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Alfred Kroeber (1876-1960), antropólogo americano, em seu artigo "O superorgânico" mostrou como a cultura atua sobre o homem, ao mesmo tempo em que se preocupou com a discussão de uma série de pontos controvertidos, pois suas explicações contrariam um conjunto de crenças populares. Iniciou, como o titulo ele seu trabalho indica, com a demonstração de que graças à cultura a humanidade distanciou-se do mundo animal. Mais do que isto, o homem passou a ser considerado um ser que está acima de suas limitações orgânicas.
Tem sido modo de pensamento característico de nossa civilização ocidental uma formulação de antíteses complementares, um equilíbrio de contrários que se excluem. Um desses pares ele idéias com que o nosso mundo vem lidando há cerca de dois mil anos se exprime nas palavras corpo e alma. Outro par que já teve a sua utilidade, irias de que a ciência está agora muitas vezes se esforçando por descartar-se, pelo menos em certos aspectos, é a distinção entre o físico e o mental.
Há uma terceira discriminação que é entre o vital e o social, ou em outras palavras, entre o orgânico e o cultural.
O reconhecimento implícito da diferença entre qualidades e processos orgânicos e qualidades e processos sociais vem de longa data. Contudo, a distinção formal é recente. De fato, pode dizer-se que o pleno alcance da importância da antítese está apenas raiando sobre o mundo. Para cada ocasião em que alguma mente humana separa nitidamente as forças orgânicas e sociais, há dezenas de outras vezes em que não se cogita da diferença entre elas, ou em que ocorre uma real confusão de duas idéias.(KROEBER, 1949, p.234).
O otimismo de Kroeber que, em 1950, escreveu que "a maior realização da Antropologia na primeira metade do século XX foi a ampliação e a clarificação do conceito de cultura" ("Anthropology", in Scientific American, 183). Em 1917, Kroeber acabou de romper todos os laços entre o cultural e o biológico, postulando a supremacia do primeiro em detrimento do segundo em seu artigo, hoje clássico, "O Superorgânico" (in American Anthropologist, vol.XIX, n° 2, 1917).
Resumindo, a contribuição de Kroeber para a ampliação do conceito de cultura pode ser relacionada nos seguintes pontos:
1. A cultura, mais do que a herança genética, determina o comportamento do homem e justifica as suas realizações.
2. O homem age de acordo com os seus padrões culturais. Os seus instintos foram parcialmente anulados pelo longo processo evolutivo por que passou.
3. A cultura é o meio de adaptação aos diferentes ambientes ecológicos. Em vez de modificar para isto o seu aparato biológico, o homem modifica o seu equipamento superorgânico.
4. Em decorrência da afirmação anterior, o homem foi capaz de romper as barreiras das diferenças ambientais e transformar toda a terra em seu hábitat.
5. Adquirindo cultura, o homem passou a depender muito mais do aprendizado do que a agir através de atitudes geneticamente determinadas.
6. Como já era do conhecimento da humanidade, desde o Iluminismo, é este processo de aprendizagem (socialização ou endoculturação, não importa o termo) que determina o seu comportamento e a sua capacidade artística ou profissional.
7. A cultura é um processo acumulativo, resultante de toda a experiência histórica das gerações anteriores. Este processo limita ou estimula a ação criativa do indivíduo.
8. Os gênios são indivíduos altamente inteligentes que têm a oportunidade de utilizar o conhecimento existente ao seu dispor, construído pelos participantes vivos e mortos de seu sistema cultural, e criar um novo objeto ou uma nova técnica. Nesta classificação podem ser incluídos os indivíduos que fizeram as primeiras invenções, tais como o primeiro homem que produziu o fogo através do atrito da madeira seca; ou o primeiro homem que fabricou a primeira máquina capaz de ampliar a força muscular, o arco e a flecha etc. São eles gênios da mesma grandeza de Santos Dumont e Einstein. Sem as suas primeiras invenções ou descobertas, hoje consideradas modestas, não teriam ocorrido as demais. E pior do que isto, talvez nem mesmo a espécie humana teria chegado ao que é hoje.
Ao iniciar o debate sobre a cultura, Kroeber faz uma espécie de abstração, remontando às origens da vida. Sendo assim, considera que o desenvolvimento da vida humana começa no nível inorgânico, segue para o orgânico e finalmente para o nível social ou cultural. Kroeber reconhece a cultura como um nível particular, uma ordem ou uma emergência dos fenômenos naturais:
Ao passarmos de um nível para outro, mudam as características dos fenômenos, mesmo que eles estejam inter-relacionados. Sucessivamente, temos o surgimento dos fenômenos inorgânico, orgânico e social, que criam uma grande interdependência entre si, sendo o mais complexo chamado de social, supraorgânico, superindividual ou superorgânico. A inovação de Kroeber consiste no fato de instrumentaliza-lo para isolar os fatores culturais e identificá-los dentro dos fenômenos sociais – uma divisão criticada por Boas.
De acordo com sua visão da ciência antropológica, a separação analítica da cultura foi seu grande avanço ou sua ideia original, mas muitos acusaram tal concepção de possuir um certo misticismo, ou seja, de estar distante de uma formulação científica pouco clara (KROEBER, 1993, p. 13). A sua maneira característica de tomar a vida, o espírito, a sociedade e a cultura de forma separadas, como um elevado grau de consciência, levam a deduzir que tais fenômenos funcionam de forma autônoma. Contudo, o que se busca na realidade é um modo de análise que resulte na obtenção de dados culturais puros, identificando-os como algo separado da natureza.
O contexto cultural e histórico se localiza no espaço e no tempo, possuindo uma sequência, que ocorre de uma forma estritamente acidental. Kroeber, de maneira muito próxima a seu mestre Franz Boas, não busca na relação com a história uma lógica ou sentido único, mas o reconhecimento das qualidades e os padrões de organização particulares. A qualidade cultural pode ser entendida como reconstituição da história, de forma a permitir uma apreensão do movimento da sociedade.
Além disso, Kroeber se posiciona contrário a uma dicotomia drástica entre o método nomotético e ideográfico, pois as duas abordagens poderiam ser utilizadas para qualquer fenômeno da sociedade (KROEBER, 1993, p.13). Seu trabalho busca os padrões qualitativos (ou históricos) da totalidade da cultura, que podem ser alcançados parcialmente por meio dos aspectos psicológicos ou do ethos de cada grupo (KROEBER, 1993, p. 14). Certamente, os valores morais constituem um ingrediente essencial da cultura e, mesmo possuindo forte teor de subjetividade, eles podem ser abordados de forma objetiva. Dessa maneira, é possível fazer associações e correlações, ou seja, estudos comparativos entre as manifestações dos sistemas de valores possuídos por diversas culturas. Assim, temas como ideologia ou religião são importantes para essa proposta, porém o relativismo que permeia o pensamento de Kroeber defende a comparação dos valores culturais, ressaltando sua eventual similitude, sem que exista jamais uma hierarquização. Outra premissa importante para o relativismo é de que qualquer fato cultural deve ser avaliado de acordo com os valores da cultura a qual se faz parte. Esse é um desejo de investigação nem sempre concretizado, pois existe uma grande dificuldade de se afastar todo tipo de valor cultural do pesquisador, de maneira a torná-lo absolutamente neutro.
É interessante notar que para Kroeber, uma cultura entendida como parte do todo cultural é um dado próprio de determinado grupo e não fruto de uma geração de indivíduos vivos, mas daqueles que os procederam.
De acordo com Kroeber, alguns poucos valores morais possuem uma faceta universal que alcançam um patamar fixo, pan-humano ou quase absoluto. Temos, então, algumas ideias que são recorrentes em diversos grupos humanos e que podem ser admitidas como universais, contudo, nenhuma cultura possui valores perfeitos ou imperfeitos. A descobertado valor universal é fruto de longas análises e comparações, e, quanto a Kroeber, este também utiliza o método comparativo e o relativismo cultural, na tentativa de forjar um conjunto coerente de valores recorrentes em todas as culturas (KROEBER, 1993, p. 13-15).
Quanto à observação social, temos o uso de outros níveis de análise, o que denota o desejo de uma teoria social mais ampla. Primeiramente, a sociedade e a cultura são os dois componentes diferentes que moldam os indivíduos, sendo estes responsáveis pela formulação da consciência psicológica ou da personalidade, o que evidencia o caráter indissociável entre sociedade, cultura e psicologia, elementos estes componentes dos níveis de análise social para Kroeber. Sobre isso, registra-se, ainda, que a opção do autor é tratar cada um dos mencionados elementos de maneira isolada, a fim de se obter uma melhor eficiência na produção do conhecimento, de modo a suspender alguns problemas de método:
Assim, verifica-se uma preocupação em se separar os fatores sociais dos individuais, visando a obtenção de dados estritamente culturais, para, posteriormente, relacioná-los entre si. Ademais, sociedade, cultura e indivíduo são como “peças” da máquina social que devem ser desmontadas, compreendidas e depois remontadas pela análise de seu funcionamento, sempre procurando não ignorar os elementos do quadro natural, porque apesar destes exercerem influência sobre alguns aspectos, os mesmos nunca determinam seu comportamento e evolução da cultura (KROEBER, 1993, p. 16-18). A cultura, como um dos níveis de análise, se apresenta de maneira independente da sociedade, podendo-se tomar, como exemplo disso, a cultura egípcia: mesmo que os egípcios da antiguidade não existam mais, os seus valores estéticos ainda estão impregnadas nas paisagens do entorno do seu sítio original. Sua cultura monumental, seus escritos, seus ensinamentos e organização social ainda nos suscita curiosidade e vislumbramento, sendo assim, pode-se dizer, em suma, que apesar do fato da cultura egípcia estar em uma fase avançada e permanente de decadência, ela ainda é capaz de se fazer notar. Nesse sentido, a cultura supraorgânica se apresenta como uma espécie de entidade autônoma capaz de se manifestar independente da sociedade e dos indivíduos que estiveram ligados a ela, considerando-se que a cultura é uma dimensão da sociedade que desfruta de uma relativa independência e autonomia.
Em busca de uma solução para o confronto entre os conceitos de civilização e cultura, Kroeber sempre leva em consideração os contextos históricos das relações e das origens das formações sociais. Para Kroeber, a história é a base de todas as ciências humanas e funciona como crítica à razão iluminista e ao modelo positivista de ciência.
Cabe ressaltar, também, que essas ideias são absorvidas e trabalhadas por Sauer, pois para ambos os autores a visão de ciência está muito próxima a uma ciência nomotética, que tenha base histórica e que considere a cultura como uma característica superorgânica, ao mesmo tempo, não desprezando os estudos idiográficos. Tendo-se em vista que o superorgânico é utilizado no sentido em que há uma superação das limitações orgânicas do “animal” homem por meio da técnica, da cultura e da sociedade, pode-se dizer que o mesmo consiste em um fenômeno que se desenvolve e ultrapassa as diversas gerações, sendo visto, portanto, com um certo grau de independência dos indivíduos e do grupo social. Tal conformação, de suma importância, é encarada como experiência coletiva historicamente acumulada, apesar de sua relativa impessoalidade: "a visão cultural não é só colectiva, é também, quase inevitavelmente, de longo alcance, porque a dimensão do tempo lhe acrescenta muita coisa, conferindo, aos fenômenos a qualidade de dinamismo, fluxo ou crescimento" (KROEBER, 1993, p. 18). Com isso, podemos constatar não é possível descartar o paralelismo entre essas contribuições e as reflexões de Ratzel sobre a herança adaptativa.
Novamente, a cultura é vista sob esta ótica histórica, isto é, como um organismo que tem seu nascimento, desenvolvimento e declínio, seguido do surgimento de um novo padrão. Sobre o determinismo frente ao livre-arbítrio do desenvolvimento humano, Kroeber conclui que esta é uma questão sem uma resposta científica e que a influência do meio deve ser observada na realidade, sem que sejam elaboradas abstrações ou possibilidades que não correspondem ao empírico (KROEBER, 1993, p. 20). Contudo, Kroeber argumenta que a cultura é a superação do nível orgânico e que todos os fenômenos culturais “[são] parte de um processo natural e deve ser visto cada vez mais no contexto da natureza” (KROEBER, 1993, p. 21). O autor usa de tal artifício para superar essa cisão, entre natureza e sociedade, a qual ele considera empiricamente artificial, já que os níveis de existência são interdependentes.
Dentro da antropologia norte-americana se criticou, principalmente, a ênfase dada aos valores morais que resultam em um retrato estável (ou até mesmo imutável) da cultura, cenário este que faz com que se esconda a faceta dinâmica da cultura, que se transforma e reage às novas circunstâncias impostas pelos acontecimentos sociais ou mesmo pelas mudanças naturais (CLAVAL, 2002, p. 21 e CUCHE, 2002, p. 68, 80-87). Porém, como vimos anteriormente, Boas e Kroeber buscavam alcançar justamente uma forma de análise da cultura que não a considerasse como estática.

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