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Capttulo ;;;9,, - 1oomo Geral de Contrato
6umirio: 184. Conceito de contrato: romano e moderno. 185.
Funomo social. Princtpio da obrigatoriedade. Princtpio do
consensualismo. 185-A. Princtpio da boa-fp objetiva. 186.
Autonomia da vontade e intervenomo do Estado. 187. Requisitos
de validade dos contratos: subjetivos, objetivos e formais. 187-A.
Ineficicia stricto sensu. 188. Formaomo do contrato: tempo e lugar.
Contratos por correspondrncia. 189. Interpretaomo dos contratos.
Bibliografia: Giorgio Giorgi, Teoria delle Obbligazioni, vol. III, ns. 5
e segs.; Planiol, Ripert et Boulanger, Traitp elpmentaire de Droit
Civil, vol. II, ns. 36 e segs.; Clyvis Beviliqua, Obrigao}es, 54 e
segs.; M. I. Carvalho de Mendonoa, Contratos no Direito Civil
brasileiro, vol. I, Introduomo; Serpa Lopes, Curso de Direito Civil, vol.
III, cap. I; Gaudemet, Thporie Gpnerale des Obligations, pigs. 20 e
segs.; Orlando Gomes, Contratos, cap. I; Demogue, Des Obligations
en Gpnpral, vol. I, ns. 22 e segs.; Enneccerus, Kipp y Wolff, Tratado,
Derecho de Obligaciones, vol. I, 27 e segs.; Joseph =aksas, Les
Transformations du Contrat et Leurs Lois; De Page, Traitp elpmentaire
de Droit Civil, vol. II, Parte 1, ns. 447 e segs.; Colin et Capitant,
Droit Civil Franoais, vol. II, ns. 8 e segs.; Francesco Messineo,
Dottrina Generale del Contratto, pigs. 19 e segs.; Contardo Ferrini, in
Enciclopedia Giuridica Italiana, vol. XII, t. I, verb. Obbligazione;
Mario Allara, La Teoria Generale del Contratto, cap. I; Giovanni
Carrara, La Formazione del Contrato; Ruggiero e Maroi, Istituzioni di
Diritto Privato, vol. II, 137; Mazeaud et Mazeaud, Leoons de Droit
Civil, vol. II, ns. 52 e segs.; Giulio Venzi, Manuale di Diritto Civile,
ns. 414 e segs.; Alberto Trabucchi, Istituzioni di Diritto Civile, ns.
277 e segs.; Ludovico Barassi, Istituzioni di Diritto Civile, ns. 191 e
segs.; Ludovico Barassi, La Teoria Generale delle Obbligazioni, vol. II,
ns. 116 e segs.; Cunha Gonoalves, Dos Contratos em Especial,
capttulo I; Philippe Malaurie, L·Ordre Public et le Contrat; William
R. Anson, Principles of the English Law of Contracts, caps. I e II; Karl
Larenz, Derecho de las Obligaciones, II, pigs. 3 e segs.; Fran Martins,
Contratos e Obrigao}es Comerciais, ns. 63 e segs.
184. Conceito de contrato: romano e moderno
Ao tratarmos do negycio jurtdico (n 82, vol. I), vimos que sua noomo primiria
assenta na idpia de um pressuposto de fato, querido ou posto em jogo pela
vontade, e reconhecido como base do efeito jurtdico perseguido.1 Seu
fundamento ptico p a vontade humana, desde que atue na conformidade da
ordem jurtdica. Seu habitat p a ordem legal. Seu efeito, a criaomo de direitos e de
obrigao}es. O direito atribui, pois, j vontade este efeito, seja quando o agente
procede unilateralmente, seja quando a declaraomo volitiva marcha na
conformidade de outra congrnere, concorrendo a dupla emissmo de vontade,
em coincidrncia, para a constituiomo do negycio jurtdico bilateral (n 85, vol. I).
Em tal caso, o ato somente se forma quando as vontades se ajustam, num dado
momento.
Aqui p que se situa a noomo estrita de contrato. e um negycio jurtdico bilateral, e
de conseguinte exige o consentimento; pressup}e, de outro lado, a conformidade
com a ordem legal, sem o que nmo teria o condmo de criar direitos para o agente;
e, sendo ato negocial, tem por escopo aqueles objetivos espectficos. Com a
pacificidade da doutrina, dizemos entmo que o contrato p um acordo de vontades,
na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar,
modificar ou extinguir direitos. Dizendo-o mais sucintamente, e reportando-nos j
noomo que demos de negycio jurtdico (n 82, supra, vol. I), podemos definir
contrato como o "acordo de vontades com a finalidade de produzir efeitos
jurtdicos".
Como sempre syi, o vocibulo nmo esti adstrito a esta rigidez semkntica. Ao
revps, vai estender a sua abrangrncia a toda esppcie de negycio jurtdico em que
ocorrer a participaomo de vontade pl~rima, ainda que nmo limitado seu objetivo
a estes desiderata. Ampliada assim a noomo, abraoa a palavra o casamento,
embora seja necessirio desde logo ressalvar que a aproximaomo nmo traduz
identidade essencial, como veremos (n 374, vol. V) no direito de famtlia;
abrange o contrato de direito p~blico, que prolifera nas atividades da
Administraomo P~blica, onde hi coincidrncia de alguns extremos e
diversificaomo quanto a outros;2 e vai ainda abranger toda esppcie de
convenomo, embora para alguns esta expressmo melhor se aplique aos atos
plurilaterais criadores, modificativos ou extintivos de obrigao}es preexistentes.3
Nmo seri, no entanto, mi linguagem nem mau direito referir-se algupm a
contrato denominando-o convenomo, ou vice-versa,4 sinontmia que o nosso
legislador do Cydigo de 2002 consagrou, ao aludir a "obrigao}es convencionais"
no art. 221, compreendendo particularmente os contratos.
Se uma vismo atual ji indica a variaomo do conceito, uma anilise em pesquisa
acusa enorme diferenciaomo.
O Direito Romano estruturou o contrato, e todos os romanistas a ele se
reportam sobre a base de um acordo de vontades a respeito de um mesmo
ponto. O confronto com o direito moderno pode nmo acusar, ao primeiro s~bito,
maior disparidade. Uma aproximaomo mais chegada e uma perquiriomo mais
aguda apontam, entretanto, senstvel diferenoa, que vai articular-se na noomo
mesma do ato, naquele sistema jurtdico. Ali, como nas sociedades antigas, a
convenomo por si sy nmo tem o poder criador de obrigao}es.5
Entendia o romano nmo ser posstvel contrato sem a existrncia de elemento
material, uma exteriorizaomo de forma, fundamental na grnese da prypria
obligatio. Primitivamente, eram as categorias de contratos verbis, re ou litteris,
conforme o elemento formal se ostentasse por palavras sacramentais, ou pela
efetiva entrega do objeto, ou pela inscriomo no codex. Somente mais tarde, com a
atribuiomo de aomo a quatro pactos de utilizaomo freqente (venda, locaomo,
mandato e sociedade), surgiu a categoria dos contratos que se celebravam solo
consensu, isto p, pelo acordo das vontades. Ji ao seu tempo, Gaius podia
noticiar: "Harum autem quattuor genera sunt: aut enim re contrahitur obligatio, aut
verbis, aut litteris, aut consensu.6 Somente aqueles quatro contratos consensuais
eram reconhecidos como tais. Nos demais, prevalecia sobre a vontade a
materialidade de sua declaraomo, que haveria de obedecer rigidamente ao ritual
consagrado: a inscriomo material no livro do credor (contratos litteris), a traditio
efetiva da coisa (contratos re), a troca de express}es estritamente obrigatyrias
(contratos verbis) de que a policitatio era o mais freqente exemplo.7
Uma vez celebrado, com observkncia estrita ao ritual, o contrato gerava
obrigao}es, vinculava as partes e provia o credor da actio, fator da mais ltdima
essencialidade, sem o qual nmo haveria direito, ji que este era nada, se nmo fosse
munido da faculdade de reclamaomo em jutzo.
Ao lado do contractum, estruturou o Direito Romano outra figura que foi o
pactum. Este, porpm, nmo permitia a rem persequendi in iudicio, nmo conferia js
partes uma aomo, mas gerava tmo-somente exceptiones, e, portanto, nmo era
dotado de foroa cogente: "Igitur nuda pactio obligationem non parit sed parit
exceptionem."8 Contrato e pacto eram compreendidos na expressmo genprica
conventio.9 O que os distinguia era a denominaomo que individuava os contratos
(comodato, m~tuo, compra e venda), era a exteriorizaomo material da forma
(com exceomo dos quatro consensuais: compra e venda, locaomo, mandato e
sociedade), e era finalmente a sanomo, a actio que os acompanhava; ao passo que
os pacta nmo tinham nome especial, nmo revestiam forma predeterminada, e nmo
permitiam j parte a invocaomo de uma aomo. Todos,porpm, genericamente
batizados de conventiones, expressmo que revive em Pothier, como grnero,10 do
qual o contrato p uma esppcie, como ainda no nosso Teixeira de Freitas (art.
1.830 da Consolidaomo).
Estas distino}es perderam a sua razmo de ser no direito moderno, especialmente
depois da obra de Savigny,11 que afasta a distinomo entre pacto e contrato,
aproximando-os em sinontmia que o direito moderno traz quase perfeita. E
dizemo-la quase perfeita, porque a terminologia jurtdica ainda se compraz em
reservar a expressmo pacto para a designaomo de alguns contratos acessyrios (e.
g.: pacto adjeto j nota promissyria, pacto comissyrio na compra e venda, pacto
nupcial). Nmo obstante tal especificidade, todos eles podermo, sem quebra da
boa linguagem, denominar-se contratos, como ainda nmo ofenderia a boa tpcnica
apelidar de pacto qualquer contrato ttpico.
Toda convenomo p modernamente dotada de foroa vinculante e mune o credor
de aomo para perseguir em jutzo a prestaomo em esppcie ou em equivalente.12
O que, mais do que a forma e a actio, constitui traoo distintivo mais puro entre o
contrato romano e o moderno p a relaomo jurtdica criada. No Direito Romano,
dado o cariter personaltssimo da obligatio, a ligaomo se estabelecia entre as
pessoas dos contratantes, prendendo-os (nexum) e sujeitando os seus pryprios
corpos. Sy muito mais tarde foi posstvel (v. n 127, supra, vol. II) desbordar a
execuomo que incidia sobre a pessoa do devedor para os seus bens (pecuniae
creditae bona debitoris, non corpus obnoxium esse), porpm, mesmo assim, ainda
sobreviveu, no sistema, o sentido personaltssimo.
185. )unomo social do contrato. 3rinctpio de sua obrigatoriedade. 3rinctpio do
consensualismo
Nmo obstante o rigorismo formal, entmo vigente, inexistiam embaraoos ou
dificuldades j celebraomo de contratos em Roma. Aquela sociedade, adiantada e
possuidora de um alto gabarito de civilizaomo jurtdica, vivia ji no mundo do
contrato. Vencera, mesmo antes do pertodo clissico, a concepomo da
apropriaomo violenta de utilidades. Apurara-se. E por isto mesmo pudera
constituir em sua pureza a estrutura de tmo numerosos contratos, que ainda hoje
a complexidade da vida econ{mica ocidental adota os seus arquptipos com
poucas alterao}es.
Com o passar do tempo, entretanto, e com o desenvolvimento das atividades
sociais, a funomo do contrato ampliou-se. Generalizou-se. Qualquer indivtduo -
sem distinomo de classe, de padrmo econ{mico, de grau de instruomo - contrata.
O mundo moderno p o mundo do contrato. E a vida moderna o p tambpm, e em
tmo alta escala que, se se fizesse abstraomo por um momento do fen{meno
contratual na civilizaomo de nosso tempo, a conseqrncia seria a estagnaomo da
vida social. O homo economicus estancaria as suas atividades. e o contrato que
proporciona a subsistrncia de toda a gente. Sem ele, a vida individual
regrediria, a atividade do homem limitar-se-ia aos momentos primirios.
Mesmo nos regimes socialistas nmo foi posstvel abolir o contrato. Na URSS,
onde se distinguiam os dois setores, p~blico e privado, da economia, os
contratos sobreviviam. Neste, a funomo social do contrato p aproximadamente
igual j que o acompanha nos regimes capitalistas. No setor da economia
p~blica, nmo obstante pertencerem ao Estado os yrgmos de produomo, adotava-se
o contrato como fator psicolygico e moral. Quando a mina de carvmo contratava
com a usina sider~rgica, e esta com a fibrica de vag}es, todas sabiam que
tinham de cumprir os itens impostos pela lei que aprovara o plano qinqenal.
Mas assim mesmo contratavam, como que para se sentirem diretamente
vinculadas, empenhando sua palavra no sentido da realizaomo daqueles
objetivos.13
Mas nmo p sy este o aspecto a considerar. Paralelamente j funomo econ{mica,
aponta-se no contrato uma outra civilizadora em si, e educativa. Aproxima ele
os homens e abate as diferenoas. Enquanto o indivtduo admitiu a possibilidade
de obter o necessirio pela violrncia, nmo p{de apurar o senso ptico, que somente
veio a ganhar maior amplitude quando o contrato convenceu das excelrncias de
observar normas de comportamento na consecuomo do desejado. Dois
indivtduos que contratam, mesmo que se nmo estimem, respeitam-se. E
enquanto as cliusulas smo guardadas, vivem em harmonia satisfatyria, ainda
que pessoalmente se nmo conheoam.
Num outro sentido vinga a funomo social do contrato: na afirmaomo de maior
individualidade humana.14 Aquele que contrata projeta na avenoa algo de sua
personalidade. O contratante tem a conscirncia do seu direito e do direito como
concepomo abstrata. Por isso, realiza dentro das suas relao}es privadas um
pouco da ordem jurtdica total. Como fonte criadora de direitos, o contrato
assemelha-se j lei, embora de kmbito mais restrito. Os que contratam assumem,
por momento, toda a foroa jurtgena social. Percebendo o poder obrigante do
contrato, o contraente sente em si o impulso gerador da norma de
comportamento social, e efetiva este impulso.
O art. 421 do Cydigo Civil disp}e que a liberdade de contratar seri exercida em
razmo e nos limites da funomo social do contrato. Ao ser publicado o Anteprojeto
de 1972, este artigo, com o n 417, se apresentava com uma redaomo inaceitivel.
Estabelecia que "a liberdade de contratar somente pode ser exercida em razmo e nos
limites da funomo social do contrato". Dirigi-lhe substanciosa crttica.15 Com aquela
redaomo estaria o Cydigo instituindo um requisito novo de validade dos
contratos, e, desta sorte, instilando inseguranoa na atividade negocial, alpm de
subordinar a eficicia das avenoas a uma aferiomo objetiva diftcil. Estabelecendo
a cliusula de exclusividade para a liberdade de contratar ("somente pode ser
exercida") concederia ao juiz, ao sabor de seus pendores mais ou menos
socializantes ou reacionirios, o poder de julgar o contrato dentro de um critprio
informado pelo absoluto subjetivismo, dele julgador. As minhas crtticas foram
acolhidas, posto que a elas se nmo referissem os membros da Comissmo,
eliminando da disposiomo a cliusula de exclusividade.
A redaomo que vingou deve ser interpretada de forma a se manter o princtpio
de que a liberdade de contratar p exercida em razmo da autonomia da vontade
que a lei outorga js pessoas. O contrato ainda existe para que as pessoas
interajam com a finalidade de satisfazerem os seus interesses. A funomo social
do contrato serve para limitar a autonomia da vontade quando tal autonomia
esteja em confronto com o interesse social e este deva prevalecer, ainda que essa
limitaomo possa atingir a prypria liberdade de nmo contratar, como ocorre nas
hipyteses de contrato obrigatyrio.
Considerando o Cydigo que o regime da livre iniciativa, dominante na
economia do Pats, assenta em termos do direito do contrato, na liberdade de
contratar, enuncia regra contida no art. 420, de subordinaomo dela j sua funomo
social, com prevalrncia dos princtpios condizentes com a ordem p~blica, e
atentando a que o contrato nmo deve atentar contra o conceito da justioa
comutativa. Partindo de que o direito de propriedade deve ser exercido tendo
como limite o desempenho de deveres compattveis com a sua funomo social,
assegurada na Constituiomo da Rep~blica, o Cydigo estabelece que a liberdade
de contratar nmo pode divorciar-se daquela funomo. Dentro nesta concepomo, o
Cydigo consagra a rescismo do contrato lesivo, anula o celebrado em estado de
perigo, combate o enriquecimento sem causa, admite a resoluomo por
onerosidade excessiva, disciplina a reduomo de cliusula penal excessiva.
O legislador atentou aqui para a acepomo mais moderna da funomo do contrato,
que nmo p a de exclusivamente atender aos interesses das partes contratantes,
como se ele tivesse existrncia aut{noma, fora do mundo que o cerca. Hoje o
contrato p visto como parte de uma realidade maiore como um dos fatores de
alteraomo da realidade social. Essa constataomo tem como conseqrncia, por
exemplo, possibilitar que terceiros que nmo smo propriamente partes do contrato
possam nele influir, em razmo de serem direta ou indiretamente por ele
atingidos.
A funomo social do contrato, portanto, na acepomo mais moderna, desafia a
concepomo clissica de que os contratantes tudo podem fazer, porque estmo no
exerctcio da autonomia da vontade. O reconhecimento da inseromo do contrato
no meio social e da sua funomo como instrumento de enorme influrncia na vida
das pessoas, possibilita um maior controle da atividade das partes. Em nome do
princtpio da funomo social do contrato se pode, v.g., evitar a inseromo de
cliusulas que venham injustificadamente a prejudicar terceiros ou mesmo
proibir a contrataomo tendo por objeto determinado bem, em razmo do interesse
maior da coletividade.
A funomo social do contrato p um princtpio moderno que vem a se agregar aos
princtpios clissicos do contrato, que smo os da autonomia da vontade, da foroa
obrigatyria, da intangibilidade do seu conte~do e da relatividade dos seus
efeitos. Como princtpio novo ele nmo se limita a se justapor aos demais, antes
pelo contririo vem desafii-los e em certas situao}es impedir que prevaleoam,
diante do interesse social maior.
Obrigatoriedade. Decorrrncia natural de sua funomo social p o princtpio de sua
obrigatoriedade.
O Direito Romano, resumindo talvez milrnios de evoluomo da idpia contratual,
ji enunciara a regra, com o cariter absoluto e irrefragivel, de um postulado de
sua vida social e polttica, fundada no mais extremado individualismo. O seu
Cydigo Decenviral proclamava com toda a rigidez que se tornava em direito
aquilo que a ltngua exprimisse: "Cum nexum faciet mancipiumque, uti lingua
nuncupassit ita ius esto".16 Perdendo embora aquele sentido pryprio do direito
quiritirio, a regra subsiste, nmo tmo absoluta, mas verdadeira. O contrato obriga
os contratantes. Ltcito nmo lhes p arrependerem-se; ltcito nmo p revogi-lo senmo
por consentimento m~tuo; ltcito nmo p ao juiz alteri-lo ainda que a pretexto de
tornar as condio}es mais humanas para os contratantes. Com a ressalva de uma
amenizaomo ou relatividade de regra, que seri adiante desenvolvida (n 186,
infra), o princtpio da foroa obrigatyria do contrato significa, em essrncia, a
irreversibilidade da palavra empenhada. A ordem jurtdica oferece a cada um a
possibilidade de contratar, e di-lhe a liberdade de escolher os termos da
avenoa, segundo as suas preferrncias. Conclutda a convenomo, recebe da ordem
jurtdica o condmo de sujeitar, em definitivo, os agentes. Uma vez celebrado o
contrato, com observkncia dos requisitos de validade, tem plena eficicia, no
sentido de que se imp}e a cada um dos participantes, que nmo trm mais a
liberdade de se forrarem js suas conseqrncias, a nmo ser com a cooperaomo
anuente do outro. Foram as partes que escolheram os termos de sua vinculaomo,
e assumiram todos os riscos. A elas nmo cabe reclamar, e ao juiz nmo p dado
preocupar-se com a severidade das cliusulas aceitas, que nmo podem ser
atacadas sob a invocaomo de princtpios de eqidade,17 salvo a intercorrrncia de
causa adiante minudenciada.
O princtpio da foroa obrigatyria do contrato contpm tnsita uma idpia que reflete
o miximo de subjetivismo que a ordem legal oferece: a palavra individual,
enunciada na conformidade da lei, encerra uma centelha de criaomo, tmo forte e
tmo profunda, que nmo comporta retrataomo, e tmo imperiosa que, depois de
adquirir vida, nem o Estado mesmo, a nmo ser excepcionalmente, pode intervir,
com o propysito de mudar o curso de seus efeitos. Esta idpia, de tmo sedutora,
foi levada ao extremo, quando Siegel, no fim do spculo XIX, sustentou que a
vontade individual, independentemente do contrato, ou ao lado deste, constitui
fonte de obrigao}es. A vontade livre liga-se a si mesma, e gera a obrigaomo sem
a intervenomo de uma outra vontade.18
Nmo p posto em d~vida o princtpio da obrigatoriedade, de aceitaomo universal,
muito embora se lhe ponham obsticulos, em nome da ordem p~blica (v. neste
n!@, infra). Nmo chegam estes a infirmi-lo.
Onde, porpm, campeia discussmo p na busca do fundamento da obrigatoriedade.
Para a escola jusnaturalista, assenta no pacto social (Grotius, Puffendorf), com a
hipytese, hoje desacreditada, de que teria havido, primitivamente, uma
convenomo ticita em virtude da qual os indivtduos teriam transigido com seus
apetites egotstas, e determinado o respeito pelos compromissos livremente
assumidos. A concepomo utilitarista de Jeremy Bentham aponta-lhe como
suporte a convenirncia de cada um, que no respeito ao interesse alheio enxerga
o resguardo dos seus pryprios. Giorgi, assente nas teses de Vico, Fries, Belime,
Tissot, aceita-lhe para supedkneo a decorrrncia da lei natural, que leva o
homem a dizer a verdade, como uma imposiomo de suas tendrncias interiores.
A Escola Positivista quase faz abstraomo do problema, sustentando
simplesmente o princtpio da obrigatoriedade no mandamento da lei, e dizendo
que o contrato obriga porque assim a lei disp}e, o que nmo p explicar nem
justificar, pois o de que se cogita p precisamente de retroceder ao porqur, no
momento em que se afirma o princtpio. Messineo, seguindo o ministprio de
Kant e Boistel, defende a obrigatoriedade como consectirio da liberdade de
contratar, armando esta equaomo: o contrato obriga porque as partes livremente
o aceitam. Ruggiero e Maroi assentam a regra na unidade da vontade
contratual.
Parece-nos, ante tantas manifestao}es, e mais numerosas ainda seriam se mais
longe levissemos a pesquisa, que o conceito da superlegalidade, imprimindo
um mais puro conte~do ptico j norma jurtdica, vai fundamentar a
obrigatoriedade do contrato. Aquele mesmo conte~do de moralidade que a
anima, transposto para o campo espectfico do direito obrigacional, sustenta o
princtpio em virtude do qual o ordenamento positivo estatui que a avenoa
estipulada regularmente tem foroa obrigatyria para os que a celebram.19
3rinctpio consensualista - O Direito Romano considerava a necessidade de
uma certa materialidade, sem a qual nmo concebia sua existrncia jurtdica.
Quatro, segundo Gaius, ji invocado, eram as modalidades contratuais: re,
litteris, verbis, consensu. Estes ~ltimos, que somente tarde apareceram,
limitavam-se a quatro tipos (venda, locaomo, mandato, sociedade). Como
s~mula da matpria, pode-se dizer que naquele direito imperava a regra geral,
que consistia na adoomo de rtgido formalismo, sy excepcionalmente desprezado
naquelas avenoas, cuja flexibilidade fora reclamada pelas imperiosas
necessidades mercantis, que predominaram em uma sociedade marcadamente
comerciante. A aomo animava o direito. Os contratos conclutdos formalmente
eram dela dotados. E somente foi posstvel atribuir foroa obrigatyria aos
contratos consensuais no momento em que aos pactos que os precederam foi
ligada a actio bonae fidei.
Em razmo das imposio}es mesmas do comprcio, foi aquele sistema transigindo
com suas anteriores exigrncias, e pouco a pouco alargando a atuaomo da idpia
consensualista, seja quando o pretor concedia a actio in factum a certos pactos,
seja quando se alargava a incidrncia da actio praescriptis verbis. Aquele rigor
primitivo, que atravessou a rep~blica e penetrou o impprio, com o qual os
jurisconsultos das ppocas prp-clissicas trataram o contrato, amenizou-se,
podendo-se quase admitir que no Baixo Impprio a proposiomo se invertera. O
romano esteve no limiar da aceitaomo da regra consensualista, quase ao ponto
de libertar-se do formalismo, quase em condio}es de declarar que o contrato se
formava solo consensu. E p a este momento que se costuma ligar uma definiomo
do contrato, pryxima da idpia moderna: duorum pluriumve in idem placitum
consensus.Com a invasmo dos birbaros, que trouxeram da Germknia a influrncia de seu
direito, houve um retrocesso. Simbolistas, materializavam, j sua vez, o contrato
em manifestao}es concretas externas, rejeitando a validade dos atos puramente
abstratos.
Durante a Idade Mpdia, o direito do contrato sofreu longa e funda
transformaomo. Partindo-se da necessidade de que fossem observadas as
formalidades exigidas pelo Direito Romano, era corrente entre os escribas que
reduziam a escrito as conveno}es, a pedido dos interessados, consignarem que
todos os rituais haviam sido cumpridos, mesmo quando nmo o tivessem sido. E
de tal forma generalizou-se a praxe, que se passou a entender que a menomo do
fato valia mais do que o pryprio fato, isto p, passou a ter mais valor a declaraomo
de que as formalidades haviam sido observadas do que a verificaomo de sua
pritica efetiva. Note-se que nmo houve a dispensa direta da sacramentalidade,
porpm a sua aboliomo indireta. Muito embora nmo hajam os jurisconsultos
costumeiros assumido a proclamaomo da dispensa do formalismo, este
evidentemente sofreu rude golpe desde que se espraiou a convicomo de que a
simples menomo de sua observkncia tinha mais foroa do que o formalismo em si.
Ao lado disto, a imiscuiomo das priticas religiosas introduziu o costume de
fazer o juramento acompanhar as conveno}es, como tpcnica de atribuir-lhes
foroa. Abalou-se, portanto, o presttgio dos rituais do Direito Romano, desde que
se acreditou no poder de uma declaraomo de vontade, enunciada sob a
invocaomo da divindade.
Por seu turno, os canonistas, imbutdos do espiritualismo cristmo interpretavam
as normas de Direito Romano animados de uma inspiraomo mais elevada. No
tocante ao contrato, raciocinaram que o seu descumprimento era uma quebra
de compromisso, equivalente j mentira; e como esta constituta peccatum, faltar
ao obrigado atrata as penas eternas. Nmo podia ser, para os jurisconsultos
canonistas, predominante a sacramentalidade clissica, mas sobretudo
prevalecia o valor da palavra, o pryprio consentimento.
Estas duas correntes de pensamento, que nmo marchavam paralelas, mas se
entrecruzavam num sy rumo, veio a dar na afirmaomo do princtpio consensualista.
Quando, pois, no limiar da Idade Moderna, um jurista costumeiro, como
Loysel, dizia que "os bois se prendem pelos chifres e os homens pela palavra",
fazia na verdade, e a um sy tempo, uma constataomo e uma profissmo de fp:
testemunhava em favor da foroa jurtgena da palavra em si mesma, e deitava
uma regra, segundo a qual os contratos formavam-se, em princtpio, solo
consensu. Foi assim que os jurisconsultos do tempo (Pierre de La Fontaine,
Beaumanoir) equipararam as conveno}es simples (convenances) aos contratos de
Direito Romano.20
Ao se constituir o direito contratual moderno, ji nmo encontrou obsticulo o
princtpio do consensualismo. Os sistemas de direito positivo consignaram a
preeminrncia da regra segundo a qual o contrato se forma pelo consenso das
partes. Retomou uma velha parrmia, pacta sunt servanda, nmo apenas para dizer
que os contratos devem ser cumpridos (princtpio da foroa obrigatyria), mas
para generalizar que qualquer ajuste, como expressmo do acordo de vontade das
partes, tem igual foroa cogente.
O princtpio do consensualismo predominou em todo o spculo XIX e avanoou
pelo spculo XX. Segundo ele, o contrato nasce do consenso puro dos
interessados, uma vez que p a vontade a entidade geradora. Somente por
exceomo conservou algumas hipytese de contratos reais e formais, para cuja
celebraomo exigiu a traditio da coisa e a observkncia de formalidades.
Mais modernamente, contudo, sentiu o direito a imperiosa necessidade de
ordenar certas regras de seguranoa, no propysito de garantir as partes
contratantes, contra as facilidades que a aplicaomo demasiado ampla do
princtpio de consensualismo vinha difundindo. E engendrou entmo certas
exigrncias materiais, que podem ser subordinadas ao tema do formalismo, as
quais abalam a generalizaomo exagerada do consensualismo.21 Assim p que se
exige a elaboraomo de instrumento escrito para a venda de automyveis; exige
inscriomo no registro imobiliirio, para que as promessas de compra e venda
sejam dotadas de execuomo espectfica com eficicia real (art. 1.417 do Cydigo), e
se imp}e o registro na alienaomo fiduciiria em garantia (parigrafo 1 do art.
1.361 do Cydigo).
185-A. 3rinctpio da boa-fp objetiva
A maior crttica que certamente se podia fazer ao Cydigo Civil de 1916 era a de
que nele nmo se tinha consagrado expressamente o princtpio da boa-fp como
cliusula geral, falha imperdoivel diante da consagraomo do princtpio nos
Cydigos a ele anteriores, como o francrs (art. 1.134) e o alemmo (par. 242).
O Cydigo de 2002 preencheu essa lacuna e disp{s no seu art. 422 que os
contratantes smo obrigados a guardar, assim na conclusmo do contrato, como em
sua execuomo, os princtpios da probidade e boa-fp. Esqueceu-se o legislador de
incluir expressamente na fyrmula do art. 422 os pertodos prp e pys-contratual,
dentro dos quais o princtpio da boa-fp tem importkncia fundamental para a
criaomo de deveres jurtdicos para as partes, diante da inexistrncia nessas fases
de prestaomo a ser cumprida. Essa omissmo nmo implica negaomo da aplicaomo da
regra da boa-fp para essas fases antecedente e posterior ao contrato, muito pelo
contririo, ji que cabe aqui a interpretaomo extensiva da norma para abranger
tambpm as situao}es nmo expressamente referidas, mas contidas no seu esptrito.
O princtpio da boa-fp, apesar de consagrado em norma infraconstitucional,
incide sobre todas as relao}es jurtdicas na sociedade. Configura cliusula geral
de observkncia obrigatyria, que contpm um conceito jurtdico indeterminado,
carente de concretizaomo segundo as peculiaridades de cada caso.
A boa-fp referida no art. 422 do Cydigo p a boa-fp objetiva, que p caractertstica
das relao}es obrigacionais. Ela nmo se qualifica por um estado de conscirncia do
agente de estar se comportando de acordo com o Direito, como ocorre com a
boa-fp subjetiva. A boa-fp objetiva nmo diz respeito ao estado mental subjetivo
do agente, mas sim ao seu comportamento em determinada relaomo jurtdica de
cooperaomo. O seu conte~do consiste em um padrmo de conduta, variando as
suas exigrncias de acordo com o tipo de relaomo existente entre as partes.
A boa-fp objetiva nmo cria apenas deveres negativos, como o faz a boa-fp
subjetiva. Ela cria tambpm deveres positivos, ji que exige que as partes tudo
faoam para que o contrato seja cumprido conforme previsto e para que ambas
obtenham o proveito objetivado. Assim, o dever de simples abstenomo de
prejudicar, caractertstico da boa-fp subjetiva, se transforma na boa-fp objetiva
em dever de cooperar. O agente deve fazer o que estiver ao seu alcance para
colaborar para que a outra parte obtenha o resultado previsto no contrato, ainda
que as partes assim nmo tenham convencionado, desde que evidentemente para
isso nmo tenha que sacrificar interesses legttimos pryprios.
A boa-fp objetiva serve como elemento interpretativo do contrato, como
elemento de criaomo de deveres jurtdicos (dever de correomo, de cuidado e
seguranoa, de informaomo, de cooperaomo, de sigilo, de prestar contas) e atp
como elemento de limitaomo e ruptura de direitos (proibiomo do venire contra
factum proprium, que veda que a conduta da parte entre em contradiomo com
conduta anterior, do inciviliter agere, que protbe comportamentos que violem o
princtpio da dignidade humana, e da tu quoque, que p a invocaomo de uma
cliusula ou regra que a prypria parte ji tenha violado).
A positivaomo do princtpio da boa-fp objetiva como cliusula geral no Cydigo de
2002 certamente em muito contribuiri para o seu desenvolvimento na doutrina
e jurisprudrncia brasileiras. Na apuraomo da conduta contratual,em face da
probidade e boa-fp, exigidos pelo artigo, o juiz nmo pode deixar de se informar
dos usos, costumes e priticas que os contratantes normalmente seguem, no
tocante ao tipo contratual que constitua objeto das cogitao}es no momento, ou
em torno do qual surge o littgio.
Ambas as noo}es nmo se contrm dentro de parkmetros rtgidos. A probidade
resulta do confronto da conduta do contratante com um padrmo de "homem leal
e honesto", e teri de ser apurada em face das circunstkncias de cada caso. O
conceito de boa-fp, embora flextvel, exige que o intprprete procure pesquisar a
real intenomo das partes, dentro no contexto efetivo do instrumento do contrato.
186. Autonomia da vontade e intervenomo do Estado
Acabamos de ver que o contrato se origina da declaraomo de vontade, tem foroa
obrigatyria, deve atender j sua funomo social, observar o princtpio da boa-fp, e
forma-se, em princtpio, pelo sy consentimento das partes. Hi, ainda, mais.
Nasce da vontade livre, segundo o princtpio da autonomia da vontade.
A ordem jurtdica, que assegura aos indivtduos a faculdade de criar direito e
estabelecer uma vinculaomo efetiva, nmo se contenta com isto, e concede-lhes a
liberdade de contratar. No plano puramente civiltstico, esta se exerce e concretiza
nos quatro momentos fundamentais da existrncia dos ajustes:
A - Em primeiro lugar, vigora a faculdade de contratar e de nmo contratar, isto
p, o arbttrio de decidir, segundo os interesses e convenirncias de cada um, se e
quando estabeleceri com outrem um negycio jurtdico-contratual. Este princtpio
p um tanto relativo, porque, se nmo hi norma genprica que imponha a uma
pessoa a celebraomo de contratos, a nmo ser em circunstkncias de extrema
excepcionalidade, a vida em sociedade, nos moldes de sua organizaomo
hodierna, determina a realizaomo asstdua e freqente de contratos, que vmo
desde a maior singeleza (como adquirir um jornal em um quiosque) atp a mais
requintada complexidade. Mesmo a lei contpm hoje diversas exceo}es ao
princtpio de que as pessoas contratam apenas se assim o quiserem, o qual nmo
vigora mais hoje em dia na plenitude com que se afirmava no pertodo clissico
da teoria dos contratos. O Cydigo do Consumidor, v.g., limitou
expressivamente essa faculdade em diversas das suas disposio}es, em especial
no seu art. 39, II e IX-A, ao dispor que o fornecedor de produtos e servioos nmo
pode recusar atendimento js demandas dos consumidores, na exata medida de
suas disponibilidades de estoque, e em conformidade com os usos e costumes, e
proibindo a recusa j venda de bens ou a prestaomo de servioos, diretamente a
quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os
casos de intermediaomo regulados em leis especiais.
B - Em segundo lugar, a liberdade de contratar implica a escolha da pessoa com
quem fazr-lo, bem como do tipo de negycio a efetuar. Nmo p, tambpm, absoluto
o poder de aomo individual, porque js vezes a pessoa do outro contratante nmo p
suscettvel de opomo, como nos casos de servioos p~blicos concedidos sob regime
de monopylio e nos contratos submetidos ao Cydigo do Consumidor. As
exceo}es, que nmo infirmam a regra, deixam incylume o princtpio da livre
escolha.
C - Em terceiro lugar, a liberdade de contratar espelha o poder de fixar o
conte~do do contrato, redigidas as suas cliusulas ao sabor do livre jogo das
convenirncias dos contratantes. De regra, estes lhe imprimem a modalidade
peculiar ao seu negycio, e atribuem ao contrato redaomo prypria, estipulando
condio}es, fixando obrigao}es, determinando prestao}es etc. Aqui, p necessirio
ressaltar que a lei, mediante a normaomo discriminativa dos contratos
nominados ou ttpicos, ji oferece aos interessados a estrutura legal daquela
esppcie contratual. Adotando-a, as partes perfilham, como de sua prypria
redaomo, os dispositivos legais existentes, o que levou alguns escritores a
considerar mera aparrncia esta faculdade, pelo fato da submissmo aos padr}es
oficiais da figura negocial escolhida.22 e exato que isto ocorre, como p exato
ainda que em certas eventualidades o contrato se celebra pela simples adesmo
de uma parte ao paradigma ji redigido, conforme expressamente admitido
pelos arts. 423 e 424 do Cydigo, concluindo-se a avenoa pela simples atitude do
interessado, traduzida como forma ticita de manifestaomo volitiva. Trataremos
do contrato de adesmo, pela sua importkncia, no n 197.
O princtpio da liberdade de contratar ostenta-se, nmo obstante, na faculdade de
nmo adotar aquelas normas-padrmo ou aquele modelo prp-moldado. O Cydigo
admite expressamente essa liberdade, ao estatuir no seu art. 425 que p ltcito js
partes estipular contratos attpicos, observadas as normas gerais nele fixadas.
No Direito Romano os contratos eram conhecidos por um nome (ex., compra e
venda, emptio-venditio; m~tuo, mutuum; sociedade, societas). Somente os assim
identificados eram dotados de aomo (actio) que permitia perseguir seu objeto em
jutzo. Mais tarde outros negycios contratuais foram reconhecidos, donde a
classificaomo que atravessou os spculos, distinguindo os contratos nominados
dos contratos inominados. Modernamente, tendo em vista que todo contrato p
dotado de foroa obrigatyria, os escritores passaram a considerar que nmo p a
denominaomo (nomen iuris) que tem relevkncia, porpm a tipicidade. Substitui a
antiga classificaomo por esta outra - contratos ttpicos e contratos attpicos.
Chamam-se ttpicos aqueles contratos cujas regras disciplinares smo expostas e
desenvolvidas nos Cydigos e nas leis. Smo attpicos aqueles que envolvem novas
relao}es jurtdicas nmo especificadas no corpo dos provimentos legislativos,
porpm nascem criados pela imaginaomo ou gerados pelas necessidades
econ{micas.
Quando celebram contrato ttpico, as partes nmo necessitam de descer a todas as
min~cias, considerando-se que adotaram os princtpios que o Cydigo ou a lei
estabelece para a respectiva figura. Quando formam contrato attpico, trm que
minudenciar todos os direitos e obrigao}es que o comp}em. Na interpretaomo
destes ~ltimos, o juiz teri de invocar, em suprimento do contexto, os princtpios
legais relativos ao contrato ttpico mais pryximo, alpm daqueles que dizem
respeitos aos contratos em geral.
Estas noo}es, pactficas em doutrina, converteu-as o Cydigo em preceituaomo
legal. O dispositivo, posto que consignando verdade apodttica, desdobra-se em
dois incisos. O primeiro, autorizando estipular contratos attpicos, p
evidentemente ocioso, pois que, em todos os tempos, a velocidade da vida
econ{mica e as necessidades sociais estimularam a criaomo de toda uma
tipologia contratual que o legislador nmo pode prever, e que os Cydigos
absorveram apys a pritica corrente havr-la delineado. O segundo, na linha da
elaboraomo doutriniria, determinando que aos novos contratos elaborados
atipicamente, apliquem-se as normas deste Cydigo. Podia ser mais preciso,
acrescentando-lhes, alpm destas, as que constem de leis extravagantes,
normalmente adequadas a cada contrato attpico.
D - Finalmente, uma vez conclutdo o contrato, passa a constituir fonte formal
de direito, autorizando qualquer das partes a mobilizar o aparelho coator do
Estado para fazr-lo respeitar tal como esti, e assegurar a sua execuomo segundo
a vontade que presidiu a sua constituiomo.
Em suas linhas gerais, eis o princtpio da autonomia da vontade, que
genericamente pode enunciar-se como a faculdade que trm as pessoas de
concluir livremente os seus contratos.
Este princtpio nmo p absoluto, nem reflete a realidade social na sua plenitude.
Por isso, dois aspectos de sua incidrncia devem ser encarados seriamente: um
diz respeito js restrio}es trazidas pela sobrelevkncia da ordem p~blica, e outro
vai dar no dirigismo contratual, que p a intervenomo do Estado na economia do
contrato. Vejamo-los, uma um.
Todo contrato parte do pressuposto fitico de uma declaraomo volitiva, emitida
em conformidade com a lei, ou obediente aos seus ditames. O direito positivo
prescreve umas tantas normas que integram a disciplina dos contratos e
limitam a aomo livre de cada um, sem o que a vida de todo o grupo estari
perturbada. Smo os princtpios que barram a liberdade de aomo individual e
constituem o conte~do das leis proibitivas e imperativas (v. sobre estas o n 19,
supra, vol. I). A lei ordena ou protbe dados comportamentos sem deixar aos
particulares a liberdade de derrogi-los por pactos privados, ao contririo das
leis supletivas, que smo ditadas para suprir o pronunciamento dos interessados.
Quando um contrato p ajustado, nmo p posstvel fugir da observkncia daquelas
normas, sob pena de sofrer penalidades impostas inafastavelmente. Os
contratantes sujeitam, pois, sua vontade ao ditado dos princtpios da ordem
p~blica e dos bons costumes.
O que smo normas de ordem p~blica e o que smo bons costumes nmo hi critprio
rtgido para precisar. Ao revps, ocupam umas e outras zonas de delimitaomo
flutuante, que os juristas a custo conseguem definir. Segundo doutrinas aceitas
com visos de generalidade, condizem com a ordem p~blica as normas que
instituem a organizaomo da famtlia (casamento, filiaomo adoomo, alimentos); as
que estabelecem a ordem de vocaomo hereditiria e a sucessmo testamentiria; as
que pautam a organizaomo polttica e administrativa do Estado, bem como as
bases mtnimas da organizaomo econ{mica; os preceitos fundamentais do Direito
do Trabalho; enfim, as regras que o legislador erige em cknones basilares da
estrutura social, polttica e econ{mica da Naomo. Nmo admitindo derrogaomo,
comp}em leis que protbem ou ordenam cerceando nos seus limites a liberdade
de todos.
Bons costumes smo aqueles que se cultivam como condio}es de moralidade
social, matpria sujeita a variao}es de ppoca a ppoca, de pats a pats, e atp dentro
de um mesmo pats e mesma ppoca. Atentam contra bonos mores aqueles atos
que ofendem a opinimo corrente no que se refere j moral sexual, ao respeito j
pessoa humana, j liberdade de culto, j liberdade de contrair matrim{nio.23
Dentro desses campos, cessa a liberdade de contratar. Cessa ou reduz-se. Se a
ordem jurtdica interdiz o procedimento contra certos princtpios, que se vmo
articular na prypria organizaomo da sociedade ou na harmonia das condutas, a
sua contravenomo penetra as raias do iltcito, e o ato negocial resultante p ferido
de ineficicia.
O contrato, que reflete por um lado a autonomia da vontade, e por outro
submete-se j ordem p~blica, hi de ser conseguintemente a resultante deste
paralelogramo de foroas, em que atuam ambas estas freqrncias. Como os
conceitos de ordem p~blica e bons costumes variam, e os conte~dos das
respectivas normas por via de conseqrncia, certo seri entmo enunciar que em
todo tempo o contrato p momento de equiltbrio destas duas foroas, reduzindo-
se o campo da liberdade de contratar na medida em que o legislador entenda
conveniente alargar a extensmo das normas de ordem p~blica, e vice-versa.
Nem hi uniformidade de aomo legislativa, a este respeito. Ao contririo, a
oscilaomo nas virias quadras histyricas p grande, ora recrudescendo sua
interferrncia na vida do contrato, ora amenizando-se para maior incremento da
autonomia da vontade. Testemunhamos um desses movimentos. Depois que o
individualismo prosperou no spculo XVIII, proclamando a liberdade e a
igualdade polttica, o homem do direito procurou defender a plenitude da
liberdade jurtdica no spculo XIX. Dat adveio a idpia de mais ampla liberdade de
contratar, traduzida no princtpio da autonomia da vontade, que Demogue
ainda eleva a termos demasiadamente amplos.24 Proclamou-se que cada um
tem o direito de proceder livremente, contratando ou deixando de contratar;
ajustando toda esppcie de avenoas; pactuando qualquer cliusula; e que o juiz
nmo pode interferir, ainda quando do contrato resulte para uma das partes a
rutna completa. O contrato, como expressmo da liberdade individual, seria
incompattvel com as restrio}es que se oponham a esta liberdade.
No comeoo, porpm, do spculo XX compreendeu-se que, se a ordem jurtdica
prometia a igualdade polttica, nmo estava assegurando a igualdade econ{mica.
O capitalismo desenvolto, com a industrializaomo crescente, e a criaomo das
grandes empresas, conduziu j defasagem dos contratantes. Aparentemente
iguais, estes se acham via de regra desnivelados economicamente. E o negycio
que realizam sofre a influrncia desta diferenciaomo. Conseqentemente, o
contrato, com as vestes de um ato emanado de vontades livres e iguais, contpm
muitas vezes uma desproporcionalidade de prestao}es ou de efeitos em tal grau
que ofende aquele ideal de justioa que p a ~ltima ratio da prypria ordem
jurtdica.
Por outro lado, o ambiente objetivo, por ocasimo da execuomo do contrato, js
vezes difere fundamente do que envolveu a sua celebraomo, em conseqrncia de
acontecimentos estranhos j vontade das partes, e totalmente imprevistos.
Ante influrncias tais, que detidamente analisamos em outra obra,25 medrou no
direito moderno a convicomo de que o Estado tem de intervir na vida do
contrato, seja mediante a aplicaomo de leis de ordem p~blica, que estabelecem
restrio}es ao princtpio da vontade em beneftcio do interesse coletivo, seja com a
adoomo de uma intervenomo judicial na economia do contrato, instituindo a
contenomo dos seus efeitos, alterando-os ou mesmo liberando o contratante
lesado, por tal arte que logre evitar que por via dele se consume atentado contra
a justioa.
Em termos gerais, todo este movimento pode enquadrar-se na eptgrafe ampla
do dirigismo contratual, ou intervenomo do Estado na vida do contrato, que conflita
com as noo}es tradicionais da autonomia da vontade, e defende aquela das
partes que se revela contratualmente inferior contra os abusos do poderoso, que
uma farisaica compreensmo da norma jurtdica antes cobria de toda proteomo.
A idpia intervencionista ganha corpo e atinge trrs aspectos principais:
A - s vezes o legislador imp}e a contrataomo como no caso de fornecimento de
bens e servioos, conforme preceitua o art. 39, II e IX-A, do Cydigo do
Consumidor (Lei n 8.078/90), o que antes mesmo da entrada em vigor desta
Lei ji era definido como delito contra a economia popular (Lei n 1.521, de 26 de
dezembro de 1951), ou como naquele outro de conceder ao locatirio de prpdio
urbano a prorrogaomo de aluguel.
B - Outras vezes institui cliusula coercitiva, definindo direitos e deveres dos
contratantes, em termos insuscettveis de derrogaomo, sob pena de nulidade ou
puniomo criminal, como no contrato de trabalho (Consolidaomo das Leis do
Trabalho, art. 9), ou no de venda de terrenos em prestao}es, em que p vedada a
cliusula de rescismo pleno iure do contrato (Lei n 6.766, de 19 de dezembro de
1973).
C - Em outros casos, concede a lei ao juiz a faculdade de rever o contrato, e
estabelecer condio}es de execuomo, coativamente impostas, caso em que a
vontade estatal substitui a vontade dos contratantes, valendo a sentenoa como
se fosse a declaraomo volitiva do interessado.
Este movimento intervencionista ganha corpo, na medida em que aumentam a
extensmo e a intensidade das normas de ordem p~blica e chega a inspirar em
juristas apegados js noo}es tradicionais a crenoa no despresttgio ou mesmo na
morte do contrato (Andrp Toullemon, Gaston Morin, Barreyre), por nmo
admitirem uma vontade contratual que nmo seja filha da plena liberdade. Hi,
porpm, um desvio de perspectiva. Nmo p o fim do contrato, porpm um capttulo
novo de sua evoluomo, ji que, atravps de sua longa vida, tem ele passado por
numerosas vicissitudes. Esta a fase atual. Outras ainda hmo de vir, sem que o
jurista de hoje possa indicar o seurumo ou a sua t{nica, se o dirigismo
exacerbar-se-i mais ainda, ou se o princtpio da autonomia da vontade, como
que num movimento pendular, retomari posiomo antiga, reconquistando
terreno perdido.
O que no momento ocorre, e o jurista nmo pode desprender-se das idpias
dominantes no seu tempo, p a reduomo da liberdade de contratar em beneftcio
da ordem p~blica,26 que na atualidade ganha acendrado reforoo, e tanto que
Josserand chega mesmo a consideri-lo a "publicitaomo do contrato". Nmo se
recusa o direito de contratar, e nmo se nega a liberdade de fazr-lo. O que se pode
apontar como a nota predominante nesta quadra da evoluomo do contrato p o
reforoamento de alguns conceitos, como o da regulamentaomo legal do contrato, a
fim de coibir abusos advindos da desigualdade econ{mica; o controle de certas
atividades empresirias; a regulamentaomo dos meios de produomo e
distribuiomo;27 e sobretudo a proclamaomo efetiva da preeminrncia dos
interesses coletivos sobre os de ordem privada,28 com acentuaomo t{nica sobre
o princtpio da ordem p~blica, que sobreleva ao respeito pela intenomo das partes,
ji que a vontade destas obrigatoriamente tem de submeter-se jquele.29
Nesse campo intervencionista situa-se a teoria da imprevismo, que estudaremos no
n 216, infra, regulada no Cydigo Civil nos arts. 478 a 480. Outro modelo
semelhante de intervenomo, com o propysito de defender a parte
economicamente mais fraca na manutenomo do princtpio do equiltbrio
econ{mico do contrato, se encontra regulado no art. 6, V, do Cydigo de Defesa
e Proteomo do Consumidor (Lei n 8.078, de 11.09.1990).
187. Requisitos de validade dos contratos: subjetivos, objetivos e formais
Como todo negycio jurtdico, o contrato esti sujeito a requisitos, cuja
inobservkncia vai dar na sua ineficicia. Uns smo gerais, a que se submetem
todos os atos negociais. Outros smo espectficos, dizem respeito particularmente
aos contratos. Nmo perderemos de vista os primeiros, cuja presenoa p
permanente, mas nmo nos deteremos no seu estudo aprofundado, reportando-
nos ao que desenvolvemos no n 84, supra (vol. I). Vamos cogitar dos outros,
peculiares ao direito do contrato. Neste estudo, distributmo-los em trrs grupos:
subjetivos, objetivos e formais, recordando ainda que em grande parte ji os
mencionamos e analisamos, ao tratarmos dos elementos da obrigaomo, no n 128
(vol. II).
No frontisptcio dos requisitos subjetivos esti, evidentemente, a capacidade das
partes. Os contratantes devem ser aptos a emitir validamente a sua vontade.
Mas nmo se requer, tmo-somente, aquela capacidade genprica, que sofre as
restrio}es contidas nos arts. 3 e 4 do Cydigo Civil. Exige-se, mais, que
nenhuma das partes seja portadora de inaptidmo espectfica para contratar. Com
efeito, a lei estabelece, muitas vezes, restrio}es j faculdade de contratar, ou de
celebrar um dado contrato. Uns o denominam de incapacidade contratual, outros
o chamam impedimento, mas nys preferimos ficar com os que dizem restrio}es, a
fim de que se nmo faoa confusmo com as incapacidades gerais ou com os
impedimentos matrimoniais.
Restringe-se a liberdade de contratar em termos gerais, ou em termos especiais,
quando uma pessoa nmo pode celebri-los de modo geral ou nmo pode concluir
um em particular. Nmo se trata de incapacidade no sentido ordinirio, pois que o
contratante guarda o poder genprico para participar dos atos da vida civil. e
mesmo restriomo ou inaptidmo confinada ao campo espectfico do poder de
contratar.30 Nos seus efeitos, assemelham-se js incapacidades, e, como estas,
geram a ineficicia do negycio,31 ora absoluta, como no caso do art. 497 do
Cydigo Civil, que protbe a compra e venda entre tutor e tutelado, mandante e
mandatirio etc., ora relativa, como na hipytese do art. 496, que disp}e ser
anulivel o mesmo contrato entre ascendentes e descendentes sem que os
demais e o c{njuge (salvo no caso de regime de separaomo obrigatyria de bens)
expressamente o consintam, limitado o direito de atacar o ato aos descendentes
interessados e ao c{njuge
Dizendo-o em linha de princtpio, e atendendo a que o contrato nasce de acordo
de vontades ou consentimento das partes, o requisito subjetivo pode ser
enunciado como a aptidmo para consentir. A expressmo consentimento ji traduz,
em si, o acordo de vontades (cum + sentire). A linguagem comum, entretanto,
emprega-a na acepomo de manifestaomo de vontade, sendo correntia a referrncia
ao consentimento de cada um dos contratantes.
O consentimento, gerador do contrato, hi de abranger seus trrs aspectos:
A - Acordo sobre a existrncia e natureza do contrato; se um dos contratantes
quer aceitar uma doaomo e o outro quer vender, contrato nmo hi.
B - Acordo sobre o objeto do contrato; se as partes divergem a seu respeito, nmo
pode haver contrato vilido, como ji explicamos, ao tratarmos do erro obstativo,
no n 89, supra (vol. I).
C - Acordo sobre as cliusulas que o comp}em; se a divergrncia campeia em
ponto substancial, nmo poderi ter eficicia o contrato.32
O consentimento, como pressuposto material do contrato, exige a emissmo da
vontade de duas ou mais pessoas. A de uma sy p insuficiente. Contra esta regra
costumam objetar com a autocontrataomo. Mas nmo hi tal. A doutrina moderna
admite majoritariamente o contrato consigo mesmo, decompondo as duas
vontades que aparecem no ato,33 mas ressalva o seu cariter excepcional na
ocorrrncia da representaomo quando o representado di expressa anurncia, com
o esclarecimento de que nesta ji esti presente uma declaraomo de vontade. A
autocontrataomo p hoje admitida no art. 117 do Cydigo, que exige a expressa
manifestaomo de vontade do representado (v. sobre este assunto o n 107, supra,
vol. I). A outra objeomo levantada refere-se ao papel assinado em branco, e
entregue j outra parte (blanc seing), que nmo vale como contrato, senmo como
prova de um contrato ji anteriormente conclutdo,34 pois se fosse modalidade
de contratar encontraria obsticulo no art. 122 do Cydigo Civil, uma vez que
sujeitaria o ato ao arbttrio exclusivo de uma das partes.
Objetivamente considerados, os requisitos do contrato envolvem a
possibilidade, liceidade, determinaomo e economicidade.35
Diz-se imposstvel o objeto quando p insuscettvel de realizaomo. Hi duas esppcies
de impossibilidade: a material e a jurtdica.
Impossibilidade material p aquela que traduz a insuscetibilidade de consecuomo
da prestaomo pretendida. Pode ser absoluta ou relativa. Impossibilidade absoluta
p a que por ningupm poder ser vencida; relativa, quando o agente em
determinado momento nmo consegue superar o obsticulo j sua realizaomo, mas
uma outra pessoa, ou a mesma, em momento diverso, teria meios de obtr-la.
Somente a primeira tem como efeito a nulidade do contrato (Cydigo Civil, art.
106), ji que a impossibilidade relativa da prestaomo nmo chega a constituir ybice
irremovtvel. Ao revps, situa-se na dependrncia de circunstkncias pessoais do
devedor, e, conseguintemente, ao invps de liberi-lo, sujeita-o a perdas e danos.
Equipara-se j impossibilidade relativa a absoluta que cessa antes do
implemento da condiomo. Em sendo absoluta, exonera o devedor, invalidando o
contrato, pois aquele que promete prestaomo insuscettvel de realizaomo p como
se nada prometesse: ad impossibilia nemo tenetur. Mas p preciso frisar, como
fizemos no n 128, supra (vol. II): a impossibilidade que invalida o contrato p a
concomitante j sua constituiomo, porque a superveniente o torna inexeqtvel,
com ou sem perdas e danos, conforme ocorra ou nmo a culpa do devedor
(Cydigo Civil, arts. 234, 238, 239 e 248). A impossibilidade parcial invalida
inteiramente o contrato, quando do seu contexto ou das circunstkncias nmo se
possa concluir que ele teria sido celebrado somente quanto j parte posstvel.36
Mas nmo se deve confundirimpossibilidade do objeto com a falta de atualidade
de sua existrncia. Pode haver coincidrncia. Mas nmo hi relaomo de causalidade.
e perfeitamente admisstvel que a contrataomo verse sobre coisa futura, erigindo-
se o seu vir-a-ser em condiomo (emptio rei speratae), com o desfazimento do
contrato em caso de frustraomo (v.g., art. 483 do Cydigo); perfeitamente viivel p
a negociaomo com cariter aleatyrio (arts. 458 a 461 do Cydigo), em que o objeto
corre o risco de nmo vir a produzir-se, incidindo o contrato sobre a sua
potencialidade (contrato aleatyrio, deduzido no n 194, infra), o que desloca o
objeto, da coisa para sua expectativa (emptio spei).
e jurtdica a impossibilidade quando, sendo a prestaomo suscettvel de execuomo
materialmente, esbarra em obsticulo levantado pela prypria norma. O devedor
pode prestar. Mas contra a execuomo do obrigado op}e-se proibiomo legal. O
cumprimento da obrigaomo importari em afronta ao ordenamento jurtdico. A
impossibilidade, desta esppcie, vai ter na iliceidade da prestaomo e gera a
ineficicia do contrato, porque, se o direito positivo nmo admite aquele objeto, a
sua aceitaomo pelas partes envolve contrariedade j normaomo, como se di com a
regra segundo a qual nmo pode ser objeto de contrato a heranoa de pessoa viva
(Cydigo Civil, art. 426), ou quando duas pessoas ajustam um pagamento pelo
assasstnio de algupm. No direito alemmo hi uma referrncia expressa j
impossibilidade, que indica, quando algupm se obriga a transferir a outrem seu
patrim{nio futuro, seja total, seja parcialmente, pela razmo de que repugna ao
direito que uma pessoa possa abdicar de sua capacidade de aquisiomo
(Enneccerus, Kipp y Wolff). A iliceidade do objeto e sua impossibilidade
jurtdica ocorrem quando a prestaomo afronta a ordem p~blica ou ofende os bons
costumes.
Deve o objeto ser determinado, para que a obrigaomo do devedor tenha sobre que
incidir. Mas nmo se requer a determinaomo concomitante ao ajuste. Basta que se
obtenha por ocasimo da sua execuomo. A determinaomo di-se pelo grnero, pela
esppcie, pela quantidade, pelas caractertsticas individuais da res debita. Quando
nmo esti o objeto desde logo determinado, p mister venha a sr-lo, quer por ato
dos contratantes ou de um deles, quer pela aomo de terceiro, quer por fato
impessoal. A determinaomo pode constar do contrato ou de instrumento j parte.
Mas se o objeto for definitivamente indeterminivel, o contrato p invilido, como o
seria pela ausrncia completa de objeto.
Finalmente, a prestaomo deve ser economicamente apreciivel, ji que nos
alinhamos entre os que exigem o requisito da patrimonialidade para o objeto da
obrigaomo. (A respeito dos caracteres do objeto do contrato, ver o que ficou dito
sobre o objeto da obrigaomo, no n 128, supra, volume II).
O terceiro requisito da validade do contrato p formal. Ao contririo do Direito
Romano, em que prelevava a sacramentalidade ritual, o direito moderno, como
temos visto, despreza o rigorismo da forma, atribuindo j declaraomo de vontade
o poder de gerar efeitos diretamente, e de estabelecer um ligame jurtdico entre
os sujeitos. O elemento formal no direito do contrato nmo tem importkncia
senmo em linha de exceomo. Normalmente as conveno}es se concluem pelo
simples acordo de vontades, independentemente de qualquer materialidade
que estas revistam. Os contratantes exprimem-se oralmente e assim se vinculam
em numerosos atos negociais (locaomo, negycios em Bolsa, compra e venda
manual): ou expressam a sua vontade por escrito, adotando ora o instrumento
particular, ora o p~blico, por comodidade ou seguranoa. Excepcionalmente,
entretanto, a lei exige para a eficicia de alguns contratos a observkncia de certa
forma. Quando isto ocorre, nmo como meio probatyrio (ad probationem tantum),
suprtvel por outras provas, mas erigido por lei em condio}es de validade
intimamente relacionadas com a prypria declaraomo da vontade (ad
solemnitatem), diz-se que a forma p essencial j eficicia do negycio jurtdico e di-
lhe existrncia: forma dat esse rei. Quando, pois, a lei imp}e uma dada forma para
o contrato, este nmo prevalece se aquela nmo for observada (forma constitutiva,
na expressmo de Barassi). Resumindo: em princtpio, os contratos celebram-se
pelo livre consentimento das partes, salvo quando a lei imp}e, como essencial, a
obedirncia ao requisito de forma (art. 107 do Cydigo). Certos contratos trm de
ser vazados em forma escrita, como, por exemplo, a doaomo, salvo se de
pequeno valor (Cydigo Civil, art. 541), e outros devem revestir a forma p~blica.
Esta pode ser adotada pela convenomo, quando as partes ajustam-na em cliusula
expressa (Cydigo Civil, art. 220), ou p determinada pela lei, como se di nos
contratos constitutivos ou translativos de direito reais sobre imyveis de valor
determinado em lei.
187-A. ,neficicia "stricto sensu"
Nmo sendo observados os requisitos de validade, anula-se o contrato. Em
sentido genprico, diz-se que ele p "ineficaz", uma vez que deixa de produzir os
efeitos que lhe smo pryprios. e o que se qualifica como ineficicia lato sensu.
Embora vilido, entretanto, o contrato pode conduzir a um resultado frustro
quando ocorre a resiliomo ou a revogaomo nos casos em que esti admisstvel
como no mandato (n 255, infra).
Em sentido estrito, considera-se ineficicia a recusa de efeitos quando,
observados, embora, os requisitos de validade, intercorre obsticulo extrtnseco
que impede se complete o ciclo de perfeiomo do negycio, como, por exemplo, a
falta de registro quando indispensivel. A ineficicia pode ser originiria ou
superveniente, conforme o fato impeditivo da produomo de efeitos seja
simultkneo ou ocorra posteriormente, operando retroativamente. Pode dar-se,
ainda, que a ineficicia originiria venha a cessar como p o caso do ato
subordinado j condiomo suspensiva. Ele esti completo como negycio jurtdico,
porpm dependendo sua eficicia do implemento da mesma.37
188. )ormaomo do contrato: tempo e lugar
Contratos por correspondrncia
Sendo o contrato um negycio jurtdico bilateral, requer o acordo de vontade das
partes, ou o consentimento (v. sobre este o n 187, supra), que nmo p apenas
requisito de validade, mas assume condio}es de pressuposto existencial do
pryprio negycio.
O problema da formaomo do contrato, que sofre controvprsia entre os autores,
deve ser resolvido com a fixaomo do momento em que se di a conjugaomo ou o
acordo das vontades. No instante em que estas, manifestadas segundo a forma
livre ou determinada, conforme o caso, justaponham-se, ou coincidam, ou se
encontrem, neste momento nasce o contrato.
Pode a declaraomo de vontade ser expressa ou expltcita, quando as partes
contratantes se utilizem de qualquer vetculo para exteriorizi-la no mundo civil,
seja verbalmente usando palavra falada, seja por mtmica quando o agente se
exprima por um gesto tradutor de seu querer, ou seja por escrito; se da forma
grifica se utiliza o declarante em instrumento manuscrito, datilografado,
policopiado ou impresso.
Pode a declaraomo de vontade ser ticita, quando a lei nmo a exigir expressa
(Cydigo Civil, art. 432), desde que se infira inequivocamente de uma atitude ou
conduta do agente, hibil a evidenciar a manifestaomo de seu querer, no sentido
da constituiomo do negycio contratual. Atp pelo silrncio pode ser feita a emissmo
volitiva (v. n 83, supra, vol. I). Mas nmo p qualquer silrncio evidentemente,
senmo aquele que por si sy traduza um querer, e contenha manifestaomo de
vontade, permitindo-se extrair dele a ilaomo de uma vontade contratual. Por isso
mesmo denomina-se silrncio conclusivo.38 A pesquisa deste silrncio gerador de
direitos e obrigao}es hi de resultar da interpretaomo da vontade das partes.39 O
art. 111 do Cydigo admite a validade do silrncio como manifestaomo de vontade
quando as circunstkncias e os usoso autorizarem e nmo for necessiria a
declaraomo de vontade expressa.
Esti, portanto, formado o contrato desde que as partes faoam coincidir as suas
vontades em um mesmo ponto e para a obtenomo de certos efeitos. Nmo nasce
ele, entretanto, todo pronto, como Minerva armada da cabeoa de J~piter. e, ao
revps, o resultado de uma sprie de momentos ou fases, que js vezes se
interpenetram, mas que em detida anilise perfeitamente se destacam:
negociao}es preliminares, proposta, aceitaomo.
As negociao}es preliminares (tractatus, trattative, pourparlers) smo conversas
prpvias, sondagens, debates em que despontam os interesses de cada um, tendo
em vista o contrato futuro. Mesmo quando surge um projeto ou minuta, ainda
assim nmo hi vinculaomo das pessoas. Nmo raro, nos negycios que envolvem
interesses complexos, entabula uma pessoa conversao}es com diversas outras, e
somente se encaminha a contrataomo com aquela que melhores condio}es
oferece. Enquanto se mantiverem tais, as conversao}es preliminares nmo
obrigam. Hi uma distinomo bastante precisa entre esta fase, que ainda nmo p
contratual, e a seguinte, em que ji existe algo preciso e obrigatyrio.40 Nmo
obstante faltar-lhe obrigatoriedade, pode surgir responsabilidade civil para os que
participam das negociao}es preliminares, nmo no campo da culpa contratual,
porpm da aquiliana (v. n 114, supra, vol. I, e n 175, vol. II), somente no caso de
um deles induzir no outro a crenoa de que o contrato seri celebrado, levando-o
a despesas ou a nmo contratar com terceiro etc. e depois recuar, causando-lhe
dano. O fundamento do dever de reparaomo p o iltcito genprico, definido no n
113, supra (vol. I). As negociao}es preliminares, repitamo-lo, nmo geram por si
mesmas e em si mesmas obrigao}es para qualquer dos participantes. Elas fazem
surgir, no entanto, deveres jurtdicos para os contraentes, decorrentes da
incidrncia do princtpio da boa-fp, sendo os principais os deveres de lealdade e
correomo, de informaomo, de proteomo e cuidado e de sigilo. A violaomo desses
deveres durante o transcurso das negociao}es p que gera a responsabilidade do
contraente, tenha sido ou nmo celebrado o contrato. A responsabilidade pela
ruptura das negociao}es, a mais polrmica, surge quando um dos contraentes
viola o dever de lealdade e correomo e, apys incutir no outro a confianoa de que
o contrato seri celebrado rompe injustificadamente as negociao}es, vindo a lhe
causar danos. Esta responsabilidade tem cariter excepcional (Serpa Lopes
Carrara), e nmo pode ser transposta para fora dos limites razoiveis de sua
caracterizaomo, sob pena de chegar-se ao absurdo jurtdico de equiparar em foroa
obrigatyria o contrato e as negociao}es preliminares, e a admitir a existrncia de
uma obrigaomo de celebrar o contrato em razmo da existrncia pura e simples de
negociao}es.
O segundo momento da formaomo do contrato p a proposta. Esta ji traz foroa
vinculante (Cydigo Civil, art. 427), nmo para as partes, uma vez que ainda neste
momento nmo hi um contrato, mas para aquele que a faz, denominado
policitante.
Embora nmo haja a lei minudenciando os requisitos da proposta, deve ela ser spria
e precisa, uma vez que constitui o impulso inicial de uma fonte obrigacional; e
deve conter as linhas estruturais do negycio em vista, para que o contrato possa
considerar-se perfeito, da manifestaomo singela e atp simbylica daquele a quem p
dirigida (Carrara), denominado oblato.
e uma declaraomo recepttcia de vontade (v. n 83, supra, vol. I), cariter que nmo
perde se, ao invps de se dirigir a uma pessoa determinada, assumir o aspecto de
oferta ao p~blico, em que o oblato nmo p identificado. A proposta ao p~blico, em
princtpio igual a quaisquer outras, delas distinguindo-se em que comumente
comporta reservas (disponibilidade de estoque, ressalva quanto j escolha da
outra parte etc.), bem como no tocante ao prazo moral da aceitaomo, em razmo da
indeterminaomo mesma do oblato.41 O Cydigo Civil italiano perfilha boa
doutrina, estatuindo (art. 1.336) que a oferta ao p~blico vale como proposta
obrigatyria quando contenha todos os extremos essenciais do contrato; em caso
contririo, traduz uma sugestmo para que venham propostas (invitatio ad
offerendum), caso em que o anunciante se coloca na expectativa de que lhe sejam
dirigidas propostas.42
O Cydigo Civil disciplinou em seu art. 429 a oferta ao p~blico, dispondo que p
obrigatyria quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o
contririo resultar das circunstkncias ou dos usos. O Cydigo admite ainda a
revogaomo da oferta ao p~blico pela mesma via da sua divulgaomo, desde que o
policitante tenha ressalvado na oferta a possibilidade de revogi-la.
O Cydigo do Consumidor (Lei n 8.078/90) disciplinou a oferta ao p~blico no
seu art. 35, atribuindo ao consumidor, no caso de recusa do fornecedor ao seu
cumprimento, o direito de, j sua escolha, optar por: a) exigir o cumprimento
foroado da obrigaomo, nos termos da oferta, apresentaomo ou publicidade; b)
aceitar outro produto ou prestaomo de servioo equivalente; c) rescindir o
contrato, com direito j restituiomo de quantia eventualmente antecipada,
monetariamente atualizada, e a perdas e danos.
Vr-se que o Cydigo do Consumidor foi alpm do Cydigo Civil ao disciplinar a
oferta ao p~blico, tendo em vista que concedeu expressamente ao oblato a
possibilidade de exigir o cumprimento espectfico da obrigaomo, se assim o
desejar. A maior parte da doutrina que examinou a extensmo da obrigatoriedade
da proposta do art. 1.080 do Cydigo Civil de 1916, repetido ipsis literis no art.
427 do Cydigo de 2002, se encaminhou no sentido de, nas hipyteses em que o
policitante nmo honra a proposta, conceder ao oblato apenas a via das perdas e
danos, sem execuomo espectfica da obrigaomo de contratar. Essa orientaomo
doutriniria e jurisprudencial deve mudar, diante da tendrncia moderna de se
dar execuomo espectfica js obrigao}es de fazer.
Hi enorme variedade de contratos que se formam mediante ofertas ao p~blico.
Deixando de lado o contrato de adesmo, que seri estudado no n 197, infra,
podemos mencionar o que se realiza por licitaomo ou por concurso. No contrato
por licitaomo, a oferta traz a convocaomo dos interessados para que apresentem
suas propostas, nas quais, obrigados, embora, a submeter-se a certas condio}es
fixas, pormenorizam as suas proposio}es quanto ao preoo, prazo etc. ficando o
anunciante com a liberdade de escolher aquela que seja de suas convenirncias e
atp de nmo aceitar nenhuma. Estes contratos cobrem enorme irea, desde os
leil}es de mercadorias e objetos, atp as concorrrncias p~blicas, abertas pela
Administraomo, e obrigatoriamente adotadas para a realizaomo de obras
p~blicas. Uma variante sua p o concurso, usado por grandes empresas para
admissmo de empregados, seleomo de projetos, aquisiomo de produtos, realizaomo
de empreitadas etc. Os candidatos apresentam-se, sujeitos aos requisitos do
edital ou an~ncio, e o contrato se fari com aquele ou aqueles que se
classifiquem no concurso. O que hi de peculiar neste contrato p que o
anunciante tem a obrigaomo de realizar o concurso, mesmo que nmo seja
obrigado a contratar com o ganhador, por se ter reservado este direito.43 Deve
ser observado que se nmo confunde a proposta de contrato por licitaomo ou
concurso com a promessa de recompensa, que p obrigaomo por declaraomo
unilateral de vontade (v. n 277, infra).
Constitui, ainda, tipo peculiar de oferta a que resulta do processo tpcnico com a
adoomo de aparelhos automiticos, nos quais a mercadoria p exposta e afixado o
preoo, formando-se o contrato com a introduomo de moeda em uma ranhura;
outros contratos, alpm da compra e venda, celebram-se pelo mesmo sistema,
como o transporte em trem subterrkneo, pousada em motpis j margem das
estradas, venda de jornais etc.O aparelho automitico p que representa, no caso,
o proponente; e oblato p o p~blico em geral.44
Uma vez feita a proposta, que constitui em si mesma um negycio jurtdico, a ela
esti o policitante vinculado. Cria no oblato a convicomo do contrato em
perspectiva, com todas as suas conseqrncias, levando-o a despesas, cessaomo
de atividades, estudos, disprndios de tempo etc. por todos os quais o
proponente responde, sujeitando-se j reparaomo de perdas e danos se
injustificadamente a retira. Distingue-se a proposta das negociao}es
preliminares em que aquela p o impulso decisivo para a celebraomo do contrato,
exprimindo uma declaraomo de vontade definitiva enquanto que as negociao}es
nmo trm este cariter, pois nmo passam de sondagens e projetos, sem foroa
obrigatyria.45
Resumindo os pontos de distinomo, Carrara os formula em trrs planos:
A - A proposta p um elemento de formaomo da relaomo contratual; as
negociao}es nmo smo.
B - A proposta tem efeito jurtdico espectfico; as negociao}es nmo trm.
C - A proposta p um negycio jurtdico; as negociao}es nmo smo.46
Nmo tem, contudo, a proposta, foroa absoluta, gerando desde logo direitos e
obrigao}es. Se assim fosse, equivaleria ao contrato mesmo, de que nmo diferiria
senmo pela unilateralidade do efeito criado.
Reconhece, pois, a lei alguns casos em que a proposta deixa de ser obrigatyria:
a) se a falta de obrigatoriedade resulta de seus pryprios termos; b) ou da
natureza do negycio; c) ou das circunstkncias do caso (Cydigo Civil, art. 427).
A - Se ao dirigi-la ao oblato o policitante lhe ap}e a cliusula de nmo-
obrigatoriedade, vale a reserva, que se incrusta na proposta mesma. Ao recebr-
la, o oblato ji conhece a sua precariedade, e, se ainda assim a examina, p com
seu pryprio risco. Nmo adviri para o proponente conseqrncia nenhuma ao
canceli-la, porque se assim proceder estari usando uma faculdade que a si
mesmo se reservou.
B - Hi negycios em que a oferta pela sua natureza p aberta. E, se o policitante
tem a natural faculdade de mantr-la ou nmo, ela nmo p obrigatyria, e nmo cria
outras conseqrncias senmo a potencialidade do contrato, que estari formado se
atp a sua aceitaomo ela ainda estiver vigente.
C - Circunstkncias peculiares a cada caso podem liberar o proponente,
desobrigando-o. Nmo smo circunstkncias quaisquer, porpm aquelas a que
reconhece a lei este efeito (Cydigo Civil, art. 428), merecedoras de particular
exame:
1 - Feita a pessoa presente, sem concessmo de prazo, o policitante esti obrigado
apenas naquele momento. e pegar ou largar, e se o oblato nmo responde logo,
dando pronta aceitaomo, caduca a proposta, liberando-se o proponente.
Aqui, o que merece consideraomo particular p a utilizaomo da via telef{nica, hoje
cada vez mais asstdua e freqente, tanto no kmbito urbano, quanto no
interurbano e no internacional. Discute a doutrina se um contrato, entre duas
pessoas que por esse meio se comunicam, deve considerar-se entre presentes ou
entre ausentes. Vidari, atentando em que as partes nmo se vrem, e que medeia
entre elas um qualquer espaoo, defende que o ajuste que celebram p inter
absentes.47 Gabba nmo di importkncia a esse espaoo e preconiza a relevkncia da
circunstkncia temporal, entendendo que o que tem significaomo para a soluomo
do problema p o fato de os contratantes, embora nmo se vejam, poderem
comunicar-se diretamente, ouvir-se mutuamente, propor e aceitar
imediatamente. E, como tudo isto p posstvel, o contrato p inter praesentes.48
Diante desta alternativa doutriniria, o nosso legislador pronunciou-se pela
teoria de Gabba, concepomo que a nossa doutrina defende, profligando o critprio
da distancia loci que acaso separa os contratantes como elemento informativo, e
adotando a possibilidade de direta comunicaomo entre eles.49
O Cydigo estende o mesmo tratamento jurtdico para propostas efetivadas por
meio de comunicaomo semelhante ao telef{nico. Aqui o legislador esti
certamente se referindo, v.g., j comunicaomo por via da Internet, quando ambos
os usuirios estmo em contacto simultkneo. Nesta hipytese, a proposta formulada
por um deles deve imediatamente ser aceita, sob pena de deixar de ser
obrigatyria, diferentemente do que ocorre com a proposta feita por via de e-
mail, na qual ambos os usuirios da rede nmo estmo ao mesmo tempo conectados.
2 - Tratando-se de oblato ausente, o proponente nmo pode pretender resposta
instantknea. Hi de admitir um compasso de espera, que seri o tempo
necessirio a que sua oferta seja recebida, ponderada, e a ela dada resposta. Se
esta nmo for expedida no prazo dado, nmo prevalece a proposta. E se nenhum
prazo tiver sido expressamente concedido, hi de o policitante aguardar um
tempo que seria suficiente para que o oblato dr o seu pronunciamento. Nmo se
trata, evidentemente, de um prazo determinado e certo, porpm, ao revps,
variivel, de acordo com a natureza do negycio, a complexidade da oferta etc.
Chama-se a este tempo prazo moral, que hi de ser razoivel, nem longo demais
que mantenha o proponente em suspenso por um lapso exagerado, nem tmo
estreito que ao oblato impeoa resposta cuidadosa.
3 - Embora tenha a proposta foroa obrigatyria, a lei reserva ao policitante a
faculdade de retratar-se, mesmo que nmo haja feito ressalva neste sentido.
Obrigatyria nmo quer dizer irrevogivel. Mas nmo p arbitririo o seu
procedimento. Para que se desobrigue, e se nmo sujeite js perdas e danos,
cumpre que a retrataomo chegue ao conhecimento do oblato antes da proposta
ou simultaneamente com ela, casos em que as duas declarao}es de vontade
(proposta e retrataomo), por serem contradityrias, nulificam-se e destroem-se
reciprocamente. Nmo importa de que via ou meio se utiliza o proponente (carta,
telegrama, mensagem por mmo de pryprio etc.). Desde que consiga levar ao
oblato a retrataomo oportunamente (e somente p oportuna a que se fizer como
acima dito), nmo hi proposta nenhuma em vigor.
No silrncio do nosso direito positivo a respeito da morte do proponente, a
doutrina p chamada a opinar. Nmo prevalece a opinimo favorivel j caducidade
da oferta. Ao revps, bem se tem entendido que a abertura da sucessmo transmite
aos herdeiros o patrim{nio do de cujus com o {nus da proposta feita, e em via
de converter-se em contrato mediante adesmo pura e simples do oblato, salvo se
os sucessores exercerem a faculdade de retrataomo, na forma e na oportunidade
em que o poderia fazer o antecessor.50 Alpm desta ressalva, deve-se
acrescentar, ainda, a que caberi nos casos de contratos intuitu personae, ou em
que circunstkncias especiais ocorram, excludentes de sua eficicia.51
No tocante, ainda, j proposta, responde a doutrina j indagaomo se os
comerciantes devem considerar-se em estado de oferta permanente, pelo fato de
terem a sua casa aberta e os artigos expostos. Em princtpio, sim, embora o
candidato j aquisiomo nmo tenha o direito de exigir aquele objeto em exposiomo,
porpm devendo satisfazer-se com outro idrntico. e de acrescer ainda que o
estado de oferta pressup}e impltcita a cliusula "nos limites do estoque ou do
dispontvel". Grnero de atividade que implica o estado de oferta permanente p
todo aquele relativo j concessmo de servioos monopolizados ou de primeira
necessidade.52 Mesmo nos casos de oferta permanente ao p~blico, considera-se
impltcita a reserva de recusar a contrataomo por justos motivos, como seria o
balneirio que recusa admitir pessoa de moral duvidosa, ou o concessionirio de
transporte coletivo que repele o brbado ou o indivtduo indecentemente trajado
(De Page).
Opomo
As atividades modernas criaram a figura jurtdica da opomo, que o Cydigo Civil
italiano, art. 1.331, ji consagrou, como uma esppcie de proposta irrevogivel, e que
nos parece mais adequado definir como contrato preliminar unilateral (v. n 200
e n 223,infra), como o fez o art. 466 do Cydigo de 2002.
O terceiro momento da formaomo do contrato p a aceitaomo. Antes dela, hi o
impulso inicial tmo-somente. Inexiste ainda contrato, cujo pressuposto p o
consentimento. Somente quando o oblato se converte em aceitante, e faz aderir
a sua vontade j do proponente, a oferta se transforma em contrato.
Nmo hi, salvo nos contratos formais, requisito especial para a aceitaomo. Pode
ela ser expressa, se o aceitante declarar a sua anurncia; ou ser ticita, se uma
atitude, inequtvoca, autoriza concluir pela integraomo de sua vontade na
declaraomo contida na proposta, como no caso do oblato enviar, sem dito
expresso, ao policitante, a mercadoria por este solicitada. Pode ser presumida,
quando a conduta do aceitante, nos termos da lei, induz anurncia, como se o
proponente marca prazo ao oblato para que este declare se aceita, e o tempo
decorra sem resposta negativa naqueles casos em que se nmo costuma aceitaomo
expressa (Cydigo Civil, art. 432). Em qualquer caso, porpm, a aceitaomo traduz a
adesmo do oblato j oferta recebida, e sy vale como tal, se a contiver.
Para que se dr o contrato, a aceitaomo tem de ser oportuna, sob pena de ji nmo
encontrar proposta firme. Quando feita fora do prazo, ou contendo
modificao}es ou restrio}es aos termos da proposta, nmo gera contrato, mas
importa nova proposta (Cydigo Civil, art. 431), que o primitivo proponente, j
sua vez, tem o direito de aceitar ou de nmo aceitar. Esta regra, que p certa como
princtpio genprico, nmo pode ser encarada em termos absolutos, pois nem
sempre a aceitaomo, para ser vilida, tem de ser irrestrita. e posstvel que,
conforme os termos da proposta, seja admisstvel aceitaomo parcial ou com
restrio}es.53
Expedindo o aceitante a resposta em tempo oportuno, fica na convicomo de que
o contrato esti perfeito. Mas p posstvel que a resposta chegue tarde ao
proponente, por circunstkncia imprevista e estranha j vontade de seu emitente.
Neste caso, o proponente tem o dever de comunicar o fato, imediatamente, ao
aceitante, sob pena de responder por perdas e danos (Cydigo Civil, art. 430).
Guardando simetria com a faculdade conferida ao policitante, admite a lei a
retrataomo do aceitante, desde que chegue antes desta ou simultaneamente com
ela ao conhecimento do proponente (Cydigo Civil, artigo 433).
Tempo
Ponto relevante na doutrina da formaomo das avenoas p o que se refere a
precisar em que momento se deve considerar formado o contrato entre ausentes,
dos quais smo exemplo os por correspondrncia epistolar ou telegrifica e os celebrados via
e-mail, quando o oblato nmo manifesta incontinenti a sua aceitaomo. e modalidade
contratual muito amiudada, e usada onde nmo se exija forma p~blica. Na vida
mercantil tem a assiduidade habitual do seu dinamismo, e mesmo nas
atividades civis ocorre com grande freqrncia. Como instrumento comercial
nmo difere, nos efeitos, de qualquer contrato em que ambas as partes assinem o
mesmo documento, e tem valor idrntico. A peculiaridade que o marca p a
ausrncia do oblato, razmo por que o consentimento se nmo di em um sy instante,
mas, ao revps a adesmo do aceitante justap}e-se j oferta com a intermediaomo de
um lapso de tempo, mais ou menos longo. Neste tipo de contrato, desperta
interesse a fixaomo do momento em que se deve considerar perfeito. Partindo-se
de que a adesmo do oblato constitui o acordo gerador do ato contratual, a rigor
este momento seria quando a aceitaomo se positivar na sua mente, uma vez que,
em tal instante, o acordo teria surgido. Mas, nmo sendo posstvel deixar que as
relao}es jurtdicas se estabeleoam sobre base tmo frigil, a lei requer uma
exteriorizaomo daquela vontade. Dat o surgimento de virias teorias, que
indicamos em resumo:
A - A teoria da informaomo ou cogniomo considera perfeito o contrato quando o
proponente toma conhecimento da aceitaomo do oblato. Difundida por
Troplong, Merlin, Toulier, Gabba, Lomonaco, e adotada pelo Cydigo austrtaco e
pelos Cydigos Civil e Comercial da Argentina, tem o inconveniente de deixar ao
arbttrio do proponente abrir a correspondrncia e tomar conhecimento da
resposta positiva e geradora do ajuste.
B - A teoria de recepomo entende-o celebrado quando o proponente recebe a
resposta, mesmo que nmo a leia (Laurent, Arntz).
C - A teoria da declaraomo ou agniomo di-o como conclutdo no momento em que o
oblato escreve a resposta positiva. Sustentada por Puchta, Scheul, Baudry-
Lacantinerie, Colin et Capitant, Bufnoir, peca do defeito de imprecismo, por nmo
haver um meio certo de determinar o policitante quando o fato ocorra.
D - A teoria da expediomo afirma a sua realizaomo no instante em que a aceitaomo p
expedida. Aprovada por Demolombe, Aubry et Rau, Savigny, Serafini, Boistel,
Lyon-Caen, Girault, Mazeaud et Mazeaud, p perfilhada no BGB, como nos
Cydigos Comercial e Civil brasileiros. De todas, a melhor p esta, embora nmo
seja perfeita. Evita, entretanto, o arbttrio dos contratantes e reduz ao mtnimo a
ilea de ficar uma declaraomo de vontade, prenhe de efeitos, na incerteza de
quando se produziu. De outro lado, afasta d~vidas de natureza probatyria, pois
que a expediomo da resposta se reveste de ato material que a desprende do
agente.
Nosso Cydigo Comercial (art. 127) adotou-a francamente. O Cydigo Civil
aceitou-a (art. 434), mas mitigada. Nmo a manteve em sua integridade. Na
verdade, recusando efeito j expediomo se tiver havido retrataomo oportuna, ou
se a resposta nmo chegar ao conhecimento do proponente no prazo, desfigura a
teoria da expediomo, admitindo um pouco a da recepomo e um pouco a da
informaomo, o que p um mal, ji que a imprecismo doutriniria na fixaomo do
conceito perturba a boa aplicaomo dos princtpios. Arnoldo Medeiros da Fonseca,
com a sua vibrante argumentaomo, a par da tese de que p mais cienttfica a teoria
da informaomo (de que pesarosamente divergimos), sustenta que o nosso
Cydigo Civil de 1916 nmo adotou a teoria da expediomo, antes aproximou-se da
eclptica de Windscheid, observaomo que vale tambpm para o Cydigo de 2002,
tendo em vista que reproduziu a regra do anterior. Estamos em que o Cydigo
Civil proclamando a regra, segundo a qual os contratos entre ausentes se
formam com a expediomo da resposta (art. 434), aderiu j teoria, que perfurou
das exceo}es mencionadas. Mas nem chegou a adotar como regra a da
informaomo, e nem se inclinou para a de Windscheid,54 que distingue os
contratos bilaterais dos unilaterais, afirmando que estes se consideram perfeitos
quando a aceitaomo chegar ao conhecimento do proponente, ao passo que os
contratos bilaterais o smo desde o momento em que o oblato lhe di sua
anurncia, ao mesmo passo que reserva o poder de retrataomo enquanto a
resposta nmo p conhecida pelo destinatirio.55 Nmo obstante os aplausos que lhe
deram Giorgi, Gianturco, Lacerda de Almeida, Arnoldo Medeiros da Fonseca,
nmo lhe podemos dar nossa adesmo.56 Nmo nos parece que uma regra com a
conseqrncia de induzir a integraomo das vontades possa variar em decorrrncia
dos efeitos ulteriores do contrato, a saber se gerari este obrigao}es para uma sy
ou para ambas as partes.
Em qualquer hipytese, e esta p uma observaomo importante, freqentemente
omitida, as regras legais e doutrinirias sobre o momento de formaomo dos
contratos por correspondrncia trm cariter supletivo. Aplicam-se na falta de
estipulaomo especial dos interessados, aos quais p livre a adoomo de sistema
diferente do legal, segundo as suas convenirncias.
Lugar
Ponto mais pactfico p o que se refere ao lugar da formaomo do contrato, que
assumiu maior importkncia com o recrudescimento dos contratos formados
pela Internet, diante do incremento do n~mero de contratos celebrados entre
pessoas situadas em locais diversos. Embora em doutrina os critprios possam
vacilar, entreo da proposta e o da aceitaomo, o Cydigo Civil inclina-se para
aquele em que o impulso inicial teve origem, e enuncia que se deve reputar
celebrado no lugar em que for proposto (Cydigo Civil, art. 435). Poderia,
guardando simetria com a soluomo do problema do tempo, propender para a
doutrina oposta, em consideraomo a que p a aceitaomo que perfaz o ajuste.
Opinativa que p a matpria para o legislador, preferiu j uniformizaomo dos
critprios seguir um para cada elemento, e dat resultou que o lugar em que se
reputa formado o contrato p o da proposta. Tambpm neste particular vigora a
ressalva de que a regra tem sentido supletyrio e nmo cogente, prevendo o que
vier estipulado por expresso.
Considerando as situao}es de contratantes residentes em patses diversos, a Lei
de Introduomo ao Cydigo Civil estabelece que a obrigaomo resultante do contrato
reputa-se conclutda no lugar em que residir o proponente (art. 9, 2).
189. ,nterpretaomo dos contratos
O problema da interpretaomo da vontade contratual nmo vai encontrar aqui
detido exame e explanaomo minuciosa. A matpria ji foi discutida e clareada ao
tratarmos da interpretaomo da lei como do negycio jurtdico (v. ns. 38 e 86, supra,
vol. I).
A moderna teoria das fontes de direito (v. n 9, supra, vol. I) aproxima o contrato
da lei, pois que ambos smo atos jurtdicos no sentido amplo da expressmo, e
geradores de efeitos anilogos, variiveis, porpm distintos pela sua extensmo. Dat
atrair a hermenrutica do contrato princtpios pertinentes j interpretaomo da lei.
O contrato p um negycio jurtdico, e, entmo, o seu entendimento p comum a este.
Sem repetirmos aqui o que ji expusemos nos lugares indicados, referimo-nos
em particular, e bem sucintamente, j interpretaomo dos contratos sem perder de
vista o conceito de Kelsen, segundo o qual "o negycio jurtdico ttpico p o
contrato".57 No momento de sua celebraomo, ambas as partes emitem uma
declaraomo volitiva, com o poder criador de direitos e de obrigao}es. Naquele
instante, elas estmo animadas do propysito de perseguirem objetivos
consonantes com as suas respectivas convenirncias. Mesmo quando nmo
guardam reservas e reticrncias, a vontade contratual p uma entidade que se
desprende do mundo pstquico de cada um dos contratantes. Se estes, mais
tarde, se desentendem sobre a sua execuomo, caberi a um terceiro, normalmente
o juiz, o encargo de perquirir o que constitui veramente a vontade criadora do
negycio. Nesse momento, as teorias que presidem j hermenrutica contratual
oferecem os seus prpstimos. Duas principalmente: de um lado a teoria da vontade
(Willenstheorie), que procura investigar a vontade real das partes, ou a mens
declarantium, uma vez que foi ela que criou o contrato, e sy ela, para os
seguidores, tem importkncia, independentemente da declaraomo, como
calorosamente sustenta Savigny;58 de outro lado planta-se a teoria da declaraomo
(ErNllrungstheorie), segundo a qual o que predomina p a exteriorizaomo da
vontade, que hi de prevalecer, nmo como se constituiu no mundo psicoftsico do
agente, mas como p conhecida no mundo psicossocial em que se manifestou. E,
como o processo de exteriorizar-se p a declaraomo, p esta que tem a
preeminrncia sobre a vontade em si.
Conforme dissemos para o negycio jurtdico (n 86, supra, vol. I), o que tem de
procurar o hermeneuta p a vontade das partes. Mas, como se exprime ela pela
declaraomo, viajari atravps desta, atp atingir aquela, sem deixar de ponderar nos
elementos exteriores, que envolveram a formaomo do contrato, elementos sociais
e econ{micos, bem como negociao}es preliminares, minuta elaborada, troca de
correspondrncia - fatores todos, em suma, que permitam fixar a vontade
contratual. A seguranoa social aconselha que o intprprete nmo despreze a
manifestaomo da vontade ou vontade declarada,59 e procure, ji que o contrato
resulta do consentimento, qual teri sido a intenomo comum dos contratantes,
trabalho que nem por ser diftcil pode ser olvidado.60
A interpretaomo p, portanto, uma atividade voltada a "reconhecer e a reconstruir
o significado das fontes de valoraomo jurtdica, que constituem o seu objeto".61 A
propysito da "reconstruomo", cogitaremos no final deste capttulo.
A escolha de um critprio teyrico tem sido sempre diftcil. Nmo hi na verdade
uma doutrina imune de defeitos e isenta de crtticas, nem se pode dizer que
qualquer uma seja insustentivel e inconveniente. A nys, parece-nos que a
adoomo extremada de qualquer delas seri um mal, ji que nmo p cienttfico fazer
abstraomo da declaraomo, como nmo seri exato cogitar desta, desprendida do
momento volitivo. Fixar a vontade declarada ou manifestada, guardando
fidelidade j intenomo das partes, sem a consagraomo do arbitririo subjetivismo
do intprprete, eis a linha de conduta da boa hermenrutica. Em qualquer
hipytese, o intprprete deve ter em vista que o objetivo do seu trabalho seri
pesquisar a vontade dos contratantes e nmo impor a sua prypria. Nunca deveri
ele, a pretexto de procurar o entendimento da norma contratual, foroar a
vontade das partes. A "real intenomo das partes" envolve a apreensmo objetiva
do ato, segundo as regras da interpretaomo" (Bianca, Il Contratto, pig. 178).
O nosso direito positivo foi parco no enunciado de regras de interpretaomo do
contrato. Ditou o princtpio geral do art. 112 do Cydigo Civil, segundo o qual
nas declarao}es de vontade se atenderi mais j intenomo nelas consubstanciadas
do que ao sentido literal da linguagem. Aproximou-se do Cydigo Civil alemmo,
e propendeu para a busca da vontade, sem o fetichismo da expressmo vocabular.
Mas nmo quer, tambpm, dizer que o intprprete desprezari a linguagem para sair
j cata da vontade, nos meandros cerebrinos de sua elaboraomo. Cabe-lhe buscar
a intenomo dos contratantes, percorrendo o caminho da linguagem em que
vazaram a declaraomo, mas sem se prender demasiadamente a esta. Nas
perquirio}es da vontade nmo poderi o intprprete vincular-se, por exemplo, j
designaomo adotada pelas partes para o seu contrato (nomen iuris), mas cumpre
prender-se a tipo contratual efetivamente adequado ao negycio que realizam.62
Recomenda, ainda, o Cydigo Civil, art. 114, que os negycios jurtdicos benpficos
e a ren~ncia se interpretem restritivamente.
Andou bem o legislador ao adotar esta polttica de comedimento, no enunciar as
regras de hermenrutica. Assim tambpm procedeu o BGB, que se dispensou de
min~cias, alpm de enunciar no princtpio do par. 133 a mesma regra do nosso
artigo 112. O Cydigo de 2002, preenchendo uma lacuna do Cydigo de 1916,
acrescentou ainda regra de hermenrutica no art. 113, determinando que os
negycios jurtdicos devem ser interpretados conforme a boa-fp e os usos do lugar
de sua celebraomo, acolhendo o princtpio alemmo da Treu und Glauben, que o
artigo 157 do BGB aplica, a dizer, como ji ordenava o nosso Cydigo Comercial
de 1850 (art. 131, al. 1) e antes dele o art. 1.134, altnea 3, do francrs, que os
contratos devem ser interpretados sob inspiraomo da boa-fp, segundo exigem a
lealdade e confianoa rectproca dos contratantes. O conceito de boa-fp, embora
flextvel, pode ser dominado por uma regulamentaomo pragmitica, a dizer que o
esptrito da declaraomo deve preponderar sobre a letra da cliusula; a vontade
efetiva predominar sobre o formalismo; o direito repousar antes na realidade do
que nas palavras.63
Mais minudente foi o Cydigo francrs, que cristalizou nos arts. 1.156 a 1.164 uma
sprie de normas de hermenrutica que a doutrina acabou por considerar antes
como conselhos ao juiz que regras coercitivas, de vez que j doutrina e nmo j lei
cabe preceitos de interpretaomo.
A este respeito, nmo se podem omitir aquelas regras formuladas por Pothier,
fundado a seu turno nas fontes clissicas:
1 - O intprprete deve indagar a intenomo comum das partes, de preferrncia ao
sentidogramatical das palavras - Potentior est quam vox mens dicentis.
2 - Quando uma cliusula for suscettvel de dois entendimentos, deve ter aquele
em que possa produzir algum efeito, e nmo no em que nenhum possa gerar -
Quoties in stipulationibus ambigua oratio est, commodissimum est id accipi quo res de
qua agitur in tuto sit.
3 - Quando um contrato encerrar express}es de duplo sentido, deve entender-
se no sentido condizente com a natureza do negycio mesmo.
4 - A expressmo ambtgua interpreta-se segundo o que p de uso no pats.
5 - Devem-se considerar impltcitas em todo contrato as cliusulas de uso - In
contractibus tacite veniunt ea quae sunt moris et consuetudini.
6 - As cliusulas contratuais interpretam-se uma em relaomo js outras, sejam
antecedentes, sejam conseqentes.
7 - Em caso de d~vida, a cliusula interpreta-se contra o estipulante e em favor
do promitente.
8 - As cliusulas contratuais, ainda quando genpricas, compreendem apenas
aquilo que foi objeto do contrato, e nmo as coisas de que os contratantes nmo
cogitam - Iniquum est perimi pacto, id de quo cogitatum non est.
9 - Compreendem-se na universidade todas as coisas particulares que a
comp}em, mesmo quando as partes ao contratar nmo tenham tido conhecimento
destas.
10 - O caso expresso para explicaomo da obrigaomo nmo deve considerar-se com o
efeito de restringir o vtnculo, e sim que este abrange os casos nmo expressos.
11 - Uma cliusula expressa no plural decomp}e-se muitas vezes em cliusulas
singulares.
12 - O que esti no fim da frase se relaciona com toda ela e nmo apenas com o que
imediatamente a precede, uma vez que guarde concordkncia em grnero e
n~mero com a frase inteira.
13 - Interpreta-se a cliusula contra aquele contratante, em razmo de cuja mi-fp,
ou culpa, a obscuridade, ambigidade ou outro vtcio se origina.
14 - As express}es que se apresentam sem sentido nenhum devem ser rejeitadas
como se nmo constassem do texto do contrato.
Alpm destas 14 regras de Pothier, a doutrina acrescenta que o intprprete deve
cogitar de como o contrato tem sido anteriormente cumprido pelas partes, pois
que smo elas o melhor juiz de sua hermenrutica, devendo considerar-se que se
se executou num dado sentido, p porque entenderam os contratantes que esta
era a sua verdadeira intenomo.64 Mas o princtpio nmo pode ser tido como
absoluto, pois que p ltcito ao interessado impugnar a declaraomo por erro.65
Acrescente-se que na ocorrrncia de cliusula ambtgua, ou obscura, os contratos
a tttulo gratuito devem interpretar-se da maneira menos gravosa ao obrigado
(favor debitoris), enquanto que os onerosos se entendermo em termos que
realizem equknime temperamento dos interesses em jogo (art. 114 do
Cydigo).66
O Cydigo contpm ainda uma regra de hermenrutica espectfica para os contratos
de adesmo, que se caracterizam pelo fato de o seu conte~do ser determinado
unilateralmente por um dos contratantes, cabendo ao outro contratante apenas
aderir ou nmo aos seus termos. Exatamente em razmo de nesses tipos de contrato
nmo se dar ao aderente qualquer possibilidade de influir no conte~do do
contrato, o Cydigo determinou no seu art. 423 que eventuais cliusulas
ambtguas ou contradityrias sejam interpretadas de maneira mais favorivel a
ele.
Sendo freqente a divergrncia dos contraentes na fase de execuomo, o intprprete
deve alertar-se contra a alegaomo de que, ao contratar, nmo foi bem naqueles
termos que emitiu sua vontade. Dat a advertrncia de Anson, que "uma pessoa
nmo pode ser ouvida ao alegar que pretende coisa diversa do que declarou"
(cannot be heard to allege that did not mean what he said).67
A hermenrutica da vontade contratual esti subordinada a esses dois elementos,
como tenho proclamado: a intenomo das partes e o sentido da linguagem.
Conseqentemente nmo pode qualquer delas modificar unilateralmente o seu
conte~do. Nmo pode igualmente a intenomo dos contratantes estar subordinada
ao entendimento subjetivo do intprprete, uma vez que aquela intenomo somente
pode ser entendida em plena conformidade com as palavras contidas no
instrumento, "salvo se eivadas de vtcio, ilegalidade ou incapacidade de
qualquer dos declarantes".68
O princtpio da obrigatoriedade do contrato (n 185, supra) nmo admite que, a
tttulo de "construomo" da vontade contratual, sejam invocados princtpios ou
fatos estranhos, uma vez que tal "construomo" somente p ltcita na medida em
que p governada pelas normas legais. A regra preponderante na hermenrutica
da vontade p esta: o que o contrato significa p uma questmo de direito.
Desenvolvendo a teoria da "construomo" o clissico Parsons preleciona que se
trata de "matpria de lei" (Construction is governed by fixed principles), ou, em
outras palavras, p matpria de lei. Dat emerge a primeira verdadeira regra: "o
que o contrato significa p questmo de lei" (what a contractmeans is a question of
law).69
189-A. Os contratos que regulam as relao}es de consumo recebem interpretaomo
de maneira mais favorivel ao consumidor, conforme expressamente determina
o art. 47 do Cydigo de Proteomo e Defesa do Consumidor - Lei n 8.078/90.
Trata-se de regra de hermenrutica que tem em vista proteger a parte
presumidamente mais fraca da relaomo jurtdica.
O Cydigo do Consumidor, no entanto, vai ainda mais longe, ao dispor no seu
art. 46 que os contratos que regulam as relao}es de consumo deixam de ser
obrigatyrios se ao consumidor nmo for dada oportunidade de conhecer
previamente o seu conte~do, ou forem redigidos de forma a dificultar a
compreensmo de seu sentido e alcance. Esta norma visa a assegurar nmo sy o
efetivo prpvio conhecimento do conte~do do contrato por parte do consumidor,
mas tambpm que o contrato tenha sido redigido de forma tal, que possa ter sido
entendido pelo consumidor, sob pena, em qualquer dos dois casos, de nulidade
do pryprio contrato. Nmo se trata, portanto, a rigor, de uma regra de
interpretaomo, mas sim de uma regra de garantia do prpvio conhecimento e
prpvio entendimento do conte~do do contrato por parte do consumidor.
Capttulo ;;;9,,, - Classificaomo dos Contratos
6umirio: 190. Contratos ttpicos, attpicos e mistos. 191. Contratos
consensuais, formais e reais. 192. Contratos onerosos e gratuitos.
193. Contratos bilaterais e unilaterais. 194. Contratos comutativos
e aleatyrios. 195. Contratos de execuomo imediata, diferida e
sucessiva. 196. Contratos individuais e coletivos. 197. Contratos de
adesmo.
Bibliografia: Colin et Capitant, Cours elpmentaire de Droit Civil, vol.
II, ns. 12 e segs.; Mazeaud et Mazeaud, Leoons de Droit Civil, vol. II,
ns. 64 e segs.; Barasi, La Teoria Generale delle Obbligazioni, vol. II, ns.
132 e segs.; Orlando Gomes, Contratos, ns. 50 e segs.; Ruggiero e
Maroi, Istituzioni di Dirito Privato, vol. II, 137; De Page, Traitp
elpmentaire de Droit Civil, vol. II, 1 parte, ns. 449 e segs.; Trabucchi,
Istituzioni di Diritto Civile, ns. 288 e segs.; Messineo, Dottrina
Generale del Contratto, ns. 233 e segs.; Gaudemet, Thporie Gpnprale
des Obligations, pigs. 21 e segs.; Serpa Lopes, Curso, vol. III, ns. 10 e
segs.
190. Contratos ttpicos, attpicos e mistos
Todos os escritores que cuidam dos contratos registram e desenvolvem, ora
mais ora menos detidamente, a matpria de sua classificaomo. Fazemo-lo,
tambpm, com o esclarecimento de que nmo damos rnfase js categorias de menor
significaomo, ou jquelas que se limitam a constituir aplicao}es, no terreno
contratual, das classificao}es das obrigao}es, sobre que nos detivemos no n 132,
vol. II. Eis por que nos deixamos de referir aqui a contratos principais e
acessyrios, contratos civis e comerciais, contratos causais e abstratos etc.
Comeoamos este capttulo, portanto, com os contratos ttpicos e attpicos.
O DireitoRomano dividia-os em duas largas classes: nominados e inominados.
Aqueles se compunham de figuras contratuais identificadas por suas linhas
dogmiticas precisas e definidas, e designados por seus pryprios nomes (emptio-
venditio, mutuum, societas, locatio-conductio, commodatum). Dat chamarem-se
nominados. Eram esppcies contratuais completas, geradoras de direitos e
obrigao}es em sua plenitude. Revestidos de ao}es, desenvolviam todo o plano
existencial em frases dotadas de amplos efeitos, desde sua origem, quando
nasciam por uma das modalidades de formaomo normal a que Gaius alude
(verbis, litteris, re aut consensu), atp a solutio espontknea ou coativa. Mas a
complexidade da vida romana op{s-se j contenomo dos negycios dentro de tais
esquemas. Outras conveno}es apareceram, com aspecto contratual, nmo
enquadradas, porpm, nos modelos conhecidos e denominados, aos quais nmo se
podia reconhecer uma actio, o que nem por isso autorizava se considerarem
desprovidas de efeitos, ji que habilitavam o interessado a exigir a
contraprestaomo por via de uma condictio. A estes, de princtpio simples pacta,
nmo se p{de recusar a categoria contratual. Apelidou-os o direito justinianeu de
contratos inominados, e a eles foi atributda uma aomo - actio praescriptis verbis.1
Dat os romanistas dividirem as virias esppcies de contratos romanos em duas
grandes classes: a dos nominados e a dos inominados, os primeiros revestidos de
todos os efeitos, e os segundos somente admitindo-os por via indireta.
No direito moderno nmo subsiste aquela antiga concepomo, conforme foi
explicado no n 184, supra. Todos os contratos produzem efeitos, smo revestidos
de aomo, e geram direitos e obrigao}es. Nmo obstante isto, ainda sobreviveu a
classificaomo dos contratos nominados e inominados, com significaomo diversa da
romana, e dotada de interesse pritico.
Mais recentemente a doutrina inclina-se pela substituiomo da nomenclatura
tradicional por esta outra - contratos ttpicos e contratos attpicos - atendendo a
que nmo p a circunstkncia de ter uma designaomo prypria (nomen iuris) que
preleva, mas a tipicidade legal. Nmo obstante esta preferrncia terminolygica na
doutrina moderna, nmo perdeu de todo a antiga seus prpstimos, qual se vr em
obras de extraomo corrente, como a dos irmmos Mazeaud, e entre nys chega a ser
adotada para tttulo do livro de Esptnola, Dos Contratos Nominados no Direito
Brasileiro.
O legislador de 2002 optou pela terminologia moderna da doutrina, ao dispor no art.
425 do Cydigo que p ltcito js partes estipular contratos attpicos, observadas as normas
gerais nele estabelecidas.
Diz-se que um contrato p ttpico (ou nominado) quando as suas regras
disciplinares smo deduzidas de maneira precisa nos Cydigos ou nas leis. Mas a
imaginaomo humana nmo estanca, pelo fato de o legislador haver deles cogitado
em particular. Ao contririo, cria novos negycios, estabelece novas relao}es
jurtdicas, e entmo surgem outros contratos afora aqueles que recebem o batismo
legislativo, ou que nmo foram tipificados, e por esta razmo se consideram attpicos
(ou inominados), os quais Josserand pitorescamente apelidou contratos sob
medida, em contraposiomo aos ttpicos, que seriam para ele os ji confeccionados.2
A importkncia pritica da classificaomo nmo pode ser negada. Quando os
contratantes realizam um ajuste daqueles que smo ttpicos, adotam
implicitamente as normas legais que comp}em a sua dogmitica. e certo que tais
regras smo de natureza supletiva, e nmo imperativa,3 mas nem por isto de
aplicaomo menos freqente, ji que as partes, por mais casutstas que sejam no
minudenciarem as cliusulas contratuais, nunca chegam ao ponto de
desprezarem as regras legislativas da figura ttpica. A celebraomo de um contrato
attpico exige-lhes o cuidado de descerem a min~cias extremas, porque na sua
disciplina legal falta a sua regulamentaomo espectfica. Na soluomo das
controvprsias que surgirem, o julgador ou intprprete teri de invocar em
suprimento do conte~do das cliusulas pryprias os princtpios legais relativos ao
contrato ttpico mais pryximo, e isto nem sempre p ficil, porque a ocupaomo de
zona grtsea, entre mais de um, sugere js vezes aproximao}es virias, nenhuma
das quais dotada de pura nitidez.
A par de uns e outros, diz-se misto o contrato que alia a tipicidade e a
atipicidade, ou seja, aquele em que as partes imiscuem em uma esppcie
regularmente dogmatizada, aspectos criados por sua prypria imaginaomo,
desfigurando-a em relaomo ao modelo legal.
191. Contratos consensuais, formais e reais
Nomenclatura reminiscente da romana, esta classificaomo divide os contratos
sob o aspecto de sua constituiomo, em atendimento js exigrncias legais
respectivas.
Dizem-se contratos consensuais aqueles que se formam exclusivamente pelo
acordo de vontades (solo consensu). e claro que todo contrato pressup}e o
consentimento. Mas alguns existem para cuja celebraomo a lei nada mais exige
que esse consentimento. Uma vez que em nosso direito, como aliis no direito
moderno em geral, predomina o princtpio consensualista (n 185, supra), pode-
se com razmo dizer que o contrato consensual p a regra, e exceo}es os que nmo o
smo.
Diz-se, repetimos, consensual o contrato para cuja celebraomo a lei nmo exige
senmo o acordo das partes. Com isto frisamos que nmo deixa de sr-lo em razmo
de haverem as partes voluntariamente adotado forma escrita ou instrumento
p~blico, para a sua realizaomo, por uma razmo de sua particular convenirncia.
Somente quando a lei imp}e, na sua formaomo, algo externo e material, alpm da
necessiria declaraomo de vontade, p que tal ocorre.
Contrapondo-se aos consensuais, alinham-se de um lado os formais ou solenes,
e de outro os reais.
Chama-se contrato solene aquele para cuja formaomo nmo basta o acordo das
partes. Exige-se a observkncia de certas formalidades, em razmo das quais o
contrato se diz, tambpm, formal. As exigrncias legais, neste sentido, podem ser
virias. A mais freqente p a intervenomo do notirio, com a reduomo do ato a
escrito. A forma p~blica pode ser convencional, quando os pryprios
interessados a elegem, e, neste caso, o contrato, que nmo seria, em princtpio,
formal, passa a sr-lo. Hi grande diferenoa entre a adoomo da forma p~blica
impositivamente e a instituiomo da forma p~blica pela convenomo, uma vez que
esta a erija em requisito de validade do ato (Cydigo Civil, art. 109). A lei exige o
instrumento p~blico como da substkncia do ato nos contratos constitutivos ou
translativos de direitos reais sobre imyveis, de valor superior a 30 (trinta) vezes
o maior salirio mtnimo do Pats (Cydigo Civil, art. 108), regra esta que alguns ji
sustentam ser inconstitucional, em razmo do disposto no art. 7, IV, da
Constituiomo Federal, que veda a vinculaomo do salirio mtnimo para qualquer
fim. O argumento nmo procede porque a vinculaomo que a Constituiomo protbe p
a que tenha efeitos financeiros que dificultem ou impeoam o aumento do salirio
mtnimo pelo fen{meno da indexaomo, o que nmo p o caso, ji que o valor p mera
referrncia para se exigir ou nmo a escritura p~blica como elemento formal do
negycio de compra e venda de bens imyveis. A regra p importante sob o ponto
de vista social, porque possibilita a desoneraomo do negycio de compra e venda
de imyveis para a populaomo de baixa renda.
Para estes contratos a forma p~blica p determinante da validade do ato, e
impostergivel. Para outros, a lei contenta-se com o escrito, embora privado,
como ocorre com a fianoa (Cydigo Civil, artigo 819), ou como a doaomo, salvo as
de pequeno valor (Cydigo Civil, art. 541). Constitui ainda formalismo,
apelidado de indireto a inscriomo no registro p~blico, como se di para que a
cessmo de crpdito, por instrumento particular, seja opontvel a terceiro (Cydigo
Civil, art. 288), ou a promessa de compra e vendade imyvel seja dotada de
execuomo espectfica (Lei n 649, de 11 de maroo de 1949).
Cumpre, entretanto, distinguir as formalidades exigidas ad probationem das que
o smo ad solemnitatem. As primeiras nmo fazem o contrato formal, mas imp}em-se
como tpcnica probatyria. Assim, quando a lei diz que as obrigao}es de valor
superior ao dpcuplo do maior salirio mtnimo vigente no Pats (art. 227 do
Cydigo - vale aqui a mesma observaomo supra sobre a constitucionalidade desta
regra quanto ao indexador) nmo se provam exclusivamente por testemunhas
mas requerem um comeoo de prova por escrito, estatui uma formalidade ad
probationem, porque, se o credor nmo pode provar a obrigaomo sem a exibiomo de
um escrito qualquer, nem por isto deixa de prevalecer a solutio, espontknea,
nem deixa de ter validade a confissmo do devedor como suprimento da prova
escrita. O mesmo nmo ocorre se a formalidade p institutda ad solemnitatem,
porque at p a validade da declaraomo de vontade que esti em jogo. Se nmo
revestir aquela forma determinada, o ato nmo prevalece. e como se nmo
houvesse declaraomo de vontade.
Como vimos no n 185, supra, opera-se no direito de hoje um renascimento do
formalismo, que vem preencher a funomo de seguranoa para as partes, obviando
os inconvenientes dos excessos a que havia chegado o princtpio consensualista.
Denomina-se real o contrato para cuja perfeiomo a lei exige a traditio efetiva do
objeto. Nele, a entrega da coisa nmo p fase executyria, porpm requisito da
prypria constituiomo do ato. O consentimento p seu elemento, pois nmo pode
haver contrato sem acordo de vontades. Mas nmo p suficiente, devendo integrar
nele a tradiomo da coisa. Smo poucos, na nossa sistemitica, a comporem esta
categoria: comodato, m~tuo, depysito, a que se acrescenta a doaomo manual de
pequeno valor. Estes contratos nmo se formam sem a tradiomo da coisa. Uma
convenomo em que as partes estipulem o emprpstimo de quantia sem a sua
entrega efetiva pode ser uma promessa de mutuar (pactum de mutuando), mas
nmo p m~tuo; assim para o comodato, como para o depysito. Outra figura de
contrato real p o penhor, que, entretanto, em alguns casos deixa de formar-se re,
substituindo-se a traditio efetiva do bem apenhado pela inscriomo no registro:
penhor rural, industrial, mercantil e de vetculos (Cydigo Civil, arts. 1.431 e
1.432).
Os escritores modernos criticam o conceito de contrato real, considerando-o um
romanismo injustificivel, e entendem que nmo hi razmo para que se exija para a
celebraomo do contrato a efetivaomo da entrega do objeto. Mais simples seri
compreender os chamados contratos reais como simplesmente consensuais e
bilaterais, em que para um dos contratantes nasce a obrigaomo de entregar a
coisa, e para o outro a de restitut-la se ela for entregue. Com esta concepomo, a
traditio deixa de ser elemento de constituiomo do negycio e passa a constituir a
execuomo da obrigaomo do mutuante, ou do comodante, ao mesmo passo que a
restituiomo p obrigaomo condicional do mutuirio, do comodatirio, do
depositirio.4 No direito brasileiro, contudo, p necessiria uma ressalva, que para
o seu direito ji fez De Page: enquanto persistir, em direito positivo, o traditio
erigida em requisito dos contratos ditos reais, a dogmitica jurtdica tem
foroosamente de aceitar esta classificaomo, muito embora se deva reconhecer que
em teoria pura este romanismo atenta contra o princtpio da executoriedade das
conveno}es geradas pelo consentimento livremente manifestado.
Diante desta controvpsia, inclinamo-nos pela suspensmo da categoria dos
contratos reais. Na elaboraomo de nosso Projeto de Cydigo de Obrigao}es,
tratamos o m~tuo, o comodato, o depysito como consensuais, subordinando a
obrigaomo do mutuirio, do comodatirio do depositirio, ao fato da entrega da
coisa. Destarte, os chamados contratos reais deixariam de sr-lo, e celebram-se
solo consensu.O Cydigo de 2002 nmo recolheu a inovaomo, preferindo manter,
para esses contratos, o cariter de reais.
192. Contratos onerosos e gratuitos
Encarados quanto ao objeto perseguido pelas partes, os contratos smo:
Onerosos, aqueles dos quais ambas as partes visam a obter vantagens ou
beneftcios, impondo-se encargos reciprocamente em beneftcio uma da outra.
Gratuitos ou benpficos, aqueles dos quais somente uma aufere a vantagem, e a
outra suporta, sy ela, o encargo. Hi quem distinga os contratos gratuitos
propriamente ditos, ou pura liberalidade, dos contratos desinteressados, com a
observaomo de que, naqueles, hi diminuiomo patrimonial de uma das partes em
proveito da outra (como na doaomo), enquanto que nos outros um dos
contratantes presta um servioo ao outro sem nada receber em troca da prestaomo
feita ou prometida, porpm sem empobrecer-se, ou sem sofrer diminuiomo no seu
patrim{nio.5
Alguns contratos smo naturalmente gratuitos, porpm admitem se estipule uma
remuneraomo, por ajuste expresso. Outros, entretanto, nmo comportam este
efeito d~plice, e perdem a sua caracterizaomo prypria, se as partes
convencionam uma remuneraomo.
Esta classificaomo, alpm do interesse teyrico, tem grande importkncia pritica:
por direito expresso, os negycios jurtdicos benpficos e a ren~ncia interpretam-se
restritivamente (Cydigo Civil, art. 114); no caso de revogaomo por fraude contra
credores, os contratos gratuitos smo tratados mais rigorosamente do que os
onerosos (Cydigo Civil, arts. 158 e 159). Outros pontos de menor relevkncia smo
ainda apontados pelos escritores, que chamam a atenomo para o fato de os
gratuitos realizarem-se intuitu personae (Colin et Capitant, Mazeaud et
Mazeaud), o que nmo constitui regra uniforme, nem deve excluir o cariter
personaltssimo da irea dos onerosos.
193. Contratos bilaterais e unilaterais
Considerado sob o aspecto de sua formaomo, todo contrato p negycio jurtdico
bilateral, ji que a sua constituiomo requer a declaraomo de vontade das pessoas
que dele participam de uma e de outra parte.
Encarados do kngulo de seus efeitos, subdividem-se em bilaterais e unilaterais,
conforme gerem obrigao}es para ambos os contratantes ou para um deles
somente. Nmo se pode confundir, portanto, a bilateralidade como elemento
constitutivo (bilateralidade de manifestaomo de vontade) com a bilateralidade
das conseqrncias produzidas. O receio de perturbar as noo}es leva mesmo
alguns juristas a repudiarem a idpia de contrato unilateral. Outros evitam o
emprego dos adjetivos bilateral e unilateral, preferindo mencionar a categoria
dos contratos com prestao}es correspectivas e a outra dos contratos com prestao}es a
cargo de uma sy parte, atitude que, deliberadamente e pela mesma razmo, adotou
o novo Cydigo Civil italiano.6
Feitas estas observao}es, define-se como unilateral o contrato que cria obrigao}es
para um sy dos contratantes; bilateral, aquele que as origina para ambos. No
contrato unilateral, hi um credor e um devedor; no bilateral, cada uma das
partes p credora e reciprocamente devedora da outra.7 Para alguns autores a
distinomo esti em que o contrato unilateral se forma desde o momento em que a
proposta irrevogivel chega ao conhecimento do oblato,8 fator diferencial que
nmo nos parece correto, porque em nmo havendo a dualidade de manifestao}es
de vontade (bis in idem placitum consensus), nmo pode haver contrato.
A distinomo p de grande monta, porque hi efeitos que se nmo prendem senmo aos
contratos bilaterais, como p o caso da exceptio inadimpleti contractus, a ser
desenvolvida no n 215, infra (Cydigo Civil, art. 476), ou a condiomo resolutiva
ticita, dos arts. 474 e 475, a ser estudada no n 214, infra. A teoria dos riscos
somente tem interesse em relaomo aos contratos bilaterais, porque sy at existe
interesse em apurar qual das partes sofreri a perda da coisa devida, ou a
impossibilidade da prestaomo.9
e pactfico quenos contratos bilaterais as obrigao}es das partes smo rectprocas e
interdependentes: cada um dos contraentes p simultaneamente credor e
devedor um do outro, uma vez que as respectivas obrigao}es trm por causa as
do seu co-contratante, e, assim, a existrncia de uma p subordinada j da outra
parte.10
Os autores imaginaram uma terceira categoria, a dos contratos bilaterais
imperfeitos, atendendo a que hi certos contratos que normalmente criam
obrigao}es para um sy dos contratantes, e smo portanto unilaterais. Mas, j vista
de circunstkncias excepcionais, podem eventualmente deles nascer obrigao}es
para aquele que originariamente nmo as tinha. Destarte, passam a dar
nascimento a obrigao}es para um e outro contratante, como se fossem bilaterais.
A distinomo entre os bilaterais imperfeitos e os bilaterais esti em que, nestes, as
obrigao}es rectprocas existem desde a origem e smo correlatas, enquanto que
naqueles a obrigaomo de um dos contratantes advpm ulteriormente e nmo
guarda correspectividade com a do outro, originando-se de causaomo
independente e eventual.11
Cabe indicar, ainda, a figura dos contratos plurilaterais, que smo aqueles em que
entram mais de duas partes, resultando todas obrigadas. Nmo se confundem
com aqueles em que hi simplesmente pluralidade de pessoas, ji que, para nys,
parte do negycio jurtdico tem sentido direcional (v. n 85, supra, vol. I). A
pluralidade de partes, como centros aut{nomos, ocorre nos casos (como na
constituiomo de uma sociedade) em que virios contratantes emitem suas
vontades, cada uma representando seus pryprios interesses. O contrato
plurilateral produz efeitos que se podem diversificar em relaomo a cada parte,
podendo ser gratuito para uma, oneroso para outra etc.12
e preciso nmo confundir a classificaomo dos contratos em bilaterais e unilaterais
com a dos onerosos e gratuitos, embora haja coincidrncia de algumas esppcies.
Os contratos onerosos comumente smo bilaterais, e os gratuitos da mesma forma
unilaterais. Mas p apenas coincidrncia. O fundamento das classificao}es difere:
uma tem em vista o conte~do das obrigao}es, e outra, o objetivo colimado. Nmo
hi uma correspectividade necessiria, pois que existem contatos unilaterais que
nmo smo gratuitos (e. g., o m~tuo), e outros que smo bilaterais e podem ser
gratuitos (o mandato, por exemplo).
194. Contratos comutativos e aleatyrios
e esta uma subdivismo dos contratos bilaterais.
Smo comutativos os contratos em que as prestao}es de ambas as partes smo de
antemmo conhecidas, e guardam entre si uma relativa equivalrncia de valores.
Nmo se exige a igualdade rigorosa destes, porque os bens que smo objeto dos
contratos nmo trm valoraomo precisa. Podendo ser, portanto, estimadas desde a
origem, os contratantes estipulam a avenoa, e fixam prestao}es que
aproximadamente se correspondem.
Smo aleatyrios os contratos em que a prestaomo de uma das partes nmo p
precisamente conhecida e suscettvel de estimativa prpvia, inexistindo
equivalrncia com a da outra parte. Alpm disto, ficam dependentes de um
acontecimento incerto. Hi uma corrente doutriniria tradicional que situa a
noomo de contrato aleatyrio na existrncia da ilea bilateral.13 Mas a evoluomo
desse tipo de negycio o desautoriza. Basta que haja o risco para um dos
contratantes. Com efeito, em virios contratos em voga como o seguro, a aposta
autorizada nos hipydromos, a loteria explorada pela Administraomo ou pelo
concessionirio, existe ilea apenas para um dos contratantes, ao passo que o
outro baseia a sua prestaomo em cilculos atuariais ou na deduomo de
percentagem certa para custeio e lucro, de tal maneira que se pode dizer
perfeitamente conhecida, e lhe nmo traz risco maior do que qualquer contrato
comutativo normal.14 Se p certo que em todo contrato hi um risco, pode-se
contudo dizer que no contrato aleatyrio este p da sua essrncia, pois que o ganho
ou a perda conseqente esti na dependrncia de um acontecimento incerto para
ambos os contratantes. O risco de perder ou de ganhar pode ser de um ou de
ambos; mas a incerteza do evento tem de ser dos contratantes, sob pena de nmo
subsistir a obrigaomo.
A ilea pode versar sobre a existrncia da coisa, ou sobre a sua quantidade.
Quando um dos contratantes toma a si o risco em torno da prypria existrncia da
prestaomo, o preoo ajustado p devido, por inteiro, ainda que dela nada venha a
produzir-se (Cydigo Civil, art. 458). Exemplo clissico p o de quem compra do
pescador, por preoo certo, o que este retirar, assumindo o risco de nmo ser
apanhado nenhum peixe. Neste caso, o objeto do contrato nmo smo os peixes,
mas o pryprio lanoo da rede (iactus retis).
Se a ilea versar sobre a quantidade, assumindo uma das partes o risco
respectivo, o preoo p devido, mesmo que a coisa se nmo produza na quantidade
esperada; porpm, nmo p de ser pago, se nada for produzido, porque neste caso o
contrato estari sem objeto (Cydigo Civil, artigo 459).
Em qualquer caso, o adquirente nmo deve o preoo, se a frustraomo do resultado
provier de culpa da outra parte.
O contrato aleatyrio pode versar sobre coisas futuras ou sobre coisas de
existrncia atual, desde que sujeitas a riscos. Neste caso, o preoo seri devido,
mesmo que da coisa nada mais exista no momento do contrato (Cydigo Civil,
art. 460). Mas, se a consumaomo do risco ji era conhecida de um dos
contratantes, pode o outro anular o contrato sob fundamento do dolo com que
procedeu o primeiro (Cydigo Civil, art. 461).
O interesse desta classificaomo esti em que a rescismo por lesmo (art. 157) nmo tem
lugar nos contratos aleatyrios,15 nem a aomo redibityria (arts. 441 e seguintes).16
195. Contratos de execuomo imediata, diferida e sucessiva
De execuomo imediata ou instantknea p o contrato em que a soluomo se efetua de
uma sy vez e por prestaomo ~nica, tendo por efeito a extinomo cabal da
obrigaomo. Exemplo ttpico p a venda j vista, em que o comprador, contra a
entrega da coisa, faz o pagamento do preoo em um sy ato.
De execuomo diferida ou retardada p aquele em que a prestaomo de uma das partes
nmo se di de um sy jato, porpm a termo, nmo ocorrendo a extinomo da obrigaomo
enquanto nmo se completar a solutio.
De execuomo sucessiva ou de trato sucessivo, ou execuomo continuada, como
denominado no art. 478, p o contrato que sobrevive, com a persistrncia da
obrigaomo, muito embora ocorram soluo}es periydicas, atp que, pelo
implemento de uma condiomo, ou decurso de um prazo, cessa o pryprio
contrato. O que a caracteriza p o fato de que os pagamentos nmo geram a
extinomo da obrigaomo, que renasce. A duraomo ou continuidade da obrigaomo
nmo p simplesmente suportada pelo credor, mas p querida pelas partes
contratantes.17 Caso ttpico p a locaomo, em que a prestaomo do aluguel nmo tem
efeito liberatyrio, senmo do dpbito correspondente a pertodo determinado,
decorrido ou por decorrer, porque o contrato continua atp a ocorrrncia de uma
causa extintiva. Outro p o contrato de fornecimento de mercadorias, em que o
comprador paga por pertodo ou forfaitariamente, persistindo entretanto a
obrigaomo do vendedor, quanto a novas remessas, e do comprador quanto j
liquidaomo respectiva.
Hi interesse pritico nesta classificaomo: a) em caso de nulidade do contrato de
execuomo sucessiva, respeitam-se os efeitos produzidos, considerando-se
imposstvel a restituiomo das partes ao estado anterior;18 b) a teoria da
imprevismo, regulada expressamente no Cydigo nos arts. 478 a 480 sob a rubrica
de resoluomo por onerosidade excessiva incide sobre os contratos de execuomo
diferida e continuada (v. n 216, supra); c) somente em casos excepcionais pode
uma das partes romper unilateralmente o contrato de execuomo continuada,19
salvo se ajustado por tempo indeterminado;20 d) a prescriomo da aomo de
resoluomo do contrato, por descumprimento,corre separadamente de cada uma
das prestao}es,21 podendo-se acrescentar que a prescriomo do direito de receber
cada prestaomo independe das anteriores como das posteriores (v. n 123, supra,
vol. I).
196. Contratos individuais e coletivos
Contrato individual p o que se forma pelo consentimento de pessoas, cujas
vontades smo individualmente consideradas. Nmo p a singularidade de parte
que o identifica. Pode uma pessoa contratar com virias outras ou um grupo de
pessoas com outro grupo, e o contrato ser individual, uma vez que, na sua
constituiomo, a emissmo de vontade de cada uma entra na etiologia da sua
celebraomo.
O contrato p coletivo quando, na sua perfeiomo, a declaraomo volitiva provpm de
um agrupamento de indivtduos, organicamente considerado. A vontade do
agrupamento p dirigida j criaomo do iuris vinculum, como o querer coletivo dele.
Na convenomo coletiva de trabalho, que p o tipo mais freqente, embora ji se
nmo possa dizer o ~nico da classe, as vontades dos interessados nmo figuram na
celebraomo do contrato. A que tem foroa jurtgena p aquela que organicamente se
apura no momento em que se realiza a assemblpia sindical, com observkncia do
quorum e contagem dos votos, na forma da lei. O que o caracteriza p, entmo, a
vontade do grupo, que sy ela p tomada em consideraomo no momento em que se
forma a relaomo contratual, ji que as vontades individuais dos seus
componentes ficaram para tris e somente foram consideradas na deliberaomo
sindical. Uma vez celebrado o contrato, a decismo homologatyria, seja
administrativa, seja judicial, determina a extensibilidade a todos os indivtduos
pertencentes jquela categoria abrangida no sindicato, ou atp fora dele.22
A importkncia desta classificaomo esti em que o contrato individual cria direitos e
obrigao}es para as pessoas que dele participam; ao passo que o contrato coletivo,
uma vez homologado regularmente, gera deliberao}es normativas, que podermo
estender-se a todas as pessoas pertencentes a uma determinada categoria
profissional, independente do fato de terem ou nmo participado da assemblpia
que votou a aprovaomo de suas cliusulas, ou atp de se haverem, naquele
conclave, oposto j sua aprovaomo. Seus efeitos determinantes de uma prp-
regulamentaomo de condio}es de trabalho (Orlando Gomes) smo tmo notyrios,
que a natureza contratual chegaria a ser posta em d~vida se nmo houvesse a
doutrina largamente admitido esta ramo de classificaomo (Mozart Victor
Russomano), e nmo houvesse o legislador consagrado (Consolidaomo das Leis do
Trabalho, art. 611).
Uma observaomo completa o conceito. e que o contrato nmo gera obrigao}es
individuais diretas. e uma figura de convenomo que assume o aspecto de
normatividade abstrata. Para a produomo de efeitos imediatos e criaomo concreta
de direitos e obrigao}es particulares p imprescindtvel a existrncia de contratos
individuais.23 Assim, se o sindicato dos bancirios celebra um contrato coletivo
com o sindicato dos bancos, cria normas abstratas que disciplinarmo as relao}es
decorrentes dos contratos individuais entre cada bancirio e o banco que o
emprega.
197. Contratos de adesmo
Chamam-se contratos de adesmo aqueles que nmo resultam do livre debate entre as
partes, mas provrm do fato de uma delas aceitar tacitamente cliusulas e
condio}es previamente estabelecidas pela outra. Escritores mais extremados
negam-lhe a natureza contratual, sob o fundamento de que lhe falta a vontade
de uma das partes, a qual apenas se submete js imposio}es da outra. Restriomo
excessiva, rebatem os irmmos Mazeaud, ji que a aceitaomo das cliusulas, ainda
que preestabelecidas, lhe assegura aquele cariter.
Normalmente, ocorre este contrato nos casos de estado de oferta permanente (v. n
188, supra), por parte de grandes empresas concessionirias de servioos p~blicos
ou outras, ou que estendam seus servioos a um p~blico numeroso, quando ji
trm pronto, e oferecido a quem deles se utiliza, seu contrato-padrmo,
previamente elaborado e js vezes aprovado pela Administraomo. Quando o
usuirio do servioo se prevalece dele, ou quando o homem do povo entra em
relao}es com a empresa, nmo discute condio}es nem debate cliusulas. A sua
participaomo no ato limita-se a dar sua adesmo ao paradigma contratual ji
estabelecido, presumindo-se sua aceitaomo da conduta que adota. Algumas vezes
esta adesmo p expressa, como no caso em que o aceitante a declara verbalmente ou
mediante aposiomo de sua assinatura em formulirio; outras vezes p ticita, se o
usuirio apenas assume um comportamento consentkneo com a adoomo das
cliusulas contratuais preestatutdas. Da circunstkncia de formar-se o contrato
pela adesmo de uma parte j declaraomo de vontade estereotipada da outra,
advpm-lhe o nome com que habitualmente p conhecido - contrato de adesmo
atendendo a que se constitui pela adesmo da vontade de um oblato
indeterminado j proposta permanente do policitante ostensivo.
Normalmente o contrato de adesmo se celebra em relaomo jurtdica de consumo,
estando sujeito, portanto, js regras do Cydigo do Consumidor (Lei n 8.078/90).
Esta p a regra, que admite, no entanto, exceo}es, ji que hi negycios jurtdicos
que nmo configuram relaomo de consumo celebrados por meio de contratos de
adesmo, como, v.g., certos contratos administrativos precedidos de licitaomo, nos
quais o contrato p celebrado pela Administraomo P~blica em modelo
previamente aprovado, ao qual o contratado apenas adere.
Nmo se pode negar a existrncia do acordo de vontades, que resulta da anilise do
ato negocial:
A - De um lado, hi oferta permanente, aberta a quem desejar os servioos do
proponente. As cliusulas ou condio}es devermo da mesma constar, ou de
an~ncios ou tabuletas em lugar vistvel, ou de regulamentos ou portarias
baixadas pela Administraomo etc. Nmo pode o ofertante alterar as condio}es da
proposta senmo precedendo de ampla divulgaomo, ou aprovaomo das
autoridades (nos casos em que estas controlam tais contratos como se di com as
tarifas de transportes, de servioos de luz, ou telefone, ou de fornecimento de
gis, de divers}es p~blicas etc.).
B - A aceitaomo do oblato di-se pura e simples. De regra, nmo comporta o
contrato por adesmo exceo}es pessoais. A aceitaomo p imediata, e o contrato se
forma com qualquer pessoa, a nmo ser naqueles casos em que a oferta ao p~blico
admite ressalvas (v. n 188, supra), como, por exemplo, a empresa de transporte
nmo ser obrigada a admitir passageiro alpm da lotaomo do vetculo, ou a casa de
divers}es p~blicas nmo ser compelida a tolerar o ingresso a quem nmo tenha
condio}es de sa~de ou moralidade.24 A aceitaomo habitualmente se di pelo
silrncio daquele cuja obrigaomo de conhecer as cliusulas p equiparada pela lei j
diligrncia ordiniria (art. 111). Nmo se chega, na anilise do mecanismo jurtdico,
ao ponto de inquirir da vontade real; basta, como requisito mtnimo, que
acentue a possibilidade de conhecer as cliusulas gerais, e preestabelecidas, e sua
adesmo a elas, para que se tenha como formado o contrato, e obrigatyrio. Por
isto mesmo excluem-se de coercibilidade as chamadas cliusulas vexatyrias, isto p,
as demasiado onerosas, ou inconvenientes. O Cydigo expressamente protbe
ainda as cliusulas que estipulem a ren~ncia antecipada do aderente a direito
resultante da natureza do negycio (art. 424).
Embora nmo seja ostensiva uma declaraomo formal de vontade, e nmo seja imune
a crtticas, as mais das vezes procedentes, em razmo do aspecto unilateral de suas
cliusulas, nem por isto p de excluir-se do trifico social esta figura de contrato,
que cria relao}es jurtdicas impostas e valorizadas pelo ambiente histyrico-
social.25 O contrato por adesmo existe, pois. Nmo pode o jurista fechar os olhos j
realidade. Deve admiti-lo. E, tomando conhecimento de sua presenoa asstdua,
cogitari de sua aplicaomo. Sobretudo de suainterpretaomo.
Neste ponto, os autores divergem. Uns encaram o seu aspecto normativo, e
preferem dar-lhe a hermenrutica das leis (Hauriou, Saleilles, Duguit); do lado
oposto, alguns consideram-no um contrato como qualquer outro; e hi ainda
quem pretenda criar um sistema novo, baseado em que o contrato de adesmo
tem em vista normalmente um servioo privado de utilidade p~blica, em que os
interesses da coletividade se defrontam com os da empresa. Em atenomo a isto, o
contrato de adesmo tem de ser interpretado em termos que permitam apreciar,
em cada caso, qual o interesse predominante.26
Em razmo de o contrato de adesmo ter o seu conte~do fixado por deliberaomo
exclusiva do ofertante, o Cydigo determina em seu art. 423 que quando houver
nele cliusulas ambtguas ou contradityrias, deve-se adotar a interpretaomo mais
favorivel ao aderente.
Sem nos referirmos a outras classificao}es de contratos, que nmo nos parece
mereoam a honra de uma especial menomo, aludimos em derradeira voz ao
chamado contrato-tipo ou por formulirio, que se aproxima do contrato coletivo e
do contrato por adesmo, deles distinguindo-se contudo. Di-se quando uma das
partes ji tem, em fyrmula impressa, policopiada ou datilografada, o padrmo
contratual que a outra se limita a subscrever, aceitando-lhe as cliusulas
previamente redigidas. Distingue-se do coletivo, em que ji constitui o esquema
concreto de contrato, gerador de efeitos diretos, enquanto que o coletivo
formula as condio}es abstratas, a que o contratante individual deve obedirncia.27
Do contrato de adesmo a separaomo p mais sutil, e a doutrina nmo a formula com
seguranoa. A nys, parece-nos mais simples dizer que o contrato-tipo nmo resulta
de cliusulas impostas, mas simplesmente prp-redigidas, js quais a outra parte
nmo se limita a aderir, mas que efetivamente aceita, conhecendo-as, as quais, por
isso mesmo, smo suscettveis de alteraomo ou cancelamento, por via de outras
cliusulas substitutivas, que venham manuscritas, datilografadas ou
carimbadas.
Os contratos de adesmo vrm hoje previstos, no tocante a seu conte~do e regras
de interpretaomo no Cydigo de Proteomo e Defesa do Consumidor (Lei n 8.078,
de 11.09.1990, art. 54), que ficou assim redigido: "Contrato de adesmo p aquele
cujas cliusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou
estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou servioos, sem que
o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conte~do". O
Cydigo Civil de 2002 lhes dedicou os arts. 423 e 424, limitando-se a regras sobre
a interpretaomo mais favorivel ao aderente e a nulidade de cliusulas que
venham a ser consideradas abusivas.
Tendo em vista a natureza excepcional do contrato de adesmo, entendeu o
Cydigo no art. 423 necessirio destinar preceituaomo especial j sua
hermenrutica. Sem embargo de estar ele submetido j norma geral de submissmo
aos princtpios da probidade e boa-fp, preconizados no artigo anterior, o Cydigo
salienta a que vem expressa nesse artigo. Entre as regras clissicas enunciadas
por POTHIER, ji uma delas (a quinta) aludia js express}es ambtguas, que se
deveriam interpretar segundo os usos do pats; enquanto que outra (a terceira)
aconselhava que naquelas de duplo sentido deveri prevalecer a mais
condizente com a natureza mesma do contrato.
Tendo em vista que, no contrato por adesmo, o aderente limita-se a justapor a
sua vontade ao padrmo elaborado pela outra parte (policitante que estabelece
previamente o pryprio conte~do contratual e nmo mera oferta) seu dever p
redigir as cliusulas com clareza, precismo e simplicidade. Se, nmo obstante,
inserir condiomo obscura, imprecisa e complexa, capaz de suscitar d~vidas ao
intprprete, caberi a este adotar no seu entendimento o que for mais favorivel ao
aderente. Nmo tendo este a faculdade de debater, e sustentar estipulaomo menos
onerosa, nmo pode ser sacrificado pela redaomo dada pelo outro contratante.
Aliis, ji no Direito Romano era norma que prevalecia o entendimento favorivel
ao promitente, contra o estipulante. Guardadas as proporo}es, a situaomo
adapta-se a esta modalidade especial e moderna de contrato.
Tendo em vista a prp-constituiomo do instrumento contratual, que p a fonte dos
direitos e das obrigao}es convencionais, fulminou o Cydigo no seu art. 423 de
nulidade, as cliusulas de ren~ncia dos direitos fundamentais do aderente. O
princtpio assume cariter de ordem p~blica, e, conseqentemente, desborda de
regra de hermenrutica para o terreno da proibiomo. Seri, portanto, de nenhum
efeito tais cliusulas, a serem soberanamente desprezadas pelo juiz. Sem
prejutzo, evidentemente, de quaisquer outras ofensivas das normas gerais ou
especiais de ordem p~blica.
Capttulo ;;;,; - Contrato 3reliminar
6umirio: 198. Conceito de contrato preliminar. Generalidades.
199. Desenvolvimento da doutrina brasileira. 200. Efeitos do
contrato preliminar.
Bibliografia: Amtlcar de Castro, Comentirios ao Cydigo do Processo
Civil, Ed. Revista Forense, vol. X, n 417; Filadelfo Azevedo,
"Execuomo Coativa da Promessa de Venda", in Revista de Crttica
-udiciiria, vol. X, pigs. 601 e segs.; Francesco Messineo, Dottrina
Generale del Contratto, pigs. 199 e segs.; Giovanni Carrara, La
Formazione del Contratto, pig. 25 e segs.; Andreas Von Tuhr,
Tratado de las Obligaciones, vol. I, n 32, pigs. 188 e segs.; De Page,
Traitp elpmentaire de Droit Civil, vol. II, 1 parte, ns. 504 e segs.;
Demogue, Obligations, vol. II, ns. 469 e segs.; Planiol et Ripert,
Traitp Pratique de Droit Civil, vol. VI, ns. 144 e segs.; Renato
Scognamiglio, Contratti in Generale, n 33; Serpa Lopes, Curso, vol.
III, ns. 132 e segs.; Carlos Fulgrncio da Cunha Peixoto, "Promessa
de Compra e Venda de Imyvel", in Revista Forense, vol. 74, pig.
437; Colin et Capitant, Cours, vol. II, ns. 513 e segs.; Ruggiero e
Maroi, Istituzioni di Diritto Privato, vol. II, 138; Regina Condin,
Contrato Preliminar; Gabba, Nuove Questioni di Diritto Civile, vol. I,
pigs. 141 e segs.; Edmundo Lins, Estudos jurtdicos, pig. 303.
198. Conceito de contrato preliminar. Generalidades
Quando duas pessoas querem celebrar um contrato, normalmente passam por
aquelas fases a que nos referimos no n 188, supra: debatem os seus interesses
em negociao}es preliminares; uma delas formula a proposta; a outra declara a
sua aceitaomo. Nmo p, porpm, fora dos quadros habituais que ambas acordem
sobre o objeto, fixem condio}es, e ajustem a celebraomo de um contrato que p, no
entanto, transferido para um momento futuro, seja em razmo de impossibilidade
momentknea para a sua conclusmo, seja porque surjam dificuldades no
preenchimento de requisitos formais, seja pela demora na obtenomo de
financiamento, seja simplesmente por motivos particulares de convenirncia. Em
tais casos, firmam um contrato, tendo em vista a celebraomo do outro contrato:
realizam um negycio, ajustando contrato que nmo p o principal, porpm,
meramente preparatyrio: nmo p a compra e venda ou o m~tuo, mas a realizaomo
futura de um outro contrato, o principal, que, este sim, seri a compra e venda,
ou o m~tuo, ou outra esppcie contratual.
Dat poder-se conceituar o contrato preliminar com aquele por via do qual ambas as
partes ou uma delas se comprometem a celebrar mais tarde outro contrato, que seri
contrato principal.1
Diferencia-se o contrato preliminar do principal pelo objeto, que no preliminar p
a obrigaomo de concluir o outro contrato, enquanto que o do definitivo p uma
prestaomo substancial.2
Distingue-se, tambpm, das negociao}es preliminares, em que estas nmo envolvem
compromissos nem geram obrigao}es para os interessados, limitando-se a
desbravar terreno e salientar convenirncias e interesses, ao passo que o contrato
preliminar ji p positivo no sentido de precisar de parte a parte o contratofuturo.
A figura nmo p nova. Ji era conhecida dos romanos, nmo como um contrato
propriamente dito, revestido das caractertsticas e acompanhado dos efeitos dos
contratos, porpm como um pacto, que os romanistas generalizam como pactum
de contrahendo, por induomo das esppcies especificamente individuadas nas
fontes: pactum de mutuando, pactum de commodando, e menos relevantemente
pactum de emendo.
O nosso direito anterior, pela voz dos grandes mestres (Teixeira de Freitas,
Correia Telles), aludia, a seu turno, j hipytese de algupm obrigar-se a vender, o
que significa sem d~vida reconhecer o contrato preliminar de compra e venda.
O seu desenvolvimento, entretanto, deveu-se j velocidade do trifico jurtdico
especialmente neste spculo, com a sua difusmo por todos os sistemas, onde tem
penetrado vigorosamente: Vorvertrag, no direito alemmo; contratto preliminare ou
ante-contratto, no direito italiano; avant contrat ou promesse de contrat ou
compromis, no francrs; contracto preliminar, no espanhol e hispano-americano.
No nosso direito difundiu-se largamente, nmo logrando a doutrina e a legislaomo
unidade de vistas na escolha de seu nome: prp-contrato, antecontrato, contrato
preparatyrio, compromisso (Lei n 58, de 1937; Lei n 649, de 11 de maroo de
1949; DL n 745, de 7 de agosto de 1969; Lei n 6.766, de 19 de dezembro de
1979), promessa de contrato (Cydigo de Processo Civil de 1939, art. 1.006). Com
boa sorte de escritores e com o nosso Projeto de Cydigo de Obrigao}es, que traz
o amparo da sua Comissmo revisora, preferimos a todos eles a designaomo
contrato preliminar, que di melhor mostra de seu cariter preparatyrio, e de sua
condiomo de ato negocial sem foros de definitividade, denominaomo esta
adotada no Cydigo Civil de 2002, em seus arts. 462 a 466.
Sob certo aspecto, o contrato preliminar p uma fase particular da formaomo dos
contratos, ji que as partes, que querem os efeitos de um negycio definitivo,
estipulam entretanto que certos deles se nmo produzirmo desde logo, pela
vontade das mesmas partes; afora isto, p ele um contrato comum.3 Nmo hi
razmo para o contrato preliminar, senmo como processo preparatyrio do
definitivo.4 Mas, levando em conta que encerra o consentimento perfeito, e que
as vontades das partes se fixam em torno de uma finalidade jurtdica, p de
reconhecer-lhe autonomia e de precisar que nmo constitui meramente um tempo
na celebraomo do contrato principal, senmo que traz o selo de um ato negocial
completo.
Hoje tornou-se despicienda a questmo que ocupou alguns escritores (Geller,
Degenkolb), a saber se p admisstvel juridicamente a figura do contrato
preliminar. A matpria p superada.5 Nenhum doutrinador moderno o p}e em
d~vida.
Os seus requisitos nmo smo especiais; ao revps, integram o esquema dos que se
exigem para os contratos em geral: capacidade das partes, objeto ltcito e
posstvel, consentimento ou acordo de vontades. Um aspecto, entretanto, merece
atenomo maior. e o requisito formal. Os nossos tribunais vinham debatendo o
tema, partindo de kngulos diversos, e tinham chegado a soluo}es diferentes.
Ora exigiam a forma p~blica, ora dispensavam-na. Ora sustentavam que
nenhum efeito produzia quando tinha por objeto a celebraomo de um contrato
constitutivo ou translativo de direitos reais de valor superior j taxa legal, ora
reconheciam a produomo de efeitos, sob fundamento de que a sua finalidade p a
prestaomo de um fato (obligatio faciendi), consubstanciada na realizaomo do
contrato principal, e, como qualquer contrato gerador de obrigao}es daquela
natureza, nmo p escravo da forma. Ora distinguiam os efeitos em decorrrncia
dela, como veremos no n 200, infra. Toda essa discussmo foi sepultada, no
entanto, pelo disposto no art. 462 do Cydigo Civil de 2002, que expressamente
admitiu o princtpio da forma livre para o contrato preliminar. Diante disso, o
Cydigo espancou a d~vida sobre ser necessiria a forma p~blica para o contrato
de promessa de compra e venda de bem imyvel, optando pela sua
desnecessidade.
O contrato preliminar pode ser unilateral ou bilateral.
e unilateral quando, perfeito pelo consentimento de ambas as partes, produz
obrigao}es ex uno latere.6 e a esse tipo que mais importkncia atribui a doutrina
francesa, uma vez que equipara o bilateral ao pryprio contrato definitivo. Entre
nys, a repercussmo pritica maior nmo vem do contrato preliminar unilateral.
Este encontra na opomo a sua mais freqente incidrncia (n 223, infra).
Para alguns, entretanto, em filiaomo j linha traoada pelo art. 1.331 do novo
Cydigo Civil italiano, a opomo nmo chega a ser contrato, e nmo passa de uma
proposta irrevogivel. Nmo podemos concordar com a tese pois que ele resulta de
um acordo de vontades, ao contririo da oferta que se acha j espera de que
venha a aceitaomo. O que, por certo, perturba o bom entendimento p a confusmo
que ainda se faz entre o contrato preliminar (unilateral ou bilateral) e o
definitivo. Di-se a opomo quando duas pessoas ajustam que uma delas tenha
preferrncia para a realizaomo de um contrato, caso se resolva a celebri-lo. Como
contrato unilateral gera obrigao}es para uma das partes, ao passo que a outra
tem a liberdade de efetuar ou nmo o contrato, conforme suas convenirncias. A
opomo pode ser a prazo certo, e, neste caso, vencido ele, libera-se o ofertante,
readquirindo a liberdade de contratar com quem quiser. Se for a termo incerto,
poderi marcar prazo ao favorecido para que manifeste a sua preferrncia sob
pena de perdr-la, pois nmo se concebe que uma pessoa fique indefinidamente
obrigada a uma outra, e na dependrncia de sua vontade, enquanto que esta
~ltima guarda a alternativa de celebrar ou nmo celebrar o contrato. Muito
freqentemente a opomo vem conjugada ao contrato de corretagem, mediante
aposiomo a este de uma cliusula, pela qual o corretor tem a exclusividade de
agenciar o negycio, obrigando-se o comitente a abonar-lhe a comissmo ainda que
o realize por intermpdio de outrem ou mesmo diretamente. Nestes casos, o
meio de defesa contra os abusos freqentes de corretores menos honestos p a
fixaomo de prazo fatal de perempomo.
O contrato preliminar p bilateral quando gera obrigao}es para ambos os
contratantes, ficando desde logo programado o contrato definitivo, como dever
rectproco, obrigadas ambas as partes a dar-lhe seu consentimento. As posio}es
das partes estmo equilibradas, restando a cada uma o direito de exigir da outra o
respectivo cumprimento,7 pena de suportar as conseqrncias, tais como
deduzidas no n 200, infra.
e preciso acautelar-se contra a tese francesa, segundo a qual a promessa
bilateral nmo p verdadeiramente uma promessa, mas equivale ji ao contrato
definitivo,8 o que pode ser definido naquele sistema, no qual o domtnio se
transmite pela convenomo, ao passo que em o nosso requer a inscriomo do tttulo
para os imyveis ou a tradiomo para os myveis. Quando naquele direito se
parifica j venda a promessa de vender, afirma-se uma verdade,9 como reflexo
daquela sistemitica e como aplicaomo do direito vigente (art. 1.589: "promesse de
vente vaut vente lorsqu·il y a consentement rpciproque des deux parties sur la chose et
sur le prix"): afasta-se contudo a eqipolrncia nos casos em que a venda p
contrato solene.10 O mesmo nmo se pode dizer em direito nosso, sob a
inspiraomo de princtpios que daquele diferem.
O contrato preliminar pode ter por objeto a realizaomo de qualquer contrato
definitivo, de qualquer esppcie. O seu campo mais freqente p, entretanto, o
contrato preliminar de compra e venda ou promessa de compra e venda (v. n
223, infra), onde tambpm se espraia a opomo, e onde a variedade das esppcies
provocou uma elaboraomo doutriniria mais opulenta e mais desenvolvida. Nmo
se excluem os contratos reais (promessa de mutuar, por exemplo), e, nestes
casos, a distinomo dos contratosdefinitivos p completa se se atentar em que estes
exigem, para sua perfeiomo, a traditio efetiva da coisa. Nmo se excluem, mesmo,
de sua incidrncia os contratos liberatyrios.11
Comporta o contrato preliminar a aposiomo de condiomo e de termo.
Se este nmo p avenoado, a parte interessada na constituiomo em mora teri de
interpelar a outra para que o cumpra, no prazo que for fixado. Mas, se existe
termo estipulado, ocorre aqui uma peculiaridade a que ji nos referimos (n 173,
supra, vol. II): p que, via de regra, o cumprimento do contrato preliminar
bilateral exige para sua execuomo a participaomo do credor (pagamento de
impostos, comparecimento a cartyrio, assinatura de instrumento etc.). Dat a
necessidade, mesmo quando hi prazo ajustado, de notificaomo ao devedor,
determinando tempo e lugar do cumprimento.
199. Desenvolvimento da doutrina brasileira
O contrato preliminar nmo recebera disciplina espectfica no Cydigo de 1916,
muito embora os nossos escritores mais reputados ji aludissem ao fen{meno da
promessa de contratar em nosso direito tradicional. Nmo obstante a ausrncia de
regra expressa no Cydigo de 1916, ensaiaram os nossos doutrinadores os
primeiros passos na construomo dogmitica do contrato preliminar, a qual p
igual ou superior js mais adiantadas.
Nmo nasceu tal doutrina como fruto de elucubrao}es cerebrinas, mas elevou-se
em torno da promessa de compra e venda, que entre nys despertou o mais vivo
interesse e teve a mais franca repercussmo econ{mica, tanto mais que a
valorizaomo violenta dos terrenos pryximos aos grandes centros urbanos
provocou a ind~stria dos loteamentos, e a economia popular exigiu medidas
severas contra a especulaomo e o aproveitamento.
De intcio, vingou a doutrina da exigrncia da escritura p~blica para a validade
da promessa de compra e venda, sem a qual nenhum efeito se lhe reconhecia.
Neste sentido pronunciou-se o Supremo Tribunal Federal, acompanhando voto
cplebre de Edmundo Lins,12 e neste sentido falava a communis opinio. Contra o
parecer, vozes valorosas levantaram-se, procurando soluomo mais compattvel
com a realidade e com as exigrncias do progresso.
Os nossos Tribunais, nmo obstante, mostraram-se lamentavelmente ttmidos e
vacilantes, receosos de abrir a estrada e de acolher a tese dos que em trabalhos
de valor doutrinirio autrntico demonstravam a eficicia e os prpstimos dos
contratos preliminares de venda.
Foi neste ponto que surgiu a teoria elaborada por Filadelfo Azevedo, no sentido
destinado a ter a mais viva repercussmo.13 Partiu de que o contrato preliminar p
diverso, em sua natureza como nos seus efeitos, do principal, e, por esta razmo,
nmo sofre as restrio}es oriundas da forma deste. Gera obrigaomo de fazer, e,
como tal, nmo esti subordinado j exigrncia do instrumento p~blico para ter
eficicia. A regra p que a obligatio faciendi origina uma obrigaomo consistente em
uma prestaomo de fato que deve cumprir-se especificamente, nmo se tornando
inexeqtvel no caso de recusa do devedor; pois que apenas aquelas
personaltssimas smo insuscettveis de realizaomo por outrem. As que o nmo forem,
tanto se cumprem por ato do pryprio devedor, quanto pelo de um terceiro (pig.
597). Por outro lado, sustentava que o contrato preliminar ji encerra a obrigaomo
de dar o consentimento para o contrato futuro, o que, levado um pouco mais
longe, significa que "na promessa se contpm potencialmente a prypria venda"
(pig. 596). Revestindo, entmo, a forma particular, nem por isto deixa de ter
validade, pois que sujeita o inadimplente js perdas e danos, como ocorre no
descumprimento de toda obrigaomo de fazer. Mas, se as partes tiverem adotado
a forma p~blica, aproxima-se ele do contrato definitivo, e di lugar j execuomo
perfeita e coativa, valendo a sentenoa como tttulo translativo do direito, em
aomo intentada para "compelir a execuomo da obrigaomo de fazer suprindo a
sentenoa a injusta recusa do consentimento por parte do devedor" (pig. 611).
Embora aliceroada em disposio}es legais e arrimada a fortes autoridades, e nmo
obstante as soluo}es priticas de utilidade evidente, a tese nmo encontrou, de
pronto, franca acolhida no pretyrio, sob fundamento de falta de amparo no
direito positivo entmo vigente. Isto nmo obstante, nmo restou erma de aceitaomo,
pois que algumas decis}es a prestigiaram. Teve o mprito inconteste de abrir
clareira, e traoar rumos, a que a evoluomo do instituto passou a obedecer.
Com efeito, o Decreto-lei n 58, de 10 de dezembro de 1937, disciplinador da
venda de terrenos loteados, estabeleceu no art. 16 ser ltcito ao promitente-
comprador, uma vez pagas todas as prestao}es, intimar o promitente-vendedor,
que se recuse a dar-lhe escritura definitiva, para que o faoa no prazo de 10 dias,
e se nada opuser, ou for rejeitada sua oposiomo, o juiz por sentenoa adjudicari o
terreno ao requerente. Desta sorte, atribuiu a lei efeitos amplos a este contrato
preliminar, assegurando ao sujeito ativo execuomo direta, com que perseguir a
prypria coisa, se o devedor injustificadamente lhe recusar a prestaomo de fato a
que era obrigado. Pouco depois do Decreto-lei n 58, Carlos Fulgrncio da Cunha
Peixoto, no mesmo rumo de Filadelfo Azevedo, sustentava que, se feito por
escritura p~blica e com outorga uxyria, o contrato preliminar de compra e
venda comportava execuomo compulsyria.14
Desprendendo-se da restriomo contida no Decreto-lei n 58, de 1937, o Cydigo de
Processo Civil de 1939, art. 1.006, deu maior amplitude ao contrato preliminar,
ao cogitar da execuomo das obrigao}es de fazer, dispondo que, se condenado o
rpu a emitir declaraomo de vontade, seri esta havida por enunciada logo que a
sentenoa de condenaomo transite em julgado. E em particular, o seu 2 disp{s
que cabe ao juiz assinar prazo ao devedor para que execute a obrigaomo oriunda
da promessa de contratar, desde que preencha ele os requisitos do definitivo.
vista disto, a doutrina reafirmou que a promessa de contratar tem sempre
validade, qualquer que seja a forma de que se revista. Seus efeitos p que variam:
se nmo preencher todos os requisitos de validade do contrato definitivo, o
descumprimento sujeita o infrator a perdas e danos; se os revestir, a sentenoa
supriri a falta do contrato principal, e serviri de tttulo ao credor.15
O Anteprojeto do Cydigo de Obrigao}es, de 1941, marcha na mesma linha desta
evoluomo, e no art. 94 faz uma distinomo que p uma stntese do que a doutrina
havia elaborado, e que o legislador estatutra: se o contrato preliminar nmo
revestir a forma especial prescrita para o definitivo, deve perdas e danos aquele
dos contratantes que se recusar a outorgi-lo, salvo se houverem as partes
estipulado arras penitenciais; se, ao revps, tiver sido adotada a mesma forma
requerida para o contrato principal, a parte inadimplente estari sujeita j
execuomo judicial, atribuindo-se j sentenoa, que entmo for proferida, o efeito de
suprir a declaraomo de vontade do contratante que a tenha recusado.
A linha de evoluomo da doutrina em torno do contrato preliminar tem sido
marcada por uma constante: o crescente presttgio deste negycio jurtdico, e a
afirmaomo cada vez maior de seus efeitos, atp alcanoar um estado compattvel
com o desenvolvimento do comprcio jurtdico. Acompanhando o legislador as
marchas que a doutrina realizava, foi pouco a pouco afeiooando a norma aos
imperativos priticos.
O desenvolvimento da doutrina culminou com a entrada em vigor no Cydigo
Civil de 2002, que dedicou a Seomo VIII, do Capttulo I, do Tttulo V, ao contrato
preliminar, estipulando expressamente nmo sy a desnecessidade de forma
p~blica, como tambpm, conforme ji autorizavam as normas processuais, a
possibilidade de o juiz, a pedido do interessado, suprir a vontade da parte
inadimplente, conferindo assim cariter definitivo ao contrato preliminar, salvose a isto se opuser a natureza da obrigaomo. parte credora foi resguardado o
direito, em caso de inadimplemento da obrigaomo, de considerar o contrato
desfeito e solicitar perdas e danos (arts. 463 a 465).
200. Efeitos do contrato preliminar
vista dos princtpios legais em vigor, pode-se resumir o tratamento dado ao
contrato preliminar em nosso direito.
Como corolirio natural do princtpio consensualista entre nys vigorante, nmo hi
imposiomo de forma para a sua validade (art. 462), bem como para a produomo
normal de suas conseqrncias jurtdicas; quer revista a forma p~blica ou
particular, quer se apresente ou nmo com os demais requisitos do contrato
definitivo. Quanto j exigrncia de registro p~blico, a regra do parigrafo ~nico
do art. 463 traz alguma dificuldade interpretativa, pois parece j primeira vista
exigir o registro para a validade do contrato preliminar. Essa nmo p, no entanto,
a melhor interpretaomo desta norma. O registro p exigido para que o contrato
tenha efeitos em relaomo a terceiros. Entre as partes o contrato preliminar pode
ser executado mesmo sem o registro prpvio. O registro deve ser feito segundo a
natureza do objeto. No caso de bens myveis, no Registro de Tttulos e
Documentos; no de bens imyveis, no Registro de Imyveis onde estiverem
localizados.
A eficicia do contrato preliminar esti na decorrrncia da apuraomo dos
requisitos de validade dos contratos, em relaomo a ele em si mesmo, e nmo em
funomo do contrato principal, que lhe p objeto, e cuja outorga constitui a fase de
sua execuomo. Sendo vilido, produz efeitos, que, estes sim, smo variiveis.
O Cydigo de 2002 andou bem ao dar no seu art. 464 primazia ao princtpio da
execuomo espectfica da obrigaomo de fazer contida no contrato preliminar, com o
que seguiu na linha da evoluomo doutriniria e legislativa brasileira, ji traoada
pelo Cydigo de Processo Civil. Toda soluomo que vise j sua obtenomo
espontknea ou coativa deve ser prestigiada como medida moralizadora, ji que a
sua obtenomo conduz a valorizar o contrato. Somente quando nmo houver
interesse do credor, ou nmo for posstvel lograr a sua outorga em razmo de a
natureza da obrigaomo a isso se opuser p que se cogita das perdas e danos (art.
464 e 465). Estas, conforme fixamos no n 135, supra (vol. II), tomarmo o lugar da
prestaomo devida na obrigaomo de fazer. Mas nmo p a soluomo normal. A
conversmo da res debita no seu equivalente pecuniirio - o id quod interest - p
substitutiva da prestaomo espectfica que as partes ajustaram. A coisa devida p o
contrato definitivo. e este que deve ser outorgado. E somente na hipytese de
nmo ser posstvel ou indesejada pelo credor p que se passari ao campo da
prestaomo pecuniiria equivalente. Assim ji pensavam os nossos maiores.16 E
assim tem sido entendido pela doutrina: Si Pereira, Caetano Montenegro,
Pontes de Miranda, Alfredo Bernardes, Eduardo Esptnola, Pereira Braga, Levi
Carneiro, Lacerda de Almeida, Jorge Americano, Jomo Luts Alves, Clyvis
Beviliqua, Azevedo Marques, Cunha Gonoalves, Carlos Fulgrncio, Orosimbo
Nonato, Serpa Lopes, Filadelfo Azevedo, Amtlcar de Castro.
Os seus efeitos amplos, isto p, a possibilidade de obtenomo do contrato
definitivo, por via coativa, dependem, entmo, de se apurarem os seus requisitos:
A - O requisito objetivo nmo merece maiores ateno}es, pois se subordina j regra
geral: p preciso que o objeto do contrato seja ltcito e posstvel. E, como este objeto
p a realizaomo do contrato definitivo, p insuscettvel de gerar conseqrncias o
contrato preliminar, se o contrato principal, que p a prestaomo dos contratantes,
atentar contra a ordem p~blica e os bons costumes, ou ofender disposiomo legal,
ou for materialmente irrealizivel.
B - O segundo requisito, subjetivo, ji exige maior exame. De fora parte as
condio}es de capacidade genprica para a vida civil, pois que nmo podem
contratar os portadores de incapacidade, requer-se ainda que os participantes
tenham a aptidmo para celebrar o contrato preliminar. Assim, se uma pessoa
nmo pode validamente vender, p evidente que o contrato preliminar de compra
e venda nmo poderi ter execuomo compulsyria, pois que nmo caberi impor
coativamente uma prestaomo para a qual o contratante p inapto. e preciso
atentar em que a palavra jurisdicional iri suprir a declaraomo de vontade que a
parte recusa fazer espontaneamente, mas nmo tem o condmo de sanar a falta
intrtnseca, quando a pessoa nmo esti habilitada a proferi-la. Se o contratante
necessita da anurncia ou da autorizaomo de outrem para que proceda
eficazmente, a falta de uma ou outra impede a execuomo espectfica. A ausrncia
da outorga uxyria p obsticulo a que o contrato preliminar seja coercitivamente
exeqtvel, porque o marido nmo poderia, mesmo voluntariamente, realizar o
contrato principal, nos casos em que ela p exigtvel.
C - O terceiro requisito p o formal, que, segundo vimos, tem sido o ponto de
maior atraomo do pensamento dos juristas entre nys, mas que foi resolvido em
definitivo pela disciplina que o Cydigo de 2002 lhe deu em seu art. 462, que nmo
exige que o contrato preliminar seja celebrado com os mesmos requisitos
formais exigidos para o contrato a ser celebrado, cuja obrigaomo de fazer p o seu
objeto.
No estado atual do nosso direito positivo, o contrato preliminar,
desacompanhado de cliusula de arrependimento, di direito j execuomo
compulsyria. Com o tttulo "Promessa irrevogivel de venda" estudamos os
efeitos de contrato preliminar de compra e venda assentando que p a inscriomo
no registro de imyveis que lhe di a natureza de direito real (v. n 366, infra, vol.
IV).
A execuomo espectfica p que se prevr nos arts. 639 e 641 do Cydigo de Processo
Civil.
Se faltam ao contrato preliminar os requisitos que lhe atribuem a execuomo
espectfica, nem por isso p destitutdo de efeitos, porque a obligatio faciendi, nmo
podendo ser cumprida em esppcie pela recusa injustificada do devedor, vai dar
em conversmo da prestaomo no seu equivalente pecuniirio, sujeitando-se o
contratante inadimplente ao ressarcimento das perdas e danos (art. 465).
Naquela outra hipytese, de ver-se dotada de efeitos plenos, a sentenoa proferida
na aomo intentada pelo credor p de natureza constitutiva, valendo como tttulo
aquisitivo do direito em vista. A sentenoa equivale ao pryprio contrato que era a
prestaomo ajustada no preliminar.17 Esta soluomo, que a nossa doutrina sustenta
e o nosso direito positivo consagra, p aquela que os mais renomados tratadistas
preconizam, se bem que sob justificativas diferentes.18
Efeito, ainda, do contrato preliminar p a transmissibilidade dos direitos e
obrigao}es dele originirios. Em caso de morte, passam os seus efeitos aos
herdeiros, tanto passivamente com a obrigaomo de os sucessores do devedor
satisfazerem o compromisso do de cuius, quanto ativamente com a faculdade de
reclamarem os herdeiros do credor que o devedor cumpra o prometido. Por ato
inter vivos o contrato preliminar p cesstvel, a nmo ser que a obrigaomo resultante
seja personaltssima,19 ou que esteja ajustada a intransmissibilidade. Sobre a
transmissmo das obrigao}es aos herdeiros do devedor, voltamos a falar, quando
cogitamos do "objeto da sucessmo mortis causa", no n 430, infra, vol. VI.
Capttulo ;/ - Arras
6umirio: 201. Noomo e histyria das arras. 202. Funomo principal:
confirmatyria. 203. Funomo secundiria: penitencial.
Bibliografia: Van Wetter, Pandectes, vol. III, 310; Giorgio Giorgi,
Teoria delle Obbligazioni, vol. IV, n 467; Ricci, Corso di Diritto Civile,
vol. VI, 196; Saleilles, Thporie Gpnprale de l·Obligation, n 249;
Coelho da Rocha, Instituio}es de Direito Civil portugurs, vol. II,
740; Mazeaud et Mazeaud, Leoons de Droit Civil, vol. III, n 806;
Trabucchi, Istituzioni di Diritto Civile, n 265; Ruggiero e Maroi,
Istituzioni di DirittoPrivato, vol. II, 130; Colin et Capitant, Cours de
Droit Civil, vol. II, n 520; Enneccerus, Kipp y Wolff, Tratado,
Derecho de Obligaciones, vol. I, 36; Stlvio Rodrigues, Das Arras;
Planiol, Ripert et Boulanger, Traitp elpmentaire, vol. II, ns. 2.434; De
Page, Traitp elpmentaire de Droit Civil, vol. IV, ns. 270 e segs.; Giulio
Venzi, Manuale di Diritto Civile Italiano, n 436; Caio Mirio da Silva
Pereira, "Arras", in Revista Forense, vol. 68, pig. 476.
201. 1oomo e Kistyria das arras
A palavra arra, que nos veio diretamente do latim arrha, pode ser pesquisada
retrospectivamente no grego arrab{n, no hebraico arravon, no persa rabab, no
egtpcio aerb, com sentido de penhor, de garantia. e a mesma idpia que subsistiu
atravps dos tempos.
Sua riqueza de acepo}es demonstra, bem como a utilizaomo do conceito em
virios setores, tpcnicos e profanos, evidencia a sua utilizaomo freqente. Em
verniculo mesmo, significou de um lado o penhor, a quantia dada em garantia
de um ajuste, como tambpm a quantia ou os bens prometidos pelo noivo para
sustento da esposa se ela lhe sobrevivesse, sentido em que a emprega
Alexandre Herculano, num evidente paralelismo com o dote.1
A noomo jurtdica tem-se, contudo, mantido pura, dentro dos Cydigos que
inscrevem todos o milenar instituto.
A existrncia das arras p assinalada, com efeito, em quase todas as antigas
legislao}es,2 mas sua origem mais facilmente se rastreia no direito de famtlia do
que no de obrigao}es, pois que muito antes de se caracterizarem os contratos,
quando nmo passavam ainda da permuta pura e simples de objetos, ji elas eram
conhecidas e usadas nos contratos esponsaltcios.3
Extinguindo-se o regime da comunidade familiar, e tornando-se insuficiente a
troca in specie para conter a complexidade dos negycios jurtdicos, transplantou
do direito de famtlia para as relao}es obrigacionais o instituto da arra, para
garantia do pacto avenoado, ou o reforoamento do contrato ajustado, sem que
fosse ele abolido naquela antiga utilizaomo. Lado a lado viveram, durante muito
tempo, as duas figuras, da arra que atestava a solidez das obrigao}es ajustadas,
e da arra que afianoava a realizaomo dos casamentos tratados.4
Sua primeira finalidade, no direito obrigacional, foi assegurar a perfeiomo do
contrato. Mais tarde outro efeito foi-lhe atributdo. Nos primeiros tempos, nmo.
Foi o valor assecuratyrio que se lhe reconheceu no direito prp-romano,5 esse o
seu sentido no Direito Romano prp-justinianeu: para demonstrar o acordo de
duas vontades na realizaomo do negycio, uma das partes transferia j outra
determinada soma de dinheiro, dava-lhe uma coisa myvel, ou lhe entregava um
anel - arrha in signum consensus interpositi data.6
Ulteriormente, no direito das Institutas, modificaomo introduzida por Justiniano
di lugar a controvprsia que a inflexibilidade dos textos antigos nunca
autorizara. Dividem-se os glosadores e comentaristas no caracterizi-las, e duas
escolas se constituem. Uma primeira sustenta modificaomo radical do direito.
Domat, Molitor, Demangeat, Brunemann e outros, sem distinguir se esti ou nmo
perfeito o contrato, atribuem js arras a faculdade de retrataomo do ajustado, e
entendem que foram convertidas de confirmatyrias em penitenciais.7 Uma
segunda, tendo j frente Cino e Bartolo, Cujicio, Voet, Pothier, firmados estes na
glosa,8 preconizam que houve modificaomo apenas parcial do velho texto,
admitindo a distinomo: podem as arras ser dadas antes da perfeiomo do contrato,
ou podem ser entregues depois de conclutdo. Somente no primeiro caso lhes
parece ter havido a comentada modificaomo; somente para as vendas projetadas
p que, no seu entender, importam elas em faculdade de arrependimento.
Quando, ao revps, smo transferidas depois de completada a convenomo,
conservam o cariter antigo de arrha confirmatoria, e provam a existrncia dela.9
Estas duas funo}es assumidas pelas arras, segundo os doutores, vieram
influenciar a evoluomo moderna do instituto, que surge nos cydigos como
reproduomo dos entendimentos que os romanistas imprimiam js fontes.
Definindo-as confirmatyrias dos contratos, ou ligadas j faculdade de retracto,
as legislao}es dos diversos povos nada trm feito alpm de reproduzir o que
encontraram, relatado e explicado pelos romanistas, segundo a velha tradiomo
quiritiria, como confirmatyrias dos ajustes ou autorizadoras do
arrependimento, segundo a codificaomo do spculo VI.
As arras eram reguladas no Cydigo de 1916 na parte geral dos contratos, nos
arts. 1.094 a 1.097. Dava-se rnfase, assim, ao seu cariter de instrumento
preparatyrio para a celebraomo do contrato. O Cydigo de 2002 transferiu as
regras das arras do direito dos contratos para o direito das obrigao}es, mais
exatamente para o Tttulo do Inadimplemento das Obrigao}es, dando-lhes o
cariter mais de prp-fixaomo de indenizaomo dos danos sofridos pela parte
inocente na hipytese de o contrato nmo vir a ser celebrado.
202. )unomo principal: confirmatyria
Para umas legislao}es como a alemm, a sutoa, a brasileira, a arra ou sinal, em
seguimento j tradiomo do Direito Romano antigo, importa em uma convenomo
acessyria real, tendo o efeito de provar que o contrato principal esti conclutdo,
havendo as vontades conseqentes realizado o negycio jurtdico, e
considerando-se as partes reciprocamente vinculadas. Motivos de ordem
altamente moral apontam este sistema como prefertvel, porque nmo deixa a
seriedade dos negycios j mercr de um direito de arrependimento comprado e
pago antecipadamente. Dadas as arras, o negycio esti conclutdo. Nmo p mais
posstvel o arrependimento. A parte que, depois de sua transferrncia, se
arrepende e recusa, nmo usa de um direito, mas infringe o contrato.
Em que pese a opinimo de Larombiqre,10 arra era, entre os romanos, o anel que
um dos contratantes transferia ao outro, para simbolizar a convenomo perfeita.
Tambpm no velho direito francrs nmo era menos que arra um vintpm marcado, ou
uma pequena moeda de cobre do mais tnfimo valor (liard), entregue pelo
comprador ao vendedor, a que Pothier denomina denier d·adieu, e Merlin chama
denier j Dieu, e era nitidamente confirmatyria, porque, se o comprador pudesse
(ou o vendedor) arrepender-se da compra e venda por um vintpm, nenhuma
seria por certo a seriedade dos negycios.
Efeitos: Dado o sinal, esti firmado o negycio. Se o objeto dado em arras for
dinheiro ou outro bem myvel (Cydigo Civil, art. 417) ou, como mais
precisamente enuncia Saleilles, se guardar relaomo de fungibilidade com o
objeto do contrato,11 consideram-se princtpio de pagamento, que apenas
deveri completar-se; devolvem-se, ao contririo, se nmo existir aquela relaomo, no
momento em que o contrato se executa. Se, porpm, o negycio se impossibilitar
sem culpa, restituem-se, porque nmo sobrevive a causa de sua retenomo. No caso,
entretanto, de a impossibilidade originar-se de culpa, ou se houver recusa de
cumprimento, perdr-las-i em beneftcio do outro contratante, se arrependido ou
culpado for o que as tiver dado, caso este nmo queira obter a execuomo do
contrato (Cydigo Civil, art. 418). Se arrependido for o que as tiver recebido,
determina o art. 418 que aquele que as deu tem a faculdade de haver o contrato
por desfeito e exigir a sua devoluomo mais o equivalente (devoluomo em dobro),
acrescido de correomo monetiria segundo tndices oficiais regularmente
estabelecidos, juros e honoririos de advogado.
A inseromo no Cydigo Civil de regra determinando a correomo monetiria do
dpbito p infeliz e desnecessiria. Trata-se de regra elaborada dentro da
mentalidade inflacioniria que vingou no Pats desde 1964. A correomo monetiria
p elemento alimentador da inflaomo, que em ntveis altos constitui um dos
maiores flagelos sociais, ji que faz subsistir simultaneamente duas moedas: a
moeda corrente, de quem nmo disp}ede conta banciria e nmo pode se proteger
em aplicao}es financeiras; o indexador, que mantpm para aquele que tem
capital suficiente para depositar o seu dinheiro o seu valor de compra. Tambpm
infeliz p a inseromo de regra determinando o pagamento de honoririos de
advogado com o simples inadimplemento da obrigaomo, independentemente de
prova de efetiva prestaomo do servioo e sem qualquer parkmetro de valor. A
interpretaomo deste dispositivo neste particular deve ser muito parcimoniosa,
sob pena de se dificultar ainda mais para o devedor moroso o cumprimento da
sua obrigaomo e eventualmente poder ensejar um enriquecimento sem causa
para o credor ou para o seu advogado.
O Cydigo resolveu tambpm a questmo polrmica de se saber se a parte
prejudicada com o inadimplemento poderia solicitar indenizaomo suplementar
ao valor das arras, ou se haveria limitaomo a este quantitativo. O art. 419
expressamente admite que a parte inocente solicite indenizaomo suplementar, se
provar maior prejutzo, valendo as arras como taxa mtnima.
O Cydigo reservou ainda ao credor no art. 419 a possibilidade de exigir o
cumprimento espectfico da obrigaomo. Mesmo nesta hipytese concedeu
cumulativamente ao credor indenizaomo por perdas e danos, sendo a
indenizaomo mtnima equivalente ao valor das arras. Neste caso, esti o credor
dispensado de realizar a prova do dano caso queira receber a indenizaomo
mtnima fixada na lei. Somente na hipytese de pretender obter indenizaomo
superior j mtnima p que teri que comprovar os danos sofridos.
203. )unomo secundiria: penitencial
Para outras legislao}es, tendo j frente a francesa, a entrega da arra tem o
significado de ser js partes livre o arrependimento ficando a perda do sinal
regulando a indenizaomo. Esta faculdade de retrataomo, que nmo pode durar
indefinidamente, vai atp a execuomo cabal da obrigaomo.12 Em geral, a faculdade
de retracto p rectproca, porque da natureza, se bem que nmo da essrncia das
arras. Pode acontecer, porque a bilateralidade nmo tem cariter de ordem
p~blica, que alguma vez aparece reservada a um sy dos contratantes, e em tal
caso merece acolhida a respeito.13
Assemelha-se a arra penitencial j cliusula penal (v. n 149, supra, vol. II), de que
difere por ser uma convenomo acessyria real, isto p, perfaz-se com a tradiomo
efetiva da coisa; dela se distingue ainda pelo fato da transferrncia antecipada,
ao passo que a cliusula penal p de natureza consensual. Extremam-se ainda
pelos efeitos; a cliusula penal torna-se devida se houver infraomo do ajuste, e, se
nmo houver ou enquanto nmo houver, seu valor p potencial ou latente; as arras
smo transferidas desde logo, e seu valor p efetivo e atual para a hipytese de
futuro arrependimento. E acrescenta-se que as arras se estipulam para os
contratos bilaterais, ao passo que a cliusula penal pode ser estabelecida para
qualquer obrigaomo.14
No direito francrs, onde a sua funomo p penitencial (Cydigo Civil francrs, art.
1.590), levantou-se a questmo se as partes, ao se arrependerem, ofendem um
direito adquirido. negativa inclinou-se a soluomo mais razoivel: retratam-se
as partes de um contrato que nmo transfere direitos enquanto pende a facultp de
dpbit. Enquanto esta figurar, a aquisiomo dos direitos fica em suspenso (Colin et
Capitant), atp que a conduta inequtvoca das partes demonstre que dela nmo se
utilizam, se nmo for pactuada a termo, findo o qual caduca de pleno direito.
Se qualquer das partes, usando um direito seu, recua do negycio, ficam as arras
constituindo o tndice da indenizaomo, pagando j outra o valor delas: se foi
quem as deu, perde-as em proveito da que as recebeu; se esta p a culpada,
devolve-se em dobro.15
Resolvendo-se o contrato por m~tuo consenso, ou impossibilitando-se a
prestaomo sem culpa de qualquer das partes, dar-se-i a devoluomo das arras
simples, e nmo em dobro, porque teriam perdido a sua finalidade.16
O nosso Cydigo Civil, art. 420, admite que tenham as arras esta funomo
penitencial, a que se devem atribuir estes efeitos que a tal cariter se atribuem.
Mas p bem de ver que a regra, para nys, p a confirmatyria, o que os modernos
doutrinadores afirmam ser a sua funomo natural,17 resultante da aplicaomo pura
da regra, independentemente de eleiomo das partes. Para que se lhe atribua o
efeito penitencial - arrha quae ad ius poenitendi pertinet - p necessiria a estipulaomo
expressa.18
Nmo obstante isto, processa-se nos costumes e na vida dos negycios uma
transformaomo de conceitos, segundo a qual a natureza penitencial vai
assumindo foros de predominkncia em tmo alto grau que aos poucos o sentido
confirmatyrio do sinal vai passando a segundo plano.
O art. 420 do Cydigo disp}e expressamente que na hipytese de as arras serem
penitenciais, o valor da indenizaomo esti limitado ao das arras, nmo cabendo
direito a indenizaomo suplementar, mesmo que a parte prejudicada com o
arrependimento venha a sofrer prejutzo maior, em razmo de o arrependimento
se constituir em direito estabelecido no contrato estipulado entre as partes.
Capttulo ;/, - Relatividade dos Contratos
6umirio: 204. Contratos em favor de terceiro. Generalidades. 205.
Efeitos do contrato em favor de terceiro. 206. Prestaomo de fato de
terceiro. 206-A. Contrato com pessoa a declarar.
Bibliografia: Serpa Lopes, Curso, vol. III, n 105; Demogue,
Obligations, vol. VII, ns. 759 e segs.; Giorgi, Obbligazioni, vol. III, ns.
412 e segs.; Barassi, La Teoria Generale delle Obbligazioni, vol. II,
pigs. 450 e segs.; Orlando Gomes, Contratos, n 129; De Page, Traitp
elpmentaire de Droit Civil, vol. II, parte I, ns. 552 e segs.; Gaudemet,
Thporie Gpnprale des Obligations, pigs. 235 e segs.; Francesco
Messineo, Dottrina Generale del Contratto, pigs. 404 e segs.; Colin et
Capitant, Cours de Droit Franoais, vol. II, ns. 121 e segs.; Mazeaud et
Mazeaud, Leoons de Droit Civil, vol. II, ns 766 e segs.; Trabucchi,
Istituzioni di Diritto Civile, n 286; Renato Scognamiglio, Contratti in
Generale, n 58; Pacchioni, I Contratti a Favore di Terzi, passim; L~cio
Fonte de Resende, Promessa de Fato de Terceiro; Enneccerus, Kipp y
Wolff, Tratado, Derecho de Obligaciones, 34 e 35.
204. Contratos em favor de terceiro. Generalidades
Di-se o contrato em favor de terceiro quando uma pessoa (o estipulante)
convenciona com outra (o promitente) uma obrigaomo, em que a prestaomo seri
cumprida em favor de outra pessoa (o beneficiirio).
Muito se tem debatido em doutrina a propysito da caracterizaomo jurtdica deste
ato negocial, que por seu aspecto exterior, por sua estrutura e por seus efeitos,
se diversifica dos negycios jurtdicos ordinirios, pelo fato de ostentar algo
diferente, com o comparecimento das declarao}es de vontade de duas pessoas
na celebraomo de um ajuste, o qual beneficiari um estranho j relaomo jurtdica. A
extraneidade cresce, atentando-se em que este terceiro, embora nmo participante
da formaomo do ato, adquire as qualidades de sujeito da relaomo obrigacional.
Eis por que os autores nmo se harmonizam na sua conceituaomo, havendo nada
menos de cinco explicao}es teyricas ou cinco posio}es doutrinirias diferentes na
sua caracterizaomo:1
A - Uns pretendem que a estipulaomo em favor de terceiro nmo passa de uma
oferta j espera de aceitaomo, resultando o contrato formado quando o
beneficiirio manifesta a vontade de receber a prestaomo a que o promitente esti
obrigado. Nmo satisfaz a teoria, se se observa que o promitente nmo p mero
policitante, mas verdadeiramente obrigado ou vinculado.
B - Outros enxergam na estipulaomo em favor de terceiro uma gestmo de negycios,
empreendida pelo estipulante, como representante oficioso do terceiro,
entabulando negycio que permanece na expectativa de aprovaomo deste, na
qualidade de dominus. Tambpm esta explicaomonmo pode satisfazer, pelo fato de
agirem em seu pryprio nome o estipulante e o promitente, e nmo nomine alieno, o
que desfigura inteiramente a hipytese de negotiorum gestio.
C - Uma terceira corrente vai buscar na expressmo vinculativa da declaraomo
unilateral de vontade a sua estruturaomo. Mas nmo logra convencer, ji que a
estipulaomo em favor de terceiro requer o concurso de duas vontades para ter
nascimento, e p portanto um ato tipicamente convencional.
D - Em quarto lugar aparece uma justificativa ji mais pryxima de realidade,
defendida como exceomo j regra res inter alios acta aliis nec nocet nec prodest.
Admitem que o terceiro, nmo participante de um negycio jurtdico, receba a
repercussmo de seus efeitos. Falta-lhe, no entanto, a complementaomo,
consistente na determinaomo precisa de sua natureza jurtdica.
E - Finalmente vem a sua configuraomo como contrato. Nmo um contrato como
todos os outros, porpm sui generis, visto como nasce, firma-se, desenvolve-se e
vive como os demais contratos, porpm se executa de maneira peculiar, com a
solutio em favor de um estranho j relaomo criada. Como nota Clyvis Beviliqua,
que p defensor de seu cariter contratual, existe uma despersonalizaomo do
vtnculo, ao contririo da generalidade dos contratos, criando o que ele
denomina "relaomo contratual dupla".2 Buscando materializaomo grifica para
este ato, figuramo-lo como um trikngulo, cujo vprtice a p ocupado pelo
estipulante, e os kngulos b e c da base respectivamente pelo promitente e pelo
beneficiirio:
a
b c
A estipulaomo em favor de terceiro p, com efeito, um contrato, e por isto ganha
terreno a preferrncia pela sua nomeaomo como contrato em favor de terceiro.
Origina-se da declaraomo acorde do estipulante e do promitente, com a
finalidade de instituir um iuris vinculum, mas com a peculiaridade de
estabelecer obrigaomo de o devedor prestar em beneftcio de uma terceira pessoa,
a qual, nmo obstante ser estranha ao contrato, se torna credora do promitente.
No momento da formaomo, o curso das manifestao}es de vontade estabelece-se
entre o estipulante e o promitente (lado a-b do trikngulo). O consentimento do
beneficiirio nmo p necessirio j constituiomo do contrato, e por conseguinte j
criaomo de vantagens em seu proveito.3 E nem se argumente contra esta
conseqrncia, porque tambpm o herdeiro adquire a heranoa no momento da
abertura da sucessmo, independentemente de sua aceitaomo e atp de sua cirncia.4
Nmo se pode, entretanto, negar ao terceiro a faculdade de recusar a estipulaomo
em seu favor, expressa ou tacitamente.5 No momento de sua execuomo, flui pela
base ou pela linha b-c do trikngulo, isto p, entre promitente e beneficiirio. E,
para fechi-lo, lado a-c, hi faculdades reconhecidas ao estipulante quanto j
revogaomo da estipulaomo, substituiomo do beneficiirio, e mesmo revogaomo do
beneftcio em caso de descumprimento de encargo eventualmente imposto ao
terceiro, como tudo veremos ao tratar dos seus efeitos no n 205, infra.
A conceituaomo contratualista da estipulaomo, que p a sua verdadeira
caracterizaomo jurtdica, nmo pode sofrer entre nys a menor d~vida, uma vez que
p doutrina legal, perfilhada e consagrada no Cydigo Civil. Por outro lado, nmo
vigora em nosso direito a concepomo da estipulaomo como negycio jurtdico
acessyrio. Mesmo onde assim se entendia, como se dava no direito francrs, a
elaboraomo jurisprudencial e o trabalho hermenrutico rejeitaram este cariter,
tratando-a como principal.6 A doutrina moderna esti assente em que o fato sy
da estipulaomo, independentemente da intervenomo ou anurncia do terceiro, p
que di origem aos direitos a este destinados.7
Se nmo hi harmonia entre os doutores na sua caracterizaomo jurtdica, aprovaomo
da doutrina nmo lhe falta j caracterizaomo econ{mica, apontando Tito Fulgrncio
virias hipyteses de sua utilizaomo no comprcio jurtdico:
1 - Constituiomo de renda em que o promitente recebe do estipulante um capital,
e obriga-se a pagar ao beneficiirio uma renda por tempo certo ou pela vida
toda.
2 - Seguro, em virias de suas modalidades (de vida, contra acidentes pessoais,
contra acidentes do trabalho, dotal), em que o segurado (estipulante) contrata
com o segurador (promitente) pagar ao beneficiirio (terceiro) o valor ajustado,
em caso de sinistro.
3 - Doao}es modais, quando o donatirio se obriga para com o doador a executar o
encargo a beneftcio de pessoa determinada ou indeterminada.
4 - Contratos com o Poder P~blico, concessmo de servioo p~blico etc. em que o
contratante (promitente) convenciona com a Administraomo (estipulante) a
prestaomo de servioos aos usuirios (terceiros indeterminados).
Para a formaomo da estipulaomo em favor de terceiro exigem-se os requisitos
necessirios j validade dos contratos em geral - subjetivos, objetivos e formais,
convindo tmo-somente fazer algumas alus}es a peculiaridades deste contrato.
Comeoando pelo ~ltimo observamos que se trata de contrato consensual, sendo
livre a sua forma;8 p muito freqente neste campo o contrato-tipo, como o de
adesmo. A liceidade e a possibilidade do objeto merecem encarecidas, pois que
nmo muda os termos da equaomo jurtdica o fato de ser o credor um elemento
estranho j criaomo do vtnculo. No tocante ao requisito subjetivo, p claro que o
estipulante e o promitente hmo de ter aptidmo para contratar. Nmo se requer,
porpm, a capacidade de terceiro, ji que ele nmo intervpm na celebraomo do
contrato9 Outro aspecto a considerar reside na indagaomo formulada pela
doutrina (Colin et Capitant, Mazeaud et Mazeaud, De Page) se p vilida a
estipulaomo em favor de pessoa indeterminada e futura. Pelo nosso direito nmo
padece d~vida. Somente a indeterminaomo absoluta do credor invalida o
contrato. Se o terceiro p momentaneamente indeterminado, mas suscettvel de
identificaomo (determinivel), o ato p vilido. O mesmo dir-se-i da futuridade,
desde que ligada a fatores positivos de caracterizaomo, como a referrncia aos
herdeiros do estipulante ou de pessoa conhecida, alusmo j prole de certo casal
etc.
205. Efeitos do contrato em favor de terceiro
O Direito Romano, que levava ao extremo a personalizaomo do vtnculo
obrigacional, repelia a princtpio totalmente a hipytese de uma relaomo
contratual estabelecer-se entre duas pessoas para ser cumprida em mmos de
uma terceira. Mas a idpia nmo foi de todo repugnante jquele sistema, onde se
construiu a figura da donatio sub modo, que implicava a execuomo do encargo a
beneftcio de outrem, e ainda da restituiomo do dote a um terceiro que nmo o
dotador. Estes casos tinham contudo cariter puramente excepcional. A regra
era contida na parrmia alteri sipulari nemo potest, enumerada nas Institutas de
Justiniano, como no Digesto.10 Mais tarde, dentro mesmo do Direito Romano,
chegou-se a admitir a justaposiomo de cliusula sub-rogatyria na stipulatio, pela
qual se chegava indiretamente j consecuomo de resultado benpfico a terceiro
(Sponaesne mihi aut Titio?). Ji no Baixo Impprio chegou-se a conceder a actio a
terceiro, naquelas hipyteses de doaomo modal e restituiomo de dote, depois
estendida j restituiomo da coisa dada em depysito ou comodato.11
Mas o preconceito sobreviveu no knimo dos juristas a tal ponto que quase
chegou a nossos dias, como ainda se observa em Pothier.12 Coube ao direito
moderno, especialmente em razmo do desenvolvimento econ{mico, que
multiplicou situao}es, em que a despersonalizaomo do vtnculo obrigacional
ganha maior extensmo, abrir campo a esta figura peculiar de negycio jurtdico.
Outras hipyteses ji eram tradicionalmente consagradas, de repercussmo do ato
em quem dele nmo participa (pagamento ao credor putativo; oponibilidade de
contrato constitutivo de direitos reais; condiomo resolutiva em direitos
transferidos a terceiros etc.). Mas em todos esses casos, quemrecebe a
percussmo do fen{meno nmo p propriamente um terceiro, que, em sentido tpcnico
preciso, p aquele que permanece substancialmente estranho ao contrato.13
Desenvolvendo-se a adoomo do contrato a favor de terceiro, entrou em alguns
Cydigos, js vezes a contragosto, como foi o caso do francrs ou do italiano de
1865; outras vezes mais desembaraoadamente, como p o do brasileiro ou
italiano de 1942.
Uma boa sistematizaomo dos seus efeitos deveri distribut-los em trrs grupos, em
funomo das trrs ordens de relao}es jurtdicas criadas: entre estipulante e
promitente, entre promitente e beneficiirio, e entre estipulante e beneficiirio.
A - Relao}es entre o estipulante e o promitente. Na formaomo do contrato, o
estipulante e o promitente agem como quaisquer contratantes. E se o
promitente fica obrigado a prestar a um terceiro, nem por isto se desobriga em
relaomo ao estipulante. Ao contririo, enquanto nmo realiza a solutio, permanece
vinculado a este, que conserva o direito de exigir o cumprimento do contrato
(Cydigo Civil, art. 436). Isto nmo significa que ele seja obrigado a agir neste
sentido,14 senmo que tem esta faculdade. Pode ainda reservar-se o direito de
substituir o terceiro designado no contrato, independentemente de
consentimento do promitente, que deveri cumprir a determinaomo recebida.
Basta, para isto, a declaraomo unilateral de vontade do estipulante, por ato inter
vivos ou causa mortis (Cydigo Civil, art. 438). Neste contrato a prestaomo p devida
a um terceiro, e para o promitente trata-se de negycio normalmente nmo
celebrado intuitu personae creditoris. A substituiomo faz-se livremente, e a pritica
dos negycios mostra com que freqrncia ocorre: nos seguros de vida, mediante
simples endosso da apylice ou por testamento; nos seguros contra acidentes no
trabalho a substituiomo p a regra, por serem beneficiirios os empregados da
empresa, cuja relaomo nominal p periodicamente enviada ao segurador, com
substituiomo, dos que se retiram, pelos novos admitidos. Outra faculdade
reconhecida ao estipulante p a sua revogaomo, caso em que o promitente se
exonera em relaomo ao terceiro, passando em conseqrncia a ser devida a
prestaomo ao estipulante, salvo se o contririo resultar da vontade das partes, ou
da natureza do contrato, ou do pouco comum cariter personaltssimo do
terceiro.15 A faculdade de revogar a estipulaomo, como a de substituir o
beneficiirio, cessa, como se veri logo abaixo. Cessa, ainda, se houver ren~ncia a
ela, uma vez que nmo constitui matpria de ordem p~blica.16
B - Relao}es entre promitente e terceiro. Nmo aparecem na fase de celebraomo do
contrato. Na de execuomo, o terceiro assume as vezes do credor, e, por isto, tem
a faculdade de exigir a solutio. D~vida nmo se suscita, em nosso direito, em que
o terceiro p titular de aomo direta para este efeito. Muito embora nmo seja parte na
sua formaomo, pode intervir nele com a sua anurncia, e, entmo, p sujeito js
condio}es normais do contrato (Cydigo Civil, art. 436), enquanto o estipulante o
mantiver sem inovao}es. Os encargos e deveres que lhe resultem trm de ser
atendidos, ainda que nmo haja ele anutdo na fase de formaomo, pela razmo
simples de que se apresenta como credor condicional, que tem o poder de exigir
e a faculdade de receber sub conditione, de realizar determinado fato para com
outrem (modus).
C - Relao}es entre estipulante e terceiro. Formado o contrato entre estipulante e
promitente para beneficiar o terceiro, fica o primeiro com o poder de substitut-
lo, como visto acima. Cabe-lhe, tambpm, a faculdade de exonerar o promitente,
salvo se o terceiro ficar com o poder de exigir a prestaomo (Cydigo Civil, art.
437), valendo a aceitaomo do terceiro para consolidar o direito, tornando-o
irrevogivel e definitivo.17 Quando a estipulaomo for acompanhada de encargo
imposto no terceiro, tem o estipulante a faculdade de exigir que o cumpra. E,
em certos casos, como na donatio sub modo, conserva o poder personaltssimo,
intransfertvel, de revogi-la por inexecuomo do encargo (Cydigo Civil, art. 555).
O fundamento da revogabilidade, como da exigibilidade de cumprimento, p o
mesmo: a aceitaomo do beneftcio pelo terceiro, desnecessiria j formaomo do
contrato, porpm necessiria j incorporaomo do bem ou vantagem ao seu
patrim{nio, di-se condicionada ou vinculada j imposiomo do encargo.
206. 3restaomo de fato de terceiro
Outro aspecto dos efeitos dos contratos em relaomo a terceiros esti naquele caso
da pessoa que se compromete com outra a obter uma prestaomo de fato de um
terceiro. e o chamado contrato por outrem, ou, promessa de fato de terceiro, como
denomina o Cydigo Civil nos arts. 439 e 440.
Tambpm aqui hi uma relaomo jurtdica entre duas pessoas capazes e aptas a criar
direitos e obrigao}es, as quais ajustam um negycio jurtdico tendo por objeto a
prestaomo de um fato a ser cumprido por outra pessoa, nmo participante dele. A
doutrina18 igualmente controverte na sua caracterizaomo jurtdica:
a) Gestmo de negycios: com a qual guarda sem d~vida remota semelhanoa, mas de
que vivamente difere, pelo fato de o promitente nmo se p{r na defesa dos
interesses do terceiro, oficiosamente; ao contririo, o objetivo a que visa p tornar
o terceiro devedor de uma prestaomo, no interesse do estipulante.
b) Mandato: desassiste razmo aos que aproximam ao mandato esta figura
contratual, por faltar a representaomo, que em nosso direito lhe p essencial (v. n
271, infra).
c) Fianoa: a aproximaomo com esta p tambpm resultante de um desvio de
perspectiva. A garantia fidejussyria p contrato acessyrio, ao passo que o
contrato por terceiro p principal.
Tal qual ocorre na estipulaomo em favor de terceiro, aqui tambpm hi duas fases
a considerar:
I - Uma primeira, da formaomo, em que comparecem dois contratantes, e
concluem um negycio jurtdico no qual somente eles smo partes e smo
interessados.
II - Uma segunda fase, da execuomo, em que surge uma terceira pessoa, e, dando
a sua anurncia, obriga-se a uma prestaomo, para com o credor, segundo o que
fora estipulado com o devedor na primeira fase. Este ato negocial compreende,
assim, dois devedores. O credor p sempre o mesmo, com direito opontvel a seu
contratante atp a anurncia do terceiro, e contra este a partir de entmo. Os dois
devedores smo, portanto, sucessivos, e nmo simultkneos. Primeiramente, o
credor o p daquele que se obrigou a obter a prestaomo do terceiro; uma vez dr
este a sua anurncia, o credor passa a ter direito de obter a solutio contra ele. A
sucessividade da relaomo debityria esti em que o terceiro a nada p obrigado
enquanto nmo der o seu acordo, assumindo, destarte, a obrigaomo de prestar.
A caractertstica essencial desta esppcie negocial esti assentada precisamente em
que nmo nasce nenhuma obrigaomo para o terceiro enquanto ele nmo der o seu
consentimento. Pode-se prometer a prestaomo de fato do terceiro, mas
obviamente nmo se pode compeli-lo a executar a prestaomo prometida.19
Durante a primeira fase, existe uma obrigaomo para quem contratou com o
credor, assegurando a este que o terceiro faria a prestaomo. A denominaomo do
negycio no direito francrs di bem a idpia de sua posiomo: convention de porte-fort,
originiria da fyrmula adotada na celebraomo do ajuste, quando o devedor
primirio "se porte-fort pour un tiers" (Cydigo Civil francrs, art. 1.120), ou no
exemplo da doutrina: "je me porte-fort que Pierre vous paiera cent", equivalente a
"prometo que Pedro lhe pagari a soma indicada".20
A anilise da convenomo e a sua decomposiomo nas duas fases esclarecem bem a
sua estrutura, quanto aos seus efeitos.
No primeiro momento (formaomo), o devedor primirio ajusta a constituiomo de
uma obrigaomo convencional com o credor, de quem se torna devedor. O objeto
da sua obrigaomo p conseguir que o terceiro se obrigue j prestaomo,isto p, que o
terceiro consinta em tornar-se devedor de certa prestaomo.21 Ele nmo deve a
prestaomo final, porque esta ficari a cargo do terceiro, mas p devedor de uma
prestaomo prypria, a qual consiste em obter o consentimento do terceiro. Nmo se
desobrigaria, porpm, mostrando que envidou esforoos no sentido de obter a
anurncia, porque a sua obrigaomo, na terminologia que registramos no n 32,
supra (volume II), p da categoria das de resultado, e nmo de meios; p devedor de
uma obrigaomo de fazer, consistente em conseguir o compromisso do terceiro.22
Se o terceiro consente, obriga-se, e com isto executa-se a obrigaomo do devedor
primirio.
Mas, se nmo o fizer, o devedor primirio (devedor da convenomo de porte-fort) p
inadimplente. E, como se nmo trata de prestaomo fungtvel, porque adstrita j
obtenomo de compromisso de um terceiro, sua inexecuomo sujeita-o a perdas e
danos (Cydigo Civil, art. 439). A fixaomo do objeto da obrigaomo, como bem
acentua Serpa Lopes, p essencial para que se dr substkncia j obrigaomo, e para
que se caracterizem os seus efeitos. O objeto da obrigaomo do devedor primirio
nmo p limitado a um "esforoo" no sentido de obter o consentimento do terceiro. e
mais do que isto. Consiste em atingir um resultado: obter aquele compromisso.
Assegurando que o terceiro se obrigaria a determinada prestaomo, haveri
inadimplemento se o terceiro negar o seu consentimento. E, entmo, as perdas e
danos smo devidas. Uma vez que o terceiro anua e se obrigue, o devedor
primirio exonera-se. Ele nmo p um fiador do terceiro; nmo p co-responsivel pelo
cumprimento espectfico da obrigaomo que o terceiro vem a assumir. O conte~do
da obrigaomo, como observa Messineo, nmo p diretamente o fato do terceiro.23 e
o compromisso do terceiro. A sua obrigaomo extingue-se quando o terceiro
assume o compromisso de prestar. E, se nmo o faz, o credor tem aomo contra este
que se obrigou ao dpbito espectfico, e nmo contra aquele que se comprometeu a
conseguir o compromisso. Os objetos das obrigao}es nmo se confundem. Por
nmo atentar nisto, muitos escritores se desviam do bom curso, e nem Clyvis
Beviliqua escapou,24 sustentando tese desafinada da natureza do instituto,
provavelmente mal inspirado na defeituosa redaomo do dispositivo do Cydigo
de 1916 por ele comentado, repetido no Cydigo Civil de 2002. e preciso deixar
bem certo que o promitente nmo p fiador do terceiro, embora nada impeoa que se
comprometa na dupla qualidade de porte-fort e de fiador. Quer dizer: que se
obrigue pelo fato do terceiro e ao mesmo tempo assuma o encargo de substitut-
lo como seu garante, no caso de faltar ele j execuomo do que venha a ser o objeto
espectfico do pryprio fato.25
O promitente nmo se exonera, com fundamento nos motivos da recusa do
terceiro. Este pode ter raz}es poderosas para isto, e mesmo assim o devedor
primirio esti sujeito a ressarcir perdas e danos. Seu compromisso era obter o
consentimento do terceiro, e nmo apenas conseguir os motivos da recusa do
terceiro.
Exime-se, entretanto, de compor o id quod interest, quando a prestaomo do
terceiro nmo pode ser feita por impossibilidade ou por iliceidade. No primeiro caso,
a obrigaomo nmo tem objeto (obriga-se o devedor a que o terceiro lhe alugue um
cavalo, e este morre); no segundo, nmo pode o credor fazer de um objeto iltcito
fonte de obrigaomo jurtdica (obriga-se a obter que a autoridade policial conceda
licenoa para que o credor instale uma casa de tavolagem).
Nmo se exonera o promitente em razmo da incapacidade do terceiro, pois nada
impede que se obrigue pela prestaomo de fato de um menor ou de um interdito,
e atp de pessoa futura, como p o caso, aliis freqente, de quem assume o
compromisso de obter o acordo de uma sociedade em vias de constituiomo.26
Em todas essas hipyteses o devedor primirio responde pelas perdas e danos se
o acordo nmo p obtido, como no caso de recusi-lo o menor ao atingir a
maioridade, ou da autoridade judiciiria negar autorizaomo para o ato, ou de se
nmo constituir a sociedade, ou de seus yrgmos deliberativos decidirem em
contririo.
O parigrafo ~nico do art. 439 contpm uma exceomo j regra do dever de
indenizar por parte do promitente em caso de recusa por parte do terceiro de
executar a obrigaomo. Quando o promitente se obrigar a fato de terceiro que seja
seu c{njuge, consubstanciado em ato que para a sua validade e eficicia
dependa da autorizaomo do c{njuge, nmo seri obrigado a indenizar o credor,
caso tal indenizaomo, em razmo do regime de bens existente entre os c{njuges
venha a afetar o patrim{nio do c{njuge que nmo anuiu em se obrigar. Se assim
nmo fosse, estartamos diante de hipytese em que o terceiro acabaria prejudicado
pela estipulaomo com a qual nmo anuiu.
O Cydigo disp}e ainda, em seu art. 440, que na hipytese de o terceiro anuir em
prestar em favor do credor, ou seja, assumir a obrigaomo prometida, o
promitente, por ji ter cumprido a sua obrigaomo, fica exonerado e nmo responde
perante o credor caso haja inadimplemento do terceiro que veio a se obrigar.
206-A. Contrato com pessoa a declarar
O contrato com pessoa a declarar p modalidade contratual sem origem no
Direito Romano, dado o cariter personaltssimo das obrigao}es, incompattvel
com a circunstkncia de duas pessoas celebrarem um contrato, cujos efeitos
desbordem delas. Tradicionalmente, os direitos nascidos de um contrato
percutem nos que dele participam, seus herdeiros e subrogatirios, seus
cessionirios, ou de quem lhes assuma as obrigao}es. Foi o Cydigo Civil italiano
de 1942 que lhe imprimiu tipicidade, nos artigos 1.401 e seguintes. O Cydigo
Civil brasileiro de 2002 o introduziu em nossa tipologia contratual nos seus arts.
467 a 471, posto que desabrigado de uma tradiomo efetiva em nossa vida
negocial, mas que poderi, no futuro, proporcionar conseqrncias ~teis.
Nmo se trata, como a eptgrafe da Seomo IX parece sugerir, de contrato em que
uma das partes seja desconhecida, ou em que somente existe manifestaomo de
vontade unilateral. Isto seria a negaomo do contrato, que inexiste sem dupla
emissmo volitiva. O Cydigo refere-se a um negycio jurtdico bilateral, no qual ji
existe o consentimento das partes. O contrato ji esti formado. Nele fica,
todavia, consignado que um dos contratantes reserva-se a faculdade de indicar
a pessoa que adquiriri, em momento futuro, os direitos e assumiri as
obrigao}es respectivas (electio amici). As partes contratantes estmo definidas e
identificadas. O que resta p vir a pessoa designada ocupar o lugar de sujeito da
relaomo jurtdica assim criada (Cydigo Civil, art. 467).
A indicaomo da pessoa deve ser feita no prazo estipulado, ou , em sua falta, no
de cinco dias, para o efeito de declarar se aceita a estipulaomo (art. 468). Em face
de pronunciamento positivo, o terceiro, indicado, toma o lugar da parte
contratante.
Desdobra-se, desta sorte, o contrato em duas fases. Numa primeira, o
estipulante comparece em cariter provisyrio, permanecendo a avenoa entre um
contratante certo, e outro, meramente indicado, porpm dependente de
aceitaomo. Numa segunda, o nomeado passa a ser o dominus negotii.
O parigrafo ~nico do art. 468 institui a atraomo da forma para a aceitaomo do
terceiro, que revestir a do contrato, sob pena de nmo ter eficicia. A forma para a
aceitaomo seri obrigatoriamente a do contrato, ainda que nmo seja a imposta pela
lei.
Define o art. 469 o efeito retrooperante da aceitaomo. Uma vez manifestada,
considera-se que, ao adquirir os direitos e assumir as obrigao}es, esteve
presente como parte contratante desde a data do contrato, independentemente
de ji existir entendimentos entre ela e o contratante que a designou, ou de
inexistirem.
Deste efeito retroativo resulta a controvprsia a propysito da caracterizaomo
jurtdica desta figura contratual. Ora se entende como uma estipulaomoem favor
de terceiro, ora como um contrato condicional, ora integrado na gestmo de
negycios, traduzindo-se a aceitaomo do terceiro nomeado como aprovaomo ou
ratificaomo do contrato celebrado em seu nome.
Segundo a dogmitica italiana, que o Cydigo adotou por modelo, o contrato por
pessoa a indicar p um negycio jurtdico vilido, dotado de obrigatoriedade. Se o
nomeado aceita na forma e nas condio}es estabelecidas nos arts. 468 e 469,
adquire os direitos e assume as obrigao}es. Substitui, portanto, quem o
designou na titularidade das relao}es jurtdicas. Se nmo aceita, nem por isso
perde o contrato sua eficicia. Continua vilido, subsistindo entre os contraentes
originirios (art. 470, I).
O mesmo ocorreri se no prazo estipulado, ou legal, nmo for feita a indicaomo; e
bem assim se a pessoa nomeada era insolvente, independentemente de o outro
contratante conhecer ou nmo a insolvrncia no momento da indicaomo (art. 470, II,
e 471).
Capttulo ;/,, - 9tcios Redibityrios
6umirio: 207. Conceito de vtcio redibityrio. 208. Efeitos dos vtcios
redibityrios.
Bibliografia: Clyvis Beviliqua, Comentirios ao Cydigo Civil, vol. IV,
aos arts. 1.101-1.106; M. I. Carvalho de Miranda, Doutrina e Pritica
das Obrigao}es, ediomo atualizada por Josp de Aguiar Dias, vol. II,
ns. 692 e segs.; Serpa Lopes, Curso, vol. III, ns. 96 e segs.; Colin et
Capitant, Droit Civil, vol. II, ns. 576 e segs.; De Page, Traitp
elpmentaire, vol. IV, parte I, ns. 176 e segs.; Fubini, "Nature
Juridique de la Responsabilitp du Vendeur pour les Vices Cachps",
in Revue Trimestrielle de Droit Civil, 1903, pigs. 179 e segs.; Cunha
Gonoalves, Da Compra e Venda no Direito Comercial Brasileiro, ns.
128 e segs.; Mazeaud et Mazeaud, Leoons de Droit Civil, vol. III, ns.
977 e segs.; Trabucchi, Istituzioni di Diritto Civile, n 322; Ruggiero e
Maroi, Istituzioni di Diritto Privato, 141; Planiol, Ripert et
Boulanger, Traitp elpmentaire de Droit Civil, vol. II, ns. 2.477 e segs.
207. Conceito de vtcio redibityrio
Vtcio redibityrio p o defeito oculto de que portadora a coisa objeto de contrato
comutativo, que a torna imprypria ao uso a que se destina, ou lhe prejudica
sensivelmente o valor. e assim que, mutatis mutandis, todos os escritores o
definem, e que o Cydigo Civil entende no art. 441.
O Cydigo de Proteomo e Defesa do Consumidor estende a garantia por defeitos
nos produtos de consumo duriveis ou nmo, j desconformidade em relaomo js
indicao}es constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem
publicitiria, respeitadas contudo as variao}es decorrentes de sua natureza,
podendo o consumidor exigir a substituiomo das partes viciadas (Lei n 8.078, de
13.09.1990, art. 18).
Nmo se aproxima ontologicamente o conceito de vtcio redibityrio da idpia de
responsabilidade civil. Nmo se deixa perturbar a sua noomo com a indagaomo da
conduta do contratante, ou apuraomo da sua culpa, que influiri contudo na
graduaomo dos respectivos efeitos, sem aparecer como elemento de sua
caracterizaomo. O erro tem sido apontado como seu fundamento, com o
argumento de que o agente nmo faria o contrato se conhecesse a verdadeira
situaomo (Carvalho de Mendonoa); na teoria dos riscos vai justifici-lo Brinz; na
responsabilidade do vendedor pela impossibilidade parcial da prestaomo,
assenta-o Regelsberger; vai Windscheid ligi-lo j pressuposiomo; Cunha
Gonoalves acha uma variante desta na inexecuomo do alienante: Von Ihering
prende-o j eqidade; Fubini toma em consideraomo a finalidade espectfica da
prestaomo.1 Para nys, o seu fundamento p o princtpio de garantia, sem a
intromissmo de fatores exygenos, de ordem psicolygica ou moral. O adquirente,
sujeito a uma contraprestaomo, tem direito j utilidade natural da coisa, e, se ela
lhe falta, precisa de estar garantido contra o alienante, para a hipytese de lhe ser
entregue coisa a que faltem qualidades essenciais de prestabilidade,
independentemente de uma pesquisa de motivaomo. Por isto, Tito Fulgrncio, em
stntese apertada e feliz, enuncia-o, dizendo que o alienante p, de pleno direito,
garante dos vtcios redibityrios.2 Ao transferir ao adquirente coisa de qualquer
esppcie, seja myvel, seja imyvel, por contrato comutativo, tem o dever de
assegurar-lhe a sua posse ~til, se nmo equivalente rigorosa, ao menos relativa do
preoo recebido. E, se ela nmo se presta j sua finalidade natural, ou se nmo guarda
paralelismo com o valor de aquisiomo, prejudicada por defeito oculto, tem o
adquirente o direito de exigir do transmitente a efetivaomo do princtpio de
garantia.
Segundo o que se deduz da norma legal, e dos princtpios doutrinirios assentes,
alinham-se alguns requisitos de verificaomo dos vtcios redibityrios, a saber:
A - Os defeitos devem ser ocultos, pois que os ostensivos, pelo fato de o serem,
se presumem levados em consideraomo pelo adquirente, que nmo enjeitou mas
recebeu a coisa. A verificaomo deste requisito p js vezes diftcil na pritica, ji que
um defeito pode ser oculto para uma pessoa e percepttvel facilmente para
outra. A apuraomo far-se-i, entretanto, in abstracto, considerando-se oculto o
defeito que uma pessoa, que disponha dos conhecimentos tpcnicos do
adquirente, ou que uma pessoa de diligrncia mpdia, se nmo for um tpcnico,
possa descobrir a um exame elementar.3 Nmo se reputa oculto o defeito somente
porque o adquirente o nmo enxergou, visto como a negligrncia nmo merece
proteomo.
B - Devermo ser desconhecidos do adquirente; se deles tiver conhecimento,
mesmo que nmo sejam aparentes, nmo se pode queixar de sua presenoa.
C - Somente se levam em conta os ji existentes ao tempo da alienaomo e que
perdurem atp o momento da reclamaomo. Os supervenientes afetam coisa ji
incorporada ao patrim{nio do adquirente; e se houverem cessado, deixam a
demanda sem objeto.4
D - Nmo p qualquer defeito que fundamenta o pedido de efetivaomo do
princtpio, porpm aqueles que positivamente prejudicam a utilidade da coisa,
tornando-a inapta js suas finalidades, ou reduzindo a sua expressmo
econ{mica.5
O seu campo de aomo p o contrato comutativo. Alguns Cydigos os mantrm
como integrantes das obrigao}es do vendedor (francrs, italiano de 1865, italiano
de 1942, montenegrino, espanhol, alemmo, sutoo das Obrigao}es etc.); o
argentino insere-o na disciplina dos contratos comutativos; o Projeto Feltcio dos
Santos cuidava deles na parte geral dos contratos; o Cydigo Civil brasileiro
consolida a sua dogmitica na parte geral dos contratos, mas em particular
restringe a sua incidrncia aos contratos comutativos. A estes, entretanto, e para
o efeito de abrigar a teoria dos vtcios redibityrios, a lei equipara as doao}es
onerosas (Cydigo Civil, art. 441, parig. ~nico), porque, se nmo perdem o cariter
de liberalidade, imp}em ao donatirio uma prestaomo em favor de outrem,
determinada ou indeterminadamente (v. n 233, infra).
Desde que se configurem as condio}es de sua ocorrrncia, o alienante responde
pelos vtcios redibityrios. Nmo se exime, ainda que os ignore (Cydigo Civil, art.
443), pois que o fundamento da responsabilidade, como vimos, nmo p a sua
conduta, mas pura e simplesmente a aplicaomo do princtpio de garantia. E nmo
se exonera, igualmente, se a coisa, ji em poder do adquirente, vier a perecer em
razmo do vtcio oculto e preexistente (Cydigo Civil, art. 444), pois se p certo que
res perit domino, a relaomo de causa e efeito, contudo, entre o perecimento e o
defeito implica a responsabilidade do alienante. Neste caso, o adquirente tem
direito ao reembolso do preoo, posto nmo restitua a coisa perempta.6 Ressalva-
se, porpm, o perecimento devido a caso fortuito, e nmo em conseqrncia do
defeito anterior, para absolver o alienante da garantia, pois que o dano lhe viria
de qualquer maneira.7 Igual soluomo merece o perecimento devido j culpa do
adquirentee nmo ao vtcio oculto.8 E, de nossa parte, acrescentartamos casus a
nullo praestantur: ningupm pode ser responsabilizado pelo fortuito.
Tambpm nmo cabe responsabilidade se a coisa for alienada em hasta p~blica, nmo
sy porque a sua exposiomo prpvia possibilitaria minucioso exame, como ainda
pelo fato de ser foroada, em processo judicial, em que se realiza por autoridade
da justioa. Aliis, p de esclarecer que por venda em hasta p~blica deve entender-
se a que se faoa compulsoriamente (penhora em aomo executiva, venda por
determinaomo judicial em inventirio, venda de bens de yrfmos etc.), pois que, se
o interessado livremente escolheu o leilmo para a alienaomo, subsistiri a
garantia.9
Descabe, finalmente, se tiver havido, por parte do adquirente, ren~ncia
expressa ou ticita j garantia.
208. Efeitos dos vtcios redibityrios
Recebida a coisa portadora de vtcio ou defeito oculto, pode o adquirente enjeiti-
la redibindo o contrato. Nmo p obrigado, evidentemente, a manter o negycio e
conservar a coisa que nmo se preste j sua finalidade, ou esteja depreciada. E
voltam as partes ao statu quo ante. Ji o Direito Romano, atravps da palavra de
Ulpiano, havia disciplinado o instituto e determinado este efeito: "Reddhibere est
facere ut rursus habet venditor quod habuerit: quia reddendo id ffiebat, idcirco
reddhibitio est appellata. quasi redditio."10 Devolveri o adquirente o bem, ou o
pori j disposiomo do alienante. E este teri de restituir o preoo, mais as despesas
do contrato. Aqui, neste ponto, p que tem importkncia a apuraomo da conduta
do alienante, que veri sua responsabilidade agravada se conhecia o defeito,
caso em que, alpm da restituiomo do preoo, e mais despesas do contrato, tem de
ressarcir ao adquirente as perdas e danos conseqentes (Cydigo Civil, art. 443).
Pode acontecer que, portadora embora do vtcio oculto, a coisa ainda tenha
utilidade para o adquirente, e nmo seja de seu interesse, nem de sua
convenirncia, enjeiti-la, devolvendo-a ao alienante por via da aomo redibityria
(actio reddhibitoria no Direito Romano, Wandelung no direito alemmo). Em tal
caso, faculta-lhe a lei outra aomo, a estimatyria ou de abatimento de preoo (actio
aestimatoria ou quanti minoris no Direito Romano, Minderung no alemmo), pela
qual o adquirente, conservando a coisa defeituosa, reclama seja o seu preoo
reduzido daquilo em que o defeito oculto a depreciou, para que nmo o pague
por inteiro, ou, se ji o tiver feito, para que obtenha restituiomo parcial do
despendido (art. 442). Esta faculdade nmo pode ser levada ao extremo de criar
para o adquirente uma fonte de enriquecimento, mas deve ser de damno vitando,
limitada a proporcionar ao adquirente uma soluomo eqitativa, que o resguarde
de pagar pela coisa defeituosa o preoo de uma perfeita.
A lei cria, desta sorte, uma obrigaomo alternativa a beneftcio do adquirente. O
alienante deve a redibiomo do contrato ou a diferenoa de preoo, e, como a
escolha cabe ao credor, fari este a opomo, com o efeito de concentrar a prestaomo
(v. n 144, supra, vol. II). Dat afirmar-se, com boa extraomo, que a escolha p
irrevogivel. Uma vez feita, nmo admite recuo - electa una via non datur recursus ad
alteram.11 Opinimo contriria se encontra na doutrina alemm, em razmo do 465
do BGB permitir o pedido alternativo, e dispor que a redibiomo ou o abatimento
do preoo se consideram adquiridos no momento em que o vendedor der a sua
aquiescrncia. O direito francrs, alpm de outros casos em que p negada a opomo
ao adquirente, faculta-lhe tmo-somente a aomo de abatimento de preoo quando o
juiz estima o vtcio oculto pequeno demais para fundamentar a redibiomo.12
O direito do adquirente esti sujeito a um prazo de decadrncia, que varia
conforme se trate de coisa imyvel (um ano, art. 445 do Cydigo Civil) ou de coisa
myvel (30 dias, art. 445). Trata-se de decadrncia, porque o direito esti
condicionado ao exerctcio dentro de prazo legal, e por isto mesmo p insuscettvel
de interrupomo. O prazo de 30 dias p suficiente quando a coisa myvel p mais
simples, sendo extguo para os aparelhos complexos (instrumentos de diftcil
instalaomo, avi}es, motores etc.). Sentindo-o, a pritica dos negycios corrige a
imperfeiomo legal com a instituiomo de prazos de garantia, durante os quais o
alienante responde pela perfeiomo da coisa transferida, e obriga-se atp a
substitut-la, se se tornar inapta j sua destinaomo. Equivale a cliusula a uma
suspensmo convencional da decadrncia (v. n 123, supra, volume I) e, aplicada j
esppcie, importa em que, atp o advento do termo ajustado, esti inibindo o
alienante de invocar a decadrncia do direito do adquirente, que pode postular a
efetivaomo da responsabilidade pelo vtcio redibityrio alpm do prazo legal de
decadrncia da aomo.
e esta uma das modificao}es da garantia contra os vtcios redibityrios. Ela pode
ser reforoada e reduzida, o que a doutrina vinha admitindo, e a jurisprudrncia
mesmo anterior ao novo Cydigo aprovado. O novo Cydigo p{s fim a qualquer
discussmo sobre a questmo e determinou expressamente no art. 446 que os
prazos para a invocaomo de vtcio redibityrio nmo correm na constkncia de
cliusula de garantia. O art. 446, se interpretado na sua literalidade, traria uma
involuomo em tema de vtcios redibityrios, ao determinar que o adquirente deve
denunciar o defeito ao alienante nos 30 (trinta) dias seguintes ao seu
descobrimento, sob pena de decadrncia, dando a entender que mesmo havendo
ainda prazo para a garantia, o adquirente p obrigado a denunciar o defeito nos
30 dias seguintes ao em que o descobriu, sob pena de decadrncia do direito. A
involuomo p detectada pelo fato de a doutrina e a jurisprudrncia anterior ao
Cydigo de 2002 ji vir admitindo o intcio da contagem do prazo para o exerctcio
da redibiomo a partir do fim da garantia, mesmo sem norma legal expressa, nmo
importando o momento em que o vtcio se apresentou.
O prazo de garantia constitui, pois, um reforoamento, e chega mesmo a ser mais
do que a responsabilidade pelo vtcio oculto, porque abrange a seguranoa de
bom funcionamento. Reversamente, p ltcito reduzir a garantia, o que constitui
cautela adotada por quem negocia em objetos usados, por exemplo: o alienante
exime-se de responder pelos defeitos ocultos, ou apenas restringe a
responsabilidade. Mas p claro que uma cliusula desta sorte nmo prevaleceri se o
alienante ji tem conhecimento do defeito, porque nmo p jurtdico que uma pessoa
possa extrair condiomo favorivel da mi-fp com que se conduza.13
O novo Cydigo inseriu ainda no 1 do art. 445 uma regra de diftcil
interpretaomo sobre a decadrncia do direito de invocar o vtcio redibityrio. Diz a
Lei que quando o vtcio, por sua natureza, sy puder ser conhecido mais tarde, o
prazo contar-se-i do momento em que dele tiver cirncia, atp o prazo miximo de
180 (cento e oitenta) dias, em se tratando de bens myveis; e de um ano, para os
imyveis. O legislador aqui com certeza nmo quis chegar ao extremo de manter
indefinidamente a regra de garantia nas hipyteses em que o vtcio somente
possa ser conhecido mais tarde, como o fez o Cydigo do Consumidor no 3 do
seu art. 26, ao determinar o intcio da contagem do prazo quando o vtcio deixe
de ser oculto.
A regra p de diftcil interpretaomo e aplicaomo, e desafia a Doutrina e a
Jurisprudrncia, porque o Cydigo manteve no 1 o mesmo prazo do caput no
que se refere aos vtcios redibityrios em bens imyveis. Assim, nmo faz sentido
haver o mesmo prazo miximo de exerctcio do direito de redibiomo tanto para as
hipyteses ordinirias, quanto as em que o vtcio, por sua natureza, somente
puder ser conhecido mais tarde. Houve com certeza um cochilo do legislador, ji
que originalmente o prazo do caput era de 6 (seis) meses e o do 1 de 1 (um)
ano. Posteriormente, durante a tramitaomo legislativa, se aumentou o prazo do
caput e seesqueceu de alterar tambpm o do 1, deixando a norma sem sentido.
A norma faz sentido na parte que regula o vtcio redibityrio de bens myveis.
Para estes, o prazo do caput p de 30 (trinta) dias. Quando o vtcio, por sua
natureza, sy puder ser conhecido mais tarde, o prazo comeoa a contar a partir
da cirncia, mas nmo pode ultrapassar 180 (cento e oitenta) dias da data da
entrega efetiva, ou, se a coisa ji estava na posse do adquirente, da data da
alienaomo, reduzido j metade (90 dias).
A interpretaomo dessa reduomo de prazo para as hipyteses em que a coisa ji
estava na posse do adquirente deve ser a de que os prazos previstos no caput
(30 dias para myveis e 1 ano para imyveis) e no 1 (180 dias para myveis e 1
ano para imyveis) nmo podem ser reduzidos. Ou seja, se algupm obtpm a posse
de uma coisa myvel 5 dias antes da sua aquisiomo, em aplicando-se a regra do
caput do art. 445 dispori do prazo de 30 dias a partir da aquisiomo da posse para
a redibiomo e nmo do prazo de 15 dias a partir da alienaomo, ji que nesta ~ltima
hipytese o seu prazo total a partir da posse do bem seria de 20 dias. Ji se obteve
a posse 60 dias antes da sua aquisiomo, dispori do prazo de 15 dias a partir da
alienaomo.
208-A. A tendrncia moderna de proteomo ao consumidor levou a considerar que
a teoria dos vtcios redibityrios revela-se insuficiente. Construiu-se, entmo, a
doutrina da responsabilidade civil do fabricante, cuja essrncia p reconhecer aomo
direta contra o produtor, para cobertura de dano causado na utilizaomo de
produtos acabados, que revelem defeitos atributveis j fabricaomo.14
O Cydigo de Defesa e Proteomo ao Consumidor estabelece preceituaomo mais
rigorosa, impondo a substituiomo do produto por outro da mesma esppcie, em
perfeitas condio}es de uso, e a restituiomo imediata da quantia paga,
devidamente corrigida, alpm das perdas e danos, ou ainda abatimento do preoo.
Num reforoo das garantias do adquirente o mesmo Cydigo de Proteomo e
Defesa do Consumidor (Lei n 8.078, de 13.12.1990) assegura ao consumidor a
inversmo do {nus da prova no processo civil, quando, a critprio do juiz, for
verosstmil a alegaomo, ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras
ordinirias de experirncia (art. 6, n VIII).
Capttulo ;/,,, - Evicomo
6umirio: 209. Noomo geral de evicomo. 210. Efetivaomo da garantia.
211. Evicomo parcial.
Bibliografia: Alberto Trabucchi, Istituzioni di Diritto Civile, n 321;
Ruggiero e Maroi, Istituzioni di Diritto Privato, vol. II, 141; Clyvis
Beviliqua, Comentirios ao Cydigo Civil Brasileiro, vol. IV, aos arts.
1.107 e segs.; Serpa Lopes, Curso de Direito, vol. III, ns. 103 e segs.;
Arangio Ruiz, "Evizione", in Dizionario Pratico di Diritto Privato, de
Scialoja; Planiol, Ripert et Boulanger, Traitp elpmentaire de Droit
Civil, vol. II, ns. 2.529 e segs.; Gaudemet, Obligations, pig. 357;
Colin et Capitant, Cours elpmentaire de Droit Civil Franoais, vol. II,
ns. 529 e segs.; Mazeaud et Mazeaud, Leoons de Droit Civil, vol. III,
ns. 952 e segs.; Cunha Gonoalves, Da Compra e Venda, ns. 136 e
segs.; Sebastimo de Sousa, Da Compra e Venda, n 127; Domenico
Rubino, La Compravendita, n 169; M. I. Carvalho de Mendonoa,
Doutrina e Pritica das Obrigao}es, ed. atualizada por Josp de Aguiar
Dias, vol. II, ns. 705 e segs.; Enneccerus, Kipp y Wolff, Tratado,
Derecho de Obligaciones, vol. II, 106; Paulo Barbosa de Campos
Filho, Da Evicomo do Arrematante.
209. 1oomo geral de evicomo
Quando algupm adquire o domtnio, a posse ou o uso de um bem, por contrato
oneroso, esti visando a uma utilidade que corresponde j contraprestaomo
efetuada. Nos ns. 207 e 208 cogitamos dos defeitos materiais da coisa recebida,
deduzindo a teoria dos vtcios redibityrios. No presente capttulo vamos tratar do
defeito de direito, que a atinja. A teoria dos vtcios redibityrios aproxima-se da
evicomo, porque uma e outra vmo assentar a responsabilidade do alienante na
mesma razmo jurtdica, que p o princtpio de garantia, oferecido pela lei ao
adquirente contra o alienante.
Chama-se evicomo a perda da coisa, por foroa da sentenoa judicial, que a atribui a
outrem, por direito anterior ao contrato aquisitivo:1 "Evincere est vincendo in iudicio
aliquid auferre."
Analisando esta definiomo, encontramos, a uma sy vez, os seus requisitos e o
desenvolvimento do instituto:
A - Perda da coisa. Recebendo-a o adquirente em estado de servir, e sem que
sofra a aomo de qualquer defeito oculto que a atinja, vem a perdr-la privando-se
do domtnio, da posse ou do uso. A perda pode ser total ou parcial, conforme o
adquirente seja dela despojado na sua integridade ou apenas parcialmente.
B - Sentenoa. Nmo p qualquer perda que constitui evicomo, mas aquela que se
opera em virtude de sentenoa judicial. O perecimento do objeto, a sua
destruiomo, a sua subtraomo pelas vias de fato de terceiro smo hipyteses em que o
adquirente sofre a perda da coisa ou de sua utilizaomo. Mas nmo ocorre evicomo,
porque esta pressup}e um pronunciamento da Justioa. Nmo obstante a exatidmo
do princtpio, conforme com a estrutura legal e dogmitica do instituto, casos hi
assemelhiveis j evicomo, produtores dos mesmos efeitos jurtdicos desta. 1 -
Abandono da coisa antes de sentenoa, quando o direito do terceiro-
reivindicante p de tal forma incontroverso que o prosseguimento do littgio
implicaria injustificada recalcitrkncia e em disprndio in~til de energia
processual como financeira. Mas, para que o abandono possa equivaler j
evicomo, nmo pode ser arbitririo do adquirente, porpm nele hi de convir o
alienante.2 2 - Remissmo hipoteciria, na forma do que disp}e o art. 1.481 do
Cydigo Civil, em virtude do qual o adquirente de um bem hipotecado, ante a
alternativa de sofrer a excussmo da hipoteca ou pagar o dpbito garantido, opta
por esta segunda hipytese e, despendendo soma em soluomo da dtvida do
alienante, redime a coisa adquirida; nmo ocorre a sua perda, por ter sido evitada
com o disprndio realizado pelo adquirente, o qual, por isto mesmo, tem a
faculdade de proceder contra o alienante, como se fosse evicto. 3 - Vias de fato de
terceiro, confirmadas judicialmente, no caso do adquirente acorrer em defesa da
coisa arrebatada, e na aomo que intentar, para reivindici-la ou sustentar a sua
integridade jurtdica, ser vencido sob o fundamento do direito anterior do
terceiro demandado; a analogia com a evicomo esti em que o pronunciamento
judicial confirmatyrio da situaomo fitica criada pelo terceiro gera a mesma
conseqrncia que produziria uma sentenoa condenando o adquirente a efetuar
sua entrega a outrem. 4 - Conservaomo da coisa por tttulo diverso do contrato
aquisitivo, caso em que nmo ocorre a perda do bem recebido, porque o
adquirente vem a consolidar seu direito em virtude de uma causa jurtdica
diversa, como, por exemplo, no caso de ser herdeiro do terceiro evidente, e
tornar-se dono por sucessmo causa mortis; nmo hi perda do bem jurtdico, mas
fatalmente o perderia se nmo ocorresse a interferrncia de outra causa jurtdica
para a sua retenomo.3
C - Anterioridade do direito do terceiro. A perda da coisa, mesmo que se dr por
sentenoa judicial, nmo caracteriza por si sy a evicomo. Esta pressup}e que o
pronunciamento da Justioa se funda em causa preexistente ao contrato pelo
qual se operou a aquisiomo do direito do evicto. Se este houver deixado
constituir em favor de algupm um direito que motive a perda da coisa, sibi
imputet e nmo vi reclamar do alienante, pois que este lhe transferira um bem
escorreito. Somente pode o transmitente ser chamado a responder pela perda,
quando esta p devida j motivaomo anterior ao contrato. Em caso de usucapimo
iniciado antes e completado depois da transmissmo ao adquirente, a doutrina
inclina-se pela sua absolviomo, porque, estando nas mmos do adquirente
interromper a prescriomo,nmo pode atribuir ao alienante as conseqrncias de ter
deixado de fazr-lo e tolerado a continuaomo de uma posse prejudicial ao seu
direito. A sentenoa atributiva da coisa ao usucapiente nmo se baseia em causa
anterior, porque o intcio do prazo da prescriomo aquisitiva era inid{nea a
converter a posse em domtnio; requer o seu escoamento completo, e este veio
ocorrer apys o contrato aquisitivo.4 Ressalva-se contudo, a responsabilidade do
alienante se o prazo prescricional se completa tmo pryximo do ato de aquisiomo
que nmo haja tempo para que o adquirente conheoa a situaomo e o interrompa.5
Exceomo razoivel ao princtpio da anterioridade p a desapropriaomo da coisa,
posteriormente ao contrato, sempre que o decreto declaratyrio da utilidade
p~blica ji exista no momento da transmissmo e nmo tenha sido acusado pelo
alienante,6 porque, embora a perda da coisa ocorra posteriormente ao contrato
aquisitivo, sua causa o antecede, e nmo esti nas mmos do adquirente eviti-la.
O campo de aomo da teoria da evicomo smo os contratos onerosos. Quase todos os
Cydigos, mesmo os mais modernos, disciplinam a evicomo no contrato de
compra e venda. Mas nmo trm razmo, porque este grnero de garantia nmo fica
adstrito a esta figura contratual. Andou bem o direito brasileiro, colocando-a na
parte geral dos contratos, e foi fiel j tradiomo romana que nmo limitava os seus
efeitos j emptio-venditio.7 Em princtpio, o alienante nmo responde por ela nos
contratos gratuitos, a nmo ser que expressamente o declare. Abre-se, porpm,
uma exceomo legal para as doao}es modais, porque, sem perderem o cariter de
liberalidade, assemelham-se aos contratos onerosos, em razmo do encargo
imposto ao donatirio
Em nosso direito p ociosa a indagaomo se cabe a garantia na hipytese de o
adquirente ser despojado da posse e nmo do domtnio, porque o art. 447 do
Cydigo Civil espaventou a d~vida, instituindo a garantia toda vez que, por
contrato oneroso, se faoa a transferrncia tanto do domtnio quanto da posse ou
do uso.
O Cydigo de 2002 inovou em relaomo ao direito anterior, ao dispor que subsiste
a garantia da evicomo ainda que a aquisiomo se tenha realizado em hasta p~blica.
Diante de tal regra, a pergunta cabtvel, nmo respondida pelo Cydigo, consiste
em se saber quem responde pela evicomo na alienaomo em hasta p~blica, tendo
em vista que nessa hipytese a venda nmo se di espontaneamente pelo
proprietirio da coisa, mas sim pelo Estado, a fim de que terceiro seja
favorecido. Imagine-se a hipytese de um bem ser alienado em hasta p~blica
apys ter sido penhorado para a garantia de uma execuomo contra o proprietirio.
Em ocorrendo a evicomo, o adquirente do bem deve exigir a indenizaomo pela
sua perda do antigo proprietirio, ou do credor que obteve o proveito com a
venda que veio a ser prejudicada em razmo de um direito anterior? Na primeira
hipytese, as chances de o adquirente vir a obter a sua indenizaomo smo
diminutas, tendo em vista o provivel estado de insolvrncia do proprietirio que
teve bem de sua propriedade levado a hasta p~blica. Na segunda hipytese, se
estari transferindo a responsabilidade pela evicomo a quem nunca foi
proprietirio da coisa evencida.
Nmo p somente na transmissmo de direitos reais que ocorre a responsabilidade
pela evicomo, senmo tambpm na de crpditos.8 Mas aqui os princtpios variam um
tanto, pois que, conforme ji vimos no n 181, supra (vol. I), o cedente responde
tmo-somente pela existrncia do direito transferido (veritas nominis) e nmo pela
solvrncia do devedor (bonitas nominis).
Ocorrendo a perda da coisa nas circunstkncias mencionadas, o alienante p
responsivel. Este p o princtpio essencial. A lei obriga-o a resguardar o
adquirente contra os riscos da perda. E nmo pesa d~vida na perquiriomo do seu
fundamento. Dentro de um esquema dedutivo, temos que nmo hi mister, tal qual
defendemos para a fundamentaomo da responsabilidade pelos vtcios
redibityrios (n 207, supra), incutir fatoraomo exygena. Basta-nos proclamar o
princtpio de garantia, pois que o adquirente tem direito a receber a prestaomo
que lhe deve o alienante, e se este nmo era titular de um direito estreme de
d~vidas, seri chamado a assegurar o adquirente contra as pretens}es de
terceiros, e a responder pelas conseqrncias da vityria destes no pleito que se
ferir. Noutros termos, o alienante deve ao alienatirio garantia e defesa contra
qualquer terceiro que, fundado em um vtcio do direito daquele, prive ou
pretenda privar o adquirente, total ou parcialmente, do uso pactfico da coisa.9
A garantia contra a evicomo p, assim, uma conseqrncia natural, embora nmo
essencial da obrigaomo de entregar a coisa alienada.10
Por tudo isto, nos contratos onerosos nmo hi necessidade de que se
convencione, para que prevaleoa a garantia. O alienante responde de direito
(Ruggiero) ainda que nmo o declare, muito embora em fyrmula tabelioa
habitualmente se reafirme. A garantia, convpm repetir, opera ex lege e nmo ex
contractu. Mas, sendo como p matpria de ordem privada e nmo p~blica, trm as
partes a faculdade de modifici-la, quer no sentido do seu reforoo, quer no de
sua reduomo, e atp de sua aboliomo completa (art. 448) como seri examinada no
n 210, infra.
E, como se nmo funda na culpa do alienante, vinga a responsabilidade deste,
ainda que esteja de boa-fp.11
210. Efetivaomo da garantia
Sendo uma garantia legal, e nmo convencional, em princtpio, cabe ao legislador
estabelecer a sua extensmo. Ocorrendo a perda judicial da coisa, tem o
adquirente a faculdade de voltar-se contra o alienante (Cydigo Civil, art. 450) e
exigir que este lhe restitua o preoo pago, e mais as despesas com o contrato,
honoririos de advogado e custas judiciais na aomo que lhe imp{s a evicomo; e
ainda lhe indenize os frutos que tiver sido obrigado a restituir, e demais
prejutzos que da evicomo diretamente lhe resultarem. Neste passo, cabe
esclarecer que o alienante responde pela plus-valia adquirida pela coisa, isto p, a
diferenoa a maior entre o preoo de aquisiomo e o seu valor ao tempo em que se
evenceu (parigrafo ~nico do art. 450), atendendo a que a lei manda indenizar o
adquirente dos prejutzos, e, ao cuidar das perdas e danos, o Cydigo Civil (art.
402) considera-as abrangentes nmo apenas do dano emergente, porpm daquilo
que o credor razoavelmente deixou de lucrar. E, se a evicomo vem privi-lo da
coisa no estado atual, o alienante tem o dever de recompor o seu patrim{nio,
transferindo-lhe soma pecuniiria equivalente j estimativa da valorizaomo. Ji era
esta a opinimo de Pothier,12 que sobrevive hoje, sem cunho de unanimidade,
contudo. Se, ao contririo de valorizaomo, estiver depreciada, a aplicaomo pura e
simples do disposto no art. 450 desautoriza levi-la em consideraomo, pois que
constrange o alienante a efetuar a "restituiomo integral do preoo", e nmo obsta
uma posstvel alegaomo de que a menor-valia corre j conta de negligrncia do
adquirente.13 Finalmente, o alienante deve ainda os juros legais, j vista do
disposto no art. 404 do Cydigo Civil.
A obrigaomo do transmitente sobrevive tntegra, ainda que a coisa esteja
deteriorada, salvo havendo dolo do adquirente; mas, se este houver auferido
vantagens da deterioraomo (como no caso de ter vendido materiais resultantes
da demoliomo de um prpdio), deduzir-se-mo da quantia a receber, a nmo ser que
tenha sido condenado a indenizar o terceiro evidente (Cydigo Civil, arts. 451 e
452), pois se a lei nmo quer que o adquirente sofra prejutzo com a evicomo, nmo a
erige, entretanto, em fonte de enriquecimento.
O tratamento dispensado ao evicto, em face das benfeitorias existentes, p
conseqrncia lygica dos princtpios gerais que presidem a essa, segundo
assentamos no n 75, supra (vol. I). Assim p que, se o adquirente as tiver feito na
coisa, e a sentenoa as nmo tiver abonado, incluem-se na indenizaomoque o
alienante lhe deve; se houverem sido abonadas ao adquirente, mas nmo tiverem
sido por este realizadas, e sim pelo alienante, deduziri este, do preoo que
houver de restituir ao adquirente, o seu valor; e se tiverem sido realizadas pelo
adquirente, e a este abonadas, delas se nmo cogitari nas relao}es entre alienante
responsivel e adquirente evicto.
Reforoada a evicomo por cliusula expressa (e. g., restituiomo em dobro ou fianoa),
tem o adquirente o direito de haver o que o reforoo lhe assegurar, em quantia
ou em coisa, bem como demandari o terceiro fiador.
Ao revps, se por cliusula expressa ficar exclutda a garantia (cliusula de non
praestanda evictione), o adquirente tem o direito de recobrar o preoo que pagou
pela coisa evicta (Cydigo Civil, art. 449), desacompanhado dos acessyrios
mencionados acima, pois do contririo consagrar-se-ia locupletamento, retendo
o contraente a prestaomo auferida, muito embora a outra parte nmo haja
conservado a contraprestaomo. A cliusula de non praestanda evictione pode
receber, entretanto, uma amplitude maior, e assumir o cariter de exoneraomo
total do alienante, inscrevendo-se entre os casos de cessaomo de
responsabilidade, logo abaixo referidas, quando assume a forma de ren~ncia do
adquirente14 ou quando se estipula com a declaraomo de que o adquirente receba
a coisa a seu inteiro risco, com a menomo expressa de nmo ser o alienante
obrigado j restituiomo do preoo.15
O adquirente nmo pode demandar pela evicomo, afora as hipyteses
supramencionadas, quando falta algum dos seus pressupostos essenciais: a) se a
perda nmo ocorre em virtude de sentenoa, mas resulta de caso fortuito, foroa
maior, roubo ou furto, mesmo que o perecimento se dr na pendrncia da lide
(Clyvis Beviliqua), porque o alienante deve a garantia pela integridade jurtdica
do objeto, mas nmo tem obrigaomo de resguardi-lo do fato das coisas ou dos
homens. Nmo hi responsabilidade, igualmente, se, em vez de sentenoa judicial,
a perda provier de um provimento administrativo, como a requisiomo da coisa
ou a condenaomo do ediftcio pela sa~de p~blica;16 b) nmo hi responsabilidade
para o alienante se o adquirente sabia que a coisa era alheia, porque seria ele, no
caso, um c~mplice do apropriamento, e nmo pode fundar, na sua conduta iltcita,
uma pretensmo jurtdica; c) igualmente inexiste se sabia o adquirente que a coisa
era litigiosa, porque entmo estava ciente de que a prestaomo do outro contratante
dependia de acertamento judicial que lhe podia ser desfavorivel; d) se foi
informado do risco da evicomo e o assumiu expressamente, liberando o
alienante das respectivas conseqrncias, porque um tal contrato seria aleatyrio,
nmo lhe cabendo reclamar pelo fato de nada vir a existir da coisa adquirida
(emptio spei).
Cabe ressaltar que, em qualquer caso de exclusmo da garantia contra a evicomo, o
alienante pode invocar a cliusula para acobertar-se dos efeitos da aomo do
terceiro evincente. Jamais, sob tal fundamento, encontraria defesa para ato seu
que perturbe a utilizaomo da coisa ou prive o adquirente do direito
transferido.17
Para efetivaomo do direito resultante da evicomo, cria a lei um requisito
impostergivel: convocar o alienante j integraomo da lide - laudatio auctoris. Se a
aomo p intentada pelo adquirente contra o terceiro, na inicial pediri a citaomo do
alienante para que integre o processo, e responda pelas conseqrncias. Se, ao
revps, for rpu na aomo movida pelo terceiro reivindicante, convocari
(denunciaomo da lide no linguajar processual) o alienante imediato, ou qualquer
dos anteriores para que venha assumir a sua defesa (Cydigo Civil, art. 456).
Essa possibilidade de denunciaomo da lide de qualquer um dos alienantes,
independentemente da posiomo que tenha na sucessmo de titularidades sobre o
bem, p uma inovaomo importante do Cydigo de 2002, porque possibilita ao
evicto cobrar a sua indenizaomo diretamente do responsivel pela aquisiomo
viciada originiria, sem que tenha que exercer o seu direito contra o alienante
imediatamente anterior e sucessivamente.
O Cydigo de Processo Civil exige em seu art. 70, I, a denunciaomo da lide para
que possa haver o exerctcio do direito de obter indenizaomo por evicomo. Se nmo
denunciar a lide ao contestar a aomo, o evicto perde o direito de obter
posteriormente a indenizaomo do alienante. O parigrafo ~nico do art. 456 do
Cydigo Civil contpm uma regra de direito processual, o que nmo p de boa
tpcnica legislativa. A regra p, de todo modo, de diftcil compreensmo. Ela di
direito ao evicto de nmo oferecer contestaomo caso o alienante nmo atenda j
denunciaomo e a procedrncia da evicomo seja manifesta. Essa hipytese p de diftcil
ocorrrncia ji que a denunciaomo da lide ao alienante se di normalmente apys a
contestaomo do adquirente.
Com a morte do alienante (ou de qualquer dos alienantes) a responsabilidade
passa aos herdeiros.
Enquanto pender a aomo de evicomo, esti suspensa a prescriomo da do adquirente
contra o alienante (Cydigo Civil, art. 199, n III).
211. Evicomo parcial
De intcio dissemos, com a lei e a doutrina, que a evicomo pode ser total ou
parcial. Ao cuidar desta agora, comeoaremos por caracterizi-la: pode ser a
perda de uma fraomo da coisa; pode consistir na negaomo, ao adquirente, de uma
faculdade que lhe fora transferida pelo contrato, como seja uma servidmo ativa
do imyvel comprado; pode ainda considerar-se o fato de ter de suportar a coisa
um {nus ou encargo nmo declarado, em beneftcio de outrem, como se di
quando o adquirente p vencido em aomo confessyria de servidmo em favor de
outro prpdio.18
Sendo a evicomo parcial mas considerivel, abre-se ao adquirente uma alternativa:
resoluomo do contrato ou restituiomo parcial do preoo. Na primeira hipytese,
tudo se passa como se fosse total a evicomo, com a diferenoa apenas que o
adquirente lhe devolve a parte remanescente do bem. Na segunda, isto p,
optando pela conservaomo da coisa e abatimento do preoo, tem o adquirente
direito a que o alienante lhe restitua parte do preoo, correspondente ao
desfalque sofrido (Cydigo Civil, artigo 455). Como pode decorrer largo tempo
entre o contrato e a efetivaomo da garantia, e p normalmente o que se passa com
o retardamento habitual do desfecho do pleito movido pelo terceiro evincente,
sempre ocorre variaomo no valor da coisa evicta. Manda a lei (Cydigo Civil,
parigrafo ~nico do art. 450) que a importkncia do desfalque seja calculada em
proporomo do valor dela ao tempo em que se evenceu, porque considera que
nesse momento p que efetivamente ocorreu a diminuiomo patrimonial. Se tiver
havido aumento, o adquirente recebe soma proporcional j valorizaomo. Mas,
reversamente, se tiver ocorrido depreciaomo, suporta-a o adquirente, pois que,
pela aplicaomo do dispositivo, nmo vigora o mesmo princtpio que relativamente
j evicomo total: nesta, a restituiomo do preoo p integral; naquela, o adquirente
evicto parcialmente suporta a menor-valia da coisa.19
Como visto, a opomo pela rescismo do contrato ou pelo abatimento do preoo
somente se di quando a evicomo for parcial e considerivel. Nmo cabe a alternativa
naquela nmo considerivel, caso em que se entende competir ao adquirente a aomo
quanti minoris, por via da qual peoa a restituiomo proporcional, da parte do preoo
pago, pois que se nmo justifica o desfazimento de um negycio jurtdico perfeito
por questmo de nonada (art. 455).
Nmo cuidou, porpm, a lei de definir o que seja parte considerivel da coisa evicta,
relegando-o j doutrina. Chamada a opinar, sustenta ser aquela perda que, em
relaomo j finalidade da coisa, faoa presumir que o contrato se nmo realizaria se o
adquirente conhecesse a verdadeira situaomo.20 Cunha Gonoalves observa que a
caracterizaomo da parte considerivel nmo atenderi somente ao critprio da
quantidade em relaomo ao todo, porpm,j qualidade e j natureza, tambpm, pois
bem pode ser que um desfalque de extensmo reduzida seja mais grave do que
um maior, tendo em vista as circunstkncias de fato.21 Com efeito, se algupm
compra fazenda de criar, e perde apenas pequena fraomo dela, porpm na parte
em que se situa a aguada, o desfalque p relevanttssimo, por alcanoar a prypria
finalidade econ{mica do objeto, e a evicomo seri considerivel, nmo obstante
quantitativamente tnfima.
Capttulo ;/,9 - Extinomo dos Contratos
6umirio: 212. Cessaomo da relaomo contratual. 213. Resiliomo
voluntiria. 214. Cliusula resolutiva: ticita e expressa. 215. Exceptio
non adimpleti contractus. 216. Resoluomo por onerosidade excessiva.
Teoria da imprevismo.
Bibliografia: Orlando Gomes, Contratos, ns. 131 e segs.; De Page,
Traitp elpmentaire de Droit Civil, vol. II, parte I, ns. 752 e segs.;
Planiol, Ripert et Boulanger, Traitp elpmentaire de Droit Civil, vol. II,
ns. 470 e segs.; Serpa Lopes, Curso de Direito Civil, vol. III, ns. 110 e
segs.; Carvalho de Mendonoa, Doutrina e Pritica das Obrigao}es,
vol. II, ns. 614 e segs.; Colin et Capitant, Cours de Droit Civil
Franoais, vol. II, ns. 83 e segs.; M. Picard et Prudhomme, "La
Rpsolution Judiciaire des Contrats par Inexpcution des
Obligations", in Revue Trimestrielle de Droit Civil, 1912, pig. 61;
Mazeaud et Mazeaud, Leoons de Droit Civil, vol. II, ns. 720 e segs.;
Trabucchi, Istituzioni di Diritto Privato, vol. II, 139; Serpa Lopes,
Exceo}es Substanciais, Exceomo de Contrato nmo Cumprido, ns. 26 e
seguintes; Karl Larenz, Base del Negycio -urtdico y Cumplimiento de
los Contratos; Arnoldo Medeiros da Fonseca, Caso Fortuito e Teoria
da Imprevismo, ns. 141 e segs.; Enneccerus, Kipp y Wolff, Tratado,
Derecho de Obligaciones, vol. I, 33 e segs.
212. Cessaomo da relaomo contratual
Quando ensinamos o direito do contrato, pela primeira vez, em 1952,
organizamos o nosso programa encerrando a sua parte geral com a tese 13, em
que enfeixamos a matpria que constitui objeto desde capttulo. Nmo faltou quem
criticasse a sua reunimo tachada de aglomeraomo desencontrada. Mas sem razmo.
Sempre entendemos que a aproximaomo dos assuntos p muito maior do que
aparenta, todos eles interligados pela idpia de cessaomo da relaomo contratual,
embora sob a informaomo imediata de causa pryxima diversa: convenomo entre
as partes, implemento de condiomo, falta da prestaomo devida, onerosidade
excessiva. Nmo obstante a causaomo variegada, esti sempre presente a idpia de
extinomo do contrato. E o assunto tem sido tratado por alguns escritores, embora
nem sempre a unidade de orientaomo prevaleoa.1 A sistematizaomo a que
obedecemos atende a critprio mais simples, e ainda j presenoa de causas
espectficas. Aqui estmo quatro aspectos da extinomo da relaomo contratual. Em
outras passagens mereceram tratamento institutos jurtdicos dotados de efeitos
anilogos, a que abaixo faremos alusmo, explicando por que foram estudados j
parte.
Como todo negycio jurtdico, o contrato cumpre o seu ciclo existencial. Nasce do
consentimento, sofre as vicissitudes de sua carreira, e termina.
Normalmente, cessa com a prestaomo. A solutio p o seu fim natural, com a
liberaomo do devedor e satisfaomo do credor. Nmo cabe retornar ao assunto, ji
que sobre todos os aspectos do pagamento dissertamos nos ns. 152 e segs., supra
(vol. II). Nmo importa a natureza da soluomo, nem a sua forma. Na obligatio dandi
ou na obligatio faciendi, o cumprimento extingue a obrigaomo. Extingue o
contrato.
Umas vezes, o contrato p fulminado pela declaraomo de sua invalidade, quando
ocorre defeito na sua formaomo, de ordem subjetiva, de ordem objetiva ou de
ordem formal, impedindo o pleno desenvolvimento da declaraomo de vontade e
a produomo de seus efeitos. Da ineficicia, nas suas configurao}es todas, tratamos
nos ns. 108 e segs., supra (vol. I), bem como no n 187, neste volume.
Nmo nos deteremos no estudo das causas extintivas das obrigao}es, que por via de
conseqrncia dissolvem o contrato (De Page). Aludimos, em primeiro plano, j
rescismo, em casos e por motivos especiais. Os contratos revogam-se por fraude
contra credores, tanto no caso de insolvrncia do devedor civil, quanto no estado
de falrncia do mercantil. Mas nmo trataremos da postulaomo revocatyria e suas
conseqrncias, porque ji o fizemos no n 93, supra. Ao formularmos a teoria das
arras, mostramos (n 203, supra) que, embora como funomo acessyria, o nosso
direito atribui-lhes o cariter penitencial, o que permite aos contratantes a
faculdade de arrependimento, e conseqente desfazimento do vtnculo
contratual, mediante a sua perda ou restituiomo duplicada. Noutro campo p a
impossibilidade da prestaomo que, tanto na obrigaomo de dar quanto na de fazer,
autoriza a resoluomo, com perdas e danos se houver culpa do devedor, ou sem
ressarcimento se nmo a houver (v. ns. 133 e 135, supra, vol. II). Ao tratarmos da
inexecuomo das obrigao}es, mostramos que o caso fortuito e a foroa maior
importam em escusativas de responsabilidade (n 177, supra, vol. II), com
liberaomo do devedor, mesmo contratual, pois que casus a nullo praestantur. Nmo
retornaremos a esses assuntos.
Cabe aqui, portanto, cuidar tmo-somente das causas espectficas de terminaomo
da vida do contrato, deduzindo-as em termos singelos, pois que a ausrncia de
sistematizaomo e a preocupaomo com min~cias inconseqentes trm gerado a
obscuridade e mi compreensmo das teorias.2
213. Resiliomo voluntiria
Em longa e minuciosa exposiomo, mostramos como o acordo de vontades atua
na grnese do contrato. A vontade humana, declarada em conformidade com a
ordem jurtdica, p dotada de poder jurtgeno, portadora da faculdade criadora
deste ente negocial que p o contrato. E em seguida fixamos a sua foroa
obrigatyria. Uma vez perfeito, o contrato entra em fase de produomo de efeitos,
o primeiro dos quais p a instituiomo do nexo que vincula um ao outro
contratante, e estabelece a necessidade de seu cumprimento - pacta sunt
servanda.
Mas pode acontecer que, por motivos que variam ao sabor dos interesses das
partes, ou das injuno}es ambientes, ocorra a hipytese de convir que se impeoa a
produomo dos efeitos do contrato ainda nmo cumprido, ou nmo totalmente
executado.
A liberaomo dos contratantes opera-se, entmo, por via da resiliomo voluntiria.
Consiste na dissoluomo do vtnculo contratual, mediante atuaomo da vontade que
a criara. Pode ser bilateral ou unilateral.3
Resiliomo bilateral ou distrato, como o art. 472 do Cydigo denomina esta figura
jurtdica, p a declaraomo de vontade das partes contratantes, no sentido oposto ao
que havia gerado o vtnculo. e o contrarius consensus dos romanos, gerando o
contrato liberatyrio.4 Algumas vezes p chamada de m~tuo dissenso.5 Nmo nos
parece adequada a designaomo, pois que dissenso sugere desacordo, e esta
modalidade de ruptura do liame contratual resulta da harmonia de inteno}es,
para a obtenomo do acordo liberatyrio, tendo em vista obrigao}es ainda nmo
cumpridas.
O mecanismo de sua celebraomo p o que esti presente na do contrato: a mesma
atuaomo da vontade humana, dotada do poder de criar, opera na direomo oposta,
para dissolver o vtnculo, e restituir a liberdade jqueles que se encontravam
atados. Qualquer contrato pode cessar pelo distrato. Basta que o queiram as
partes, e estejam aptas a emitir a declaraomo de vontade liberatyria.
A lei determina, entretanto, a atraomo da forma (Cydigo Civil, artigo 472),
estatuindo que se faoa pela mesma exigida pela lei para contratar. Note-se que a
forma do distrato nmo deve necessariamente obedecer j que foi adotada no
contrato, como ocorria na vigrncia do Cydigo de 1916, mas sim a que a lei exige.
Assim, se um contrato de compra e venda que tem por objeto bem myvel foi
celebrado por instrumento p~blico, podeele se extinguir por distrato celebrado
por instrumento particular.
A pritica dos negycios sugere exame de situao}es especiais, onde falta a
observkncia desse requisito. Por acordo sumirio, as partes desfazem-se do
contrato, independentemente de obedirncia j forma: um comerciante que
restitui mercadorias ao fornecedor; um locatirio que desocupa a casa antes de
findo o prazo; o mutuirio que antecipa a soluomo da obrigaomo etc. Embora nmo
se observe a exigrncia formal, vale a atitude contriria, porque esti em jogo o
puro interesse das partes. Mas, se se tratar de ato sujeito j apreciaomo de
qualquer organismo estatal, nmo vinga o distrato sem observkncia da forma,
ainda que a adotada para o contrato tenha sido livremente escolhida. Nmo se
pode, por exemplo, dissolver um contrato de aquisiomo de aeronave mediante o
simples acordo verbal e a restituiomo do objeto do contrato. Necessiria seri a
forma escrita para que o distrato possa ser aprovado pela autoridade
competente, conforme determina a lei. O distrato produz efeitos normalmente
ex nunc, isto p, a partir do momento em que se ajusta, nmo retroagindo para
alcanoar as conseqrncias pretpritas, que smo respeitadas.6 Pode operar nova
transmissmo de propriedade, e esti sujeito a nova tributaomo.7
Resiliomo unilateral tem cariter de exceomo. Um dos defeitos do princtpio da
obrigatoriedade do contrato p, precisamente, a alienaomo da liberdade dos
contratantes, nenhum dos quais podendo romper o vtnculo, em princtpio, sem a
anurncia do outro (v. n 185, supra). Por isso p que o art. 473 do Cydigo somente
em casos excepcionais admite que um contrato cesse pela manifestaomo volitiva
unilateral. O comodato, o mandato, o depysito, pela sua prypria natureza, admitem
a resiliomo unilateral. Os contratos de execuomo continuada, quando ajustados por
prazo indeterminado, comportam a cessaomo mediante a den~ncia promovida por
um dos contratantes. Assim ocorre no fornecimento continuado de
mercadorias, ou em alguns tipos de locaomo . O contrato de trabalho, por prazo
indeterminado comporta a resiliomo unilateral, mas a Consolidaomo das Leis do
Trabalho manda observar o aviso prpvio, variivel em funomo do regime salarial
(art. 487).
e preciso ter em vista que os efeitos da resiliomo unilateral diferem dos da
bilateral. Esta importa na extinomo do contrato e de suas conseqrncias, tendo
por limites as convenirncias das partes e os direitos de terceiros. Aquela, nmo
obstante gerar a extinomo da relaomo contratual, compadece-se com a extensmo
de efeitos do contrato atingido.
Por esse motivo p que o parigrafo ~nico do art. 473 do Cydigo determina que
se, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos
consideriveis para a sua execuomo, a den~ncia unilateral sy produziri efeito
depois de transcorrido prazo compattvel com a natureza e o vulto dos
investimentos. Esta p uma novidade do Cydigo de 2002. O legislador poderia
ter determinado apenas o pagamento das perdas e danos sofridas pela parte
que teve prejutzos com a dissoluomo unilateral do contrato. Preferiu lhe atribuir
uma tutela espectfica, transformando o contrato que por natureza poderia ser
extinto por vontade de uma das partes, em um contrato comum, valendo essa
nova regra pelo prazo compattvel com a natureza e o vulto dos investimentos.
Caberi ao juiz determinar, com a ajuda da pertcia tpcnica se necessirio, o prazo
em que fica suspenso o direito da parte de resilir unilateralmente o contrato
sem qualquer motivaomo espectfica. O critprio legal p o de proporcionar j parte
prejudicada pela resiliomo unilateral a obtenomo do objetivo previsto no contrato,
de acordo com a natureza do contrato e dos investimentos realizados. Em um
comodato de imyvel sem prazo, por exemplo, nmo p razoivel que alguns dias
depois de o comodatirio se instalar, se admitir que o comodante solicite sem
qualquer justificativa decorrente de fato superveniente a sua imediata
restituiomo. Se o comodatirio realizou obras no imyvel para ocupi-lo, este prazo
ainda pode se estender por muito mais tempo.
Cabe a advertrncia, no entanto, de que nmo p a qualquer tipo de contrato que
essa regra do parigrafo ~nico do art. 473 tem incidrncia. Certos contratos, como
o mandato, admitem por sua natureza a resiliomo unilateral incondicional,
porque tem fundamento na relaomo de confianoa entre as partes. Nessas
hipyteses deve restar ao prejudicado apenas obter indenizaomo pelos danos
sofridos, sem a possibilidade de extensmo compulsyria da vigrncia do contrato.
Compreende-se na resiliomo voluntiria a declaraomo unilateral de vontade,
manifestada em conseqrncia de cliusula ajustada em contrato bilateral, e que
produz as conseqrncias do distrato. A notificaomo p unilateral, mas a cessaomo
do contrato p efeito da vontade bilateralmente manifestada. Esta circunstkncia
tem mesmo levado alguns autores a trati-lo como resiliomo convencional.8
Quando um contrato p celebrado intuitu personae, a impossibilidade da execuomo
sem culpa, como a morte daquele em consideraomo do qual se ajustou, tem
como conseqrncia a sua resiliomo automitica, dado que p insubstitutvel a parte
falecida. Esta cessaomo pode-se dizer resiliomo convencional ticita, por entender-se
que os contratantes o avenoaram com a cliusula impltcita de extinomo.9
214. Cliusula resolutiva: ticita e expressa
Aqui estamos cogitando da cessaomo do contrato - resoluomo - em conseqrncia
de ter o devedor faltado ao cumprimento da sua obrigaomo.
No antigo Direito romano, era desconhecida esta razmo de ruptura do nexo. Na
compra e venda, admitia-se, contudo, uma cliusula (lex commissoria) segundo a
qual se operava a resoluomo do contrato por falta de pagamento do preoo. Nos
contratos inominados, a atividade pretoriana criou mais tarde uma condictio,
pela qual um contratante se esquivava do prometido, j vista do
descumprimento da outra parte. Mas nunca chegou aquele Direito a elaborar o
meio tpcnico, em sentido geral, de promover a resoluomo do contrato pelo fato
de deixar a outra parte de efetivar a prestaomo a que era obrigado. Foi na Idade
Mpdia que se adotou a praxe de inserir em todo contrato uma lex commissoria,
pactuando a resoluomo por inadimplemento, e coube aos canonistas fazr-lo em
fortalecimento dos princtpios morais em respeito j boa-fp, proclamando que,
independentemente de sua inseromo expltcita, dever-se-ia presumir a vontade
de desfazr-lo, como puniomo contra o que o infringisse.
Os Cydigos modernos, no desenvolvimento da idpia, instituem o princtpio que
se denomina cliusula resolutiva ticita, imaginando-se que, em todo contrato
bilateral, a sua inexecuomo por uma das partes tem como conseqrncia facultar
j outra promover a sua resoluomo, se nmo preferir a alternativa de reclamar a
prestaomo, muito embora nmo tenham sido ajustadas estas conseqrncias.
Uma controvprsia sem trpgua divide os doutores a propysito de seu fundamento.
Alguns escritores vmo assenti-la na teoria da causa, sob a alegaomo de que, nos
contratos bilaterais, sendo a obrigaomo de uma parte a causa da da outra, e vice-
versa, o seu descumprimento importa em deixar a obrigaomo do outro
contratante nmo causada, e, em conseqrncia, o contrato resolve-se.10 A
explicaomo nmo satisfaz, nmo sy porque a adoomo da cliusula resolutiva ticita nmo
p incompattvel com os sistemas nmo causalistas (como o nosso), como ainda
porque o credor, optante por exigir do devedor inadimplente a execuomo do
obrigado, ao invps da resoluomo do contrato, procede em termos de prestigiar o
contrato, que nmo sofre, assim, os efeitos da ausrncia de causaomo. Por outro
lado, se a causa p erigida em elemento do negycio contratual, sua falta gera a
nulidade e nmo a resoluomo.11 Para Picard e Prudhomme, seu fundamento p a
eqidade, que se nmo compadece com a execuomo do contratoquando ocorre
desequiltbrio gerado pela inexecuomo.12
Para determinar a base teyrica da cliusula p preciso remontar j
interdependrncia das prestao}es. Desde que fique assentada, ressalta a
resoluomo por inexecuomo de um dos contratantes como conseqrncia natural.13
No tocante ao mecanismo de sua atuaomo, duas orientao}es doutrinirias se
desenham, com as respectivas repercuss}es legislativas. A primeira p a seguida
pelo direito alemmo (BGB, 326), por isto mesmo denominada sistema alemmo:
nos contratos bilaterais, um contratante pode assinar ao outro, que esteja em
mora, prazo para efetuar a prestaomo que lhe compete, sob pena de recusi-la
apys a sua expiraomo, resolvendo o contrato ou exigindo a reparaomo das perdas
e danos. A caractertstica essencial deste sistema p a desnecessidade de
pronunciamento judicial, operando a cliusula ticita a resoluomo do ajuste,
mediante a atuaomo direta do pryprio interessado. A segunda p a adotada no
Cydigo Civil francrs (art. 1.184) e conhecida como sistema francrs: descumprido
o contrato bilateral, abre-se uma alternativa ao lesado para exigir a sua
execuomo ou resolvr-lo com perdas e danos. Mas nmo cabe a atuaomo direta do
interessado. Somente p admisstvel a resoluomo mediante sentenoa, em que o juiz
aprecia a conduta do contratante acusado. O que o sistema francrs concede ao
interessado nmo p a resoluomo automitica da avenoa, porpm a legitimidade ad
causam para iniciar o processo judicial visando a este objetivo. O Cydigo francrs
vai mais longe, e ainda confere ao juiz a faculdade de conceder ao rpu um
prazo, conforme as circunstkncias.
Diante desta dupla orientaomo polttico-legislativa, inclinou-se o nosso Cydigo
pelo sistema francrs, o que, aliis, afina com os princtpios dominantes em nosso
direito anterior:14 a parte lesada pelo inadimplemento pode requerer a
resoluomo do contrato com perdas e danos (Cydigo Civil, art. 475).
Seguindo a orientaomo daparte geral, ao instituir a dogmitica das modalidades
do negycio jurtdico, o art. 474 do Cydigo disp}e que a condiomo resolutiva ticita
depende de interpelaomo judicial, com fixaomo de prazo para que a parte faltosa
efetue a prestaomo que lhe compete, sob pena de resolver-se o contrato, e
somente escoado ele p que caberi requerer a resoluomo (v. n 97, supra, vol. I).
Pronunciado o rompimento do vtnculo contratual, estendem-se os efeitos do ato
desfeito, com sujeiomo do inadimplente ao princtpio da reparaomo, que na forma
da regra comum deve ser ampla, compreendendo o dano emergente e o lucro
cessante.
Entre as duas orientao}es legislativas, ou os dois sistemas, parece-nos merecer
aplausos o sistema entre nys vigente, que, se pode ser acusado de procrastinar o
desfecho da resoluomo, na conformidade da lentidmo do curso processual,
oferece a utilidade de nmo sujeitar a estabilidade dos negycios aos caprichos ou
ao precipitado comportamento de um dos contratantes, interessado na ruptura
do vtnculo, e de submeter as circunstkncias da inexecuomo ou da mora j
apreciaomo imparcial e desapaixonada do Poder Judiciirio.
Nmo contentes com a cliusula resolutiva impltcita, as partes freqentemente
ajustam que a inexecuomo da obrigaomo importa na resoluomo de pleno direito. e
a adoomo da antiga lex commissoria, que as partes inserem como integrante do
pryprio negycio jurtdico, e que opera a ruptura do vtnculo como conseqrncia
da vontade mesma criadora deste. (No n 229, infra, trataremos do pacto
comissirio na compra e venda.) Aqui tratamos da cliusula resolutiva expressa.
Nmo hi, ao propysito, os mesmos problemas que acompanham a resoluomo
ticita e nem a parte que lhe sofre os efeitos tem motivos de queixar-se de seu
rigor, pois que foi ajustada expressamente, e aceita livremente a sua
conseqrncia.
Deixando o contratante de cumprir a obrigaomo na forma e no tempo ajustado,
resolve-se o contrato automaticamente, sem necessidade de interpelaomo do
faltoso (Cydigo Civil, arts. 474 e 128). e um efeito da mora ex re nas obrigao}es
ltquidas a prazo certo (v. n 173, supra, vol. II), que vem operar a resoluomo e
ainda sujeitar o inadimplente js perdas e danos. Mas p ybvio que somente o
contratante prejudicado pode invoci-la; o inadimplente nmo pode, pois nmo se
compadece com os princtpios jurtdicos que o faltoso vi beneficiar-se da prypria
infidelidade.15
Muito embora o regime do Cydigo Civil autorize a convenomo da cliusula
resolutiva expressa com o efeito de resoluomo pleno iure do contrato, sem
nenhuma restriomo, a necessidade de proteomo dos economicamente dpbeis tem
sugerido ao legislador a sua proibiomo quando interfere com a economia
popular, como no caso do imyvel loteado (Decreto-lei n 58, de 10.12.1937, e Lei
n 6.766, de 19.12.1979), em que a interpelaomo p sempre necessiria; ou no da
venda com reserva de domtnio, em que o protesto cambial do tttulo p requisito
essencial da aomo de apreensmo da coisa (Cydigo de Processo Civil, art. 1.071).
e preciso nmo confundir a resoluomo do contrato por atuaomo da cliusula
resolutiva (ticita ou expressa) com a declaraomo de sua invalidade (nulidade ou
anulabilidade). A resoluomo pressup}e um negycio jurtdico vilido, e tem como
conseqrncia liberar os contratantes, sem apagar de todo os efeitos produzidos
pela declaraomo de vontade. Se p certo que opera retroativamente, nmo faz
abstraomo do negycio jurtdico desfeito. Assim p que, nos contratos de execuomo
sucessiva, nmo se restituem as prestao}es efetuadas (art. 128); nas demais, nmo se
entrega a res debita, porque a relaomo jurtdica deixa de existir, mas aquele que di
causa j ruptura arcari com as perdas e danos, ou com a cliusula penal se tiver
sido estipulada. A ineficicia pressup}e, ao revps, uma declaraomo de vontade
inoperante, portadora de um defeito de ordem subjetiva, ou formal, e o
desfazimento pode ter efeito ex tunc (nulidade), fulminando-a desde a origem,
ou ex nunc (anulabilidade), atingindo-o a partir da sentenoa, mas sem sujeitar
qualquer dos contratantes a perdas e danos ou j incidrncia da multa
convencionada.
215. "Exceptio non adimpleti contractus"
O contrato bilateral caracteriza-se pela reciprocidade das prestao}es. Cada uma
das partes deve e p credora, simultaneamente. Por isto mesmo, nenhuma delas,
sem ter cumprido o que lhe cabe, pode exigir que a outra o faoa. A idpia
predominante aqui p a da interdependrncia das prestao}es (De Page).
Dat se origina uma defesa opontvel pelo contratante demandado, contra o co-
contratante inadimplente, denominada exceptio non adimpleti contractus, segundo
a qual o demandado recusa a sua prestaomo, sob fundamento de nmo ter aquele
que reclama dado cumprimento j que lhe cabe (Cydigo Civil, art. 476). O BGB
enuncia regra aniloga. Mas, ainda nos sistemas que nmo a proclamam em
termos espectficos, a regra vigora como decorrrncia natural da teoria do
contrato sinalagmitico.16 A palavra exceptio esti usada aqui como defesa
genericamente, e nmo como exceomo estrita da tpcnica processual. e uma causa
impeditiva da exigibilidade da prestaomo por parte daquele que nmo efetuou a
sua, franqueando ao outro uma atitude de expectativa, enquanto aguarda a
execuomo normal do contrato.17
Enorme controvprsia divide as autoridades quanto j origem da exceomo de
contrato nmo cumprido. Frederic Girard, romanista extmio, defende com calor a
tese de sua origem romana.18 Em oposiomo, Cassin, em monografia
especializada, nega esta genealogia, e atribui aos canonistas a sua elaboraomo. Se
p certo que, nos contratos bonae fidei, ao contratante acionado pelo que nmo havia
executado a sua parte se reconhecia uma exceptio doli,19 que seria o germe da
exceptio non adimpleti contractus, certo p, tambpm, que a existrncia de uma
correlaomo de dependrncia funcional entre as prestao}es rectprocas nos
contratos bilaterais nmoapareceu senmo no spculo II de nossa era,20 o que leva a
concluir que, como instituto desenvolvido e dotado de efeitos espectficos, a
exceptio non adimpleti contractus se deveu j elaboraomo dos canonistas, e nmo aos
jurisconsultos romanos.21
Mais apuradamente se assenta o princtpio, atendendo-se a que cada um dos
contratantes esti sujeito ao cumprimento estrito das cliusulas contratuais, e, em
conseqrncia, se um nmo o faz de maneira completa, pode o outro opor-lhe em
defesa esta exceomo levada ao extremo de recusar a res debita se, cumprido
embora o contrato, nmo o fez aquele de maneira perfeita e cabal - exceptio non
admpleti rite contractus, vale dizer que deixa de prestar e a isto se nmo sente
obrigado, porque a inexatidmo do implemento da outra parte equivale j falta de
execuomo. Nmo pode, porpm, ser levada a defesa ao extremo de acobertar o
descumprimento sob invocaomo de haver o outro deixado de executar parte
mtnima ou irrelevante da que p a seu cargo.22
Sendo o instituto animado de um sopro de eqidade, deve j sua invocaomo
presidir a regra da boa-fp, nmo podendo erigir-se em pretexto para o
descumprimento do avenoado. Assim p que, se ambas as prestao}es trm de ser
realizadas sucessivamente, p claro que nmo cabe a invocaomo da exceptio por
parte do que deve em primeiro lugar, pois que a do outro ainda nmo p devida;
mas, ao que tem de prestar em segundo tempo, cabe o poder de invoci-la, se o
primeiro deixou de cumprir. Sendo simultkneas, a sua interdependrncia
funcional autoriza a recusa, sob alegaomo de falta de cumprimento pois que non
servanti fidem non est fides servanda.
Conseqrncia, ainda, do mesmo princtpio da interligaomo orgknica das
prestao}es p a concessmo feita pelo Cydigo (art. 475), ao contratante que tiver de
fazer a sua prestaomo em primeiro lugar, outorgando-lhe o direito de recusi-la
se, depois de conclutdo o contrato, sobrevier ao outro contratante alteraomo nas
condio}es econ{micas, capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestaomo a
que se obrigou. e claro que a medida p excepcional, pois que, ajustadas
prestao}es combinadas, nmo justifica a recusa de um o fato de nmo haver ainda
prestado o outro. e o pryprio contrato que o estabelece, mas nmo quer a ordem
jurtdica que aquele dos contratantes que tem de pagar primeiro fique exposto a
risco anormal. Desde que saiba, ou tenha raz}es plaustveis de presumir
(protesto de tttulo, pedido de moratyria ou de concordata etc.), que a
diminuiomo patrimonial do outro faoa duvidar da contraprestaomo esperada,
cessari o pagamento ou reteri a execuomo, atp que se lhe dr a soluomo devida,
ou garantia suficiente de que seri efetivada no momento oportuno. Nmo hi
predeterminaomo de garantia. Pode ser de qualquer natureza, real ou
fidejussyria. Mas p necessirio que se trate de garantia bastante. Uma vez
prestada esta, a exceomo caduca, e a prestaomo suspensa tem de ser cumprida.23
216. Resoluomo por onerosidade excessiva. 7eoria da imprevismo
Passada a fase do esplendor individualista, que foi o spculo XIX, convenceu-se o
jurista de que a economia do contrato nmo pode ser confiada ao puro jogo das
competio}es particulares. Deixando de lado outros aspectos, e encarando o
negycio contratual sob o de sua execuomo, verifica-se que, vinculadas as partes
aos termos da avenoa, smo muitas vezes levadas, pela foroa incoerctvel das
circunstkncias externas, a situao}es de extrema injustioa, conduzindo o rigoroso
cumprimento do obrigado ao enriquecimento de um e ao sacriftcio de outro.
Todo contrato p prevismo, e em todo contrato hi margem de oscilaomo do ganho
e da perda, em termos que permitem o lucro ou prejutzo. Ao direito nmo podem
afetar estas vicissitudes, desde que constritas nas margens do ltcito. Mas,
quando p ultrapassado um grau de razoabilidade, que o jogo da concorrrncia
livre tolera, e p atingido o plano de desequiltbrio, nmo pode omitir-se o homem
do direito, e deixar que em nome da ordem jurtdica e por amor ao princtpio da
obrigatoriedade do contrato um dos contratantes leve o outro j rutna completa,
e extraia para si o miximo beneftcio. Sentindo que este desequiltbrio na
economia do contrato afeta o pryprio conte~do de juridicidade, entendeu que
nmo deveria permitir a execuomo rija do ajuste, quando a foroa das circunstkncias
ambientes viesse criar um estado contririo ao princtpio da justioa no contrato. E
acordou de seu sono milenar um velho instituto que a desenvoltura
individualista havia relegado ao abandono, elaborando entmo a tese da resoluomo
do contrato em razmo da onerosidade excessiva da prestaomo.
Com efeito, se o Direito Romano nmo transigia com os conceitos tradicionais, os
juristas da Idade Mpdia, atentando em que nos contratos de execuomo diferida o
ambiente no momento da execuomo pode ser diverso do que existia no da
celebraomo, sustentaram, acreditando-se fundados em um texto de Neratius,24
em torno da aplicaomo da condictio causa data causa non secuta, que o contrato
devia ser cumprido no pressuposto de que se conservassem imutiveis as
condio}es externas, mas que, se houvesse alterao}es, a execuomo devia ser
igualmente modificada: "Contractus qui habent tractum successivum et
dependentiam de futuro rebus sic stantibus intelliguntur". A teoria tornou-se
conhecida como cliusula rebus sic stantibus, e consiste, resumidamente, em
presumir, nos contratos comutativos, uma cliusula, que nmo se lr expressa, mas
figura impltcita, segundo a qual os contratantes estmo adstritos ao seu
cumprimento rigoroso, no pressuposto de que as circunstkncias ambientes se
conservem inalteradas no momento da execuomo, idrnticas js que vigoravam no
da celebraomo.
s inclinao}es moralizantes do direito do contrato, vigentes no pertodo
medieval, foi muito cara esta doutrina. Mas com o tempo perdeu presttgio, atp
que no spculo passado foi totalmente relegada. Os juristas que escreveram no
comeoo do spculo XX, e ainda alguns de nossos dias, revelam sua indisfaroivel
ojeriza por ela. Nmo obstante isto, larga corrente de pensamento retoma-a com
carinho. Prestigia-a, no direito privado, uma vez que no Internacional P~blico
sempre teve defensores.
A I Guerra Mundial (1914-1918) trouxe completo desequiltbrio para os contratos
a longo prazo. Franqueou beneftcios desarrazoados a um contratante, em
prejutzo do outro. Afetou a economia contratual, com prejutzo para a economia
geral. Procurando coibi-lo, votou a Franoa a Lei Faillot, de 21 de janeiro de 1918,
sobre os contratos de fornecimento de carvmo, conclutdos antes da guerra e
alcanoados por ela; ao mesmo tempo imaginou-se na Inglaterra a doutrina da
Frustration of Adventure; retomou-se na Itilia a cliusula rebus sic stantibus;
reconstituiu-se por toda parte o mecanismo da proteomo do contratante contra a
excessiva onerosidade superveniente.25 O movimento doutrinirio, sem
embargo de opositores tenazes, pendeu para a consagraomo do princtpio da
justioa no contrato, a princtpio como revivescrncia da cliusula rebus sic
stantibus, que alguns escritores entre nys trm procurado subordinar j incidrncia
da foroa maior e do caso fortuito (Jomo Franzen de Lima), mas que se
desprendeu e aloou v{o pelas alturas.
Por muito tempo, a Justioa lhe resistiu. Segundo o depoimento dos mais
atualizados escritores, alguns tribunais franceses trm admitido a tese
revisionista, mas a Corte de Cassaomo jamais transigiu na proclamaomo da foroa
obrigatyria do contrato; enquanto isto, a jurisprudrncia administrativa do
Conseil d·etat aceita a revismo dos contratos de execuomo de servioos p~blicos.26
A primeira palavra francamente favorivel j tese, entre nys, foi de Jair Lins,27
como desenvolvimento da teoria da vontade no negycio jurtdico. Mas, a
princtpio, a resistrncia de nossos tribunais foi total. Em 1930 veio a lume
famoso julgado de Nplson Hungria,28 abrindo a portado pretyrio js novas
tendrncias do pensamento jurtdico. E, depois deste, diversos outros surgiram,
ora admitindo em casos especiais a sua aplicaomo, ora aceitando-a em linhas
estruturais generalizadas.29
Entre os nossos juristas anteriores ao Cydigo de 2002, sem embargo dos
opositores impenitentes, e dos civilistas que confessavam nmo lhe serem
contririos em tese, mas que resistiam j sua invocaomo na ausrncia de texto
expresso, houve uma corrente que dia a dia se espraiou e ganhou novos
adeptos, defensores de sua plena compatibilidade com a orientaomo geral de
nosso direito positivo entmo vigente: Jair Lins, Mendes Pimentel, Epiticio
Pessoa, Si Pereira, Eduardo Esptnola, Eduardo Esptnola Filho, Bento de Faria,
Jaime Landim, Jorge Americano, Arnoldo Medeiros da Fonseca, Abgar Soriano,
Caio Mirio da Silva Pereira, Amtlcar de Castro, Nop Azevedo, Costa Manso,
Artur Ribeiro, Lino Leme, Cunha Melo, San Tiago Dantas, Ataulfo de Paiva,
Osvaldo de Carvalho Monteiro, Otivio Kelly, Pedro Batista Martins, Paulo
Carneiro Maia, Artur Rocha, Gabriel Resende, Josp Linhares, Neemias Gueiros,
Washington de Barros Monteiro, Emmanuel Sodrp, Filadelfo Azevedo, Vicente
Rao, Caio Ticito, Francisco Campos, Orlando Gomes, Alcino Salazar, Serpa
Lopes, Almeida Paiva, Amaral Gurgel, Temtstocles Cavalcknti, Serrano Neves,
Tito de Oliveira Hesketh.
Os escritores, tanto entre nys quanto no estrangeiro, procuraram adaptar a
velha cliusula rebus sic stantibus js condio}es atuais. Fr-lo Osti, com a teoria da
supervenirncia; fr-lo Larenz, com a da base do negycio jurtdico; fr-lo Giovene, com
a teoria do erro; fr-lo Naquet, com a invocaomo da boa-fp. A que, a nosso ver,
melhor atende js injuno}es sistemiticas p a da imprevismo, aqui afeiooada e
difundida por Arnoldo Medeiros da Fonseca.
A discussmo sobre a incidrncia da chamada teoria da imprevismo no direito
brasileiro ji tinha sido em parte resolvida pelo Cydigo do Consumidor (Lei n
8.078/90), que no seu art. 6, V, erigiu como princtpio da relaomo de consumo o
do equiltbrio econ{mico do contrato, explicitando ser direito do consumidor a
modificaomo das cliusulas contratuais que estabeleoam prestao}es
desproporcionais ou sua revismo em razmo de fatos supervenientes que as
tornem excessivamente onerosas. O Cydigo Civil de 2002 resolveu de vez o
problema ao disciplinar a resoluomo por onerosidade excessiva nos seus arts.
478 a 480.
Admitindo-se que os contratantes, ao celebrarem a avenoa, tiveram em vista o
ambiente econ{mico contemporkneo, e previram razoavelmente para o futuro,
o contrato tem de ser cumprido, ainda que nmo proporcione js partes o
beneftcio esperado. Mas, se tiver ocorrido modificaomo profunda nas condio}es
objetivas coetkneas da execuomo, em relaomo js envolventes da celebraomo,
imprevistas e imprevistveis em tal momento, e geradoras de onerosidade
excessiva para um dos contratantes, ao mesmo passo que para o outro
proporciona lucro desarrazoado, cabe ao prejudicado insurgir-se e recusar a
prestaomo. Nmo o justifica uma apreciaomo subjetiva do desequiltbrio das
prestao}es, porpm a ocorrrncia de um acontecimento extraordinirio, que tenha
operado a mutaomo do ambiente objetivo, em tais termos que o cumprimento do
contrato implique em si mesmo e por si sy o enriquecimento de um e
empobrecimento do outro. Para que se possa invocar a resoluomo por
onerosidade excessiva p necessirio ocorram requisitos de apuraomo certa,
explicitados no art. 478 do Cydigo Civil: a) vigrncia de um contrato de execuomo
diferida ou continuada; b) alteraomo radical das condio}es econ{micas objetivas
no momento da execuomo, em confronto com o ambiente objetivo no da
celebraomo; c) onerosidade excessiva para um dos contratantes e beneftcio
exagerado para o outro; d) imprevisibilidade daquela modificaomo.30
O contratante prejudicado ingressari em jutzo no curso de produomo dos efeitos
do contrato, pois que se este ji estiver executado nmo tem mais cabimento
qualquer intervenomo. e igualmente necessirio que o postulante exija em Jutzo a
resoluomo do contrato. Mesmo em caso de extrema onerosidade, p vedado ao
queixoso cessar pagamentos e proclamar diretamente a resoluomo. Teri de ir j
Justioa, e esta deveri apurar com rigor os requisitos de aplicaomo da teoria
revisionista.
Uma vez concedida, opera a liberaomo do devedor. As prestao}es efetuadas
antes do ingresso em jutzo nmo podem ser revistas, mesmo comprovada a
alteraomo no quadro econ{mico, porque a solutio espontknea do devedor
produziu os seus naturais efeitos. Como, porpm, nmo p posstvel ao contratante
cessar pagamento ou recebimento, a pretexto de onerosidade excessiva, pois
que a intervenomo na economia do contrato p obra da Justioa, as prestao}es
dadas ou recebidas na pendrncia da lide estarmo sujeitas a modificaomo na
execuomo da sentenoa que for proferida. Se o nmo fossem, o princtpio de justioa
estaria ferido, uma vez reconhecida a onerosidade excessiva e mesmo assim
proclamada a intangibilidade da prestaomo realizada. Demais disso, a lentidmo
do processo judicial poderia dar num resultado contradityrio, vindo a sentenoa
a decretar a resoluomo por aplicaomo da teoria no momento em que o contrato ji
estivesse com o seu curso de efeitos encerrado.
O Cydigo Civil italiano de 1942 (art. 1.467), ao disciplinar o instituto,
concedendo ao prejudicado a aomo resolutyria, abre ao beneficiirio a
oportunidade de evitar este desenlace oferecendo a modificaomo eqitativa das
condio}es de execuomo. Esta soluomo, que foi adotada expressamente no art. 479
do Cydigo Civil de 2002, merece aplausos porque concilia o princtpio da
autonomia da vontade com a intervenomo estatal que p sempre, no atual regime,
uma exceomo. O que a lei concede ao contratante p a resoluomo. A alteraomo das
cliusulas de cumprimento seri iniciativa do credor, que voluntariamente
aquiesce em oferecer oportunidade de soluomo menos onerosa ao devedor,
como meio de salvar a avenoa.
Nunca haveri lugar para a aplicaomo da teoria da imprevismo naqueles casos em
que a onerosidade excessiva provpm da ilea normal e nmo do acontecimento
imprevisto, como ainda nos contratos aleatyrios, em que o ganho e a perda nmo
podem estar sujeitos a um gabarito predeterminado.
Capttulo ;/9 - Compra e 9enda e 7roca
6umirio: 217. Conceito e anilise da compra e venda. 218. Coisa.
Suas qualidades. 219. Preoo. Seus caracteres. 220. Consentimento.
Restrio}es. 221. Efeitos da compra e venda. 222. Risco. 223.
Promessa de compra e venda. 224. Troca.