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www.facuminas.com.br 31 3842-3838 
 
NOÇÕES DE DIREITO PARA O 
ALCANCE DA CIDADANIA NO 
BRASIL CONTEMPORÂNEO 
 
 
 
MATERIAL DIDÁTICO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CREDENCIADA JUNTO AO MEC PELA 
PORTARIA N° 3.445 DO DIA 19/11/2003 
 
 
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1 
Sumário 
PARTE 1 DIREITO E CIDADANIA ..................................................................... 3 
DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA ............................................................... 3 
CIDADANIA, NOÇÕES HISTÓRICAS E CONCEITUAÇÃO .............................. 6 
CIDADANIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO NO BRASIL ............ 9 
PARTE 2 OS REGIMES DE GOVERNO E SEUS USUAIS 
CONDICIONAMENTOS À CIDADANIA BRASILEIRA ..................................... 18 
O Parlamentarismo brasileiro e suas contradições ............................ 18 
Os coronéis e os caudilhos brasileiros ............................................... 30 
A figura do coronel ............................................................................. 32 
A “vegetação de caudilhagem” ........................................................... 32 
A figura do caudilho............................................................................ 33 
Clientelismo e Bloco de Poder ........................................................... 35 
O rito do “Você sabe com quem está falando? .................................. 39 
PARTE 3 .......................................................................................................... 43 
A EXPANSÃO FINAL DOS DIREITOS POLÍTICOS ........................................ 43 
DIREITOS SOCIAIS SOB AMEAÇA ................................................................ 47 
DIREITOS CIVIS RETARDATÁRIOS ............................................................... 50 
REFERENCIAS ................................................................................................ 65 
 
 
 
 
2 
 
2 
 
FACUMINAS 
 
 
A história do Instituto Facuminas, inicia com a realização do sonho de 
um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para 
cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a Facuminas, 
como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. 
A Facuminas tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas 
de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a 
participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua 
formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos 
culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e 
comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de 
comunicação. 
A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de 
forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir 
uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma 
das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela 
inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 
 
 
 
 
 
3 
 
3 
PARTE 1 DIREITO E CIDADANIA 
DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA 
Assim como as outras áreas do conhecimento, o Direito não deve se 
afastar da indissociabilidade da tríade do ensino superior composta por ensino, 
pesquisa e extensão, a qual baliza a atuação da universidade. Nesta 
perspectiva, um dos desafios que se apresenta no ensino jurídico é encontrar 
mecanismos que possibilitem a aplicação do conhecimento da sala de aula no 
contexto social, notadamente do entorno da universidade. 
O ambiente jurídico é um espaço privilegiado não apenas para estudo e 
discussão das legislações, mas também para análises críticas e ações práticas 
que repercutem no cotidiano da comunidade. No ensino jurídico, os direitos 
humanos são um dos temas que apresentam um vasto potencial para práticas 
que articulam ensino, pesquisa e extensão. 
Contudo, algumas vezes, os direitos humanos são concebidos de forma 
bastante simplista por parte da sociedade, sendo identificados apenas como 
normas que protegem os que agem contra a lei. Essa concepção não 
contempla a amplitude desses direitos que amparam todo o ser humano, 
garantindo-lhe guarida nas mais diversas situações. 
Essa visão incipiente e deficitária dos direitos humanos precisa ser 
superada por meio de estratégias que promovam e consolidem a percepção do 
conteúdo autêntico desses direitos e da noção de que os mesmos são 
inerentes à pessoa humana. Essa tarefa envolve a promoção da consciência 
de que os direitos humanos englobam todos os direitos que são 
imprescindíveis a uma vida digna e, em razão disso, se houver privação desses 
direitos se dá a negação da própria dignidade humana. 
A consciência dos direitos humanos faz parte do processo que conduz à 
emancipação das pessoas perante o seu contexto social. Tal processo também 
está interligado ao conceito de cidadania, que se encontra em construção 
permanente em razão do seu caráter histórico, incorporando continuamente 
novos valores e conquistas. 
 
4 
 
4 
Os direitos humanos, a democracia e a cidadania estão envoltos em 
uma correlação intrínseca e dinâmica. Para que um país seja considerado 
democrático é fundamental que seja garantido o exercício da cidadania, que 
por sua vez requer a efetividade dos direitos humanos. Essa correlação exigiu 
a reconstrução do conceito da cidadania. Jaime Pinsky (2005, p.10) adverte 
que o conceito de cidadania não é estático, visto que varia ao longo do tempo, 
revelando a sua dimensão histórica que está relacionada à realidade de cada 
país. Em decorrência disso, novos valores vão se incorporando ao conceito de 
cidadania, que é construída com o passar do tempo. 
Em face do complexo contexto histórico de desenvolvimento dos direitos 
humanos e de suas repercussões políticas e sociais, o conceito tradicional da 
cidadania ligada ao exercício de direitos políticos (votar e ser votado), mostrou-
se defasado. Esse conceito reducionista que se limita à noção de pertencer a 
um corpo político cedeu espaço a um conceito que deve se ajustar às 
exigências do atual sentido dos direitos do homem e da dignidade da pessoa 
humana. 
Hodiernamente, considera-se que o conceito de cidadania inclui a 
satisfação das diversas gerações de direitos humanos, ou seja, o cidadão é 
aquele que desfruta dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos e dos 
direitos de solidariedade. Esses direitos se completam e se incorporam. Esta 
concepção se adéqua ao pensamento de Hannah Arendt (apud LAFER, 1997), 
que compreende a cidadania da seguinte forma: 
A cidadania é o direito a ter direitos, pois a igualdade em dignidade e 
direito dos seres humanos não é um dado. É um construído da convivência 
coletiva, que requer o acesso a um espaço público comum. [...] é esse acesso 
ao espaço público [...] que permite a construção de um mundo comum através 
do processo de asserção dos direitos humanos. 
Para que o indivíduo seja cidadão é necessário que o mesmo tenha os 
direitos fundamentais realmente respeitados e efetivados. Só se exerce a 
cidadania, sendo cidadão, com o efetivo cumprimento dos deveres e também 
dos direitos garantidos no ordenamento jurídico do país. Nesse sentido, a 
 
5 
 
5 
cidadania exige a correspondência entre o que se tem garantido por direito e o 
que tem de fato. Para Maria de Lourdes Manzine Covre (1995, p. 9): 
[...] ser cidadão significa ter direitos e deveres, ser súdito e ser soberano. 
Tal situação está descrita na Carta de Direitos da Organização das Nações 
Unidas (ONU), de 1948, que tem suas primeiras matizes marcantes nas cartas 
de Direito dos Estados Unidos (1776) e na Revolução Francesa (1798). Sua 
proposta mais funda de cidadania é a de que todos os homens são iguais ainda 
que perante a lei, sem discriminação deraça, credo ou cor. E ainda: a todos 
cabem o domínio sobre seu corpo e sua vida, o acesso a um salário condizente 
para promover a própria vida, o direito à educação, à saúde, à habilitação, ao 
lazer. E mais: é direito de todos poder expressar-se livremente, militar em 
partidos políticos e sindicatos, fomentar movimentos sociais, lutar por seus 
valores. Enfim, o direito de ter uma vida digna de ser homem. 
A respeito disso, Boaventura de Sousa Santos (1989, p. 8-9) afirma que 
não obstante o reconhecimento jurídico dos direitos humanos é preciso vencer 
a sua ineficácia, devendo predominar um pensamento emancipatório que exige 
que esses direitos sejam efetivamente aplicados. Para Boaventura (1989, p. 
12), nessa tarefa, torna-se imprescindível a criação de novos espaços políticos, 
a ampliação dos espaços públicos e o surgimento de novos sujeitos coletivos 
capazes de aprofundar a democracia. 
Por outro lado, nesse processo de aquisição de direitos também é 
essencial a consciência do indivíduo a respeito do direito a ter direitos, referido 
por Hannah Arendt. Conforme Pedro Demo (1995, p. 3), a cidadania é “a raiz 
dos direitos humanos”, sendo que para reivindicá-los é imprescindível que a 
sociedade esteja organizada politicamente e ciente do conteúdo desses 
direitos. Destarte, entre os diversos desafios a serem enfrentados na 
construção da cidadania, situa-se justamente a disseminação do conhecimento 
a respeito dos direitos humanos, que é evidenciado nas universidades e que 
precisa ser difundido na sociedade. 
O ensino jurídico não deve negligenciar sua responsabilidade na 
construção do Estado Democrático, devendo promover a formação do aluno 
 
6 
 
6 
voltada para uma consciência mais abrangente em termos de direitos 
humanos, principalmente e no que concerne à cidadania. 
CIDADANIA, NOÇÕES HISTÓRICAS E CONCEITUAÇÃO 
Ser cidadão significa ser súdito e soberano, conforme a situação descrita 
na carta de Direitos da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948. Teve 
suas primeiras referências marcantes nas cartas de Direito dos Estados Unidos 
(1776) e da Revolução Francesa (1798). Possui como proposta de cidadania a 
de que todos os homens são iguais perante a lei, sem descriminação de raça, 
credo e cor. 
Prega que a todos cabe o domínio sobre seu corpo e sua vida, o acesso 
a um salário condizente para promover a própria vida, o direito à educação, à 
saúde, à habitação, ao lazer. E também estabelece que é direito de todos 
poder expressar-se de forma livre, como também exercer militância em partidos 
políticos e sindicatos, fomentar movimentos sociais e lutar por seus valores. 
Enfim, a cidadania pode ser resumida como o direito de ter uma vida digna de 
ser homem. 
Rogério Gesta Leal explica que o povo grego especulava sobre a vida 
humana e suas potencialidades, concebe a existência como sendo voltada 
para um humanismo racional. E é esta racionalidade que lhe propicia enfrentar 
os fatos da vida com objetividade e discernimento, objetivando implementar a 
ideia de liberdade política. Liberdade para os gregos não é sinônimo de 
autogoverno, mas sim, o hábito de viver de acordo com as leis da cidade. 
Conforme Dalmo de Abreu Dallari3, num enfoque histórico da cidadania, 
ressalta que a palavra cidadania foi usada na Roma antiga para indicar a 
situação política de uma pessoa e os direitos que essa tinha ou podia exercer, 
sendo que a sociedade romana fazia discriminações e separava as pessoas 
em classes sociais. 
Ao que se refere à possibilidade de participação em atividades políticas 
e administrativas, ressalta que existia uma distinção importante entre os 
próprios romanos, sendo que somente os romanos livres tinham cidadania. Já 
esta era dividida em cidadania e cidadania ativa. Somente os “cidadãos ativos” 
 
7 
 
7 
podiam ocupar altos postos da administração e de participar das atividades 
políticas. Observa-se que nesta realidade as mulheres não possuíam cidadania 
ativa, por isso elas não ocuparam lugar no Senado e nas magistraturas 
romanas. 
Na Europa no começo dos tempos modernos, também havia a divisão 
da sociedade em classes, o que lembrava a divisão social romana. A nobreza 
possuía grandes privilégios ao lado das pessoas comuns, ou seja, os não-
nobres. Entre os comuns haviam os burgueses, que eram os ricos, e os outros 
comuns, não burgueses, que eram pobres, geralmente trabalhavam no campo 
e na cidade. 
É a fase histórica do Absolutismo, onde os reis exerciam seu poder sem 
nenhuma limitação e controle. Devido aos excessos e arbitrariedades do 
Absolutismo e do interesse da classe rica emergente, os burgueses, era muito 
interessante que os nobres perdessem seu poder, ou ao menos fosse este 
limitado de modo que não atrapalhasse os burgueses. Começam aí as 
chamadas revoluções burguesas ocorridas na Inglaterra, em 1688 e na França, 
em 1789, a Revolução Francesa. 
Foi sem dúvida a Revolução Francesa a principal influência para que o 
mundo adotasse um novo modelo de sociedade e, neste ambiente é que 
nasceu a moderna concepção de cidadania, que, no referido momento 
histórico, serviu para eliminar os privilégios que eram usufruídos pela nobreza, 
mas, posteriormente, a nova concepção de cidadania, acabou sendo usada 
para garantir a superioridade de novos ricos e privilegiados, que eram os 
burgueses. 
Quanto a ideia de cidadania, no ano de 1791 os líderes da Revolução 
Francesa aprovaram a primeira Constituição Francesa, estabelecendo aí 
regras que deformavam completamente a ideia de cidadania. Mantiveram a 
monarquia hereditária, que privilegiava somente uma família. Recuperaram a 
antiga diferenciação dos romanos de cidadania e cidadania ativa, 
estabelecendo que para ter participação na vida política, votando e recebendo 
mandato, ocupando cargos elevados na Administração Pública, era necessário 
 
8 
 
8 
ser cidadão ativo, não bastando somente ser cidadão. Era considerado cidadão 
ativo o cidadão francês, do sexo masculino, que não era empregado, que 
pagasse uma contribuição equivalente a três jornadas, devendo o legislativo 
fixar o valor da jornada, além de estar inscrito na municipalidade de seu 
domicílio como integrante da guarda municipal. As mulheres, os trabalhadores, 
as camadas mais pobres da sociedade foram excluídas da cidadania ativa, 
tendo então que iniciar uma nova luta, desde o começo do séc. XIX, para 
assim, finalmente, obterem direitos de cidadania. 
A cidadania deixou de ser símbolo de igualdade para todos e a 
privilegiada nobreza deu lugar a uma nova classe de ricos e privilegiados que 
eram: os burgueses. Conforme Elisa Reis o conceito de cidadania variou, e 
muito ao longo do tempo. O que é consenso são as raízes históricas comuns e 
quatro aspectos comuns nas diferentes abordagens, que são: Primeiro: o 
referencial histórico, pois as raízes históricas do conceito são comuns a todas 
as tradições teóricas. Segundo: referência que o conceito de cidadania faz, 
necessariamente, referência à ideia de inclusão, versus, exclusão. Terceiro: a 
dualidade, ou seja, tensão permanente que a ideia de cidadania faz entre ser 
um estado ou uma identidade. E, finalmente, a tensão entre a ideia de virtude 
cívica e direito ou prerrogativa. 
Referente à construção do moderno conceito de cidadania, este ficou 
simbolizado na Declaração Francesa, o reconhecimento legal da liberdade e 
igualdade de todos perante a lei, como também a conversão do homem em 
sujeito que possui direitos e obrigações. Ela é definida, inicialmente na 
modernidade pela igualdade perante a lei, o que causa uma tensão 
permanente com a desigualdade que faz parte à sociedade de classes, como 
também pela titularidade de direitos civis. Atualmente, a concepção de 
cidadania vai tendo então seu conteúdo ampliado, incorporando então direitos 
políticos, econômicos, sociais, culturais, difusos e coletivos, conformeo 
crescimento industrial que torna a sociedade cada vez mais complexa, 
especialmente, a partir do século XIX. 
 
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9 
CIDADANIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO NO 
BRASIL 
Para melhor entendermos o Brasil, é necessário vê-lo dentro da 
dinâmica e das contradições do contexto histórico. Assim, esta história é a 
história da cultura política resultante viva da dinâmica da expansão do 
capitalismo. Como bem ressaltou o historiador Caio Prado Jr. (2012) que visto 
em conjunto a história do Brasil sempre foi marcada pela ideia de “negócio”. 
A análise dessa expansão, no período da República Contemporânea, 
deve ser feita à luz da inter-relação entre política liberal e democracia liberal, 
tendo em vista a manutenção do Estado burguês e o crescente bem-estar de 
suas elites. 
A simbiose do liberalismo com a democracia foi obra política da 
burguesia ao longo do século XIX. No Brasil, foram os interesses liberais que 
alavancaram movimentos políticos que intencionavam derrubar a Monarquia e 
implantar a República. Em contrapartida o longo e frustrante processo de 
construção de um Estado democrático no Brasil leva-nos a refletir como os 
brasileiros veem sua nação e a si mesmos. 
Desse modo, importante é refletir sobre o imbricamento jurídico político 
com os imperativos da igualdade. Assim, propomos uma reflexão sobre os 
direitos civis, políticos e sociais, no Estado Democrático de Direito, como 
caminho para compreendermos a cidadania e a democracia no Brasil. 
Para isso, não devemos esquecer que se formou no Brasil uma 
sociedade colonial baseada na escravidão. Em que seu forte senhoriato 
sempre subordinou os outros setores a seu mando. Houve grande 
miscigenação com as populações autóctones com os escravos negros trazidos 
da África. Essa miscigenação foi produto de uma colonização de exploração. 
Daí a estrutura histórica que temos. Um rígido modelo de exclusão social que 
geram os desclassificados, ou seja, uma imensa massa populacional de 
homens e mulheres livres marginalizados na sociedade escravocrata. Uma 
sociedade dividida em “casas-grandes” e “senzalas”. Depois em “sobrados” e 
“mocambos”. E agora em grandes edifícios, avenidas e favelas. Os 
 
10 
 
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despossuídos, os desclassificados, os condenados da terra sempre foram a 
massa presente nessa história. 
Os problemas sociais, políticos e econômicos aprofundaram. Mas 
também a consciência que temos deles aumentou. Podemos dizer, hoje, que 
um profundo mal estar atravessa a civilização que se vem plasmando em 
nosso país. Nós vivemos num mundo fragmentado e fragmentário dominado 
pela cultura do marketing que alimenta a sociedade do espetáculo. Quase 
chegamos a esquecer que o passado colonial ainda nos pesa. 
Da implantação da República (1889) ao Estado Democrático de Direito 
(1988) processou-se uma história de pouco mais de um século. Em alguns dos 
momentos da história republicana criaram-se expectativas, ingenuidades, 
ilusões de que algo novo, “redentorista”, viesse acontecer nas instituições 
políticas a bem da sociedade. Derrubou-se a República Oligárquica com o 
Golpe de 30. O “novo” governo implantou, após quatro anos, um Governo 
Constitucional, até então o mais democrático que o Brasil já tivera. Esse 
mesmo governo estabeleceu o Estado Novo, uma ditadura, um governo 
centralista, autoritário. Após a Segunda Guerra a redemocratização das 
instituições políticas fez-se necessário. 
O “estado de segurança nacional” fez ressurgir a ditadura, agora nas 
mãos dos militares. A historiografia denominou esse período de Anos de 
Chumbo. Desde então, foram vinte e um anos de ditadura em que as 
instituições políticas foram controladas em sua maioria por militares, ou civis, 
que atuavam junto ao militarismo. Na década de 80 do século passado, 
prenunciou-se a reabertura democrática, com o movimento das “Diretas Já”. 
A partir desse quadro histórico-político destaca-se, por outro lado, as 
estruturas político-jurídicas. O Direito brasileiro mostra-se ainda perpassado 
pelo positivismo do final do século XIX. Direito é lei, norma. O reflexo das 
formas jurídicas para a sociedade ao longo de toda a República é o avesso do 
que se imaginava, ou do que se esperava de um Estado Democrático de 
Direito, onde a lei se confunde com a justiça. 
 
11 
 
11 
Nessa linha de raciocínio, Roberto Lyra Filho (1982) no capítulo 
Direito e Lei, faz uma contundente crítica ao Juspositivismo. Lyra trata das 
relações entre Direito e Justiça, onde uma intricada rede de ideologias permeia 
o exercício das práticas jurídicas. Para Roberto Lyra a Lei sempre emana do 
Estado e permanece, em última análise, ligada à classe dominante, pois o 
Estado, como sistema de órgãos que regem a sociedade politicamente 
organizada, fica sob o controle daqueles que comandam o processo 
econômico. 
Lyra Filho (1982) critica as dimensões ideológicas do direito positivo 
estatal e as concepções positivistas do Direito. Essas críticas passam a 
evidenciar as contradições do Direito Contemporâneo. A legislação abrange, 
sempre em maior ou menor grau, direito e anti-direito: interesses classistas e 
caprichos continuístas do poder estatal. 
Assim, a República Contemporânea, está marcada pelas formas 
jurídicas e pelas práticas políticas, que agem sobre a sociedade de maneira 
perversa, à medida que as garantias de liberdade, de igualdade, de 
participação, de segurança, de desenvolvimento, de emprego, de justiça social, 
encontram-se parciais. A sensação, portanto é de desconforto. A descrença de 
que a democracia política resolveria com rapidez os problemas da pobreza e 
da desigualdade, é algo que flui no sentimento de cada brasileiro. Porém, tem 
que considerar que progressos foram feitos ao longo da nossa República, mas 
foram lentos, e não escondem o distante caminho que ainda faltam percorrer. 
Para José Murilo Carvalho (2004) a ausência de ampla organização 
autônoma da sociedade faz com que os interesses corporativos consignam 
prevalecer. A representação política não funciona para resolver os grandes 
problemas da maior parte da população. O papel dos legisladores reduz-se, 
para a maioria dos votantes, ao de intermediários de favores . Nas práticas 
políticas figuram-se personagens que compõem e organizam o Estado para 
manutenção de interesses corporativistas, de uma elite que empobrece 
sobremaneira a nação. 
 
12 
 
12 
Nesse sentido, as formas jurídicas resultam aprisionadas em conjunto 
de normas estatais, de padrões de conduta imposta pelo Estado, com a 
ameaça de sanções organizadas. Portanto, a lei muitas vezes resulta da 
prevalência de interesses de grupos, na tramitação legislativa, se tornando um 
mecanismo jurídico que privilegia uma minoria. 
Desde a primeira experiência democrática que o Brasil viveu no 
Governo Constitucional de Vargas (1934-1937) pôde-se observar as práticas 
políticas atreladas às formas jurídicas, na intenção de criar mecanismos de 
controle social, em que os interesses da elite política prevalecessem. 
Com a Constituição de 1934 os dispositivos de caráter social 
asseguram a pluralidade e a autonomia dos sindicatos, dispondo sobre a 
legislação trabalhista. No título referente a família, a educação e a cultura 
estabelecia o princípio do ensino primário gratuito e de frequência obrigatória. 
Parecia que o pais iria viver sob o regime democrático. Entretanto, pouco mais 
de três anos após ser promulgada a Constituição, o golpe do Estado Novo 
frustrou as esperanças. Concorreu para o desfecho, grupos situados no interior 
do governo, em especial no Exército, as vacilações dos liberais e a 
irresponsabilidade da esquerda, com a malograda Intentona Comunista. A 
partir de então, o país passou a viver um regime ditatorial. 
No pensamento de Boris Fausto (2001, p. 67) “o Estado Novo 
representou o apogeu dos ideólogos autoritários que constituíamum grupo 
amplo, não redutível a suas principais estrelas”. O corpo autoritário no Estado 
Novo esteve presente nos mais diversos espaços da sociedade, perpassando 
da economia à cultura, controlando ou censurando os meios de comunicação, 
a serviço dos “ideólogos autoritários”. As formas jurídicas desse período 
evidenciam-se imediatamente. A Constituição de 1937 foi produzida pela 
tecnocracia getuliana, capitaneada por Francisco Campos (jurista), e imposta 
ao país como ordenamento legal do Estado Novo. Nesse regime, sem o 
funcionamento do Congresso Nacional, sem partidos legais, sem eleições, 
desenvolveu-se o fortalecimento do Estado no sentido de melhor servir aos 
interesses do capitalismo na sua política de controle das classes assalariadas. 
 
13 
 
13 
Nesse sentido, a Constituição e as formas jurídicas do Estado Novo conteve e 
interrompeu o processo democrático. 
A redemocratização veio após a Segunda Guerra Mundial (1945). 
Assim: 
Após 1945, o ambiente internacional era novamente favorável à 
democracia representativa, e isto se refletiu na Constituição de 1946, que, 
nesse ponto, expandiu a de 1934. O voto foi estendido a todos os cidadãos, 
homens e mulheres, com mais de 18 anos de idade. Era obrigatório secreto e 
direto. Permanecia, no entanto, a proibição do voto do analfabeto. A limitação 
era importante porque, em 1950, 57% da população ainda era analfabeta. 
Como o analfabetismo se concentrava na zona rural, os principais prejudicados 
eram os trabalhadores rurais. Outra limitação atingia os soldados das forças 
armadas, também excluídos do direito do voto (CARVALHO, 2004, p. 
145). 
Nesse sentido, o período de redemocratização (1946-1964) 
representou uma maior participação popular em termos políticos. Porém, 
apesar da evolução política, fruto do progressivo amadurecimento da 
democracia, verificou-se que o povo, representado na época pela prática 
populista e sindicalista, era considerado massa de manobra de políticos 
corruptos e demagogos. Para os grupos políticos a democracia era apenas um 
mecanismo que podia e devia ser abandonado desde o momento que não 
tivesse mais utilidade. Assim, as lideranças partidárias tanto de direita, quanto 
de esquerda, ao almejarem o poder, caminharam na direção de um 
enfrentamento fatal para democracia, dando fundamentação para o Golpe 
Militar de 1964. 
Diante dos fatos questiona-se: Como um país que apresentava um 
processo democrático evidente, com expressiva participação popular e um 
sistema legislativo definido pôde retroagir para uma ditadura? A historiografia 
comumente explica que o movimento de 31 de Março de 1964 tinha sido 
lançado, aparentemente, para livrar o país do comunismo e para em curto 
tempo restaurar a democracia. Ledo engano. Várias medidas militares 
 
14 
 
14 
caminharam no sentido de reforçar o Poder Executivo e reduzir o campo de 
ação do Congresso. Portanto, do Poder Legislativo. 
Dessa forma, as práticas políticas sobreporem-se às formas jurídicas 
em detrimento de uma minoria, ou melhor dito, a democracia foi suspensa, pois 
um determinado grupo viu por bem que isso acontecesse, para que seus 
interesses prevalecessem. Isso mostra-nos que as formas jurídicas (a lei), 
muitas vezes, resultam de prevalência de interesses de grupos, na tramitação 
legislativa, se tornando um instrumento jurídico que privilegia poucos. 
No entanto, entendemos que a lei precisa ajustar-se aos princípios, 
aos valores intersubjetivos. O papel do judiciário deveria ser de interpretar a lei, 
adotar posição crítica, tomando como parâmetro os princípios e a realidade 
social. Porém, na história da democracia no Brasil nem sempre foi assim. 
Nesse proceder, o Poder Judiciário precisa ponderar que o direito não 
é neutro. Fato e norma estão envolvidos pelo valor. Traduz significado. Indica 
direção. O Judiciário tem importante papel histórico. As decisões precisam 
traduzir o direito da história. Nesse sentido, as formas jurídicas não podem 
aterem-se ao positivismo estatal. O judiciário precisa tomar consciência de seu 
papel político, integrante de Poder, impondo uma visão crítica pelo bem da 
sociedade. 
Passados vinte e um anos de ditadura militar, ocorre na história 
republicana o retorno do processo democrático, solapado em 64 pelo regime 
de exceção. Assim: “Apesar da tragédia da morte de Tancredo Neves, a 
retomada da supremacia civil em 1985 se fez de maneira razoavelmente 
ordenada e, até agora sem retrocessos” (CARVALHO, 2004, p. 199). 
Analisar a democracia no Brasil, diante das crises institucionais 
vividas pelo país, requer cuidado e muito atenção, para que não se chegue a 
conclusões imediatistas, ou como diria alguns intelectuais, peremptórias. 
Portanto, é com essa preocupação que devemos compreender as redes que 
ligam as práticas políticas às formas jurídicas no Estado Democrático de 
Direito. Não esquecendo que, apesar da amplitude dos direitos políticos e 
sociais a estabilidade democrática não pode ainda ser considerada fora de 
 
15 
 
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perigo. Os problemas sociais não foram resolvidos, as práticas políticas e as 
formas jurídicas caminham para interesses de uma minoria. A sensação é que 
a história se repete. A nação se vê envolta de um misto de esperança e 
incerteza. 
Nesse contexto, uma análise sobre os direitos civis, políticos e sociais 
no Brasil se faz necessário, no sentido de refletirmos a concepção de cidadania 
e democracia que se vem delineando a partir da instauração do Estado 
Democrático de Direito. Intertextualizar a História, a Política, o Direito e a 
Justiça, para refletirmos sobre as relações político-jurídicas e as 
representações dessas relações frente à sociedade brasileira. 
Na esteira da jurisprudência o direito em suas várias dimensões é 
instrumento de luta pela justiça. Segundo Franco Montoro (1994), em nenhuma 
época como hoje, o estudo e a prática do Direito tenham se identificado tanto 
com a defesa da civilização e dos valores humanos. Isso, portanto, revela-nos 
que o Direito busca por meio da aplicabilidade da justiça um caminho para a 
transformação social, ou seja, a partir das formas jurídicas construir uma 
sociedade em que todos os cidadãos tenham consciência dos seus direitos e, 
que possam com isso exercê-los. 
Em Foucault (2003), o direito é antes de tudo um princípio de 
racionalidade que cabe percorrer em sua plenitude. Para isso é preciso 
reconstruir sua história, o que significa suspender a ideia mesma de direito, isto 
é, de um conjunto de regras universais e abstratas que circunscrevem o poder 
e o Estado. 
Segundo Françis Ewald (1993 apud ADORNO, 2004), Foucault 
decreta: o direito não existe, o que existe são práticas jurídicas referidas a um 
princípio de racionalidade – o do juízo, em lugar da coerção. As doutrinas, a 
jurisprudência, a aplicação e distribuição da justiça. 
Trata-se de um princípio atravessado pela história. Na história 
ocidental moderna, o juízo revestiu-se de legalidade. O direito enuncia-se sob a 
forma de lei inscrita nos códigos. Sob essa perspectiva cabe analisar a 
engenharia político-jurídica e a sociedade, procurando evidenciar as 
 
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contradições existentes no corpo político-jurídico, quando se dizem “guardiões” 
do direito e da justiça social. 
Para Foucault (2003) as formas jurídicas não é a expressão natural da 
justiça social, mas pelo contrário, tem por função histórica reduzi-las, dominá-
la, sufocá-la, reinscrevendo-a no interior de instituições características do 
aparelho de Estado. Ele vê a sociedade contemporânea como “sociedade 
disciplinar”, sob o controle do Estado. Assim, mecanismos foram criados para 
que o Estado exercesse seu poder, como: o de punição e o olhar panóptico, 
esse entendido como vigilância que dispensa a presença. É ver sem ser visto, 
é o controlar sem ser controlado. 
Isso posto, entendemosque as práticas políticas e as formas jurídicas 
no Estado Democrático de Direito traduz essa condição que Foucault 
denominou de “sociedade disciplinar”, em que o exercício do poder, da 
vigilância e do controle, tem como objetivo tornar o homem útil e dócil. 
Pierre Bourdieu, trata do poder simbólico, invisível, mágico que, não 
difere muito do panoptismo foucaultiano. Esse intelectual nos referenda que o 
poder simbólico é o “poder invisível o qual só pode ser exercido com a 
cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo 
que o exercem” (BOURDIEU, 2003, p. 7-8). 
Para Bourdieu (2003, p. 9) “sistemas simbólicos” como instrumentos 
de conhecimento e de comunicação, só podem exercer um poder estruturante 
porque são estruturados. O poder simbólico é um poder de construção da 
realidade que tende a estabelecer uma ordem, buscando fundamentar a 
legitimidade. 
Nesse sentido, a intenção é analisar, utilizando-se da ideia de 
Bourdieu, o papel da arquitetura político-jurídica no Estado Democrático de 
Direito, que na realidade faz parte de uma força que atua sobre a sociedade, 
com um discurso de representatividade, mas que na prática pouco tem-se 
pronunciado a favor da sociedade. 
 
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À sociedade brasileira falta-lhe: emprego, segurança, saúde, 
educação, dignidade humana, pois é comum vermos injustiças sociais 
ocorrendo a cada instante, como: o desrespeito ao cumprimento dos incisos III 
e IV do Art. 3°2 da Constituição Cidadã; a desigualdade gritante dos que vivem 
abaixo da linha da pobreza, que não são poucos; a falta de um ensino público 
de qualidade, para que os menos favorecidos possam concorrer em pé de 
igualdade com os filhos de nossas elites, no mercado de trabalho. 
Portanto, o Estado, a política e o direito, são forças que atuam sobre 
a sociedade como rolo compressor, normatizando e legitimando ações que por 
muitas vezes destoam dos interesses da maioria dos cidadãos brasileiros. As 
estruturas político-jurídicas serviram e ainda servem para anestesiar uma 
sociedade que busca remover o passado, na tentativa de construir uma outra 
história para os excluídos da República. 
Pierre Bourdieu (2003, p. 237), ressalta que o direito é a forma por 
excelência do discurso atuante, capaz, por sua própria força, de produzir 
efeitos. Não é demais dizer que ele fez o mundo social, mas com a condição de 
se não esquecer que ele é feito por este. As formas jurídicas no Brasil 
traduzem exatamente o discurso de Bourdieu em relação à força do direito, que 
ao nosso ver incorpora o ser plenipotente na estrutura social. 
Eis a personificação da plenipotência das ARCADAS juristas: 
Os juristas brasileiros podem ser acusados de tudo (reacionários, 
conservadores, subservientes ao capital, comunistas – pouquíssimos -, 
fascistas, integralistas, maoístas –não conheço nenhum-, trotskistas – dizem 
que todos foram para a direita-, neoliberais, socialistas fabianos, festivos 
ideólogos, usuários e assim por diante) menos que não tivessem em suas 
mentes uma consciência clara e segura da questão social. [...] 
Dos juízes, com todas as restrições impostas pelo ordenamento, basta 
olhar para construção jurisprudencial. Eles sempre fizeram o máximo 
2 Art. 3° constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: 
 
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III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades 
sociais e regionais. 
IV- promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, 
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 
que lhes esteve ao alcance, em matéria de responsabilidade civil, de 
proteção da mulher, do concubinato, na defesa dos hipossuficientes, 
do acidentado do trabalho, dos desprotegidos pela fortuna. 
Duvido que as novas gerações de magistrados e juristas brasileiros, 
com todo o seu matriz ideológico e sua preferência pelos pobres, façam 
mais, ou melhor, do que os seus maiores (POLETTI, 2004, p.6, grifo 
nosso). 
No discurso do advogado, professor da UnB e ex-consultor Geral da 
República, Britto Poletti, sobre as formas jurídicas, se percebe um abismo entre 
o que deveria ser o direito e o que ele é. Se não estamos equivocadas, esse 
discurso político-jurídico depõe contra os pobres. A questão social torna-se um 
simples objeto em meio aos “relevantes” ordenamentos jurídicos, onde a lei 
deve ser cumprida e pronto, ficando a justiça sobrepujada pela lei. 
 
PARTE 2 OS REGIMES DE GOVERNO E SEUS USUAIS 
CONDICIONAMENTOS À CIDADANIA BRASILEIRA 
O Parlamentarismo brasileiro e suas contradições 
O regime de governo representa o modo pelo qual se executa o próprio 
governo; a maneira pela qual atua, dentro de determinada estrutura, o 
governante. Este, por sua vez, pode reunir em seu poder, a chefia do Estado e 
a chefia de Governo, ou dividi-la com outra pessoa estas funções. 
Daí porque, a relevância da consideração deste aspecto, para a 
investigação ainda mais detalhada do tema em tela. 
No Brasil, após a ascensão do segundo Império e o consequente fim do 
Governo de Assembleia de Dom Pedro I, instala-se embrionariamente no país, 
 
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uma Monarquia Parlamentar, onde Dom Pedro II - aos cuidados de 
conselheiros, em virtude sua menoridade - passa a ditar os destinos da Nação, 
numa conexão com o incipiente Poder Legislativo. 
Surgido na Inglaterra, o regime parlamentar plasmou-se através de uma 
longa evolução histórica. 
Os reis ingleses tinham por hábito consultar seus Conselheiros Privados, 
sobretudo, no que diz respeito a questões políticas e administrativas 
Sucede, que, com o passar do tempo, o número de integrantes destes 
Conselhos dilatou-se, a tal ponto, que já não era mais possível, que fosse 
estabelecida uma constante conexão entre estes auxiliares e o soberano. 
Daquele órgão, então, se destacou um corpo menor, o Gabinete, com o 
qual o Rei prosseguiu mantendo contatos. 
O Gabinete, porém, não tinha uma feição definida e inicialmente, 
simbolizava mesmo, a antítese do que passou com o tempo a representar. 
No Brasil - ainda conturbado pela ascensão ao trono de um jovem 
monarca, aconteceu que - de início - o povo expressou sua insatisfação com o 
regime, por entender que representava concentração de privilégios e estrutura 
de mando baseada nas tendências do soberano. 
Entretanto, a consolidação deste regime de governo, a partir do modelo 
inglês, ocorreu, tendo em vista as sucessivas lutas travadas entre a Coroa e o 
Parlamento daquela Nação, sobretudo quando em 1688 este último restou 
vitorioso. 
Tomou-se impossível ao soberano inglês, governar sem a participação 
do Parlamento. Habilmente então, o soberano britânico constituiu um grupo de 
trabalho - conforme já referimos denominado Gabinete - de conformidade com 
as correntes majoritárias daquele órgão inicial. 
Estava delineada a primeira característica do regime parlamentar, isto é, 
a identidade de cor política entre o Ministério e a maioria parlamentar. 
 
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Após esta série de fatos, outros desdobramentos históricos favoreceram 
o incremento do regime parlamentarista europeu. Como por exemplo, a 
escolha dentre os membros do Gabinete, de um “intérprete” e relator das 
deliberações tomadas pelo Gabinete do soberano. Isto ocorria em virtude de 
um acidente de percurso na ordem sucessória de coroa, que levou ao trono um 
regente alemão... 
Passado o incidente e sedimentado o costume do “intérprete”, esboça-se 
primitivamente a figura do Primeiro-Ministro. 
O Gabinete era subordinado à autoridade do Rei, mas corria o risco de 
ser destituído, de acordo com a vontade do soberano. 
Pouco há pouco, entretanto, o Parlamento foi atenuando essa 
subordinação, para mais tarde anulá-la, chegando a ele próprio conduzir a 
atividade do Parlamento. 
No Brasil, a participação do Parlamento nas decisões do Monarca, era 
insípida - para não dizer inexistente- e a autocracia era reeditada quase nos 
moldes do Primeiro Império. 
O bipartidarismo político, permitia ao soberano brasileiro, governar, de 
acordo com suas singulares vontades e vez por outra, atendendo interesses de 
um ou outro grupo de sustentação. 
Nunca houve disputa equânime de poder, e a subordinação do 
Parlamento à figura do Imperador era total e incondicional. 
A figura do Primeiro-Ministro era decorativa e integrada por 
personalidade de confiança do Imperador. 
A máxima segundo a qual: “O Rei não pode fazer mal, o Rei não erra;” 
era sobremaneira obedecida no Brasil Imperial. 
Pois mesmo que, por vezes - como efetivamente acontecia no modelo 
clássico britânico - coubesse ao Gabinete (Conselheiros), conduzir a 
administração do país, a efetividade do poder do Monarca. 
 
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Tolerar a irresponsabilidade dos governantes, nunca foi a tônica do 
caráter e dos costumes do povo inglês. 
Por isso mesmo, ao Gabinete foi atribuída a função de exercer o poder. 
Em contrapartida, o órgão legislativo - a fim de obter hegemonia e alcançar os 
seus fins - estabeleceu expedientes e mecanismos para responsabilizar os 
integrantes do Gabinete (inicialmente denominado de “processo de 
impeachment”), que excluía rigorosamente a graça da apreciação judicial do 
envolvido. 
Já a cultura imposta e “aceita” pela população e classe política brasileira, 
sempre tolerou a irresponsabilidade dos governantes, sedimentando esta 
“benevolência maléfica” no caráter e nos costumes nacionais. 
Na verdade, além de nunca abarcar os elementos essenciais, os 
critérios mínimos do regime parlamentarista, o modelo brasileiro jamais 
aprimorou técnicas de controle do poder do soberano, até mesmo o 
“impeachmenf’, que naquela forma clássica, perdeu sua razão de ser, tomando 
a responsabilidade dos Ministros enfatizada sob o prisma estritamente político. 
Isto é, a noção básica de responsabilidade política do Gabinete, jamais 
regeu qualquer comportamento daquela forma híbrida ocorrida no Brasil 
Império. 
Segundo o modelo classicamente concebido, é primordial que o 
Gabinete demita-se - deixando o poder toda vez que perca a confiança da 
maioria parlamentar. 
Da mesma forma, a dissolução da Câmara dos Deputados - quando 
sucedesse que esse ramo do Legislativo e não o Gabinete - estivesse 
contrariando os interesses coletivos. 
Observa-se, portanto, que o parlamentarismo se acha sublinhado por 
traços essenciais, que podem ser discriminados, conforme nos informa a 
catedrática Rosah Russomano, da seguinte maneira: 
“(...) a) distinção (e não separação) dos órgãos Legislativo e Executivo 
que se apresentam vinculados por interdependência; b) constituição do 
 
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Gabinete ou Ministério em consonância com as correntes majoritárias do 
Parlamento; c) sua manutenção no poder enquanto contar com a confiança 
parlamentar, o que significa queda (sob o signo da responsabilidade solidária); 
d) estruturação do Gabinete como um todo orgânico, ficando à sua frente o 
Primeiro-Ministro; e) dissolução da Câmara Baixa, quando for esta, e não o 
Gabinete, que se dissociar das aspirações populares, realizando-se eleições 
gerais; f estrutura dualista 
do Poder Executivo, distinguindo-se chefe de Estado (Rei ou Presidente 
da República) e chefe de Governo (exercido por um órgão coletivo, 
precisamente o Gabinete ou o Conselho de Ministros); g) sua 
aplicabilidade tanto às Monarquias (Inglaterra) ou às Repúblicas 
(França). ” 
Obviamente, Rosah Russomano está se referindo à situações mais 
modernas, sem fazer alusão àquela ocorrência pseudo-parlamentarista do 
século XIX no Brasil, que somente acabaria formalmente, com a proclamação 
da República em 1889. 
Conforme nos informa a obra de consolidação dos textos constitucionais 
de Campanhole, era o seguinte o teor da introdução da primeira Carta Magna 
Republicana: 
“Cidadãos: 
O povo, o exército e a armada nacional, em perfeita comunhão de 
sentimentos com os nossos concidadãos residentes nas províncias, 
acabam de decretar a deposição da dinastia imperial e 
consequentemente a extinção do sistema monárquico representativo. 
Como resultado imediato desta revolução nacional, de caráter 
essencialmente patriótico, acaba de ser instituído um governo provisório, cuja 
principal missão é garantir com ordem pública a liberdade e o 
direito do cidadão. Para comporem este governo, enquanto a nação soberana, 
pelos órgãos competentes, não proceder à escolha do governo definitivo, firam 
nomeados chefe do poder executivo da nação os cidadãos abaixo assignados. 
Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório. Aristides 
 
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da Silveira Lobo, Ministro do Interior. Ruy Barbosa, Ministro da Fazenda e 
interinamente da Justiça. Tenente-Coronel Benjamin Constant Botelho de 
Magalhães, Ministro da Guerra. Chefe de Esquadra Eduardo Andenkolk, 
Ministro da Marinha. Quintino Bocayuva, Ministro das Relações Exteriores e 
interinamente da agricultura, comercio e obras públicas.” 
Paralelamente instituiu-se o regime presidencialista de governo. 
Entretanto, revendo-se a história é possível perceber-se que, mesmo 
proclamada a tão ansiada República, permanecem orbitando a esfera do poder 
central, aqueles mesmos comensais da última era monárquica. 
Foi tamanha a decepção dos ardorosos defensores do sistema 
republicano (destacadamente Ruy Barbosa) que diversos deles chegaram até, 
a arrepender-se de tê-lo sustentado. 
Permaneceram incólumes os novos dirigentes da Nação, por mais de 03 
(três) anos; até que o Decreto n° 027 de 07 (sete) de janeiro de 1892, regulou o 
processo e julgamento do Presidente da República e dos Ministros de Estado, 
nos crimes comuns. 
Reforma efetiva, só viria com a edição das Emendas que 
consubstanciaram a Reforma Constitucional de 1926, que delineava melhor, a 
ruptura definitiva com o regime parlamentarista de outrora, estabelecendo, por 
exemplo: 
“Art. 6°-alíneas: k) a não-reeleição dos Presidentes e Governadores;” 
“Substituição do Art. 34 do texto constitucional de 1891 pela seguinte redação: 
Art. Compete privativamente ao Congresso Nacional: 2" autorizar (grifo nosso) 
o Poder Executivo a contrair empréstimos, e a fazer outras operações de 
crédito;” 
Prosseguiu o legislador constituinte reformador, a estabelecer 
mecanismos de controle sobre o poder unipessoal do Executivo, quando, no 
mesmo dispositivo, estabelece que, é competência do Congresso nacional: 
“10°, resolver definitivamente sobre os limites dos Estados entre si, os 
do Distrito Federal, e os do território nacional com as nações limítrofes; 11°, 
 
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autorizar o Governo (entenda-se o Poder Executivo) a declarar guerra, si não 
tiver lugar ou malograr-se o recurso do arbitramento, e a fazer a paz; 18° 
legislar sobre a organização do Exército e da Armada; etc...) 
 
O Presidencialismo brasileiro. Sua gênese plagiada do modelo norte-
americano. (O prisma crítico d Hambloch) 
Ao contrário de um movimento consciente e racional, instituído nos 
Estados Unidos da América do Norte, através da Convenção de Filadélfia - que 
buscando inspiração nas instituições políticas inglesas - reconheceu a 
separação dos Poderes, classicamente reconhecidos e defendida pelo ideário 
liberal de John Locke e outros, que defendiam a monarquia limitada, como 
melhor forma de sistematização do poder estatal. 
Ao criarem um novo regime de governo, os norte-americanos 
raciocinavam com perspicácia e elevado grau de responsabilidade; concluindo 
que não poderiam transplantar da pátria-mãe (com a qual estavam rompidos) - 
Inglaterra - o regime de governo lá vigente. 
Dever-se-ia adequar a forma de direção do poder estatal ao meio político 
local... 
Este senso jurídico, contudo, não foi o mesmo que moveu os ânimos dos 
republicanos brasileiros, que transplantaram (não só o modelo de EstadoPortuguês) o regime de governo presidencialista norte-americano. Plágio que 
custou caro à Nação. 
Os norte-americanos, estabeleceram uma diversa modalidade de regime 
de governo, onde o centro da atividade política - representado pelo Gabinete 
no parlamentarismo - se localizou no Chefe do Executivo, ou seja, no 
Presidente da República. 
O presidencialismo, fundamentalmente, caracteriza-se pela separação 
rígida dos Poderes Estatais. 
 
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25 
Embasado no pensamento de Montesquieu, que aperfeiçoou a doutrina 
e consagrou-a em definitivo, considera os órgãos estatais tripartidos e 
independentes, cabendo à umas funções específicas. 
Assim, o Presidente da República, Chefe de Estado e de Governo 
(encontrando-se a testa do Executivo) é eleito, via de regra, pelo próprio povo, 
o que visa desvinculá-lo do órgão legiferaste (mas o que não impede o 
reconhecimento de eleições indiretas, mediante esse órgão ou através do 
eleitorado do segundo grau, como acontece nos E.U.A.). 
Sampaio Dória, estudando o regime presidencial de governo, acentua 
que o mesmo, é alicerçado em três aspectos básicos, quais sejam: a) 
independência dos Poderes; b) eletividade para a composição do Legislativo, 
caracterizando-se os mandatos, pela sua duração; e por fim - mas não menos 
importante; c) supremacia da lei constitucional sobre a lei ordinária, 
interpretada e aplicada pelo Poder Judiciário, com o objetivo de defender os 
direitos do Indivíduo contra as demasias do Legislativo ou as arbitrariedades do 
Executivo. 
No Brasil, entretanto, jamais ocorreu de haver efetiva independência 
entre os Poderes, estando na maior parte do tempo, o Executivo 
supracoordenando os demais Poderes da República. 
Da mesma forma, o Legislativo foi o palco de consecutivos ajustes, 
oriundos de processos autoritários, que submetiam o Congresso dos 
“representantes populares” à vexames de fechamento da Casa e outras 
obstruções menos visíveis. 
Por fim, a mais flagrante das características negativas do regime 
presidencialista de governo praticado no Brasil: a total falta de autonomia do 
Poder Judiciário para julgar os atos do Poder Executivo. Insistimos em “total” 
falta de independência, pois que, esta subjugação inicia em virtude da escolha 
política dos integrantes da Suprema Corte (S.T.F.) brasileiro, e termina no 
limitado processo de responsabilização do Chefe do Executivo. 
 
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Vejamos então, como “nem ao perfeito plágio” se deram os legisladores 
e os chefes de governo e Estado da inaugurada República. 
Até 1930, com a ascensão do “venerável” Vargas, o que vivenciamos foi 
uma conturbada e híbrida forma de governar, onde um regime de governo 
frágil, sustentou presidentes ainda mais instáveis e temerosos de seus 
“domínios”. 
Neste sentido, é substancial o depoimento de Ernest Hambloch que 
tendo editado um livro em 1936, diagnosticou com veemência, um traço 
bastante comum no direito político - constitucional das repúblicas americanas, 
sabidamente as latinas e especialmente a brasileira. 
O que o autor - diplomata britânico - denominou de “autocracia do Chefe 
de Estado”, é resultante de toda uma construção política diversificada em suas 
características e consequências. 
Uma das principais características exploradas por Hambloch, foi o que 
ele próprio denominou de “Letters of marque”, designando a verdadeira 
“Licença de Corso” (pilhagem), que originalmente era concedida aos 
delinquentes marítimos em outras épocas e que pareciam novamente nortear a 
filosofia de domínio de alguns governantes “modernos”. 
Impressionava ao inglês, como os textos constitucionais latino 
americanos - particularmente o brasileiro - era condescendente com os 
detentores do poder e seus assessores. 
A investigação de Hambloch remonta às origens do sistema republicano 
e à criação do regime de governo presidencialista no Brasil, centrando crítica 
no paradigma getulista. 
Ao que ele intitulou de “comunidades sofredoras crônicas de revoltas e 
movimentos revolucionários”, atribuía-lhes como causa precípua, o 
personalismo e excessivo poder do Presidente da República. 
Não bastasse terem os inábeis republicanos - conforme já sustentamos - 
“copiado” (e mal) o arquétipo norte-americano de regime presidencialista de 
governo, acrescentou-se a isso, toda uma cultura de comando pessoal e 
 
27 
 
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centralização funcional, que, conforme - também - já referimos, redundava no 
surgimento dos caudilhos (com razoável esclarecimento ideológico e 
legitimidade eleitoral) e dos coronéis ( que, via de regra, não possuíam maior 
esclarecimento ideológico, mas faziam seus candidatos se elegerem). 
Ernest Hambloch inaugurou todas as análises histórico-sociológicas 
produzidas no Brasil, sobre os males do presidencialismo nacional junto à 
população e as instituições democráticas como um todo. 
Trazendo ao debate toda uma postura tradicionalmente desempenhada 
pelos detentores do poder no Brasil, que inclusive, repercutiria na situação 
econômica e financeira da República (que era a maior preocupação do 
diplomata, que representava os interesses comerciais britânicos no nosso 
país). 
Começa por estabelecer um paralelo entre as “licenças constitucionais” 
e as “licenças de corso” que os governantes imperiais atribuíam aos piratas 
para a pilhagem nos territórios e seus habitantes. 
Em passagens ilustradas, o autor afirma, por exemplo: 
‘‘No Brasil, os homem fortes nem sempre foram populares, e eles 
desprezaram o povo e estavam preocupados apenas, com a formação de 
uma clientela (grifo nosso), afim de permanecerem no poder, e para isso 
aboliram as liberdades públicas (grifo nosso), amordaçaram a imprensa, 
proibiram as reuniões públicas, destruíram a autonomia local, fizeram com que 
toda a vida do país e dos indivíduos, dependesse do poder supremo de que 
estavam investidos. 
Hambloch reconhecia em Vargas, um “homem forte e popular”, visto que 
era inquestionável sua profunda capacidade de cismaticamente - convencer e 
justificar seus atos, nem sempre democráticos. 
Entendemos, inclusive, citar Getúlio Vargas como o principal paradigma, 
pois a obra de Hambloch disserta sobre este governante, que foi o “divisor de 
águas” da história política nacional; muito embora não seja esta a única 
abordagem do investigador social inglês em sua obra. 
 
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A questão do parlamentarismo para Hambloch A obra do cônsul 
britânico, é na verdade um histórico-interpretativo das vantagens auferidas pelo 
Brasil com a adoção do regime parlamentarista de governo - no Império - e as 
desvantagens da posterior adoção do presidencialismo. 
A própria dinâmica do regime parlamentarista - que teoricamente oferece 
várias opções constitucionais à resolução de crises populares - fez com que o 
autor supracitado, abrisse “guerra frontal” ao presidencialismo brasileiro da 
época. 
Principalmente, por considerá-lo - acima de tudo - a assinatura 
(reiteramos o mote da avaliação de Hambloch) de um “cheque em branco”, aos 
governantes; que deixaria o povo, aleatoriamente submisso às idiossincrasias 
de um eventual temperamento - instável - do Presidente da República. 
Este ensaio, intitulado “Sua Majestade o Presidente do Brasil”, investe 
contra o despotismo na América Latina - e especialmente no Brasil - e outras 
variantes de regime autoritário. 
Hambloch, embora britânico - portanto oriundo de uma sociedade que 
ainda hoje adota o regime parlamentarista (monárquico) - defendia para o 
Brasil, a adoção de um parlamentarismo republicano. 
Acedendo aos argumentos de que: o caráter e a vocação republicanos, 
impediam uma restauração monárquica; conjugava o sistema novo, mas 
repudiava o regime adotado, apontando para a solução do parlamentarismo. 
Lembra na obra, que o melhor testemunho da esterilidade do regime 
presidencialista, pode ser encontrado ao longo da história brasileira,repleta de 
revoltas e golpes militares. E esta referência, ele fazia até a década de 30... 
Enfim, o destaque que pretendemos registrar, é o de que se trata de 
investigação - ainda hoje - bastante atual e contextualizava, sobretudo, se 
considerarmos os últimos 65 (sessenta e cinco) anos. 
O resgate desta percepção, então, ao nosso ver, se justifica pela 
amplitude e primazia com que se construiu. 
 
29 
 
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Julgado “antibrasileiro” pelo governo de Vargas, e tendo sido expulso do 
país, o autor pensou e projetou o Brasil, como poucos brasileiros. 
Desconsiderou, é bem verdade, argumentos respeitáveis de escritores 
latino-americanos, que sustentavam, como o brasileiro Oliveira Viana, que: 
racial, temperamental e tradicionalmente, o único governo adequado às 
Repúblicas latino-americanas, seriam alguma forma de “democracia despótica”. 
Ao contrário, Hambloch valorizava a vocação do povo brasileiro para a 
democracia e a organização associativa. 
Jamais reconheceu validade no argumento segundo o qual “o povo não 
está maduro para a democracia”. 
“A palavra caudîllo é difícil de traduzir. O caudillo é o sucessor latino-
americano do velho cacique espanhol. Ele era o patrão político local, porque 
era o homem mais forte, mais inteligente ou mais inescrupuloso da localidade. 
Em Les Démocraties Latines de L ’Amérique, o Senor F. Garcia Calderon, 
refere-se a duas espécies de caudillos: o violento, chefe de bandos armados 
que dominavam a zona rural pelo terror, e o astuto – os rusés - que num 
período posterior, mais desenvolvido, sucederam aos caudillos violentos e 
mantiveram o seu poder, por meio de mentiras, intrigas, subterfúgios e 
corrupção. O ‘regime de caudillos ’, diz o autor peruano, ‘conduz ao governo 
presidencial”; As Constituições estabelecem assembleias, mas apesar dessas 
formas teóricas, a tradição triunfa. Desde a época colonial, a centralização foi a 
forma típica de governo americano. ” 
A propósito, vale lembrar a imprescindível leitura do autor e jurista 
nacional, Raymundo Faoro, quando, tratando desta peculiaridade em sua obra, 
sentencia que o patronato brasileiro, deve ser visto detidamente em sua 
origem, sugerindo para tanto, a reavaliação da centralização colonial. 
Considera as próprias origens e causas da criação dos Governos-Gerais (aos 
quais já fizemos breve alusão). 
 
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Também suscita, que se averigue da gênese dos Municípios, dos 
colonos e dos caudilhos, aproximando-se o estudo de suas participações na 
conquista do território nacional interno. 
A verdade, é que, imerso numa sociedade agrária, o povo brasileiro foi 
forjado como que “bestializado”, organizando-se redutos eleitorais para os 
“donos do poder”. 
Durante muito tempo, se fundiram os sistemas econômico e social, com 
ampla relevância das relações políticas de caráter pessoal. 
Este tipo de estrutura de poder, inibiu a formação de coletividades à 
partir de fins comuns e comportamento solidário. 
Os coronéis e os caudilhos brasileiros 
Ernest Hambloch dedicou capítulo específico em sua obra, para tecer 
considerações sobre a “tradição do Caudilho”. 
Traz sua versão do que seja o caudilho, quando exaustivamente elucida: 
“A palavra caudîllo é difícil de traduzir. O caudillo é o sucessor latino-
americano do velho cacique espanhol. Ele era o patrão político local, porque 
era o homem mais forte, mais inteligente ou mais inescrupuloso da localidade. 
Em Les Démocraties Latines de L ’Amérique, o Senor F. Garcia Calderon, 
refere-se a duas espécies de caudillos: o violento, chefe de bandos armados 
que dominavam a zona rural pelo terror, e o astuto – os rusés - que num 
período posterior, mais desenvolvido, sucederam aos caudillos violentos e 
mantiveram o seu poder, por meio de mentiras, intrigas, subterfúgios e 
corrupção. O ‘regime de caudillos ’, diz o autor peruano, ‘conduz ao governo 
presidencial”; As Constituições estabelecem assembleias, mas apesar dessas 
formas teóricas, a tradição triunfa. Desde a época colonial, a centralização foi a 
forma típica de governo americano. ” 
A propósito, vale lembrar a imprescindível leitura do autor e jurista 
nacional, Raymundo Faoro, quando, tratando desta peculiaridade em sua obra, 
sentencia que o patronato brasileiro, deve ser visto detidamente em sua 
origem, sugerindo para tanto, a reavaliação da centralização colonial. 
 
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31 
Considera as próprias origens e causas da criação dos Governos-Gerais (aos 
quais já fizemos breve alusão). 
Também suscita, que se averigue da gênese dos Municípios, dos 
colonos e dos caudilhos, aproximando-se o estudo de suas participações na 
conquista do território nacional interno. 
A verdade, é que, imerso numa sociedade agrária, o povo brasileiro foi 
forjado como que “bestializado”, organizando-se redutos eleitorais para os 
“donos do poder”. 
Durante muito tempo, se fundiram os sistemas econômico e social, com 
ampla relevância das relações políticas de caráter pessoal. 
Este tipo de estrutura de poder, inibiu a formação de coletividades à 
partir de fins comuns e comportamento solidário. 
Não é de se estranhar a sobrevivência de práticas que remontam ao 
tempo dos antigos coronéis. 
O clássico livro de Victor Nunes Leal, conceitua à certa altura (conforme 
fizera Hambloch em sua obra) o fenômeno em análise, da seguinte maneira: 
“(...) o coronelismo (grifo nosso) é sobretudo um compromisso, uma 
troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e 
a decadente influência social dos chefes locais (grifo nosso), 
notadamente, dos senhores de terras. Não é possível, pois, compreender 
o fenômeno sem referência á nossa estrutura agrária, que fornece a base 
de sustentação das manifestações de poder privado ainda tão visíveis no 
interior do Brasil. ’ 
Desta forma, o escritor nacional começa distinguindo os conceitos de 
“coronel” e “caudilho”, numa investigação bem mais detalhada do que aquela 
promovida por Hambloch. 
Julgou importante o estabelecimento desta diferenciação, em virtude de 
que - não raras vezes - ambos os conceitos vem tratados de forma sinônima na 
doutrina, o que acarreta confusões na abordagem do tema. 
 
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Assim sendo, á seguir verificaremos separadamente, os dois fenômenos 
específicos, que fomentam o genérico e maior fenômeno ainda, que é o 
personalismo, a exacerbação do poder na titularidade do governante estatal, no 
Brasil. 
A figura do coronel 
Etimologicamente, segundo aponta no capítulo primeiro de sua obra, 
Victor Nunes Leal, auxiliado pelo filólogo Basílio de Magalhães, a origem do 
vocábulo “coronelismo”, provém da designação atribuída aos “(...) autênticos ou 
falsos coronéis da extinta Guarda Nacional, criada em 1831.” 
Acrescenta ainda, o historiador e filólogo citado, que se trata de 
denominação fascinante atribuída, quando: “(...) começou logo a ser dado 
pelos sertanejos a todo e qualquer chefe político, a todo e qualquer potentado.” 
Criada para substituir as milícias e ordenanças do período colonial, a 
Guarda Nacional estabeleceu uma hierarquia convincente, onde o detentor da 
patente de “coronel”, correspondia a um comando municipal, ou regional, que 
por sua vez, estava condicionado à influência, importância econômica ou social 
do titular desta patente. Inicialmente, a patente era concedida e correspondia a 
um comando efetivo ou a uma administração e defesa das Instituições. 
Sucede, que, paulatinamente, estas patentes passaram a ser avaliadas em 
moeda, e assim, convertidas em valor econômico... 
Eram outorgadas estas patentes de forma fácil à quem se dispusesse 
pagar o preço estipulado. 
O Poder Público, então, exigia um preço, que em quase nada alterava a 
exigência para a concessão da patente; que continuava sendo o poder 
econômico. 
A “vegetação de caudilhagem” 
Expressão cunhada por Victor Nunes leal em sua célebre obra a“vegetação de caudilhagem” é uma expressão que efetivamente procede, visto 
que, os principais traços do coronelismo, surgem envoltos em dubiedade e 
imprecisão. 
 
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Citando Alberto Torres, o prefaciador da obra, jornalista Barbosa Lima 
Sobrinho, descreve o coronel, como o foco central do comensalismo em torno 
do qual orbitavam “dependentes irresistíveis”. 
Este mesmo coronel, na maioria das vezes, ampliava seus domínios 
territoriais, usurpando propriedades de seus adversários ou dos próprios 
“aliados”. Os chamados “cabras” (que eram os destemidos capangas do 
patrão), pressionavam os proprietários, levando os mesmos à convicção de 
que era melhor alienarem suas terras, do que “vergonhosamente” ter que 
abandoná-las. 
Esta ‘vegetação” (expressão utilizada por Leal) então, era como que 
devastada pela própria matriz mantenedora. 
Mais uma vez, a natureza e índole autofágicas da sociedade brasüeira 
se manifestava claramente no processo histórico. 
O próprio “filhotismo” - fenômeno secundário e decorrente do 
coronelismo - que consistia em se fazer favores a amigos e perseguir-se os 
adversários, ocorria, devido a esta congestão na dinâmica do sistema. 
Vale ainda salientar, que, via de regra, o coronel não dispunha de maior 
esclarecimento político e ideológico, não se constituindo, portanto, na maior de 
suas preocupações, ocupar um cargo público. 
Preocupava-o outrossim, eleger alguém de sua “confiança”. 
Quando porventura se dispusesse a disputar qualquer eleição - e aí 
normalmente ser eleito - assumia a feição marcadamente governista. 
A figura do caudilho 
De outro lado - mas exercendo a mesma função perversa - temos a 
investigar a figura do “caudilho”, que também de complexa configuração, 
demanda maior zelo ainda, em sua caracterização. 
Ambos os fenômenos são próceres negativos e substancialmente 
responsáveis pela reedição do fenômeno moderno, renovado, do “clientelismo”. 
 
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O caudilio encerra outra forma de manifestação do poder autoritário e 
personalista. 
Conforme elucida Mabel Olivier: 
“Com o termo Caudilhismo nos referimos ao regime imperante na maior 
parte da América Espanhola no período que vai dos primeiros anos da 
consolidação definitiva da Independência, em torno de 1820, até 1860, 
quando se concretizaram as aspirações de unificação nacional. 
O Caudilhismo é caracterizado pela divisão do poder entre chefes de 
tendência local: os caudilhos (grifo nosso). ” 
De fato, em que pese a ocorrência marcada deste fenômeno no referido 
período histórico (1820-1860), a verdade é, que, no Brasil houve como que 
uma protelação deste efeito político-institucional, que se converteu mais, num 
problema cultural. Efeito, que se tomou causa... 
Existe, entretanto, razoável divergência de opinião entre os estudiosos 
da categoria em tela, vez que, para uns: 
- o caudilhismo sempre decorrerá de próceres militares “desmobilizados” 
por revoluções havidas (opinião de Olivier); e para outros: 
- sequer haveria compatibilidade conceituai do caudilho com o líder 
focado na caserna (opinião de Hambloch). De qualquer forma, é pertinente a 
discussão, pois embora seja tênue a diferença conceituai, parece de valia para 
a melhor análise da problematização proposta. 
O último autor, deixa explicitada sua posição, quando na obra citada: 
“Sua Majestade o Presidente do Brasil”, assevera: 
“Como o caudilho não existia no Brasil, a não ser no Rio Grande do Sul, 
e o caudilho não é o coronel do interior, espalhado pelo Brasil inteiro, 
sua tradição é estranha à história do Exército.” 
Inobstante, o que interessa para a presente investigação, é destacar 
que, ambas as manifestações contemplavam a essência do poder carismático 
ampliado, negativo; sendo que, esta última forma, compunha-se 
 
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particularmente de acentuado teor paternalista e autoritário sobre aquela outra 
espécie. 
Sobretudo no que diz respeito ao assenhoramento de cargos públicos 
eletivos. 
Ou seja, preocupava-se o caudilho, em além de criar uma submissa 
constelação ao seu redor, também “luzir” seus “instruídos” e dependentes. 
De qualquer forma, ambos os fenômenos tem como tônica, o teor 
alienatório, excludente e despolitizante frente à classe popular. 
Clientelismo e Bloco de Poder 
Versão moderna do coronelismo, o clientelismo desempenha 
significativo papel na (de) formação política do país. 
Este fenômeno brecou qualquer possibilidade de crescimento e 
desenvolvimento da cidadania participativa. 
Sendo o mediador entre o cidadão comum e as instituições, o Poder do 
Estado surge como inacessível e óbice àquelas. 
Mistifica-se, desta forma, a coisa pública, para que se possa à seguir, 
“privatizá-la”. 
Como o clientelismo representa, basicamente, os segmentos mais 
carentes da população, junto ao poder, se inclui como a única alternativa para 
se aproximarem das também “divisas” instâncias do aparelho do Estado. 
O mais grave, entretanto, é que o clientelismo consegue fazer com que 
esses aparelhos sejam a extensão de seu próprio poder. Além de “ganhar a 
confiança” de seu público e sua autoridade adquirir uma “dimensão mítica” (na 
medida em que o líder governante clientelista se firma), desponta como sendo 
o “único capaz” de conseguir aquilo que aparentemente era impossível. 
Os “mais competentes” conseguem se tomar “verdadeiros” líderes. E 
sempre que possível, o líder clientelista dificulta a organização política popular. 
 
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Se trata inquestionavelmente de um sistema “eficiente” de dominação e 
por que não dizer servidão. 
Um sistema que maximiza a eficácia de um Estado paternalista e 
intervencionista. 
Mediante troca de favores e dinheiro, o governante clientelista consegue 
o que o mais correto cidadão não consegue. 
O clientelismo enfim, aparece como irracional, pois transforma o direito 
em favor. 
O indivíduo paga para receber o que lhe pertence. 
Apresenta-se este vício cultural, como uma das maiores dificuldades 
para a implementação no país, de uma mínima democracia social e econômica. 
O clientelismo estabelece um círculo vicioso entre a ineficiência da 
máquina administrativa e a eficiência dele mesmo, em fazer esta funcionar em 
seu favor. Paradoxo cruel... 
A racionalidade de nossa irracionalidade, reside além disso, na 
intrincada rede de relações pessoais, na qual se fim da a nossa “ordem” 
política. 
É isto que nos permite dizer; “Você sabe com quem está falando?” 
É uma espécie de “síndrome de autoridade” que reside na cultura 
mandonista, autoritária e excludente do nosso povo. 
Esta fiasse, inclusive, recorre á diferença, ao passo que deveria recorrer 
à igualdade, à democracia e à participação. 
Quem assim age, objetiva convencer seu interlocutor de que ele não 
está falando com “qualquer um”, um simples indivíduo, “cidadão comum, sujeito 
de direitos e deveres”. Acena com a existência de uma categoria especial de 
cidadania. 
Tudo isso, decorre em última análise, de um outro fenômeno, que 
poderíamos denominar de “espelhamento” (para fugirmos do psicologismo da 
 
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projeção), pelo qual se deforma o comportamento dos líderes e governantes 
autoritários - normalmente impunes - pela repetição popular. 
Isto é, o comportamento delinquente e amoral das lideranças instituídas, 
acaba por alimentar a consciência do “cidadão comum”, num evidente 
expediente de compensação, agindo-se de modo a estringir-se 
autoritariamente as regras de convívio social. 
José Murilo de Carvalho assumiu na obra citada, como mote o 
comportamento corriqueiro do brasileiro (comum e incomum), investigando no 
ensaio, a distinção entre a pessoa e o indivíduo. 
Principia por tentar identificar o agente verbalizado da repugnante frase. 
Caracteriza-o como sendo alguém “pretensamente superior” - já que, 
circunstancialmente o é - seja por que dispõede boa condição financeira, 
porque descende de tradicional elite familiar ou que, de alguma forma, esteja 
vinculado ao establishment. 
Após a década de 30, com a radical mudança havida no sistema de 
poder brasileiro, o coronelismo cede espaço à outra forma de dominação 
oligárquica, mais difusa e generalizada. 
Os referenciais se ampliaram e o “cidadão comum”, historicamente 
aniquilado, perde ainda mais o seu rumo. 
O coronel, é bem verdade, já tratava o trabalhador como um “cliente”, 
mas agora, a cooptação assume novos contornos, pois o cliente já não é mais 
agregado pelo patrão (com o aumento simbólico de seu salário, nem sequer 
pelo atrativo de vantagens demagogicamente acenadas), mas, outrossim, é 
revestida de profunda persuasão psicológica. 
Os métodos do clientelismo moderno, são hoje mais sofisticados, e 
compreenderem a ação de inúmeros “grupos de interesse e pressão”, com 
organização e objetivos em geral autônomos. 
 
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Este tipo de relação política não combina, todavia, com o modo de 
produção capitalista, que visa principalmente: impessoalizar as relações de 
trabalho, para ampliar a concentração do capital. 
À primeira vista, esta circunstância poderia comprometer qualquer tipo 
de analogia do fenômeno do clientelismo com os regimes políticos e 
econômicos adotados pelos governantes brasileiros na história recente. 
Mas o fato é, que, embora o capital repouse sobre princípios 
aparentemente opostos aos fundamentos do clientelismo, ambos sobrevivem e 
se retroalimentam da mesma apatia popular, da compreensão de que: “chora 
mais, quem pode menos...” E aqueles que podem mais, “choram menos”. 
Exemplificando: imaginemos uma empresa que amplia seu setor 
produtivo com aquisição de tecnologia avançada. 
Para aumentar sua acumulação, o capital necessita de desemprego. 
O clientelismo não se ajusta a isso, pois os ameaçados de desemprego 
podem ser “clientes”, cabos eleitorais, amigos de amigos, filhos ou netos de 
chefes de políticos. 
Enfim, com esta dinâmica se reproduz a intrigante rede de relações que 
dificulta á livre ação do capitalismo selvagem. 
Mas como são outros tantos os fatores favorecedores deste sistema de 
vida social, por ora, não aprofundaremos a questão. 
O que parece certo, é que a visão do clientelista aponta como realmente 
importante a manutenção da satisfação do “público alvo”, dos “cidadãos 
passivos”, pois caso contrário, também este líder, perderá prestígio. Com o 
risco daqueles virem a se tomar novos líderes. 
Há, desta forma, uma tensão inequívoca entre a inserção no mundo do 
mercado e a atuação no mundo da política. 
Modernamente, não é o sucesso do empreendimento do patrão – 
enquanto capitalista - que leva o trabalhador a apoiá-lo. 
 
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Segundo sustenta Weffort: 
“De certo modo, o oposto é o verdadeiro: é exatamente em virtude do 
fracasso do patrão enquanto capitalista, que o trabalhador se submete a ele em 
uma relação de dependência.” 
Conclui o sociólogo, que: 
“(..) dada a existência do ^coronelismo* com o burocratismo e o 
corporativismo estatal, também não se deve ao seu êxito, e sim ao 
fracasso enquanto capitalista, o fato de ‘o patrão* manter um 
relacionamento simbiótico com partes do aparelho estatal.” 
Seja assim, qualquer forma que for de subjugação popular - assuma ela 
a nomenclatura que seja - estará, via de regra, associada à uma profunda 
ingerência no espaço público do poder. 
O público que é privatizado pela “pessoa” do governante... 
 
O rito do “Você sabe com quem está falando? 
O titular deste discurso - conforme já referimos - imagina a si mesmo, 
como sendo um inexpugnável portador de credenciais e atributos, capazes de 
fazer seu “semelhante” recuar; convicto da existência de uma hierarquia entre 
ambos. 
A dimensão persuasiva do raciocínio e da fala, é acrescida de uma 
dimensão impositiva, ameaçadora e excludente. 
O indivíduo, entretanto, em sua nudação, não tem como convencer o 
interlocutor, sobre sua superioridade, a não ser pela força. Daí porque, na 
ordem do discurso, ele se traja e se mostra como “outro”. 
O livro de Roberto Da Matta, que melhor ilustra esta circunstância, e a 
trata com singular clareza, foi editado em 1990; e tem como tema central o que 
ele denominou o “dilema brasileiro”, isto é, a situação embaraçosa, 
problemática, que reúne os aspectos profundamente autoritários, 
 
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hierarquizados e opressores da sociedade brasileira e seus correlatos 
personagens. 
Destacando a mítica figura dos “heróis” brasileiros e outros tipos, o 
cientista e autor da importante obra, obtêm ao final do trabalho, um amplo 
leque de informações, que em muito auxilia no desvendamento do estigma de 
uma sociedade, ainda hoje, ansiosa por um convívio social harmônico; mais 
justo, democrático e menos conflitivo. 
A história política de nosso país - conforme já destacamos em diversas 
passagens do presente texto - retrata maus exemplos de liderança 
governamental. O enfoque de todos os ritos e personagens, que de alguma 
forma contribuíram para o acabamento da formação social brasileira, é de 
variado espectro. Mesmo assim o autor supra referido com exímia concisão, 
compila os principais modelos e situações. 
A síndrome da autoridade é assim, retratada no livro; “Carnavais, 
Malandros e Heróis”, de forma bastante crítica e científica. 
Segundo Da Matta: 
“O mito e o ritual, seriam, deste modo, dramatizações ou maneiras 
cruciais de chamar a atenção para certos aspectos da realidade social. facetas 
que, normalmente, estão submersas pelas rotinas, interesses e 
complicações do quotidiano. 
Compreende, que ambas as figuras são excepcionais e relativas a um 
universo supra quotidiano, funcionando como uma “válvula de escape” para 
justificar toda uma realidade existente. 
Talvez o ponto de contato mais marcante entre estas duas 
configurações (mito e ritual), seja a circunstância de que, via de regra, 
descrevem ambas, momentos individualizados, tendentes a criar o que Da 
Matta resolveu chamar de “momento coletivo”. 
E o que pode parecer contraditório, na verdade representa uma maior 
disposição de ainda fazer dar lugar ao individual e o regional, pelo coletivo e 
nacional. 
 
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Contudo, esta árdua e grandiosa tarefa, será - aos olhos do povo e da 
mídia que incita esta cultura - “conduzida” e atribuída à “um líder 
extraordinário”, que, independentemente de suas privilegiadas capacidades de 
direção, será normalmente reconhecido como tal. 
O que pretendemos afirmar, enfim, é que estas duas configurações 
anômalas - mas correntes - efetivamente mantêm pontos de convergência, e 
mais, podem até representar duas faces de uma mesma moeda. 
Ambas, contribuem para a (de) formação de uma cidadania incipiente e 
débil, pois que, são sem dúvida, vícios culturais. 
O culto e todo 0 rito que envolve determinada personalidade, 
determinada liderança, serviria como suporte à “conservação das mudanças”, 
que por sua vez, implicaria em permanência. 
À propósito, escreveu brilhante artigo na imprensa gaúcha, o historiador 
Décio Freitas, quando caracterizando as elites brasileiras, simbolizou-as na 
figura mitológica de Proteu. 
Figura que, como se sabe, remoçava pela autometamorfose a que se 
submetia; iludindo assim, todo o povo que a sufragara e admirava. 
São lapidares determinadas passagens quando, por exemplo, afirma o 
historiador; 
“Em cada crise histórica, as elites políticas realizaram essas arriscadas e 
delicadas operações de transição, com maestria e tirocínio incomparáveis.” 
Mais adiante, recrudesce na linguagem, quando sentencia: 
“(...) o ponto consiste no seguinte: as apropriações efetuadas com estas 
transfigurações políticas e institucionais, sempre foram limitadas, 
apresentando saldo mesquinhamente modernizador (...).” 
Afirma que se trata de um tipo especial de “mudança”.42 
 
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Mesmo que o povo não participe mais direta e ativamente do processo 
de deliberação e usufruirão do poder, estará sendo transformado como objeto, 
não como sujeito. 
Textualmente, afirma; 
“O novo absorve o velho isto é, supera-o e, ao mesmo tempo conserva-
o. A mudança implica em permanência. O novo sistema, em 
lugar de eliminar o antigo, incorpora-o em larga medida; perpetua a ordem 
antiga no momento em que parece negá-la.” 
Descreve ainda, o historiador, a espécie de “mudança”, que tem feito 
produzir a elite governamental brasileira: que à um só tempo, seriam 
modernizadoras e retardatárias. 
Modernizadoras por serem novas - atendendo de alguma forma e 
medida a demanda social - e retardatárias, porque logo à seguir, seriam 
comprovadamente insuficientes e extemporâneas. Plasticamente considerados, 
os governos recentes da República brasileira, representariam uma feição 
atualizada, condizente às necessidades populares. 
Todavia, se formos analisar o verdadeiro perfil destes “condutores” 
populares, iremos nos defrontar com faces arcaicas, com uma linguagem tosca 
e inconfundível. 
Reprodutores - em sua grande maioria - do mandonismo (amplo sentido) 
e do automorfismo demagógico, que ora atende e ora desatende. 
Uma fala, um estilo de administrar e “fazer política” especializadamente; 
decorrente de todo um aprendizado cultural, histórica e tradicionalmente 
excludente e privilegiado. 
Através de todo um cerimonial (sentido amplo), são criados novos 
regimes políticos”, tendo à frente o “novo líder”, que carismaticamente, 
messianicamente, recria uma totalidade sob sua proteção; mas que muito mais, 
serve para protegê-lo. Conforme elucida Da Matta: “O ritual e, entre outras 
coisas, um instrumento privilegiado para expressar e enfeixar totalidades.” 
 
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PARTE 3 
A EXPANSÃO FINAL DOS DIREITOS POLÍTICOS 
A Nova República começou em clima de otimismo, embalada pelo 
entusiasmo das grandes demonstrações cívicas em favor das eleições diretas. 
O otimismo prosseguiu na eleição de 1986 para formar a Assembleia Nacional 
Constituinte, a quarta da República. A Constituinte trabalhou mais de um ano 
na redação da Constituição, fazendo amplas consultas a especialistas e 
setores organizados e representativos da sociedade. Finalmente, foi 
promulgada a Constituição em 1988, um longo e minucioso documento em que 
a garantia dos direitos do cidadão era preocupação central. 
A Constituição de 1988 eliminou o grande obstáculo ainda existente à 
universalidade do voto, tornando-o facultativo aos analfabetos. Embora o 
número de analfabetos se tivesse reduzido, ainda havia em 1990 cerca de 30 
milhões de brasileiros de cinco anos de idade ou mais que eram analfabetos. 
Em 1998, 8% dos eleitores eram analfabetos. A medida significou, então, 
ampliação importante da franquia eleitoral e pôs fim a uma discriminação 
injustificável. 
A Constituição foi também liberal no critério de idade. A idade anterior 
para a aquisição do direito do voto, 18 anos, foi abaixada para 16, que é a 
idade mínima para a aquisição de capacidade civil relativa. Entre 16 e 18 anos, 
o exercício do direito do voto tornou-se facultativo, sendo obrigatório a partir 
dos 18. A única restrição que permaneceu foi a proibição do voto aos 
conscritos. Embora também injustificada, a proibição atinge parcela pequena 
da população e apenas durante período curto da vida. Na eleição presidencial 
de 1989, votaram 72,2 milhões de eleitores; na de 1994, 77,9 milhões; na 
última eleição, em 1998, 83,4 milhões, correspondentes a 51 % da população, 
porcentagem jamais alcançada antes e comparável, até com vantagem, à de 
qualquer país democrático moderno. Em 1998, o eleitorado inscrito era de 106 
milhões, ou seja, 66% da população. 
 
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44 
Também em outros aspectos a legislação posterior a 1985 foi liberal. Ao 
passo que o regime militar colocava obstáculos à organização e funcionamento 
dos partidos políticos, a legislação vigente é muito pouco restritiva. O Tribunal 
Superior Eleitoral aceita registro provisório de partidos com a assinatura de 
apenas 30 pessoas. O registro provisório permite que o partido concorra às 
eleições e tenha acesso gratuito à televisão. Foi também extinta a exigência de 
fidelidade partidária, isto é, o deputado ou senador não é mais obrigado a 
permanecer no partido sob pena de perder o mandato. Senadores, deputados, 
vereadores, bem como governadores e prefeitos, trocam impunemente de 
partido. Em consequência, cresceu muito o número de partidos. Em 1979, 
existiam dois partidos em funcionamento; em 1982, havia cinco; em 1986, 
houve um salto para 29, estando hoje o número em torno de 30. Muitos desses 
partidos são minúsculos e têm pouca representatividade. De um excesso de 
restrição passou-se a grande liberalidade. 
Do ponto de vista do arranjo institucional, o problema mais sério que 
ainda persiste talvez seja o da distorção regional da representação 
parlamentar. O princípio de "uma pessoa, um voto" é amplamente violado pela 
legislação brasileira quando ela estabelece um piso de oito e tun. teto de 70 
deputados. Os estados do Norte, Centro-Oeste e Nordeste são sobre 
representados na Câmara, enquanto que os do Sul e 
 proporcional à população daria aos estados do Sul e Sudeste mais cerca de 
70 deputados no total de 513. Em 1994, o voto de um eleitor de Roraima valia 
16 vezes o de um eleitor paulista. O desequilíbrio na representação é reforçado 
pelo fato de que todos os estados elegem o mesmo número de senadores. 
Como favorece estados de população mais rural e menos educada, a sobre 
representação, além de falsear o sistema, tem sobre o Congresso um efeito 
conservador que se manifesta na postura da instituição. Trata-se de um vício 
de nosso federalismo, e difícil de extirpar, uma vez que qualquer mudança 
deve ser aprovada pelos mesmos deputados que se beneficiam do sistema. 
Outros temas permanecem na pauta da reforma política. Tramitam no 
Congresso projetos para alterar o sistema eleitoral, reduzir o número de 
partidos e reforçar a fidelidade partidária. O projeto mais importante é o que 
 
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propõe a introdução de um sistema eleitoral que combine o critério proporcional 
em vigor com o majoritário, segundo o modelo alemão. A ideia é aproximar 
mais os representantes de seus eleitores e reforçar a disciplina partidária. São 
também numerosos os partidários da introdução do sistema parlamentar de 
governo. Tais reformas são polêmicas sobretudo por causa da dificuldade em 
prever o impacto que podem ter. 
No que se refere à prática democrática, houve frustrações, mas também 
claros avanços. Um dos avanços tem a ver com o surgimento do Movimento 
dos Sem Terra (MST). De alcance nacional, o MST representa a incorporação 
à vida política de parcela importante da população, tradicionalmente excluída 
pela força do latifúndio. Milhares de trabalhadores rurais se organizaram e 
pressionam o governo em busca de terra para cultivar e financiamento de 
safras. Seus métodos, a invasão de terras públicas ou não cultivadas, 
tangenciam a ilegalidade, mas, tendo em vista a opressão secular de que 
foram vítimas e a extrema lentidão dos governos em resolver o problema 
agrário, podem ser considerados legítimos. O MST é o melhor exemplo de um 
grupo que, utilizando-se do direito de organização, força sua entrada na arena 
política, contribuindo assim para a democratização do sistema. 
Houve frustração com os governantes posteriores à democratização. A 
partir do terceiro ano do governo Sarney, o desencanto começou a crescer, 
pois ficara claro que a democratização não resolveria automaticamente os 
problemas do dia-a-dia que mais afligiam o grosso da população. As velhas 
práticas políticas, incluindo a corrupção, estavam todas de volta. Os políticos, 
os partidos, o Legislativo voltaram atransmitir a imagem de incapazes, quando 
não de corruptos e voltados unicamente para seus próprios interesses. 
Seguindo velha tradição nacional de esperar que a solução dos 
problemas venha de figuras messiânicas, as expectativas populares se 
dirigiram para um dos candidatos à eleição presidencial de 1989 que exibia 
essa característica. Fernando Collor, embora vinculado às elites políticas mais 
tradicionais do país, apresentou-se como um messias salvador desvinculado 
dos vícios dos velhos políticos. Baseou sua campanha no combate aos 
 
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políticos tradicionais e à corrupção do governo. Representou o papel de um 
campeão da moralidade e da renovação da política nacional. O uso eficiente da 
televisão foi um de seus pontos fortes. Em um país com tantos analfabetos e 
semianalfabetos, a televisão se tornou o meio mais poderoso de propaganda. 
Fernando Collor venceu o primeiro turno das eleições, derrotando políticos 
experimentados e de passado inatacável, como o líder do PMDB, misses 
Guimarães, e o líder do PSDB, Mário Covas. No segundo turno, derrotou o 
candidato do PT, o também carismático Luís Inácio Lula da Silva. 
As eleições diretas, aguardadas como salvação nacional, resultaram na 
escolha de um presidente despreparado, autoritário, messiânico e sem apoio 
político no Congresso. 
Fernando Collor concorreu por um partido, o PRN, sem nenhuma 
representatividade, criado que fora para apoiar sua candidatura. Mesmo depois 
da posse do novo presidente, esse partido tinha 5% das cadeiras na Câmara 
dos Deputados. Era, portanto, incapaz de dar qualquer sustentação política ao 
presidente. A vitória nas umas ficou desde o início comprometida pela falta de 
condições de governabilidade. O problema era agravado pela personalidade 
arrogante e megalomaníaca do candidato eleito. Os observadores mais 
perspicazes adivinharam logo as dificuldades que necessariamente surgiriam. 
Embalado pela legitimidade do mandato popular, o presidente adotou de início 
medidas radicais e ambiciosas para acabar com a inflação, reduzir o número 
de funcionários públicos, vender empresas estatais, abrir a economia ao 
mercado externo. Mas logo se fizeram sentir as dificuldades decorrentes da 
falta de apoio parlamentar e da falta de vontade e capacidade do presidente de 
negociar esse apoio. Paralelamente, foram surgindo sinais de corrupção 
praticada por pessoas próximas ao presidente. Os sinais tornaram-se certeza 
quando o próprio irmão o denunciou publicamente. Descobriu-se, então, que 
fora montado pelo tesoureiro da campanha presidencial, amigo íntimo do 
presidente, o esquema mais ambicioso de corrupção jamais visto nos altos 
escalões do governo. Por meio de chantagens, da venda de favores 
governamentais, de barganhas políticas, milhões de dólares foram extorquidos 
 
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de empresários para financiar campanhas, sustentar a família do presidente e 
enriquecer o pequeno grupo de seus amigos. 
Humilhada e ofendida, a população que fora às ruas oito anos antes 
para pedir as eleições diretas repetiu a jornada para pedir o impedimento do 
primeiro presidente eleito pelo voto direto. A campanha espalhou-se pelo país e 
mobilizou principalmente a juventude das grandes cidades. Pressionado pelo 
grito das ruas, o Congresso abriu o processo de impedimento que resultou no 
afastamento do presidente, dois anos e meio depois da posse, e em sua 
substituição pelo vice-presidente, Itamar Franco. O impedimento foi sem dúvida 
uma vitória cívica importante. Na história do Brasil e da América Latina, a regra 
para afastar presidentes indesejados tem sido revoluções e golpes de Estado. 
No sistema presidencialista que nos serviu de modelo, o dos Estados Unidos, o 
método foi muitas vezes o assassinato. Com exceção do Panamá, nenhum 
outro país presidencialista da América tinha levado antes até o fim um 
processo de impedimento. O fato de ele ter sido completado dentro da lei foi 
um avanço na prática democrática. Deu aos cidadãos a sensação inédita de 
que podiam exercer algum controle sobre os governantes. Avanço também 
foram as duas eleições presidenciais seguintes, feitas em clima de 
normalidade. Na primeira, em 1994, foi eleito em primeiro turno o sociólogo 
Fernando Henrique Cardoso. Durante seu mandato, o Congresso, sob intensa 
pressão do Executivo, aprovou a reeleição, que veio a beneficiar o presidente 
na eleição de 1998, ganha por ele também no primeiro turno. 
DIREITOS SOCIAIS SOB AMEAÇA 
A Constituição de 1988 ampliou também, mais do que qualquer de seus 
antecedentes, os direitos sociais. Fixou em um salário mínimo o limite inferior 
para as aposentadorias e pensões e ordenou o pagamento de pensão de um 
salário mínimo a todos os deficientes físicos e a todos os maiores de 65 anos, 
independentemente de terem contribuído para a previdência. Introduziu ainda a 
licença-paternidade, que dá aos país cinco dias de licença do trabalho por 
ocasião do nascimento dos filhos. 
 
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A prática aqui também teve altos e baixos. Indicadores básicos de 
qualidade de vida passaram por lenta melhoria. Assim, por exemplo, a 
mortalidade infantil caiu de 73 por mil crianças nascidas vivas em 1980 para 
39,4 em 1999. A esperança de vida ao nascer passou de 60 anos em 1980 
para 67 em 1999. O progresso mais importante se deu na área da educação 
fundamental, que é fator decisivo para a cidadania. O analfabetismo da 
população de 15 anos ou mais caiu de 25,40/0 em 1980 para 14,7% em 1996. 
A escolarização da população de sete a 14 anos subiu de 80% em 1980 para 
97% em 2000. O progresso se deu, no entanto, a partir de um piso muito baixo 
e refere-se sobretudo ao número de estudantes matriculados. O índice de 
repetência ainda é muito alto. Ainda são necessários mais de dez anos para se 
completarem os oito anos do ensino fundamental. Em 1997, 32% da população 
de 15 anos ou mais era ainda formada de analfabetos funcionais, isto é, que 
tinham menos de quatro anos de escolaridade. 
No campo da previdência social, a situação é mais complexa. De 
positivo houve a elevação da aposentadoria dos trabalhadores rurais para o 
piso de um salário mínimo. Foi também positiva a introdução da renda mensal 
vitalícia para idosos e deficientes, mas sua implementação tem sido muito 
restrita. O principal problema está nos benefícios previdenciários, sobretudo 
nos valores das aposentadorias. A necessidade de reduzir o déficit nessa área 
foi usada para justificar reformas no sistema que atingem negativamente 
sobretudo o funcionalismo público. Foi revogado o critério de tempo de serviço, 
que permitia aposentadorias muito precoces, substituído por uma combinação 
de tempo de contribuição com idade mínima. Foram também eliminados os 
regimes especiais que permitiam aposentadorias com menor tempo de 
contribuição. 
O problema do déficit ainda persiste, e, diante das pressões no sentido de 
reduzir o custo do Estado, pode-se esperar que propostas mais radicais como 
a da privatização do sistema previdenciário voltem ao debate. 
Mas as maiores dificuldades na área social têm a ver com a persistência 
das grandes desigualdades sociais que caracterizam o país desde a 
independência, para não mencionar o período colonial. O Brasil é hoje o oitavo 
 
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país do mundo em termos de produto interno bruto. No entanto, em termos de 
renda per capita, é o 34°. Segundo relatório do Banco Mundial, era o país mais 
desigual do mundo em 1989, medida a desigualdade pelo índice de Gini. Em 
1997, o índice permanecia inalterado (0,6). Pior ainda, segundo dados do 
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a desigualdade econômica 
cresceu ligeiramente entre 1990 e 1998. Na primeira data, os 50% mais pobres 
detinham 12,7% da renda nacional; na segunda, 11,2%. De outro lado, os 20% 
mais ricos tiveram sua parcela da renda aumentada de 62,8%para 63,8% no 
mesmo período. 
A desigualdade é sobretudo de natureza regional e racial. Em 1997, a 
taxa de analfabetismo no Sudeste era de 8,6%; no Nordeste, de 29,40/0. O 
analfabetismo funcional no Sudeste era de 24,5%; no Nordeste era de 50%, e 
no Nordeste rural, de 72%; a mortalidade infantil era de 25% no Sudeste em 
1997, de 59% no Nordeste, e assim por diante. O mesmo se dá em relação à 
cor. O analfabetismo em 1997 era de 9,0% entre os brancos e de 22% entre 
negros e pardos; os brancos tinham 6,3 anos de escolaridade; os negros e 
pardos, 4,3; entre os brancos, 33,6% ganhavam até um salário mínimo; entre 
os negros, 58% estavam nessa situação, e 61,5 % entre os pardos; a renda 
média dos brancos era de 4,9 salários mínimos; a dos negros, 2,4, e a dos 
pardos, 2,2. Esses exemplos poderiam ser multiplicados sem dificuldade. 
A escandalosa desigualdade que concentra nas mãos de poucos a 
riqueza nacional tem como consequência níveis dolorosos de pobreza e 
miséria. Tomando-se a renda de 70 dólares - que a Organização Mundial da 
Saúde (OMS) considera ser o mínimo necessário para a sobrevivência - como 
a linha divisória da pobreza, o Brasil tinha, em 1997, 54% de pobres. A 
porcentagem correspondia a 85 milhões de pessoas, numa população total de 
160 milhões. No Nordeste, a porcentagem subia para 80%. A persistência da 
desigualdade é apenas em parte explicada pelo baixo crescimento econômico 
do país nos últimos 20 anos. Mesmo durante o período de alto crescimento da 
década de 70 ela não se reduziu. Crescendo ou não, o país permanece 
desigual. O efeito positivo sobre a distribuição de renda trazido pelo fim da 
inflação alta teve efeito passageiro. A crise cambial de 1999 e a consequente 
 
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redução do índice de crescimento econômico eliminaram vantagens consegui 
das no início. 
DIREITOS CIVIS RETARDATÁRIOS 
Os direitos civis estabelecidos antes do regime militar foram recuperados 
após 1985. Entre eles cabe salientar a liberdade de expressão, de imprensa e 
de organização. A Constituição de 1988 ainda inovou criando o direito de 
habeas data, em virtude do qual qualquer pessoa pode exigir do governo 
acesso às informações existentes sobre ela nos registros públicos, mesmo as 
de caráter confidencial. Criou ainda o "mandado de injunção", pelo qual se 
pode recorrer à justiça para exigir o cumprimento de dispositivos 
constitucionais ainda não regulamentados. Definiu também o racismo como 
crime inafiançável e imprescritível e a tortura como crime inafiançável e não-
anistiável. Uma lei ordinária de 1989 definiu os crimes resultantes de 
preconceito de cor ou raça. A Constituição ordenou também que o Estado 
protegesse o consumidor, dispositivo que foi regulamentado na Lei de Defesa 
do Consumidor, de 1990. Fora do âmbito constitucional, foi criado em 1996 o 
Programa Nacional dos Direitos Humanos, que prevê várias medidas práticas 
destinadas a proteger esses direitos. Cabe ainda mencionar como relevante a 
criação dos juizados Especiais de Pequenas Causas Cíveis e Criminais, em 
1995. Esses juizados pretendem simplificar, agilizar e baratear a prestação de 
justiça em causas cíveis de pequena complexidade e em infrações penais 
menores. Essas inovações legais e institucionais foram importantes, e algumas 
já dão resultado. Os juizados, por exemplo, têm tido algum efeito em tornar a 
justiça mais acessível. No entanto, pode-se dizer que, dos direitos que 
compõem a cidadania, no Brasil são ainda os civis que apresentam as maiores 
deficiências em termos de seu conhecimento, extensão e garantias. 
A precariedade do conhecimento dos direitos civis, e também dos 
políticos e sociais, é demonstrada por pesquisa feita na região metropolitana do 
Rio de Janeiro em 1997. A pesquisa mostrou que 57% dos pesquisados não 
sabiam mencionar um só direito e só 12% mencionaram algum direito civil. 
Quase a metade achava que era legal a prisão por simples suspeita. A 
pesquisa mostrou que o fator mais importante no que se refere ao 
 
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conhecimento dos direitos é a educação. O desconhecimento dos direitos caía 
de 64% entre os entrevistados que tinham até a 4a série para 30% entre os 
que tinham o terceiro grau, mesmo que incompleto. Os dados revelam ainda 
que educação é o fator que mais bem explica o comportamento das pessoas 
no que se refere ao exercício dos direitos civis e políticos. Os mais educados 
se filiam mais a sindicatos, a órgãos de classe, a partidos políticos. 
A falta de garantia dos direitos civis pode ser medida por pesquisas 
feitas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes ao 
ano de 1988. Segundo o IBGE, nesse ano 4,7 milhões de pessoas de 18 anos 
ou mais envolveram-se em conflitos. Dessas, apenas 62% recorreram à justiça 
para resolvê-los. A maioria preferiu não fazer nada ou tentou resolvê-los por 
conta própria. Especificando-se o conflito e as razões da falta de recurso à 
justiça, os dados são ainda mais reveladores. Assim, nos conflitos referentes a 
roubo e furto, entre os motivos alegados para não recorrer à justiça, três tinham 
diretamente a ver com a precariedade das garantias legais: 28% alegaram não 
acreditar na justiça, 4% temiam represálias, 9% não queria~ envolvimento com 
a polícia. Ao todo, 41 % das pessoas não recorreram por não crer na justiça ou 
por temê-la. Os dados referentes aos conflitos que envolviam agressão física 
revelam que 45% não recorreram à justiça pelas mesmas razões. É importante 
notar que também nessa pesquisa o grau de escolaridade tem grande 
importância. Entre as pessoas sem instrução ou com menos de um ano de 
instrução, foram 74% as que não recorreram. A porcentagem cai para 57% 
entre as pessoas com 12 ou mais anos de instrução. A pesquisa na região 
metropolitana do Rio de Janeiro, já mencionada, mostra que a situação não se 
alterou nos últimos dez anos. Os resultados mostram que só 20% das pessoas 
que sofrem alguma violação de seus direitos - furto, roubo, agressão etc. - 
recorrem à polícia para dar queixa. Os outros 80% não o fazem por temor da 
polícia ou por não acreditarem nos resultados. 
A falta de garantia dos direitos civis se verifica sobretudo no que se 
refere à segurança individual, à integridade física, ao acesso à justiça. O rápido 
crescimento das cidades transformou o Brasil em país predominantemente 
urbano em poucos anos. Em 1960, a população rural ainda superava a urbana. 
 
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Em 2000, 81% da população já era urbana. Junto com a urbanização, surgiram 
as grandes metrópoles. Nelas, a combinação de desemprego, trabalho informal 
e tráfico de drogas criou um campo fértil para a proliferação da violência, 
sobretudo na forma de homicídios dolosos. Os índices de homicídio têm 
crescido sistematicamente. Na América Latina o Brasil só perde para a 
Colômbia, país em guerra civil. 
A taxa nacional de homicídios por 100 mil habitantes passou de 13 em 
1980 para 23 em 1995, quando é de 8,2 nos Estados Unidos. Nas capitais e 
outras grandes cidades, ela é muito mais alta: 56 no Rio de Janeiro, 59 em São 
Paulo, 70 em Vitória. Roubos, assaltos, balas perdidas, sequestros, 
assassinatos, massacres passaram a fazer parte do cotidiano das grandes 
cidades, trazendo a sensação de insegurança à população, sobretudo nas 
favelas e bairros pobres. O problema é agravado pela inadequação dos órgãos 
encarregados da segurança pública para o cumprimento de sua função. As 
polícias militares estaduais cresceram durante a Primeira República, com a 
implantação do federalismo. Os grandes estados, como São Paulo, Minas 
Gerais, Rio Grande do Sul, fizeram delas pequenos exércitos locais, 
instrumentos de poder na disputa pela presidência da República. 
Uma das exigências do Exército após 1930 foi estabelecer o controle 
sobre as polícias militares. No Estado Novo, elas foram postas sob a jurisdição 
do Ministério da Guerra(como era então chamado o Ministério do Exército), 
que lhes vetou o uso de armamento pesado. A Constituição democrática de 
1946 manteve parte do controle, declarando as polícias estaduais forças 
auxiliares e reservas do Exército. Durante o governo militar, as polícias 
militares foram postas sob o comando de oficiais do Exército e completou-se o 
processo de militarização de seu treinamento. Elas tinham seus órgãos de 
inteligência e repressão política que atuavam em conjunto com os seus 
correspondentes nas forças armadas. 
A Constituição de 1988 apenas tirou do Exército o controle direto das 
polícias militares, transferindo-o para os governadores dos estados. Elas 
permaneceram como forças auxiliares e reservas do Exército e mantiveram as 
 
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características militares. Tornaram-se novamente pequenos exércitos que às 
vezes escapam ao controle dos governadores. Essa organização militarizada 
tem-se revelado inadequada para garantir a segurança dos cidadãos. O 
soldado da polícia é treinado dentro do espírito militar e com métodos militares. 
Ele é preparado para combater e destruir inimigos e não para proteger 
cidadãos. Ele é aquartelado, responde a seus superiores hierárquicos, não 
convive com os cidadãos que deve proteger, não os conhece, não se vê como 
garantidor de seus direitos. Nem no combate ao crime as polícias militares têm-
se revelado eficientes. Pelo contrário, nas grandes cidades e mesmo em certos 
estados da federação, policiais militares e civis têm-se envolvido com 
criminosos e participado de um número crescente de crimes. Os que são 
expulsos da corporação se tornam criminosos potenciais, organizam grupos de 
extermínio e participam de quadrilhas. Mesmo a polícia civil, que não tem 
treinamento militarizado, se vem mostrando incapaz de agir dentro das normas 
de uma sociedade democrática. 
Continuam a surgir denúncias de prática de tortura de suspeitos dentro 
das delegacias, apesar das promessas de mudança feitas pelos governos 
estaduais. São também abundantes as denúncias de extorsão, corrupção, 
abuso de autoridade feitas contra policiais civis. Alguns casos de violência 
policial ficaram tristemente célebres no país, com repercussão constrangedora 
no exterior. 
Em 1992, a polícia militar paulista invadiu a Casa de Detenção do 
Carandiru para interromper um conflito e matou 111 presos. Em 1992, policiais 
mascarados massacraram 21 pessoas em Vigário Geral, no Rio de Janeiro. Em 
1996, em pleno Centro do Rio de Janeiro, em frente à Igreja da Candelária, 
sete menores que dormiam na rua foram fuzilados por policiais militares. No 
mesmo ano, em Eldorado do Carajás, policiais militares do Pará atiraram 
contra trabalhadores sem-terra, matando 19 deles. Exceto pelo massacre da 
Candelária, os culpados dos outros crimes não foram até hoje condenados. No 
caso de Eldorado do Carajás, o primeiro julgamento absolveu os policiais. 
Posteriormente anulado, ainda não houve segundo julgamento. A população ou 
teme o policial, ou não lhe tem confiança. Nos grandes centros, as empresas e 
 
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a classe alta cercam-se de milhares de guardas particulares para fazer o 
trabalho da polícia, fora do controle do poder público. A alta classe média 
entrincheira-se em condomínios protegidos por muros e guaritas. As favelas, 
com menos recursos, ficam à mercê de quadrilhas organizadas que, por ironia, 
se encarregam da única segurança disponível. Quando a polícia aparece na 
favela é para trocar tiros com as quadrilhas, invadir casas e eventualmente ferir 
ou matar inocentes. 
O Judiciário também não cumpre seu papel. O acesso à justiça é 
limitado a pequena parcela da população. A maioria ou desconhece seus 
direitos, ou, se os conhece, não tem condições de os fazer valer. Os poucos 
que dão queixa à polícia têm que enfrentar depois os custos e a demora do 
processo judicial. Os custos dos serviços de um bom advogado estão além da 
capacidade da grande maioria da população. Apesar de ser dever 
constitucional do Estado prestar assistência jurídica gratuita aos pobres, os 
defensores públicos são em número insuficiente para atender à demanda. 
Uma vez instaurado o processo, há o problema da demora. Os tribunais 
estão sempre sobrecarregados de processos, tanto nas varas cíveis como nas 
criminais. Uma causa leva anos para ser decidida. O único setor do Judiciário 
que funciona um pouco melhor é o da justiça do trabalho. No entanto, essa 
justiça só funciona para os trabalhadores do mercado formal, possuidores de 
carteira de trabalho. Os outros, que são cada vez mais numerosos, ficam 
excluídos. Entende-se, então, a descrença da população na justiça e o 
sentimento de que ela funciona apenas para os ricos, ou antes, de que ela não 
funciona, pois os ricos não são punidos e os pobres não são protegidos. 
A parcela da população que pode contar com a proteção da lei é 
pequena, mesmo nos grandes centros. Do ponto de vista da garantia dos 
direitos civis, os cidadãos brasileiros podem ser divididos em classes. Há os de 
primeira classe, os privilegiados, os "doutores", que estão acima da lei, que 
sempre conseguem defender seus interesses pelo poder do dinheiro e do 
prestígio social. Os "doutores" são invariavelmente brancos, ricos, bem 
vestidos, com formação universitária. São empresários, banqueiros, grandes 
 
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proprietários rurais e urbanos, políticos, profissionais liberais, altos 
funcionários. 
Frequentemente, mantêm vínculos importantes nos negócios, no 
governo, no próprio Judiciário. Esses vínculos permitem que a lei só funcione 
em seu benefício. Em um cálculo aproximado, poderiam ser considerados 
"doutores" os 8% das famílias que, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra 
de Domicílios (PNAD) de 1996, recebiam mais de 20 salários mínimos. Para 
eles, as leis ou não existem ou podem ser dobradas. Ao lado dessa elite 
privilegiada, existe uma grande massa de "cidadãos simples", de segunda 
classe, que estão sujeitos aos rigores e benefícios da lei. São a classe média 
modesta, os trabalhadores assalariados com carteira de trabalho assinada, os 
pequenos funcionários, os pequenos proprietários urbanos e rurais. Podem ser 
brancos, pardos ou negros, têm educação fundamental completa e o segundo 
grau, em parte ou todo. 
Essas pessoas nem sempre têm noção exata de seus direitos, e quando 
a têm carecem dos meios necessários para os fazer valer, como o acesso aos 
órgãos e autoridades competentes, e os recursos para custear demandas 
judiciais. Frequentemente, ficam à mercê da polícia e de outros agentes da lei 
que definem na prática que direitos serão ou não respeitados. Os "cidadãos 
simples" poderiam ser localizados nos 63% das famílias que recebem entre 
acima de dois a 20 salários mínimos. Para eles, existem os códigos civil e 
penal, mas aplicados de maneira parcial e incerta. 
Finalmente, há os "elementos" do jargão policial, cidadãos de terceira 
classe. São a grande população marginal das grandes cidades, trabalhadores 
urbanos e rurais sem carteira assinada, posseiros, empregadas domésticas, 
biscateiros, camelôs, menores abandonados, mendigos. São quase 
invariavelmente pardos ou negros, analfabetos, ou com educação fundamental 
incompleta. Esses "elementos" são parte da comunidade política nacional 
apenas nominalmente. Na prática, ignoram seus direitos civis ou os têm 
sistematicamente desrespeitados por outros cidadãos, pelo governo, pela 
polícia. Não se sentem protegidos pela sociedade e pelas leis. 
 
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Receiam o contato com agentes da lei, pois a experiência lhes ensinou 
que ele quase sempre resulta em prejuízo próprio. Alguns optam abertamente 
pelo desafio à lei e pela criminalidade. Para quantificá-los, os "elementos" 
estariam entre os 23% de famílias que recebem até dois salários mínimos. 
Para eles vale apenas o Código Penal. 
A cidadaniana encruzilhada percorremos um longo caminho, 178 anos 
de história do esforço para construir o cidadão brasileiro. Chegamos ao final da 
jornada com a sensação desconfortável de incompletude. Os progressos feitos 
são inegáveis, mas foram lentos e não escondem o longo caminho que ainda 
falta percorrer. O triunfalismo exibido nas celebrações oficiais dos 500 anos da 
conquista da terra pelos portugueses não consegue ocultar o drama dos 
milhões de pobres, de desempregados, de analfabetos e semianalfabetos, de 
vítimas da violência particular e oficial. Não há indícios de saudosismo em 
relação à ditadura militar, mas perdeu-se a crença de que a democracia política 
resolveria com rapidez os problemas da pobreza e da desigualdade. 
Uma das razões para nossas dificuldades pode ter a ver com a natureza 
do percurso que descrevemos. A cronologia e a lógica da sequência descrita 
por Marshall foram invertidas no Brasil. Aqui, primeiro vieram os direitos 
sociais, implantados em período de supressão dos direitos políticos e de 
redução dos direitos civis por um ditador que se tornou popular. 
Depois vieram os direitos políticos, de maneira também bizarra. A maior 
expansão do direito do voto deu-se em outro período ditatorial, em que os 
órgãos de representação política foram transformados em peça decorativa do 
regime. Finalmente, ainda hoje muitos direitos civis, a base da sequência de 
Marshall, continuam inacessíveis à maioria da população. A pirâmide dos 
direitos foi colocada de cabeça para baixo. 
Na sequência inglesa, havia uma lógica que reforçava a convicção 
democrática. As liberdades civis vieram primeiro, garantidas por um Judiciário 
cada vez mais independente do Executivo. Com base no exercício das 
liberdades, expandiram-se os direitos políticos consolidados pelos partidos e 
pelo Legislativo. Finalmente, pela ação dos partidos e do Congresso, votaram-
 
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se os direitos sociais, postos em prática pelo Executivo. A base de tudo eram 
as liberdades civis. A participação política era destinada em boa parte a 
garantir essas liberdades. Os direitos sociais eram os menos óbvios e até certo 
ponto considerados incompatíveis com os direitos civis e políticos. A proteção 
do Estado a certas pessoas parecia uma quebra da igualdade de todos perante 
a lei, uma interferência na liberdade de trabalho e na livre competição. Além 
disso, o auxílio do Estado era visto como restrição à liberdade individual do 
beneficiado, e como tal lhe retirava a condição de independência requerida de 
quem deveria ter o direito de voto. 
Por essa razão, privaram-se, no início, os assistidos pelo Estado do 
direito do voto. Nos Estados Unidos, até mesmo sindicatos operários se 
opuseram à legislação social, considerada humilhante para o cidadão. Só mais 
tarde esses direitos passaram a ser considerados compatíveis com os outros 
direitos, e o cidadão pleno passou a ser aquele que gozava de todos os 
direitos, civis, políticos e sociais. Seria tolo achar que só há um caminho para a 
cidadania. A história mostra que não é assim. Dentro da própria Europa houve 
percursos distintos, como demonstram os casos da Inglaterra, da França e da 
Alemanha. Mas é razoável supor que caminhos diferentes afetem o produto 
final, afetem o tipo de cidadão, e, portanto, de democracia, que se gera. Isto é 
particularmente verdadeiro quando a inversão da sequência é completa, 
quando os direitos sociais passam a ser a base da pirâmide. Quais podem ser 
as consequências, sobretudo para o problema da eficácia da democracia? 
Uma consequência importante é a excessiva valorização do Poder 
Executivo. Se os direitos sociais foram implantados em períodos ditatoriais, em 
que o Legislativo ou estava fechado ou era apenas decorativo, cria-se a 
imagem, para o grosso da população, da centralidade do Executivo. O governo 
aparece como o ramo mais importante do poder, aquele do qual vale a pena 
aproximar-se. A fascinação com um Executivo forte está sempre presente, e foi 
ela sem dúvida uma das razões da vitória do presidencialismo sobre o 
parlamentarismo, no plebiscito de 1993. Essa orientação para o Executivo 
reforça longa tradição portuguesa, ou ibérica, patrimonialismo. O Estado é 
sempre visto como todo-poderoso, na pior hipótese como repressor e cobrador 
 
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de impostos; na melhor, como um distribuidor paternalista de empregos e 
favores. A ação política nessa visão é sobretudo orientada para a negociação 
direta com o governo, sem passar pela mediação da representação. Como 
vimos, até mesmo uma parcela do movimento operário na Primeira República 
orientou-se nessa direção; parcela ainda maior adaptou-se a ela na década de 
30. Essa cultura orientada mais para o Estado do que para a representação é o 
que chamamos de "estadania", em contraste com a cidadania. 
Ligada à preferência pelo Executivo está a busca por um messias 
político, por um salvador da pátria. Como a experiência de governo 
democrático tem sido curta e os problemas sociais têm persistido e mesmo se 
agravado, cresce também a impaciência popular com o funcionamento 
geralmente mais lento do mecanismo democrático de decisão. Daí a busca de 
soluções mais rápidas por meio de lideranças carismáticas e messiânicas. Pelo 
menos três dos cinco presidentes eleitos pelo voto popular após 1945, Getúlio 
Vargas, Jânio Quadros e Fernando Collor, possuíam traços messiânicos. 
Sintomaticamente, nenhum deles terminou o mandato, em boa parte por não 
se conformarem com as regras do governo representativo, sobretudo com o 
papel do Congresso. 
A contrapartida da valorização do Executivo é a desvalorização do 
Legislativo e de seus titulares, deputados e senadores. As eleições legislativas 
sempre despertam menor interesse do que as do Executivo. A campanha pelas 
eleições diretas referia-se à escolha do presidente da República, o chefe do 
Executivo. Dificilmente haveria movimento semelhante para defender eleições 
legislativas. Nunca houve no Brasil reação popular contra fechamento do 
Congresso. Há uma convicção abstrata da importância dos partidos e do 
Congresso como mecanismos de representação, convicção esta que não se 
reflete na avaliação concreta de sua atuação. O desprestígio generalizado dos 
políticos perante a população é mais acentuado quando se trata de vereadores, 
deputados e senadores. 
Além da cultura política estatista, ou governista, a inversão favoreceu 
também uma visão corporativista dos interesses coletivos. Não se pode dizer 
 
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que a culpa foi toda do Estado Novo. O grande êxito de Vargas indica que sua 
política atingiu um ponto sensível da cultura nacional. A distribuição dos 
benefícios sociais por cooptação sucessiva de categorias de trabalhadores 
para dentro do sindicalismo corporativo achou terreno fértil em que se enraizar. 
Os benefícios sociais não eram tratados como direitos de todos, mas como 
fruto da negociação de cada categoria com o governo. A sociedade passou a 
se organizar para garantir os direitos e os privilégios distribuídos pelo Estado. A 
força do corporativismo manifestou-se mesmo durante a Constituinte de 1988. 
Cada grupo procurou defender e aumentar seus privilégios. Apesar das críticas 
à CLT, as centrais sindicais dividiram-se quanto ao imposto sindical e à 
unicidade sindical, dois esteios do sistema montado por Vargas. Tanto o 
imposto como a unicidade foram mantidos. Os funcionários públicos 
conseguiram estabilidade no emprego. Os aposentados conseguiram o limite 
de um salário mínimo nas pensões, os professores conseguiram aposentadoria 
cinco anos mais cedo, e assim por diante. A prática política posterior à 
redemocratização tem revelado a força das grandes corporações de 
banqueiros, comerciantes, industriais, das centrais operárias, dos empregados 
públicos, todos lutando pela preservação de privilégios ou em buscade novos 
favores. Na área que nos interessa mais de perto, o corporativismo é 
particularmente forte na luta de juízes e promotores por melhores salários e 
contra o controle externo, e na resistência das polícias militares e civis a 
mudanças em sua organização. 
A ausência de ampla organização autônoma da sociedade faz com que 
os interesses corporativos consigam prevalecer. A representação política não 
funciona para resolver os grandes problemas da maior parte da população. O 
papel dos legisladores reduz-se, para a maioria dos votantes, ao de 
intermediários de favores pessoais perante o Executivo. O eleitor vota no 
deputado em troca de promessas de favores pessoais; 
O deputado apoia o governo em troca de cargos e verbas para distribuir 
entre seus eleitores. Cria-se uma esquizofrenia política: os eleitores desprezam 
os políticos, mas continuam votando neles na esperança de benefícios 
pessoais. Para muitos, o remédio estaria nas reformas políticas mencionadas, 
 
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a eleitoral, a partidária, a da forma de governo. Essas reformas e outros 
experimentos poderiam eventualmente reduzir o problema central da ineficácia 
do sistema representativo. Mas para isso a frágil democracia brasileira precisa 
de tempo. Quanto mais tempo ela sobreviver, maior será a probabilidade de 
fazer as correções necessárias nos mecanismos políticos e de se consolidar. 
Sua consolidação nos países que são hoje considerados democráticos, 
incluindo a Inglaterra, exigiu um aprendizado de séculos. É possível que, 
apesar da desvantagem da inversão da ordem dos direitos, o exercício 
continuado da democracia política, embora imperfeita, permita aos poucos 
ampliar o gozo dos direitos civis, o que, por sua vez, poderia reforçar os direitos 
políticos, criando um círculo virtuoso no qual a cultura política também se 
modificaria. 
Na corrida contra o tempo, há fatores positivos. Um deles é que a 
esquerda e a direita parecem hoje convictas do valor da democracia. Quase 
todos os militantes da esquerda armada dos anos 70 são hoje políticos 
adaptados aos procedimentos democráticos. 
Quase todos aceitam a via eleitoral de acesso ao poder. Por outro lado, 
a direita também, salvo poucas exceções, parece conformada com a 
democracia. Os militares têm-se conservado dentro das leis e não há indícios 
de que estejam cogitando da quebra das regras do jogo. 
Os rumores de golpe, frequentes no período pós-45, já há algum tempo 
que não vêm perturbar a vida política nacional. Para isso tem contribuído o 
ambiente internacional, hoje totalmente desfavorável a golpes de Estado e 
governos autoritários. Isso não é mérito brasileiro, mas pode ajudar a 
desencorajar possíveis golpistas e a ganhar tempo para a democracia. 
Mas o cenário internacional traz também complicações para a 
construção da cidadania, vindas sobretudo dos países que costumamos olhar 
como modelos. A queda do império soviético, o movimento de minorias nos 
Estados Unidos e, principalmente, a globalização da economia em ritmo 
acelerado provocaram, e continuam a provocar, mudanças importantes nas 
relações entre Estado, sociedade e nação, que eram o centro da noção e da 
 
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prática da cidadania ocidental. O foco das mudanças está localizado em dois 
pontos: a redução do papel central do Estado como fonte de direitos e como 
arena de participação, e o deslocamento da nação como principal fonte de 
identidade coletiva. Dito de outro modo, trata-se de um desafio à instituição do 
Estado-nação. A redução do papel do Estado em benefício de organismos e 
mecanismos de controle internacionais tem impacto direto sobre os direitos 
políticos. Na União Europeia, os governos nacionais perdem poder e relevância 
diante dos órgãos políticos e burocráticos supranacionais. Os cidadãos ficam 
cada vez mais distantes de seus representantes reunidos em Bruxelas. 
Grandes decisões políticas e econômicas são tomadas fora do âmbito nacional. 
Os direitos sociais também são afetados. A exigência de reduzir o déficit 
fiscal tem levado governos de todos os países a reformas no sistema de 
seguridade social. Essa redução tem resultado sistematicamente em cortes de 
benefícios e na descaracterização do estado de bem-estar. A competição feroz 
que se estabeleceu entre as empresas também contribuiu para a exigência de 
redução de gastos via poupança de mão-de-obra, gerando um desemprego 
estrutural difícil de eliminar. Isso por sua vez, no caso da Europa, leva a 
pressões contra a presença de imigrantes africanos e asiáticos e contra a 
extensão a eles de direitos civis, políticos e sociais. O pensamento liberal 
renovado volta a insistir na importância do mercado como mecanismo 
autorregulado da vida econômica e social e, como consequência, na redução 
do papel do Estado. Para esse pensamento, o intervencionismo estatal foi um 
parêntese infeliz na história iniciado em 1929, em decorrência da crise das 
bolsas, e terminado em 1989 após a queda do Muro de Berlim. 
Nessa visão, o cidadão se torna cada vez mais um consumidor, afastado 
de preocupações com a política e com os problemas coletivos. Os movimentos 
de minorias nos Estados Unidos contribuíram, por sua vez, para minar a 
identidade nacional ao colocarem ênfase em identidades culturais baseadas 
em gênero, etnia, opções sexuais etc. Assim como há enfraquecimento do 
poder do Estado, há fragmentação da identidade nacional. O Estado nação se 
vê desafiado dos dois lados. 
 
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Diante dessas mudanças, países como o Brasil se veem frente a uma 
ironia. Tendo corrido atrás de uma noção e uma prática de cidadania geradas 
no Ocidente, e tendo conseguido alguns êxitos em sua busca, veem-se diante 
de um cenário internacional que desafia essa noção e essa prática. Gera-se 
um sentimento de perplexidade e frustração. A pergunta a se fazer, então, é 
como enfrentar o novo desafio. 
As mudanças ainda não atingiram o país com a força verificada na 
Europa e, sobretudo, nos Estados Unidos. Não seria sensato reduzir o 
tradicional papel do Estado da maneira radical proposta pelo liberalismo 
redivivo. Primeiro, por causa da longa tradição de estatismo, difícil de reverter 
de um dia para outro. Depois, pelo fato de que há ainda entre nós muito espaço 
para o aperfeiçoamento dos mecanismos institucionais de representação. 
Mas alguns aspectos das mudanças seriam benéficos. O principal é a 
ênfase na organização da sociedade. A inversão da sequência dos direitos 
reforçou entre nós a supremacia do Estado. Se há algo importante a fazer em 
termos de consolidação democrática, é reforçar a organização da sociedade 
para dar embasamento social ao político, isto é, para democratizar o poder. A 
organização da sociedade não precisa e não deve ser feita contra o Estado em 
si. Ela deve ser feita contra o Estado dientelista, corporativo, colonizado. 
Experiências recentes sugerem otimismo ao apontarem na direção da 
colaboração entre sociedade e Estado que não fogem totalmente à tradição, 
mas a reorientam na direção sugerida. A primeira tem origem na sociedade. 
Trata-se do surgimento das organizações não-governamentais que, sem serem 
parte do governo, desenvolvem atividades de interesse público. Essas 
organizações se multiplicaram a partir dos anos finais da ditadura, substituindo 
aos poucos os movimentos sociais urbanos. De início muito hostis ao governo 
e dependentes de apoio financeiro externo, dele se aproximaram após a queda 
da ditadura e expandiram as fontes internas de recursos. Da colaboração entre 
elas e os governos municipais, estaduais e federal, têm resultado experiências 
inovadoras no encaminhamento e na solução de problemas sociais, sobretudo 
nas áreas de educação e direitos civis. Essa aproximação não contém o vício 
 
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da "estadania" e as limitações do corporativismo porque democratiza o Estado. 
A outra mudançatem origem do lado do governo, sobretudo dos executivos 
municipais dirigidos pelo Partido dos Trabalhadores. Muitas prefeituras 
experimentam formas alternativas de envolvimento da população na 
formulação e execução de políticas públicas, sobretudo no que tange ao 
orçamento e às obras públicas. A parceria aqui se dá com associações de 
moradores e com organizações não-governamentais. Essa aproximação não 
tem os vícios do paternalismo e do clientelismo porque mobiliza o cidadão. E o 
faz no nível local, onde a participação sempre foi mais frágil, apesar de ser aí 
que ela é mais relevante para a vida da maioria das pessoas. 
Mas há também sintomas perturbadores oriundos das mudanças 
trazidas pelo renascimento liberal. Não me refiro à defesa da redução do papel 
do Estado, mas ao desenvolvimento da cultura do consumo entre a população, 
inclusive a mais excluída. Exemplo do fenômeno foi a invasão pacífica de um 
shopping center de classe média no Rio de Janeiro por um grupo de sem-teto. 
A invasão teve o mérito de denunciar de maneira dramática os dois brasis, o 
dos ricos e o dos pobres. Os ricos se misturavam com os turistas estrangeiros, 
mas estavam a léguas de distância de seus patrícios pobres. Mas ela também 
revelou a perversidade do consumismo. Os sem-teto reivindicavam o direito de 
consumir. Não queriam ser cidadãos, mas consumidores. Ou melhor, a 
cidadania que reivindicavam era a do direito ao consumo, era a cidadania 
pregada pelos novos liberais. Se o direito de comprar um telefone celular, um 
tênis, um relógio da moda consegue silenciar ou prevenir entre os excluídos a 
militância política, o tradicional direito político, as perspectivas de avanço 
democrático se veem diminuídas. 
As duas experiências favorecem, a cultura do consumo dificulta o 
desatamento do nó que torna tão lenta a marcha da cidadania entre nós, qual 
seja, a incapacidade do sistema representativo de produzir resultados que 
impliquem a redução da desigualdade e o fim da divisão dos brasileiros em 
castas separadas pela educação, pela renda, pela cor. José Bonifácio afirmou, 
em representação enviada à Assembleia Constituinte de 1823, que a 
escravidão era um câncer que corroía nossa vida cívica e impedia a construção 
 
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da nação. A desigualdade é a escravidão de hoje, o novo câncer que impede a 
constituição de uma sociedade democrática. A escravidão foi abolida 65 anos 
após a advertência de José Bonifácio. A precária democracia de hoje não 
sobreviveria a espera tão longa para extirpar o câncer da desigualdade. 
 
 
 
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