deseje tutelar, estabelecer critérios de decisão que poderão variar, por exemplo, segundo o bem jurídico em jogo, ou a natureza do processo. Esse é o campo dos critérios de decisão, ou qual o grau de convencimento que se exige do julgador para poder decidir que um fato está provado. O tema dos “critérios de decisão”, também denominados “standards probatórios” ou “modelos de constatação”, tem sido muito pouco explorado pela doutrina processual penal brasileira, que geralmente se limita a apreciar a questão sob o enfoque do in dubio pro reo, mas não dos diversos graus que se podem exigir do julgador para que se considere um fato “provado” ou mesmo para que se tenha como satisfeito um requisito legal de mera probabilidade, e não de “certeza”. Em uma escala crescente, pode-se trabalhar com “modelos de constatação” ou “critérios de convencimento”, ou ainda “standards probatórios” variados: (i) simples “preponderância de provas” (preponderance evidence), que significa a mera probabilidade de um fato ter ocorrido; (ii) “prova clara e convincente” (clear and convincing evidence), que pode ser identificada como uma probabilidade elevada; (iii) e “prova além da dúvida razoável” (beyond a reasonable doubt), como uma probabilidade elevadíssima, que muito se aproxima da certeza. ... A razão de se exigir no processo penal um standard probatório mais elevado que no processo civil é de natureza política, e não simplesmente técnica. No processo penal, em razão da presunção de inocência, do ponto de vista probatório há um desequilíbrio estrutural entre as posições do acusado, a quem não incumbe nenhum ônus, e o acusador, sobre quem recai toda a carga probatória. Contudo, DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 39 além de atribuir toda a carga da prova para a acusação, também se adota um standard de prova bastante elevado, tornando o convencimento judicial dos fatos que favoreçam a acusação particularmente difícil. Diferentemente do processo civil, a definição dos standards probatórios no processo penal não tem por objetivo eliminar ou distribuir os riscos de erros em razão da insuficiência probatória, mas sim distribuir os erros de forma a favorecer sistematicamente a posição do acusado. Justamente por isso, se considera preferível absolver um (ou dois, ou dez, ou mil...) culpado do que condenar um inocente!” (BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. 6 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: ThomsonReuters Brasil, 2018, pág. 432-433). Tema 05: Teoria geral da prova (continuação): Cadeia de custódia da prova: Lei 13.964/2019. Dos limites constitucionais à atividade probatória. Limites extrapenais da prova. Provas nominadas e inominadas. Provas digitais. Questão da prova emprestada. Limites à licitude da prova (distinção entre prova ilícita e prova ilegítima). Teorias sobre admissibilidades das provas ilícitas. Interceptação telefônica: Lei 9.296/96. Proteção à privacidade no Direito: violação ao sigilo das comunicações telefônicas, telegráficas, de dados e da correspondência; violação do domicílio, à intimidade corporal e violação à intimidade familiar e profissional. Prova ilícita por derivação. Consequências da prova ilícita. Jurisprudência. Prova documental. 1ª QUESTÃO: Pode ser utilizada como parte do fundamento da sentença condenatória prova emprestada referente a testemunhos extraídos da instrução de um processo penal em andamento contra o mesmo réu, onde ele tem outro defensor? E para fundamentar parte da decisão de pronúncia de um coautor após aditamento decorrente do disposto no art. 417 do Código de Processo Penal? Justifique. RESPOSTA: CONCURSO PÚBLICO PARA CARREIRA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ - 2018 GABARITO FORNECIDO PELA BANCA: Sim, para os dois questionamentos, pois é possível o uso da prova emprestada, em nome da busca da verdade, celeridade e economicidade processual. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 40 A prova emprestada é considerada prova documental (que é regida pelo art. 231 e seguintes do Código de Processo Penal) e pode ser utilizada no processo penal desde que respeite o contraditório diferido, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça. A observância do contraditório no processo onde é juntada a prova emprestada é imprescindível. Não há necessidade de que haja coincidência de partes processuais entre o processo onde foi produzida a prova e o processo onde é juntada como prova emprestada para utilização/valoração positiva da mesma. Importante destacar que a prova emprestada deve ser valorada considerando-se a sua condição, permitindo-se um juízo de possibilidade/necessidade/utilidade de sua repetição e confrontação com provas existentes no conjunto probatório, para formação sua convicção nos termos do ar. 155 do Código de Processo Penal. Aplicável ao caso, por força do art. 3º do CPP, a regra do art. 372 do CPC que reza: “O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório”. COMPLEMENTAÇÃO DO GABARITO: O Superior Tribunal de Justiça possui o seguinte entendimento: “HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. PROVA EMPRESTADA. IDENTIDADE DE PARTES. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. INOCORRÊNCIA. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício. II - In casu, observa-se que o eg. Tribunal a quo decidiu em consonância com a jurisprudência firmada nesta Corte Superior, no sentido de não serimprescindível a identidade de parte para o empréstimo de provas, desde que garantido o contraditório no processo no qual a prova será aproveitada, em homenagem aos princípios constitucionais da economia processual e da unidade da jurisdição. III - Do escorço histórico delineado nos autos, verifica-se que o d. Juízo monocrático bem atentou para os corolários da ampla defesa e contraditório, conferindo à Defesa então constituída a oportunidade de insurgir-se contra as provas emprestadas, a qual, todavia, manifestou desinteresse na renovação da oitiva das testemunhas. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 41 IV - O reconhecimento da nulidade de ato processual, de acordo com o princípio pas de nullité sans grief e nos termos do art. 563 do Código de Processo Penal, exige a demonstração do prejuízo sofrido - o que não ocorreu no presente caso. Precedentes. Habeas Corpus não conhecido.” grifei (STJ. Quinta Turma. HC 646.105/DF. Relator Ministro Felix Fischer. Julgamento em 13/04/2021). “HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ROUBO MAJORADO. SUPOSTA AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA DATA DESIGNADA PARA O INTERROGATÓRIO DE CORRÉU. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PROVA EMPRESTADA. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE DE PARTES NO PROCESSO EM QUE A PROVA FOI PRODUZIDA. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. ART. 155 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ELEMENTOS DE INFORMAÇÃO CONFIRMADOS EM JUÍZO. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. ORDEM DE HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADA. 1. Sob pena de indevida supressão de instância, esta Corte não pode apreciar a suposta nulidade decorrente da alegada falta de intimação da Defesa do Paciente para participar do interrogatório dos Corréus. 2. "Conforme entendimento desta Corte Superior, uma vez garantido às partes do processo o contraditório e ampladefesapor meio de manifestação quanto ao teor da prova emprestada, como no caso dos autos, não há vedação para suautilização, ainda que não exista identidade de partes com relação ao processo na qual foi produzida" (AgRg no AREsp 1.104.676/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 11/12/2018, DJe 01/02/2019). 3. Na hipótese, a Defesa, em suas alegações finais, rebateu as informações contidas na prova emprestada, o que demonstra que teve acesso ao referido conteúdo e pôde exercer o direito ao contraditório, inexistindo, assim, qualquer ilegalidade. 4. A Corte de origem não fundamentou a condenação com base apenas em elementos colhidos no inquérito policial, sendo certo que estes foram devidamente corroborados pelas demais provas produzidas na fase judicial, em especial pelos depoimentos dos Corréus e pela oitiva de uma das testemunhas. 5. Independentemente do grau da nulidade, a teor do art. 563 do Código de Processo Penal, "nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa." É a consagração, entre nós, do princípio do prejuízo, também conhecido pela expressão pas de nullité sans grief. 6. Não está demonstrado o suposto prejuízo sofrido pelo Paciente, pois ele foi condenado também com base em outros elementos probatórios dos autos, suficientes, por si sós, para manter a condenação (elementos de informação produzidos na fase pré-processual e prova testemunhal colhida no curso da instrução). 7. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada.” DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 42 grifei (STJ. Sexta Turma. HC 446.296/ES. Relatora Ministra Laurita Vaz. Julgamento em 23/04/2019). “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.PENAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. ENUNCIADO N. 182 DA SÚMULA DO STJ. 1. Enquanto a decisão que conheceu do agravo para não conhecer do Recurso Especial assentou os óbices das Súmulas ns. 7 e 83/STJ, no agravo regimental a defesa limitou-se a reiterar os termos do apelo nobre e impugnar a Súmula n. 7/STJ. 2. Deixando a parte agravante de impugnar especificamente os fundamentos da decisão agravada, é de se aplicar o enunciado n. 182 da Súmula do STJ. CRIME AMBIENTAL (ART. 34 DA LEI N. 9.605/98). INÉPCIA DA DENÚNCIA. ALEGADA AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO DA CONDUTA DO ACUSADO. PEÇA INAUGURAL QUE ATENDE AOS REQUISITOS LEGAIS EXIGIDOS E DESCREVE CRIMES EM TESE. AMPLA DEFESA GARANTIDA. MÁCULA NÃO EVIDENCIADA. 1. Não pode ser acoimada de inepta a denúncia formulada em obediência aos requisitostraçados no artigo 41 do Código de Processo Penal, descrevendo perfeitamente a conduta típica, cuja autoria é atribuída ao recorrente devidamente qualificado, circunstâncias que permitem o exercício da ampla defesa no seio da persecução penal, na qual se observará o devido processo legal. 2. No caso dos autos, verifica-se que a participação do recorrente nos ilícitos descritos na exordial foi devidamente explicitada, pois o agravante foi flagrado por fiscais do ICMBio/IBAMA, no interior da Estação Ecológica Tupinambá, a bordo de uma embarcação denominada "Timão", em companhia de outras 5 pessoas, na prática de atos de pesca, narrativa que constitui crime em tese e lhe permite o exercício da ampla defesa e do contraditório. PROVA EMPRESTADA. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE DE PARTES NO PROCESSO EM QUE A PROVA FOI PRODUZIDA. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. GARANTIA DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. 1. Conforme entendimento desta Corte Superior, uma vez garantido às partes do processo o contraditório e ampla defesa por meio de manifestação quanto ao teor da prova emprestada, como no caso dos autos, não há vedação para sua utilização, ainda que não exista identidade de partes com relação ao processo na qual foi produzida. 2. Na hipótese, a Corte de origem asseverou que, além da condenação ter se baseado também emprovas produzidas no próprio processo, foi garantida a oportunidade de manifestação pela parte quanto à prova emprestada, não havendo que se falar em nulidade. AUSÊNCIA DE PERÍCIA. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. DESNECESSIDADE. MATERIALIDADE VERIFICADA POR OUTROS MEIOS DE PROVA. DISCRICIONARIEDADE DO MAGISTRADO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 43 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, o magistrado, dentro de seu livre convencimento motivado, pode entender pela desnecessidade de realização de diligência, desde que de forma fundamentada. 2. In casu, o Tribunal de origem concluiu,motivadamente, pela desnecessidade de realização de perícia, porquanto a aferição da qualidade e quantidade de peixes ou dos equipamentos utilizados na pesca não seria relevante para prova da materialidade do crime em comento, o qual pune a atividade de pesca em períodos proibidos ou em locais interditados por órgão competente. 3. Não há que se falar em nulidade por ausência de perícia, máxime quando a materialidade delitiva se assentou em outros elementos de prova contundentes, como o auto de infração, o relatório de fiscalização, o laudo de constatação e as declarações testemunhais. PLEITO ABSOLUTÓRIO. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. PROVAS COLHIDAS EM INQUÉRITO POLICIAL E NA FASE JUDICIAL. POSSIBILIDADE. REEXAME DE PROVAS. NÃO CABIMENTO. INSURGÊNCIA IMPROVIDA. 1. Conforme jurisprudência desta Corte, é possível a condenação baseada em provas colhidas em sede de inquérito policial, desde que ratificada pela prova judicializada. 2. Na hipótese, as instâncias de origem rejeitaram o pleito absolutório com base em provas colhidas durante o inquérito policial em conjunto com elementos obtidos sob o contraditório judicial, que atestaram a prática de pesca de 116 quilos de peixes, de diversas espécies, em local proibido - Unidade de Conservação Federal -, não havendo que se falar ilegalidade a ser sanada por esta via. 3. Concluindo as instâncias de origem, a partir da análise do arcabouço probatório existente nos autos, acerca da autoria delitiva assentada ao acusado, a desconstituição do julgado, no intuito de abrigar o pleito defensivo absolutório, não encontra espaço na via eleita, porquanto seria necessário a este Tribunal Superior de Justiça aprofundado revolvimento do contexto fático-probatório, providência incabível em Recurso Especial, tendo em vista o óbice da Súmula 7 desta Corte. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE TRANSCURSO DO LAPSO TEMPORAL ENTRE OS MARCOS INTERRUPTIVOS. INSURGÊNCIA NÃO CONHECIDA. 1. Considerando que o recorrente foi condenado à pena de 1 ano de reclusão, o prazo a ser observado para o cálculo da prescrição da pretensão punitiva estatal é o previsto no inciso V do art. 109 do Estatuto Repressivo, qual seja, 4 anos. 2. A Terceira Seção desta Corte Superior firmou entendimento segundo o qual "inadmitido o recurso especial pelo Tribunal de origem, emdecisão mantida pelo STJ, há a formação da coisa julgada, que deverá retroagir à data do término do prazo para interposição do último recurso cabível" (EAREsp 386.266/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 12/08/2015, DJe 03/09/2015). 3. Publicada a sentença condenatória em 14.8.2014 e transitada em julgado a sentença condenatória em 3.12.2016, não se verifica o transcurso de período superior a 4 anos entre os referidos marcos, necessário à configuração da prescrição da pretensão punitiva, nos termos do disposto no art. 109, IV do Código Penal, motivo pelo qual não há falar em extinção da punibilidade. 4. Agravo regimental não conhecido.” DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 44 grifei (STJ. Quinta Turma. AgRg noAResp 1.104.676/SP. Relator Ministro Jorge Mussi. Julgamento em 11/12/2018). “RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. TESE DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA PROFERIDA. ANÁLISEDESCABIDA. PROVA EMPRESTADA.ADMISSIBILIDADE. DIREITO A AMPLA DEFESA ASSEGURADO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PERÍCIA DE VOZ. DESNECESSIDADE. JUNTADA DO ÁUDIO AOS AUTOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. PRAZO ESTABELECIDO NA DECISÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE DE SE AFERIR EVENTUAL SUPOSTA ILEGALIDADE. PRORROGAÇÕES NÃO DEBATIDAS PELA INSTÂNCIA ORIGINÁRIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO PROBATÓRIO. VEDAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, IMPROVIDO. 1. Incabível o exame da alegação de inépcia da denúncia, pois descabe decidir acerca da viabilidade formal da persecutio se já existe acolhimento formal e material da acusação, tanto que prolatada sentença condenatória, mantida em grau de apelação. 2. No processo penal, admite-se a prova emprestada, ainda que proveniente de ação penal com partes distintas, desde que assegurado o exercício do contraditório. 3. Indispensável ao conhecimento do recurso especial que tenham sido debatidas, no acórdão combatido, as questões trazidas no pedido recursal, nos termos das Súmulas 282 do STF e 211 do STJ. 4. Entende este STJ ser desnecessária a realização de perícia de voz nas interceptações, salvo quando houver dúvida plausível que justifique a medida, o que não ocorreu no caso concreto (Resp 1501855/PR, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, Dje 30/05/2017). 5. Firmou-se a jurisprudência desta Corte no sentido de que desnecessária a transcrição integral dos diálogos interceptados, mas apenas dos trechos relevantes, sendo suficiente que a defesa tenha acesso à integra dos áudios (REsp 1501855/PR, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 30/05/2017). 6. Seguindo o princípio pas de nullité sans grief, adotado pelo Código de Processo Penal, em seu artigo 563, não comprovado efetivo prejuízo ao réu, não há que se declarar a nulidade do processo. 7. A despeito de se referir o Tribunal acerca do prosseguimento das investigações, nada consignou sobre eventual decisão proferida pelo Judiciário de prorrogação da interceptação telefônica, não se insurgindo o recorrente em face da referida omissão por meio de embargos de declaração, com vistas a provocar a manifestação da instância ordinária. Incidência das Súmulas 282 do STF e 211 do STJ. 8. As autorizações subsequentes de interceptações telefônicas, uma vez evidenciada a necessidade das medidas e a devida motivação, podem ultrapassar o prazo previsto em lei,considerado o tempo necessário e razoável para o fim da persecução penal (AgRg no Resp 1620209/RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 16/03/2017). DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 45 9. Consignado no acórdão que o contexto probatório coligido aos autos levam à conclusão inequívoca da mercancia de material entorpecente praticada pelo acusado, tem-se que a reversão do julgado, parafins de absolvição ou desclassificação da conduta, demandaria o reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado a esta Corte, nos termos do enunciado de Súmula 7/STJ. 10. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, improvido.” grifei (STJ. Sexta Turma. Resp 1.340.069/SC. Relator Ministro Nefi Cordeiro. Julgamento em 15/08/2017). Entretanto, mister ressaltar os posicionamentos dos doutrinadores Renato Brasileiro de Lima, Nestor Távora, Rosmar Rodrigues Alencar, Paulo Rangel e Renato Marcão, a saber: “1.15. Prova emprestada Prova emprestada consiste na utilização em um processo que foi produzida em outro, sendo que esse transporte da prova de um processo para o outro é feito por meio de certidão extraída daquele. (...) ... De acordo com a doutrina majoritária, a utilização da prova emprestada só é possível se aquele contra quem ela for utilizada tiver participado do processo onde essa prova foi produzida, observando-se, assim, os princípios do contraditório e da ampla defesa. Só se pode considerar como prova emprestada, portanto, aquela que foi prozuida, no primeiro processo, perante aquele que terá que se sujeitar a seus efeitos no segundo, com a possibilidade de ter contado, naquele, com todos os meios possíveis de contrariá-la. Logo, se a prova foi produzida em processo no qual o acusado não teve participação, não há falar em prova emprestada, e sim em mera prova documental. Nesse contexto, consoante disposto no art. 372 do novo CPC, admite-se a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório. O dispositivo deixa entrever que o contraditório deverá ser observado em ambos os processos em relação à mesma pessoa para que se possa atribuir o título de prova emprestada. Para além disso, como o art. 372 do novo CPC refere-se expressamente à prova produzida em outro processo, fica evidente que não se admie o empréstimo de elementos de informação produzidos em outro procedimento investigatório, até mesmo porque o contraditório e a ampla defesa não são de observância obrigatória na fase preliminar de investigações.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 4 ed. rev., ampl. e atual. Salvador: EditoraJusPodivm, 2016, pág. 588-589). “1.9. Prova emprestada DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 46 É aquela produzida em um processo e transportada documentalmente para outro. A prova pode assim ser importante a mais de um processo. A eficiência da instrução criminal e a colaboração da justiça levam à admissibilidade do empréstimo probatório.Compartilhar provas entre processos pode ser de grande utilidade, mas não pode se tornar um expediente de comodidade. Havendo justificativa plausível, o empréstimo será oportunizado. Pode ser patrocinado o empréstimo probatório, até mesmo de um processo cível a um criminal. São requisitos para o empréstimo da prova: - mesmas partes: as partes devem ser as mesmas em ambos os processos, tanto no que empresta quando naquele que vai recepcionar a prova emprestada; - mesmo fato probando: o fato demonstrado pela prova que se quer emprestar deve ser relevantte aos dois processos. Ex.: uma fotografia do criminoso no local do fato pode er importante tanto para o processo pelo homicídio, quanto paraum outro processo por vilipêndio de cadáver. O fato provado, qual seja, a presença do indivíduo em um determinado local, é importante para a demonstração dos dois crimes, apreciados em feitos distintos; - o contraditório no processo emprestante deve ter sido respeitado: só pode haver o empréstimo da prova que foi produzida sob o crivo do contraditório. Logo, não há empréstimo de um inquérito a um processo, afinal, o procedimento investigativo preliminar é regido pela inquisitoriedade. O empréstimo é entre processos; - os requisitos formais de produção probatória tenham sido atendidos no processo empestante: ou seja, a norma que rege a produção da prova deve ter sido rigorosamente respeitada para que se possa falar em empréstimo. Ex.: se o laudo pericial for subscrito por apenas um perito não oficial, por evidente violação à formalidade essencial na pordução da prova técnica, que exige a participação de ao menos dois peritos juramentados, esta não poderá ser emprestada.” (TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 3ª tiragem. 8 ed. rev., ampl. e atual. Bahia: Editora JusPodivm, 2013, pág. 639-640). “No caso do processo penal e da ação penal de iniciativa pública, deve ser entre o Ministério Público e o réu, digamos, Tício. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada, deve ser entre o ofendido e o réu, digamos, a título de exemplo, Caio. Pois, se a ação for proposta pelo representante legal do ofendido, pensamos não se tratar das mesmas partes. A Lei Processual Penal, em seu art. 34, legitima o ofendido ou seu representante legal, portanto, dois são os legitimados. Nesse caso, se a ação originária foi proposta pelo ofendido em face de Caio ese quer transportar a prova para outro processo que foi instaurado pelo representante legal do ofendido em face de Caio, não temos asmesmas partes. Apenas oréu é o mesmo, porém o autor não. Tratando-se de partes diferentes, aprova emprestada não tem a mesma eficácia que tinha no processo original e, por isso, deve se submeter, no processo para o qual foi transferida, ao crivo do contraditório. Se a prova for testemunhal, o juiz deve marcar audiência para a oitiva da mesma para que as partes possam contraditá-la, pois o contraditório que houve no processo original (de onde foi transferida) não foi entre as mesmas partes. Do contrário,servirá apenas como indício.” (RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2012, pág. 473-474). DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 47 “10.1.14.3. Valor probatório A prova emprestada pode ser originária de processo de natureza penal ou extrapenal. Para ser admitida e valorada, entretanto, deve atender a certos requisitos, a saber: 1) Identidade de partes: as partes envolvidas nos dois processos devem ser as mesmas (no processo que cede e naquele que recebe a prova). Do contrário, haverá inaceitável violação aos princípios do devido processo legal, ampla defesa, contraditório e juiz natural. É esse, portanto, o ponto de partida para a admissibilidade da prova emprestada. Se não houver identidade de partes, deverá ser indeferida sua produção. Na pior das hipóteses, se mantida a documentação respectiva nos autos, seu conteúdo não poderá ser valorado pelo juiz. 2) Licitude da prova: é imprescindível que não se trate de prova ilícita (CF, art. 5º, LVI). 3) Identidade de fatos: a prova emprestada deve ser pertinente e relevante, daí a necessidade de que se refira ao mesmo fato em ambos os processos, a fim de que seja útil. 4) Devido processo: para que não seja nula, a prova importada deve ter sido colhida originariamente pelo juiz natural, em conformidade com os princípios regentes.” (MARCÃO, Renato. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2014, pág. 558-559). 2ª QUESTÃO: REGIS foi denunciado pela suposta prática do crime tipificado no art. 217-A do Código Penal, tendo sido condenado, ao final da instrução processual, à pena de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de reclusão, no regime inicial fechado. Inconformada, a defesa de REGIS interpôs recurso de apelação, no qual alegou vício processual grave referente à utilização de prova ilícita no curso das investigações, que ainda foi usada para subsidiar a denúncia e a condenação. Isso porque a denúncia foi oferecida com base em gravação de conversa telefônica realizada a partir do terminal telefônico da residência da genitora da vítima, que, na qualidade de representante civil do menor impúbere, solicitou auxílio técnico a um detetive particular. Pugnou, assim, pelo reconhecimento da ilicitude da prova consubstanciada na quebra de sigilo das comunicações telemáticas entre a vítima, réu e terceiros, já que a interceptação telefônica fora realizada por terceira pessoa e não por um dos interlocutores da conversa. Com base na situação hipotética acima descrita, esclareça, fundamentadamente, se o recurso defensivo deve ser provido. Indique, ainda, o(s) dispositivo(s) constitucional(is) e infraconstitucional(is) aplicável(eis) ao caso. RESPOSTA: DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 48 “Trata-se de Recurso Extraordinário interposto pela defesa de Hamon Cleuton Vitor Sobrinho, com amparo no art. 102, III, "a", da Constituição Federal, em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Acre, que por maioria, deu parcial provimento aos Embargos Infringentes opostos pela defesa, afastando a pena acessória (perda do cargo público), mantendo, porém, a condenação do recorrente pela prática de crimes previstos no art. 217-A, na forma do art. 71, caput, ambos do Código Penal, à pena de 09 (nove) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, regime fechado. No apelo extremo, o recorrente sustenta a existência de repercussão geral e que o julgado teria violado dispositivos constitucionais. Alega, em síntese, que: (a) o entendimento do Tribunal de origem, ao manter a licitude da prova obtida por meio de gravações realizadas pela genitora da vítima (terceiro), sem a anuência dela, teria violado os princípios da legalidade e do devido processo legal, previstos no art. 5º, II e LIV, da Constituição Federal; segundo a defesa "a interceptação telefônica stricto sensu juntada a estes autos (gravação em mídia) [...] foi realizada sem a observância das formalidades legais, qual seja, sem autorização judicial, em desrespeito ao que determina os artigos 1º, 2º, inciso II, e 3º, incisos I e II, todos da Lei Federal n. 9.296/96, vulnerando, por corolário, os princípios da legalidade e do devido processo" e conclui que "deve este Pretório Excelso conhecer do recurso extremo para declarar a ilicitude da prova - interceptação telefônica -, bem como seu desentranhamento do caderno processual, porquanto implementada sem autorização judicial e por terceira pessoa que não um dos interlocutores"; (b) todo o processo-crime n. 004402-71.2010.8.01.0002, que tramitou perante a 2ª Vara Criminal da Comarca de Cruzeiro do Sul, no Estado do Acre, seria nulo por violação ao princípio do "Promotor natural", previsto no art. 127, §1º, da Constituição Federal, haja vista ter havido "a nomeação de um promotor específico para atuar em um processo singular, o que, a nosso entender, atraiu nulidade capaz de macular a higidez do processo em curso"; (c) o processo-crime n. 004402-71.2010.8.01.0002, que tramitou perante a 2ª Vara Criminal da Comarca de Cruzeiro do Sul, no Estado do Acre, seria nulo desde a fase do requerimento de diligências, em razão do indeferimento de pedidos formulados pela defesa, dentre eles o da realização de acareações, situação que teria violado o princípio do contraditório e da ampla defesa, previsto no art. 5º, LV, da Constituição Federal; (d) o Tribunal de origem teria violado o princípio da legalidade, previsto no art. 5º, II, da Constituição Federal, "na medida em que o Acórdãorecorrido, em descompasso com o radicado no art. 386, inciso VII, CPP, manteve condenação do réu mesmo havendo a presença de várias provas contraditórias nos autos, valendo mencionar, neste contexto, o depoimento da Sra. Ana Miranda - fl. 178/179, professora da adolescente Thais Loraine, o laudo pericial que destoa da versão contida no caderno processual, sentença e acórdão recorrido, por dar conta de uma ruptura antiga e não recente - fls. 11/12, e da Ata da Sessão do Júri - fls. 27/29 - que atesta que o recorrente esteve durante todo o dia 25.05.2010 em serviço na sessão do plenário do Júri", o que resultaria na anulação da sentença e do acórdão. Por fim, pede que o recurso seja conhecido e provido para modificar o acórdão recorrido. O Ministério Público do Estado do Acre ofereceu contrarrazões ao Recurso Extraordinário, requerendo, preliminarmente, a sua inadmissibilidade. No mérito, pugnou pelo desprovimento do recurso. A Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Acre admitiu parcialmente o Recurso Extraordinário, apenas quanto aos itens "a", "b" e "c". É o relatório. Decido. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 49 No que tange ao pedido de desentranhamento dos autos das gravações realizadas pela genitora da vítima (terceiro), sem a anuência dela, sob o fundamento de que a "interceptação telefônica" teria sido realizada sem autorização judicial (item "a" deste Recurso Extraordinário), não assiste razão ao recorrente. É certo que, nos termos do art. 5º, LVI, da CF, são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, que ademais, não são acolhidas, de longa data, por esta SUPREMA CORTE (RE 85.439/RJ, Rel. Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE, RTJ 84/609; RE 100.094/PR, Rel. Min. RAFAEL MAYER, RTJ 110/798; RHC 63.834/SP, Rel.Min. ALDIR PASSARINHO, DJU de 5/6/1987, p. 11.112). Trata-se de cláusula que protege e reverencia os direitos e garantias individuais previstos no nosso ordenamento jurídico, desautorizando, por via de consequência, a violação de uma liberdade pública durante o exercício da persecutio criminis pelo aparato estatal. Nessa linha, transcrevo, dado o seu teor pedagógico, precedente deste TRIBUNAL, relatado pelo Min. CELSO DE MELLO (HC 93.050/RJ, Segunda Turma, DJe de 06/08/2010): ILICITUDE DA PROVA - INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO (OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER) - INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DE TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS. - A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do "due process of law", que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivasprojeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. A "Exclusionary Rule" consagrada pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América como limitação ao poder do Estado de produzir prova em sede processual penal. - A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do "male captum, bene retentum". Doutrina. Precedentes. No mesmo sentido: AP 341/MG, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, DJe de 02/10/2015; HC 90.094/ES, Rel. Min. EROS GRAU, Segunda Turma, DJe de 06/08/2010; HC 90.298/RS, Rel. Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, DJe de 16/10/2009. Repise-se, no ponto, que a sanção processual cominada para o reconhecimento da ilicitude da prova é a sua inadmissibilidade no processo, consoante a própria dicção do inciso LVI, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988 e do art. 157, caput, do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei n. 11.690/08. Assim, nossa Carta Política contemplou o chamado direito de exclusão (exclusionary rule), sufragado na jurisprudência da Suprema Corte americana desde o século XIX (Case Boyd v. United States, 116 U.S. 616, 1886), de sorte que a prova eivada de ilicitude deve ser excluída dos autos. Não há, pois, contaminação de todo o processo, permanecendo válidas as provas lícitas dela não decorrentes ou que advieram de fontes autônomas, consoante o vetusto entendimento deste SUPREMO TRIBUNAL (RHC 74.807-4/MT, Segunda Turma, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, DJ de 20/6/1997; HC 74530/AP, Primeira Turma, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, DJ de DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 50 13/12/1996; HC 75892/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ de 17/4/1998; HC 76.171/SP, Segunda Turma, Rel. Min. NELSON JOBIM, DJ de 27/2/1998). No caso concreto, não há como se atribuir a pecha da ilicitude à prova produzida. O primeiro motivo é porque não se está diante de "interceptação telefônica", tal como sustentado pela defesa. Aqui, ao menos pelo que se dessume dos autos, trata-se de uma "gravação de conversação telefônica pelo responsável (genitor da vítima) de um dos interlocutores, sem o conhecimento dooutro, agente do crime", situação reconhecida pela doutrina como "gravação telefônica" ou "gravação clandestina". Pertinentes, a propósito dessa temática, as lições de ADA, SCARANCE e MAGALHÃES: "Não se enquadra, igualmente, na garantia do art. 5º, XII, da CF a gravação clandestina de uma conversa feita por um dos interlocutores, quer se trate de comunicação telefônica, quer se trate de comunicação entre presentes. Aqui, como visto, não se pode falar em interceptações, nem está em jogo o sigilo das comunicações." (As nulidades no processo penal, p. 186, 11ª ed., 2009, RT). Logo, não há que se confundir a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores com a interceptação telefônica, mormente porque esta exigiria a necessidade de autorização judicial (reserva de jurisdição), consoante já decidiu essa CORTE (Inq 2.116 QO/RR, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Rel. p/ Acórdão Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, DJe de 29/02/2012; AI 560.223 AgR/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, DJe de 29/04/2011 e RE 402.717/PR, Rel. Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, DJe de 13/02/2009), o último precedente com a seguinte ementa: PROVA. Criminal. Conversa telefônica. Gravação clandestina, feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro. Juntada da transcrição em inquérito policial, onde o interlocutor requerente era investigado ou tido por suspeito. Admissibilidade. Fonte lícita de prova. Inexistência de interceptação, objeto de vedação constitucional. Ausência de causa legal de sigilo ou de reserva da conversação. Meio, ademais, de prova da alegada inocência de quem a gravou. Improvimento ao recurso. Inexistência de ofensa ao art. 5º, incs. X, XII e LVI, da CF. Precedentes. Como gravação meramente clandestina, que se não confunde com interceptação, objeto de vedação constitucional, é lícita a prova consistente no teor de gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação, sobretudo quando se predestine a fazer prova, em juízo ou inquérito, a favor de quem a gravou. O segundo motivo é porque a questão envolvendo a ausência de consentimento de um dos interlocutores (vítima) não seria determinante para a análise da licitude da prova no caso concreto. Afinal, segundodeflui dos autos, a vítima contava com 13 anos de idade à época dos fatos (e das gravações), situação essa que lhe tornaria absolutamente incapaz (art. 3º, I, do Código Civil) e, portanto, sem qualquer possibilidade de manifestar a sua vontade em relação à gravação da conversa telefônica, via aplicativo de celular. Em razão disso, qualquer um dos seus representantes legais poderia, no exercício do poder familiar (poder-dever de que são investidos os pais em relação aos filhos menores, de proteção e vigilância) e buscando o melhor interesse do adolescente, gravar conversas que teriam o condão de provar a responsabilidade criminal daquele que estaria a manter relações sexuais com a sua filha. Aliás, no julgamento do AgInt no Recurso Especial n. 1.712.718, interposto pela DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 51 defesa do recorrente, o Relator, Min. FELIX FISCHER, do Superior Tribunal de Justiça, afastou a alegação defensiva, consoante a ementa abaixo transcrita: PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. OFENSA A DISPOSITIVOS DA CF/88. INCOMPETÊNCIA DO STJ. GRAVAÇÃO DE CONVERSA PELA GENITORA. PODER-DEVER DE PROTEÇÃO DO FILHO MENOR. PROVA LÍCITA. PRODUÇÃO PROBATÓRIA DEFENSIVA. PLEITO EXTEMPORÂNEO. INDEFERIMENTO. DISCRICIONARIEDADE MOTIVADA. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 7 DO STJ. [...] II - A gravação de conversa, in casu, não configura prova ilícita, visto que não ocorreu, a rigor, interceptação por terceiro, mas uma mera gravação pela genitora utilizando-se do próprio celular, objetivando a proteção da liberdade sexual de absolutamente incapaz, sua filha, na perspectiva do poder familiar, vale dizer, do poder-dever de que são investidos os pais em relação aos filhos menores, de proteção e vigilância. Sendo assim, diante da absoluta incapacidade da vítimade manifestar o seu consentimento (absolutamente incapaz, nos termos do art. 3º, I, do Código Civil) e da notícia de que ela estaria sendovítima de crime de natureza hedionda (estupro de vulnerável), tenho, para mim, que o consentimento da genitora da vítima é mais do que suficiente para suprir a eventual ausência de consentimento da sua filha, notadamente porque estaria protegendo a liberdade sexual dela e, em última análise, agindo em legítima defesa da menor. A propósito, o Min. MOREIRA ALVES, quando do julgamento do HC 74.678-1/SP, DJe de 15/08/1997, afastou a ilicitude da conduta daquele que, em legítima defesa, grava e divulga conversa telefônica, ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando o crime, consoante se infere do seguinte trecho do seu Voto: Para a demonstração de que prova desse modo, produzida, independentemente de autorização judicial, é lícita, basta considerar que, nos países em que a legislação prevê o crime de violação da intimidade, inexiste a conduta típica se houver causa excludente de antijuridicidade da ação. Assim, na Alemanha o §298 do Código Penal, na redação da Lei de 22.12.67, introduziu, para a proteção da intimidade das pessoas, o crime de abuso da gravação e da interceptação de som por aparelhos (Missbrauch von Tonaufnhameund Abhörgeräten), sendo que deixa de haver esse crime se ocorre em favor do acusado qualquer das causas de exclusão da ilicitude, como - e a observação é de PETER-PREISENDANZ (Strafgesetzbuch, 27ª ed., §298, p. 520, J. Schweitzer Verlag, Berlin, 1971) - "a legítima defesa, por exemplo, para o impedimento de uma extorsão ou de outro fato delituoso" ("Notwehr, z. B. zur Verhinderung einer drohenden Erpressung oder anderen Straftat"). No mesmo sentido, Welzel (Das Deutsche Strafrecht, 11ª ed., §45, III, p. 338, Walter de Gruyter & Co., Berlin, 1969). Aliás, foi apoiado neste último autor que HELENO CLÁUDIO FRAGOSO (Lições de Direito Penal, parte Especial - arts. 121 a 212, nº 276, p. 255, 7ª. Ed., Forense, Rio de Janeiro, 1983), aludindo ao crime de violação de intimidade em fórmula ampla previsto no art. 161 do Código Penal de 1969, que não chegou a entrar em vigor, salientou que "excluir-se-ia a antijuridicidade da ação, se houvesse legítima defesa ou oura causa de exclusão da ilicitude. Seria o caso de quem gravasse sub-repticiamente a exigência de quem pratica extorsão (Welzel, 45, III)". DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 52 Estando, portanto, afastada a ilicitude de tal conduta - a de, por legítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime -, é ela, por via da consequência, lícita e, também consequentemente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, para invocar-se o artigo 5º, LVI,da Constituição ("são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos") com fundamento em que houve violação da intimidade (art. 5º, X, da Carta Magna). O terceiro motivo é porque o Plenário deste SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, quando do julgamento do RE 583.937 QO-RG/RJ (Tema 237), Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJe de 18/12/2009, reafirmando a jurisprudência de anos da CORTE, reconheceu a licitude da prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro (aplicável ao caso em tela, haja vista o conhecimento/consentimento da representante legal da vítima), cuja ementa colaciono: AÇÃO PENAL. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário provido. Aplicação do art. 543-B, §3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. O quarto e último motivo é porque reconhecer a ilicitude da prova obtida sob o argumento de eventual violação ao direito à intimidade e privacidade do recorrente em detrimento da própria liberdade sexual da vítima absolutamente incapaz seria dar de ombros a toda política estatal de proteção à criança e ao adolescente, especialmente porque uma das balizas da Constituição Federal (art. 227), ao tratar de crianças e adolescentes, é a garantia da sua proteção integral em caráter prioritário, inclusive prevendo que a "lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente" (art. 227, §4º, da CF/88). Ademais, no plano internacional, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, internalizada no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto Legislativo n. 28, de 14 de setembro de 1990, contém inúmeros dispositivos que se alinham à previsão constitucional de tutela da proteção integral de crianças, dos quais destaco o seguinte que trata sobre a proteção contra a exploração e abuso sexual: Artigo 34 Os Estados-partes se comprometem a proteger a criança contra ttodas as formas de exploração e abuso sexual. Nesse sentido, os Estados-parte tomarão, em especial, todas as medidas de caráter nacional, bilateral e multilateral que sejam necessárias para impedir: a) o incentivo ou a coação para que uma criança se dedique a qualquer atividade sexual ilegal; b) a exploração da criança na prostituição ou outras práticas sexuais ilegais; c) a exploração da criança em espetáculos ou materiais pornográficos. Estando afastada a hipótese de falta de justa causa para a gravação telefônica entre a vítima e o recorrente, não há razão plausível para qualificar essa prova como ilícita. No que tange ao pedido de nulidade de todo o processo-crime n. 004402-71.2010.8.01.0002, que tramitou perante a 2ª Vara Criminal da Comarca de Cruzeiro do Sul, no Estado do Acre, por violação DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 53 ao princípio do "Promotor natural", previsto no art. 127, §1º, da Constituição Federal (item "b" do presente Recurso Extraordinário), também não assiste razão à defesa. O Plenário do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no julgamento do HC 67.759/RJ, de relatoria do Min. CELSO DE MELLO, reconheceu, por maioria de votos, a existência do princípio do Promotor natural, no sentido de proibirem-se designações casuísticas efetuadas pela chefia da Instituição, que criariam a figura do Promotor de exceção, em incompatibilidade com a Constituição Federal, que determina que somente o Promotor natural é quem deve atuar no processo, pois ele intervém de acordo com o seu entendimento pelo zelo do interesse público, garantia esta destinada a proteger, principalmente, a imparcialidade da atuação do órgão do Ministério Público, tanto em sua defesa quanto essencialmente em defesa da sociedade, que verá a Instituição atuando técnica e juridicamente. Consta da ementa do referido HC 67.759/RJ: (...) O postulado do Promotor Natural, que se revela imanente ao sistema constitucional brasileiro, repele, a partir da vedação de designações casuísticas efetuadas pela Chefia da Instituição, a figura do acusador de exceção. Esse princípio consagra uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e pré-determinados, estabelecidos em lei. A matriz constitucional desse princípio assenta-se nas cláusulas da independência funcional e da inamovibilidade dos membros da Instituição. O postulado do Promotor Natural limita, por isso mesmo, o poder do Procurador-Geral que, embora expressão visível da unidade institucional, não deve exercer a Chefia do Ministério Público de modo hegemônico e incontrastável. Posição dos Ministros CELSO DE MELLO (Relator), SEPÚLVEDA PERTENCE, MARCO AURÉLIO e CARLOS VELLOSO. Divergência,apenas, quanto à aplicabilidade imediata do princípio do Promotor Natural: necessidade da "interpositio legislatoris" para efeito de atuação do princípio (Ministro CELSO DE MELLO); incidência do postulado, independentemente de intermediação legislativa (MinistrosSEPÚLVEDA PERTENCE, MARCO AURÉLIO e CARLOS VELLOSO). - Reconhecimento da possibilidade de instituição do princípio do Promotor Natural mediante lei (Ministro SYDNEY SANCHES). - Posição de expressa rejeição à existência desse princípio consignada nos votos dos Ministros PAULO BROSSARD, OCTAVIO GALLOTTI, NÉRI DA SILVEIRA e MOREIRA ALVES. Ou seja, reconheceu-se que o princípio do Promotor natural deriva da cláusula do devido processo legal, segundo a qual ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente, uma vez que quem processa não é propriamente o Juiz, mas sim o Ministério Público; e da garantia da inamovibilidade, que impede designações casuísticas ou a retirada de Promotores de casos importantes, como várias vezes ocorreu, antes da Constituição de 1988, em alguns Ministérios Públicos Estaduais e até mesmo no Ministério Público Federal. Trata-se, portanto, de uma garantia de imparcialidade da atuação do órgão do Ministério Público, tanto a favor da sociedade quanto a favor do próprio acusado, que não pode ser submetido a um acusador de exceção (nem para privilegiá-lo, nem para auxiliá-lo). Há casos anteriores a 1988 em que membros do Ministério Público praticaram crimes e o Procurador-Geral alterou o promotor originalmente incumbido de atuar nos respectivos processos para "facilitar" a acusação. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 54 É inadmissível, portanto, após o advento da Constituição Federal de 1988, regulamentada pela Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/93), que o Procurador-Geral faça designações arbitrárias de Promotores de Justiça para uma Promotoria ou para as funções de outro Promotor, que seria afastado compulsoriamente das suas atribuições e prerrogativas legais, porque feriria a garantia da inamovibilidade prevista no texto constitucional. O princípio do Promotor natural, apesar de não ter expressa previsão na Constituição - embora sempre tenha defendido a sua existência, como decorrência das garantias constitucionais do devido processo legal e da inamovibilidade -, tem como finalidade evitar o acusador de exceção e a diminuição da independência e da autonomia do Ministério Público. O referido princípio, no entanto, pode sofrer atenuações, desde que estejam previstas em lei e de acordo com a sua finalidade constitucional. O art. 10, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, por exemplo, afasta qualquer possibilidade de designações arbitrárias, ao dispor que somente excepcionalmente compete ao Procurador-Geral a designação de membro do Ministério Público para acompanhar inquérito policial ou diligência investigatória, devendo, porém, a escolha recair sobre membro do Ministério Público com atribuição para, em tese, oficiar no processo, segundo as regras ordinárias de distribuição de serviços. Outro exemplo, que representou grande avanço no combate à criminalidade organizada, foi a criação de grupos especializados como o GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), que pode atuar junto ao promotor natural ou isoladamente, mas com o consentimento dele, mesmo que a posteriori. Aqui, em verdade, não houve afronta ao princípio do Promotor natural, no sentido de umadesignação arbitrária, de uma quebra da autonomia, uma vez que "a designação pelo Procurador-Geral de Justiça de promotor para atuar nos autos n. 0004402-71.2010.8.01.0002 deu-se em virtude de sucessivas manifestações de suspeição, tanto do promotor da 2ª Vara Criminal daquela Comarca quanto dos demais membros do Parquet, ou seja, a nomeação foi realizada em conformidade com a legislação, não causando prejuízo às partes". No mesmo sentido, decidiu a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Acre: "Nesse caso, tenho por coerentes os posicionamentos firmados tanto pela Promotoria de Justiça como pela Procuradoria Geral de Justiça, quando afirmam que a designação do Promotor de Justiça não atuante perante o Juízo a quo se deu de maneira legal, em face de outros dois colegas terem reconhecido as suas suspeições. Com efeito, a nomeação de outro Promotor tornou-se necessária e elementar, assim como a nomeação de outro Juiz, diante das respectivas declarações de suspeição por parte de cinco Magistrados e dois Promotores de Justiça, em face das funções exercidas pelo ora apelante, na qualidade de servidor do Poder Judiciário, lotado na 1ª Vara Criminal da Comarca de Cruzeiro do Sul". Com relação aos pedidos de violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, mercê do indeferimento de requerimentos formulados pela defesa, dentre eles o da realização de acareações (item "c" do presente Recurso Extraordinário), todos eles versam sobre matéria situada no contexto normativo infraconstitucional, de forma que eventuais ofensas à Constituição seriam meramente indiretas (ou mediatas), o que inviabiliza o conhecimento do referido recurso. Afinal, as instâncias ordinárias, mediante interpretação e aplicação da legislação penal comum e especial, rechaçaram as questões à luz da legislação ordinária e do substrato fático constante dos autos. Nesse sentido, as seguintes decisões monocráticas: RE 889.118/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJe de 28/02/2018; ARE 1.057.751/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 04/08/2017; ARE DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 55 1.037.531/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJe de 22/05/2017; RE 1.009458/DF, Rel. Min. EDSON FACHIN, DJe de 02/12/2016 e RE 1.016.149/SP, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe de 19/12/2016. Além disso, qualquer modificação do entendimento fixado pelas instâncias ordinárias demandaria o reexame do contexto fático-probatório dos autos, o que é incabível em Recurso Extraordinário, conforme consubstanciado na Súmula 279 desta CORTE, que prevê que: "para simples reexame de prova não cabe Recurso Extraordinário". Por fim, não custa lembrar que o Plenário deste SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, quando do julgamento do ARE 748.371 RG/MT (Tema 660), Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 01/08/2013, rejeitou a existência de repercussão geral por ofensa aos princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e dos limites à coisa julgada, entendo terem eles natureza infraconstitucional, cuja ementa colaciono: Alegação de cerceamento do direito de defesa. Tema relativo à suposta violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal. Julgamento da causa dependente de prévia análise da adequada aplicação das normasinfraconstitucionais. Rejeição da repercussão geral. Diante do exposto, com base no art. 21, §1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.” grifei (STF. RE 1.142.512/AC. Relator Ministro Alexandre de Moraes. Julgamento em 20/05/2019). “PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. OFENSA A DISPOSITIVOS DA CF/88. INCOMPETÊNCIA DO STJ. GRAVAÇÃO DE CONVERSA PELA GENITORA. PODER-DEVER DE PROTEÇÃO DO FILHO MENOR. PROVA LÍCITA. PRODUÇÃO PROBATÓRIA DEFENSIVA. PLEITO EXTEMPORÂNEO. INDEFERIMENTO. DISCRICIONARIEDADE MOTIVADA. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 7 DO STJ. I - A esta Corte Superior de Justiça cabe a interpretação e uniformização do direito infraconstitucional federal, não cabendo análise de violação de dispositivo constitucional, sob pena de usurpar a competência do Pretório Excelso, a quem compete decidir sobre matéria constitucional, nos termos do art. 102, III, a, da Constituição Federal, não havendo o que se retratar, bem como prover tal pleito, pelo que mantém a decisão. II - A gravação de conversa, in casu, nãoconfigura prova ilícita, visto que não ocorreu, a rigor, interceptação por terceiro, mas uma mera gravação pela genitora utilizando-se do próprio celular, objetivando a proteção da liberdade sexual de absolutamente incapaz, sua filha, na perspectiva do poder familiar, vale dizer, do poder-dever de que são investidos os pais em relação aos filhos menores, de proteção e vigilância. III - Lado outro, "o indeferimento fundamentado de pedido de produção de prova não caracteriza constrangimento ilegal, pois cabe ao juiz, na esfera de sua discricionariedade, negar motivadamente DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 56 a realização das diligências que considerar desnecessárias ou protelatórias" (HC 198.386/MG, Quinta Turma, Rel. Ministro Gurgel de Faria, DJe 02/02/2015). IV - As instâncias ordinárias, apreciando detalhadamente as provas produzidas nos autos, concluíram pela caracterização do delito previsto no art. 217-A, c.c. 71, ambos do Código Penal. Na hipótese, entender de modo contrário ao estabelecido pelo Tribunal a quo, como ppretende o recorrente, demandaria o revolvimento, no presente recurso, do material fático-probatório dos autos, inviável nesta instância, haja vista o óbice da Súmula 7/STJ. Agravo regimental desprovido.” grifei (STJ. Quinta Turma. AgInt no Resp 1.712.718/AC. Relator Ministro Felix Fischer. Julgamento em 24/04/2018). “HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. INADMISSIBILIDADE. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. MENOR DE 14 ANOS DE IDADE. ILICITUDE DA PROVA. APREENSÃO DO COMPUTADOR E TELEFONE DA VÍTIMA, A PARTIR DE DADOS CAPTADOS PELA IRMÃ DA MENOR, QUE OS ENTREGOU À MÃE. DESNECESSIDADE DO CONSENTIMENTO DA VÍTIMA. PODER-DEVER DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE, ESPECIALMENTE PELA FAMÍLIA. PRECEDENTES. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. LIMINAR CONCEDIDA PELO STF. QUESTÃO A SER DECIDIDA, DEFINITIVAMENTE, PELO STF. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO, MAS COM MANUTENÇÃO DA LIBERDADE CONCEDIDA PELO STF, ATÉ PRONUNCIAMENTO DA CORTE SUPREMA SOBRE O TEMA. 1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. 2. Consoante o art. 3°, I, do Código Civil, os menores de 16 anos são absolutamente incapazes, não podendo praticar ato algum por si, sendo representados por seus pais. Assim, não há que se falar em quebra de sigilo da intimidade da menor, ou da necessidade do seu consentimento para que a família impedisse o prolongamento da agressão sexual, como pretende a defesa, sobretudo diante da proteção integral da criança e doadolescente, garantida pela Constituição Federal, que engloba, por óbvio, a proteção contra abusos de natureza sexual. 3. Chegando ao conhecimento da mãe, que sua filha, menor impúbere, de apenas 13 anos de idade à época dos fatos, estava em situação de vulnerabilidade, sendo vítima de crime de natureza hedionda, na qualidade de representante legal daquela, não só tinha o poder, como o dever de procurar as autoridades para relatar os fatos. Despiciendo o fato de ter sido a irmã, menor de 18 anos, a portadora da notícia, a qual aparentemente conseguiu captar outros dados do computador da vítima e entregá-los à mãe. Precedentes: REsp. 1.026.605/RS, Rel. Min. ROGÉRIO SCHIETTI CRUZ, DJe 12/6/2014 e AREsp. 980.428/PR, Rel. Min. JOEL ILAN PACIORNIK, DJe 28/6/2017. 4. Segundo a recente orientação do STF, seguida por ambas as Turmas desta Corte, a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 57 especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal. (HC 126.292, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, j. em 17/2/2016, DJe 17/5/2016 e ARE 964.246/SP, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, j. 11/22/2016, em regime de repercussão geral, DJe 25/11/2016). 5. No caso concreto, foi concedida liminar, pelo Ministro MARCO AURÉLIO, nos autos do HC 143.358, impetrado no STF contra o indeferimento do pedido de liminar, neste writ, na qual S. Exa. determinou a suspensão da execução provisória do título condenatório. A decisão foi proferida em 4/4/2017, ou seja, após o julgamento pelo Plenário do STF do ARE 964.246/SP, que acolheu a tese em sede de repercussão geral. 6. Nesse contexto, entendo que não há como determinar a execução provisória da pena, mesmo que já esgotada a instância ordinária, porquanto vigente a liminar do Supremo Tribunal Federal, ao qual compete apreciar definitivamente a questão, sendo de rigor, por ora, a manutenção da situação do paciente. 7. Habeas Corpus não conhecido, mantendo-se aliberdade provisória do paciente, em virtude da liminar concedida pelo STF, a quem compete decidir definitivamente sobre o tema.” grifei (STJ. Quinta Turma. HC 392.158/RO. Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Julgamento em 22/08/2017). “RECURSO ESPECIAL. ARTIGO 214 C/C O ART. 224, "A", DO CP (ANTIGA REDAÇÃO). ART. 619 DO CPP. VIOLAÇÃO NÃO CARACTERIZADA. GRAVAÇÃO DE CONVERSA EM TERMINAL TELEFÔNICO PRÓPRIO, COM AUXÍLIO DE TERCEIRO. PODER- DEVER DE PROTEÇÃO DO FILHO MENOR. PROVA LÍCITA. ADMISSIBILIDADE. PALAVRA DA VÍTIMA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. FALTA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO FEDERAL. SÚMULA 284/STF. REGIME PRISIONAL INICIAL. MATÉRIA NÃO PREQUESTIONADA. SÚMULA 211/STJ. RECONHECIMENTO DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. 1. Não existe a violação ao artigo 619 do Código de Processo Penal quando o acórdão recorrido decidiu a controvérsia de forma fundamentada, sem incorrer em qualquer omissão. 2. A teor do disposto no artigo 157 do Código Penal são inadmissíveis as provas ilícitas, assim consideradas as que violam direito material do réu, devendo ser desentranhadas do processo, de modo a conferir efetividade ao princípio do devido processo legal e a tutelar os direitos constitucionais de qualquer acusado no processo penal. 3. No caso concreto, a genitora da vítima solicitou auxílio técnico a terceiro para a gravação de conversas realizadas através de terminal telefônico de sua residência, na qualidade de representante civil do menor impúbere e investida no poder-dever de proteção e vigilância do filho, não havendo ilicitude na gravação. Dada a absoluta incapacidade da vítima para os atos da vida civil - e ante a notícia de que estava sendo vítima de crime denatureza hedionda - a iniciativa da genitora de registrar conversa feita pelo filho com o autor da conjecturada prática criminosa se assemelha à gravação de conversa telefônica feita com a autorização de um dos DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 58 interlocutores, sem ciência do outro, quando há cometimento de delito por este último, hipótese já reconhecida como válida pelo Supremo Tribunal Federal. 4. O recurso especial, quanto à tese de condenação com base exclusiva na palavra da vítima, prestada na fase inquisitorial, não comporta conhecimento, pois o recorrente olvidou de apontar o dispositivo federal interpretado de forma divergente por outro tribunal, o que atrai, por analogia, a aplicação da Súmula 284/STF. 5. Também quanto ao regime inicial de cumprimento de pena, o recurso especial não comporta conhecimento, pois, apesar da oposição dos aclaratórios, a matéria não foi apreciada pelo Tribunal de origem, o que atrai o óbice da Súmula 211/STJ. 6. Todavia, verificada a flagrante ilegalidade na fixação do regime inicial de cumprimento da pena, fundamentado exclusivamente na determinação legal prevista no artigo 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/1990, já declarada inconstitucional, é possívela concessão de habeas corpus de ofício para sanar a coação ilegal à liberdade de ir e vir do recorrente. 7. Com efeito, reconhecida a inconstitucionalidade do óbice contido no § 1º do artigo 2º da Lei n. 8.072/1990, tem-se que tal preceito não se afigura idôneo a justificar a fixação do regime mais gravoso, haja vista que, para estabelecer o regime inicial de cumprimento de pena, deve o magistrado avaliar o caso concreto, de acordo com os parâmetros estabelecidos pelo artigo 33 e parágrafos, do Código Penal. 8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, não provido. Habeas corpus concedido de ofício para determinar que o Tribunal de Justiça avalie a possibilidade de fixar o regime inicial diverso do fechado, consoante as diretrizes do artigo 33 do Código Penal.” grifei (STJ. Sexta Turma. Resp 1.026.605/ES. Relator Ministro Rogério Schietti Cruz. Julgamento em 13/05/2014 - Informativo 543, STJ). DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 59 Tema 06: Prova testemunhal: Conceito. Dever de depor. Isenção e proibição de depor. Avaliação e conferência da prova testemunhal. Prova no júri. Falso testemunho. Acareação e reconhecimento de pessoas e coisas. Cabimento e finalidade. Acareação da precatória e rogatória. Reconhecimento extrajudicial e judicial. Forma e documentação. Avaliação e conferência. Falsas memórias e as provas testemunhais. Proteção à testemunha (Lei 9.807/99). 1ª QUESTÃO: RÉGIS foi denunciado pela prática do crime de roubo majorado (art. 157, §2º, II e III e art. 157, §2º-A, I, do Código Penal), por duas vezes. Ao final da instrução, RÉGIS foi absolvido, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso de apelação para o Tribunal de Justiça, que deu parcial provimento ao recurso para condenar RÉGIS à pena de 7 (sete) anos de reclusão, em regime inicial fechado, pelos delitos de roubo circunstanciado. Irresignada, a defesa de RÉGIS impetrou habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça, no qual alegou nulidade do acórdão, por considerar que a condenação está lastreada no reconhecimento fotográfico realizado durante a investigação policial, sem que houvesse a sua confirmação com o reconhecimento pessoal, além do fato de que as testemunhas não reconheceram o paciente quando da realização da audiência de instrução. A partir da situação hipotética acima apresentada e tomando como verdadeiros os fatos narrados na questão, esclareça, fundamentadamente, se a ordem deve ser concedida. RESPOSTA: “RECURSO EM HABEAS CORPUS. PICHAÇÃO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DE PESSOA REALIZADO NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 226 DO CPP. ELEMENTO INFORMATIVO INSUFICIENTE PARA CONFIGURAR INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. TRANCAMENTO DO PROCESSO. EXCEPCIONALIDADE EVIDENCIADA. RECURSO EM HABEAS CORPUS PROVIDO. 1. Conforme reiterada jurisprudência desta Corte Superior, o trancamento do processo no âmbito de habeas corpus é medida excepcional, somente cabível quando demonstrada, de maneira inequívoca, a absoluta ausência de provas da materialidade do crime e de indícios de autoria, a atipicidade da conduta ou a existência de causa extintiva da punibilidade. Ademais, dada a excepcionalidade do trancamento do processo em habeas corpus, é necessário que o alegado constrangimento ilegal seja manifesto, perceptível primus ictus oculi. 2. A Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça, por ocasião do julgamento do HC n. 598.886/SC, realizado em 27/10/2020, propôs nova interpretação ao art. 226 do CPP, a fim de superar o entendimento, até então vigente, de que o disposto no referido artigo constituiria "mera recomendação" e, como tal, não ensejaria nulidade da prova eventual descumprimento DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 60 dos requisitos formais ali previstos. Na ocasião, foram apresentadas as seguintes conclusões: 2.1) O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime; 2.2) À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo; 2.3) Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento; 2.4) O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia(s) ao reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo. 3. No caso, a recorrente foi denunciadacom base tão somente em reconhecimento fotográfico extrajudicial, realizado em desconformidade ao modelo legal, a partir de imagens de câmera de segurança - em que aparece a suspeita a metros de distância e sem visão frontal - e sem possibilidade de exata percepção da fisionomia da autora da conduta criminosa. 4. A autoridade policial não exibiu à testemunha outras fotografias de indivíduos com características semelhantes às da recorrente. Em nenhum momento, houve qualquer tentativa de realizar o reconhecimento pessoal da acusada, nos moldes do art. 226 do CPP. Ademais, não houve flagrante delito, tampouco foi a recorrente localizada na posse de qualquer instrumento ou objeto que indicassem ser ela a autora da infração, de maneira que o reconhecimento fotográfico, como único elemento indicativo de autoria e fruto de uma singela pesquisa na rede social Facebook, realizada pela parte interessada, não constitui indícios suficientes de autoria para fins de justificar a deflagração da ação penal. 5. Ademais, não houve preocupação estatal em confirmar ou refutar evidências, trazidas pela defesa ainda na fase inquisitorial, sobre ser fisicamente impossível que a mulher que aparecera nas gravações da câmera de segurança fosse a recorrente, por estar em local diverso no momento em que perpetrado o fato delituoso. 6. Ao Ministério Público, como fiscal do direito (custos iuris), compromissado com a verdade, cabe velar pela higidez e fidelidade da investigação aos fatos sob apuração, de sorte a dever, antes de promover a ação penal - que não pode ser uma mera aposta no êxito da acusação - diligenciar para o esclarecimento de fatos e circunstâncias que possam interessar ao investigado, ao propósito de evitar acusações infundadas.Vale dizer, do Ministério Público se espera um comportamento processual que não se afaste do indispensável compromisso com a verdade, o que constitui, na essência, a desejada objetividade de sua atuação. 7. Sob a égide de um processo penal de cariz garantista - o que nada mais significa do que concebê- lo como atividade estatal sujeita a permanente avaliação de sua conformidade à Constituição da República ("O direito processual penal não é outra coisa senão Direito constitucional aplicado", dizia-o W. Hassemer) - busca-se uma verdade processualmente válida, em que a reconstrução histórica dos fatos objeto do juízo se vincula a regras precisas, que assegurem às partes maior controle sobre a atividade jurisdicional e mediante standards probatórios que garantam ao jurisdicionado alguma segurança contra incursões abusivas em sua esfera de liberdade. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 61 8. Recurso em habeas corpus provido, a fim de determinar o trancamento do Processo n. 0002804- 78.2018.8.26.0011,da 1ª Vara Criminal do ForoRegional de Pinheiros - SP, sem prejuízo de que outra acusação seja formalizada, dessa vez com observância aos requisitos legais.” grifei (STJ. Sexta Turma. RHC 139.037/SP. Relator Ministro Rogério Schietti Cruz. Julgamento em 13/04/2021). “Decisão ... A presunção de inocência exige para ser afastada a existência de um mínimo necessário de provas produzidas por meio de um devido processo legal e está prevista no art. 9º da Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada em 26-8-1789 (“Todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado”). A presunção de inocência condiciona toda condenação a uma atividade probatória produzida pela acusação e veda, taxativamente, a condenação, inexistindo as necessárias provas, devendo o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltarmos ao total arbítrio. Trata-se de um dos princípios basilares do Estado de Direito como garantia processual penal, visando à tutela da liberdade pessoal e possui quatro básicas funções: (a) limitação à atividade legislativa; (b) critério condicionador das interpretações das normas vigentes; (c) critério de tratamento extraprocessual como inocente em todos os seus aspectos; (d) obrigatoriedade de o ônus da prova da prática de um fato delituoso ser sempre do acusador. Há a necessidade de o Estado-acusador comprovar a culpabilidade do indivíduo mediante o contraditório, que é constitucionalmente presumido inocente, vedando-se o odioso afastamento de direitos e garantias individuais e a imposição de sanções sem o Devido Processo Legal (2ª T, HC 89.501, Rel. Min. CELSO DE MELLO), conforme pacífica e reiterada jurisprudência desta CORTE SUPREMA: (...) Em nosso sistema acusatório, é incontroversa a obrigatoriedade de o ônus da prova ser sempre do Ministério Público e, portanto, para se atribuir definitivamente ao réu qualquer prática de conduta delitiva, são imprescindíveis provas efetivas do alegado, produzidas sob o manto do contraditório e da ampla defesa, sob pena de simulada e inconstitucional inversão do ônus da prova; o que não ocorreu na presente hipótese. Como bem destacado pelo Professor T.R.S. Allan, da Universidade de Cambridge, “é certo que a acusação deve suportar o fardo de provar culpa sem a assistência voluntária do réu” (Constitucional Justice. Oxford: University Press, 2006). Constata-se, no presente habeas corpus, que, durante a instrução judicial desta ação, o Ministério Público não produziu nenhuma prova sob o crivo do devido processo legal, do contraditório e DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 62 da ampla defesa, como bem destacado na decisão absolutória de 1º grau e no próprio parecer da Procuradoria de Justiça de São Paulo. O MM. Juiz, ao proferir decisão absolutória, destacou: (...) Da mesma maneira, não obstante a interposição de recurso ministerial contra a decisão de 1ª instância, o DD. Procurador de Justiça atuante perante o Tribunal de Justiça salientou em seu parecer (Doc. 18 - fls. 101-107): (...) O Acórdão do STJ manteve a decisão do Tribunal de Justiça estadual, que sustentou a condenação dos pacientes com suporte exclusivo no reconhecimento fotográfico realizado durante a investigação policial. É certo que os elementos colhidos na fase extrajudicial podem ser adotados na sentença, mas desde que estes elementos não sejam os únicos a embasar o decreto condenatório. Conforme determina o art. 155 do Código de Processo Penal, “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. Sobre o tema, ensina o professor GUILHERME DE SOUZA NUCCI, Desembargador do TJ paulista: “(...) a meta é a formação da convicção judicial lastreada em provas produzidas sob o crivo do contraditório, não podendo o magistrado fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos trazidos da investigação, mormente a policial, que constitui a maior parte dos procedimentos preparatórios da ação penal. (...) O Julgador jamais pode basear sua sentença, em especial condenatória, em elementos colhidos unicamente do inquérito policial (...). Porém, o juiz sempre se valeu das provas colhidas na fase investigatória, desde que confirmadas, posteriormente, em juízo, ou se estivessem em harmonia com as coletadas sob o crivo do contraditório(...) Ademais, se a decisão judicial fosse proferida com base única em fatores extraídos do inquérito policial, por exemplo, seria, no mínimo, inconstitucional, por não respeitar as garantias do contraditório e da ampla defesa” (Código de Processo Penal Comentado, 14ª ed., Rio de Janeiro: Forense, p 375-376). No mesmo sentido, destaco a farta jurisprudência destaCORTE: (...) Na espécie, o controverso reconhecimento fotográfico realizado durante a investigação policial seguiu procedimento pouco ortodoxo, não tendo sido confirmado por subsequente reconhecimento pessoal na Polícia - apesar da insistência da Promotoria de Justiça -, nem durante a instrução processual perante a autoridade judicial. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 63 Há, inclusive, sérias dúvidas sobre a validade do procedimento realizado durante o inquérito policial, seja pelas contradições apresentadas no relatório final da autoridade policial, seja pelo desmentido realizado pela testemunha Jefferson José da Silva, em juízo. Com efeito, consta do Relatório Final de Inquérito Policial (Doc. 7 - fls. 5-18) que (...) Estranhamente, todavia, o paciente foi reconhecido como um dos roubadores, embora não conste de sua folha de antecedentes qualquer anotação referente à prática de crimes contra o patrimônio (Doc. 8 - fl. 14). Além disso, quando ouvidos em juízo, os ofendidos não reconheceram os réus como autores do delito (Doc. 13 - fls. 15-24). Embora conste do auto de reconhecimento fotográfico que as vítimas foram colocadas “diante de diversas fotografias” (Doc. 3 - fls. 34 e 37 e Doc. 6 - fl. 50), a vítima Jefferson afirmou em seu depoimento que o reconhecimento dos réus na fase inquisitorial se deu com base em fotos publicadas na rede social Facebook. Para sanar esse problema, a Promotoria de Justiça reiterou a necessidade da realização do reconhecimento pessoal, no que, porém, não foi atendida pela digna autoridade policial (Doc. 7 - fl. 21-22). Em juízo, igualmente, não houve confirmação do reconhecimento dos acusados pelas vítimas: (...) No acórdão condenatório, não há nenhuma prova produzida durante o devido processo legal, sob o crivo dos princípios do contraditório e da ampla defesa, que corroborem a versão apresentada pelo Ministério Público na denúncia, como, reitere-se, a própria Procuradoria de Justiçade São Paulo concluiu. Não bastasse isso, também não há qualquer elemento seguro obtido mesmo na fase inquisitorial que afaste qualquer dúvida razoável no tocante a imputação realizada contra os pacientes. A condenação somente se baseia em prova produzida durante a fase inquisitorial e cuja veracidade e certeza não foram comprovadas na fase judicial, levando a concluir pela ausência de elementos de prova com a mínima robustez para corroborar o descrito na peça acusatória e afastar a dúvida razoável sobre a ausência de culpabilidade. As provas, portanto, precisam ser incontestáveis, não se admitindo condenações com base em “dúvida razoável”, como destacado pelo DECANO da SUPREMA CORTE, Ministro Celso de Mello: (...) O Estado de Direito não tolera meras conjecturas e ilações como fundamento condenatório em ação penal, pois a prova deve ser robusta, consistente, apta e capaz de afastar a odiosa insegurança jurídica, que tornaria inviável a crença nas instituições públicas. A presunção de inocência, em umEstado de Direito, exige, para ser afastada, um mínimo necessário de provas produzidas por meio de um devido processo legal. No sistema acusatório brasileiro, o DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 64 ônus da prova é do Ministério Público, sendo imprescindíveis provas efetivas do alegado, produzidas sob o manto do contraditório e da ampla defesa, para a atribuição definitiva ao réu de qualquer prática de conduta delitiva, sob pena de simulada e inconstitucional inversão do ônus da prova. A inexistência de provas produzidas pelo Ministério Público na instrução processual ou de confirmação em juízo de elemento obtido na fase inquisitorial e apto a afastar dúvida razoável no tocante à culpabilidade do réu não possibilita a manutenção de decreto condenatório. Diante do exposto, com base no art. 192, caput, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, CONCEDO A ORDEM DE HABEAS CORPUS para ABSOLVER o paciente, determinando a imediata soltura, com extensão dos efeitos da decisão aos demais corréus na ação penal de origem, ante a identidade de situações jurídicas (art. 580 do CPP), nos termos da decisão de 1ª instância (Ação Penal 0104061-97.2016.8.26.0050 - 23ª Vara Criminal da Comarcade São Paulo). (...)” grifei (STF. HC 172.606/SP. Relator Ministro Alexandre de Moraes. Julgamento em 31/07/2019). 2ª QUESTÃO: O Presidente da República, que se encontra sob investigação criminal, postulou, por meio do Advogado-Geral da União, que lhe seja assegurada a prerrogativa de optar pela prestação de depoimento por escrito, com fundamento no disposto no artigo 221, §1º do Código de Processo Penal. O Ministro Relator indeferiu o pedido formulado e determinou que seja observado o procedimento normal de interrogatório. Com base na situação hipotética acima descrita, esclareça, fundamentadamente, se o Ministro Relator agiu corretamente. RESPOSTA: Em sua última sessão jurisdicional como integrante do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Celso de Mello votou pela rejeição do recurso do presidente da República, Jair Bolsonaro, contra a determinação de que preste depoimento presencial nos autos do Inquérito (Inq) 4831, no qual é investigado por suposta tentativa de interferência política na Polícia Federal. De acordo com o decano, o benefício especial de depoimento por escrito aos chefes dos três Poderes da República, previsto no artigo 221, caput e parágrafo 1º, do Código de Processo Penal (CPP), aplica-se somente aos casos em que figurem como testemunhas ou vítimas, e não como investigados ou réus. Integrante da Corte desde 15/11/1989, Celso pediu aposentadoria voluntária e encerra sua trajetória como ministro no próximo dia 13. O pedido de reconsideração, interposto contra decisão do próprio relator, estava em julgamento no Plenário Virtual, mas foi retirado para ser julgado presencialmente. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 65 Princípio da oralidade Na sessão desta quinta-feira (8), o relator afirmou que sua decisão se ajusta à legislação processual penal vigente e a vários julgados do Supremo sobre a aplicabilidade do artigo 221 do CPP apenas quando as autoridades públicas nele descritas ostentarem a condição de testemunhas. Assegura-se, assim, segundo ele, tanto o comparecimento pessoal quanto a necessária interação presencial entre o réu e o seu juiz natural ou a autoridade responsável pelo interrogatório, conferindo-se, assim, efetividade ao princípio da oralidade. Prerrogativas O ministro ressaltou que as prerrogativas atribuídas ao presidente da República, quando submetido a investigação criminal, são, unicamente, as concedidas na Constituição e nas leis do Estado, como, por exemplo, a garantia de imunidade temporária, o foro perante o Supremo, ou a presunção de inocência e ao devido processo legal, de caráter genérico, extensíveis a qualquer cidadão. “Entre estas, quando figurar como investigado, não se encontra a prerrogativa de responder ao interrogatório - que se rege, ordinariamente, pelo princípio da oralidade”, observou. Para o decano, apesar de sua posição hegemônica na estrutura político-institucional do Poder Executivo, o presidente da República, como qualquer outro cidadão, não dispõe de benefícios anulatórios do direito comum, além das mencionadas prerrogativas, quando figurar como pessoa sob investigação criminal. “Ninguém, nem mesmo o chefe do Poder Executivo da União, está acima da autoridade da Constituição e das leis da República”, afirmou. Igualdade Celso de Mello frisou que a própria ideia de República exprime o dogma fundamental do primado da igualdade de todos perante as leis, “no sentido de repelir privilégios e não tolerar discriminações”, impedindo que se estabeleçam tratamentos seletivos em favor de determinadas pessoas e obstando que se imponham restrições gravosas em detrimento de outras, em razão de diversos fatores, dentre eles, a posição estamental. Devido processo legal O relator observou, entretanto, que as garantias asseguradas a todos os investigados ou réus contra a autoincriminação, o direito ao silêncio e ao não comparecimento aao ato interrogatório e todas as etapas do devido processo legal não conferem ao chefe do Poder Executivo da União o privilégio de eleger, ele próprio, a forma pela qual quer e pretende seja efetivada sua inquirição policial. Com esses fundamentos, para o ministro Celso de Mello, a inquirição do presidente Jair Bolsonaro deverá observar o procedimento normal de interrogatório (CPP, artigo 6º, inciso V, c/c o art. 185 e seguintes), que é a forma presencial. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 66 Tratamento isonômico O decano enfatizou, por fim, que deve ser garantido, no caso em análise, tratamento isonômico a todos os investigados que ostentam a mesma condição jurídica. Ele lembrou que o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro, também investigado, já prestou depoimento presencialmente. Assim, em seu voto, Celso de Mello assegura a Moro, por meio de seus advogados, o direito de participar do interrogatório do presidente da República e de formular reperguntas (parágrafo único do artigo 229 do CPP). (STF. Tribunal Pleno. Inquérito 4831/DF. Relator Ministro Celso de Mello. Julgamento em 06/10/2020). Tema 07: Interrogatório: Críticas ao interrogatório on-line. Condução coercitiva do investigado/réu. Confissão. O desvalor de chamada confissão extrajudicial. Declarações do ofendido. Declarações do indiciado e interrogatório. Chamada de corréu e seu valor probatório. Confissão indireta. Confissão qualificada. Divisibilidade e retratação da confissão. Declaração do ofendido. Natureza da confissão e das declarações do ofendido como elemento, fonte e meio de prova. Avaliação e conferência do interrogatório, confissão e declaração do ofendido. 1ª QUESTÃO: O Delegado da Polícia Civil instaurou inquérito policial contra SAMPAIO para apurar fato ocorrido no dia 19/10/2018, consubstanciado na aquisição e exposição à venda, em proveito alheio, no exercício de atividade comercial, de coisas alheias móveis que sabia serem produtos de crime, consistentes em diversos aparelhos celulares, além de componentes e acessórios de aparelhos celulares pertencentes à diversas vítimas. Uma equipe de investigadores da Polícia Civil, diante do envolvimento de SAMPAIO no crime de roubo que vitimou VALENTINA e do fato de que, ao reativar sua linha telefônica, a vítima passou a receber informações sobre seu aparelho roubado, quais sejam, foto e localização do aparelho, dirigiu-se até as proximidades da Rua Uruguaiana, no Centro do Rio de Janeiro. Ali, os Policiais Civis passaram a rastrear o local, em posse da fotografia de SAMPAIO, até encontrá-lo no box número 100 do Mercado Popular Uruguaiana, onde era exercida por ele a atividade comercial de compra, venda e manutenção de aparelhos celulares. Posteriormente,foi cumprido mandado de busca e apreensão na citada loja, onde foram encontrados 76 aparelhos celulares, não sendo apresentadas notas fiscais dos respectivos aparelhos. Além disso, o Delegado requereu à autoridade judiciária a expedição de mandado de condução coercitiva de SAMPAIO para que se procedesse ao interrogatório, requerimento este deferido pelo magistrado. Com base na situação hipotética acima descrita, esclareça, de acordo com o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, se o magistrado agiu corretamente. Aborde, ainda, se há diferença entre DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 67 condução coercitiva de testemunha e condução coercitiva de acusado ou investigado, indicando aspectos teóricos constitucionais penais e processuais penais. RESPOSTA: “Habeas corpus. 2. Intimação de investigado para comparecimento compulsório à Comissão Parlamentar de Inquérito, sob pena de condução coercitiva e crime de desobediência. 3. Direito ao silêncio e de ser acompanhado por advogado. Precedentes (HC 79.812/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 16.2.2001). 4. Direito à não autoincriminação abrange a faculdade de comparecer ao ato, ou seja, inexiste obrigatoriedade ou sanção pelo não comparecimento. Inteligência do direito ao silêncio. 5. Precedente assentado pelo Plenário na proibição de conduções coercitivas de investigados (ADPF 395 e 444). 6. Ordem concedida para para convolar a compulsoriedade de comparecimento em facultatividade.” grifei (STF. Segunda Turma. HC 171.438. Relator Ministro Gilmar Mendes. Julgamento em 28/05/2019). “O Plenário iniciou julgamento de arguições de descumprimento de preceito fundamental em que se discute a legitimidade de decisões judiciais que determinam a condução coercitiva de investigados ou réus para serem interrogados em procedimentos criminais, na forma do art. 260 do Código de Processo Penal (CPP). O ministro Gilmar Mendes (relator) julgou procedentes os pedidos formulados nas arguições para declarar a não recepção da expressão “para o interrogatório”, constante do art. 260 do CPP, e a incompatibilidade com a Constituição Federal (CF) da condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de ilicitude das provas obtidas,sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado. De início, o relator esclareceu que a hipótese de condução coercitiva objeto das arguições em comento restringe-se, tão somente, àquela destinada à condução de investigados e réus à presença da autoridade policial ou judicial para serem interrogados. Assim, não será analisada a condução de outras pessoas como testemunhas, ou mesmo de investigados ou réus para atos diversos do interrogatório, como o reconhecimento. Fixado o objeto da controvérsia, afirmou que a condução coercitiva no curso da ação penal tornou-se obsoleta. Isso porque, a partir da Constituição Federal de 1988, foi consagrado o direito do réu de deixar de responder às perguntas, sem ser prejudicado (direito ao silêncio). A condução coercitiva para o interrogatório foi substituída pelo simples prosseguimento da marcha processual, à revelia do acusado [CPP, art. 367(2)]. Entretanto, o art. 260 do CPP - conjugado ao poder do juiz de decretar medidas cautelares pessoais - vem sendo utilizado para fundamentar a condução coercitiva de investigados para interrogatório, especialmente durante a investigação policial, no bojo de engenhosa construção que passou a fazer partedo procedimento padrão das investigações policiais dos últimos anos. Nessa medida, as conduções coercitivas tornaram-se um novo capítulo na espetacularização da investigação, inserida num contexto de violação a direitos fundamentais por meio da exposição de pessoas que gozam da presunção de inocência como se culpados fossem. Quanto à presunção de não culpabilidade (CF, art. 5º, LVII), seu aspecto relevante ao caso é a vedação de tratar pessoas não condenadas como culpadas. A condução coercitiva DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 68 consiste em capturar o investigado ou acusado e levá-lo sob custódia policial à presença da autoridade, para ser submetido a interrogatório. A restrição temporária da liberdade mediante condução sob custódia por forças policiais em vias públicas não é tratamento que normalmentepossa ser aplicado a pessoas inocentes. Assim, o conduzido é claramente tratado como culpado. Por outro lado, a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), prevista entre os princípios fundamentais do estado democrático de direito, orienta seus efeitos a todo o sistema normativo, constituindo, inclusive, princípio de aplicação subsidiária às garantias constitucionais atinentes aos processos judiciais. No contexto da condução coercitiva para interrogatório, faz-se evidente que o investigado ou réu é conduzido eminentemente para demonstrar sua submissão à força. Não há finalidade instrutória clara, na medida em que o arguido não é obrigado a declarar, ou mesmo a se fazer presente ao interrogatório. Desse modo, a condução coercitiva desrespeita a dignidade da pessoa humana. Igualmente, a liberdade de locomoção é vulnerada pela condução coercitiva para interrogatório. A Constituição Federal consagra o direito à liberdade de locomoção, de forma genérica, ao enunciá-lo no “caput” do art. 5º. Tal direito pode ser restringido apenas se observado o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV) e obedecido o regramento estrito sobre a prisão (CF, art. 5º, LXI, LXV, LXVI, LXVII). A Constituição também enfatiza a liberdade de locomoção ao consagrar a ação especial de “habeas corpus” como remédio contra restrições e ameaças ilegais (CF, art. 5º, LXVIII). A condução coercitiva representa uma supressão absoluta, ainda que temporária, da liberdade de locomoção. O investigado ou réu é capturado e levado sob custódia ao local da inquirição. Portanto, há uma clara interferência na liberdade delocomoção, ainda que por um período determinado e limitado no tempo. Ademais, a expressão “para o interrogatório”, constante do art. 260 do CPP, tampouco foi recepcionada pela Constituição Federal, na medida em que representa uma restrição desproporcional da liberdade, visto que busca uma finalidade não adequada ao sistema processual em vigor. Além disso, mesmo para quem considere a condução coercitiva para interrogatório possível, há que se exigir a rigorosa observância da integralidade do art. 260 do CPP, ou seja, intimação prévia para comparecimento não atendida. Por fim, o relator registrou que a declaração de não recepção da condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório não tem o condão de desconstituir interrogatórios realizados até a data do julgamento em questão, mesmo que o interrogado tenha sido coercitivamente conduzido para o ato. Há que se reconhecer a inadequação do tratamento dado ao imputado, não do interrogatório em si. Argumentos internos ao processo, como a violação ao direito ao silêncio, devem ser refutados. Assim, não há necessidade de debater qualquer relação da decisão eventualmente tomada pelo STF com os casos pretéritos, inexistindo espaço para a modulação dos seus efeitos. Em seguida, o julgamento foi suspenso. (1) CPP: “Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele,não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.” (2) CPP: “Art. 367. O processo seguirá sem a presença do acusado que, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato, deixar de comparecer sem motivo justificado, ou, no caso de mudança de residência, não comunicar o novo endereço ao juízo.” ADPF 395/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 7.6.2018. (ADPF-395)” grifei (STF. Plenário. ADPF 395/DF e ADPF 444/DF. Relator Ministro Gilmar Mendes. Julgamento em 13/06/2018 e 14/06/2018 - Informativo 906). DIREITO PROCESSUAL PENAL- CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 69 1. Sim, existe diferença entre a condução coercitiva de testemunha e a de acusado ou investigado no sistema jurídico brasileiro. 2. A condução coercitiva de testemunha tem amparo no ordenamento jurídico, em razão dos arts. 330 (desobedecer a ordem legal de funcionário público) e 342 (negar ou calar a verdade) do CP e dos arts. 202, 206, 218 e 219 do CPP (possibilidade e obrigação de toda pessoa ser testemunha, salvo as causas de dispensa; requisição de sua apresentação à autoridade policial pelo juiz ou determinação de sua condução por oficial de justiça com auxílio de força policial). 3. A condução coercitiva do acusado ou investigado viola o direito fundamental ao silêncio não incriminador (art. 5º, LXIII, da CF), vertente do nemo tenetur se detegere, e viola o princípio da inocência (art. 5º, LVII, da CF) como parâmetro detratamento do acusado ou investigado, sujeito de direitos constitucionais e titular de garantias fundamentais, não objeto deacusação ou investigação, até o eventual trânsito em julgado de decisão condenatória. “2.4. Condução coercitiva Consoante disposto no art. 260 do CPP, se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença. Conquanto não listada no rol das medidas cautelares diversas da prisão nos arts. 319 e 320 do CPP, a condução coercitiva também funciona como medida cautelar de coação pessoal. Por meio dela, o acusado (ou investigado) é privado de sua liberdade de locomoção pelo lapso temporal necessário para ser levado à presença da autoridade judiciária (ou administrativa) e participar de ato processual penal (ou administrativo da investigação preliminar), no qual sua presença seja considerada imprescindível. ¿ Faz-se necessária, portanto, uma decisão escrita, prévia e motivada da autoridade judiciária competente, demonstrando a proporcionalidade da medida no caso concreto (CPP, art. 282, II) e a presença dos seguintes pressupostos: a) somatório da prova da materialidade do crime com indícios de autoria (fumus comissi delicti); b) estrita necessidade da presença física do acusado (ou investigado) em ato processual (ou administrativo) que, sem ele, não possa ser realizado; c) prévia falta injustificada de atendimento à notificação para comparecer ao sobredito ato processual penal (ou administrativo). Na medida em que a Constituição Federal e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos asseguram ao acusado o direito de não produzir prova contra si mesmo, tratando o interrogatório como meio de autodefesa, o art. 260 do CPP, que fala expressamente em possibilidade de condução coercitiva para a realização do interrogatório, precisa ser obrigatoriamente submetido a um controle de constitucionalidade e convencionalidade. Logo, reputa-se ilegal a expedição de mandado de condução coercitiva objetivando a consecução das seguintes finalidades: a) prestar declarações perante Comissão Parlamentar de Inquérito; b) comparecer à audiência una de instrução e julgamento; c) participar de reconstituição simulada do crime ou fornecer padrões gráficos ou vocais DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 70 para perícia criminal; d) fazer exame pericial de dosagem alcoólica; e) prestar declarações em Delegacia de Polícia; f) participar de acareação, etc. Noutro giro, quando se tratar de meio de prova cuja realização não demande nenhum comportamento ativo por parte do investigado (ou acusado), logo, não protegido pelo direito à não autoincriminação, é perfeitamente possível a expedição de mandado de condução coercitiva. É o queocorre, por exemplo, com o reconhecimento pessoal (CPP, art. 226) e com a identificação criminal nas hipóteses previstas em lei (Lei n. 12.037/09, art. 3º). Mesmo nessas hipóteses, em fiel observância ao princípio da proporcionalidade, a condução coercitiva será cabível apenas quando não houver nenhum outro meio de reconhecimento do acusado (v.g., fotográfico) ou esclarecimento de sua identidade (v.g., consulta a banco dedados). Por fim, na hipótese de a condução coercitiva do investigado (ou acusado) ser determinada em desacordo com os limites acima fixados, trata-se de evidente constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, a ser impugnado pela via do habeas corpus.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 4 ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora JusPodivm, 2016, pág. 659-662). “11.15.3. Condução coercitiva em caso de ausência do réu Caso o réu, intimado para comparecer no interrogatório, não o faça, há discussão sobre a possibilidade de determinação de condução coercitiva pelo magistrado. É de se notar que o próprio Código de Processo Penal, em seu art. 260, autoriza a determinação de condução coercitiva por parte do magistrado: “Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença. Parágrafo único. O mandado conterá, além da ordem de condução, os requisitos mencionados no art. 352, no que lhe for aplicável.” Guilherme Nucci, porém, entende que somente se o magistrado tiver dúvidas acerca da qualificação do acusado poderá haver a condução coercitiva, na medida em que se trata de direito do acusado, que pode exercer o direito constitucional ao silêncio. O STF, de maneira incidental, admitiu a validade do art. 260 para fins de interrogatório. No caso, o magistrado havia decretado a prisão preventiva do acusado para fins de interrogatório e o STF disse que havia outros elementos, sendo desnecessária a prisão preventiva. ... O STJ, da mesma forma, entendeu de maneira incidental a validade deste art. 260: ... Entendemos que a questão não pode ser vista unicamente do ponto de vista do direito da natureza jurídica do interrogatório (meio de defesa ou não), já outro elemento que entendemos que deva ser agregado neste debate. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 71 Isto porque a nova sistemática do júri permite o julgamento do acusado solto que não compareça ao julgamento e do acusado preso, caso haja concordância deste e de seu defensor. Ora, se o próprio legislador permitiu o julgamento sem a presença do acusado para o Plenário do Júri, esta nova sistemática apresenta alteração no sistema do art. 260. entendemos, em posição contrária à da jurisprudência, que o art. 260 não pode ser aplicado para fins de interrogatório, podendo ser feito apenas para fins de reconhecimento do acusado.” (DEZEM, Guilherme Madeira. Curso de Processo Penal. 2ed. rev., atual.e ampl. São Paulo/; Editora Revista dos Tribunais, 2016, pág. 558-559). 2ª QUESTÃO: AGNO foi condenado pela prática do delito de estupro de vulnerável à pena de 11 (onze) anos de reclusão. Inconformada, a defesa do réu interpôs recurso de apelação no qual sustentou a ocorrência de nulidade, por cerceamento do direito de defesa do acusado, tendo em vista que o depoimento da vítima, prestado em audiência, foi realizado sem a presença do réu. Em contrarrazões, o Ministério Público manifestou-se pelo desprovimento do recurso, ao fundamento de que a defesa de AGNO concordou com a oitiva da menor apenas na presença da assistente social e psicóloga, razão pela qual não há que se falar em cerceamento de defesa. Tomando como verdadeiros os argumentos apresentados pelas partes, esclareça, fundamentadamente, se assiste razão à defesa. RESPOSTA: “PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. DEPOIMENTO SEM DANO. MEDIDA EXCEPCIONAL. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 12, I E II, DA LEI 13.431/17. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. REEXAME DE FATOS. SÚMULAS 7/STJ E 282/STF. AUTORIA DOS DELITOS. ALTERAÇÃO DO JULGADO. SÚMULA 7/STJ. CRIME CONTRA OS COSTUMES. PALAVRADA VÍTIMA. RELEVÂNCIA PROBATÓRIA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Considerando o caráter manifestamente infringente da oposição, e em face do princípio da fungibilidade recursal, recebem-se os embargos de declaração como agravo regimental. 2. Assevere-se, inicialmente, que "esta Corte tem entendido justificada, nos crimes sexuais contra criança e adolescente, a inquirição da vítima na modalidade do 'depoimento sem dano', em respeito à sua condição especial de pessoa em desenvolvimento, procedimento admitido, inclusive, antes da deflagração da persecução penal, mediante prova antecipada (HC 226.179/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 8/10/2013, DJe 16/10/2013). DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 72 3. Quanto à à suscitada nulidade do interrogatório da vítima V., em decorrência do fato de sua mãe ter entrado em contato com ela no decorrer da audiência de Depoimento sem Dano - art. 12, II, da Lei 13.431/17 -, a Corte de origem, soberana na análise dos elementos fáticos e probatórios dos autos, adotando como razões de decidir o parecer da lavra do ilustre Procurador de Justiça, destacou expressamente que o acontecimento em nada interferiu no contexto probatório, na medida em que a aproximação foi apenas momentânea, não restando demonstrado, conforme quer a defesa, nenhum direcionamento por parte da genitora da ofendida no depoimento prestado pela menor, de modo que a modificação desse entendimento encontra óbice na Súmula 7 desta Corte. 4. No que tange à alegação de nulidade por violação à norma do art. 12, I, da Lei 13.431/17, sob o argumento de que foi feita a leitura de uma peça processual durante o procedimento de Depoimento Processual, verifica-se que essa questão não foi objeto de análise pelo acórdão recorrido, tampouco constou dos embargos declaratórios opostos pela defesa, faltando-lhe, assim, o requisito indispensável do prequestionamento. Aplica-se, por conseguinte, o óbice da Súmula 282/STF, segundo o qual "é inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federalsuscitada". 5. A alteração do julgado acerca das conclusões firmadas no acórdão objurgado, sobre a autoria dos crimes imputados ao réu, demandaria necessariamente o reexame dos elementos fáticos e probatórios da lide, o que não é possível nesta via especial, consoante pacífico entendimento desta Corte Superior, nos termos da Súmula 7/STJ. 6. Por fim, cumpre destacar que, de acordo com a jurisprudência desta Corte, "nos crimes contra os costumes, a palavra da vítima é de suma importância para o esclarecimento dos fatos, considerando a maneira como tais delitos são cometidos, ou seja, de forma obscura e na clandestinidade" (AgRg no AREsp 652.144/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 11/6/2015, Dje 17/6/2015). Na espécie, as vítimas prestaram depoimentos detalhados e coerentes, os quais foram corroborados pelas demais provas colhidas no curso do processo, notadamente o depoimento de seus pais e o laudo elaborado pela psicóloga do juízo. 7. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, a que se nega provimento.” grifei (STJ. Quinta Turma. AgRg no AResp 1.612.036/RS. Relator Ministro Ribeiro Dantas. Julgamento em 05/03/2020). “APELAÇÕES CRIMINAIS - ESTUPRO DE VULNERÁVEL (ART. 217-A DO CP) - SENTENÇA CONDENATÓRIA - RECURSOS DA DEFESA E DA ACUSAÇÃO. INSURGÊNCIA DEFENSIVA. PRELIMINAR - NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA - NÃO EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO PARA DEPOIMENTO DA VÍTIMA EM JUÍZO - DESCABIMENTO - REALIZAÇÃO DE "DEPOIMENTO SEM DANO" - OITIVA DA VÍTIMA VERBALIZADA PELA JUÍZA À DEFESA DO ACUSADO - NEGATIVA DA VÍTIMA EM JUÍZO JÁ UTILIZADA COMO ARGUMENTO DAS ALEGAÇÕES FINAIS - INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZOS. Justifica-se a inquirição da vítima na modalidade do 'depoimento sem dano', em respeito à sua condição especial de pessoa em desenvolvimento, procedimento aceito no STJ. Ademais, DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 73 tem-se entendido que a inércia da defesa, em situações semelhantes à presente, acarreta preclusão de eventual vício processual, mormente quando não demonstrado o prejuízo concreto ao réu, incidindo, na espécie, o art. 563 do CPP, que acolheu o princípio pas de nullité sans grief (STJ, RHC 45.589, rel. Min. Gurgel de Faria, j. em 24.02.2015). PRETENSA ABSOLVIÇÃO POR ANEMIA PROBATÓRIA - INVIABILIDADE - VÍTIMA QUE NARRA OS FATOS AOS CONSELHEIROS TUTELARES NA PRIMEIRA ABORDAGEM - POSTERIOR NEGATIVA DA VÍTIMA DECORRENTE DE POSSÍVEIS AMEAÇAS DOS GENITORES - AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA INDICANDO A OCORRÊNCIA DOS FATOS - CONDENAÇÃO MANTIDA. Tratando-se de crime praticado na clandestinidade contra a dignidade sexual, notadamente sem qualquer testemunha ocular dos fatos, as palavras da vítima assumem especial relevância, ainda mais quando as declarações são coerentes e estão amparadas em outros elementos de prova colhidos, sendo suficiente para embasar o decreto condenatório (STJ, AgRg no REsp 1.695.526/SP, rel. Min. Jorge Mussi, j. 17.05.2018). PRETENDIDA ADEQUAÇÃO DA REPRIMENDA-OFENSA ANTE A ATIPICIDADE DA CONDUTA E A DESPROPORCIONALIDADE DO CRIME IMPUTADO - ALEGAÇÃO DE QUE OS ATOS NÃO SE REVESTEM DE GRAVIDADE EQUIVALENTE À CONJUNÇÃO CARNAL - IMPERTINÊNCIA - INJUSTO INSERIDO NO MESMO TIPO PENAL. Tratando-se do crime de estupro de vulnerável, optou o legislador por punir tanto aquele que consuma a conjunção carnal quanto aquele que pratica atos diversos, não havendo que se falar em atipicidade da conduta pelo simples fato de não ter havido cópula. A dosagem da conduta deve ser feita, em respeito à individualização da pena, quando da dosimetria, de modo a enquadrar condutas mais graves a penas mais severas. ALMEJADO AFASTAMENTO DA CONDENAÇÃO POR DANOS MORAIS - IMPOSSIBILIDADE - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - DANOS MORAIS, DECORRENTE DE OFENSA À DIGNIDADE SEXUAL, INDENIZÁVEL. Nos casos de crimes contra a dignidade sexual, é possível a fixação de valor mínimoindenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória. PRISÃO DOMICILIAR - POSTULADA A MANUTENÇÃO - ANÁLISE A SER FEITA PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO - RECLAMO NÃO CONHECIDO NO PONTO. É inviável conhecer do pleito de concessão de prisão domiciliar porque a pretensão deve ser dirigida ao Juízo da Execução Penal (TJSC, ACr n. 0005031-16.2012.8.24.0073, rel. Des. Sérgio Rizelo, j. em 05.09.2017). RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA PREVISTA NO ART. 71 DO CP - MAJORAÇÃO NA FRAÇÃO CORRESPONDENTE A 1/6 (UM SEXTO) - POSSIBILIDADE - DECLARAÇÕES DA VÍTIMA EM CONSONÂNCIA COM AS PROVAS CARREADAS AO FEITO. Embora não seja possível precisar o número exato de vezes, considerando a tenra idade da vítima, fica evidente por meio dos depoimentos iniciais aos conselheiros, prestados livres de qualquer DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 74 interferência externa ou mácula, que os atos perpetrados pelo réu ocorreram em mais de uma oportunidade, circunstâncias que impõem a majoração, ainda que em sua fração menor. RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO - RECURSO DA ACUSAÇÃO PROVIDO.” grifei (TJSC. Quarta Câmara Criminal. Apelação Criminal n. 0001692-26.2017.8.24.0024. Relator Des. Luiz Antônio Zanini Fornerolli. Julgamento em 28/11/2019). “HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. FALTA DE CABIMENTO. PRETENSÃO DE QUE SE DETERMINE A OITIVA DAS VÍTIMAS EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. SUPERVENIÊNCIA DESENTENÇA CONDENATÓRIA E DE ACÓRDÃO DECORRENTE DO JULGAMENTO DO RECURSO DEAPELAÇÃO, NA QUAL A TESE FOI REBATIDA PELO TRIBUNAL ESTADUAL. PERDA DO OBJETO. INEXISTÊNCIA, ADEMAIS, DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OITIVA DAS VÍTIMAS POR MEIO DE PROFISSIONAL HABILITADO E EM LOCAL DIFERENCIADO.HIPÓTESE DE "DEPOIMENTO SEM DANO", ADMITIDA PELA JURISPRUDÊNCIA DESTE SUPERIOR TRIBUNAL. PROTEÇÃO DA VÍTIMA MENOR, EM CONDIÇÃO PECULIAR DE PESSOA EM DESENVOLVIMENTO. PONDERAÇÃO. PREVALÊNCIA SOBRE A PUBLICIDADE. 1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não admitem mais a utilização do habeas corpus como sucedâneo do meio processual adequado, seja o recurso, seja a revisão criminal, salvo em situações excepcionais. 2. Apesar de se ter solidificado o entendimento no sentido da impossibilidade de utilização do habeas corpus como substitutivo do recurso cabível, este Superior Tribunal analisa, com adevida atenção e caso a caso, a existência de coação manifesta à liberdade de locomoção, não tendo sido aplicado o referido entendimento de forma irrestrita, de modo a prejudicar eventual vítima de coação ilegal ou abuso de poder e convalidar ofensa à liberdade ambulatorial. 3. Evidenciada a prolação de sentença condenatória, que, inclusive, foi confirmada em segundo grau de jurisdição, perde o objeto a impetração, destinada ao reconhecimento de nulidade decorrente da oitiva das vítimas em audiência de instrução, uma vez que os argumentos do acórdão não foram objeto da insurgência. 4. Ainda que assim não fosse, este Superior Tribunal, na linha do entendimento externado pelo Tribunal a quo, tem reiteradamente decidido que, nos crimes sexuais praticados, em tese, contra crianças e adolescentes, a inquirição da vítima por meio de profissional preparado e em ambiente diferenciado, denominado "depoimento sem dano", não configura nulidade ou constrangimento ilegal à liberdade de locomoção do acusado. Precedentes. 5. Trata-se de medida excepcional, destinada a evitar que as vítimas sejamsubmetidas aos traumas da violência sexual, em tese, perpetrada pelo agressor, devendo prevalecer sobre a publicidade do ato processual, considerando-se, sobretudo, a condição peculiar das vítimas, DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 75 de pessoas em desenvolvimento, nos termos do art. 227 da Constituição da República, c/c o art. 3º, parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente. 6. Writ não conhecido.” grifei (STJ. Sexta Turma. HC 244.559/DF. Relator Ministro Sebastião Reis Júnior. Julgamento em 07/04/2016). “PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIOEM HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. OITIVA DA VÍTIMA MEDIANTE "DEPOIMENTO SEM DANO". CONCORDÂNCIA DA DEFESA. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. 1. Esta Corte tem entendido justificada, nos crimes sexuais contra criança e adolescente, a inquirição da vítima na modalidade do "depoimento sem dano", em respeito à sua condição especial de pessoa em desenvolvimento, procedimento admitido, inclusive, antes da deflagração da persecução penal, mediante prova antecipada (HC 226.179/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 08/10/2013, DJe 16/10/2013). 2. A oitiva da vítima do crime de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A), em audiência de instrução, sem a presença do réu e de seu defensor não inquina de nulidade o ato, por cerceamento ao direito de defesa, se o advogado do acusado aquiesceu àquela forma de inquirição, delanão se insurgindo, nem naquela oportunidade, nem ao oferecer alegações finais. 3. Além da inércia da defesa, que acarreta preclusão de eventual vício processual, não restou demonstrado prejuízo concreto ao réu, incidindo, na espécie, o disposto no art. 563 do Código de Processo Penal, que acolheu o princípio pas de nullité sans grief. Precedentes. 4. A palavra da vítima nos crimes contra a liberdade sexual, que geralmente são praticados na clandestinidade, assume relevantíssimo valor probatório, mormente se corroborada por outros elementos (AgRg no AREsp 608.342/PI, Rel. Ministro WALTER DE ALMEIDA GUILHERME (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), QUINTA TURMA, julgado em 03/02/2015, DJe 09/02/2015). 5. No caso, além do depoimento da vítima, o magistrado sentenciante, no decreto condenatório, considerou o teor dos testemunhos colhidos em juízo e o relatório de avaliação da menor realizado pelo Conselho Municipal para formar seu convencimento. 6. Recurso ordinário desprovido.” grifei (STJ. Quinta Turma. RHC 45.589/MT. Relator Ministro Gurgel de Faria.Julgamento em 24/02/2015 - Informativo 556, STJ). Importante destacar os ensinamentos do doutrinador Renato Brasileiro de Lima, a saber: DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 76 “5.4.1. Testemunhas vulneráveis e depoimento sem dano Testemunha vulnerável é aquela pessoa que, em virtude de suas próprias condições pessoais, ou em face da natureza da infração penal praticada contra ela, pode ser intimidada com facilidade, tornando-se incapaz de prestar declarações com liberdade, caso venha a prestar depoimento na presença física do acusado. Nesse conceito estão incluídas não apenas aquelas pessoas listadas no art. 217-A do Código Penal - menores de 14 anos, enfermos ou deficientes mentais que não tenham o necessário discernimento para a prática de ato sexual, ou que, por qualquer outra causa, não possa oferecer resistência -, como também idosos e testemunhas ou vítimas de crimes cometidos no contexto familiar ou de núcleo social fechado. Devido às peculiaridades dessas testemunhas, alguns ordenamentos estabelecem mecanismos que dispensam o comparecimento delas na sessão de julgamento, admitindo em juízo gravações de suas declarações extrajudiciais, ou instituindo procedimentos especiais, cujo propósito é evitar o encontro delas com o acusado, na sala de audiências, afete sua intimidade ou liberdade de declarar. Diferencia-se da testemunha anônima, pois, em relação a esta, impede-se o acusado e seu defensor técnico de verem a testemunha, para preservar a verdadeira identidade dela.com relação à testemunha vulnerável, o acusado e seu defensor conhecem a verdadeira identidade da testemunha, podendo observar seu comportamento e linguagem corporal ao prestar depoimento; a testemunha é que não vê o acusado. O CPP não tem dispositivo expresso acerca do depoimento de vulneráveis (...). No Rio Grande do Sul, foi instituído procedimento para a colheita de declarações de crianças intitulado depoimento sem dano, cujo objetivo é a proteção psicológica das vítimas infantis, evitando-se que elas sejam revitimizadas por sucessivas inquirições, nos âmbitos administrativo, policial e judicial. Essa audiência é realizada, de forma simultânea, em duas salas interligadas por circuito audiovisual interno. Em recinto reservado, a vítima presta depoimento a uma psicóloga ou assistente social. Na sala de audiências ficam os demais sujeitos processuais. O magistrado faz a inquirição por intermédio do profissional que se encontra com a vítima, evitando a exposição desta última aos demais participantes do ato processual, notadamente o acusado. Ademais, é efetuada gravação desse ato processual em um compact disc, o qual é degravado e acostado aos autos do processo judicial, junto com degravação. Como se vê, na hipótese de depoimento de vulneráveis, haverá evidente restrição à publicidade do ato processual, justificada pelo dever estatal de proteção às testemunhas. Essa hipótese de publicidade restrita não é incompatível com a Constituição Federal. Afinal, é aprópria Carta Magna que autoriza que a lei possa limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e seus advogados, ou somente a estes, em casos em que haja interesse social (CF, art. 93, IX, c/c art. 5º, LX). No caso de depoimentos de vulneráveis, o interesse social caracteriza-se pela necessária proteção à integridade física, psíquica e emocional da testemunha, considerada sua condição peculiar, assim como pela necessidade de se evitar a revitimização do depoente, ocasionada por sucessivas inquirições sobre o mesmo fato delituoso, seja na fase investigatória, seja na fase processual. Porém, conquanto haja restrição à presença do acusado, afigura-se obrigatória a presençado defensor quando da produção da prova testemunhal. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 77 Sobre o assunto, a novidade fica por conta do Projeto de Lei n. 156/09, que visa à reforma do Código de Processo Penal, o qual passará a dispor de maneira expresssa sobre o depoimento de vulneráveis em seus arts. 189, 190 e 191. ... Não negamos a possibilidade de inquirição de testemunhas vulneráveis através do denominado “depoimento sem dano”. Porém, com a devida vênia à 5ª Turma do STJ, reputamos inadmissível que a defesa técnica seja privada da possibilidade de fazer reperguntas à testemunha por intermédio do profissional que se encontra em contato imediato com o vulnerável.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 4 ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora JusPodivm, 2016, pág. 688-689). DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 78 Tema 08: Prova Pericial: Corpo de delito. Objeto. Corpo de delito direto e indireto. Nomeação dos peritos - suas funções. Contraditório e Direito de Defesa na prova pericial. Formalização dos quesitos. Avaliação e conferência da prova diante de exames periciais. Intervenções corporais e os limites assegurados pelo princípio do nemo tenetur se detegere. Novos tipos de prova e sua credibilidade (DNA, e-mail, suportes informáticos e vídeos). 1ª QUESTÃO: CHICLETE foi denunciado e processado pela prática de estupro de vulnerável, sob a acusação de ter praticado atos libidinosos diversos da conjunção carnal com a criança JOSIANE, de 08 (oito) anos de idade, consistente em acariciar e beijar a vagina da infante. No transcorrer da instrução, sobreveio aos autos o laudo de exame pericial a que foi submetida a vítima, com "resposta prejudicada" para os questionamentos realizados quanto à ocorrência de atos libidinosos, muito embora a prova testemunhal tenha sido robusta e harmoniosa no sentido da sua prática. Em alegações finais, a defesa de CHICLETE pleiteou a sua absolvição sob o fundamento da ausência de comprovação da materialidade delitiva, diante da inexistência de laudo de exame pericial positivo. Com base na situação hipotética acima descrita, esclareça, fundamentadamente, se assiste razão à defesa. RESPOSTA: Não assiste razão à defesa, tendo em vista que o fato do laudo pericial ter resultado inconclusivo é insuficiente para extirpar, de plano, a materialidade do crime descrito na questão. Frise-se que a prática de atos libidinosos, diferentemente da cópula vagínica ou coito anal, não deixam vestígios a serem constatados por meio de exame de corpo de delito, afastando, com isso, a indispensabilidade do laudo, exigida no artigo 158 do Código de Processo Penal. No caso em comento, a comprovação pode ser feita por outros meios, como, por exemplo, pelas declarações da própria vítima, que se reveste de relevante valor probante, além de depoimentos testemunhais e relatório psicológico. “AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DESPROVIMENTO. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO CRIMINAL. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. VIA INADEQUADA. DESPROVIMENTO DO RECLAMO. 1. Em sede de habeas corpus e de recurso ordinário em habeas corpus somente deve ser obstada a ação penal se restar demonstrada, de forma indubitável, a atipicidade da conduta, a ocorrência de DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 79 circunstância extintiva da punibilidade e a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito. 2. Estando a decisão impugnada em total consonância com o entendimento jurisprudencial firmado por este Sodalício, não há que se falar em trancamento da ação penal, pois, de uma superficial análise dos elementos probatórios contidos no reclamo, não se vislumbra estarem presentes quaisquer das hipóteses que autorizam a interrupção prematura da persecução criminal por esta via, já que seria necessário o profundo estudo das provas, as quais deverão ser oportunamente valoradas pelo juízo competente. 3. Não há qualquer ilegalidade no fato de a acusação referente aos crimes contra a dignidade sexual estar lastreada no depoimento prestado pela ofendida, já que tais ilícitos geralmente são cometidos fora da vista de testemunhas, e muitas vezes sem deixar rastros materiais, motivo pelo qual a palavra da vítima possui especial relevância. Precedentes. 4. A ausência de constatação de vestígios de violência sexual na perícia realizada na vítima é insuficiente para afastar a comprovação da materialidade delitiva, uma vez que, consoantea narrativa contida na denúncia, o réu não chegou a com ela praticar conjunção carnal, o que, frise-se, sequer é necessário para a consumação do delito pelo qual foi acusado. Precedentes. 5. Agravo regimental desprovido.” grifei (STJ. Quinta Turma. AgRg no RHC 109.966/MT. Relator Ministro Jorge Mussi. Julgamento em 11/04/2019). “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PRISÃO APÓS CONDENAÇÃO EM SEGUNDO GRAU. LEGALIDADE. REFORMATIO IN PEJUS. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES DO STF E STJ. ATOS LIBIDINOSOS DIVERSOS DA CONJUNÇÃO CARNAL. AUSÊNCIA DE VESTÍGIOS NO LAUDO PERICIAL. IRRELEVÂNCIA. PRECEDENTES. CONDENAÇÃO BASEADA NOS ELEMENTOS DE PROVA COLHIDOS NOS AUTOS E NA PALAVRA DA VÍTIMA. SÚMULA 7/STJ. INOVAÇÃO QUANTO AO DESCONHECIMENTO DA IDADE DA VÍTIMA. QUESTÃO QUE DEMANDA PROVA E CONTRADITÓRIO, INVIÁVEL DE SER SUSCITADA EM RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Segundo a recente orientação do STF, seguida por ambas as Turmas desta Corte, a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal (HC 126.292, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, j. em 17/2/2016, DJe 17/5/2016 e ARE 964.246/SP, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, j. 11/22/2016, em regime de repercussão geral, DJe 25/11/2016). 2. Esta Corte firmou o entendimento de que não há falar em reformatio in pejus ou ilegalidade na determinação de início de cumprimento da pena pelo Tribunal estadual, pois a prisão decorrente de acórdão condenatório encontra-se entre as competências do Juízo revisional e independe de recurso DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 80 da acusação, somente podendo ser sustada se concedido efeito suspensivo a eventual recurso especial interposto. 3. O simples fato de o laudo pericial concluir pela ausência de vestígios de prática sexual, não afasta, por si só, a materialidade do delito, atéporque a consumação do referido crime pode ocorrer com aprática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal, como no caso concreto. Precedentes. 4. A tese de ausência de tipicidade da conduta, porquanto o réu não teria conhecimento da idade da vítima não foi suscitada durante o curso da instrução criminal ou no recurso de apelação. Inviável o acolhimento da pretensão quando já julgada a demanda, pela necessidade de efetivo contraditório a respeito do tema, mormente em sede de recurso especial, em razão do óbice da Súmula 7/STJ. Precedentes. 5. É inviável a análise, no âmbito do recurso especial, de teses que, por sua própria natureza, demandam dilação probatória, como a de ausência de provas de autoria. As provas dos autos foram apreciadas durante a instrução criminal, sob o crivo do contraditório, não sendo esta a via adequada para a sua revisão, em razão do óbice da Súmula n. 7/STJ. Precedentes. 6. Agravo regimental desprovido.” grifei (STJ. AgRg no AResp 1.162.046/SP. Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Julgamento em 07/11/2017). 2ª QUESTÃO: MELKÃ GURUR, interpõe recurso especial contra acórdão proferido em apelação criminal,porque o referido acórdão determinou que o recorrente deveria cumprir pena de 2 anos e 6 meses de reclusão, em regime semiaberto, mais multa, pela prática do crime previsto no art. 155, §4º, II, c/c o art. 61, I, do Código Penal. MELKÃ alega que o acórdão recorrido diverge de precedentes do STJ quanto à interpretação do art. 171 do Código de Processo Penal, uma vez que a jurisprudência daquela Corte considera que a qualificadora da escalada só pode ser comprovada por meio de exame pericial, que constatará os vestígios da conduta criminosa. O recorrente sustenta que, ante a presença de vestígios, o laudo pericial é necessário e não pode ser substituído por depoimento de testemunhas, requerendo o provimento do recurso para afastar a qualificadora do furto. Como deve ser julgado o presente recurso? RESPOSTA: “AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. FURTO QUALIFICADO CONSUMADO E FURTO SIMPLES TENTADO EM CONCURSO MATERIAL. ILEGALIDADE NA INCIDÊNCIA DA QUALIFICADORA DA DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 81 ESCALADA POR AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL. POSSIBILIDADE. OUTROS ELEMENTOS APTOS A COMPROVAR A ESCALADA. AÇÃO DELITIVA QUE FOI FILMADA. PRECEDENTES. CONTINUIDADE DELITIVA ENTRE OS FURTOS. INVIABILIDADE. AUSÊNCIA DE SEMELHANÇA NO MODUS OPERANDI DAS CONDUTAS. REITERAÇÃO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DA MOLDURA FÁTICA E PROBATÓRIA DOS AUTOS. INVIABILIDADE NA VIA PROCESSUAL ELEITA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. - Nos casos em que a infração deixa vestígio, por imperativo legal (art. 158 do CPP), é necessária a realização do exame de corpo de delito direto ou indireto. - Todavia, no caso dos autos, as instâncias de origem relataram que a qualificadora da escalada restou demonstrada, indene de dúvidas - pelas imagens da câmara de segurança que gravou o paciente escalando os andares inferiores, da garagem até alcançar uma laje técnica, utilizada para instalação de aparelhos de ar condicionado, o que lhe permitiu ter acesso à sacada do quarto do apartamento da vítima -, tanto foi assim, que a vítima relatou que foi por meio da televisão que noticiava sua prisão e mostrava suas fotos, que lhe possibilitou identificá-lo como o autor do furto em sua própria residência, pelas imagens que já possuía dele, as quais detalhavam, inclusive, uma tatuagem que o agente possuía no braço direito e estava bem nítida na filmagem do circuito interno de TV do condomínio. - Esta Corte de Justiça já se manifestou no sentido de que, excepcionalmente, quando presentes nos autos elementos aptos acomprovar a escalada de forma inconteste, pode-se reconhecer o suprimento da prova pericial, notadamente in casu, tendo em vista que, toda a ação delitiva foi filmada com detalhes e pôde atestar, de forma cabal, que o paciente praticou a referida qualificadora para ter acesso ao imóvel da vítima. Precedentes. - A continuidade delitiva afigura-se quando as circunstâncias de modo, tempo e lugar da prática dos ilícitos apresentam relação de semelhança e unidade de desígnios, acarretando o reconhecimento do desdobramento da prática criminosa. Ademais, considerando a teoria mista, adotada por esta Corte Superior, a configuração do crime continuado depende tanto do preenchimento dos requisitos objetivos - mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução - como também da demonstração da existência de unidade de desígnios entre os delitos praticados. Precedentes. - In casu, as instâncias de origem reconheceram que as condutas foram praticadas com desígnios absolutamente autônomos, pois o furto da bicicleta somente ocorreu com o intuito de facilitar a fuga do local, tanto assim, que o paciente a pegou no estacionamento do prédio e, não conseguindo passar pelo portão de saída, por haver sido surpreendido por uma moradora do edifício, abandonou-a e pulou o muro do condomínio para se evadir com os demais pertences. - Desse modo, não houve nenhuma semelhança no modus operandi das condutas perpetradas, haja vista que para praticar o primeiro furto foi necessário o uso de escalada para ter acesso ao apartamento da vítima, enquanto para o segundo, apenas se apropriar da bicicleta. Não havendo, portanto, nenhuma ilegalidade na aplicação do concurso material de crimes. - Agravo regimental não provido.” grifei DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 82 (STJ. Quinta Turma. AgRg no HC 556.549/SC. Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Julgamento em 23/02/2021). “PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. FURTO DUPLAMENTE QUALIFICADO. QUALIFICADORAS MANTIDAS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que a incidência das qualificadoras previstas no art. 155, § 4º, inciso I e II, do Código Penal exige examepericial para a comprovação do rompimento de obstáculo e da escalada, somente admitindo-se prova indireta quando justificada a impossibilidade de realização do laudo direto. Nesse sentido: AgRg no REsp 1.513.004/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 1º/10/2015, Dje 7/10/2015; AgRg no HC 300.808/TO, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 17/3/2015, Dje 26/3/2015. 2. No caso, considerando o decurso de prazo entre o fato delitivo e o exame, foi confeccionada perícia indireta dos vestígios no local do crime, na qual foi atestado que a janela do alçapão da obra estava parcialmente danificada e que o cadeado estava no chão totalmente destruído, o que implicou reconhecimento do arrombamento, além de ter sido constado que a escalada seria a única maneira de ingressar no imóvel. Importa destacar, ainda, que a perícia restou assinada por dois peritos. 3 Além do auto de constatação, a incidência das qualificadoras foi reconhecida com fundamento em testemunhos e pela confissão do réu - que admitiu durante o inquérito e em juízo ter arrombado parcialmente uma janela e quebrado um cadeado, além de ter escalado o muro do imóvel -, elementos probantes admitidos pela jurisprudência desta Corte Superior para a incidência do inciso art. 155, § 4º, I e II, do Código Penal. 4. Agravo regimental desprovido.” grifei (STJ. Quinta Turma. AgRg no HC 573.801/MS. Relator Ministro Ribeiro Dantas. Julgamento em 18/08/2020). “HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO PELA ESCALADA. COMPROVAÇÃO POR CONFISSÃO E PROVA TESTEMUNHAL. IMPOSSIBILIDADE. EXAME PERICIAL. IMPRESCINDIBILIDADE. AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Consoante orientação jurisprudencial desta Corte, o reconhecimento da qualificadora da escalada, prevista no art. 155, §4°, II, do Código Penal, exige a realização de exame pericial, o qual somente pode ser substituído por outros meios probatórios quando inexistirem vestígios, o corpo de delito houver desaparecido ou as circunstâncias do crime não permitirem a confecção do laudo. 2. Não tendo sido mencionada nenhuma dassituações que dispensam a confecção do laudo pericial, a qualificadora da escalada deve ser afastada. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 83 3. Habeas Corpus concedido para afastar a qualificadora disposta no inciso II do § 4º do art. 155 do Código Penal.” grifei (STJ. Sexta Turma. HC 557.197/MS. Relator Ministro Nefi Cordeiro. Julgamento em 18/02/2020). “PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. FURTO QUALIFICADO. ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO RECONHECIDO APENAS COM BASE EM PROVA TESTEMUNHAL. AUSÊNCIA DE PERÍCIA. QUALIFICADORA AFASTADA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA PARCIAL. INCIDÊNCIA DA ATENUANTE. COMPENSAÇÃO PARCIAL ENTRE A RECIDIVA E A CONFISSÃO ESPONTÂNEA. PENA REVISTA. REGIME PRISIONAL FECHADO MANTIDO. WRIT NÃO CONHECIDO E ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimentoda impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. No que tange à dosimetria, a individualização da pena é submetida aos elementos de convicção judiciais acerca das circunstâncias do crime, cabendo às Cortes Superiores apenas o controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, a fim de evitar eventuais arbitrariedades. Destarte, salvo flagrante ilegalidade, o reexame das circunstâncias judiciais e os critérios concretos de individualização da pena mostram-se inadequados à estreita via do habeas corpus, poisexigiriam revolvimento probatório. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que a incidência da qualificadora prevista no art. 155, § 4º, I, do Código Penal exige exame pericial para a comprovação do rompimento de obstáculo, somente admitindo-se prova indireta quando justificada a impossibilidade de realização do laudo direito, o que não restou explicitado nos autos. 4. No julgamento do Recurso Especial Representativo de Controvérsia n. 1.341.370/MT, em 10/4/2013, a Terceira Seção firmou o entendimento de que, observadas as especificidades do caso concreto, "é possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência". 5. O concurso entre circunstância agravante e atenuante de idêntico valor redunda em afastamento de ambas, ou seja, a pena não deverá ser aumentada ou diminuída na segunda fase da dosimetria. Todavia, tratando-se de réu multirreincidente deve ser reconhecida a preponderância da agravante prevista no art. 61, I, do Código Penal, sendo admissível a sua compensação proporcional com a atenuante da confissão espontânea, em estrito atendimento aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 84 6. Descabe falar em compensação integral entre a atenuante da confissão espontânea e a agravante da recidiva, considerando que a ré ostenta duas condenações transitadas em julgado a serem valoradas na segunda etapa do cálculo dosimétrico. 7. Em pese tenha sido imposta reprimenda inferior a 4 anos de reclusão, tratando-se de ré reincidente, à qual foi estabelecida pena-base acima do piso legal, não há falar em fixação do regime prisional semiaberto, por não restarem preenchidos os requisitos do art. 33, § 2º, "b", do CP. 8. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, a fim de estabelecer a pena da paciente em 1 ano e 9 meses de reclusão, ficando mantido o regime prisional fechado para o desconto da reprimenda.” grifei (STJ. Quinta Turma. HC 499.690/SP. Relator Ministro Ribeiro Dantas. Julgamento em 02/04/2019). “PENAL - CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO - FURTO QUALIFICADO - ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO - AUSÊNCIA DE LAUDO - PENA BASE - MAUS ANTECEDENTES - REINCIDÊNCIA - REGIME - CUSTAS Para a incidência da qualificadora de rompimento deobstáculo, que deixa vestígios, segundo pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, com a qual o relator tem reservas, é imprescindível a comprovação por laudopericial, a teor do art. 158 do CPP, não bastando a simples confissão do acusado, certo que não houve o desaparecimento dos vestígios a justificar a aplicação do artigo 167 do mesmo diploma legal. No caso presente, não houve exame pericial confirmando o rompimento do cordão de aço que protegia a bicicleta subtraída pelo acusado, não sendo suficiente o depoimento da lesada e testemunhas, devendo a conduta ser desclassificada para o furto simples. O regime de pena deve ser aplicado de acordo com a orientação dos artigos 33 e 59 do Código Penal, devendo o juiz valorar a necessidade da penade acordo com a sua quantidade, mas, também, quanto à sua qualidade. No caso presente, considerando a natureza do crime que foi praticado sem violência ou grave ameaça, não sofrendo a vítima prejuízo patrimonial, abrando o regime de pena para o aberto, não se mostrando suficiente como resposta penal à substituição da PPL por PRD. A condenação ao pagamento das custas processuais decorre da norma do artigo 804 do CPP, devendo possível isenção no pagamento respectivo ser objeto de apreciação no juízo da execução, tratando-se de matéria já sumulada neste Tribunal (súmula 74 do TJRJ).” grifei (TJRJ. Primeira Câmara Criminal. Apelação n. 0262221-37.2017.8.19.0001. Relator Des. Marcus Henrique Pinto Basílio. Julgamento em 31/07/2018). “PROCESSO PENAL E PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AMBIGUIDADE, OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO E/OU OMISSÃO. OCORRÊNCIA. QUALIFICADORA DE ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. IMPRESCINDIBILIDADE DE PERÍCIA DIRETA. EMBARGOS ACOLHIDOS COM EFEITOS INFRINGENTES. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 85 1. Os embargos de declaração são cabíveis nas hipóteses de haver ambiguidade, obscuridade, contradição e/ou omissão (artigo619 do Código de Processo Penal). 2. É assente neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que o reconhecimento das qualificadoras de rompimento deobstáculo e de escalada no delito de furto requisita a realização de exame pericial direto, somente substituível por outros meios de prova quando não existirem ou desaparecerem os vestígios ou, ainda, se as circunstâncias do crime não permitirem a confecção do laudo. 3. Logo, se era possível a realização da perícia, como no caso concreto dos autos, e esta não ocorreu de acordo com as normas pertinentes (art. 159 do CPP), a prova testemunhal, a confissão do acusado e o exame indireto não suprem a sua ausência. 4. Embargos de declaração acolhidos, a fim sanar a omissão apontada, com efeitos infringentes, tão somente para afastar a causa de aumento do rompimento de obstáculo para a configuração do delito de furto qualificado.” grifei (STJ. Sexta Turma. EDcl no HC 408.471/MS. Relatora Ministra Maria Therezade Assis Moura. Julgamento em 19/10/2017). “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. FURTO QUALIFICADO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 158, 167 E 171, TODOS DO CPP. DESTRUIÇÃO OU ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO À SUBTRAÇÃO DA COISA. CRIME QUE DEIXA VESTÍGIO. PERÍCIA DIRETA.IMPRESCINDIBILIDADE. AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA. PRECEDENTES. 1. Para o Superior Tribunal de Justiça, a qualificadora da destruição ou rompimento de obstáculo só pode ser aplicada ao crime de furto mediante realização de exame pericial, tendo em vista que, por ser infração que deixa vestígio, é imprescindível a realização de exame decorpo de delito direto, por expressa imposição legal. 2. A substituição do laudo pericial por outros meios de prova apenas pode ocorrer se o delito não deixar vestígios, se estes tiverem desparecido ou, ainda, se as circunstâncias do crime não permitirem a confecção do laudo, o que não foi demonstrado no presente caso. 3. Agravo regimental desprovido.” grifei (STJ. Sexta Turma. AgRgno Resp 1.637.802/MG. Relator Ministro Sebastião Reis Júnior. Julgamento em 28/03/2017). Tema 09: Prisões cautelares: Regramento constitucional. Principiologia das prisões cautelares: Jurisdicionalidade; Provisionalidade; Provisoriedade; Excepcionalidade; Proporcionalidade. Pressupostos e requisitos da prisão cautelar: adequação e motivação. Duplo juízo: legalidade DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 86 e necessidade. Modalidades da prisão cautelar. Lei 12.403/11. Prisão preventiva: cabimento e decretação. Prisão Domiciliar. 1ª QUESTÃO: SALOMÃO HAYALLA foi preso em flagrante, no âmbito e diligência policial de busca e apreensão autorizada judicialmente, ante a suposta prática dos delitos previstos no artigo 33 da Lei 11.343/2006 e artigo 12 da Lei 10.826/2003. O magistrado assentou ocorrida situação reveladora de flagrante, porém deixou de homologar o auto, sob o fundamento de que o delegado de polícia lavrou-o sem a presença de advogado do custodiado. Determinou, ainda, a prisão preventiva de SALOMÃO HAYALLA,uma vez que imprescindível à garantia da ordem pública. Irresignada, a defesa de SALOMÃO HAYALLA impetrou habeas corpus perante o Tribunal de Justiça, no qual afirmou a ocorrência de constrangimento ilegal do paciente, tendo em vista que a prisão preventiva foi implementada, de ofício, na fase investigativa, contrariando, assim, o disposto no art. 311 do Código de Processo Penal. Salientou, por oportuno, a inexistência de representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público. Com base na situação hipotética acima descrita, esclareça, fundamentadamente, se a ordem deve ser concedida. RESPOSTA: “PRISÃO PREVENTIVA - FLAGRANTE - CONVERSÃO DE OFÍCIO - ILEGALIDADE - AUSÊNCIA. Atendidos os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, a conversão de flagrante em preventiva independe de provocação do Estado-acusador ou da autoridade policial. PRISÃO PREVENTIVA - TRÁFICO DE DROGAS - GRADAÇÃO. A gradação do tráfico de drogas revela estar em jogo a preservação da ordem pública.” grifei (STF. Primeira Turma. HC 174.102/RS. Relator Ministro Marco Aurélio. Julgamento em 18/02/2020). “HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. NULIDADE DA PREVENTIVA. NÃO OCORRÊNCIA. CONVERSÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE EM PREVENTIVA. ART. 310, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. LEGALIDADE. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. MODUS OPERANDI. DISPAROS DE TIRO EM LOCAL PÚBLICO. NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E DE ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. INAPLICABILIDADE DE MEDIDA CAUTELAR DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 87 ALTERNATIVA. FLAGRANTE ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração não deve ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal - STF e do próprio Superior Tribunal de Justiça - STJ. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável a análise do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal que justifique a concessão da ordem de ofício. 2. Embora o art. 311 do CPP, aponte a impossibilidade de decretação da prisão preventiva, de ofício, pelo Juízo, é certo que, da leitura do art. 310, II, do CPP, observa-se que cabe ao Magistrado, ao receber o auto de prisão em flagrante, proceder a sua conversão em prisão preventiva, independentemente de provocação do Ministério Público ou da Autoridade Policial, desdeque presentes os requisitos do art. 312 do CPP, exatamente como se verificou na hipótese dos autos, não havendo falar em nulidade quanto ao ponto. 3. Considerando a natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a possibilidade da sua imposição quando evidenciado, de forma fundamentada e com base em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos no art.312 do Código de Processo Penal - CPP. Deve, ainda, ser mantida a prisão antecipada apenas quando não for possível a aplicação de medida cautelar diversa, nos termos do previsto no art. 319 do CPP. In casu, verifica-se que a prisão preventiva do paciente foi adequadamente motivada, tendo sido demonstrada, com base em elementos concretos, a periculosidade do agente ante o modus operandi da conduta delitiva, haja vista que o paciente, em razão de desavença com o dono do bar que lhe negou uma cerveja, sacou uma arma de fogo e efetuou diversos disparos em sua direção, acertando os tiros no portão do estabelecimento e na orelha esquerda de outra pessoa que estava no local, recomendando-se a sua custódia cautelar para garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal. Impende consignar, por oportuno, que, conforme orientação jurisprudencial desta Corte, o modo como o crime é cometido, revelando a gravidade em concreto da conduta praticada, constitui elemento capaz de demonstrar o risco social, o que justifica a decretação da prisão preventiva para garantia da ordem pública. 4. As condições favoráveis do paciente, por si sós, não impedem a manutenção da prisão cautelar quando devidamente fundamentada. Precedentes. 5. São inaplicáveis quaisquer medidas cautelares alternativas previstas no art. 319 do CPP, uma vez que as circunstâncias do delito evidenciam a insuficiência das providências menos gravosas. 6. Habeas corpus não conhecido.” grifei (STJ. Quinta Turma. HC 581.811/MG. Relator Ministro Joel Ilan Paciornik. Julgamento em 04/08/2020). 2ª QUESTÃO: DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 88 SÓSTENES foi preso em flagrante pela suposta prática do delito previsto no art. 157, §2º, II, do Código Penal, sendo a segregação convertida em prisão preventiva durante audiência de custódia. Encerrada a instrução criminal, o magistrado proferiu sentença e condenou SÓSTENES à pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, sendo-lhe negado o direito de recorrer em liberdade, já que persistem os mesmos motivos declarados no momento da decretação da prisão preventiva. Inconformada com a manutenção da prisão preventiva na sentença, a defesa de SÓSTENES impetrou habeas corpus perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que denegou a ordem, ao fundamento de que a decisão precedente demonstrou a necessidade da medida extrema. Com base na situação hipotética acima descrita, esclareça, fundamentadamente, se a decisão do Tribunal está correta. RESPOSTA: “HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. 65 KG DE MACONHA. AUSÊNCIA DE DEMORA NA ANÁLISE DO MÉRITO DA IMPETRAÇÃO. PRISÃO PREVENTIVA. QUANTIDADE DE DROGAS. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. DELITO PRATICADO PERANTE TRÊS CRIANÇAS QUE SE ENCONTRAVAM NO BANCO TRASEIRO DO VEÍCULO. FUNDAMENTAÇÃO. INDICAÇÃO DE ELEMENTOS CONCRETOS. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. AUSÊNCIA DE MANIFESTA ILEGALIDADE. PARECER ACOLHIDO. 1. As Turmas Criminais do STJ receberam, em 2017, 84.256 mil processos; em 2018, 100.760 mil processos; em 2019, 117.159 mil processos; em 2020, 124.276 mil processos; e, em 2021, até o dia 31 de abril, 43.999 processos. Nesse toar, se o ritmo permanecer o mesmo, receberemos 131.997 processos criminais neste ano. Apenas neste gabinete, no mês de maio de 2021, foram recebidos 865 processos, sendo 506 Habeas Corpus e 146 Recursos em Habeas Corpus, o que totaliza 652 processos com tramitação prioritária. Ademais, destes 652 processos, 568 continham pedido liminar. Por sua vez, este gabinete recebe uma média de 40 a 45 Habeas Corpus por dia, sendo que, destes, 30 possuem pedido liminar. Não se descuida da previsão de tramitação prioritária prevista no Regimento Interno do STJ. Contudo, como acima demonstrado, a grande maioria dos processos recebidos pelas Turmas Criminais desta Corte são Habeas Corpus. Sendo assim, dentro desse grande conjunto de processos que constituem os Habeas Corpus, as liminares possuem prioridade, e, após elas, os processos mais antigos. O fato é que, enquanto as impetrações cuidarem de teses superadas ou serem carentes de documentos que comprovem, de plano, o direito reclamado; as partes, incluindo o Ministério Público, continuarem a interpor recursos fadados ao insucesso; enquanto perdurar a mentalidade punitiva que, infelizmente, domina o Direito Penal brasileiro, onde a prisão é sempre vista como a solução mais eficaz para o combate à criminalidade; e enquanto os Tribunais e Juízes se recusarem a aplicar os entendimentos pacificados tanto no âmbito deste Tribunal quanto do Supremo Tribunal Federal, prazos como o pretendido pela defesa (julgamento após dois dias da data em que oferecido o parecer do Ministério Público ou inserção para julgamento em mesa na primeira sessão seguinte à conclusão do recurso) não passarão de mera utopia. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 -CPII - 2º PERÍODO 2021 89 2. O art. 387, § 1º, do Código de Processo Penal dispõe que o Juiz deve decidir, por ocasião da prolação da sentença, de maneira fundamentada, acerca da manutenção ou, se for o caso, da imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento daapelação interposta. 3. A manutenção da constrição cautelar está baseada em elementos vinculados à realidade, pois as instâncias ordinárias fizeram referências às circunstâncias fáticas justificadoras, destacando a quantidade do entorpecente apreendido (65 Kg de maconha), além do fato de que o delito foi praticado na presença de três crianças, revelando, assim, a gravidade in concreto da conduta, apta a justificar a manutenção da medida extrema. 4. Ressalta-se o desvalor da conduta, haja vista que o paciente conduzia veículo, de Dourados/MS com destino a Bauru/SP, contendo 75 tijolos de maconha no interior do para-choque traseiro, no interior dos bancos dianteiro e traseiro e no interior de duas portas do veículo, na presença de três crianças que se encontravam no banco traseiro. 5. In casu, não há falar em prisão automática, decorrente de sentença condenatória, já que a prisão preventiva está devidamente fundamentada, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. 6. Por fim, quanto à alegação de que a quantidade de drogas, quando se trata de "mula", por si só, não é motivo suficiente para a manutenção da prisão preventiva, verifica-se que tal argumento não foi discutido na Corte a quo, razão pela qual sua análise, nesta instância, constituiria indevida supressão de instância. 7. Ordem denegada.” grifei (STJ. Sexta Turma. HC 648.666/SP. Relator Ministro Sebastião Reis Júnior. Julgamento em 22/06/2021). “RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA MANTIDA NA SENTENÇA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. MODUS OPERANDI. REINCIDENTE ESPECÍFICO. GRAVIDADE CONCRETA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. REGIME INICIAL SEMIABERTO. NEGATIVA DE RECORRER EM LIBERDADE. ILEGALIDADE. ADEQUAÇÃO DAPRISÃO CAUTELAR AO REGIME INTERMEDIÁRIO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, seguindo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, passou a não admitir o conhecimento de habeas corpus substitutivo de recurso previsto para a espécie. No entanto, deve-se analisar o pedido formulado na inicial, tendo em vista a possibilidade de se conceder a ordem de ofício, em razão da existência de eventual coação ilegal. 2. No caso, é legítima a manutenção da prisão cautelar na sentença condenatória porquanto amparada no modus operandi dos delitos, revelador da periculosidade social do agente (dois assaltos praticados em circunstâncias distintas, mediante emprego de arma de fogo e concurso de agentes, com participação de menores e reconhecimento pelas vítimas) e na possibilidade DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 90 concreta de reiteração delitiva (reincidente específico). Adequação aos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, para fins de garantia da ordem pública. 3. Tendo a sentença condenatória fixado o regime prisional semiaberto para o início do cumprimento da pena do recorrente, deve a sua prisão provisória ser compatibilizada ao regime imposto, sob pena de tornar mais gravosa a situação daquele que opta por recorrer do decisum (HC 441.358/MG, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 11/09/2018, DJe 17/09/2018). 4. Recurso conhecido e provido para, confirmando a medida liminar, com parecer favorável do Ministério Público Federal, determinar que o paciente aguarde, ao menos o exaurimento da jurisdição das instâncias ordinárias, em estabelecimento adequado ao regime prisional fixado pelo Juízo sentenciante (o semiaberto), salvo se por outro motivo estiver preso; ou, na ausência de vaga, aguarde, em regime aberto ou domiciliar, o surgimento dessa, mediante as condições impostas pelo Juízo daExecuçãoPenal.” grifei (STJ. Quinta Turma. RHC 98.469/MG. Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Julgamento em 02/10/2018). Trecho do acórdão acima transcrito: “Ocorre que, embora o Juiz de primeiro grau tenha fixado o regime semiaberto para o início do cumprimento da pena, negou ao paciente o direito de apelar emliberdade. ... Fixar o regime semiaberto e negar ao paciente o direito de apelar em liberdade representa a imposição de um regime prisional mais gravoso do aquele que foi estabelecido na sentença condenatória, caso ele opte por exercer o direito constitucional ao duplo grau de jurisdição.” “PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONDENAÇÃO O REGIME ABERTO. NEGATIVA DO DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. INCOMPATIBILIDADE. É incompatível a imposição/manutenção de prisão preventiva na sentença condenatória a réu condenado a cumprir a pena no regime inicial diverso do fechado, notadamente quando não há recurso da acusação quanto a este ponto. Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário para garantir aos recorrentes o direito de recorrerem em liberdade, salvo se por outro motivo estiverem presos, sem prejuízo da imposição de outras medidas cautelares diversas da prisão preventiva previstas no art. 319 do CPP.” grifei (STJ. Quinta Turma. RHC 89.961/MG. Relator Ministro Felix Fischer. Julgamento em 21/10/2018). DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 91 “HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. SUBSTITUTIVO DE RECURSO CONSTITUCIONAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CRIMES DE ROUBO MAJORADO E DE CORRUPÇÃO DE MENORES. SENTENÇA CONDENATÓRIA. REGIME PRISIONAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PRISÃO PREVENTIVA. MOTIVAÇÃO GENÉRICA E ABSTRATA. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. 1. Contra acórdão exarado em recurso ordinário em habeas corpus remanesce a possibilidade de manejo do recurso extraordinário previsto no art. 102, III, da Constituição Federal. Diante da dicção constitucional, inadequada a utilização de novo habeas corpus, em caráter substitutivo. 2. Inviável a apreciação de questão não examinada pelo Superior Tribunal de Justiça, sob pena de indevida supressão de instância. 3. O decreto de prisão cautelar há de se apoiar nas circunstâncias fáticas do caso concreto, evidenciando que a soltura ou amanutenção emliberdade do agente implicará risco à ordem pública, à ordem econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal (CPP, art. 312). 4. A motivação genérica e abstrata, sem elementos concretos ou base empírica idônea a amparar o decreto prisional, esbarra na jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Federal, que não lhe reconhece validade. Precedentes. 5. Habeas corpus extinto sem resolução de mérito, mas com concessão de ofício da ordem, para revogar a prisão preventiva do paciente, sem prejuízo da imposição, pelo magistrado de primeiro grau, se assim o entender, das medidas cautelares ao feitio legal.” grifei (STF. Primeira Turma. HC 130.916/SP. Relatora Ministra Rosa Weber. Julgamento em 26/04/2016). “PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FURTO. PENA FIXADA EM 9 MESES. REGIME INICIAL ABERTO. NEGATIVA DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. PREVENTIVA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. REINCIDENTE. RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. COMPATIBILIDADE ENTRE A PRISÃO CAUTELAR E O REGIME MENOS GRAVOSO. NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. I - A segregação cautelar deve ser considerada exceção, já que tal medida constritiva só se justifica caso demonstrada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal. II - Na hipótese, a manutenção do decreto prisional encontra-se devidamente fundamentado em dados concretos extraídos dos autos, haja vista ser o recorrente reincidente: "extrai-se o risco concreto à ordem pública, uma vez que, conforme emerge de sua certidão de antecedentescriminais (CAC), desta comarca, o mesmo é useiro e vezeiro na prática de crimes contra o patrimônio", circunstância apta a justificar a segregação cautelar pelo risco de reiteração delitiva. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 92 III - Estabelecido na sentença condenatória o regime aberto para o início do cumprimento da pena, deve o recorrente aguardar o julgamento do recurso de apelação em tal regime, compatibilizando-se a prisão cautelar com o modo de execução determinado na sentença condenatória. Recurso ordinárionão provido. Ordemconcedida, de ofício, para determinar que o recorrente aguarde o julgamento de eventual recurso de apelação no regime aberto, salvo se por outro motivo não estiver preso.” grifei (STJ. Quinta Turma. RHC 84.560/MG. Relator Ministro Felix Fischer. Julgamento em 12/12/2017). “RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PRISÃO PREVENTIVA. MAUS ANTECEDENTES. CONTUMÁCIA DELITIVA.FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. SUPERVENIÊNCIA DE CONDENAÇÃO. AUSÊNCIA DE NOVOS FUNDAMENTOS. PRISÃO FIXADA EM REGIME SEMIABERTO. NECESSIDADE DE COMPATIBILIZAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. A privação antecipada da liberdade do cidadão acusado de crime reveste-se de caráter excepcional em nosso ordenamento jurídico (art. 5º, LXI, LXV e LXVI, da CF). Assim, a medida, embora possível, deve estar embasada em decisão judicial fundamentada (art. 93, IX, da CF), que demonstre a existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Exige- se, ainda, na linha perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que a decisão esteja pautada em motivação concreta, vedadas considerações abstratas sobre a gravidade do crime. 2. Para a Quinta Turma desta Corte, a sentença condenatória que mantém a prisão cautelar do réu somente constitui novo título judicial se agregar novos fundamentos, com base no art. 312 do Código de Processo Penal. 3. Hipótese na qual as instâncias ordinárias demonstraram a presença dos requisitos autorizadores da segregação cautelar na hipótese em tela, em especial devido à periculosidade do recorrente, manifestada na sua contumácia delitiva, uma vez que ostenta condenação anterior pelo mesmo crime em questão e, não obstante estar cumprindo pena em regime aberto, voltou a delinquir. 4. As circunstâncias que envolvem o fato demonstram à saciedade que outras medidas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal não surtiriam o efeito almejado para a proteção da ordem pública. 5. Nos termos da orientação jurisprudencial desta Corte, uma vez condenado em regime mais brando e negado o direito de apelar em liberdade, deve-se assegurar ao réu o direito de aguardar o trânsito em julgado de sua condenação no regime prisional estabelecido na sentença. 6. Recurso desprovido. Ordem concedida de ofício para compatibilizar a segregação cautelar com regime menos gravoso estabelecidos na sentença.” grifei DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 93 (STJ. Quinta Turma. RHC 84.758/MG. Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Julgamento em 27/06/2017). DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 94 Tema 10: Prisão temporária: Lei 7.960/89. Prisão em flagrante: Natureza jurídica. Garantias constitucionais relacionadas ao flagrante. Medida de natureza Pré-Cautelar. Fases da prisão em flagrante (captura, formalização e prisão propriamente dita). Sujeitos ativo e passivo. Análise das espécies. Requisitos e Defeitos. Garantias Processuais e Constitucionais. Legalidade dos flagrantes Forjado, Provocado, Preparado, Esperado e Protelado (ou Diferido). Elaboração do APF. 1ª QUESTÃO: ANTÔNIO encontrava-se jogando biriba com seus amigos em uma praça na esquina do quarteirão onde reside, local conhecido por haver constante tráfico de drogas. Em certo instante, ele avistou uma viatura policial que passava por uma rua próxima e, como já tinha antecedentes criminais, pretendendo evitar uma abordagem na frente de seus parceiros, saiu correndo, evadindo-se da praça. Os policiais acharam aquela cena estranha e empreenderam perseguição a ANTÔNIO, que adentrou sua residência. Diante da impetuosa reação de ANTÔNIO, os policiais matutaram: "Algo de errado não está certo", e decidiram invadir o seu domicílio, encontrando na residência 10g de crack, 20g cocaína e 20g de maconha. Imediatamente, ANTÔNIO foi preso em flagrante pelo crime do artigo 33 da Lei 11.343/06 e encaminhado à Delegacia. Lavrado o APF, o delegado remeteu os respectivos documentos ao Juízo, que, sem realização de audiência de custódia, converteu o flagrante em prisão preventiva, nos termos do artigo 310, II, do CPP. Você, como juiz, decida se a prisão em flagrante é legal ou deve ser relaxada. RESPOSTA: A prisão deve ser relaxada, uma vez que ausente um dos requisitos para se adentrar na residência sem mandado judicial. No caso em tela não há fundadas razões aptas a legitimar a invasão de domicílio sem autorização judicial. “O art. 33 da Lei de Drogas prevê algumas condutas que são permanentes, como, por exemplo, a de expor à venda, ter em depósito, transportar, trazer consigo e guardar. Essa natureza permanente de algumas modalidades do tráfico de drogas traz consigo algumas consequências, a saber: ... 2) Violação domiciliar independentemente de prévia autorização judicial: em seu art. 5º, XI, a própria Constituição Federal autoriza a violação ao domicílio nos casos de flagrante delito, seja durante o dia, seja durante a noite, e independentemente de prévia autorização judicial. Em relação aos crimes permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 95 Logo, estando o agente em situação de flagrância no interior de sua casa, e desde que haja justa causa nesse sentido, será possível a violação ao domicílio mesmo sem mandado judicial. O próprio Código Penal, em seu art. 150, §3º, inciso II, dispõe que não constitui crime de violação de domicílio a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser. Nesses casos, para que a polícia possa adentrar em uma residência, sem mandado judicial, exige-se aquilo que se costuma chamar de “causa provável” (no direito norte-americano, probable cause), ou seja, quando os fatos e as circunstâncias permitiriam a uma pessoa razoável acreditar ou ao menos suspeitar, com elementos concretos, que um crime está sendo cometido no interior da residência. Aliás, em recente julgado, o Supremo admitiu que não há ilegalidade na prisão em flagrante realizada por autoridade policial baseando-se em notícia anônima. A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, portanto, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que, dentro da casa, havia situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados. Nessa medida, deve ser considerada arbitrária a entrada forçada em domicílio sem uma justificativa conforme o direito, ainda que, posteriormente, seja constatada a existência de situação de flagrante no interior daquela casa. Enfim, deve haver um controle a posteriori, exigindo-se dos agentes estatais a demonstração de que a medida fora adotada mediante justa causa, ou seja, que havia elementos para caracterizar a suspeita de flagrante delito no interior daquele domicílio, autorizando, pois, o ingresso forçado, independentemente de prévia autorização judicial. Emsíntese, o modelo probatório deve ser o mesmo da busca e apreensão domiciliar, que pressupõe a presença de fundadas razões (CPP, art. 240, §1º), as quais, logicamente, devem ser exigidas de maneira modesta e compatívelcomomomento em questão. Nessa linha, aos olhos da 6ª Turma do STJ, não configura justa causa apta a autorizar invasão domiciliar a mera intuição da autoridade policial de eventual traficância praticada por indivíduo, fundada unicamente em sua fuga do local supostamente conhecido como ponto de venda de drogas ante iminente abordagem policial. (...) Na hipótese em que o acusado encontra-se em local supostamente conhecido como ponto de venda de drogas, e, ao avistar o patrulhamento policial, empreende fuga até sua residência (por motivos desconhecidos) e, em razão disso, é perseguido por policiais, sem, contudo, haver um contexto fático do qual se possa concluir (ou, ao menos, ter-se fundada suspeita), que no interior da residência também ocorre uma conduta criminosa, a questão da legitimidade da atuação policial, ao invadir o domicílio, torna-se extremamente controversa. Assim, ao menos que se possa inferir, de fatores outros que não a mera fuga ante a iminente abordagem policial, que o evasor esteja praticando crime de tráfico de drogas, ou outro de caráter permanente, no interior da residência onde se homiziou, não haverá razão séria para a mitigação da inviolabilidade do domicílio, ainda que haja posterior descoberta e apreensão de drogas no interior da residência - circunstância que se mostrará meramente acidental -, sob pena de esvaziar-se a franquia constitucional do art. 5º, XI. O que se tem, portanto, é apenas a intuição acerca de eventual traficância praticada pelo recorrido, o que, embora pudesse autorizar abordagem policial, em via pública, para averiguação, não configurou, por si só, “fundadas razões” a autorizar o ingresso em seu domicílio, sem o seu consentimento e sem determinação judicial.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 6 ed. rev., ampl. e atual. Bahia: Editora JusPodivm, 2018, pág. 1.018-1.019). DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 96 “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA E APREENSÃO DOMICILIAR. INEXISTÊNCIA DE MANDADO JUDICIAL. INGRESSO FORÇADO NA RESIDÊNCIA. NULIDADE. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. AGRAVO REGIMENTAL E RECURSO ESPECIAL PROVIDOS. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial é legítimo quando baseado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, nointerior da casa, situação de flagrante delito. 2. As instâncias ordinárias consignaram que, já tendo ocorrido prévia prisão por tráfico de drogas no mesmo local, "a entrada na residência, na data dos fatos, se deu porque, novamente, receberam a informação da ocorrência de tráfico de drogas e, ao chegarem ao portão do imóvel, o acusado notou a presença da polícia e tentou empreender fuga, no que foi detido. Assim, evidente que a incursão policial não se deu exclusivamente por conta da informação anônima recebida". 3. Poder-se-ia admitir que no caso haveria a exceção ao postulado da inviabilidade de domicílio, por ter ocorrido denúncia acerca da ocorrência de tráfico de drogas no local que, segundo os policiais, já era conhecido como ponto de tráfico, tendo inclusive havido outra prisão dias antes dos fatos, além da fuga do paciente, que, ao avistar a presença policial, pulou vários muros, sendo abordado e detido dentro do imóvel de número 371 (da mesma rua). 4. Esse quadro de excepcionalidade não justifica a violação do art. 5º, XI, da Constituição. O fato de tratar-se, na versão dos policiais, de ponto de tráfico, e de ter havido, dias antes, no mesmo local, a prisão de outra pessoa pelo mesmo fato, além da fuga do acusado, ao avistar os policiais, não quer dizer que a sua residência deixasse de ter a proteção constitucional, e que passasse a ser de entrada franca para os policiais. 5. A despeito da explicação das vias ordinárias, a hipótese, no rigor dos termos, não dispensaria o mandado judicial para o ingresso na residência onde veio a ser localizada a droga - 41 porções de crack, a maioria embalada de idêntica àquelas apreendidas com o acusado; 22 porções de maconha, 20 pinos de cocaína e uma balança digital 13 -, não podendo prevalecer o ingresso forçado, nem as provas daí oriundas, também ilegítimas (art. 5º, LVI - CF e art. 157, caput e § 1º - CPP). 6. Agravo regimental provido. Provimento do recurso especial. Nulidade da prova, com a absolvição do acusado.” grifei (STJ. Sexta Turma. AgRg no AResp 1.764.054/SP. Relator Ministro Olindo Menezes. Julgamentoem 15/06/2021). “AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. INVASÃO DOMICILIAR EFETUADA POR POLICIAIS MILITARES SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. DENÚNCIA ANÔNIMA E FUGA DO SUSPEITO PARA O INTERIOR DE SUA RESIDÊNCIA AO AVISTAR A VIATURA POLICIAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 97 NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS NA BUSCA E APREENSÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da Corte Suprema, também passou a restringir as hipóteses decabimentodo habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso ou ação cabível, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus. (AgRg no HC 437.522/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 07/06/2018, DJe 15/06/2018) 2. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes) DJe 8/10/2010). Nessa linha de raciocínio, o ingresso em moradia alheia depende, para sua validade e sua regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio. Precedentes desta Corte. 3. "[...] a mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso e policiais no domicílio indicado, estando, ausente, assim, nessas situações, justa causa para a medida." (HC 512.418/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 26/11/2019, DJe03/12/2019.) 4. A existência de denúncia anônima de tráfico de drogas no local associada ao avistamento de um indivíduo correndo para o interior de sua residência não constituem fundamento suficiente para autorizar a conclusão de que, na residência em questão, estava sendo cometido algum tipo de delito, permanente ou não. Necessária a prévia realização de diligências policiais para verificar averacidadedas informações recebidas (ex: "campana que ateste movimentação atípica na residência"). Precedentes: RHC 89.853/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 18/02/2020, DJe 02/03/2020; RHC 83.501/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 06/03/2018, DJe 05/04/2018; REsp 1.593.028/RJ, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 10/03/2020, DJe17/03/2020. 5. No caso concreto, a leitura do auto de prisão em flagrante demonstra que os policiais militares adentraram a residência do paciente sem sua prévia permissão e sem prévia autorização judicial, baseados apenas em denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, e no fato de que, ao ver a viatura policial, o Paciente teria corrido para o interior de sua residência. 6. Reconhecida a ilegalidade da entrada da autoridade policial no domicílio do paciente sem prévia autorização judicial, a prova colhida na ocasião (uma sacola plástica contendo uma porção fracionadade maconha correspondente a 47,22 gramas) deve ser considerada ilícita. 7. Já tendo havido condenação do paciente no primeiro grau de jurisdição, deve a sentença ser anulada, caso não existam outras DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 98 provas independentes a sustentar a condenação. 8. Agravo regimental do Ministério Público Federal a que se nega provimento.” grifei (STJ. Quinta Turma. AgRg no HC 530.272/SP. Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Julgamento em 09/06/2020). “RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. TRANCAMENTO DO PROCESSO. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕESCONSTITUCIONAIS.INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INVASÃO DE DOMICÍLIO PELA POLÍCIA. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA. LICITUDE DAS PROVAS OBTIDAS. RECURSO EM HABEAS CORPUS NÃO PROVIDO. 1. O trancamento do processo no âmbito de habeas corpus é medida excepcional, somente cabível quando demonstrada a absoluta ausência de provas da materialidade do crime e de indícios de autoria, a atipicidade da conduta ou a existência de causa extintiva da punibilidade, situações não caracterizadas nos autos. 2. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que oingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). 3. Uma vez que havia fundadas razões que sinalizavam a ocorrência de crime e porque evidenciada, já de antemão, hipótese de flagrante delito, mostra-se regular o ingresso da polícia no domicílio do acusado, sem autorização judicial e sem o consentimento do morador. Havia, no caso, elementos objetivos e racionais que justificaram a invasão de domicílio, motivo pelo qual são lícitas todas as provas obtidas por meio do ingresso em domicílio, bem como todas as que delasdecorreram, porquanto a referida medida foi adotada em estrita consonância com a norma constitucional. 4. Recurso especial não provido. grifei (STJ. Sexta Turma. RHC 108.410/PB. Relator Ministro Rogério Schietti Cruz. Julgamento em 07/05/2019). “RECURSO ESPECIAL. POSSE OU PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INVASÃO DE DOMICÍLIO PELA POLÍCIA. NECESSIDADE DE JUSTA CAUSA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA.ABSOLVIÇÃO QUE SE MOSTRA DEVIDA. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 99 1. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). 2. Em nenhum momento, foi explicitado, com dados objetivos docaso, em que consistiria eventual atitudesuspeita por parte do acusado, externalizada em atos concretos. Não há referência a prévia investigação, monitoramento ou campanas no local. Também não se tratava de averiguação de denúncia robusta e atual acerca da existência de arma de fogo e de munições no interior da residência (aliás, os policiais militares receberam informações anônimas sobre a possível prática do crime de tráfico de drogas no local, sem nenhuma referência a eventual cometimento do delito descrito no art. 16 do Estatuto do Desarmamento). 3.Uma vez que não há nem sequer como inferir, de fatores outros que não o mero ingresso do acusado em sua residência ante a iminente abordagem policial, que o recorrido estivesse praticando delito de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, ou mesmo outro ato de caráter permanente, no interior da residência onde se homiziou, entendo não haverrazãoséria para a mitigação da inviolabilidade do domicílio, ainda que tenha havido posterior descoberta e apreensão, na residência do acusado, de um revólver calibre 38, de uso permitido, com numeração raspada, municiado comseis cartuchos de igual calibre, sob penade esvaziar-se essa franquia constitucional da mais alta importância. 4. No caso, houve apenas a intuição acerca de eventual crime praticado pelo ora recorrido, o que, embora pudesse autorizar abordagem policial, em via pública, para averiguação, não configurou, por si só, "fundadas razões" a autorizar o ingresso em seu domicílio, sem o seu consentimento e sem determinação judicial. 5. Recurso especial não provido.” grifei (STJ. Sexta Turma. Resp 1.498.689/RS. Relator Ministro Rogério Schietti Cruz. Julgamento em 27/02/2018). “RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INVASÃO DE DOMICÍLIO PELA POLÍCIA. NECESSIDADE DE JUSTA CAUSA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. ABSOLVIÇÃO DO AGENTE. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental relativo à inviolabilidade domiciliar, ao dispor que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial". 2. Ainviolabilidade de sua morada é uma das expressões do direito à intimidade do indivíduo, o qual, na companhia de seu grupo familiar espera DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 100 ter o seu espaço de intimidade preservado contra devassas indiscriminadas e arbitrárias, perpetradas sem os cuidados e os limites que a excepcionalidade da ressalva a tal franquia constitucional exigem. 3. O ingresso regular de domicílio alheio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio. 4. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelascircunstâncias docaso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes) DJe 8/10/2010). 5. O direito à inviolabilidade de domicílio, dada a sua magnitude e seu relevo, é salvaguardado em diversos catálogos constitucionais de direitos e garantias fundamentais, a exemplo da Convenção Americana de Direitos Humanos, cujo art. 11.2, destinado, explicitamente, à proteçãoda honra e da dignidade, assim dispõe: "Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação." 6. A complexa e sofrida realidade social brasileira sujeita as forças policiais a situações de risco e à necessidade de tomada urgente de decisões no desempenho de suas relevantes funções, o que há de ser consideradoquando, no conforto de seus gabinetes, realizamos os juízes o controle posterior das ações policiais. Mas,não se há de desconsiderar, por outra ótica, que ocasionalmente a ação policial submete pessoas a situações abusivas e arbitrárias, especialmente as que habitam comunidades socialmente vulneráveis e de baixa renda. 7. Se, por um lado, a dinâmica e a sofisticação do crime organizado exigem uma postura mais enérgica por parte do Estado, por outro, a coletividade, sobretudo a integrada por segmentosdas camadas sociaismais precárias economicamente, também precisa sentir-se segura e ver preservados seus mínimos direitos e garantias constitucionais, em especial o de não ter a residência invadida, a qualquer hora do dia, por policiais, sem as cautelas devidas e sob a única justificativa, não amparada em elementos concretos de convicção, de que o local supostamente seria um ponto de tráfico de drogas, ou que o suspeito do tráfico ali se homiziou. 8. A ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativas à ocorrência de tráfico de drogas, pode fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à inviolabilidade domiciliar. 9. Tal compreensão não se traduz, obviamente, em transformar o domicílio em salvaguarda de criminosos, tampouco um espaço de criminalidade. Há de se convir, no entanto, que só justifica o ingresso no domicílio alheio a situação fática emergencial consubstanciadora de flagrante delito, incompatível com o aguardo do momento adequado para, mediante mandado judicial, legitimar a entrada na residência ou local de abrigo. 10. Se é verdade que o art. 5º, XI, da Constituição Federal, num primeiro momento, parece exigir a emergência da situação para autorizar o ingresso em domicílio alheio sem prévia autorização judicial DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 101 - ao elencar hipóteses excepcionais como o flagrante delito, casos de desastre ou prestação de socorro -, também é certo que nem todo crime permanente denota essa emergência. 11. Na hipótese sob exame, o acusado estava em local supostamente conhecido como ponto de venda de drogas, quando, ao avistar a guarnição de policiais, refugiou-se dentro de sua casa, sendo certo que, após revista em seudomicílio, foram encontradas substâncias entorpecentes (18 pedras de crack). Havia, consoante se demonstrou, suspeitas vagas sobre eventual tráfico de drogas perpetrado pelo réu, em razão, única e exclusivamente, do local em que ele estava no momento em que policiais militares realizavam patrulhamento de rotina e em virtude de seu comportamento de correr para sua residência, conduta que pode explicar-sepordiversos motivos, não necessariamente o de que o suspeito cometia, no momento, ação caracterizadora de mercancia ilícita de drogas. 12. A mera intuição acerca de eventual traficância praticada pelo recorrido, embora pudesse autorizar abordagem policial, em via pública, para averiguação, não configura, por si só, justa causa a autorizar o ingresso em seu domicílio, sem o consentimento do morador - que deve ser mínima e seguramente comprovado - e sem determinação judicial. 13. Ante a ausência de normatização que oriente e regule o ingresso em domicílio alheio, nas hipóteses excepcionais previstas no Texto Maior, há de se aceitar com muita reserva a usual a afirmação - como ocorreu na espécie - de que o morador anuiu livremente ao ingresso dos policiais para a busca domiciliar, máxime quando a diligência não é acompanhada de qualquer preocupação em documentar e tornar imune a dúvidas a voluntariedade do consentimento. 14. Em que pese eventual boa-fé dos policiais militares, não havia elementos objetivos, seguros e racionais, que justificassem a invasão de domicílio. Assim, como decorrência da Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada (ou venenosa, visto que decorre da fruits of the poisonous tree doctrine, de origem norte-americana), consagrada no art. 5º, LVI, da nossa Constituição da República, é nula a prova derivada de conduta ilícita - no caso, a apreensão, apósinvasão desautorizada do domicílio do recorrido, de 18 pedras de crack -, pois evidente o nexo causal entre uma e outra conduta, ou seja, entre a invasão de domicílio (permeada de ilicitude) e a apreensão de drogas. 15. Recurso especial não provido, para manter aabsolvição do recorrido.” grifei (STJ. Sexta Turma. Resp 1.574.681/RS. Relator Ministro Rogério Schietti Cruz. Julgamento em 20/04/2017). “Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio - art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 102 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período dodiaé aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos - flagrante delito, desastre ou para prestar socorro - a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5,XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6. Fixada ainterpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só élícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência defundadasrazões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso.” grifei (STF Tribunal Pleno. RE 603.616/RO. Relator Ministro Gilmar Mendes. Julgamento em 05/11/2015). 2ª QUESTÃO: Considerando os dispositivos da Lei 12.403/2011, que promoveu alterações no Código de Processo Penal relativas à prisão processual, discorra sobre a natureza jurídica da prisão em flagrante diante da nova roupagem processualpenal, abordando, necessária e fundamentadamente, as justificativas doutrinárias que defendem a sua cautelaridade e as que defendem a sua pré-cautelaridade. RESPOSTA: GABARITO FORNECIDO PELA BANCA: DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 103 Mesmo com a alteração do art. 310 do CPP pela Lei 12.403/2011, parte da doutrina continua a sustentar a prisão em flagrante como medida cautelar, que se perfaz como ato jurídico com a atuação de dois órgãos estatais distintos (autoridade policial e juiz). Defendem os doutrinadores que os pressupostos gerais das cautelares (fumus boni iuris e periculum in mora) estão presentes desde o momento da prisão em flagrante, assim como as características das medidas cautelares, como a jurisdicionalidade, acessoriedade, preventividade e provisoriedade. Além disso, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, LXI, prevê que os cidadãos podem ser presos em flagrante ou por ordem judicial, o que fundamenta a prisão em flagrante como medida autônoma e cautelar, até a sua conversão em prisão preventiva ou a concessão de liberdade provisória. O próprio CPP, após as alterações legislativas, ainda intitula a prisão em flagrante como medida cautelar, no art. 283, § 1º, in verbis: Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. § 1º As medidas cautelares previstas neste título não se aplicam à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade. Alguns autores, no entanto, atribuem pré-cautelaridade à prisão em flagrante em razão de esta ser realizada por autoridade administrativa, não tendo o condão de servir de título autônomo da prisão, sendo necessário que ela seja homologada pela autoridade judiciária e convertida em prisão preventiva, quando presentes os seus pressupostos legais ou a sua substituição por medidas cautelares diversas (arts. 310, II, parte final, e 319 do CPP). Assim, se a prisão em flagrante deve ser homologada pelo juiz e convertida em prisão preventiva, fica claro que, uma vez realizada a prisão em flagrante, esta deve ser desconstituída ou substituída por outra medida (a própria preventiva ou medida cautelar diversa), não mais persistindo a sua natureza cautelar. É mero ato jurídico de natureza administrativa, porquanto antecede uma medida cautelar principal e porque cessará com a decisão judicial que a converterá em preventiva, caso se entenda pela sua manutenção, ou pela concessão de liberdade provisória, caso sua manutenção seja desnecessária. Autores que defendem a cautelaridade: Fernando da Costa Tourinho Filho, Guilherme de Souza Nucci, Paulo Rangel, Eugenio Pacelli e Douglas Fisher,entreoutros. Autores que defendem a pré-cautelaridade: Aury Lopes Júnior, Luiz Flávio Gomes, Fernando Capez, Afrânio Jardim. COMPLEMENTAÇÃO DO GABARITO: DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 104 “Se a prisão em flagrante já não é mais capaz de justificar, por si só, a subsistência da prisão do agente, cuja necessidade deve ser aferida à luz da presença de uma das hipóteses que autorizam a prisão preventiva, discute-se na doutrina acerca de sua verdadeira natureza jurídica: medida de caráter precautelar, ato administrativo, e, portanto, espécie de prisão administrativa, ou prisão cautelar? Sem embargo de opiniões em sentido contrário, pensamos que a prisão em flagrante tem caráter precautelar. Não se trata de uma medida cautelar de natureza pessoal, mas sim precautelar, porquanto não se dirige a garantir o resultado final do processo, mas apenas objetiva colocar o capturado à disposição do juiz para que adote uma verdadeira medida cautelar: a conversão em prisão preventiva (ou temporária), ou a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, cumulada ou não com as medidas cautelares diversas da prisão. Esse entendimento, quanto a sua natureza jurídica de medida precautelar, ganha reforço com a entrada em vigor da Lei n. 12.403/11, que passa a prever que, recebido o auto de prisão em flagrante, e verificada sua legalidade, terá o juiz duas opções: converter a prisão em flagrante em preventiva, a qual é espécie de medida cautelar, ou conceder liberdade provisória com ou sem fiança, impondo as medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, observados os critérios do art. 282. Fica patente, assim, que a prisão em flagrante coloca o preso à disposição do juiz para a adoção de uma medida cautelar, daí porque deve ser considerada como medida de natureza precautelar. Em outra linha, há doutrinadores que entendem que a natureza jurídica da prisão em flagrante é de ato administrativo tão somente, não possuindo natureza jurisdicional, sendo inviável querer situá-la como medida processual acautelatória com a qual se determina a prisão de alguém. Com esse entendimento, Walter Nunes da Silva Júnior sustenta que “o que ocorre com a prisão em flagrante é, tão somente, a detenção do agente, a fim de que o juiz, posteriormente, decida se a pessoa deve ser levada, ou não, à prisão. Com isso, se quer dizer que não há, propriamente, uma prisão em flagrante como espécie de medida acautelatória processual penal. O flagrante delito se constitui e justifica apenas a detenção, cabendo ao juiz, após a análise por meio da leitura do auto de prisão em flagrante, definir se a prisão preventiva deve, ou não, ser decretada”. Prevalece, todavia, o entendimento de que a prisão em flagrante é espécie de prisão cautelar, ao lado da prisão preventiva e temporária. Perfilha desse entendimento Tourinho Filho, que inclui a prisão em flagrante entre as prisões cautelares de natureza processual. Há, ainda, o entendimentodeJosé Frederico Marques, para quem a prisão de natureza cautelar subdivide-se em duas espécies: prisão penal cautelar administrativa e prisão penal cautelar processual, dependendo da autoridade que a decreta. A prisão penal cautelar administrativa é aquela decretada ainda na fase pré-processual, pelo Delegado de Polícia, em razão de investigado apanhado em flagrante delito. Tal prisão, entretanto, muito embora tenha inicialmente natureza administrativa, torna-se posteriormente de natureza processual, pois projeta consequências na relação processual que se estabelece no juízo penal. Por sua vez, a prisão penal cautelar processual é aquela decretada pelo juiz e se destina a tutelar os meios e fins do processo penal de conhecimento, de modo a assegurar a eficácia da decisão a ser prolatada ao final e possibilitar a normalidade da instrução probatória e da ordem pública e econômica.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Nova Prisão Cautelar. 3 ed. rev, ampl e atual. Bahia: Editora JusPodivm, 2014, pág. 183-185). DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 105 “Mais recentemente, com as mudanças da Lei n. 12.403/2011, a prisão em flagrante deixou de ser uma modalidade autônoma de prisão cautelar, tornando-se apenas um momento inicial, pré- jurisdicional, da prisão preventiva ou de outra medida cautelar alternativa à prisão. Será uma medida transitória, efêmera, sem aptidão para subsistir autonomamente, razão pela qual não é mais correto considerá-la uma modalidade de prisão cautelar. Aliás justamente por isso, como se verá, parte da doutrina vem tratando-a como prisão pré-cautelar. Ou seja, atualmente, existem como modalidades autônomas de prisão cautelar apenas a prisão preventiva e a prisão temporária. (...) Depois destes momentos em que o ato se realiza perante a autoridade policial, ganha relvo, com a reforma da Lei n. 12.403/2011, a verificação judicial da prisão em flagrante, nos termos do art. 310, caput, do CPP. Em seu novo regime, a prisão em flagrante se restringirá a um momentoinicial de imposição de medida cautelar de prisão. Justamente por isso, tem sido considerada uma “pré- cautela”. Em outras palavras, a prisão em flagrante somente subsistirá entre a lavratura do auto de prisão em flagrante e a análise judicial da legalidade da prisão e da necessidade de manutenção de prisão cautelar ou de sua substituição por medida diversa da prisão.” (BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, pág. 716 e 725). “4.1. Por que a Prisão em Flagrante não Pode, Por Si Só, Manter Alguém Preso? Compreendendo sua Pré-cautelaridade. A doutrina brasileira costuma classificar a prisão em flagrante, prevista nos arts. 301eseguintes do CPP, como medida cautelar. Trata-se de um equívoco, a nosso ver, que vem sendo repetido sem maior reflexão ao longo dos anos e que agora, com a reforma processual de 2011, precisa ser revisado. (¿) Precisamente porque o flagrante é uma medida precária, mera detenção, que não está dirigida a garantir o resultado final do processo, é que pode ser praticado por um particular ou pela autoridade policial. Com esse sistema, o legislador consagrou o caráter pré-cautelar da prisão em flagrante. Como explica BANACLOCHE PALAO, o flagrante - ou la detención imputativa - não é uma medida cautelar pessoal, mas sim pré-cautelar, no sentido de que não se dirige a garantir o resultado final do processo, mas apenas destina-se a colocar o detido à disposição do juiz para que adote ou não uma verdadeira medida cautelar. Por isso, o autor afirma que é uma medida independente, frisando o caráter instrumental e ao mesmo tempo autônomo do flagrante. (¿) A prisão em flagrante está justificada nos casos excepcionais, de necessidade e urgência, indicados taxativamente no art. 302 do CPP e constitui uma forma de medida pré-cautelar pessoal que se distingue da verdadeira medida cautelar pela sua absoluta precariedade. (¿) DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 106 (¿) A prisão em flagrante é uma medida pré-cautelar, de natureza pessoal, cuja precariedade vem marcada pela possibilidade de ser adotada por particulares ou autoridade policial, e que somente está justificada pela brevidade de sua duração e o imperioso dever de análise judicial em até 24h, onde cumprirá ao juiz analisar sua legalidade e decidir sobre a manutenção da prisão (agora como preventiva) ou não. (LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. pág. 804-806). “10.2.1.2.1. Prisão em flagrante Para alguns autores a prisão em flagrante não é propriamente uma prisão cautelar e sim pré-cautelar, pois não se dirige a preservar o resultado final do processo, visando tão somente à colocação do preso à disposição do juiz para que este adote ou não uma medida cautelar, ou seja, converta o flagrante em prisão cautelar. A prisão em flagrante teria, nesta perspectiva, natureza administrativa, o que se modifica a partir de sua comunicação ao juiz, que, quando não a relaxar, por entendê-la legal, e não conceder a liberdade, por entender presentes os pressupostos fáticos das cautelares, não sendo suficientes ou adequadas as medidas cautelares diversas, converteria tal prisão em preventiva, ou seja, verdadeiramente cautelar e jurisdicional (art. 310, CPP).” (NICOLITT, André. Manual de Processo Penal. 4 ed. atualizada de acordo com as leis 12.830/2013 e 12.850/2013. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013, pág. 444). “Como já dito anteriormente, trata-se de medida pré-cautelar, na medida em que ausente o periculum libertatis quefundamenta o sistema cautelar,muito embora haja autores como Tourinho Filho que ainda veem nela caráter cautelar.” (DEZEM, Guilherme Madeira. Curso de Processo Penal. 2 ed. rev., atual.e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, pág. 733). “NATUREZA JURÍDICA Não obstante se trate de medida cautelar, o ato de prender em flagrante não passa de simples ato administrativo levado a efeito, grosso modo, pela Polícia Civil, incumbida que é de zelar pela ordem pública. Pouco importa a qualidade do sujeito que efetive a prisão. É sempre um ato de natureza administrativa. Nenhuma dúvida quanto à natureza jurídica da prisão em flagrante. Diz-se até tratar-se de medida pré-cautelar, porquanto a permanência no cárcere vai depender da presença de uma das circunstâncias que verdadeiramente autorizam a prisão preventiva. Assim, efetivada a prisão em DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 107 flagrante, só se justifica a permanência do indiciado no cárcere para assegurar o resultado final do processo e para garantir-lhe o desenrolar normal. Mesmo que se trate de crime hediondo, permite- se até a liberdade provisória, uma vez que a disposição que a proibia (art. 2º, II, da Lei n. 8.072/90) foi revogada pela Lei n. 11.464/2007.” (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 16 ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, pág. 669). “A natureza jurídica da prisão em flagrante é de medida cautelar de segregação provisória do autor da infração penal. Assim, exige-se apenas a aparência da tipicidade, não se exigindo nenhuma valoração sobre a ilicitude e a culpabilidade, outros dois requisitos para a configuração do crime. É a tipicidade o fumus boni juris (fumaça do bom direito). Tem essa modalidade de prisão, inicialmente, o caráter administrativo, pois o auto de prisão em flagrante, formalizador da detenção, é realizado pela Polícia Judiciária, mas torna-se jurisdicional, quando o juiz, tomando conhecimento dela, ao invés de relaxá-la, prefere mantê-la, pois considerada legal”. (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 11 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2014, pág. 534). Tema 11: Prisão em flagrante (continuação): Flagrante delito e ação controlada. Flagrante nos crimes habituais e nos crimes permanentes. Flagrantes nos crimes de ação pública condicionada e ação de iniciativa privada. Flagrante nas infrações de menor potencial ofensivo. Flagrante nos crimes de trânsito. Controle judicial da prisão em flagrante. Audiência de Custódia (Resolução TJ/OE/RJ 29/2015 alterada pela Resolução TJ/OE/RJ 32/2015 e Resolução 213/2015, CNJ). 1ª QUESTÃO: THOR mantém PEPPER em cativeiro, pois pretende obter vantagem financeira de seus familiares como condição para o resgate, estando, assim, incurso nas sanções previstas no art. 159 do Código Penal. PEPPER se acha privada de liberdade por exatamente 35 (trinta e cinco) dias, até o momento em que a polícia consegue descobrir o cativeiro, invade o local, libera a vítima e prende THOR em flagrante. Irresignada, a defesa de THOR pleiteia o relaxamento da prisão em flagrante, ao argumento de que já teriam se passado 35 (trinta e cinco) dias do sequestro de PEPPER. Com base na situação hipotética acima descrita, esclareça, fundamentadamente, se assiste razão ao pleito defensivo. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 108 RESPOSTA: "Crime permanente é aquele cuja consumação, pela natureza do bem jurídico ofendido, pode protair- se no tempo, detendo o agente o poder de fazer cessar o estado antijurídico por ele realizado, ou seja, é o delito cuja consumação se prolonga no tempo. Enquanto não cessar a permanência, o agente encontra-se em situação de flagrância, ensejando, assim, a efetivação de sua prisão em flagrante, independentemente de prévia autorização judicial. Nos exatos termos do art. 303 do CPP, "nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência". Daí a importância de se saber se determinado delito é ou não permanente. Vejamos alguns exemplos de crimes permanentes: (...) c) extorsão mediante sequestro (CP, art. 159, caput e parágrafos); (...) Em todos esses crimes permanentes, em relação aos quais a prisão em flagrante é possível a qualquer momento, enquanto não cessar a permanência,a Constituição Federal autoriza a violação ao domicílio mesmo sem prévia autorização judicial (art. 5º, XI)". (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3 ed. rev., ampl. e atual. Bahia: Editora JusPodivm, 2015, pág. 907). "Crimes permanentes são aqueles em que seu momento consumativo protai-se no tempo, por um período mais ou menos dilatado, em perfeita harmonia com a vontade do agente." (RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 12 ed. rev. ampl. e atual. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2007 - página 597). "4.1. Crime permanente Segundo Cezar Roberto Bitencourt, permanente "é aquele crime cuja consumação se alonga no tempo, dependente da atividade do agente, que poderá cessar quando este quiser (cárcere privado, sequestro). Enquanto não cessar a permanência, a prisão em flagrante poderá ser realizada a qualquer tempo (art. 303, CPP), mesmo que para tanto seja necessário o ingresso domiciliar." (TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 3ª tiragem. 8 ed. rev., ampl. e atual. Bahia: Editora JusPodivm, 2013, pág. 898). Quanto à possibilidade de prisão em flgrante em crimes de natureza permanente, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu, a saber: "PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃOCABIMENTO. TRÁFICOILÍCITO DE ENTORPECENTES. POSSE DE MUNIÇÕES DE USO RESTRITO. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 109 PRISÃO EM FLAGRANTE. NULIDADE NÃO VERIFICADA. APREENSÃO DE 50 CARTUCHOS CALIBRE 45 DE USO RESTRITO. TIPICIDADE CONFIRMADA. DOSIMETRIA. AGRAVANTE. PAGA OU RECOMPENSA. DELITO DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/06. INAPLICABILIDADE. DEDICAÇÃO A ATIVIDADE CRIMINOSA UTILIZADA PARA AFASTAR A REDUTORA DO TRÁFICO PRIVILEGIADO, ALIADA A OUTROS ELEMENTOS. REEXAME MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA. FECHADO. MANUTENÇÃO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR MEDIDAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS. CONSTRANGIMENTO ILEGA NÃO EVIDENCIADO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja recomendável a concessão da ordem de ofício. II - Alegação de nulidade da prisão em flagrante. O estado flagrancial do delito de tráfico, consubstancia uma das exceções à inviolabilidade de domicílio prevista no inc. XI do art. 5º da Constituição Federal, sendo permitida a entrada em domicílio independentemente do horário ou da existência de mandado. III - O entendimento dominante acerca do tema nesta Corte é no sentido de que "é dispensável o mandado de busca e apreensão quando se trata de flagrante da prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes, pois o referido delito é de natureza permanente, ficando o agente em estado de flagrância enquanto não cessada a permanência" (AgRg no REsp n. 1.637.287/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 10/05/2017). IV - No caso, segundo o acórdão impugnado, a ora paciente, em seu depoimento extrajudicial, afirmou ter franqueado a entrada dos policiais em sua residência, a despeito de ter negado essa versão em juízo (fl. 41). Nessa senda, observa-se que o Tribunal de origem, com arrimo no acervo fático-probatório dos autos, afirmou que "os relatos isentos dos policiais civis merecem credibilidade, preponderando sobre a negativa dos apelados, que restouisolada no acervo probatório." (fl. 42). Desta feita, o acolhimento da pretensão defensiva demanda revolvimento do conjunto probatório dos autos, medida vedada na via estreita do habeas corpus. V - No que concerne à tipicidade do delito previsto no art. 16 da Lei n. 10.826/2003, este Superior Tribunal de Justiça se alinhou ao entendimento da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal e passou a reconhecer a atipicidade material da conduta, em situações específicas de ínfima quantidade de munição, aliada à ausência do artefato capaz de disparar o projétil. VI - Na hipótese, não há que se falar em atipicidade material da conduta praticada, ante a grande quantidade de munições apreendidas, vale dizer, 50 (cinquenta) cartuchos íntegros de calibre 45, munição de uso restrito, com laudo pericial o qual atesta a potencialidade lesiva das munições. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 110 VII - Qualquer incursão que escape a moldura fática ora apresentada, demandaria inegável revolvimento fático-probatório, não condizente com os estreitos lindes deste átrio processual, ação constitucional de rito célere e de cognição sumária. Precedentes. VIII - Pleito de afastamento da agravante prevista no art. 62, IV, do Código Penal - "mediante paga ou promessa de recompensa". A jurisprudência deste Tribunal Superior considera a referida agravante incompatível com o delito de tráfico ilícito de entorpecentes. Precedentes. IX - Pedido de incidência da causa de diminuição de pena prevista no § 4° do art. 33 da Lei n. 11.343/2006. Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes. X - In casu, houve fundamentação concreta para o afastamento do tráfico privilegiado, consubstanciada na grande quantidade e a variedade de droga apreendida, ou seja, "12 tabletes de maconha com peso total de 2.977 kg e 01 tablete de cocaína com peso aproximado de 178 gramas" (fl. 40), somado ao fato de ter se apreendido "50 cartuchos íntegros de calibre 45, munições de uso restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar" (fl. 41). XI - Ademais, rever o entendimento das instâncias ordinárias para fazer incidir a causa especial de diminuição demandaria, necessariamente, amplo revolvimento da matéria fático-probatória, procedimento que, a toda evidência, é incompatível com a estreita via do mandamus. Precedentes. XII - A despeito do redimensionamento favorável da pena do delito de tráfico ilícito de entorpecentes, a soma da sanção do delito de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito resulta em sanção superior a 8 (oito) anos de reclusão. Assim, a manutenção do regime fechado mostra-se consentâneo com a disposição do art. 33, § 2°, a, do Código Penal, sobretudo diante da quantidade e da variedade de droga apreendida, nos termos do art. 42 da Lei 11.343/2006, segundo entendimento jurisprudencial desta Corte Superior sobre o tema. XIII - O Supremo Tribunal Federal, ao analisar o HC n. 97.256/RS,reconhecendo ainconstitucionalidade da parte final do art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, passou a admitir a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos do art. 44 do Código Penal. XIV - Na espécie, a natureza, a quantidade e diversidade da droga apreendida não recomendam a substituição da pena, nos termos do inciso III do art. 44 do Código Penal, não havendo, portanto, qualquer ilegalidade na negativa da benesse em tela. Precedentes. Habeas corpus não conhecido. Ordem de ofício, a fim de, tão somente, fixar a pena da paciente em 5 (cinco) anos e 500 (quinhentos) dias-multa para o delito de tráfico ilícito de entorpecentes, mantido os demais termos da condenação." grifei (STJ. Quinta Turma. HC 506.963/SP. Relator Ministro Felix Fischer. Julgamento em 21/05/2019).DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 111 2ª QUESTÃO: RUBINHO foi preso em flagrante delito, na posse de 900,00 gramas de maconha, em 26/04/2020 e autuado como incurso nos arts. 33, caput, e 35, caput, da Lei 11.343/2006, tendo a sua custódia convertida em preventiva em 27/04/2020. Inconformada, a defesa de RUBINHO impetrou habeas corpus em favor do paciente, no qual sustentou a nulidade do decreto prisional, uma vez que o d. juízo de primeiro grau convertera a prisão em flagrante em preventiva de ofício, em afronta ao texto do art. 282, §2º, do Código de Processo Penal. Busca-se, assim, seja concedida ordem de habeas corpus, para revogar a conversão ex officio decretada pela primeira instância, que transformou, sem prévia postulação do Ministério Público ou da autoridade policial, a prisão em flagrante do paciente em prisão preventiva, destacando-se, ainda, que o referido paciente foi privado do direito à realização de audiência de custódia, considerada a situação excepcional de calamidade pública resultante da pandemia de COVID-19. Com base na situação hipotética acima descrita, esclareça, fundamentadamente, se a ordem deve ser concedida, abordando, para tanto, o posicionamento jurisprudencial e doutrinário acerca do tema. RESPOSTA: O Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou pela possibilidade de conversão, de ofício, da prisão em flagrante em prisão preventiva, a saber: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. SÚMULA N. 691 DO STF. SUPERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. INDICAÇÃO NECESSÁRIA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. De acordo com o explicitado na Constituição Federal (art. 105, I, "c"), não compete a este Superior Tribunal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão denegatória de liminar, por desembargador, antes de prévio pronunciamento do órgão colegiado de segundo grau. 2. A prisão preventiva é compatível com a presunção de não culpabilidade do acusado desde que não assuma natureza de antecipação da pena e não decorra, automaticamente, da natureza abstrata do crime ou do ato processual praticado (art. 313, § 2º, CPP). Além disso, a decisão judicial deve apoiar-se em motivos e fundamentos concretos, relativos a fatos novos ou contemporâneos, dos quais se se possa extrair o perigo que a liberdade plena do investigado ou réu representa para os meios ou os fins do processo penal (arts. 312 e 315 do CPP). 3. O Juiz de primeira instância apontou a presença dos vetores contidos no art. 312 do Código de Processo Penal, indicando motivação suficiente para decretar a prisão preventiva, ao salientar a quantidade de droga apreendida (886,98 gramas de maconha), bem como a participação de adolescente na empreitada criminosa. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 112 4. Ao contrário do defendido pela defesa, "o Juiz, mesmo sem provocação da autoridade policial ou da acusação, ao receber o auto de prisão em flagrante, poderá, quando presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, converter a prisão em flagrante em preventiva, em cumprimento ao disposto no art. 310, II, do mesmo Código, não havendo falar em nulidade (RHC n. 120.281/RO, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, 5ª T., DJe 15/05/2020). 5. Dadas as apontadas circunstâncias do fato e as condições pessoais do acusado, não se mostra adequada e suficiente a substituição daprisão preventiva por medidas a ela alternativas (art. 282 c/c art. 319 do CPP). 6. Agravo regimental não provido. grifei (STJ. Sexta Turma. AgRg no HC 577.739/SP. Relator Ministro Rogério Schietti Cruz. Julgamento em 26/05/2020). Em contrapartida, o Supremo Tribunal Federal já decidiu em sentido oposto, vale dizer, pela impossibilidade de conversão, de ofício, da prisão em flagrante em prisão preventiva, como se infere do julgado abaixo: “A Turma, por votação unânime, não conheceu da impetração, mas concedeu, de ofício, ordem de habeas corpus, para invalidar, por ilegal, a conversão "ex oficio" da prisão em flagrante do ora paciente em prisão preventiva, confirmando, em consequência, o provimento cautelar anteriormente deferido, nos termos do voto do Relator.” grifei (STF. Segunda Turma. HC 188.888/MG. Relator Ministro Celso de Mello. Julgamento em 06/10/2020). Trecho da decisão acima mencionada: “Impossibilidade, de outro lado, da decretação 'ex officio' de prisão preventiva em qualquer situação (em juízo ou no curso de investigação penal), inclusive no contexto de audiência de custódia (ou de apresentação), sem que se registre, mesmo na hipótese da conversão a que se refere o art. 310, II, do CPP, prévia, necessária e indispensável provocação do Ministério Público ou da autoridade policial. Recente inovação legislativa introduzida pela Lei nº 13.964/2019 ('Lei Anticrime'), que alterou os arts. 282, § 2º, e 311, do Código de Processo Penal, suprimindo ao magistrado a possibilidade de ordenar, 'sponte sua', a imposição de prisão preventiva. Não realização, no caso, da audiência de custódia (ou de apresentação). Conversão, de ofício, mesmo assim, da prisão em flagrante do ora paciente em prisão preventiva. Impossibilidade de tal ato, seja em face da ilegalidade dessa decisão, seja, ainda, em razão de ofensa a um direito básico - o de realização da DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 113 audiência de custódia - assegurado a qualquer pessoa pelo ordenamento doméstico e por convenções internacionais de direitos humanos. Medida cautelar concedida 'ex officio'. ... A reforma introduzida pela Lei nº 13.964/2019 ('Lei Anticrime') modificou a disciplina referente às medidas de índole cautelar, notadamente aquelas de caráter pessoal, estabelecendo um modelo mais consentâneo com as novas exigências definidas pelo moderno processo penal de perfil democrático e assim preservando, em consequência, de modo mais expressivo, as características essenciaisinerentes à estrutura acusatória do processo penal brasileiro. - A Lei nº 13.964/2019, ao suprimir a expressão 'de ofício' que constava do art. 282, § 2º, e do art. 311, ambos do Código de Processo Penal, vedou, de forma absoluta, a decretação da prisão preventiva sem o prévio 'requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público', não mais sendo lícito, portanto, com base no ordenamento jurídico vigente, a atuação 'ex officio' do Juízo processante em tema de privação cautelar da liberdade. - A interpretação do art. 310, II, do CPP deve ser realizada à luz dos arts. 282, § 2º, e 311, também do mesmo estatuto processual penal, a significar que se tornou inviável, mesmo no contexto da audiência de custódia, a conversão, de ofício, da prisão em flagrante de qualquer pessoa em prisão preventiva, sendo necessária, por isso mesmo, para tal efeito, anterior e formal provocação do Ministério Público, da autoridade policial ou, quando for o caso, do querelante ou do assistente do MP.” DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 114 Tema 12: Medidas cautelares: Natureza e Princípios. Poder de cautela: existência ou inexistência. Cautelares típicas (Lei 12.403/2011): espécies. Principiologia: a) jurisdicionalidade; b) contraditório; c) provisionalidade; d) provisoriedade; e) excepcionalidade; f) proporcionalidade. 1ª QUESTÃO: O Juízo da 2ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, acolhendo manifestação ministerial nos autos da medida cautelar, decretou, em 02 de julho de 2017, o sequestro dos bens imóveis existentes em nome das empresas TOTALMENTE DEMAIS e EXCALIBUR e das pessoas PACO LAMBERTINI e APOLO LAMBERTINI, bem como o bloqueio dos ativos financeiros que estejam em seus nomes.Em 01 de julho de 2020, CONRAD GRAYSON impetrou habeas corpus em favor dos pacientes, no qual sustentou, em síntese, que, até a presente data, o Ministério Público não ofereceu denúncia, o que acarretaria, por conseguinte, a revogação da medida de sequestro dos bens e o bloqueio das contas bancárias dos pacientes. Requereu, desse modo, a revogação da constrição judicial dos bens e ativos financeiros dos pacientes. Reputando os fatos narrados como verdadeiros, decida, fundamentadamente, se o writ deve ou não ser concedido. RESPOSTA: "3. Não ajuizamento da ação penal no prazo de sessenta dias, contado da data em que ficar concluída a diligência: em sua redação original, a Lei de Lavagem de Capitais também previa o levantamento do sequestro pelo decurso de certo lapso temporal, porém fixava este prazo em 120 (cento e vinte) dias (Lei n. 9.613/98, antiga redação do §1º do art. 4º). Ocorre que, antes as alterações produzidas pela Lei n. 12.683/12, a Lei n. 9.613/98 deixou de fazer menção a este prazo. Logo, o levantamento das medidas assecuratórias decretadas em processos referentes ao crime de lavagem de capitais também passará a observar o prazo constante do art. 131, I, do CPP, já que a própria Lei de Lavagem faz referência à aplicação subsidiária do CPP (Lei n. 9.613/98, art. 17-A, com redação dada pela Lei n. 12.683/12). 4. Natureza relativa do prazo de sessenta dias: este lapso temporal a que se refere o art. 131, I, do CPP, não tem natureza absoluta. À luz do princípio da razoabilidade, admite-se eventual dilação em casos de complexidade da causa e/ou pluralidade de acusados. Evidentemente, se o excesso for abusivo, não encontrando qualquer justificativa, deve ser determinada a liberação dos bens." (LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado. Salvador: Juspodivm, 2016, pág. 407). DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 115 "Quanto à primeira hipótese, é importante notar que liga-se ao fato de o sequestro ter sido determinado durante o inquérito policial. Por se tratar de medida restritiva de direitos antes do término da ação penal é preciso que o sequestro tenha prazo determinado de duração no inquérito, sob pena de levantamento. Daí porque o legislador ter utilizado o prazo de 60 dias que tem como termo inicial a data de cumprimento efetivo da medida e não a data em que deferida. Isto porque entre o deferimento da medida pelo juiz e seu cumprimento pode decorrer algum tempo, daí o acerto do código na utilização deste parâmetro. No entanto, o STJ tem entendido que este prazo pode ser superado, em casos excepcionais, sem maiores problemas que não haverá o levantamento do sequestro. Entendeu o STJ que se ainda se encontram presentes os motivos que autorizaram o decreto de sequestro então deverá ser ele mantido sem levantamento. (...) Concordamos com a ideia de que o prazo não pode ser tido como simples leitura aritmética. No entanto, caso ultrapassado o prazo além do razoável não é possível se concordar com esta lição. O legislador fixou a medida como forma de pressionar o estado a decretar o sequestro apenas em hipóteses em que o inquérito já estivesse bem avançado ou, então, caso decretado desde o início este prazo serviria como forma de pressionar o membro do Ministério Público a oferecer a denúncia. É de se observar: se o inquérito avança já há muito tempo sem quetenhasidooferecida a denúncia algo está errado no desenvolvimento deste inquérito. É preciso que as partes no processo penal tenham autorresponsabilidade e também o Poder Judiciário deve impor as sanções previstas em lei em caso de falha dos sujeitos do processo." (DEZEM, Guilherme Madeira. Curso de Processo Penal. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo/; Editora Revista dos Tribunais, 2016, pág. 435). "O sequestro ficará sem efeito - será levantado - quando, decretado na fase pré-processual, não for oferecida a ação penal no prazo de 60 (sessenta) dias, contado da data em que a medida se efetivar, ou ainda se for julgada extinta a punibilidade ou absolvido o réu. Quando o sequestro for decretado na fase pré-processual, deve-se atentar para o disposto no art. 131, I, do CPP, segundo o qual a medida será levantada (tornada sem efeito, portanto), se a ação não for intentada no prazo de 60 dias. Considerando que se trata de medida restritiva de direitos fundamentais, a leitura tem de ser cautelosa, até porque é o poder punitivo que deve ser legitimado e estritamente regulado. Daí por que pensamos que o marco inicial para o cômputo dos 60 dias é a data em que se efetivou a medida. Não pode o imputado ficar à mercê das mazelas administrativas que se sucedem à decisão judicial (como a demora no registro de imóveis, por exemplo), ou mesmo nas mãos do Ministério Público (que a requereu), quando a ele competir a realização de algum ato com vistas à eficácia da decisão judicial. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 116 Assim, o prazo de 60 dias para o oferecimento da denúncia (ou queixa), sob pena de levantamento do sequestro, deve ser contado da data em que se efetivou a medida. É ilógico fixar como marco inicial a intimação do Ministério Público (ou querelante), pois foi ele quem solicitou a medida, tendo assim, obviamente, plena ciência do que está ocorrendo. Ademais, não raras vezes, essa intimação nunca é realizada." (LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. pág. 485-922- 923). "AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MEDIDAS PROTETIVAS. LEI 11.340/2006. NÃO PROPOSITURA DA AÇÃO PENAL. CAUTELAR QUE NÃO PODE SER ETERNIZADA. AGRAVO IMPROVIDO. 1. As medidas de urgência, protetivas da mulher, do patrimônio e da relação familiar, somente podem ser entendidas por seu caráter de cautelaridade - vigentes de imediato -, mas apenasenquantonecessárias ao processo e a seus fins. 2. Se não há prazo legal para a propositura de ação, normalmente criminal, pela competência ordinária para o processo da violência doméstica, tampouco se pode admitir eterna restrição de direitos por medida temporária e de urgência. 3. Não se verificando urgência, atualidade e necessidade aptas a justificarem a manutenção das medidas protetivas, não há falar em ilegalidade na sua revogação. 4. Agravo regimental improvido." grifei (STJ. Sexta Turma. AgRg no AResp 1.393.162/MG. Relator Ministro Nefi Cordeiro. Julgamento em 18/06/2019). "PENAL E PROCESSO PENAL. INQUÉRITO POLICIAL. INVESTIGAÇÃO. REPRESENTAÇÃO DA AUTORIDADE POLICIAL. INDÍCIOS DE INFRAÇÕES PENAIS. DELITOS DOS ARTS. 19 E 20 DA LEI N. 7.492/1986, 171 DO CP E 1º DA LEI N. 9.613/1998. BUSCA E APREENSÃO DEFERIDA. SEQUESTRO DE VALORES. DESBLOQUEIO. ALEGADA ORIGEM LÍCITA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. REVISÃO. DESCABIMENTO. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO NÃO COMPROVADO. EXCESSO DE PRAZO. MEDIDA DECRETADA HÁ MAIS DE 3 ANOS. RAZOABILIDADE. EXCESSO DE PRAZO VERIFICADO. 1. Afastar a conclusão das vias ordinárias de que existe risco de dilapidação de patrimônio, bem como de que existem indícios da prática doscrimes previstos nos arts. 19 e 20 da Lei n. 7.4962/1986, 171 do CP e 1º da Lei n. 9.613/1988, demandaria a reapreciação do contexto fático-probatório dos autos, o que não se admite em sede de recurso especial (Súmula 7/STJ). 2. No que se refere à impossibilidade de decretação de sequestro em face de pessoa jurídica, o recurso não pode ser conhecido, tendo em vista não ter sido indicado o dispositivo de lei federal acerca do qual haveria o suscitado dissenso pretoriano. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 117 3. Também não merece conhecimento o recurso neste particular considerando-se que o dissídio aventado não foi comprovado nos moldes regimentais, não bastando a simples transcrição de ementas, devendo ser mencionadas e expostas circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados. 4. Não obstante a ausência de prazo certopara a vigência de sequestro de bens e valores ocorridos ainda quandodo inquéritopolicial, não se justifica a sua manutenção passados três anos da sua efetivação sem que tenha ocorrido denúncia, relatório policial ou mesmo o fim das investigações policiais e sem que haja previsão para que isso ocorra, ficando evidente o excesso de prazo na manutenção da medida. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido." grifei (STJ. Sexta Turma. Resp 1.594.926/SP. Relator Ministro Sebastião Reis Júnior. Julgamento em 02/06/2016). 2ª QUESTÃO: MÃOZINHA, vereador, responde a ação penal em primeira instância pela suposta prática de crimes contra a Administração Pública. Pergunta-se: o magistrado pode determinar o afastamento cautelar do parlamentar de suas funções com espeque no artigo 319, VI, do Código de Processo Penal? Responda, justificadamente, com base no posicionamento doutrinário e jurisprudencial acerca do tema. RESPOSTA: “PENAL E PROCESSO PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. QUESTÃO DE ORDEM. DENÚNCIA POR CORRUPÇÃO PASSIVA QUALIFICADA e LAVAGEM DE DINHEIRO. PETIÇÃO INCIDENTAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR DE AFASTAMENTO DA FUNÇÃO PÚBLICA. DESEMBARGADORA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA BAHIA. REQUISITOS PRESENTES. DETERMINAÇÃO DE AFASTAMENTO DA FUNÇÃO PÚBLICA. PRECEDENTES DA CORTE ESPECIAL. 1. Trata-se de petição incidental apresentada pelo Ministério Público Federal nos autos da APn n. 953/DF, por meio da qual requer a prorrogação do afastamento de Desembargadora do TJ/BA pelo prazo de 1 (um) ano. 2. Denúncia oferecida, autorizando a medida cautelar de afastamento das funções, à luz do disposto nos art. 29 da LOMAN, art. 319, VI, do CPP, e art. 2º, § 5º, da Lei nº 12.850/13. 3. Conforme bem delineado na petição ministerial, continuam plenamente válidos os motivos que autorizaram o afastamento inicial, sendo que no decorrer deste período vários outros fatos foram agregados, tornando mais claros os indícios de cometimento dos delitos, consistentes na prática de corrupção e lavagem de dinheiro, ligadas à comercialização de decisões judicias, e a necessidade de se acautelar a ordem pública com a medida de afastamento das funções. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 118 4. A prorrogação do afastamento das funções do cargo de desembargadora foi determinado em decisão unipessoal deste Relator ante a existência de indícios da prática do crime de corrupção, no desempenho do cargo e com abuso dele, causando mácula na reputação, credibilidade e imagem do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. 5. Presentes os requisitosmínimos para a apreciação da medida cautelar excepcional, notadamente demonstração da materialidade e indícios de autoria, a medida requerida mostra-se necessária para a garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal, considerando que as investigações prosseguirão, com relação a outros fatos. 6. Medida cautelar referendada pelo Colegiado.” grifei (STJ. Corte Especial. QO na APn 953/DF. Relator Ministro Og Fernandes. Julgamento em 05/05/2021). “PENAL E PROCESSO PENAL. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL EM FACE DE CONSELHEIROS DE TRIBUNAL DE CONTAS. QUESTÃO DE ORDEM NA CAUTELAR INOMINADA CRIMINAL. PRORROGAÇÃO DE MEDIDA DE AFASTAMENTO CAUTELAR DE CARGO PÚBLICO. SUSPEITA DE CONLUIO COM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA PARA COMETIMENTO DE CRIMES. INVESTIGAÇÃO EM CURSO CONTENDO ELEMENTOS PROBATÓRIOS A INDICAR A PRÁTICA DE CRIME DE CORRUPÇÃO, NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO. NECESSIDADE DE AFASTAMENTO CAUTELAR DEMONSTRADA. INCOMPATIBILIDADE COM O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO. ART. 319, VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E ART. 2º, §5º DA LEI Nº 12.850/13. PRECEDENTES DA CORTE ESPECIAL. I - Prorrogação de afastamento de Conselheiros de Tribunal de Contas determinado monocraticamente ante a existência de indícios da prática do crime de corrupção, no desempenho do cargo e com abuso dele, causando mácula na reputação, credibilidade e imagem do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba. II - A medida, embora extrema, se impõe, pois há justo receio de que, no exercício de suas funções públicas, os Conselheiros possam vir a praticar outros crimes. Não se pode afastar, ainda, a hipótese de que, permanecendo nos cargos, os investigados possam interferir nas apurações, mediante a destruição/ocultação de provas, influenciando ou intimidando possíveis testemunhas com conhecimento dos fatos ora apurados. III - Precedentes da Corte Especial autorizam a prorrogação doafastamento (AgRg no PBAC 12/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/02/2020, DJe 05/03/2020; QO no Inq 1.258/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em 05/02/2020, DJe 17/02/2020, QO na CauInomCrim 7/DF, Rel. Ministro FELIX FISCHER, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/09/2017, DJe 18/10/2017). IV - Decisão referendada.” grifei DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 119 (STJ. Corte Especial. Qo na Qo no CauInomCrim 24/DF. Relator Ministro Francisco Leão. Julgamento em 20/05/2020). “HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DERECURSOORDINÁRIO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E PECULATO. VEREADOR E PRESIDENTE DE CÂMARA MUNICIPAL. PRISÃO PREVENTIVA SUBSTITUÍDA POR MEDIDAS CAUTELARES. AFASTAMENTO DO CARGO POR CERCA DE 1 ANO E 8 MESES. AÇÃO PENAL NA FASE DE RESPOSTA A ACUSAÇÃO. EXCESSO DE PRAZO. OCORRÊNCIA. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício. 2. Caso em que o paciente, na condição de Vereador e de Presidente da Câmara Municipal de Correntina/BA, teve a prisão preventiva decretada em 23/10/2017 no bojo da operação denominada "Último Tango", a qual tinha por objetivo apurar a suposta prática de crimes contra a Administração Pública no âmbito da Câmara de Vereadores do Município de Correntina/BA, tendo sido denunciado pela suposta prática dos crimes de peculato (art. 312 do Código Penal) e associação criminosa (art. 2º da Lei nº 12.850/2013). 3. Em julgamento realizado no dia 4/9/2018, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares, entres elas a proibição de acessos aos prédios público e afastamento do cargo de gestor da Câmara e de Vereador do município, com revisão no máximo em 180 dias. Em 4/10/2019, o juízo de primeiro grau indeferiu o pedido de retorno do paciente ao cargo de vereador, decisão mantida pelo Tribunal estadual. 4. No caso, as informações prestadas pelo Juízo de primeiro grau não mencionam intercorrências, descumprimentos ou qualquer excepcionalidade que indique um eventual risco ao regular desenvolvimento do processo, que ainda se encontra na fase de resposta a acusação. Por outro lado, o paciente se encontra afastado há mais de 1 ano e 8 meses,tempoque representa quase ½ (metade) do mandato eletivo, configurando, assim, uma interferência indevida do Poder Judiciário. Nesse contexto, as medidas cautelares de i) proibição de acesso aos prédios público do Poder Legislativo e do Poder Executivo e de frequentar locais relacionados aos fatos e ii) de afastamento imediato da função de Presidente da Câmara e do cargo de Vereador do Município, devem ser relaxadas, com os cuidados devidos, a saber, ficando o paciente impedido de assumir qualquer outra função diversa (como as de natureza administrativa) da atividade típica da atuação parlamentar. Precedentes. 5. Nessa linha de raciocínio, certo é que o papel do Poder Judiciário é fazer observar e cumprir as disposições constantes do ordenamento jurídico, não sendo legitimado a atrair, para si, responsabilidades de decisões políticas inerentes ao exercício do sufrágio. Precedentes do STJ. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO2021 120 6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, sendo vedado ao paciente assumir qualquer outra função diversa da atividade típica da atuação parlamentar, inclusive cargos de direção na Câmara Municipal.” grifei (STJ. Quinta Turma. HC 561.252/BA. Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Julgamento em 26/05/2020). “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ALEGADA TEMPESTIVIDADE DO AGRAVO REGIMENTAL. TEMPESTIVIDADE COMPROVADA. PECULATO. 67 VEZES. PEDIDO DEREVOGAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR DE AFASTAMENTO DO CARGO DE VEREADORA. IMPOSSIBILIDADE. PROPORCIONALIDADE E ADEQUAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. FUNDADO RECEIO DE REITERAÇÃO DELITIVA. I - Nos termos do art. 619 do CPP, serão cabíveis embargos declaratórios quando houver ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão no julgado e, ainda, para correção de eventual erro material, consoante entendimento preconizado pela doutrina e jurisprudência, sendopossível,excepcionalmente, a alteração ou modificação do decisum embargado. II - Na hipótese, os embargos devem ser acolhidos para reconhecer a tempestividade do agravo regimental interposto contra decisão monocrática de fls. 481-492, que denegou o habeas corpus. III - A Lei n. 12.403/2011 estabeleceu a possibilidade de imposição de medidas alternativas à prisão cautelar, no intuito de permitir ao magistrado, diante das peculiaridades de cada caso concreto, e dentro dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, estabelecer a medida mais adequada. IV - Na hipótese, parece-me consentâneo com os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e adequação, a manutenção da medida cautelar imposta, a qual foi estabelecida de maneira suficiente aos fins visados, para garantia da ordem pública, evitando- se a reiteração delitiva, tendo o eg. Tribunal de origem consignado a necessidade de "obviar eventual abuso das prerrogativas parlamentares e manejo de uma potencial força política de autoridade (a denunciada Aveline ocupa, hoje, o cargo de Presidente da Casa Legislativa local), construída ao longo de anos a partir da influência e do capital político do seu irmão". V - Logo, na espécie, não existem elementos que indiquem, inequivocamente, que a revogação da medida alternativa à prisão cautelar seja a solução mais adequada ao caso concreto, mormente porque o v. acórdão recorrido encontra-se em consonância com o entendimento desta Corte firmado sobre o tema no sentido de que a medida cautelar de afastamento do cargo mostra-se adequada e proporcional quando o agente se vale da função pública para prática dedelitos, tornando a medida imprescindível para garantia da ordem pública, ante o fundado receio de reiteração delitiva, além de o e. magistrado ter reforçado a atualidade da medida, porquanto "até o presente momento os denunciados se encontram em plena atividade criminosa", [...] a servidora comissionada Chirlei dos Santos continua desempenhando a função de assessora de vereador, sendo remunerada pelos cofres públicos para desempenhar atividades de interesse privado dos ora denunciados". DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 121 VI - Quanto à alegação de que a assessora da agravante desempenhava atividades próprias do cargo comissionado, deve-se asseverar que a análiseda quaestioenvolveria o exame aprofundado do material fático-probatório dos autos, sendo inviável tal análise por meio de habeas corpus. VII - O julgamento dos embargos de declaração e do agravo regimental não comportam a possibilidade de sustentação oral (art. 159, incisos I e IV, do Regimento Interno do STJ). Assim, os embargos de declaração e o agravo regimental em matéria penal serão levados em mesa, dispensando-se prévia comunicação de seu julgamento à parte. Embargos de declaração acolhidos para reconhecer a tempestividade do agravo regimental, ao qual se nega provimento.” grifei (STJ. Quinta Turma. Edcl no AgRg no HC 484.222/RJ. Relator Ministro Felix Fischer. Julgamento em 11/04/2019). “RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PECULATO, CORRUPÇÃO PASSIVA, LAVAGEM DE CAPITAIS, FRAUDE EM LICITAÇÃO, FORMAÇÃO DE CARTEL, DISPENSA INDEVIDA DE PROCESSO LICITATÓRIO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. MEDIDA CAUTELAR DE AFASTAMENTO DAS FUNÇÕES PÚBLICAS DE VEREADOR E PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE NATAL/RN. HABEAS CORPUS. VIA ADEQUADA, NO CASO. IMPOSIÇÃO CUMULATIVA DE PROIBIÇÃO DE ACESSO ÀS DEPENDÊNCIAS DO PARLAMENTO MUNICIPAL. ADI N. 5526/DF. PARLAMENTARES MUNICIPAIS. NÃO INCIDÊNCIA. ARTIGO 319, VI, DO CPP. NEXO FUNCIONAL ENTRE O DELITO E A ATIVIDADE DESENVOLVIDA. NECESSIDADE. NÃO DEMONSTRAÇÃO QUANTO AO MANDATO DE VEREADOR. FUNDAMENTAÇÃO QUANTO À FUNÇÃO DE PRESIDENTE DA CÂMARA. AFASTAMENTO DA FUNÇÃO. IMPRESCINDIBILIDADE. PRAZO DE DURAÇÃO DA CAUTELAR. DIFERENCIAÇÃO REALIZADA PELO MAGISTRADO IMOTIVADAMENTE. IN DUBIO PRO REO. MENOR PRAZO ESTABELECIDO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A pretensão de combater o afastamento do cargo, função ou mandato é, em princípio, incompatível com a via do habeas corpus. Todavia, acaso imposto conjuntamente com medidas que implicam restrição à liberdade de locomoção, possível seu exame nesta via mandamental, como no caso dos autos, em que determinado o afastamentocautelar das funções de vereador e presidente da Câmara Municipal com a proibição de acesso às dependências do Órgão Legislativo. Precedentes. 2. O Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI 55/26/DF, firmou o entendimento no sentido de que compete ao Poder Judiciário impor, por autoridade própria, as medidas cautelares a que se refere o artigo319do CPP a Parlamentares, devendo, todavia, remeter à Casa Legislativa respectiva para os fins do disposto no artigo 53, § 2º, da Constituição Federal, desde que a medida cautelar aplicada impossibilite, direta ou indiretamente, o exercício regular do mandato parlamentar. 3. O artigo 53, § 2º, da Constituição Federal, que instituiu a denominada incoercibilidade pessoal relativa, refere-se a deputados federais e senadores, disposição estendida a deputados estaduais por determinação do artigo 27, § 1º, do texto constitucional e por incidência do princípio da simetria, DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 122 não estando os vereadores incluídos em tais disposições. Precedentes do Supremo Tribunal Federal (ADI 371/SE e HC n. 94.059/RJ). 4. Possível, pois, juridicamente, que o Juiz de primeiro grau, fundamentadamente, imponha aos parlamentares municipais as medidas cautelares de afastamento de suas funções legislativas sem necessidade de remessa à Casa respectiva para deliberação. 5. As medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal exigem, tal qual a prisão preventiva, a demonstração concreta do fumus comissi delicti e a presença de uma das hipóteses previstas no artigo 312 do CPP, não constituindo efeito automático da infração penal. 6. No caso, o fumus comissi delicti restou assentado na existência de elementos probatórios a indicar que o recorrente integra suposta organização criminosa formada por empresas pernambucanas com atuação no estado do Rio Grande do Norte, as quais, mediante a formação de cartel, pagamentos de propinas a servidores públicos da SEMSUR, fraudes e dispensa a processos licitatórios, causaram prejuízos aos cofres públicos em cifras milionárias, existindo indícios de que as práticas perdurariam até o início deste ano. 7. A medida cautelar de afastamento das funções públicas prevista no artigo 319, VI, do CPP, exige a demonstração cumulativa do nexofuncional entre o delito praticado e a atividade funcional desenvolvida pelo agente e sua imprescindibilidade para evitar a continuidade da utilização indevida do cargo/emprego/mandato pelo autor para a consecução de seus objetivosespúriosem usurpação aos interesses públicos inerentes à função. 8. Ante a ausência de demonstração concreta da forma pela qual o exercício do mandato de vereador, porsi só, teria exercido sobre a continuidade do domínio de fato sobre a Secretaria da SEMSUR pelo recorrente, de rigor a revogação desta medida, sob pena de violação da necessidade de fundamentação das decisões judiciais, não podendo, o nexo funcional ser presumido pelo mero contato que, eventualmente, possa este ter com o atual presidente da Câmara Municipal ou chefe do Poder Executivo Municipal. 9. Independentemente da moralidade ou imoralidade na continuidade do exercício do cargo de vereador pelo recorrente atualmente processado por crimes contra a Administração Pública e organização criminosa, certo é que o papel do Poder Judiciário é fazer observar e cumprir as disposições constantes do ordenamento jurídico, não sendo legitimado a atrair, para si, responsabilidades de decisões políticas inerentes ao exercício do sufrágio. 10. No caso dos autos, restou, concretamente, demonstrada a necessidade de afastamento cautelar do recorrente apenas quanto ao exercício das funções de Presidente da Câmara Municipal, já que os elementos colacionados aos autos, bem como as afirmações constantes das decisões recorridas, demonstram que, por vezes, a despeito de ter se afastado da titularidade da SEMSUR em abril de 2015 para reassumir o mandato de vereador e Presidente da Câmara Municipal, o recorrente se valia do prestígio inerente à função de Presidente para continuar, de fato, com amplo controle político-administrativo sobre a SEMSUR, razão pela qual resta esta cautelar, no ponto, mantida. 11. A imposição das medidas cautelares previstas no artigo 319,VI, do CPP, não estão sujeitas a prazo definido, todavia, sua duração deve observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, os quais são observados a partir do momento em que estabelecido o período DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 123 de afastamento das funções públicas e a demonstração concretaacerca desua necessidade por aquele período para a consecução dos objetivos almejados por sua imposição. 12. O prazo de afastamento cautelar das funções de Presidente da Câmara Municipal fora estabelecido de forma diferenciada pelo Magistrado conforme houvesse ou não o oferecimento de denúncia, sem, contudo, indicar as razões fáticas que justificassem a adoção deste fator de discriminação. Assim, pela máxima in dubio pro reo deve ser mantido, por ora, o afastamento cautelar das funções de Presidente da Câmara Municipal pelo menor prazo fixado pelo Magistrado sem prejuízo, conforme disposição do artigo 316 do CPP, de sua revogação ou prorrogação. 13. Recurso ordinário parcialmente provido para revogar a decisão que determinou o afastamento cautelar das funções de vereador do recorrente, com o seu imediato retorno às atividades parlamentares da vereança, sem prejuízo de nova decretação acaso devidamente fundamentado (em relação ao mandato de parlamentar em si), bem como definir que o prazo de afastamento da função de Presidente da Câmara Municipal perdure até 22/11/2017, sem prejuízo de sua revogação ou prorrogação pelo Magistrado de primeiro grau conforme verificação de sua imprescindibilidade para a instrução criminal, aplicação da lei penal e garantia da ordem pública.” grifei (STJ. Quinta Turma. RHC 88.804/RN. Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Julgamento em 07/11/2017). “10. Suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais: trata-se de medida cautelar específica, cuja utilização está voltada, precipuamente, a crimes praticados por funcionário público contra a administração pública (v.g., peculato, concussão, corrupção passiva, etc), e crimes contra a ordem econômico-financeira (v.g., lavagem de capitais, gestão temerária ou fraudulenta de instituição financeira). Tal medida somente poderá recair sobre o agente que tiver se aproveitado de suas funções públicas ou de sua atividade de natureza econômica ou financeira para a prática do delito, ou seja, deve haver um nexo funcional entre a prática do delito e a atividade funcional desenvolvida pelo agente.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado. Salvador: Juspodivm, 2016,pág.914). “10.4. Suspensão do exercício de função pública decorrente de mandatos eletivos: face a pobreza do teor do art. 319, inciso VI, do CPP, tem surgido discussão na doutrina acerca da possibilidade de aplicação dessa medida cautelar no caso de funções públicas decorrentes de mandatos eletivos. Há quem se posicione contrariamente, já que, como o CPP não estabelece o prazo máximo de sua duração, essa medida poderia ser utilizada como um mecanismo para uma cassação, de fato, do mandato eletivo. [...] Sem embargo de opiniões em sentido contrário, pensamos que a função pública a que se refere o art. 319, inciso VI, abrange toda e qualquer atividade exercida junto à Administração Pública, seja em cargo público, seja em mandatos eletivos. De mais a mais, se considerarmos que há precedentes do STJ e do Supremo admitindo inclusive a prisão preventiva de Governador de Estado, seria de se estranhar que uma medida de tal porte pudesse ser utilizada, DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 124 negando-se, porém, a possibilidade de suspensão da função pública, a qual, a depender do caso concreto, pode se revelar igualmente eficaz para assegurar a eficácia do processo, só que com grau de lesividade bem menor. Logo, se se admite a aplicação de medida mais gravosa (prisão cautelar), não há restrição para a aplicação de medidas menos gravosas. A única ressalva à suspensão da função pública nos casos de mandatos eletivos fica por conta daquelas pessoas que possuem imunidade absoluta à prisão preventiva. Logo, se o Presidente da República não pode ser preso em hipótese alguma, também não pode ser suspenso de suas atividades. [...] O ideal, portanto, é admitir a possibilidade de aplicação dessa medida cautelar a todos aqueles que podem ser presos, vedando- se sua aplicação apenas àqueles que possuem imunidade absoluta à prisão preventiva.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado. Salvador: Juspodivm, 2016, pág. 915-916). Em sentido contrário, merece destaque o posicionamento do doutrinadorGustavo Badaró: “Diante da pobreza do texto legislativo, poderá haver dúvida sobre a possibilidade de a medida do inciso VI do caput do art. 319 ser imposta no caso de funções públicas decorrentes de mandatos eletivos. No direito comparado, o CPP italiano expressamente prevê que a medida desuspensão do exercício de função pública “não se aplica aos ofícios decorrentes de direta investidura popular”. Entre nós, mesmo no silêncio da lei, a resposta deve ser, igualmente, negativa. Analisando a mesma questão no direito português, o Tribunal Constitucional, com fundamentos igualmente aplicáveis à situação do direito pátrio, negou tal possibilidade, observando que a lógica da situação legislativa [...] Na prática,suspender, semlimitação temporal, o exercício da função do deputado ou senador, principalmente no período final do mandato, significará, de fato, determinar a perda do cargo, com base em cognição sumária de órgão do Poder Judiciário, e sem observar o regramento constitucional. Além disso, em relação à prisão preventiva, há limites legais de hipóteses de sua incidência (CPP, art. 313); já as medidas alternativas, em tese, são cabíveis em relação a qualquer crime para o qual seja prevista pena privativa de liberdade (CPP, art. 283, §1º).” (BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. 3 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2015, pág. 1.019-1.021). Tema 13: Medidas cautelares (continuação): Produção antecipada da prova. Sequestro de bens imóveis e móveis. Arresto. Especialização de hipoteca legal. Busca e apreensão. Medidas cautelares reais. Da restituição de coisas apreendidas. 1ªQUESTÃO: FÉLIX foi denunciado pela prática de roubo qualificado (art. 157, §2º-A, I, Código Penal). Por não ser encontrado para citação pessoal, o juiz determinou a expedição de edital. O acusado, uma vez DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 125 citado por edital, não compareceu, bem como não constituiu advogado para oferecer a resposta prévia, o que levou o magistrado a suspender o processo e o curso do prazo prescricional. O Ministério Público, então, requereu a colheita antecipada de provas testemunhais, face ao risco de se fragilizarem pelo decurso do tempo, caso transferidas para data futura e incerta. Com base na situação hipotética acima descrita, esclareça, fundamentadamente, se o requerimento deve ou não ser deferido pelo magistrado. RESPOSTA: Quanto à impossibilidade de produção antecipada de prova testemunhal com fundamento no mero decurso do tempo, o STJ editou a Súmula 455, a saber: “A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo.” Aplicando a referida Súmula, cumpre citar diversos julgados do Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. HOMICÍDIO. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA. ART. 366 DO CPP. SÚMULA 455/STJ. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO IDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Conforme o disposto no art. 366 do CPP, "se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312". Ainda, a Súmula 455/STJ estabelece que "a decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo." 2. A decisão cautelar que determina a produção antecipada da prova testemunhal deve ser motivada, levando-se em consideração os requisitos previstos no art. 225 do Código de Processo Penal. 3. Nulidade da decisão reconhecida, no ponto em que designa audiência de instrução em julgamento para antecipação da prova oral, sem qualquer fundamentação. 4.HabeasCorpusnão conhecido. Ordem concedida de ofício, para anular em parte a decisão de 1º grau que determinou a colheita antecipada, desentranhando-se dos autos os elementos produzidos por antecipação.” grifei DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 126 (STJ. Quinta Turma. HC 313.376/SC. Relator Ministro Ribeiro Dantas. Julgamento em 18/05/2017). “RECURSO EM HABEAS CORUS. REVELIA. ART. 366 CPP. CITAÇÃO POR EDITAL. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA. DECURSO DE TEMPO. POSSIBILIDADE DE MUDANÇA DE ENDEREÇO DAS TESTEMUNHAS. ESQUECIMENTO DOS FATOS. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA N. 455/STJ. URGÊNCIA NÃO DEMONSTRADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. RECURSO PROVIDO. 1. A determinação da produção antecipada de prova testemunhal, nos termos delineados no art. 366 do Código de Processo Penal - CPP, é faculdade conferida ao Magistrado processante, se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado. Diante das peculiaridades do caso concreto, a medida pode, ou não, ser considerada urgente. 2. A afirmação de que durante o decurso de tempo poderia ocorrer mudança de endereço das testemunhas ou esquecimento dos fatos, se considerada como verdade absoluta, implicaria na obrigatoriedade da produção antecipada da prova testemunhal em todos os casos de suspensão do processo, na medida em que seria reputada de antemão e inexoravelmente de caráter urgente, retirando do Juiz a possibilidade de avaliá-la no caso concreto. Inteligência da Súmula n. 455/STJ. Recurso provido para anular a decisão que determinou a produção antecipada de prova no curso da Ação Penal n. 0004544-12.2012.8.07.0011, em trâmite perante o Juízo da Vara Criminal e Tribunal do Júri do Núcleo Bandeirante/DF, bem como todos os atos dela decorrentes.” grifei (STJ. Quinta Turma. RHC 79.679/DF. Relator Ministro Joel Ilan Paciornik. Julgamento em 16/03/2017). “PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVODERECURSOORDINÁRIO. INVIABILIDADE. VIA INADEQUADA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. TENTATIVA. RÉU NÃO LOCALIZADO. SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO LAPSO PRESCRICIONAL. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA ORAL. JUSTIFICATIVA INSUFICIENTE. DEMONSTRAÇÃO CONCRETA DA NECESSIDADE. IMPRESCINDIBILIDADE. SÚMULA 455/STJ. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Por se tratar de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, inviável o seu conhecimento, restando apenas a avaliação de flagrante ilegalidade. 2. Nos termos do entendimento pacífico desta Corte, cristalizado no verbete sumular n.º 455, a produção antecipada de provas, com base no art. 366 do Código de Processo Penal, deve ser concretamente fundamentada, não bastando a mera alegação de que o decurso do tempo poderá levar as testemunhas ao esquecimento. 3. In casu, existe manifesta ilegalidade pois, datado o fato de 2/2/2008, foi a providência cautelar determinada em 7/2/2012, sem fundamentação idônea. Além de afirmar que "a produção antecipada da prova testemunhal se revela necessária também sob pena de as testemunhas se esquecerem do DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 127 suposto fato" o juiz entendeu, também, que "há uma perspectiva concreta de mudança de endereço das testemunhas arroladas na denúncia, por se tratar de fato comum nesta Circunscrição". Ora, todas as testemunhas de qualquer processo podem, em tese, mudar de endereço. Se essa justificativa fosse válida, a antecipação da prova sempre seria possível, e não mais uma exceção. 4. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para anular a colheita de prova antecipada, com o desentranhamento desses elementos probatórios dos autos.” grifei (STJ. Sexta Turma. HC 242.882/DF. Relator Ministro Antônio Saldanha Palheiro. Relatora para acórdão Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Julgamento em 28/06/2016). Outrossim, cumpre ressaltar que o STJ já autorizou a produção antecipada de provas, com fundamento no esquecimento do fato, contrariando, assim, a sua própria Súmula455,conforme se infere do acórdão abaixo transcrito: “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA. CONCORDÂNCIA PRÉVIA DA DEFESA: NEMO POTEST VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. SÚMULA 455/STJ: MITIGAÇÃO QUANDO A TESTEMUNHA A SER OUVIDA ANTECIPADAMENTE EXERCE PROFISSÃO QUE LIDA COTIDIANAMENTE COM UMA SÉRIE DE FATOS SEMELHANTES QUE, COM O DECURSO DO TEMPO, PODEM SE NUBLAR OU ESVANECER EM SUA MEMÓRIA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Se o recorrente concordou, anteriormente, com a produção da prova, sua mudança de opinião a respeito do assunto constitui afronta ao princípio da boa-fé processual e impede o reconhecimento de nulidade, em virtude do brocardo jurídico "nemo potest venire contra factum proprium", que veda o comportamento contraditório. 2. A Terceira Seção desta Corte, flexibilizando o disposto no verbete sumular n. 455 do STJ, tem entendido que a fundamentação da decisão que determina a produção antecipada de provas pode limitar-se a destacar a probabilidade de que, não havendo outros meios de prova disponíveis, as testemunhas, pela natureza de sua atuação profissional, marcada pelo contato diário com os fatos criminosos que apresentam semelhanças em sua dinâmica, devem ser ouvidas com a possível urgência" (HC 420.160/RS, Min. Rel. RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julg. 02/08/2018, DJe 15/08/2018). 3. No caso concreto, a única testemunha de acusação ouvida (um Agente Fiscal de Rendas) exerce profissão que lida cotidianamente com uma série de fatos tributários semelhantesque, com o decurso do tempo, podem se nublar ou esvanecer em sua memória, o que justifica a sua oitiva com urgência. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 128 4. "A realização antecipada de provas não traz prejuízo para a defesa, vistoque,além de o ato ser realizado na presença de defensor nomeado, caso o réu compareça ao processo futuramente, poderá requerer a produção das provas que julgar necessárias para a tese defensiva e, inclusive, conseguir a repetição da prova produzida antecipadamente". (HC 532.843/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 18/02/2020, DJe 21/02/2020). 5. Agravo regimental a que se nega provimento.” grifei (STJ. Quinta Turma. AgRg no RHC 101.881/SP. Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Julgamento em 12/05/2020). “RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS RECEPTAÇÃO. SUSPENSÃO DO PROCESSO. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. SÚMULA 366/STJ. FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. RISCO DE PERECIMENTO DA PROVA. RECURSO ORDINÁRIO IMPROVIDO. 1. Por traduzir certa mitigação às garantias constitucionais de ampla defesa e do contraditório, já que não autoriza o exercício da autodefesa pelo acusado, para que seja determinada a produção antecipada de provas é imprescindível que o juiz avalie as circunstâncias do caso concreto, não podendo ficar adstrito ao decurso do tempo, nos termos do enunciado n. 455 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. 2. No caso destes autos, a produção antecipada de provas foi determinada em decisão proferida em 26/11/2018. Considerando que, segundo a denúncia, os fatos ocorreram em 18/8/2016, portanto, dois anos antes da providência aqui debatida, natural considerar a real possibilidade de perecimento de detalhes relevantes ao desenrolar da ação. Assim, mostra-se prudente e razoável a coleta da prova testemunhal por antecipação com o intuito de preservar, na medida do possível, a sua integridade com vistas ao esclarecimento dos fatos. 3. Como é cediço, a moderna processualística não admite o reconhecimento de nulidade que não tenha acarretado prejuízo à parte. E, na situação aqui discutida, a defesa não trouxe elementos que permitam inferir a ocorrência de qualquer agravo ao recorrente, limitando-se a apontar a suposta carênciadefundamentação da decisão impugnada. 4. Recurso ordinário improvido.” grifei (STJ. Quinta Turma. RHC 112.240/SP. Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Julgamento em 27/08/2019). “PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. DENÚNCIA. CITAÇÃO POR EDITAL. PRISÃO PREVENTIVA E PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA. ART. 366DO CPP. SÚMULA 455/STJ. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO E OFENSAS AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. NÃO OCORRÊNCIA. PRODUÇÃO DE PROVAS RESPALDADA PELO ORDENAMENTO. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 129 PRINCÍPIO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Conforme o disposto no art. 366 do CPP, "se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal". Ainda, a Súmula 455 do STJ estabelece que "a decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo". 2. A decisão cautelar que determina a produção antecipada da prova testemunhal deve ser motivada, levando-se em consideração ainda os requisitos previstos no art. 225 do Código de Processo Penal. 3. No caso dos autos, o recorrente não foi encontrado, de modo que, citado por edital, o Juízo de primeiro grau, demonstrando fundamentadamente a necessidade da produção antecipada de provas, apontou motivos concretos indicativos da medida de natureza cautelar, visando assegurar a descoberta da verdade real, ante a possibilidade de perecimento da prova testemunhal, tanto pelo decurso do tempo, quanto pela perda da qualidade da prova prestada pelos agentes policiais, dada a vivência de situações tão semelhantes no diaa <dia. 4. Sobre o tema, a Terceira Seção desta Corte uniformizou seu entendimento no sentido de que "a fundamentação da decisão que determina a produção antecipada de provas pode limitar-se a destacara probabilidade de que, não havendo outros meios de prova disponíveis, as testemunhas, pela natureza de sua atuação profissional, marcada pelo contato diário com fatos criminosos que apresentam semelhanças em sua dinâmica, devem ser ouvidas com a possível urgência". 5. Segundo entendimento pacífico desta Corte Superior, a vigência no campo das nulidades do princípio pas de nullité sans grief impõe a manutenção do ato impugnado que, embora praticado em desacordo com a formalidade legal, atinge a sua finalidade, restando à parte demonstrar a ocorrência de efetivo prejuízo, o que não ocorreu no presente caso. 6. Recurso não provido.” grifei (STJ. Quinta Turma. RHC 99.183/GO. Relator Ministro Ribeiro Dantas. Julgamento em 26/03/2019). “PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. CITAÇÃO POR EDITAL, SUSPENSÃO DO PROCESSO E PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. SUPOSTAS AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO E OFENSAS AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. NÃO OCORRÊNCIA. PRODUÇÃO DE PROVAS RESPALDADA PELO ORDENAMENTO. PRINCÍPIO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 130 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado a justificar a concessão da ordem, de ofício. 2. A República Federativa do Brasil, fundada, entre outros princípios, na dignidade da pessoa humana e na cidadania, consagra como garantia "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, [...] o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (art. 5º, LV, da Constituição Federal). Refletindo em seu conteúdo os ditamesconstitucionais, o art.261 do Código de Processo Penal estabelece que "nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor". 3. "O devido processo legal, amparado pelos princípios da ampla defesa e do contraditório, é corolário do Estado Democrático de Direito e da dignidade da pessoa humana, pois permite o legítimo exercício da persecução penal e eventualmente a imposição de uma justa pena em face do decreto condenatório proferido", assim, "compete aos operadores do direito, no exercício das atribuições e/ou competência conferida, o dever de consagrar em cada ato processual os princípios basilares que permitem a conclusão justa e legítima de um processo, ainda que para condenar o réu" (HC 91.474/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, Dje 2/8/2010). 4. Conforme o disposto no art. 366 do CPP, "se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal". Ainda, a Súmula 455 do STJ estabelece que "a decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo". 5. No caso dosautos, o paciente não foi encontrado, de modo que, citado por edital e suspenso o processo nos termos do art. 366 do Código de Processo Penal, o juiz da causa, demonstrando fundamentadamente a necessidade da produção antecipada de provas, apontou motivos concretos indicativos da medida de natureza cautelar, visando assegurar a descoberta da verdade real, ante a possibilidade de perecimento da prova testemunhal, tanto pelo decurso do tempo, quanto pela perda da qualidade da prova prestada pelas testemunhas, dada a falibilidade da memória humana. 6. Segundo entendimento pacífico desta Corte Superior, a vigência no campo das nulidades do princípio pas de nullité sans grief impõe a manutenção do ato impugnado que, embora praticado em desacordo com a formalidade legal, atinge a sua finalidade, restando à parte demonstrar a ocorrência de efetivo prejuízo, o que não ocorreu no presente caso. 7. Habeas corpus não conhecido.” grifei (STJ. QuintaTurma. HC 435.948/PE. Relator Ministro Ribeiro Dantas. Julgamento em 14/08/2018). DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 131 “AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO LIMINAR. WRIT IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL. FURTO QUALIFICADO. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. MOTIVAÇÃO. OCORRÊNCIA. FALIBILIDADE DAMEMÓRIA HUMANA. RELEVANTE TRANSCURSODE TEMPO DESDE A DATA DOS FATOS. EXISTÊNCIA DE CORRÉU. ENUNCIADO 455 DA SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INAPLICABILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1. A via eleita revela-se inadequada para a insurgência contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância que impede o seu formal conhecimento. Precedentes. 2. A produção antecipada de provas permitida pelo artigo 366 do Código de Processo Penal possui natureza acautelatória e visa a resguardar a efetividade da prestação jurisdicional, diante da possibilidade de perecimento da prova em razão do decurso do tempo no qual o processo permanece suspenso. 3. Nos termos do enunciado 455 da Súmula desta Corte de Justiça, "a decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo". 4. Não há como negar o concreto risco de perecimento da prova testemunhal tendo em vista a alta probabilidade de esquecimento dos fatos distanciados do tempo de sua prática, sendo que detalhes relevantes ao deslinde dos fatos narrados na incoativa poderão ser perdidos com o decurso do tempo por causa da revelia do acusado. 5. No caso dos autos, a necessidade de colheita dos depoimentos com relação ao corréu justifica o deferimento da medida, que também se afigura legítima ante o fundado temor na demora da realização da audiência de instrução dado olapsotemporal transcorrido entre a data dos fatos e a decisão impugnada, havendo o risco efetivo de que detalhes relevantes se percam na memória dos depoentes, especialmente das vítimas. Precedentes. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. NÃOCONFIGURAÇÃO. POSSIBILIDADE DE O RELATOR INDEFERIR LIMINARMENTE HABEAS CORPUS MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 210 DO REGIMENTO INTERNO DESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DESPROVIMENTO DO RECLAMO. 1. O Regimento Interno deste Superior Tribunal de Justiça autoriza o relator a decidir o habeas corpus quando o pedido for manifestamente incabível ou improcedente, como ocorre na hipótese dos autos, inexistindo prejuízo à parte, já que dispõe do respectivo regimental, razão pela qual não se configura ofensa ao princípio da colegialidade. 2. Agravo regimental desprovido.” grifei (STJ. Quinta Turma. AgRg no HC 427.018/SC. Relator Ministro Jorge Mussi. Julgamento em 20/02/2018). DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 132 “HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. NULIDADE. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA TESTEMUNHAL. PACIENTE CITADO POR EDITAL. REVELIA. IMPOSSÍVEL PRECISAR O PRAZO PARA RETOMADA DO CURSO DO PROCESSO. TRANSCURSO DE CONSIDERÁVEL TEMPO DESDE A DATA DOS FATOS. RISCO REAL DE EXAURIMENTO DA MEMÓRIA DOS FATOS. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA TESTEMUNHAL ACOMPANHADA POR DEFENSOR PÚBLICO. POSSIBILIDADE DE REINQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS EM CASO DE APRESENTAÇÃO POSTERIOR DO ACUSADO PARA ACOMPANHAR A INSTRUÇÃO PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração não deve ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Contudo, ante as alegações expostas na inicial, afigura-se razoável a análise do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal. 2. Com efeito, a partir da edição do enunciado n. 455 da Súmula do STJ, consolidou-se neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que "a decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo". É também firme nesta Corte a orientação de queadecretação de nulidade processual, na esteira do art. 563 do Código de Processo Penal, absoluta ou relativa, depende da demonstração do efetivo prejuízo para a acusação ou para a defesa. Aplicação na esfera processual do princípio do pas de nullité sans grief. As instâncias ordinárias, soberanas na análise dos fatos, reconheceram a necessidade de produção antecipada da prova testemunhal, tendo em vista que uma das testemunhas tinha 70 anos de idade, acrescido ao fato de policial participar de inúmeras ocorrências, além da revelia do acusado torna impreciso o tempo da retomada processual, aumentando o risco de que o decurso de tempo pudesse exaurir a memória dos fatos, prejudicando, assim, a apuração da verdade real. Como visto, após o decurso de 8 anos da data do crime, o Magistrado de primeiro grau prolatou decisão que autorizou o deferimento da produção antecipada de provas. Destaque- se que da defesa técnica foi realizada por defensor público, na ocasião da produção antecipada da prova. Ademais, no caso de o paciente se apresentar em Juízo para acompanhar a instrução do processo, nada impede que sejam as testemunhas novamente inquiridas ou que se indique real prejuízo apto a ser arguido a fim de anular a prova produzida anteriormente. Nesse contexto, a meu sentir, não demonstrada, portanto, a ocorrência de prejuízo à defesa do acusado pela produção antecipada de prova, consistente na oitiva das testemunhas de acusação. Habeas corpus não conhecido.” grifei (STJ. Quinta Turma. HC 203.894/RJ. RelatorMinistroJoel Ilan Paciornik. Julgamento em 17/10/2017). DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 133 “AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO LIMINAR. WRIT IMPETRADOEM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL. AMEAÇA PRATICADA CONTRA MULHER EM AMBIENTE DOMÉSTICO OU FAMILIAR. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. MOTIVAÇÃO. OCORRÊNCIA.FALIBILIDADE DAMEMÓRIA HUMANA. RELEVANTE TRANSCURSO DE TEMPO DESDE A DATA DOS FATOS. ENUNCIADO 455 DA SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INAPLICABILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1. A via eleita revela-se inadequada para a insurgência contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância que impede o seu formal conhecimento. Precedentes. 2. A produção antecipada de provas permitida pelo artigo 366 do Código de Processo Penal possui natureza acautelatória e visa a resguardar a efetividade da prestação jurisdicional, diante da possibilidade de perecimento da prova em razão do decurso do tempo no qual o processo permanece suspenso. 3. Nos termos do enunciado 455 da Súmula desta Corte de Justiça, "a decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deveser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo". 4. Não há como negar o concreto risco de perecimento da prova testemunhal tendo em vista a alta probabilidade de esquecimento dos fatos distanciados do tempo de sua prática, sendo que detalhes relevantes ao deslinde dos fatos narrados na incoativa poderão ser perdidos com o decurso do tempo por causa da revelia do acusado. 5. O deferimento da realização da produção antecipada de provasnão traz qualquer prejuízo para a defesa, já que,além do ato ser realizado na presença de defensor nomeado, caso o acusado compareçaao processofuturamente, poderá requerer a produção das provas que entender necessárias para a comprovação da tese defensiva. 6. Na hipótese vertente, o temor na demora da realização de audiência de instrução se justifica em face do lapso temporal transcorrido entre a data dos fatos e o deferimento da produção antecipada de provas, havendo o risco efetivo de que detalhes relevantes se percam na memória dos depoentes, o principal deles um policial militar, o que legitima a medida adotada. Precedentes do STJ e do STF. 7. Agravo regimental desprovido.” grifei (STJ. Quinta Turma. AgRg no HC 416.166/DF. Relator Ministro Jorge Mussi. Julgamento em 10/10/2017). Da mesma forma, imperioso destacar decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, constante no Informativo 851, no sentido da possibilidade de produção antecipada da prova com base no decurso do tempo, a saber: DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 134 “A Segunda Turma, em conclusão e por maioria, indeferiu a ordem em “habeas corpus” no qual se pretendia reconhecer a ilegalidade de audiência realizada em ação penal em que o paciente figurou como réu. No caso, o paciente foi denunciado pela suposta prática de homicídio culposo na direção de veículo automotor, delito previsto no art. 302 da Lei 9.503/1997. Como estava foragido, foi citado por edital, com a consequente suspensão do processo (CPC/1973, art. 366). O juízo determinou, em seguida, a realização de audiência de produção antecipada de prova. Na impetração, o réu alegava haver cerceamento de defesa em virtude de, na mencionada audiência, a antecipação de prova ter como único fundamento o decurso do tempo - v. Informativo 844. A Turma entendeu que a antecipação da prova testemunhal configura medida necessária,pelagravidade do crime praticado e possibilidade concreta de perecimento, haja vista que as testemunhas poderiam se esquecer de detalhes importantes dos fatos em decorrência do decurso do tempo. Afirmou que a antecipação da oitiva das testemunhas não revela nenhum prejuízo às garantias inerentes à defesa. Afinal, quando o processo retomar seu curso, caso haja algum ponto novo a ser esclarecido em favor do réu, basta se proceder à nova inquirição. Portanto, segundo decisão da Turma, o magistrado de origem utilizou-se da prudência necessária, a fim de resguardar a produção probatória e, em última análise, o resultado prático do processo penal. Vencidos os ministros Ricardo Lewandowski (relator) e Dias Toffoli, que concediam a ordem. Pontuavam não haver fundamento concreto a indicar a imprescindibilidade da produção antecipada de prova.” grifei (STF. Segunda Turma. HC 135.386/DF. Relator Ministro Gilmar Mendes. Julgamento em 13/12/2016 - Informativo 851). Sob o mesmo entendimento, podemos citar a lição do doutrinaro Renato Brasileiro de Lima, a saber: “5. Produção antecipada de provas urgentes: ... Tendo em conta que o art. 366 do CPP não fixa o lapso temporal durante o qual o processo e a prescrição deverão permanecer suspensos, nos parece que toda e qualquer prova testemunhal deve ser considerada de natureza urgente, de modo semelhante, aliás, ao que ocorre nas hipóteses de reconhecimento de questão prejudicial, em que os arts. 92 e 93 do CPP determinam que, antes de determinar a suspensão do processo e da prescrição, deve o juiz realizar a inquirição das testemunhas e de outras provas de natureza urgente. Ante o efeito deletério que a passagem do tempo exerce sobre a memória das testemunhas, a produção antecipada da prova testemunhal deve ser determinada pelo juiz por ocasião da aplicação do art. 366 do CPP.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado. Salvador: Juspodivm, 2016, pág. 984). DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 135 2ª QUESTÃO: À noite, no retorno para a delegacia, depois de cumpridas outras diligências, policiais civis suspeitaram, com razões justificáveis, da ocorrência de tráfico de drogas em determinada residência. Imediatamente, entraram à força no local e realizaram busca e apreensão no domicílio. Considerando o entendimento do STF, responda, de forma fundamentada, aos seguintes questionamentos a respeito da legalidade da entrada na residência e da busca e apreensão realizada na situação hipotética acima descrita. a) Ao entrarem na residência, naquele momento, os policiais agiram de maneira legal? b) Ao realizarem busca e apreensão no domicílio, os policiais agiram legalmente? Em que momento ocorre o controle judicial desse tipo de ação? c) Caso a ação dos policiais seja considerada ilícita, quais serão as consequências dessa ação? RESPOSTA: XI CONCURSO PÚBLICO PARA CARREIRA DE DELEGADO DE POLÍCIA SUBSTITUTO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA DO ESTADO DO MATO GROSSO - PROVA ESCRITA DISSERTATIVA - 08/10/2017 - CEBRASPE - 2017 GABARITO FORNECIDO PELA BANCA: a) É possível a entrada domiciliar, no período noturno, sem mandado judicial, nas hipóteses permitidas pela Constituição Federal: flagrante delito, desastre, para prestar socorro ou com o consentimento do morador. Art. 5.º, XI, CF/1988 - "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial." O STF, por meio do Tribunal Pleno, ao julgar o RE 603.616/RO, em Repercussão Geral, asseverou que a Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito, asseverando, ainda, que, no crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo, como é o caso do tráfico de drogas. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 136 b) É possível a busca e apreensão no período noturno, sem mandado judicial, quando há situação de flagrante delito, conforme disposto no art. 5º, inciso XI, da CF. Destarte, em Repercussão Geral, o STF já asseverou, in casu, quanto à necessidade de controle judicial posterior à execução da medida, ocasião em que os agentes estatais demonstrarão a existência dos elementos mínimos a caracterizar as fundadas razões (justa causa) da referida medida. c) Se a ação for considerada ilícita, o agente ou autoridade poderá ser responsabilizado disciplinar, civil e penalmente. Ademais, ressalta-se, ainda, a possibilidade de nulidade de todos os atos praticados pelo agente e eventual responsabilização cível do Estado pelos danos causados por seus agentes. "Inviolabilidade de domicílio - art. 5.º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. (...) Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados." (STF. Tribunal Pleno. RE 603.616/RO. Relator Ministro Gilmar Mendes. Julgamento em 05/11/2015). COMPLEMENTAÇÃO DO GABARITO: “HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. INVASÃO A DOMICÍLIO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE.CRIMEPERMANENTE. DESNECESSIDADE DE MANDADO JUDICIAL. INDÍCIOS PRÉVIOS DA SITUAÇÃO DE FLAGRÂNCIA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PERICULOSIDADE DA AGENTE. GRANDE QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA EM SUA RESIDÊNCIA. NECESSIDADE DE GARANTIR A ORDEM PÚBLICA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. INSUFICIÊNCIA. FLAGRANTE ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração não deve ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal - STF e do próprio Superior Tribunal de Justiça - STJ. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável a análise do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal. 2. O entendimento deste Superior Tribunal de Justiça - STJ consolidou-se no sentido de que o crime de tráfico de entorpecentes na modalidade "guardar" é do tipo permanente, cuja consumação se protrai no tempo, o qual autoriza a prisão em flagrante no interior do domicílio, independente de mandado judicial. Ademais, no caso dos autos, verifica-se da peça acusatória, que os policiais militares estavam em patrulhamento pela região e receberam informação DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 137 de que a paciente estaria vendendo drogas naquela via pública e se deslocaram para o local, surpreendendo-a em frente ao imóvel. A paciente, ao ver os policiais, jogou as drogas na calçada (6 porções de skunk), mas foi detida, admitindo a prática do crime e afirmando, inclusive, que havia mais drogas em sua residência. Assim, os policiais, entraram em sua residência, com sua anuência, e encontraram mais drogas, as quais estavam fracionadas e embaladas individualmente, confirmando a prática do delito e realizando a prisão em flagrante da paciente. Nesse contexto, a partir da leitura dos autos, verifica-se que foi constatada a existência de indícios prévios da prática da traficância, o que autoriza a atuação policial, não havendo falar em nulidade da prisão em flagrante no interior do domicílio dos agentes, porausência de mandado judicial. 3. Em vista da natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a possibilidade da sua imposição quando evidenciado, de forma fundamentada e com base em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal - CPP. Deve, ainda, ser mantida a prisão antecipada apenas quando não for possível a aplicação de medida cautelar diversa, nos termos previstos no art. 319 do CPP. No caso dos autos, a prisão preventiva foi adequadamente motivada, tendo sido demonstradas pelas instâncias ordinárias, com base em elementos extraídos dos autos, a periculosidade da pac iente e a gravidade do delito, consubstanciada pela grande quantidade de droga apreendida, a qual a paciente mantinha em depósito em sua residência - 10 tijolos de maconha e 14 porções já embaladas da mesma droga, além de 29 porções de skunk, totalizando cerca de 9kg, o que demonstra risco ao meio social, justificando a segregação cautelar. Consoante pacífico entendimento desta Corte Superior de justiça, "a quantidade, a natureza ou a diversidade dos entorpecentes apreendidos podem servir de fundamento ao decreto de prisão preventiva" (AgRg no HC 550.382/R0, Rei. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, DJe 13/3/2020). 4. É entendimento do Superior Tribunal de Justiça que as condições favoráveis do paciente, por si sós, não impedem a manutenção da prisão cautelar quando devidamente fundamentada. 5. Inaplicável medida cautelar alternativa quando as circunstâncias evidenciam que as providências menos gravosas seriam insuficientes para a manutenção da ordem pública. 6. Habeas corpus não conhecido.” grifei (STJ. Quinta Turma. HC 629.141/SP. Relator Ministro Joel Ilan Paciornik. Julgamento em 16/03/2021). "Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio - art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos - flagrante delito, desastre ou para prestar socorro - a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 138 4. Controlejudicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso,quejustificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso." grifei (STF. Tribunal Pleno. RE 603.616/RO. Relator Ministro Gilmar Mendes. Julgamento em 05/11/2015). Somente por amor ao debate, cumpre ressaltar que o STJ entende ser prescindível o mandado de busca e apreensão quando se tratar de crime permanente, como no caso do delito de tráfico de entorpecentes, como se infere das ementas abaixo transcritas: "AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ILEGALIDADE DO FLAGRANTE. INEXISTÊNCIA. CRIME PERMANENTE. DESNECESSIDADE DE MANDADO JUDICIAL. ADEMAIS, SUPERVENIÊNCIA DE DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. TESE SUPERADA. RECURSO IMPROVIDO. 1. A jurisprudência pacífica e uníssona desta Casa é no sentido de que o delito de tráfico de entorpecentes, nas modalidades guardar, ter em depósito, expor à venda, transportar e trazer consigo, é crime permanente que, como tal, se protrai no tempo, sendo, portanto, prescindível a existência de mandado de busca e apreensão. Ademais, decretada a prisão preventiva, fica superada a alegação de nulidade do flagrante. Precedentes. Hipótese em que encontrados na residência do agravante mais de 5Kg de maconha. DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 139 2. Agravo regimental desprovido." grifei (STJ. Sexta Turma.AgRgno HC 403.827/RS. Relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro. Julgamento em 07/12/2017). "PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL E AGRAVO NO RECURSOESPECIAL. ARTS. 33 E 35 DA LEI 11.343/06. PLEITO ABSOLUTÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. JUNTADA TARDIA DA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL NOS AUTOS. ACESSO DA DEFESA AO CONTEÚDO DAS CONVERSAS TELEFÔNICAS (ÁUDIOS E TRANSCRIÇÕES) DESDE O INÍCIO DA AÇÃO PENAL. GARANTIAS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA PRESERVADAS. MANDADO DEBUSCA E APREENSÃO. AUSÊNCIA DE NULIDADE. DEPÓSITO DE COCAÍNA NA RESIDÊNCIA DOS ACUSADOS. CRIME PERMANENTE. PRESCINDIBILIDADE DE MANDADO JUDICIAL. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. I - Segundo consta no v. acórdão recorrido, a defesa teve acesso ao conteúdo das interceptações. Não restou comprovada qualquer manobra no sentido de dificultar ou cercear o exercício do direito de defesa em relação às provas obtidas por meio da interceptação telefônica autorizada. II - Registre-se, por oportuno, que os recorrentes não aduzem qualquer ilegalidade quanto ao conteúdo da autorização judicial, mas, tão somente, à juntada da autorização judicial após a prolação da sentença. Note-se que, embora a autorização judicial tenha sido juntada aos autos apenas após a prolação da r. sentença, todo o conteúdo das interceptações (CDs com os áudios e transcrição das conversas telefônicas) constaram dos autos desde o início da ação penal, de modo que foram respeitadas as garantias do contraditório e da ampla defesa. III - o sistema de nulidades previsto no Processo Penal brasileiro se pauta pelo princípio pas de nullité sans grief. Por isso, o reconhecimento de nulidade de ato praticado no curso do processo depende de efetiva demonstração de prejuízo, o que não ocorreu na hipótese dos autos. IV - O v. acórdão está em consonância com a jurisprudência desta Corte, por consignar ser permanente o crime de tráfico de drogas - na modalidade guardar ou ter em depósito -, configurando-se o flagrante enquanto o entorpecente estiver em poder do infrator. Precedentes. Agravo regimental desprovido." grifei (STJ. Quinta Turma. AgRg no Aresp 890.439/RS.RelatorMinistro Felix Fischer. Julgamento em 06/02/2018). DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 140 Tema 14: Teoria da Liberdade: Valores da Jurisdição: verdade e liberdade (Ferrajoli). Relaxamento. Revogação da prisão cautelar. Liberdade Provisória. Noções gerais de liberdade provisória. Liberdade provisória sem fiança. Visão garantista. 1ª QUESTÃO: Diga se cabe liberdade provisória de prisão preventiva. Justifique. RESPOSTA: Não, tendo em vista serem institutos incompatíveis. Ou a prisão é necessária e válida ou não é, e haverá a revogação (liberdade plena). “Finalmente, não se devem confundir as situações de relaxamento e revogação da prisão cautelar com a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança. No CPP, com a reforma da Lei nº 12.403/2011, a liberdade provisória passou a ser cabível, em substituição à prisão em flagrante, em duas situações: (1) no caso de o juiz verificar a existência de excludente de ilicitude (CPP, art. 310, parágrafo único); (2) no caso em que, por sua situação econômica, o investigado ou acusado não possa pagar a fiança (CPP, art. 350). A Constituição garante que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança” (art. 5º, LXVI).” (BADARÓ, Gustavo.Processo Penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, pág. 751). 2ª QUESTÃO: Estabeleça a diferença entre liberdade provisória e relaxamento de prisão. RESPOSTA: "O relaxamento de prisão tem como causa uma prisão em flagrante ilegal, ou seja, cabível em face de toda e qualquer espécie de prisão, desde que ilegal. Não se trata de medida cautelar, mas sim de medida de urgência baseada no poder de polícia da autoridade judiciária. Acarreta a restituição de liberdade plena. Todavia, presentes o fumus comissi delicti e o periculum libertatis, é possível a imposição de medidas cautelares diversas da prisão. Cabível em relação a todo e qualquer delito e só pode ser decretado pela autoridade judiciária competente. Em contrapartida, a liberdade provisória incide nas hipóteses de prisão legal. Por força da Lei 12.403/2011, passou a ser cabível em face de qualquer prisão. Trata-se de medida de contracautela, em que se subrroga o carcer ad custodiam decorrente da prisão cautelar (CPP, art. 310, III, c/c art. 321), e também de medida cautelar autônoma, que pode ser aplicada com a imposição de uma ou DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 141 mais das medidas cautelares diversas da prisão (CPP, art. 321). Acarreta a restituição da liberdade com vinculação. Há dispositivos legais que vedam a liberdade provisória, com ou sem fiança, em relação a alguns delitos, o que, todavia, não impede a aplicação das medidas cautelares diversas da prisão. A liberdade provisória pode ser concedida tanto pela autoridade policial (CPP, art. 322), como pela autoridade judiciária." (LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Impetus, 2013, pág. 1.011). Tema 15: Teoria da Liberdade (continuação): Liberdade provisória mediante fiança: Regime jurídico da fiança. Limitações e Paradoxos do Sistema Brasileiro. Novo regime jurídico da fiança. Valor, reforço, dispensa, destinação, cassação, quebramento e perda da fiança. Liberdade provisória e a Lei 8.072/90. 1ª QUESTÃO: Pergunta-se: a) Em que consiste a quebra da fiança e quais são suas consequências? b) O que distingue a quebra da perda da fiança? c) Após obter a liberdade provisória mediante fiança, o réu a quebra, mas vem a ser absolvido. O que acontece com o valor da fiança? Respostas fundamentadas. RESPOSTA: a) "A quebra é ocasionada pelo descumprimento injustificado das obrigações do afiançado. É a sanção processual imposta (apenas) pelo Judiciário àquele que rompeu com o laço de confiança. Para que a quebra seja determinada, acreditamos que o afiançado deve ser ouvido, respeitando-se o contraditório e oportunizando eventual justificativa. A quebra pode ser determinada de ofício ou por provocação, tendo as seguintes consequências (art. 343, CPP): - perda da metade do valou caucionado, que será recolhido ao fund penitenciário, depois de deduzidas as custas e demais encargos a que o acusado estiver obrigado. A outra parte será devolvida. Mesmo que ao final o réu seja absolvido, a quebra não é revertida. Assim, fica apenas com 50% do que prestou a título de fiança; - imposição de outras medidas cautelares pelo juiz ou, se for o caso, a decretação da prisão preventiva, com recolhimento ao cárcere, efetivando-se a prisão que foi evitada pela prestação de fiança, ou restabelecendo-se aquela previamente existente. Naturalmente, na fase investigativa, a DIREITO PROCESSUAL PENAL - CP08 - 02 - CPII - 2º PERÍODO 2021 142 decretação da preventiva como consequência da quebra dependerá de provocação judicial (art. 311, CPP). Enquanto o réu não for preso, o processo segue à sua revelia; - impossibilidade, naquele mesmo processo, de nova prestação de fiança (art. 324, I, CPP)." (TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 3ª tiragem. 8 ed. rev., ampl. e atual. Bahia: Editora JusPodivm, 2013, pág. 660-661). b) "Uma vez transitada em julgado a sentença condenatória que imprima ao réu pena privativa de liberdade, independentemente do regime, se fechado, aberto ou semiaberto, o condenado terá que se recolher ao cárcere para iniciar o cumprimento da pena. Não pode frustrar a efetivação da punição, esquivando-se da apresentação a prisão, ou evadindo-se para não ser encontrado pelo oficial ou outra autoridade encarregada de levá-lo ao cárcere. Se o fizer, a fiança será julgada perdida, e por consequência, o valor remanescente da fiança, que já serviu para pagar as custas, adimplir prestação pecuniária, indenizar a vítima, e cobrir eventual multa, não será devolvido, sendo canalizado ao fundo penitenciário, na forma da lei. Assim, 100% do