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OCLUSÃO (Wagner Costa Rossi Junior) Por definição, em Odontologia, podemos dizer que oclusão consiste na relação, estática e/ou dinâmica, existente entre os dentes. Desta forma, a oclusão estuda como os dentes se relacionam quando na posição conhecida como máxima intercuspidação habitual; e como se relacionam quando existe movimento mandibular, tais como movimentos protrusivos, retrusivos e de lateralidade (centrífuga e centrípeta). A oclusão é a base da Odontologia e necessária para todas suas subáreas, destacando-se a Ortodontia, a Prótese (fixa, parcial removível e total), a Periodontia, a Implantodontia e a Dentística. Desta forma fica claro que, quando falamos que é a “base” para a Odontologia, a oclusão é fundamental como a base de uma construção civil; sem uma base satisfatória existe risco de tudo aquilo que for construído apresentar falhas, ora mais, ora menos grave, mas sempre com algo que não deveria ter acontecido. Embora seja de extrema relevância e muito estudada, é uma área na qual ainda existem algumas controvérsias em relação aquilo que poderia ser considerado como a oclusão ideal e comum a todos os indivíduos. Admite-se que, apesar de todas as fórmulas existentes, a melhor oclusão é aquela funcional e que não traga qualquer dano ou prejuízo ao indivíduo. Para o adequado conhecimento da oclusão, o profissional deve ter amplo conhecimento sobre os dentes, a articulação temporomandibular e demais tecidos moles que se relacionam direta ou indiretamente com os dentes. Basta lembrar que não se estuda em oclusão somente os aspectos da relação estática existente entre os dentes. Nesta fase do curso de Odontologia, na disciplina de Anatomia Dental, todos os alunos já apresentam um conhecimento amplo e aprofundado quanto à Anatomia dos elementos dentais. Todos os dentes permanentes e decíduos já foram devidamente estudados e ainda, quanto aos permanentes, já foram esculpidos, para a visualização das estruturas anatômicas que são de grande importância para se entender a oclusão. Desta forma, a partir de então, torna-se necessário o estudo de como se dá a relação entre os dentes; seja esta relação dentro de um mesmo arco alveolar ou entre os arcos superior e inferior; quais são os fatores que atuam para que haja a correta relação entre os dentes; e quais as melhores formas de contato entre dentes vizinhos e antagonistas, possibilitando correta fisiologia do sistema estomatognático e, consequentemente, a mastigação, a fonação e a deglutição. Com todo conhecimento da Anatomia individual dos dentes, passemos então ao estudo incipiente da oclusão dental, considerando três pontos fundamentais: 1- Fatores e forças que determinam a posição dos dentes; 2- Alinhamento dos dentes dentro de um mesmo arco; 3- Alinhamento dental e relação entre os diferentes arcos dentais. FATORES E FORÇAS QUE DETERMINAM A POSIÇÃO DOS DENTES Os dentes estão constantemente submetidos a forças bastante complexas, multidirecionais e de pequena intensidade. Porém, como são constantes, podem a qualquer momento, interferir no posicionamento de cada elemento dental, desde o momento em que está acontecendo a irrupção até o dente já estar totalmente posicionado no seu devido local no arco alveolar. Seria proporcional ao que o velho ditado “água mole em pedra dura tanto bate até que fura” nos diz. Desta forma, mesmo que um dente, durante a irrupção, esteja em posição não muito favorável, ele será adequadamente conduzido para sua correta posição, desde que haja espaço físico suficiente para este posicionamento; caso contrário torna-se necessária a atuação do ortodontista para conseguir espaço e reposicionar o dente. Hábitos chamados de parafuncionais também podem provocar alterações na posição dos dentes, tais como tocar instrumentos de sopro em demasia com incorreto posicionamento das paletas, o hábito de manter entre os dentes canetas, lápis ou qualquer outro instrumento sólido, hábito de chupar o dedo etc. Todas estas condições devem ser detectadas para que o correto tratamento de reposicionamento dental seja adequado; caso contrário sempre incorrerá no insucesso. Todos os dentes são constantemente submetidos a forças no sentido VL (vestíbulo-lingual), no sentido MD (mesio-distal) e no sentido OA (ocluso-apical). Todas elas atuando em conjunto e em sentido contrário para que os dentes alcancem o chamado espaço ou posição neutra, onde existe o equilíbrio. Qualquer condição que comprometa este equilíbrio faz com que haja uma alteração desta posição neutra, até que novo equilíbrio seja alcançado. Sentido VL: na face vestibular dos dentes, constantemente temos os lábios e as bochechas exercendo pressão e direcionando os dentes para lingual; em contrapartida, pela face lingual temos constantemente a língua exercendo pressão para vestibular. Estas duas forças tendem a alcançar o equilíbrio para que os dentes estejam corretamente posicionados. Lembrando, qualquer alteração destes vetores de força, por exemplo, a macroglossia, vai ocasionar alterações na posição dos dentes e comprometimento do aspecto funcional. Sentido MD: quando os dentes estão adequadamente implantados nos arcos dentais, parece que, em decorrência do osso alveolar e das fibras gengivais, existe uma tendência de mesialização de todos eles. Para que isso não aconteça é fundamental um posicionamento justaposto entre os dentes mantendo uma região de contato. Esta região é denominada ponto de contato, porém com a mastigação e consequente movimentação apresentada pelos dentes, este ponto se desgasta e é convertido em uma área de contato; área de contato seria a melhor denominação para esta região. Em uma visão oclusal, ela está localizada mais para vestibular e em uma visão vestibular, ela está localizada no terço oclusal (incisal) dos dentes. Mediante a existência destas áreas de contato, descrevemos em dois dentes justapostos o sulco interdental (onde ocorrerá contato com um dente antagonista), o espaço interdental (que será ocupado pela papila gengival) e as ameias (vestibular, menor e lingual, maior) as quais funcionam como áreas de escape do alimento durante a mastigação. Como já é bastante conhecido da anatomia dental que as faces proximais têm convergência para lingual fazendo com que esta seja menor que a vestibular, é evidente que a ameia lingual é visivelmente maior que a ameia vestibular. Assim sendo, quando estas áreas de contato são perdidas, por exemplo, com exodontias ou cáries proximais extensas, existe a mesialização do dente situado em posição distal, consequentemente com alteração que irá comprometer todo o arco dental e o seu antagonista. Sentido OA: existem forças, porém não são constantes, mantendo o equilíbrio vertical do dente. Primeiro consideremos que o movimento irruptivo só desaparece quando o dente encontra seu antagonista ou qualquer outro obstáculo mecânico que impeça seu movimento; desta forma, os dentes antagonistas são fundamentais para que não ocorra a sobre-extrusão dental. Por outro lado, o ligamento periodontal, principalmente por meio de suas fibras apicais, impede que o dente intrua no osso alveolar durante a incidência de forças mastigatórias; pelo contrário, estas forças atuam no sentido de estímulo para a constante remodelação óssea na região apical. Assim sendo, havendo espaço suficiente para os dentes e ausência de fatores ou condições prejudiciais, o equilíbrio sempre será mantido em consonância com as funções do sistema estomatognático. ALINHAMENTO DENTAL INTRA-ARCO Refere-se à relação que os dentes de um mesmo arco apresentam entre si. Assim, a primeira consideração a ser feita é o plano oclusal. Este consiste de um plano imaginárioque surge a partir do momento que traçamos uma linha (imaginária) pelos ápices das cúspides vestibulares dos dentes posteriores inferiores, a qual se estende pelas margens incisais dos dentes anteriores e chega ao lado oposto; se abre para envolver as cúspides linguais. Imediatamente, observa-se que este plano não é plano; como a maioria dos movimentos mandibulares é complexa, um plano oclusal reto não permitiria contato oclusal simultâneo em mais de uma área no arco. Desta forma, como resultado dos variados graus de inclinação dos dentes em ambos os arcos, o plano oclusal é curvo. Se visualizarmos os arcos dentais lateralmente, vamos perceber que, no inferior, todos os dentes são mesialmente inclinados, enquanto no superior, os molares estão levemente inclinados para distal, e os demais mantém inclinação mesial. O primeiro indivíduo a perceber que estas diferentes inclinações ocasionavam um arco dental com superfície curva, foi um embriologista chamado Ferdinand Graf Von Spee. Ele observou que se passarmos uma linha que se estende das cúspides dos dentes posteriores em direção aos incisivos, o contorno será com concavidade superior no arco inferior e com convexidade inferior no arco superior, para que o “encaixe” entre os dois arcos seja o mais apropriado e íntimo possível, visando o melhor aspecto fisiológico. Esta curva que se observa no plano oclusal é denominada de curva de Spee. Da mesma forma, se visualizarmos os arcos frontalmente e traçarmos uma linha que se inicia nos ápices das cúspides linguais e se estende para as cúspides vestibulares, se prolongando para o lado oposto, outra superfície curva será observada. Esta foi primeiramente percebida pelo cirurgião dentista George Henry Wilson, o qual notou que os dentes apresentam, além de inclinação mesial, inclinação para lingual. Desta forma, unindo os dois lados de um mesmo arco se observa uma linha curva, a qual é conhecida como curva de Wilson. Ambas as curvas, de Spee e de Wilson, são curvas de compensação para as inclinações e morfologia que cada um dos dentes apresenta. A figura abaixo mostra estas duas curvaturas. Podemos perceber que, há muito tempo, várias descobertas e conclusões conduziram a criação de fórmulas que pudessem ser utilizadas para devolver aos pacientes a melhor forma de oclusão possível. Um dos primeiros foi Bonwill, o qual propôs que se traçássemos uma linha que se estende entre os centros das cabeças da mandíbula e, partindo destas cabeças, outras duas linhas fossem traçadas até o ângulo mesioincisal dos incisivos centrais inferiores, formar-se-ia um triângulo equilátero, cujos lados seriam de 10 centímetros. Hoje se sabe que não é bem assim; na verdade existe um triângulo isósceles, cujas medidas variam para cada pessoa. Estas teorias, embora simplistas para tentar elucidar a relação interdental, foram e ainda são úteis para elaboração de um aparelho usado pelos cirurgiões dentistas e protéticos denominado articulador com arco facial, o qual permite que o profissional monte modelos de estudo e propostas de tratamento de acordo com as características faciais de cada indivíduo. Atualmente, várias outras teorias existem. Mas talvez um fator fundamental, seja a face oclusal dos dentes posteriores. Toda a sua complexidade, se bem traduzida, facilita, e muito, o ajuste da oclusão. Poderíamos falar que estas faces corresponderiam a um dos pontos “G” para a oclusão. Por isso, sempre deve ser considerado quando do estudo da anatomia dental a face oclusal anatômica (colocada entre os ápices das cúspides e as cristas marginais) e a face oclusal funcional (abrange além da face oclusal anatômica, o terço oclusal das faces livres). Estas regiões vão determinar a oclusão. ALINHAMENTO DENTAL INTERARCO Para que este tipo de relação aconteça da melhor forma possível, alguns fatores também devem ser levados em consideração. O primeiro é o tamanho e a forma dos arcos dentais. O princípio básico é que o arco alveolar superior seja pouco maior que o inferior. Em média, o superior tem 128 mm., enquanto o inferior 126 mm. Isto é fundamental para que o arco alveolar superior “abrace” o arco alveolar inferior, permitindo que os dentes superiores estejam vestibularizados em relação aos inferiores. Este tipo de relação faz com que as cúspides linguais dos dentes superiores entrem diretamente em contato com as faces oclusais dos dentes inferiores e as cúspides vestibulares dos dentes inferiores façam este contato. Se, por alguma razão esquelética ou dental, esta relação é alterada, tem-se o que é chamado de mordida cruzada. Com esta relação, podemos classificar as cúspides quanto ao seu aspecto funcional. As cúspides linguais dos dentes superiores e as vestibulares dos dentes inferiores são denominadas de cúspides cêntricas ou de contenção, pois são elas que estabelecem a relação de “centro” ou de contato entre os dentes superiores e inferiores; são elas que vão efetivamente realizar a mastigação; são elas que vão determinar a dimensão vertical de oclusão. As outras cúspides, ou seja, as vestibulares dos superiores e as linguais dos inferiores são chamadas de cúspides não cêntricas ou cúspides guia, pois atuam guiando a mandíbula quando esta sai de sua posição de repouso e retorna para esta posição; além disso, atuam protegendo os tecidos moles vizinhos de se interporem entre os dentes durante a mastigação; e atuam mantendo os alimentos em contato com as faces oclusais enquanto ocorre a mastigação. Assim, quando existe esta correta relação entre os dentes antagonistas, se consegue o maior número possível de contatos; a isto chamamos de máxima intercuspidação habitual. Nesta situação, torna-se visível que sempre temos o contato de um (1) dente com dois (2) dentes antagonistas; isso permite que a transmissão de forças se dê sem que haja sobrecarga em um único elemento dental. Faz exceção os terceiros molares e os incisivos centrais inferiores, os quais ocluem somente com seus antagônicos. Como se dá a relação de um dente com seu antagonista? Existem, pelo menos, duas formas para que o contato se estabeleça. 1- Dente a dente ou cúspide-fossa: ocorre quando as cúspides cêntricas ocluem em fossas do antagonista. O ideal é que estabeleça uma relação em três pontos, caracterizando bastante estabilidade. Esta relação é chamada de tripoidismo. 2- Dente a dois dentes ou cúspide-crista marginal: ocorre quando as cúspides cêntricas ocluem nas cristas marginais de dois dentes vizinhos. Também oferece bastante estabilidade. Em ambos os casos, deve sempre ocorrer o contato de um dente com dois antagonistas, conforme anteriormente descrito. Com tudo isso que foi descrito, poderíamos agora responder a seguinte pergunta. Qual é a oclusão ideal? Apesar de tudo, difícil responder; sabemos que, quando existem todos os dentes e estes estão ocluindo de maneira estável, agradável e saudável com variações dentro dos limites, temos uma oclusão “normal”. Mas... e a ideal? Em 1972, o Dr. Lawrence Andrews publicou um estudo no qual ele estabeleceu seis (6) condições básicas para que um indivíduo fosse classificado como portador de oclusão ideal. Ele denominou de seis chaves de oclusão, citadas abaixo: 1- Relação molar: a cúspide MV do 1º molar superior deve se adaptar no sulco MV do 1º molar inferior; a cúspide ML do 1º molar superior deve ocluir na fossa central do 1º molar inferior; a crista marginal distal do 1º molar superior oclui na crista marginal mesial do 2º molar inferior; cúspide V dos pré-molares superiores mantém relação cúspide-ameia com os pré-molares inferiores; cúspides L dos pré-molares superiores buscam oclusão com fossas dos pré-molares inferiores; canino superior tem relaçãocúspide-ameia com canino inferior e 1º pré-molar inferior; incisivos superiores sobrepõem os incisivos inferiores, com linhas médias coincidentes. 2- Angulação da coroa: as coroas apresentam inclinação positiva para mesial; 3- Inclinação da coroa: os incisivos superiores têm inclinação para vestibular, enquanto os inferiores para lingual; os caninos e pré-molares têm inclinação para lingual semelhante; os molares também se inclinam para lingual, sendo visível maior inclinação nos inferiores; 4- Rotações: os dentes não devem apresentar nenhum tipo de rotação; 5- Contatos justos: os dentes de um mesmo arco devem apresentar contatos entre si, não existindo diastemas; 6- Curva de Spee: esta curva deve ter profundidade que varia de um plano bastante raso até uma curvatura ligeiramente côncava ou convexa; o ideal é ter 1,5 mm. de profundidade (ou altura). Havendo estas seis chaves em um indivíduo, ele apresenta oclusão ideal. Porém, isto é algo muito pouco frequente. Na maioria da população, por melhor que seja a oclusão, pequenas variações acontecem nestas chaves de oclusão, caracterizando uma oclusão não ideal. Como acontece na maioria das pessoas, mesmo não sendo ideal considera-se normal. Existem algumas formas de classificar as maloclusões, porém a mais utilizada foi proposta por Edward Angle, o qual estabelece três tipos diferentes de maloclusão. Assim, temos a classificação de Angle para as maloclusões: Classe I: é a oclusão normal, porém não ideal. Temos a cúspide ML do 1º molar superior ocluindo na fossa central do 1º molar inferior; a cúspide MV do 1º molar inferior oclui nas cristas marginais entre o 1º molar superior e 2º pré-molar superior; a cúspide MV do 1º molar superior alinha-se com o sulco MV do 1º molar inferior. Classe II: também chamada de disto-oclusão: ocorre quando o arco superior é maior ou se projeta anteriormente; ou quando o arco inferior é menor ou se projeta posteriormente. A cúspide DL do 1º molar superior oclui na fossa central do 1º molar inferior; a cúspide MV do 1º molar inferior alinha-se com o sulco V do 1º molar superior; a cúspide MV do 1º molar inferior oclui na fossa central do 1º molar superior. Classe III: ocorre quando há crescimento predominante na mandíbula. Também chamada de mesio- oclusão. A cúspide ML do 1º molar superior oclui na fossa triangular mesial do 2º molar inferior; a cúspide MV do 1º molar superior está entre as crista marginais do 1º e 2 º molar inferior; a cúspide DV do 1º molar inferior está entre as cristas marginais dos dentes 1º molar superior e 2º pré-molar superior. Com tudo isso, fica claro que a oclusão é a base da Odontologia. Seu estudo e conhecimento é fundamental para o cirurgião dentista, para que o aspecto funcional do sistema estomatognático seja sempre mantido. Assim, procuremos sempre o ideal, pois desta forma chegaremos pelo menos no aceitável como normal. Bons estudos e espero e desejo que consigam entender o texto. REFERÊNCIAS 1- NELSON, S. J. & ASH, M.M. Anatomia Dental, Fisiologia e Oclusão. Rio de Janeiro, Elsevier, 9 ed., 2012. 2- OKESON, J.P. Tratamento das Desordens Temporomandibulares e Oclusão. 6 ed., Rio de janeiro, Elsevier, 2008. 3- TEIXEIRA, L.M.S.; REHER, P.; REHER, V.G.S. Anatomia Aplicada à Odontologia. Rio de Janeiro, Grupo Gen editora, 2 ed., 2008.