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DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 1 NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 2 Sumário DIREITO PROCESSUAL PENAL: NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS ......................................................................... 3 1. PROCESSO PENAL CONSTITUCIONAL............................................................................................................. 4 2. PRETENSÃO PUNITIVA ................................................................................................................................... 5 3. SISTEMAS DO PROCESSO PENAL ................................................................................................................... 6 4. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL ................................................................................... 11 4.1 Princípios Constitucionais Explícitos ...................................................................................................... 11 4.1.1 Princípio da Presunção da Inocência .............................................................................................. 11 4.1.2 Princípio da Igualdade Processual ou Paridade de Armas ............................................................. 17 4.1.3 Princípio da Ampla Defesa .............................................................................................................. 17 4.1.4 Princípio da Plenitude da Defesa .................................................................................................... 20 4.1.5 Princípio do In Dubio Pro Reo ......................................................................................................... 20 4.1.6 Princípio do Contraditório ou Bilateralidade da Audiência ............................................................ 22 4.1.7 Princípio da Publicidade ................................................................................................................. 24 4.1.8 Princípio da Vedação das Provas Ilícitas ......................................................................................... 27 4.1.9 Princípio da Economia Processual, Celeridade Processual e Duração Razoável Do Processo ....... 27 4.1.10 Princípio do Devido Processo Legal .............................................................................................. 28 4.1.11 Juiz Imparcial ou Natural .............................................................................................................. 28 4.2 Princípios Constitucionais Implícitos ..................................................................................................... 30 4.2.1 Princípio do Nemo Tenetur Se Detegere (Princípio De Que Ninguém Está Obrigado A Produzir Prova Contra Si Mesmo) .................................................................................................................................... 30 4.2.2 Princípio da Iniciativa das Partes .................................................................................................... 38 4.2.3 Duplo Grau de Jurisdição ................................................................................................................ 38 4.2.4 Princípio da Oficialidade ................................................................................................................. 38 4.2.5 Princípio da Oficiosidade ................................................................................................................ 38 5. OUTROS PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL ................................................................................................ 39 5.1 Princípio da Oralidade ........................................................................................................................... 39 5.2 Indivisibilidade da Ação Penal Privada .................................................................................................. 39 5.3 Comunhão da Prova .............................................................................................................................. 39 5.4 Impulso Oficial ....................................................................................................................................... 40 6. APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL ................................................................................................................. 40 6.1 Aplicação da Lei Processual no Tempo .................................................................................................. 40 6.2 Aplicação da Lei Processual no Espaço: ................................................................................................. 42 6.3 Aplicação da Lei Processual em Relação às Pessoas ............................................................................. 43 7. INTERPRETAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL ............................................................................................. 46 8. FONTES ........................................................................................................................................................ 48 8.1 Fonte Material, Substancial ou de Produção ........................................................................................ 48 8.2 Fonte Formal, Cognitiva ou de Cognição ............................................................................................... 49 DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 3 DIREITO PROCESSUAL PENAL: NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS Olá pessoal, antes de começar o estudo do material, é importante destacar que, em 2023, o STF julgou as ADIs 6298, 6299, 6300 e 6305 que questionavam alterações no Código de Processo Penal (CPP) pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019). No julgamento, a Corte estabeleceu: 1) Implantação do juiz das garantias cuja competência será limitada até o OFERECIMENTO da denúncia, sendo o juiz INVESTIDO na função e cabendo-lhe determinar a realização de diligências suplementares, para o fim de dirimir dúvida relevante no julgamento do mérito, NÃO se aplicando aos processos de competência originária dos tribunais, tribunal do júri, violência doméstica e infrações de menor potencial ofensivo (art. 3ª-A, 3ºB, 3º-C, art. 3º-E); 2) Controle judicial dos atos praticados pelo Ministério Público, sob pena de nulidade (art. 3º-B), incluindo a submissão do arquivamento à análise da autoridade judicial, que poderá submeter à revisão da instância ministerial em caso de patente ilegalidade (art. 28 e art. 28-A); 3) Videoconferência poderá ser utilizada de forma excepcional para realização da audiência de custódia (art. 3º-B e art. 310); 4) Prorrogação do inquérito policial, mediante decisão judicial, mesmo estando o investigado preso, sendo que a inobservância dos prazos, não implica na revogação automática da prisão (art. 3º-B, §2º); 5) Encaminhamento dos autos ao juiz da instrução (art. 3º-D); 6) NÃO haverá alteração do juiz sentenciante que conheceu de prova declarada inadmissível (art. 157, §5º). TODOS OS ARTIGOS RELACIONADOS AO TEMA CF/88 ⦁ Art. 5º, XL ⦁ Art. 5º, LIII, LV, LVI e LVII ⦁ Art. 5º, LX e LXIII ⦁ Art. 5º, XXXVIII, “a” ⦁ Art. 5°, XXXVII ⦁ Art. 53 ⦁ Art. 93, IX ⦁ Art. 129, I CPP ⦁ Art. 1º e 2º ⦁ Art. 3º, 3ª-A e 3º-B ⦁ Art. 185, §2º ⦁ Art. 212 e 217 ⦁ Art. 260 e 261 ⦁ Art. 283 DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 4 ⦁ Art. 792 Outros Diplomas Legais ⦁ Art. 8°, itens 2 e 5, CADH ⦁ Art. 347, CP ⦁ Art. 305, CTB ARTIGOS MAIS IMPORTANTES – NÃO DEIXE DE LER! ⦁ Art. 5º, LIII, LV, LVI e LVII, CF/88 ⦁ Art. 5º, LX e LXIII, CF/88 ⦁ Art. 93, IX, CF/88 ⦁ Art. 1º e 2º, CPP ⦁ Art. 3º, 3ª-A e 3º-B, CPP 1. PROCESSO PENAL CONSTITUCIONAL O Processo Penal Brasileiro deve observânciasubstituírem desembargadores nos Tribunais, quando, em conformidade com a legislação de regência, não há qualquer ofensa à Constituição DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 30 Federal. O caso em apreço não se amolda à hipótese acima, tendo em vista tratar- se de ação penal originária, porquanto, em última análise, refere-se às prerrogativas dos membros do Ministério Público que, por expressa previsão constitucional (art. 96, inciso III), possuem foro privilegiado por prerrogativa de função. Prevendo o Regimento Interno do Tribunal de Justiça Estadual, vigente à época do julgamento do paciente, de que era necessária a presença de pelo menos dois terços de seus membros na sessão de julgamento, viola o princípio do juiz natural quando o referido quórum é completado com juízes de primeiro grau convocados. (STJ, 6ª Turma, HC 88.739/BA, Rel. Min. Haroldo Rodrigues, j. 15/06/2010). O tema será aprofundado na temática de Competência, tendo em vista que são assuntos diretamente ligados entre si. 4.2 Princípios Constitucionais Implícitos 4.2.1 Princípio do Nemo Tenetur Se Detegere (Princípio De Que Ninguém Está Obrigado A Produzir Prova Contra Si Mesmo) a) Conceito: A garantia da não autoincriminação consiste no direito de não produzir prova contra si próprio, essa garantia vem sendo muito cobrada em prova no termo em latim “nemo tenetur se detegere” que está positivado no artigo 8º, “g”, do Pacto de São José da Costa Rica, garantindo à pessoa o “direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”. b) Previsão Normativa: Na CF/88 (art. 5º, LXIII), através da menção ao direito ao silêncio, que é um dos desdobramentos do princípio do nemo tenetur se detegere: Art.5º, LXIII, CF - O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; Na CADH (art.8º, item 2, alínea “g”): Artigo 8º, item 2, CADH – (...) durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:(...) g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada; e c) Titularidade: A CF faz referência ao preso, mas como se trata de um direito fundamental, a interpretação deve ser feita de maneira extensiva. Desta forma, o titular é o indivíduo suspeito, investigado, indiciado pela autoridade policial bem como o acusado pelo MP, pouco importa se está preso ou solto. DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 31 ● Abrange o suspeito, investigado, indiciado ou o acusado. ● A testemunha tem a obrigação de dizer a verdade, sob pena de responder pelo crime de falso testemunho. Entretanto, se das perguntas a ela formuladas puder resultar uma autoincriminação, também poderá invocar este princípio (Info 754 STF). Caiu em prova Delegado RN/2021! No curso de inquérito, a autoridade policial intimou Pedro a, na qualidade de testemunha, prestar informações sobre determinado fato delituoso. Na condição de testemunha, Pedro: estará obrigado a comparecer à delegacia, mas não precisará responder às perguntas formuladas que puderem resultar em autoincriminação. ● O imputado deve ser advertido acerca do direito de não produzir prova contra si mesmo, sob pena de ilicitude das provas obtidas. Art. 5º, LXIII, da CF - O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado. O exercício do direito ao silêncio não pode servir de fundamento para descredibilizar o acusado nem para presumir a veracidade das versões sustentadas por policiais, sendo imprescindível a superação do standard probatório próprio do processo penal a respaldá-las. STJ. REsp 2.037.491-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 6/6/2023. (Info 780) Só há nulidade pela falta de cientificação do acusado sobre o seu direito de permanecer em silêncio, em fase de inquérito policial, caso demonstrado o efetivo prejuízo. STJ. CC 188.135-GO, Rel. Ministra Laurita Vaz, Rel. para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, por maioria, julgado em 8/2/2023, DJe 23/2/2023. (Info 791) d) Desdobramentos do Princípio da Não Autoincriminação 1) Direito ao silêncio: Consiste no direito de não responder às perguntas formuladas pela autoridade, funcionando como espécie de manifestação passiva de defesa. É uma forma de se exercer a autodefesa. 2) Inexigibilidade de dizer a verdade ou direito de mentir: Cuidado! Mentiras defensivas são toleradas pelo ordenamento jurídico, porém mentiras agressivas, incriminadoras de terceiro NÃO estão sob o manto do direito de defesa. DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 32 3) Direito de não praticar qualquer comportamento ativo que possa incriminá-lo: Consiste no direito de não adotar comportamentos ativos que colaborem com a atividade persecutória do Estado. Por comportamento ativo, entende-se um “fazer” por parte do acusado, a exemplo do fornecimento do padrão vocal para realização de exame de espectrograma; fornecimento de material escrito para exame grafotécnico; exame de bafômetro. Nesse sentido a jurisprudência: (...) O privilégio contra a autoincriminação, garantia constitucional, permite ao paciente o exercício do direito de silêncio, não estando, por essa razão, obrigado a fornecer os padrões vocais necessários a subsidiar prova pericial que entende lhe ser desfavorável. Ordem deferida, em parte, apenas para, confirmando a medida liminar, assegurar ao paciente o exercício do direito de silêncio, do qual deverá ser formalmente advertido e documentado pela autoridade designada para a realização da perícia. (STF, 2ª Turma, HC 83.096/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 12/12/2003 p. 89). Acerca da recusa ao teste do bafômetro, nas palavras de Renato Brasileiro de Lima: O fato de o art. 277, § 3º, do CTB, prever a aplicação de penalidades e medidas administrativas ao condutor que não se sujeitar a qualquer dos procedimentos previstos no caput do referido artigo é perfeitamente constitucional. Ao contrário do que ocorre no âmbito criminal, em que, por força do princípio da presunção de inocência, não se admite eventual inversão do ônus da prova em virtude de recusa do acusado em se submeter a uma prova invasiva, no âmbito administrativo, o agente também não é obrigado a produzir prova contra si mesmo, porém, como não se aplica a regra probatória que deriva do princípio da presunção de inocência, a controvérsia pode ser resolvida com base na regra do ônus da prova, sendo que a recusa do agente em se submeter ao exame pode ser interpretada em seu prejuízo, no contexto do conjunto probatório, com a consequente imposição das penalidades e das medidas administrativas previstas no art. 165 do CTB. (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 81- 82). Atualmente, há teste de bafômetro ativo (não é obrigado a realizar, pois pode acarretar autoincriminação) e teste de bafômetro passivo, em que é colocado um objeto próximo ao agente, capaz de captar, por meio da respiração, o teor alcoólico. Este último, por não demandar qualquer comportamento do agente, pode ser realizado, mesmo contra sua vontade. Tratando-se de comportamentos passivos, em que o agente se sujeita a prova, não há proteção do referido princípio, a exemplo do reconhecimento de pessoas e coisas. DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 33 O STF entendeu que o direito a não autoincriminação não assegura ao acusado o direito de ocultar ou falsear a sua identidade (1ªT, RE n2 561.704, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 64 02/04/2009). No mesmo sentido, o STJ, possui entendimento sumulado. SUM 522: A condutade atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa. Caiu em prova Delegado RN/2021! O direito processual penal é regido por diversos princípios, dentre os quais o do nemo tenetur se detegere, pelo qual ninguém será obrigado a produzir prova contra si mesmo. Com base no princípio em questão e na jurisprudência dos Tribunais Superiores: a atribuição de falsa identidade pelo suspeito ou investigado, ainda que em situação de autodefesa, configura fato típico. 4) Direito de não produzir nenhuma prova incriminadora invasiva: O direito de não se autoincriminar (nemo tenetur se detegere) é garantia fundamental de um Estado Democrático de Direito e deve ser observado de forma que, caso violado, a prova obtida será considerada ilícita. As intervenções corporais (investigação corporal ou ingerência humana) são medidas de investigação que se realizam sobre o corpo das pessoas, sem a necessidade do consentimento destas. Os exemplos de intervenções corporais são diversos, como exame de sangue, ginecológico, identificação dentária, endoscopia, exame do reto, entre outras tantas perícias como o exame de matérias fecais, de urina, de saliva, exames de DNA usando fios de cabelo, identificações datiloscópicas de impressões dos pés, unhas e palmar e também a radiografia. Ocorre que, para que a prova seja considerada lícita, deve-se observar a forma de coleta da mesma: invasiva ou não invasiva à luz do direito de não produzir prova contra si mesmo. · Invasivas: são as intervenções corporais que pressupõem penetração no organismo humano, por instrumentos ou substâncias, em cavidades naturais ou não, implicando na utilização (ou extração) de alguma parte dele ou na invasão física do corpo humano, tais como os exames de sangue, o exame ginecológico, a identificação dentária, a endoscopia (usada para localização de droga no corpo humano) e o exame do reto. · Já as provas não invasivas consistem numa inspeção ou verificação corporal. São aquelas em que não há penetração no corpo humano, nem implicam a extração de parte dele, como as perícias de exames de materiais fecais, os exames de DNA realizados a partir de fios de cabelo encontrados no chão, etc. Desta forma, conclui-se que a prova não invasiva (inspeções ou verificações corporais), mesmo que o agente não concorde com a produção da prova, esta poderá ser realizada normalmente, desde que não implique colaboração ativa por parte do acusado, observando-se, assim, o nemo tenetur se detegere. Caso Glória Trevi: O caso da Gloria de los Angeles Treviño Ruiz que chegou ao STF gerou polêmica pela seguinte indagação: poderia ter sido a placenta coletada para realização do exame de DNA? O STF, na ocasião, confirmou a legalidade da determinação de coleta da placenta no procedimento médico do parto da cantora mexicana visando dirimir a dúvida quanto a quem era o pai da criança. DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 34 Conforme o professor Renato Brasileiro de Lima, “nessa situação, a intervenção médica era necessária e não houve a coleta à força da placenta, uma vez que esta é expelida do corpo humano como consequência natural do processo de parto.” Outro exemplo trazido pelo doutrinador de admissibilidade em caso de repercussão: “Situação semelhante ocorreu em caso envolvendo a descoberta do episódio em que uma criança recém-nascida foi retirada do berçário da maternidade por uma mulher que passou a assumir perante todos ser a verdadeira mãe. Como a suposta mãe não aceitou submeter-se à coleta de material genético, esperou-se uma oportunidade para arrecadar uma ponta de cigarro descartada pela filha, contendo partículas das glândulas salivares, o que permitiu, após a análise do DNA, ter-se a certeza de que ela, de fato, não era filha da investigada. Essa prova foi considerada válida, porquanto o que torna a prova ilícita é a coação por parte do Estado, obrigando o suspeito a produzir prova contra si mesmo. Como a prova foi produzida de maneira involuntária pela suposta filha, a prova então obtida foi considerada lícita." Ressalta-se que o raio-x, segundo o STJ (HC 149.146/SP), é considerado prova não invasiva. Logo, poderá ser realizado mesmo contra a vontade do indivíduo. Nesse sentido, Renato Brasileiro explica que no caso das chamadas “mulas”, que transportam drogas no organismo humano, não é possível obrigar a pessoa a realizar uma cirurgia para retirada ou que ela consuma algum tipo de remédio para expelir o conteúdo da droga. É possível, no entanto, a realização de um raio-x, que é modalidade de prova não invasiva. (...) A Constituição Federal, na esteira da Convenção Americana de Direitos Humanos e do Pacto de São José da Costa Rica, consagrou, em seu art. 5º, inciso LXIII, o princípio de que ninguém pode ser compelido a produzir prova contra si. Não há, nos autos, qualquer comprovação de que tenha havido abuso por parte dos policiais na obtenção da prova que ora se impugna. Ao contrário, verifica-se que os pacientes assumiram a ingestão da droga, narrando, inclusive, detalhes da ação que culminaria no tráfico internacional da cocaína apreendida para a Angola, o que denota cooperação com a atividade policial, refutando qualquer alegação de coação na colheita da prova. Ademais, é sabido que a ingestão de cápsulas de cocaína causa risco de morte, motivo pelo qual a constatação do transporte da droga no organismo humano, com o posterior procedimento apto a expeli-la, traduz em verdadeira intervenção estatal em favor da integridade física e, mais ainda, da vida, bens jurídicos estes largamente tutelados pelo ordenamento. Mesmo não fossem realizadas as radiografias abdominais, o próprio organismo, se o pior não ocorresse, expeliria naturalmente as cápsulas ingeridas, de forma a permitir a comprovação da ocorrência do crime de tráfico de entorpecentes. (...) DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 35 Ordem denegada. (STJ, 6ª Turma, HC 149.146/SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 05/04/2011). ATENÇÃO! Nemo tenetur se detegere e a prática de outros ilícitos. O princípio nemo tenetur se detegere não tem natureza absoluta, podendo constituir conduta criminosa, determinados comportamentos empregados a pretexto de estarem amparados pelo referido princípio. Assim, apesar de ninguém ser obrigado a produzir provas contra si mesmo, nenhum direito pode ser usado como escudo protetor para a realização de atividades ilícitas. Nesse sentido, vejamos alguns exemplos. Ex1.: Crime de Fraude Processual (art. 347, CP). Fraude processual Art. 347 - Inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito: Pena - detenção, de três meses a dois anos, e multa. Parágrafo único - Se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal, ainda que não iniciado, as penas aplicam-se em dobro. Foi o que aconteceu no caso do Casal Nardoni, acusado e condenado por fraude processual. A defesa, no caso deste crime específico (alteração da cena do crime), alegou o princípio do nemo tenetur se detegere, afirmando que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Entretanto, tal princípio não dá direito à pessoa de cometer outras infrações para se eximir da anterior. O Superior Tribunal de Justiça assim se pronunciou no habeas corpus impetrado em favor de A. N. e A. C. J, denunciados pelo homicídio triplamente qualificado de Isabela Nardoni, e também por fraude processual, em decorrência da alteração do local do crime: (...) O direito à não auto-incriminação não abrange a possibilidade de os acusados alterarem a cena do crime, inovando o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, para, criando artificiosamente outra realidade, levar peritos ouo próprio Juiz a erro de avaliação relevante (...). (STJ, 5 Turma, HC 137.206/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 01/12/2009, DJe 01/02/2010). Ex2.: Fuga do local de ocorrência de trânsito (art. 305 do CTB). Art. 305. Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída: Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa. No caso de crimes de trânsito, o afastamento do condutor do local do acidente enseja algumas divergências. Alguns doutrinadores consideram que tal crime seria inconstitucional. Entretanto, no fim de DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 36 2018, o STF considerou este crime constitucional, afirmando que o condutor tem o dever de permanecer no local, mas não é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Vejamos: (...) “A regra que prevê o crime do art. 305 do CTB é constitucional posto não infirmar o princípio da não incriminação, garantido o direito ao silêncio e as hipóteses de exclusão de tipicidade e de antijuridicidade”. À semelhança do que já fora decidido pelo Supremo no julgamento do RE 640.139, quando se afirmou que o princípio constitucional da autoincriminação não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intuito de ocultar maus antecedentes, prevaleceu o entendimento de que não há direitos absolutos e que, no sistema de ponderação de valores, há de ser admitida certa mitigação, até mesmo do princípio da não autoincriminação. Na visão da Corte, a exigência de permanência no local do acidente e de identificação perante a autoridade de trânsito não obriga o condutor a assumir expressamente sua responsabilidade civil ou penal e tampouco enseja que seja aplicada contra ele qualquer penalidade caso assim não o proceda. Na verdade, a depender do caso concreto, a sua permanência no local pode até constituir um meio de autodefesa, na medida em que terá a oportunidade de esclarecer, de imediato, eventuais circunstâncias do acidente que lhe sejam favoráveis. (STF, Pleno, RE 971.959/RS, Rel. Min. Luiz Fux, j. 14/11/2018). O tema será aprofundado na temática de Teoria Geral da Prova. Obs1.: O Aviso de Miranda é uma construção do direito norte-americano, segundo o qual, o policial, no momento da prisão, deve relatar para o preso os seus direitos, sob pena de invalidação do que por ele for dito. Conforme leciona Renato Brasileiro (2017, p. 71), os “Miranda Warnings” têm origem no julgamento Miranda V. Arizona, em que a Suprema Corte americana firmou o entendimento de que nenhuma validade pode ser conferida às declarações feitas pela pessoa à polícia, a não ser que antes tenha sido claramente informada de: I- Que tem o direito de não responder; II- Que tudo o que disser pode vir a ser utilizado contra ela; III- Que tem o direito à assistência de defensor escolhido ou nomeado. Não se admite condenação baseada exclusivamente em declarações informais prestadas a policiais no momento da prisão em flagrante. Esse alerta sobre o direito ao silêncio deve ser feito não apenas pelo Delegado, durante o interrogatório formal, mas também pelos policiais responsáveis pela voz de prisão em flagrante. Isso porque a todos os órgãos estatais impõe-se o dever de zelar pelos direitos fundamentais. A falta da advertência quanto ao direito ao silêncio torna ilícita a prova obtida a partir dessa confissão. STF. 2ª Turma. RHC 170843 AgR/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 4/5/2021 (Info 1016). DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 37 Obs2.: O art. 2º, §6º, da Lei nº 7.960/89 (prisão temporária) prevê que, efetuada a prisão, a autoridade policial informará o preso dos direitos previstos no art. 5º da Constituição Federal, por meio de uma nota de ciência. Aprofundando sobre o assunto: Há na jurisprudência diversas manifestações acerca do dever de advertência. Como exemplo, os casos em que policiais gravaram conversa informal com o preso, sem que lhe fosse avisado acerca do seu direito ao silêncio. (...) Gravação clandestina de “conversa informal” do indiciado com policiais. Ilicitude decorrente - quando não da evidência de estar o suspeito, na ocasião, ilegalmente preso ou da falta de prova idônea do seu assentimento à gravação ambiental - de constituir, dita “conversa informal”, modalidade de “interrogatório” sub-reptício, o qual - além de realizar-se sem as formalidades legais do interrogatório no inquérito policial (CPP, art. 6º, V) -, se faz sem que o indiciado seja advertido do seu direito ao silêncio. O privilégio contra a autoincriminação - nemo tenetur se detegere -, erigido em garantia fundamental pela Constituição - além da inconstitucionalidade superveniente da parte final do art. 186 CPP. - Importou compelir o inquiridor, na polícia ou em juízo, ao dever de advertir o interrogado do seu direito ao silêncio: a falta da advertência - e da sua documentação formal - faz ilícita a prova que, contra si mesmo, forneça o indiciado ou acusado no interrogatório formal e, com mais razão, em “conversa informal” gravada, clandestinamente ou não. (...). (STF, 1ª Turma, HC 80.949/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14/12/2001). Ilicitude de gravação ambiental sem o conhecimento do preso. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. INVESTIGAÇÃO POLICIAL. EXERCÍCIO DO DIREITO DE PERMANECER CALADO MANIFESTADO EXPRESSAMENTE PELO INDICIADO (ART. 5º, LXIII, DA CF). GRAVAÇÃO DE CONVERSA INFORMAL REALIZADA PELOS POLICIAIS QUE EFETUARAM A PRISÃO EM FLAGRANTE. ELEMENTO DE INFORMAÇÃO CONSIDERADO ILÍCITO. VULNERAÇÃO DE DIREITO CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADO. INAPLICABILIDADE DO ENTENDIMENTO NO SENTIDO DA LICITUDE DA PROVA COLETADA QUANDO UM DOS INTERLOCUTORES TEM CIÊNCIA DA GRAVAÇÃO DO DIÁLOGO. SITUAÇÃO DIVERSA. DIREITO À NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO QUE DEVE PREVALECER SOBRE O DEVER- PODER DO ESTADO DE REALIZAR A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. (HC 244.977/SC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 25/09/2012, DJe 09/10/2012) Em relação à imprensa, há duas correntes: DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 38 ▪ 1ªC: Há doutrinadores que afirmam que este dever de advertência vale para todos, inclusive para os particulares, seria a aplicação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Portanto, a imprensa teria a obrigação de advertir o agente acerca do seu direito de permanecer calado. ▪ 2ºC: STF, no entanto, não adota tal posicionamento. Assim, o dever de advertência vale apenas para o Estado. Nesse sentido: (...) Alegação de ilicitude da prova, consistente em entrevista concedida pelo paciente ao jornal “A Tribuna”, na qual narra o modus operandi de dois homicídios perpetrados no Estado do Espírito Santo, na medida em que não teria sido advertido do direito de permanecer calado. Entrevista concedida de forma espontânea. Constrangimento ilegal não caracterizado. Ordem denegada. (STF, 2ª Turma, HC 99.558/ES, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 14/12/2010). 4.2.2 Princípio da Iniciativa das Partes É vedada a propositura de ação penal pelo magistrado, reservando-se essa iniciativa apenas à parte. Em conformidade com o sistema acusatório, o juiz não pode iniciar um processo penal sem provocação anterior (nemo judex actore ou ne procedat judex ex officio). Entretanto, a doutrina aponta duas exceções ao princípio da iniciativa das partes. O juiz pode agir de ofício: a) Quando a situação disser respeito ao direito de liberdade do agente, o que se verifica na expedição de habeas corpus de ofício (art. 654, § 2º, CPP); e b) Quando se tratar do início da execução penal (art. 195, Lei 7.210/84). 4.2.3 Duplo Grau de Jurisdição NÃO é princípio constitucional expresso, embora exista doutrina que defenda ser decorrência da ampla defesa. Além disso,decorre de direitos previstos em tratados de direitos humanos, como o já mencionado Pacto de São José da Costa Rica que, em seu art. 8.2, h, dispõe que: “(...) durante o processo, toda pessoa tem, em plena igualdade, o direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.” 4.2.4 Princípio da Oficialidade A atividade de persecução criminal deve ocorrer por órgão oficial. Aplicável à ação penal pública. 4.2.5 Princípio da Oficiosidade As autoridades incumbidas da persecução penal devem agir de ofício, ou seja, independentemente de provocação, salvo exceções. Ex.: crimes de ação penal condicionada ou de ação penal de iniciativa privada. DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 39 Será aprofundado no tema Ação Penal. Cuidado! NÃO confunda os princípios da oficialidade e oficiosidade, visto que, apesar da denominação similar, possuem conceituações distintas conforme apontado acima. Caiu em prova Delegado RJ/2022! O inquérito policial é atividade investigatória realizada por órgãos oficiais, não podendo ficar a cargo do particular, ainda que a titularidade do exercício da ação penal pelo crime investigado seja atribuída ao ofendido. Considerando-se as características do inquérito policial, é correto afirmar que o texto anterior discorre sobre a oficialidade do inquérito policial (item considerado correto). 5. OUTROS PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL 5.1 Princípio da Oralidade A prova oral prevalece sobre a escrita. Desse princípio decorrem: ● Princípio da Concentração: Toda a colheita de prova e julgamento devem ocorrer em uma única audiência. ● Princípio da Imediaticidade: O magistrado deve ter contato direto com a prova produzida. ● Princípio da Identidade Física do Juiz: O juiz que instrui o processo deve julgá-lo. 5.2 Indivisibilidade da Ação Penal Privada NÃO pode o ofendido escolher contra qual agente ofertará a ação penal privada. Atenção! Para o STF, a ação penal pública é divisível, pois o MP pode, até sentença final, incluir novos agentes por aditamento à denúncia ou oferecer nova ação penal, caso já prolatada sentença no feito. Todavia, para doutrina majoritária, prevalece a indivisibilidade. Será aprofundado no tema Ação Penal. 5.3 Comunhão da Prova Uma vez produzida, a prova não pertence mais à parte que a produziu, mas ao processo. Nesse sentido, o magistrado pode valer-se de uma prova produzida pela parte para proferir decisão em seu desfavor, de acordo com o seu livre convencimento motivado. DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 40 5.4 Impulso Oficial Atrelado aos princípios da obrigatoriedade e indeclinabilidade da ação penal. Uma vez iniciado, o processo tem curso por impulso oficial, ou seja, o juiz, de ofício, dará andamento ao processo até o seu fim, objetivando a prolação de uma decisão final. Assim, não é possível a paralisação do procedimento pela inércia ou omissão das partes, caminhando-se para a resolução do litígio de forma definitiva, enquanto objetivo do processo. 6. APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL 6.1 Aplicação da Lei Processual no Tempo É o estudo do direito intertemporal, ou seja, o direito que regula a sucessão de leis no tempo. a) Normas de Direito Penal: Princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, do qual deriva o princípio da ultratividade da lei penal mais benéfica. A lei nova só vai valer para os crimes praticados a partir daquele momento. Art. 5, XL, da CF – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu; b) Normas de Direito Processual Penal: Existem duas espécies de normas de Direito Processual Penal. ● Norma genuinamente processual; ● Norma processual material, mista ou híbrida. Dependendo da espécie de norma processual penal os critérios de aplicação serão diferentes. 1) Norma genuinamente processual - São aquelas que cuidam de procedimentos, atos processuais, técnicas do processo. Ou seja, não dizem respeito a pretensão punitiva. Nesse caso, o critério a ser aplicado é o previsto no art. 2°, CPP (princípio da aplicação imediata). Art. 2º. A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior. Pelo princípio do efeito imediato, a lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos praticados sob a vigência da lei anterior. Como consequência, a lei processual penal será aplicada de imediato, seja benéfica ou maléfica (não se aplica o princípio da retroatividade da lei benéfica, como ocorre no Direito Penal). Caiu em prova Delegado BA/2018! Aplicar-se-á a lei processual penal, nos estritos termos dos arts. 1o , 2o e 3o do CPP, desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior. DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 41 Portanto, do princípio da aplicação imediata derivam 2 regras fundamentais: 1ª - A lei genuinamente processual tem aplicação imediata; 2ª - A vigência dessa nova lei não invalida os atos processuais anteriores. Se o ato processual já foi praticado e foi em consonância com a lei processual vigente, significa que o ato é válido, não devendo ser anulado só porque houve a superveniência de uma nova lei. Assim, o ordenamento jurídico brasileiro adota o sistema do isolamento dos atos do processo (tempus regit actum), segundo o qual a lei será aplicada unicamente em relação ao ato processual e, uma vez praticado este, a nova lei processual já poderá ter incidência sobre os atos futuros. 2) Norma processual material (mista ou híbrida) - São aquelas que possuem caráter dúplice, de direito penal e de processo penal. Norma processual material (mista) = norma de direito penal + norma de direito processual penal. ● Normas Penais - São aquelas que cuidam do crime, da pena, da medida de segurança, dos efeitos da condenação e do direito de punir do Estado. Ex.: causas extintivas da punibilidade. ● Normas Processuais Penais - São aquelas que versam sobre o processo desde o seu início até o final da execução ou extinção da punibilidade. Assim, se um dispositivo legal, embora inserido em lei processual, versa sobre regra penal, de direito material, a ele serão aplicáveis os princípios que regem a lei penal, de ultratividade e retroatividade da lei mais benigna. Caiu em prova Delegado MS/2021! O Direito Processual Penal possui regramento específico para resolver questões sobre qual lei será aplicada no tempo e/ou no espaço. Sobre o tema, marque a assertiva correta: As normas híbridas ou mistas devem retroagir para beneficiar o réu, constituindo exceção à regra prevista no art. 2º, caput, do Código de Processo Penal. Conclusão: Quando se tratar de norma processual mista, o critério a ser aplicado é o critério do direito penal, ou seja, irretroatividade da lei mais grave e ultratividade da lei mais benigna. ● Se o aspecto penal for benéfico: prevalece o aspecto penal, e a lei retroage por completo; ● Se o aspecto penal for maléfico: a lei NÃO retroage. Atenção! Normas heterotópicas são aquelas em que, apesar de seu conteúdo conferir-lhe uma determinada natureza, encontra-se prevista em diploma de natureza distinta. Ou seja, é uma norma penal colocada no CPP, ou então norma processual penal colocada no CP. Nas palavras de Noberto Avena: Há determinadas regras que, não obstante previstas em diplomas processuais penais, possuem conteúdo material, devendo, pois, retroagir para beneficiar o acusado. Outras, no entanto, inseridas em leis materiais, são dotadas de conteúdo processual, a elas sendo aplicável o critério da aplicação imediata (tempus regit actum). É aí que surge o fenômeno denominado de heterotopia, ou seja, situação em que, apesar de o conteúdo da norma conferir-lhe uma determinada natureza, ela se encontraprevista em diploma de natureza distinta. Tais normas não se confundem com as normas processuais DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 42 materiais. Enquanto a heterotópica possui uma determinada natureza (material ou processual), em que pese estar incorporada à diploma de caráter distinto, a norma processual mista ou híbrida apresenta dupla natureza, vale dizer, material em uma determinada parte e processual em outra. Ex.: o direito ao silêncio do acusado em interrogatório apesar de estar previsto no Código de Processo Penal possui conteúdo material. 6.2 Aplicação da Lei Processual no Espaço: “Ao contrário do que ocorre no Direito Penal, onde se trava longa e complexa discussão sobre a extraterritorialidade da lei penal, no processo penal a situação é mais simples. Aqui vige o princípio da territorialidade. As normas processuais penais brasileiras só se aplicam no território nacional, não tendo qualquer possibilidade de eficácia extraterritorial” (LOPES, 2018. p. 72). Pelo art. 1º, CPP, há o princípio da territorialidade absoluta, decorrência da soberania, razão pela qual o CPP vale em todo território nacional, SALVO nas hipóteses excludentes da jurisdição criminal brasileira, casos em que o CPP possui aplicação subsidiária. Art. 1º - O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código, ressalvados: I - os tratados, as convenções e regras de direito internacional; II - as prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos ministros do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de responsabilidade; III - os processos da competência da Justiça Militar; IV - os processos da competência do tribunal especial; V - os processos por crimes de imprensa. Parágrafo único - Aplicar-se-á, entretanto, este Código aos processos referidos nos nºs. IV e V, quando as leis especiais que os regulam não dispuserem de modo diverso. Caiu em prova Delegado BA/2022! Adotado o critério territorial, real ou por extensão, com determinadas exceções e particularidades, como manifestação da soberania nacional, aplica-se o Código de Processo Penal em todo o território brasileiro, o que envolve o espaço aéreo, as águas interiores, o mar territorial e a plataforma continental (item considerado correto). APROFUNDANDO: Parte da doutrina sustenta a relativização da lex fori (aplicação da lei local) em matéria processual penal, permitindo a aplicação da lei pátria fora do território nacional, nas hipóteses de: 1) Terra de ninguém (território nullius); 2) Estado onde será praticado o ato processual autorizar a aplicação de lei diversa (território estrangeiro); DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 43 3) Em casos de guerra (território ocupado). 6.3 Aplicação da Lei Processual em Relação às Pessoas Conforme art. 1º, do CPP, é possível que sejam instituídas imunidades da lei processual penal, seja em virtude de tratados internacionais (imunidade diplomáticas e de chefes de governos estrangeiros) ou por regras constitucionais (imunidades e regras de competência). I. Imunidades Diplomáticas: Objetivam garantir o livre exercício dos representantes diplomáticos, e são atribuídas em função do cargo, e não da pessoa. O Tratado de Viena assegura a imunidade de jurisdição penal do diplomata e seus familiares, para que se sujeitem à jurisdição do Estado que representa. Abrangência: ● Chefes de governo ou Estado estrangeiro, sua família e membros de sua comitiva; ● Embaixador e família: Imunidade absoluta; ● Funcionários das organizações internacionais (ONU) quando em serviço; ● Agentes consulares, apenas quanto aos crimes relacionados com a sua função (Cuidado!). ATENÇÃO: 1. A imunidade não subtrai o diplomata da investigação, mas do processo e julgamento em território brasileiro. 2. As embaixadas NÃO são extensão do território que representam, mas são invioláveis. 3. É possível o país renunciar à imunidade do agente diplomático, mas o agente não pode renunciar por iniciativa pessoal, já que a imunidade se fundamenta no interesse da função. II. Imunidades Parlamentares: É uma prerrogativa para o desempenho das funções de deputados e senadores de legislar e fiscalizar o Poder Executivo. Podem ser absolutas ou relativas. ● Imunidade absoluta (material, substancial, real, inviolabilidade ou indenidade): Prevê o art. 53, da CF/88, que deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. 1. Para o STF, a imunidade é causa de atipicidade. 2. A abrangência dessa imunidade deve ser analisada: ∘ Se ofensa proferida nas dependências da casa legislativa, o nexo funcional é presumido, há imunidade1; 1 Sobre a presunção da imunidade por palavras e expressões proferidas dentro da Casa Parlamentar, o STF, no Inq 3932/DF e Pet 5243/DF, de Relatoria do Min. Luiz Fux, julgado em 21/06/2016 (INF 831), recebeu denúncia contra o Dep. Jair Bolsonaro, pela incitação ao crime, ao pronunciar, em acalorada discussão no plenário, que a também Dep. Federal Maria do Rosário “não merecia ser estuprada”. Para melhor compreensão de interessante julgado, sugerimos a leitura: DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 44 ∘ Se a ofensa é proferida fora das dependências da casa legislativa, o nexo funcional NÃO é presumido, deve ter relação com o exercício do mandato e o ofendido deve comprovar a inexistência de nexo com o mandato. ● Imunidade relativa (formal): É possível subdividi-la: (1) Para a prisão: Relacionada à prisão dos parlamentares e ao processo. Os parlamentares passam a ter imunidade formal para a prisão a partir do momento em que são diplomados pela Justiça Eleitoral (antes da posse), configurando o termo inicial para a atribuição de imunidade formal para a prisão. ∘ Os parlamentares só poderão ser cautelarmente presos nas hipóteses de flagrante de crime inafiançável (“estado de relativa incoercibilidade pessoal dos congressistas” – Celso de Melo) → Nesse caso, os autos deverão ser encaminhados à Casa Parlamentar respectiva, no prazo de 24h para que, pelo voto (aberto) da maioria absoluta de seus membros, resolva sobre a prisão. ∘ Nota-se que a aprovação pela Casa é condição necessária para a manutenção da prisão em flagrante delito de crime inafiançável. Logo, há duas hipóteses: 1) Se a Casa decidir pela não manutenção do cárcere, a prisão deverá ser imediatamente relaxada; 2) Se a Casa mantiver a prisão em flagrante, os autos deverão ser encaminhados, no prazo de 24h, ao STF. (2) Para o processo: Oferecida denúncia, o Ministro do STF poderá recebê-la sem prévia licença da Casa Parlamentar. Após o recebimento da denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o STF dará ciência à Casa respectiva que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria absoluta de seus membros, decidirá sustar o andamento da ação. O pedido de sustação será apreciado pela Casa respectiva no prazo improrrogável de 45 dias do seu recebimento pela mesa diretora, e a sustação do processo suspende a prescrição enquanto durar o mandato. Obs.: NÃO há mais imunidade formal para crimes praticados ANTES DA DIPLOMAÇÃO. ● Prerrogativa de foro: Desde a expedição de diploma, deputados e senadores serão julgados pelo STF pela prática de qualquer tipo de crime. Casos: i. Infração cometida durante o exercício da função parlamentar: A competência será do STF, sendo desnecessário pedir autorização à Casa respectiva, bastando dar ciência ao Legislativo, que poderá sustar o andamento da ação. Se os fatos criminosos que teriam sido supostamente cometidos pelo Deputado Federal não se relacionam ao exercício do mandato, a competência para julgá-losnão é do STF, mas sim do juízo de 1ª instância. Isso porque o foro por prerrogativa http://www.dizerodireito.com.br/2016/07/entenda-decisao-do-stf-que-recebeu.html http://www.dizerodireito.com.br/2016/07/entenda-decisao-do-stf-que-recebeu.html DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 45 de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas (STF AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018). STF. 1ª Turma. Inq 4619 AgR-segundo/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 19/2/2019 (Info 931). ii. Infração cometida antes ou após o encerramento do mandato: NÃO há foro por prerrogativa de função. As normas da Constituição de 1988 que estabelecem as hipóteses de foro por prerrogativa de função devem ser interpretadas restritivamente, aplicando-se apenas aos crimes que tenham sido praticados durante o exercício do cargo e em razão dele. Assim, por exemplo, se o crime foi praticado antes de o indivíduo ser diplomado como Deputado Federal, não se justifica a competência do STF, devendo ele ser julgado pela 1ª instância mesmo ocupando o cargo de parlamentar federal. Além disso, mesmo que o crime tenha sido cometido após a investidura no mandato, se o delito não apresentar relação direta com as funções exercidas, também não haverá foro privilegiado. Foi fixada, portanto, a seguinte tese: O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018. ATENÇÃO! No caso de Natan Donadon, entendeu-se que a renúncia ao cargo, para que haja prescrição, seria fraude processual inaceitável, frustrando a atuação jurisdicional do Estado, razão pela qual NÃO haveria problema em ser julgado pelo STF. A prorrogação do foro, nesse contexto, visa evitar a denominada Ciranda de Processos. O assunto será aprofundado em competência. ESQUEMA SOBRE IMUNIDADES: PARLAMENTAR IMUNIDADE JULGAMENTO Deputados Federais e Senadores Imunidade absoluta e relativa. Julgados pelo STF, inclusive nos crimes dolosos contra a vida. Deputados estaduais Imunidade absoluta e relativa. Julgados pelo TJ, inclusive nos crimes dolosos contra a vida. DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 46 Caiu em prova Delegado BA/2022! A Constituição Federal determina que são aplicáveis aos Deputados Estaduais as regras constitucionais sobre imunidades, e nessa linha de orientação as Constituições Estaduais outorgam identidade de tratamento em relação a eles no que tange à imunidade parlamentar. Atenção!!! Não existe foro de prerrogativa para vereadores e vice-prefeitos: A CF/88 não previu foro por prerrogativa de função aos Vereadores e aos Vice- prefeitos. O foro por prerrogativa de função foi previsto apenas para os prefeitos (art. 29, X, da CF/88). Diante disso, é inconstitucional norma de Constituição Estadual que crie foro por prerrogativa de função para Vereadores ou Vice- Prefeitos. A CF/88, apenas excepcionalmente, conferiu prerrogativa de foro para as autoridades federais, estaduais e municipais. Assim, não se pode permitir que os Estados possam, livremente, criar novas hipóteses de foro por prerrogativa de função. STF. Plenário. ADI 558/RJ, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 22/04/2021. 7. INTERPRETAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL ● Previsão legal: art. 3°, CPP Art. 3° do CPP - A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito. ● Considerações importantes sobre o art. 3°, CPP: (1) O que é interpretar? R.: É buscar o sentido da lei, é descobrir o seu significado. Não interessa a vontade do legislador, mas sim o sentido da lei. (2) Interpretação quanto ao resultado Quanto ao resultado, trabalha-se com ao menos 4 (quatro) espécies de interpretação: a) Declaratória - O intérprete não amplia e nem restringe o significado da lei, ou seja, o significado da lei corresponde à sua literalidade. b) Restritiva - Conclui-se que a lei disse mais do que pretendia dizer, por isso ela deve sofrer uma restrição na hora de sua interpretação. c) Extensiva - A lei disse menos do que pretendia dizer, por isso ela deve ser interpretada extensivamente para abranger outras situações (art. 3, CPP). Art. 3o - A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito. DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 47 Ex.: hipóteses de cabimento do RESE do art. 581, CPP. Essas hipóteses, hoje, estão desatualizadas. Então as hipóteses de cabimento do RESE devem ser interpretadas de maneira extensiva para abranger outras situações. d) Progressiva - Busca adaptar o texto da lei à realidade social vigente naquele determinado momento. O art. 68, CPP prevê que o MP pode promover a ação civil ex delito em favor de vítima pobre. Quando a CF/88 entrou em vigor, houve quem dissesse que esse artigo era inconstitucional, pois o MP não poderia pleitear interesses individuais disponíveis. O STF decidiu que o artigo estaria sujeito a uma inconstitucionalidade progressiva. Logo, enquanto não houver defensoria pública em todos os estados, o artigo continua válido. (3) Analogia A analogia está no art. 3°, CPP na expressão: “aplicação analógica”. Assim, no âmbito processual penal a analogia é admitida. Então, quando se trata de uma norma genuinamente processual penal, a analogia pode ser usada, independentemente de ser em bonam partem ou em malam partem (≠ direito penal, em que só é admitida a analogia in bonam partem). Obs.: Analogia ≠ Interpretação Extensiva. ● Analogia - É um método de integração (busca suprir lacunas); ● Interpretação extensiva - É um método de interpretação. Na analogia, há uma lacuna na norma. Por isso, busca-se suprir tal lacuna valendo-se de um dispositivo pensado para um caso semelhante. Enquanto na interpretação extensiva existe norma legal, que, no entanto, será interpretada de norma extensiva. Caiu em prova Delegado BA/2022! Na interpretação analógica, que é método interpretativo, hermenêutico, a lei indica uma fórmula casuística seguida de expressões genéricas (item considerado correto). Caiu em prova Delegado SP/2022! No que concerne à interpretação e aplicação da Lei Processual Penal, é correto afirmar que o Código de Processo Penal: admite a aplicação analógica (item considerado correto). (4) Aplicação supletiva e subsidiária do novo CPC ao processo penal. O CPC 2015 pode ser aplicado no Processo Penal? R.: SIM. O art. 15 do CPC diz que, na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativas, aplica-se o CPC. Porém, o CPC não fez menção à possibilidade de utilizá-lo no processo penal. Entretanto, o art. 15 pode ser objeto de interpretação extensiva, para que possamos entender que o NCPC pode ser aplicado supletiva e subsidiariamente aos processos criminais. DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 48 Art. 15, CPC - Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente. Obs.: Só pode aplicar o CPC no processo Penal quando houver lacuna. Pois é diante da omissão que se pode valer da analogia com o CPC. Assim, se houver disposição legal expressa no CPP, não é possível aplicar o CPC! CAIU EM PROVA: (Delegado de PCRJ 2022): Após o advento do neoconstitucionalismo e como seu consequente reflexo, os princípios adquiriram força normativa no ordenamento jurídico brasileiro, e a eficácia objetiva dos direitos fundamentais deunovos contornos ao direito processual penal. A respeito desse assunto, assinale a opção correta à luz do Código de Processo Penal. No que diz respeito à interpretação extensiva, admitida no Código de Processo Penal, existe uma norma que regula o caso concreto, porém sua eficácia é limitada a outra hipótese, razão por que é necessário ampliar seu alcance, e sua aplicação não viola o princípio constitucional do devido processo legal (item considerado correto). 8. FONTES As fontes correspondem à origem do direito processual penal, que se dividem em espécies. 8.1 Fonte Material, Substancial ou de Produção As fontes materiais dizem respeito ao órgão responsável pela criação de normas jurídicas sobre determinada matéria. Conforme estabelecido no art. 22, I, CF compete privativamente à União legislar sobre Processo Penal. Contudo, nos termos do art. 22, §único, CF, lei complementar federal pode autorizar Estados e o Distrito Federal a legislar sobre questões específicas. Caiu em prova Delegado MS/2021! Sobre conceito, finalidade e fontes do processo penal, assinale a alternativa correta: É possível que os Estados legislem sobre questões específicas de direito processual penal, desde que autorizados por lei complementar editada pela União. A União, os Estados e o Distrito Federal possuem competência concorrente para legislar sobre procedimentos em matéria processual, conforme preconiza o art. 24, XI, CF. DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 49 8.2 Fonte Formal, Cognitiva ou de Cognição As fontes formais dizem respeito ao instrumento de exteriorização da regulamentação de determinada matéria. Nesse sentido, no âmbito do processo penal, podem ser: ● Imediata ou Direta: Constituição Federal, leis infraconstitucionais e os tratados, convenções e regras de direito internacional. Caiu em prova Delegado BA/2022! As fontes formais imediatas ou diretas do Direito Processual Penal são as espécies normativas: lei ordinária; lei complementar e emenda à Constituição. Aqui também se inserem os tratados e as convenções de que o Brasil é signatário (item considerado correto). ● Mediata ou Indireta: analogia, costumes e princípios gerais de direitos (art. 3, CPP). Caiu em prova Delegado SP/2022! É correto afirmar que o Direito Processual Penal possui como uma de suas fontes formais mediatas: os costumes (item considerado correto). Autonomia do Direito Processual Penal ATENÇÃO: Tema cobrado na Prova Oral da PCMG 2021. O primeiro passo para compreender a autonomia científica do direito processual penal é deixar de denominá-lo, irregularmente, como direito adjetivo ou direito secundário, dentre outros nomes, buscando apontar como o direito substantivo ou direito principal o corpo de normas, que dele necessita para fazer valer a lei: o direito penal, no tocante ao processo penal; o direito civil, no tocante ao processo civil. Não há nenhum direito adjetivo, termo de nítido conteúdo voltado a inferiorizá-lo. O processo penal é tão substantivo quanto o direito penal, porém atua sob outros princípios e busca diversos objetivos. (NUCCI, 2020, p. 89). CAIU EM PROVA: (Delegado de PCBA 2022): As fontes formais imediatas ou diretas do Direito Processual Penal são as espécies normativas: lei ordinária; lei complementar e emenda à Constituição. Aqui também se inserem os tratados e as convenções de que o Brasil é signatário (item considerado correto).às normas previstas na Carta Magna. Devem as normas processuais serem interpretadas a partir de uma filtragem constitucional. Interessante apontar a reflexão de Daniel Sarmento e Claudio Pereira de Souza Neto sobre a constitucionalização do Direito: A constitucionalização do Direito envolve dois fenômenos distintos, que podemos chamar de ‘constitucionalização inclusão’ e de ‘constitucionalização releitura’. [...] A constitucionalização releitura liga-se a impregnação de todo o ordenamento pelos valores constitucionais. Trata-se de uma consequência de propensão dos princípios constitucionais de projetarem uma eficácia irradiante, passando a nortear a interpretação da totalidade da ordem jurídica. Assim, os preceitos legais, os conceitos e institutos dos mais variados ramos do ordenamento, submetem-se a uma filtragem constitucional: passam a ser lidos a partir da ótica constitucional, o que muitas vezes impõe significativas mudanças na sua compreensão e aplicação concretas. (SOUZA NETO, Cláudio Pereira; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional: Teoria, História e Métodos de Trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 44) Nesse sentido, é possível falar em algumas características decorrentes da constitucionalização: ● O juiz não pode requisitar provas, depois da manifestação pelo arquivamento feita pelo MP (STF); ● O juiz não pode substituir o MP em sua função probatória, em que pese, certa liberdade de produção conferida ao juiz pelo CPP; ● O interrogatório do réu deve perder a sua característica de prova, passando a ser fundamentalmente meio de defesa. DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 5 Se a perspectiva teórica do Código de Processo Penal era nitidamente autoritária, prevalecendo sempre a preocupação com a segurança pública, como se o Direito Penal constituísse verdadeira política pública, a Constituição da República de 1988 caminhou em direção diametralmente oposta. Enquanto a legislação codificada pautava-se pelo princípio da culpabilidade e da periculosidade do agente, o texto constitucional instituiu um sistema de amplas garantias individuais, a começar pela afirmação da situação jurídica de quem ainda não tiver reconhecida a sua responsabilidade penal por sentença condenatória passada em julgado: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII, CF). Nesse sentido, a constituição deve passar a ser a pré-compreensão valorativa do intérprete o dever ser normativo do mundo real, que é o ser. Nesta direção é o que o professor Rubens Casara propõe a interpretação prospectiva do processo penal, ou seja, toda a interpretação deve ter por objetivo a construção do projeto constitucional, deve buscar a radical e incansavelmente, a realização de valores consagrados na constituição. Como decorrência da interpretação prospectiva do processo penal, há uma preocupação com a tutela de direitos fundamentais, o que dá espaço ao garantismo penal. Ressalta-se que o autor Ferrajoli é o ícone do garantismo. Princípios do sistema garantista: ● Jurisdicionalidade (nulla poena, nulla culpa sine iudicio): representa a exclusividade do poder jurisdicional, direito ao juiz natural, independência da magistratura e exclusiva submissão à lei. ● Inderrogabilidade do juízo: no sentido de infungibilidade e indeclinabilidade da jurisdição. ● Separação das atividades de julgar e acusar (nullum iudicium sine accusatione); Caiu em prova Delegado MS/2021! Em relação aos sistemas processuais penais e o processo penal na dimensão dos direitos fundamentais, assinale a alternativa correta. O princípio acusatório ou da separação entre juiz e acusação está entre os axiomas de Luigi Ferrajoli. ● Presunção de inocência; ● Contraditório (nulla probatio sine defensione): é um método de confrontação da prova e comprovação da verdade entre acusação e defesa. 2. PRETENSÃO PUNITIVA ● Conceito: No momento em que alguém pratica a conduta delituosa prevista no tipo penal, este direito de punir desce do plano abstrato e se transforma no jus puniendi in concreto. O Estado, que até então tinha um poder abstrato, genérico e impessoal, passa a ter a pretensão concreta de punir o suposto autor do fato delituoso. Surge então a pretensão punitiva: que é o poder do Estado de exigir de quem comete um delito a submissão à sanção penal, tornando efetivo o ius puniendi. Segundo Gustavo Badaró consiste no poder do Estado de exigir, de quem comete um delito, a submissão à sanção penal. Através da pretensão punitiva, o Estado procura tornar efetivo o direito de punir DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 6 (ius puniendi), exigindo do autor do crime, que está obrigado a sujeitar-se à sanção penal, o cumprimento dessa obrigação, que consiste em sofrer as consequências do crime e se concretiza no dever de abster-se de qualquer resistência contra os órgãos estatais aos quais cumpre executar a pena. Porém, tal pretensão não poderá ser voluntariamente resolvida sem um processo, não podendo nem o Estado impor a sanção penal, nem o infrator submeter-se à pena. Assim sendo, tal pretensão já nasce insatisfeita. É necessário um processo. Ex.: art. 121, CP → pena de 6 a 20 anos (direito de punir em abstrato). A partir do momento que alguém pratica o delito, o direito de punir deixa o plano abstrato e entra no plano concreto, de modo que surge para o Estado o direito de punir o indivíduo. Nasce a pretensão punitiva. Infrações penais de menor potencial ofensivo: o fato de ser admitida transação penal, com a imediata aplicação de penas restritivas de direito ou multas não quer dizer uma imposição direta da pena. Trata-se de uma forma distinta da tradicional para a resolução da causa, sendo admitida a solução consensual com supervisão jurisdicional – privilegiando a vontade das partes. ● Função do Processo Penal: É o instrumento que se vale o Estado para a imposição de sanção penal ao possível autor do fato delituoso. - Finalidades do Processo Penal: ⋅ Pacificação social obtida com a solução do conflito; ⋅ Viabilizar a aplicação do direito penal; ⋅ Garantir ao acusado, presumidamente inocente, meios de defesa diante de uma acusação. 3. SISTEMAS DO PROCESSO PENAL “A estrutura do processo penal variou ao longo dos séculos, conforme o predomínio da ideologia punitiva ou libertária. Goldschmidt afirma que a estrutura do processo penal de um país funciona como um termômetro dos elementos democráticos ou autoritários de sua Constituição” (LOPES, 2018, p. 27). De modo geral, a doutrina costuma separar o sistema processual inquisitório do acusatório pela titularidade atribuída ao órgão da acusação: inquisitorial seria o sistema em que as funções de acusação e de julgamento estariam reunidas em uma só pessoa (ou órgão), enquanto o acusatório seria aquele em que tais papéis estariam reservados a pessoas (ou órgãos) distintos. a) SISTEMA INQUISITÓRIO: As funções de acusar e julgar estão concentradas em um mesmo sujeito processual. Nesse sistema há a perda da imparcialidade do magistrado, o qual, simultaneamente exerce todas as funções (acusa, defende e julga). Além disso, verifica-se o risco de eventual abuso de poder (crítica). Ademais, no sistema inquisitório a gestão da prova cabe ao juiz, podendo fazê-lo tanto na fase inquisitorial quanto na fase do processo. Nesse sentido, verifica-se a inexistência do contraditório. DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 7 São características, ainda, o caráter escrito e sigiloso da instrução processual. Características: i. As funções de acusar, defender e julgar se encontram concentradas em uma única pessoa, o chamado de juiz inquisidor; ii. Não há que se falar em contraditório, o qual nem sequer seria concebível em virtude da falta de contraposiçãoentre acusação e defesa; iii. O juiz inquisidor é dotado de ampla iniciativa probatória, de modo que possui liberdade para determinar, de ofício, a colheita de provas, seja no curso das investigações, seja no curso do processo penal, independentemente de sua proposição pela acusação ou pela defesa, de modo que a gestão das provas compete ao juiz que, a partir da prova do fato e tomando como parâmetro a lei, podia chegar à conclusão que desejasse; iv. Vigora o princípio da verdade real/material e, em decorrência dele, o acusado não era considerado sujeito de direito, sendo tratado, em verdade, como mero objeto do processo, daí por que se admitia, inclusive, a tortura como meio de se obter a verdade absoluta. Na atualidade, a concentração de poderes nas mãos do juiz e a iniciativa probatória dela decorrente é incompatível com a ordem constitucional e convencional, notadamente ao sistema acusatório (CF, art. 129, I) e à garantia da imparcialidade (CADH, art. 8º, n. 1). b) SISTEMA ACUSATÓRIO: As funções serão exercidas por partes distintas. As funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a pessoas diversas. No referido sistema haverá respeito ao contraditório. O acusado deixa de ser considerado mero objeto e passa a configurar como sujeito de direitos. A gestão da prova cabe as partes e, em um sistema acusatório puro, o juiz não poderia produzir prova de ofício. Porém, parte da doutrina aduz que o juiz pode produzir prova de ofício, restrito a fase processual e de forma residual, não sendo permitida a produção, contudo, na fase investigatória. São características, ainda, a prevalência do caráter público e oral da instrução processual. Características: i. Caracteriza-se pela presença de partes distintas, contrapondo-se acusação e defesa em igualdade de condições e ambas se sobrepondo um juiz, de maneira equidistante e imparcial. Aqui, há uma separação das funções de acusar, defender e julgar. O processo caracteriza-se, assim, como legítimo actum trium personarum. ii. A gestão da prova recai precipuamente sobre as partes. Na fase investigatória, o juiz só deve intervir quando provocado. iii. Oralidade, publicidade, aplicação do princípio da presunção de inocência, atividade probatória pertence às partes, separação rígida entre juiz e acusação, paridade entre acusação e defesa. Antes do advento da Lei 13.964/19, havia divergência na doutrina: DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 8 ● Geraldo Prado - afirma que, em um sistema acusatório puro, o juiz não pode produzir provas de ofício de maneira nenhuma, independentemente de ser na fase investigatória ou na fase processual. ● Eugênio Paccelli, Gustavo Badaró (posição majoritária e Jurisprudência) - juiz pode produzir prova de ofício, mas apenas na fase processual e desde que de forma residual. Em outras palavras: O magistrado não será o protagonista na produção de provas, sua atuação deve ter caráter complementar e subsidiário. Nesse sentido, o art. 212 do CPP: Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição. No entanto, o Pacote Anticrime retirou do juiz a iniciativa probatória (Art.3º-A do CPP), entregando ao juiz de garantias a competência para decidir sobre a produção de provas cautelares durante a investigação. CPP. Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência) Contudo, no julgamento das ADIs 6298, 6299, 6300 e 6305, o STF conferiu interpretação conforme ao dispositivo, para assentar que o juiz, pontualmente, nos limites autorizados, pode determinar a realização de diligências suplementares, para o fim de dirimir dúvida relevante no julgamento do mérito. iv. O princípio da verdade real é substituído pelo princípio da busca da verdade, devendo a prova ser produzida com fiel observância ao contraditório e a ampla defesa; v. A separação das funções e a iniciativa probatória residual à fase judicial preserva a equidistância que o magistrado deve tomar quanto ao interesse das partes, sendo compatível com a garantia da imparcialidade e com o princípio do devido processo legal; vi. O sistema acusatório é o adotado pela Constituição Federal e pelo CPP: CF - Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; A função de acusar nas ações penais públicas é do Ministério Público, materializando assim o sistema acusatório, haja vista que a própria CF outorgou a titularidade da persecução penal ao referido órgão, por excelência. Caiu em prova Delegado MG/2021! Em relação às características do sistema acusatório, analise as afirmativas: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13964.htm#art3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13964.htm#art20 DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 9 I. Gestão da prova na mão das partes e não do juiz, clara distinção entre as atividades de acusar e julgar, juiz como terceiro imparcial e publicidade dos atos processuais. II. Ausência de uma tarifa probatória, igualdade de oportunidades às partes no processo e procedimento é, em regra, oral (itens considerados corretos). SISTEMA INQUISITÓRIO SISTEMA ACUSATÓRIO Não há separação das funções de acusar, defender e julgar, que estão concentradas em uma única pessoa, que assume as vestes de um juiz inquisidor. Separação das funções de acusar, defender e julgar. Por consequência, caracteriza-se pela presença de partes distintas (actum trium personarum), contrapondo-se acusação e defesa em igualdade de condições, sobrepondo-se a ambas um juiz, de maneira equidistante e imparcial. Como se admite o princípio da verdade real, o acusado não é sujeito de direitos, sendo tratado como mero objeto do processo, daí por que se admite inclusive a tortura como meio de se obter a verdade absoluta. O princípio da verdade real é substituído pelo princípio da busca da verdade, devendo a prova ser produzida com fiel observância ao contraditório e à ampla defesa. O juiz inquisidor é dotado de ampla iniciativa acusatória e probatória, tendo liberdade para determinar de ofício a colheita de elementos informativos e de provas, seja no curso das investigações, seja no curso da instrução processual. A gestão da prova recai precipuamente sobre as partes. Na fase investigatória, o juiz só deve intervir quando provocado, e desde que haja necessidade de intervenção judicial. Durante a instrução processual, o juiz tem iniciativa probatória, podendo determinar a produção de provas de ofício. Há disparidade de poderes entre acusação e defesa e verifica-se o caráter escrito e secreto da instrução. A separação das funções e a iniciativa probatória residual restrita à fase judicial preserva a equidistância que o juiz deve tomar quanto ao interesse das partes, sendo compatível com a CF/88. Além disso, deve ser assegurada a paridade entre acusação e defesa. Caiu em prova Delegado MG/2021! Em relação às características do sistema acusatório, analise as afirmativas: I. Gestão da prova na mão das partes e não do juiz, clara distinção entre as atividades de acusar e julgar, juiz como terceiro imparcial e publicidade dos atos processuais. II. Ausência de uma tarifa probatória, igualdade de oportunidades às partes no processo e procedimento é, em regra, oral. III. O processo é um fim em si mesmo e o acusado é tratadocomo mero objeto, imparcialidade do juiz e prevalência da confissão do réu como meio de prova. DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 10 IV. Celeridade do processo e busca da verdade real, o que faculta ao juiz determinar de ofício a produção de prova. Itens considerados corretos: I e II. Caiu em prova Delegado SP/2023! O sistema processual penal acusatório antagoniza o sistema inquisitivo, entre outras razões, por vedar a substituição probatória do órgão de acusação pelo juiz. (item considerado correto) c) SISTEMA MISTO, ACUSATÓRIO FORMAL OU FRANCÊS: É uma fusão dos dois modelos anteriores. Para este sistema, há duas fases distintas: uma primeira fase inquisitorial, destinada à investigação preliminar e, em seguida, teria uma segunda fase, que se aproxima mais ao sistema acusatório. ● Investigação preliminar: polícia judiciária; ● Instrução preparatória: juiz de instrução; ● Julgamento: apenas nesta última fase há contraditório e ampla defesa. Segundo o autor Renato Brasileiro, é chamado de sistema misto porquanto o processo se desdobra em duas fases distintas: a primeira fase é tipicamente inquisitorial, com instrução escrita e secreta, sem acusação e, por isso, sem contraditório. Nesta, objetiva-se apurar a materialidade e a autoria do fato delituoso. Na segunda fase, de caráter acusatório, o órgão acusador apresenta a acusação, o réu se defende e o juiz julga, vigorando, em regra, a publicidade e a oralidade. #DICA DD: Quando o CPP entrou em vigor, havia o entendimento de que ele era misto, sendo o inquérito policial a primeira fase. Porém, com o advento da CF/88 e do Pacote Anticrime deixou de maneira expressa o sistema acusatório, além da separação das funções de acusar, defender e julgar, assegurando o contraditório e a ampla defesa, e o princípio da presunção de não culpabilidade, trata-se de um sistema acusatório. Caiu em prova Delegado PE/2024! O sistema inquisitivo é caracterizado pela concentração de poder nas mãos do julgador, que exerce, também, a função de acusador. (item correto) No sistema inquisitivo, a confissão do réu é considerada a rainha das provas. (item correto) No sistema misto, o processo se divide em duas grandes fases: na fase de instrução preliminar, com os elementos do sistema inquisitivo, predomina a procedimento secreto, escrito e sem contraditório; enquanto, na fase de julgamento, com a predominância do sistema acusatório, presentes se fazem a oralidade, a publicidade, o contraditório, a concentração dos atos processuais, a intervenção de juízes populares e a livre apreciação das provas. (item correto) DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 11 4. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL 4.1 Princípios Constitucionais Explícitos 4.1.1 Princípio da Presunção da Inocência a) Previsão legal: art. 5°, LVII, CF/88 e art. 8°, §2°, CADH. Art. 5°, LVII, CF/88 – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória → presunção de não culpabilidade. Art. 8°, §2°, CADH – Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa → presunção de inocência. Observações: ● CADH possui status normativo supralegal, ou seja, está abaixo da CF, mas acima da legislação infraconstitucional; ● Sempre que se faz uma leitura da legislação infraconstitucional, deve-se sujeitá-la tanto ao controle de constitucionalidade quanto ao controle de convencionalidade; ● Ao contrário da CF/88, a Convenção Americana fala em presunção de inocência, e o faz de maneira muito semelhante aos outros tratados internacionais de direitos humanos. #DICA DD: Há quem utilize como sinônimos as expressões: presunção de inocência, presunção de não culpabilidade e estado de inocência. b) Conceito: Segundo o professor Renato Brasileiro, o princípio da presunção de inocência: “consiste no direito de não ser declarado culpado, senão após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, ao término do devido processo legal, em que o acusado tenha se utilizado de todos os meios de prova pertinentes para a sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pela acusação (contraditório)”. Segue explicando o doutrinador: “No ordenamento pátrio, até a entrada em vigor da CF 88, esse princípio somente existia de forma implícita, como decorrência da cláusula do devido processo legal. Com a CF 88, o princípio da presunção de não culpabilidade passou a constar expressamente do inciso LVII do art. 5º” (LIMA, 2017, p. 43). c) Dimensões: O princípio da presunção de inocência (ou presunção de não culpabilidade) compreende duas regras fundamentais: 1. Dimensão INTERNA ao processo: O princípio da presunção de inocência se manifestando dentro do processo. DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 12 I- Regra probatória (in dubio pro reo): A parte acusadora tem o ônus de demonstrar a culpabilidade do acusado além de qualquer dúvida razoável, logo, não é o acusado que deve comprovar sua inocência; II- Regra de tratamento: o Poder Público está impedido de agir e de se comportar em relação ao acusado como se ele já houvesse sido condenado. 2. Dimensão EXTERNA ao processo: O princípio da presunção de inocência se manifestando fora do processo. Essa dimensão é especialmente destacada no tratamento dado pela imprensa. O princípio da presunção de inocência e as garantias constitucionais da imagem, dignidade e privacidade demandam uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização do acusado, funcionando como limites democráticos à abusiva exploração midiática em torno do fato criminoso e do próprio processo judicial. Caso J. vs. Peru Esse caso foi decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Nesse, a Corte responsabilizou o Peru por violação ao estado de inocência, previsto no art. 8.2 da CADH. A Sra. J. foi presa durante o cumprimento de medida de busca e apreensão residencial. Foi processada por terrorismo e associação ao terrorismo, em virtude de suposta vinculação com o grupo armado Sendero Luminoso. Foi absolvida em junho de 1993. Logo após ser solta, deixou o território peruano. Em dezembro do mesmo ano, a Corte Suprema Peruana cassou a sentença absolutória, determinou um novo julgado e decretou sua prisão. Para a CIDH, os distintos pronunciamentos públicos das autoridades estatais, sobre a culpabilidade de J. violaram o estado de inocência, princípio determinante que o Estado não condene, nem mesmo informalmente, emitindo juízo perante a sociedade e contribuindo para formar a opinião pública, enquanto não existir decisão judicial condenatória. Para a Corte, a apresentação da imagem da acusada para a imprensa, escrita e televisiva, ocorreu quando ela estava sob absoluto controle do Estado, além de as entrevistas posteriores também terem sido levadas a cabo sob conhecimento e controle do Estado, por meio de seus funcionários. A Corte acentuou não impedir o estado de inocência que as autoridades mantenham a sociedade informada sobre investigações criminais, mas requer que isso seja feito com a discrição e a contextualização necessárias, de tal modo a garantir o estado de inocência. Assim, fazer declarações públicas, sem os devidos cuidados, sobre processos penais, gera na sociedade a crença sobre a culpabilidade do acusado. Consequências de tais regras: ● Ônus da prova: em regra da acusação. ● Prisões cautelares: a privação cautelar da liberdade de locomoção somente se justifica em hipóteses estritas, ou seja, a regra é que o acusado permaneça em liberdade durante o processo, enquanto que a imposição de medidas cautelares pessoais é a exceção. DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 13 d)Limite temporal Até quando o sujeito é presumidamente inocente? Em 2016, no bojo do HC 126.292, o Plenário do STF entendeu que, a partir do momento que um acórdão condenatório fosse proferido por um Tribunal de 2ª Instância, a pena já poderia ser executada, mesmo na pendência de REsp ou RE. Essa prisão a que o indivíduo estaria sendo submetido seria uma prisão penal, e não prisão cautelar. Ou seja, o STF passou a defender que a execução provisória da pena após a confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência. Isso porque a manutenção da sentença condenatória pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena, até mesmo porque os recursos extraordinários ao STF e ao STJ comportam exclusivamente discussão acerca de matéria de direito. A decisão do STF acima foi muito criticada pela doutrina, tendo em vista que a CF é clara ao prever “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado (...)”, não havendo margens para outra interpretação. Em 2019 houve overruling e o STF decidiu que o cumprimento da pena somente pode ter início com o esgotamento de todos os recursos. Portanto, atualmente, é proibida a execução provisória da pena. Vale ressaltar que é possível que o réu seja preso antes do trânsito em julgado (antes do esgotamento de todos os recursos), no entanto, para isso, é necessário que seja proferida uma decisão judicial individualmente fundamentada, na qual o magistrado demonstre que estão presentes os requisitos para a prisão preventiva previstos no art. 312 e art. 313 do CPP. Dessa forma, o réu até pode ficar preso antes do trânsito em julgado, mas cautelarmente (preventivamente), e não como execução provisória da pena. Ao julgar as ações declaratórias de constitucionalidade 43, 44 e 54, em 7/11/2019, o Plenário do STF firmou o entendimento de que não cabe a execução provisória da pena. A 1ª Turma do STF aplicou esse entendimento em um caso concreto no qual o réu estava preso unicamente pelo fato de o Tribunal de Justiça ter confirmado a sua condenação em 1ª instância, não tendo havido, contudo, ainda, o trânsito em julgado. Logo, o STF, afastando a possibilidade de execução provisória da pena, concedeu a liberdade ao condenado até que haja o esgotamento de todos os recursos. STF. 1ª Turma. HC 169727/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 26/11/2019 (Info 961). A nova decisão do STF é vinculante? SIM. A decisão do STF foi proferida em ADC, que declarou a constitucionalidade do art. 283 do CPP. Para o STF, é possível o início do cumprimento da pena caso somente reste o julgamento de recurso sem efeito suspensivo (ex: só falta julgar Resp ou RE)? É possível a execução provisória da pena? Até fevereiro de 2009, o STF entendia que era possível a execução provisória da pena. DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 14 1ª PERÍODO ATÉ FEV/2009: SIM É POSSÍVEL A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA Assim, se o réu estivesse condenado e interpusesse recurso especial ou recurso extraordinário, teria que iniciar o cumprimento provisório da pena enquanto aguardava o julgamento. 2ª PERÍODO DE FEV/2009 A FEV/2016: NÃO NÃO É POSSÍVEL A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA No dia 05/02/2009, o STF, ao julgar o HC 84078 (Rel. Min. Eros Grau), mudou de posição e passou a entender que não era possível a execução provisória da pena. Obs.: o condenado poderia até aguardar o julgamento do REsp ou do RE preso, mas desde que estivessem previstos os pressupostos necessários para a prisão preventiva (art. 312 do CPP). Dessa forma, ele poderia ficar preso, mas cautelarmente (preventivamente), e não como execução provisória da pena. Principais argumentos: • A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. • A execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa restrição do direito de defesa. • A antecipação da execução penal é incompatível com o texto da Constituição. Esse entendimento durou até fevereiro de 2016. 3º PERÍODO: DE FEV/2016 A NOV/2019: No dia 17/02/2016, o STF, ao julgar o HC 126292 (Rel. Min. Teori Zavascki), retornou para a sua primeira posição e voltou a dizer que era possível a execução provisória da pena. Principais argumentos: • É possível o início da execução da pena condenatória após a prolação de acórdão condenatório em 2º grau e isso não ofende o princípio constitucional da presunção da inocência. • O recurso especial e o recurso extraordinário não possuem efeito suspensivo (art. 637 do CPP). Isso significa que, mesmo a parte tendo interposto algum desses recursos, a decisão recorrida continua produzindo efeitos. Logo, é possível a execução provisória da decisão recorrida enquanto se aguarda o julgamento do recurso. DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 15 SIM É POSSÍVEL A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA • Até que seja prolatada a sentença penal, confirmada em 2º grau, deve-se presumir a inocência do réu. Mas, após esse momento, exaure-se o princípio da não culpabilidade, até porque os recursos cabíveis da decisão de segundo grau ao STJ ou STF não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito. • É possível o estabelecimento de determinados limites ao princípio da presunção de não culpabilidade. Assim, a presunção da inocência não impede que, mesmo antes do trânsito em julgado, o acórdão condenatório produza efeitos contra o acusado. • A execução da pena na pendência de recursos de natureza extraordinária não compromete o núcleo essencial do pressuposto da não culpabilidade, desde que o acusado tenha sido tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário criminal, observados os direitos e as garantias a ele inerentes, bem como respeitadas as regras probatórias e o modelo acusatório atual. • É necessário equilibrar o princípio da presunção de inocência com a efetividade da função jurisdicional penal. Neste equilíbrio, deve-se atender não apenas os interesses dos acusados, como também da sociedade, diante da realidade do intrincado e complexo sistema de justiça criminal brasileiro. • “Em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa aguardando referendo da Suprema Corte”. 4º PERÍODO: ENTENDIMENTO ATUAL: NÃO NÃO É POSSÍVEL A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA No dia 07/11/2019, o STF, ao julgar as ADCs 43, 44 e 54 (Rel. Min. Marco Aurélio), retornou para a sua segunda posição e afirmou que o cumprimento da pena somente pode ter início com o esgotamento de todos os recursos. Assim, é proibida a execução provisória da pena. Vale ressaltar que é possível que o réu seja preso antes do trânsito em julgado (antes do esgotamento de todos os recursos), no entanto, para isso, é necessário que seja proferida uma decisão judicial individualmente fundamentada na qual o magistrado demonstre que DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 16 estão presentes os requisitos para a prisão preventiva previstos no art. 312 do CPP. Dessa forma, o réu até pode ficar preso antes do trânsito em julgado, mas cautelarmente (preventivamente), e não como execução provisória da pena. Principais argumentos: • O art. 283 do CPP, com redação dada pela Lei nº 12.403/2011, prevê que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.”.Esse artigo é plenamente compatível com a Constituição em vigor. • O inciso LVII do art. 5º da CF/88, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, não deixa margem a dúvidas ou a controvérsias de interpretação. • É infundada a interpretação de que a defesa do princípio da presunção de inocência pode obstruir as atividades investigatórias e persecutórias do Estado. A repressão a crimes não pode desrespeitar e transgredir a ordem jurídica e os direitos e garantias fundamentais dos investigados. • A Constituição não pode se submeter à vontade dos poderes constituídos nem o Poder Judiciário embasar suas decisões no clamor público. Tabela via @dizerodireito para facilitar a compreensão sobre evolução jurisprudencial deste tema. Sobre o tema, confira a dica do Professor Matheus de Palma: https://youtu.be/-a3S31gN6p4 https://youtu.be/-a3S31gN6p4 DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 17 4.1.2 Princípio da Igualdade Processual ou Paridade de Armas As partes devem ter em juízo as mesmas oportunidades de atuação no processo e devem ser tratadas de forma igualitária, na medida da sua igualdade. Segundo Norberto Avena (2017, p. 53): “As partes, em juízo, devem contar com as mesmas oportunidades e ser tratadas de forma igualitária. Tal princípio constitui desdobramento da garantia constitucional assegurada no art. 5.º, caput, da Constituição Federal, ao dispor que todas as pessoas serão iguais perante a lei em direitos e obrigações. Não obstante o sistema constitucional vigente seja proibitivo de discriminações, em determinadas hipóteses é flexibilizado o princípio da igualdade”. 4.1.3 Princípio da Ampla Defesa Segundo Renato Brasileiro (2017, p. 54), a ampla defesa pode ser vista como um direito sob a ótica de que privilegia o interesse do acusado, todavia, sob o enfoque publicístico, no qual prepondera o interesse geral de um processo justo, é vista como garantia. Art. 5º, LV, da CF: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. “O direito de defesa está ligado diretamente ao princípio do contraditório. A defesa garante o contraditório e por ele se manifesta” (LIMA, 2017, p. 54). A ampla defesa divide-se em autodefesa e defesa técnica: ● AUTODEFESA: é aquela exercida pelo próprio acusado, em momentos cruciais do processo. Compreende: 1. Direito de audiência; 2. Direito de presença; DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 18 3. Capacidade postulatória autônoma. 1. Direito de audiência: É o direito de ser ouvido no processo. Ou seja: é o momento que o acusado tem para apresentar a sua versão dos fatos e tentar formar a convicção do magistrado quanto a sua inocência. Obs.: Quando estudarmos o interrogatório judicial, veremos que, hoje, na visão da doutrina, o interrogatório judicial tem natureza jurídica de meio de defesa. Isso porque, no interrogatório, ele tem o direito de ficar em silêncio. 2. Direito de presença: Direito de estar presente/acompanhar os atos processuais. E se o acusado estiver preso em outra unidade da federação. Ainda assim ele tem assegurado o direito de presença? R.: SIM! O direito de presença é universal. O direito não deixa de valer só porque o acusado está preso em outro lugar. Atualmente, o art. 185, §2°, CPP, permite a realização de audiência mediante videoconferência. Assim, a videoconferência preserva o direito de presença, ao mesmo tempo que evita o deslocamento do preso. Ressalta-se que, embora a doutrina garantista entenda que a inobservância deste direito deveria acarretar nulidade absoluta, a jurisprudência vem entendendo que se trata de nulidade relativa, devendo-se comprovar o prejuízo. Obs.: O direito de presença tem natureza relativa. Ou seja, há situações em que o direito de presença pode causar constrangimento à vítima ou às testemunhas. Nesse caso, se não for possível realizar a audiência mediante videoconferência, o acusado será retirado da audiência. Se for essa a decisão do magistrado, deve haver fundamentação, e essa fundamentação deve constar da ata da audiência para evitar futura nulidade. Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008). Parágrafo único. A adoção de qualquer das medidas previstas no caput deste artigo deverá constar do termo, assim como os motivos que a determinaram. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008). Revela-se lícita a retirada dos acusados da sala de audiências, se as testemunhas de acusação demonstram temor e receio em depor na presença dos réus. Se o patrono do paciente não apresentou nenhuma irresignação quanto aos termos da assentada, havendo assinado e concordado com seu conteúdo, resulta preclusa a DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 19 arguição de qualquer vício a macular o ato de ouvida das testemunhas de acusação. Ordem denegada”. (STF, 1ª Turma, HC 86.572/PE, Rel. Min. Carlos Britto, j. 06/12/2005, DJ 30/03/2008) 3. Capacidade postulatória autônoma do acusado: Devido à importância da liberdade de locomoção, o ordenamento jurídico confere ao acusado uma capacidade postulatória autônoma para praticar certos atos processuais, ainda que ele não seja profissional da advocacia. Ou seja: mesmo que o acusado não seja advogado, ele pode praticar alguns atos processuais. Ex.: o acusado pode interpor recursos; provocar incidentes da execução (livramento condicional, progressão de regime, etc.); impetrar habeas corpus. ● DEFESA TÉCNICA: Direito de ser representado por advogado. A defesa técnica é indisponível e irrenunciável. Mesmo que o acusado, desprovido de capacidade postulatória, queira ser processado sem defesa técnica, e ainda que seja revel, deve o juiz providenciar a nomeação de defensor. Art. 261 do CPP: Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor. Súmula 523, STF: no processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu. Súmula 707, STF: constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação do defensor dativo. Súmula 708, STF: é nulo o julgamento da apelação se, após a manifestação nos autos da renúncia do único defensor, o réu não foi previamente intimado para constituir outro. STF: A ausência de defensor, devidamente intimado, à sessão de julgamento não implica, por si só, nulidade processual. STF. 1ª Turma. HC 165534/RJ, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 3/9/2019 (Info 950). Aspectos da ampla defesa: ● Positivo: representa a efetiva utilização dos instrumentos, dos meios e modos de produção, esclarecimento ou confrontação de elementos de prova relacionados à materialidade da infração criminal e à autoria; ● Negativo: impede a produção de elementos probatórios de elevado risco ou com potencialidade danosa à defesa do réu. DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 20 Consequências da ampla defesa: ● Apenas o réu tem direito à revisão criminal, nunca a sociedade; ● O juiz deve sempre fiscalizar a eficiência da defesa do réu. Há possibilidade de o acusado exercer sua própria defesa técnica? R.: Desdeque o acusado seja profissional da advocacia, ou seja, desde que esteja regularmente inscrito nos quadros da OAB. Nas ações penais originárias, a defesa preliminar (L. 8.038/90, art. 4º), é atividade privativa dos advogados. Os membros do Ministério Público estão impedidos de exercer advocacia, mesmo em causa própria. São atividades incompatíveis (L. 8.906/94, art. 28). Nulidade decretada. (STF, 2ª Turma, HC 76.671/RJ, Rel. Min. Nelson Jobim, j. 09/06/1998, DJ 10/08/2000). É possível o patrocínio da defesa técnica de dois ou mais acusados pelo mesmo defensor. Em outras palavras: Um único advogado pode defender 2 ou mais acusados? R.: SIM! Mas desde que não haja colidência de teses pessoais. Ex.: A e B estão sendo acusados do mesmo crime. Um único advogado pode defendê-los, mas desde que as teses de defesa sejam semelhantes. Se A ou B negarem ser autor do delito, há colidência de interesses pessoais. Obs.: Cabe ao juiz e ao MP fiscalizarem isso. Hipótese em que o paciente e seu filho foram acusados de tráfico de drogas, sendo que o filho imputava a responsabilidade penal a seu pai e ambos foram patrocinados pelo mesmo advogado. O defensor apresentou alegações finais defendendo apenas o filho e acusando o pai. Havendo teses defensivas conflitantes, fica clara a impossibilidade de que pai e filho fossem patrocinados pelo mesmo advogado. É evidente, assim, o conflito de interesses e a colidência de defesa, que provocou prejuízo ao paciente, haja vista a condenação à reprimenda de 12 (doze) anos de reclusão”. (STJ, 6ª Turma, HC 86.392/PA, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 25/05/2010) 4.1.4 Princípio da Plenitude da Defesa Aplicado especificamente ao Tribunal do Júri. ● A atenção do juiz com a efetividade da defesa do réu deve ser ainda maior; ● É possível apresentar nova tese na tréplica; ● Ampliação do tempo de defesa nos debates sem que igual direito seja concedido ao MP. 4.1.5 Princípio do In Dubio Pro Reo Envolve regra de tratamento que milita em favor do acusado. O juiz só pode proferir decreto condenatório se não existirem dúvidas acerca da autoria e materialidade do delito, sendo indispensável um juízo de certeza para a condenação. DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 21 Se houver dúvida na interpretação de determinado artigo de lei processual penal, deve ser privilegiada a interpretação que beneficie o réu. É possível a pronúncia do acusado baseada exclusivamente em elementos informativos obtidos na fase inquisitorial? - STJ: NÃO. Haverá violação ao art. 155 do CPP. Além disso, muito embora a análise aprofundada seja feita somente pelo Júri, não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, a pronúncia sem qualquer lastro probatório colhido sob o contraditório judicial, fundada exclusivamente em elementos informativos obtidos na fase inquisitorial. STJ. 5ª Turma. HC 560.552/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 23/02/2021. STJ. 6ª Turma. HC 589.270, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 23/02/2021 (Info 638). -STJ: SIM. Na pronúncia opera o princípio in dubio pro societate, porque é a favor da sociedade que se resolvem as dúvidas quanto à prova, pelo Juízo natural da causa. Constitui a pronúncia, portanto, juízo fundado de suspeita, que apenas e tão somente admite a acusação. Não profere juízo de certeza, necessário para a condenação, motivo pelo qual a vedação expressa do art. 155 do CPP não se aplica à referida decisão. STJ. 5ª Turma. AgRg no AgRg no AREsp 1702743/GO, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 15/12/2020. STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 1609833/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 06/10/2020. Para o professor Renato Brasileiro, deve ser adotado o primeiro posicionamento (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: volume único. 8ª ed. rev. atual. e ampl. Editora JusPodivm. Salvador. 2020. p. 1471): Destarte, a nosso ver, havendo dúvidas quanto à existência do crime ou quanto à presença de indícios suficientes, deve o juiz sumariante impronunciar o acusado, aplicando o in dubio pro reo. Nesse contexto, como já se pronunciou o Supremo, o aforismo in dubio pro societate jamais vigorou no tocante à existência do próprio crime, em relação à qual se reclama esteja o juiz convencido. Por isso, diante da conclusão dúbia de laudo pericial, que concluiu pela impossibilidade de se determinar a causa da morte investigada, somada à contradição entre a versão apresentada pelo acusado e a da irmã da vítima, concluiu o Supremo que, diante da dúvida do juiz sumariante acerca da existência de homicídio, não seria possível que o acusado fosse pronunciado sob o pálio do in dubio pro societate. Esquematizando DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 22 STJ. 5ª Turma. HC 560.552/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 23/02/2021. STJ. 6ª Turma. HC 589.270, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 23/02/2021 (Info 638). STJ. 5ª Turma. AgRg no AgRg no AREsp 1702743/GO, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 15/12/2020. STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 1609833/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 06/10/2020. NÃO: É ilegal a sentença de pronúncia fundamentada exclusivamente em elementos colhidos no inquérito policial. SIM. É possível admitir a pronúncia do acusado com base em indícios derivados do inquérito policial, sem que isso represente afronta ao art. 155. #DICA DD: Na fase de pronúncia deve-se adotar a teoria RACIONALISTA da prova, na qual não deve haver critérios de valoração das provas rigidamente definidos na lei, no entanto, por outro lado, o juízo sobre os fatos deve ser pautado por critérios de lógica e racionalidade, podendo ser controlado em âmbito recursal ordinário. Para a pronúncia, não se exige uma certeza além da dúvida razoável, necessária para a condenação. Contudo, a submissão de um acusado ao julgamento pelo Tribunal do Júri pressupõe a existência de um lastro probatório consistente no sentido da tese acusatória. Ou seja, requer-se um standard probatório um pouco inferior, mas ainda assim dependente de uma preponderância de provas incriminatórias. STF. 2ª Turma. ARE 1067392/CE, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 26/3/2019 (Info 935). Atenção! Não se afirma que o STF abandonou a aplicação do princípio do in dubio pro societate na fase de pronúncia. Ocorre que, nesse julgado em análise, segundo o voto do Min. Gilmar Mendes, as testemunhas que incriminavam o réu eram apenas testemunhas de “ouvir dizer”. A jurisprudência entende que a testemunha de “ouvir dizer” – conhecida no direito norte-americano como hearsayrule – não produz um depoimento confiável e, portanto, não serve como indício de autoria. O testemunho por ouvir dizer (hearsayrule), produzido somente na fase inquisitorial, não serve como fundamento exclusivo da decisão de pronúncia, que submete o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri. STJ. 6ª Turma. REsp 1373356- BA, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/4/2017 (Info 603). 4.1.6 Princípio do Contraditório ou Bilateralidade da Audiência É o direito de ser intimado e se manifestar sobre fatos e provas. DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 23 Art. 5º, LV, da CF: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Elementos: ● Direito à informação – parte adversa deve estar ciente da existência da demanda ou dos argumentos da parte contrária. ● Direito de participação – possibilidade de a parte oferecer reação, manifestação ou contrariedade à pretensão da parte contrária. ● Direito e obrigatoriedade de assistência técnica de um defensor Nesse sentido, a parte tem direito à informação (por isso a grande importânciados atos de comunicação, citação, intimação e notificação) e o direito à participação (a parte precisa ter o direito de contrariar). Portanto, o contraditório seria a necessária informação às partes e a possível reação a atos desfavoráveis. Espécies: ● Contraditório para a prova (contraditório real): É o contraditório realizado na formação do elemento de prova, sendo indispensável que sua produção ocorra na presença do órgão julgador e das partes. ⋅ Ex.: Prova testemunhal. A prova testemunhal é produzida em contraditório real, pois ambas as partes estarão presente para acompanhar a produção da prova, podendo questionar as testemunhas, não apenas quanto a sua credibilidade, mas também quanto aos fatos. ● Contraditório sobre a prova (contraditório diferido/postergado): É a atuação do contraditório após a formação da prova. ⋅ Ex.: Interceptação telefônica. É claro que o acusado e seu advogado jamais podem tomar ciência antecipada quanto a uma interceptação telefônica em curso. Nesse caso, o contraditório será conferido quando concluída a interceptação. Portanto, concluída a interceptação, a mídia será juntada aos autos, assim como eventual relatório e laudo de gravação. É nesse momento que a defesa poderá exercer o contraditório. Sobre o tema, confira a dica do Professor Matheus de Palma: https://www.youtube.com/watch?v=wXROI0TN6Wo https://www.youtube.com/watch?v=wXROI0TN6Wo DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 24 Obs.: Se o promotor oferece uma denúncia e essa denúncia é rejeitada pelo juiz, é quase que intuitivo que a acusação irá recorrer (RESE no âmbito do CPP e apelação no âmbito dos juizados especiais). O acusado precisa ser intimado quanto a esse recurso? R.: SIM! Na condição de acusado, ele tem o interesse de que a decisão de rejeição de denúncia seja mantida pelo tribunal. Por isso dele deve ser intimado para que constitua um defensor para apresentar contrarrazões. Nesse sentido, entendimento sumulado do STF. SÚMULA 707 do STF: Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo. 4.1.7 Princípio da Publicidade Trata-se de um princípio claramente ligado ao caráter democrático do processo penal. Isso porque, a partir do momento que se assegura o princípio da publicidade, a ideia é de que a publicidade vai proporcionar o controle da sociedade sobre a atividade jurisdicional. Alguns doutrinadores dizem que o princípio da publicidade funciona como uma garantia de segundo grau ou garantia de garantia (Ferrajoli). Garantia de segundo grau porque, na verdade, a publicidade proporciona o controle sobre outras garantias. Assim, a partir do momento em que se dá publicidade ao processo, analisa-se se as outras garantias também foram respeitadas (ex.: juiz natural, contraditório, ampla defesa, etc.). ● Previsão legal: art. 93, IX, CF/88, art. 5°, LX, CF/88, art. 8°, 5, CADH, art. 792, CPP. Art. 93, IX, da CF - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 25 ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; Art. 5º, LX, da CF - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem; A requerimento do MP, o juiz deferiu que fossem oficiadas as companhias aéreas, telefônicas e instituições bancárias para requisição de informações sobre viagens feitas pelo réu e sobre os locais onde foram utilizados os seus cartões de crédito e telefones celulares. O magistrado autorizou tais medidas sem qualquer fundamentação. O STJ reconheceu que a decisão foi nula por ausência de motivação. Embora não sejam absolutas as restrições de acesso à privacidade e aos dados pessoais do cidadão, é imprescindível que qualquer decisão judicial explicite os seus motivos (art. 93, IX, da CF). As diligências invasivas de acesso a dados (bancários, telefônicos e de empresa de transporte aéreo), para serem deferidas, precisam ser motivadas com a menção à necessidade e proporcionalidade das diligências. STJ. 6ª Turma. REsp 1133877-PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 19/8/2014 (Info 545). ● Regra: Publicidade ampla, permitindo a todos o acesso ao processo e não apenas às partes e aos procuradores. Dessa publicidade ampla se extrai 3 direitos: 1) Direito de assistência à realização dos atos processuais: o público, as partes e os advogados podem acompanhar os atos processuais; 2) Direito de narração dos atos processuais: da mesma forma que pode assistir, pode descrever os atos processuais; 3) Consulta dos autos: qualquer pessoa pode acessar os autos. ● Exceção: Publicidade restrita, com fundamento na própria CF/88 que prevê, em algumas situações, a possibilidade de restrição da publicidade. Será uma publicidade restrita apenas às partes e a seus advogados ou, apenas, a seus advogados. Pois, vez ou outra, o direito à intimidade deve prevalecer sobre o direito à informação. Art. 8º, item 5, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – “O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça”; Art. 792 do CPP - As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados. DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 26 §1° Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal, câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes. §2o As audiências, as sessões e os atos processuais, em caso de necessidade, poderão realizar-se na residência do juiz, ou em outra casa por ele especialmente designada. (regra caiu em desuso). Art. 234-B do CP - Os processos em que se apuram crimes definidos neste Título [crimes sexuais] correrão em segredo de justiça. No caso de processo penal que tramita sob segredo de justiça em razão da qualidade da vítima (criança ou adolescente), o nome completo do acusado e a tipificação legal do delito podem constar entre os dados básicos do processo disponibilizados para consulta livre no sítio eletrônico do Tribunal, ainda que os crimes apurados se relacionem com pornografia infantil. Muito embora o delito de divulgação de pornografia infantil possa causar repulsa à sociedade, não constitui violação ao direito de intimidade do réu a indicação, no site da Justiça, do nome de acusado maior de idade e da tipificação do delito pelo qual responde em ação penal, ainda que o processo tramite sob segredo de justiça. STJ. 5ª Turma. RMS 49920-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 2/8/2016 (Info 587). ATENÇÃO: Na visão dos Tribunais Superiores o segredo de justiça está dentro da cláusula de reserva de jurisdição (STF: MS 27.483/DF). Ou seja, quando o segredo de justiça for decretado pelo juiz, somente o próprio juiz ou uma autoridade jurisdicional superior poderá remover esse segredo de justiça. Ex.: CPI dos grampos. A CPI quis ter acesso a todos os processos que tinham interceptação telefônica. O STF não deixou, pois, se há interceptação telefônica, é uma hipótesede publicidade restrita, então somente uma autoridade jurisdicional pode remover o segredo de justiça. STF - MS 27.483/DF: “Comissão Parlamentar de Inquérito não tem poder jurídico de, mediante requisição, a operadoras de telefonia, de cópias de decisão nem de mandado judicial de interceptação telefônica, quebrar sigilo imposto a processo sujeito a segredo de justiça. Este é oponível a Comissão Parlamentar de Inquérito, representando expressiva limitação aos seus poderes constitucionais”. (STF, Tribunal Pleno, MS 27.483/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 192 09/10/2008). DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 27 4.1.8 Princípio da Vedação das Provas Ilícitas É vedado o uso de provas ilícitas no processo. Art. 5º, LVI, da CF: São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. O reconhecimento da prova ilícita ou da prova ilegítima que enseja a nulidade absoluta tem como consequência imediata o desentranhamento dos autos e sua inutilização, para que não se possa influenciar indevidamente o convencimento do magistrado. Cuidado! O que deve ser desentranhado dos autos é a PROVA, e não os autos processuais que fazem menção à prova ilícita. Assim já decidiu o STF: As peças processuais que fazem referência à prova declarada ilícita não devem ser desentranhadas do processo. Se determinada prova é considerada ilícita, ela deverá ser desentranhada do processo. Por outro lado, as peças do processo que fazem referência a essa prova (exs: denúncia, pronúncia etc.) não devem ser desentranhadas e substituídas. A denúncia, a sentença de pronúncia e as demais peças judiciais não são "provas" do crime e, por essa razão, estão fora da regra que determina a exclusão das provas obtidas por meios ilícitos prevista art. 157 do CPP. Assim, a legislação, ao tratar das provas ilícitas e derivadas, não determina a exclusão de "peças processuais" que a elas façam referência. STF. 2ª Turma. RHC 137368/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 29/11/2016 (Info 849). Contudo, a prova ilícita NÃO será inutilizada quando: 1) Pertencer licitamente a alguém; 2) Prova ilícita consistir no próprio corpo de delito em relação àquele que praticou um crime para obtê- la. Obs.: O STF começou a admitir, excepcionalmente, a utilização da prova ilícita em benefício do réu inocente que produziu prova para a sua absolvição. A temática será aprofundada quando tratarmos da Teoria Geral das Provas. 4.1.9 Princípio da Economia Processual, Celeridade Processual e Duração Razoável Do Processo Trata-se do princípio que ensejou a edição da EC 45/04, responsável por introduzir a razoável duração do processo enquanto direito fundamental no art. 5, LXXVIII, CF. Assim, a duração razoável do processo corresponde à busca pelo equilíbrio: o processo não pode ser moroso ao ponto de ensejar a impunidade, mas também não tão célere de modo a inobservar as garantias do acusado. https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/91665c93b72f55b2e4f1048fc8289d04?categoria=12&subcategoria=130 https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/91665c93b72f55b2e4f1048fc8289d04?categoria=12&subcategoria=130 DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 28 Apresenta algumas consequências: ● As prisões cautelares devem persistir por tempo razoável, enquanto presentes as necessidades; ● Possibilidade de utilizar a carta precatória itinerante; ● A suspensão do processo, havendo questão prejudicial, só deve ser feita quando há caso de difícil solução. 4.1.10 Princípio do Devido Processo Legal É um princípio expressamente previsto na Constituição Federal. Art. 5, LIV, da CF - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. “O devido processo legal é o estabelecido em lei, devendo traduzir-se em sinônimo de garantia, atendendo assim aos ditames constitucionais. Com isto, consagra-se a necessidade do processo tipificado, sem a supressão e/ou desvirtuamento de atos essenciais” (TÁVORA, 2017, p. 68). Subdividido em: ● Aspecto material ou substancial: Ninguém será processado, senão por crime previsto em lei; ● Aspecto processual ou procedimental: Atrelado à possibilidade de produzir provas. Caiu em prova Delegado PE/2024! O princípio do devido processo legal tem suas raízes no princípio da legalidade e garante que o indivíduo somente seja processado e punido se houver lei penal anterior definindo determinada conduta como crime, cominando-lhe pena. (item correto) 4.1.11 Juiz Imparcial ou Natural a) Previsão constitucional: art. 5°, XXXVII e LIII, CF/88. Art. 5º, XXXVII, da CF: não haverá juízo ou tribunal de exceção; Art. 5º, LIII, da CF: ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; b) Conceito: Consiste no direito que cada cidadão possui de conhecer antecipadamente a autoridade jurisdicional que o processará e o julgará. A ideia do juiz natural está relacionada com a imparcialidade. Isso porque, a partir do momento em que a competência é estabelecida de maneira prévia e abstrata, de certa forma é possível proteger a imparcialidade daquele magistrado. c) Regras de Proteção que derivam do Juiz Natural: Do princípio do juiz natural derivam 3 regras fundamentais: DIREITO PROCESSUAL PENAL NOÇÕES INICIAIS E PRINCÍPIOS 29 ● Só podem exercer jurisdição os órgãos instituídos pela Constituição; ● Ninguém pode ser julgado por órgão instituído após o fato; ● Entre os juízes pré-constituídos vigoram regras de competência que excluem qualquer tipo de discricionariedade. Obs.1: Convocação de juízes de 1º grau para substituir desembargadores não viola o princípio do juiz natural. Não ofende o princípio do juiz natural à convocação de juízes de primeiro grau para, nos casos de afastamento eventual do desembargador titular, compor o órgão julgador do respectivo Tribunal, desde que observadas as diretrizes legais federais ou estaduais, conforme o caso. Precedentes do STF e do STJ. Na hipótese em tela, o Tribunal de Justiça paulista procedeu a convocações de juízes de primeiro grau para formação de Câmaras Julgadoras, valendo-se de um sistema de voluntariado, sem a observância da regra legal instituída (Lei Complementar n.º 646/90 do Estado de São Paulo), qual seja, a de realização de concurso de remoção, tornando nula a atuação do magistrado de primeiro grau convocado nessas circunstâncias. Ordem concedida para anular o julgamento do recurso de apelação, determinando a sua renovação por Turma Julgadora, com a observância da lei de regência. (STJ, 5ª Turma, HC 111.919/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 18/11/2008, Dje 02/02/2009). Obs.2: Julgamento por turma (ou câmara) composta, em sua maioria, por juízes convocados não viola o princípio do juiz natural. Esta Corte já firmou entendimento no sentido da constitucionalidade da Lei Complementar 646/1990, do Estado de São Paulo, que disciplinou a convocação de juízes de primeiro grau para substituição de desembargadores do TJ/SP. Da mesma forma, não viola o postulado constitucional do juiz natural o julgamento de apelação por órgão composto majoritariamente por juízes convocados na forma de edital publicado na imprensa oficial. Colegiados constituídos por magistrados togados, que os integram mediante inscrição voluntária e a quem a distribuição de processos é feita aleatoriamente. Julgamentos realizados com estrita observância do princípio da publicidade, bem como do direito ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório. Ordem denegada. (STF, Pleno, HC 96.821/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 08/04/2010). É pacífico o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal no sentido de ser perfeitamente possível a convocação de juízes de primeiro grau para