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ESCOLA DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Turma: CPII A 22022
Disciplina/Matéria: DIREITO PROCESSUAL PENAL
Sessão: 04 - Dia 04/10/2022 - 08:00 às 09:50
Professor: ANTONIO JOSE CAMPOS MOREIRA
04 Tema: Teoria geral da prova: Conceito. Objeto. Principiologia da prova: garantia da jurisdição
(distinção de atos de investigação e atos de prova); presunção de inocência; carga da prova (ônus)
e in dubio pro reo; in dubio pro societate ranço inquisitório); contraditório e momentos de prova;
provas e direito de defesa (princípio do nemo tenetur se detegere). Finalidade da prova. Avaliação
e conferência da prova (sistema legal de provas, íntima convicção e livre convencimento
motivado). O problema da verdade no Processo Penal. Prova Indiciária.
1ª QUESTÃO:
O Ministério Público ofereceu denúncia contra ZÉ ALFREDO como incurso nas sanções do artigo
304 do Código Penal, por ter, em tese, apresentado documento público (histórico escolar) e
documento particular (diploma de qualificação técnica) falsos perante o Conselho Regional de
Enfermagem do Estado do Rio de Janeiro, a fim de exercer ilegalmente a profissão de auxiliar de
enfermagem.
O magistrado recebeu a denúncia e determinou a citação do acusado para responder à ação penal.
Durante a fase instrutória, as partes não produziram provas. Pelo juiz, foi determinada a intimação de
5 (cinco) testemunhas, com fundamento no art. 156, II, do Código de Processo Penal.
Inconformada, a defesa de ZÉ ALFREDO impetrou habeas corpus, ao argumento de que houve
abuso do poder probatório e, por consequência, violação da imparcialidade do juiz.
Com base no exposto, esclareça, com base no entendimento da doutrina e jurisprudência, se o writ
merece ser concedido.
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RESPOSTA:
A ordem deve ser concedida, uma vez que o juiz não pode assumir papel de acusação. Segundo o
STF, o juiz pode produzir provas ex officio, desde que o faça de modo complementar, não arvorando
o papel de acusador, como, por exemplo, no caso de o Ministério Público arrolar 5 (cinco)
testemunhas, tendo uma destas testemunhas mencionado que determinada testemunha não arrolada
pelo MP presenciou o fato. Neste caso, o magistrado pode arrolar essa testemunha de ofício. Essa
atuação é suplementar e admitida, não violando a imparcialidade do juiz.
Sobre o tema em questão, podemos citar três correntes:
1) Majoritária. Fernando da Costa Tourinho Filho. Ada. Marcellus Polastri. Renato Brasileiro
de Lima. Norberto Avena. Renato Marcão. Adotada inclusive pelo STF.
“Já se referiu que o inc. II do art. 156 do CPP praticamente torna inútil a regra contida no caput. Não
se deve olvidar, contudo, que o Juiz somente em casos excepcionais deve empreender a pesquisa de
ofício. Seu campo de ação na área de pesquisa probatória deve ser por ele próprio limitado, para
evitar uma sensível quebra da sua imparcialidade.
(...)
Arredada a hipótese de o Juiz assumir o papel de parte acusadora ou defendente, é claro que a regra
constante do inc. II do art. 156 do CPP não é simplesmente decorativa. Em casos excepcionais,
quando a dúvida assaltar o espírito do Julgador, poderá este procurar dirimi-la determinando a
realização de diligências com tal objetivo.
(TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Volume 3. 35 ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2013. pág. 269-270).
“O Código de Processo Penal permite que, no processo, caso a parte não produza a prova ou persista
dúvida, o juiz possa determinar de ofício diligências ou produção de provas.
...
Mas, diferentemente dos países que adotam o juízo de instrução, no Brasil, onde se procura um
processo acusatório, o juiz só deve agir na busca da prova de forma supletiva, (...). Assim, no sistema
brasileiro, o juiz só pode buscar a prova, ainda assim de forma supletiva, dentro do processo.
...
O processo penal busca a verdade provável, e assim o juiz, que a princípio deve manter-se inerte, para
esclarecer os fatos pode produzir a prova, supletivamente, no caso de não produção desta pelas
partes.”
(LIMA, Marcellus Polastri. Curso de Processo Penal. 7 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen
Juris. 2013, pág. 394-395).
“No curso do processo penal, grande parte da doutrina e da jurisprudência admitem que o juiz, de
modo subsidiário, possa determinar a produção de provas que entender pertinentes e razoáveis, a fim
de dirimirdúvidas
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sobrepontos relevantes, seja por força do princípio da busca da verdade, seja pela adoção do sistema do
livre convencimento motivado. Nesse caso, é imperioso o respeito ao contraditório e à garantia de
motivação das decisões judiciais. A fim de dirimir eventual dúvida que tenha nascido no momento da
valoração da prova já produzida em juízo, esta atuação deve ocorrer de modo supletivo, subsidiário,
complementar, nunca desencadeante da colheita da pova. Em síntese, não se pode permitir que o
magistrado se substitua às partes no tocante à produção das provas.
Para tanto, deve o magistrado atuar de maneira imparcial. Se o escopo do juiz for o de buscar provas
apenas para condenar o acusado, além da violação ao sistema acusatório, haverá evidente
comprometimento psicológico com a causa, subtraindo do magistrado a necessária imparcialidade, uma
das mais expressivas garantias inerentes ao devido processo legal, prevista expressamente na Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (Dec. nº 678/92, art. 8º, nº. 1).
...
Além disso, de modo a preservar sua imparcialidade, impõe-se ao magistrado o dever de motivar sua
decisão, expondo a necessidade e relevância da prova cuja realização foi por ele determinada ex offício.
E nem se diga que essa atuação subsidiária do juiz na produção de provas compromete sua
imparcialidade. Na verdade, como destaca a doutrina, “os poderes instrutórios do juiz não são
incompatíveis com a imparcialidade do julgador. Ao determinar a produção de uma prova, o juiz não
sabe, de antemão, o que dela resultará e, em consequência, a qual parte vai beneficiar. Por outro lado, se o
juiz está na dúvida sobre um fato e sabe que a realização de uma prova poderia eliminar sua incerteza e
não determina sua produção, aí sim estará sendo parcial, porque sabe que, ao final, sua abstenção irá
beneficiar a parte contrária àquela a quem incumbirá o ônus daquela prova.
(...)
Também não há qualquer incompatibilidade entre o processo penal acusatório e um juiz dotado de
iniciativa probatória, que lhe permita determinar a produção de provas que se façam necessárias para o
esclarecimento da verdade.”
(LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Volume único. Rio de Janeiro: Impetus,
2013, pág. 586-587).
“Considera-se, afinal, que , se a prova dirige-se ao juiz, visando à formação de seu convencimento quanto
aos fatos alegados pelas partes, não seria razoável exigir do magistrado uma posição absolutamente inerte
na fase instrutória do processo criminal, vinculando-se, apenas, às provas requeridas ou produzidas pelas
partes.
A despeito de não ignorarmos a posição oposta que vislumbra na produção oficiosa de provas uma
violação ao modelo acusatório adotado pela Constituição Federal, compreendemos, conforme já
abordamos no tópico anterior, que não há essa incompatibilidade, pois, ao assim proceder, não está o
magistrado substituindo-se às partes noprocesso criminal,
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mastão somente ordenando diligências no intuito desaber a realidade como efetivamente ocorreram os
fatos.
(...)
Não obstante tudo isso e a despeito de o regramento existente ser favorável à possibilidade da produção
de provas de ofício pelo juiz, existe posição doutrinária e jurisprudencial entendendo que essafaculdade
do magistrado não teria sido recepcionada pela Constituição Federal.”
(AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. 6 ed. rev., atual e ampl. Rio de Janeiro:
Forense. São Paulo: Método, 2014. pág. 466).
“Na busca da verdade real, tratar-se de mera faculdade conferida ao julgador, que apenas poderá agir de
forma supletiva, visando tão somente a complementação da prova ou seu esclarecimento com o fim de
dirimir dúvida, de modo que não se permite ao juiz suprir a inércia da parte ou a esta se sobrepor,
tomando para si a iniciativa de produzir prova.
A iniciativa probatória do juiz que atua no sistema acusatório encontra-se envolta por limites, de modo
que não pode ganhar contornos de iniciativa acusatória, por isso concordamos com Pacelli quando acena
para a possibilidade de se estabelecer um critério objetivo a esse respeito, mínimo que seja, e exemplifica:
“o art. 564, III, b, do CPP, prevê como nulidade a falta de exame de corpo de delito nos crimes que
deixam vestígios, quando ainda presentes os vestígios. Acreditamos que, em tal situação, se o Ministério
Público não requerer a produção da prova técnica, quando exigida, o juiz não poderá fazê-lo à conta do
princípio da verdade real, na medida em que ele estaria atuando em substituição ao Ministério Público,
empreendendo atividade tipicamente acusatória, supletivamente ao órgão estatal responsável pela sua
produção”.
Já não é atual, e não serve para o sistema acusatório, o pensamento de Pietro Ellero quando diz que “em
matéria penal compete ao juiz a obrigação de prova”. É certo, como afirmou Malatesta, que o juiz penal
deve, ele próprio, procurar alcançar a verdade substancial, que é o fim último de todo o processo, mas
disso não se extrai possa o magistrado atribuir a sim mesmo o ônus, ou dever nesse caso, de produzir a
prova pertinente. A afirmação de Malatesta só serve ao modelo acusatório de processo penal se
compreendida como a tarefa conferida ao juiz de vasculhar a prova apresentada em juízo, com o objetivo
de nela alcançar elementos de convicção que o aproximem da verdade real.
Observados os limites apontados, calha pontuar que no CPP encontramos alguns dispositivos
disciplinando diligências que podem ser adotadas pelo juiz com vistas à produção de provas, a saber: art.
196 (a todo tempo o juiz poderá proceder a novo interrogatório do réu, de ofício ou a pedido
fundamentado de qualquer das partes); art. 290 (o juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras
testemunhas,além das
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arroladaspelas partes); art. 229 (proceder a acareações); art. 234 (determinar a juntada de determinado
documento relevante), e art. 240 (determinar busca domiciliar ou pessoal, bem como a apreensão de
objetos e coisas).”
(MARCÃO, Renato. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2014, pág. 431-432).
“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL DA DEFESA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
HOMICÍDIO NO TRÂNSITO. 1. OFENSA AO SISTEMA ACUSATÓRIO. PRODUÇÃO DE
PROVA DE OFÍCIO. IMPARCIALIDADE DO MAGISTRADO. 2. INDEFERIMENTO DE
OITIVA DA VÍTIMA HOSPITALIZADA. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. 3. SENTENÇA DE
PRONÚNCIA. ELEMENTOS INDICIÁRIOS. 4. DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO. DOLO
EVENTUAL X CULPA CONSCIENTE. 5. PREQUESTIONAMENTO EXPLÍCITO DE MATÉRIA
CONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DOS VÍCIOS DO ART. 619 DO CPP. 6. COEXISTÊNCIA DE
DOLO EVENTUAL COM QUALIFICADORAS - MEIO CRUEL E MOTIVO FÚTIL. 7. AGRAVO
REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1.1. A suposta violação dos arts. 156, II, e 402 do Código de Processo Penal não foi apreciada pelo
Tribunal a quo, por se tratar de inovação recursal.
1.2. O processo é produto da atividade cooperativa triangular entre o juiz e as partes, onde todos devem
buscar a justa aplicação do ordenamento jurídico no caso concreto.
1.3. A produção de prova testemunhal de ofício está ligada aos princípios da verdade real, do
impulso oficial e da persuasão racional (livre convencimento motivado). O juiz pode entender pela
necessidade de produção de prova essencial ao esclarecimento da verdade, em nítido caráter
complementar.
2.1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que, em regra, salvo situação excepcionalíssima,
não se acolhe alegação de nulidade por cerceamento de defesa, em função do indeferimento de
diligências, porquanto o magistrado é o destinatário final da prova, logo, compete a ele, de maneira
fundamentada e com base no arcabouço probatório produzido, analisar a pertinência, relevância
necessidade da realização da atividade probatória pleiteada (ut, AgRg no AREsp 1082788/SP, Rel.
Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, DJe 15/12/2017) 2.2. No caso, a oitiva da vítima, além de
ter sido requerida pelo MP, foi indeferida por ausência de previsão acerca da alta hospitalar e para evitar
o agravamento de seu quadro clínico.
3.1. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, é admissível o uso do inquérito policial como
parâmetro de aferição dos indícios de autoriaimprescindíveis
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à pronúncia, sem que isto represente violação ou negativa de vigência ao art. 155 do CPP.
3.2. Ademais, na hipótese, o Magistrado de primeiro grau fundamentou a existência de indícios de autoria
nos depoimentos testemunhais e no interrogatório do réu.
4.1. O pleito defensivo de desclassificação da conduta/impronúncia encontra óbice na impossibilidade de
revolvimento do material fático-probatório dos autos em sede de recurso especial, a teor da Súm. n.
7/STJ. Não se pode generalizar a exclusão do dolo eventual em comportamentos humanos voluntários
praticados no trânsito.
5.1. A jurisprudência desta Corte é uníssona ao afirmar que mesmo os recursos que pretendem o
prequestionamento de tema constitucional demandam a demonstração concomitante da existência de um
dos vícios do art. 619 do CPP, o que inocorreu no caso dos autos.
6.1. Inexiste incompatibilidade entre o dolo eventual e o reconhecimento do meio cruel para a consecução
da ação, na medida em que o dolo do agente, direto ou indireto, não exclui a possibilidade de a prática
delitiva envolver o emprego de meio mais reprovável, como veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou
outro meio insidioso ou cruel [...] (art. 121, § 2o, inciso III, do CP).
6.2. A anterior discussão entre autor e vítima não é suficiente para afastar a qualificadora do motivo fútil,
cuja incidência é possível, ainda que se trate de dolo eventual.
7.1. Agravo regimental a que se nega provimento.”
grifei
(STJ. Quinta Turma. AgRg no Resp 1.573.829/SC. Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca.
Julgamento em 09/04/2019).
“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E CORRUPÇÃO DE
MENORES. BUSCA E APREENSÃO DE LAUDO PERICIAL. MEDIDA DETERMINADA DE
OFÍCIO PELA MAGISTRADA SINGULAR APÓS A APRESENTAÇÃO DE ALEGAÇÕES FINAIS
PELAS PARTES. POSSIBILIDADE DE O JUÍZO ORDENAR A PRODUÇÃO DOS
ELEMENTOS DE CONVICÇÃO NECESSÁRIOS À FORMAÇÃO DO SEU LIVRE
CONVENCIMENTO. NULIDADE INEXISTENTE.
1. Embora o juiz seja um órgão do Estado que deve atuar com imparcialidade, acima dos interesses
das partes, o certo é que o próprio ordenamento jurídico vigente permite que, na busca da verdade
real, ordene a produção de provas necessárias para a formação do seu livreconvencimento, sem
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que tal procedimento implique qualquer ilegalidade. Inteligência do artigo 156, inciso II, do Código
de Processo Penal. Doutrina. Jurisprudência.
2. O fato de a magistrada haver determinado, de ofício, a expedição de mandado de busca e apreensão do
laudo de exame de material entorpecente após a apresentação de alegações finais pelas partes não enseja a
nulidade da prova, uma vez que o referido documentofoi por ela considerado indispensável para analisar
o mérito da causa, e as partes terão a oportunidade de sobre ele se manifestar antes da prolação de
sentença. Precedentes do STJ e do STF. NULIDADE DO LAUDO PERICIAL. MATÉRIA NÃO
DISCUTIDA NO ACÓRDÃO IMPUGNADO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.
1. A par de ainda não constar do processo o exame definitivo cuja busca e apreensão foi determinada, a
aventada imprestabilidade do laudo pericial, que não seria autêntico por não conter a assinatura do perito
por ele responsável, não foi alvo de deliberação pela Corte Estadual no acórdão impugnado, circunstância
que impede
qualquer manifestação deste Sodalício sobre otópico, sob pena de se configurar a prestação jurisdicional
em indevida supressão de instância.
2. Recurso parcialmente conhecido, e, nessa extensão, desprovido.”
grifei
(STJ. Quinta Turma. RHC 92.458/RJ. Relator Ministro Jorge Mussi. Julgamento em 21/06/2018).
“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. ARTIGOS 4º DA LEI N.
7.492/1986 E 1º, VI, DA LEI N. 9.613/1998. MAGISTRADO QUE HOMOLOGA ACORDO DE
COLABORAÇÃO PREMIADA. IMPEDIMENTO. INEXISTÊNCIA. ARTIGO 252 DO CPP.
HIPÓTESES TAXATIVAS. JUNTADA DE DOCUMENTOS NO CURSO DA AÇÃO PENAL.
DETERMINAÇÃO JUDICIAL EX OFFICIO. POSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS NÃO
CONHECIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de
Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua
admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a
possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento
objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais
importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder,
garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.
2. As causas de impedimento do Magistrado para o processamento e julgamento da causa são
circunstâncias objetivas relacionadas a fatos internos ao processo, previstas, taxativamente, no artigo 252
do Código de Processo Penal.
3. Nesse diapasão: a) não é possível interpretar-se extensivamente os seus incisos I e II de modo a
entender que o juiz que atua em fase pré-processual desempenha funções equivalentes ao de um delegado
de polícia ou membro do Ministério Público ( HC 92893,
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Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 02/10/2008, DJe de
11/12/2008); b) não se pode ampliar o sentido do inciso III de modo a entender que o juiz que atua em
fase pré-processual ou em sede de procedimento de delação premiada em ação conexa desempenha
funções em outra instância (o desempenhar funções em outra instância é entendido aqui como a atuação
do mesmo magistrado, em uma mesma ação penal, em diversos graus de jurisdição) - HC 97553, Relator
Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 16/06/2010, DJe de 09/09/2010.
4. Na hipótese vertente, não houve exteriorização de qualquer juízo de valor acerca dos fatos ou das
questões de direito emergentes na fase preliminar que impeça o Juiz oficiante de atuar com
imparcialidade no curso da ação penal. O acórdão impugnado considerou que a participação do
magistrado restringiu-se à homologação do acordo de delação premiada e a sentença consignou que os
depoimentosdos delatores não haviam sido isoladamente considerados para embasar a condenação.
5. Em resumo, a homologação do acordo de colaboração premiada pelo Magistrado não implica seu
impedimento para o processo e julgamento da ação penal ajuizada contra os prejudicados pelas
declarações prestadas peloscolaboradores, não sendo cabível interpretação extensiva do artigo 252 do
CPP. Precedentes.
6. Em obediência ao princípio da busca da verdade real e pela adoção do sistema de persuasão
racional do juiz, é possível que o magistrado, na fase processual, determine a produção de provas
ex officio, desde que de forma complementar à atividade probatória das partes. No caso, o juiz,
conhecedor de elementos probatórios constantes de outras ações penais conexas à presente, e que
poderiam suprir dúvidas existentes nos autos sobre pontos relevantes para o julgamento da causa,
determinou a sua juntada ao procedimento criminal, com a reabertura de prazo às partes para
manifestação. Inteligência dos arts. 156, II e 502 da Lei Adjetiva Penal.
7. Habeas corpus não conhecido.”
grifei
(STJ. Quinta Turma. HC 221.231/PR. Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Julgamento
em 21/03/2017).
2) Aury Lopes Jr.
Sustenta a inconstitucionalidade do art.156, II do CPP. Ele diz que a posição do STF coloca o juiz como
ator coadjuvante na produção probatória, mas que o art.156, II do CPP deveria ser inconstitucional e se
deveria vedar qualquer produção probatória do juiz de ofício, pois isso violaria oprincípio da inércia da
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jurisdição e consequentemente, o princípio da imparcialidade dojuiz.
“Cada vez estamos mais convictos de que o processo acusatório impõe um repensar a construção do
saber jurisdicional desde a perspectiva do contraditório, delimitando, portanto, o campo de exercício
do poder. Para tanto, imprescindível quea gestão da prova esteja nas mãos das partes (juiz-espectador)
e que, para dar eficácia a esse princípio, seja adotada a exclusão física dos autos do inquérito policial
(ou qualquer outra forma de investigação preliminar que se tenha), garantindo-se assim a máxima
originalidade do julgamento.”
(LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. pág. 580).
3) Eugênio Pacelli.
“Nesse ponto, o sistema acusatório imposto pela Constituição Federal de 1988 no qual foram
delimitadas as funções do juiz e as atribuições do Ministério Público, deverá funcionar como um
redutor e/ou controlador da aplicação do mencionado dispositivo, em face da imparcialidade que deve
nortear a atuação judicial.
Quando falamos em imparcialidade, não estamos nos referindo unicamente à ausência de
interferências externas que, segundo a lei, podem influir no ânimo do magistrado, como ocorre nos
casos legais de impedimento, suspeição ou incompatibilidade, previstos nos art. 112, 252, 253, 254,
todos do CPP.
Falamos, agora, na imparcialidade no que se refere à atuação concreta do juiz no processo, de modo a
impedir que este adote postura tipicamente acusatória no processo, quando, por exemplo, entender
deficiente a atividade desenvolvida pelo Ministério Público. O juiz não poderá desigualar as forças
produtoras da prova no processo, sob pena de violação dos princípios constitucionais do contraditório
e da ampla defesa, ambos reunidos na exigência de igualdade e isonomia de oportunidades e
faculdades processuais.
...
Se, de um lado, assim deve ocorrer em relação ao ônus probatório imposto à acusação, de outro lado,
a recíproca não deve ser verdadeira. Provas não requeridas pela defesa poderão ser requeridas de
ofício pelo juiz, quando vislumbrada a possibilidade de demonstração da inocência do réu. E não
vemos aqui qualquer dificuldade: quando se fala na exigência de igualdade de armas, tem-se em vista
a realização efetiva da igualdade, no plano material, e não meramente formal. A construção da
igualdade material pasa, necessariamente, como há muito ensinam os constitucionalistas, pelo
tratamento distinto entre iguais edesiguais.
...
Hipótese diferente ocorreria quando a atividade probatória do juiz se destinasse unicamente a resolver
dúvida sobre ponto relevante, nos exatos termos do art. 156, II do CPP. Por dúvida, que deve se
dirigir ao questionamento acerca da qualidade ou da idoneidade da prova, não se pode entender a
ausência dela (prova), como ocorreriano exemplo anterior. A dúvida somente instala-se no espírito a
partir da confluência de proposições em sentido diverso sobre determinado objeto ou ideia. No campo
probatório, ela ocorreria a partir depossíveis conclusões diversas acerca d
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o material probatório então produzido, e não sobre onão produzido. Assim, é de se admitir a dúvida
do juiz apenas sobre prova produzida, e não sobre a insuficiência ou a ausência da atividade
persecutória.”
(OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de.Curso de Processo Penal. 16 ed. Atualizada de acordo com as
Leis nº 12.403, 12.432, 12.461, 12.483 e 12.529, todas de 2011, e Lei Complementar nº 140, de 8
de dezembro de 2011. Rio de Janeiro: Atlas, 2012, pág. 327-329).
2ª QUESTÃO:
No direito processo penal pátrio, é aplicável o “standard além (ou acima) da dúvida do razoável”,
como critério de decisão na avaliação do conjunto de provas e indícios, diante do princípio
constitucional do in dubio pro reo?
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RESPOSTA:
O standard além (ou acima) da dúvida razoável trata-se de matéria referente à lógica das provas, ou
seja, ao raciocínio do tomador de decisão (julgador), e assim é perfeitamente aplicável (e tem sido
aplicado) ao direito no direito processual pátrio, servindo de referencial para aplicação do princípio
do in dubio pro reo. O standard apresenta-se como alternativa ao conceito de verdade real (absoluta
ou substancial) que possui inegável carga utópica e é cientificamente indemonstrável. Vale dizer, o
standard é critério adotado em raciocínio lógico probatório e, assim, não diz respeito ao ônus
probatório ou a opções valorativas adotadas em determinadas fases ou em incidentes processuais
(recebimento da denúncia, pronúncia, decreto de prisão).
Segundo o standard para se proferir uma decisão é necessário se avaliar todo o conjunto probatório
(incluída tanto a prova direta como o indício, eis que ambos têm valor jurídico) e se chegar a
conclusão de que o fato (ou hipótese fática) apontado como verdadeiro, descrito na peça acusatória,
melhor explica e é melhor explicada (IME - Inferência para Melhor Explicação) pelo referido
conjunto além (ou acima) de qualquer dúvida razoável.
Importante dizer que o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, adotado pelo Brasil a partir
do Decreto nº 4.388/2002, no seu art. 66, estabelece que: “3. Para proferir sentença condenatória, o
Tribunal deve estar convencido de que o acusado é culpado, além de qualquer dúvida razoável”.
Nesta linha já decidiu o Supremo Tribunal Federal (voto da Ministra Rosa Weber no caso Operação
Sanguessuga) e o Tribunal Regional Federal - 4ª Região (no voto do Desembargador João Pedro
Gebran sobre processo criminal envolvendo o ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva).
Finalizando, nestes termos, o referido standard pode ser aplicado no direito processual pátrio,
passando a ser o referencial de aplicação do princípio do in dubio pro reo, na medida em que não
havendo convencimento além (ou acima) da dúvida do razoável para a condenação, o acusado deve
ser absolvido.
COMPLEMENTAÇÃO DO GABARITO:
“10.1.14. Critérios de decisão: o problema dos standards probatórios
No relacionamento entre verdade e prova, podem ser destacados momentos ou contextos distintos. Há
o momento da descoberta, o momento da instrução, há o momento da valoração e o momento da
decisão. A estes, se pode acrescentar o momento da justificação, posterior à atividade de reconstrução
histórica dos fatos, mas fundamental para legitimá-la e permitir um controle intersubjetivo das
escolhas racionais do julgador.
Não é comum, na doutrina nacional, fazer a distinção entre momento da valoração e momento da
decisão. A atividade valorativa tem por objeto os meios de prova, que deverão ser confrontados e
valorados segundo regras lógicas e racionais. A valoração leva &
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à decisão sobre a veracidade ou não de uma determinada afirmação sobre os fatos. Todavia, os momentos
de valoração e decisão não se confundem, e, mais relevante do que isso, são regidos por estatutos
distintos. O contexto da valoração é eminentemente racional. Em um sistema de persuasão racional, as
regras jurídicas não devem ter influência sobre como valorar os meios de provas. Questão diversa diz
respeito ao critério de decisão. Cabe ao legislador, a partir de um determinado valor que deseje tutelar,
estabelecer critérios de decisão que poderão variar, por exemplo, segundo o bem jurídico em jogo, ou a
natureza do processo.
Esse é o campo dos critérios de decisão, ou qual o grau de convencimento que se exige do julgador
para poder decidir que um fato está provado. O tema dos “critérios de decisão”, também denominados
“standards probatórios” ou “modelos de constatação”, tem sido muito pouco explorado pela doutrina
processual penal brasileira, que geralmente se limita a apreciar a questão sob o enfoque do in dubio pro
reo, mas não dos diversos graus que se podem exigir do julgador para que se considere um fato “provado”
ou mesmo para que se tenha como satisfeito um requisito legal de mera probabilidade, e não de “certeza”.
Em uma escala crescente, pode-se trabalhar com “modelos de constatação” ou “critérios de
convencimento”, ou ainda “standards probatórios” variados: (i) simples “preponderância de
provas” (preponderance evidence), que significa a mera probabilidade de um fato ter ocorrido; (ii) “prova
clara e convincente” (clear and convincing evidence), que pode ser identificada como uma probabilidade
elevada; (iii) e “prova além da dúvida razoável” (beyond a reasonable doubt), como uma probabilidade
elevadíssima, que muito se aproxima da certeza.
...
A razão de se exigir no processo penal um standard probatório mais elevado que no processo civil é de
natureza política, e não simplesmente técnica. No processo penal, em razão da presunção de inocência, do
ponto de vista probatório há um desequilíbrio estrutural entre as posições do acusado, a quem não
incumbe nenhum ônus, e o acusador, sobre quem recai toda a carga probatória. Contudo, além de atribuir
toda a carga da prova para a acusação, também se adota um standard de prova bastante elevado, tornando
o convencimento judicial dos fatos que favoreçam a acusação particularmente difícil.
Diferentemente do processo civil, a definição dos standards probatórios no processo penal não tem por
objetivo eliminar ou distribuir os riscos de erros em razão da insuficiência probatória, mas sim distribuir
os erros de forma a favorecer sistematicamente a posição do acusado. Justamente por isso, se considera
preferível absolver um (ou dois, ou dez, ou mil...) culpado do que condenar um inocente!”
(BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. 6 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
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ThomsonReuters Brasil, 2018, pág. 432-433).
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Turma: CPII A 22022
Disciplina/Matéria: DIREITO PROCESSUAL PENAL
Sessão: 05 - Dia 04/10/2022 - 10:10 às 12:00
Professor: ANTONIO JOSE CAMPOS MOREIRA
05 Tema: Teoria geral da prova (continuação): Cadeia de custódia da prova: Lei 13.964/2019. Dos
limites constitucionais à atividade probatória. Limites extrapenais da prova. Provas nominadas e
inominadas. Provas digitais. Questão da prova emprestada. Limites à licitude da prova (distinção
entre prova ilícita e prova ilegítima). Teorias sobre admissibilidades das provas ilícitas.
Interceptação telefônica: Lei9.296/96. Proteção à privacidade no Direito: violação ao sigilo das
comunicações telefônicas, telegráficas, de dados e da correspondência; violação do domicílio, à
intimidade corporal e violação à intimidade familiar e profissional. Prova ilícita por derivação.
Consequências da prova ilícita. Jurisprudência. Prova documental.
1ª QUESTÃO:
O Ministério Público denunciou RUBINHO pela suposta prática do crime descrito no art. 33, caput,
da Lei nº 11.343/2006.
Asseverou, para tanto, que policiais se deslocaram até a residência do réu para verificar denúncias
anônimas, recebidas pelo Disque Denúncia, acerca da suposta prática de tráfico de drogas naquela
localidade, sendo certo que, ao chegarem ao local, encontraram RUBINHO na frente da casa.
Em seguida, declarou que, em depoimento prestado tanto na delegacia quanto em juízo, os policiais
afirmaram que explicaram a RUBINHO que buscavam drogas, tendo ele confessado que possuía a
substância e autorizado que os agentes ingressassem em sua residência, oportunidade em que
entraram na casa e encontraram grande quantidade de droga e outras pessoas preparando a substância
para comercialização.
Quando interrogado em juízo, RUBINHO apresentou uma narrativa diferente e afirmou que foi
surpreendido pelos policiais militares na porta de sua residência, momento em que eles alegaram que
buscavam uma pessoa que havia cometido um roubo, razão pela qual solicitaram que ele abrisse o
portão para verificar se o ladrão havia se escondido naquele local. Assim, afirmou que atendeu ao
pedido, oportunidade em que eles entraram e passaram a procurar por drogas em sua casa.
Encerrada a instrução criminal, RUBINHO foi condenado como incurso no art. 33, caput, da Lei nº
11.343/2006, à pena de 5 anos e 10 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, mais multa.
A defesa de RUBINHO interpôs recurso de apelação no qual sustentou a nulidade do processo
porquanto deflagrado com base em elementos de informação ilícitos obtidos por meio de invasão de
domicílio sem que houvesse justa causa para tanto, tampouco consentimento válido do morador.
Requereu, assim, o reconhecimento da nulidade da prova obtida a partir da violação de domicílio de
RUBINHO, com a sua consequente absolvição.
Com base na situação hipotética acima descrita, esclareça, fundamentadamente,
a) a licitude da prova colhida pelos policiais, mediante o enfrentamento da evolução jurisprudencial
dos Tribunais Superiores acerca do tema.
b) havendo suspeita de flagrância delitiva, qual é a exigência, em termos de standard probatório, para
que policiais ingressem no domicílio do suspeito sem mandado judicial.
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RESPOSTA:
"iii. Flagrante delito e violação do domicílio independentemente de prévia autorização judicial.
O art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal autoriza, expressamente, a violação ao domicílio nos
casos de flagrante delito, independentemente de prévia autorização judicial, seja durante o dia, seja
durante a noite. Daí a importância da análise dos denominados crimes permanentes, assim
compreendidos como aqueles cuja consumação se prolonga no tempo (v.g., extorsão mediante
sequestro). Ora, em relação a tais delitos, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar
a permanência. Logo, estando o agente em situação de flagrância no interior de sua casa, será possível
a violação ao domicilio sem mandado judicial.
(...)
De todo modo, para que a polícia possa adentrar em uma residência nesses casos de flagrante delito,
sem mandado judicial, exige-se aquilo que se costuma chamar de "causa provável" (no direito norte-
americano, probable cause ou exigent circunstances), ou seja, quando os fatos e as circunstâncias
permitiriam a uma pessoa razoável acreditar ou ao menos suspeitar, com base em elementos
concretos, que um crime está sendo cometido no interior da residência, que a entrada era necessária
para prevenir o dano aos policiais ou outras pessoas, a destruição de provas relevantes, a fuga de um
suspeito, ou alguma outra consequência que frustre indevidamente esforços legítimos de aplicação da
lei. (...)
Nesse sentido, por ocasião de julgamento de Recurso Extraordinário com repercussão geral
reconhecida - RE 603.616/RO -, o Supremo Tribunal Federal fixou o seguinte enunciado (Tese de
Repercussão Geral fixada no tema n. 280): "A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial
só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente
justificadas a posteriori, que indiquem que, dentro da casa, havia situação de flagrante delito, sob
pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos
praticados". Nessa medida, deve ser considerada arbitrária a entrada forçada em domicílio sem uma
justificativa conforme o direito, ainda que, posteriormente, seja constatada a existência de situação
de flagrante no interior daquela casa. Enfim, deve haver um controle a posteriori, exigindo-se dos
agentes estatais a demonstração de que a medida fora adotada mediante justa causa, ou seja, que
havia elementos para caracterizar a suspeita de flagrante delito no interior daquele domicílio,
autorizando, pois, o ingresso forçado, independentemente de prévia autorização judicial. Em síntese,
o modelo probatório deve ser o mesmo da busca e apreensão domiciliar, que pressupõe a presença e
fundadas razões (CPP, art. 240, §1º), as quais, logicamente, devem ser exigidas de maneira modesta e
compatível com o momento em questão.
(...)
Enfim, há de se buscar um ponto de equilíbrio na correta interpretação do art. 5º, incisoXI, da
Constituição
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Federal. É dizer, se, de um lado, não se pode admitir, como ocorria antes da decisão do STF no
julgamento do RE 603.616, que a constatação ulterior da existência de situação de flagrante no interior de
uma casa teria o condão de validar o ingresso por agentes estatais, ainda que levado a efeito sem a
presença de justa causa, do outro, também não se pode exigir um stantard probatório semelhante àquele
necessário à expedição de um mandado de busca domiciliar para a constatação de uma das hipóteses de
flagrante delito previstos no art. 302 do CPP, sob pena de se tornar letra morta a parte final do inciso XI
do art. 5º da Constituição Federal, violando-se, ademais, o próprio princípio da proporcionalidade sob a
ótica da vedação da proteção deficiente, porquanto o Estado estaria sendo coarcatado na sua função de
tutela de direitos fundamentais de proteção, como, por exemplo, a segurança pública.
(...)
iv. Consentimento do morador.
(...)
Para validar o ingresso de agentes estatais no interior da casa e subsequente busca e apreensão de objetos
relacionados ao crime, o consentimento do morador precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de
constrangimento ou coação. Na visão dos Tribunais Superiores, a prova da legalidade e da voluntariedade
do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e
deve ser feita, pelo menos em regra, com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso
domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, se possível, nada
impede que a operação seja registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo.
A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta
na ilicitude as provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela
decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do(s) agente(s)
público(s) que tenha(m) realizado a diligência."
(LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 11ed. rev., atual. e ampl. Salvador:
EditoraJusPodivm, 2022, pág. 693-698).
"Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral.
2. Inviolabilidade de domicílio - art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado
judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para
ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de
flagrância se protrai no tempo.
3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em
que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos - flagrante delito, desastre ou para
prestar socorro - a Constituição não faz exigência quanto aoperíodo do dia.
4.
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Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação
da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito
legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada
judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o
núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger
contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto
da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais
sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial
que se incorporam à cláusula do devido processo legal.
5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é
arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a
medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas
razões (justa causa) para a medida.
6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita,
mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a
posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de
responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos
praticados.
7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa
de provimento ao recurso."
grifei
(STF. Tribunal Pleno. RE 603.616/RO. Relator Ministro Gilmar Mendes. Julgamento em
05/11/2015).
"HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO
EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL.
EXCEÇÕESCONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO
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RESTRITIVA. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO
VÁLIDO DO MORADOR. INDUÇÃO A ERRO. VÍCIO NA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE.
NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA.
ABSOLVIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. EXTENSÃO DE EFEITOS AOS CORRÉUS.
1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio,
ao dispor que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento
do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por
determinação judicial.
2. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), que o ingresso forçado
em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive
durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas
circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de
flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). No mesmo
sentido, neste STJ: REsp n. 1.574.681/RS.
3. Apesar da menção a informação anônima repassada pela Central de Operações da Polícia
Militar - Copom, não há nenhum registro concreto de prévia investigação para apurar a
conformidade da notícia, ou seja, a ocorrência do comércio espúrio na localidade, tampouco a
realização dediligências prévias,
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monitoramento ou campanas no local para averiguar a veracidade e a plausibilidade das
informações recebidas anonimamente e constatar o aventado comércio ilícito de entorpecentes. Não
houve, da mesma forma, menção a qualquer atitude suspeita, exteriorizada em atos concretos, nem
movimentação de pessoas típica de comercialização de drogas.
4. Por ocasião do julgamento do HC n. 598.051/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti), a Sexta Turma
desta Corte Superior de Justiça, à unanimidade, propôs nova e criteriosa abordagem sobre o
controle do alegado consentimento do morador para o ingresso em seu domicílio por agentes
estatais. Na ocasião, foram apresentadas as seguintes conclusões: a) Na hipótese de suspeita de crime
em flagrante, exige- se, em termos de standard probatório para ingresso no domicílio do suspeito
sem mandado judicial, a existência de fundadas razões (justa causa), aferidas de modo objetivo e
devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da casa ocorre situação de flagrante
delito; b) O tráfico ilícito de entorpecentes, em que pese ser classificado como crime de natureza
permanente, nem sempre autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se encontra a
droga. Apenas será permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso
decorrente da obtenção de mandado judicial se possa objetiva e concretamente inferir que a prova
docrime (ou a
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própria droga) será destruída ou ocultada; c) O consentimento do morador, para validar o ingresso
de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser
voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação; d) A prova da legalidade e da
voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de
dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso
domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve
ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo; e) A violação a
essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na ilicitude
das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em
relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do(s) agente(s) público(s) que
tenha(m) realizado a diligência.
5. A Quinta Turma desta Corte, por ocasião do julgamento do HC n. 616.584/RS (Rel. Ministro Ribeiro
Dantas, DJe 6/4/2021) perfilou igual entendimento ao adotado no referido HC n. 598.051/SP. Outros
precedentes, de ambas as Turmas Criminais, consolidaram tal compreensão.
6. As regras de experiência e o senso comum, somadas às peculiaridades do caso concreto, não conferem
verossimilhança à afirmação dos agentes policiais de que o paciente teria autorizado, livre e
voluntariamente, o ingresso em seu próprio domicílio, de sorte a franquear àqueles a apreensão de drogas
e, consequentemente, a formação de prova incriminatória em seu desfavor.
7. Ainda que o acusado haja admitido a abertura do portão do imóvel para os agentes da lei,
ressalvou que o fez apenasporqueinformado sobre
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a necessidade de perseguirem um suposto criminoso em fuga, e não para que fossem procuradas e
apreendidas drogas. Ademais, se, de um lado, deve-se, como regra, presumir a veracidade das
declarações de qualquer servidor público, não se há de ignorar, por outro lado, que a notoriedade de
frequentes eventos de abusos e desvios na condução de diligências policiais permite inferir como pouco
crível a versão oficial apresentada no inquérito policial, máxime quando interfere em direitos
fundamentais do indivíduo e quando se nota indisfarçável desejo de se criar narrativa que confira plena
legalidade à ação estatal. Essa relevante dúvida não pode, dadas as circunstâncias concretas - avaliadas
por qualquer pessoa isenta e com base na experiência quotidiana do que ocorre nos centros urbanos - ser
dirimida a favor do Estado, mas a favor do titular do direito atingido (in dubio pro libertas).
8. Em verdade, caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modo
inequívoco, que o consentimento do morador foi livremente prestado, ou que, na espécie, havia em
curso na residência uma clara situação de comércio espúrio de droga, a autorizar, pois, o ingresso
domiciliar mesmo sem consentimento válido do morador. Entretanto, não se demonstrou
preocupação em documentar esse consentimento, quer por escrito, quer por testemunhas, quer,
ainda e especialmente, por registro de áudio-vídeo.
9. Sobre a gravação audiovisual, aliás, é pertinente destacar o recente julgamento pelo Supremo
Tribunal Federal dos Embargos de Declaração na Medida Cautelar da ADPF n. 635 ("ADPF das
Favelas", finalizado em 3/2/2022), oportunidade na qual o Pretório Excelso - em sua composição plena
e em consonância com o decidido por este Superior Tribunal no HC n. 598.051/SP (Rel. Ministro Rogerio
Schietti, DJe 15/3/2021) - reconheceu aimprescindibilidade de tal forma
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de monitoração da atividade policial e determinou, entre outros, que "o Estado do Rio de Janeiro,
no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, instale equipamentos de GPS e sistemas de gravação
de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança, com o posterior
armazenamento digital dos respectivos arquivos". Dessa forma, em atenção à basilar lição de
hermenêutica constitucional segundo a qual exceções a direitos fundamentais devem ser interpretadas
restritivamente, prevalece, quanto ao consentimento, na ausência de prova adequada em sentido diverso, a
versão apresentada pelo morador de que apenas abriu o portão para os policiais perseguirem um suposto
autor de crime de roubo.
10. Partindo dessa premissa, isto é, de que a autorização foi obtida mediante indução do acusado a erro
pelos policiais militares, não pode ser considerada válida a apreensão das drogas, porquanto viciada
a manifestação volitiva do paciente. Se, no Direito Civil, que envolve direitos patrimoniais disponíveis,
em uma relação equilibrada entre particulares, a indução da parte adversa a erro acarreta a invalidade da
sua manifestação por vício de vontade (art. 145, CC), com muito mais razão deve fazê-lo no Direito Penal
(lato sensu), que trata de direitos indisponíveis do indivíduo diante do poderio do Estado, em relação
manifestamente desigual.
11. A descoberta a posteriori de uma situação de flagrante decorreu de ingresso ilícito na moradia
do acusado, em violação a norma constitucional que consagra direito fundamental à inviolabilidade
do domicílio, o que torna imprestável, no caso concreto, a prova ilicitamente obtida e, por
conseguinte, todos os atos dela decorrentes - relativa ao delito descrito no art. 33da Lei n.
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-, porque apoiada exclusivamente nessa diligência policial.
12. Conquanto seja legítimo que os órgãos de persecução penal se empenhem em investigar, apurar e
punir autores de crimes mais graves, os meios empregados devem, inevitavelmente, vincular-se aos
limites e ao regramento das leis e da Constituição Federal. Afinal, é a licitude dos meios empregados
pelo Estado que justificam o alcance dos fins perseguidos, em um processo penal sedimentado sobre
bases republicanas e democráticas.
13. Uma vez que os corréus se encontram em situação fático-processual idêntica à do paciente, no que
diz respeito à condenação pelo crime de tráfico de drogas, devem ser-lhes estendidos os efeitos deste
acórdão, nos termos do art. 580 do CPP.
14. Porque as instâncias ordinárias, ao condenar o réu pelo crime do art. 14 da Lei n. 10.823/2006,
consideraram que a apreensão da arma de fogo ocorreu antes e fora da residência, em contexto fático
independente, a condenação por tal delito não é atingida pela declaração de ilicitude das provas
colhidas no interior do domicílio, notadamente quando verificado que a validade da busca pessoal que
resultou na apreensão da referida arma na cintura do paciente não foi questionada pela defesa.
15. Como consectário da absolvição do réu no tocante ao crime de tráfico de drogas, deve ser
procedido ajuste no regime inicial de cumprimento de pena, com a fixação do regime aberto para o
delito remanescente, por haver sido estabelecida a reprimenda-base no mínimo legal e se tratar de réu
primário.
16. Ordem concedida para, considerando que não houve fundadas razões, tampouco comprovação de
consentimento válido para a realização de buscas por drogas no domicílio do paciente, reconhecer a
ilicitude das provas por tal meio obtidas, bem como de todas as que delas decorreram, e, por
conseguinte, absolvê-lo em relação à prática do delito de tráfico de drogas. Extensão, de ofício, aos
corréus."
grifei
(STJ. Sexta Turma. HC 674.139/SP. Relator Ministro Rogério Schietti Cruz. Julgamento em
15/02/2022 - Informativo 725).
Standard probatório:
1) autorização assinada pelo morador e por testemunhas;
2) a diligência deverá ser integralmente registrada em vídeo e áudio;
2ª QUESTÃO:
A Polícia Federal requereu ao juízo federal, com escopo na Lei 9.296/96, a quebra de sigilo telefônico
e, por consequência, a decretação de interceptação de determinados terminais telefônicos, mediante a
habilitação temporária de chips indicados pela autoridade policial, em substituição às linhas
titularizadas por FÉLIX, com a pretensão de ter acesso ao fluxo das comunicações do investigado e,
também, aos dados contidos nos celulares do investigado, vale dizer, histórico das conversas e
ligações.
O magistrado deferiu o pedido, tendo a operadora de telefonia impetrado mandado de segurança
contra a r. decisão, no qual alegou que a medida deferida não tem amparo na lei. Além disso,
ressaltou que houve interferência direta no serviço público prestado pela concessionária.
Com base na situação hipotética acima narrada, esclareça, fundamentadamente, se a ordem deve ser
concedida, abordando, para tanto, se a quebra do sigilo telefônico mediante a habilitação de chip da
autoridade policial está autorizada pela Lei 9.296/1996. Indique, ainda, o posicionamento adotado
pelo Superior Tribunal de Justiça sobre o tema em discussão.
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RESPOSTA:
"RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. QUEBRA DE SIGILO
TELEFÔNICO E TELEMÁTICO. ORDEM DE HABILITAÇÃO DE SIMCARD (CHIP) DA
AUTORIDADE POLICIAL FEDERAL EM SUBSTITUIÇÃO AO DO TITULAR DA LINHA.
PROCEDIMENTO ILEGAL. SEGURANÇA CONCEDIDA. INSURGÊNCIA MINISTERIAL.
PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA DA OPERADORA TELEFÔNICA. INCIDÊNCIA
DA SÚMULA N. 284/STJ. ILEGALIDADE DA INCURSÃO INVESTIGATÓRIA. RECURSO
ESPECIAL PARCIALMENTECONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.
1. Para arguir suposta ilegitimidade ativa da Impetrante do writ originário, o Recorrente aponta como
violado o art. 18 do Código de Processo Penal, contudo, em seguida, refere-se ao art. 18 do Código de
Processo Civil, transcreve o teor deste, mas anota na transcrição "art. 6.º". Ou seja: não há sequer
indicação clara e precisa do artigo de lei supostamente violado, o que obsta a admissão do recurso
especial por inescusável deficiência de fundamentação, a atrair a incidência da Súmula n.º 284/STF.
Precedentes.
2. Sobre a mesma questão, alega ainda violação ao art. 1.º da Lei n. 12.016/2009, mas sem
desenvolver nenhuma tese, limitando-se o Recorrente a afirmar a suposta violação, denotando, mais
uma vez, inescusável deficiência de fundamentação, fazendo incidir o óbice da Súmula n.º 284/STF.
Precedentes.
3. Ademais, sequer há correspondência entre o argumento da ilegitimidade ativa e o conteúdo
normativo do art. 1.º da Lei n.º 12.016/2009, atraindo, novamente, a incidência da Súmula n.º
284/STF. Precedentes.
4. Obiter dictum: a legitimidade ativa da empresa de telefonia foi reconhecida pelo Tribunal a quo
não para "proteger direito dos usuários das linhas telefônicas que seriam prejudicados com a
interceptação telefônica", como afirmou o Recorrente, mas para discutir a ausência de lei específica
para subsidiar a ordem judicial, que determinara inusitada interferência direta na própria prestação do
serviço público pela concessionária.
5. No mais, a ordem judicial, endereçada à concessionária de telefonia, consistiu na determinação de
viabilizar à autoridade policial a utilização de "SIMCARD" (cartão "SIM", sigla em inglês da
expressão Subscriber Identity Module - módulo de identificação do assinante -, comumente referido
no Brasil como "chip"), em substituição ao do aparelho celular do usuário investigado, "pelo prazo de
15 (quinze) dias e a critério da autoridade policial, em horários previamente indicados, inclusive de
madrugada.
6. Pretendeu-se que a operadora de telefonia, quando acionada, habilitasse o chip do agente
investigador, em substituição ao do usuário, a critério da
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ESCOLA DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
autoridadepolicial, que teria pleno acesso, em tempo real, às chamadas e mensagens
transmitidas para a linha originária, inclusive via WhatsApp.
7. A ação, se implementada, permitiria aos investigadores acesso irrestrito a todas as conversas por
meio do WhatsApp, inclusive com a possibilidade de envio de novas mensagens e a exclusão de
outras. Se não bastasse, eventual exclusão de mensagem enviada ou de mensagem recebida não
deixaria absolutamente nenhum vestígio e, por conseguinte, não poderia jamais ser recuperada para
servir de prova em processo penal, tendo em vista que, em razão da própria característica do serviço,
feito por meio de encriptação ponta-a-ponta, a operadora não armazena em nenhum servidor o
conteúdo das conversas dos usuários.
8. Ao contrário da interceptação telefônica, no âmbito da qual o investigador de polícia atua
como mero observador de conversas travadas entre o alvo interceptado e terceiros, na troca do
chip habilitado, o agente do estado tem a possibilidade de atuar como participante das
conversas, podendo interagir diretamente com seus interlocutores, enviando novas mensagens a
qualquer contato inserido no celular, além de poder também excluir, com total liberdade, e sem
deixar vestígios, as mensagem no WhatsApp. E, nesse interregno, o usuário ficaria com todos
seus serviços de telefonia suspensos. 9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa
extensão, desprovido."
grifei
(STJ. Sexta Turma. Resp 1.806.792/SP. Relatora Ministra Laurita Vaz. Julgamento em
11/05/2021 - Informativo 696).
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