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conceitos, diálogos
e práticas
2a edição
o urbanismo:
pensamento "fraco" e pensamento prático *
Yves Chalas
DEBRUÇAR-SE hoje sobre a prática do urbanismo e, sobretudo, sobre
a governança das cidades é, em primeiro lugar, constatar que existe
um florescimento de elementos novos que interferem nesta prática,
que até mesmo a determinam ou orientam e a transformam. São eles:
- o papel menos diretivo evoluntarista do poder público, Estado
ou coletividades locais;
- a descentralização num modo de ação pública não apenas
menos centralizado, mas menos tecnocrático e menos rígido;
- a perda dos modelos de referência e o refluxo das utopias;
- o declínio do planejamento e, em contrapartida, o progresso
do processo de se fazer um projeto indissociável da ideia de progra-
mação aberta;
* Tradução de Elson ManoeI Pereira e Alzira Krebs. Revisão de Stella Maris Meira
da Veiga.
21
a muli iplicaç.to dos atores e das inxt.u « 1,1',pll"Sl"t1tcsno clmpo
do urbano e correlativamente a emergência t1CSIl"mesmo campo de
novas especialidades;
- a descompartimentalização das competências e, com ela, a
construção de novos saberes, transversais, que entrecruzam ou integram
enfoques diferentes e que partem dos setores ou campos anteriormente
bem herméticos uns em relação aos outros, como o social e o meio
ambiente, o emprego e a cidade, ou ainda a mobilidade da cidade etc.;
- o aumento dos conflitos e dos protestos que emanam da vida
associativa.
Uma pergunta se coloca desde então: todos estes elementos
novos não significariam ou não terminariam, por intermédio de seus
efeitos cumulativos ou de inter-relações, por substituir o poder público
pela governança urbana? A expressão governança urbana traduz o esta-
do atual da prática urbanística? Seria suficiente observar um ou vários
ou mesmo o conjunto destes elementos novos em funcionamento na
produção da cidade para concluir que a temática da governança urba-
na é doravante a única que merece atenção e reflexão? Esta temática
aparece explicitamente na prática urbanística?
A resposta é imprecisa. A governança urbana não constitui a
única perspectiva de adaptação possível do urbanismo às no,:,as reali-
dades do mundo, se o termo de governança urbana é entendido como
um modo de produção e de regulação da cidade fundado na parceria
projeto público-privado, isto é, na negociação das operações urbanas
entre os representantes do poder público e, no essencial, os agentes
econômicos. Tal governança urbana não se daria sem vantagens reais,
tampouco sem mais inconveniências. No registro de seus inegáveis
predicados ela apresentaria, sobretudo, o da eficácia. Pela confrontação
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tllll 111'1111("Pl'S,Il:ISdo Sl'tOI pllhllllll dll ,('1111pl iv.ulo ela permitiria a
111)'I 11.1Iv11I Id:IOliuc iIllpOCtll os 1111',111l11(), d:ls d ivcrsas mediações, do
1'1111111\',1111)tttlbcionúrio e dos coullitos sociais. E, neste último ponto,
I I" ,\ I 111.1\1\:1s 'ria particularmente positiva e bem-vinda, sobretudo na
I 1.1\11,.1,pois ela assinalaria a passagem progressiva de uma cultura do
11\11111111,I lima cultura da negociação (Gaudin; Novarina, 1997). No
I1)',1',111)IIq!;<ltivode seus limites e de seus inconvenientes a governança
1111.,1\1:1.iparcccria como um risco, até mesmo como uma ameaça p.ara
I ,I, 11li »racia e a cidadania, o interesse público ver-se-ia reconduzldo
,I 11111i ti [cresse de categorias, entre outros, no jogo da ação negociada
I 11111'parceiros do público e do privado. Ao risco de uma ~egener~ção
11.1Ilq!,ociação em negociata dos interesses públicos havena tambem o
11',\o 'de uma despolitização da vida local, significando uma confusão
I \to Iitiitiva entre democracia e gestão1, havendo também o risco de
'oI'1I'ição das cidades unicamente à lógica econômica, tudo isso em
111une do realismo, do pragmatismo e da eficácia",
O urbanismo, tal qual se pratica, engajou-se em outra pers-
l)l'ctiva que não a da governança urbana? O urbanismo sem ~rojeto,
\ orno a governança urbana, integra os elementos novos emergldo~ da
evolução das cidades, das mentalidades e das instituições, em muitos
aspectos até mesmo se parece com a governança urbana, mas a .ela nã~
se reduz porque o urbanismo não se submete à lógica do projeto e a
construção de uma hegemonia à qual a governança urbana se converte.
O urbanismo sem projeto difere da governança urbana notadamente
1 A democracia emerge da escolha relativamente clara e legitimada pelo jog? eleitoral
entre princípios diferentes ou opostos; a gestão emerge do compromiSSO entre
princípios diferentes ou opostos.
2 Para uma crítica da governança urbana, ver Wachter (1997),
23
pelo fato de que ele mio leva a vida local à li 'spnllt 1/:1\';[0 e à sujeição
à produção de imagens técnicas, ao contrário, ele se inscreve em uma
tentativa de repolitização da vida urbana, apresentando-se, por exem-
plo, como uma oferta de política, de conceitualização do conflito para
os habitantes. O urbanismo sem projeto, o urbanismo em liberdade,
distingue-se da governança urbana pelo fato de não limitar a nego-
ciação, muito menos a busca de solução na produção e na regulação
da cidade, numa troca entre especialistas, políticos, técnicos e agentes
econômicos. Ele abre esta busca coletiva de solução aos habitantes e
a "quaisquer" usuários, seja qual for o seu bairro de origem, com igual
respeito para todos. Enfim, este verdadeiro urbanismo não faz do in-
teresse geral uma ficção, nem o esquece. Sem projeto imaginário, ele
não é ausência de projeto, mas exigência quanto à maneira de fazer
projeto; é outra maneira de se preocupar com o interesse geral, em
que se dá tempo e espaço para compô-lo.
A pesquisa de campo mostra este urbanismo que questiona a
transformação ou a evolução da prática urbanística em funcionamento,
Chambéry, Grenoble e suas respectivas aglomerações nos oferecem tais
campos, porque estas cidades constituem há muito tempo verdadeiros
laboratórios urbanísticos, do mesmo modo que Dunkerque ou Lille,
por exemplo, nos informam sobre a refundação da coisa urbanística,
isto é, sobre o novo imaginário de planejamento e suas possibilidades
(Chalas; Gaudin; Genestier, 1998),
Há a concepção de urbanismo sem projeto, ou com pensa-
mento fraco, ou, ainda, urbanismo com referencial fraco ou frio. Para
compreendê-Ia como uma forma de desenvolvimento da ação pública
na prática é necessário entender o pensamento fraco ou prático. O que
é preciso entender por pensamento fraco? É o contrário de um pen-
samento simples, de um pensamento repleto de certezas e orientado
para perspectivas de futuro claramente traçadas. Um pensamento fraco
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o espaço urbano e as estratégias
de planejamento e produção da cidade
Arlete Moysés Rodrigues
Ille rodução
( ) pl.ANEJAMENTO tenta criar um mundo como ele deveria ser e não
I 111110 ele é. Propõe metas para o futuro. Trata-se de uma condição
.1.1 produção compulsiva e viciosa da modernidade. O planejamento
,( Iorial, territorial, urbano, rural, ambiental visa um mundo de ordem,
111' formas "adequadas" de apropriação do território, da produção do
(·.paço.Tem como meta o desenvolvimento, o progresso.
No planejamento tradicional os problemas existentes são tidos
I c lIDO desvios do modelo idealizado, que existe apenas nas matrizes
.hscursivas do saber competente.
O planejamento urbano tem como objetivo a cidade ideal, a
ocupação harmônica e integrada das áreas urbanas, o progresso, o
(I .senvolvimento das cidades. Raramente há ênfase à cidade real, à
vida da população nas cidades.
Os instrumentos de planejamento urbano obedecem a normas
I' diretrizes de propriedade da terra, aos interesses de mercado, às
121
idcias de padrão de vida moderno, SIIt\pldll ,1I1l1():ISpossibilidadt's di
compreensão, As contradições ficam ocult as Jlar.t colocar "ordem" 111 I
traçado deruas, avenidas, circulação, definição de lotes, mantendo
sempre a propriedade da terra e das edificações. Os "pobres" dev '111
ficar em lugares não visíveis para não atrapalhar a ordem prevista no
planos e metas,
A complexidade de relações societárias, as contradições, conflitos,
de apropriação, posse e propriedade da terra não são considerados.
Qualquer elemento que demonstre falta de ordem é um problema a 'I
resolvido com a sua exclusão. Os problemas são enunciados de forma
simplista, como: a população cresceu mais do que os equipamentos
urbanos, as favelas são um câncer, os cortiços precisam ser erradicados,
" b " dos po res o evem ser.
Mas o mundo não é ordenado e nem caótico. Ordem e desordem ,
contradições, conflitos, embates constituem a realidade das formas d '
apropriação, propriedade e posse do território, do espaço, das riqueza
naturais, dos meios de produção e das relações societárias.
José Saramago, no romance Ensaio sobre a cegueira, mostra como
numa grande cidade algumas pessoas ficam súbita e inexplicavelmente
cegas. A cegueira é contagiante; assim, o primeiro grupo de cegos é
isolado com guardas para vigiá-Ios. Em poucos dias, porém, todos ficam
cegos. A luta pela sobrevivência é acirrada, dolorosa e desconhecida.
São desventuras de uma sociedade que, acostumada a uma única
forma de perceber o mundo, é levada a depender dos demais sentidos
para tentar sobreviver. O isolamento é semelhante ao que se faz com
problemas como "favelas, cortiços, ocupações", que devem ser escon-
didos. A cegueira generalizada pode ser comparável ao planejamento
simplificador, que tem como base uma falsa harmonia. A cidade ideal
é o local de troca, de realização de acontecimentos, da ciência, do co-
122
------------------ - -
,ti". 11lH'1l1(),t' pI:IIICj:ld:l,St'1l1!lnlllc', c' ',C'IIIIlIll1ll"I,a,com alto padrão
ti. '1ll.dldadc de vida.
Na cidade real, os agentcs capitalistas da produção do espaço
11ti I,IIl() têm, entre si, contradições e conflitos, pois procuram obter
111111li renda, lucro e juros. A produção e o consumo do espaço urbano
1.\11' k-ccm à lógica dos agentes tipicamente capitalistas: os proprietários
.1. ('I rus, os promotores imobiliários, os setores industriais ligados aos
1II',III110Spara a produção na e da cidade, a indústria de edificações, o
,I I,.r de incorporação imobiliária e o capital financeiro. A segregação
• li I<.cspacial, a poluição da água, do ar, a falta de moradia, saneamento
uuhicntal, equipamentos de consumo coletivo, transportes coletivos,
I I',I ongestionamentos, as moradias inadequadas, insalubres constituem
,d)',lIt1selementos da cidade real.
O Estado, em geral, é mediador de conflitos, e o planejamento
11.1rcce uma solução para resolver os problemas. Ao Estado capitalista,
1 11Isuas diversas instâncias, cabe definir a propriedade da terra, as nor-
mas de apropriação e uso da terra e fornecer os meios para a produção
.unpliada do capital e para a reprodução da força de trabalho.
Qyanto mais a cidade se produz, mais caro é o preço da terra
I' das edificações, tornando inacessível o ideal para a maior parte dos
\11Iemoram nas cidades. A terra urbana e a cidade não são mercadorias
elásticas. Não diminuem de preço quando há maior oferta de terras e
de unidades de moradia. É o que se observa na expansão da área urba-
na dos municípios, na de infraestrutura e meios de consumo coletivo.
.ferras desocupadas, imóveis construídos vazios são concomitantes ao
déficit habitacional e à precariedade de moradias.
A morfologia do urbano real revela contradições e conflitos de
classes e parcelas de classes que vivem da venda da força de trabalho
ou do produto do seu trabalho sem acesso ao padrão de vida urbano
e à urbanidade.
123
Cidade c urbano
o URBANO é um conceito que qualifica um modo de vida, que hoi
atinge a maioria da sociedade brasileira. As atividades urbana' ,
trapolam os limites das cidades, como é possível verificar em vári 1
atividades como o agronegócio, atividades turísticas, na utilização ti .
áreas inundadas para a produção de energia elétrica.
A relação campol cidade, rural/urbano na atual dinâmica pre i. 1
ser relativizada, tendo em vista as diferenças socioespaciais das regi ~ ,
brasileiras. A sociedade rural se recria e requalifica, traz novos conte
údos necessários para a construção de novos paradigmas. O urbano
não é uma realidade acabada, mas um horizonte de transformaçõ 'S
territoriais, sociais, políticas e econômicas que se difunde em fiux s
materiais e imateriais. Campo e cidade, rural urbano não têm oposíçã ,
e sim complementaridade.
A cidade deve ser compreendida como forma espacial e lugar
de concentração da produção, circulação, consumo de bens e serviços.
A cidade, que concentra e difunde o urbano, é um centro de decisão
política.
A cidade intensifica, organizando a exploração de toda a socie-
dade. Isto é dizer que ela não é o lugar passivo da produção ou
da concentração dos capitais, mas sim que o urbano íntervém
como tal na produção. (Lefebvre, 1999, p. 57).
Cidade é definida como a projeção da sociedade urbana em um
dado lugar. Política e territorialmente as cidades são sedes político-
-administrativas dos municípios.
Para compreender a dinâmica societária consideramos que con-
ceito é aplicável ao urbano, exprimindo a complexidade do processo de
124
1I1'I1I1/,I\,I(),:I cxtcnsno de 11111111111111d, \111.1110t'spa\·o. Dcfiniçao é
11ti II ,1\1'1:Icidade, considerando li \ I(' do pOli I()de vista da ação política
I' 111111('analisar a concentraçuo da pOpll luçao urbana nas metrópoles,
I 111'I, ", Ilcquenas, médias concentrações de população, e que é objeto
I" I,LlIll'jamento urbano.
/\s cidades, como definição, correspondem às áreas urbanas dos
'"11111\ ipios. União, estados e municípios têm superposição de atribui-
'" " \ k planejar, estabelecer normas de uso do solo; as diversas esferas
I" , .i pi tal investem no que podem obter maior renda, juros e lucros,
11.1,Ilt'ndentemente das normas gerais. Há uma problemática que se
I' I, I(';'t fragmentação do território brasileiro em 5.561 municípios, ca-
,1,111111deles "planeja" sua área urbana, na maioria das vezes sem atentar
11.11:1~)atendimento das reais necessidades da maioria da população.
A criação de municípios, por desmembramento de outros, impli-
I I1dl' limitar novas áreas urbanas, instalar um arcabouço institucional
'111('nem sempre corresponde à necessidade e à realidade econômica
I ',ocial. Os empreendimentos privados ou públicos interferem, deli-
uur.un, incentivam a ocupação de áreas urbanas com a instalação de
, I1Stritos industriais, estradas in termunicipais, estaduais, vias de acesso,
usinas hidroelétricas, entre outras.
A dimensão mais problemática está relacionada aos agentes
I rpicamente capitalistas da produção do espaço. É comum a ampliação
"desnecessária" das áreas urbanas pelo poder municipal, para a obten-
po de recursos advindos do Imposto Predial e Territorial Urbano.
No entanto a forma mais "usual" é a ampliação da área urbana pela
.uuação dos promotores, especuladores imobiliários, proprietários de
terra, que a utilizam como reserva de valor. Desde o final do século
XX, verifica-se a implantação de condomínios "murados", descontínuos
do tecido urbano, destinados a uma camada de classe que se isola de
outras camadas de classes, da vida na cidade, o que provoca aumento
125
do preço nas áreas vazias, nis(:tlI/,II ,lI) / I' I, (' ou ,IIIIP I;I,'ao (l' l"Sp.II,I)
segregados nas cidades,
Tabela 1 - Domicílios particulares permanentes por situação 1991 c O()()
~ituação 1991 % 2000 ti ti
Area urbanizada de vila ou cidade 27.330.309 77,2 37.240.297 HI,H
Área não urbanizada 183.784 0,5 338.343
A
' ()"
rea urbanizada isolada 183.758 0,5 238.386 0,1)
Rural- extensão urbana 311.087 0,9 276,519 0,11
~ural- povoado697.391 2,0 781.014 1,7
ural- núcleo 43.476 0,1 35.664
R al 0,1
ur - outros aglomerados 12.229 0,0 24.534 O 1
Rural- exclusive aglomerados rurais 6.655.619 18,8 6.527.779 14' I
Fonte: IBGE, Censo Demográfico (1991,2000); elaborado por Rafael Faleir~
de Pádua (2004).
Planejamento urbano
No PLANEJAMENTO urbano coexistem vários modelos e dimensões.
O planejamento estratégico cria a imagem de cidade ideal, que tenta
mostrar a eficiência da administração pública e, assim, obter recursos
financ~iros nacionais e internacionais, A cidade parece um organismo
com, vida própria, desvinculada dos citadinos, dos produtores e con-
sumidores da e na cidade,
. O planejamento que antecede a produção e a ocupação: são
as cidades planejadas, nas quais estão delimitadas as áreas a serem
ocupadas por segmentos de classes sociais, Em poucos anos, a cidade
real extrapola e modifica o projeto ideal, como ocorreu em Goiânia
Belo Horizonte, Brasília e Teresina. '
126
1'l.lIl\"j;II11l'II(OSl"(ollallll\l,III!)' \ ,11,1\(('11/:1 SI' pela intervenção
\. .1.1)1', l'Cont>micos na dillalllll;I Ik 1)\ upal;ao e produção do es-
1"11' IIldúsl rias, agroindústrias, cxploral;,lO de minerais e fontes de
1111'1',1.1,produção e distribuição de energia, vias de circulação, portos,
1
1
1111, •• 1(I)S, moradias de interesse social, equipamentos específicos,
'ItI 1,(1"',( ru tura.
1'Ianos diretores urbanos, planos diretores estratégicos aparecem
111111\('11\como uma forma de "planejar" o futuro da área urbana.
1\cdomina a tendência de imaginar a cidade, as atividades eco-
li' IIIII('as,os equipamentos em sua potencialidade para o "desenvolvi-
1111II(o" sem considerar as contradições e conflitos e o fato de gerarem
I1 .l..rlhos temporários, empregos permanentes, falta e precariedade de
"" I)adia, bairros, escolas, infraestrutura, vias de circulação, abasteci-
111('1\(0de água potável, saneamento ambiental e as contradições da
'I" opriação, propriedade das terras urbanas.
( )s movimentos sociais urbanos
l' o Estatuto da Cidade
NAS DÉCADAS de 1970 e 1980 do século XX moradores de áreas perifé-
Iicas, de favelas, de cortiços lutam para obter o valor de uso da cidade.
1nicialmente se organizam no local onde moram, tendo em vista as
necessidades específicas de cada lugar. São movimentos fragmentados
1ior local de moradia e tipo de reivindicação.
No final da década de 1980 se organizam, agrupam-se, aliam-se
ao verificarem que têm uma luta semelhante para usufruir do valor de
uso da cidade que trabalham para construir. No congresso constituinte
127
apresentam a emenda popul.u da lei ()I 111.111Ih:t11:t,1l'lIdo COlllopl "1\ I
pio a função social da cidade c da propriedade e instrumentos par:I ,\I 1
aplicação em todas as áreas que não atendem aos interesses col ·ti 11
O Congresso Constituinte (1988) aprova alguns instrum nlll ,
porém define que os planos diretores municipais delimitem as ()I . I
em que propriedades não cumprem ~a função social. A função ocm]
é atrelada ao planejamento em municípios com mais de vinte 11111
habitantes. A aplicação só será efetivada após 2001, com a aprova~: 11
da Lei n. 10.25712001 - o Estatuto da Cidade.
O Estado não pretendia comprometer suas terras para a .fim
ção social da cidade e da propriedade, entretanto a manifestação do
movimentos populares faz com que as terras públicas sejam incluída,
Medida Provisória 2020/2001.
O Estatuto da Cidade, Lei n. 10.257/2001,
Estabelece normas de ordem pública e interesse social qu .
regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo,
da segurança e bem-estar dos cidadãos, bem como do equílíbrío
ambiental (art. 1°).
A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno funciona-
mento das [unções sociais da cidade e da propriedade urbana
[...] (art.Z").
Salienta-se que os movimentos sociais urbanos nacionais e
internacionais se articulam na Conferência das Nações Unidas _
Desenvolvimento e Meio Ambiente (Cnumad). Na Conferência das
Nações Unidas sobre os Assentamentos Humanos (1996) - Habitat
II-a participação de movimentos internacionais consegue que conste
na agenda Habitat IIo direito à moradia como direto humano, com
ressalvas. Consta também que os despejos forçados só poderão ocorrer
128
'1"11111,)cst ivrrcm Iora da lei, IlIas 111('~,III().1',~,111I. abc ao Estado lhes
.111,1',',lslt'ncia.
Nos Fóruns Sociais Mundiais está em debate a carta mundial
I" I,. I )irt:ito à Cidade, que é, antes de tudo, um instrumento dirigido
I" I,H talecimento dos processos, reivindicações e lutas urbanas. A
1111.11ll'lo direito à cidade não se restringe à construção e à obtenção
,I, .Irrcitos individuais. O objetivo central é tornar o valor de uso
1'1'.1.»ninante sobre o valor de troca e construir o direito coletivo. O
1"'" l'SSOde mobilização internacional dos movimentos referenciando
.Iuruos individuais propõe a coletivização dos direitos.
Entre os princípios da luta pelo direito à cidade está a construção
de' direitos coletivos. A dimensão política é a premissa que permite
, .11.icterizar o lugar das escolhas e decisões coletivas.
()s instrumentos do Estatuto da Cidade
aplicáveis no Plano Diretor
No ESTATUTO da Cidade, para definir a função social da cidade e da
propriedade, o Plano Diretor é obrigatório para os municípios com
mais de vinte mil habitantes; para os incluídos em regiões metro-
politanas; os de especial interesse turístico; e os que terão impactos
.imbientais de âmbito regional ou nacional por empreendimentos
públicos e privados.
O Estatuto reconhece que a cidade é produção coletiva. Deixa
evidente que a população que recebe baixos ou nenhum salário não
é a causa dos problemas urbanos. Permite que a problemática da ex-
pansão urbana, da riqueza produzida, da escassez de urbanidade seja
129
analisada na sua cOl1lplexld,ldt' t' IIIIIV,1,ICI 1IIIId:1I1It'III:11suas P"'1I11
na cidade real.
.Mas não há soluções que se resolvam com uma lei, mesmo '1"
debatida c~~ a sociedade. Apontamos a seguir instrumento. '111
podem auxiliar para que a cidade possa cumprir sua função social
Participação
A PARTICIP~ÇÃOsocial é tida como fundamental para a elabonu ,111
do Pla~o DIretor. No entanto não é possível afirmar que esteja seruln
cumpndo este preceito do Estatuto da Cidade. A participação d \ «
ocorrer na etapa de levantamento, de definição de prioridades na di
limitação de áreas especiais para moradia e nos demais insrrumenro
contidos no Estatuto. Os planos deverão ser submetidos a audiên ia
públicas pelo Executivo e Legislativo antes de serem transformado
em Lei.
Uma lei específica - Estudo de Impacto de Vizinhança - definira
também quando deve haver participação e consulta em empreendi
mentos que alteram a vida cotidiana e coletiva.
Reconhecimento do direito à moradia
nas áreas ocupadas
O USUCAPIÃOurbano - individual e coletivo - é aplicável nas áreas
privadas que estão ocupadas para moradia por mais de cinco anos, no
130
1111111'di' .~C;() ,,/ pal:l t:lda l.uruliu , I' ll"l ,111',I daI a do Estatuto da
,,11,1("11:10tenham cOl1testal;:lo do plllpllt'lario .
!\ posse - individual e colei iv.t é aplicada nas terras públicas,
111"1',ld:lS para moradia familiar nas mesmas condições das terras
1111\,1\I.IS.
!\ população ocupante pode assim permanecer nas áreas ocu-
I' 1.1,1'"ou seja, considera-se a realidade como ela é.
As áreas ocupadas devem ser delimitadas no Plano Diretor como
11, I",pecial interesse de habitação, denominada de ZEIS, que deve
" 1I,IIItir a permanência em áreas ocupadas, e regularização fundiária,
I .kIinir outras áreas no tecido urbano para atender às necessidades
,I, I', Irabalhadores.
Em terras públicas a regularização fundiáriajá estava em anda-
1111'11to por meio da Medida Provisória 292, mas como não foi votada
,'111tempo hábil pelo Legislativo está sendo elaborado um projeto de11'1que permita a regularização fundiária nas terras da União. A cidade
I("aIparece entrar na dinâmica do planejamento.
I.imites à especulação imobiliária
o ESTATUTO reafirma a propriedade privada/individual e, ao mesmo
tempo, impõe alguns limites à especulação.
IPTU - progressivo no tempo: a aplicação do IPTU far-se-á
por um prazo de cinco anos, após o qual, se o terreno não estiver cum-
prindo sua função -social, haverá desapropriação por títulos de dívida
pública. Tal instrumento pode limitar a especulação. As áreas objeto
de aplicação do IPTU progressivo no tempo precisam ser delimitadas
no Plano Diretor.
131
Políticas municipais de habitação:
qual conteúdo para qual cidade?
Elson Manoel Pereira
lurrodução
\" MUDANÇAS da configuração do Estado Brasileiro a partir do
111orcsso descentralizador da Constituição de 1988, reforçadas pelas
1I)('<lidasde diminuição de instituições federais responsáveis pela im-
I,kmentação de políticas públicas, aumentaram as responsabilidades
,Ic)poder municipal, mas não foram acompanhadas de um necessário
Ic'aparelhamento das prefeituras para dar conta de uma série de tarefas
.uucs de responsabilidade do poder central.
Santos Junior (2001) constata o desenvolvimento de uma ver-
dadeira reforma institucional no país,
[...] caracterizada pela descentralização das políticas públicas,
amplamente disseminada pelos municípios brasileiros. Esta
disseminação está promovendo um processo de profundas mu-
danças nas instituições de governo local, bem como no debate
sobre o papel e a gestão das cidades, materializada em novas
formas de organização do poder.
139
A partir dos ult imo-, l"1I!to.u ro- •• IIlIlI<'l,.1 .1 I('aparecer Ul11a SI I
de medidas em âmbito nacional qlle hllSI:1 d.1I slIstt:lltação c r Wd~1
mentar as iniciativas locais (no nível estadual c sobretudo muni 'ip.dl
tentando mudar o quadro anterior de centralização e buscando . I
novo modo de atuação estatal; assim, a Lei n.1O.25712001, conh 'riel I
como ~statuto da Cidade, estabeleceu as diretrizes e os prazo 1':11I
que as cidades elaborassem seus planos diretores municipais dentro di
um.a política nacional de reforma urbana centrada na ideia da fun~':lcl
SOCIaldo solo urbano, acreditando que o principal problema de nossa
cidades reside no acesso à terra urbanizada. Na conrí id d d 'inur a e SS,I
~iSãO,acreditando que a resolução do problema de moradia pass I
Igualmente pelo financiamento e pelo estabelecimento de diretriz'
específicas para a maneira de construir e da inserção dessas cons
truções no tecido urbano, o Governo Federal elaborou uma nova I 'I
(11.12412005), criando o Sistema Nacional de Habitação de Interes .
Social (Snhis) e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social.
Tanto no sistema como no fundo criados o município desempenha
papel fundamental de execução (não de maneira exclusiva) das Po-
líticas Públicas de Habitação, prevendo-se, inclusive, a criação de
Políticas e Conselhos Municipais de Habitação de Interesse Social.
A :uestão que se impõe de imediato é: qual o conteúdo e qual a
articulação dessas políticas com o sistema nacional? Para apresentar
algumas possibilidades de resposta a esta pergunta, este artigo apre-
senta o conteúdo de políticas municipais de habitação desenvolvidas
no âmbito de duas cidades conurbadas com Florianópolis (SC):
Palhoça e Biguaçu.
140
,Imrdagcm das flolítit'as huhiruciouais
!t. a década de 1980
( I IIi(A S 11., nas décadas de 1960 e 1970, buscou a implantação de uma
1,"11111:1habitacional de grande escala através do Banco Nacional de
11.I111:I<;aO(BNH), das Companhias Habitacionais (Cohabs) e de
111111(IS órgãos. No entanto, o número de habitações construídas ficou
111111(11aquém do déficit que o país apresentava; além disso, o modelo
I , «uómico de exclusão social assumido pelos vários governos a partir
di ',sas décadas e o crescimento populacional aumentaram ainda mais
,I .kmanda por moradias.
Até 1964, as principais agências públicas relacionadas ao setor
h.rhitacional eram os Institutos de Aposentadoria, por meio de suas
I .u iciras prediais, e a fundação da Casa Popular. Com o advento do
IINH, esse papel passou a ser desempenhado pelas Cohabs (em sua
maioria estaduais). Elas construíam os chamados Conjuntos Habi-
r.icionais por meio de recursos do Fundo de Garantia de Tempo de
Serviço (FGTS). Antes de 1964, os recursos para a construção de casas
populares eram bastante escassos. No entanto, mesmo contando com
lima fonte importante de receita, a Política Habitacional pós-1964 só
vai crescer em investimentos a partir de 1975 (Azevedo, 1981).
O BNH foi imaginado como uma agência pública voltada
fundamentalmente para os setores populares, mas acabou se transfor-
mando em um Banco de Desenvolvimento Urbano, secundarizando a
construção de habitações populares. No que diz respeito às unidades
habitaciorrais, as Cohabs tinham apenas uma planta básica que pode-
ria receber ampliações sucessivas. Tais unidades eram normalmente
construídas em grande escala, resultando em monótonos e isolados
grandes conjuntos habitacionais. As soluções eram tidas como "pu-
141
ramcruc técnicas", dl'scllvolvldas 11(1.1Plol"I.1 .1)',I·11li.r, SI'11l1111,111/1111
possibilidade de partieipal;ao das pOplll:l\'OI'S l'I1Volvidas,
Essas soluções invariavelmente passavam pela comcrcialtvu 111
das unidades habitacionais, mesmo que em longos prazos de fi na 11\ I I
mento; isto parece estar relacionado com a ideologia da propri 'd,11I
privada. Soluções por meio do arrendamento habitacional, utili%:Idll
em outros países, só foram aparecer nas últimas décadas. A situaçãr (11"
constatamos hoje é de um quadro muito pior do que há quarenta alio
A crise de um modelo e as políticas públicas urbanas
no novo contexto de participação popular
A QUESTÃO habitacional foi fortemente influenciada pelo modelo h
gemônico do urbanismo da maior parte do século XX: o chamado ur
banismo modernista ou funcionalista. Muito já se falou sobre a crise do
modelo modernista para o planejamento de nossas cidades; dos texto
pioneiros da década de 1960 (o de Jane Jacobs é um dos mais emble-
máticos) até as críticas atuais, textos foram elaborados denunciando o
tecnocratismo no processo de concepção e gestão das políticas públicas
de uso do solo, ao determinismo espacial na concepção dos planos, à
força do zoneamento urbano desses planos, quando, por vezes, este
instrumento de organização do espaço substituía o próprio plano etc.
No entanto, apesar das críticas, os planejadores prosseguiram
elaborando planos da mesma maneira que o faziam desde a década
de 1930, seguindo princípios de uma escola urbanística baseada no
funcionalismo racionalista da Carta de Atenas. A função "morar" ficava
espacializada em determinadas zonas escolhidas pelo "corpo técnico"
dos órgãos planejadores. O espaço urbano era fragmentado, assim como
142
" I, IIIJlO;1'1.uu t'vidt'lltes li 11I11I1.tll·dIlO,,,111('1,11111ismo, () Iordismo e
I I, , 11111rucia. Viu se a rOI1st11I\:t1ldI' gl .nulcs l'()nju n tos habitacionais
111111"d uncionais que formaram ('idades dormitórios tanto nos países
1II"IwUS como no contexto brasileiro.
, l odo o conhecimento que a sociedade acumulou durante séculos
I" , oustruir suas cidades viu-se subitamente substituído por planos que
,I, ',I' msideravam as características morfológicas do sítio, as peculia-
11,l.ldes sociais, econômicas, a história e a cultura locais. Tais modelos
'1l1l1avam-se no racionalismo funcional, cujas premissas marcaram
I,,, t(mente a reordenação e a construção das cidades no século XX.
Nas últimas décadas, grande parte dos planos diretores e das
I, gislações que regulam o espaço urbano das cidades brasileiras tem
',I' resumido, praticamente, a leis de zoneamento, como se este fosse
" único e mais eficaz instrumento de direcionamento do processo de
.xupação, crescimentoe apropriação dos espaços. O decréscimo da qua-
1IIIade de vida urbana proporcionado pela monofuncionalidade e pela
l.tlta de interação entre os diversos usos da cidade (lar, trabalho, lazer,
escola, serviços, comércios) pode ser acrescido de outras consequências
negativas do zoneamento funcional: segregação socioespacial, falta de
articulação dos diferentes espaços intraurbanos, desequilíbrio ambiental,
expansão desmedida da mancha urbana, parcelamento excessivo do solo
e invasão de terras, investimento público excessivo em estruturas viárias
e de circulação em detrimento de outros investimentos.
O atual movimento de planejamento do espaço urbano é o de
combate aos princípios de restrição detalhista e àmonofuncionalidade
implantados pelo modelo funcionalista de zoneamento; isto precisa
repercutir também nas políticas habitacionais, evitando-se soluções
urbanísticas que isolam a função "moradia" em determinadas áreas do
município (nem sempre insetidas na cidade).
143
o zonc.uncnto deve cxist i: 1'11111 Ip.rlllll·1I1l' para 1'0111101"
localização de algumas atividades inrompat rvcis, como das indu: I1I1
poluentes, que precisam de espaços critcriosamente escolhidos 11 11
se instalar. Da mesma forma o zoneamento deve existir para imp 'tlll
a instalação de usos que sobrecarregarão a infraestrutura existente 1111
que causarão outros impactos contrários aos interesses coletivos, 1111
seja, para subordinar os interesses individuais ao interesse col ,ti "
É inverter a lógica corrente, em que a legislação por ser tecnocráth I
e detalhista acaba tirando a vitalidade do espaço urbano que é p1'll
porcionada, essencialmente pela diversificação e interação de us , c
atividades.
Em função da rigidez da legislação e da fiscalização que impedi I
a refuncionalização das edificações e consequentemente dos espa o
produzidos, as consequências maléficas do zoneamento funcional
em alguns países europeus foram mais importantes que em algumas
cidades brasileiras onde os conjuntos habitacionais do extinto BNH,
principalmente os baseados em unidades individuais, foram transfor-
mando-se em bairros multifuncionais, reproduzindo, de certa forma,
a cidade tradicional. No entanto, a distância em relação aos centros
das cidades continuou sendo um grande obstáculo para uma maior
integração intraurbana.
Apesar de todo esse contexto de críticas, o caminho de constru-
ção de um novo modelo de planejamento hegemônico ainda está por
ser trilhado. A crise do planejamento urbano está também reforçada
por um novo contexto pós-constituinte de 1988, a partir de quando
florescem elementos novos que interferem na prática de governo de
nossas cidades, que até mesmo a determinam e a orientam; a partir do
pensamento de Chalas (2001) e da reflexão sobre a realidade brasileira,
concluímos que o planejamento urbano no Brasil hoje apresenta uma
nova realidade:
144
11111 P''1w\ mais illllHlIl:l1l11' d.c·, 111\1111\ Ipalldadcs, por diversos
IIV()S no \)roccsso de plalll'j;\lllel1to urbano;11111 " J:
.' t das instâncias le-
111\ \ l'S Etcelamento, num pnme1ro momen o, . - d
. .am o desenvolvimento urbano (extmçao o,le, ais que promov1
I\Nll, Serphau etc.);
,I p<.:rdados modelos hegemônicos de planejament~;
rg'lmento de novas ideias em relação ao planejamento das() su , d h'
.: lades muitas vezes influenciadas por outras areas o con e~l-
I Il , , ")" que diz respeito
Incnto (planejamento estrateg1co ou parCla1s no
.to todo urbano (desenho urbano);
. d .d d .nfluenciada e liderada
a politização dos problemas a C1 a e,l
pelo movimento de Reforma Urbana;
o descontentamento com os espaços resultantes do planejamento
estatal da década de 1970;
o fortalecimento da questão da sustentabilidade ambiental que
evoluiu para uma sustentabilidade mais ampla, envolvendo
também questões sociais e econômicas; .
a transversalização da análise urbana, descompartimentahzando
competências e integrando enfoques; .
. - do urbano como palco de conflitos e des1gualdades,
- a ace1taçao 1 t1 . anos an e-
S
uperando a visão consensual que preva ecia nos p
lti r - d s atoresriores; isto possibilitou a emergência e mu tlp icaçao o
e instâncias presentes no campo urbano.
Este novo contexto foi então reforçado pela Lei n. 1025712001
1 L· 1112412005. Tais leis, ao nosso ver,e mais recentemente pe a ei n. . . dã
. . al contribuição o fortalecimento do cida ao
apresentam como pnnClp ,
no processo de planejar seu espaço de moradia. E claro que os aspectos
145
relacionados aos instrumentos dl" ,()lllh,II(' ,\ (",1'('\ 1I1:I(;aoimohili.u Ii
consequentementc do baratcamcn to do solo III hallo) c a colocuçun di
problema habitacional como principal problema das cidades brasi 11'11I
são igualmente centrais.
Resumindo, a participação e a forma como a unidade habita, 111
nal de interesse social são inseridas no tecido urbano parecem ser J 111
ocupações essenciais numa nova maneira de fazer política habita j< li ti
No entanto, se por um lado a crítica à construção de grand '
conjuntos habitacionais em áreas monofuncionais teve um aprofundu
mento consistente, uma questão fundamental relacionada à necessária
participação no planejamento dos espaços de moradia em nossas cidu
des ainda precisa ser respondida: qual conteúdo a participação popular
deve ter no processo de definição de políticas públicas?
Pinheiro (2004, p. 70), em trabalho de dissertação de mestrado,
por mim orientado, no qual analisou o papel dos diversos Conselho
Municipais de Santa Maria (RS), afirmou que "[ ... ] a efetividade da
participação só se dará quando essa contemplar quatro dimensões,
a saber: institucional, decisória, de representação e de qualificação."
o Sistema Nacional de Habitação de Interesse
Social [Snhis) e o Fundo Nacional de
Habitação de Interesse Social [Fnhis)
A lei promulgada em junho de 2005 (11.12412005) teve um
longo período de tramitação: 14 anos, e busca integrar as ações dos
três entes federativos nas ações relacionadas à questão habitacional.
146
I SI -ma Nacional de
\'.11 il\tl'fl11l'dio desta lei t0101l1lI 11.1(()~o I) o IS t '1 M' . té .
, '\ ('" his) ')()nknado pe o 1111Seno
1lllIIII:lodelntercsseSoCla .11l1lS,tI F d
I " I - s do setor e o un o
\ '\. I,' 0. uc deverá coordenar toe as as açoe , .1 l 1\ ,1\ CS, -\ , d erá erenC1ar os re-
.\ I'I Iabitação de Interesse SOCial, que ev g
I' 11111.1l C ,_, , ulado a um conselho formado
\ ' dos à habltaçao e sera V111C
I 111",', \ cstrna , , . ' _ d oder Executivo e representantes
,I, 1I1.IIlcirapantana por orgaos o P
ti ,I ""l'iedade civil. . .
Segundo a referida lei, o Snhis tem como objetívos:
l-de menor renda o acesso à terraI - viabilizar para a popu açao '.
b ' d e à habitação digna e sustentavel,ur aruza a , t b
, lementar olíticas e programas de invest1men os e su -
Tl+Imp P, bili do o acesso à habitação voltada
sídios, promovendo e V1a 1 izan
à opulação de menor renda; e ,_
p ibili ar acompanhar e apOlar a atuaçao
III - articular, compati 11Z 'd h funções no setor
das instituições e órgãos que esempen am
da habitação, (Brasil, 2005, art. 2).
Os rincí ios da lei indicam o caminho da democracia c~mo
p p , - das ações dos entes federativos,
forma de participação, a 1l1t~glradçao iedade urbana e a habitação
fi - d função SOCia a propn
a rea rmaçao a, _ 1.' de i serção social. Das diretrizes
di ' do Cidadao e lorma e 111
:~::ad:se~:demos destacar a importância dada à inserção da unidade
habitacional no tecido urbano. F h'
, transferências dos recursos destinados pelo n 1S
Qyanto as D' . F d alid d a dos estados, istnto e er
destacamos, dentre outras necessi a es,
ou municípios de:
, ' com dotação orçamentária própria, desti-
I - const1tulf fundo, P líti de Habitação de Interesse Social
nado a implementar. o tlCa,
e receber os recursos do Fnhis;
14711 consutuu c onsclho (" .dadcs publicas e iri .. ' IUl, 1 Illlt( 1111'1c .1 p:11 tlcip:u;ao dl' 1111
ligados à área d ,Ih.Vbl.d:l~~h(\lI (1l11l~) (k segmentos da SOl it'd 111
de escolh d c a ttaçao, garalltldo o princípio d 'Jl)()rt 1I I)
a e seus representantes e a - d
quarto) das vagas aos representant~s dos ~~p.orçao c 1/11 (11111Hl vimentos populuu
- apresentar Plano Habitacional de I .
siderando as especificidades do local ;teresse Social, «(lI I
2005, art. 12). e a demanda. (\31'1I I
Essas exigências demonstram uma lara i -
limites das políticas desenvolvidas em d~ ardamtença.o de superar 11_ eca as antenores em q ,
questao local era deslocada . U Irelação à questão té paraAu~plano hierarquicamente inferior '111
ecruca e econorruca na solução do déficit habita' . IA . cionn
ssim, a Lei n. 11.12412005 apresenta al ' .que a o gumas caracterísn a
. . p ntam para um novo momento da Política Habitacional
~:;a~:ntredo~tras características, ela apresenta preocupações qu:~
me I as pautadas exclusivamente em soluções q "em q d uantitatrva
ue os mora ores das unidades habita' .rados . . ClOnaISeram desconside-
em suas peculiaridades e como cidadãos A lí .
~ec~ssidade da participação da população nas ;om::a:
n
:: ;~~::: a
indica que as soluções habitacionais devem priorita . e
solo urbano . fi namente usar o
com m raestrutura e inserido na cid da e.
~abitação de Interesse Social (HIS)
e Inserção socioespacial
COMO UTILIZAR-SE do instrumento do zonea
grar as HIS no tecido urbano? A crítica a este ::~:~::::~::ra :n~e-
mostrou seus limites e possibilidades e ela pode dirigir nossa reflexão.
148
, I I ,\llt'st;\O três aspt'l to" q\l(' )',11.1111.111111111:1 t', trcita relação entre
I, ,110'0 parecem importuu tvs:
I ) () zoneamento urbano propicia à administração municipal uma
Intervenção reguladora do espaço urbano. Esta intervenção não
(lcmanda grandes somas nem do ponto de vista de investimentos
em obras civis nem em indenizações. A previsão de áreas urba-
nas de interesse social e a previsão de parâmetros de edificações
condizentes com habitações para famílias de baixa renda podem
minimizar o custo de acesso à terra urbana. Rolnik (2000) salien-
ta que a criação de ZEIS (Zonas de Especial Interesse Social)
ou de AEIS (Áreas de Especial Interesse Social) representaram
um avanço no sentido de reconhecer legalmente urna série de
assentamentos que, pela legislação tradicional, erarn considera-
das irregulares ou clandestinas, rejeitadas ou legitirnadas, "[ ...]
tornando seus habitantes extremamente vulneráveis a práticas
c1ientelistas e eleitoreiras." (Rolnik, 2000, p. 203).
Dentre os objetivos dessas áreas estão os de incluir parcelas
importantes da população marginalizadas da cidade; de possi-
bilitar a introdução de serviços e infraestrutura ern áreas onde
antes, por serem consideradas não regulares, não chegavam; de
regular o conjunto do mercado fundiário urbano; de introduzir
mecanismos de participação direta dos moradores; de aumentar
a arrecadação dos municípios e o de aumentar a oferta de terras
urbanas para os mercados de baixa renda.
2) No entanto, um aspecto precisa ser avaliado: o caráter segregativo
da utilização de um instrumento que cria no interior da cidade
áreas para a população de baixa renda. Se tais áreas não forem
149
devidamente estudad:ls, JlOd"!.II) I( 1)('111 .1', I'\jlnil'lIcias curo
peias ou americanas onde elas se 1I :llIsltlllll.l (':1111 em verdade: 111
guetos, O alcance desse artigo nao pcrrnite uma reflexão Ill:l!
profunda sobre o tema da segregação; assim destaco apenas :d
guns aspectos desse fenômeno: Lobato Corrêa (1989) assinnlu
que se pode falar de dois tipos de segregação: a autossegrega~':11l
e a segregação imposta; a primeira refere-se à segregação d:1
classe dominante e a segunda à de grupos sociais cujas opçõ .
de como e onde morar são pequenas ou nulas:
[..,] a segregação assim redimensionada aparece com um duplo
papel, o de ser,um meio de manutenção dos privilégios por part .
da classe dommante e o de meio de controle social por esta mes
ma classe sobre os outros grupos sociais, especialmente a clas
operária e o exército industrial de reserva, (Corrêa, 1989, p. 64),
O mesmo autor apresenta igualmente o significado dessa segre-
gação por meio de uma citação de Harvey:
[...] a diferenciação residencial deve ser interpretada em ter-
mos de reprodução das relações sociais dentro da sociedade
c~pitalista~ as ár~as reside.nciais fornecem meios distintos para
a mtegraçao social, a parnr da qual os indivíduos derivam seus
valores, expectativas, hábitos de consumo, capacidade de se fazer
valer e e~tado d.econsciência; diferenciação residencial significa
a~esso dIferencIado a recursos necessários para adquirir oportu-
mdades de ascensão social [...]; segregação significa diferencial
de renda real. (Harveyapud Corrêa, 1989, p. 65).
Ora, a criação de áreas especiais para habitações de interesse
social vai legitimar, vai institucionalizar esse processo próprio da
150
\ll'halliza,'ao l'apit;"i~la.I,.t() IIlId, 11.1 l('v,1I ao qUl' Sposito chamou
dl' "1 ... 1 prol' .sso ti . di k,{'lI(1.1\ ao que se desenvolve ao extremo
e que leva, na cidade, ao rompimento da comunicação entre as
pessoas, da circulação entre os subespaços, do diálogo entre as
diferenças, enfim conduz à fragmentação do espaço urbano."
(Sposito; Sposito, 1996, p. 74).
3) Neste sentido, articulamos uma discussão em que a superação do
conceito de zoneamento urbano poderia encaminhar a solução
das habitações de interesse social. Assim, poder-se-ia aproveitar
os parâmetros utilizados no zoneamento urbano sem necessa-
riamente dividir as cidades segundo zonas diferentes de acordo
com o padrão construtivo. Seria o conteúdo da construção que
definiria os parâmetros construtivos e não as áreas previamente
definidas em mapas. O objetivo seria a não segregação, a inte-
gração social e de funções; a busca da cidade mista em termos
funcionais e sociais.
Experiências europeias têm mostrado que o imaginário técnico
já absorveu quase completamente a necessidade de cidades mistas,
funcional e socialmente. O caso de Grenoble, França, merece aten-
ção: nas décadas de 1960 e 1970, a municipalidade criou no sul de
seu espaço urbano uma grande área destinada à função habitacional;
embora contasse com algumas atividades de comércio local e tivesse
como objetivo a mistura de classes num mesmo espaço, a Villeneu-
ve foi se tornando progressivamente um espaço para habitação de
imigrantes, sobretudo de origem norte-africana (Magreb). Por seu
lado, a morfologia das edificações dificultava sua inserção no tecido
tradicional da cidade. O resultado foi um espaço altamente segregado
151
I s limitações do planejamento urbano municipal:
o caso do projeto Eixo Tamanduatehy
Enio Moro Junior
!\ lógica do Estado brasileiro na produção do espaço
I\S RELAÇÕES entre o crescimento da urbanização e a evolução da
',ociedade capitalista comprovam que os interesses contraditórios
das forças produtivas apresentam expressa manifestação na produção
(10 espaço. O papel do Estado, meio e fim da hegemonia da classe
dominante, garante por meio da promoção e monitoramento do de-
senvolvimento urbano as condições materiais para a reprodução das
relações capitalistas. Suas ações na implantação de infraestrutura física
afirmam a sobreposição de interesses pela classe que o domina sob a
primazia da unificação do mercado, e a relação de poder entre classes
e sua expressão espacial apresentam particularidades no caso brasileiro.
Enquanto o capitalismo europeu e norte-americano consolida, a
partir do século XIX, relações entre a burguesia e o proletariado, nossa
classe dominante aprofunda a importação de bens manufaturados e
exporta produtos tropicais produzidos pela mão de obra escrava asso-
ciados ao capital estrangeiro, contrapondo-sea uma industrialização
185
autônoma. O Illod ·10hrasikilO 1l.IOgCIOII 11111.111:ISSl'dOlnill.11I1
1
I'
mo a burguesia europeia ou norte alllClll':III:1 e sim lima soe;('(l.ld, "
elite que preserva suas bases internas e rclacõcs de pod ... '1' I
' )" cr, 111111111I'
desenvolvimento desimpedido do capitalismo interno (Schi (f '1, 1I1 I
Este modelo expatriador, que também atende as ncc 'ssid 111
de r~produção do capitalismo internacional, impede o pleno dtOt 11
volvimenm das forças produtivas, pois uma parte do exceden le I1 I1
reincorporada à reprodução ampliada interna. Este processo, h:11
11
11 I,
de ~cumulação entravada (Deák, 1989), assegura a hegemonia da (,111,
naClO~al restrin~indo o mercado interno às demandas de sua aU{0!l1l
servaçao, e tal reImposição perpetua o subdesenvolvimento brasih-n.,
A ruptura desta dinâmica e a negação desta condição de subdes, 11
v~lvimento crônico são impedidas pelas estratégias de dominaçao ti I
elite em suas dimensões econômica,jurídica, institucional e ideol g;1 I
O rápido e intenso processo de urbanização brasileiro revela I1I
lÓ~ica da manifestação espacial da acumulação entravada o deseguill
brio entre espaços plenamente servidos de infraestrutura com a orniss.r, I
do Estado em áreas profundamente precarizadas. Nossa sociedac 1
~e ~lite não necessita elevar o nível de subsistência do trabalhado I,
JuStificando a imposição de mínimas condições para a reproduçã 1.1
força de trabalho, e prioriza a produção do espaço para suas conv('
niências, ~omo sistema viário, transportes ou oportunidades para (I
m.ercado Imobiliário. Esta dinâmica secular de produção do espaço
remventa-se n~ recente "globalização" brasileira em um novo arranjo
para manutençao da acumulação entravada, transferindo ao mercado
setores controlados pelo Estado.
As premissas para a compreensão deste processo remetem-n s
ao colapso do Estado keynesiano na década de 1970, que no Bra ;I
traduziu-se pelo desmonte da política desenvolvimentista adotada
186
I 1',lIlil de l11cados do :-,('(11/0!l.I·.·..ldll I' 11 IlllllPl0llH.:timento de seu
1111"l('do de rede de proln;:\o SlIll:d, () lm.mciamcnto do Estado de-
, 11\«lvirncntista sofreu um d . s .us principais reveses na alteração das
I I .1',lixas para taxas flutuantes referentes ao pagamento do principal
, ,I" serviço da dívida externa brasileira durante as décadas de 1970 e
"/S(l.'làl rompimento de padrão promoveu uma intensa transferência
,li Icscrvas cambiais e de recursos das exportações brasileiras para a
I' •IImposição das reservas internas dos credores internacionais.
O prosseguimento possível do financiamento do Estado desen-
\. .lvimentista deu-se principalmente pela emissão de moeda e captação
,k recursos no mercado interno por meio do oferecimento de altas
1.1xus de juros. Este expediente, negação de um projeto macroeconô-
u.ico de desenvolvimento do capitalismo interno que sinalizasse para
,) rompimento dos interesses dominantes, foi um dos responsáveis
1't'lo profundo processo inflacionário do período, definindo a política
('conômica a partir dos recursos disponíveis para o pagamento da
(Iívida externa.
As diretrizes apontadas no emblemático Consenso de Washing-
lon, de 1989, condicionaram a cooperação financeira internacional à
desregulação do mercado financeiro e do trabalho, privatização de
estatais e serviços públicos, abertura comercial e controle da inflação
a qualquer preço, seja este o aprofundamento do achatamento sal~rial
ou o comprometimento definitivo do desenvolvimentismo (Batista,
1994). A partir de um discurso sedutor em nome da "modernidade
administrativa" ou da "ineficiência" da atuação do Estado, este cho-
que liberal, alcunhado de neoliberalismo, garantiu a preservação da
elite e seu modelo expatriador associado ao capital internacional em
bases bem menos favoráveis no mercado interno, tanto por meio da
diminuição do Estado e do capital privado nacional como também
pela significativa ampliação do capital estrangeiro (Gorender, 2000).
187