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3 MATERIAL DIDÁTICO PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO CREDENCIADA JUNTO AO MEC PELA PORTARIA Nº 2.861 DO DIA 13/09/2004 0800 283 8380 www.portalprominas .com.br 2 SUMÁRIO UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO ............................ ......................................................... 3 UNIDADE 2 – O DESENVOLVIMENTO HUMANO .............. ...................................... 5 2.1 DEFININDO DESENVOLVIMENTO ............................................................................. 5 2.2 A IMPORTÂNCIA, OS FATORES E OS ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO ......... 7 2.3 OS PRINCÍPIOS BÁSICOS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO ........................................ 8 2.4 AS MULTIDIMENSÕES DO DESENVOLVIMENTO HUMANO ........................................... 11 UNIDADE 3 – PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM ............ .................................... 12 3.1 CONCEITOS DE APRENDIZAGEM ........................................................................... 12 3.2 CLASSES DE COMPORTAMENTO E APRENDIZAGEM ................................................. 15 3.3 CARACTERÍSTICAS DA APRENDIZAGEM .................................................................. 20 3.4 OS PRODUTOS DA APRENDIZAGEM ....................................................................... 23 UNIDADE 4 – TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO/APRENDIZAGEM .................. 29 UNIDADE 5 – CONDIÇÕES DE APRENDIZAGEM ............. .................................... 52 5.1 CONDIÇÕES BIOLÓGICAS ..................................................................................... 52 5.2 CONDIÇÕES PSICOLÓGICAS ................................................................................. 52 5.3 CONDIÇÕES PEDAGÓGICAS .................................................................................. 54 UNIDADE 6 – INTRODUÇÃO ÀS DIFICULDADES DE APRENDIZA GEM NA LEITURA E ESCRITA ................................. .............................................................. 56 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 69 3 UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO Falar em Psicologia da Aprendizagem e Desenvolvimento nos leva de imediato a uma constatação essencial ao seu estudo: a importância da aprendizagem na transformação do ser humano em uma pessoa integrada ao ambiente sociocultural, no qual terá que viver e colaborar. Quando consideramos as habilidades, os interesses, as atitudes, os conhecimentos, as informações adquiridas, dentro e fora da escola, suas relações com a conduta, a personalidade e a maneira de viver do ser humano, estamos falando necessariamente de aprendizagem, que nos acompanha ao longo de toda a vida. Não vamos radicalizar e dizer que vivemos pior ou melhor de acordo com a aprendizagem, mas podemos afirmar que vivemos de acordo com o que aprendemos e esse é nosso ponto de partida para as discussões acerca da importância e do lugar da aprendizagem em nossas vidas. O primeiro tópico deste módulo trata da definição de desenvolvimento, sua importância, os fatores, os aspectos, princípios básicos e algumas dimensões do desenvolvimento humano. Dando sequência, teremos conceitos, características, classes de comportamento, a aprendizagem e os seus produtos como, por exemplo, a aprendizagem cognitiva, os automatismos e a aprendizagem apreciativa ou afetiva. As contribuições teóricas de alguns pesquisadores conceituados serão apresentados na unidade quatro, com certa ênfase para Piaget e Bronfenbrenner. A unidade 5 discorrerá sobre as condições biológicas, psicológicas e pedagógicas e, por fim, faremos uma breve introdução aos problemas de aprendizagem relacionados à leitura e escrita. Ressaltamos em primeiro lugar que embora a escrita acadêmica tenha como premissa ser científica, baseada em normas e padrões da academia, fugiremos um pouco às regras para nos aproximarmos de vocês e para que os temas abordados cheguem de maneira clara e objetiva, mas não menos científicos. Em segundo lugar, deixamos claro que este módulo é uma compilação das ideias de vários autores, incluindo aqueles que consideramos clássicos, não se tratando, portanto, de uma 4 redação original e tendo em vista o caráter didático da obra, não serão expressas opiniões pessoais. Ao final do módulo, além da lista de referências básicas, encontram-se outras que foram ora utilizadas, ora somente consultadas, mas que, de todo modo, podem servir para sanar lacunas que por ventura venham a surgir ao longo dos estudos. 5 UNIDADE 2 – O DESENVOLVIMENTO HUMANO A psicologia é considerada uma ciência tanto das áreas sociais, ou humanas, como da área de biomédicas, portanto, estuda muito mais do que o comportamento humano, encontrando no cérebro a principal parte do corpo humano que é seu objeto de estudo. À Psicologia do desenvolvimento reserva-se o estudo científico das mudanças de comportamento relacionadas à idade durante a vida de uma pessoa. Essas mudanças relacionam-se com as habilidades motoras, habilidades de resolver problemas, entendimento conceitual, aquisição da linguagem, entendimento da moral e também da formação da identidade. Os seus métodos de estudo podem ser quantitativos, qualitativos e até mesmo utilizar-se de processos conscientes como a introspecção. Dentre os processos psíquicos e comportamentais estudados pela psicologia, encontramos a personalidade, a aprendizagem, a motivação, memória, desenvolvimento, comportamento em grupo, processos psicoterapêuticos. A psicologia do desenvolvimento humano estuda exatamente o desenvolvimento humano (que representa tanto o desenvolvimento mental quanto o crescimento orgânico) em todos os seus aspectos, ou seja, físico-motor, intelectual, afetivo-emocional e social, desde o nascimento até a idade adulta. 2.1 Definindo Desenvolvimento No dicionário Aurélio ‘desenvolvimento’ reporta-se a crescimento, progresso. Por analogia e nos reportando ao ser humano, podemos dizer que desenvolvimento são mudanças que ocorrem na pessoa ao longo do tempo, de maneira ordenada e relativamente duradoura, e afetam as estruturas físicas e neurológicas, os processos de pensamento, as emoções, as formas de interação social e muitos outros comportamentos (MARTURANO, 2008). Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o conceito de desenvolvimento humano nasceu definido como um processo de ampliação das escolhas das pessoas para que elas tenham capacidades e oportunidades para serem aquilo que desejam ser. 6 Diferentemente da perspectiva do crescimento econômico, que vê o bem- estar de uma sociedade apenas pelos recursos ou pela renda que ela pode gerar, a abordagem de desenvolvimento humano procura olhar diretamente para as pessoas, suas oportunidades e capacidades (ONU, 2012). O desenvolvimento compreende um conjunto de tarefas relevantes para cada estágio no ciclo da vida, definidas de acordo com os contextos culturais em que o indivíduo se desenvolve. Entretanto, uma vez cumpridas, as tarefas não perdem importância. Embora a saliência dessas tarefas possa declinar, diminuir em relação a questões que vão emergindo, as tarefas permanecem importantes para a adaptação ao longo do tempo. A resolução bem sucedida de uma questão saliente em um estágio precoce do desenvolvimento aumenta a probabilidade de ajustamento bem sucedido em etapas posteriores. À medida que cada nova tarefa relevante para o desenvolvimento em um determinado estágio assume posição central, surgem oportunidades para crescimento e consolidação, tanto quanto desafios associados com novas vulnerabilidades (MARTURANO, 2008). Nesse contexto, a noção corrente de tarefa de desenvolvimento implica em um conjunto de critérios, alguns universais, outros específicos de determinadacultura ou momento histórico, através dos quais se avalia a competência do indivíduo no enfrentamento dos desafios psicossociais típicos de cada etapa. Pressupõe-se que o grau de sucesso no cumprimento das tarefas em uma dada etapa afeta o desenvolvimento em etapas posteriores, de modo que a competência individual em um dado momento da vida decorre do interjogo entre condições internas e externas, passadas e presentes (MARTURANO, 2008). A competência é vista como a habilidade de usar com sucesso recursos internos e externos para resolver questões que são proeminentes no estágio de desenvolvimento em que o indivíduo se encontra. A competência pode ser definida com atributos adaptativos, cognitivos, emocionais, comportamentais e sociais, complementados pelas crenças e expectativas da pessoa sobre sua possibilidade de ter acesso a esses atributos e sua habilidade para implementá-los. Trata-se de um conceito fundamentado em uma perspectiva de desenvolvimento, segundo a qual o desenvolvimento ótimo consistiria em um processo contínuo de reorganização e integração ativa, pelo indivíduo, das diversas competências adquiridas ao longo da vida (MARTURANO, 2008). 7 Assim sendo, a competência para resolver questões em um período de desenvolvimento não prediz necessariamente a competência posterior; em vez disso, pensa-se que a competência em um período torna o indivíduo, em sentido amplo, adaptado ao ambiente e preparado para desenvolver competência no período seguinte. Os contextos onde o indivíduo se desenvolve podem contribuir tanto para a competência, em maior ou menor grau, como para a vulnerabilidade aos riscos, tanto aqueles inerentes a cada etapa do ciclo da vida, como os decorrentes de circunstâncias de vida adversas ao desenvolvimento (MARTURANO, 2008). Enfim, a mesma autora resume em três os motivos pelos quais estudamos o desenvolvimento humano: • compreender mudanças universais (compartilhadas); • explicar a continuidade na pessoa (diferenças individuais); • entender como a pessoa em desenvolvimento é influenciada pelo ambiente. 2.2 A importância, os fatores e os aspectos do dese nvolvimento humano A importância do estudo do desenvolvimento humano reside no fato de que o ser humano se percebe e se comporta de maneira própria diante do mundo, de acordo com a faixa etária, e se faz necessário estudar tais comportamentos e conhecer o sujeito por dois motivos principais, quando se trata de indivíduo em idade escolar: saber o que planejar e como ensinar esse aluno. Alguns fatores que influenciam o desenvolvimento são: 1. A hereditariedade: a carga genética estabelece o potencial do indivíduo, que pode ou não desenvolver-se. A inteligência pode desenvolver-se de acordo com as condições do meio em que se encontra. 2. Crescimento orgânico: refere-se ao aspecto físico. 3. Maturação neurofisiológica: é o que torna possível determinado padrão de comportamento. 4. Meio: o conjunto de influências e estimulações ambientais altera os padrões de comportamento do indivíduo (MEDKE, 2008). 8 Os aspectos estudados pela psicologia do desenvolvimento humano são: • aspecto físico-motor – refere-se ao crescimento orgânico, à maturação neurofisiológica. Ex.: A criança que leva a chupeta à boca; • aspecto intelectual – é a capacidade de pensamento, raciocínio. Ex.: A criança de dois anos que usa um cabo de vassoura para puxar um brinquedo que está em baixo de um móvel; • aspecto afetivo-emocional – é o modo particular de o indivíduo integrar as suas experiências. A sexualidade faz parte desse aspecto. Ex.: A vergonha que sentimos em algumas situações; • aspecto social – é a maneira como o indivíduo reage diante das situações que envolvem outras pessoas. Ex.: Quando em um grupo há uma criança que permanece sozinha. Como diz Medke (2008) não é possível encontrar um exemplo puro, porque todos esses aspectos relacionam-se permanentemente. 2.3 Os princípios básicos do desenvolvimento humano Os princípios básicos do desenvolvimento no ciclo de vida humana podem ser assim distinguidos: • causalidade múltipla – como o desenvolvimento tem uma variedade de causas, ver o comportamento somente do ponto de vista da psicologia seria incompleto. O estudo do desenvolvimento humano requer a parceria de estudiosos de diversos campos. Por exemplo, como podemos compreender inteiramente o impacto psicológico da menopausa sem conhecer as mudanças biológicas que ocorrem no corpo da mulher ou o modo como as diferentes culturas consideram esta transição?; • auto-organização – o processo de desenvolvimento é caracterizado por uma integração hierárquica de sistemas de comportamento, através da qual as estruturas mais antigas são incorporadas a estruturas mais recentes, sob formas cada vez mais complexas. O indivíduo participa ativamente deste processo, trazendo para as novas experiências as atitudes, expectativas e sentimentos derivados de uma história de interações que influenciam a 9 maneira como as pistas e os estímulos ambientais são interpretados e organizados. O desenvolvimento ótimo consistiria em um contínuo de reorganização e integração ativa, pelo indivíduo, das diversas competências adquiridas ao longo da vida; • plasticidade – muitas habilidades podem ser significativamente modificadas com treinamento e prática, mesmo tarde na vida, mas o potencial para mudança não é ilimitado; • influências transacionais – cada pessoa se desenvolve dentro de um conjunto específico de circunstâncias ou condições definidas pelo tempo e lugar. Durante o curso de desenvolvimento, os seres humanos influenciam e são influenciados por seu contexto histórico e social. Eles não apenas respondem a seu ambiente, mas interagem com ele e o modificam; • multidirecionalidade – o desenvolvimento durante a vida envolve um equilíbrio entre crescimento e declínio. Na medida em que as pessoas ganham numa área, podem perder em outra, e em taxas variáveis. As crianças crescem principalmente em uma direção – para cima –, tanto em tamanho quanto em habilidades. Na idade adulta, o equilíbrio muda gradativamente. Algumas habilidades, tais como o vocabulário, continuam a crescer; outras, como a capacidade de resolver problemas desconhecidos, normalmente diminuem; e alguns novos atributos, como a sabedoria, podem aparecer (MARTURANO, 2008). As principais etapas do desenvolvimento humano acontecem em ciclos ou etapas que são assim divididos por Marturano (2008): • primeira infância – de zero a três anos; • segunda infância – de três a seis anos; • meninice – de seis a doze anos; • adolescência – dos doze aos vinte anos; • adulto jovem – de 20 a 40 anos; • meia-idade – 40 a 65 anos; • velhice – a partir dos 65 anos. 10 Abaixo temos exposto de maneira sucinta os principais marcos, as tarefas desenvolvimentais e o contexto social relevante aos períodos de vida enumerados acima. PERÍODO DA VIDA MARCOS E TAREFAS DESENVOLVIMENTAIS CONTEXTOS SOCIAIS RELEVANTES Infância Adquirir habilidades de linguagem. Desenvolver controle de impulso. F am íli a de o rig em E sc ol a Meninice Entrar na escola. Aprender a ler e escrever. Desenvolver habilidades sociais. Entrar na puberdade. G ru po d e pa re s Adolescência Namorar. Desenvolver independência. Sair de casa. Escolher uma profissão. Estudar na universidade. P ar ce iro ( a) T ra ba lh o Início da vida adulta Casar-se. Ter filhos. Criar filhos pequenos e em idade escolar. F am íli a de p ro cr ia çã o Maturidade Criar filhos adolescentes. Afirmar-se profissionalmente. Filhos deixam o lar. Filhos se casam. Cuidar de um progenitor enfermo. Torna-se avó ou avô. E sc ol a do s fil ho s G ru po d e pa re s 11 Velhice Aposentar-se.Lidar com enfermidades. Cuidar do cônjuge enfermo. Lidar com a morte do cônjuge. Lidar com a morte de amigos. G ru po d e pa re s F am íli a pó s- pa re nt al Fonte: Adaptado de Marturano (2008). 2.4 As multidimensões do desenvolvimento humano Dentre as dimensões do desenvolvimento humano temos a dimensão biológica que diz respeito ao organismo, a hereditariedade, ao ambiente e ao desenvolvimento motor. Ocorrem mudanças no corpo, na capacidade sensorial e nas habilidades motoras. A dimensão subjetiva também chamada de psicossocial está voltada para as mudanças nos relacionamentos com os outros e no modo de a pessoa sentir, reagir e se comportar. Diz respeito ao desenvolvimento psicossexual e social e ao desenvolvimento da linguagem. A dimensão cognitiva se relaciona com o desenvolvimento cognitivo e moral, quando ocorrem mudanças na capacidade mental, raciocínio, memória e aprendizagem. 12 UNIDADE 3 – PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM 3.1 Conceitos de aprendizagem Foram muitos os estudos e pesquisas científicas, empreendidos não só pelos psicólogos como por uma gama de diversos outros especialistas, os quais buscavam responder o que é aprendizagem e quais suas características. Evidentemente que os resultados passaram por diferentes conceitos e definições, muitos divergentes, devido à natureza dos processos e mecanismos particulares, os quais foram se organizando de acordo com as teorias e tomando por base os fatos investigados. Desta seara complexa, tomamos emprestadas algumas considerações sobre a aprendizagem reunidas por Campos (2011): � um processo de associação entre uma situação estimuladora e a resposta, como se verifica na teoria conexionista da aprendizagem; � o ajustamento ou adaptação do indivíduo ao ambiente, conforme a teoria funcionalista; � um processo de reforço do comportamento, segundo a teoria baseada em um sistema dedutivo-hipotético, formulada por Hull; � um condicionamento de reações, realizado por diversas formas, tal como se verifica, por exemplo, no condicionamento contíguo de Guthrie ou no condicionamento operante de Skinner; � um processo perceptivo, em que se dá uma mudança na estrutura cognitiva, de acordo com as proposições das teorias gestaltistas. Face a essas formas de considerar a aprendizagem, aqui apresentadas a título de exemplificar e sem a intenção de transcrever todas as já formuladas, pode- se concluir da dificuldade para conceituar a aprendizagem de forma inteiramente satisfatória. Da análise, porém, dos estudos realizados pelos especialistas, pode-se conceituar a aprendizagem, de um ponto de vista funcional, como a modificação sistemática do comportamento, em caso de repetição da mesma situação 13 estimulante ou na dependência da experiência anterior com dada situação. Esta noção implica o reconhecimento dos seguintes fatos: • existência de fatores dinâmicos, como os da motivação, sem o que nenhum exercício, treino ou prática se torna possível, pois, se o indivíduo não for impulsionado a agir, não poderá se exercitar; • possibilidade de modificação funcional dos indivíduos, segundo certas características do ambiente, que se tornam seletivas para dirigir suas reações aos estímulos ambientais; • aparecimento de resultados cumulativos ou continuados da prática. De um ponto de vista estritamente operacional, bastam dois dos caracteres mencionados – modificação sistemática do comportamento e efeito da prática – para se conceituar a aprendizagem. Hilgard (1966 apud CAMPOS, 2011) assinala que certos problemas nas definições podem, geralmente, ser resolvidos recorrendo-se à definição de termos e, frequentemente, é satisfatório definir a aprendizagem como aquilo que está de acordo com o significado usual, socialmente aceito e que constitui parte de nossa herança comum. Quando devem ser feitas distinções, com maior precisão, devem sê-las através de tipos de inferências cuidadosamente especificadas, extraídas da experimentação. Assim, a aprendizagem pode ser definida como uma modificação sistemática do comportamento, por efeito da prática ou experiência, com um sentido de progressiva adaptação ou ajustamento. “Comportamento”, aqui, não é tomado apenas no sentido de reações explícitas ou de ação direta sobre o ambiente físico, como manipular, locomover-se, juntar coisas, separá-las, construir; mas, também, no de reações simbólicas, que tanto interessam à compreensão da vida social, observadas em gestos, na fala, na linguagem gráfica, como, ainda, no de comportamentos implícitos, que as reações simbólicas vêm a permitir, como perceber, compreender, imaginar e pensar de modo coerente. Por outro lado, o termo “prática” não significa a exata repetição de uma reação qualquer, mesmo porque, repetições dessa espécie jamais ocorrem no 14 transcurso da aprendizagem: prática significa a reiteração dos esforços de quem aprende, no sentido de progressiva adaptação ou ajustamento a uma nova situação que se ofereça. Desta maneira, podemos salientar dois aspectos de suma importância: a atividade própria de quem aprende e a integração dos modos de ajustamento em padrões gradativamente mais complexos. É interessante enfatizar que definir a aprendizagem como “uma mudança de comportamento” não se pretende significar qualquer tipo de mudança, porque, neste caso, poder-se-ia confundi-la com outras mudanças resultantes de crescimento, maturação, fadiga etc., que se podem dar com a repetição e o progresso, ou não. Mais uma vez Campos (2011) se baseia em Hilgard (1966) para apresentar a definição satisfatória para despertar a atenção sobre os problemas envolvidos em qualquer definição de aprendizagem: Aprendizagem é o processo pelo qual uma atividade tem origem ou é modificada pela reação a uma situação encontrada, desde que as características da mudança de atividade não possam ser explicadas por tendências inatas de respostas, maturação ou estados temporários do organismo (por exemplo, fadiga, drogas, etc.). Do ponto de vista estrutural e funcional, há mais ou menos acordo em que a aprendizagem seja as modificações que interessam aos sistemas receptores e efetores, em suas conexões anatômicas e funcionais referentes ao sistema nervoso central e que foram retidas como pertencentes ao campo da aprendizagem. Entretanto, no que se refere à natureza dos processos e mecanismos particulares em jogo na aprendizagem, isto é, que intervêm no estabelecimento e conservação dos sistemas de traços e que só podem ser inferidos, é que surgem as discussões causadoras das diversas teorias formuladas sobre a aprendizagem. Quanto ao conceito acadêmico de aprendizagem, cabem algumas considerações, pois uma pessoa, quando não versada em Psicologia, tende a conceber a aprendizagem como significando apenas adquirir habilidade em leitura, escrita, conhecimentos de geografia, história, etc. Trata-se de uma concepção estreita de aprendizagem, que é muito mais do que isso! As pessoas aprendem os valores culturais; aprendem a desempenhar papéis de acordo com o sexo; 15 aprendem a amar, a odiar, a temer e a ter confiança em si mesmas, aprendem a ter desejos, interesses, traços de caráter e de personalidade (CAMPOS, 2011). Em suma, a aprendizagem não é apenas a aquisição de conhecimentos ou do conteúdo dos livros, como pode ser compreendida por uma concepção estreita e acadêmica do fenômeno, como também não pode se limitar apenas ao exercício da memória. Toda aprendizagem resulta da procura do restabelecimento de um equilíbrio vital, rompido pela nova situação estimuladora, para a qual o sujeito não disponha de resposta adequada. A quebra deste equilíbrio determina, no indivíduo, um sentimento de desajustamento, ao enfrentar uma situação nova, e o único meio de ajustar-se é agir ou reagir até que a resposta convenienteà nova situação venha fazer parte integrante de seu equipamento de comportamento adquirido, o que constitui o que se chama aprendizagem. A eficiência da aprendizagem está condicionada à existência de problemas, que surgem na vida do educando, que lhe deem a impressão de fracasso e que o levem a sentir-se compelido a resolvê-los. Na busca e obtenção dessas soluções, o educando aprende, de fato, e não apenas memoriza fórmulas feitas, sem nenhum efeito no ajustamento de sua personalidade. A aprendizagem envolve o uso e o desenvolvimento de todos os poderes, capacidades, potencialidades do homem, tanto físicas quanto mentais e afetivas. Isto significa que a aprendizagem não pode ser considerada somente como um processo de memorização ou que emprega apenas o conjunto das funções mentais ou unicamente os elementos físicos ou emocionais, pois todos estes aspectos são necessários. 3.2 Classes de comportamento e aprendizagem Mais adiante discorreremos sobre as características da aprendizagem, o que requer de pronto, uma breve introdução às classes de comportamento que possibilitam distinguir os efeitos dos fatores genéticos ou hereditários e da experiência no desenvolvimento do comportamento. Essas classes de comportamento envolvem os reflexos, os instintos, a estampagem e as primeiras experiências. 16 Os reflexos são comportamentos ou respostas específicas a estímulos específicos, não suscetíveis à modificação proveniente de experiência anterior. São peculiares a cada espécie de organismo vivo, portanto são advindos de fatores genéticos. Como exemplos podem ser citados o reflexo rotular no ser humano ou os reflexos de Babinski e de Darwin nas crianças até cerca de 180 dias. Enquanto o reflexo é um comportamento simples, o instinto refere-se a comportamento complexo que, entretanto, parece desenvolver-se sem os benefícios da aprendizagem. O reflexo ocorre em um grupo específico de efetores1 e é evocado pela estimulação de uma superfície sensorial específica. O comportamento instintivo não depende, em geral, de qualquer receptor específico e envolve, de forma característica, grande parte dos efetores do corpo inteiro, ao invés de se limitar a uma só glândula ou a um só grupo muscular. Como todo comportamento complexo, o comportamento instintivo envolve elementos reflexos, pois a sua segunda fase, a consumatória, é consideravelmente reflexa. Na procura de alimento, pelo animal, por exemplo, a procura e obtenção do alimento são preparatórias, enquanto que a mastigação, salivação e deglutição são consumatórias. Um atributo especial do comportamento instintivo é não ter necessidade de ser ensinado ou de ser adquirido pela prática, embora possa incluir elementos da aprendizagem, o que não ocorre com os reflexos puros ou não condicionados. É interessante referir, porém, que a designação “comportamento instintivo” tem sido empregada com uma significação aproximada, porque vem impregnada de uma série de conotações que lhe afetaram o uso preciso. Em resumo, o comportamento instintivo caracteriza-se como complexo, previsível de acordo com a espécie, inflexível, automático e mecânico, revelando muito pouca variabilidade ou possibilidade de aprendizagem, isto é, não requerendo condições especiais de aprendizagem para seu aparecimento. Quando contrariado, o instinto parece cego e estúpido. 1 Órgão que produz um efeito, geralmente em resposta a um estímulo. 17 Outra categoria de comportamento na qual a variabilidade e a aprendizagem são mínimas é a estampagem (imprinting). Um comportamento resultante da estampagem é fixado pela ligação estabelecida entre um padrão complexo de comportamento exibido e um estímulo presente no momento apropriado. Na estampagem são encontradas quase todas as características do comportamento instintivo, porém depende também de certa experiência do organismo, implicando aprendizagem. Entretanto, não se trata de aprendizagem comum, mas de tipo especial e limitado. Experimentos e pesquisas com várias espécies de aves mostraram a existência de uma ligação social durável com membros da espécie com a qual travaram o primeiro contato, portanto, elementos de outra espécie tornaram-se seus pais. Quando uma ave sai do ovo, o primeiro objeto que vê, torna-se normalmente um de seus pais. O patinho vendo uma galinha, desde que saiu da casca, passará a segui-la, como sua mãe. Nas primeiras 24 horas da cria, esta visão tem um efeito durável e é muito importante para algumas espécies, como determinante do comportamento na maturidade. A estampagem constitui um tipo de aprendizagem muito especial, também chamada aprendizagem primitiva, e que apresenta as seguintes características: 1. Só se dá em um período crítico, sendo em geral constituído das primeiras 12 a 24 horas de vida, dependendo da espécie. 2. Não requer reforço primário, como, por exemplo, o alimento. 3. Uma simples experiência não parece suficiente para que haja a estampagem. 4. Tem a sua maior eficiência quando uma experiência de treino é reduzida a um intervalo relativamente curto de tempo, sendo então resultante de prática mais maciça, do que distribuída, contrariamente ao que ocorre na aprendizagem. 5. O comportamento a ser estampado e a própria estampagem são ambos acelerados por um estímulo nocivo (choque, por exemplo], apresentado durante o processo de estampagem, enquanto que tem efeito desorganizador na aprendizagem. 18 6. É eliminada por certas drogas, como os tranquilizantes, o que não ocorre na aprendizagem. 7. Na estampagem, a primeira experiência com uma situação é a mais importante. Assim caracterizada, pode-se definir a estampagem como a associação entre um padrão complexo de comportamento e um complexo padrão de estímulos presente, por acaso, na primeira, ou nas primeiras ocorrências deste comportamento. Embora, em certo sentido, possa ser considerada como uma forma primitiva de aprendizagem, a estampagem desta se diferencia, portanto. Em sua forma mais profunda, a estampagem é um fenômeno característico das aves. Entretanto, o mesmo tipo de efeito pode aparecer entre mamíferos, embora o período de aprendizagem requerido seja muito maior. O carneiro alimentado na mão e mantido afastado de outros carneiros durante o crescimento não se junta ao rebanho, quando colocado no campo e, se permitido, irá se aproximar do pastor. A estampagem vem sendo objeto de especulações em relação ao comportamento humano (CAMPOS, 2011). A expressão “primeira experiência” é usada para designar um comportamento que faz parte do equipamento genético do organismo, mas que jamais ocorreu anteriormente, não podendo então receber a denominação de comportamento aprendido. Tecnicamente falando, a experiência pode ser definida como o padrão de estimulação de um órgão dos sentidos: as combinações e sequências de estímulos que afetam o organismo, sem mencionar a questão dos possíveis processos de consciência que surgem daí. Assim, pode-se tratar das primeiras experiências de um peixe ou de um recém-nascido, sem que isso implique que qualquer um desses organismos tenha processos nervosos suficientemente elaborados para que essas experiências envolvam “consciência” ou “conhecimento”. Do nascimento em diante, a complexidade de estimulação de um recém- nascido aumenta, grandemente. O bebê não parece ser afetado por essa 19 estimulação e costumava-se pensar que se trataria apenas de um período de crescimento, durante o qual o meio ambiente era importante apenas para fornecer alimento e manter temperatura adequada. Sabe-se agora que a situação é bem diferente e que as teorias da personalidade e do desenvolvimento vêm atribuindo grande importância às primeiras experiências do organismo individual. As estimulações sensoriais do meio ambiente,a fim de determinar as primeiras experiências, são necessárias para a manutenção de algumas estruturas neurais, que seriam de outra forma degeneradas, e para a ocorrência da aprendizagem essencial para o desenvolvimento normal do organismo. A falta das primeiras experiências parece restringir a capacidade ulterior de aprendizagem e limitar, desta maneira, o desenvolvimento normal. Vêm sendo realizadas pesquisas com animais, como cães, macacos, etc., submetendo-os à privação de uma estimulação normal durante a fase de desenvolvimento. Esta falta das primeiras experiências próprias da espécie determinou o aparecimento de animais, apresentando, em comparação com irmãos da mesma idade, características tais como: pouca inteligência, deficiência na capacidade de aprender, deficiência na tendência normal a saciar a curiosidade, alterações na emotividade e prováveis deficiências na capacidade de perceber a dor. A restrição precoce produziu animais que podem permanecer imaturos para sempre, isto é, cuja capacidade para aprender parece destorcida e diminuída de maneira permanente. Sem dúvida, consequências semelhantes no comportamento humano vêm sendo objeto de pesquisas, face às repercussões no plano educacional. A aprendizagem é uma classe de comportamento que consiste em uma modificação sistemática de conduta, advinda da repetição de uma mesma situação. Evidentemente que tanto os comportamentos aprendidos como os não aprendidos são da maior importância no desenvolvimento dos organismos vivos. Parece claro que o comportamento superior do adulto depende, fundamentalmente, da experiência na infância, enquanto o comportamento reflexo 20 ou o instintivo não exige experiência anterior, a motivação normal, a percepção e a inteligência requerem primeiras experiências em condições normais. Entretanto, o comportamento inato, como também o comportamento superior que está sujeito às primeiras experiências, dependem da hereditariedade e dos processos de crescimento, garantidores dos olhos, ouvidos, receptores da pele e um sistema nervoso no qual ocorre a aprendizagem. Atualmente, não se cogita mais se determinado comportamento advém da hereditariedade ou da aprendizagem, mas de que maneira ambas colaboram para produzi-lo. Apenas o reflexo não condicionado prescinde da aprendizagem para se desenvolver, enquanto que todos os outros tipos de comportamento, incluindo mesmo a maior parte dos instintivos, envolvem a aprendizagem determinada pelas experiências da infância. Grande parte do comportamento não é adquirida, mas ainda assim depende da existência de outra aprendizagem anterior. Esses entendimentos são de grande relevância para o Psicólogo quando ele promove investigações sobre o desenvolvimento do ser humano, como também poderá colaborar clinicamente nesse processo, tal como para o educador, cuja missão é procurar propiciar todos os meios a seu alcance para o aproveitamento mais adequado e eficiente de todo o potencial hereditário de cada indivíduo. 3.3 Características da aprendizagem A aprendizagem envolve o uso e o desenvolvimento de todos os poderes, capacidades, potencialidades do homem, tanto físicas quanto mentais e afetivas. Isto significa que a aprendizagem não pode ser considerada somente como um processo de memorização ou que emprega apenas o conjunto das funções mentais ou unicamente os elementos físicos ou emocionais, pois todos esses aspectos são necessários. Daí podemos falar em características da aprendizagem, relacionando com o ambiente escolar. 1. A aprendizagem é um processo dinâmico, não é de absorção passiva, pois sua característica mais importante é a atividade daquele que aprende. Portanto, a aprendizagem só se faz através da atividade do aprendiz. É evidente que não se trata apenas de atividade externa física, mas, também, 21 de atividade interna, mental e emocional, porque a aprendizagem é um processo que envolve a participação total e global do indivíduo, em seus aspectos físico, intelectual, emocional e social. Na escola, o aluno aprende pela participação em atividades, tais como leitura de textos escolares, redações, resoluções de problemas, ouvindo as explicações do professor, respondendo oralmente às questões, fazendo exames escritos, pesquisando, trabalhando nas oficinas, fazendo experiências no laboratório, participando de atividades de grupo, etc. Assim, a aprendizagem escolar depende não só do conteúdo dos livros, nem só do que os professores ensinam, mas muito mais da reação dos alunos a fatores, tais como livros, professores e ambiente social da escola. Os métodos de ensino da escola moderna tornaram-se ativos, suscitando o máximo de atividade, da parte do aprendiz, face à caracterização da aprendizagem como um processo dinâmico. � A aprendizagem é um processo contínuo: desde o início da vida, a aprendizagem se acha presente. Ao sugar o seio materno, a criança enfrenta o primeiro problema de aprendizagem: terá que coordenar movimentos de sucção, deglutição e respiração. As horas de sono, as de alimentação, os diferentes aspectos de criação impõem, já ao infante, numerosas e complexas situações de aprendizagem. Na idade escolar, na adolescência, na idade adulta e até em idade mais avançada, a aprendizagem está sempre presente. A família, a escola e, enfim, todos os agentes educacionais precisam selecionar os conteúdos e comportamentos a serem exercitados, porque, sendo a aprendizagem um processo contínuo, o indivíduo poderá aprender algo que venha prejudicar seu ajustamento e o bom desenvolvimento de sua personalidade. � A aprendizagem é um processo global: qualquer comportamento humano é global ou “compósito”; inclui sempre aspectos motores, emocionais e ideativos ou mentais, que podemos já dizer, são produtos da aprendizagem. Portanto, a aprendizagem, envolvendo uma mudança de comportamento, terá que exigir a participação total e global do indivíduo, para que todos os aspectos constitutivos de sua personalidade entrem em atividade no ato de 22 aprender, a fim de que seja restabelecido o equilíbrio vital, rompido pelo aparecimento de uma situação problemática. � A aprendizagem é um processo pessoal: ninguém pode aprender por outrem, pois a aprendizagem é intransferível de um indivíduo para outro. As concepções antigas supunham que o professor, apresentando o conteúdo a ser aprendido, realizando os movimentos necessários, levava, obrigatoriamente, o aluno à aprendizagem. Atualmente, a compreensão do caráter pessoal da aprendizagem levou o ensino a se concentrar na pessoa do aprendiz, tornando-se paidocêntrica (o aluno no centro) a orientação da escola moderna. A maneira de aprender e o próprio ritmo da aprendizagem variam de indivíduo para indivíduo, face ao caráter pessoal da aprendizagem. � A aprendizagem é um processo gradativo: é um processo que se realiza através de operações crescentemente complexas, porque, em cada nova situação, envolve maior número de elementos. Cada nova aprendizagem acresce novos elementos à experiência anterior, sem idas e vindas, mas numa série gradativa e ascendente. Este caráter gradativo repercutiu na organização dos programas escolares, na organização dos cursos e em sua respectiva seriação. � A aprendizagem é um processo cumulativo, ou seja, com um sentido de progressiva adaptação e ajustamento social. Analisando-se o ato de aprender, verifica-se que, além da maturação, a aprendizagem resulta de atividade anterior, ou seja, da experiência individual. Ninguém aprende senão por si e em si mesmo, pela automodificação. Desta maneira, a aprendizagem constitui um processo cumulativo, em que a experiência atual se aproveita das experiências anteriores. Estas modificações de comportamento, resultantes da experiência, podem levar a frustrações e perturbações emocionais, quando não se dá a integraçãodo comportamento, isto é, a aprendizagem. Quando, na realidade, a aprendizagem se realiza, surge um novo comportamento, capaz de solucionar a situação problemática encontrada, levando o aprendiz à adaptação, ou à integração de sua personalidade, ou ao ajustamento social. A acumulação das experiências leva à organização de 23 novos padrões de comportamento, que são incorporados, adquiridos pelo sujeito. Daí se afirma que quem aprende modifica o seu comportamento (CAMPOS, 2011). 3.4 Os produtos da aprendizagem Toda aprendizagem resulta em alguma mudança ocorrida no comportamento daquele que aprende. Assim, observam-se mudanças nas maneiras de agir, de fazer coisas, de pensar em relação às coisas e às pessoas e de gostar, ou não gostar, de sentir-se atraído ou retraído das coisas e pessoas do mundo em que vive. Desta maneira, verifica-se que os produtos da aprendizagem são de natureza diferente, sendo possível sua classificação, embora forçando um pouco os fatos, porque, geralmente, não se encontra um produto de aprendizagem puro, mas o predomínio de um dos produtos sobre os outros, em cada situação. Comumente, os produtos da aprendizagem são agrupados em automatismos (em que predominam os elementos motores), elementos cognitivos e elementos afetivos ou apreciativos, estes últimos porque o homem é um organismo que pensa, sente e atua, portanto, todo o processo aprendido possui componentes motores, ideativos e afetivos. Ninguém jamais adquire um hábito motor, como, por exemplo, a patinação, sem algum nexo afetivo, ou consequência cognitiva. O indivíduo que aprende pensa sobre o que faz, ao aprender; forma, pelo menos, uma noção da natureza geral e do significado deste processo: se é interessante ou enfadonho, se constitui uma forma adequada de socialização, ou um exercício físico sadio. Ao mesmo tempo, adquire alguns sentimentos referentes à atividade: passa a apreciá-la ou desprezá-la, a detestá-la ou valorizá-la, e a atividade adquire uma conotação positiva ou negativa, atraindo-o ou repelindo-o (CAMPOS, 2011). Qualquer atividade predominantemente cognitiva (conceitual), também possui componentes, relações ou consequências motoras. O pensamento é, parcialmente, muscular ou possui repercussões motoras. Quando alguém imagina estar passeando pela rua, pode-se captar impulsos periódicos dos músculos da perna. Foi demonstrado que ligeiros movimentos da língua e da laringe ocorrem em pessoas normais, durante a reflexão; os surdos- mudos, que utilizam a linguagem de sinais, executam ligeiros movimentos dos 24 dedos, mãos e braços, tanto ao pensar, como sonhando. Estas mesmas pesquisas revelam que o relaxamento muscular completo e a reflexão são incompatíveis; quando os músculos estão perfeitamente relaxados, o indivíduo adormece e não pode pensar. Ao contrário, quando se percebe, ou se pensa, há um aumento de tensão muscular. Um alto nível de atenção ou concentração sempre envolve um aumento de tensão muscular geral. Todos estes fatos indicam que grande parte da atividade cognitiva, se não toda ela, possui aspectos ou correlatos motores. É igualmente verdade que os sentimentos e as emoções também têm seus componentes ou correlatos intelectuais ou motores. Toda emoção agradável traz consigo uma tendência para repetir a experiência agradável ou para deixar as coisas como estão, prolongando a situação. Cada experiência afetiva, de tonalidade positiva, envolve uma tendência motora positiva, que visa a aproximar, prolongar e perpetuar esta vivência, ao passo que estados emocionais desagradáveis acarretam tendências de fuga, reações de aversão e uma tendência reacional que visa o afastamento da situação estimuladora. Expectativas cognitivas e significados perceptivos e conceituais tornam-se, igualmente, parte integrante da reação total, que é de natureza predominantemente afetiva. Assim, por exemplo, percebe-se como amigáveis e desejáveis as situações, em que foram agradáveis as experiências anteriores semelhantes. Ao contrário, são percebidas como ameaçadoras e conceituadas como perigosas e más situações, pessoas, ou objetos que foram, previamente, fontes de frustrações, conflito, ansiedade, culpa ou dor. Os aspectos da atividade do indivíduo, artificialmente abstraídos, para fins de classificação e estudo dos produtos da aprendizagem, nunca existem isoladamente, na vida real. Uma pessoa constitui uma unidade e, ao agir, é a pessoa como um todo que responde. Sua atividade sempre possui componentes motores (predominantemente musculares), ideativos (em grande parte neurológicos) e afetivos (principalmente viscerais), em diversas proporções. 25 Da mesma forma, quando os padrões comportamentais do indivíduo se modificam, em virtude da experiência, os aspectos motores, ideativos e afetivos também se alteram. A aprendizagem cognitiva é aquela que, no processamento, predominam os elementos de natureza intelectual, tais como a percepção, raciocínio, memória, etc. Assim, o conhecimento das causas da independência do Brasil, a aplicação de um teorema na solução de um problema matemático, a data da descoberta da América, etc., constituem uma aprendizagem do tipo ideativo, pois vão envolver, especialmente, a utilização de processos intelectuais ou cognitivos. Na aprendizagem ideativa, ainda, pode-se distinguir entre conhecimentos e informações. Quando o aluno aprende a data da descoberta da América, trata-se de uma informação, porque essa tarefa envolveu apenas a memória, sendo desnecessário qualquer outra atividade intelectual. Entretanto, para a aprendizagem das causas da independência brasileira, os processos mentais de percepção, atenção, raciocínio, abstração, julgamento, etc., são imprescindíveis, para que o aprendiz reelabore o conhecimento a ser adquirido, a menos que ocorra a pseudo- aprendizagem – apenas a memorização e não a compreensão das relações de causa e efeito do fato estudado. Além das condições comuns a qualquer tipo de aprendizagem, como as condições orgânicas, a maturidade para aprender, a motivação, etc., a aprendizagem ideativa não pode prescindir do trabalho das funções cognitivas, como a percepção, a atenção, o raciocínio, a memória, etc. De fato, a aprendizagem exige a atividade do educando e os resultados ou produtos dessa aprendizagem podem ser classificados em três categorias, conforme o predomínio do tipo de atividade individual envolvida, embora, na realidade, não possam aparecer totalmente isolados porque a personalidade funciona sempre como um todo – o indivíduo pensa, sente e age a um só tempo. Quanto ao automatismo, é uma aprendizagem que propicia ao aprendiz meios de adaptação às situações de vida, sem exigir muito do trabalho mental. A aquisição de automatismos libera a atividade mental do indivíduo, para a solução de problemas mais complexos. O homem necessita saber vestir-se, pentear-se, cortar alimentos, dirigir automóveis, escrever as palavras, operar matematicamente e de 26 uma série de atos usados a todo o momento, em sua vida. Os automatismos são padrões fixos de conduta selecionada, que permitem ao indivíduo enfrentar as situações constantes e rotineiras da vida e da profissão, com agilidade, rapidez e economia de tempo e esforço. Os automatismos tanto podem ser mentais quanto motores e até sociais, como, por exemplo, a cortesia, o cavalheirismo, a cooperação, etc. A observação, a retenção mnemônica, a leitura rápida, a indução etc., constituem exemplos de hábitos mentais. A eficiente realização de atividades dessa natureza depende de um bom desenvolvimento dos hábitos e das habilidades mentais e motoras; através da experiência e do treino, o homem torna-se capaz de realizar esses atos com o máximo de rendimento, em tempo e em qualidade, sem mesmo necessitar concentrar a sua atenção para executá-los. A aprendizagemde hábitos e habilidades é realizada da mesma maneira que as outras, porém inclui reações de tipo automático e, portanto, necessita da prática para ser atingida. Os padrões de desenvolvimento motor, que vão possibilitar a formação de automatismos motores, podem ser classificados em dois tipos: os primários e os secundários. Os primeiros incluem os movimentos globais do corpo, como andar, correr, saltar, atirar, nadar, etc.; os segundos envolvem o controle de músculos menores, como escrever e usar instrumentos que requerem a coordenação de pequenos músculos. A maioria das habilidades motoras envolve ambos, os movimentos globais e a coordenação de pequenos músculos, portanto, a aquisição de automatismos depende da prática, do treino, da repetição. Uma criança, quando começa a aprender a escrita, todo o seu corpo fica tenso, seus dedos rígidos, agarrando o lápis com toda força. Com a prática, vai captando os sinais que possibilitam movimentos flexíveis, até se tornar capaz de manusear, mesmo uma caneta. Assim, conclui-se que é necessário apresentar ao aprendiz as dificuldades de forma gradativa, nos exercícios, para que possam ser percebidos e automatizados por aquele que aprende. Na aprendizagem motora, deve-se considerar, também, que as dificuldades a serem transpostas só o são depois que: (a) o indivíduo tem a concepção geral do que vai aprender e (b) começa a fazer discriminações do geral, coordenando as 27 ações desse campo, no sentido de reorientação da atividade, ou seja, ocorre o processo de aproveitamento das experiências anteriores, corrigindo os erros cometidos. Qualquer habilidade mental ou motora se caracteriza por ser automática, rápida, precisa e dependente da coordenação de uma série de relações, sequências ou de pequenos neurônios, tudo isto conseguido através de um complexo processo, tal como foi referido. Campos (2011) nos chama atenção para os objetivos da escola moderna que não são apenas intelectuais (aprendizagem ideativa) e de aquisição de habilidades e destrezas (aprendizagem de automatismos). Atualmente, a escola pretende contribuir para a equilibrada formação da personalidade do aluno e sua integração ao ambiente sociocultural, através do ajustamento de seus sentimentos, atitudes e ideais aos do grupo a que o mesmo pertence. Diante de um novo conhecimento ou habilidade, a atitude do aprendiz pode variar, revelando-se positiva, negativa, ou mesmo indiferente. Desta maneira, a aprendizagem apreciativa, emocional ou afetiva sempre acompanha as demais, isto é, é concomitante às outras aprendizagens, ultrapassando o currículo escolar, seguindo pela vida a fora. Quem aprende a dirigir um carro, aprendizagem tipicamente motora e automática, aprende, concomitantemente, a gostar ou não de dirigir carro, a respeitar as regras de trânsito, a tomar cuidado com a vida de outras pessoas, que são aprendizagens do tipo apreciativa. “Nunca se aprende uma só coisa de cada vez” é uma verdade incontestável, quando se observa, por exemplo, um adolescente dizendo que adora geografia, porque o professor é formidável, mostrando que, além de aprender a disciplina, adquiriu uma atitude favorável ao estudo da matéria, decorrente do estabelecimento de uma relação afetiva entre a matéria e o mestre. A aprendizagem apreciativa influi, modifica e aperfeiçoa a personalidade do educando, que se estrutura sob as bases hereditárias, em constante interação com o meio ambiente. Atitudes, valores sociais traduzidos por gostos, preferências simpatias, costumes, crenças, hábitos e ideais de ação fazem parte da aprendizagem 28 apreciativa e constituem em última instância os princípios gerais de conduta humana. É preciso concordar com Campos (2011) ao inferir que sem emoções, sentimentos, valores e ideais, a vida não teria sentido. Sem essas reações, as palavras felicidade e desgraça, prazer e dor, amor e ódio seriam inteligíveis; assim como tudo seria indiferente, os fatos mais vulgares e as maiores catástrofes deixariam o homem completamente impassível. Igualmente, muitos dos estados afetivos no homem, como o amor, o respeito, a admiração, o sentimento de justiça, o sentimento atlético e moral, são, em grande proporção, fruto da experiência e da educação, tanto que a escola e a família deveriam exercitar essas respostas afetivas e outras, que desempenham papel da maior relevância na vida social. Pois bem, a aprendizagem apreciativa pode ser positiva ou negativa, se cria uma reação individual favorável, ou provoca reação de agressividade, inibição ou aversão. É a aprendizagem que possibilita a formação do caráter do aprendiz, o que se expressa na sua maneira constante de agir, diante das diferentes situações. O melhor índice da educação e cultura de um indivíduo não está na sua habilidade para fazer coisas, nem na massa de informações e conhecimentos por ele armazenados, mas na qualidade e intensidade de seus ideais, suas atitudes e preferências, em relação à vida, à cultura e ao meio social e profissional em que vive; encontra-se também na sua capacidade para avaliar a verdade, apreciar o belo e praticar o bem (CAMPOS, 2011). Evidentemente que todo este conteúdo não surge espontaneamente! Ele precisa ser ensinado e cultivado, principalmente na escola. Todo esse conteúdo da aprendizagem apreciativa, que constitui os recursos fundamentais de integração à vida, ao meio social e à profissão, não surge espontaneamente, mas precisa ser ensinado e cultivado pela escola. 29 UNIDADE 4 – TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO/APRENDIZAGEM Várias teorias foram e ainda são elaboradas com o objetivo de reconstituir, a partir de diferentes metodologias e pontos de vista, as condições de produção da representação do mundo e de suas vinculações com as visões de mundo e de homens dominantes em cada momento histórico da sociedade (TERRA, 2010). Dentre as várias teorias que focaram o desenvolvimento e a aprendizagem, escolhemos algumas, não somente de estudiosos renomados e estudados exaustivamente nos cursos voltados para a educação, mas de outros menos conhecidos que também contribuíram sobremaneira. Entendemos que cada uma delas, a seu tempo e seu modo, veem colaborando com o entendimento do desenvolvimento humano. Sigmund Freud (1856-1939) À sua época, inovou em dois campos, desenvolvendo uma teoria da mente e da conduta humana e uma técnica terapêutica para ajudar pessoas afetadas psiquicamente. Seu novo e radical modelo da mente humana alterou a forma como pensamos sobre nós próprios, a nossa linguagem e a nossa cultura. A sua descrição da mente enfatiza o papel fundamental do inconsciente na psique humana e apresenta o comportamento humano como resultado de um jogo e de uma interação de energias. Freud contribuiu para a eliminação da tradicional oposição básica entre sanidade e loucura ao colocar a normalidade num continuum e procurou compreender o funcionamento do psiquismo normal através da gênesis e da evolução das doenças psíquicas. Estudou ainda o desenvolvimento psíquico da pessoa a partir do estágio indiferenciado do recém-nascido até a formação da personalidade do adulto (ALMADA, 2006). Para ele, muitos dos problemas psicopatológicos da idade adulta de que trata a Psicanálise têm as suas raízes, as suas causas, nas primeiras fases ou estágios do desenvolvimento. 30 Na perspectiva freudiana, a “construção” do sujeito, da sua personalidade, não se processa em termos objetivos (de conhecimento), mas em termos objetais e tal objeto é um objeto libidinal, de prazer ou desprazer, gratificante ou não gratificante, positivo ou negativo (ALMADA, 2006). O conceito de desenvolvimento da personalidade ocorre em sete fases: oral, anal, fálica, latência, adolescência, maturidade e velhice. Ele afirma que em cada fase, a pessoa deve aprender a resolver certos problemasespecíficos, originados do próprio crescimento físico e da interação com o meio. A solução dos diferentes problemas, que em grande parte depende do tipo de sociedade ou cultura, resulta na passagem de uma fase para a outra e na formação do tipo peculiar de personalidade. No decorrer das fases, o indivíduo expressa seus impulsos e suas necessidades básicas dentro de moldes que visam a continuação da cultura (D`ANDRÉA, 2001). Embora não encontremos em Freud as respostas que buscamos para entender o desenvolvimento humano, a sua teoria sobre o desenvolvimento da personalidade atribui uma nova importância às necessidades da criança em diversas fases do desenvolvimento e sobre as consequências da negligência dessas necessidades para a formação da personalidade, levando outros pesquisadores a estudarem profundamente o assunto. Jean Piaget (1896-1980) Na área de Psicologia do Desenvolvimento não há dúvidas de que encontramos em Piaget um dos investigadores mais influentes do século XX. Ele acreditava que o que distingue o ser humano dos outros animais é a sua capacidade de ter um pensamento simbólico e abstrato. Acreditava também que a maturação biológica estabelece as pré-condições para o desenvolvimento cognitivo. As mudanças mais significativas são mudanças qualitativas (em gênero) e não quantitativas (em quantidade). Na sua teoria existem dois aspectos principais: o processo de conhecer e os estágios/etapas pelos quais nós passamos à medida que adquirimos essa habilidade. 31 Como biólogo, Piaget estava interessado em como é que um organismo se adapta ao seu ambiente (ele descreveu esta capacidade como inteligência), tanto que o comportamento é controlado através de organizações mentais denominadas “esquemas”, que o indivíduo utiliza para representar o mundo e para designar as ações (ALMADA, 2006). Até o início do século XX assumia-se que as crianças pensavam e raciocinavam da mesma maneira que os adultos. A crença da maior parte das sociedades era a de que qualquer diferença entre os processos cognitivos entre crianças e adultos era, sobretudo de grau: os adultos eram superiores mentalmente, do mesmo modo que eram fisicamente maiores, mas os processos cognitivos básicos eram os mesmos ao longo da vida (ZACHARIAS, 2007). No entanto, a partir da observação cuidadosa de seus próprios filhos e de muitas outras crianças, concluiu que em muitas questões cruciais as crianças não pensam como os adultos, porque ainda lhes faltavam certas habilidades, a maneira de pensar é diferente, não somente em grau, como em classe (ZACHARIAS, 2007). A teoria de Piaget, do desenvolvimento cognitivo, é uma teoria de etapas, uma teoria que pressupõe que os seres humanos passam por uma série de mudanças ordenadas e previsíveis (ZACHARIAS, 2007). Assim, na transformação da lógica infantil para adulta, o desenvolvimento ocorre num processo contínuo de trocas entre o organismo vivo e o meio ambiente. Sobre os períodos do desenvolvimento, Piaget os divide de acordo com o aparecimento de novas qualidades do pensamento. Neste período, o que de mais importante acontece é o aparecimento da linguagem (MEDKE, 2008). Como decorrência do aparecimento da linguagem, o desenvolvimento do pensamento se acelera, tendo a interação e a comunicação entre os indivíduos as consequências mais evidentes da linguagem. Um dos períodos mais relevantes é aquele em que a criança nutre um respeito extremo pelos indivíduos que julga superiores a ela. Neste período, a maturação neurofisiológica completa-se, permitindo o desenvolvimento de novas habilidades, como a coordenação motora fina – pegar pequenos objetos com as pontas dos dedos, segurar o lápis corretamente e conseguir fazer os delicados movimentos exigidos pela escrita (MEDKE, 2008). 32 A teoria de Piaget, interacionista, contrapõe-se às correntes que permeiam a Psicologia em geral (objetivismo e subjetivismo2) e baseia-se no esquema cognitivo. Assimilação, acomodação e equilibração são os processos responsáveis pelas transformações nos esquemas. Os esquemas são estruturas cognitivas pelas quais os indivíduos intelectualmente se adaptam ao meio. A capacidade humana para organizar mentalmente a experiência torna o pensamento mais adaptado ao ambiente, à medida que se torna mais organizado. Esses esquemas organizam os eventos como eles são percebidos pelo indivíduo, classificando-os em grupos, de acordo com características comuns e, por fim, o comportamento que expressa um esquema é uma sequência de ações que pode ser generalizada em situação semelhante (MARTURANO, 2008). Sobre o alicerce da teoria piagetiana, esta é a noção de equilíbrio, ou seja, todo organismo vivo tenta se adaptar ao meio para superar as perturbações constantes. A este processo dinâmico e constante chamamos equilíbrio majorante. Piaget acreditava que a constante necessidade de equilibrar o ser ao meio é que desenvolve o conhecimento do indivíduo. A cada desequilíbrio, necessita-se alcançar o equilíbrio e isso se faz pela assimilação e pela acomodação. 1º) Assimilação – na assimilação, o organismo, sem alterar suas estruturas, desenvolve ações destinadas a atribuir significações a partir de sua experiência anterior, ou seja, aos elementos do meio, com os quais interage, isto é: � processo cognitivo pelo qual uma pessoa integra um novo dado perceptivo, motor ou conceitual nos esquemas já existentes; � estímulos são “forçados” a se ajustarem aos esquemas da pessoa; � não resulta em mudança nos esquemas, mas em sua ampliação e diferenciação; � processo ativo e seletivo; � modifica a informação assimilada para que ela fique compatível com o esquema. 2 Derivam do idealismo e Materialismo mecanicista que, por sua vez, foram herdadas do dualismo de Descartes, o qual propôs a separação entre corpo e alma, isto é, físico e psíquico. 33 2º) Acomodação – o organismo é compelido a se modificar, a se transformar para se ajustar as demandas impostas pelo meio ambiente, ou seja: � criação de novos esquemas ou modificação de esquemas existentes para atender a novas exigências do ambiente; � ocorre quando as qualidades do ambiente não se ajustam bem; � processos responsáveis pelas transformações dos esquemas aos esquemas existentes; � resulta sempre em mudança na estrutura cognitiva; � pessoa é forçada a mudar seu esquema para acomodar novos estímulos. 3º) Equilibração: � tendência de todo indivíduo em desenvolvimento, de esforçar-se para atingir um equilíbrio entre os elementos cognitivos internos e entre eles e o mundo externo; � processos responsáveis pelas transformações dos esquemas; � processo autorregulador que garante o equilíbrio entre assimilação e acomodação, necessário para uma eficiente interação da criança com o ambiente; � o processo de equilibração é acionado sempre que ocorre um conflito cognitivo (quando uma hipótese da criança não é confirmada pela experiência, ou quando duas crianças têm explicações diferentes para o mesmo fenômeno) (MARTURANO, 2008). O desenvolvimento cognitivo visto como um processo de equilibrações sucessivas passa por quatro fases distintas: • a sensório-motora (até dois anos); • a pré-operatória (de 2 a 7 anos); • a operatório-concreta (de 7 a 13 anos); • a operatório-formal (de 13 anos até a fase adulta). 34 1- Fase Sensório-motora – a criança está presa ao aqui-e-agora da situação, pois, baseia-se exclusivamente em percepções sensoriais e em esquemas motores para resolver seus problemas. Embora tenha conduta inteligente, não dispõe da capacidade de representar eventos, de evocar o passado ou referir-se ao futuro. A criança pega, balança, joga, bate, morde objetos como forma de experimentação e definição pré-lógica, conceituando o que balança, o que não balança,o que faz barulho, o que não o faz, etc. Esses conceitos sensório-motores também são usados para conhecer e se relacionar a outros seres humanos, a partir de reflexos inatos, que vão se aperfeiçoando com as experiências obtidas num processo de afetividade e inteligência, influenciados pela socialização. Nesse período, as concepções de espaço, tempo e causalidade começam a ser construídas e o bebê que interagia apenas com objetos que estivesse visível à sua frente, aos oito meses, já percebe que o objeto está ali a sua frente, porém, coberto com um pano. Anuncia-se a função simbólica, ou seja, a capacidade de representar eventos futuros, alterando consideravelmente a forma como a criança lida com o meio. 2- Fase Pré-Operatória – é aquela marcada pelo aparecimento da linguagem oral por volta dos dois anos. Além da experiência e da inteligência prática, a criança começa a estruturar pensamentos através de esquemas de ação interiorizados que são denominados esquemas representativos ou simbólicos, sendo capaz de ter uma ideia pré-existente sobre algo, substituir o boneco pelo bebê, e imitar a mãe usando sua bolsa ou sapatos. Os objetos, ações, situações, pessoas e símbolos são decorrentes de um pensamento sustentado por conceitos, ações interiorizadas e mentais. Nesta fase, o pensamento é egocêntrico e a criança não consegue colocar- se no ponto de vista do outro. Ocorre o antropomorfismo (atribuir características humanas a objetos e animais) e a transdedutividade, consistente no fato de que a criança não estabelece normas gerais para coisas do cotidiano. Exemplo: ao ver o pai esquentar água para barbear-se, no outro dia ao ver a água esquentando diz: “- papai vai se barbear”. Não consegue estabelecer princípios gerais que a levem às várias aplicações cotidianas da água quente, como cozinhar, lavar, aquecer, etc. Não há noção de conservação, mudando-se a aparência do objeto, muda também a quantidade, volume, massa e o peso desse mesmo objeto. E não há noção de reversibilidade, 35 pois não entende que é possível retornar ao ponto de partida. Exemplo: se acrescentar três a mais duas laranjas e depois tirar as três já acrescentadas, a criança não percebe que voltou à condição anterior, ocorrendo o pensamento como se fosse uma nova tarefa. 3- Fase Operatório Concreta – vai dos sete aos treze anos. A criança está pronta para iniciar um processo de aprendizagem sistemática e adquirir uma autonomia crescente em relação ao adulto, passando a organizar seus próprios valores morais. A grupalização com o sexo oposto diminui. A criança, que no início do período ainda considerava bastante as opiniões e ideias dos adultos, no final passa a enfrentá-los. As ações interiorizadas tornam-se cada vez mais reversíveis (móveis e flexíveis), não confunde mais o real e o fantástico e interage melhor com o mundo ao seu redor, o pensamento é menos egoísta. Nesta fase a reversibilidade é comprovada, pois a criança sabe que 2 + 3 = 5 porque 5 - 3 = 2 e que a massa dos objetos não muda ainda que lhe altere a forma (massinha de modelar), já existindo a noção de conservação. É chamado de concreto, pois a criança só consegue pensar logicamente apoiada em exemplos concretos, reais, materiais, não conseguindo pensar em proposições ou enunciados. 4- Fase Operatório-formal – após os 13 anos, a criança raciocina logicamente, podendo pensar e trabalhar não só com a realidade concreta, mas também com a realidade possível. É capaz de lidar com conceitos como liberdade, justiça, etc. É capaz de tirar conclusões de puras hipóteses. O alvo de sua reflexão é a sociedade, sempre analisada como possível de ser reformada e transformada. No aspecto afetivo, o adolescente vive conflitos. Sendo capaz de raciocinar hipóteses, pode também, derivar todas as consequências lógicas possíveis. Nesta fase, o adolescente chega ao raciocínio hipotético-dedutivo que lhe permitirá estender seu pensamento ao infinito. Com esta ampla capacidade, atinge o grau mais complexo do seu desenvolvimento cognitivo, necessitando apenas de ajustar, solidificar e estofar suas estruturas cognitivas (COLL, PALACIOS E MARCHESI, 2004; MEDKE, 2008). Voltando ao estágio sensório-motor este se subdivide em seis subestágios: 36 1. Período reflexo (vai do nascimento até um mês de vida, os reflexos são inatos como o sugar e o olhar, ausência de imitação e de capacidade para integrar informações a partir dos diversos sentidos); 2. Reações circulares primárias (de 1 a 4 meses, as ações são simples e repetitivas e centradas no corpo do bebê. As ações repetidas são aquelas agradáveis em si. À medida que há prática, os esquemas básicos de sugar, olhar vão se acomodando, mas ainda não relaciona as ações do seu corpo com algo fora dele). 3. Reações circulares secundárias (4 a 8 meses, coordenação olho- mão e ações no meio externo, podendo ocorrer imitação dos esquemas que fazem parte do repertório do bebê). 4. Coordenação de esquemas secundários (8 a 12 meses, noções de permanência dos objetos; comportamento meios-fins claramente intencional combina os esquemas para atingir os efeitos desejados). 5. Reações circulares terciárias (12 a 18 meses; descobre novos meios mediante experimentação. Variação deliberada das estratégias para resolução de problemas. Exploração bastante ativa e intencional). 6. Início do pensamento representativo (MARTURANO, 2008). Como pudemos observar, os estudos de Piaget contribuíram enormemente para conhecer os estágios do desenvolvimento da criança. Este conhecimento irá influenciar nas decisões daqueles que trabalham com educação, orientando todo um planejamento e levando a perceber a importância de caminhar segundo os passos da própria criança para ajudar na sua formação enquanto cidadão autônomo e seguro. Henri Wallon (1879-1962) Wallon procura explicar os fundamentos da Psicologia como ciência, os seus aspectos epistemológicos, objetivos e metodológicos e considera que o homem é determinado fisiológica e socialmente, sujeito às disposições internas e às situações exteriores (ALMADA, 2006). 37 A proposta de Wallon é do estudo integrado do desenvolvimento, ou seja, propõe a psicogênese da pessoa completa, pois para ele, o estudo do desenvolvimento humano deve considerar o sujeito como “geneticamente social” e estudar a criança contextualizada, nas relações com o meio (ALMADA, 2006). Wallon recorreu a outros campos de conhecimento para aprofundar a explicação dos fatores de desenvolvimento (neurologia, psicopatologia, antropologia, psicologia animal), considerando que não é possível selecionar um único aspecto do ser humano e ver o desenvolvimento nos vários campos funcionais nos quais se distribui a atividade infantil (afetivo, motor e cognitivo) (ALMADA, 2006). Ele não aceita dissociar no homem, o biológico do social, sendo esta uma das características básicas da sua Teoria do Desenvolvimento. Wallon reconstruiu o seu modelo de análise ao pensar no desenvolvimento humano, estudando-o a partir do desenvolvimento psíquico da criança. Assim, o desenvolvimento da criança aparece descontínuo, marcado por contradições e conflitos, resultado da maturação e das condições ambientais, provocando alterações qualitativas no seu comportamento em geral (ZACHARIAS, 2007). Nesse sentido, a passagem dos estágios de desenvolvimento não se dá linearmente, por ampliação, mas por reformulação, instalando-se no momento da passagem de uma etapa a outra, crises que afetam a conduta da criança. Conflitos se instalam nesse processo e são de origem exógena quando resultantes dos desencontros entre as ações da criança e o ambiente exterior, estruturado pelos adultos e pela cultura e endógenos e quando gerados pelos efeitos da maturação nervosa (GALVÃO, 1995 apud ZACHARIAS, 2007). Esses conflitos são propulsores do desenvolvimento.Os cinco estágios de desenvolvimento do ser humano propostos por Wallon sucedem-se em fases com predominância afetiva e cognitiva: • impulsivo-emocional – que ocorre no primeiro ano de vida. A predominância da afetividade orienta as primeiras reações do bebê às pessoas, às quais intermediam sua relação com o mundo físico; • sensório-motor e projetivo – que vai até os três anos. A aquisição da marcha e da prensão, dão à criança maior autonomia na manipulação de 38 objetos e na exploração dos espaços. Também, nesse estágio, ocorre o desenvolvimento da função simbólica e da linguagem. O termo projetivo refere-se ao fato da ação do pensamento precisar dos gestos para se exteriorizar. O ato mental “projeta-se” em atos motores. Para Wallon, o ato mental se desenvolve a partir do ato motor; • personalismo – ocorre dos três aos seis anos. Nesse estágio desenvolve-se a construção da consciência de si mediante as interações sociais, reorientando o interesse das crianças pelas pessoas; • categorial – os progressos intelectuais dirigem o interesse da criança para as coisas, para o conhecimento e conquista do mundo exterior; • predominância funcional – ocorre nova definição dos contornos da personalidade, desestruturados devido às modificações corporais resultantes da ação hormonal. Questões pessoais, morais e existenciais são trazidas à tona. Na sucessão de estágios há uma alternância entre as formas de atividades e de interesses da criança, denominada de “alternância funcional”, onde cada fase predominante (de dominância, afetividade, cognição) incorpora as conquistas realizadas pela outra fase, construindo-se reciprocamente, num permanente processo de integração e diferenciação. Wallon enfatiza o papel da emoção no desenvolvimento humano, pois, todo o contato que a criança estabelece com as pessoas que cuidam dela desde o nascimento são feitos de emoções e não apenas cognições. São quatro os elementos básicos que estão o tempo todo em comunicação: afetividade, emoções, movimento e formação do eu. � Afetividade – possui papel fundamental no desenvolvimento da pessoa, pois é por meio dela que o ser humano demonstra seus desejos e vontades. As transformações fisiológicas de uma criança (nas palavras de Wallon, em seu sistema neurovegetativo) revelam importantes traços de caráter e personalidade. 39 � Emoções – é altamente orgânica, ajuda o ser humano a se conhecer. A raiva, o medo, a tristeza, a alegria e os sentimentos mais profundos possuem uma função de grande relevância no relacionamento da criança com o meio. � Movimento – refere-se às emoções da organização dos espaços para se movimentarem. Deste modo, a motricidade tem um caráter pedagógico tanto pela qualidade do gesto e do movimento, quanto pela maneira com que ele é representado. A escola, ao insistir em manter a criança imobilizada, acaba por limitar o fluir de fatores necessários e importantes para o desenvolvimento completo da pessoa. � Formação do eu – a construção do eu depende essencialmente do outro. Com maior ênfase a partir de quando a criança começa a vivenciar a “crise de oposição”, na qual a negação do outro funciona como uma espécie de instrumento de descoberta de si própria. Isso acontece mais ou menos em torno dos 3 anos, quando é a hora de saber que “eu” sou. Imitação, manipulação e sedução em relação ao outro são características comuns nesta fase. O legado de Wallon passa pela concepção da motricidade, emotividade, inteligência humana e, sobretudo, por uma maneira original de pensar a Psicologia infantil e reformular os seus problemas. Lev S. Vygotsky (1896-1934) Vygotsky desenvolveu a teoria sociocultural do desenvolvimento cognitivo. A sua teoria tem raízes na teoria marxista do materialismo dialético, ou seja, que as mudanças históricas na sociedade e a vida material produzem mudanças na natureza humana (ALMADA, 2006). Ele abordou o desenvolvimento cognitivo por um processo de orientação. Em vez de olhar para o final do processo de desenvolvimento, ele debruçou-se sobre o processo em si e analisou a participação do sujeito nas atividades sociais, propondo que o desenvolvimento não precede a socialização. Ao invés, as 40 estruturas sociais e as relações sociais levam ao desenvolvimento das funções mentais (ALMADA, 2006). Vygotsky acreditava que a aprendizagem na criança podia ocorrer através do jogo, da brincadeira, da instrução formal ou do trabalho entre um aprendiz e um aprendiz mais experiente e o processo básico pelo qual isto ocorre é a mediação (a ligação entre duas estruturas, uma social e uma pessoalmente construída, através de instrumentos ou sinais). Quando os signos culturais vão sendo internalizados pelo sujeito é quando os humanos adquirem a capacidade de uma ordem de pensamento mais elevada (ALMADA, 2006). Ao contrário da imagem de Piaget em que o indivíduo constrói a compreensão do mundo, o conhecimento sozinho, Vygotsky entendia o desenvolvimento cognitivo como dependendo mais das interações com as pessoas e com os instrumentos do mundo da criança (canetas, papel, computadores; ou símbolos: linguagem, sistemas matemáticos, signos). Outros pontos importantes de sua teoria são: • a cultura afeta a forma como pensamos e o que pensamos; • cada cultura tem o seu próprio impacto; • o conhecimento depende da experiência social; • a criança desenvolve representações mentais do mundo através da cultura e da linguagem; • os adultos têm um importante papel no desenvolvimento através da orientação que dão e por ensinarem; • existe uma Zona de Desenvolvimento Proximal3 (ZDP) – intervalo entre a resolução de problemas assistida e individual; • uma vez adquirida a linguagem nas crianças, elas utilizam a linguagem/discurso interior, falando alto para elas próprias de forma a 3 A zona de desenvolvimento proximal proposta por Vigotsky é a distância entre o nível real de desenvolvimento, determinado pela capacidade de resolver independentemente um problema, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado mediante a resolução de um problema com a mediação de um adulto ou de um companheiro mais capaz (MARTURANO, 2008). 41 direcionarem o seu próprio comportamento, linguagem essa que mais tarde será internalizada e silenciosa – Desenvolvimento da Linguagem. Albert Bandura (1925-presente) Psicólogo canadense, autor da Teoria Social Cognitiva. Embora seguidor da linha behaviorista da Psicologia, Bandura enfatiza a modificação do comportamento do indivíduo durante a sua interação. Acredita que o ser humano é capaz de aprender comportamentos sem sofrer qualquer tipo de reforço e que também é capaz de aprender através da observação do comportamento dos outros e de suas consequências, com contato indireto como o reforço. A teoria na qual se baseia postula que as pessoas aprendem através da observação dos outros e que os processos do pensamento humano são centrais para se compreender a personalidade. De acordo com essa teoria temos ainda que: • a aprendizagem é um processo interno que pode ou não alterar o comportamento; • as pessoas comportam-se de determinadas maneiras para atingir os seus objetivos; • o comportamento é autodirigido (por oposição a determinado ambiente); • o reforço e a punição têm efeitos indiretos e impredizíveis tanto no comportamento como na aprendizagem; • os adultos (pais, educadores, professores) têm um papel importante como modelos no processo de aprendizagem da criança (ALMADA, 2006). Arnold Gesell (1880-1961) Psicólogo americano que se especializou na área do desenvolvimento infantil, tem seus primeiros trabalhos voltados para o estudo do atraso mental nas crianças, percebendo logo a necessidade de compreender o desenvolvimento normal para se compreenderum desenvolvimento anormal (ALMADA, 2006). 42 Foi pioneiro na sua metodologia de observação e medição do comportamento e, portanto, foi dos primeiros a implementar o estudo quantitativo do desenvolvimento humano, do nascimento até à adolescência (ALMADA, 2006). Gesell baseou sua teoria em hereditariedade e premissas evolutivas e assumiu que a maturação era a força reguladora no desenvolvimento da criança. Na sua opinião, o ambiente tinha uma importância pequena e tanto taxa como sequência no desenvolvimento seguiam uma determinação genética, tanto que o estudo das sequências na aquisição de habilidades de movimento de bebês foi o centro de interesse das teorias do desenvolvimento, nomeada de Teoria Maturacional. Essa teoria fundamenta-se na aquisição e mudança comportamental especificada nos reflexos, reações posturais, que, eventualmente facilitam a evolução dos movimentos exploratórios precursores da intenção. A aquisição e a mudança comportamental são analisadas em termos de taxa, ordem, sequência e distribuição corporal. Por exemplo, para ilustrar a sequência e distribuição dos comportamentos, Gesell enfatizou a direção do desenvolvimento (e.g., céfalo- caudal; próximo-distal) e, desta maneira, a relação estrutura-função dependente de fatores biológicos (CASTRO, 2006). Gesell e colaboradores caracterizaram o desenvolvimento segundo quatro dimensões da conduta: motora, verbal, adaptativa e social. Nesta perspectiva, cabe um papel decisivo às maturações nervosa, muscular e hormonal no processo de desenvolvimento (ALMADA, 2006). Desenvolveu, a partir dos seus resultados, escalas para avaliação do desenvolvimento e inteligência, além de inaugurar o uso da fotografia e da observação através de espelhos de um só sentido como ferramentas de investigação. Erick Erikson (1902-1994) Segundo apontamentos de Rabello e Passos (2007), foi em meados do século XX que Erikson, considerado primeiro psicanalista infantil americano, começa a construir sua teoria psicossocial do desenvolvimento humano, repensando vários 43 conceitos de Freud, sempre considerando o ser humano como um ser social, antes de tudo, um ser que vive em grupo e sofre a pressão e a influência deste. Na sua Teoria Psicossocial do Desenvolvimento, Erikson optou por distribuir o desenvolvimento humano em oito estágios. Os primeiros quatro estágios decorrem no período de bebê e da infância, e os últimos três durante a idade adulta e a velhice. Erikson dá especial importância ao período da adolescência, devido ao fato de ser a transição entre a infância e a idade adulta em que se verificam acontecimentos relevantes para a personalidade adulta. Cada estágio contribui para a formação da personalidade total (princípio epigenético), sendo por isso todos importantes mesmo depois de os atravessar. Como cada criança tem um ritmo cronológico específico, não se deve atribuir uma duração exata a cada estágio. O núcleo de cada estágio é uma crise básica, que existe não só durante aquele estágio específico, nesse será mais proeminente, mas também nos posteriores a nível de consequências, tendo raízes prévias nos anteriores. Erikson apresentou os estágios em termos de qualidade básica do ego que surge em cada estágio, discutiu as forças do ego que surgem nos estágios sucessivos e descreveu a ritualização peculiar de cada um. A formação da identidade inicia-se nos primeiros quatro estágios, e o senso desta negociado na adolescência evolui e influencia os últimos três estágios. Os estágios são: 1ª Idade: Confiança Básica x Desconfiança Básica 2ª Idade: Autonomia x Vergonha e Dúvida 3ª Idade: Iniciativa x Culpa 4ª Idade: Diligência x Inferioridade 5ª Idade: Identidade x Confusão de papéis (dos 12 aos 18/20 anos) 6ª Idade: Intimidade x Isolamento 7ª Idade: Generatividade x Estagnação (entre os 30 e os 60 anos) 8ª Idade: Integridade x Desespero (a partir dos 60 anos) 44 Seu modelo detém algumas características peculiares, a saber: • desviou-se o foco fundamental da sexualidade para as relações sociais; • a proposta dos estágios psicossociais envolvem outras artes do ciclo vital além da infância, ampliando a proposta de Freud. Não existe uma negação da importância dos estágios infantil (afinal, neles se dá todo um desenvolvimento psicológico e motor), mas Erikson observa que o que construímos na infância em termos de personalidade não é totalmente fixo e pode ser parcialmente modificado por experiências posteriores; • a cada etapa, o indivíduo cresce a partir das exigências internas de seu ego, mas também das exigências do meio em que vive, sendo, portanto essencial a análise da cultura e da sociedade em que vive o sujeito em questão; • em cada estágio o ego passa por uma crise (que dá nome ao estágio). Esta crise pode ter um desfecho positivo (ritualização) ou negativo (ritualismo); • da solução positiva, da crise, surge um ego mais rico e forte; da solução negativa temos um ego mais fragilizado; • a cada crise, a personalidade vai se reestruturando e se reformulando de acordo com as experiências vividas, enquanto o ego vai se adaptando a seus sucessos e fracasso (RABELLO, 2001). Urie Bronfenbrenner (1917-2005) Bronfenbrenner é um dos expoentes atuais do modelo bioecológico do desenvolvimento humano. Falecido recentemente (2005), apresenta uma teoria ecológica onde o desenvolvimento humano é definido como o conjunto de processos através dos quais as particularidades da pessoa e do ambiente interagem para produzir constância e mudança nas características da pessoa no curso de sua vida. Sua teoria se apoia em quatro níveis dinâmicos e inter-relacionados: a pessoa, o processo, o contexto e o tempo que, de forma resumida, se reportam a microambientes pelos quais a criança vai passando e extraindo ou não o equilíbrio. Ele concebe a teoria dos Sistemas Ecológicos, os quais se inter-relacionam e criam uma rede de relações próprias, dependentes uns dos outros. 45 Um bom modo de relacionar o sistema de Bronfenbrenner é a analogia com as bonequinhas russas (matrioshkas), as quais são ocas e uma vai encaixando perfeitamente dentro da outra até chegar a última, única que não é oca. Bronfenbrenner acredita que para compreender como as crianças se desenvolvem é preciso observar seu comportamento em ambientes naturais, enquanto elas estão interagindo com adultos conhecidos, durante períodos de tempo prolongados (ALMADA, 2006). Ao tratar do exossistema, Bronfenbrenner considera os ambientes onde a pessoa em desenvolvimento não se encontra presente, mas cujas relações que neles existem afetam seu desenvolvimento. As decisões tomadas pela direção da escolinha, os programas propostos pelas associações de bairro, as relações de seus pais no ambiente de trabalho são exemplos do funcionamento deste amplo sistema. Focando o ambiente escolar e as inter-relações que as crianças podem participar ali é fácil inferir que irão fazer a diferença para a criança, cada uma a seu tempo e dentro de suas possibilidades de desenvolvimento, portanto, justifica-se como viável e importante essa participação, essa convivência na escola regular que é saudável e plural. Segundo Bronfenbrenner (1996), a ecologia do desenvolvimento humano é o estudo científico da acomodação progressiva, mútua, entre um ser humano ativo, em desenvolvimento, e as propriedades mutantes dos ambientes imediatos em que a pessoa em desenvolvimento vive, conforme esse processo é afetado pelas relações entre esses ambientes, e pelos contextos mais amplos em que os ambientes estão inseridos. Sua proposta ecológica de desenvolvimento apresenta aspectos fundamentais que diferem, por exemplo, da didática proposta pela psicologia clínica, e laboratorial psicodiagnóstica proposta pela psicologia científica, ou seja, ele privilegia os aspectos saudáveis dodesenvolvimento, os estudos realizados em ambientes naturais e a análise da participação da pessoa focalizada no maior número possível de ambientes e em contato com diferentes pessoas (ALVES, 1997). O desenvolvimento humano é definido por Bronfenbrenner como o conjunto de processos através dos quais as particularidades da pessoa e do ambiente 46 interagem para produzir constância e mudança nas características da pessoa no curso de sua vida. Segundo Krebs (2004), Bronfenbrenner não inclui em sua teoria uma relação específica das características individuais, como, por exemplo, inteligência, caráter, etc., que foram amplamente discutidas em outras teorias do desenvolvimento. Entretanto, essa sua omissão não deve ser tomada como uma negligência, pois ele próprio admite concordar com outros autores que tratam desses temas. No entanto, Bronfenbrenner alerta que todas as características individuais não podem ser interpretadas sem uma perspectiva ecológica, ou seja, sem estabelecer-se a relação entre as características do ser humano ativo em desenvolvimento com seus respectivos contextos, entendidos como ambientes dinâmicos em constantes transformações. Para designar as propriedades da pessoa, Bronfenbrenner usou, inicialmente, o termo competências. Em relação à avaliação dessas competências, nas quais está incluída a cognição, Krebs (2004, p. 18) faz a seguinte observação: Bronfenbrenner destaca uma variada gama de testes para a avaliação da inteligência, da personalidade, dos estágios do desenvolvimento cognitivo e moral, etc. Tais medidas baseiam-se em padrões de respostas experimentais em situações laboratoriais. Para ele essas medidas não têm dado a devida consideração ao status real dessas capacidades nas situações de vida cotidiana da pessoa em desenvolvimento. Para avaliar as competências individuais dentro do contexto, Bronfenbrenner (1992 apud Krebs, 2004) mostra que o resultado muitas vezes depende de como tenha sido organizada a compreensão dessa competência. De uma maneira geral, ele comenta que uma das abordagens refere-se a uma avaliação da competência como um status adquirido dentro do contexto. Isso significa atribuir certas competências à pessoa em função de seu status social, como por exemplo: um professor, pelo seu status, receberia uma avaliação superior a de seus alunos em competência cognitiva. Esse nível de avaliação é denominado como competência em função do status pessoal. Uma outra maneira de avaliar-se competência em contexto, é pelo julgamento da capacidade da pessoa solucionar satisfatoriamente os problemas relativos ao contexto. Voltando ao exemplo anterior, do professor e seus alunos, 47 nesse tipo de avaliação, o mais competente, independente do status, é quem obtiver mais sucesso na solução de problemas inerentes ao contexto da aula. Esse segundo nível de avaliação é denominado de competência avaliada dentro do ambiente. Nesses dois níveis de avaliação, a competência é vista em termos mais pragmáticos. Para definir um terceiro tipo de avaliação de competência, Bronfenbrenner estabelece relações com a visão de Vygotsky, que ressalta que a espécie humana é a única que cria e elabora seu próprio ambiente em forma de cultura. Assim, esse terceiro nível é denominado de competência como uma maestria culturalmente definida. Nesse último caso, a avaliação de competência não se limita ao status da pessoa, nem a sua competência limitada a um contexto específico, mas, considera a competência como um fator relacionado a toda a cultura que permeia os contextos em que a pessoa esteja inserida, desde os mais imediatos até aos mais abrangentes (KREBS, 2004). Em relação aos parâmetros do contexto, Bronfenbrenner propõe um modelo sistêmico em que os ambientes em que a pessoa em desenvolvimento participa ativamente constituem a dimensão mais imediata, nomeados como microssistemas. A rede sistêmica que é formada pelos microssistemas que uma pessoa vivencia é chamada de mesossistema. Os contextos em que a pessoa em desenvolvimento não participa ativamente, mas aos quais esteja indiretamente relacionada são chamados de exossistema. E, finalmente, a dimensão mais abrangente do modelo, que envolve todos os níveis de contextos caracterizados como micro- meso- e exossistemas, é denominado como macrossistema (Krebs, 2004). 48 As duas figuras a seguir ilustram perfeitamente as propostas de Bronfenbrenner. Os processos proximais Ao longo de todo o curso da vida, e especialmente nas fases iniciais, o desenvolvimento humano tem lugar através de processos de interação recíproca, cada vez mais complexa, entre um organismo humano bio-psicológico ativo e as pessoas, objetos e símbolos em seu ambiente imediato. 49 Para ser efetiva, a interação deve ocorrer sobre uma base bastante regular ao longo de períodos extensos de tempo. Essas formas duradouras de interação nos ambientes imediatos são identificadas como processos proximais. Exemplos de padrões duradouros de processos proximais são encontrados em atividades conjuntas mãe-criança, pai-criança ou criança-criança, brincadeira solitária ou em grupo, leitura, aprendizagem de novas habilidades, estudo, atividades esportivas. Os processos proximais de interação entre o indivíduo e seus ambientes operam no tempo e constituem os mecanismos primários do desenvolvimento humano. A Pessoa desempenha um papel ativo nos processos proximais, pois ela interage com os parceiros sociais, seleciona e molda seu ambiente. Dentre as características da pessoa que influenciam os processos proximais temos sua disposição e seus recursos e as características de demanda. Para agir existem também disposições comportamentais, seletivas que podem ser generativas (iniciam e mantêm os processos proximais) ou inibidoras (obstruem, retardam ou impedem processos proximais). Essas disposições comportamentais são as características da pessoa que mais influenciam os processos proximais. As características pessoais generativas, que iniciam e sustentam processos proximais, envolvem disposições ativas como curiosidade, tendência para iniciar e engajar-se em atividade (sozinho ou junto com outras pessoas), responsividade às iniciativas dos outros, e capacidade de adiar gratificação para alcançar metas de longo prazo. As características inibidoras ou disruptivas, que interferem com os processos proximais, incluem aspectos do funcionamento em dois polos, sendo que em um desses polos estariam características como impulsividade, distratibilidade, tendência a reagir explosivamente ou com agressão, dificuldade para adiar gratificação, enfim, dificuldades em manter controle sobre as emoções e o comportamento. E no polo oposto estariam atributos como apatia, falta de interesse no ambiente circundante, sentimentos de insegurança, timidez, ou uma tendência geral para evitar a atividade (MARTURANO, 2008). 50 Quanto aos recursos, estes são potencialidades e deficiências bio- psicológicas, que influenciam a capacidade do organismo para se envolver efetivamente em processos proximais. Conforme vão se desenvolvendo, as potencialidades expandem os domínios nos quais os processos proximais podem fazer seu trabalho construtivo. A disposição dos outros em relação à pessoa são as características chamadas de demanda. Sua influência sobre o desenvolvimento consiste na capacidade de estimular ou desencorajar reações do ambiente social, de um modo que pode obstruir ou promover processos de crescimento psicológico; por exemplo, um bebê irritadiço versus um bebê feliz; aparência física atraente ou não atraente; ou hiperatividade em contraste com passividade (ALVES, 1997; BEE, 2003). O contexto é o ambiente em que a pessoa em desenvolvimento vive experiências pessoais diretas: família, escola, creche, etc.É dentro do microssistema que os processos proximais operam para produzir e sustentar o desenvolvimento. O Mesossitema inclui as inter-relações e influências recíprocas entre dois ou mais ambientes nos quais a pessoa em desenvolvimento participa ativamente, sendo ampliado sempre que a pessoa em desenvolvimento entra num novo microssistema. O exossistema inclui elementos do sistema que não envolvem a pessoa em desenvolvimento como um participante ativo, mas nos quais ocorrem eventos que afetam aquilo que acontece em um dos microssistemas. O Macrossistema é composto pelo padrão global de ideologias, crenças, valores, religiões, formas de governo, culturas e subculturas presentes no cotidiano das pessoas. Inclui o ambiente cultural ou subcultural mais amplo em que tanto o micro como o meso e o exossistema estão inseridos (MARTURANO, 2008). O tempo envolve as mudanças universais, os eventos da vida, os acontecimentos históricos que são as influências ao longo do ciclo da vida. Desse modo, se existe um sistema instável, caótico ou excessivamente rígido, os processos proximais serão prejudicados em seu desenvolvimento. Ao contrário, se o 51 ambiente for estável, flexível, favorecerá os processos proximais (ALVES, 1997; BEE, 2003). O quadro a seguir apresenta de maneira resumida algumas das teorias abordadas que vale ler com atenção. 52 UNIDADE 5 – CONDIÇÕES DE APRENDIZAGEM Conceituamos e caracterizamos o fenômeno da aprendizagem. As conclusões até o momento nos levam a crer que são inúmeras as condições, inter- relacionadas, para ela se efetivar. Dentre elas temos as condições biológicas, psicológicas e pedagógicas. 5.1 Condições biológicas Maturidade é condição sine qua non para ocorrer a aprendizagem. A maturidade ocorre no momento em que o organismo está pronto para a execução de determinada atividade. A maturidade não se limita, portanto, ao estado adulto: em qualquer fase da vida, pode-se falar em maturidade. Assim, por exemplo, a criança que anda com um ano de idade apresenta maturidade nesta função; a criança que, com 7 anos, não apresenta condições para aprender a ler e escrever é imatura, portanto, a maturação constitui um fator essencial para a aprendizagem. A integridade dos órgãos dos sentidos; a capacidade de produzir reações múltiplas ou sucessivas face a uma situação; a capacidade de modificar seus padrões de comportamento; a plasticidade; a capacidade de aproveitamento da experiência anterior, as influências de drogas, doenças e condições de nutrição do organismo; as condições ambientais; os padrões de comportamento a serem aprendidos são todos elementos que influenciam a maturação do sujeito e, por conseguinte, a sua capacidade de aprendizagem. 5.2 Condições psicológicas O valor da motivação tem sido realçado em todos os campos da psicologia aplicada, porque a afirmação de Young, em 1936, de que “todo comportamento é motivado”, vem sendo constatada pelos estudiosos do problema, embora seja passível de discussão sob diferentes prismas teóricos. Aceitando ou não a universalidade da ideia, não se duvida, porém, de que os motivos constituem o aspecto dinâmico do processo educacional e representam um dos pré-requisitos mais importantes da aprendizagem na escola (CAMPOS, 2011). 53 O estudo da motivação humana representa, para o educador, uma necessidade amplamente reconhecida, principalmente em uma sociedade democrática, onde o conteúdo e os métodos da educação devem, sempre que possível, respeitar os motivos individuais e os da comunidade em que vive o educando. O professor, como orientador das atividades dos alunos, é o mediador entre os motivos individuais e os legítimos alvos a serem alcançados. Mais do que isto, compete ao mestre, como agente socializador, incutir os padrões da cultura, isto é, novos motivos, a fim de que certas necessidades sejam desenvolvidas, determinando a aquisição, por parte dos educandos, daqueles tipos de comportamento que garantem um ajustamento social eficiente. Grande parte das dificuldades da escola tem sua origem nos problemas da motivação, ou seja, na tarefa de diagnosticar os interesses e necessidades dos alunos; na consideração das diferenças individuais, nesse aspecto; na organização das atividades extracurriculares; no atendimento dos casos de desajustados, pela descoberta dos motivos determinantes, e, afinal, nos problemas de aprendizagem propriamente ditos. A compreensão e o uso adequado das técnicas motivadoras resultarão em interesse, concentração da atenção, atividade produtiva e atividade eficiente de uma classe. Ao contrário, a falta de motivação conduzirá ao aumento de tensão emocional, problemas disciplinares, aborrecimento, fadiga e aprendizagem pouco eficiente da classe. Sabendo-se que para aprender é necessário agir e, por outro lado, que a atividade se inicia graças à atuação de um ou vários motivos, conclui-se que a educação não pode prescindir da motivação. Na escola podemos elencar os seguintes fatores de motivação da aprendizagem: 1. Informações relativas ao aluno – a escolha dos recursos de motivação depende, em grande proporção, do conhecimento de vários aspectos ligados ao aluno, tais como: (a) idade, (b) sexo, (c) inteligência, (d) experiência anterior, (e) classe social, (f) traços de personalidade, (g) condições do lar, etc. 54 2. Personalidade do professor – a aparência, a naturalidade, o dinamismo, o entusiasmo pelo ensino, o bom humor, a cordialidade, e muitos outros atributos do professor, constituem importantes fatores de motivação do aluno para a aprendizagem. 3. Material didático – mapas, álbuns ilustrados, demonstrações, projeções cinematográficas, quadro-negro bem utilizado etc., são de alto valor motivador. 4. Método ou modalidades práticas de trabalho empregados pelo professor – jogos, dramatizações, planejamento e execução de projetos, exposições, excursões, grupos de trabalho, competições, experiências de laboratório, etc., constituem importantes fatores de motivação. 5.3 Condições pedagógicas Não podemos deixar de falar, mesmo que rapidamente, sobre elementos que se acham relacionados com alguns métodos e técnicas de aprendizagem dirigida. As tarefas a serem aprendidas variam em extensão, em dificuldade, em grau de semelhança, na forma de organização do material a ser aprendido, no grau de significação ou utilidade da tarefa para o aprendiz, enfim, a natureza da tarefa a ser aprendida influi sobre a aprendizagem. Por outro lado, as técnicas de estudo, a duração dos exercícios, ou seja, da prática, e sua distribuição são outros fatores que muito afetam a aprendizagem. Vale ressaltar que quanto mais significativo for o material a ser aprendido, tanto mais rápida será a aprendizagem e melhor a retenção, portanto, material bem organizado e com padrões nítidos é muito mais facilmente aprendido e lembrado que uma matéria não organizada ou não estruturada. Quanto aos métodos e técnicas, desde o método global (o aprendiz lê e relê o material todo a ser aprendido, e continua a fazê-lo até que todo ele possa ser repetido), passando pelo método parcial (o material é aprendido por partes. O aprendiz toma não o todo, mas uma parte da lista, ou uma estrofe do poema e o aprende, individualmente. Depois, toma a parte seguinte e a estuda até que possa repeti-la e assim, sucessivamente, até que cada parte das divisões esteja 55 dominada), até a superaprendizagem e técnicas de estudo dirigido, os resultados experimentais apontam que todos têm sua parcela contributiva para a aprendizagem. O que vale na verdade é o comprometimento, o conhecer e perceber o aluno e usar realmente técnicas e métodos que nos lembram de pronto ‘organização, planejamento’. Esses são alguns dos ingredientes que ajudam no processo de aprendizagem.56 UNIDADE 6 – INTRODUÇÃO ÀS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NA LEITURA E ESCRITA Existem dificuldades de aprendizagem que necessitam de intervenção psicológica ou psicopedagógica, no entanto, algumas podem ser resolvidas dentro da escola, por meio de programas individualizados de ensino e/ou práticas pedagógicas diferenciadas, basta que o professor tenha noções básicas dessas dificuldades, perceba o aluno portador da mesma e tome as iniciativas devidas. Neste tópico, a nossa intenção é apenas introduzir as dificuldades mais comuns relativas à leitura e escrita, partindo-se do entendimento que a compreensão das teorias do desenvolvimento e da aprendizagem somam esforços para trabalhar essas dificuldades ajudando no desenvolvimento da criança. Essas dificuldades podem ser classificadas em grupos, por exemplo: no grupo dos distúrbios da concentração e atenção, caracterizado por comportamentos de hiperatividade e impulsividade temos o TDAH – transtorno do déficit de atenção com hiperatividade; DDA – desordem de déficit de atenção; Limitrofia; TOC – Transtorno Obsessivo Compulsivo; ST – Síndrome de Tourette. No grupo dos problemas receptivos e de processamento da informação estão as disgrafias, disortografias, disfasias, afasia e dislalia. Este grupo diz respeito à competência linguística, como as atividades de escrita, distinção de sons e de estímulos visuais, aquisição de léxico, compreensão e expressão verbal. No grupo das dificuldades de leitura manifestada pela aquisição das competências básicas relacionadas com a fase de decodificação, como sendo a compreensão e interpretação de textos, as dificuldades de escrita e presença de erros ortográficos em geral, está a dislexia. No último grupo, das dificuldades matemáticas e de raciocínio encontramos a discalculia e acalculia. Essas dificuldades se revelam na aquisição da noção de números, no lidar com quantidades e relações espaços-temporais e problemas de aquisição e utilização de estratégias para aprender, manifestados na falta de organização e utilização de funções metacognitivas, comprometendo o sucesso na aprendizagem. 57 Dislexia é desordem do aprendizado que afeta a leitura, a ortografia e a linguagem escrita, podendo ser acompanhada de problemas com os números, uma memória de curto prazo pobre e falta de aptidão. Embora a dislexia afete principalmente o domínio dos símbolos gráficos, como letras, números e notas musicais, ela também pode trazer dificuldades para a linguagem falada. De acordo com a Associação Brasileira de Dislexia (2011), ao contrário do que muitos pensam, a dislexia não é o resultado de má alfabetização, desatenção, desmotivação, condição socioeconômica ou baixa inteligência. Ela é uma condição hereditária com alterações genéticas, apresentando ainda alterações no padrão neurológico. Por esses múltiplos fatores é que a dislexia deve ser diagnosticada por uma equipe multidisciplinar. Esse tipo de avaliação dá condições de um acompanhamento mais efetivo das dificuldades após o diagnóstico, direcionando-o às particularidades de cada indivíduo, levando a resultados mais concretos. Segundo Tomaso, Thomas e Stanley (2007 apud CHAMAT, 2008), ela é uma patologia de cunho neurológico, não resultando de audição ou visão pobres ou de baixa inteligência e, uma em cada 20 crianças é disléxica (três vezes mais meninos que meninas) e, se um dos pais foi disléxico, a criança terá 17 vezes mais probabilidade de sofrer da doença. As causas aparentes são os déficits de discriminação visual, coordenação visomotora, noção têmporo-espacial. As causas subjacentes revelam-se com interferência no desenvolvimento percepto-motor. Uma definição neuropsicológica da dislexia é de que se encontram alterados os processamentos periférico e central. As Dislexias Periféricas são causadas por um comprometimento no sistema de análise visuo-perceptiva, enquanto que as centrais são causadas por comprometimento do processamento linguístico dos estímulos. Dentro das Dislexias Centrais, encontram-se subdivisões que são: � Dislexia de Superfície – caracteriza-se basicamente pela falha de leitura de palavras irregulares, em um comprometimento da via lexical. Segundo 58 estudos de casos únicos e múltiplos e usando-se PET (Tomografia por Emissão de Positrons) em indivíduos normais convergem para o acordo sobre o papel de estruturas localizadas nas regiões temporal média e póstero superior do hemisfério esquerdo na leitura pela via lexical; � Dislexia Fonológica – caracteriza-se pela incapacidade para leitura de “não palavras” e habilidade para leitura de palavras reais, sugerindo danos ou lesões na via de conversão de grafema para fonema. Os estudos realizados na intenção de correlacionar esta dislexia com substratos neuroanatômicos ainda não são conclusivos; � Dislexia Profunda – assemelha-se à dislexia fonológica, com igual bloqueio para leitura de não palavras, mas a diferença é que, nesta dislexia, há presença de paralexias semânticas e maior facilidade em leitura de palavras concretas e frequentes. Nas Dislexias Periféricas, encontramos também três subdivisões: � Dislexia Atencional – o indivíduo lê palavras isoladas, mas encontra dificuldade ou barreiras para ler várias palavras simultaneamente; � Dislexia por Negligência – caracteriza-se por ausência ou dificuldade de leitura no campo visual contralateral à lesão cerebral; � Dislexia Literal ou Pura – o indivíduo consegue ler letras individuais, mas apresenta dificuldade em ler palavras (subentendido) (OLIVIER, 2008). E finalizando esta explanação, Olivier (2008) chama atenção que é preciso parar, definitivamente de imaginar que a dislexia faça trocar letras (p/b, t/d etc.). Segundo ele, crianças com perdas auditivas leves ou moderadas também costumam trocar e confundir fonemas, especialmente, “t” por “d”, “f” por “v”, “p” por “b”, “q” por “g”, quando falam e até quando escrevem, principalmente na fase de alfabetização. Isso acaba sendo confundido com dislexia, quando, na verdade, é apenas uma falha auditiva. Além desses distúrbios, há outros que também têm sintomas parecidos com os da dislexia e isso acaba confundindo pais, professores e até profissionais mal informados. É preciso tomar muito cuidado antes de diagnosticar uma dislexia, que é bem mais complexa do que a maioria dos distúrbios relatados. 59 O que acontece com o disléxico é que, na maioria dos casos, ele não identifica sinais gráficos, letra ou qualquer código que caracterize um texto. Portanto, ele não troca letras, porque seu cérebro sequer identifica o que seja uma letra. Se inverte letras e sílabas, é simplesmente porque nem sabe o que são letras e sílabas e não porque “troca letras”, como se insiste em divulgar. Existem muitos distúrbios que fazem realmente a pessoa trocar letras, um deles é a dislalia que veremos mais adiante e outros que, em momento oportuno serão citados. Enfim, a dislexia não causa a troca de letras. É algo muito mais complexo que isso. Ainda sobre essa visão, deve-se lembrar que a equipe de G. Reid Lyon, do Instituto Nacional de Saúde Infantil Desenvolvimento Humano dos Estados Unidos, em Bethesda (Maryland), avaliou exames de imagens do cérebro em funcionamento de 144 pessoas, sendo 70 disléxicas e 74 não disléxicas, todas com idade entre sete a 18 anos. Enquanto realizavam várias tarefas de leitura e de compreensão de sons, eles foram submetidos a um exame cerebral chamado ressonância magnética funcional. Foi observado que as pessoas com leitura normal, ou seja, sem dislexia, ativaram a parte posterior do cérebro, enquanto as disléxicas ativaram as regiões frontal e lateral, tendo a parte posterior inibida. Diante desses resultados, constataram-se evidências neurobiológicas de que existe uma interrupção subjacente nos sistemas neuronais associados à leituraem crianças com dislexia. Os dados indicaram que isso já é evidente desde muito cedo, concluíram os autores, em artigo publicado na revista Biological Psychiatry (OLIVER, 2008). A Disgrafia é desordem de integração visual-motora, ou seja, não há coordenação entre os dois. É a dificuldade ou a ausência na aquisição da escrita. O indivíduo fala, lê, mas não consegue transmitir informações visuais ao sistema motor. Resumindo: lê, mas não escreve, além de, possivelmente, ter graves problemas motores e de equilíbrio (OLIVIER, 2008). São características do sujeito com disgrafia: • o indivíduo não possui dificuldades visuais nem motoras, mas não consegue transmitir as informações visuais ao sistema motor. Deficiência de “transmissão”; 60 • fala e lê, mas não encontra padrões motores para a escrita de letras, números e palavras; • não possui senso de direção, falta-lhe equilíbrio; • pode soletrar oralmente, mas não consegue expressar ideias, por meio de símbolos visuais, pois não consegue escrever. Acima de tudo, necessita de avaliação multidisciplinar e acompanhamento psicopedagógico, podendo-se usar microespaços e macroespaços para a aprendizagem (entenda-se macro = espaço físico qualquer e micro = sulfite, caderno etc.), e o Balé que desenvolve o equilíbrio e ajuda o desenvolvimento da letra cursiva (letra pequena, traçada de modo rápido e corrente). A disortografia é dificuldade na expressão da linguagem escrita, revelada por fraseologia incorretamente construída e/ou por palavras escritas de forma errada, associada geralmente a atrasos na compreensão e/ou na expressão da linguagem escrita (OLIVIER, 2008). Tem sido definida erroneamente como letra feia ou letra de médico. Na verdade, trata-se de algo mais complexo do que apenas letra feia. Para Chamat (2008), a disortografia caracteriza-se pelos seguintes sintomas: trocas, inversões, omissões. É diferente de erros na escrita que correspondem ou não ao som da palavra, podendo ter causa endógena, exógena ou as duas ocasionadas por alteração emocional afetiva e cognitiva. O balé clássico, além de desenvolver o equilíbrio e ser útil no tratamento de diversos distúrbios, desenvolve também a letra cursiva, o que pode ser útil para solucionar a letra feia, quando não é fruto de nenhum distúrbio. A disortografia, por ser mais complexa, necessita de exames e de testes específicos para detectar a causa e os melhores tratamentos. Vale lembrar que, antes de qualquer teste e exame, é preciso analisar a classe social e a forma como o indivíduo foi ou está sendo educado e alfabetizado. Em uma casa onde todos pronunciam e escrevem incorretamente as palavras, é muito difícil a criança aprender de forma correta, na escola. Se não for esse o problema, então, deve-se pensar em falhas no sistema de ensino ou, finalmente, em distúrbio. 61 O planejamento do tratamento envolve trabalho focal e divisão da sessão, sendo que na primeira parte deve-se oferecer atividades mais criativas, mais livres, porém dirigidas. A dislalia refere-se à má pronúncia das palavras, omitindo ou acrescentando fonemas, trocando um fonema por outro ou distorcendo-os, ou ainda trocando sílabas. Assim sendo, os sintomas da dislalia consiste em omissão, substituição, acréscimo ou deformação dos fonemas. Exemplo prático é o Cebolinha, do escritor Maurício de Souza, que é uma típica criança com dislalia, trocando o som da letra R pelo da letra L. As causas podem ser desde malformações ou de alterações na boca, na língua e no palato (malformações congênitas ou como consequência de traumatismos dos órgãos fonadores). Por outro lado, certas dislalias são causadas por enfermidades do sistema nervoso central ou pode não haver nenhuma alteração orgânica, a que chamamos de Dislalia Funcional. Pode ser causada por hereditariedade, imitação ou alterações emocionais. Até os quatro anos, os erros na linguagem são considerados normais. Depois dessa fase, se a criança continuar falando errado, precisará passar por exames específicos para detectar as causas e os possíveis tratamentos. A dislalia, troca de fonemas (sons das letras), pode afetar também a escrita. A discalculia é mais um dos distúrbios que podem ser causados por anoxia perinatal ou por outros acidentes, que acabam afetando o funcionamento normal do cérebro. Alguns profissionais desinformados negam-se a aceitar que a discalculia atinja crianças em idade escolar, alegam que só é possível “adquirir” por meio de um Acidente Vascular Cerebral (popular derrame) ou traumatismo crânio-encefálico. Essa afirmação é, segundo Chamat e Olivier (2008), no mínimo, incompleta. Na verdade, qualquer acontecimento anormal que desencadeie uma descarga elétrica no cérebro pode causar um distúrbio, seja ou não de aprendizagem. Outros especialistas chegam a incluir os sintomas da discalculia na “lista” de sintomas característicos da dislexia, o que é, de fato, um imenso equívoco. Primeiramente, é preciso distinguir a discalculia (que é basicamente um distúrbio neurológico, com causas diversas) da simples dificuldade no aprendizado da matemática, que afeta a maioria dos estudantes e que, geralmente, é gerada pela 62 deficiência do próprio sistema de ensino. As causas biológicas e psiconeurológicas devem ser diagnosticadas e tratadas por meio de exames específicos feitos por profissionais das respectivas áreas. Após todos os testes e os exames, se ficar comprovado que a criança não tem nenhuma disfunção neurológica, nenhuma deficiência causada por anemia ou desnutrição, enfim, se a criança estiver bem física e mentalmente, restarão as causas psicológicas e a deficiência do sistema de ensino para justificar o fracasso com os números. As causas psicológicas são muitas e por demais complexas, por isso não cabe numerá-las aqui. As dificuldades causadas pela deficiência do ensino também são muitas e sua solução depende de uma nova visão da matemática. Vários estudos apontam que é necessário conhecer melhor a matemática inerente às atividades da vida diária das crianças e construir, a partir dessa matemática real, pontes e/ou ligações efetivas para a matemática abstrata que a escola pretende ensinar. Isso quer dizer que uma criança, cujo pai é vendedor ambulante ou feirante, por exemplo, um vendedor de pastéis, geralmente sabe fazer contas, somar, multiplicar, dar trocos, “ajudando o pai”. Essa mesma criança pode perder-se totalmente nas contas e nas equações propostas em sala de aula. A explicação é muito simples: ao acompanhar o pai, vendendo pastéis, a criança “vê” o pastel, o dinheiro do freguês, o troco, tudo é real. Na lousa, os números são apenas sinais que a criança vê, mas não distingue. Exemplo: A adição 4 + 3 = 7, escrita na lousa quer dizer o quê? Para a criança, é apenas um conjunto de símbolos numéricos, totalmente abstratos. No fundo, ela não entende o porquê desta conta, não entende “o que” é 4 ou 3 ou 7, não sabe quantas unidades estão “dentro” dos números 4,3,7... , Uma forma de fazer a criança assimilar as operações é tornar tudo o mais real possível. Exemplo: Usar palitos, figurinhas, bolinhas, enfim, qualquer material “palpável” e separá-los em “montinhos” ou “grupinhos”: 4 palitos + 3 palitos é igual a ... Após contar os palitos, a criança chegará ao resultado 7, sabendo exatamente o que é e, acima de tudo, quanto é 7. Os números, então, deixarão de ser apenas sinais na lousa e terão um significado real. 63 São muitas as técnicas que podem ser usadas para solucionar as falhas no ensino da matemática “abstrata” das escolas. Com um pouco de criatividade, o professor encontrará inúmeras formas de ensinar e despertar na criança o interesse pelos números, facilitando assim o aprendizado da matemática. Principais dificuldades do aluno: 1 - Dificuldade de passar do texto para linguagem matemática.2- Falta de vivências concretas. 3- Inadequação dos temas com o desenvolvimento. “Problemas” de matemática vêm sempre carregados de emoção negativa, pois, sempre que os adultos referem-se aos problemas, é com um significado de algo abstrato, difícil de resolver e que precisa ser eliminado. Para crianças que não aprendem matemática por problemas psicológicos, basta mudar o nome do “problema” para: “Vamos descobrir o resultado” ou algo assim. Apesar de simples, esta estratégia melhora sensivelmente o aprendizado. Isto, aliado à matemática concreta descrita anteriormente, melhora em muito o aprendizado da matemática. Como detectar uma possível Discalculia? Entre os três e os seis anos, já pode-se detectar uma possível discalculia, analisando-se os seguintes sintomas: � parece não reconhecer números nem distingui-los; � confunde-se, achando que todos os números são iguais; � não consegue dizer com exatidão quantos anos tem, nem mesmo mostrando nos dedos; � não sabe distinguir o número de sua residência nem a data de seu aniversário; � não consegue contar em sequência lógica; � não consegue fazer contas básicas, mesmo usando objetos concretos; � não reconhece símbolos matemáticos; � não consegue “escrever” os números; � demonstra nervosismo, quando exposto às aulas de matemática. 64 Ao apresentar esses sintomas, pode-se pensar em discalculia, que poderá ser comprovada por meio de exames e de testes. A hiperlexia é um dos mais complexos distúrbios, não só pela variação de sintomas e características como também pela dificuldade no diagnóstico, visto que a pouca literatura existente tende a generalizar o distúrbio em alguns aspectos. Sua definição mais usada é “desordem de linguagem com preciosa habilidade para a leitura” (OLIVIER, 2008). Pode ser definida também como um espelho da dislexia ou como específico do indivíduo com enorme capacidade para aprendizado, mas com grandes dificuldades para linguagem escrita ou falada. Pode ainda ser classificada como apenas distúrbio de linguagem. Alguns autores chegam a classificar a hiperlexia como integrante do quadro de Transtornos lnvasivos do Desenvolvimento (TID) ou como subcategoria da Desordem Profunda do Desenvolvimento, o que acaba, de certa forma, igualando o indivíduo com hiperlexia aos autistas e aos portadores de síndromes como Rett e Asperger. Tudo isso tem sentido e deve, obviamente, ser aceito, mas o que não se pode fazer é generalizar e deixar de lado outras características tão importantes quanto estas e que também sinalizam a hiperlexia. São elas: Crianças com aprendizado acelerado de leitura e de escrita podem até se auto-alfabetizar e tornarem-se autodidatas, com excelente memória e capacidade para cálculos complicados. Há casos até de crianças, consideradas como “gênios”, aprendendo vários idiomas sem sequer estudá-los, parecendo aprender sozinhas, ingressando em cursos para adultos ou faculdades muito antes da idade prevista ou formando-se em cursos considerados complicados demais ou ainda solucionando questões matemáticas consideradas impossíveis de se resolver ou fazendo qualquer outra coisa fora do comum, demonstrando uma capacidade extrema para aprendizado (OLIVIER, 2008). No entanto, quase sempre são hiperativas, têm dificuldades de relacionamentos, abandonam a escola tradicional muito cedo e, por não se adaptarem aos métodos usados, seguem por cursos de “adultos” achando que já aprenderam tudo, pulando etapas que lhes farão falta cedo ou tarde. Têm mais facilidade no aprendizado cinestésico (experimentação) e apresentam impaciência, 65 impulsividade, agressividade, incapacidade para prestar atenção a qualquer ensinamento. Assim como a dislexia, que ainda hoje é vista de forma generalizada pela maioria dos profissionais, gerando inúmeros mal-entendidos e até erros de diagnósticos, a hiperlexia também caminha assim. Por isso, os profissionais das áreas que atendem a este distúrbio devem estar atentos aos sintomas e às características principais. As características e os sintomas da hiperlexia basicamente são: (considerar distúrbio a partir de duas ou mais características no mesmo indivíduo) 1 - Aprendizado precoce da leitura e da escrita (antes dos cinco anos e sem nenhum estímulo aparente). 2 - Alterações em um ou mais processos básicos, tais como: sociais, motores, cognitivos, afetivos ou linguagem. 3 - Dificuldades em associações (uso indevido de regras pragmáticas, semânticas e sintáticas). 4 - Facilidade para receber e armazenar quantidades isoladas de informações de maneira mecânica, mas com dificuldades em organizar e/ou utilizar a informação de forma útil. 5 - Uso de muitas gírias ou jargões, não por vício de linguagem, mas por não conseguir construir frases perfeitas ou até mesmo para substituir um discurso. 6 - Ecolalia, que pode, com o passar do tempo, ser espaçada, amenizada ou eliminada. 7 - Também se consideram característica da hiperlexia, crianças que aprendem a ler e a escrever precocemente, mas falam tardiamente. A partir do momento em que desenvolvem a linguagem falada, passam a ter fluência. Neste caso, a linguagem segue as descrições atribuídas à Síndrome de Asperger (a característica básica desta síndrome, além da fala tardia, mas fluente, é o monólogo e não um diálogo, como se espera do indivíduo que desenvolve uma conversa). 8 - Grande habilidade e necessidade de ler tudo o que encontra, desde outdoors, placas, até revistas e jornais. Mas, em muitas vezes, sem entender o 66 significado do que se lê e/ou se escreve, o que caracteriza um distúrbio de aprendizagem. 9 - Uma característica bastante interessante e própria de muitos hiperléxicos é que, se aprendem a ler em jornais, somente conseguem ler e escrever em letras de imprensa, se aprendem a ler em letras de forma, somente leem e reproduzem letras maiúsculas e assim por diante. Demoram muito para assimilar outros tipos de letras. 10 - Superioridade da linguagem escrita em relação à oral. 11 - Fascínio por televisão ou computador ou algum jogo solitário, o que acaba colaborando para o isolamento e, consequentemente, dificuldade em estabelecer amizades, até porque o indivíduo hiperléxico não sabe mesmo lidar com as brincadeiras em grupo. Pode até tornar-se agressivo e machucar colegas e amigos na intenção de apenas brincar, o que pode ser chamado de comportamento autista. 12 - Pode apresentar boa memória auditiva para música, artes em geral, alfabeto e números. 13 - Hipersensibilidade diante de sons e barulhos específicos ou não, sendo notado por volta dos dois anos de idade. 14 - Aprendizado muito acelerado, passando por várias etapas do ensino de forma acelerada, chegando muito cedo à faculdade ou parando de estudar logo no início do aprendizado, por julgar que “já aprendeu tudo”, ninguém mais tem algo de útil a lhe ensinar. 15 - Pode apresentar excelente memória para idiomas, podendo tornar-se facilmente um poliglota. 16 - Extrema capacidade para cálculos matemáticos inclusive resolvendo soluções complicadas “de cabeça”: sem recurso da escrita ou de calculadoras. Se o indivíduo apresentar dez ou mais sintomas acima relatados, é sério candidato a portar a hiperlexia. ATENÇÃO: este número (dez) é uma base para detectar-se esse distúrbio, pode haver um hiperléxico com sete ou oito desses sintomas ou com cinco destes, e outros cinco sintomas não relatados aqui. Atente-se para o fato de que cada 67 paciente pode ter características próprias e deve ser analisado exaustivamente até que se confirme um diagnóstico. Apesar de todas estas e outras características atribuídas à hiperlexia, vale lembrar que o aspecto neuromotor corresponde aos padrões considerados normais de evolução. Não há ou não deve haver sinais de alterações neurológicas, mas não se afasta a possibilidade de alguns pacientesapresentarem alterações nestes aspectos, visto que cada paciente é único, desenvolveu o distúrbio por determinadas causas e pode, evidentemente, apresentar variações de sintomas, causas e características. Mas, afinal, quais são os principais sintomas e qual é o profissional indicado para tratar a hiperlexia? Na ânsia de se definir um distúrbio e/ou rotular um paciente, passa-se por cima de vários fatores que serão descritos a seguir. Primeiramente, nem todos os hiperléxicos apresentam dificuldades de linguagem. Esses indivíduos podem expressar-se muito bem tanto na escrita quanto na leitura e fala e, no entanto, apresentarem hiperatividade, agressividade no convívio com outras crianças e com a família, desatenção e/ou dispersão em atividades diversas, instabilidade de sentimentos e ideias. E, podem tornar-se extremamente magros pelo excesso de atividades que lhes impedem de alimentarem-se adequadamente ou, ao contrário, obesos, pois também é comum que determinadas crianças com hiperlexia passem a alimentar-se em grande quantidade e durante o dia todo, como uma espécie de compensação para suas frustrações. E, nestes casos, devem ser encaminhados também a um psicólogo. Se, além destes sintomas, o indivíduo apresenta facilidade para as artes em geral, será bom que também tenha o acompanhamento de um arteterapeuta. Se o hiperléxico, desde cedo, lê tudo o que vê, mas não assimila e escreve apenas como cópia, não tendo consciência do que escreve, então deve ser encaminhado a um psicopedagogo que, sem dúvida, é, ou ao menos deveria ser, o profissional mais indicado e melhor preparado para tratar este caso específico de hiperlexia. 68 Quando o indivíduo hiperléxico apresenta distúrbios de fala (aquisição lenta, tardia de linguagem, se lê, mas não fala corretamente, expressa-se de forma incompreensível, caracterizando incapacidade de expressão, etc.), então deve ser encaminhado a um fonoaudiólogo (OLIVIER, 2008). 69 REFERÊNCIAS REFERÊNCIAS BÁSICAS CAMPOS, Dinah Martins de Souza. Psicologia da aprendizagem. 39 ed. Petrópolis: Vozes, 2011. DESSEN, Maria Auxiliadora; COSTA JUNIOR, Áderson Luiz e colab. 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