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Trauma Abdominopélvico Introdução A avaliação do abdome integra a da circulação, sendo as hemorragias internas importantes causas de morte que resultam em grande perda volêmica. O abdome se limita pelo rebordo costal superiormente, inferiormente pela sínfise púbica e lateralmente pelas linhas axilares anteriores. O toracoabdome é a transição localizada abaixo da linha mamilar (vísceras como o fígado, baço, estômago e intestino delgado o atingem durante a expiração). Há ainda os flancos (entre as linhas axilares) e os dorsos (posteriormente à linha axilar posterior e a crista ilíaca) e a pelve (circulada pelos ossos ilíacos). Principais topografias: no abdome superior, se encontra o fígado, baço, colo transverso, estômago e parte do intestino delgado. Já no abdome inferior, localiza-se o intestino delgado e o restante do cólon. As lesões em flanco e dorso podem acometer o retroperitônio, que contém a aorta abdominal, a cava inferior, os rins, o ureter e o pâncreas, além da segunda porção duodenal. Na pelve, há reto, bexiga, útero, próstata e vasos ilíacos. Mecanismos de Trauma No trauma abdominal, certos conceitos da cinemática devem ser resgatados para raciocinar prováveis lesões: Trauma contuso: uma lesão contusa (socos e chutes, acidentes automobilísticos) promove deformação em órgãos sólidos, podendo causar rupturas, hemorragias e peritonite. Um dos principais mecanismos associados a esse trauma é o de cisalhamento, que ocorre em órgãos sólidos com fixações como o fígado e baço, em que a aceleração e desaceleração pode gerar ruptura nos pontos de fixação desses órgãos. Nesses traumas, o comum é a lesão do baço, fígado e intestino delgado, havendo hemorragia retroperitoneal em 15% dos casos. O cinto de segurança, apesar de prevenir lesões, pode se associar a compressões do intestino delgado, trombose, ruptura dessas vísceras, fraturas de chance (fratura horizontal que passa do processo espinhoso até a porção posterior do corpo vertebral, muito associada a lesões abdominais) bem como lesão de abdome superior. Trauma penetrante: os traumas de baixa energia cinética (facas) laceram ou rasgam o tecido, enquanto que traumas de alta energia cinética (armas de fogo) causam dano pela cavitação temporária. As lesões mais comuns no trauma baixa energia cinética são o fígado, o intestino delgado, diafragma e cólon; enquanto nos projéteis, é comum lesão de intestino delgado, cólon, fígado e vasos. Explosões: considera-se presença de trauma penetrante e contuso, além de uma provável lesão de órgãos ricos em ar como pulmões, intestinos e membranas timpânicas. Avaliação do Trauma Abdominal Merece destaque no trauma abdominal que nem sempre as lesões abdominais são de fácil reconhecimento, já que as hemorragias internas podem não apresentar irritação peritoneal. Por outro lado, pode haver dor intensa em um trauma raquimedular que simule um trauma abdominal. Se o paciente se apresenta hemodinamicamente instável, deve-se identificar rapidamente a fonte da lesão, e, se estável, lança-se mão de um exame mais detalhado. História clínica: durante essa etapa, é importante obter do paciente os mecanismos do trauma, a localização do ferimento e a força e distância que foi desferido o golpe. Exame físico: deve englobar sistematicamente inspeção, ausculta, percussão e palpação. Podem-se observar abrasões, contusões, eviscerações, além de lacerações no períneo e ânus, que podem indicar fratura de pelve. Caso o paciente possua contratura abdominal involuntária e dor à descompressão, deve-se presumir irritação peritoneal, evitando realizar manobras mais dolorosas. A hipotensão associada com evidências de trauma ou fratura da pelve sem outras fontes de hemorragia deve suscitar essa possibilidade, sendo a fixação da pelve uma medida salvadora nesses casos. Além disso, sinais como sangue no meato uretral, equimose ou hematoma escrotal ou perineal podem indicar lesão uretral, sendo indicado o toque retal e/ou vaginal para acessar fraturas ou abrasões da mucosa vaginal ou retal que o indiquem. Gabriel Torres→ Uncisal→ Med52→ Trauma Abdominopélvico Ferramentas Auxiliares de Diagnóstico Medidas adjuntas podem ser necessárias ao diagnóstico e no auxílio da decisão da conduta, incluindo: Sondagem: a sondagem gástrica pode ser utilizada na descompressão gástrica ou dilatação gástrica, devendo presumir lesões gástricas se o foco não for nasal ou oral. Já a sondagem vesical pode ser utilizada para orientar a reposição volêmica, mas o esvaziamento vesical pode piorar a imagem no E-FAST, podendo ser adiada.Se houver presença de sangue no meato uretral, fratura de pelve ou hematoma do escroto e períneo, deve-se confirmar a uretra íntegra antes de inserir o cateter, pois caso esteja lesada, deve-se optar por tubo suprapúbico. Radiografias: radiografias de tórax podem ser precisas no trauma multissistêmico, em especial o contuso, desde que o paciente esteja estável hemodinamicamente, para determinar pneumotórax, hemotórax ou ar fora da cavidade peritoneal. A radiografia simples também pode facilitar a detecção do trajeto de elementos radiopacos como projéteis, além de poder identificar lesões pélvicas em pacientes com dores pélvicas ou hipovolemia. E-FAST: a sonografia focal direcionada ao trauma expandida (E-FAST) é um exame não-invasivo, rápido e que pode ser repetido, sendo capaz de identificar líquidos livres com elevada precisão. Deve-se examinar o saco pericárdio, a fossa hepatorrenal, a fossa esplenorrenal, a pelve ou o fundo de saco de Douglas, além de ápices e bases pulmonares. Assim como a lavagem peritoneal diagnóstica, a única contraindicação formal é a laparotomia de emergência, podendo ser indicada por alterações da sensibilidade, lesões de adjacências, exame físico equivocado (lesões adjacentes), quando o paciente passará por perda de contato ou na suspeita de lesões por cinto de segurança. Lavado peritoneal diagnóstico: também dado pela sigla DPL ou LPD, trata-se de um estudo rápido porém invasivo na detecção de hemorragias. Ele deve sempre ser realizado após descompressão gástrica ou urinária pelas sondas. Trata-se de um exame mais acurado nos pacientes com instabilidade hemodinâmica, embora seja usado nos pacientes estáveis na ausência de tomografia computadorizada ou E-FAST. A aspiração de qualquer conteúdo gastrointestinal, fibras vegetais ou bile pelo tubo, além de aspiração considerável de sangue em pacientes instáveis indica a necessidade de laparotomia. Apesar disso, o DPL não é muito comumente usado, já que requer expertise cirúrgica e pode ser contraindicado em obesidade mórbida, cirrose avançada, cirurgias prévias e coagulopatias. A técnica de inserção pode ser Gabriel Torres→ Uncisal→ Med52→ Trauma Abdominopélvico aberta, semiaberta ou fechada e geralmente se dá por inserção infraumbilical (a supraumbilical é preferível em hematomas/fraturas pélvicas e gravidez avançada). Se a evidência é inconclusiva, pode-se coletar o conteúdo em amostra e levá-lo para análise microscópica (positivo se mais de 100.000 eritrócitos por mm3, 500 ou mais glóbulos brancos por mm3 ou bacterioscopia positiva). Tomografia computadorizada: medida que consome tempo e exige o transporte do paciente ao tomógrafo, de forma que não é indicada no paciente instável ou se atrasar a transferência. É um exame com sensibilidade maior para lesões que o DPL e o E-FAST, especialmente em lesões retroperitoneais, que esses métodos podem não detectar. Pode apresentar falhas em certas lesões diafragmáticas, pancreáticas e gastrointestinais, de forma que a presença de líquido livre na cavidade sem origem hepatoesplênica sugere lesão de estruturas como mesentério e pode indicar laparotomia. Toracoscopia e laparoscopia: esses exames no contexto de diagnóstico são usados para avaliar um paciente de trauma penetrante sem indicação de laparotomia, mas pode ter uso limitado por necessidade de anestesia geral. Estudos contrastados: são utilizados na suspeita de lesões específicas. No caso da uretrografia, pode-se visualizar a integridade uretral,enquanto na cistografia, pode-se confirmar rupturas vesicais. A Tomografia contrastada também é usada para lesões vasculares, mas outras alternativas como o pielograma intravenoso pode ser utilizado na ausência de tomografia disponível para visualizar lesões do rim e ureter. Por fim, o contraste gastrointestinal pode ser útil nas lesões do abdome, mas destaca-se os riscos de alergia ao contraste e necessidade de estabilidade hemodinâmica do paciente. Avaliação de Traumas Específicos Trauma penetrante: nos traumas toracoabdominais sem necessidade imediata de cirurgia, pode-se lançar mão de toracoscopia, tomografia e laparoscopia para avaliar lesões diafragmáticas e abdominais superiores. Nos traumas da parede anterior sem hipotensão, peritonite e evisceração, pode-se proceder com conduta diagnóstica com exame físico, tomografia e lavagem peritoneal diagnóstica. Nos traumas do dorso e flanco, como a musculatura protege o local, se não há instabilidade, pode-se lançar mão de tomografia com duplo ou triplo contraste, exame físico detalhado e lavagem peritoneal diagnóstica (limitada em órgãos retroperitoneais). Lesões diafragmáticas: podem ocorrer em qualquer porção, sendo o mais comum a lesão do hemidiafragma esquerdo póstero-lateral (proteção do fígado no lado direito). Pode ser percebida por hemotórax, elevação da cúpula diafragmática e borramento da radiografia. Lesões duodenais: são comumente encontradas em colisões frontais e lesões contusas diretas, podendo ser indicada por lavado sanguinolento ou gás à tomografia. Lesões pancreáticas: surgem de lesões epigástricas diretas que comprimem o órgão, sendo difícil sua identificação por marcadores como a amilase e havendo baixa sensibilidade nas primeiras 8 horas da lesão. Lesões genitourinárias: clinicamente sugeridas por hematomas, contusões e equimoses no flanco e dorso, podendo ser também indicadas por hematúria e por avaliações tomográficas, que podem detectar lesões em que a hematúria está ausente como avulsão ureteral. Além disso, fraturas pélvicas sempre podem ser causas de lesões ureterais, devendo ambas serem avaliadas. Lesões de víscera oca: geralmente surgem das forças de cisalhamento, sendo suspeitas caso haja sinais de cinto mal posicionado ou fraturas de Chance. Lesões de órgãos sólidos: ocorrem em lesões contusas no paciente hipotenso, mas se o paciente estiver estável hemodinamicamente, podem não precisar de cirurgia. De todo modo, lesões renais, de baço e fígado devem ser observadas e obrigatoriamente avaliadas pelo cirurgião. Lesões pélvicas: fraturas da pelve ou avulsão dos ligamentos sacroilíaco, sacroespinhoso e sacrotuberoso são causas de elevada mortalidade. As lesões podem ocorrer tanto no plano ântero-posterior (lesando a sínfise púbica e gerando fratura em livro aberto), lateralmente (gerando fraturas em geral menos hemorrágicas que a em livro aberto) ou verticais (gerando avulsão dos ligamentos e grande lesão hemorrágica). São denunciadas por lesões uretrais e instabilidade pélvica e o manejo inicial das lesões é aplicar uma fixação externa compressiva da pelve (cinta ou coberta), realizar reposição volêmica e encaminhar o paciente ao centro de trauma qualificado, pois é precisa laparotomia e/ou acessos pré-peritoneais e embolização das artérias. Indicações da Laparotomia São hipotensão e sinais (E-FAST, DPL ou clínica) de sangramento intraperitoneal. Também, inclui hipotensão com sinais de penetração da fáscia abdominal anterior (pode-se utilizar exploração digital ou dissecção), lesões transperitoneais, evisceração e hemorragias de vísceras que se seguem a trauma penetrante. Também se indica a laparotomia nos casos de peritonite, ar livre na cavidade peritoneal ou ruptura de diafragma. Por fim, ela pode ser indicada na vigência de evidência tomográfica de ruptura de órgãos gastrointestinais ou na aspiração de sangue, fibras vegetais ou bile no lavado peritoneal. Gabriel Torres→ Uncisal→ Med52→ Trauma Abdominopélvico