Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.
left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

Prévia do material em texto

DUNKER, C. I. L. - Consumidos pelo Ciúmes. Viver Psicologia. São Paulo, v.36, 1996. 
 
 
36 
 
O Ciúme e as Formas Paranóicas do Amor 
 
Christian Ingo Lenz Dunker 
 
"Assim a debilidade dos membros infantis é inocente, mas não a alma das 
crianças. Vi e observei uma, cheia de inveja, que ainda não falava e já olhava, pálida, de 
rosto colérico, para o irmãozinho no colo da mãe." O olhar clínico de S. Agostinho 
detecta neste trecho o que talvez seja a mais interessante vicissitude do amor: o ciúme. 
Séculos depois, Freud, ao isolar o complexo de Édipo como encruzilhada fundamental do 
psiquismo não estava às voltas com outra coisa. O ciúme é um sentimento 
demasiadamente humano, traduz a tragédia da inclusão e da exclusão. Permite organizar 
relações a três, fato fundamental para entendermos a família, os grupos e a sociedade. É 
neste espaço triádico que todos nós um dia viemos a perguntar: Qual a causa do amor ? O 
que este terceiro possui e que me falta para ser amado ? A pergunta, como todas as 
perguntas essenciais, não admite resposta. Se entender o fenômeno do ciúme é enfrentar a 
questão das causas e desrazões do amor seria mais honesto de saída decretar nossa 
falência diante do assunto. No entanto a poesia não fez o suficiente ou não lemos 
suficiente poesia de modo que historicamente se produziu esta estranha figura, o 
psicólogo, especialista em turvações amorosas, convocado a apresentar sua tediosa 
versão sobre o tema. 
Até segunda ordem o discurso amoroso é sem fim, como um delírio, sempre 
prestes a dizer a palavra final, que no entanto escapa. Há que se escolher no entanto uma 
versão e no nosso caso ela remonta a Platão. O filósofo argumenta que, ao contrário do 
que se pode pensar, amamos não o que o outro possui, mas o que lhe falta. Amamos um 
vazio (o termo técnico é agalma), que tem a estranha capacidade de se deslocar entre os 
homens. Ou como diz Drumond "Porque o amor é amor a nada". É uma angulação 
pessimista do problema, mas que não deixa de ser romântica. Prossigamos. Quais as 
consequencias desta tese para o entendimento do ciúme ? Diríamos que é neste vazio, 
causa do amor, que o ciúme fabricará imagens, traços, signos para ocupá-lo e assim 
Paulo
Realce
DUNKER, C. I. L. - Consumidos pelo Ciúmes. Viver Psicologia. São Paulo, v.36, 1996. 
 
 
37 
 
responder ao enigma. Quando a agalma se preenche não há mais pergunta, logo não há 
mais amor. 
O ciúme, portanto, supõe algo onde não há nada, onde há falta de algo. Essa 
suposição e a forma como se dá revela o que aquele sujeito pensa que ama quando ama 
alguém. O ciumento interpreta em busca do objeto do amor. Nesta atitude ele é antes de 
tudo um pensador meticuloso. Pequenos detalhes, um tom de voz, uma palavra e está 
armada a conjectura. Inicia-se o processo: certificações, vigilância, suspeitos. Flagrar o 
ato criminoso torna se uma obsessão. A confissão do traidor é esperada e temida, mas de 
toda forma obrigatória. Quanto mais ciúme mais método, mais rigor, mais engenhosa a 
reflexão. 
Podemos avaliar a posição daquele que é tomado pelo ciúme a partir de duas 
vertentes. De um lado o que Freud chamou de ciúme projetado, de outro o ciúme 
delirante. No caso do ciúme projetado o desejo de trair é transferido para o outro. Trata-
se de conter nele o que o sujeito não reconhece em si, ou que reconhece e atualiza na 
forma de infidelidade e culpa. O equívoco deste tipo de ciúme é a suposição de que há 
simetria do desejo, ou correspondência amorosa. Alguns chegam mesmo a se sentirem 
denunciados pelo ciúme - como posso sentir ciúmes se afinal não preciso dele ? Deixar o 
outro com ciúme é uma estratégia clássica de sedução, torna inevitável a confissão 
amorosa. Nos dois casos o ciúme entra para propor o objeto, sugerir que ali se encontrará 
o preenchimento da falta. No entanto é uma perspectiva antiplatônica esta a do 
completamento no andrógino (ironizado no texto de Platão "O Banquete"). Na sua 
modalidade moderna fala-se das duas metades da laranja. O amor à equivalência ou ao 
ajuste das necessidades subjetivas dos que nele se envolvem é aqui a raiz do ciúme. O 
ciúme conseqüência necessária da hipótese de que há um objeto que nos faça Um. Ciúme 
por asfixia, pela falta da falta. Quando dois se completam demais o desejo se vinga no 
ciúme. É talvez um ponto de liberdade para um novo movimento. Tal interpretação tem o 
mérito, a nosso ver, de explicar o juízo do senso comum que diz que um pouco de ciúme 
é benéfico para todo relacionamento. Benéfico, pois faz intervir, mesmo que apenas 
DUNKER, C. I. L. - Consumidos pelo Ciúmes. Viver Psicologia. São Paulo, v.36, 1996. 
 
 
38 
 
como uma possibilidade virtual, o terceiro e a falta. Ele acusa neste caso uma certa 
insatisfação que funciona como motor para novos engajamentos subjetivos. 
Nada mais propício ao aparecimento do ciúme do que o clássico marido cuja 
vida se resume a satisfazer as demandas da esposa. No filme "O Processo do Desejo" tal 
figura aparece exemplarmente descrita. Um juiz que dá tudo para a esposa e é 
exatamente por isso que ela o rejeita. Não falta nada para amar. Na década de 50 uma 
fábrica de automóveis americana fez uma pesquisa para saber qual era o carro que 
correspondia ao sonho dos americanos. O carro que fosse tudo o que todo americano 
queria - o carro-objeto. Produziu-se então o automóvel e ele se demonstrou um fracasso 
completo de vendas. Lógico, não queremos tudo o que queremos, amamos quando surge 
algo além do que imaginamos. Os fabricantes de automóveis americanos definitivamente 
não leram Platão. Tudo indica que eram propensos ao ciúme. 
Dar tudo, isso faz o ciumento traduzir o que sente num ato amoroso. Se te vigio, 
se te amedronto, se te mato ... é porque te amo. Talvez não tenha existido pior mal nas 
ações humanas do que aqueles cometidos em nome do Bem e do amor. Talvez a ética do 
ciumento seja a ética do tudo dizer, daí a primazia da confissão. A ausência de segredo 
inventa uma ficção para realizar a totalidade amorosa. Mas é também uma ética 
masoquista onde não se consegue interromper a realimentação do sofrimento. "Eu me 
mordo, eu me acabo, eu faço bobagem de ciúme", diz a música. Que estranha satisfação é 
essa a do ciumento crônico ? Que paixão irrefreável o empurra para o todo dizer da 
verdade amorosa ? O ciúme é a perseguição do amor verdadeiro, garantido. De fato a 
ilusão do amor verdadeiro é tão enganosa quanto a que faz significar os fracassos de uma 
relação, depois que ela se interrompe, a partir do dito - era um falso amor. 
Amar é dar o que não se tem, dizia Lacan. Ao ciumento a fórmula aparece ao 
contrário: possuir, reter, ter, não perder de modo algum o outro. Garantir que todo o seu 
desejo tenha um único endereço. Não há terceiro. No entanto ele mesmo sabe das 
dificuldades para controlar o incontrolável, por isso o ciumento, neste caso, varre a 
sujeira para baixo do tapete ... do outro. 
Paulo
Realce
Paulo
Realce
Paulo
Realce
Paulo
Realce
Paulo
Realce
DUNKER, C. I. L. - Consumidos pelo Ciúmes. Viver Psicologia. São Paulo, v.36, 1996. 
 
 
39 
 
O segundo tipo de ciúme não está às voltas com o preenchimento do que falta ao 
outro mas com uma imagem fixa: a cena de traição. Sua preocupação maior não reside na 
suspeita insidiosa mas numa certeza antecipada. Não está em jogo a realidade, se bem 
que pareça, mas uma certeza que atravessa sua fala: houve, há e haverá traição. Os 
argumentos neste caso só servem para atestar que o ciúme é justificado. O ciúme 
impulsiona ao ato violento. O pensamento se aproxima da lógica dos inquisidores 
medievais, como aponta o texto básico dos queimadores de bruxas: 
"Tortura-se o acusado que vacilar nas respostas, afirmando ora uma coisa ora 
outra, sempre negando a acusação. Nestes casos, presume-se que esconde a verdade. Se 
negar uma vez, depois confessar sob tortura não será visto como vacilante e sim como 
herege penitente, sendocondenado." 
Enfim, trata-se de um pseudojulgamento uma vez que a culpa está dada de 
antemão. Cara eu ganho, coroa você perde. O filme "O Ciúme" é um retrato deste 
pensamento de certeza antecipada gerando tortura psicológica e exclusão do outro. Note-
se como também neste caso o outro é reduzido ao que se sabe dele. Afirmando ou 
negando as consequencias são as mesmas. Em formas mas abreviadas este tipo de ciúme 
costuma se caracterizar pela pergunta insistente: quem é ele (ou ela) ? A atração pela 
cena da infidelidade se assenta na figura do terceiro. Ora considerado como aquele que 
seduziu, corrompeu a inocência daquele que foi embriagado pelo feitiço, ora tomado por 
um fascínio, este terceiro é a chave da questão. Se não o fosse o que levaria a 
continuidade da investigação do outro uma vez que já se sabe que ele é culpado ? Neste 
caso a ligação do ciumento inclui uma certa inveja em relação ao seu parceiro. A hipótese 
evidentemente recorre à noção de inconsciente. Nos termos de Freud, inveja-se o fato, 
por exemplo, desta mulher ser possuída por outro homem, a recusa deste desejo 
homossexual promove o fascínio por este outro homem e o ódio pela mulher. Um ódio 
cuja aparência é de irracionalidade. O ciúme paranóico reclama, desta forma, de uma 
indiferença à sua demanda amorosa. Indiferença pertinente uma vez que o endereço 
desta demanda não é aquele de quem se diz sentir ciúme. 
Paulo
Realce
Paulo
Realce
Paulo
Realce
DUNKER, C. I. L. - Consumidos pelo Ciúmes. Viver Psicologia. São Paulo, v.36, 1996. 
 
 
40 
 
Montaigne dizia que na ordem das relações humanas a realidade conta pouco. 
Nos apegamos a ficções. Preferimos a ilusão prazeirosa ao desgosto da pálida realidade. 
O fato notável do ciúme é que ele parece comandado por ficções que adquirem o estatuto 
de realidade. A mentalidade jurídica do ciumento o põe assim num beco sem saída. Um 
julgamento sem fim onde o veredicto é o que menos importa. Alguns se apegam a dúvida 
interminável, como Bentinho, outros se dirigem à certeza, outros ainda convidam pelo 
ciúme à experiência de serem enganados, como mostrou Nelson Rodrigues. O ciúme é aí 
um pedido de retomada da relação amorosa, um teste dos seus limites. Um pedido para 
que o outro reaja ao preenchimento da agalma, que faça diferença onde encontra simetria 
em excesso. Ao contrário do ciúme paranóico é um pedido de saber menos. 
Quando Afrodite é tomada por ciúme no momento em que vê os mortais 
adorando a mortal Psiquê o ciúme convida Psiquê à morte. Salva da morte por Eros o 
ciúme das irmãs convida Psiquê à solidão. Salva da solidão o ciúme de Afrodite convida 
então Psiquê a provar seu amor. Quando finalmente o ciúme de Afrodite provoca o 
próprio Zeus então Eros fica em paz com Psiquê. Mas até quando ? 
 
Paulo
Realce
Paulo
Realce
Paulo
Realce
	O Ciúme e as Formas Paranóicas do Amor

Mais conteúdos dessa disciplina