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A PREEMINÊNCIA DA MÃO DIREITA: UM ESTUDO SOBRE A POLARIDADE RELIGIOSA. Escrito por Robert Hertz, um dos mais jovens e mais brilhantes membros da escola sociológica francesa, “A Preeminência da mão direita”, publicado em Religião e Sociedade, de 1980, como ensaio do grupo L’Année Sociologique, trata-se de uma abordagem feita através de vasto material etnográfico com o objetivo de explicar as teses do grupo sobre o princípio base da religião, a saber, a oposição entre o sagrado e o profano. Hertz, usa a figura do corpo humano para evidenciar sua tese de que o coletivo — ou espiritual — superimpõe-se ao orgânico e individual, visto que a simples oposição das mãos não é algo natural e está carregada de significações culturais que servem como representações de divisões e hierarquias na sociedade. As ideias são divididas em quatro seções: Assimetria Orgânica, Polaridade Religiosa, As características da esquerda e da direita e As Funções das Duas Mãos. Na primeira seção, Hertz explica que toda hierarquia social prega que sua base está na natureza das coisas, evitando assim que mudanças inovadoras a ameacem. É através dessa ideia, diz ele, que Aristóteles justficativa a escravidão por meio da superioridade étnica de gregos sobre os bárbaros. Da mesma forma ocorre no presente, quando homens justificam suas oposições a movimentos de vieses feministas alegando que as mulheres são naturalmente inferiores. Entretanto, um ponto a notar é que, apesar de serem idênticas, as mãos estão em uma posição desigual. Para a mão direita são direcionadas as honras e os méritos. É ela quem dá ordens e executa. Já a mão esquerda se reduz ao apoio da direita. Ela ajuda e auxilia. A mão direita é ainda um símbolo da aristocracia, enquanto a esquerda simboliza pessoas comuns. No entanto, a superioridade da mão direita não se deve ao organismo, mas a convenções e credos. Hertz tenta fazer uma investigação sobre a tentativa de associação da causa anatômica à desteridade, utilizando o privilégio da mão direita na assimetria dos centros nervosos, mas não consegue provar suas análises, porque a origem do privilégio pertencente a mão direita não se deve a causas orgânicas e sim a causas exteriores ao corpo humano. A ideia aqui não é desacreditar por toda a causa orgânica, mas entendê-la como sendo insuficiente para exemplificação de fenômenos. Na segunda parte, Hertz afirma que a superioridade da mão direita é imposta por meio de coerção social e garantida por sanções. Por outro lado, uma proibição surge em relação à mão esquerda, paralisando-a. A diferenciação entre valor e função nos dois lados do corpo demonstra, no limite, as peculiaridades de uma instituição social. Seguindo essa linha, ele explica como as ideias que dominam as ações nasceram no campo das crenças e utiliza-se de um estudo comparativo de representações coletivas para explicar a preponderância da mão direita. Hertz aborda ainda a ideia de sagrado e profano. Aquilo que é profano é prejudicial, negativo, afeta o indivíduo. Já o sagrado é benéfico, positivo. De um lado está o bem, a paz. Do outro, o mal, o caos. De um lado anjos, e do outro, demônios. Existem ainda opostos na natureza: O dia e a noite. Opostos na religião: O céu e o inferno. Na política: progressistas e conservadores. Na terceira parte, Hertz aborda as características que cada mão possui, utilizando a ideia de consciência coletiva. E novamente entra em evidência as diferentes designações que cada mão apresenta. Quando se trata da mão direita, os adjetivos giram em torno do que é bom, pacífico, correto, sagrado. Quando se trata da mão esquerda, o mau, a guerra, o errado, o profano. Na quarta e última parte, Hertz trata de que as diferentes particularidades que são atribuídas a cada lado determinam as funções e posições de cada uma delas. Ou seja, cada mão age conforme a natureza das particularidades. Sendo a mão direita aquele lado do bem, cabe a ela os rituais de bênçãos, de proteção. Os rituais obscuros, sinistros ficam por conta da mão esquerda. Ora, não se trata portanto de habilidades diferentes, mas sim de funções diferentes, advindas das particularidades que lhes são atribuídas. Elas são antagônicas. A mão esquerda não é ausente de poder. Ela é ausente de poder positivo, legítimo, funcional. A mão direita e esquerda possuem valores e cargos diferentes. Portanto, em todo o mundo, em qualquer sociedade, lugares profanos ou sagrados, na guerra ou na paz, no tribunal. Em todo o mundo existe uma norma e significações a respeito das funções das duas mãos. Por fim, as diferenças existentes entre as duas mãos demonstram uma ideia ainda mais geral: as significações de caráter moral, simbólico e afins, são anteriores aos indivíduos e a suas experiências, e estão ligadas por uma estrutura. Apesar de existir uma participação humana individual nas formulações desses atributos, as causas sociais são os formuladores dessas diferenças. Porém, essas causas não são inalteráveis. As ideias religiosas formularam e criaram níveis de importância e valor acerca das mãos, mas essas ideias não são permanentes. Ora, a diferenciação entre a mão direita e esquerda não deixará de existir, mas ela pode ser menos evidente. O antagonismo entre elas será eterno, mas a mão esquerda pode se desenvolver de forma mais equilibrada e harmônica. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA HERTZ, Robert. A Proeminência da mão direita: um estudo sobre a polaridade religiosa. Religião e Sociedade. 1980.