Prévia do material em texto
PFP1 Pericardites, Miocardites e Endocardites O coração é um órgão muscular oco, grosseiramente cônico, formado por três camadas: endocárdio, miocárdio e epicárdio. O epicárdio ou pericárdio visceral é uma membrana serosa que recobre o miocárdio e se reflete nas raízes dos grandes vasos da base, continuando com o pericárdio parietal para formar a cavidade pericárdica. O miocárdio, que constitui o músculo cardíaco, é responsável pela contração do órgão. O endocárdio reveste internamente o miocárdio (endocárdio mural) e forma as valvas cardíacas (endocárdio valvar). PERICARDITE O pericárdio é uma membrana fibrosserosa que cobre o coração e o início de seus grandes vasos. Ele é um saco fechado formado por duas camadas. A camada externa resistente, o pericárdio fibroso, é contínua com o centro tendíneo do diafragma. A face interna do pericárdio fibroso é revestida por uma membrana serosa brilhante, a lâmina parietal do pericárdio seroso. Essa lâmina é refletida sobre o coração nos grandes vasos (aorta, tronco e veias pulmonares e veias cavas superior e inferior) como a lâmina visceral do pericárdio seroso. O pericárdio seroso é composto principalmente por mesotélio, uma única camada de células achatadas que formam um epitélio de revestimento da face interna do pericárdio fibroso e da face externa do coração. O pericárdio cumpre duas funções: mecânica e membranosa. A função mecânica impede o deslocamento do coração dentro da cavidade torácica; a função membranosa atua como barreira contra infecções e facilita o deslizamento do órgão em seus movimentos, impedindo o atrito com as demais estruturas do tórax. Quase sempre as pericardites representam envolvimento secundário de inflamações de estruturas vizinhas como miocárdio, pulmões ou mediastino. Ela pode ser aguda ou crônica. Aguda (~2 semanas): • Fibrinosa e serofibrinosa: é a forma mais frequente de pericardite. O líquido presente no saco pericárdico é turvo e contém fibrina, células inflamatórias e células mesoteliais. Em geral, não se identifica o agente etiológico. Macroscopicamente, o coração fica recoberto por material fibrinoso, branco-amarelado e friável, que confere à superfície o aspecto de “pão com manteiga”. Distúrbio inflamatório → aumento da permeabilidade → fibrinogênio do espaço pericárdico → exsudato fibrinoso → formação de tecido fibrótico (podendo causar aderência) Peça C-32. Pericardite fibrinosa 'em pão com manteiga'. Exemplo de uma inflamação aguda sobre uma superfície, no caso a serosa do pericárdio. Chama a atenção a deposição de uma película amarelada, com aspecto rugoso ou filamentoso sobre a superfície normalmente lisa e brilhante do pericárdio. É clássica a comparação com pão e manteiga: passa-se manteiga em duas fatias de torrada e se encosta uma na outra. Depois separam-se as duas: a manteiga forma projeções irregulares que lembram o aspecto da pericardite fibrinosa. • Purulenta ou supurativa: É causada por microrganismos piogênicos, como estafilococos, estreptococos, pneumococos, meningococos e, mais raramente, fungos. • Hemorrágica: apresenta um exsudato composto por sangue misturado com derrame fibrinoso ou supurativo; ela é mais comumente causada pela disseminação de uma neoplasia maligna ao espaço pericárdico e por tuberculose. Pode ser também complicação de cirurgia cardíaca. Também pode ser encontrada em infecções bacterianas. • Caseosa: é, até que se prove o contrário, de origem tuberculosa; raramente as infecções fúngicas desencadeiam uma reação similar. Ocorre envolvimento pericárdico por disseminação direta a partir de focos tuberculosos dentro dos linfonodos traquebrônquicos. A pericardite caseosa é um antecedente comum da pericardite constritiva, fibrocalcificada, crônica e incapacitante. • Serosa: "é tipicamente produzida por doenças inflamatórias não infecciosas, tais como febre reumática, LES e esclerodermia, além de tumores e uremia. Em alguns casos, uma infecção viral bem definida e situada em outro local — infecção no trato respiratório superior, pneumonia, parotidite — antecede a pericardite e atua como foco primário da infecção. É raro, geralmente em jovens adultos, que uma pericardite viral ocorra como uma infecção primária aparente que pode estar acompanhada de miocardite (miopericardite). Crônica (>2 semanas): • Mediastino pericardite adesiva: pode suceder a pericardite infecciosa, cirurgia cardíaca anterior ou irradiação do mediastino. O saco pericárdico está obliterado, e a aderência da face externa da camada parietal às estruturas circunjacentes dificulta a função cardíaca. Em cada contração sistólica, o coração exerce uma tração não apenas sobre o pericárdio parietal, mas também sobre as estruturas fixadas circunjacentes. Podem ser observados retração sistólica do gradil costal e do diafragma, pulso paradoxal e vários outros achados clínicos característicos. Ocasionalmente, a sobrecarga de trabalho aumentada provoca hipertrofia e dilatação cardíacas graves. • Pericardite constritiva: caracteriza-se por espessamento fibroso acentuado e aderências entre os folhetos visceral e parietal, que restringem os movimentos cardíacos, principalmente o relaxamento diastólico ventricular e o esvaziamento das veias cavas nos átrios. Às vezes, coexiste calcificação extensa ou em placas. Pode estar associada a uma história previa de pericardite ou não. A presença do tecido fibrótico interfere no enchimento diastólico do coração, e redução do débito cardíaco. Manifestações clínicas: dor em pontada, repentina e forte e /ou irradiada; tosse seca; dispneia; cansaço / fraqueza; febrícula; palpitações. MIOCARDITE O miocárdio é uma camada intermediária helicoidal e espessa, formada por músculo cardíaco. A miocardite é um grupo diverso de entidades patológicas nas quais microrganismos infecciosos e/ou um processo inflamatório primário causam a lesão do miocárdio. Sendo assim, ela é definida pela presença de infiltrado inflamatório no miocárdio, associado a agressão e lesão de cardiomiócitos. Nessa definição, é importante destacar que a inflamação é a causa da lesão dos cardiomiócitos e não sua consequência, como ocorre, por exemplo, na evolução de lesões isquêmicas do miocárdio. Miocardite pode ser isolada ou associada a doença sistêmica, geralmente de natureza infecciosa ou imunitária. Miocardite por vírus: vírus são frequentemente envolvidos na etiologia de miocardites linfo- histiocitárias de causa não esclarecida. Miocardite viral ocorre preferencialmente em crianças, mulheres grávidas e/ou indivíduos imunodeprimidos. Os vírus do grupo coxsackie B parecem ser os que mais infectam o miocárdio. Outros, como Coxsackie A, ECHO, pólio, influenza, HIV, Epstein-Barr, parvovírus, vírus da hepatite C e praticamente todos os vírus da infância (caxumba, varicela, sarampo etc.) podem infectar o coração. Há presença de infiltrado inflamatório com grande presença de linfócitos (devido a infecção viral) no local. Também pode ocorrer hipertrofia das células saudáveis do miocárdio para compensar a morte das outras. Miocardite por bactérias: nas infecções bacterianas sistêmicas graves, não é infrequente o encontro de discreto infiltrado inflamatório no interstício cardíaco, de natureza reacional. O diagnóstico de miocardite bacteriana é reservado para os casos em que o processo inflamatório é nítido, geralmente secundário a invasão direta do miocárdio por bactérias, pela ação de seus produtos tóxicos ou pela reação imunitária às mesmas. Miocardite secundária à invasão direta das bactérias é geralmente neutrofílica, à exceção daquela produzida por micobactérias, que é granulomatosa. Essa condição pode ocorrer em patologias como difteria, leptospirose, sífilis, tuberculose, ente outras. Há inúmeros outros tipos de miocardite, como: por hipersensibilidade, por helmintos, por protozoários (destaque para Trypanosomacruzi), por fungos, por riquétsias, em doenças imunitárias e de causa desconhecida. Lâm. A. 111. Miocardite chagásica crônica. São característicos a extensa fibrose do miocárdio e o infiltrado inflamatório crônico inespecífico, composto por linfócitos, plasmócitos e macrófagos. Há também intensa hipertrofia vicariante das fibras miocárdicas, para compensar as que sofreram necrose após parasitismo pelo T. cruzi. ENDOCARDITE O endocárdio é uma fina camada interna (endotélio e tecido conjuntivo subendotelial) ou membrana de revestimento do coração que também cobre suas valvas. A endocardite pode ser de causa infecciosa ou não infecciosa. Endocardite infecciosa: é a inflamação do endocárdio provocada por microrganismos que acomete o endocárdio mural e/ou as valvas cardíacas. Em geral, as endocartides se estabelecem quando o endocárdio já está previamente lesado, ou seja, não está integro. Lesão valvar pregressa favorece a infecção por gerar fluxo turbulento, portanto aumentando o contato dos microrganismos com o revestimento cardíaco. Etiopatogênese: Pode ser causada por vírus, bactérias (principalmente estreptococos e estafilococus, mas também grupo HACEK - Haemophilus, Actinobacilos, Carbobacterium, Eikenella e a Kingella) ou fungos (raros). Para haver colonização endocárdica e, portanto, para se desencadear uma endocardite, há necessidade de bacteriemia ou fungemia, transitória ou duradoura; estas se originam de infecções em diversos locais do organismo (cutâneas, urinárias, pulmonares etc.) ou são secundárias a manipulações dentárias, queimaduras, procedimentos invasivos (uso prolongado de sondas uretrais, hemodiálise e, sobretudo, cateteres intravasculares) ou uso de substâncias injetáveis por usuários de drogas. O estado imunitário do individuo também é importante (imunossuprimidos, pacientes submetidos a quimio ou radioterapia). Para ocorrer a colonização, é preciso haver solução de continuidade no endocárdio que favorece a formação de trombo. Entre as moléculas envolvidas na colonização estão algumas integrinas, que ligam fatores extracelulares ao citoesqueleto, inclusive a fibronectina. Estafilococos e outros microrganismos possuem proteínas de superfície com propriedade de se ligar à fibronectina. Os agentes que, por meio desse e de outros mecanismos, têm maior capacidade de adesão às valvas danificadas são os que mais frequentemente levam à endocardite infecciosa. Infiltrado inflamatório crônico Miocardiócitos hipertrofiados Em resumo o que ocorre é: Disfunção do endocárdio → adesão de plaquetas formando trombo → bactérias colonizando o trombo. Tradicionalmente, a EI tem sido classificada, com base na sua manifestação clínica, em formas aguda e subaguda. Endocardites agudas: infecção destrutiva da valva cardíaca (previamente normal) por um microrganismo de alta virulência (S. aureus). Sinais clínicos: febre (38,9ºC – 40ºC), ritmo cardíaco acelerado, calafrios, cansaço, fraqueza e danos na valva cardíaca. Apresenta índice de mortalidade elevado (cerca de 50%) mesmo com intervenção cirúrgica e tratamento antimicrobiano prolongado. Endocardite sub-aguda: pacientes possuem valva cardíaca anormal ou previamente lesada. Causada por agentes menos virulentos (S. viridans). Sinais clínicos: febre (37,2ºC – 38,3ºC), ritmo cardíaco moderadamente acelerado, síndrome semelhante à gripe e perda de peso. Esses sintomas podem ser sutis e ocorrer durante meses antes de a endocardite resultar em obstrução de uma artéria ou lesão de alguma válvula cardíaca. Tratamento: tratamento com antibióticos → processo de fibrose e cicatrização. Aspectos morfológicos: A endocardite infecciosa é caracterizada pela formação de vegetações (ou trombos) e por destruição tecidual. Trata-se de massas pardacentas ou avermelhadas, quase sempre friáveis, com base aderida aos folhetos valvares, cordas tendíneas ou endocárdio mural. Histologicamente, as vegetações são constituídas por inflamação aguda, com predomínio de neutrófilos e número menor de macrófagos e outras células, de permeio a rede de fibrina e produtos da destruição tecidual. O encontro do agente etiológico permite o diagnóstico anatomopatológico de certeza (para o diagnóstico, a cultura de material valvar é muito importante). Fatores de risco: Endocardite trombótica não infecciosa: caracteriza-se por vegetações nas valvas cardíacas formadas por fibrina, plaquetas e hemácias, sem agente infeccioso nem reação inflamatória expressiva. A endocardite trombótica não infecciosa pode ocorrer em resposta a diversos estímulos, específicos (p. ex., infecção, alergia, hipóxia) ou inespecíficos (p. ex., frio, altitude elevada, hormônios, fístula arteriovenosa), principalmente (mas não exclusivamente) nos pacientes com as doenças citadas. Admite-se que tais estímulos levem a lesão endotelial seguida de depósito de fibrina e plaquetas. Referências ABBAS et al. Bases Patológicas das Doenças: Capítulo 12 - O Coração. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. ANATPAT - UNICAMP. Miocardite chagásica crônica. Disponível em: http://anatpat.unicamp.br/lamcard13.html. Acesso em: 11 abr. 2021. ANATPAT - UNICAMP. Pericardite fibrinosa (exemplo de inflamação aguda pseudomembranosa cruposa). Disponível em: http://anatpat.unicamp.br/pecasinfl7.html. Acesso em: 11 abr. 2021. FILHO, Geraldo Brasileiro. Bogliolo - Patologia: Capítulo 15 - Coração. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan LTDA, 2016.