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Indaial – 2020 Noções de direito Prof.ª Ana Paula Tabosa dos Santos Sanches 2a Edição Copyright © UNIASSELVI 2020 Elaboração: Prof.ª Ana Paula Tabosa dos Santos Sanches Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: S211n Sanches, Ana Paula Tabosa dos Santos Noções de direito. / Ana Paula Tabosa dos Santos Sanches. – Indaial: UNIASSELVI, 2020 235 p.; il. ISBN 978-65-5663-331-2 ISBN Digital 978-65-5663-327-5 1. Direito. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 340 ApreseNtAção Prezados acadêmicos! Desde que o homem passou a viver em sociedade, tornou-se necessário estabelecer regras que regulassem as relações humanas, a im de garantir a paz social. Estas normas de conduta buscam evitar que cada um “faça justiça com as próprias mãos”, o que signiica a prevalência da força, uma vez que a vontade do mais forte sempre prevalecerá, gerando desordem na sociedade. Assim, desde os primórdios da civilização, airma-se que ubu homo, ibi jus, o que signiica “onde está o homem está o Direito”. Em uma visão ampla, podemos dizer, que o Direito é a ciência que estuda estas normas de conduta. Em sua futura atividade proissional, você se deparará com situações que demandam um conhecimento básico da ciência jurídica, que é objeto de nossa disciplina. Serão parte de seu dia a dia situações que envolvem contratos, direitos trabalhistas, títulos de crédito, reclamações de consumidores, entre muitas outras em que você necessitará de conhecimentos jurídicos. Na Unidade 1 teremos uma ampla visão do Direito e sua inter-relação com a ética e a moral, facilitando o entendimento do o que é Direito Positivo, quem são os sujeitos de direito, o que são normas jurídicas e como elas são aplicáveis aos fatos jurídicos. Na Unidade 2 estudaremos conteúdos de Direito Público, entendendo aspectos importantes desse conteúdo em cada um dos seus ramos. A importância de conheceremos os principais direitos e garantias fundamentais, quais são os direitos sociais, vamos estudar o Direito Administrativo que traz as regras que disciplinam a atividade da Administração Pública, o Direito Penal composto por um conjunto de normas jurídicas que regulam o poder punitivo do Estado. Finalizando com o estudo do Direito tributário, Direito eleitoral e Direito militar. Por im, na Unidade 3, estudaremos alguns ramos especiais do Direito, com ênfase no Direito do Trabalho, Direito do Consumidor e o Direito ambiental. Desejo a você uma feliz trajetória. Bons estudos! Prof.ª Ana Paula Tabosa dos Santos Sanches Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novi- dades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagra- mação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilida- de de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assun- to em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complemen- tares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! LEMBRE TE sumário UNIDADE 1 — NOÇÕES GERAIS DE DIREITO ........................................................................... 1 TÓPICO 1 — CONCEPÇÃO DE “DIREITO” ................................................................................... 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 3 2 O QUE É DIREITO? ............................................................................................................................ 3 2.1 INTERPRETAÇÕES DA DIMENSÃO SOCIAL DO HOMEM ................................................. 4 2.2 CARACTERÍSTICAS DA SOCIEDADE ...................................................................................... 6 2.3 INTERAÇÃO SOCIAL ................................................................................................................... 7 2.4 DIREITO, ÉTICA E MORAL ....................................................................................................... 11 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 15 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 16 TÓPICO 2 — DIREITO OBJETIVO E SUBJETIVO ....................................................................... 19 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 19 2 CONCEITO DE DIREITO OBJETIVO E SUBJETIVO ............................................................... 19 3 FONTES DO DIREITO ..................................................................................................................... 20 3.1 CARACTERIZAÇÃO DAS FONTES DO DIREITO ................................................................ 21 3.2 CLASSIFICAÇÃO DA HIERARQUIA DAS LEIS .................................................................... 21 3.3 COSTUMES ................................................................................................................................... 24 3.4 JURISPRUDÊNCIA....................................................................................................................... 25 3.5 DOUTRINA ................................................................................................................................... 25 3.6 EQUIDADE .................................................................................................................................... 26 3.7 ANALOGIA ................................................................................................................................... 26 3.8 PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO .......................................................................................... 27 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 29 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 30TÓPICO 3 — NORMA JURÍDICA E RELAÇÃO JURÍDICA ...................................................... 33 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 33 2 CONCEITO DE NORMA JURÍDICA ............................................................................................ 33 2.1 CARACTERÍSTICAS DA NORMA JURÍDICA ........................................................................ 36 2.1.1 Bilateralidade........................................................................................................................ 37 2.1.2 Generalidade ........................................................................................................................ 37 2.1.3 Abstratividade ...................................................................................................................... 38 2.1.4 Imperatividade ..................................................................................................................... 39 2.1.5 Coercibilidade ...................................................................................................................... 39 3 RELAÇÃO JURÍDICA ...................................................................................................................... 41 3.1 CONCEITO DE RELAÇÃO JURÍDICA ..................................................................................... 41 3.2 ESPÉCIES DE RELAÇÃO JURÍDICA ........................................................................................ 42 3.3 ELEMENTOS DA RELAÇÃO JURÍDICA ................................................................................. 45 3.3.1 Sujeitos da relação jurídica ................................................................................................. 46 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 47 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 52 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 53 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 55 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO ........................................................................ 57 TÓPICO 1 — DIREITO CONSTITUCIONAL ................................................................................ 59 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 59 2 CONCEITO DE DIREITO CONSTITUCIONAL E CONSTITUIÇÃO ................................... 59 2.1 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 .................................................................................. 61 2.2 CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES .............................................................................. 64 2.2.1 Quanto ao conteúdo ........................................................................................................... 65 2.2.2 Quanto à forma .................................................................................................................... 65 2.2.3 Quanto ao modo de elaboração ......................................................................................... 66 2.2.4 Quanto à origem .................................................................................................................. 66 2.2.5 Quanto à estabilidade ......................................................................................................... 67 2.2.6 Quanto à extensão e inalidade .......................................................................................... 68 2.3 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ................. 69 2.4 DIREITOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS ................................................................................ 71 2.5 REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS ............................................................................................. 73 2.6 DIREITOS SOCIAIS ...................................................................................................................... 76 2.7 DIREITO DE NACIONALIDADE .............................................................................................. 80 2.8 DIREITOS POLÍTICOS ................................................................................................................. 82 2.8.1 Direitos relacionados à organização, participação e funcionamento dos partidos políticos .......................................................................................................... 83 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 85 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 86 TÓPICO 2 — DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL E DIREITO PENAL ......................................................................................................... 87 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 87 2 DIREITO ADMINISTRATIVO ....................................................................................................... 87 2.1 ATOS ADMINISTRATIVOS ........................................................................................................ 88 2.2 PRINCÍPIOS QUE REGEM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA .............................................. 94 2.2.1 Princípio da legalidade ....................................................................................................... 95 2.2.2 Princípio da impessoalidade .............................................................................................. 96 2.2.3 Princípio da moralidade ..................................................................................................... 97 2.2.4 Princípio da publicidade .................................................................................................... 98 2.2.5 Princípio da eiciência ....................................................................................................... 100 3 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS .......................................................................................... 101 4 DIREITO PROCESSUAL ............................................................................................................... 105 5 DIREITO PENAL ............................................................................................................................. 107 5.1 CONCEITO E FUNÇÃO ........................................................................................................... 108 5.2 DIVISÃO DO DIREITO PENAL ............................................................................................... 108 5.3 FATO TÍPICO – CRIME E CONTRAVENÇÃO ...................................................................... 109 5.4 DOLO E CULPA ......................................................................................................................... 111 5.4.1 Causas excludentes da antijuridicidade ......................................................................... 114 5.4.2 Culpabilidade ..................................................................................................................... 115 5.4.3 Imputabilidade penal ........................................................................................................ 115 5.4.4 Penas e medidas de segurança ......................................................................................... 116 5.4.5 Ações penais....................................................................................................................... 118 5.4.6 Crimes contra o patrimônio ............................................................................................. 119 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 124 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 125 TÓPICO 3 — DIREITO TRIBUTÁRIO, DIREITO ELEITORAL E DIREITO MILITAR ................................................................................................... 127 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 127 2 DIREITO TRIBUTÁRIO ................................................................................................................ 127 3 DIREITO ELEITORAL .................................................................................................................... 129 4 DIREITO MILITAR ......................................................................................................................... 131 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 135 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 139 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 140 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 142 UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO ............................................................ 145 TÓPICO 1 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO ....................................................................... 147 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 147 2 DIREITO DO TRABALHO ............................................................................................................ 147 2.1 CARACTERÍSTICAS DO DIREITO DO TRABALHO .......................................................... 149 2.2 FUNÇÕES DO DIREITO DO TRABALHO ............................................................................. 151 2.3 NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO DO TRABALHO ..................................................... 152 2.4 DIVISÃO DO DIREITO DO TRABALHO .............................................................................. 153 2.5 PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO ......................................................................... 155 3 DIREITO DO CONSUMIDOR ..................................................................................................... 157 3.1 CONCEITOS DE CONSUMIDOR E FORNECEDOR ........................................................... 157 3.2 DIREITOS E DEVERES DO CONSUMIDOR.......................................................................... 161 3.3 RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR ........................................................................... 162 3.4 DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO .............................................................................................. 163 3.5 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ................................................ 164 3.6 PROTEÇÃO DOS CONTRATOS DE CONSUMO ................................................................. 164 3.7 PUBLICIDADE E PROPAGANDA .......................................................................................... 165 4 DIREITO AMBIENTAL .................................................................................................................. 166 RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 168 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 169 TÓPICO 2 — DIREITO CIVIL NOÇÕES E ESTRUTURAS ...................................................... 171 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 171 2 NOÇÕES E ESTRUTURA DO DIREITO CIVIL ....................................................................... 171 2.1 PARTE GERAL DO CÓDIGO CIVIL – LIVRO I: DAS PESSOAS ........................................ 172 2.1.1 Pessoa física ........................................................................................................................ 172 2.1.2 Pessoa jurídica .................................................................................................................... 179 2.2 PARTE GERAL – LIVRO II: DOS BENS .................................................................................. 183 2.2.1 Conceito de bem ................................................................................................................ 183 2.2.2 Classiicação dos bens ....................................................................................................... 184 2.3 PARTE GERAL – LIVRO III: DOS FATOS JURÍDICOS......................................................... 190 2.3.1 Conceito de fato jurídico ................................................................................................... 190 2.3.2 Classiicação dos fatos jurídicos ...................................................................................... 191 2.3.3 Negócio jurídico ................................................................................................................. 192 2.4 CÓDIGO CIVIL – PARTE ESPECIAL ...................................................................................... 194 2.4.1 Direito das obrigações ....................................................................................................... 194 2.4.2 Direito empresarial ............................................................................................................ 200 2.4.3 Direito das coisas ............................................................................................................... 201 2.4.4 Direito de família ............................................................................................................... 209 2.4.5 Direito das sucessões ......................................................................................................... 213 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 215 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 216 TÓPICO 3 — DIREITO PÚBLICO EXTERNO: DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO ...................................... 219 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 219 2 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO.................................................................................... 219 2.1 PRINCÍPIOS DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO ................................................. 220 2.2 SUJEITOS DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO ...................................................... 221 3 DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO ................................................................................... 223 LEITURA COMPLEMENTAR ..........................................................................................................225 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 229 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 230 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 232 1 UNIDADE 1 — NOÇÕES GERAIS DE DIREITO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • apresentar uma visão geral da ciência do Direito; • compreender a inter-relação entre Direito, Ética e Moral; • identiicar e diferenciar os conceitos de Direito Objetivo e Direito Subjetivo; • reconhecer as fontes do Direito; • compreender o conceito e as características das Normas e Relações Jurídicas. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – CONCEPÇÃO DE “DIREITO” TÓPICO 2 – DIREITO OBJETIVO E SUBJETIVO TÓPICO 3 – NORMA JURÍDICA E RELAÇÃO JURÍDICA Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMAD A 2 3 TÓPICO 1 — UNIDADE 1 CONCEPÇÃO DE “DIREITO” 1 INTRODUÇÃO O Direito é a ciência que estuda as normas de conduta que regem a vida em sociedade, trata-se de uma ciência ampla, com aplicação em todas as áreas do conhecimento. Nesta unidade, vamos obter conhecimentos básicos referentes à ciência do Direito que irão auxiliar em nossos estudos futuros. Para que possamos estudar a interligação entre o Direito e a atividade proissional, é importante que primeiro entendamos alguns conceitos ligados à ciência do Direito. 2 O QUE É DIREITO? Das palavras de Nader (2019, p. 21), extraímos que o homem é um ser essencialmente programado para viver em sociedade: A própria constituição física do ser humano revela que ele foi programado para conviver e se completar com outro ser de sua espécie. A prole, decorrência natural da união, passa a atuar como fator de organização e estabilidade do núcleo familiar. O pequeno grupo, formado não apenas pelo interesse material, mas pelos sentimentos de afeto, tende a propagar-se em cadeia, com a formação de outros pequenos núcleos, até se chegar à formação de um grande grupo social. Não é uma tarefa fácil deinir o conceito de Direito, em razão dos diversos aspectos que nos levam a uma mistura de várias concepções que lhe são atribuídos. Sob o aspecto formal, o Direito é regra de conduta imposta coativamente aos homens. Sob o aspecto material, é a norma nascida da necessidade de disciplinar a convivência social (GOMES, 2019). Ainal, o que é Direito? De acordo com a deinição etimológica a origem do vocábulo “Direito é originária do adjetivo latino directum, trazendo à mente a concepção de que o direito deve ser uma linha direta, que provém do particípio passado do verbo dirigo, is, rexi, rectum, dirigere, equivalente a guiar, conduzir, traçar e alinhar” (NADER, 2016, p. 75). O termo tem muitos signiicados e não é possível resumi-lo em um só conceito. NOTA UNIDADE 1 — NOÇÕES GERAIS DE DIREITO 4 Para Gusmão (2018, p. 48): De modo muito amplo, pode-se dizer que a palavra “direito” tem três sentidos: 1°, regra de conduta obrigatória (direito objetivo); 2°, sistema de conhecimentos jurídicos (ciência do direito); 3°, faculdade ou poderes que tem ou pode ter uma pessoa, ou seja, o que pode uma pessoa exigir de outra (direito subjetivo). A palavra direito, intuitivamente, nos remete à noção do que é certo, correto, justo, reto, equânime. A palavra direito, no uso comum, é sintaticamente imprecisa: o meu direito será protegido; ele deve andar direito; não se trata de um homem direito; ele é seu braço direito; ele estuda Direito dentre outros signiicados (VENOSA, 2019): O Direito como arte ou técnica procura melhorar as condições sociais ao sugerir e estabelecer regras justas e equitativas de conduta. Pois é justamente como arte que o Direito, na busca do que pretende, se vale de outras ciências, como Filosoia, Antropologia, Economia, Sociologia, História, Política. Embora Hans Kelsen tenha tentado demonstrar que há uma teoria pura do direito, livre de qualquer ideologia política, o quadro do dia a dia do Direito traduz outra realidade (VENOSA, 2019, p. 8). 2.1 INTERPRETAÇÕES DA DIMENSÃO SOCIAL DO HOMEM O homem, a sociedade e o direito são essencialmente ligados, e os elos que os unem estão expressos no seguinte argumento da sociabilidade: ubi homo, ibi societas (onde o homem, aí a sociedade); ubi societas, ibi jus (onde a sociedade, aí o direito); ubi homo, ibi jus (logo, onde o homem, aí o direito). Sendo que “o argumento maior é o homem; a menor, a sociedade; e a conclusão, o direito: onde existe o homem, surge a sociedade, e, onde há sociedade, manifesta-se o direito” (BETIOLI, 2015, p. 54). QUADRO 1 – PRINCIPAIS PENSADORES SOBRE A NATUREZA SOCIAL DO HOMEM Plat̃o (428-348 a.C.) O homem é essencialmente alma; ele realiza a sua perfeição e chega a alcançar sua felicidade na contemplação das ideias, que povoam um mundo denominado metaforicamente por ele de celeste. A sociabilidade é, portanto, uma consequência da corporeidade, e dura apenas enquanto as almas estiverem ligadas ao corpo. TÓPICO 1 — CONCEPÇÃO DE “DIREITO” 5 Aristóteles (384-322 a.C.) O homem como constituído essencialmente de alma e corpo, e, movido por tal constituição, é necessariamente ligado aos vínculos sociais. Portanto, a própria natureza que induz o indivíduo a associar-se com os outros indivíduos e a organizar- se em uma sociedade. Em suma, para Aristóteles, “o homem é um animal político, destinado por natureza a viver em sociedade de sorte que a ideia de homem exige a de convivência civil”. S̃o Tomás de Aquino (1225-1274) O homem é naturalmente sociável: “O homem é, por natureza, animal social e político, vivendo em multidão, ainda mais que todos os outros animais, o que se evidencia pela natural necessidade”. Thomas Hobbes (1588-1679) Defendia que o homem não possui o instinto natural de sociabilidade; por sua natureza, é um ser mal e antissocial. Por isso, cada homem encara seu semelhante como um concorrente que precisa ser dominado. A consequência dessa disputa dos homens entre si teria gerado um permanente estado de guerra nas comunidades primitivas: “a guerra de todos contra todos” (bellum omnium contra omnes); ou “o homem era o lobo do próprio homem” (homo homini lupus). Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) O homem é essencialmente bom e livre. É o aparecimento da propriedade privada que marca o im desse estado e o início de uma época de conlitos, males e guerras. O primeiro homem que cercou um campo e disse “isto é meu” foi o primeiro fator da infelicidade humana. A sociedade dividiu-se em ricos e pobres (Rousseau). Aconselhados pelos ricos, os homens são levados a viver em sociedade e sob o poder de uma autoridade, que deveria manter a paz e a justiça por meio das leis. Contudo, deram assim mais força aos ricos, que destruíram as liberdades naturais, endeusaram a propriedade, ixaram as desigualdades e sujeitaram os demais homens ao trabalho, à servidão e à miséria. FONTE: Adaptado de Betioli (2015) UNIDADE 1 — NOÇÕES GERAIS DE DIREITO 6 2.2 CARACTERÍSTICAS DA SOCIEDADE Para Betioli (2015) são três as características de qualquer sociedade: multiplicidade de indivíduos, interação e previsão de comportamentos. QUADRO 2 – CARACTERÍSTICAS DA SOCIEDADE Multiplicidade de indivíduos As realidades que consideramos com a denominação genérica de sociedade apresentam como pressuposto primeiro a multiplicidade de indivíduos; trata-se de um conjunto ou agrupamento de indivíduos; na deinição de Tomás de Aquino: “a reunião de homens para fazer algo em comum”.Interaç̃o Não basta, porém, para a existência de uma sociedade, que indivíduos, em número maior ou menor, unam-se. É indispensável, conforme acentua Jean Piaget, que entre eles haja “interações”, ou seja, que desenvolvam ações recíprocas, de forma que à ação de uns correspondam ações correlatas de outros, dentro de uma estrutura bem deinida. Daí a conceituação precisa, de Piaget, de que a sociedade se deine como a “multiplicidade de interações de indivíduos humanos”. Previs̃o de comportamento A interação, por seu turno, pressupõe uma previsão de comportamento, ou de reações ao comportamento de outros. Na verdade, cada um atua na expectativa de que os demais indivíduos corresponderão às atitudes que assumimos dentro de um quadro de signiicações bem deinidas. Cada um age orientando-se pelo provável comportamento do outro e também pela interpretação que faz das expectativas do outro com relação a seu comportamento. FONTE: Adaptado de Betioli (2015) Betioli (2015, p. 50) podemos entender a organização da sociedade: O elemento organização não é, a nosso ver, essencial para a existência de uma sociedade. Em geral, toda sociedade se organiza, ou seja, se arma dos meios necessários para obter seus ins. Mas pode existir uma sociedade não organizada. O contrário pensa Santi Romano, para quem a organização é essencial à sociedade; é essa sociedade organizada que ele chama de “instituição”. TÓPICO 1 — CONCEPÇÃO DE “DIREITO” 7 Na interação social, as pessoas e os grupos sociais se relacionam estreitamente, na busca dos seus propósitos. Os processos de mútua inluência, de relações interindividuais e intergrupais, que se formam sob a força de variados interesses (NADER, 2019). Para Betioli (2015, p. 50-51): A interação compõe o tecido fundamental da sociedade e se apresenta sob as formas de “cooperação”, “competição” e “conlito”, encontrando no direito, como veremos, a sua garantia. Segundo Paulo Nader, “na cooperação, as pessoas estão movidas por um mesmo objetivo e valor e por isso conjugam o seu esforço. Na competição há uma disputa, uma concorrência, em que as partes procuram obter o que almejam, uma visando à exclusão da outra. O conlito se faz presente a partir do impasse, quando os interesses em jogo não logram uma solução pelo diálogo e as partes recorrem à agressão, moral ou física, ou buscam a mediação da justiça”. Assim, se a cooperação une e inclui, a competição cria oposição e exclusão. Em relação aos conlitos, eles são fenômenos naturais a qualquer sociedade; e, quanto mais esta se desenvolve, mais se sujeita a novas formas de conlito, tornando-se a convivência, se não o maior, certamente um dos seus maiores desaios. 2.3 INTERAÇÃO SOCIAL Qualquer lugar que se observe o homem, seja qual for a época e por mais rude e selvagem que possa ser na sua origem, ele sempre é encontrado em estado de convivência com os outros. De fato, desde o seu primeiro aparecimento sobre a Terra, surge em grupos sociais, inicialmente pequenos como a família, clã ou tribo e depois maiores como aldeia, cidade e Estado (BETIOLI, 2015). Betioli (2015, p. 44) airma ainda que o homem além de um ser social é também um ser político, e ainda apresenta duas dimensões fundamentais: a sociabilidade que vem a ser “a propensão do homem para viver junto com os outros e comunicar-se com eles, torná-los participantes das próprias experiências e dos próprios desejos, conviver com eles as mesmas emoções e os mesmos bens” e a politicidade que é “o conjunto de relações que o indivíduo mantém com os outros, enquanto faz parte de um grupo social” (BETIOLI, 2015, p. 44). UNIDADE 1 — NOÇÕES GERAIS DE DIREITO 8 FIGURA 1 – QUADRO EXPLICATIVA SOBRE INTERAÇÃO SOCIAL FONTE: Adaptada de Nader (2019) Ao analisar a ação do Direito, Nader (2019, p. 24) esclarece que “ao separar o lícito do ilícito, segundo valores de convivência que a própria sociedade elege, o ordenamento jurídico torna possível os nexos de cooperação, disciplina e competição, estabelecendo as limitações necessárias ao equilíbrio e à justiça nas relações”. Deste modo podemos compreender que o direito é usado como instrumento de controle social, buscando regulamentar as relações sociais na busca da paz social. Na existência do conlito o Direito atua de duas formas e em dois momentos distintos: • Preventivamente – de forma a evitar o desentendimento quanto aos direitos que cada parte julga ser portadora. • Concretamente – o direito apresenta solução de acordo com a natureza do caso. FIGURA 2 – Interação social FONTE: <https://psicoativo.com/wp-content/uploads/2018/02/vicio_em_celular_smartpho- ne_nomofobia.jpg>. Acesso em: 17 ago. 2020. TÓPICO 1 — CONCEPÇÃO DE “DIREITO” 9 FIGURA 3 – RELAÇÃO ENTRE PESSOAS FONTE: <http://www.pacce.ufc.br/pacce//images/e130e03472321169710f6f750833b712.jpg>. Acesso em: 17 ago. 2020. Essa relação entre pessoas e grupos sociais gera: FIGURA 4 – COOPERAÇÃO, COMPETIÇÃO, CONFLITO FONTE: Adaptada de <http://4.bp.blogspot.com/-4N-pe-gATwc/T7_fbpNEW5I/AAAAAAAABCo/y- -je6lwC_to/s320/trabalho_em_equipe.jpg>; <https://cutt.ly/IgHtav0>; <https://cutt.ly/4gHti3l>. Acesso em: 17 ago. 2020. E para resolução temos o: UNIDADE 1 — NOÇÕES GERAIS DE DIREITO 10 FIGURA 5 – REPRESENTAÇÃO DO DIREITO FONTE: <https://cutt.ly/EgHtx1w>. Acesso em: 17 ago. 2020. O direito está em função da vida social e sua inalidade é favorecer o amplo relacionamento entre as pessoas e os grupos sociais, que é uma das bases do progresso da sociedade (NADER, 2016). Ainda sobre a relação entre a sociedade e o Direito, Nader (2019, p. 19) airma que: A vida em sociedade pressupõe organização e implica a existência do Direito. A sociedade cria o Direito no propósito de formular as bases da justiça e segurança. Com este processo as ações sociais ganham estabilidade. A vida social torna-se viável. O Direito, porém, não é uma força que gera, unilateralmente, o bem-estar social. Os valores espirituais que apresenta não são inventos do legislador. Por deinição, o Direito deve ser uma expressão da vontade social e, assim, a legislação deve apenas assimilar os valores positivos que a sociedade estima e vive. O Direito não é, portanto, uma fórmula mágica capaz de transformar a natureza humana. Se o homem em sociedade não está propenso a acatar os valores fundamentais do bem comum, de vivê-los em suas ações, o Direito será inócuo, impotente para realizar a sua missão. Como vimos, a vida em sociedade é regulamentada por normas. Estas normas valem para todos, sendo seu conhecimento e cumprimento obrigatórios, como se lê do artigo 3º da Lei de Introdução do Código Civil: “ninguém se escusa de cumprir a lei alegando que não a conhece”. Neste sentido entende-se que, depois de publicada, uma lei passa a ser obrigatória para toda a sociedade, e ninguém poderá omitir-se de seu cumprimento mesmo sob a argumentação de erro ou ignorância, ou seja, mesmo sob a alegação de desconhecimento da lei. Assim, vale lembrar que: Onde há a sociedade, há o Direito (ubi societas ibi jus). Cabe apenas ressaltar que, também, a política e a religião desempenham importante papel no sentido de minimizar os conlitos na sociedade, como mostra a igura a seguir: TÓPICO 1 — CONCEPÇÃO DE “DIREITO” 11 FIGURA 6 – FORMAS DE CONTROLE E RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS FONTE: A autora 2.4 DIREITO, ÉTICA E MORAL Vimos anteriormente, na Figura 6, que o Direito, juntamente com a Moral, a Religião e a Política, desempenha papel fundamental na prevenção dos conlitos que nascem do convívio social. A partir de agora, vamos focar nossa atenção nos conceitos de Direito, Ética e Moral: A atividade humana, além de subordinar-se às leis da natureza e conduzir-se conforme as normas éticas, ditadas pelo direito, moral, religião e regras de trato social, tem necessidade de orientar-se pelas normas técnicas, ao desenvolver o seu trabalho e construir os objetos culturais. Enquanto as normas éticas determinam o agir social e a suavivência já constitui um im, as normas técnicas indicam formulas de fazer e são apenas meios que capacitam o homem a atingir resultados (NADER, 2019, p. 32). O homem é um ser fundamentalmente social; é obrigado a viver necessariamente em conjunto, necessitando, portanto, de regras de comportamento. Este mesmo homem está condicionado, então, a regras sociais éticas, morais, religiosas e jurídicas, regras que foram ou são constituídas pelo próprio. Está, ainda, subordinado a regras ou leis da física, sujeito, assim, aos fenômenos da natureza (RIZZARDO, 2015). É de grande importância saber diferenciar o conceito de Ética da Moral e Direito. Estas três áreas de conhecimento se diferenciam, porém, possuem grandes vínculos e até mesmo sobreposições. Conforme Betioli (2015), a ética estuda a conduta do homem, seja perante ele mesmo, seja perante a sociedade, para compreensão da Moral e do Direito destaca o seguinte conceito: UNIDADE 1 — NOÇÕES GERAIS DE DIREITO 12 QUADRO 3 – CONCEITOS DE ÉTICA, MORAL E DIREITO Identidade semântica de “ética” e “moral”: assim como a palavra “moral” vem do latim (mos, moris), a palavra “ética” vem do grego (ethos) e ambas se referem a costumes, indicando as regras do comportamento, as diretrizes de conduta a serem seguidas. Etimologicamente indicam, a rigor, a mesma realidade. Acepç̃o ampla e estrita: colocamos aqui as normas morais como uma espécie de normas éticas, porque a palavra “moral” pode ser empregada em duas acepções distintas: ampla e estrita. Num sentido amplo, abrange todas as ciências normativas do agir humano; e a palavra ética icaria reservada para essa acepção ampla. A ética, compreendida como a ciência axiológica ou valorativa, tem por objeto os valores que presidem o comportamento humano em todas as suas expressões existenciais. Moral social: cuida dos deveres do indivíduo como indivíduo para com o todo, para com a coletividade em que atua; ela visa o bem enquanto social. O direito, igualmente, preocupa-se de maneira direta, imediata e prevalecente, do bem enquanto do todo coletivo, isto é, do bem comum. Mas, vale ressaltar, isso não signiica que o direito descuida do problema do indivíduo, muito menos que ignora a importância que o elemento intencional e subjetivo representa na experiência jurídica. A ética – enquanto ordenação dos comportamentos em geral, na medida em que se destinam à realização de um bem. FONTE: Adaptado de Betioli (2015) FIGURA 7 – CONCEITO DE MORAL FONTE: A autora A moral restringe-se unicamente ao plano íntimo, à consciência e sua pena máxima, se restringe no campo do remorso, do arrependimento, do desgosto, do pesar. Já no plano do direito, a norma comina as sanções, ou as penalidades, que lhe dão eicácia na prática. A moral dirige-se à abstinência de erros ou atos nocivos e à prática do bem. Impõe que se abstenha a pessoa de cometer atos errados e a que pratique atos positivos dirigidos para o bem. Já o direito dirige-se a evitar que se lese ou prejudique a outrem (RIZZARDO, 2015). TÓPICO 1 — CONCEPÇÃO DE “DIREITO” 13 FIGURA 8 – CONCEITO DE ÉTICA FONTE: A autora Para RIZZARDO (2015) a ética um conjunto de conhecimentos e princípios dirigidos a imprimir um comportamento humano moral em campos especiicados. Seu conceito constitui os valores morais e princípios que norteiam a conduta humana na sociedade. Segundo a ilosoia, corresponde a uma ciência que estuda os valores e princípios morais de uma sociedade e seus grupos. As regras da ética são aplicáveis nos diversos campos das atividades humanas, como na medicina, na advocacia, na economia, na engenharia, formando um conjunto de preceitos que impõem o respeito na prática do trabalho, sem ofender o exercício da proissão dos que atuam no mesmo ramo, e em respeito às pessoas para as quais se presta os serviços. Concebe-se, acima de tudo, como um dever que o proissional tem com aquele que contrata o seu serviço (RIZZARDO, 2015, s.p.). FIGURA 9 – QUADRO EXPLICATIVO DE DIREITO FONTE: A autora O direito por meio da norma contida no ordenamento jurídico, orienta como a pessoa deve proceder, ou determina caminhos a serem obedecidos. “Maior é sua integração nesse campo se aparece feita e ordenada pelo Estado. Deste modo, a norma pode ser qualiicada, então, como formadora do direito positivo” (RIZZARDO, 2015, s.p.). Deste modo, Rizzardo (2015, s.p.) acredita que: UNIDADE 1 — NOÇÕES GERAIS DE DIREITO 14 A ética, a moral e o direito estão interligados. Em princípio, o direito tem sua origem em valores que estão na esfera interna da pessoa, ditados pela consciência, isto é, pelos valores que integram a moral e, em determinados campos, mormente no que se externa em condutas, em atitudes na execução de atividades, transmuda-se em normas éticas. Há o direito a partir do momento em que se declara o dever ser ou a obrigatoriedade das normas éticas, que se inspiram em princípios da moral. Pode-se concluir que, pelo fato de os princípios e valores internos da pessoa ditarem as condutas seguidas nas relações mútuas entre os indivíduos ou entre estes e a comunidade, e desde que passem a adquirir obrigatoriedade, ou revestindo-se de coercibilidade, o direito decorre da moral e da ética (RIZZARDO,2015, s.p.). FIGURA 10 – QUADRO EXPLICATIVO SOBRE ÉTICA, MORAL E DIREITO FONTE: <https://cutt.ly/tgHyDAr>. Acesso em: 17 ago. 2020. Propriamente, o termo ‘moral’ (do latim mos = costume) refere-se à vida moral (o que Aranguren chama de ‘moral vivida’ e Santo Alberto Magno denominava ethica utens) e o termo ‘ética’ refere-se à relexão sobre esta vida moral (na terminologia de Aranguren: ‘moral formulada’ ou ‘moral pensada’; e na terminologia de Santo Alberto: ethica docens). Embora essa distinção terminológica seja exata, contudo, o uso ordinário dá o mesmo signiicado à ‘ética’ e à ‘moral’. Através do contexto pode-se determinar se se trata da vida ou da relexão. FONTE: BETIOLI, A. B. Introdução ao direito: liç̃es de proped̂utica jurídica tridimensional. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 97. IMPORTA NTE 15 Neste tópico, você aprendeu que: • O Direito é fruto da vida em sociedade (onde está o homem, está o Direito). • De uma forma ampla, o Direito pode ser considerado como a ciência que estuda as normas que regulamentam a vida em sociedade. • Para diminuição e resolução dos conlitos, também são utilizadas a Política, a Moral e a Religião. • Direito, ética e Moral não se confundem. • A Moral tem um campo de ação mais amplo do que o Direito. • O Direito sofre inluência da Moral. RESUMO DO TÓPICO 1 16 1 Conforme Betioli (2015), o homem, a sociedade e o direito são essencialmente ligados e qualquer sociedade possui três características como: a multiplicidade de indivíduos, a interação e a previsão de comportamentos. Com base nessa informação, associe as duas colunas relacionando os conceitos de cada característica. (1) Multiplicidade de indivíduos. ( ) Trata-se de um conjunto ou agrupamento de indivíduos; na deinição de Tomás de Aquino: “a reunião de homens para fazer algo em comum”. (2) Interação. ( ) A interação, por seu turno, pressupõe uma previsão de comportamento, ou de reações ao comportamento de outros. (3) Previsão de comportamentos. ( ) Não basta, porém, para a existência de uma sociedade, que indivíduos, em número maior ou menor, unam-se. A sequência CORRETA dessa associação é: a) ( ) (1), (3), (2). b) ( ) (1), (2), (3). c) ( ) (2), (1), (3). d) ( ) (3), (2), (1). 2 O homem é um ser fundamentalmente social e obrigado a viver necessariamente em conjunto, necessitando de regras de sociais éticas, morais, religiosas e jurídicas. Com base nessa informação, assinale a alternativa CORRETA que aponta o conceito de moral. a) ( ) Os processos de mútua inluência, de relações interindividuais e intergrupais, que se formam sob a força de variados interesses. b) ( ) Norma contida no ordenamento jurídico, orienta como a pessoa deve proceder,ou determina caminhos a serem obedecidos. c) ( ) Estabelecendo as limitações necessárias ao equilíbrio e à justiça nas relações. d) ( ) A moral restringe-se unicamente ao plano íntimo, à consciência e sua pena máxima, se restringe no campo do remorso, do arrependimento, do desgosto, do pesar. 3 Como vimos, a vida em sociedade é regulamentada por normas e o direito está em função da vida social e sua inalidade é favorecer o amplo relacionamento entre as pessoas e os grupos sociais. Com base nessa airmação, assinale a alternativa CORRETA que aponta o conceito de Direito. AUTOATIVIDADE 17 a) ( ) A ciência que estuda as normas de conduta que regem a vida em sociedade, trata-se de uma ciência ampla, com aplicação em todas as áreas do conhecimento. b) ( ) Restringe-se unicamente ao plano íntimo, à consciência e sua pena máxima, se restringe no campo do remorso, do arrependimento, do desgosto, do pesar c) ( ) É usado como instrumento de controle social, buscando regulamentar as relações sociais na busca da paz social apenas no campo da moral sem o uso de regras. d) ( ) É usado como instrumento de controle social, buscando regulamentar as relações sociais na busca da paz social apenas no campo da ética sem o uso de regras. 4 O direito está em função da vida social e sua inalidade é favorecer o amplo relacionamento entre as pessoas e os grupos sociais, que é uma das bases do progresso da sociedade. Com base nessa airmação, disserte sobre do Direito Positivo na sociedade. 5 O homem está condicionado, então, a regras sociais éticas, morais, religiosas e jurídicas, regras que foram ou são constituídas pelo próprio. Com base nessa airmação, disserte sobre a ética. 18 19 TÓPICO 2 — UNIDADE 1 DIREITO OBJETIVO E SUBJETIVO 1 INTRODUÇÃO Do que estudamos até agora, você viu que o direito traz o conjunto de normas aplicáveis às relações sociais. É a este conjunto de normas vigentes e impostas, que devem ser conhecidas e cumpridas por todos, que se denomina direito objetivo. Quando mencionamos as fontes do direito, nos deparamos com um assunto cheio de contradições doutrinárias. Entretanto, tal contradição é quanto a aceitar o que realmente deve ser considerada como uma fonte do direito e aquelas que não podem, sendo que todos concordam em destacar o papel relevante que elas possuem no ordenamento jurídico, sendo elas escritas ou não, materiais ou formais, são necessárias a qualquer sistema jurídico. 2 CONCEITO DE DIREITO OBJETIVO E SUBJETIVO O direito dito objetivo é a norma; a lei que vigora em determinado Estado; tem por escopo regular a sociedade em busca do ordenamento das relações jurídicas e da paz social (VENOSA, 2018). Para Nader (2019) do ponto de vista objetivo, o Direito é norma de organização social. É o chamado Jus norma agendi. E quando se trata de direito subjetivo: O direito subjetivo decorre da incidência de normas jurídicas sobre fatos sociais. As regras podem qualiicar os direitos tanto pela imposição de deveres jurídicos aos sujeitos que se encontrem em determinadas situações ou reconhecendo, diretamente, vantagens aos portadores de situações jurídicas especíicas. O direito subjetivo consiste, assim, na possibilidade de agir e de exigir aquilo que as normas de Direito atribuem a alguém como próprio (NADER, 2019, p. 289). O direito objetivo é obrigatório, enquanto o subjetivo é uma faculdade (eu exerço esta possibilidade se eu quiser). IMPORTA NTE 20 UNIDADE 1 — NOÇÕES GERAIS DE DIREITO Porém, apesar de diferentes e inconfundíveis, o direito subjetivo e o objetivo estão ligados. “Não são duas realidades distintas, mas dois lados de um mesmo objeto. Entre ambos, não há uma antítese ou oposição” (NADER, 2019, p. 75). FIGURA 11 – Direito objetivo e subjetivo FONTE: A autora 3 FONTES DO DIREITO A palavra “fonte” tem o sentido de “origem, gênese, de onde provém” (água): Não precisamos sair do senso comum para entender o seu signiicado. Fonte é a nascente da água, e especialmente é a bica donde verte água potável para uso humano. De forma igurativa, então, o termo “fonte” designa a origem, a procedência de alguma coisa. A fonte é reveladora do que estava oculto, daquilo que ainda não havia surgido, uma vez que é exatamente o ponto de passagem do oculto ao visível (NUNES, 2018, p. 114). Isto posto, podemos dizer que a lei é a principal fonte do Direito, como se vê do art. 4º da Lei de Introdução do Código Civil: “Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” (BRASIL, 1942). Além da Lei, também são fontes do Direito: a Doutrina, a Jurisprudência, a Equidade, a Analogia e os Princípios Gerais de Direito. Vejamos, a seguir, de forma sucinta, como se caracteriza cada uma destas fontes. “Em síntese, a fonte de direito constitui sempre uma estrutura normativa que processa e formaliza determinadas diretrizes de conduta ou determinadas esferas de competência, conferindo-lhes validade objetiva” (BETIOLI, 2015, p. 181). TÓPICO 2 — DIREITO OBJETIVO E SUBJETIVO 21 3.1 CARACTERIZAÇÃO DAS FONTES DO DIREITO São vários os critérios para se estabelecer uma classiicação para as fontes do direito, mas, de forma geral, pode-se classiicar em fontes materiais e fontes formais. FIGURA 12 – FONTES FORMAIS E MATERIAIS FONTE: Adaptada de Betioli (2015) Neste sentido conforme Betioli (2015, p. 61) discorre sobre o assunto: Temos, aí, a gênese do direito natural. Diz-se, então, que as fontes primeiras do direito promanam do direito natural, da oicialização do direito natural, das concentrações de ideias comuns, de adaptações das condutas a padrões ixos e constantes. Estas são as fontes materiais, que nasceram com o indivíduo humano. Quando surgiu a necessidade de escrever esses ditames comuns e naturais, ou no momento em que se tornou indispensável documentar a regra cuja obediência se impunha como questão de sobrevivência, iniciaram a ser impostas por quem representava o poder, ou pelo mais forte, pelo líder. Eram escritas e divulgadas, constituindo a lei, o decreto, o regulamento, a norma, o julgado, o enunciado. Trata-se, nesse setor, das fontes formais, assim deinidas por Ricardo Luis Lorenzeti: “As fontes formais são as normas jurídicas gerais, mediante as quais se estabelecem obrigações, emanadas de autoridade competente, e nas que se pode incluir logicamente as normas de inferior hierarquia. Este princípio de autoridade que as sustenta brinda, aparentemente, as máximas seguranças”. 3.2 CLASSIFICAÇÃO DA HIERARQUIA DAS LEIS Legislaç̃o é o conjunto das normas jurídicas emanadas do Estado, através de seus vários órgãos, dentre os quais se realça, com relevo, nesse tema, o Poder Legislativo (NUNES, 2018, p. 116): 22 UNIDADE 1 — NOÇÕES GERAIS DE DIREITO Como “legislação” é um conceito que advém do vocábulo “lei”, muitas vezes tais expressões são tomadas como sinônimas, deinindo-se, então, legislação como um conjunto de leis. Na verdade, é preciso que se faça um esclarecimento acerca do uso do termo “lei”. O vocábulo “lei” apresenta uma série de signiicados diversos [...] A lei jurídica propriamente, de sua parte, aponta também para alguns sentidos, que são análogos. A lei é tanto constitucional quanto uma lei ordinária, por exemplo o Código Civil, ou até uma cláusula contratual que se diz ser “leis entre as partes”. Para Gusmão (2018, p. 115) “o Estado tem a função principal de elaboração das leis, denominado Assembleia Legislativa (Câmara dos Deputados etc.), a lei formal é a formulada pela Assembleia Legislativa e promulgada por seu presidente enunciada em um texto, publicada no órgão oicial. A “lei formal” é autônoma”. Lei delegada é a regra de direito outorgada pelo Poder Executivo, em virtude de delegação de poderes do Legislativo, que exclusivamente tem competência de formulá-la. A lei delegada depende de a Constituição permitir delegação de poderes. Trazemos, a seguir, algumas noçõesgerais sobre cada uma delas: • Lei complementar: são complementares da Constituição, a ela submetendo- se. “A sua elaboração opera-se em obediência a dispositivos constitucionais, regulando assuntos tratados genericamente pelo texto constitucional” (RIZZARDO, 2015, p. 74). • Lei ordinária: “elaboradas pelo Poder Legislativo, não tratando de matéria constitucional” (RIZZARDO, 2015, p. 74). • Leis delegadas: “embora a elaboração de lei seja da competência do Poder Legislativo, o art. 68 da Constituição Federal prevê a hipótese de o Presidente da República solicitar delegação ao Congresso Nacional para legislar sobre determinada matéria” (NADER,2019, p. 143). As leis ‘delegadas’, as quais, como a palavra deixa antever, são ou deveriam ser elaboradas pelo Poder Legislativo. Entrementes, em vista da delegação, transfere-se a incumbência a outro Poder Executivo. O art. 68 da Carta Maior coloca como condição para a delegação a antecedente solicitação ao Congresso Nacional pelo Presidente da República. Seu § 1o impede a delegação de atos da competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, de matéria reservada à lei complementar, nem de legislação sobre: I- organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; II- nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais; III- planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos (RIZZARDO, 2015, p. 75). • Decreto legislativo: se enquadram no gênero de normas, mas que tratam dos assuntos da exclusiva competência do Congresso Nacional, “como, dentre outros casos, a ratiicação de tratados internacionais; o julgamento das contas do Presidente da República; a autorização do Presidente e do Vice-Presidente para se ausentarem do País, em prazo superior a quinze dias (art. 49 da CF)” (RIZZARDO, 2015, p. 76). TÓPICO 2 — DIREITO OBJETIVO E SUBJETIVO 23 Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I- resolver deinitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; II- autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei complementar; III- autorizar o Presidente e o Vice-Presidente da República a se ausentarem do País, quando a ausência exceder a quinze dias; IV- aprovar o estado de defesa e a intervenção federal, autorizar o estado de sítio, ou suspender qualquer uma dessas medidas; V- sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa; VI- mudar temporariamente sua sede; VII- ixar idêntico subsídio para os Deputados Federais e os Senadores, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; VIII- ixar os subsídios do Presidente e do Vice-Presidente da República e dos Ministros de Estado, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; IX- julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo; X- iscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta; XI- zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes; XII- apreciar os atos de concessão e renovação de concessão de emissoras de rádio e televisão; XIII- escolher dois terços dos membros do Tribunal de Contas da União; XIV- aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades nucleares; XV- autorizar referendo e convocar plebiscito; XVI- autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais; XVII- aprovar, previamente, a alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares (BRASIL,1988). • Decreto regulamentar: constituem atos do Poder Executivo, revelando dupla inalidade: de um lado, como atos de governo, ou a execução das funções e da administração, e assim sobre a destinação de verbas autorizadas, a nomeação de ministros, a intervenção federal, a celebração de tratados; de outro lado, constituem atos que regulamentam ou completam as leis. Dentro deste duplo caráter, ainda atual a lição de Décio Moreira: “O decreto é a forma do Executivo ditar normas disciplinadoras de ordem administrativa, com força de lei. O Estado (Executivo), seja na ordem Federal, Estadual ou Municipal, como amplitude, disciplina seus serviços através de publicação de decretos. O decreto que nomeia funcionários, o que disciplina a coleta de lixo etc. Paralelamente, muitas vezes, em decorrência da necessidade de facilitação da execução da lei, esta manda, obriga ao Executivo a regulamentá-la, o que é feito através do Decreto” (RIZZARDO, 2015, p. 77). 24 UNIDADE 1 — NOÇÕES GERAIS DE DIREITO • Resoluções: se deinem como atos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, sobre matéria mais de ordem interna, concernente à administração. No caso do Poder Legislativo, mediante resolução a Mesa determinará a instauração do processo de perda de mandato do Deputado Federal ou do Senador (art. 55, §§ 2º e 3º, da Carta Federal). Além disso, das leis ou dos decretos emanam o poder concedido a certos órgãos de emitir resoluções, disciplinando especiicamente certos aspectos. Exemplo encontra-se na Lei nº 4.595, de 1964, cujo art. 4º, inc. IX, confere ao Conselho Monetário Nacional a função de limitar as taxas de juros às instituições que integram o Sistema Financeiro Nacional (RIZZARDO, 2015, p. 77). Além das resoluções, temos as ‘portarias’, ‘avisos’, ‘ordens de serviços’, ‘as instruções’, produzindo atos de administração, ou de esclarecimentos, ou de imposições, dirigidos aos órgãos internos dos ministérios e das repartições, inerentes aos funcionários e ao funcionamento dos serviços que prestam ao público. Contudo, a força coativa não está propriamente nesses atos, e sim nas leis em que se embasam. “Regem os atos e as relações das partes, ainda, as sentenças judiciais, os contratos, os tratados, as convenções, os estatutos, os regulamentos internos, que devem ser havidos como a concretização de um comando legal” (RIZZARDO, 2015, p. 77). 3.3 COSTUMES A necessidade e a conveniência em sociedade determinam a concepção do cumprimento de certas regras, que passam a formar o costume. As pessoas criam modos de agir, de relacionamentos, de vizinhança, de tratamento mútuo, de posturas frente a certos fatos, como de remuneração por serviços prestados, de pagamento em valores ajustados pelo transporte de mercadorias, de contratação de pessoas determinadas para a prestação de serviços em áreas portuárias, levando a um ressarcimento condigno, apesar de não legislada a situação. “As condutas, as ideias, o modo de ser adquirem corpo, repetem-se, reproduzem-se, multiplicam-se, formando um costume, um uso da população, até que se apresenta tão obrigatório como se fosse lei” (RIZZARDO, 2015, p. 85). Neste sentido temos que: Costume, juridicamente pode ser deinido como a regra de conduta usualmente observada em um meio social por ser considerada juridicamente obrigatória e necessária. É a forma usual de agir considerada no meio social juridicamente obrigatória. [...] Os elementos do costume são: repetição habitual, uniforme, ininterrupta. Resumindo: repetição habitual, uniforme, ininterrupta, por longo tempo, em um meio social, de um ato ou conduta de forma semelhante, da qual se deduz a sua obrigatoriedade e necessidade (GUSMÃO,2018, p. 120). Deste modo o costume pode ser deinido como um “conjunto de normas de conduta social, criadas espontaneamente pelo povo, através do uso reiterado, uniforme e que geraa certeza de obrigatoriedade, reconhecidas e impostas pelo Estado” (NADER, 2019, p. 148). TÓPICO 2 — DIREITO OBJETIVO E SUBJETIVO 25 3.4 JURISPRUDÊNCIA A Jurisprudência é considerada um conjunto de decisões sobre interpretações de leis, feita pelos tribunais de determinada jurisdição. Neste sentido NADER (2019, p. 162) entende que: Em seu contínuo labor de julgar, os tribunais desenvolvem a análise do Direito, registrando, na prática, as diferentes hipóteses de incidência das normas jurídicas. Sem o escopo de inovar, essa atividade oferece, contudo, importante contribuição à experiência jurídica. Ao revelar o sentido e o alcance das leis, o Poder Judiciário beneicia a ordem jurídica, tornando-a mais deinida, mais clara e, em consequência, mais acessível ao conhecimento. Para bem se conhecer o Direito que efetivamente rege as relações sociais, não basta o estudo das leis, é indispensável também a consulta aos repertórios de decisões judiciais. A jurisprudência constitui, assim, a deinição do Direito elaborada pelos tribunais. FIGURA 13 – CONCEITO DE JURISPRUDÊNCIA FONTE: A autora 3.5 DOUTRINA A doutrina é considerada como um conjunto de indagações, pesquisas e pareceres dos estudiosos do Direito, nesse sentido, a doutrina é apreciada como fonte por sua contribuição para a aplicação e também preparação à evolução do direito. Deste modo, temos o entendimento de que: A doutrina, ou Direito Cientíico, compõe-se de estudos e teorias, desenvolvidos pelos juristas, com o objetivo de interpretar e sistematizar as normas vigentes e de conceber novos institutos jurídicos, reclamados pelo momento histórico. É a communis opinio doctorum. Esse acervo de conhecimentos é resultado da experiência de juristas, mestres de Jurisprudência e dos juízes. Os estudos doutrinários localizamse nos tratados, monograias, sentenças prolatadas pelos mais sábios juízes (NADER, 2019, p. 172). 26 UNIDADE 1 — NOÇÕES GERAIS DE DIREITO FIGURA 14 – CONCEITO DE DOUTRINA FONTE: A autora 3.6 EQUIDADE A equidade consiste na adequação da regra existente à situação concreta, obedecendo aos critérios de justiça. Entende-se, então, que a equidade concilia a regra a um caso especíico, com o propósito de deixá-la mais justa. É uma forma de se aplicar o Direito, mas sendo o mais próximo possível do justo para as duas partes. Entende-se assim: Equidade é uma das mais antigas e frequentemente usadas fontes do direito, com o sentido de se fazer justiça para o caso concreto. Compreende a justiça que se funda na boa razão, na ética, no bom senso, no direito natural, visando suprir a imperfeição da lei ou amenizar os rigores de seus comandos (RIZZARDO, 2015, p. 98). FIGURA 15 – CONCEITO FONTE: A autora 3.7 ANALOGIA No ramo jurídico, a analogia é uma maneira de compor as brechas da lei. Ocorre analogia quando é realizada uma comparação entre casos diferentes, mas com um conlito parecido para seguir a mesma resposta. A analogia tem como suporte o princípio da igualdade jurídica, e também airma que deve ocorrer a mesma solução para a mesma infração ou razão da lei. Neste sentido entende-se: TÓPICO 2 — DIREITO OBJETIVO E SUBJETIVO 27 A analogia é um recurso técnico que consiste em se aplicar, a uma hipótese não prevista pelo legislador, a solução por ele apresentada para uma outra hipótese fundamentalmente semelhante à não prevista. Destinada à aplicação do Direito, analogia não é fonte formal, porque não cria normas jurídicas, apenas conduz o intérprete ao seu encontro. O trabalho que desenvolve é todo de investigação. No sentido de criatividade, não elabora, pois o mandamento jurídico preexiste. Estabelecendo esse recurso técnico para a integração do Direito, o legislador simpliica a ordem jurídica, dando-lhe organicidade. A aplicação da analogia legal decorre necessariamente da existência de lacunas da lei (NADER, 2019, p. 184). FIGURA 16 – CONCEITO DE ANALOGIA FONTE: A autora 3.8 PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO Antes de iniciarmos o tema “Princípios Gerais do Direito” é necessário entender qual o signiicado da palavra princípio, o motivo de ser utilizado como meio de auxílio pelo legislador no âmbito jurídico de uma causa. A palavra princípio possui dois entendimentos: o primeiro de natureza moral, em que são declaradas as condutas, as virtudes, em argumentos voltados às razões morais, e existe o segundo entendimento que é o de signiicado lógico, são verdades ou juízos fundamentais que servem de base ou de garantia de exatidão a um sistema de conhecimento, ilosóico ou cientíico. Neste sentido, temos o seguinte entendimento: Os princípios gerais de Direito garantem, em última instância, o critério de julgamento. Malgrado o legislador pátrio se reira especiicamente ao juiz, na realidade dirigem-se os princípios aos destinatários do Direito em geral. Diante de uma situação fática, os sujeitos de direito, necessitando conhecer os padrões jurídicos que disciplinam a matéria, devem consultar, em primeiro plano, a lei. Se esta não oferecer a solução, seja por um dispositivo especíico, ou por analogia, o interessado deverá veriicar da existência de normas consuetudinárias. Na ausência da lei, de analogia e costume, o preceito orientador há de ser descoberto mediante os princípios gerais de Direito. Nesta situação, não haverá possibilidade, teórica ou prática, de não se revelar a norma reitora, pois, como bem airma Clóvis Beviláqua, “o jurista penetra em um campo mais dilatado, procura apanhar as correntes diretoras do pensamento jurídico e canalizá-lo para onde a necessidade social mostra a insuiciência do Direito positivo” (NADER, 2019, p. 188). 28 UNIDADE 1 — NOÇÕES GERAIS DE DIREITO FIGURA 17 – QUADRO INFORMATIVO DAS FONTES DO DIREITO FONTE: A autora Os princípios também podem estar associados às proposições ou normas fundamentais que norteiam os estudos, sobretudo os que regem o pensamento e a conduta. ATENCA O 29 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • Uma das principais classiicações do Direito é a que o divide em direito objetivo e subjetivo. • O que diferencia o direito objetivo é a coatividade, o que signiica que o direito objetivo são as normas impostas, de cumprimento obrigatório, enquanto o direito subjetivo representa a permissão de agir prevista em lei. • Apesar de diferentes, o direito objetivo e o subjetivo estão ligados, formando “um todo”, que conhecemos por “direito”. • As “fontes do direito” são as origens do Direito, ou seja, é através dessas que o direito nasce e evolui. • A principal fonte do Direito é a Lei. • Além da Lei, são também fontes do Direito: Doutrina, Equidade, Jurisprudência, Analogia, Costumes e os Princípios Gerais de Direito. 30 1 As normas aplicadas nas relações sociais são vigentes e impostas, que devem ser conhecidas e cumpridas por todos, que se denomina direito objetivo. Com base nessa informação, assinale a alternativa CORRETA a respeito do conceito de Direito Objetivo. a) ( ) A lei que vigora em determinado Estado; tem por escopo regular a sociedade em busca do ordenamento das relações jurídicas e da paz social. b) ( ) Consiste, assim, na possibilidade de agir e de exigir aquilo que as normas de Direito atribuem a alguém como próprio. c) ( ) Decorre da incidência de normas jurídicas sobre fatos sociais, depende a vontade do indivíduo. d) ( ) Decorre da incidência da moral jurídicas sobre fatos sociais, depende a vontade do indivíduo. 2 São vários os critérios para se estabelecer uma classiicação para as fontes do direito, mas, de forma geral, pode-se classiicar em fontes materiais e fontes formais. Com base nessa airmação, assinale a alternativa CORRETA a respeito do conceito de Fonte Formal. a) ( ) São as normas jurídicas gerais, mediante as quais se estabelecem obrigações, emanadas de autoridade competente, e nas que se pode incluir logicamente as normas de inferior hierarquia. b) ( ) Promanam do direito natural, da oicialização dodireito natural, das concentrações de ideias comuns, de adaptações das condutas a padrões ixos e constantes. c) ( ) Todas as autoridades, pessoas, grupos e situações que inluenciam a criação do direito em determinada sociedade. d) ( ) Está inerente na elaboração de uma lei, ao valor que possui o fato social. 3 Legislação é o conjunto das normas jurídicas emanadas do Estado, através de seus vários órgãos, dentre os quais se realça, com relevo, nesse tema, o Poder Legislativo. Com base nessa informação, assinale a alternativa CORRETA a respeito do conceito de Decreta Legislativo. a) ( ) São complementares da Constituição, a ela submetendo-se. A sua elaboração opera-se em obediência a dispositivos constitucionais, regulando assuntos tratados genericamente pelo texto constitucional. b) ( ) Embora a elaboração de lei seja da competência do Poder Legislativo, o art. 68 da Constituição Federal prevê a hipótese de o Presidente da República solicitar delegação ao Congresso Nacional para legislar sobre determinada matéria. AUTOATIVIDADE 31 c) ( ) Se enquadram no gênero de normas, mas que tratam dos assuntos da exclusiva competência do Congresso Nacional, como, dentre outros casos, a ratiicação de tratados internacionais. d) ( ) se deinem como atos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, sobre matéria mais de ordem interna, concernente à administração. 4 A necessidade e a conveniência em sociedade determinam a concepção do cumprimento de certas regras, que passam a formar o costume. Com base nessa informação, disserte sobre o conceito de costume. 5 Legislação é o conjunto das normas jurídicas emanadas do Estado, através de seus vários órgãos, dentre os quais se realça, com relevo, nesse tema, o Poder Legislativo, de acordo com a classiicação e hierarquia das leis, disserte sobre a Jurisprudência. 32 33 TÓPICO 3 — UNIDADE 1 NORMA JURÍDICA E RELAÇÃO JURÍDICA 1 INTRODUÇÃO Já vimos anteriormente que o Direito é uma ciência que estuda as normas jurídicas. Mas, o que são normas jurídicas? Este tópico objetiva estudar a teoria da norma jurídica, que é imprescindível no estudo do Direito, porque é a sua materialização. “Conhecer o Direito é conhecer as normas jurídicas em seu encadeamento lógico e sistemático. As normas ou regras jurídicas estão para o Direito de um povo, assim como as células estão para um organismo vivo” (NADER, 2019, p. 79). Essas palavras de Paulo Nader demonstram quão importante é o estudo deste tema e seu entendimento para também entendermos o Direito. Iniciaremos pelo conceito de norma jurídica, para depois estudarmos suas características. Então, vamos em frente... Neste último tópico, além do conceito de norma jurídica, vamos estudar a relação jurídica. 2 CONCEITO DE NORMA JURÍDICA Relembrando o que estudamos até agora, temos que o Direito é o responsável por traçar normas de conduta que permitam às pessoas e aos grupos sociais viverem em harmonia, agindo preventivamente, para evitar o conlito, ou após sua ocorrência, a im de garantir a paz social. A norma jurídica é, pois, o meio, o instrumento de que se utiliza o Direito para atingir seu objetivo. É através da norma jurídica que o Direito revela à sociedade os padrões de comportamento exigidos pelo Estado. Podemos airmar, assim, que a norma ou regra jurídica “é um padrão de conduta imposto pelo Estado para que seja possível a convivência dos homens em sociedade. [...] Ela esclarece ao agente como e quando agir. [...] Em síntese, norma jurídica é a conduta exigida ou o modelo imposto de organização social” (NADER, 2019, p. 79). No mesmo sentido: 34 UNIDADE 1 — NOÇÕES GERAIS DE DIREITO As considerações precedentes nos permitiram constatar que o direito é “normativo”: disciplina o comportamento do homem, prescreve deveres para a realização de valores. E o faz por meio de certos esquemas ou padrões de organização e de conduta, que denominamos “normas” ou modelos jurídicos (BETIOLI, 2015, p. 173). As normas jurídicas são necessárias devido à necessidade da natureza humana de viver em sociedade, cabendo a elas disciplinar o comportamento de seus membros, conforme (BETIOLI, 2015) o conceito de norma jurídica possui três características: FIGURA 18 – CONCEITOS DE NORMA JURÍDICA FONTE: Adaptada de Betioli (2015) FIGURA 19 – QUADRO EXPLICATIVO SOBRE NORMA JURÍDICA Normas jurídicas Homem ser social necessidade de associar-se a outros indivíduos para conseguir os seus objetivos deve obedecer a determinadas normas disciplinadoras para viver de forma segura A norma jurídica é o instrumento de deinição da conduta exigida pelo Estado. Norma jurídica é a conduta exigida ou o modelo imposto pela organização social (esclarece ao agente como e quando agir). FONTE: <https://slideplayer.com.br/slide/11649429/>. Acesso em: 17 ago. 2020. TÓPICO 3 — NORMA JURÍDICA E RELAÇÃO JURÍDICA 35 “No direito brasileiro, as normas podem ser federais, estaduais e municipais, de acordo com os entes da federação e a repartição de competências previstas pela Constituição Federal de 1988” (MASCARO, 2015, p. 90). De acordo com Figueiredo (2016), objetiva-se, com a criação da norma, dar respostas de comportamento e conduta à sociedade, em face dos fatos produtores de consequências nem sempre desejáveis, dentro de uma linha daquilo que é razoavelmente necessário e estritamente proporcional a se exigir do indivíduo para a vida na coletividade. Conforme magistério consagrado de Hans Kelsen (2003), a norma jurídica deve ser analisada sob diversos planos de estudo, o qual se passa a discorrer, de forma sintética. Acompanhe o quadro a seguir: QUADRO 4 – FORMA SINTÉTICA DA NORMA JURÍDICA Existência: trata-se da veriicação se a norma ingressou no ordenamento jurídico, adquirindo vigência, mediante a obediência do devido processo legislativo para tanto. Validade: cuida-se de veriicar se a norma em vigor se encontra procedimentalmente compatível (análise formal) e com conteúdo consonante (análise material), dentro do ordenamento jurídico vigente, com a norma que lhe é hierarquicamente superior. Eicácia: é a qualidade e a aptidão da norma para produção de seus regulares efeitos jurídicos, no sentido de criar vínculos obrigacionais entre os indivíduos, gerando direitos e deveres entre estes. Efetividade: trata-se da aceitação da norma no meio social em que ela produzirá seus regulares efeitos jurídicos, traduzindo-se na receptividade desta com seu consequente acolhimento entre os indivíduos. Aplicabilidade: é a delimitação do campo de incidência da norma jurídica, no sentido de se circunscrever quais são os segmentos da sociedade que se encontram sob a égide da mesma, isto é, que se encontram sobre o império de sua observância cogente. As expressões norma e regra jurídicas são sinônimas, apesar de alguns autores reservarem a denominação regra para o setor da técnica e, outros, para o mundo natural. “Distinção há entre norma jurídica e lei. Esta é apenas uma das formas de expressão das normas, que se manifestam também pelo Direito costumeiro e, em alguns países, pela jurisprudência” (NADER, 2019, p. 79). IMPORTA NTE 36 UNIDADE 1 — NOÇÕES GERAIS DE DIREITO Revogaç̃o: é a retirada da norma do ordenamento jurídico, operando efeitos no campo da existência. Observe-se que somente uma norma de igual hierarquia é capaz de revogar outra, retirando-lhe do campo de existência. Declaraç̃o de inconstitucionalidade: traduz-se no reconhecimento de incompatibilidade formal (procedimento) e/ou material (conteúdo) de uma norma em face daquela que lhe é hierarquicamente superior e lhe outorga validade. Assim, uma vez declarada inconstitucional determinado ato legislativo, constata-se que este não possui fundamento de validade que o torne apto à produção de seus regulares efeitos jurídicos. FONTE: Adaptado de Figueiredo (2016) 2.1 CARACTERÍSTICAS DA NORMA JURÍDICA De acordo com o que estudamos podemos concluir que, norma jurídica é um conjuntode normas que integra o ordenamento jurídico, tem a responsabilidade de regular a conduta dos indivíduos, uma regra de conduta imposta, é a proposição normativa colocada de uma forma jurídica (lei, regulamento). Compõe-se, em sua maioria, de preceito e sanção. Sua essencial função é coagir os sujeitos a se comportarem da forma por ela determinada. Tem por objetivo principal a ordem e a paz social. Contudo, “as categorias mais gerais das normas jurídicas, velicam-se que estas apresentam alguns caracteres que, na opinião predominante dos autores, são os seguintes: bilateralidade, generalidade, abstratividade, imperatividade, coercibilidade” (NADER, 2019, p. 82). Sanção jurídica é o meio competente estabelecido pelas normas jurídicas para forçar seus violadores (violadores possíveis ou violadores prováveis) a cumprir o que elas mandam, ou a reparar o mal causado pela violação, ou a se submeter às penas legais (TELLES, 2006). NOTA TÓPICO 3 — NORMA JURÍDICA E RELAÇÃO JURÍDICA 37 2.1.1 Bilateralidade A bilateralidade tem relação com a própria estrutura da norma, normalmente, a norma é direcionada a duas partes, sendo que uma parte tem o dever jurídico, e deverá exercer determinada conduta em favor de outra, enquanto que, essa outra, tem o direito subjetivo, a norma concede a possibilidade de agir diante da outra parte. Uma parte, então, teria um direito ixado pela norma e a outra uma obrigação, decorrente do direito que foi concedido. Neste sentido temos o seguinte entendimento: O Direito existe sempre vinculando duas ou mais pessoas, atribuindo poder a uma parte e impondo dever à outra. Bilateralidade signiica, pois, que a norma jurídica possui dois lados: um representado pelo direito subjetivo e outro pelo dever jurídico, de tal sorte que um não pode existir sem o outro. Em toda relação jurídica há sempre um sujeito ativo, portador do direito subjetivo e um sujeito passivo, que possui o dever jurídico (NADER, 2019, p. 82). FIGURA 20 – CONCEITO DE BILATERAL FONTE: <https://cutt.ly/ygHzvXM>. Acesso em: 17 ago. 2020. 2.1.2 Generalidade A generalidade está relacionada ao fato de a norma valer para qualquer um, sem distinção de qualquer natureza, para os indivíduos, também iguais entre si, que se encontram na mesma situação. A norma não foi criada para um ou outro, mas para todos. Essa característica consagra um dos princípios basilares do Direito: igualdade de todos perante a lei. O princípio da generalidade revela que a norma jurídica é preceito de ordem geral, obrigatório a todos que se acham em igual situação jurídica. A importância dessa característica levou o jurisconsulto Papiniano a incluí-la na deinição da lei: Lex est generale praeceptum. Da generalidade da norma jurídica deduzimos o princípio da isonomia da lei, segundo o qual todos são iguais perante a lei (NADER, 2019, p. 82, grifo nosso). 38 UNIDADE 1 — NOÇÕES GERAIS DE DIREITO FIGURA 21 – CONCEITO DE GENERALIDADE FONTE: A autora 2.1.3 Abstratividade A norma não foi criada para regular uma situação concreta ocorrida, mas para regular, de forma abstrata, abrangendo o maior número possível de casos semelhantes, que, normalmente, ocorrem de uma forma. A norma não pode disciplinar situações concretas, mas tão somente formular os modelos de situação, com as características fundamentais, sem mencionar as particularidades de cada situação, pois é impossível ao legislador prever todas as possibilidades que podem ocorrer nas relações sociais. Conforme segue entendimento: Visando a atingir o maior número possível de situações, a norma jurídica é abstrata, regulando os casos dentro do seu denominador comum, ou seja, como ocorrem via de regra. Se o método legislativo pretendesse abandonar a abstratividade em favor da casuística, para alcançar os fatos como ocorrem singularmente, com todas as suas variações e matizes, além de se produzirem leis e códigos muito mais extensos, o legislador não lograria o seu objetivo, pois a vida social é mais rica do que a imaginação do homem e cria sempre acontecimentos novos e de formas imprevisíveis. Benedeto Croce, ao formular a noção da lei, refere-se à sua condição abstrata: “lei é um ato volitivo que tem por conteúdo uma série ou classe de ações”. Tanto a generalidade quanto a abstratividade, embora constituam características típicas das normas jurídicas, não chegam a ser essenciais a estas, como anota Massimo Bianca, pois há situações especiais em que as normas se revelam individuais e concretas (NADER, 2019, p. 82). FIGURA 22 – CONCEITO DE ABSTRATIVIDADE FONTE: A autora TÓPICO 3 — NORMA JURÍDICA E RELAÇÃO JURÍDICA 39 2.1.4 Imperatividade A norma, para ser cumprida e observada por todos, deverá ser imperativa, ou seja, impor aos destinatários a obrigação de obedecer. Não depende da vontade dos indivíduos, pois a norma não é conselho, mas ordem a ser seguida. De acordo com Nader (2019, p. 82): Na sua missão de disciplinar as maneiras de agir em sociedade, o Direito deve representar o mínimo de exigências, de determinações necessárias. Para garantir efetivamente a ordem social, o Direito se manifesta através de normas que possuem caráter imperativo. Não fosse assim, o Direito não lograria estabelecer segurança, nem justiça. A norma não imperativa não pode ser jurídica. A matéria contida nas leis promulgadas durante a Revolução Francesa, relativas à deinição do bom cidadão ou à existência de Deus, não possui juridicidade. O caráter imperativo da norma signiica imposição de vontade e não mero aconselhamento. Nas normas de tipo preceptivo e proibitivo, segundo impõem uma ação ou uma omissão, a imperatividade se manifesta mais nitidamente. Já em relação às normas explicativas ou declarativas, conforme salienta Groppali, é menos fácil de se descobrir a imperatividade.8 Nesses casos esta característica existe na associação de duas normas, ou seja, na vinculação entre a norma secundária (explicativa ou declarativa) e a primária (objeto da explicação ou deinição). FIGURA 23 – CONCEITO DE IMPERATIVIDADE FONTE: A autora 2.1.5 Coercibilidade Pode ser explicada como a possibilidade do uso da força para combater aqueles que não observam as normas. Essa força pode se dar mediante coação, que atua na esfera psicológica, desestimulando o indivíduo de descumprir a norma, ou por sanção (penalidade), que é o resultado do efetivo descumprimento. Pode- se dizer que a Ordem Jurídica também estimula o cumprimento da norma, que se dá pelas sanções premiais. Essas sanções seriam a concessão de um benefício ao indivíduo que respeitou determinada norma. Coercibilidade quer dizer possibilidade de uso da coação. Esta possui dois elementos: psicológico e material. O primeiro exerce a intimidação, através das penalidades previstas para a hipótese de violação das normas jurídicas. O elemento material é a força propriamente, que é acionada quando o destinatário da regra não a cumpre espontaneamente (NADER, 2019, p. 83). 40 UNIDADE 1 — NOÇÕES GERAIS DE DIREITO As noções de coação e de sanção não se confundem. A primeira é uma reserva de força a serviço do Direito, enquanto a segunda é considerada, geralmente, medida punitiva para a hipótese de violação de normas (NADER, 2019, p. 83). FIGURA 24 – CONCEITO DE COERÇÃO FONTE: FONTE: A autora FIGURA 25 – CARACTERÍSTICAS DA NORMA JURÍDICA FONTE: A autora Veja um quadro resumido das características de norma jurídica na Figura 25. DICAS TÓPICO 3 — NORMA JURÍDICA E RELAÇÃO JURÍDICA 41 3 RELAÇÃO JURÍDICA As relações entre as pessoas, entre si ou em grupos, e estes grupos entre si, geram vínculos que estão previstos nas normas jurídicas. Assim, o casamento, por exemplo, é uma relação jurídica. Dele decorrem inúmeros direitos e obrigações que interessam ao Direito, como a propriedade, a honra, a vida etc. Em sua futura atividade proissional, você ou a empresa em que for trabalhar farão parte de muitas relações jurídicas, quando, por exemplo, forem devedores ou credoresde uma dívida. Também podemos citar as relações com os funcionários, fornecedores, entre muitas outras. Preparado para mais esta tarefa? Então, inicialmente, vamos conhecer o conceito de relação jurídica. 3.1 CONCEITO DE RELAÇÃO JURÍDICA Conforme Gusmão (2018, p. 250), a relação jurídica é “o vínculo que une uma ou mais pessoas, decorrente de um fato ou de um ato previsto em norma jurídica, que produz efeitos jurídicos”, ou mais singelamente, “vínculo jurídico estabelecido entre pessoas, em que uma delas pode exigir de outra determinada obrigação” (GUSMÃO, 2018, p. 250). As relações jurídicas são originadas de atos ou fatos jurídicos (cujos conceitos veremos adiante), que envolvem pessoas físicas ou jurídicas. Essas relações são chamadas “jurídicas”, pois seu objeto é um interesse juridicamente protegido, ou seja, que interessam ao Direito, como o patrimônio, a vida, a honra etc. Neste sentido, de acordo com Nader (2019, p. 282): A relação jurídica faz parte do elenco dos conceitos jurídicos fundamentais e constitui um ponto de convergência de vários componentes do Direito. A sua compreensão é elemento-chave para o conhecimento da Teoria Geral do Direito. Nela se entrelaçam fatos sociais e normas jurídicas. É no quadro amplo das relações jurídicas que se apresentam os sujeitos do direito e se projetam direitos subjetivos e deveres jurídicos. FIGURA 26 – RELAÇÃO DE PESSOAS FONTE: <https://cutt.ly/ygHmVAf>. Acesso em: 17 ago. 2020. 42 UNIDADE 1 — NOÇÕES GERAIS DE DIREITO Deinir “a relação jurídica como o vínculo que une duas ou mais pessoas, decorrente de um fato ou de um ato previsto em norma jurídica, que produz efeitos jurídicos, ou, mais singelamente, vínculo jurídico estabelecido entre pessoas, em que uma delas pode exigir de outra determinada obrigação” (GUSMÃO, 2018, p. 250). 3.2 ESPÉCIES DE RELAÇÃO JURÍDICA São várias as espécies de relação jurídica. Para o nosso estudo, é suiciente conhecermos três classiicações: relações jurídicas de direito público e privado, relações jurídicas solenes e não solenes e relações jurídicas pessoais e reais. A doutrina estabelece algumas modalidades de relações jurídicas, das quais destacamos as seguintes: • Relações jurídicas pessoais se caracterizam pela inter-relação de condutas, em que a conduta de uma parte depende da de outra, ou, ainda, em que a conduta de um é o meio para satisfazer interesse de outro. FIGURA 27 – RELAÇÃO JURÍDICA PESSOAL: CASAMENTO FONTE: Adaptada de <https://cutt.ly/NgHQlSv>. Acesso em: 17 ago. 2020. • Relações jurídicas reais nas relações jurídicas reais, em que coisas são o objeto, sobressaem os poderes e as faculdades que têm o titular em relação à coisa, estando as demais pessoas na situação jurídica de não impedir que ele os exerça. FIGURA 28 – RELAÇÃO JURÍDICA REAL. COMPRA E VENDA FONTE: A autora • Relações jurídicas de Direito Privado decorrem de norma de direito privado (lei ou contrato) que se baseia no princípio de liberdade, de autonomia privada. Que atos são esses? TÓPICO 3 — NORMA JURÍDICA E RELAÇÃO JURÍDICA 43 FIGURA 29 – CONSTRUÇÃO FONTE: <https://cutt.ly/qgHQIst>. Acesso em: 17 ago. 2020. FIGURA 30 – QUADRO EXPLICATIVO DE RELAÇÃO JURÍDICA PRIVADA FONTE: A autora FIGURA 31 - QUADRO EXPLICATIVO DE RELAÇÃO JURÍDICA PRIVADA FONTE: A autora 44 UNIDADE 1 — NOÇÕES GERAIS DE DIREITO • Relações jurídicas de direito público as relações de direito público envolvem o Estado com particulares, e as ações dos próprios cidadãos dentro da esfera pública da sociedade. E defende o interesse público, que é soberano ao interesse privado. FIGURA 32 – QUADRO EXPLICATIVO DE RELAÇÃO JURÍDICA PÚBLICA FONTE: A autora Todos esses atos estão situados no domínio privado, e o direito privado é o regime jurídico aplicável. ATENCA O As relações jurídicas de Direito Público, quando é o Estado que igura como polo ativo, exercendo seu poder de superioridade, numa relação de subordinação em relação ao polo passivo; e relações jurídicas de Direito Privado, quando é formada por indivíduos, que nos dois polos, ativo ou passivo, exercem seus direitos e deveres numa relação de igualdade, ou coordenação. UNI • Relações jurídicas solenes possuem uma forma especial, imposta por lei, são relações jurídicas constituídas por atos solenes. TÓPICO 3 — NORMA JURÍDICA E RELAÇÃO JURÍDICA 45 FIGURA 33 – ATO SOLENE: CASAMENTO FONTE: Adaptada de <https://cutt.ly/IgHWQHC>. Acesso em: 17 ago. 2020. FIGURA 34 – ATO SOLENE: COMPRA E VENDA FONTE: A autora • Relações jurídicas ño solenes é toda relação cuja sua existência a lei não determina um ato especial. FIGURA 35 – ATO NÃO SOLENE: CONSERTO DE CARRO FONTE: A autora “A relação jurídica faz parte do elenco dos conceitos jurídicos fundamentais e constitui um ponto de convergência de vários componentes do Direito. A sua compreensão é elemento-chave para o conhecimento da Teoria Geral do Direito” (NADER, 2019, p. 282). 3.3 ELEMENTOS DA RELAÇÃO JURÍDICA “Integram a relação jurídica os elementos: sujeito ativo, sujeito passivo, vínculo de atributividade e objeto. O fato e a norma jurídica, que alguns autores arrolam como elementos, são antes pressupostos da existência da relação jurídica” (NADER, 2019, p. 284). 46 UNIDADE 1 — NOÇÕES GERAIS DE DIREITO 3.3.1 Sujeitos da relação jurídica “Toda pessoa que se insere numa relação jurídica tem sempre direitos e deveres, e não apenas direitos ou somente deveres” (BETIOLI, 2015, p. 339). Neste sentido, ainda de acordo com o autor: Sujeito ativo, portanto, é o credor da prestação principal. O portador do direito subjetivo de poder exigir o seu cumprimento. Num contrato de mútuo, aquele que empresta certa quantia em dinheiro e possui o direito de ser pago no prazo e condições estipulados é o sujeito ativo. O que não elide, como dito, que ele também tenha deveres correlatos ou não. Sujeito passivo vem a ser aquele que integra a relação jurídica como responsável ou devedor da prestação principal. No exemplo dado, é o mutuário ou o devedor. O que não exclui que também tenha direito de exigir algo em sentido complementar (BETIOLI, 2015, p. 339). FIGURA 36 – QUADRO EXPLICATIVO DE SUJEITO ATIVO E PASSIVO FONTE: Adaptada de Nader (2019) FIGURA 37 – ILUSTRAÇÃO DE DIREITO ATIVO E PASSIVO FONTE: <https://cutt.ly/AgHEQ9v>. Acesso em: 17 ago. 2020. Podemos concluir que a relação jurídica, geralmente a de direito privado, pode ser entendida como o vínculo ou a ligação existente entre duas ou mais pessoas, estabelecida em razão de um certo objeto para o qual a norma jurídica, realizando uma qualiicação, declara poderes a um dos sujeitos, bem como deveres para o outro. TÓPICO 3 — NORMA JURÍDICA E RELAÇÃO JURÍDICA 47 CULTURALISMO JURÍDICO: TRIDIMENSIONALISMO JURÍDICO Lury Mayra Amorim de Miranda Rayanne Stphanie Rodrigues Marques 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como escopo substancial analisar o conceito de Tridimensionalismo Jurídico ou Teoria Tridimensional do Direito, utilizados por grandes jusilósofos, para se chegar ao tridimensionalismo de Miguel Reale. Este artigo centrou-se na análise da concepção culturalista de Reale, focando- se na noção de estrutura do Direito. Ou seja, focou-se no modelo de estrutura tridimensional do Direito presente no pensamento realeano, no intuito de compreender a sua ideia de Ciência Jurídica e de norma enquanto objeto fundamental. Portanto, me debruçarei a analisar “A Teoria Tridimensional do Direito” do jus-ilósofo Miguel Reale, especialmente porque contempla o Direito não como um esquema puramente lógico, uma vez que a Ciência Jurídica deve ser considerada em termos de uma realidade cultural, onde a norma é tomada como resultado da tensão entre fato e valor. A tomada de posição de Miguel Reale exige do jurista que, ao se deparar com a norma jurídica, saiba que não há como abstrair do seuestudo aqueles fatos e valores, que determinaram a sua própria gênese, sob pena de uma visão reducionista do Direito, o que o descaracterizaria enquanto verdadeira ciência normativa. Disso resulta que toda norma jurídica é uma integração entre fato e valor. Muito aclamada no meio acadêmico, a teoria tridimensional do Direito, está geralmente ligada à igura de Miguel Reale, talvez o maior jusilósofo brasileiro, mas diicilmente é plenamente compreendida pelos que a evocam. Palavras-chave: Teoria tridimensional. Direito. Filosoia. Norma. 2 DESENVOLVIMENTO O Direito é formado por um tripé, uma tríade: Fato, Valor e Norma. São várias as teorias que explicam essa tridimensionalidade, mas algumas acabam utilizando-se desses fatores para reduzir o papel do Estado e da sociedade. Daí entra Miguel Reale, com a sua teoria tridimensional do direito, na qual defende a coexistência recíproca desses elementos para uma melhor relação do Direito com a sociedade. O Direito é composto de experiências jurídicas, de normas que regulam as sociedades e parâmetros de comportamento embasados pelos indivíduos que as compõem. Em todas estas características é possível encontrar os três elementos que os deinem: fato, valor e norma. LEITURA COMPLEMENTAR 48 UNIDADE 1 — NOÇÕES GERAIS DE DIREITO A estrutura do direito é tridimensional (fato, valor e norma), visto que como o elemento normativo, que disciplina os comportamentos individuais e coletivos, pressupõe sempre uma dada situação de fato, referida a valores determinados. De acordo com Renato Poltronieri, pode-se deinir “fato” como sendo a realização de um bem comum segundo a efetividade histórica e cultural; “valor”, como o conteúdo da regra segundo uma concepção de utilidade, proporcionalidade, igualdade e justiça, em determinado tempo e espaço; “norma” signiica ordem bilateral e heterônoma para atribuir determinados efeitos aos eventos e fenômenos jurídicos, segundo um conjunto de regras ordenadas. Em linhas gerais, a teoria tridimensional do direito postula que o direito deve ser sempre analisado de forma dialética, por meio de três aspectos distintos entre si: o fático (estudo do fato), o axiológico (o estudo do valor), e o normativo (o estudo das normas que compreende o dever-ser). Portanto, fato, valor e norma, devem estar sempre presentes em qualquer indagação acerca do direito. Pois bem, as primeiras doutrinas que se preocuparam com essa teoria, izeram-na de modo abstrato – daí Miguel Reale denominá-las de Teoria de Tridimensionalidade Abstrata ou Genérica- sem se desvincularem integralmente de perspectivas setorizadas, mas apenas procurando compô-las numa visão inal e compreensiva. Também conhecidas como concepções unilaterais ou reducionistas, aceitavam a existência de fato, valor e norma na experiência jurídica, porém, privilegiavam apenas um dos fatores em detrimento dos outros. Quando se favorece o fato social em detrimento dos elementos valor e norma, se está diante do Sociologismo Jurídico. Um exemplo do sociologismo jurídico no Brasil é Pontes de Miranda, para quem “o Direito pressupõe no jurista o sociólogo que fundamentalmente deve ser”. Karl Marx também se encaixa nessa concepção reducionista, pois reduzem a experiência jurídica ao fenômeno econômico. No entanto, a verdade é que tais explicações reducionistas mutilam a natureza da sociedade e do Estado. Após o Sociologismo jurídico surgirá, no século XX, o Normativismo Jurídico de Hans Kelsen (2003). Ele concebe a norma jurídica como entidade lógico- hipotética, capaz de constituir juridicamente a experiência social, abrangendo desde as normas fundamentais da Constituição até os preceitos dos contratos e das sentenças- a norma neste caso prevalece sobre o fato e o valor. Tais normas dependem de uma norma denominada fundamental, e são enunciados lógicos que se situam no plano do dever-ser. A Ciência Jurídica é de natureza puramente normativa, enquanto a Jurisprudência Sociológica é de plano moral e preocupa- se com o ser, enquanto aquela reitera o dever-ser. Outra corrente doutrinária é a defendida pelos chamados Moralistas Jurídicos, em que defendem a supremacia do valor em relação ao fato e a norma. São denominados assim, pois “não compreendem juridicidade indiferente à licitude ou ilicitude moral da conduta prescrita ou proibida, vinculando o Direito à Moral de maneira absoluta”. Creem os moralistas que a legitimidade deve estar acima da própria legalidade. TÓPICO 3 — NORMA JURÍDICA E RELAÇÃO JURÍDICA 49 Essas três vertentes genéricas acabam ocultando faces necessárias para uma compreensão integral do fenômeno jurídico. Daí surge, a ideia de um tridimensionalismo especíico (ou dinâmico) em que “não se realiza uma simples harmonização de resultados de ciências distintas, mas se faz um exame prévio da correlação essencial dos elementos primordiais do Direito, mostrando que eles sempre se implicam e se estruturam, numa conexão necessária”. Portanto, esta dinamicidade tridimensional se dá na observação entre fato, valor e norma de modo a abranger os problemas do fundamento, da vigência e da eicácia do Direito. Miguel Reale defenderá este tridimensionalismo dinâmico, na qual deine: “o Direito é uma integração normativa de fatos segundo valores”. A “sua” teoria tridimensional diferenciar-se-ia quanto às perspectivas “na análise” (e não da matéria a ser estudada). Para o autor os componentes do direito se relacionam entre si “através de uma dialética de complementaridade”, o que exigiria uma direção diversa na pesquisa. A base da teoria tridimensional do direito de Miguel Reale é que a realidade jurídica implica sempre “elementos ordenados valorativamente em um processo normativo”, portanto, os elementos de fato ordenados valorativamente dentro da experiência jurídica, desembocarão na norma, caminho esse realizado através da dialética de complementaridade. Onde quer que se encontre a experiência jurídica, sempre estarão presentes os elementos fato, valor e norma, advindos daí as seguintes perspectivas dominantes da palavra Direito: o direito como valor do justo, estudado pela Filosoia do Direito; o direito como norma ordenadora da conduta, objeto da Ciência do Direito ou Jurisprudência; e, inalmente, o direito como fato social e histórico, objeto de estudo da Sociologia. Essa relação é denominada por Reale de “concreta correlação dialética de fato, valor e norma em todos os campos do conhecimento jurídico”. Assim sendo, tanto o ilósofo quanto o sociólogo e o jurista não podem estar separados. Não se pode dividir o estudo do Direito em três compartimentos distintos e independentes, mas sim, considerar a correlação (dialética de complementaridade) existente entre fato, valor e norma. A teoria tridimensional do direito de Miguel Reale passou então a ser debatida e estudada em vários países da Europa e da América, com indiscutível reconhecimento internacional. Portanto, não há conteúdo jurídico que não passe pelo tripé fato, valor e norma, e este deve estar sempre presente em qualquer indagação acerca do direito. Tais elementos ou fatores (fato, valor e norma) não existem separados um dos outros, mas coexistem numa unidade concreta. Mais ainda, esses elementos não só se exigem reciprocamente, mas atuam como elos de um processo de tal modo que a vida do Direito resulta da interação dinâmica e dialética dos três elementos que a integram. 50 UNIDADE 1 — NOÇÕES GERAIS DE DIREITO A diferença entre as várias teorias que usam tais elementos é, em verdade, o peso que se dá a cada um desses elementos na decisão jurídica. De qualquer forma, a tridimensionalidade do direito consiste nos elementos que o compõem. E o direito é, nesse aspecto, tridimensional. 2.1 MIGUEL REALE Miguel Reale é certamente a igura mais proeminente do pensamento jusilosóico nacional. Sua Teoria Tridimensional do Direito ganhou destaque no meio acadêmico, não só no Brasil, como também em todo o mundo, principalmente na América Latina.Sua assertiva de que o Direito possui tríplice face – o fato, o valor e a norma – chegou a ser um clichê entre os estudantes da área jurídica, que não raro, mal compreendiam as nuances de tal ilosoia. Filiado à corrente culturalista que dava grande ênfase ao Direito como fator cultural, Reale na verdade, não foi o primeiro teórico a formular uma teoria tridimensional do Direito, mas certamente foi quem a sistematizou de forma mais madura, ao ponto do renomado jurista e ilósofo espanhol Ricaséns Siches no limiar de sua vida a ter adotado. Reale vem deinir o direito através de uma teoria tridimensional englobando três aspectos que ele airma serem inseparáveis e distintos entre si. O axiológico (valor de justiça), o fático (afetividade social e histórica) e o normativo (o ordenamento, o dever-ser). O Direito é uma realidade, digamos assim, trivalente ou, por outras palavras, tridimensional. Ele tem três sabores que não podem ser separados um dos outros. (REALE, 1994, p. 121). Quando um estudo é tentado isolar um desses elementos, surgem então as concepções unilaterais especiicadas anteriormente, a exemplo do moralismo de Kant, do sociologismo de Ehrlich e do normativismo de Kelsen (2003). Dessa maneira a deinição de Direito é assim dada: “Direito é a realização ordenada e garantida do bem comum, numa estrutura tridimensional bilateral atributiva”, ou seja, a totalização de valores, fatos em normas que obrigam os seus destinatários a adquirir determinadas condutas, o que possibilita a convivência em sociedade. 2.2 TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO A proposta da Teoria Tridimensional criada, elaborada pelo jus ilósofo Miguel Reale em 1968, a primeiro momento foi visto como uma forma de alcançar uma visão integral do Direito, ultrapassando algumas das visões e explicações unilaterais aprofundadas por alguns grandes nomes já citados anteriormente. Essa então “nova teoria” se tornou uma forma inovadora de abordagem da ciência jurídica através de três aspectos conhecidos como normativo, onde se percebe o Direito como ordenamento; o fático, com a afetividade histórica e social, e por im, o valor. O primeiro aspecto, considerado em um evento jurídico, enlaça os demais TÓPICO 3 — NORMA JURÍDICA E RELAÇÃO JURÍDICA 51 fatores, que se resumem no fato econômico, demográico, geográico, etc. e no valor que imprime signiicado a este acontecimento, gerando as tendências que guiarão as ações humanas desencadeadas a partir destes fatos. Para uma melhor compreensão sobre o surgimento da teoria tridimensionalista, faz-se necessário uma rápida análise conceitual acerca dos signiicados isolados destes elementos. O valor, considerado não como um objeto ideal, mais como um dever ser situado num plano prático e ligado a uma ação. O fato, capaz de revelar as intencionalidades objetivas de um determinado lugar ou época, é compreendido não como um mero fato natural, mas sim sempre imantado por um valor. A norma descreve os valores que vão se concretizando na condicionalidade dos fatos sociais e históricos. Percebe-se, então, que a tridimensionalidade explica que os fatos geram juízos de valores que demandam normas para regulamentá-los. Sendo assim, para o eminente jurista Miguel Reale, o Direito não é abstrato, pois também está imerso na vida humana, que é um complexo de sentimentos e estimativas. Só para inalizar, poderíamos ainda enfatizar que essa nova teoria nos traz contribuições positivas, uma vez que nos remete a pensar em novas “teorias das fontes do direito”, não superadas, mas complementar pelas “teorias do modelo de direito”. O jurista e ilósofo brasileiro Miguel Reale (1910- 2006) sistematizou a teoria tridimensional do direito, na qual o conceito de Direito se compõe de uma tríade de elementos: (a) o fato; (b) o valor; e (c) a norma. De maneira simpliicada, para que exista o Direito, é necessário existir um fato valorado segundo uma norma jurídica. Tal posição de Miguel Reale faz com que qualquer teoria que admita um estudo separado daqueles três elementos (fato, valor e norma) logre infrutífera e improdutiva para a explicação do fenômeno jurídico. Integrante do culturalismo jurídico, Reale percebe o fenômeno jurídico – o Di- reito – numa estrutura tridimensional, na qual o elemento normativo pressupõe uma situação fática que se refere a determinados valores. Segundo ele, o Direito só pode ser pensado teoricamente no momento de sua racionalização, que se expressa na in- tegração da natureza normativa. Em função destes pressupostos, em síntese, o autor entende que o objeto especíico da Ciência do Direito se compõe nas normas jurídicas. FONTE: <https://jus.com.br/artigos/62874/culturalismo-juridico-tridimensionalismo-juridico>. Acesso em: 17 ago. 2020. 52 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu que: • A relação jurídica é um vínculo que une pessoas entre si ou pessoas e coisas. • Este vínculo nasce de uma norma jurídica que impõe direitos e deveres a cada um dos participantes. • Quando as pessoas se relacionam entre si, temos uma relação jurídica pessoal (ex.: casamento). • Quando a relação envolve coisas, temos uma relação jurídica real (ex.: direito de propriedade). • São sujeitos da relação jurídica o sujeito ativo, que é o titular de um direito, e o passivo, é o que deve cumprir uma obrigação. Ficou alguma dúvida? Construímos uma trilha de aprendizagem pensando em facilitar sua compreensão. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. CHAMAD A 53 1 Conhecer o Direito é conhecer as normas jurídicas em seu encadeamento lógico e sistemático, as normas ou regras jurídicas estão para o Direito de um povo, assim como as células estão para um organismo vivo. Com base nessa informação, assinale a alternativa CORRETA a respeito do conceito de Norma Jurídica. a) ( ) É a expressão de um dever-se de organização ou de conduta, são padrões obrigatórios de conduta e de organização social. b) ( ) É um padrão de conduta imposto pela sociedade para que seja possível a convivência dos homens em sociedade. c) ( ) É a expressão de um dever-se de organização ou de conduta, são padrões optativos de conduta e de organização social. d) ( ) É a expressão de um dever-se de organização ou de conduta, são padrões facultativos de conduta e de organização social. 2 A norma jurídica é considerada um conjunto de regras que integra o ordenamento jurídico, tem a responsabilidade de regular a conduta dos indivíduos. Com base nessa airmação, assinale a alternativa CORRETA a respeito das características das normas jurídicas. a) ( ) Bilateralidade; especiicidade; abstratividade; imperatividade; coercibilidade. b) ( ) Bilateralidade; generalidade; concreto; imperatividade; coercibilidade. c) ( ) Bilateralidade; generalidade; abstratividade; imperatividade; coercibilidade. d) ( ) Uniformidade; generalidade; abstratividade; imperatividade; facultatividade. 3 As relações jurídicas são entendidas como, o vínculo que une duas ou mais pessoas, decorrente de um fato ou de um ato previsto em norma jurídica, que produz efeitos jurídicos. Com base nessa informação, assinale a alternativa CORRETA a respeito das espécies de relações jurídicas. a) ( ) Relações jurídicas coletivas; relações jurídicas informais; relações jurídicas de direito privado; relações jurídicas de direito público; relações jurídicas solenes; relações jurídicas não solenes. b) ( ) Relações jurídicas pessoais; relações jurídicas reais; relações jurídicas de direito privado; relações jurídicas de direito público; relações jurídicas solenes; relações jurídicas não solenes. c) ( ) Relações jurídicas coletivas; relações jurídicas irreais; relações jurídicas de direito privado; relações jurídicas de direito público; relações jurídicas solenes; relações jurídicas não solenes. d) ( ) Relações jurídicas unilaterais; relações jurídicas reais; relações jurídicas de direito privado; relações jurídicasde direito público; relações jurídicas solenes; relações jurídicas não solenes. AUTOATIVIDADE 54 4 De acordo com o que estudamos podemos concluir que, norma jurídica é um conjunto de normas que integra o ordenamento jurídico, tem a responsabilidade de regular a conduta dos indivíduos. Com base nessa airmação, disserte sobre a bilateralidade da norma. 5 As relações jurídicas são originadas de atos ou fatos jurídicos, que envolvem pessoas físicas ou jurídicas. Com base nessa informação, disserte sobre as Relações jurídicas de direito público. 55 REFERÊNCIAS GOMES, O. Introduç̃o ao direito civil. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. BETIOLI, A. B. Introduç̃o ao direito: lições de propedêutica jurídica tridimen- sional. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. BRASIL. Constituiç̃o da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: htp://www.planalto.gov.br/cci- vil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 ago. 2020. BRASIL. Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Redação dada pela Lei nº 12.376, de 2010). Rio de Janeiro: Diário Oicial [da] União, 1942. Disponível em: htp://www.planalto.gov. br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del4657.htm. Acesso em: 20 ago. 2020. VENOSA, S. de S. Introduç̃o ao estudo do direito. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2019. VENOSA, S.de S. Direito civil: parte geral. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2018. RIZZARDO, A. Introduç̃o ao direito e parte geral do código civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. GAGLIANO, P. S. Manual de direito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. NADER, P. Introduç̃o ao estudo do direito. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. GUSMÃO, P. D. de. Introduç̃o ao estudo do direito. 49. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2018. NUNES, R. Manual de introduç̃o ao estudo do direito: com exercícios para sala de aula e lições de casa. 15. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. MASCARO, A. L. Introduç̃o ao estudo do direito. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015. FIGUEIREDO. L. V. Teoria da norma jurídica: princípios e regras – distinções e interseções. Gen Jurídico, São Paulo, 6 dez. 2016. Disponível em: htp://genjuridi- co.com.br/2016/12/06/teoria-da-norma-juridica-principios-e-regras-distincoes-e- -intersecoes/. Acesso em: 17 ago. 2020. KELSEN, H. Teoria pura do direito. 3. ed. Tradução de José Cretella Jr. e Agnes Cretella. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. TELLES JR., G. Iniciaç̃o na ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2006. 56 57 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • compreender o conceito de Direito Público; • compreender os diversos ramos que o compõem; • conhecer os institutos regulados pelo Direito Público; • compreender pontos importantes do Direito Militar; Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – DIREITO CONSTITUCIONAL TÓPICO 2 – DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL E DIREITO PENAL TÓPICO 3 – DIREITO TRIBUTÁRIO, DIREITO ELEITORAL E DIREITO MILITAR Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMAD A 58 59 UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Este primeiro tópico foi reservado para o estudo do Direito Constitucional, que estuda as normas constitucionais. Iniciaremos pelo seu conceito, para então estudarmos especiicamente a Constituição da República de 1988, principal objeto do estudo do Direito Constitucional. Serão abordados conteúdos referentes à natureza do direito constitucional, que pode ser entendido como um conjunto de normas que regulam o Estado. Também serão trazidos conceitos e deinições que têm o intuito de sintonizar o aluno na área objeto de estudo. Nos itens seguintes, estudaremos matérias constitucionais de grande importância e conheceremos os principais direitos e garantias fundamentais, quais são os direitos sociais e ainda como funcionam e quais são as obrigações que os partidos políticos terão que cumprir. 2 CONCEITO DE DIREITO CONSTITUCIONAL E CONSTITUIÇÃO O Direito Constitucional tem por objeto principal de estudo a Constituição do país, sendo responsável pela estruturação do Estado estabelecendo a forma e sistema de governo e quais poderes exercerão as funções para o Estado, como serão realizadas suas funções, quais limitações serão impostas a estes poderes, quais direitos que estes poderes e os demais cidadãos têm que respeitar, dentre outras normas básicas para a existência equilibrada de um Estado (PADILHA, 2018). Segundo Alexandre Moraes (2019, p. 24), “O Direito Constitucional é um ramo do Direito Público, destacado por ser fundamental à organização e funcionamento do Estado, à articulação dos elementos primários do mesmo e ao estabelecimento das bases da estrutura política”. A Constituição, conforme Canotilho (1993 apud MORAES, 2019, p. 6): Deve ser entendida como a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, a formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos. TÓPICO 1 — DIREITO CONSTITUCIONAL UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO 60 FIGURA 1 – CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO FONTE: A autora A Constituição determina regras e estabelece critérios que devem ser respeitados por todos e de forma indiscriminada, ou seja, a Constituição é a regra maior e se encontra no topo da pirâmide da legislação pátria. Para Moraes (2019, p. 4) o Estado Constitucional conigura-se, portanto, como uma das grandes conquistas da humanidade, que, para ser um verdadeiro Estado de qualidades no constitucionalismo moderno deve ser um Estado democrático de direito, possuindo duas grandes qualidades do Estado Constitucional: Estado de direito e Estado democrático. FIGURA 2 – PREMISSAS DO ESTADO DE DIREITO Por isso é que nenhuma lei poderá ser contrária à Constituição, sob pena de ser considerada inconstitucional e retirada do ordenamento jurídico. Em razão da supremacia da Constituição, é comum a utilização da expressão “Carta Magna” para nos referirmos à Constituição. IMPORTA NTE TÓPICO 1 — DIREITO CONSTITUCIONAL 61 FONTE: Adaptada de Moraes (2019) Entendido o conceito de Constituição e sua supremacia? Vamos, então, estudar a Constituição Federal de 1988, especiicamente. 2.1 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Para Lenza (2019) existem várias concepções ou acepções a serem tomadas para deinir o termo “Constituição”. Alguns autores preferem a ideia da expressão tipologia dos conceitos de Constituição em várias acepções. Vejamo-las no quadro a seguir: QUADRO 1 – CONCEITOS DE CONSTITUIÇÕES Sentido sociológico A Constituição, segundo a conceituação de Lassalle, seria, então, a somatória dos fatores reais do poder dentro de uma sociedade. Sentido político Na visão de Carl Schmit, em razão de ser a Constituição produto de certa decisão política, ela seria, nesse sentido, a decisão política do titular do poder constituinte. Sentido material e formal Do ponto de vista material, o que vai importar para deinirmos se uma norma tem caráter constitucional ou não será o seu conteúdo, pouco importando a forma pela qual foi essa norma introduzida no ordenamento jurídico. Do critério formal, que, de certa maneira, também englobaria o que Schmit chamou de “lei constitucional”, não mais nos interessará o conteúdo da norma, mas sim a forma como ela foi introduzida no ordenamento jurídico. Sentido jurídico Hans Kelsen é o representante desse sentido conceitual, alocando a Constituição no mundo do dever-ser, e não no mundo do ser, caracterizando-a como fruto da vontade racional do homem, e não das leis naturais. FONTE:Adaptado de Lenza (2019) UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO 62 De acordo com Lenza (2019), conforme a exempliicação proposta por Michel Temer, estabelecemos, graicamente, a ideia da “pirâmide” de Kelsen, consagrando a verticalidade hierár-quica das normas e a Constituição positivada como norma de validade de todo o sistema e, assim, o princípio da supremacia da Constituição conforme segue na Figura 3: FIGURA 3 – PIRÂMIDE DE KELSEN FONTE: Lenza (2019, p. 96) No Estado Brasileiro, a atual Constituição foi promulgada em 1988 e já foi modiicada por algumas Emendas. A Carta Magna em vigor traz em seu preâmbulo o seguinte: FIGURA 4 - CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL FONTE: <https://cutt.ly/JgHOKT3>. Acesso em: 20 ago. 2020. TÓPICO 1 — DIREITO CONSTITUCIONAL 63 Segundo Lenza (2019), no preâmbulo da CF/88 foi instituído um Estado Democrático, destinado a assegurar os seguintes valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacíica das controvérsias, como podemos observar na Figura 5: FIGURA 5 – DIREITOS SOCIAIS FONTE: Adapatada de Lenza (2019) Segundo Lenza (2019), nossa Constituição de 1988 sofreu forte inluência da Constituição portuguesa de 1976, sendo democrática e liberal, apresentando maior legitimidade popular, podendo ser destacadas as seguintes características, como mostra o Quadro 2: O preâmbulo da Constituição, segundo Alexandre Moraes (2019, p. 15), “é o documento de intenções do diploma, e uma certidão de origem e legitimidade do novo texto e uma proclamação de princípios, demonstrando a ruptura com o ordenamento constitucional anterior e o surgimento jurídico de um novo Estado”. E continua: “[...] por não ser norma constitucional não poderá prevalecer contra texto expresso da Constituição Federal [...]” (MORAES, 2019 p. 16), mas deverá ser usado como instrumento de interpretação da Constituição. NOTA UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO 64 QUADRO 2 – CARACTERISTICAS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 Forma de Governo República. Sistema de Governo Presidencialista. Forma de Estado Federação. Capital Federal Brasília. Inexistência de religião oicial Um país leigo. Organizaç̃o dos “Poderes” Legislativo; Judiciário e Executivo. Constituiç̃o rígida Existe um processo de alteração mais árduo, mais solene e mais diicultoso que o processo de alteração das demais espécies normativas. FONTE: Adaptado de Lenza (2019) De acordo com os conceitos apresentados no Quadro 2, podemos dizer que a Constituição Federal é considerada uma norma hierarquicamente superior das demais integradas em nosso sistema jurídico. 2.2 CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES Moraes (2019) explana, de forma concisa, a classiicação das constituições nos seguintes termos: FIGURA 6 – CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES FONTE: Moraes (2019, p. 7) TÓPICO 1 — DIREITO CONSTITUCIONAL 65 2.2.1 Quanto ao conteúdo Segundo Moraes (2017), quanto ao conteúdo, as constituições podem ser classiicadas em materiais ou substanciais e formais. A Constituição material “consiste no conjunto de regras materialmente cons- titucionais, que estejam ou não codiicadas em um único documento. Já a Constitui- ção formal é aquela consubstanciada de forma escrita, por meio de um documento solene estabelecido pelo poder constituinte originário” (MORAES, 2017, p. 7). Contudo, o que são as regras materialmente constitucionais? Estas determinam as formas de governo, do Estado, de aquisição e exercício do poder, da estrutura dos órgãos de poder do Estado e dos limites da atuação estatal. 2.2.2 Quanto à forma Ainda segundo Moraes (2019), as constituições se dividem em escritas e não escritas. A Constituição escrita é o conjunto de regras codiicado e sistematizado em um único documento, para i xar-se à organização fundamental. Canotilho e Moreira (1991) denominam de Constituição instrumental, apontando seu efeito racionalizador, estabilizante, de segurança jurídica e de calculabilidade e publicidade. A Constituição escrita, portanto, é o mais alto estatuto jurídico de determinada comunidade, caracterizando-se por ser a lei fundamental de uma sociedade. À Constituição corresponde ao conceito de Constituição legal, como resultado da elaboração de uma Carta escrita fundamental, colocada no ápice da pirâmide normativa e dotada de coercibilidade (HESSE, 1981). Como salientam Canotilho e Moreira (1991, p. 65): A garantia da força normativa da constituição não é tarefa fácil, mas se o direito constitucional é direito positivo, se a constituição vale como lei, então as regras e princípios constitucionais devem obter normatividade regulando jurídica e efetivamente as relações da vida, dirigindo as condutas e dando segurança a expectativas de comportamento. Constituição não escrita é o conjunto de regras não aglutinado em um texto solene, mas baseado em leis esparsas, costumes, jurisprudência e convenções (exemplo: Constituição inglesa) (MORAES, 2019). Neste sentido, salienta Miranda (1990, p. 126): Diz-se, muitas vezes, que a Constituição inglesa é uma Constituição não escrita (unwriten Constitution). Só em certo sentido o asserto se aigura verdadeiro: no sentido de que uma grande parte das regras sobre organização do poder político é consuetudinária; e, sobretudo, no sentido de que a unidade fundamental da Constituição não repousa em nenhum texto ou documento, mas em princípios não escritos assentes na organização social e política dos Britânicos. UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO 66 Tem-se, então, que a Constituição da República Federativa do Brasil é uma Constituição escrita. 2.2.3 Quanto ao modo de elaboração Em relação à elaboração, segundo Moraes (2019), as constituições se classiicam em dogmáticas e históricas. Enquanto a Constituição dogmática se apresenta como produto escrito e sistematizado por um órgão constituinte, a partir de princípios e ideias fundamentais da teoria política e do direito dominante, a Constituição histórica é fruto da lenta e contínua síntese da História e tradições de um determinado povo (exemplo: Constituição inglesa) (MORAES, 2019). 2.2.4 Quanto à origem Em relação à origem, Moraes (2019) entende que as constituições se classiicam em promulgadas e outorgadas. São promulgadas, também denominadas “democráticas ou populares, as constituições que derivam do trabalho de uma Assembleia Nacional Constituin- te composta de representantes do povo, eleitos com a inalidade de sua elaboração (exemplo: Constituições brasileiras de 1891, 1934, 1946 e 1988)” (MORAES, 2019, p. 8). Já as Constituições outorgadas são “as elaboradas e estabelecidas sem a participação popular, através de imposição do poder da época (exemplo: Constituições brasileiras de 1824, 1937, 1967 e EC nº 1/1969)” (MORAES, 2019, p. 8). Existem, ainda, as chamadas Constituições cesaristas, que são aquelas que, não obstante outorgadas, dependem da ratiicação popular por meio de referendo (MORAES, 2019). Então, observando os conceitos, tem-se que a Constituição Brasileira de 1988 é escrita, dogmática e promulgada. O signiica uma promulgação? É o instrumento que declara a existência de uma lei e ordena a execução. NOTA TÓPICO 1 — DIREITO CONSTITUCIONAL 67 2.2.5 Quanto à estabilidade No quesito em questão, conforme Moraes (2019), as constituições podem ser classiicadas em imutáveis, rígidas, lexíveis e semirrígidas. São imutáveis as constituições: quando se veda qualquer alteração, constituindo-se em relíquias históricas. Em algumas constituições, a imutabilidade poderá ser relativa, quando podemos prever as chamadas limitações temporais, ou seja, um prazo em que não se admitirá a atuação do legislador constituinte reformador (MORAES, 2019, p. 9). Assim, a Constituição de 1824, em seu art. 174, determinava: “Art. 174. Se passados quatro anos, depois de jurada a Constituição do Brazil, se conhecer, que algum dos seus artigos merecereforma, se fará a proposição por escripto, a qual deve ter origem na Câmara dos Deputados e ser apoiada pela terça parte deles” (BRASIL, 1824). Apesar da previsão, a Constituição de 1824 era semilexível (semirrígida), como se nota por seu art. 178, que airmava: “Artigo 178. É só constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições respectivas dos poderes políticos e aos direitos políticos e individuais dos cidadãos. Tudo, o que não é constitucional, pode ser alterado sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas ordinárias” (BRASIL, 1824). Rígidas são as constituições escritas, que poderão “ser alteradas por um processo legislativo mais solene e diicultoso do que o existente para a edição das demais espécies normativas. Por sua vez, as constituições lexíveis, em regra, não escritas, excepcionalmente escritas, poderão ser alteradas pelo processo legislativo ordinário” (MORAES, 2019, p. 9). “Como um meio-termo entre as duas anteriores, surge a constituição semilexível ou semirrígida, na qual algumas regras poderão ser alteradas pelo processo legislativo ordinário, enquanto outras somente por um processo legislativo especial e mais diicultoso” (MORAES, 2019, p. 9). Ressalta-se que a “Constituição Federal de 1988 pode ser considerada como super-rígida, uma vez que, em regra, poderá ser alterada por um processo legislativo diferenciado. Excepcionalmente, em alguns pontos, é imutável” (MORAES, 2019, p. 9). Pode-se airmar que Cláusula Pétrea é o dispositivo constitucional que não pode ser alterado, nem mesmo por proposta de emenda à Constituição (PEC). As cláusulas pétreas inseridas na Constituição do Brasil de 1988 estão dispostas no art. 60, § 4º. IMPORTA NTE UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO 68 Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...] § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I- a forma federativa de Estado; II- o voto direto, secreto, universal e periódico; III- a separação dos Poderes; IV- os direitos e garantias individuais (BRASIL, 1988). Continuando a análise e relembrando os conceitos, tem-se que a Constituição de 1988 é escrita, dogmática, promulgada e rígida, porque tem cláusulas que são consideradas imexíveis. 2.2.6 Quanto à extensão e finalidade Conforme Moraes (2019), as constituições, em relação à extensão e inalidade, podem ser classiicadas em analíticas (dirigentes) e sintéticas (negativas, garantias). As constituições sintéticas contam somente os princípios e as normas gerais de regência do Estado, organizando-o e limitando seu poder, por meio da estipulação de direitos e garantias fundamentais (por exemplo: Constituição norte-americana). Já as constituições analíticas examinam e regulamentam todosos assuntos relevantes à formação, destinação e funcionamento do Estado (por exemplo: Constituição brasileira de 1988) (MORAES, 2019). Como airmado por Silva (1992, p. 8), a Constituinte: rejeitou a constituição sintética, que é constituição negativa, porque é construtora apenas de liberdade-negativa ou liberdade-impedimento, oposta à autoridade, modelo de constituição que, às vezes, se chama de constituição garantia [...]. Assumiu o novo texto a característica de constituição-dirigente, enquanto deine ins e programas de ação futura. Segundo Canotilho e Moreira (1991, p. 257), ao serem deinidos os limites de uma constituição dirigente, o núcleo principal de estudo é “o que deve (e pode) uma constituição ordenar aos órgãos legiferantes e o que deve (como e quando deve) fazer o legislador para cumprir, de forma regular, adequada e oportuna, as imposições constitucionais”. O que se entende por Constituição Dirigente? É a Constituição que regula as bases da vida não estatal, intervindo na área social, cultural e econômica. Inclui o planejamento como forma de execução de políticas públicas. ATENCA O TÓPICO 1 — DIREITO CONSTITUCIONAL 69 Assim, lembrando novamente, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é escrita, dogmática, promulgada e rígida, porque tem cláusulas que são consideradas imexíveis, além de igualmente ser analítica e dirigente. Finalizando, podemos airmar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 segundo Moraes (2019, p. 10) , conforme a Figura 7: FIGURA 7 – CLASSIFICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 FONTE: Adaptada de Moraes (2019) 2.3 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 A CF/88, em seu Título II, classiica o gênero direitos e garantias fundamentais em importantes grupos, conforme mostra a Figura 8: FIGURA 8 – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS FONTE: Adaptada de Lenza (2019) UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO 70 Para Lenza (2019), conforme vários critérios, costuma-se classiicar os direitos fundamentais em gerações de direitos, ou, como prefere a doutrina mais atual, “dimensões” dos direitos fundamentais, por entender que uma nova “dimensão” não abandonaria as conquistas da “dimensão” anterior e, assim, esta expressão se mostraria mais adequada no sentido de proibição de evolução reacionária, como apresentado no Quadro 3: QUADRO 3 – DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Direitos fundamentais da 1ª dimens̃o Liberdades individuais: tais direitos dizem respeito às liberdades públicas e aos direitos políticos, ou seja, direitos civis e políticos a traduzir o valor liberdade. Direitos fundamentais da 2ª dimens̃o Direitos sociais, culturais e econômicos, bem como dos direitos coletivos, ou de coletividade, correspondendo aos direitos de igualdade. Direitos fundamentais da 3ª dimens̃o Preservacionismo ambiental e as diiculdades para proteção dos consumidores; direito ao desenvolvimento, direito à paz, direito ao meio ambiente, direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e direito de comunicação. Direitos fundamentais da 4ª dimens̃o Democracia; informação e pluralismo. Direitos fundamentais da 5ª dimens̃o Paz é axioma da democracia participativa, ou, ainda, supremo direito da humanidade. FONTE: Adaptado de Lenza (2019) De acordo com Lenza (2019, p. 1159), o art. 5º da CF/88, trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, espécie do gênero direitos e garantias fundamentais. Assim, apesar de referir-se, de modo expresso, apenas aos direitos e deveres, também consagrou as garantias fundamentais. Resta diferenciá-los como exposto na Figura 9: FIGURA 9 – DIFERENÇA DE DIREITOS E GARANTIAS FONTE: Adaptada de Lenza (2019, p. 1159) TÓPICO 1 — DIREITO CONSTITUCIONAL 71 2.4 DIREITOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS Os Direitos individuais e coletivos são uma série de direitos básicos, garantidos pela Constituição Federal/88, incluídos no artigo 5º, em que o indivíduo e alguns grupos sociais estão assegurados e podem invocá-los a qualquer momento para a garantia de uma vida digna como ser humano. Acompanhe o quadro explicativo: QUADRO 4 – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS Direito Temas especíicos Direito à vida (art. 5º, caput), abrange tanto o direito de não ser morto, de não ser privado da vida, portanto, o direito de continuar vivo, como também o direito de ter uma vida digna. Células-tronco embrionárias, interrupção da gravidez nos casos de gestação de feto anencéfalo, interrupção voluntária da gestação no primeiro trimestre, distanásia, eutanásia, suicídio assistido e ortotanásia. Princípio da igualdade (art. 5º, caput, I) O art. 5.o, caput, consagra serem todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Medidas de compensação, buscando concretizar, ao menos em parte, uma igualdade de oportunidades com os demais indivíduos, que não sofreram as mesmas espécies de restrições. Cotas Raciais, PROUNI e Lei Maria da Penha. Princípio da legalidade (art. 5º, II) “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. No âmbito das relações particulares, pode-se fazer tudo o que a lei não proíbe, vigorando o princípio da autonomia da vontade,lembrando a possibilidade de ponderação desse valor com o da dignidade da pessoa humana, no que tange à administração, e esta só poderá fazer o que a lei permitir. Proibiç̃o da tortura (art. 5º, III) Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, sendo que a lei considerará crime inaiançável a prática da tortura (art. 5º, XLIII). Conforme jurisprudência do STF, “o uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional, a ser adotado nos casos e com as inalidades de impedir, prevenir ou diicultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justiicado receio de que tanto venha a ocorrer, e para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo. UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO 72 Liberdade da manifestaç̃o de pensamento (art. 5º IV e V) A Constituição assegurou a liberdade de manifestação do pensamento, vedando o anonimato. Caso durante a manifestação do pensamento se cause dano material, moral ou à imagem, assegura-se o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização. Liberdade de manifestação do pensamento (incluindo a liberdade de opinião); liberdade de expressão artística; liberdade de ensino e pesquisa; liberdade de comunicação e de informação (liberdade de “imprensa”); liberdade de expressão religiosa. Inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas (art. 5º, X) De acordo com o art. 5.o, X, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Possibilidade de “quebra” do sigilo bancário: o Poder Judiciário e as CPIs (federais, estaduais e distritais), que têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciais; Proibição da revista íntima; Gravação clandestina x interceptação telefônica: análise à luz de alguns aspectos trazidos pela Lei n. 13.432/2017 (detetive particular). Inviolabilidade domiciliar (art. 5º, XI) A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem o consentimento do morador, salvo em caso de lagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”; ou seja, sem o consentimento do morador só poderá nela penetrar: Por determinação judicial, somente durante o dia; em caso de lagrante delito, desastre, ou para prestar socorro: poderá penetrar sem o consentimento do morador, durante o dia ou à noite, não necessitando de determinação judicial. Sigilo de correspondência e comunicações (art. 5º, XII) “É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráicas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para ins de investigação criminal ou instrução processual penal”. Além da proteção ao sigilo da correspondência, há proteção ao sigilo de 3 formas de comunicações, com ressalva expressa apenas em relação a uma delas: telegráica – sem ressalva expressa; de dados – sem ressalva expressa; telefônica – com ressalva expressa, exigindo ordem judicial e nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para ins de investigação criminal ou instrução processual penal; sigilo de correspondência: como regra, o sigilo de correspondência é inviolável. TÓPICO 1 — DIREITO CONSTITUCIONAL 73 Liberdade de proissão (art. 5º, XIII) A Constituição assegura a liberdade do exercício de qualquer trabalho, ofício ou proissão, atendidas as qualiicações proissionais que a lei estabelecer. É o que acontece com o Exame de Ordem (art. 8.o, IV, da Lei n. 8.906/94), cuja aprovação é um dos requisitos essenciais para que o bacharel em direito possa inscrever-se junto à OAB como advogado e que, inclusive, foi declarado constitucional pelo STF no julgamento. Liberdade de informaç̃o (art. 5º, XIV e XXXIII) É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício proissional. trata-se do direito de informar e de ser informado. FONTE: Adaptado de Lenza (2019) A liberdade também é tutelada pela Constituição Federal, sendo que é o próprio texto constitucional prevê as garantias a esta liberdade, ou seja, os meios que disporá a vítima para ver seu direito respeitado. 2.5 REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS Os remédios constitucionais “são instrumentos destinados a assegurar o gozo dos direitos violados ou em vias de serem violados ou simplesmente não atendidos” (PADILHA, 2020, p. 277). As garantias constitucionais que recebem o nome de remédios constitucionais são: • Habeas corpus: a vítima de ilegalidade ou abuso de poder poderá impetrar habeas corpus. “Portanto, o habeas corpus é uma garantia individual ao direito de locomoção, consubstanciada em uma ordem dada pelo Juiz ou Tribunal ao coator, fazendo cessar a ameaça ou coação à liberdade de locomoção em sentido amplo – o direito do indivíduo de ir, vir e icar” (MORAES, 2020, p. 151). Interessante é o fato de que não é necessário ser advogado para impetrar habeas corpus, podendo até ser impetrado pelo próprio paciente (vítima). O habeas corpus pode ser preventivo ou repressivo. • Habeas data: objetiva “fazer com que todos tenham acesso às informações que o Poder Público ou entidades de caráter público (ex.: serviços de proteção ao crédi- to) possuam a seu respeito” (MORAES, 2020, p. 168). O habeas data cabe quando houver negativa de fornecimento destas informações, que também poderão ser retiicadas. É a lei n. 9.507/97 que estabelece as regras referentes ao habeas data. • Mandado de segurança: caberá mandado de segurança quando houver um ato ilegal e coator de uma autoridade contra direito líquido e certo e contra este ato não for cabível habeas corpus e habeas data. Além do art. 5º., LXIV da Constituição da República, temos disposições sobre o Mandado de Segurança na Lei n. 1.533/51 (MORAES, 2020, p. 179). UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO 74 • O direito líquido e certo: é aquele que pode ser comprovado já no ajuizamento do mandado de segurança por documentos, sem a possibilidade de produção de provas. Para você entender bem quando cabe o mandado de segurança, podemos citar como exemplo a exigência de prévio pagamento de multas para o licenciamento de veículos, sem que tenha sido oportunizada a defesa ou também o corte de energia elétrica sem a prévia notiicação, dentre outros. • O mandado de segurança: pode ser impetrado (ajuizado) por pessoa física ou jurídica, que é chamado “impetrante”. Pode ser individual (quando uma só pessoa impetra) ou coletivo, quando é impetrado em nome de uma coletividade (ex.: sindicato representando os sindicalizados). O mandado de segurança pode ser impetrado de duas formas: preventiva e repressiva. Vejamos: FIGURA 10 – FORMAS DO MANDADO DE SEGURANÇA FONTE: Moraes (2020, p. 182) O direito líquido e certo é aquele que pode ser comprovado já no ajuizamento do mandado de segurança por documentos, sem a possibilidade de produção de provas. Para você entender bem quando cabe o mandado de segurança, podemos citar como exemplo a exigência de prévio pagamento de multas para o licenciamento de veículos, sem que tenha sido oportunizada a defesa ou também o corte de energia elétrica sem a prévia notiicação, dentre outros. O mandado de segurança pode ser impetrado (ajuizado) por pessoa física ou jurídica, que é chamado “impetrante”. Pode ser individual (quando uma só pessoa impetra) ou coletivo, quando é impetrado em nome de uma coletividade (ex.: sindicato representando os sindicalizados). TÓPICO 1 — DIREITO CONSTITUCIONAL 75 Mandado de injunç̃o: o mandado de injunção está previsto no art 5º, LXXI da Constituição Federal “sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”(MORAES, 2020, p. 198). Aç̃o popular: esta ação constitucional é prevista no art. 5º., LXXIII. Pode ser deinida como: resumidamente, podemos dizer que só poderá ajuizar ação popular o cidadão, ou seja, quem estiver “no gozo de seus direitos políticos” (MORAES, 2003, p. 193). Por isso, somente a pessoa física, desde que no gozo de seus direitos políticos, é que poderá propor esta ação. Quanto à natureza do “ato ou a omissão do Poder Público a ser impugnado, que dever-ser obrigatoriamente lesivo ao patrimônio público, seja por ilegalidade, seja por imoralidade” (MORAES, 2020, p. 213). De forma esquematizada e bem simpliicada, podemos resumir as principais ações constitucionais e o direito que protegem no seguinte: FIGURA 11 – REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS Caro acadêmico, para aprofundar os seus conhecimentos sobre as ações constitucionais estudadas anteriormente, sugiro a leitura completa da Lei n. 1.533/51. DICAS UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO 76 FONTE: Adaptada de Padilha (2020) 2.6 DIREITOS SOCIAIS Direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando- se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, possuindo a inalidade de melhorar as condições de vida dos menos favorecidos, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal (MORAES, 2020). Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui- se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (Vide Lei nº 13.874, de 2019) (BRASIL, 1988, grifo nosso). TÓPICO 1 — DIREITO CONSTITUCIONAL 77 A Constituição Federal proclama serem direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados. Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015) (BRASIL, 1988, grifo nosso). Para garantir maior efetividade aos direitos sociais, a Emenda Constitucional nº 31, de 14 de dezembro de 2000, promove a um dos objetivos fundamentais da República – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Conforme: Art. 1º A Constituição Federal, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, é acrescida dos seguintes artigos: "Art. 79. É instituído, para vigorar até o ano de 2010, no âmbito do Poder Executivo Federal, o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, a ser regulado por lei complementar com o objetivo de viabilizar a todos os brasileiros acesso a níveis dignos de subsistência, cujos recursos serão aplicados em ações suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço de renda familiar e outros programas de relevante interesse social voltados para melhoria da qualidade de vida. Parágrafo único. O Fundo previsto neste artigo terá Conselho Consultivo e de Acompanhamento que conte com a participação de representantes da sociedade civil, nos termos da lei (BRASIL, 2000). Também podemos considerar os direitos sociais previstos no art. 7º da Constituição Federal, o qual têm por objetivo principal a proteção dos direitos do trabalhador. Além disso, os direitos sociais têm que ser obrigatoriamente respeitados. O legislador constituinte deiniu alguns direitos constitucionais dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I- relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; II- seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; III- fundo de garantia do tempo de serviço; IV- salário mínimo, ixado em lei, nacionalmente uniicado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer im; UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO 78 V- piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho; VI- irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; VII- garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável; VIII- décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria; IX- remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; X- proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; XI- participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme deinido em lei; XII- salário-família para os seus dependentes; (Revogado) XII- salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) XIII- duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; (Vide Decreto-Lei nº 5.452, de 1943) XIV- jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva; XV- repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; XVI- remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal; (Vide Del 5.452, art. 59 § 1º) XVII- gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; XVIII- licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; XIX- licença-paternidade, nos termos ixados em lei; XX- proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos especíicos, nos termos da lei; XXI- aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; XXII- redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; XXIII- adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei; XXIV- aposentadoria; XXV- assistência gratuita aos ilhos e dependentes desde o nascimento até seis anos de idade em creches e pré-escolas; TÓPICO 1 — DIREITO CONSTITUCIONAL 79 (Revogado) XXV- assistência gratuita aos ilhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) XXVI- reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; XXVII- proteção em face da automação, na forma da lei; XXVIII- seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; XXIX- ação, quanto a créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de: (Revogado) a) cinco anos para o trabalhador urbano, até o limite de dois anos após a extinção do contrato; (Revogado) b) até dois anos após a extinção do contrato, para o trabalhador rural; (Revogado) XXIX- ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 28, de 2000) a) (Revogada). (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 28, de 2000) b)(Revogada). (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 28, de 2000) XXX- proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; XXXI- proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deiciência; XXXII- proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os proissionais respectivos; XXXIII (Revogado) proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz; XXXIII- proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) XXXIV- igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO 80 Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência social. (Revogado) Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simpliicação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 72, de 2013). FONTE: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 ago. 2020. 2.7 DIREITO DE NACIONALIDADE Pode-se conceituar a nacionalidade como sendo “o vínculo jurídico político que liga um indivíduo a um certo e determinado Estado, fazendo deste indivíduo um componente do povo, da dimensão pessoal deste Estado” (MORAES, 2020, p. 239). Ainda segundo o autor, este vínculo “capacita o indivíduo a exigir sua proteção, mas, ao mesmo tempo, o sujeita ao cumprimento dos deveres impostos” (MORAES, 2020, p. 239). Como salienta Moraes (2003), o conceito de nacionalidade está ligado aos conceitos de povo, população e nação, os quais também extraímos das ideias do referido autor: FIGURA 12 – CONCEITOS DE POVO, POPULAÇÃO E NAÇÃO FONTE: Adaptada de Moraes (2020) TÓPICO 1 — DIREITO CONSTITUCIONAL 81 A nacionalidade pode ser adquirida com o nascimento (ex.: brasileiro nato), chamada “originária” ou posteriormente, através de um pedido de naturalização (ex.: o estrangeiro que pede naturalização e se torna brasileiro naturalizado), que se chama nacionalidade “adquirida”. Quanto aos critérios utilizados para o reconhecimento da nacionalidade originária, segundo Moraes (2020, p. 241) são basicamente dois: FIGURA 13 – CRITÉRIOS DE RECONHECIMENTO DE NACIONALIDADE FONTE: A autora E qual o critério adotado pela atual Constituição Brasileira? O critério adotado pela nossa Carta Magna foi, como regra geral, o da origem territorial. Ou seja, em princípio, quem nascer em território nacional, será considerado brasileiro. Porém, há exceções a esta regra, previstas no próprio ordenamento constitucional, qual seja, no artigo 12, I da CF: Art. 12: São brasileiros: I- natos: a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país; (exceção à origem territorial – Nota da autora) b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil; c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; II- naturalizados: A Constituição proíbe que a lei faça diferenciação entre brasileiros natos e naturalizados a não ser em casos previstos na própria Carta Magna. Assim, apesar de se tornar brasileiro pela naturalização, o estrangeiro naturalizado não adquire os mesmos direitos que os brasileiros natos. Por exemplo, existem cargos públicos privativos de brasileiros natos, tais como o de Presidente da República e Ministro do Supremo Tribunal Federal, como veremos a seguir. IMPORTA NTE UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO 82 a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira. § 1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição. § 2º A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição. No parágrafo terceiro deste mesmo artigo, encontramos os cargos que só poderão ser ocupados por brasileiros natos: § 3º São privativos de brasileiro nato os cargos: I- de Presidente e Vice-Presidente da República; II- de Presidente da Câmara dos Deputados; III- de Presidente do Senado Federal; IV- de Ministro do Supremo Tribunal Federal; V- da carreira diplomática; VI- de oicial das Forças Armadas; VII- de Ministro de Estado da Defesa. Segundo o art. 12, §4º da Constituição da República, o brasileiro perderá sua nacionalidade, quando: [...] I- tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional; II- adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos: a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis. Deste modo, o cancelamento da naturalização será decretado em caso de atividade nociva ao interesse nacional após decisão transitada em julgado. Tal processo só atingirá o brasileiro naturalizado e deverá ser proposto pelo Ministério Público Federal. 2.8 DIREITOS POLÍTICOS No capítulo V da CF (arts. 14 ao 16), estão expressos os direitos políticos e as condições de elegibilidade, alistamento e voto etc. Segundo Moraes (2020, p. 261), os direitos políticos formam “o conjunto de regras que disciplina a forma de atuação da soberania popular [...]”. Dos ensinamentos do referido autor, podemos apontar, de forma resumida, como direitos políticos os seguintes: TÓPICO 1 — DIREITO CONSTITUCIONAL 83 FIGURA 14 – DIREITO DE SUFRÁGIO FONTE: Adaptada de Moraes (2020) Para ser elegível, é necessário que o candidato cumpra as seguintes condições, as previstas no art. 14, §3º da CF: a nacionalidade brasileira, o alistamento eleitoral, o domicílio eleitoral na circunscrição; a iliação partidária; a idade mínima para cada cargo. Os analfabetos e os inalistáveis (art. 14 §4º). Também temos a iniciativa Popular de lei; a ação Popular e a organização e participação de partidos políticos. Poderá haver a perda ou a suspensão dos direitos políticos. A perda é deinitiva, enquanto a suspensão é temporária. O art. 15 da CF estabelece os casos de perda e suspensão, sendo que em razão da Constituição não estabelecer o critério diferenciador, colhemos da doutrina de Moraes (2020, p. 297): Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: I- cancelamentoda naturalização por sentença transitada em julgado;(perda) II- incapacidade civil absoluta; (suspensão) III- condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; (suspensão) IV- recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII; (suspensão) V- improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º (suspensão). Importante ressaltar que as regras sobre inelegibilidades só podem ser disciplinadas pela Constituição ou por Lei Complementar. 2.8.1 Direitos relacionados à organização, participação e funcionamento dos partidos políticos Segundo a Constituição Federal (art. 17), os partidos podem ser livremente criados, fundidos, incorporados e extintos, devendo ser observados: a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana. Ainda segundo o mesmo artigo, deverão ser seguidos os seguintes preceitos: “I- caráter nacional; II- proibição de recebimento de recursos inanceiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes; III- prestação de contas à Justiça Eleitoral; IV - funcionamento parlamentar de acordo com a lei” (BRASIL, 1988, art. 17). UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO 84 Os partidos políticos, após se constituírem em conformidade com a lei civil, deverão registrar seus estatutos no Tribunal Regional Eleitoral, conforme exige a Constituição Federal. Nos demais parágrafos do art. 17, lemos que os partidos políticos são autônomos para deinir sua estrutura interna, organização e funcionamento, entre outros direitos previstos na Constituição, tais como participação em fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e televisão, que serão disciplinados por leis especíicas (BRASIL, 1988). 85 Neste tópico, você aprendeu que: • O Direito Público é o Direito em que o Estado participa como parte na relação jurídica. • O Direito Público é dividido em Direito Público interno e externo. • O Direito Público Interno é dividido em diversos ramos, dentre eles o Direito Constitucional. • O Direito Constitucional tem como objeto de estudo a Constituição Federal, que é a Lei Magna de um país. • A Constituição Federal de 1988 traz vários direitos e garantias fundamentais previstos no art. 5º. • Há várias ações constitucionais (Remédios Constitucionais) que tutelam a liberdade, tais como habeas corpus, habeas data, entre outros. • Os direitos sociais protegem o trabalhador. • Há duas espécies de nacionalidade: a que se adquire com o nascimento (originária), reconhecida pelos critérios da origem sanguínea ou territorial e a que decorre da naturalização também chamada “adquirida”. • Os direitos políticos e os relativos à organização e funcionamento dos partidos políticos. RESUMO DO TÓPICO 1 86 1 A Constituição determina regras e estabelece critérios que devem ser respeitados por todos e de forma indiscriminada, ou seja, a Constituição é a regra maior e se encontra no topo da pirâmide da legislação pátria. Com base nessa airmação, assinale a alternativa CORRETA a respeito a classiicação da Constituição de 1988. a) ( ) Escrita; dogmática; informal; sintética; legal; costumeiro e promulgada. b) ( ) Escrita; dogmática; formal; analítica; legal; formal e promulgada. c) ( ) Escrita; pragmática; formal; sintética; legal; formal e promulgada. d) ( ) Substancial; dogmática; formal; lexível; legal; formal e promulgada. 2 No preâmbulo da CF/88 foi instituído um Estado Democrático, destinado a assegurar os seguintes valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional. Com base nessa airmação, assinale a alternativa CORRETA a respeito dos Direitos Sociais. a) ( ) O exercício dos direitos sociais e individuais; o desenvolvimento; o bem-estar; a segurança; a liberdade; a justiça; a igualdade. b) ( ) O exercício dos direitos próprios e individuais; o subdesenvolvimento; o bem-estar; a segurança; a liberdade; a justiça; a igualdade. c) ( ) O exercício dos direitos sociais e individuais; o desenvolvimento; o bem-estar; a insegurança; a liberdade; a injustiça; a desigualdade. d) ( ) O exercício dos direitos coletivos; o desenvolvimento; o bem-estar; a segurança; a liberdade; a justiça; a igualdade. 3 O Direito Constitucional é um ramo do Direito Público, destacado por ser fundamental à organização e funcionamento do Estado. Com base nessa airmação, assinale a alternativa CORRETA a respeito do sistema de governo do Brasil. a) ( ) Absolutista. b) ( ) Presidencialista. c) ( ) Comunista. d) ( ) Parlamentarista. 4 Os remédios constitucionais são instrumentos destinados a assegurar o gozo dos direitos violados ou em vias de serem violados ou simplesmente não atendidos. Com base nessa airmação disserte sobre o mandado de segurança. 5 A nacionalidade é considerada como o vínculo jurídico político que liga um indivíduo a um certo e determinado Estado, fazendo deste indivíduo um componente do povo, da dimensão pessoal deste Estado. Com base nessa airmação disserte sobre qual o critério de nacionalidade adotado pela atual Constituição Brasileira. AUTOATIVIDADE 87 UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Neste tópico, vamos estudar o Direito Administrativo que traz as regras que disciplinam a atividade da Administração Pública. Iniciaremos pelo estudo do conceito deste importante ramo do Direito, para então estudarmos os atos administrativos. Por im, estudaremos os princípios que regem a Administração Pública e conheceremos os princípios e características dos contratos administrativos. Estudaremos, também, o Direito Processual um ramo do Direito Público que regulamenta a forma que as ações judiciais se desenvolverão no Judiciário. E inalizando veremos o Direito Penal, analisando o fato típico, seu principal objeto e as ações ou omissões culposas e dolosas que os coniguram. Analisaremos, também, a questão da culpa, para deinirmos o que vem a ser um crime doloso ou culposo. Ainda neste tópico, conheceremos as causas que excluem a antijuridicidade do crime, tais como a legítima defesa e os crimes que têm por objeto a defesa do patrimônio. 2 DIREITO ADMINISTRATIVO Segundo Campos (2019) o conceito do direito administrativo não se encontra paciicado na doutrina nacional. Todavia, de início, pode-se dizer que é um ramo do direito público cuja inalidade é a busca pela satisfação do interesse público. Para alcançar seus objetivos, existem diversas regras e princípios (típicos do direito público) que em determinados momentos limitam a atuação administrativa e noutros oferecem prerrogativas ao agente público, para que este possa se sobrepor ao interesse dos particulares em benefício de melhorias para a coletividade (CAMPOS, 2019, p. 7). TÓPICO 2 — DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL E DIREITO PENAL 88 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO FIGURA 15 – DIREITO ADMINISTRATIVO FONTE: Campos (2019, p. 7) O Direito Administrativo é um conjunto de princípios jurídicos voltado para as questões que concernem à Administração Pública, regulamentando funções administrativas de responsabilidade de interesse público e coletivo. As regras e princípios têm a inalidade de proporcionar total conformidade e harmonia para o ordenamento jurídico. É, pois, no Direito Administrativo que encontraremos as regras que determinam, por exemplo, porque será realizada a desapropriação de um bem de um particular, como deverá ser realizado um contrato com um particular etc. Importante salientar que estas normas são de cumprimento obrigatório e nem por acordo entre a Administração e o particular podem ser modiicadas. 2.1 ATOS ADMINISTRATIVOS Segundo Oliveira (2019), ato administrativo é considerado como a declaração de vontade do Estado, nessa qualidade, exteriorizada por agente competente e no exercício de suas funções, visando a produção de efeitos jurídicos conformes ao interesse público, com ela objetivados,determinados ou admitidos pelo ordenamento jurídico, em matéria administrativa. Para Campos (2019) uma maneira simples para deinir os atos administrativos como: uma manifestação de vontade expedida de maneira infralegal e no exercício da função administrativa, podendo ser produzido pela Administração Pública ou por seus delegatários com a inalidade de complementar a lei e atingir alguma inalidade pública, gozando de prerrogativas e restrições advindas da adoção do regime público. TÓPICO 2 — DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL E DIREITO PENAL 89 FIGURA 16 – CARACTERÍSTICAS DOS ATOS ADMINISTRATIVOS FONTE: Campos (2019, p. 249) Vejamos o Quadro 5, o qual elucida a Figura 19. QUADRO 5 – ATOS ADMINISTRATIVOS Unilateral os atos administrativos são unilaterais, já os contratos serão bilaterais Funç̃o administrativa como mencionamos, os atos administrativos decorrem do exercício da função administrativa, sendo esta típica do Poder Executivo e atípica do Legislativo e Judiciário. Logo, os três Poderes do Estado poderão produzir atos administrativos. Além disso, os concessionários e permissionários de serviços públicos também poderão, mediante delegação do Poder Público, expedir esse tipo de ato. Infralegal como estudamos (capítulo referente aos princípios), a Administração Pública só poderá agir quando a lei previamente autorizar. Assim, para que um ato administrativo venha a ser produzido, faz-se imprescindível a existência de uma lei autorizadora. Regime de direito público os princípios basilares do regime jurídico administrativo são a supremacia do interesse público sobre o privado e a indisponibilidade do interesse público. Aquela oferta prerrogativas ao administrador, já este impõe restrições em suas atuações. Como o ato administrativo busca a satisfação do interesse coletivo, atuará regido por normas públicas. 90 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO Manifestaç̃o de vontade diferentemente dos fatos administrativos em sentido estrito, os atos administrativos decorrem da manifestação de vontade de um agente público, devendo este ser entendido da maneira mais ampla possível, de forma a abarcar todos aqueles que exercem algum múnus público. Logo, os atos expressam a vontade estatal na busca da produção de algum efeito jurídico. FONTE: Adaptado de Campo (2019, p. 250) O ato administrativo será ainda vinculado, “aquele que a lei impõe uma conduta ao administrador sem deixar a ele qualquer margem de liberdade. Nesse caso, o agente público será um mero executor dos termos legais” (CAMPOS, 2019, p. 250). “Já o ato discricionário oferece certa margem de liberdade ao administrador para que este possa analisar, em cada caso concreto, dentre duas ou mais alternativas, qual se apresenta mais conveniente e oportuna” (CAMPOS, 2019, p. 250). FIGURA 17 – ATOS ADMINISTRATIVOS FONTE: Campos (2019, p. 250) Entenderemos, a partir de agora, quais são e como funcionam as autarquias e as empresas estatais. Segundo Campos (2019), autarquia é fruto do procedimento de descentralização, pelo qual a Administração centralizada repassa determinado serviço para ins de buscar maior especialidade e eiciência em sua prestação. Lembre-se de que, sendo a criação da autarquia efetivada por uma lei ordinária especíica, poderá ela ser federal, estadual, distrital ou, até mesmo, municipal. Como mostra a Figura 18: TÓPICO 2 — DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL E DIREITO PENAL 91 FIGURA 18 - AUTARQUIAS FONTE: Campos (2019, p. 121) Do conceito de Campos (2019), podemos extrair algumas características do referido ente: QUADRO 6 – CARACTERÍSTICAS DOS ENTES ADMINISTRATIVOS Criadas por lei (art. 37, XIX, CF/1988) Conforme estudado em tópico passado, as autarquias são criadas diretamente por lei especíica. Assim, não precisam ser registradas nos moldes da legislação civil para adquirirem a sua personalidade. Personalidade jurídica própria (regime de direito público) Diferentemente dos órgãos que são considerados entes despersonalizados, ou seja, sem personalidade, a autarquia, sendo fruto de um procedimento de descentralização, é uma pessoa jurídica independente do ente que a instituiu, sendo, assim, detentora de seus próprios direitos e responsável por suas obrigações. Autonomia gerencial, orçamentária e patrimonial Autonomia é a liberdade em relação a algo. Logo, a autarquia terá a possibilidade de se organizar (autonomia gerencial), terá seu próprio orçamento, autônomo em relação ao do seu ente instituidor (autonomia orçamentária), e seu próprio patrimônio (autonomia patrimonial). Exerce atividades típicas da Administraç̃o (serviço público) A Administração Pública tem como função típica a prestação de serviços públicos (art. 175 da CF/1988) e como função atípica o desempenho de atividade econômica (art. 173 da CF/1988). Entretanto, uma autarquia jamais será criada para o desempenho de atividade econômica, apenas podendo ser instituída para prestar serviços públicos típicos do Estado. FONTE: Adaptado de Campos (2019, p. 121) 92 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO Em resumo, inicialmente, podemos apontar os seguintes traços relacionados às autarquias na Figura 19: FIGURA 19 - AUTARQUIAS FONTE: Campos (2019, p. 122) Trata-se de pessoa jurídica de direito público, criada por lei especíica para o desempenho de serviço público. As empresas estatais, para Campos (2019), englobam tanto as empresas públicas quanto as sociedades de economia mista, ambas são sociedades civis ou comerciais que possuem o Estado como detentor do controle acionário. De forma resumida, podemos conceituar as empresas públicas como: pessoas jurídicas de direito privado, instituídas mediante autorização legislativa, com capital integralmente público e forma organizacional livre, as quais podem desempenhar tanto serviços públicos quanto atividades econômicas (CAMPOS, 2019, p. 150). Além desse conceito doutrinário, existe um conceito legal deinido pelo Decreto-lei 200/1967. Vejamos: Exemplos de autarquias: • Instituto Nacional do Seguro Social – INSS: autarquia vinculada ao Ministério da Previdência Social. • Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea: autarquia vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. • Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel: autarquia vinculada ao Ministério das Comunicações. ATENCA O TÓPICO 2 — DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL E DIREITO PENAL 93 Art. 5º Para os ins desta lei, considera-se: [...] II – Empresa Pública – a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito (BRASIL, 1967). O que determina a empresa pública é seu capital unicamente público, tendo como exemplo clássico a Caixa Econômica Federal e a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. • Correios. CORREIOS FONTE: <https://correiodeminas.com.br/wp-content/uploads/2014/11/Correios.jpg>. Acesso em: 20 ago. 2020. • Caixa Econômica Federal. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL FONTE: <https://cdn-istoe-ssl.akamaized.net/wp-content/uploads/sites/14/2019/10/caixa-1. jpg>. Acesso em: 20 ago. 2020. IMPORTA NTE Já as sociedades de economia mista podem, dentro de uma proposta inicial, ser conceituadas como: pessoas jurídicas de direito privado, instituídas mediante autorização legislativa, com capital majoritariamente público e organizadas sob a forma de sociedade anônima, as quais podem desempenhar tanto serviços públicos quanto atividades econômicas (CAMPOS, 2019). São exemplos de sociedades de economia mista: 94 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO FIGURA 22 – BANCO DO BRASIL FONTE: <https://i1.wp.com/agroemdia.com.br/wp-content/uploads/2019/03/logo-bb-25-3-19. png?resize=768%2C429&ssl=1>.Acesso em: 20 ago. 2020. FIGURA 23 – PETROBRAS FONTE: <https://pbs.twimg.com/proile_images/799597328730558464/ks3kVnp-_400x400.jpg>. Acesso em: 20 ago. 2020. Em resumo, as empresas estatais poderão desempenhar tanto funções típicas quanto atípicas do Estado, ou seja, podem prestar serviços públicos e também desempenhar atividades econômicas. FIGURA 24 – EMPRESAS ESTATAIS FONTE: Campos (2019, p. 153) 2.2 PRINCÍPIOS QUE REGEM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A Administração Pública não poder agir indistintamente. Os limites a esta atuação são delineados por princípios que estão previstos no art. 37 da Constituição Federal: “Art. 37: A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eiciência” (BRASIL, 1988). TÓPICO 2 — DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL E DIREITO PENAL 95 Apesar dos princípios se destinarem à Administração Pública, também os outros poderes (Legislativo e Judiciário) icam obrigados a cumpri-los quando praticam atos administrativos. Assim, os atos da Administração Pública, devem, necessariamente, cumprir alguns princípios, previstos no art. 37 da Constituição da República: 2.2.1 Princípio da legalidade Para se formar um Estado, basta a coexistência de três elementos: povo, território e governo soberano. No entanto, para se formar um Estado de Direito, faz-se imprescindível a existência de normas que devem ser obedecidas tanto pela população quanto pelo próprio Estado. A legalidade está relacionada ao dever de submissão estatal à vontade popular, já que as normas são feitas pelos representantes eleitos pelos cidadãos. Com isso, pode-se airmar que o Poder Público, em virtude principalmente dos princípios da indisponibilidade do interesse público e da legalidade, deverá agir de acordo com a vontade da coletividade evitando excessos por parte dos administradores (CAMPOS, 2019 p. 26). Para ixar bem este conhecimento, visualize a igura a seguir e, caso necessite “decorar” estes princípios, veja que, na ordem em que aparecem na igura, formam a palavra “LIMPE”. FIGURA – PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FONTE: Campos (2019, p. 26) DICAS 96 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO Para o particular, vigora o princípio da autonomia da vontade, já que este poderá fazer tudo que a lei não proíba. Esse entendimento decorre do próprio texto constitucional: “Art. 5.º, II, CF/1988: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (CAMPOS, 2019 p. 28). Já para o administrador não existirá autonomia da vontade, pois este se encontra subordinado aos termos da lei, apenas podendo agir se existir um permissivo legal para a sua atuação. Por exemplo, não poderá o Poder Executivo Federal abrir novos concursos se não existir autorização na lei orçamentária. QUADRO 7 – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE LEGALIDADE PARA O PARTICULAR LEGALIDADE PARA O ADMINISTRADOR Pode fazer tudo o que a lei não proíbe. Só pode fazer o que a lei autoriza. Autonomia da vontade (liberdade para agir). Subordinação (só pode agir de maneira infralegal). Lacuna legislativa: permissão para agir. Lacuna legislativa: proibição para agir. Efeito da lei: negativo (proíbe a atuação). Efeito da lei: Positivo (permite a atuação). FONTE: Campos (2019, p. 28) Este princípio, quando aplicado ao Direito Administrativo, impõe certos limites à atuação da Administração Pública, que, assim, não poderá agir em desconformidade com a lei, sob pena de coniguração de ato abusivo. 2.2.2 Princípio da impessoalidade “A impessoalidade deve ser analisada sob duas óticas diferentes: impessoalidade do administrador em seu tratamento com o povo e a impessoalidade do administrador em relação à sua própria atuação” (CAMPOS, 2019, p. 31). Para o devido aprofundamento, vamos analisá-las separadamente: QUADRO 8 – PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE Impessoalidade do administrador em relação ao povo Deverá o agente público ser neutro, imparcial em suas atuações, não devendo beneiciar ou prejudicar pessoas por uma simples relação de amizade ou inimizade, até porque a atuação pública deve ser objetiva e não subjetiva. TÓPICO 2 — DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL E DIREITO PENAL 97 Impessoalidade do administrador em relação à sua atuação Quando o agente público atua, na verdade quem está praticando o ato é o próprio Estado, dado que aquele é um mero instrumento da vontade estatal. Assim, não poderá o administrador praticar atos que caracterizem alguma forma de promoção pessoal. FONTE: Campos (2019, p. 32) Em resumo, o administrador não possui amigos ou inimigos, devendo toda a sua atuação ser pautada pela neutralidade e imparcialidade. FIGURA 26 – IMPARCIALIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FONTE: Campos (2019, p. 32) Por este princípio, impõe-se uma igualdade de tratamento entre os particulares (administrados), focando-se os atos administrativos no interesse público, não sendo possível o favorecimento de uns em detrimento dos outros. 2.2.3 Princípio da moralidade Por este princípio, os atos administrativos devem ser realizados com base na moral, o que pode ser traduzido na necessidade de os atos administrativos serem praticados com base na probidade. Sua importância é tal, que a inobservância deste princípio gera a invalidade do ato administrativo (você se lembra da ação popular que estudamos anteriormente, que tem por objetivo justamente anular o ato administrativo lesivo ao patrimônio público?) e ainda a suspensão dos direitos políticos do agente ímprobo (art. 37, §4º da CF). Neste sentido: Está relacionado ao dever de honestidade, probidade, ética e boa-fé do administrador. É a não corrupção por parte do agente público. Um dos deveres do Poder Público é fazer uma boa administração e, para que isso ocorra, padrões éticos devem ser observados. É exatamente em decorrência dessa necessidade que surge o princípio da moralidade, que visa a forçar condutas não corruptas por parte dos administradores (CAMPOS, 2019, p. 34). 98 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO É necessária, pois, além da observância dos ditames legais (princípio da legalidade), que a prática dos atos administrativos ocorra de acordo com a moralidade administrativa que traz as regras de conduta ética que devem permear sua realização. 2.2.4 Princípio da publicidade Por este princípio, torna-se necessário que os atos administrativos sejam praticados com transparência, permitindo o conhecimento por todos (pela publicação, por exemplo, no Diário Oicial, ou comunicação) dos atos que estão sendo praticados pela Administração Pública. De acordo com Campos (2019), a publicidade está relacionada ao dever de informar à sociedade sobre a prática dos atos administrativos, garantindo, dessa forma, uma atuação mais transparente por parte do Poder Público. FIGURA 27 – PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE FONTE: Campos (2019, p. 35) As inalidades deste princípio são: QUADRO 9 – FINALIDADES DO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE externar a vontade administrativa por meio da publicidade que o Poder Público demonstra à sociedade as suas vontades e necessidades. Exemplo: divulgação no Diário Oicial do edital de abertura de uma licitação para a aquisição de novos computadores; dar transparência a atuação pública deve ser clara para todos. Sendo assim, a publicidade garante que os atos administrativos possam ser controlados tanto pela sociedade quando pelos Poderes do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário), até porque, quanto maior a divulgação (transparência). mais fácil será fazer a iscalização; TÓPICO 2 — DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL E DIREITO PENAL 99 dar eicácia aos atos antes mesmo de o ato se tornar público, ele já pode existir e ser válido; entretanto, a produção de efeitos ica condicionada à divulgação dele. Por exemplo, se em um processo administrativo se determinou a interdiçãode um estabelecimento, tal medida só poderá ser realizada depois da devida divulgação da decisão; dar início à contagem dos prazos imagine que determinado particular tenha estacionado o seu carro em um local proibido. A Administração o notiicará para que possa apresentar a sua defesa. Entretanto, o prazo para a interposição do recurso só começará a correr a partir da devida cientiicação do motorista; facilitar o controle o controle nada mais é do que uma iscalização que deve existir em relação aos atos estatais. Imagine, por exemplo, se todas as práticas administrativas fossem sigilosas. Ficaria muito difícil controlar a atuação do Estado. Sendo assim, a publicidade é imprescindível para que possa existir o controle, externo e interno, dos atos públicos. FONTE: Campos (2019, p. 36) Proíbe, pois, este princípio, como regra geral, uma atuação da administração pública que não permita o conhecimento pela coletividade de seus atos. Ao contrário, exige, assim, que seja possível o acompanhamento e a iscalização dos atos dos entes públicos pela sociedade. Art. 5º, X, CF/1988 – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Art. 5º, XXXIII, CF/1988 – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Art. 5º, LX, CF/1988 – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem (CAMPOS, 2019, p. 37). IMPORTA NTE 100 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO FIGURA 28 - PUBLICIDADE FONTE: Campos (2019, p. 37) 2.2.5 Princípio da eficiência Este princípio estabelece que não basta o administrador praticar o ato de acordo com os princípios antes estudados, mas devem praticá-lo com eiciência, o que signiica dizer economia do dinheiro público e resultados mais efetivos. FIGURA 29 – PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA FONTE: Campos (2019, p. 40) Os principais escopos do princípio da eiciência são “a busca por: presteza, alto rendimento funcional, qualidade, rapidez e redução de desperdícios, lembrando que esses pontos devem ser analisados tanto de forma interna quanto externa, tanto na visão do administrador quanto da Administração” (CAMPOS, 2019, p. 40). Exige-se não apenas cumprimento da lei, mas atos capazes de realizar as necessidades dos administrados. TÓPICO 2 — DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL E DIREITO PENAL 101 3 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS O contrato é um negócio jurídico realizado por duas ou mais pessoas e nasce da junção destas “vontades”, chamado consentimento. Para a validade deste negócio jurídico, são necessários: agente capaz, forma prescrita ou não defesa em lei e objeto lícito, conforme exige o art. 104 do Código Civil. Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I- agente capaz; II- objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III- forma prescrita ou não defesa em lei (BRASIL, 2002, grifo nosso). Segundo Campos (2019), os contratos administrativos decorrem de um ajuste irmado entre a Administração e um particular, ou apenas entre entes administrativos, e buscam a realização de serviços e atividades de interesse coletivo, logo, devem ser submetidos ao regime jurídico administrativo (direito público). Neste sentido, temos a Lei nº 8.666/1993: Art. 2º, parágrafo único. Para os ins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada (BRASIL, 1993). Desse conceito abordado por Campos (2019), podemos elencar algumas características do contrato administrativo: FIGURA 30 – CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO ADMINISTRATIVO FONTE: Adaptada de Campos (2019) 102 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO “Todos os ajustes bilaterais formalizados pelo Poder Público são considerados contratos da Administração, abarcando estes os acordos irmados sob as regras de direito público e de direito privado” (CAMPOS, 2019, p. 601). Por exemplo, tanto um contrato de locação (regime: privado) quanto uma concessão para prestação de serviços públicos (regime: público) serão considerados contratos da Administração, independentemente da diferenciação de regimes. Para Campos (2019) os contratos administrativos incluem apenas os pactos irmados sobre a proteção do princípio da supremacia do interesse público, ou seja, aqueles em que o Estado usa de sua posição de superioridade em busca da satisfação do bem comum. Sendo assim, deverá esse pacto seguir o regime jurídico administrativo, ou seja, usar as regras de direito público, aplicando-lhes o regime privado apenas de forma supletiva (art. 54, Lei nº 8.666/1993). “Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado” (BRASIL, 1993). FIGURA 31 – CONTRATOS ADMINISTRATIVOS E CONTRATOS DA ADMINISTRAÇÃO FONTE: Campos (2019, p. 602) Nesse sentido, regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. A doutrina sugere algumas características comuns aos contratos administrativos. Elencamos as principais no Quadro 10: TÓPICO 2 — DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL E DIREITO PENAL 103 QUADRO 10 – CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO ADMINISTRATIVO Bilateralidade é uma característica presente em todos os contratos, sejam eles de direito público ou privado, pois, se o Poder Público produzisse o comando de forma unilateral, estaríamos diante de um ato administrativo e não de um contrato. Consensualidade os contratos decorrem de uma manifestação de vontade. Assim, o particular possui liberdade para formalizar a relação com o Estado ou não. De ades̃o o contrato administrativo será redigido pelo Poder Público, cabendo ao particular apenas aceitar os termos ou não. Em outras palavras, uma das partes (Administração) faz o contrato e a outra (particular) apenas assina. Onerosidade o contratado deve receber pelo serviço ofertado. Sendo assim, caberá à administração pagar pela atividade executada. Presença da administraç̃o logicamente, se estamos diante de um contrato administrativo, é imprescindível a participação do Poder Público na relação avençada, pois, caso não exista a presença do Estado em pelo menos um dos polos da relação contratual, estaremos diante de um contrato privado, regido pelo Direito Civil e não pelo Direito Administrativo. Regime público em virtude de a administração representar a busca pela satisfação do interesse coletivo, as regras contratuais devem ser pautadas pelo regime publicístico (Direito Administrativo), usando-se apenas de forma supletiva as regras do Direito Civil (regime: privado). Desigualdade entre as partes como decorrência da característica vista acima, as partes que irmam um contrato administrativo se encontram em desigualdade, pois a Administração vai atuar em posição de supremacia em relação ao particular contratado. Logo, enquanto nos contratos privados a relação é estritamente horizontal, nos contratos administrativos o vínculo é vertical, ou seja, a Administração encontra-se em patamar de superioridade em relação ao contratado. 104 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO Cláusulas exorbitantes ainda como decorrência da supremacia, a Administração possuirá algumas prerrogativas contratuais que lhe ofertarão benefícios não extensíveis ao contratado, tais como a possibilidade de modiicar unilateralmenteos termos contratuais. Pela relevância do tema, veremos esse assunto em tópico separado um pouco mais adiante. Comutatividade as partes devem possuir o conhecimento prévio das obrigações e direitos decorrentes da relação contratual. Sinalagmático as partes possuem obrigações recíprocas. Por exemplo, o contratado realiza uma obra e a Administração paga pelo serviço prestado. Personalíssimo em respeito ao princípio da licitação (art. 37, XXI, CF), a Administração deverá assinar o contrato com o vencedor do certame ou, no caso de desistência deste, com os outros concorrentes, respeitada a ordem de classiicação. Formalidade Lei 8.666/1993: Art. 55. S̃o cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam: busca regularidade e transparência. A Lei 8.666/1993 estabelece vários requisitos que são necessários à formalização do contrato. I- o objeto e seus elementos característicos; II- o regime de execução ou a forma de fornecimento; III- o preço e as condições de pagamento, os critérios, data- base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento; IV- os prazos de início de etapas de execução, de conclusão, de entrega, de observação e de recebimento deinitivo, conforme o caso; V- o crédito pelo qual correrá a despesa, com a indicação da classiicação funcional programática e da categoria econômica; VI- as garantias oferecidas para assegurar sua plena execução, quando exigidas; VII- os direitos e as responsabilidades das partes, as penalidades cabíveis e os valores das multas; VIII- os casos de rescisão; IX- o reconhecimento dos direitos da Administração, em caso de rescisão administrativa prevista no art. 77 desta Lei; X- as condições de importação, a data e a taxa de câmbio para conversão, quando for o caso; XI- a vinculação TÓPICO 2 — DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL E DIREITO PENAL 105 ao edital de licitação ou ao termo que a dispensou ou a inexigiu, ao convite e à proposta do licitante vencedor; XII- a legislação aplicável à execução do contrato e especialmente aos casos omissos; XIII- a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualiicação exigidas na licitação. FONTE: Adaptado de Campos (2019) Diante dos conceitos e características constatamos que o contrato administrativo, em regra, é regido pelo Direito Público (Direito Administrativo). 4 DIREITO PROCESSUAL O Direito Processual é o ramo do Direito Público que regulamenta a forma que as ações judiciais se desenvolverão no Judiciário. Traz as regras que chamamos de “direito formal”, enquanto o Direito Civil, por exemplo, traz as regras de “direito material”. Para entendermos este sistema, podemos visualizar o direito material como sendo “o jogo”, enquanto o direito processual traz “as regras do jogo”. Podemos airmar que, a partir do momento que surge um conlito de interesses entre duas pessoas, temos uma lide e a pessoa que sofreu a lesão ou ameaça de lesão tem garantido o seu direito de levar essa lide ao Poder Judiciário, o que acarreta no surgimento de uma demanda que possibilita o acesso ao Poder Judiciário. Assim, tomemos como exemplo o direito de propriedade. Enquanto o direito civil estabelece como se origina e se extingue este direito, o Direito Processual Civil determinará como se deve proceder para retomá-lo. O Direito Processual é dividido em três grandes ramos: FIGURA 32 – RAMOS DO DIREITO PROCESSUAL FONTE: A autora 106 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO Direito Processual Civil, Direito Processual Penal e Direito Processual do Trabalho, correspondem a cada uma das áreas do Direito Material. No desempenho das suas funções, o Estado regula as relações entre as pessoas através de duas funções diferentes, mas que possuem íntima relação, quais sejam, a legislação e a jurisdição. Neste sentido, podemos observar não basta apenas para o Estado elaborar normas para regular a sociedade, mas também deve oferecer condições para que elas sejam aplicadas de forma justa e respeitando as particularidades presentes em cada meio social. Através do exercício da função legislativa, o Estado estabelece as normas que devem regular as mais variadas relações. Através dessas normas, é estabelecido o que é lícito e ilícito, atribuem-se direitos, poderes, deveres, sendo que essas normas possuem caráter abstrato e genérico, ou seja, são aplicáveis a todas as pessoas e a todos os fatos que se enquadrem nas previsões. Já no exercício da atividade jurisdicional, o Estado visa à concretização das normas elaboradas pela legislação, ou seja, a atuação concreta do comando da lei. Signiica dizer que, quando uma norma que rege a vida em sociedade é violada e o lesado se socorre da atividade jurisdicional, o Estado-Juiz, no exercício da função, irá aplicar a norma ao caso concerto para restabelecer a situação anterior à violação da norma, com a inalidade de fazer prevalecer o direito positivado. Tanto o Direito Material quanto o Direito Processual são frutos da atividade legislativa, uma vez que, em regra, decorrem de leis que emanam do Poder Legislativo. Porém existe importante diferença entre eles. Podemos airmar que o Direito material é o conjunto de normas que regulam a vida entre as pessoas em sociedade, isto é, normas que disciplinam relações jurídicas sobre bens e utilidades da vida (Direito Civil, Direito Penal, Direito do Trabalho, Direito Empresarial, Direito Tributário). Por outro lado, o Direito Processual é o corpo de normas e princípios que irão reger a forma e o método de trabalho pelo qual a jurisdição será exercida. Signiica dizer que o Direito processual é composto pelo conjunto de normas e princípios que regulam a atuação do Estado-Juiz, demandante e demandado em um processo. Portanto, o Direito Processual não regula a vida em sociedade, mas sim, a atividade jurisdicional e atuação das partes em um processo. Importante você saber que temos o Direito Processual Civil, O Direito Processual Penal e o Direito Processual do Trabalho. No desempenho das suas funções, o Estado regula as relações entre as pessoas através de duas funções diferentes, mas que possuem íntima relação, quais sejam, a legislação e a jurisdição. TÓPICO 2 — DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL E DIREITO PENAL 107 Através do exercício da função legislativa, o Estado estabelece as normas que devem regular as mais variadas relações. Através dessas normas, é estabelecido o que é lícito e ilícito, atribuem- se direitos, poderes, deveres, sendo que essas normas possuem caráter abstrato e genérico, ou seja, são aplicáveis a todas as pessoas e a todos os fatos que se enquadrem nas previsões. Já no exercício da atividade jurisdicional, o Estado visa à concretização das normas elaboradas pela legislação, ou seja, a atuação concreta do comando da lei. Signiica dizer que, quando uma norma que rege a vida em sociedade é violada e o lesado se socorre da atividade jurisdicional, o Estado-Juiz, no exercício da função, irá aplicar a norma ao caso concerto para restabelecer a situação anterior à violação da norma, com a inalidade de fazer prevalecer o direito positivado. O Código de Processo Civil, Lei nº 5.869/73, é a lei que serve de instrumento para o Direito Processual Civil. Já as regras de direito processual do trabalho estão na Consolidação das Leis do Trabalho, (Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943) conhecida como “CLT”, e subsidiariamente utiliza-se o CPC. 5 DIREITO PENAL O Direito Penal é deinido como o ramo do Direito Público composto por um conjunto de normas jurídicas que regulam o poder punitivo do Estado. Ocupa-se em estudar: os valores fundamentais sobre os quais se assentam as bases de convivência social (bens jurídicos), os fatos e/ou condutas que os violam e as normas jurídicas (princípios eregras jurídicas) destinadas a proteger e garantir tais valores através da imposição de penas e medidas de segurança. O Código de Processo Penal (Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941) é o instrumento que traz as disposições relativas ao processo penal. ATENCA O 108 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO 5.1 CONCEITO E FUNÇÃO O direito penal corresponde ao conjunto de normas disciplinadoras da vida em sociedade, tutelando os bens jurídicos mais relevantes, sob ameaça de aplicação da pena, sanção mais grave existente no ordenamento. “Serve, ainda, para limitar o poder punitivo estatal por meio da ixação de tipos penais e do princípio da legalidade” (NUCCI, 2019a, p. 34). “Toda ação ou omissão consciente e voluntária, que, estando previamente deinida em lei, cria um risco juridicamente proibido e relevante a bens jurídicos considerados fundamentais para a paz e convívio social” (LENZA, 2012, p. 265). “Diferenciando-se dos demais direitos, se caracterizando pelo seu valor coercitivo, representa a máxima sanção de todo ordenamento jurídico. Em suma, o direito penal é uma proposta de paz” (NUCCI, 2019b, p. 1). Neste sentido, o direito penal busca a proteção dos bens como a vida, o patrimônio, os costumes, a paz social etc. Uma vez atingidos esses bens jurídicos, o infrator icará sujeito às sanções previstas na própria legislação penal (penas ou medidas de segurança). 5.2 DIVISÃO DO DIREITO PENAL O Direito Penal é regulamentado pelo Código Penal – Decreto-Lei nº 2.848/1940 – o qual é composto de uma parte geral (art. 1º ao 121) e de uma parte especial (art. 121 ao 361). A parte especial traz os crimes divididos de acordo com o bem jurídico tutelado (ex.: crimes contra a vida, crimes contra o patrimônio etc.). • Sendo ramo do Direito Público, o Direito Penal tutela valores que interessam à coletividade e são indisponíveis. Portanto, não pode o sujeito particular ofendido dispor da ação penal, desistindo ou mesmo perdoando o autor de um delito. • Possui caráter primário ou constitutivo (não acessório) e autônomo e não meramente • sancionatório. • É de caráter positivo, sendo sua principal fonte o jus positum – Direito positivo. • É valorativo e imperativo, ou seja, valora condutas e imp̃e ao agente a obrigação de fazer ou deixar de fazer algo. • É sancionatório, porque reage com uma sanção, pena, àquele que violou o preceito legal. DICAS TÓPICO 2 — DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL E DIREITO PENAL 109 FIGURA 33 – DIVISÃO DO DIREITO PENAL FONTE: A autora Ainda é parte do Direito Penal a legislação extravagante, tais como a Lei de Entorpecentes, a Lei Maria da Penha, a Lei de Execução Penal, entre outras. 5.3 FATO TÍPICO – CRIME E CONTRAVENÇÃO Segundo Nucci (2019a), o direito penal estabelece a diferença entre crime e contravenção penal, espécies de infração penal. Os crimes sujeitam seus autores a penas de reclusão ou detenção, enquanto as contravenções, no máximo, implicam em prisão simples. Podemos dizer que o direito penal possui as seguintes características: QUADRO 11 – CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL Crime é a conduta ilícita que a sociedade considera mais grave, merecendo, pois, a aplicação da pena, devidamente prevista em lei, constituindo um fato típico, antijurídico e culpável. Sujeito ativo é a pessoa que pratica a conduta típica Sujeito passivo é o titular do bem diretamente lesado pelo delito (sujeito eventual ou material) ou o titular do direito de punir (sujeito constante ou formal), que é o Estado. Objeto material é a coisa, pessoa ou interesse que sofre diretamente a conduta criminosa. Objeto jurídico é o interesse protegido pela norma penal incriminadora. Classiicação de crimes é a organização dos delitos em diversas categorias, com a inalidade de proporcionar melhor estudo e aplicação de cada um dos tipos penais incriminadores, ora levando em consideração o momento consumativo, ora o sujeito ativo capaz de cometer a infração penal, dentre outros fatores. FONTE: Adaptado de Nucci (2019a) 110 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO Para Nucci (2019b) o crime é uma conduta típica, antijurídica e culpável, vale dizer, uma ação ou omissão ajustada a um modelo legal de conduta proibida (tipicidade), contrária ao direito (antijuridicidade) e sujeita a um juízo de reprovação social incidente sobre o fato e seu autor, desde que existam imputabilidade, consciência potencial de ilicitude e exigibilidade e possibilidade de agir conforme o direito. Crime é um fenômeno que pode ser conceituado desde distintas concepções e categorias uma vez que crime, criminalidade e criminalização são questões complexas. De acordo com a doutrina o crime pode ser: QUADRO 12 – CARACTERÍSTICAS DO CRIME Conceito material É a concepção da sociedade sobre o que pode e deve ser proibido, mediante a aplicação de sanção penal. Conceito formal É a concepção do direito acerca do delito, constituindo a conduta proibida por lei, sob ameaça de aplicação de pena, numa visão legislativa do fenômeno. Cuida-se, na realidade, de fruto do conceito material, devidamente formalizado. Conceito analítico Trata-se de uma conduta típica, antijurídica e culpável, vale dizer, uma ação ou omissão ajustada a um modelo legal de conduta proibida (tipicidade), contrária ao direito (antijuridicidade) e sujeita a um juízo de reprovação social incidente sobre o fato e seu autor, desde que existam imputabilidade, consciência potencial de ilicitude e exigibilidade e possibilidade de agir conforme o direito. FONTE: Adaptado de Nucci (2019b) FIGURA 34 – FATOS DO CRIME FONTE: Nucci (2019a, p.144) TÓPICO 2 — DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL E DIREITO PENAL 111 FIGURA 35 – ESTRUTURA DO CRIME FONTE: Nucci (2019a, p.144) Fato Típico é a conduta humana que se “molda” perfeitamente aos elementos previstos na lei penal. Portanto, a característica de um crime é ser um fato típico. Ação ou omissão descrita na lei penal. A tipicidade é o trabalho do jurista que analisa a conduta em suas múltiplas faces de modo a veriicar, com absoluta certeza a relação iel, perfeita e absoluta entre a conduta e o tipo penal existente. Esse raciocínio é o que se chama “relação de tipicidade”. 5.4 DOLO E CULPA Nas doutrinas clássicas dolo é deinido como consciência – previsão – e vontade do fato conhecido como contrário ao dever. O conceito de dolo é pressuposto necessário para a deinição de crime doloso. Para Fernando Capez (2010, p. 153) dolo “é a vontade e a consciência de realizar os elementos constantes do tipo legal. Mais amplamente, é a vontade manifestada pela pessoa humana de realizar a conduta”. Como regra geral, os crimes são sempre dolosos. Porém, desde tal airmativa não se deve considerar como culpa o que, na realidade, é dolo e vice- versa, uma vez que são distintas as punições para esses crimes. Como preleciona Damásio E. de Jesus (2016, p. 290): O dolo deve abranger os elementos da igura típica. Assim, para que se possa dizer que o sujeito agiu dolosamente, é necessário que seu elemento subjetivo tenha – se estendido às elementares e às circunstâncias do delito. Toda igura típica contém uma série de elementos que, relacionados com a conduta culpável do agente, ensejam a aplicação da pena. 112 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO São dois os elementos que devemos considerar como importantes: a vontade livre (elemento volitivo de realizar esse fato) e a consciência (conhecimento do fato-que constitui a ação típica). “Culpa”, considerado como elemento do tipo, signiica, penalmente, a inobservância do dever de diligência, de cuidado objetivo. Na vida social há a obrigação de não produzir danos a terceiros, sendo, portanto, típica a conduta que não é de acordo com o que é de se esperar de alguém, em determinada circunstância, dotado da capacidade de discernimento e prudência. As formas de culpa encontram-se descritas no art. 18, II do Código Penal. A ação culposa ocorre em três tipos de conduta: negligência,imprudência e imperícia. Veja o conceito de cada uma das modalidades no Quadro 13: QUADRO 13 – TIPOS DE CONDUTA Imprudência é a prática de um fato perigoso. Negligência é a ausência de precaução, cuidado ou indiferença em relação ao ato praticado. Imperícia é a fata de aptidão para o exercício de uma atividade ou proissão. FONTE: A autora FIGURA 36 – TIPOS DE CONDUTA FONTE: <https://pensadorh.iles.wordpress.com/2016/04/tipos-de-erro.png?w=364&h=307>. Acesso em: 20 ago. 2020. Por isso, podemos dizer que há crime culposo quando o agente deu causa ao resultado por negligência, imprudência ou imperícia. Do que estudamos até agora, podemos visualizar o seguinte: TÓPICO 2 — DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL E DIREITO PENAL 113 FIGURA 37 – CRIMES CULPOSO E DOLOSO FONTE: A autora FIGURA – DIFERENÇA DE DOLO E CULPA FONTE: <https://direitodetodos.com.br/wp-content/uploads/2013/07/Dolo-e-culpa- -300x251.jpg>. Acesso em: 20 ago. 2020. NOTA 114 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO 5.4.1 Causas excludentes da antijuridicidade Como vimos anteriormente, a antijuridicidade é a prática de um ato contrário à lei, sem que haja uma justiicativa para tanto. O ato pode ser antijurídico (ex.: matar alguém), mas haver uma justiicativa (ex.: legítima defesa). Neste item, vamos conhecer cada uma das causas que excluem a antijuridicidade, também chamada ilicitude de um ato típico. São causas excludentes de antijuridicidade: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito. Vamos conhecer cada uma delas? As excludentes de ilicitude podem ser divididas da seguinte forma: QUADRO 14 – EXCLUDENTES DE ILICITUDE as previstas na Parte Geral do Código Penal e válidas, portanto, para todas as condutas típicas estabelecidas na Parte Especial ou em leis penais especiais: a.1) estado de necessidade (arts. 23, I, e 24); a.2) legítima defesa (arts. 23, II, e 25); a.3) estrito cumprimento do dever legal (art. 23, III); a.4) exercício regular de direito (art. 23, III); as previstas na Parte Especial do Código Penal e válidas, apenas, para alguns delitos. Exemplo: aborto necessário (art. 128, I, CP); as previstas em legislação extrapenal. É interessante destacar que essas excludentes podem constituir modalidades especíicas de estado de necessidade, legítima defesa, cumprimento de dever ou exercício de direito, mas que se voltam a situações peculiares, descritas em leis não penais. Se não existissem, seria possível que o crime se concretizasse, pois a excludente penal não seria cabível ao caso. Exemplo disso é a legítima defesa prevista no Código Civil (art. 1.210, § 1º); consentimento do ofendido, que é excludente supralegal (não prevista expressamente em lei), consistente no desinteresse da vítima em fazer valer a proteção legal ao bem jurídico que lhe pertence. O dever legal é o resultante de lei, considerada esta em seu sentido lato. Entretanto, deve-se ampliar o sentido da expressão para abranger também o dever jurídico, aquele que advém de outras relações previstas no ordenamento jurídico, como o contrato de trabalho ou mesmo a promessa feita pelo garantidor de uma situação qualquer. A abnegação em face do perigo só é exigível quando corresponde a um especial dever jurídico”. Por isso, tem o dever de enfrentar o perigo tanto o policial (dever advindo de lei), quanto o segurança particular contratado para a proteção do seu empregador (dever jurídico advindo do contrato de trabalho). FONTE: Adaptado de Nucci (2019b) TÓPICO 2 — DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL E DIREITO PENAL 115 5.4.2 Culpabilidade Havendo a conduta típica e antijurídica, para que tenha lugar a aplicação da pena, há necessidade de haver a culpabilidade. Assim, diante de um fato típico e antijurídico, veriicar-se-á a conduta do agente, sendo que a culpabilidade, segundo Nucci (2019b), se trata de um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato e seu autor, devendo o agente ser imputável, atuar com consciência potencial de ilicitude, bem como ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar de outro modo, seguindo as regras impostas pelo Direito. Ainda de acordo com Nucci (2019b) a culpabilidade pode ser: QUADRO 15 – TIPOS DE CULPABILIDADE Culpabilidade formal é a censurabilidade merecida pelo autor do fato típico e antijurídico, dentro dos critérios que a norteiam, isto é, se houver imputabilidade, consciência potencial da ilicitude e exigibilidade de atuação conforme o Direito. Formalmente, a culpabilidade é a fonte inspiradora do legislador para construir o tipo penal na parte sancionadora. Culpabilidade material é a censura realizada concretamente, visualizando- se o fato típico e antijurídico e conhecendo-se o seu autor, imputável, com consciência potencial do ilícito e que, valendo-se do seu livre-arbítrio, optou pelo injusto sem estar fundado em qualquer causa de exclusão da culpabilidade, por fatores de inexigibilidade de conduta diversa. Serve, então, a culpabilidade material a fundamentar a pena, auxiliando o juiz, na etapa seguinte, que é atingir o seu limite concreto. FONTE: Adaptado de Nucci (2019b) A seguir, estudaremos os elementos da culpabilidade. 5.4.3 Imputabilidade penal A Constituição Federal em seu artigo 228, preceitua que "são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeito às normas da legislação especial". A legislação especial referida trata-se do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, no qual se encontram prescritas medidas para sujeição de menores inimputáveis que incidam na prática delituosa à punição correspondente a sua situação biopsicossocial. Neste sentido: 116 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO É o conjunto das condições pessoais, envolvendo inteligência e vontade, que permite ao agente ter entendimento do caráter ilícito do fato, comportando-se de acordo com esse conhecimento. O binômio necessário para a formação das condições pessoais do imputável consiste em sanidade mental e maturidade (NUCCI, 2019b, p. 264). Ainda, segundo Nucci (2019b), se o indivíduo não possui aptidão para entender a diferença entre o certo e o errado, não poderá pautar-se por tal compreensão e terminará, vez ou outra, praticando um fato típico e antijurídico sem que possa, por isso, ser censurado, isto é, sem que possa sofrer juízo de culpabilidade. 5.4.4 Penas e medidas de segurança Segundo Nucci (2019b), pena é a sanção do Estado, valendo-se do devido processo legal, cuja inalidade é a repressão ao crime perpetrado e a prevenção a novos delitos, objetivando reeducar o delinquente, retirá-lo do convívio social enquanto for necessário, bem como reairmar os valores protegidos pelo Direito Penal e intimidar a sociedade para que o crime seja evitado. Presentes os requisitos que coniguram o crime (fato típico e antijurídico) e ainda a culpabilidade, terá lugar a aplicação da penalidade respectiva. De uma forma bem didática, podemos dizer que são três as espécies de penas: privativas de liberdade, restritivas de direitos e multa, que serão aplicadas conforme a gravidade do crime. Conforme o Quadro 16: QUADRO 16 – TIPOS DE PENAS Penas privativas de liberdade reclusão, detenção e prisão simples. As duas primei- ras constituem decorrência da prática de crimes e a terceira é aplicada às contravenções penais. Penas restritivas de direitos prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária de direitos, limitação de im de semana, prestação pecuniária e perda de bens e valores. Pena pecuniária é a multa. FONTE: Adaptado de Nucci (2019b) Como regra geral, apenas as pessoas físicas (seres humanos) podem ser sujeitos ativos dos crimes. Como exceção a esta regra, temos a legislação ambiental, que prevê a responsabilização penal da pessoa jurídica (Lei nº 9.605/98). IMPORTA NTE TÓPICO 2 — DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL E DIREITO PENAL 117 Existem três espécies de penas privativas de liberdade– reclusão, detenção e prisão simples – que, na realidade, poderiam ser uniicadas sob a denominação de pena de prisão. A pena de prisão simples é a destinada às contravenções penais, signiicando que não pode ser cumprida em regime fechado, comportando apenas os regimes semiaberto e aberto. Além disso, não se pode inserir o contraventor condenado no mesmo lugar onde se encontrem os criminosos. QUADRO 17 – DIFERENÇA DE RECLUSÃO E DETENÇÃO RECLUSÃO DETENÇÃO É cumprida inicialmente nos regimes fechado, semiaberto ou aberto. somente pode ter início no regime semiaberto ou aberto (art. 33, caput, CP). Pode acarretar como efeito da condenação a incapacidade para o exercício do pátrio poder (atualmente, denominado, pelo Código Civil, poder familiar), tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos a esse tipo de pena, cometidos contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar, ilho, ilha ou outro descendente ou tutelado ou curatelado (art. 92, II, CP). permite a aplicação do regime de tratamento ambulatorial (art. 97, CP). Propicia a internação nos casos de medida de segurança. é reservada para os mais leves, motivo pelo qual, no instante de criação do tipo penal incriminador, o legislador sinaliza à sociedade a gravidade do delito. É cumprida em primeiro lugar (art. 69, caput, CP). É prevista para crimes mais graves. FONTE: Adaptado de Nucci (2019b) No Código Penal (art. 43), encontramos cinco modalidades: a) prestação pecuniária; b) perda de bens e valores; c) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; d) interdição temporária de direitos; e) limitação de im de semana (BRASIL, 1940). 118 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO QUADRO 18 – MODALIDADES DE PRESTAÇÕES Prestaç̃o pecuniária consiste no pagamento em dinheiro feito à vítima e seus dependentes ou a entidade pública ou privada, com destinação social, de uma importância ixada pelo juiz, não inferior a um salário mínimo nem superior a 360 salários mínimos. Perda de bens e valores consiste na transferência, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, de bens e valores adquiridos licitamente pelo condenado, integrantes do seu patrimônio, tendo como teto o montante do prejuízo causado ou o proveito obtido pelo agente ou terceiro com a prática do crime, o que for maior. Prestaç̃o de serviços à comunidade ou a entidades públicas é a atribuição de tarefas gratuitas ao condenado junto a entidades assistenciais, hospitais, orfanatos e outros estabelecimentos similares, em programas comunitários ou estatais. Interdiç̃o temporária de direitos é a mais autêntica pena restritiva de direitos, pois tem por inalidade impedir o exercício de determinada função ou atividade por um período determinado, como forma de punir o agente de crime relacionado à referida função ou atividade proibida, frequentar determinados lugares ou inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos. Limitação de im de semana consiste na obrigação do condenado de permanecer, aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em Casa do Albergado ou lugar adequado, a im de participar de cursos e ouvir palestras, bem como desenvolver atividades educativas. FONTE: Adaptado de Nucci (2019a) 5.4.5 Ações penais As ações penais são os meios através dos quais o Estado realizará a persecução penal. De uma forma geral, as ações penais são de duas espécies: públicas ou privadas. Na maioria dos crimes, as ações penais são públicas, ou seja, quem inicia a ação penal é o Ministério Público, representado pelo Promotor de Justiça, que oferece a denúncia independentemente da vontade do ofendido. A este tipo de ação damos o nome de ação penal pública incondicionada. Há casos, porém, em que a ação penal é pública, mas depende de iniciativa do ofendido para que possa ser iniciada. A esta iniciativa, dá-se o nome de “representação”. Exemplos: TÓPICO 2 — DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL E DIREITO PENAL 119 exemplos? Sim, claro! Perigo de contágio venéreo (art. 130), ameaça (art. 147), violação de correspondência comercial (art. 152), divulgação de segredo (art. 153), furto de coisa comum (art. 156) e o Estupro – sim, o estupro é ação penal condicionada quando não for qualiicado (BRASIL, 1940). Já as ações privadas são aquelas em que o início da ação penal somente ocorre mediante a iniciativa do ofendido, que ocorre através da “queixa-crime”. São exemplos de crimes que somente terão a ação penal iniciada mediante queixa crime: a calúnia, a injúria e a difamação. 5.4.6 Crimes contra o patrimônio Na parte especial do Código Penal, existem crimes que protegem os principais bens jurídicos, a vida, o patrimônio, a paz social etc. Para nossa disciplina, será suiciente conhecermos os crimes contra o patrimônio, previstos do art. 155 ao art. 183 do CP, conhecendo os tipos legais, com suas características principais e as penas a ele cominadas os quais constam do quadro abaixo (os arts. 181 a 183 do CP não constam do quadro por trazerem disposições relativas à ação penal): QUADRO 19 – CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO Tipo Legal Características Furto Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Furto de coisa comum Art. 156 – Subtrair o condômino, co-herdeiro ou sócio, para si ou para outrem, a quem legitimamente a detém, a coisa comum: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa. Intenção de permanecer com o bem (furto de uso não é crime). Existem as formas qualiicadas, que aumentam a pena, tais como a utilização de chave falsa ou se o crime é praticado durante o repouso noturno. Roubo Art. 157 – Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa. Semelhante ao furto, o roubo dele se diferencia em razão do emprego de violência. Também existe a forma qualiicada, a exemplo do emprego de arma ou a violência ser cometida por mais de uma pessoa. 120 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO Extors̃o Art. 158 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa. Extors̃o mediante sequestro Art. 159 – Sequestrar pessoa com o im de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. Na extorsão, pretende especiicamente a obtenção de indevida vantagem econômica (JESUS, 2006, p. 605). Na extorsão mediante sequestro, não há apenas a violência ou grave ameaça como no artigo anterior, mas há também um crime contra a liberdade de locomoção. Trata-se de crime hediondo (Lei nº 8.072/90). Extors̃o indireta Art. 160 – Exigir ou receber, como garantia de dívida, abusando da situação de alguém, documento que pode dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Não há necessidade de recebimento efetivo do documento, apenas a exigência é suiciente para conigurar o crime. Alteraç̃o de limites Art. 161 – Suprimir ou deslocar tapume, marco, ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia: Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, e multa. § 1º- Na mesma pena incorre quem: Usurpação de águas I - desvia ou represa, em proveito próprio ou de outrem, águas alheias; Esbulho possessório II- invade, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio, para o im de esbulho possessório. § 2º- Se o agente usa de violência, incorre também na pena a esta cominada. § 3º- Se a propriedadeé particular, e não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa. Este delito tem como objeto jurídico a posse e a propriedade. Só pratica este crime o proprietário do prédio vizinho àquele em que se alteram os limites (JESUS, 2006, p. 614). Além do tipo previsto no caput (cabeça) do artigo, os parágrafos preveem outras hipóteses que também se consideram como alteração dos limites. TÓPICO 2 — DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL E DIREITO PENAL 121 Supress̃o ou alteraç̃o de marca em animais Art. 162 – Suprimir ou alterar, indevidamente, em gado ou rebanho alheio, marca ou sinal indicativo de propriedade: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa. Dano Art. 163 – Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia: Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa. Este artigo trata do crime de dano, inclusive o proprietário de coisa comum. Existe também a forma qualiicada, quando o dano, por exemplo, for praticado contra bem de propriedade da União. Introduç̃o ou abandono de animais em propriedade alheia Art. 164 – Introduzir ou deixar animais em propriedade alheia, sem consentimento de quem de direito, desde que o fato resulte prejuízo: Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, ou multa. Dano em coisa de valor artístico, arqueológico ou histórico Art. 165 – Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa tombada pela autoridade competente em virtude de valor artístico, arqueológico ou histórico: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa Interessante que até mesmo o proprietário poderá ser sujeito ativo neste crime, uma vez que o objeto jurídico é o patrimônio histórico protegido. Alteraç̃o de local especialmente protegido Art. 166 - Alterar, sem licença da autoridade competente, o aspecto de local especialmente protegido por lei: Pena – detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa. Apropriaç̃o indébita Art. 168 – Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Apropriação indébita previdenciária Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa Neste crime, o agente apropria-se de bem móvel de que tem a posse ou detenção. Ex.: Caixa que se apropria de dinheiro do banco. Também existe a forma qualiicada. 122 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO Apropriaç̃o de coisa havida por erro, caso fortuito ou força da natureza Art. 169 – Apropriar-se alguém de coisa alheia vinda ao seu poder por erro, caso fortuito ou força da natureza: Pena - detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa. Parágrafo único – Na mesma pena incorre: Apropriação de tesouro I - quem acha tesouro em prédio alheio e se apropria, no todo ou em parte, da quota a que tem direito o proprietário do prédio; Apropriação de coisa achada II – quem acha coisa alheia perdida e dela se apropria, total ou parcialmente, deixando de restituí- la ao dono ou legítimo possuidor ou de entregá-la à autoridade competente, dentro no prazo de 15 (quinze) dias. Estelionato e outras fraudes Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa. Duplicata simulada Art. 172 – Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado. Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único – Nas mesmas penas incorrerá aquele que falsiicar ou adulterar a escrituração do Livro de Registro de Duplicatas. Abuso de incapazes Art. 173 – Abusar, em proveito próprio ou alheio, de necessidade, paixão ou inexperiência de menor, ou da alienação ou debilidade mental de outrem, induzindo qualquer deles à prática de ato suscetível de produzir efeito jurídico, em prejuízo próprio ou de terceiro: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. No estelionato, o agente busca obter indevidamente vantagem, induzindo uma pessoa ao erro. Também são formas de estelionato, a ele equiparados: a disposição de coisa alheia como própria; a alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria, a defraudação de penhor, a fraude na entrega de coisa, a fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro; a fraude no pagamento por meio de cheque. O Crime também pode ser qualiicado, nos casos previstos no 3º. Este crime é o que conhecemos como “duplicata fria”. Toda duplicata, necessária e obrigatoriamente, deverá ser emitida a partir de uma nota iscal ou fatura, motivo pelo qual se chama este título de crédito de título causal. FONTE: Adaptado de Brasil (1940) TÓPICO 2 — DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL E DIREITO PENAL 123 Os Crimes contra o patrimônio estão previstos no Título II do Código Penal, é importante lembrarmos que é considerado crime contra o patrimônio toda ação que atente contra bens de uma pessoa ou organização. Desse modo, é objeto do crime qualquer coisa que tenha valor patrimonial. Devido à complexidade do tema, recomenda-se a leitura de todos os capítulos que tratam dos crimes contra o patrimônio, os quais seguem dispostos no Código Penal, do artigo 155 até o artigo 180-A. DICAS 124 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • O Direito Penal “corresponde ao conjunto de normas jurídicas que regulam os crimes e as contravenções penais”. • O crime é ato típico e antijurídico. • O crime pode ser doloso (intencional) ou culposo (não intencional). • Para que seja aplicada a sanção prevista em lei, será necessário que também esteja presente a culpabilidade. • As espécies de pena (privativa de liberdade, restritiva de direitos e multa), penas de detenção e reclusão e ainda medidas de segurança. • Os tipos de ação penal (pública condicionada e incondicionada e privada). • Os crimes contra o patrimônio são previstos na legislação penal. 125 1 O Direito Administrativo que traz as regras que disciplinam a atividade da Administração Pública. Com base nessa airmação, assinale a resposta CORRETA a respeito do conceito de atos administrativos. a) ( ) Ato administrativo é considerado como a declaração de vontade da Sociedade, nessa qualidade, exteriorizada por agente competente e no exercício de suas funções, visando a produção de efeitos jurídicos conformes ao interesse particular. b) ( ) Ato administrativo é considerado como a declaração de vontade do Povo, nessa qualidade, exteriorizada por agente competente e no exercício de suas funções, visando a produção de efeitos jurídicos conformes ao interesse coletivo. c) ( ) Ato administrativo é considerado como a declaração de vontade do Estado, nessa qualidade, exteriorizada por agente competente e no exercício de suas funções, visando a produção de efeitos jurídicos conformes ao interesse público. d) ( ) Ato administrativo é considerado como a declaração de vontade do Território, nessa qualidade, exteriorizada por agente competente e no exercício de suas funções, visando a produção de efeitos jurídicos conformes ao interesse privado. 2 A Administração Pública não poder agir indistintamente. Para isso a Constituição de 1988 prevê os limites a esta atuação são delineados por princípios. Com base nessa airmação, assinale a alternativa CORRETA a respeito do princípio administrativo da legalidade. a) ( ) Quando aplicado ao Direito Administrativo, impõe certos limites à atuação da Administração Pública, que, assim, não poderá agir em desconformidade com a lei, sob pena de coniguração de ato abusivo. b) ( ) Deverá o agente público ser neutro, imparcial em suas atuações, não devendo beneiciar ou prejudicar pessoas por uma simples relação de amizade ou inimizade,até porque a atuação pública deve ser objetiva e não subjetiva. c) ( ) Torna-se necessário que os atos administrativos sejam praticados com transparência, permitindo o conhecimento por todos (pela publicação, por exemplo, no Diário Oicial, ou comunicação) dos atos que estão sendo praticados pela Administração Pública. d) ( ) estabelece que não basta o administrador praticar o ato de acordo com os princípios antes estudados, mas devem praticá-lo com eiciência, o que signiica dizer economia do dinheiro público e resultados mais efetivos. AUTOATIVIDADE 126 3 O Direito Processual é o ramo do Direito Público que regulamenta a forma que as ações judiciais se desenvolverão no Judiciário. Com base nessa informação, assinale a alternativa CORRETA a respeito dos ramos do direito processual. a) ( ) Direito Processual Militar; Direito Processual Penal; Direito Processual do Trabalho. b) ( ) Direito Processual do Consumidor; Direito Processual Penal; Direito Processual do Trabalho. c) ( ) Direito Processual Internacional; Direito Processual Penal; Direito Processual do Trabalho. d) ( ) Direito Processual Civil; Direito Processual Penal; Direito Processual do Trabalho. 4 O Direito Penal é deinido como o ramo do Direito Público composto por um conjunto de normas jurídicas que regulam o poder punitivo do Estado. Com base nessa informação, disserte sobre a divisão do Direito Penal. 5 O direito penal corresponde ao conjunto de normas disciplinadoras da vida em sociedade, tutelando os bens jurídicos mais relevantes, sob ameaça de aplicação da pena, sanção mais grave existente no ordenamento. Com base nessa informação, disserte sobre os tipos de crime. 127 UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO A denominação de direito tributário está consagrada no direito brasileiro, sendo a expressão mais adequada, segundo o entendimento majoritário dos estudiosos do assunto. Para a compreensão do Direito Eleitoral em todos aspectos, é necessária a apresentação de seus conceitos. O Direito Eleitoral como Ramo do Direito Público, está diretamente ligado ao conceito de democracia e pode ser visto como um tema de interesse geral, direcionado a escolha dos ocupantes de cargos públicos, mediante o exercício do sufrágio. E por im, estudaremos sobre o Direito Militar ramo jurídico responsável pela legislação e normatização da atuação das forças armadas, como o Exército, a Polícia Militar, a Força Aérea, a Marinha e o Corpo de Bombeiros. 2 DIREITO TRIBUTÁRIO O conceito de tributo encontra-se descrito no artigo 3º do Código Tributário Nacional (Lei no 5.172/1966), o qual traduz que: “Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada” (BRASIL, 1966). O Direito Tributário estuda todas as normas que dizem respeito à arrecadação de tributos. Existem várias formas de tributo, especialmente: impostos, contribuições de melhoria e taxas. TÓPICO 3 — DIREITO TRIBUTÁRIO, DIREITO ELEITORAL E DIREITO MILITAR 128 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO FIGURA 38 – TRIBUTOS FONTE: A autora É a ocorrência do fato gerador que determinará a incidência do tributo. Assim, por exemplo, auferindo renda, o contribuinte pagará imposto de renda, adquirindo um carro, terá que pagar o IPVA e assim por diante. O Direito Tributário estudará, pois, tudo que se refere aos tributos, desde sua origem, fato gerador, o responsável pelo seu pagamento, qual a alíquota correspondente, a base de incidência e como se faz o recolhimento. Este ramo do Direito também especiica quem icará isento do pagamento, o que é elisão iscal etc. As regras do Direito Tributário estão especialmente previstas na Constituição da República e no Código Tributário Nacional. Também encontramos suas regras em diversas leis esparsas, como, por exemplo, a Lei n. 6.830/80, que trata da Execução Fiscal. A análise dos conceitos previamente apresentados permite identiicar alguns elementos fundamentais, isto é, núcleos conceituais que são úteis para formar uma compreensão mais detalhada do que é o Direito Tributário (MAZZA, 2018). Conira o Quadro 20: QUADRO 20 – ANÁLISE DO CONCEITO DE DIREITO TRIBUTÁRIO Atividade inanceira para obtenção de rendimentos Finalidade essencial á a captação de recursos para custeio do Estado. Limite do poder de tributar e proteç̃o do cidad̃o Regrar as atividades iscais estabelecendo restrições ao poder de cobrar tributos como forma de proteger os direitos do contribuinte. TÓPICO 3 — DIREITO TRIBUTÁRIO, DIREITO ELEITORAL E DIREITO MILITAR 129 Instituiç̃o e cobrança de tributos Estabelecer tributos, cobrança de tributos, iscalização do pagamento do tributo. Autônomo Ramo didaticamente autônomo, o direito em si, considerado como o conjunto de regras impostas pelo Estado. Disciplina jurídica de tributos O direito tributário constitui um ramo jurídico integralmente construído em torno de um único instituto: o tributo. FONTE: Adaptado de Mazza (2018) A partir das conceituações anteriores podemos dizer que o direito tributário é o ramo de direito público que estuda princípios e normas disciplinadoras do exercício das atividades de instituição, cobrança e iscalização de tributos. Desta forma quando o dinheiro do contribuinte ingressa nos cofres públicos, termina o direito tributário e começa o direito inanceiro (MAZZA, 2018). 3 DIREITO ELEITORAL O Direito Eleitoral brasileiro passou por muitas transformações no decorrer dos anos. Para melhor compreendermos toda sua evolução, apontaremos as principais modiicações que icaram marcadas por acontecimentos históricos e políticos com resultados que repercutem e se fazem presentes até hoje. Segundo Rizato Nunes (2003, p. 127), o Direito Eleitoral: compõe-se do conjunto das normas jurídicas que disciplinam a escolha dos membros do Poder Executivo e do Poder Legislativo. Essas normas estabelecem os critérios e condições para o eleitor votar, para alguém se candidatar, bem como as datas das eleições, as formas das apurações, o número de candidatos a serem eleitos, ixando as bases para a criação e funcionamento dos partidos políticos etc. Insta frisar que o Direito Eleitoral está diretamente ligado aos mecanismos que visam garantir a legitimidade do processo eleitoral, qual seja permitir que as eleições ocorram normalmente, em todas suas fases, viabilizando, dessa forma, o exercício da democracia. Para melhor conhecer esse direito, listaremos alguns conceitos de renomados autores. Direito Eleitoral é o ramo do Direito Público cujo objeto são os institutos, as normas e os procedimentos que regulam o exercício do direito fundamental de sufrágio com vistas à concretização da soberania popular, à validação da ocupação de cargos políticos e à legitimação do exercício do poder estatal (GOMES, 2019). 130 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO Para Clever Vasconcelos (2018) o direito eleitoral regulamenta as atividades políticas desde o alistamento do eleitor junto à Justiça Eleitoral, passando pelo processo eleitoral que inicia com o prazo de iliação e termina na data das diplomações dos eleitos, assim como elementos necessários para o exercício pleno da democracia, tais como o instituto da eleição e a regulação das atividades dos Partidos Políticos. De acordo com Machado (2018), considerando Direito Eleitoral em sua primeira acepção, de Ciência, portanto, pode-se airmar resumidamente que é o ramo do Direito que estuda o “processo eleitoral” à luz das normas jurídicas que o disciplinam. Já em sentido amplo, “processo eleitoral”, transborda a ideia de contencioso eleitoral, abarcando meros procedimentos. Corresponde, assim, ao conjunto de atos, procedimentos e relações jurídicas que vai desde o alistamento eleitoral, com o ingresso dos cidadãos no corpo de eleitores, até a fase da diplomação, momento em que os candidatos eleitos recebem da JustiçaEleitoral o diploma para a posse e o exercício no cargo. FIGURA 39 – DIREITO ELEITORAL COMO CIÊNCIA FONTE: Adaptada de Machado (2018) FIGURA 40 – DIREITO ELEITORAL EM SENTIDO AMPLO FONTE: Adaptada de Machado (2018) Importante notar que o Processo eleitoral é essencial para a concretização da soberania popular e do direito fundamental de sufrágio (GOMES, 2018). Assim, esse processo é composto por várias etapas: • alistamento eleitoral; • convenção partidária; • registro de candidaturas; • propagandas políticas; • votação; • apuração; • diplomação; • ações. TÓPICO 3 — DIREITO TRIBUTÁRIO, DIREITO ELEITORAL E DIREITO MILITAR 131 De acordo com Tenório (2014), o direito eleitoral regula a maneira pela qual a soberania popular é exercida. Assim, está diretamente ligado ao poder do sufrágio popular. Ainal, o que é sufrágio? FIGURA 41 - VOTO FONTE: <https://4.bp.blogspot.com/_C1oT7ZZku5o/TL4XDPJmUzI/AAAAAAAAAGE/ StI0AHp8Lek/s1600/images.jpg>. Acesso em: 27 jun. 2020. Sufrágio é o poder ou o direito público subjetivo de participar da regência e da condução das escolhas e do preenchimento das estruturas estatais, ou seja, votando (capacidade eleitoral ativa), seja sendo votado (capacidade eleitoral passiva) (MACHADO, 2018). 4 DIREITO MILITAR Para Martins (2003, p. 42) “o direito militar pode ser deinido como o conjunto harmônico de princípios e normas jurídicas que regulam matéria de natureza militar, podendo ser de caráter constitucional, penal ou administrativo”. É, pois, o direito que regulamenta a atividade dos militares. São instrumentos do Direito Militar, primeiramente, a Constituição Federal, a qual regulamenta a matéria no art. 42. Também do Direito Militar são instrumentos o Código Penal Militar (Decreto-lei 1001/69) e o Código Processual Penal Militar (Decreto-lei 1002/69), conforme Martins (2003). No âmbito do direito militar, a área que mais se destaca é o direito penal militar. No entanto, merecem destaque o direito processual penal militar, administrativo militar, disciplinar militar e previdenciário militar. Também temos o direito internacional dos conlitos armados, composto por normas internacionais adotadas pelo Brasil, e que são do interesse da classe militar. 132 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO FIGURA 42 – CATEGORIAS MILITARES FONTE: <http://sentidounico.com.br/wp-content/uploads/2016/04/MILITAR-2-666x423.png>. Acesso em: 20 ago. 2020. Neste sentido, entende Alves-Marreiros e Rocha (2015, p. 3): A fonte jurídica e política de legitimação do direito penal militar é a própria Constituição da República que, no seu art. 124, caput, estabelece que “à Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares deinidos em lei”. Portanto, assim como ocorre na grande maioria dos Estados do Ocidente, os crimes militares, deinidos como tais pelo Código Penal Militar e não pelo Código Penal comum, são julgados pela Justiça Militar e não pela Justiça comum. Para Alves-Marreiros e Rocha (2015), no que se refere aos militares, justiica-se ainda a existência do Direito Penal Militar, porque se exigem dos cidadãos fardados certos deveres especiais não exigíveis dos civis. Determinadas condutas que, praticadas por civil, não se revestem de dignidade penal, podem ser consideradas de extrema gravidade quando cometidas por militar, particularmente se atentam contra a hierarquia e a disciplina. Esta realidade torna necessária a existência de direito penal especializado que se pretende mais rigoroso em relação a tais condutas que o direito penal comum. Para Alves-Marreiros e Rocha (2015), o direito penal militar também possui conteúdo político. Por isso, muitos dentre os seus princípios fundamentais podem ser encontrados na Constituição da República, porém, assim como o direito penal geral, o conteúdo político do direito penal militar é bastante pronunciado por se relacionar à garantia da liberdade e da segurança individuais. QUADRO 20 – PRINCÍPIOS DO DIREITO MILITAR Princípio da dignidade da pessoa humana O princípio da dignidade da pessoa humana serve de fundamento aos demais princípios do direito penal militar, a exemplo do princípio da culpabilidade, do princípio humanitário, do princípio da individualização da pena, dentre outros TÓPICO 3 — DIREITO TRIBUTÁRIO, DIREITO ELEITORAL E DIREITO MILITAR 133 Princípio da igualdade diante da lei Se os homens são iguais entre si, devem responder, nos mesmos termos, na eventualidade de praticarem ilícitos penais militares. Além disso, devem suportar as mesmas consequências dos delitos por eles cometidos. Princípio humanitário Em decorrência do princípio humanitário, estão proibidas, no direito penal militar, as penas cruéis em geral, tais como a pena capital para os crimes militares cometidos em tempo de paz, a prisão perpétua, as penas corporais, as infamantes e as restritivas de liberdade, haja vista que o Estado de direito não pode admitir a existência de castigos que atinjam a dignidade da pessoa humana, tanto no que diz respeito ao seu aspecto moral quanto ao físico-psíquico, de acordo com a Constituição da República no art. 5º, XLVII e XLIX. Princípio da individualizaç̃o da pena O princípio da individualização da pena impõe que a pena em abstrato seja prevista em seus limites máximo e mínimo, afastando-se, assim, a possibilidade da existência de penas ixas Princípio da personalidade ou da intransmissibilidade A pena imposta pelo cometimento do crime não pode ultrapassar a pessoa do agente. Princípio da culpabilidade airma a doutrina penal com fundamento no princípio da hierarquia das normas: “Todo caso de responsabilidade objetiva deveria considerar-se em oposição à Constituição e atípica com respeito às exigências do direito penal entendido em termos humanos” Princípio da intervenç̃o mínima ou da subsidiariedade A deinição de uma conduta como crime militar só poderia ser considerada penalmente justiicada se inexistirem meios menos lesivos de tutela dos bens jurídicos. Tais meios, inclusive, podem ser jurídicos ou não. Se porventura forem jurídicos, podem ser penais ou não penais. Enim, o direito penal militar é ultima ratio. Assim, por exemplo, caso o direito disciplinar militar se mostrar suiciente para a proteção dos interesses vitais das Forças Armadas, o direito penal militar não pode ser usado legitimamente para tutelá-los. 134 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO Princípio da fragmentariedade Intervenção penal seria legítima unicamente quando se destinasse à tutela dos bens jurídicos indispensáveis à conservação e reprodução da vida social na hipótese em que ocorrem graves violações aos mesmos. Princípio da proporcionalidade Assim como o direito penal comum, o direito penal militar precisa equilibrar repressão e garantia. A tutela de bens jurídicos penais não é uma inalidade a ser perseguida de maneira descontrolada. Pelo contrário, a legitimidade da atuação repressiva do Estado está condicionada ao respeito pelos direitos fundamentais e suas garantias. Princípio da proibiç̃o da dupla incriminaç̃o pelo mesmo fato O direito penal militar é um direito penal do fato e não do autor. Pune-se o agente não em razão de sua conduta de vida, mas estritamente em decorrência de um fato punível por ele cometido. FONTE: Adaptado de Alves-Marreiros e Rocha (2015) Desse modo, podemos concluir que os princípios contidos na Constituição Federal de 1988 servem de orientação para as normas como critérios de interpretação e integração do texto constitucional, sendo assim o princípio uma espécie de lei. E como vimos no Direito Militar não é diferente! TÓPICO 3 — DIREITO TRIBUTÁRIO, DIREITO ELEITORAL E DIREITO MILITAR 135 CRIMINALIZAÇÃO DAS “FAKE NEWS”: A MAIOR “FAKE NEW” DO MOMENTO Eduardo Luiz Santos Cabete A Lei 13.834/19 criou um novo tipo penal no Código Eleitoral, prevendo a chamada “Denunciação Caluniosa Eleitoral”, consistente, resumidamente, na conduta de imputar, com ciência absoluta dafalsidade, a prática de infração penal ou ato infracional a alguém, ensejando a instauração de alguma investigação ou processo contra a vítima, tudo isso com ins eleitorais (vide artigo 326 – A da Lei 4737/65 – Código Eleitoral). Havia, originalmente, um § 3º. no artigo 326 – A, que foi vetado pelo Executivo. Assim versava: “§ 3º Incorrerá nas mesmas penas deste artigo quem, comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com inalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente atribuído”. As razões do veto foram explicitadas nos seguintes termos: A propositura legislativa ao acrescer o art. 326-A, caput, ao Código Eleitoral, tipiica como crime a conduta de denunciação caluniosa com inalidade eleitoral. Ocorre que o crime previsto no § 3º do referido art. 326-A da propositura, de propalação ou divulgação do crime ou ato infracional objeto de denunciação caluniosa eleitoral, estabelece pena de reclusão, de dois a oito anos, e multa, em patamar muito superior à pena de conduta semelhante já tipiicada no § 1º do art. 324 do Código Eleitoral, que é de propalar ou divulgar calúnia eleitoral, cuja pena prevista é de detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Logo, o supracitado § 3º viola o princípio da proporcionalidade entre o tipo penal descrito e a pena cominada. Esse veto, entretanto, foi derrubado pelo Congresso Nacional, de modo que a propalação ou divulgação da “Denunciação Caluniosa Eleitoral” segue incriminada com as mesmas penas do crime em destaque. Ocorre que com esse acontecimento, passou-se a veicular em vários canais, inclusive (pasmem) jurídicos, que teria havido a “criminalização das FAKE NEWS”. Derosa deixa claro que o conceito de “FAKE NEWS” é algo muito amplo, podendo ser resumido na noção de “notícias falsiicadas”, as quais sempre existiram, antes coninadas na chamada “grande mídia” e agora com sua expansão para as redes sociais. LEITURA COMPLEMENTAR 136 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO O que foi vetado pelo Executivo não foi a criminalização das “FAKE NEWS” e sim a aplicação da mesma pena da “Denunciação Caluniosa Eleitoral”, não ao autor da “denunciação”, mas a todo aquele que a propale ou divulgue, sabendo da falsidade. Com razão o Executivo apontou para a violação da proporcionalidade, vez que a pena para a mesma propalação e divulgação no crime de Calúnia Eleitoral (artigo 324, § 1º. do Código Eleitoral) é muito menor. O motivo da distinção de tratamento entre os crimes de Calúnia e de Denunciação Caluniosa é que o primeiro atinge tão somente a honra do ofendido e, no caso da eleitoral, o interesse na integridade do pleito. Já na Denunciação Caluniosa, há um bem jurídico adicional, que é o interesse da correta administração da justiça e ainda o risco corrido pelo denunciado caluniosamente de sofrer uma condenação e até prisão injusta. Não há como comparar os níveis de gravidade da Denunciação Caluniosa e da mera Calúnia. Nenhuma conduta dessa espécie é admissível ou justiicável, mas o grau de gravidade é clara e evidentemente diverso. Com um tratamento igual no que tange à pena cominada, há violação patente da proporcionalidade, pelo fato óbvio de que o propalador ou divulgador não dá causa à instauração de processo ou investigação contra o ofendido e, portanto, não coloca em risco sua liberdade e muito menos movimenta indevidamente a administração da justiça. Tanto é fato que no Código Penal, há a igura da propalação ou divulgação da calúnia com a mesma pena do crime contra a honra enfocado (artigo 138, § 1º., CP), mas não há a correspondente previsão no crime de denunciação caluniosa (artigo 339, CP). (Por todos: Cf. ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Crimes Contra a Honra. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 63-64; MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 2520-2536) Feita essa breve digressão a respeito da proporcionalidade, pode- se retomar o tema deste trabalho, que consiste em esclarecer o fato de que as chamadas “FAKE NEWS” não foram “criminalizadas” com a derrubada do veto do Executivo pelo Congresso Nacional. Para criminalizar realmente as “FAKE NEWS” seria necessária uma norma que incriminasse a veiculação de quaisquer espécies de notícias falsas, ainda que no âmbito estritamente eleitoral. Pois não foi isso que aconteceu. O § 3º. agora em vigor apenas incrimina a conduta daquele que, tendo ciência de que outrem cometeu uma denunciação caluniosa, passa a propalar ou divulgar a mesma imputação de que conhece a improcedência. Ora, então não é possível ao autor dessa conduta atuar, por exemplo, autonomamente. Ele precisa, primeiro, que outro tenha perpetrado uma denunciação caluniosa. Depois, sabendo disso e da falsidade da imputação, passa a divulgá-la mesmo assim com intuito eleitoral. Isso é, no máximo, uma espécie muito particular e vinculada de “fake new”. A conduta é vinculada, pois não pode existir de forma independente do ilícito principal que é descrito no “caput” do artigo 326 – A do Código Eleitoral. Portanto, quando alguém, seja por meio da “grande mídia”, seja em redes sociais ou por qualquer outra forma divulgar notícias simplesmente falsas e/ ou ofensivas contra outrem, com ou sem intuito eleitoral, não incidirá jamais no artigo 326 – A, § 3º., do Código Eleitoral, o qual se reduz a uma situação muito especíica e, como já se disse vinculada ou condicionada. É claro que não se pode, TÓPICO 3 — DIREITO TRIBUTÁRIO, DIREITO ELEITORAL E DIREITO MILITAR 137 impunemente, ofender pessoas e muito menos divulgar inverdades sobre elas em mídias de grande porte, redes sociais ou de qualquer forma imaginável, ainda que sob o suposto manto da liberdade de expressão. Mas, para isso existem os crimes de Calúnia, Difamação e Injúria, previstos tanto no Código Penal, quanto no Código Eleitoral. Na área cível, há o Direito de Resposta (Lei 13.188/15 c/c artigo 5º., V, CF) e a indenização por dano material e/ou moral (artigo 186 c/c 927, do Código Civil). É absolutamente incorreta e contraproducente a notícia, inclusive por parte de juristas, de que com a derrubada do veto ao § 3º., do artigo 326 – A, do Código Eleitoral, criado pela Lei 13.834/19, passou-se a “criminalizar” as “FAKE NEWS” no Brasil, ao menos para ins eleitorais. É incorreta porque o dispositivo, no máximo, criminaliza uma espécie de conduta entre as inúmeras que poderiam ser classiicadas pela expressão não técnica e ampla “FAKE NEWS”. E se meia verdade é uma mentira inteira, imagine-se uma parcela ínima de verdade mergulhada num mar de falsidade. É contraproducente, porque faz parecer que até então a divulgação de notícias falsas ou mesmo de ofensas a pessoas, com ou sem ins eleitorais, pela grande mídia ou não, eram condutas permitidas no Brasil, sem coibição criminal, talvez somente civil e constitucional. Pode fazer crer até mesmo que isso continua assim, desde que não envolva questão eleitoral, o que, novamente, não é verdadeiro, é uma “fake new”. Em suma, somente há responsabilização criminal na propalação ou divulgação de denunciação caluniosa, com ins eleitorais e ciente o autor da falsidade da imputação. Nem mesmo a propalação ou divulgação de denunciação caluniosa prevista no Código Penal tem previsão legal. Como já se viu, o caso deverá ser solvido na área civil e com o uso dos tipos penais contra a honra, a não ser, num único caso, muito especíico, agora previsto no Código Eleitoral. Além disso, no caso da propalação ou divulgação da Denunciação Caluniosa Eleitoral, haverá que comprovar o dolo especíico do agente, tanto no sentido de ter uma inalidade eleitoral, como naquele de ter absoluta certeza de que a imputação feita é falsa (dolo direto). Não conigurarão nem esse tipo penal e nem mesmo outros que podem ser aventados, como os crimes contra a honra, se a atuação se dá com “animus jocandi” (em tom humorístico ou de brincadeira visível) ou mesmo com o “animus informandi”ou “narrandi” (ou seja, de tão somente noticiar um fato ocorrido), como quando um jornal ou qualquer pessoa apenas informa que alguém está respondendo a um processo criminal, por exemplo, e essa pessoa realmente está, independentemente de ser, ao inal, absolvida ou condenada, ter sido ou não vítima de uma denunciação caluniosa. A verdade é que já há instrumentos suicientes em nosso ordenamento jurídico para coibir o abuso da liberdade de expressão, e o uso indevido de um conceito aberto como “FAKE NEWS”, normalmente dependente de interpretações as mais variáveis, é bastante deletério à coniguração de um Estado Democrático de Direito e de um Direito Penal que obedeça a princípios mínimos limitadores de uma tendência autoritária. Já vivenciamos hoje, por meio de coações indevidas das próprias redes sociais, graves danos à real liberdade de expressão, com bloqueios e censuras totalmente arbitrárias, sem sequer uma justiicação ao 138 UNIDADE 2 — RAMOS DO DIRIETO PÚBLICO usuário, exatamente porque esse conceito de “FAKE NEWS”, bem como outras expressões como “discurso de ódio”, são extremamente luidas e subjetivas, sujeitas a uma enorme confusão entre o que sejam expressões de juízos de valor e de juízos de fato, entre, mais simplesmente, o que é uma opinião a respeito de algo ou uma airmação categórica de um fato sobre a mesma questão, dentre outros tantos obstáculos. Nesse quadro, a ingerência estatal, com criação eventual de tipos penais é de extremo perigo para a saúde da democracia. Ainda bem que a notícia da chamada “criminalização” das “FAKE NEWS”, é uma das maiores “fake new” que já se espalhou. FONTE: <https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2019/09/10/criminalizacao-das-fake- -news-maior-fake-new-momento/>. Acesso em: 24 ago. 2020. 139 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu que: • O Direito Tributário é o ramo do Direito Público que tem por objeto o estudo das obrigações entre o contribuinte e o Fisco. • O Direito Eleitoral é o que regulamenta as eleições. • O Direito Militar traz as regras aplicáveis aos militares. Ficou alguma dúvida? Construímos uma trilha de aprendizagem pensando em facilitar sua compreensão. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. CHAMAD A 140 1 O Direito Eleitoral como Ramo do Direito Público, está diretamente ligado ao conceito de democracia e pode ser visto como um tema de interesse geral. Com base nessa informação, assinale a alternativa CORRETA a respeito do conceito de sufrágio. a) ( ) É o poder ou o direito privado subjetivo de participar da regência e da condução das escolhas e do preenchimento das estruturas estatais, ou seja, votando (capacidade eleitoral ativa), seja sendo votado (capacidade eleitoral passiva). b) ( ) É o poder ou o direito público subjetivo de participar da regência e da condução das escolhas e do preenchimento das estruturas estatais, ou seja, votando (capacidade eleitoral ativa), seja sendo votado (capacidade eleitoral passiva). c) ( ) É o poder ou o direito privado objetivo de participar da regência e da condução das escolhas e do preenchimento das estruturas estatais, ou seja, votando (capacidade eleitoral ativa), seja sendo votado (capacidade eleitoral passiva). d) ( ) É o poder ou o direito público objetivo de participar da regência e da condução das escolhas e do preenchimento das estruturas estatais, ou seja, votando (capacidade eleitoral ativa), seja sendo votado (capacidade eleitoral passiva). 2 O direito militar pode ser deinido como o conjunto harmônico de princípios e normas jurídicas que regulam matéria de natureza militar, podendo ser de caráter constitucional, penal ou administrativo. Com base nessa airmação, assinale a alternativa CORRETA a respeito do princípio da igualdade diante da lei no âmbito do Direito Militar. a) ( ) Se os homens são iguais entre si, devem responder, nos mesmos termos, na eventualidade de praticarem ilícitos penais militares. Além disso, devem suportar as mesmas consequências dos delitos por eles cometidos. b) ( ) Serve de fundamento aos demais princípios do direito penal militar, a exemplo do princípio da culpabilidade, do princípio humanitário, do princípio da individualização da pena, dentre outros. c) ( ) Impõe que a pena em abstrato seja prevista em seus limites máximo e mínimo, afastando-se, assim, a possibilidade da existência de penas ixas. d) ( ) A deinição de uma conduta como crime militar só poderia ser considerada penalmente justiicada se inexistirem meios menos lesivos de tutela dos bens jurídicos. AUTOATIVIDADE 141 3 O Direito Tributário estuda todas as normas que dizem respeito à arrecadação de tributos. Com base nessa informação, assinale a alternativa CORRETA a respeito das formas de tributos. a) ( ) Impostos, doações imobiliárias e taxas. b) ( ) Impostos, doações individuais e taxas. c) ( ) Impostos, contribuições de melhoria e taxas. d) ( ) Impostos, contribuições de ajuda mútua e taxas. 4 O processo eleitoral é essencial para a concretização da soberania popular e do direito fundamental de sufrágio. Com base nessa informação, disserte sobre as etapas do processo de sufrágio. 5 Os princípios contidos na Constituição Federal de 1988 servem de orientação para as normas como critérios de interpretação e integração do texto constitucional, sendo assim o princípio uma espécie de lei, não sendo diferente no Direito Militar. Com base nessa informação, disserte sobre o princípio da fragmentariedade no âmbito do Direito Militar. 142 REFERÊNCIAS ALVES-MARREIROS, A.; ROCHA, R. F. Direito penal militar. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. BRASIL. Lei nº 31, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Diário Oicial [da] União, 2002. Disponível em: htp://www.planalto.gov.br/cci- vil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso em: 20 ago. 2020. BRASIL. Emenda constitucional nº 31, de 14 de dezembro de 2000. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, introduzindo artigos que criam o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza. Brasília, DF: Diário Oicial [da] União, 2000. Disponível em: htp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ Emendas/Emc/emc31.htm. Acesso em: 20 ago. 2020. BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Adminis- tração Pública e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oicial [da] União, 1993. Disponível em: htp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em: 20 ago. 2020. BRASIL. Constituiç̃o da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Diário Oicial [da] União, 1988. Disponível em: htp://www.planalto.gov.br/cci- vil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 ago. 2020. BRASIL, Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a orga- nização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Admi- nistrativa e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oicial [da] União, 1967. Disponível em: htp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del0200.htm. Acesso em: 20 ago. 2020. BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília, DF: Diário Oicial [da] União, 1966. Disponível em: htp:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em: 20 ago. 2020. BRASIL. Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Redação dada pela Lei nº 12.376, de 2010). Rio de Janeiro: Diário Oicial [da] União, 1942. Disponível em: htp://www.planalto.gov. br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del4657.htm. Acesso em: 20 ago. 2020. BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de setembro de 1940. Código Penal. Rio de Janeiro: Diário Oicial [da] União, 1942. Disponível em: htp://www.planalto.gov. br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm.Acesso em: 20 ago. 2020. 143 BRASIL. Carta de Lei de 25 de março de 1824. Constituição política do Império do Brasil, elaborada por um Conselho de Estado e outorgada pelo Imperador D. Pedro I. Rio de Janeiro, 1824. (Coleção de Leis do Império do Brasil de 1824). Disponível em: htps://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1824-1899/constitui- cao-35041-25-marco-1824-532540-publicacaooriginal-14770-pl.html. Acesso em: 31 out. 2018. CAMPOS, A. C. Direito administrativo facilitado. São Paulo: Método; Rio de Janeiro: Forense, 2019. CANOTILHO, J. J. G.; MOREIRA, V. Fundamentos da constituiç̃o. Coimbra: Coimbra Editora, 1991. DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo. 32. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. GOMES, J. J. Direito eleitoral. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2019. GOMES, J. J. Direito eleitoral essencial. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Mé- todo, 2018. HESSE, K. A força normativa da constituiç̃o. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1981. JESUS, D. de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2016. (Volume 1). JESUS, D. de. Código penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2006. LENZA, P. Direito constitucional esquematizado. 23. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2019. MACHADO, R. C. R. Direito eleitoral. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2018. MARTINS, E. P. Direito Constitucional Militar. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 63, 1º mar. 2003. Disponível em: htps://jus.com.br/artigos/3854/direito- -constitucional-militar. Acesso em: 21 ago. 2020. MAZZA. A. Manual de direito tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2018. MIRANDA, J. Manual de direito constitucional. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1990. MORAES, A. de. Direito constitucional. 35. ed. São Paulo: Atlas, 2019. NUCCI, G. de S. Curso de direito penal: parte geral – arts. 1º a 120 do Código Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019a. NUCCI, G. de S. Manual de direito penal. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019b. 144 NUNES JÚNIOR, F. M. A. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Sa- raiva Jur, 2019. PADILHA, R. Direito Constitucional. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2020. PRADO, L. R. Tratado de direito penal: parte especial – arts.121 a 249 do CP. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. (Volume 2). SILVA. T. C. Teoria geral do processo. Indaial: UNIASSELVI, 2019. SILVA, J. A. da. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1992. TENÓRIO, R. A. Direito eleitoral. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2014. VASCONCELOS, C. Direito eleitoral. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. 145 UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • compreender que o Direito do Trabalho regulamenta as relações trabalhistas, ou seja, entre empregado e empregador (patrão); • observar que as relações trabalhistas são objeto do Direito do Trabalho, sejam elas individuais (entre empregado e empregador) ou coletivas; • conhecer que as relações entre fornecedor e consumidor são objeto do Direito do Consumidor; • entender que o CDC traz diversas disposições sobre proteção contratual, publicidade e ainda as hipóteses em que se permite a desconsideração da pessoa jurídica; • compreender que o Direito Ambiental traz as regras que regem a proteção do meio ambiente, sendo um direito multidisciplinar; • compreender o conceito de Direito do Trabalho; • compreender os diversos ramos que o compõe; • conhecer os institutos regulados pelo Direito Público. • compreender o Direito Privado e seus ramos; • conhecer o Direito Civil, seu conteúdo, estrutura e ramos. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO TÓPICO 2 – DIREITO CIVIL NOÇÕES E ESTRUTURAS TÓPICO 3 – DIREITO PÚBLICO EXTERNO: DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMAD A 146 147 UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO O objetivo deste tópico é levar informações a respeito do Direito do Trabalho, que ampliará conhecimentos que, certamente, serão úteis no seu dia a dia. Neste tópico vamos compreender que o Direito do Trabalho é um ramo jurídico que trata das relações de trabalho e é composto por normas, princípios dentre outras fontes do direito. Buscando entender o equilíbrio da relação entre empregado e empregador. Neste tópico, traremos uma breve noção do Direito do Trabalho, e suas particularidades com um ramo especial do direito. 2 DIREITO DO TRABALHO O Direito do Trabalho tem a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) como sua principal norma, mas também a Constituição da República e a legislação esparsa que tem por objeto tratar das normas e princípios que regulam as relações de trabalho, com intuito de corrigir a relação de desigualdade que existe entre empresário e trabalhador, promovendo os ins sociais almejados pela sociedade. Romar (2019) considera que trabalho é uma expressão ampla que atinge toda e qualquer forma de prestação de serviço de uma pessoa física a outrem (trabalho autônomo, trabalho eventual, trabalho voluntário etc.). Neste sentido, airma que nem toda atividade é considerada como trabalho e regulada pelo Direito do Trabalho. Como podemos observar na Figura 1. TÓPICO 1 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO 148 FIGURA 1 – RELAÇÕES DE TRABALHO FONTE: Romar (2019, p. 26) Para Romar (2019) existem várias formas de trabalho, sendo certo que somente uma forma compõe o objeto do Direito do Trabalho e é por ele regulada. Trata-se da relação de trabalho subordinado, que tem características especíicas que a diferenciam das demais formas de trabalho e que estudaremos mais adiante. Portanto, o objeto do Direito do Trabalho é a relação de trabalho subordinado, também denominada relação de emprego. Os sujeitos desta relação são o empregado e o empregador, que se relacionam não só no âmbito individual, como também de forma coletiva, por intermédio de grupos organizados (categorias) e dos seus órgãos de representação (sindicatos) (ROMAR, 2019, p. 27). O fundamento do Direito do Trabalho é a proteção do trabalhador, parte economicamente mais fraca da relação jurídica. Sem a proteção jurídica do trabalhador, sua relação com o empregador se revela desequilibrada e, portanto, injusta. Neste sentido, Romar (2019, p. 27) conclui que: Assim, de maneira objetiva, podemos conceituar o Direito do Trabalho como o ramo da Ciência do Direito composto pelo conjunto de normas que regulam, no âmbito individual e coletivo, a relação de trabalho subordinado, que determinam seus sujeitos (empregado e empregador) e que estruturam as organizações destinadas à proteção do trabalhador. FIGURA 2 – SUJEITOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO FONTE: Romar (2019, p. 27) TÓPICO 1 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO 149 De acordo com Romar (2019), o Direito do Trabalho, como um conjunto de normas jurídicas de proteção do trabalhador, é bastante recente no Brasil. Do surgimento das primeiras leis trabalhistas até os dias de hoje ainda não se passaram cem anos, o que, em termos da Ciência do Direito, é considerado pouco tempo. 2.1 CARACTERÍSTICAS DO DIREITO DO TRABALHO Para Romar (2019) o Direito do Trabalho possui características especiais que o diferenciam dos demais ramos da ciência jurídica. QUADRO 1 – CARACTERÍSTICAS DO DIREITO DO TRABALHO Um direito em constante formaç̃o e evoluç̃o As relações jurídicas reguladas pelo Direito do Trabalho são dinâmicas e estão continuamente em mudança, sofrendo inluência direta dos fatos econômicos, sociais e políticos. O Direitodo Trabalho evolui e se modiica a partir das transformações ocorridas na sociedade, caracterizando-se por esta razão como um dos ramos mais dinâmicos da Ciência do Direito. Um direito especial O Direito do Trabalho refere-se a categorias determinadas de pessoas — preponderantemente aos trabalhadores que exercem trabalho subordinado e remunerado — e tem um particularismo que derroga o direito comum no que for com ele incompatível. Isso o torna um direito especial. Intervencionista O caráter intervencionista do Direito do Trabalho está ligado à sua própria origem histórica. Diante do desequilíbrio econômico social surgido a partir da Revolução Industrial, o Estado deixa de lado a postura de mero espectador e passa a intervir nas relações entre empregadores e trabalhadores, equilibrando as forças e diminuindo os efeitos da desigualdade econômica existente entre as partes. Possui cunho nitidamente universal Como instrumento de regulação das relações humanas, o Direito do Trabalho tem cunho nitidamente universal. O caráter universal do Direito do Trabalho airmou-se com o Tratado de Versalhes de 1919, que previu a necessidade de uniformizar e internacionalizar as legislações de proteção ao trabalho e, nesse sentido, criou a UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO 150 Organização Internacional do Trabalho (OIT), que, desde então, vem formulando regras de aplicação universal, que tendem a igualar as condições de trabalho no mundo todo. Seus principais institutos s̃o de ordem coletiva e socializante O Direito do Trabalho, tal como é hoje, é fruto da consciência e da atuação coletiva dos trabalhadores, pela organização de associações ou grupos de proteção de seus interesses. O reconhecimento de que, além do interesse individual de cada trabalhador, existem interesses dos grupos de trabalha dores que também necessitam ser protegidos (interesses coletivos) dá ao Direito do Trabalho um forte cunho coletivo e social. Aliás, exatamente por seus institutos de índole coletiva é que o Direito do Trabalho mais se particulariza em relação aos demais ramos da ciência jurídica. Um direito de transiç̃o e de transaç̃o É inegável que, em um Estado social ou democrático de direito, a principal tarefa da ciência do Direito é a obtenção da paz social, pelo advento de uma sociedade menos injusta socialmente. O Direito do Trabalho é o ramo do Direito que melhor relete esse ideal de justiça social. FONTE: Adaptado de Romar (2019, p. 37-38) A autonomia de um determinado ramo do Direito decorre da existência de autonomia legislativa, de autonomia didática e de autonomia cientíica ou doutrinária. Atualmente, os doutrinadores sustentam a autonomia do Direito do Trabalho, já que, como ramo do Direito, além de preencher os requisitos anteriores, tem ainda autonomia jurisdicional. QUADRO 2 – TIPOS DE AUTONOMIAS DO DIREITO DO TRABALHO Autonomia legislativa do Direito do Trabalho no Brasil teve início na década de 1930, quando foram elaboradas inúmeras leis trabalhistas, irmou-se com o advento da Consolidação das Leis do Trabalho em 1943 e se conirmou deinitivamente a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, que contém inúmeros dispositivos relativos ao Direito do Trabalho. TÓPICO 1 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO 151 Autonomia doutrinária composto de normas cada vez mais numerosas, o que leva à exigência de uma atenção especial do jurista em relação a elas: para poder estudá- las e aplica-las nas situações concretas, é preciso nelas se especializar. Assim, a bibliograia trabalhista é vasta, formada por tratados, cursos, teses, entre outros. Autonomia didática do Direito do Trabalho decorre de sua maturidade cientíica, que faz com que seja estudado como disciplina especíica, não só nas Faculdades de Direito, como também em outras, como Administração de Empresas e Economia. Autonomia jurisdicional o fato de contar com uma jurisdição especial (Justiça do Trabalho), conforme disposto pelo Art. 92 da Constituição Federal de 1988. FONTE: Adaptado de Romar (2019, p. 43) Estas características, citadas no Quadro 2, se revestem dando forma própria e única ao Direito do Trabalho. 2.2 FUNÇÕES DO DIREITO DO TRABALHO Para Romar (2019), quando falamos em funções, signiica referir-se ao sistema de valores que o Direito do Trabalho se propõe a realizar, aos objetivos ou propósitos do ordenamento trabalhista, ao papel que este ramo da ciência do Direito desempenha na sociedade. Assim, entende-se que “a doutrina aponta as seguintes funções do Direito do Trabalho: a) função social; b) função econômica; c) função tutelar; d) função integradora ou de coordenação; e) função conservadora ou opressora do Estado” (ROMAR, 2019, p. 39). QUADRO 3 – FUNÇÕES DO DIREITO DO TRABALHO FUNÇÕES DO DIREITO DO TRABALHO SOCIAL • Realização de valores sociais. • Preservação da dignidade humana do trabalhador. • Justiça social. ECONÔMICA • Garantia de subsistência do trabalhador e de sua família. • Equilíbrio econômico da sociedade TUTELAR • Proteção do trabalhador UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO 152 COORDENADORA • Integração e coordenação de interesses sociais e econômicos. OPRESSORA DO ESTADO • Exercício da força do Estado para controlar os movimentos operários e restringir a autonomia privada e coletiva (que, porém, foi mitigada pela prevalência do negociado sobre o legislado prevista pela Lei n. 13.467/2017). FONTE: Romar (2019, p. 40) Deste modo, nós podemos entender que o Direito do Trabalho determina os seus sujeitos e as organizações destinadas à proteção desse trabalho em sua estrutura e atividade, baseando-se em valores como a dignidade da pessoa humana. De acordo com Romar (2019), existem várias teorias desenvolvidas pela doutrina da natureza do Direito do Trabalho. 2.3 NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO DO TRABALHO Para Romar (2019) a doutrina nos apontas várias teorias da natureza jurídica do direito do trabalho, entre elas a do direito público e do direito privado (as duas principais), a do direito misto, a do direito social e, por im, a do direito unitário, sendo certo que o estudo da natureza do Direito do Trabalho é de grande importância teórica e prática, tendo em vista que a aplicação e a interpretação das normas jurídicas, conforme sejam de direito público ou de direito privado, subordinam-se a regras e princípios diferentes. QUADRO 4 – NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO DO TRABALHO NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO DO TRABALHO DIREITO PÚBLICO • Intervencionismo estatal nas relações privadas de trabalho. • Imperatividade das normas trabalhistas. • Irrenunciabilidade de direitos pelo trabalhador. DIREITO PRIVADO • Deriva da locação de serviços do Código Civil. • Os sujeitos do contrato de trabalho são dois particulares agindo no seu próprio interesse. • A autonomia individual do trabalhador é reconhecida (Lei n. 13.467/2017). • O negociado prevalece sobre o legislado (Lei n. 13.467/2017). TÓPICO 1 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO 153 DIREITO MISTO • Tem em sua composição tanto normas de direito público como normas de direito privado, que convivem entre si. DIREITO SOCIAL • Normas de proteção às pessoas economicamente mais fracas, que não podem ser classiicadas nem como de direito público, nem como direito privado. DIREITO UNITÁRIO • Fusão das normas de direito público com as normas de direito privado faz surgir uma terceira realidade, diferente das concepções clássicas derivadas da dicotomia do Direito. FONTE: Romar (2019, p. 42) 2.4 DIVISÃO DO DIREITO DO TRABALHO Assim como o Direito se divide em ramos, o Direito do Trabalho também apresenta uma divisão que leva em conta a diversidade das normas trabalhistas e a necessidade de agrupá-las de uma forma ordenada em setores especíicos, que compõem o todo. Tradicionalmentee de acordo com grande parte dos doutrinadores, essa divisão se dá em dois grupos: o direito individual do trabalho e o direito coletivo do trabalho. No entanto, alguns outros doutrinadores airmam que essa divisão em dois grandes grupos é genérica, sendo necessária uma maior especiicidade para que se possa entender todo o conjunto de normas trabalhistas. Nesse sentido, tais autores dividem o Direito do Trabalho também em direito tutelar do trabalho e direito público do trabalho (ROMAR, 2019, p. 44). O Direito do Trabalho se divide em: FIGURA 3 – DIVISÃO DO DIREITO DO TRABALHO FONTE: Romar (2019, p. 44) UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO 154 QUADRO 5 – DIVISÃO DO DIREITO DO TRABALHO DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO FONTE: <https://cutt.ly/EgZDUu4>. Acesso em: 8 out. 2020. É o estudo das relações individuais de trabalho subordinado mantidas por seus sujeitos (empregado e empregador), analisando os direitos e as obrigações decorrentes do contrato de trabalho. DIREITO TUTELAR DO TRABALHO FONTE: <https://cutt.ly/OgZFtta>. Acesso em: 8 out. 2020. Compõe-se das normas jurídicas que impõem ao trabalhador e ao empregador deveres jurídicos públicos, com vistas à proteção do primeiro, ou seja, normas jurídicas por meio das quais o intervencionismo estatal mostra-se mais acentuado do que em outras áreas da mesma disciplina, com o objetivo claro de conferir maior proteção ao trabalhador. DIREITO COLETIVO DO TRABALHO FONTE: <https://cutt.ly/2gZFfZn>. Acesso em: 8 out. 2020. Tem por base as relações coletivas de trabalho (grupos de empregados e grupos de empregadores), os conlitos delas advindos e os órgãos que representam os grupos respectivos. Além disso, o Direito Coletivo do Trabalho abrange as normas jurídicas derivadas da solução dos conlitos coletivos e que são fonte do próprio Direito do Trabalho. o Direito Coletivo do Trabalho é composto basicamente das normas que regulam: a organização de trabalhadores e de empregadores, no âmbito da proissão e da empresa; as convenções e os acordos coletivos de trabalho; os conlitos coletivos e as formas de solucioná-los. TÓPICO 1 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO 155 DIREITO PÚBLICO DO TRABALHO FONTE: <https://cutt.ly/fgZJUs8>. Acesso em: 8 out. 2020. É a parte do Direito do Trabalho composta pelo conjunto de normas e princípios que regulam a relação de cada um dos sujeitos da relação de emprego com o Estado. Entre as normas aqui abrangidas estão, por exemplo, as referentes à iscalização do trabalho, à formação, qualiicação e colocação da mão de obra, ao fundo de amparo ao trabalhador, ao seguro desemprego. FONTE: Romar (2019, p. 44-45) Dessa forma, as normas trabalhistas não somente servem para manter uma relação jurídica de trabalho harmoniosa entre trabalhadores e empregadores, como também protege a força de trabalho do país, garantindo direitos e proteção, estabelecendo parâmetros que preservem a dignidade da pessoa humana. 2.5 PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO Os princípios servem de pilares e são fundamentais para o desenvolvimento do ramo do direito cujo qual estão inseridos. Como todas as áreas do direito, o direito do trabalho é norteado por princípios que deinem a ótica que o aplicador do direito deve aplicar nas normas e regras aplicáveis dentro do direito do trabalho. Neste sentido, Romar (2019, p. 48) entende que “Os princípios são os preceitos fundamentais de uma determinada discipli¬na e, como tal, servem de fundamento para seus institutos e para sua evolução. Constituem o núcleo inicial do próprio Direito, em torno dos quais vai tomando forma toda a estrutura cientíica da disciplina em questão”. Os principais princípios do Direito do Trabalho: FIGURA 4 – PRINCÍPIOS FONTE: Romar (2019, p. 52) UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO 156 QUADRO 6 – PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO Princípio protetor tem por fundamento a proteção do trabalhador enquanto parte economicamente mais fraca da relação de trabalho e visa assegurar uma igualdade jurídica entre os sujeitos da relação, permitindo que se atinja uma isonomia substancial e verdadeira entre eles. Princípio da irrenunciabilidade a irrenunciabilidade, que está vinculada à ideia de imperatividade, isto é, de indisponibilidade de direitos, diz respeito à impossibilidade de que o trabalhador prive-se voluntariamente, em caráter amplo e por antecipação, de direitos que lhe são garantidos pela legislação trabalhista. Princípio da continuidade da relaç̃o de emprego consiste no objetivo que têm as normas trabalhistas de dar ao contrato individual de trabalho a maior duração possível e tem por fundamento o fato de ser o contrato de trabalho um contrato de trato sucessivo, que não se esgota com a execução de um único e determinado ato, mas, ao contrário, perdura no tempo, regulando obrigações que se renovam. Princípio da primazia da realidade derivado da ideia de proteção, tem por objetivo fazer com que a realidade veriicada na relação entre o trabalhador e o empregador prevaleça sobre qualquer documento que disponha em sentido contrário. Princípio da razoabilidade consiste na airmação essencial de que o ser humano, em suas relações trabalhistas, procede e deve proceder conforme a razão”, ou seja, nas relações de trabalho as partes e os operadores do Direito devem sempre buscar a solução mais razoável para os conlitos dela advindos. Princípio da boa-fé Este princípio abrange tanto o empregado como o empregador. No primeiro caso, baseia-se na suposição de que o trabalhador deve cumprir seu contrato de boa-fé, que tem, entre suas exigências, a de que coloque todo o seu empenho no cumprimento de suas tarefas. Em relação ao empregador, supõe que deva cumprir lealmente suas obrigações para com o trabalhador. FONTE: Adaptado de Romar (2019) TÓPICO 1 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO 157 Assim, considerando-se que o Direito do Trabalho é um ramo jurídico autônomo, torna-se evidente que possui princípios próprios diferentes dos que inspiram os outros ramos da ciência jurídica, conforme Romar (2019). 3 DIREITO DO CONSUMIDOR As relações entre fornecedor e consumidor são estudadas por este impor- tante ramo do Direito que está concentrado no Código de Defesa do Consumidor (CDC, Lei nº 8.078/1990). É este diploma legal que prevê a responsabilidade objetiva (independente de culpa) do fornecedor e as consequências do descumprimento des- ta responsabilidade. Prevê também os crimes nas relações de consumo e suas penas. FIGURA 5 – CONSUMIDOR FONTE: <https://cutt.ly/QgZK6dU>. Acesso em: 8 out. 2020. Veja o artigo 1º do CDC: Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Art. 1º O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos Arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e Art. 48 de suas Disposições Transitórias (BRASIL, 1990a). 3.1 CONCEITOS DE CONSUMIDOR E FORNECEDOR Para o estudo do Direito do Consumidor, é necessário conhecermos os conceitos de consumidor e fornecedor, trazidos pelo próprio Código: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza serviços como consumidor inal” (BRASIL, 1990a). UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO 158 FIGURA 6 – TIPOS DE CONSUMIDOR FONTE: <https://www.sincovaga.com.br/wp-content/uploads/2019/11/Super7.jpg>. Acesso em: 8 out. 2020. De acordo com Almeida (2019) é necessário agregarmos mais um elemento na deinição de consumidor destinatário inal, a vulnerabilidade. FIGURA 7 – CARACTERÍSTICAS DE CONSUMIDOR FONTE: Almeida (2019, p. 75) Também são considerados consumidores: “a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis que haja intervindonas relações de consumo” (BRASIL, 1990a, Art. 2º). Ainda segundo o CDC, são consumidores todas as vítimas de evento danoso, bem como todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas comerciais, conforme Art. 29 do Código Consumerista (Art. 29). O conceito de fornecedor também é trazido pelo CDC em seu Art. 3º: Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (BRASIL, 1990a). Neste conceito, certamente se enquadra o conceito de empresário. Dos parágrafos 1º e 2º do citado artigo, extraímos os conceitos de produto e serviço: § 1º - Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. §2º - Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, inanceira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista (BRASIL, 1990a). TÓPICO 1 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO 159 Segundo Nunes (2019), a leitura pura e simples desse caput já é capaz de nos dar uma visão da extensão das pessoas enumeradas como fornecedoras. Na realidade são todas pessoas capazes, físicas ou jurídicas, além dos entes desprovidos de personalidade. FIGURA 8 – REQUISITOS PARA SER PESSOA FÍSICA FORNECEDORA FONTE: Adaptada de Almeida (2019) Para Almeida (2019) os requisitos devemos identiicar na pessoa física para enquadrá-la na deinição de fornecedor são: • Habitualidade – qualquer pessoa que, a título singular, mediante desempenho de atividade mercantil ou civil e de forma habitual, ofereça no mercado produtos ou serviços. • Atividade eventual – qualquer pessoa, como no caso do estudante que vende joias a colegas para pagar a mensalidade escolar. • Finalidade de lucro – qualquer pessoa, que de forma habitual em uma atividade eventual com intuito de ganho inanceiro. Pessoa jurídica fornecedora, O Código de Defesa do Consumidor especiicou como pessoa jurídica fornecedora do mercado de consumo: FIGURA 9 – TIPOS DE PESSOA JURÍDICA FONTE: Almeida (2019, p. 121) UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO 160 Entes despersonalizados como fornecedores, segundo Almeida (2019), são aqueles que não possuem personalidade jurídica (no âmbito mercantil, nem no civil), mas que o Diploma Consumerista considerou sujeitos de obrigações na qualidade de fornecedor, quando exercerem atividades produtivas no mercado de consumo. Como exemplo de ente despersonalizado é o de uma massa falida que é autorizada a continuar as atividades comerciais da empresa sob regime de quebra, para que se realizem ativos mais celeremente, fazendo frente ao concurso de credores (ALMEIDA, 2019, p. 122). O Código do Consumidor reconhece, na relação de consumo, o consumidor como a parte mais fraca, mais vulnerável, tanto no aspecto econômico como no técnico. Esta vulnerabilidade é expressamente reconhecida pela lei Art. 4º, I do CDC. Assim, o consumidor é considerado pelo CDD como a parte mais fraca da relação consumerista, tanto técnica como economicamente. Por isso, diz-se que ele é HIPOSSUFICIENTE em relação ao fornecedor (SILVA, 2005). Ao tratar da hipossuiciência do consumidor, Silva (2005, p. 35) ensina: A partir desse reconhecimento de vulnerabilidade, o Código disponibiliza vários outros instrumentos que possibilitam a busca da igualdade, dentre os quais cita-se: a) possibilidade de inversão do ônus da prova em benefício do consumidor quando verossímil a alegação ou diante de sua hipossuiciência percebida segundo as regras de experiências (Art. 6°, VIII); b) a interpretação de cláusulas contratuais de maneira mais favorável ao consumidor em todo e qualquer contrato de consumo (Art. 47); c) manutenção de assistência jurídica integral e gratuita ao consumidor carente e instituição de Promotorias, Varas e Delegacias especializadas em matéria de consumo (Art.5º, I, II, III e IV); d) concessão de estímulos à criação e desenvolvimento das Associações de Defesa do Consumidor (Art. 5º, V); e) proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços (Art. 6°, IV). A igualdade a que nos referimos é aquela entre consumidor e fornecedor. IMPORTA NTE TÓPICO 1 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO 161 3.2 DIREITOS E DEVERES DO CONSUMIDOR Segundo o artigo 6º do CDC, são direitos básicos do consumidor: ART. 6º São direitos básicos do consumidor: I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especiicação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (Redação dada pela Lei nº 12.741, de 2012) Vigência IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; V - a modiicação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuiciente, segundo as regras ordinárias de experiências; IX - (Vetado); X - a adequada e eicaz prestação dos serviços públicos em geral. Parágrafo único. A informação de que trata o inciso III do caput deste artigo deve ser acessível à pessoa com deiciência, observado o disposto em regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) Além de direitos, o consumidor também tem deveres. São deveres do consumidor: • O primeiro passo importante, neste caso, é saber exatamente o que deseja adquirir. Embora pareça óbvio, este procedimento o proporciona uma compra mais segura, eliminando, por exemplo, a possibilidade de arrependimento pela aquisição. • O consumidor só tem o direito de se arrepender da compra no caso de aquisições feitas por telefone ou outros meios de longa-distância. Isso pode ocorrer sete dias após a pessoa pedir o produto ou então sete dias depois da entrega, já que ele não teve antes a oportunidade de analisar as características da mercadoria. UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO 162 3.3 RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR A responsabilidade do fornecedor no CDC está prevista no Art. 14 do CDC: Art. 14 O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuicientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente delese esperam; III - a época em que foi fornecido. § 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas. § 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. § 4º A responsabilidade pessoal dos proissionais liberais será apurada mediante a veriicação de culpa. Airma-se que a responsabilidade do fornecedor é objetiva, ou seja, existe independentemente da existência de culpa, porque decorre da própria atividade comercial. Com o advento do CDC, a atividade empresarial passou por uma transformação, deixando de visar apenas ao lucro e passando a preocupar-se também com a qualidade dos produtos e serviços em razão da responsabilidade prevista na lei consumerista. • Outra dica importante: no momento da compra, o consumidor deve veriicar se todos os componentes estão em ordem, como por exemplo o manual de instruções está em português? As características expressas na embalagem conferem? • Após comprar um produto, a segunda orientação é a exigência da nota iscal. Mas o documento em si não é sinônimo de proteção: cabe ao consumidor, veriicar as informações contidas nele (discriminação do produto, modelo, cor, prazo de entrega). Se não tiver data, entende-se que a mercadoria foi entregue no ato. No caso dos móveis, por exemplo, também deve existir a data prevista e quem fará a montagem. • Evite montar o produto sozinho. Neste caso, se algo der errado, o consumidor pode perder o direito à garantia. FONTE: <https://www.consumidormoderno.com.br/2015/09/11/os-direitos-e-deveres-garan- tidos-pelo-cdc/>. Acesso em: 28 jul. 2020. TÓPICO 1 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO 163 A responsabilidade do fornecedor, no CDC, engloba assim, a responsabilidade pelo fato do produto e pelo fato do serviço. 3.4 DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO Apesar de ser garantido ao consumidor o direito de reclamar, este direito não é eterno. O Art. 26 do CDC traz os prazos de decadência e prescrição do direito de reclamar. Em ambos os casos, há perda do direito pelo decurso do prazo, ou seja, por não ter reclamado no tempo máximo previsto na lei. A diferença é que na decadência a perda é do direito, não cabendo ao consumidor nenhum meio para materializar seu descontentamento. O Código de Defesa do Consumidor estabelece que, se o vício for de fácil constatação ou aparente inicia-se a contagem do prazo a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução do serviço. Por outro lado, tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se a partir do momento em que icar evidenciado o problema (Art. 26, § 3o, do CDC). FIGURA 10 –TIPOS DE VÍCIOS FONTE: Almeida (2019, p. 470) Cotejando o prazo prescricional com os prazos decadenciais, encontraremos o seguinte quadro: QUADRO 7 – PRAZOS PRESCRIÇÃO DECADÊNCIA Prazo Prazos • 5 anos • 30 dias – produtos/serviços não duráveis • 90 dias – produtos/ serviços duráveis. • Fato do produto ou do serviço – acidente de consumo • Vício do produto ou do serviço – mera inadequação aos ins esperados FONTE: Almeida (2019, p. 475) UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO 164 3.5 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA É regra no Direito Societário a existência da sociedade de forma distinta de seus membros. Ou seja, o patrimônio da sociedade não se mistura com o patrimônio de seus sócios, respondendo cada qual por suas dívidas. Porém, o CDC permite ao juiz “desconsiderar a personalidade jurídica” da sociedade, quando em prejuízo do consumidor”, segundo Almeida (2019), nos casos em que: FIGURA 11 – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA FONTE: Almeida (2019, p. 500) 3.6 PROTEÇÃO DOS CONTRATOS DE CONSUMO Em razão do princípio de que o consumidor é hipossuiciente, o CDC traz princípios e normas que deverão ser obrigatoriamente observados nas relações contratuais que envolvem o consumo. Estas normas são de ordem pública, ou seja, as partes não poderão modiicá-las por sua vontade. Deste modo entende que: Os contratos de consumo são das mais variadas modalidades, a depender do seu objeto, mas a grande maioria deles possui a natureza de contrato de adesão. Com a evolução dos tempos, o monopólio dos meios de produção do fornecedor — responsável por deinir o que, quando e como produzir —, marcado pela característica da unilateralidade da produção, atingiu também as relações contratuais (ALMEIDA, 2019, p. 717). TÓPICO 1 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO 165 A exemplo, veja o que estabelece o Art. 47 do CDC (ALMEIDA, 2019, p. 721): As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. Sobre o tema, cumpre destacar que o Código Civil possui disposição semelhante no Art. 423: “Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”. Apesar da semelhança, os dispositivos legais não se confundem. Vejamos: QUADRO 8 – CLÁUSULAS CONTRATUAIS INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL NO CC INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL NO CDC • Contrato de adesão. • Qualquer contrato de consumo. • Depende de cláusulas ambíguas ou contraditórias. • Independente de cláusulas ambíguas ou contraditórias. FONTE: Almeida (2019, p. 721) Neste tópico, você compreendeu que as disposições legais se aplicam à relação contratual e que envolve a relação contratual de consumo, destacamos a possibilidade de o consumidor desistir do contrato, a proibição de haver cláusulas abusivas, o tratamento diferenciado do contrato de adesão, a nulidade de cláusulas que importem na perda de parcelas pagas etc. 3.7 PUBLICIDADE E PROPAGANDA O CDC regulamenta também a publicidade, especialmente no que se refere à oferta de produtos e serviços, também como relexo do reconhecimento da hipossuiciência do consumidor. Segundo Almeida (2019), diferenciar publicidade de propaganda, na prática ambas as expressões são utilizadas para deinir as informações veiculadas no mercado de consumo como inalidades comerciais. FIGURA 12 – PUBLICIDADE E PROPAGANDA FONTE: Almeida (2019, p.549) UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO 166 O Código de Defesa do Consumidor prevê em seu Art. 36, caput, que a “publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identiique como tal” (BRASIL, 1990a). Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identiique como tal. Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e cientíicos que dão sustentação à mensagem. Desta forma, a publicidade só estará em consonância com o princípio ora analisado se o consumidor puder identiicá-la de forma imediata e facilmente. O próprio CDC traz os conceitos de publicidade enganosa e abusiva; Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. § 1º É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. § 2º É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deiciência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. § 3º Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço (BRASIL,1990). § 4° (Vetado). Também é enganosa a publicidade, segundo o §3º do Art. 37, “por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço” (BRASIL, 1990). A utilização da publicidade enganosa ou abusiva gerará para o fornecedor responsabilidade civil, penal e administrativa, previstas no próprio Código de Defesa do Consumidor. 4 DIREITO AMBIENTAL O Direito Ambiental “é composto das normas jurídicas que cuidam do meio ambiente em geral, tais como a proteção de matas, lorestas e animais a serem preservados, o controle de poluição e do lixo urbano” (NUNES, 2003, p. 132). Na legislação ambiental, encontramos não só disposições de proteção ao meio ambiente, mas também penalidades e outras sanções para quem descumprir suas regras. Sobre esta “multidisciplinaridade”, de acordo com Abram (2013, p. 96): TÓPICO 1 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO 167 É um dos mais modernos ramos do direito. É multidisciplinar, pois se utiliza de institutos de direito penal, civil e administrativo para tornar efetivas suas normas, visando regular a relação do homem e seus meios de produção com a natureza, como forma de permitir o equilíbrio dessa relação, dando sustentabilidade ao desenvolvimento e minimizando os efeitos degradantes sobre o meio ambiente. Pode-se dizer que é um direito indutor de um novo paradigma de relação entre o homem e o meio ambiente. Além da Constituição Federal, há outras normas de direito ambiental na legislação esparsa, como o conceito de meio ambiente de acordo com a o Art. 3º, I, da Lei nº 6.938/81: “Art. 3º. Para os ins previstos nesta Lei, entende-se por: I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, inluências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; [...]”. Conforme a CF/1988, no caput de seu Art. 225, ao dizer que “todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida [...]” (BRASIL, 1988). Disse, assim, o legislador constituinte que o direito de todos recai sobre um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Portanto, o equilíbrio ecológico é exatamente o bem jurídico (imaterial) que constitui o objeto de direito a que alude o texto constitucional. FIGURA 13 – MEIO AMBIENTE FONTE: Rodrigues (2019, p. 77) Essa denominação do meio ambiente ecologicamente equilibrado como o bem a ser protegido pelo direito ambiental é de suma importância porque, em última análise, qualquer dano ao meio ambiente agride o equilíbrio ecológico, e, assim, uma eventual reparação deve ter em conta a recuperação, exatamente, desse mesmo equilíbrio (RODRIGUES, 2019). 168 Neste tópico, você aprendeu que: • O Direito do Trabalho “regulamenta as relações trabalhistas, ou seja, entre empregado e empregador (patrão)”. • As relações trabalhistas, são objeto do Direito do Trabalho sejam elas individuais (entre empregado e empregador) ou coletivas. • As relações entre fornecedor e consumidor são objeto do Direito do Consumidor. • O CDC traz diversas disposições sobre proteção contratual, publicidade e ainda as hipóteses em que se permite a desconsideração da pessoa jurídica. • O Direito Ambiental traz as regras que regem a proteção do meio ambiente, sendo um direito multidisciplinar. RESUMO DO TÓPICO 1 169 1 O Direito do Trabalho tem por objeto tratar das normas e princípios que regulam as relações de trabalho, com intuito de corrigir a relação de desigualdade que existe entre empresário e trabalhador. Com base nessa informação, assinale a alternativa CORRETA que trata do fundamento do Direito do Trabalho. a) ( ) É a proteção do trabalhador, parte economicamente mais fraca da relação jurídica. b) ( ) É a proteção do empregador, parte economicamente mais fraca da relação jurídica. c) ( ) É a proteção do trabalhador, parte economicamente mais forte da relação jurídica. d) ( ) É a proteção do empregador, parte economicamente mais forte e justa da relação jurídica. 2 A autonomia de um determinado ramo do Direito decorre da existência de autonomia legislativa, de autonomia didática e de autonomia cientíica ou doutrinária. Com base nessa informação, assinale a alternativa CORRETA que trata da autonomia do Direito do Trabalho. a) ( ) Autonomia colaborativa; Autonomia doutrinária; Autonomia penal; Autonomia jurisdicional. b) ( ) Autonomia legislativa; Autonomia doutrinária; Autonomia didática; Autonomia jurisdicional. c) ( ) Autonomia corporativa; Autonomia doutrinária; Autonomia didática; Autonomia penal. d) ( ) Autonomia legislativa; Autonomia corporativa; Autonomia jurisprudencial; Autonomia jurisdicional. 3 Assim como o Direito se divide em ramos, o Direito do Trabalho também apresenta uma divisão que leva em conta a diversidade das normas trabalhistas. Com base nessa informação, assinale a alternativa CORRETA que trata da divisão do direito do trabalho. a) ( ) Direito Individual do Trabalho; Direito Tributário do Trabalho; Direito Coletivo do Trabalho e Direito Público do Trabalho. b) ( ) Direito Individual do Trabalho; Direito Penal do Trabalho; Direito Coletivo do Trabalho e Direito Público do Trabalho. c) ( ) Direito Individual do Trabalho; Direito Tutelar do Trabalho; Direito Coletivo do Trabalho e Direito Público do Trabalho. d) ( ) Direito Individual do Trabalho; Direito Intelectual do Trabalho; Direito Coletivo do Trabalho e Direito Privado do Trabalho. AUTOATIVIDADE 170 4 O Direito do Trabalho se propõe a realizar, aos objetivos ou propósitos do ordenamento trabalhista, o papel que este ramo da ciência do Direito desempenha na sociedade. Com base nessa informação, disserte sobre as funções do Direito do Trabalho. 5 Os princípios servem de pilares e são fundamentais para o desenvolvimento do ramo do direito cujo qual estão inseridos. Com base nessa informação, discorra sobre os principais princípios do Direito do Trabalho. 171 UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Agora que você já conhece a estrutura do Direito Civil, vamos estudar separadamente cada uma das suas partes. Como você já viu, a parte geral do Código Civil trata das pessoas, dos bens e dos fatos jurídicos. Importante ressaltar que esta parte geral do Código Civil traz regras que se aplicam a todos os ramos do Direito que compõem a parte Especial do Código e que também será aplicável nas organizações empresariais. O Código Civil é o principal instrumento do Direito Civil, que também tem como instrumentos a legislação esparsa, tais como a lei do Divórcio, Lei das Locações Urbanas, dos Registros Públicos. Contudo, para bem compreender o Direito Civil, precisamos conhecer bem o Código Civil. Você ainda estudará os requisitos para constituição de uma pessoa jurídica, bem como o início da sua personalidade e sobre o im da personalidade da pessoa jurídica. E também a parte especial do Direito Civil como o direito das obrigações, direito das coisas, direito comercial, direito de família e sucessões. 2 NOÇÕES E ESTRUTURA DO DIREITO CIVIL Para iniciarmos o estudo do Direito Civil, vamos trazer um conceito da doutrina de Gonçalves (2018, p. 44): “Direito civil é o direito comum, que rege as relações entre os particulares”. As normas de Direito Civil estão reunidas no Código Civil, Lei nº 10.406/2002, que entrou em vigor em 2003, e também em outras leis, como a lei de Locações Urbanas, Registros Públicos, Divórcio, entre outras. Neste momento de nosso estudo, concentrar-nos-emos no Código Civil. Ele inicia com a Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro (LICC), que traz importantes normas jurídicas sobre a aplicação da lei no tempo e no espaço, entre outras. Após a LICC, o Código Civil é dividido em duas partes, a parte geral e a parte especial. Podemos então dizer que o Código Civil é dividido em duas grandes partes: l a parte geral (Arts.1º ao 232) e; l a parte especial (Arts. 233 ao 2046). TÓPICO 2 — DIREITO CIVIL NOÇÕES E ESTRUTURAS 172 UNIDADE3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO QUADRO 9 – DIVISÃO DO DIREITO CIVIL PARTE GERAL PARTE ESPECIAL Das pessoas Direito das obrigações Dos bens Direito de empresa Dos fatos jurídicos Direito das coisas Direito da família Direito das sucessões FONTE: Gonçalves (2018, p. 48) 2.1 PARTE GERAL DO CÓDIGO CIVIL – LIVRO I: DAS PESSOAS O Código Civil de 2002 cuida, no Livro I (Parte Geral), concernente às pessoas, em três títulos como veremos a seguir: FIGURA 14 – PARTE GERAL FONTE: Gonçalves (2018, p. 108) 2.1.1 Pessoa física Como já dissemos anteriormente, o Código Civil trata das pessoas no Livro I. Quando falamos em “pessoas”, podemos nos referir às pessoas físicas (naturais), ou às pessoas jurídicas como segue a igura: Como sugestão, entre no site http://www4.planalto.gov.br/legislacao/, baixe uma versão atualizada do Código Civil e dê uma “olhada” na divisão que tratamos anteriormente. DICAS TÓPICO 2 — DIREITO CIVIL NOÇÕES E ESTRUTURAS 173 A pessoa física, também chamada de pessoa natural, é o ser humano. Diz- se natural, porque sua existência legal se inicia por um fato natural (o nascimento). Na deinição de Gonçalves (2018, p. 115), “pessoa natural é, portanto, o ser humano considerado como sujeito de direitos e deveres. Para qualquer pessoa ser assim designada, basta nascer com vida e, desse modo, adquirir personalidade”. Quando tratamos da prática destes atos jurídicos, precisamos entender que as pessoas físicas têm personalidade jurídica e capacidade jurídica. Porém, personalidade jurídica e capacidade jurídica não se confundem. De uma forma simpliicada, podemos dizer que a personalidade jurídica é a aptidão para ser titular de direitos e obrigações civis. Neste sentido entende Gonçalves (2018, p. 111): [...] personalidade está umbilicalmente ligado ao de pessoa. Todo aquele que nasce com vida torna-se uma pessoa, ou seja, adquire personalidade. Esta é, portanto, qualidade ou atributo do ser humano. Pode ser deinida como aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações ou deveres na ordem civil. É pressuposto para a inserção e atuação da pessoa na ordem jurídica. A personalidade é, portanto, o conceito básico da ordem jurídica, que a estende a todos os homens, consagrando-a na legislação civil e nos direitos constitucionais de vida, liberdade e igualdade. Toda pessoa natural tem personalidade jurídica, desde que nasça com vida, porém o Código Civil protege o nascituro (bebê em gestação) desde a concepção. Da personalidade decorrem vários direitos, tais como ao nome, ao corpo, à honra etc. A capacidade jurídica, por sua vez, de acordo com o Art. 1º do novo Código, aproxima o conceito de capacidade com o de personalidade, ao declarar que toda “pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil” (GOLÇALVES, 2018, p. 112). Airmar que o homem tem personalidade é o mesmo que dizer que ele tem capacidade para ser titular de direitos. Todavia, embora estejam tão próximas, tais atributos não se confundem, uma vez que a capacidade pode sofrer limitação. “Enquanto a personalidade é um valor, a capacidade é a projeção desse valor que se traduz em um quantum. Pode-se ser mais ou menos capaz, mas não se pode ser mais ou menos pessoa” (GOLÇALVES, 2018, p. 112). 174 UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO QUADRO 10 – CARACTERÍSTICIAS DA PERSONALIDADE E CAPACIDADE JURÍDICA PERSONALIDADE JURÍDICA • Consiste na aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações ou deveres na ordem civil. CAPACIDADE JURÍDICA • Conceito: É a maior ou menor extensão dos direitos de uma pessoa. É, portanto, a medida da personalidade. • Espécies: a) De direito ou de gozo, que é a aptidão que todos possuem (CC, art. 1°); b) De fato ou de exercício, que é a aptidão para exercer, por si só, os atos da vida civil. • Quem só tem a de direito, tem capacidade limitada. Quem possui também a de fato, tem capacidade plena. DISTINÇÃO ENTRE CAPACIDADE E LEGITIMAÇÃO • Capacidade não se confunde com legitimaç̃o. Essa é a aptidão para a prática de determinados atos jurídicos, uma espécie de capacidade especial exigida em certas situações. A sua ausência não acarreta a incapacidade. FONTE: Gonçalves (2018, p. 114) Ou seja, uma pessoa física pode ter personalidade jurídica para praticar um determinado ato da vida civil, porém ser incapaz para praticá-lo por si só, ou “pessoalmente”, conforme diz o Código Civil. A capacidade é a regra, como nos ensina Coelho (2006, p. 160): As pessoas são, por princípio, capazes e podem, assim, praticar os atos e negócios por si mesmas. A incapacidade é uma situação excepcional prevista expressamente em lei com o objetivo de proteger determinadas pessoas. Os incapazes são considerados, pela lei, não inteiramente preparados para dispor e administrar seus bens e interesses sem a mediação de outra pessoa (represente ou assistente). Quando falamos em capacidade, é necessário, ainda, que se diferencie a incapacidade absoluta da incapacidade relativa. Os absolutamente incapazes de exercer pessoalmente (por si) os atos da vida civil são entendidos pelo Direito como pessoas que não têm a mínima condição de decidir sobre seus direitos e interesses. Por isso, terão que ser representados. Já os relativamente incapazes, segundo o Direito, já têm algum discernimento e podem expressar sua vontade, que é levada em consideração. Por isso, diz-se que serão assistidos (ou seja, auxiliados). TÓPICO 2 — DIREITO CIVIL NOÇÕES E ESTRUTURAS 175 FIGURA 16 – INCAPACIDADE FONTE: Gonçalves (2018, p. 122) Neste sentido Gonçalves (2018, p. 113): Nem todas as pessoas têm, contudo, a capacidade de fato, também denominada capacidade de exercício ou de ação, que é a aptidão para exercer, por si só, os atos da vida civil. Por faltarem a certas pessoas alguns requisitos materiais, como maioridade, saúde, desenvolvimento mental etc., a lei, com o intuito de protegê-las, malgrado não lhes negue a capacidade de adquirir direitos, sonega-lhes o de se autodeterminarem, de os exercer pessoal e diretamente, exigindo sempre a participação de outra pessoa, que as representa ou assiste. FIGURA 17 – ESPÉCIES DE CAPACIDADE FONTE: Gonçalves (2018, p. 113) “Capacidade não se confunde com legitimação. Esta é a aptidão para a prática de determinados atos jurídicos, uma espécie de capacidade especial exigida em certas situações” (GONÇALVES, 2018, p. 113). Para facilitar seu entendimento, elaboramos o Quadro 11: Assim, por exemplo, o ascendente é genericamente capaz, mas só estará legitimado a vender a um descendente se o seu cônjuge e os demais descendentes expressamente consentirem (CC, Art. 496). A falta de legitimação alcança pessoas impedidas de praticar certos atos jurídicos sem serem incapazes, por exemplo, o tutor, proibido de adquirir bens do tutelado (CC, Art. 1.749, I); o casado, exceto no regime de separação absoluta de bens, de alienar imóveis sem a outorga do outro cônjuge (Art. 1.647); os tutores ou curadores, de dar em comodato os bens coniados à sua guarda sem autorização especial (Art. 580) etc. (GONÇALVES, 2018, p. 113). 176 UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO Podemos ilustrar o que acabamos de ver através do seguinte exemplo: João, que é menor, com quinze anos de idade, recebeu um imóvel de herança de seu avô. Pode-se airmar que João tem personalidade jurídica, porém o Código Civil dispõe que os menores de 16 anos são absolutamente incapazes de exercer atos da vida civil. Assim, não poderá vender “sozinho” o imóvel de que é titular, porque, apesar de ter personalidade jurídica, lhe falta “capacidade civil” para tal, sendo necessário, para que o negócio se concretize, que seja representado por seu pai, mãe ou por seu representantelegal, na falta deles. QUADRO 11 – RELATIVAMENTE INCAPAZES CÓDIGO CIVIL DE 2002 LEI 13.146/2015 Relativamente incapazes Relativamente incapazes Art. 4° São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer; I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos: II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deiciência men- tal, tenham discernimento reduzido; III – os excepcionais, sem desenvolvi- mento mental completo; IV – os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial. Art. 4° São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer; I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos: II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos; III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderam exprimir sua vontade; IV – os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial. FONTE: Gonçalves (2018, p. 125) Para Gonçalves (2018) a incapacidade civil em razão da menoridade cessa aos 18 anos, porém, esta incapacidade poderá terminar antes, caso ocorram os casos previstos no Código Civil: a emancipação, que é concedida pelos pais ou pelo juiz nas condições previstas em lei; pelo exercício de emprego público efetivo; pela colação de grau em curso superior; pelo estabelecimento civil ou comercial que garanta economia própria. TÓPICO 2 — DIREITO CIVIL NOÇÕES E ESTRUTURAS 177 FIGURA 18 – ESPÉCIES DE EMANCIPAÇÃO FONTE: Gonçalves (2018, p. 137) • Domicílio e residência da pessoa natural Outro tema de importância no estudo das pessoas naturais é o relativo ao domicílio e à residência. Ao contrário do que muitas pessoas pensam, as expressões não são sinônimas. O domicílio da pessoa natural é deinido pelo próprio Código Civil, sendo o lugar onde a pessoa estabelece sua residência de forma deinitiva. Assim, como regra geral, a pessoa natural terá um só domicílio e várias residências. Podemos citar como exemplo uma pessoa que mora em uma cidade com sua família (domicílio), mas três vezes por semana ica em cidades vizinhas onde tem iliais de sua empresa. Estas cidades podem ser consideradas como o local de suas residências. Conforme Gonçalves (2018, p. 160), “a noção de domicílio é de grande importância no direito. Como as relações jurídicas se formam entre pessoas, é necessário que estas tenham um local, livremente escolhido ou determinado pela lei, onde possam ser encontradas para responder por suas obrigações”. O Código Civil brasileiro, deine domicílio no Art. 70, verbis: “Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo deinitivo” (BRASIL, 2002). O conceito de domicílio civil é composto, pois, de dois elementos: 178 UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO FIGURA 19 – DOMÍCILIO FONTE: Gonçalves (2018, p. 161) Em relação ao elemento residência Gonçalves (2018, p. 161) entende: A residência é, portanto, apenas um elemento componente do conceito de domicílio, que é mais amplo e com ela não se confunde. Residência, como foi dito, é simples estado de fato, sendo o domicílio uma situação jurídica. Residência, que indica a radicação do indivíduo em determinado lugar102 ou habitação, local que a pessoa ocupa , também não se confunde com morada103 esporadicamente, como a casa de praia ou de campo, o hotel em que passa uma tem-porada ou mesmo o local para onde se mudou provisoriamente até concluir a reforma de sua casa. É mera relação de fato, de menor expressão que residência. Deste modo, Gonçalves (2018) conclui que uma pessoa pode ter um só domicílio e mais de uma residência. Pode ter também mais de um domicílio, pois o Código Civil brasileiro, admite a pluralidade domiciliar. Para tanto, basta que tenha diversas residências onde, “alternadamente, viva”, como dispõe o Art. 71: “Art. 71. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas” (BRASIL, 2002). Ou, além do domicílio familiar, tenha também domicílio proissional, como prescreve o Art. 72 do Código Civil, verbis: “Art. 72. É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à proissão, o lugar onde esta é exercida. Parágrafo único. Se a pessoa exercitar proissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem” (BRASIL, 2002). • Extinç̃o da pessoa natural Como já dissemos anteriormente, o nascimento com vida é o início da personalidade civil. Já a extinção da pessoa natural ocorre com a morte. Deste modo, “A morte real é apontada no Art. 6º do Código Civil como responsável pelo término da existência da pessoa natural” (GOLÇALVES, 2018, p. 142). TÓPICO 2 — DIREITO CIVIL NOÇÕES E ESTRUTURAS 179 QUADRO 12 – EXTINÇÃO DA PERSONALIDADE NATURAL MODOS DE EXTINÇÃO DA PERSONALIDADE NATURAL Morte real: extingue a capacidade. Ocorre com o diagnóstico de paralisação da atividade encefálica, conforme art. 3° da Lei de Transplantes (CC, art. 6° 1ª parte). Morte simultânea ou comoriência: é a modalidade de morte real. Ocorre quando dois ou mais indivíduos falecem na mesma ocasião (não precisa ser no mesmo lugar), não se podendo averiguar qual deles morreu primeiro. Neste caso, presumir-se-ão simultaneamente mortos, não havendo transferência de bens e direitos sucessórios entre os comorientes (art. 8°). Morte civil: existiu no direito romano, especialmente para os escravos. Há um resquício dela no art. 1.816 do Código Civil, que trata o herdeiro afastado da herança por indignidade como se ele “morto fosse antes da abertura da sucessão”. Morte presumida: pode ser com ou sem declaração de ausência. A declaração de ausência é requerida para que se reconheça apenas que o ausente se encontra desaparecido, autorizando-se a abertura da sucessão provisória e, depois, a deinitiva (art. 6°, na parte). Na hipótese do art. 7° do Código Civil, pretende-se que se declare a morte de quem “estava em perigo de vida” e que se supõe ter ocorrido, sem decretaç̃o de ausência. FONTE: Gonçalves (2018, p. 145) 2.1.2 Pessoa jurídica A pessoa jurídica, por sua vez, “consiste num conjunto de pessoas ou de bens dotado de personalidade jurídica própria e constituído na forma da lei para a consecução de ins comuns” (GONÇALVES, 2018, p. 205). É constituída pelo homem, e nasce da junção da vontade destas pessoas. Segundo o dicionário jurídico: a expressão é utilizada para designar as “instituições, corporações, associações e sociedades, que por força ou determinação da lei, se personalizam, tomam individualidade própria, para constituir uma entidade jurídica, distinta das pessoas que a formam ou que a compõem. Diz-se jurídica porque se mostra uma encarnação da lei. [...] (SILVA, 1991, p. 368). Para a constituição da pessoa jurídica, o acordo de vontades de seus constituintes (que serão seus representantes legais) será materializado em um documento próprio, chamado estatuto ou contrato social, dependendo do tipo de sociedade. Este documento deverá ser redigido de acordo com o que dispõe a lei. Para que a pessoa jurídica exista juridicamente, passando assim a ser sujeito de direito, é necessário o registro deste documento no órgão competente (Junta Comercial ou Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas ou Títulos e Documentos, conforme denominação em cada Estado), que também dependerá do tipo de sociedade. 180 UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO Neste órgão, deverão ser também registradas todas as alterações e modiicações do contrato social ou do estatuto. FIGURA 20 – CONSTITUIÇÃO DA PESSOA JURÍDICA FONTE: Gonçalves (2018, p. 209) Uma vez constituída de acordo com o que determina a legislação, a pessoa jurídica passa a ter vida própria, sendo, portanto, sujeito de direito e, assimsendo, titular de direitos e obrigações. Segundo Gonçalves (2018), apenas a pessoa jurídica responde por suas obrigações como regra geral, tendo existência e patrimônio próprios. Pode, contudo, ocorrer a desconsideração da pessoa jurídica, nos casos previstos em lei, tanto no Código Civil como no Código do Consumidor, em caso de abuso por parte dos seus componentes, a exemplo do que ocorre quando usam a pessoa jurídica para cometer fraudes. Quando houver a desconsideração da pessoa jurídica, os bens particulares de seus integrantes poderão responder por dívidas da empresa. FIGURA 21 – CLASSIFICAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA FONTE: Gonçalves (2018, p. 216) TÓPICO 2 — DIREITO CIVIL NOÇÕES E ESTRUTURAS 181 As pessoas jurídicas podem ser classiicadas, segundo Golçalves (2019), a respeito do enfoque, das pessoas jurídicas dividem-se em: (2018, p. 218), quanto à orbita de atuação: • de direito público (de direito público externo e de direito público interno); • de direito privado, que se dividem em corporações (associações, sociedades simples e empresárias) e fundações particulares (CC, Art. 44). • Pessoas jurídicas de direito público externo: são os Estados da comunidade internacional, ou seja, todas as pessoas que forem regidas pelo direito interna-cional público: as diversas nações, inclusive a Santa Sé, que é a cúpula governativa da Igreja Católica, e organismos internacionais, como a ONU, a OEA, a FAO, a Unesco etc. A propósito, dispõe o Art. 42 do Código Civil: “Art. 42. São pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público”. • Pessoas jurídicas de direito público interno: podem classiicar-se em: a) da administração direta (União, Estados, Distrito Federal, Territórios, Municípios); b) da administração indireta (autarquias, fundações públicas e demais entidades de caráter público criadas por lei). Trata-se de órgãos descentralizados, criados por lei, com personalidade própria para o exercício de atividade de interesse público. Proclama o Art. 41 do novo Código Civil, com efeito, que são pessoas jurídicas de direito interno: “I – a União; II – os Estados, o Distrito Federal e os Territórios; III – os Municípios; IV – as autarquias, inclusive as associa-ções públicas; V – as demais entidades de caráter público criadas por lei”. • O domicílio da pessoa jurídica O domicílio da pessoa jurídica é o local que for escolhido nos seus atos constitutivos, ou em não tendo havido esta escolha, será considerado como domicílio o local de sua sede, por ser este o local onde deverá cumprir suas obrigações. • Extinç̃o da pessoa jurídica A extinção da pessoa jurídica pode ser chamada de dissolução ou liquidação, dependendo do tipo de sociedade. De forma simpliicada, podemos airmar que a dissolução da pessoa jurídica pode ocorrer por vontade dos sócios (convencional), por determinação legal ou administrativa e, ainda, por decisão judicial. Conforme Golçalves (2018, p. 237), o ato de dissolução pode assumir quatro formas distintas: Convencional – por deliberação de seus membros, conforme quorum previsto nos estatutos ou na lei. A vontade humana criadora, hábil a gerar uma entidade com personalidade distinta da de seus membros, é também capaz de extingui-la. Dispõe o Art. 1.033 do Código Civil que a sociedade se dissolve quando ocorre a “deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado” (inc. III). Na de prazo determinado, quando há “consenso unânime dos sócios” (inc. II). 182 UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO Legal – em razão de motivo determinante na lei (Arts. 1.028, II, 1.033 e 1.034), como, verbi gratia, a decretação da falência (Lei n. 11.101, de 9.2.2005), a morte dos sócios60 (CC, Art. 1.028) ou desaparecimento do capital nas sociedades de ins lucrativos. As associações que não os têm não se extinguem pelo desaparecimento do capital, que não é requisito de sua existência. Administrativa – quando as pessoas jurídicas dependem de autorização do Poder Público e esta é cassada (CC, Art. 1.033), seja por infração a disposição de ordem pública ou prática de atos contrários aos ins declarados no seu estatuto (Art. 1.125), seja por se tornar ilícita, impossível ou inútil a sua inalidade (Art. 69, primeira parte). Pode, nesses casos, haver provocação de qualquer do povo ou do Ministério Público (CPC de 1939, Art. 676, que continua em vigor, juntamente com todo o procedimento para a dissolução e liquidação da sociedade, por força do disposto no Art. 1.218 do Código de Processo Civil de 1973 e no Art. 1.046, § 3º, do atual diploma processual). Judicial – quando se conigura algum dos casos de dissolução previstos em lei ou no estatuto, especialmente quando a entidade se desvia dos ins para os quais se constituiu, mas continua a existir, obrigando um dos sócios a ingressar em juízo. Dispõe o Art. 1.034 do Código Civil que a sociedade pode ser dissolvida judicialmente, a requerimento de qualquer dos sócios, quando: “I – anulada a sua constituição; II – exaurido o im social, ou veriicada a sua inexequibilidade”. O rol é meramente exempliicativo, pois pode ser dissolvida por sentença, se necessário, em qualquer das hipóteses previstas nos Arts. 69, primeira parte, 1.028, II, 1.033 e 1.035. QUADRO 13 – EXTINÇÃO DA PESSOA JURÍDICA EXTINÇÃO DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO a) Convencional: por deliberação de seus membros, conforme quorum previsto nos estatutos ou na lei; b) Legal: em razão de motivo em determinante na lei (CC, art. 1. 034); c) Administrativa: quando as pessoas jurídicas dependem de autorização do Governo e praticam atos nocivos ou contrários aos seus ins; d) Natural: resulta da morte de seus membros, se não icou estabelecido que prosseguirá com os herdeiros; e) Judicial: quando se conigura algum dos casos previstos em lei ou no estatuto e a sociedade continua a existir, obrigando um dos sócios a ingressar em juízo. FONTE: Gonçalves (2018, p. 240) O processo de extinção da pessoa jurídica de acordo com Gonçalves (2018), realiza-se pela dissolução e pela liquidação que se refere ao patrimônio e refere-se ao pagamento das dívidas e à partilha entre os sócios. Se o destino dos bens não estiver previsto no ato constitutivo, a divisão e a partilha serão feitas de acordo com os princípios que regem a partilha dos bens da herança. TÓPICO 2 — DIREITO CIVIL NOÇÕES E ESTRUTURAS 183 2.2 PARTE GERAL – LIVRO II: DOS BENS No vocabulário jurídico, o conceito de bem pode ser considerado o conceito de coisa, entretanto, nem sempre esses conceitos caminham juntos. Para o conlito de conceitos, o Código Civil excluiu o vocabulário coisa de seus artigos, referindo-se apenas aos bens. 2.2.1 Conceito de bem Como estudamos anteriormente, a Parte Geral do Código Civil trata das pessoas, naturais e jurídicas, como sujeitos de direito e dos bens como objeto das relações jurídicas que se formam entre os referidos sujeitos, neste sentido Gonçalves (2018, p. 249) entende: Todo direito tem o seu objeto, como o direito subjetivo é poder outorgado a um titular, requer um objeto. Sobre o objeto, desenvolve- se o poder de fruição da pessoa. Objeto da relação jurídica é tudo o que se pode submeter ao poder dos sujeitos de direito, como instrumento de realização de suas inalidades jurídicas. Em sentido estrito, esse conjunto compreende os bens objeto dos direitos reais e também as ações humanas denominadas prestações. Para entendermos o conceito de bem, precisamos primeiro entender que, para o Direito, “bem” e “coisa” não se confundem. São bens apenas as coisas que têm valor econômico e que podem ser apropriados pelo homem. Para Gonçalves (2019) de uma forma especíica, esse conjunto compreende os bens objeto dos direitos reais e também as ações humanas denominadas prestações. Em sentido amplo, oobjeto pode consistir: FIGURA 22 – CARACTERÍSTICAS DE OBJETO FONTE: Gonçalves (2018, p. 249) Podemos, pois, chamar de “bem” “tudo aquilo que satisfaz uma obrigação” (GONÇALVES, 2006, p. 238-239), podendo também ser considerados bens as “coisas materiais, concretas, úteis aos homens e de expressão econômica, suscetíveis de apreciação, bem como as de existência imaterial economicamente apreciáveis” (ABRAM, 2013, p. 125). 184 UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO FIGURA 23 – CLASSIFICAÇÃO DOS BENS FONTE: Gonçalves (2018, p. 253) Existem várias espécies de bens, previstas no Código Civil: bens considerados em si mesmos (imóveis, móveis, fungíveis e consumíveis, divisíveis e bens singulares e coletivos), bens reciprocamente considerados, bens públicos etc. Para a nossa disciplina, será suiciente conhecermos as principais divisões. Vamos ver cada conceito separadamente? 2.2.2 Classificação dos bens • Bens móveis e imóveis Inicialmente vamos estudar a clássica divisão entre bens móveis ou imóveis. O conceito de bens móveis é trazido pelo próprio Código Civil, em seu Art. 82. “São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social” (BRASIL, 2002). TÓPICO 2 — DIREITO CIVIL NOÇÕES E ESTRUTURAS 185 FIGURA 24 – BENS MÓVEIS FONTE: Gonçalves (2018, p. 258) Os animais, chamados semoventes (porque se movem por si sós), são considerados pelo direito como bens móveis. Também são considerados bens móveis perante o direito civil as ações das sociedades, os papéis do mercado de valores, entre outros. Os imóveis, como regra geral, são os bens “que se não se podem transportar, sem destruição, de um para o outro lugar” (BEVILÁCQUA, 1927 apud GONÇALVES, 2019, p. 254). Assim, podemos considerar como bens imóveis o solo e seus componentes, o subsolo e o espaço aéreo. Porém, segundo o Código Civil (BRASIL, 2002), em seu Art. 79, “são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artiicialmente” e, assim sendo, são imóveis as construções, as plantações, as árvores e os frutos etc. Esta distinção é de suma importância por diversos motivos. Por exemplo, a aquisição da propriedade de bens móveis se dá pela simples tradição (entrega), enquanto a dos bens imóveis só ocorre depois do registro da escritura pública no cartório do registro de imóveis. Para as pessoas casadas entregarem bens imóveis como garantia (ex.: hipoteca), dependem da autorização do cônjuge, o que não acontece nos bens móveis, entre outros. • Bens fungíveis e infungíveis Outra classiicação divide os bens em fungíveis ou infungíveis. Os bens fungíveis, conforme o Art. 85 do Código Civil, são “os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade” (BRASIL, 2002), a exemplo do dinheiro e de alimentos. Ao contrário, os infungíveis são os que não têm as características anteriores, porém, é interessante como um bem fungível pode se tornar infungível, como nos exemplos trazidos por Gonçalves 186 UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO (2019, p. 260), quando uma pessoa empresta a outra uma moeda rara de colecionador, ou um boi que, emprestado para serviços de lavoura, é infungível, enquanto o mesmo boi, se destinado ao corte, se torna fungível. Exemplo da importância desta distinção se dá no estudo dos contratos, pois é ela que vai determinar a espécie de contrato cabível. Por exemplo, no mútuo, o objeto deve ser coisa fungível, enquanto no comodato o bem será necessariamente infungível. • Bens consumíveis ou inconsumíveis Os bens também podem ser classiicados em consumíveis ou inconsumíveis, sendo que os bens consumíveis, segundo o Art. 86 do Código Civil, são “os móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação” (BRASIL, 2002), neste sentido Gonçalves (2018), entende: FIGURA 25 – CLASSIFICAÇÃO DE BENS FONTE: Gonçalves (2018, p. 261) Os bens inconsumíveis são os que podem ser utilizados sem que haja destruição de sua substância. Neste sentido Gonçalves (2018, p. 262), entende: “Inconsumíveis são os bens que podem ser usados continuadamente, ou seja, os que permitem utilização contínua, sem destruição da substância. A rigor, a utilização mais ou menos prolongada acaba por consumir qualquer objeto, ainda que leve bastante tempo”. • Bens divisíveis e indivisíveis Quanto à divisibilidade, os bens classiicam-se em: FIGURA 26 – DIVISIBILIDADE DOS BENS FONTE: Gonçalves (2018, p. 264) TÓPICO 2 — DIREITO CIVIL NOÇÕES E ESTRUTURAS 187 O conceito de bens divisíveis também consta do Código Civil em seu Art. 87, que diz que bens divisíveis “são os que se podem fracionar sem alteração de sua substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se destinam” (BRASIL, 2002). Os bens indivisíveis são aqueles que não possuem esta qualidade, como exemplo, uma máquina, uma vez que se tirarmos uma peça, ela deixa de funcionar. Dispõe o Art. 88 do Código Civil que os “bens naturalmente divisíveis podem tornar -se indivisíveis por determinação da lei ou por vontade das partes” (BRASIL, 2002). • Bens singulares e coletivos Conforme o Art. 89 do Código Civil, são singulares os bens que, “embora reunidos se consideram de per si, (por si só) independente dos demais” (BRASIL, 2002). Assim, um carro é um bem singular quando considerado individualmente, como a maioria dos bens. Segundo Gonçalves (2018, p. 265) entende que: A doutrina classiica os bens singulares em: • simples, quando suas partes, da mesma espécie, estão ligadas pela própria natureza, como um cavalo, uma árvore; • compostos, quando as suas partes se acham ligadas pela indústria humana, como um edifício. As coisas simples que formam a coisa composta, mantendo sua identidade, denominam-se partes integrantes. Se perdem a identidade, chamam-se partes componentes. As partes integrantes, como as peças de máquinas, podem ser separadas do todo, as componentes, como o cimento de uma parede, não. Os bens coletivos, também chamados universalidades, são os que, “sendo compostos por várias coisas singulares se consideram em conjunto” (GONÇALVES, 2018, p. 265). Assim, o mesmo carro, que é um bem singular, pode integrar um conjunto e assim formar um bem coletivo, como uma frota. • Bens principais e acessórios Os bens podem ser ainda principais ou acessórios. Os bens acessórios são assim chamados porque dependem da existência de outro, o principal para existirem. “Assim o solo é bem principal, porque existe sobre si, concretamente, sem qualquer dependência” (GONÇALVES, 2018, p. 267), enquanto a árvore é bem acessório, pois depende do solo onde está plantada para existir. Apesar desta relação de dependência, o Código Civil permite que os bens acessórios (frutos e produtos) sejam objeto de negócio jurídico. Os bens acessórios são subdivididos em frutos, produtos, pertenças e benfeitorias. 188 UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO Os produtos se distinguem dos frutos porque não podem ser colhidos periodicamente, “como as pedras e os metais, que se extraem das pedreiras e das minas” (BEVILÁCQUA, 1927 apud GONÇALVES, 2018, p. 268). Já os frutos, segundo (GONÇALVES, 2018, p. 269) “são utilidades que uma coisa periodicamente produz. Nascem e renascem da coisa, sem acarretar-lhe a destruição no todo ou em parte [...]”. FIGURA 27 – CARACTERÍSTICAS DE BENS FONTE: Gonçalves (2018, p. 269) As pertenças, segundo o Art. 93, ao contrário dos frutos e produtos, não são partes integrantes do bem, como os produtos e os frutos, mas se destinam, de modo duradouro, ao uso, serviço ou amorfoseamento de outro. Como exemplo, podem-se citar os “objetosde decoração de uma residência” (GONÇALVES, 2018, p. 270). Por im, as benfeitorias “são os melhoramentos que podem ser inseridos na coisa” (GONÇALVES, 2018, p. 271). O tipo de melhoramento que for inserido na coisa determinará o tipo de benfeitoria, qual seja, necessárias, úteis ou voluptuárias. A distinção entre os tipos de benfeitoria é encontrada no Código Civil em seu Art. 96. Assim, de forma resumida, são necessárias aquelas destinadas à conservação do bem (ex.: manutenção de um telhado de uma casa), enquanto as necessárias são as que aumentam ou facilitam seu uso (ex.: instalação de um ar condicionado), e, por im, as voluptuárias que são aquelas de mero deleite ou recreio, mas que não aumentam nem facilitam o uso do bem (como por exemplo um jardim). Vistas as diferenças entre as classes de bens principais e suas subdivisões, para uma melhor compreensão, de forma esquematizada, podemos visualizar o seguinte: TÓPICO 2 — DIREITO CIVIL NOÇÕES E ESTRUTURAS 189 QUADRO 14 – CALSSES DE BENS PRINCIPAIS BENS RECIPROCAMENTE CONSIDERADOS Espécies: a) Principal: o bem que tem existência própria, que existe por si; b) Acessório aquele cuja existência depende do principal (art. 92) Princípio básico (da gravitação jurídica): o bem acessório segue o destino do principal, salvo estipulação em contrário. Em consequência: a) A natureza do acessório é a mesma do principal; b) O proprietário do principal é proprietário do acessório; c) Perecendo ou extinguindo-se o bem principal, extingue-se também o acessório, mas o contrário não é verdadeiro. Espécies de bens acessórios: a) Frutos: são as utilidades que uma coisa periodicamente produz. Dividem-se, quanto à origem, em naturais, industriais e civis; e, quanto ao estado, em pendentes, percebidos ou colhidos, estantes, percipiendos e consumidos; b) Produtos: são as utilidades que se retiram da coisa, diminuindo-lhe a quantidade. c) Pertenças: são os bens móveis que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao serviço ou ornamentação de outro (art. 93); d) Acessões: podem dar-se por formação de ilhas, aluvião, avulsão, abandono de álveo (acessões naturais) e plantações ou construções (acessões artiiciais ou industriais, art. 1.248 a V); e) Benfeitorias: acréscimos, melhoramentos ou despesas em bem já existente. Classiicam-se em: a) Necessárias; b) Úteis; e c) Voluptuárias (art. 96). FONTE: Gonçalves (2018, p. 277) • Bens públicos e privados Já os bens públicos, conforme o Art. 98 do Código Civil, são os “pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno” (BRASIL, 2002), como, por exemplo, as praias, as praças e outros bens pertencentes à União, Estados e Municípios. 190 UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO FIGURA 28 – BEM PÚBLICO FONTE: Gonçalves (2018, p. 274) Os bens públicos são inalienáveis, ou seja, a titularidade do direito de propriedade, como regra geral, não podem ser objeto de transferência. Somente em casos especiais, com regras especíicas constantes do Direito Administrativo é que a alienação destes bens será permitida. Os bens privados são os que pertencem aos particulares, salvo as exceções previstas na lei civil, poderão ser alienados, e assim, transferido o direito de propriedade sobre eles, quando forem, por exemplo, objeto de contrato de compra e venda, doação, e outras transações imobiliárias. 2.3 PARTE GERAL – LIVRO III: DOS FATOS JURÍDICOS No Livro III do Código Civil, vamos encontrar a legislação referente aos fatos jurídicos. O entendimento deste conceito é também fundamental no estudo das relações entre o Direito e as atividades empresariais. 2.3.1 Conceito de fato jurídico Primeiramente, precisamos entender: o que é um fato jurídico? É qualquer acontecimento que tenha consequências no mundo jurídico, ou seja, todo acontecimento que produz efeito jurídico. Em outras palavras, fatos que “interessem” (sejam importantes) para o Direito, e assim: QUADRO 15 – FATO JURÍDICO FATO JURÍDICO – Uma ocorrência que interessa ao Direito, ou seja, que tenha relevância jurídica. O fato jurídico lato sensu pode ser natural, denominado fato jurídico stricto sensu. Esse pode ser um fato ordinário ou extraordinário. Pode o fato ser ainda humano, surgindo o conceito de fato jurígeno. FÓRMULA. Fato jurídico = Fato + Direito. FONTE: Adaptado de Tartuce (2019, p. 197) TÓPICO 2 — DIREITO CIVIL NOÇÕES E ESTRUTURAS 191 Concluindo que: Só é fato jurídico o acontecimento que produz efeitos no mundo jurídico. Desta forma: Ño é todo acontecimento que será um fato jurídico. Para entendermos bem esta airmação, podemos imaginar que o nascimento de uma pessoa é um fato jurídico, pois produz efeitos no mundo jurídico. Você lembra que o nascimento com vida é o início da personalidade jurídica? Então, o nascimento é um fato que tem relevância para o Direito, e, por isso é considerado um fato jurídico. 2.3.2 Classificação dos fatos jurídicos Os fatos jurídicos podem ser naturais, porque vêm da natureza (ex.: nascimento, morte, terremoto, raios etc.), e, assim, independem da vontade humana para ocorrerem; ou humanos, que dependem da vontade humana para se veriicarem, que também são chamados atos jurídicos. Para o nosso estudo, é preciso que entendamos bem o conceito de ato jurídico. Mas antes, vamos visualizar de forma esquematizada o que vimos até agora? FIGURA 29 – FATOS JURÍDICOS FONTE: A autora Os atos jurídicos são divididos em lícitos, quando seus efeitos são voluntários, e ilícitos, quando os efeitos são involuntários, conforme explica Gonçalves (2019, p. 413). 192 UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO FIGURA 30 – ATOS LÍCITOS E ILÍCITOS FONTE: Gonçalves (2018, p. 413) Desta forma, um contrato de compra e venda, que seja irmado dentro do que dispõe a lei, será um ato jurídico lícito, pois seu efeito será aquele esperado, ou seja, o pagamento do preço resultará na transferência da propriedade. Já um acidente de trânsito será um ato ilícito, pois gerará efeitos não pretendidos pelas partes envolvidas. 2.3.3 Negócio jurídico Dentre a classiicação dos atos jurídicos, temos o NEGÓCIO JURÍDICO, como você pôde ver do esquema anterior, tendo como característica principal a junção da vontade dos agentes (particulares) que produzirá os efeitos pretendidos, ou seja, criar, modiicar, transferir ou extinguir direitos. Por isso se diz que o contrato é seu símbolo (AMARAL, 2002 apud GONÇALVES, 2019, p. 291). CONTRATO = NEGÓCIO JURÍDICO • Requisitos de validade do negócio jurídico Para que o negócio jurídico seja VÁLIDO, ou seja, para que possa produzir os efeitos de criar, modiicar, transferir ou extinguir direitos, é necessário que estejam presentes seus requisitos de validade, previstos no Art. 104 do Código Civil: Você entendeu por que este conceito é tão importante? Porque as transações empresariais geralmente envolvem contratos, que são as principais espécies de negócio jurídico. IMPORTA NTE TÓPICO 2 — DIREITO CIVIL NOÇÕES E ESTRUTURAS 193 FIGURA 31 – VALIDADE DO NEGÓCIO FONTE: A autora Para que o agente seja CAPAZ, é preciso que tenha CAPACIDADE CIVIL, que é a aptidão para praticar por si os atos da vida civil. Esta incapacidade pode ser absoluta ou relativa, como vimos anteriormente. Em caso de incapacidade absoluta do agente (por exemplo, menores de 16 anos) ele será representado e em caso de incapacidade relativa (por exemplo, maior de 16 e menor de 18 anos) o agente será assistido. O OBJETO LÍCITO é “o que não atenta contra a lei, a moral ou os bons costumes” (GONÇALVES, 2019, p. 311). Assim, como você já viu, os bens públicos não podem ser objeto de compra e venda, pois sua alienação não é permitida por lei. A FORMA é a maneira pela qual o negócio jurídico se exterioriza. Segundo o Código Civil, a forma deveser a prescrita (prevista) ou não defesa (proibida) em lei. Assim, por exemplo, falando em transações imobiliárias, podemos dizer que a compra e venda de um bem imóvel para ser válida DEVE NECESSARIAMENTE SER REALIZADA POR ESCRITURA PÚBLICA, e não apenas por contrato, pois assim exige o Código Civil. • Nulidade e anulabilidade do negócio jurídico Quando faltarem os requisitos legais, o negócio jurídico será NULO, como previsto no Art. 166 do Código Civil. No negócio jurídico, a vontade é o elemento essencial, porque ele nasce da conjunção de duas vontades. Por isso, ela deve ser LIVRE, ou seja, não deve haver nada que inluencie a manifestação desta vontade. Se assim não for, o negócio jurídico será viciado, e será anulável, no prazo de quatro anos (conforme Art. 178, CC). Poderá também ser ANULÁVEL, em caso de incapacidade relativa do agente ou vício de consentimento, também chamado defeito do negócio jurídico que se originam da vontade viciada. São defeitos do ato jurídico os previstos nos artigos 138 ao 165 do Código Civil: o erro substancial, o dolo, a coaç̃o, o estado de perigo, a les̃o e a fraude contra credores. De uma forma simpliicada, podemos dizer que: 194 UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO • No erro, a pessoa não tem noção da verdade, e, se soubesse, a manifestação da vontade seria diferente. • No dolo, há o emprego de um artifício para induzir alguém para realizar o negócio em benefício próprio ou de terceiro. • Na coaç̃o, há um fundado temor de dano próximo a acontecer (iminente) à pessoa, à família ou aos seus bens. • Na fraude a credores, o devedor se desfaz de seus bens, de forma maliciosa para escapar das dívidas. • No estado de perigo, icará demonstrado quando alguém se obrigar por uma prestação muito onerosa, para salvar a si, pessoa de sua família, ou outro ente querido de grave dano conhecido da outra parte. • Por im, haverá les̃o quando uma pessoa, em razão de necessidade ou inexperiência se obriga por uma prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. Por exemplo, quando uma pessoa vende um bem por um valor muito inferior ao que ele realmente vale, por diiculdades inanceiras. Assim, se um negócio jurídico for assinado por um menor de 16 anos, ele será nulo e não poderá produzir efeitos. Porém, se uma pessoa maior for coagida a assiná-lo, ele será anulável, só não produzindo efeitos depois desta declaração. 2.4 CÓDIGO CIVIL – PARTE ESPECIAL Agora podemos conhecer os ramos do Direito Civil que compõem a parte especial do Código Civil: Direito das Obrigações, Direito da Empresa, Direito das Coisas, Direito de Família e Direito das Sucessões. Cada um dos ramos especíicos desta parte especial disciplina uma espécie de relação jurídica, como veremos nos próximos itens. 2.4.1 Direito das obrigações O Direito das Obrigações, consiste num complexo de normas que rege relações jurídicas de ordem patrimonial, as quais têm por objeto prestações de um sujeito em proveito de outro (GONÇALVES, 2018). Do conceito de Direito das Obrigações que estudamos anteriormente, podemos extrair o conceito de obrigação, que, como o próprio nome diz, é uma relação jurídica de natureza pessoal (você lembra o conceito de relação jurídica pessoal que vimos na Unidade 1?), de natureza patrimonial, em que o credor de um lado tem o direito de exigir do devedor, de outro, uma prestação de dar, fazer ou não fazer. Diniz (2008, p. 3) fornece como exemplos desta relação o locador, que “tem o direito de exigir o preço do aluguel, e o do vendedor, que tem direito de exigir do comprador o preço”. Veja a igura: TÓPICO 2 — DIREITO CIVIL NOÇÕES E ESTRUTURAS 195 FIGURA 32 – TIPOS DE OBRIGAÇÕES FONTE: A autora Analisando este conceito, podemos ver que alguém se obriga a uma prestação que pode ter três modalidades, que correspondem ao tipo de obrigação: obrigação de dar, fazer ou não fazer. A obrigação de é de dar (entregar) uma coisa quando este é o seu objeto, como no contrato de compra e venda. A obrigação de dar pode ser de dar coisa certa (especíica, o carro X, o imóvel Y) ou incerta (ex.: a venda de uma safra). Já a obrigação de fazer, como a que envolve um contrato de prestação de serviços, e de ño fazer, quando as partes se obrigam a deixar de fazer alguma coisa, como, por exemplo, quando um vizinho se obriga a não construir um muro. Nas obrigações há três elementos: o sujeito ativo e o sujeito passivo e o objeto. O sujeito ativo, ou o credor, é aquele que pode exigir a prestação; o sujeito passivo, ou devedor, é o que deve cumprir a obrigação; e o objeto, a obrigação de dar, fazer ou não fazer, conforme vimos anteriormente. • Fontes das obrigações No nosso sistema, as fontes das obrigações são: os contratos e declarações unilaterais de vontade (obrigações contratuais) e as que nascem dos atos ilícitos (obrigações extracontratuais). Como exemplo desta última, podemos citar a indenização a que tem direito a vítima de um acidente de trânsito. Conforme Gonçalves (2019a), pode-se dizer, desse modo, que constituem fontes das obrigações os fatos jurídicos que dão origem aos vínculos obrigacionais, em conformidade com as normas jurídicas, ou melhor, os fatos jurídicos que condicionam o aparecimento das obrigações. 196 UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO FIGURA 33 – FONTES DAS OBRIGAÇÕES FONTE: Gonçalves (2019a, p. 493) Segundo Gonçalves (2019a), entende-se que a obrigação resulta da vontade do Estado, por intermédio da lei, ou da vontade humana, por meio do contrato, da declaração unilateral da vontade ou do ato ilícito. No primeiro caso, a lei atua como fonte imediata, direta, da obrigação; nos demais, como fonte mediata ou indireta. • Espécies de obrigações Há três espécies de obrigação de fazer, a saber: FIGURA 34 – ESPÉCIES DE OBRIGAÇÕES FONTE: Gonçalves (2019a, p. 517) QUADRO 16 – TIPOS DE OBLIGAÇÃO Obrigaç̃o de fazer infungível, personalíssima ou intuitu personae: a) Quando for convencionado que o devedor cumpra pessoalmente a prestação. Neste caso, havendo cláusula expressa, o devedor só se exonerará se ele próprio cumprir a prestação, executando o ato ou serviço prometido. Incogitável a sua substituição por outra pessoa, preposto ou representante. b) Quando o devedor for contratado em razão das suas qualidades proissio- nais, artísticas ou intelectuais. Quando for convencionado que o devedor cumpra pessoalmente a prestação, estaremos diante de obrigação infungível. Em duas hipóteses a obrigação de fazer é infungível, imaterial ou personalíssima (intuitu personae, no dizer dos romanos). TÓPICO 2 — DIREITO CIVIL NOÇÕES E ESTRUTURAS 197 Obrigaç̃o de fazer fungível ou impessoal Quando não há tal exigência expressa, nem se trata de ato ou serviço cuja execução dependa de qualidades pessoais do devedor ou dos usos e costumes locais, podendo ser realizado por terceiro, diz-se que a obrigação de fazer é fungível, material ou impessoal (CC, Art. 249). Se, por exemplo, um pedreiro é contratado para construir um muro ou consertar uma calçada, a obrigação assumida é de caráter material, podendo o credor providenciar a sua execução por terceiro, caso o devedor não a cumpra. Obrigaç̃o de fazer consistente em emitir declaraç̃o de vontade A obrigação de fazer pode derivar, ainda, de um contrato preliminar (pacto de contrahendo) e consistir em emitir declaração de vontade, por exemplo, outorgar escritura dei¬ nitiva em cumprimento a compromisso de compra e venda ou endossar o certiicado de propriedade de veículo. Essa modalidade é disciplinada no Art. 501 do Código de Processo Civil. FONTE: Adaptado de Gonçalves (2019a, p. 527-518) A obrigação será alternativa quando o devedor puder escolher entre cumprir uma obrigação ou outra. Por exemplo, poderá o devedor escolher entre entregarum carro OU o seu equivalente em dinheiro. A obrigação será cumulativa quando o devedor necessitar cumprir todas as obrigações para que se libere. Exemplo: o devedor deverá construir e pintar um muro. Divisível será a obrigação que pode ser dividida entre os credores ou devedores. Por exemplo, a dívida é de R$ 1.500,00, e cada um dos devedores ica responsável pelo pagamento de R$ 500,00. Será indivisível quando essa divisão não for possível. Exemplo: dois devedores se obrigam a entregar uma casa ao credor. A obrigação será personalíssima, quando o cumprimento da obrigação só possa ser executado pelo próprio devedor, de forma exclusiva e pessoal. Exemplo clássico deste tipo de obrigação é o pintor famoso contratado para pintar um quadro. UNI 198 UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO • Transmiss̃o das obrigações As obrigações podem ser cedidas para outra pessoa que não o devedor ou o credor? Podem sim, através das iguras jurídicas que estudaremos a seguir: Cessão de Crédito e Assunção de Dívida. A Cessão de Crédito “é negócio jurídico bilateral, pelo qual o credor transfere a outrem seus direitos na relação obrigacional” (GONÇALVES, 2019a, p. 597). Esta transferência que parte do credor pode ou não envolver o pagamento de valores (onerosa), ou ser gratuita. Quem transfere se chama Cedente, e aquele que recebe o crédito se chama Cessionário. Já a Assunção de Dívida ocorre quando uma terceira pessoa, com a concordância do credor (por escrito) assume o lugar do antigo devedor, que ica então livre da dívida. Neste sentido Gonçalves (2019a, p. 605) entende: Segundo a doutrina, é um negócio jurídico bilateral, pelo qual o devedor, com anuência expressa do credor, transfere a um terceiro, que o substitui, os encargos obrigacionais, de modo que este assume sua posição na relação obrigacional, respon-sabilizando-se pela dívida, que subsiste com os seus acessórios20 . Ocorre frequen¬ temente, por exemplo, na venda do fundo de comércio, em que o adquirente declara assumir o passivo, e na cessão de inanciamento para aquisição da casa própria. • Cumprimento ou pagamento da obrigaç̃o O cumprimento da obrigação é o ato que libera o devedor. Assim: Pagamento do credor satisfação da obrigação liberação do devedor extinção da obrigação. Mas, para que o cumprimento ou pagamento da obrigação seja efetivo, temos que observar: • Quem deve pagar o próprio devedor, outra pessoa por ele, a não ser que a obrigação seja personalíssima (que só pode ser cumprida pelo próprio devedor), por exemplo, a obrigação de pintar um quadro. • A Quem se deve pagar a obrigação, como regra geral, deve ser paga ao próprio credor, ou pessoa por ele autorizada, para ter eicácia. • A prova do pagamento ao pagar, o devedor deverá exigir o recibo, que é seu direito e a única prova do pagamento, pois este não se presume. • Local do pagamento a obrigação como regra geral, deve ser paga no local em que for convencionado. Na omissão, deverá ser cumprida no domicílio do devedor. Se a prestação for a entrega do imóvel ou prestação relativa a este, o local do pagamento será o da localização do bem. • Data do pagamento o pagamento deverá ser realizado na data convencionada, e se assim não acontecer, icará o devedor sujeito aos encargos do não pagamento. Se não houver data convencionada, considera-se que o pagamento deve ser feito à vista. TÓPICO 2 — DIREITO CIVIL NOÇÕES E ESTRUTURAS 199 • Descumprimento da obrigaç̃o Pode acontecer de o devedor não cumprir a obrigação na data combinada. Então, diremos que o devedor é inadimplente, porém este não cumprimento sujeitará o devedor a algumas consequências, que vamos conhecer agora. A primeira consequência é a mora, que é o atraso ou o retardamento do pagamento. A mora tanto pode ser do devedor (que não paga) ou do credor (que se recusa a receber). O devedor poderá icar assim sujeito ao pagamento de multa, juros, ou outros encargos previstos no contrato. As perdas e danos se referem àquilo que o devedor perdeu (danos emergentes) e o que deixou de ganhar (lucros cessantes), em razão do descumprimento da obrigação. Outra consequência é o pagamento de juros moratórios, que só podem ser estipulados no máximo em 12% ao ano, conforme o Código Civil. A cláusula penal, por sua vez, será aplicada quando houver descumprimento da obrigação, a exemplo do que acontece nos aluguéis quando o locador ou locatário quiser terminar antecipadamente o contrato, icando sujeito ao pagamento de três meses de aluguel. Por im, temos as arras ou sinal de negócio. As arras são uma quantia que o comprador paga ao vendedor para garantir o negócio (arras compensatórias), ou como compensação pelo arrependimento (arras penitenciais). Conforme o Código Civil, quando o comprador desistir do negócio, perderá os valores das arras em favor do vendedor. Quando for o vendedor o desistente, este deve devolver o que recebeu em dobro. • Obrigações contratuais As obrigações contratuais são aquelas que se originam de um contrato, que é uma espécie de negócio jurídico (como vimos anteriormente), pois cria, modiica, conserva ou extingue direitos. As partes contratantes têm plena liberdade de contratar, que é o princípio conhecido como autonomia da vontade. Pode haver, ainda, o perdão da dívida, que se chama remissão. ATENCA O 200 UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO Porém, costuma-se dizer que o Código Civil limitou este princípio quando exige que, quando as partes irmarem um contrato, será necessário haver a boa- fé objetiva (Art. 422 do Código Civil), que signiica que a parte deverá pensar e agir com probidade e honestidade. Também limitam a liberdade de contratar e a função social do contrato (Art. 421 do Código Civil). Podemos citar como exemplos de contratos que você poderá utilizar em sua atividade proissional: o comodato (empréstimo gratuito de bem infungível), a locação (cessão de uso mediante remuneração), o mútuo (empréstimo de bem fungível), mandato (concessão de poderes de representação através de uma procuração), entre outros. 2.4.2 Direito empresarial O Código Civil de 2002 revogou a primeira parte do Código Comercial (Lei nº 566/1850), passando então a regular vários institutos que eram do Direito Comercial, segundo Requião (2006). Por isso, alguns autores entendem que não há mais porque se distinguir o Direito Comercial, que passou a se denominar Direito Empresarial. Como dito, o atual Código Civil brasileiro de 2002 teve inspiração no Código Civil Italiano, trazendo tanto a base legislativa do direito civil quanto empresarial. No entanto, o direito empresarial possui sua autonomia, com princípios próprios. Representa a atividade proissional em que a empresa se constitui como principal objeto na construção da economia. A evolução da teoria da empresa e do direito empresarial no Brasil trouxe um dinamismo e uma maior importância nesta atividade econômica. Assim, convencionou-se que todos aqueles que através de sociedades se organizam economicamente são chamados de sociedades empresárias (ao contrário das sociedades cooperativas, que são sociedades simples). Os requisitos referentes à empresa como atividade econômica organizada, segundo Sanchez (2017), são: • Proissionalidade: exercício habitual e frequente da atividade empresarial praticada em nome próprio, direta ou indiretamente pelo empresário (individual ou organização societária), respondendo por seus atos. Essa responsabilidade é tratada pela doutrina por pessoalidade. • Atividade econômica: dinâmica que visa o lucro através da produção, prestação e comércio de bens e serviços. • Organizaç̃o: trata-se da junção de dois importantes elementos: mão de obra e capital. Trata-se do principal elemento que caracteriza a empresa, sendo seu caráter organizacional necessário para articularo capital, os trabalhadores e a matéria-prima gerando eiciência produtiva e lucro. TÓPICO 2 — DIREITO CIVIL NOÇÕES E ESTRUTURAS 201 FIGURA 35 – CARACTERÍSTICAS DE EMPRESA FONTE: Abram e Dorow (2009, p. 118) Prezado acad̂mico, diante da importância que o Direito Empresarial representa em sua futura atividade, seus conteúdos serão estudados em uma disciplina especíica chamada Direito Empresarial e Direito Tributário, que voĉ cursará mais adiante. ESTUDOS FUTUR OS 2.4.3 Direito das coisas O Direito das coisas, por sua vez, disciplina a relação que “regular o poder dos homens, no aspecto jurídico, sobre os bens e os modos de sua utilização econômica” (GONÇALVES, 2019a, p. 357). Para nosso estudo, será suiciente conhecermos seus principais institutos. Iniciaremos pela posse e propriedade que são direitos reais. O direito real é o direito que uma pessoa exerce sobre uma coisa, tendo o direito de buscar (através de uma ação judicial) esta coisa das mãos de quem quer que se encontre. A este poder chama-se “direito de sequela”, que cria um vínculo jurídico entre a pessoa e o bem e permite, por exemplo, que a pessoa entre na justiça para pedir uma reintegração de posse de suas terras invadidas. Além disso, tem efeito erga omnes, o que signiica dizer que, estando devidamente registrado no Registro de Imóveis, tem validade contra todos, sem que se possa alegar desconhecimento da titularidade deste direito. Existem os direitos reais sobre as coisas próprias, como a propriedade e os direitos reais sobre as coisas alheias, tais como a hipoteca, o usufruto e o penhor. Iniciaremos pelo estudo da propriedade, principal objeto do Direito das Coisas. 202 UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO 2.4.3.1 Propriedade Segundo o Art. 1.228 do Código Civil, a propriedade ou domínio é o direito que seu titular possui de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê- la de quem injustamente a possua ou detenha. É garantido pela Constituição Federal, em seu Art. 5º, XXII da Carta Magna, que, porém, diz que a propriedade deve atender sua função social. Esta limitação também está expressa no parágrafo primeiro do referido Art. 1228 do Código Civil. • Classiicação da propriedade Diz-se que a propriedade é plena quando todos estes direitos podem ser realizados pelo proprietário, sendo assim considerada até que se prove o contrário, conforme Art. 1.231 do Código Civil. A propriedade será limitada, quando sobre ela recair um direito real (ex.: hipoteca), ou for resolúvel, quando tem prazo certo para se extinguir. E como se adquire a propriedade imóvel? • Formas de aquisiç̃o da propriedade São várias as formas de se adquirir a propriedade: registro do título, usucapião e acessão. Vejamos cada um deles. A forma mais comum de aquisição da propriedade é o registro do título (Art. 1.245 do CC) que transfere a propriedade do bem imóvel. O título a que a lei se refere é a escritura pública, uma vez que, em se tratando de bens imóveis é obrigatório que esta seja lavrada em um cartório que se chama tabelionato. É importante lembrar que “sobre a propriedade o mais importante é sabermos identiicar quem realmente é o proprietário do bem” (RAPOSO; HEINE, 2004, p. 84). E acrescentam: No caso de bens imóveis, só é proprietário aquele que igura como tal no Registro de Imóveis. Você já ouviu dizer que quem não registra não é dono? Quer saber o que é este título e este registro? É o que vamos ver em seguida. UNI TÓPICO 2 — DIREITO CIVIL NOÇÕES E ESTRUTURAS 203 Você viu que para ser proprietário de um bem imóvel não basta ter um contrato ou uma escritura. É preciso que esta escritura esteja registrada no Registro de Imóveis. Assim, se um imóvel for vendido duas vezes, será considerado proprietário aquele que primeiro registrar a escritura. ATENCA O O Registro de Imóveis é o cartório responsável por manter um cadastro, chamado “matrícula”, de todos os imóveis existentes na cidade. Na matrícula, consta um número, todos os dados do imóvel e o “histórico” de seus proprietários, ônus reais etc. É como se fosse uma “carteira de identidade” do imóvel. Nas cidades maiores, os registros de imóveis são geralmente divididos em regiões que se chamam “ofícios”. Assim, dependendo do endereço do imóvel, ele pertencerá ao 1º, ou 2º Ofício, e assim por diante. Outra forma de aquisição da propriedade é a usucapião, que é o direito de propriedade que o possuidor da coisa que a possui como sua (animus domini), sem que haja oposição de ninguém durante um certo prazo de tempo, passa a ter. Este direito deve ser reconhecido em sentença judicial, que servirá como título de transferência da propriedade no Registro de Imóveis, porém, o pedido deve obedecer a alguns requisitos legais, que variam de acordo com o prazo de ocupação, o tipo de área e a existência de justo título, ou seja, de um documento (ex.: contrato de compra e venda) que comprove a posse nos termos exigidos pelo Código Civil. Não entraremos aqui nas espécies de usucapião, por não ser objeto especíico de nosso estudo, mas é importante que se deixe claro que o possuidor pode somar a sua posse a do seu antecessor, desde que seja de boa-fé e que os bens públicos não podem ser objeto de usucapião. Enim, adquire-se a propriedade pela acessão, que quer dizer “agregar, unir. Logo, aquisição por acessão signiica tudo aquilo que é acrescido ao imóvel, que pode se dar de forma natural ou artiicial” (RAPOSO; HEINE, 2004, p. 87). De forma resumida, os mesmos autores esclarecem que: o A acess̃o ocorre de forma natural, quando há a formação de ilhas, pela aluvião (acréscimos sucessivos e imperceptíveis nas margens ou na foz de rios, de materiais trazidos pelas correntes), pela avulsão (acréscimo de porção de terra arrancada por força natural violenta) ou pelo álveo abandonado (leito de rio que secou). A acessão de forma artiicial são as construções e as plantações que, segundo o Art. 1.253 do CC, presumem- se feitas pelo proprietário às suas custas. Já vimos como se adquire a propriedade. E como se perde a propriedade? Quanto à perda da propriedade, podemos dizer que os meios previstos no Código Civil são: 204 UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO o Alienação transferência voluntária da propriedade (ex.: a compra e a venda, a doação etc.). o Renúncia desistência do direito de propriedade sobre o imóvel. o Abandono do imóvel. o Perecimento da coisa. o Desapropriação quando o imóvel for de necessidade pública ou utilidade pública, hipótese em que a Constituição Federal garante a justa e prévia indenização. Para a defesa da propriedade, o titular deverá entrar em juízo com uma ação reivindicatória. • Posse Segundo Gonçalves (2019a), a posse distingue-se da propriedade, mas o possuidor encontra-se em uma situação de fato, aparentando ser o proprietário. Posse é conduta de dono. Sempre que haja o exercício dos poderes de fato, inerentes à propriedade, existe a posse (GONÇALVES, 2019a). O Código Civil considera, em seu Art. 1196, como possuidor aquele que tem de fato ou não algum dos poderes relativos à propriedade. O locatário pode ser citado como exemplo de possuidor. Ele tem o poder de usar da coisa, e de buscá-la de alguém que injustamente a possua. A posse pode ser classiicada de diversas formas: FIGURA 36 – POSSE FONTE: A autora Vamos ver os conceitos separadamente? o Direta ou indireta: a posse direta é aquela exercida efetivamente sobre o bem. Para entender seu conceito, podemos retomar o exemplo da locação. O proprietário transfere ao locador a posse direta. Porém, não perde sua posse, mas a exerce de forma indireta, o que lhe possibilita defender sua posse em juízo. TÓPICO 2 — DIREITO CIVIL NOÇÕES E ESTRUTURAS 205 o Justa ou injusta (violenta, clandestina ou precária): a posse justa é aquela que é amparadaem um fato legal, de acordo com a lei, tais como a decorrente de um contrato, a ocupação de um imóvel como dono sem contestação (que depois pode originar o direito à usucapião, como vimos anteriormente) etc. Diz-se que não contém vícios. A posse justa dá direito ao possuidor de receber os frutos e o recebimento de uma indenização, caso venha a perder judicialmente esta posse. A posse injusta, ao contrário, tem como fato gerador um ato violento (ex.: invasão), clandestino (tomada da posse com utilização de artifícios) ou ainda a posse precária, que decorre da não devolução por uma pessoa que recebe o bem temporariamente. Um exemplo que pode ser citado é o do contrato de comodato, contrato imobiliário em que se empresta um bem infungível gratuitamente. Findo o prazo do contrato, o comodatário se recusa a devolver o bem. Sua posse, que era justa (porque amparada no contrato), torna-se injusta, porque viciada pela precariedade. A posse injusta não pode se transformar em justa. o De boa-fé e de má-fé: o possuidor de boa-fé é aquele que “tem a posse com a plena ccconvicção de ser legítima, desconhecendo eventual vício na aquisição, ao contrário da de má-fé, onde o possuidor sabe que a posse é viciada. [...] Ele sabe que o bem não lhe pertence e mesmo assim o detém” (RAPOSO; HEINE, 2004, p. 83). o Posse nova e posse velha: diz-se posse nova aquela que é exercida pelo possuidor há menos de um ano e um dia, enquanto a posse velha é exercida há mais de um ano e um dia. Esta diferenciação é importante para a determinação do tipo de ação judicial que deverá ser ajuizada para a defesa da posse. A posse pode ser esbulhada ou turbada. Quando o possuidor perde a posse, diz-se que ocorreu esbulho possessório. Já quando não há perda da posse, mas apenas uma “perturbação”, diz-se que ocorreu turbação. Para ilustrar esta diferença, vamos pensar no seguinte exemplo: dois terrenos vizinhos. O dono de um deles, entendendo que a cerca divisória está errada e que sua área é maior, sem ter razão, derruba a cerca. Praticou um ato de turbação da posse. Já se, neste mesmo caso, ele mudar a cerca de lugar, “invadindo” o terreno do vizinho, ele praticará nítido ato de esbulho. Também a lei admite a possibilidade de o possuidor evitar a ocorrência de ato de esbulho ou turbação, por exemplo, evitando uma invasão, através de uma ação chamada interdito proibitório. Para defender judicialmente a sua posse, o possuidor pode ajuizar as seguintes ações, dependendo do ato praticado: o Reintegração de posse quando houver perda da posse. o Manutenção de posse quando houver turbação da posse. o Interdito proibitório para evitar que haja a turbação ou o esbulho. 206 UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO • Direitos reais sobre as coisas alheias Como já dissemos, o direito real é aquele que a pessoa exerce sobre a coisa. Já vimos também que este direito real pode ser exercido sobre coisa própria, como ocorre com a propriedade. Contudo, este direito real também pode ser exercido sobre uma coisa de outra pessoa, ou seja, sobre coisa alheia. Estes direitos podem recair sobre coisas móveis, como, por exemplo, o penhor ou sobre imóveis, a exemplo da hipoteca. Os direitos reais sobre as coisas alheias serão apresentados a seguir. • Coisas alheias de gozo e fruiç̃o Os direitos reais sobre coisas alheias de gozo e fruição são os que se referem à utilização da coisa alheia, sendo que são os seguintes que recaem sobre imóveis: superfície, servidão, usufruto, uso, e habitação. O direito de superfície é o previsto no Art. 1.369 do Código Civil e é aquele em que o proprietário concede a outra pessoa o direito de construir ou plantar em seu terreno, por prazo determinado. Esta concessão pode ser gratuita ou não. Aquele que recebe o imóvel tem nome de supericiário e icará responsável pelo pagamento dos tributos relativos ao imóvel. Ao inal, a construção ou plantação icará para o proprietário, a não ser que haja um contrato estipulando uma indenização. Já o direito de servidão consiste “na utilização do imóvel serviente por parte do imóvel dominante” (RAPOSO; HEINE, 2004, p. 91). A servidão mais conhecida é a servidão de passagem, ou passagem forçada, em que parte de um terreno (imóvel serviente) serve de passagem para um outro (dominante). A servidão pode ser estabelecida por contrato, testamento ou decisão judicial e o proprietário do imóvel serviente é obrigado a respeitá-la. O usufruto, como o próprio nome diz, é o direito de “usar” e “fruir” da coisa. O proprietário, que passa a ser conhecido por “nu-proprietário”, transfere estes direitos ao “usufrutuário”. Utiliza-se muito o usufruto em nosso país em processos de separação e quando se realiza partilha em vida, para evitar o processo de inventário. Pelo usufruto, os pais passam a propriedade dos imóveis para os ilhos, icando-lhes reservado o usufruto. Como podem usar e fruir, podem morar no bem ou até mesmo alugá-lo, porque o aluguel é uma espécie de fruto, como vimos anteriormente. O nu-proprietário até pode vender o bem, mas este ônus real vai acompanhá-lo e o novo proprietário terá que aguardar a extinção deste direito real, pela morte do usufrutuário ou concordância deste em extinguir o usufruto. Semelhante ao usufruto, há o direito de uso, com a diferença que, no uso, a pessoa usará a coisa e perceberá seus frutos de acordo com a necessidade de sua família. O Código Civil determina que se aplique ao uso, aquilo que for compatível às regras do usufruto. TÓPICO 2 — DIREITO CIVIL NOÇÕES E ESTRUTURAS 207 Por im, o direito de habitação é o de utilizar o imóvel para moradia, de forma gratuita, a exemplo do que ocorre no caso de falecimento de um dos cônjuges. Também se aplica a este direito real as disposições legais relativas ao usufruto. • Coisas alheias de aquisiç̃o Como direito real sobre coisa alheia de aquisição, temos o Direito de Promitente Comprador do Imóvel, previsto no Código Civil e também a promessa de cessão de direitos, relativos a imóveis não loteados, sem cláusula de arrependimento e com imissão de posse, inscrito no registro de imóveis – Lei nº 4.380/64 e Art. 167, I, 9 (RAPOSO; HEINE 2004, p. 99). São chamados de direitos reais sobre coisa alheia de aquisição, porque permitem ao comprador a possibilidade de exigir a concessão da escritura pública que transfere o direito de propriedade, sem que o vendedor possa “voltar atrás”. A Promessa de Venda ou Cessão de Unidades Condominiais (Lei nº 4591/64) e Propriedade Fiduciária de Imóveis também são apontados como direitos reais sobre coisas alheias (RAPOSO; HEINE, 2004, p. 100). • Coisas alheias de garantia Por im, os direitos reais de garantia. Por este direito, o bem ica vinculado ao cumprimento de uma obrigação, por exemplo, uma dívida, mas desde que estejam presentes todos os requisitos exigidos pela lei, especiicamente nos Arts. 1.419 e seguintes do Código Civil. Porém, o credor não poderá icar com o bem se a dívida não for paga, porque o artigo 1.428 do Código Civil proíbe esta prática. O bem será vendido e o dinheiro entregue ao credor. São direitos reais de garantia: o penhor, a hipoteca e a anticrese. O penhor tem por objeto bens móveis. O penhor, segundo o Art. 1431 do CC, constitui-se quando uma pessoa transfere a posse de um bem móvel para o credor de uma dívida. Agora que você já conhece os direitos reais sobre coisas alheias de uso e gozo, vamos partir para os direitos de aquisição. ESTUDOS FUTUR OS 208 UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO Na hipoteca, o devedor permanece na posse do imóvel e somente o perderá se não cumprir a obrigação. Quando tiver por objeto bem imóvel (o Art. 147 do CC traz uma lista de bens e direitos que podem ser objeto de hipoteca, além dos imóveis, tais como as estradas de ferro, os navios e as aeronaves),que é o tema do nosso estudo, a hipoteca abrange também seus acessórios. É importante dizer que, para efeito de hipoteca, os navios e as aeronaves são considerados imóveis, podendo assim haver uma hipoteca sobre estes bens. No direito real de anticrese, o devedor ou outra pessoa em seu nome entrega ao credor um bem de sua propriedade para que este receba os frutos em pagamento da dívida e dos juros. Cuidado para não confundir PENHOR e PENHORA. A penhora é a garantia dada em um processo judicial. Por isso, quando estiver falando sobre penhor, deve-se dizer que as joias foram EMPENHADAS (e não penhoradas, como se ouve frequentemente). ATENCA O Outro importante instituto do direito das coisas é o direito de construir. O direito de construir está previsto no Art. 1299 do Código Civil: O proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos. Ou seja, podemos airmar que o direito de construir e plantar é livre, porém não é pleno, pois sofre limitações previstas nos Arts. 1.300 a 1.312 do Código Civil. Dentre as limitações ao direito de construir estão: o não despejar água no terreno vizinho; o não abrir janelas ou construir terraços a menos de um metro e meio do terreno vizinho; respeitar, na zona rural, a distância mínima de três metros entre as construções; Lembre-se de que os direitos reais sobre coisas alheias devem ser registrados no Registro de Imóveis do local onde se localiza o imóvel, para terem eicácia erga omnes (contra todos). Este registro seguirá a ordem em que são apresentadas, fazendo-se a prenotação. IMPORTA NTE o TÓPICO 2 — DIREITO CIVIL NOÇÕES E ESTRUTURAS 209 o não construir na parede coninante fornos, fogões, chaminés ou quaisquer outras construções que possam causar iniltrações ou interferências no terreno vizinho; o cumprir outras disposições relativas ao terreno coninante (Arts. 1.305, 1.306 etc.); o não efetivar construções que possam poluir ou tirar poço ou nascente de outrem; o não realizar obras ou escavações que possam comprometer a segurança do terreno vizinho. Assim, o direito do proprietário construir é sempre limitado, podendo o proprietário ou possuidor ingressar na justiça para fazer cessar este uso anormal da propriedade. Neste caso, segundo o Código Civil (Art. 1.312), o proprietário poderá exigir, além da demolição da construção, a reparação dos danos causados. Além das hipóteses referentes ao uso nocivo da propriedade, o direito de vizinhança trata ainda: o Das árvores limítrofes, que são as que icam na linha divisória entre dois terrenos. Se o tronco estiver na linha divisória, esta será considerada como propriedade comum entre os vizinhos. Se houver invas̃o de raízes e galhos no terreno, poderão ser cortados até a linha divisória pelo proprietário do terreno invadido. o Os frutos caídos serão de propriedade do proprietário do terreno onde caírem; da passagem forçada, permitindo ao vizinho que tenha acesso à via pública, mediante indenização; da obrigação do proprietário de permitir a passagem de tubos e tubulações de utilidade pública, mediante indenização; da passagem das águas e do direito de tapagem, tais como cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio urbano e rural. 2.4.4 Direito de família O Direito de Família, segundo Gonçalves (2019b, p. 321), é “de todos os ramos do direito, o mais intimamente ligado à própria vida, uma vez que, de modo geral, as pessoas provêm de um organismo familiar e a ele conservam-se vinculadas durante a sua existência, mesmo que venham a constituir nova família pelo casamento ou pela união estável”. Para Gonçalves (2019b), a palavra família abrange todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue e que procedem, portanto, de um tronco ancestral comum, bem como as unidas pela ainidade e pela adoção. Compreende os cônjuges e companheiros, os parentes e os ains. Dentre os institutos do Direito de Família, destacamos: o casamento e seus regimes de bens, iliação, união estável, tutela e curatela. Entendemos ser importante para nossa disciplina o estudo dos regimes de bens no casamento. 210 UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO • Regime de bens no casamento Não há uma denominação especíica, na doutrina, a respeito da natureza jurídica do casamento. Segundo Gonçalves (2019b, p. 334) entende que: A concepção clássica, também chamada individualista ou contratualista, acolhida pelo Código de Napoleão e que loresceu no século XIX, considerava o casamento civil, indiscutivelmente, um contrato, cuja validade e eicácia decorreriam exclusivamente da vontade das partes. Tal concepção representava uma reação à ideia de caráter religioso que vislumbrava no casamento um sacramento. Segundo os seus adeptos, aplicavam-se aos casamentos as regras comuns a todos os contratos. Dentre as diversas inovações trazidas pelo Código Civil de 2002 destacam- se as seguintes: QUADRO 17 – ATUALIDADES DA LEGISLAÇÃO Gratuidade da celebração do casamento e, com relação à pessoa cuja pobreza for declarada sob as penas da lei, também da habilitação, do registro e da primeira certidão (Art. 1.512). Regulamentação e facilitação do registro civil do casamento religioso (Art. 1.516). Redução da capacidade do homem para casar para dezesseis anos (Art. 1.517). Previsão somente dos impedimentos ou dirimentes absolutos, reduzindo-se o rol (Art. 1.521). Tratamento das hipóteses de impedimentos relativamente dirimentes do Código Civil de 1916 não mais como impedimentos, mas como casos de invalidade relativa do casamento (Art. 1.550). Substituição dos antigos impedimentos impedientes ou meramente proibitivos pelas causas suspensivas (Art. 1.523). Exigência de homologação da habilitação para o casamento pelo juiz (Art. 1.526), limitada, posteriormente, pela Lei n. 12.133, de 17-12-2009, aos casos em que tenha havido impugnação do oicial, do Ministério Público ou de terceiros. Casamento por procuração mediante instrumento público, com validade restrita a noventa dias. Consolidação da igualdade dos cônjuges, aos quais compete a direção da sociedade conjugal, com o desaparecimento da igura do chefe de família (Arts. 1.565 e 1.567). Oicialização do termo sobrenome e possibilidade de adoção do utilizado pelo outro por qualquer dos nubentes (Art. 1.565, § 1º). FONTE: Gonçalves (2019b, p. 336) O regime de bens escolhidos no casamento trará as normas que vigorarão no que diz respeito à comunicabilidade ou não dos bens em caso de separação ou morte. O regime legal é o da comunhão parcial de bens, o que signiica dizer que no silêncio das partes este será o regime de bens a ser observado. TÓPICO 2 — DIREITO CIVIL NOÇÕES E ESTRUTURAS 211 Neste sentido Gonçalves (2020, p. 441), entende: Regime de bens é o conjunto de regras que disciplina as relações eco- nômicas dos cônjuges, quer entre si, quer no tocante a terceiros, durante o casamento. Regula especialmente o domínio e a administração de ambos ou de cada um sobre os bens anteriores e os adquiridos na constância da união conjugal. Segundo Gonçalves (2020), a legislação à disposição dos noivos não apenas um modelo de regime de bens, mas quatro. Como o regime dotal previsto no diploma de 1916 não vingou, assumiu a sua vaga, no novo Código, o regime de participação inal nos aquestos (Arts. 1.672 a 1.686), sendo mantidos os de comunhão parcial, comunhão universal e separação convencional ou legal. Segundo Hironaka (2003), resumidamente, são os seguintes os regimes de bens previstos no Código Civil: CASAMENTO E REGIME DE BENS Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka [...] Do regime de comunh̃o parcial. Como já se disse, este é o regime oicial de bens, no casamento, selecionado, pois, pelo legislador pátrio, desde a promulgação da Lei do Divórcio, em 1977, pelo qual comunicar--se-ão apenas os bens adquiridos na constância do casamento,e revelando, por isso mesmo, um acervo de bens que pertencerão exclusivamente ao marido, ou exclusivamente à mulher, ou que pertencerão a ambos. Com a dissolução da conjugalidade, restará comunicável, então – e por isso passível de partilha entre os cônjuges que se afastam – o acervo dos bens comuns, icando excluídos, dessa partilha, os bens ressalvados pelos Arts. 1659 e 1661 do novo Código Civil, dispositivos esses que repetem as mesmas exclusões já anteriormente previstas pelos Arts. 269 e 272 do Código Civil de 1916. Excluídos estavam, e permanecem, então, os bens que cada cônjuge já possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do matrimônio por doação, sucessão ou sub-rogados em seu lugar (Art. 269, inciso I, CC/1916 e 1659, inciso I, CC/2003). [...] Do regime de comunh̃o universal. Este regime foi aquele que, entre nós, e até o advento da Lei do Divórcio, posicionou--se como o regime legal, casando-se sob sua regulamentação a esmagadora maioria de brasileiros, até 1977. 212 UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO Conforme suas regras, comunicam-se entre os cônjuges todos os seus bens presentes e futuros, além de suas dívidas passivas, ocorrendo um enorme amálgama entre os bens trazidos para o casamento pela mulher e pelo homem, bem como aqueles que serão adquiridos depois, formando um único e indivisível acervo comum, passando, cada um dos cônjuges, a ter o direito à metade ideal do patrimônio comum e das dívidas comuns. No novo Código Civil, o regime da comunhão universal de bens, o regime da uniicação patrimonial mais completa, encontra-se disciplinado entre os Arts. 1667 a 1671. Do regime de separaç̃o de bens Relativamente a este regime de bens, isto é, o regime que visa promover a completa separação patrimonial do acervo de bens pertencente a cada um dos cônjuges [...]. Antes de encerrar a análise deste regime de bens do casamento, o regime da separação total, não devo esquecer de mencionar que ele pode ser adotado, pelos nubentes, como fruto da eleição ou escolha, convencionando-o por meio de pacto antenupcial. Se assim for, o regime em pauta vai se desvendar como um excelente regime patrimonial, no casamento, tendo em vista que ele representa exatamente o contrário disso, quer dizer, ele é a total ausência de regime patrimonial, mantendo bem separados e distintos os patrimônios do marido e da mulher. Do regime de participação inal nos aquestos Cria, o legislador civil nacional, outro regime de bens, que vem ocupar o lugar deixado pelo regime dotal, sem que, no entanto, guarde relativamente a este qualquer semelhança. Ocupa o lugar, não as características. Ao contrário, o regime da participação inal nos aquestos guarda semelhanças e adquire características próprias a dois outros regimes, na medida em que se regulamenta, em seu nascedouro e sua constância por regras semelhantes às desenhadas pelo legislador para o regime da separação de bens, em que cada cônjuge administra livremente os bens que tenha trazido para a sociedade conjugal, assim como aqueles que adquirir, por si e exclusivamente, durante o desenrolar do matrimônio. Por outro lado, assume de empréstimo regras muito parecidas àquelas dispensadas ao regime da comunhão parcial, quando da dissolução da sociedade conjugal por separação, divórcio ou morte de um dos cônjuges. Nesse sentido, cada cônjuge possui patrimônio próprio, que administra e do qual pode dispor livremente, se de bens móveis se tratar, dependendo da outorga conjugal apenas para a alienação de eventuais bens imóveis (CC, Arts. 1.672 e 1.673). Mas se diferencia do regime da separação de bens porquanto, no momento em que se dissolve a sociedade conjugal por rompimento dos laços entre vivos ou por morte de um dos membros do casal, o regime de bens como TÓPICO 2 — DIREITO CIVIL NOÇÕES E ESTRUTURAS 213 que se transmuda para adquirir características do regime da comunhão parcial, pelo que os bens adquiridos onerosamente e na constância do matrimônio serão tidos como bens comuns desde a sua aquisição, garantindo-se, assim, a meação ao cônjuge não proprietário e não administrador. Desta feita e porque afastado um dos cônjuges da administração dos bens adquiridos, traça o Código Civil uma série de disposições que, pormenorizadamente, visam disciplinar a apuração dos bens partíveis em meação, pelo valor e no montante veriicados na data em que cessou a convivência dos cônjuges (Art. 1.683), tudo para evitar se consubstancie qualquer espécie de lesão ao direito do cônjuge que até então igurava como não proprietário e não administrador. [...] FONTE: <https://jus.com.br/artigos/4095/casamento-e-regime-de-bens>. Acesso em: 8 put. 2020. 2.4.5 Direito das sucessões Por im, o Direito das sucessões, “em sentido amplo, signiica o ato pelo qual uma pessoa as-sume o lugar de outra, substituindo-a na titularidade de determinados bens” (GONÇALVES, 2020, p. 877). Neste sentido, Gonçalves (2020, p. 878) entende que: A herança é um somatório, em que se incluem os bens e as dívidas, os créditos e os débitos, os direitos e as obrigações, as pretensões e ações de que era titular o falecido, e as que contra ele foram propostas, desde que transmissíveis. Compreende, portanto, o ativo e o passivo (CC, Arts. 1.792 e 1.997). Segundo o artigo 1.829 do CC, a ordem de vocação hereditária, ou seja, a preferência no recebimento da herança será o seguinte: primeiro os ilhos, os pais, o cônjuge e por último os colaterais (ex.: irmãos). Neste sentido, é o Art. 1829 do CC: Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (Art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais (BRASIL, 2002). Interessante observar que o cônjuge, nas hipóteses do inciso I do Art. 1829, além de meeiro (dependendo do regime de bens) será herdeiro, quando então concorrerá com os ilhos, inovação trazida pelo Código Civil de 2003. Dispõe o Art. 1.784 do Código Civil: “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários” (BRASIL, 2002). 214 UNIDADE 3 — RAMOS ESPECIAIS DO DIREITO: DIREITO DO TRABALHO, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO PRIVADO FIGURA 37 – ESPÉCIES DE SUCESSÃO FONTE: Gonçalves (2020, p. 883) 215 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • O Direito Civil trata das relações entre particulares, sem que o Estado participe desta relação. • O Direito Civil é composto de uma parte geral e uma especial. A Parte Geral é precedida da LICC (Lei de Introdução do Código Civil). • O Livro I da Parte Geral do Código Civil trata das pessoas físicas e jurídicas. • Personalidade e capacidade jurídica não se confundem. • Existem os relativamente incapazes, que serão assistidos pelo seu representante legal, e os totalmente incapazes, que serão representados. • As pessoas físicas e jurídicas nascem e se extinguem. • Bens e coisas não se confundem. • São diversas as classiicações de bens e que esta classiicação é importante. • O contrato é o principal símbolo do negócio jurídico que, para sua validade, depende da existência de agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não proibida em lei. 216 1 Quando falamos em “pessoas”, podemos nos referir às pessoas físicas (naturais), ou às pessoas jurídicas. Com base nessa informação, assinale a alternativa CORRETA que trata do conceito de Pessoa Física. a) ( ) Pode ser chamada de pessoa natural, é o ser humano. Diz-se natural, porque sua existência legal se inicia por um fato natural (o nascimento). b) ( ) Pode ser chamada de pessoa