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Yahanna Estrela Medicina – UFCG ANESTESIOLOGIA ANESTÉSICOS LOCAIS INTRODUÇÃO ✓ Os anestésicos locais são substâncias com fórmulas estruturais semelhantes, que contêm um anel aromático lipofílico, uma cadeia intermediária, composta por um grupamento éster ou amida, e um grupamento amina terciária ou quaternária hidrossolúvel; ✓ São bases fracas e insolúveis em água e, para uso clínico, são conjugadas com sais de ácido clorídrico (pH 3,6), sendo administradas sob a forma de cloridrato – forma hidrossolúvel. ✓ Os anestésicos locais bloqueiam a transmissão do estímulo nervoso no local que são aplicados sem alterar o nível de consciência do paciente. ✓ São bastante utilizados na prática clínica para: procedimentos odontológicos, procedimentos oftalmológicos, bloqueios e partos. CLASSIFICAÇÃO QUANTO À NATUREZA DA LIGAÇÃO ✓ Eles podem ser classificados em dois grupos, com base na natureza da ligação: amidas e ésteres. o O grupo amida é o mais comumente utilizado na clínica e inclui a lidocaína, prilocaína (levo), bupivacaína, etidocaína, mevipacaína e ropivacaína. o O grupo éster inclui a cocaína, procaína, clorprocaína, benzocaína e tetracaína. o O grupo amida apresenta diminuição de reações alérgicas e toxicidade se comparado ao grupo éster. Por isso é mais utilizado. AMINOAMIDAS AMINOÉSTERES Lidocaína Cocaína Prilocaína (levo) Procaína Bupivicaína Clorprocaína Etidocaína Tetracaína Ropivacaína Benzocaína Mevipacaína QUANTO À POTÊNCIA/DURAÇÃO ✓ Os AL também podem ser classificados de acordo com a potência e duração; ✓ Alguns fatores são determinantes, como: lipossolubilidade, grau de ionização/pH e tamanho da cadeia de carbono. o Potência → os que tem maior lipossolubilidade são mais absorvidos; o Duração → grau de ligação proteica: quanto maior a lipossolubilidade, maior o grau de ligação; o Tafilaxia: rápida diminuição do efeito do anestésico em doses consecutivas (peridural contínua): ajuste dose. DROGA POTÊNCIA RELATIVA LIPOSSOLU- BILIDADE Potência baixa Procaína 1 100 Potência intermediária Mepivacaína Prilocaína Cloroprocaína Lidocaína 1.5 1.8 3 2 136 129 810 366 Potência Alta Tetracaína Bupivacaína Etidocaína 8 8 8 5822 3420 7320 FARMACOCINÉTICA ✓ Na aplicação do anestésico, é essencial haver o controle da absorção do fármaco, pois isso garante uma toxicidade sistêmica menor e aumenta a duração do efeito, propiciando uma anestesia ideal; ✓ O anestésico pode se difundir, basicamente, por quatro compartimentos: tecidos nervoso e adiposo, vasos sanguíneos e linfáticos. o O saldo que se destina ao tecido nervoso é uma pequena fração necessária para atingir a concentração mínima capaz de cessar o impulso nervoso. ✓ Alguns fatores podem atenuar a absorção e, consequentemente, os efeitos sistêmicos do fármaco, como local da injeção, dose, uso de vasoconstritor e particularidade de cada anestésico local. o O local da injeção é importante porque uns são mais vascularizados do que outros, o que causa um nível plasmático maior após a aplicação e pode se traduzir em potencial toxicidade sistêmica. o A dose não deve exceder o limite de cada fármaco, que, no caso da lidocaína, é de 5 e 7 mg/kg, quando não acompanhada e na presença de adrenalina, respectivamente. ▪ O aumento da dose aumenta o número de moléculas disponíveis e promove analgesia efetiva, duradoura e com início de ação mais rápido. Porém, deve-se ter cuidado com a dose tóxica. o O uso do vasoconstritor é amplamente disseminado, exceto quando houver contraindicações, como circulação terminal e distúrbios cardiovasculares graves. ▪ O vasoconstritor usado é a adrenalina na concentração de 5 ug/mL, e seu efeito vai além do aumento da duração do fármaco no local e na diminuição de potencial toxicidade, pois há uma ação analgésica ao estimular os receptores alfa2- adrenérgico. Como a adrenalina, o bicarbonato e a glicose podem afetar a ação dos anestésicos locais? A adrenalina atua como um vasoconstritor, minimizando o efeito vasodilatador de alguns anestésicos locais (como a lidocaína), por isso reduz a taxa de absorção da droga para a circulação sistêmica, aumentando o efeito local. Através da vasoconstrição local, a adrenalina também reduz a perda sanguínea em casos de trauma. O bicarbonato adicionado aos anestésicos locais aumenta o pH do meio e, consequentemente, haverá maior proporção da droga na forma não- ionizada, o que aumenta a velocidade de ação da anestesia (redução da latência). Porém, a adição de concentrações excessivas de bicarbonato à solução pode levar à precipitação do anestésico local, porque a forma não-ionizada do AL é menos solúvel em água que o sal de hidrocloreto. A glicose é adicionada à bupivacaína para aumentar a baricidade da solução, tornando-a hiperbárica em relação ao líquor, o que permite maior controle da dispersão intratecal do anestésico. ✓ Os fármacos que apresentam éster são metabolizados por esterases plasmáticas, exceto a cocaína, que tem biotransformação por esterases hepáticas. o Pseudocolinesterase plasmática; o Menor toxicidade sistêmica; o Metabólito PABA: reações alérgicas em indivíduos sensíveis. ✓ Os do tipo amida sofrem metabolismo hepático e sua excreção é renal. o Assim, podemos inferir que distúrbios vasculares ou funcionais de fígado ou rim podem se traduzir em maior risco de toxicidade sistêmica ao uso de anestésicos do tipo amida. MECANISMO DE AÇÃO E FARMACODINÂMICA ✓ Anestésicos locais atuam bloqueando a entrada de Na+ nos canais de sódio durante a despolarização, o que impede a propagação do potencial de ação axonal. o Pesquisas indicam que pode envolver o bloqueio de canais de cálcio, de canais de potássio e de canais regulados pela proteína G. ✓ Quando injetado, o anestésico local se encontra predominantemente na forma ácida ionizada (pH 3,6); ✓ Anestésicos locais se dissociam no tecido perineural relativamente alcalino (pH 7,4) para base livre solúvel em lipídios. o Nessa forma, atravessa o axolema e reioniza no axoplasma ácido para a porção ativa, que bloqueia o canal de sódio no interior da célula ou a partir da bicamada lipídica da membrana. o Sendo assim, a forma não ionizada promove a entrada no axônio e na amônia ou o estado ionizado promove a atividade. ✓ Quando o nervo é estimulado, há alteração estrutural dos canais de sódio, dando início a um ciclo de estados funcionais: repouso, ativado, inativado e desativado. ✓ Pode-se considerar que o complexo ionóforo possui duas portas funcionais: M (externa) e H (interna). o Quando em repouso, a M (externa) está fechada e a H (interna) está aberta; o Quando há estimulação, M se abre e ocorre influxo rápido de sódio, aumentando o potencial de membrana; o Isso serve como gatilho para que H se feche, inativando a entrada de sódio no canal de sódio; o O estado desativado ocorre quando M se fecha (potencial negativo). ✓ Quando está no estado inativado ou desativado, o nervo é resistente para estimulação adicional. Isso interfere no bloqueio dos anestésicos locais: o Quando o canal iônico está ativado, os AL bloqueiam mais rapidamente quando em comparação ao estado desativado ou repouso; o Diz-se que é um bloqueio dependente de estado. o Quando o canal de sódio está fechado, desativado ou em repouso, o anestésico pode somente acessar via membrana, como base livre. o Quando está aberto, como ativado ou inativado (mas em menor extensão), o AL também pode acessar o nervo através do canal. o A forma ionizada pode, ainda, entrar se o canal for repetidamente ativado ou aberto → bloqueio dependente da frequência. ▪ É mais bem demonstrado com a bupivacaína do que com a lidocaína. ✓ A afinidade dos AL é variada para o canaliônico. o A lidocaína se liga e se dissocia rapidamente ao canal, enquanto a bupivacaína se liga rapidamente, mas se dissocia mais lentamente. o Isso tem pouco efeito no bloqueio neuronal, mas assume grande importância quando se refere aos efeitos de toxicidade cardíaca. o O enantiômero S da bupivacaína se dissocia mais rapidamente, logo apresenta menor cardiotoxicidade. ✓ Os anestésicos locais precisam de uma concentração mínima para inibir a condução do impulso nervoso, que, por sua vez, depende de fatores como espessura da fibra nervosa, pH, hipocalemia, hipercalcemia e temperatura o Quanto mais espessa a fibra, maior a concentração do anestésico necessária para seu bloqueio; o O pH também tem relação direta, pois o pH mais elevado gera menor ionização e maior disponibilidade das moléculas do anestésico, permitindo entrada e cessação do impulso nervoso; o A hipocalemia e a hipercalemia atuam na hiperpolarização da membrana celular nervosa, provocando repouso dos canais de sódio, sendo menos suscetíveis aos AL; o A temperatura, quando elevada, aumenta a potência e duração dos anestésicos locais; Bloqueio diferencial Inicialmente atribuído apenas às diferenças na espessura das fibras nervosas, a percepção de que, na prática, nem sempre os axônios de menor diâmetro eram prioritariamente bloqueados determinou a investigação do bloqueio diferencial. Justamente por serem estimuladas com grande frequência, fibras mais grossas, como as fibras A delta, responsáveis pela condução da dor aguda, por exemplo, são bloqueadas antes de fibras C, mais finas. Contribui para essa ocorrência o fato de as fibras mielinizadas serem bloqueadas antes das fibras não mielinizadas de mesmo tamanho. Estão implicadas no bloqueio diferencial ainda as diversas isoformas dos canais de sódio e o tipo de anestésico local utilizado. ✓ A velocidade de início do bloqueio está relacionada com a concentração de moléculas de anestésico local que estão sobre a forma de base livre ou no estado não ionizado. o Isso depende da dose inicial, da constante de dissociação (pKa) e do pH do tecido. ✓ A velocidade do início de ação da anestesia local pode ser acelerada por alcalinização ou carbonatação da preparação. o A adição de bicarbonato causa uma conjugação importante nos íons ácidos da amônia para dissociar e aumentar a concentração de bases livres. o A difusão do dióxido de carbono no interior do axoplasma torna o interstício mais ácido, favorecendo a ionização. o O ambiente ácido de um abscesso diminui a proporção de bases no estado livre, o que pode explicar a resistência para o bloqueio da condução nessa situação. ✓ As potências de agentes anestésicos locais são relacionadas com a solubilidade em lipídios e são quantificadas como coeficiente de partição octanol. ✓ A ação gradual do bloqueio após o uso do anestésico local, de maneira geral, segue uma ordem: perda da sensibilidade à dor, à temperatura, ao tato, à propriocepção, bem como supressão da atividade motora eferente. ✓ Assim como sua ação, há uma sequência para recuperação das funções neurológicas, que obedece ao inverso da ordem citada na ação gradual. MÉTODOS DE ADMINISTRAÇÃO ✓ Tópico; ✓ Anestesia por campo; ✓ Anestesia por infiltração; ✓ Anestesia por bloqueio de nervo ou de plexos; ✓ Anestesia regional intrevenosa; ✓ Anestesia subaracnoidea (raquianestesia); ✓ Anestesia peridural (epidural). PRINCIPAIS APRESENTAÇÕES COMERCIAIS CLORIDRATO DE LIDOCAÍNA 2% E 1% ✓ Anestesia rápida e curta com início 3-15min; ✓ Principal AL usado na AL por infiltração; ✓ A pomada tem uso odontológico e proctologico; ✓ Tem potência intermediária; ✓ Pode ser usada em peridural e raquianestesia; ✓ Pode ser usada no tratamento de taquicardia ventricular com ou sem pulso quando na ausência dos tratamentos de primeira linha; ✓ A lidocaína pode ser liberada na forma de adesivo diretamente numa área de dor neuropática, sendo útil no tratamento de neuralgia pós-herpética, neuropatia periférica, osteoartrite, dor miofascial e lombalgia. ✓ A infusão intravenosa de lidocaína pode ser realizada para reduzir a dor neuropática refratária a outros tratamentos. ✓ A mexiletina é um anestésico local disponível para via oral e tem efeito semelhante ao da lidocaína intravenosa. CLORIDRATO DE BUPIVACAÍNA 0,5% A 0,75% ✓ Anestesia prolongada com início de 10- 20min ✓ Pode ser utilizada em peridural e raqui (partos); ✓ As soluções de cloridrato de bupivacaína são contraindicadas em associação com anestesia regional intravenosa (Bloqueio de Bier) uma vez que a passagem acidental de cloridrato de bupivacaína para a circulação pode causar reações de toxicidade sistêmica aguda. ✓ É cardiotóxica (afinidade por canais de Na+) e pode ocasionar arritmias e depressão do miocárdio; ✓ Contraindicação: pacientes cardiopatas. CLORIDRATO DE LEVOBUPIVACAÍNA 0,75% ✓ É o isômero levógiro da bupivacaína; ✓ Possui menos efeitos cardiotóxicos ✓ Uso em pacientes com risco de arritmias e paradas. CLORIDRATO DE ROPIVACAÍNA 0,75% ✓ O cloridrato de ropivacaína tem efeito mais prolongado do que a lidocaína e menor do que a bupivacaína; ✓ Destaca-se por apresentar efeito vasoconstritor intrínseco; ✓ A sua menor cardiotoxicidade em relação à bupivacaína, torna seu uso ideal para técnicas de anestesia regional que empregam grandes volumes, especialmente devido ao elevado risco de injeção intravascular acidental. ✓ A ropivacaína, no entanto, apresenta potência discretamente reduzida em relação à bupivacaína. CÁLCULO DA DOSE DO ANESTÉSICO ✓ Para calcular a dose de anestésico a partir da porcentagem da concentração e o kg do paciente deve-se: o Multiplicar a porcentagem do anestésico por 10 para achar a quantidade de mg presente em 1mL; o A partir do peso/massa do paciente, encontra-se a dosagem máxima em mg; o Após isso, faz regra de três pra saber a quantidade de mL que deverá/poderá ser usada. ✓ EXEMPLO: paciente com 48kg, lidocaína 2%, sem adrenalina/epinefrina. o Quantidade de anestésico: 2x10=20mg/mL o Dose máxima: 5mg/kg o Dose máxima para o paciente: 240mg o Quantidade de mL máxima: 20mg está para 1ml, assim como 240mg está para X. X=12mL. o Portanto, para essa paciente, a quantidade máxima que poderá ser administrada é igual a 12mL. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS ✓ As possíveis interações medicamentosas relativas ao uso de anestésicos locais são basicamente restritas à adição de epinefrina à solução utilizada. o Betabloqueadores. Pacientes em uso de betabloqueadores não seletivos (propranolol, timolol) podem apresentar estimulação alfa- adrenérgica exacerbada, com risco de desenvolver hipertensão e bradicardia reflexa; o Alfabloqueadores. O bloqueio pós-sináptico de receptores alfa-1 do músculo liso acarreta up-regulation de receptores adrenérgicos e, por isso, uma resposta exacerbada ao uso de vasoconstritores; o Antidepressivos tricíclicos. Por prevenirem a recaptação da serotonina e norepinefrina, pacientes em uso desses fármacos podem apresentar exacerbação da resposta hipertensiva com o uso da adrenalina; o Fenotiazinas. Fármacos como a clorpromazina e a risperidona suprimem parcialmente a atividade vasoconstritora da adrenalina, por isso, podem potencializar a ação vasodilatadora intrínseca de alguns anestésicos locais, ocasionando hipotensão. PASSAGEM PLACENTÁRIA ✓ Pode haver passagem placentária por difusão passiva de anestésicos locais, já que a placenta funciona como uma membrana lipídica. o Os ésteres possuem mínimos efeitos sobre feto, pois são metabolizados de modo tão acelerado que não existem concentrações suficientes na circulação sistêmica para ultrapassar a barreira placentária. o As amidas apresentam maior tendência à passagem transplacentária. Nessegrupo, as amidas com menor grau de ligação protéica, como a lidocaína, atravessam em maior quantidade a barreira placentária. ✓ Para esse evento, influenciam basicamente o peso molecular do AL em questão, a fração não ionizada, a solubilidade lipídica, a ligação proteica, o fluxo sanguíneo placentário e o gradiente de concentração materno-fetal. ✓ Quando ocorrem sofrimento e consequente acidose do feto, há uma tendência à predominância de formas ionizadas de AL na circulação dele. o A forma ionizada não é capaz de atravessar novamente a barreira placentária e retornar à circulação materna, acumulando-se na circulação fetal. Esse fenômeno é conhecido como ion trapping (aprisionamento iônico) e pode resultar em toxicidade por anestésico local para o feto. ✓ O metabolismo ligeiramente diminuído do feto, sua sensibilidade aumentada aos efeitos depressores dos anestésicos locais e menor taxa de ligação proteica aumentam mais ainda o risco. TOXICIDADE DOS ANESTÉSICOS LOCAIS MANEJO DA TOXICIDADE SISTÊMICA POR ANESTÉSICOS LOCAIS (LAST) 1. Cessar a administração de anestésicos locais. 2. Chamar ajuda e equipe de manejo de parada cardiorrespiratória. 3. Iniciar a ressucitação cardiopulmonar se não houver pulso. 4. Ventilar com O2 a 100% (considerar intubação). 5. Cessar crises convulsivas com benzodiazepínicos (ex.: midazolan), evitando o uso de propofol na vigência de colapso cardiovascular. 6. Considerar emulsão lipídica 20% (bolus de 1,5 mL.kg-1 em 1 minuto, seguido de infusão contínua de 0,25 mL.kg-1min-1) por 30 minutos. a. A administração em bolus pode ser repetida a cada 5 minutos (se houver colapso cardiovascular persistente). b. Dobrar a taxa de infusão se a pressão arterial continuar persistentemente baixa. 7. Tratar a bradicardia, se presente, com atropina 0,5 a 1 mg em bolus.