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� Volume 3 NNUPEEAUPEEANNUPEEAUPEEA SBEE SOCIEDADE BRASILEIRA DE ETNOBIOLOGIA E ETNOECOLOGIA Núcleo de Publicações em Ecologia e Etnobotânica Aplicada NUPEEA Comissão Editorial Ulysses Paulino de Albuquerque (Coordenador), Ângelo Giuseppe Chaves Alves, Elba Lúcia Cavalcanti de Amorim, Elba Maria Nogueira Ferraz, Elcida Lima de Araújo, Laise de Holanda Cavalcanti Andrade, Maria das Graças Pires Sablayrolles, Natália Hanazaki, Nivaldo Peroni e Valdeline Atanázio da Silva. Revisão Dos autores Capa e Miolo Pablo Reis / Erivan Barbosa Fotos da Capa Rumi Regina Kubo �. Artesanato em palha de bananeira, confeccionado por integrante do grupo samambaia-preta- Artesanato, Maquiné, RS. 2. Coleta de samambaia-preta (Rumohra adiantiformis (G. Foret.) Ching), Litoral Norte do RS. Os textos que compõem esta coletânea são da inteira responsabilidade de seus autores. Universidade Federal Rural de Pernambuco Laboratório de Etnobotânica Aplicada, Departamento de Biologia Rua Dom Manoel de Medeiros s/n Dois Irmãos – Recife –Pernambuco - CEP.�� �2���-���CEP.�� �2���-��� www.ufrpe.br/lea Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia. Volume 3. Organizadores: Rumi Regina Kubo et al. – 1a. ed. - Recife: Nupeea/Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia, 2006. 284p. 1.Ecologia humana. 2. Pesquisa qualitativa. 3. Etnobiologia. 4. Comunidades locais. I. Kubo, Rumi Regina. II. Título CDD 21. ed. (635.8) � Volume 3 Rumi Regina Kubo Joana Braun Bassi Gabriela Coelho de Souza Nélson Leal Alencar Patrícia Muniz de Medeiros Ulysses Paulino de Albuquerque NNUPEEAUPEEANNUPEEAUPEEA SBEE SOCIEDADE BRASILEIRA DE ETNOBIOLOGIA E ETNOECOLOGIA Gestão 2005-2006 Diretoria: Presidente: Dr. Ulysses Paulino de Albuquerque (UFRPE) Vice-Presidente: Dra. Natália Hanazaki (UFSC) 1º Secretário: MSc. Reinaldo Farias Paiva de Lucena (UFRPE) 2º Secretário: Dra. Gabriela Peixoto Coelho de Souza (ANAMA) 1º Tesoureiro: Dr. Nivaldo Peroni (UNICAMP) 2º Tesoureiro: Dra. Rumi Regina Kubo (UFRGS) Conselho: Dra. Edna Machado Guimarães (UFRJ) Dra. Elaine Elisabetsky (UFRGS) Dr. Eraldo Medeiros Costa Neto (UEFS) Dr. José Geraldo W. Marques (UEFS) Dr. Marcio D’Olne Campos (UNICAMP) Dra. Maria Christina de Mello Amorozo (UNESP - BOTUCATU) Plácido Costa Júnior (GERA) Dr.Virgílio Maurício Viana (ESALQ/USP) Representantes Regionais: Região Centro-Oeste: Dra. Maria de Fátima Coelho (UFMT) Região Nordeste: Dr. Ângelo Giuseppe Chaves Alves (UFRPE) Região Norte: Dra. Maria das Graças Pires Sablayrolles (UFPA) Biólogo Leonardo Pacheco (IBAMA-AM) Região Sudeste: Dr. Lin Chau Ming (UNESP-BOTUCATU) Região Sul: Bióloga Cristina Baldauf (UFSC) SBEE SOCIEDADE BRASILEIRA DE ETNOBIOLOGIA E ETNOECOLOGIA SUMÁRIO Apresentação..................................................................................................7 O ensino da etnobotânica Prof. Dr. Lin Chau Ming ................................................................................. 11 Etnobiologia e etnoecologia no Brasil: dos inícios continuados no singular feminino plural José Geraldo W. Marques ............................................................................15 Etnobiologia no sul do Brasil: onde estamos e para onde vamos? Cristina Baldauf .............................................................................................33 Etnoecologia e manejo de recursos naturais: reflexões sobre a prática Jorge L. Vivan ................................................................................................45 Etnobotânica, conservação e desenvolvimento local: uma conexão necessária em políticas do público Walter Steenbock ..........................................................................................65 A perspectiva da etnobotânica sobre o extrativismo de produtos florestais não madeiráveis e a conservação Gabriela Coelho de Souza & Rumi Kubo ....................................................85 Manejo sustentável de capim dourado e buriti no Jalapão, TO: importância do envolvimento de múltiplos atores Isabel B. Figueiredo,, Isabel B. Schmidt, Maurício B. Sampaio ................101 Extrativismo no sul e sudeste do Brasil: caminhos para sustentabilidade sócioambiental Maurício Sedrez dos Reis ........................................................................... 115 Neo-extrativismo sustentável Paulo Kageyama .........................................................................................129 A lógica do mercado e o futuro da produção extrativista Charles R. Clement .....................................................................................135 Capítulo 1 Capítulo 3 Capítulo 2 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Manejo de recursos genéticos vegetais por populações tradicionais do alto rio Solimões Hiroshi Noda & Sandra do Nascimento Noda ............................................151 A agrobiodiversidade e os direitos dos agricultores indígenas e tradicionais Juliana Santilli e Laure �mperaireLaure �mperaire ..............................................................165 A dimensão temporal da conservação da agrobiodiversidade por agricultores de subsistência – algumas considerações preliminares sobre um estudo de caso. Maria Christina de Mello Amorozo ..............................................................177 Histórias de plantas, histórias de vida: uma abordagem integrada da diversidade agrícola tradicional na Amazônia Laure �mperaire ..........................................................................................187 O conhecimento local e a diversidade de diversidades Natalia Hanazaki, Rogério Mazzeo, Vinícius C. Souza .............................199 Contribuições da antropologia para a pesquisa em etnobiologia Renate B.Viertler ......................................................................................... 211 MrurJykre: a cultura do Cipó – territorialidades Kaingang na bacia do Lago Guaíba, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil Ana �lisa de Castro Freitas ........................................................................223 Tempo do artesanato: etnogra��a do processo de busca de umatnogra��a do processo de busca de uma alternativa econômica para agricultores extrativistas em área de Mata Atlântica no RS Rumi Kubo e Gabriela Coelho de Souza ..................................................245 Sociobiodiversidade na pesca artesanal do litoral da Bahia Francisco José Bezerra Souto ...................................................................259 O debate contemporâneo sobre o território e o desenvolvimento sustentável: um olhar a partir da nova arquitetura do estado �duardo �rnesto Filippi ...............................................................................275 Capítulo 12 Capítulo 11 Capítulo 13 Capítulo 14 Capítulo 15 Capítulo 16 Capítulo 17 Capítulo 18 Capítulo 19 Capítulo 20 � APRESENTAÇÃO Apresentar uma obra é sempre uma tarefa difícil, sobretudo quando congrega textos tão diversos em seus teores, abordagens e formatos. Desta forma, de modo a propiciar uma apresentação inicial, cabe remetermos-nos ao contexto destes, ou seja, tratam-se dos textos relativos às palestras apresentadas no VI Simpósio de Etnobiologia e Etnoecologia, realizado em Porto Alegre, RS. Este evento bienal sob responsabilidade da Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia (SBEE) constitui-se num fórum de debate de temas relacionados com a problemática socioambiental, apresentação da produção dos associados e pesquisadores que atuam nesta área, e de troca de experiências. Embora tenha caráter cientifico, considerando que o alvo dos estudos etnobiólogicossão as populações humanas e seu conhecimento sobre o ambiente e recursos naturais, recaímos obrigatoriamente na necessidade de abordar questões éticas relacionadas ao destino desses estudos. Neste sentido, este Simpósio tradicionalmente mobiliza não somente os pesquisadores, mas representantes e lideranças de populações tradicionais, profissionais e representantes de setores públicos e da iniciativa privada envolvidos com a temática sócio-ambiental. Nesta edição (os simpósios anteriores realizaram-se em Feira de Santana/ BA-�996, São Carlos/SP-�998; Piracicaba/SP-2���; Recife/PE- 2��2 e Chapada dos Guimarães/MT-2��4), o Simpósio Brasileiro de Etnobiologia e Etnoecologia, sob o tema “Etnobiologia e Compromisso Socioambiental”, partindo da discussão e do acúmulo de informações proporcionados pelos simpósios anteriores, busca avançar nos debates, abordando as especificidades das pesquisas etnobiológicas e etnoecológicas, tanto do ponto de vista conceitual e epistemológico, como metodológico, e também aprofundar o debate relativo às conexões entre conhecimento cientifico e tradicional e suas conseqüências para o debate sócio- ambiental e, sobretudo, às relações entre o conhecimento gerado pela etnobiologia e sua contribuição para a melhoria das condições de vida das populações locais e a sociedade em geral. Uma das preocupações da SBEE e dos responsáveis pela série “Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia” - o qual integra esta publicação - reside na avaliação de que, apesar desta área temática apresentar-se ocupando um crescente espaço nas instituições de pesquisa e nas diversas instâncias deliberativas das políticas públicas, com desdobramento em especialidades, envolvimento crescente de pesquisadores e estudantes e um aumento do número de trabalhos, a Etnobiologia e Etnoecologia ainda não se encontram solidamente sistematizadas dentro do espaço acadêmico. Portanto, esta publicação, constitui-se num esforço 8 de contribuir para suprir esta lacuna. Sublinhando ainda a importância da questão, este é o tema central dos trabalhos de Cristina Baldauf e Lin Chau Ming que buscam reflexões tendo como pano de fundo dados sobre a presença da Etnobiologia e disciplinas correlatas nas instituições de ensino superior no Brasil. Visando abordar a própria trajetória da Etnobiologia e Etnoecologia, o texto de José Geraldo Marques busca identificar algumas personalidades fundamentais no processo de formação e consolidação desta área temática no Brasil. Constitui- se, assim, numa revisão da trajetória da(s) disciplina(s) e uma homenagem a estas personalidades. Adentrando aos temas abarcados pelas pesquisas etnobiológicas, como uma questão fundamental, e que vem sendo debatida ao longo do tempo, temos a preocupação com a discussão de metodologias de trabalho e de abordagens. Neste contexto procura-se tecer uma profunda reflexão sobre sua especificidade. Sobre este tema debruçam-se Renate Viertler e Walter Steenbock. Dentre tantos temas que tem merecido destaque nas pesquisas, aqui são abordados alguns mais específicos como é o caso do extrativismo, por meio de um acalorado debate sobre a sua viabilidade e limites como estratégia para conservação e empoderamento das populações que vivem em áreas de grande diversidade biológica. Este tema foi desenvolvido pelos pesquisadores Charles Clement, Gabriela Coelho de Souza e colaboradora, Mauricio Sedrez Reis e Paulo Kageyama. Ainda dentro dos temas enfocados pela Etnobiologia, estudos que tem a biodiversidade, mais especificamente a agrobiodiversidade, como congregadora de saberes e fazeres e conservação da biodiversidade como pano de fundo, são apresentados com uma riqueza de abordagens e resultados. Estes são os temas desenvolvidos por Jorge Vivan, Hiroshi Noda e Sandra Noda, Laure Emperaire e Maria Cristina Amorozo, Ao mesmo tempo, no que concerne a esta conexão da sócio-biodiversidade e a preocupação com a conservação, temos abordagens em diferentes escalas, que esboçam um pouco da complexidade e da dificuldade de abordar este tema, objetos dos artigos de Eduardo Filippi, Francisco José Bezerra de Souto e Natalia Hanazaki e colaboradores. Já preocupado com as conexões das pesquisas etnobiológicas com as populações envolvidas com as pesquisas, temos a discussão centrada em alguns estudos de caso como são o do artesanato com capim-dourado (Syngonanthus nitens) e buriti (Mauritia flexuosa), e outros recursos naturais como cipós e macrófitas aquáticas. Nestes processos, além do levantamento do conhecimento e manejo tradicional destes recursos, busca-se também dar luz às implicações políticas e sociais destes estudos alavancando o empoderamento e autonomia para os grupos envolvidos, como são os trabalhos abarcados por Ana Elisa Freitas, Isabel Figueiredo e colaboradores e Rumi Kubo e colaboradora. Neste contexto, 9 também, um tema fundamental refere-se aos mecanismos jurídicos que regem as políticas públicas de modo avaliar a viabilidade de todas estas propostas, o que é o tema central do artigo de Juliana Santilli e colaboradora. Desta forma, um pouco da diversidade temática abarcada pela Etnobiologia e Etnoecologia são aqui contempladas, mostrando que, como em toda pesquisa, a realidade é bem mais complexa, e que, parafraseando Cristina Baldauf, “a Etnobiologia ainda tem um longo caminho a trilhar” e para tal dependemos desta contribuição e convergência de um escopo tão grande de pesquisadores e pensadores (em sua ampla conotação). Finalmente, cabe ressaltar que esta edição da série “Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia” somente foi possível pela conjugação dos esforços dos integrantes da comissão organizadora do VI SBEE composto por servidores e estudantes da UFRGS, UFSC, UFRPE e UNESP/Botucatu. O processo de planejamento e editoração foi coordenado pelo DESMA (Núcleo de Estudos em Desenvolvimento Rural Sustentável e Mata Atlântica) e Laboratório de Etnobotânica Aplicada da UFRPE. Os organizadores �� O ensino da etnobotânica Lin Chau Ming Departamento de Produção Vegetal – Setor Horticultura Faculdade de Ciências Agronômicas – UNESP – Botucatu – SP Email�� linming@fca.unesp.br Capítulo 1 �� As áreas de Etnobiologia e Etnoecologia ainda carecem de corpo docente disponível para atender às crescentes necessidades de trabalho em instituições e universidades no país, que agora começam a abranger essas áreas de pesquisa. Há uma necessidade premente de formação de recursos humanos para satisfazer tal demanda. No Brasil, a grande maioria dos docentes e mesmo pesquisadores dessas áreas é egressa de programas de Ciências Biológicas, provendo as necessidades teóricas de cunho social e cultural por estudos específicos e mesmo autodidatismo. Nos Estados Unidos, as Etnociências são tradicionalmente ocupadas por profissionais ligados às áreas antropológicas/sociais. (Amorozo et al. 2��2). Diante de tamanha diversidade, cultural e biológica, a formação de recursos humanos qualificados e em condição de responder a essas múltiplas situações é essencial para o desenvolvimento do país. No Brasil, na área das Etnociências, uma se sobressai. A Etnobotânica, sub- área provavelmente mais antiga e a que mantém em seu âmbito, um conjunto de professores e pesquisadores com um repertório de publicações e experiências mais consolidados e que, na ativa, continua a atrair novos pesquisadores e estudantes interessados nessa área. Fruto desse processo mais antigo e consistente de realização de trabalhos, a Etnobotânica vem obtendo, a cada ano, um espaço maior entre as sociedades científicas. A Sociedade Botânica do Brasil mantém em sua estrutura organizacional, o Grupo de Trabalho em Etnobotânica, encarregada de organizar e fomentar a área dentre os associados. Esse grupo se reúne no mínimo anualmente, e durante os CongressosNacionais, discutem temas relacionados com as necessidades da área, em reuniões satélites, além de promover, em conjunto com as comissões organizadoras, eventos técnicos, como palestras, mesas redondas e mini-cursos. Agregado ao GT, há uma rica parceria com o GELA, Grupo Etnobotânico Latino Americano, ampliando as ações em outros países irmãos. Diversas atividades conjuntas têm sido realizadas entre as entidades, com benefícios comuns. A Sociedade Botânica do Brasil também estabeleceu um comitê assessor dentro de sua revista científica, Acta Botânica Brasílica, na área de Etnobotânica, permitindo então que os trabalhos realizados nessa área possam ser publicados e divulgados com maior intensidade e abrangência. A partir de �996, com a fundação da Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia (SBEE), a Etnobotânica passa a ter outro canal de comunicação com a sociedade. Boa parte dos sócio-fundadores da SBEE é dessa área, o mesmo ocorrendo com os trabalhos apresentados em seus seminários nacionais bienais. No Brasil, a Etnobotânica tem conseguido um espaço crescente nos meios acadêmicos. Na área de ensino em nível de graduação e pós graduação, alguns dados foram obtidos por Fonseca-Kruel et al. (2���), num levantamento acerca do ensino acadêmico de Etnobotânica no Brasil. Há hoje oito Universidades que oferecem essa matéria nos currículos de graduação e nove na pós-graduação, nas áreas de Agronomia, Biologia, Farmácia e Engenharia Florestal. Estas Universidades abrangem todas as regiões geográficas brasileiras. Em áreas afins (Etnobiologia, Ecologia e manejo de Ecossistemas, Botânica Econômica, Farmacognosia, Etnoecologia, Plantas Medicinais, Ecologia Humana, �4 Plantas Hortícolas e Medicinais, Botânica Aplicada e Etnofarmacologia e outras), a Etnobotânica está incluída em tópicos destas disciplinas, em 24 cursos de graduação e oitos programas de pós graduação, em Universidades de todas as regiões brasileiras, nas mesmas áreas de pesquisas citadas anteriormente. Há uma concentração dos cursos e disciplinas na região Sudeste e Nordeste (�� e ��%, respectivamente), provavelmente devido à maior concentração de Universidades e docentes nessas regiões. As regiões Norte e Centro Oeste, com biomas considerados de alta diversidade vegetal e cultural, apresentam menor número de instituições de ensino que abordam o tema. Tal fato revela a necessidade da implementação de cursos e programas para o desenvolvimento desta disciplina nestes locais. Na Unesp, há disciplinas de Etnobotânica nos programas de graduação e pós-graduação nos campi de Rio Claro e Botucatu, tendo sido elaboradas e oferecidas a partir de �996. A análise dos conteúdos programáticos das disciplinas nas instituições de ensino revelou aspectos comuns com relação à abordagem conceitual da Etnobotânica, inserindo temas atuais, como a prospecção da biodiversidade, o desenvolvimento de novos produtos, a conservação da natureza e o uso sustentável dos recursos vegetais. Temas específicos são também focados, devido à diversidade cultural própria às diversas regiões brasileiras. Há, contudo, uma carência de materiais bibliográficos, com a utilização de poucas fontes e em geral manuais estrangeiros. Essa realidade começa a ser mudada aos poucos, com a publicação de algumas publicações relacionadas às técnicas e métodos de pesquisa em Etnobotânica no Brasil, com caráter didático. Esse retrato mostra um grande crescimento da área nos currículos acadêmicos brasileiros e há ainda outras disciplinas em processo de regulamentação, o que coloca a área como uma das que apresentam grandes índices de expansão. Em 2���, fruto também do reconhecimento da Etnobotânica como uma sub- área científica mais consolidada, o CNPq, ouvida a comunidade científica brasileira, apresenta uma proposta de discussão das novas áreas e sub-áreas de pesquisa no Brasil. Nesta proposta, a Etnobotânica está colocada como sub-área da Botânica, entrando no mesmo nível hierárquico que outras, como a Morfologia, Sistemática, Fisiologia, dentre outras. Isso representa um grande avanço para a área, incentivando ainda mais a ação dos pesquisadores envolvidos e atraindo novos interessados. Referências Bibliográficas Amorozo, M.C.M.; Ming, L.C. & Silva, S.M.P. (Eds.). 2��2. Métodos de coleta e análise de dados em Etnobiologia, Etnoecologia e disiciplinas correlatas. Pp. �8�-2�4. In�� Anais do I Seminário de Etnobiologia e Etnoecologia do Sudeste. Rio Claro. Coordenadoria de Área de Ciências Biológicas – Gabinete do Reitor – UNESP/CNPq. Fonseca-Kruel, V.S.; Silva, I.M. & Pinheiro, C.U.P. 2���. O ensino acadêmico da Etnobotânica no Brasil. Rodriguésia 56(8�)�� 9�-���6. Etnobiologia e etnoecologia no Brasil: dos inícios continuados no singular feminino plural José Geraldo W. Marques Laboratório de Etnobiologia / Depto. de Ciências Biológicas / Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) Capítulo 2 �� “E então nos sentamos todos e eu lhes disse que éramos todos colegos [grifo acrescentado]. E então o Belascoarán me disse que não se diz ‘colegos’, mas ‘colegas’. E então eu lhe disse que não, que ‘colegas’ é quando são mulheres e ‘colegos’ quando são homens. (...). E então eu lhes expliquei que nosso trabalho não se olha se estiver bem- feito, ou seja, se fazemos bem o nosso trabalho, ninguém olha [grifo acrescentado] (...). Mas, se fazemos mal o nosso trabalho, é uma desgraça.” Subcomandante Insurgente Marcos, 2006. Incitação temática A questão de gênero é de suma importância na pesquisa etnobiológica. Quanto a sujeit@s� de pesquisa, duas autoras suficientemente o demonstraram em recente artigo publicado no Journal of Ethnobiology (Pfeiffer & Butz 2���). Quanto a sujeit@s que pesquisam, pretendo demonstrar um pouco agora. Do ponto de vista prático, a questão é mais relevante ainda se levarmos em conta que o diálogo interfeminino poderá ser muito mais produtivo se e quando o objeto da pesquisa for “coisa de mulher”. A etnobiologia segundo Clément começou masculina (Clément �998). Nas três fases em que o autor divide a história da “disciplina” em períodos, pelo menos no que diz respeito à etnozoologia (Clément �99�), as mulheres inexistem - ou então são mudas! Embora a história da etnobiologia no Brasil ainda não tenha sido escrita nem devidamente sistematizada (e este trabalho pretende ser uma primeira e preliminar contribuição para isto), uma fase de precursores é claramente discernível - pelo menos na etnozoologia. Nela, a masculinidade parece predominar�� Rodolpho Garcia (Garcia �929), Hermann Baldus (Baldus �94�), Pedro de Lima, Eduardo Galvão (Lima & Galvão �949), Paulo Vanzolini (Vanzolini �9�8). Oswaldo Gonçalves de Lima (Gonçalves de Lima �946), por sua vez, seria exemplo de precursor em etnobotânica. Mesmo nessa fase prévia, porém, acredito que pelo menos o nome de uma mulher possa ser incluído�� Gioconda Mussolini. É exemplar esta sua afirmação�� “Tive oportunidade de conversar com inúmeros mestres de lanchas: todos eles com um verdadeiro calendário de �Depois da “Conferência da ONU sobre a Mulher”, em Beijing, China, o símbolo @ ficou convencionado para designar o masculino e o feminino ao mesmo tempo, para evitar as questões de gênero (exclusão). �8 pesca na cabeça, orgulhosos por conhecer como e quando procurar o ‘justo’ peixe, no ‘justo’ lugar”. Mussolini (1980). Será que nas fases subseqüentes de pioneirismo e do seu seqüenciamento, no caso brasileiro, o mutismo também foi norma? Poderíamos começar com um teste�� Quem conhece Ellen B. Basso? E Maria Heloisa Fénelon Costa? E Maria Aracy de Pádua Lopes da Silva? Talvez não muitos dentre nós, os que, entretanto semeamos e colhemos na mesma seara que elas... Pois é�� a primeira exerceu pioneirismo em etnotaxomia indígenano Brasil; a segunda foi pioneira em etnozoologia; a terceira o foi em etnoornitologia... Pois é! Ellen B. Basso�� a primeira, entre os antropólogos que trabalharam no Alto Xingu, a tratar de questões de taxonomia indígena. A esse respeito, reconhecendo o caráter hierárquico da classificação dos seres vivos pelos índios Kalapálo, defendeu tese de Ph.D. na Universidade de Chicago (Basso �969) e publicou livro em Nova Iorque (Basso �9��) - ao que me consta não traduzido para o português. Maria Heloisa Fénelon Costa�� artista plástica de formação, encantou- se pelas bonecas Karajá e foi positivamente impactada por um curso de especialização em etnologia que Darcy Ribeiro coordenou no Museu do Índio. Em conseqüência, nos inícios da década de �96� já atuava como antropóloga do Museu Nacional e dava início a suas viagens de pesquisa pelo Xingu, as quais ocorreram em �96�, �96�, �9��, �9��, �9�� e �9�8. Do seu trabalho de campo ao longo de �� anos, o qual incluiu coleta de desenhos espontâneos sobre a natureza junto a informantes de ambos os sexos e de todas as classes etárias, resultou um belo livro sobre os índios Mehináku, por eles ilustrado e contendo dados e análises sobre vegetais e animais (Costa �988). A parte que se refere a animais é particularmente notável e para escrevê-la a autora recorreu à competência de conhecidos zoólogos, a exemplo de Hypolithe Arlé, Ulisses Caramaschi e Dante Teixeira e utilizou Helmut Sick e José Cândido de Melo Carvalho como importantes referenciais. Embora a pesquisadora não utilize o prefixo etno para caracterizar os seus achados, o seu enfoque é claramente etnozoológico e etnotaxonômico e o interesse pela etnociência evidencia-se na referência a Harold Conklin. Ao tratar detalhadamente da classificação dos peixes, das aves e dos animais terrestres em geral, ela encontra uma categoria êmica de seres intermediários - entre eles o guará - e conclui que a taxonomia por ela encontrada também é “hierárquica”, porém valorizando devidamente as aspas com que marca o termo. A não utilização do prefixo etno deveu-se por certo a uma auto-avaliação que deve ter �9 resultado em mais conforto para a competente antropóloga que se julgou por certo zoologicamente não preparada. Isto pode deduzir-se das afirmações que ela faz em seu belo livro�� “Consegui levantar um vocabulário zoológico de relativa extensão(...).”“Pretendo tão-somente proceder neste trabalho à consideração de algumas das noções zoológicas incluídas numa concepção de Mundo indígena, relacionando-as aos desenhos espontâneos que as expressam ou as tornam mais perceptíveis, explicando aquilo que às vezes o verbal não consegue esclarece de modo suficiente”.(...) “Não é meu propósito, assim, estabelecer aqui uma etnozoologia [grifo acrescentado] alto-xinguana, ou mesmo apenas a elaborada pelos Mehináku, o que exigiria o concurso sistemático do zoólogo (...)”. Maria Aracy de Pádua Lopes da Silva�� Professora do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, chegou a implantar, neste Departamento, uma promissora linha de pesquisa em etnozoologia, infelizmente interrompida com a sua prematura morte. Sua orientação voltou-se especialmente para a etnoornitologia indígena (etno- ornitologia por vezes hifenizada, por certo refletindo o viés e a prudência de antropóloga lidando com temática das ciências biológicas), no que obteve “sucesso reprodutivo” pelo menos através de dois dos seus orientados�� no masculino, Eduardo Carrara (Carrara �99�) e no feminino, Isabele V. Giannini (Giannini �99�), o primeiro com trabalho de campo entre os Xavante e a segunda, entre os Kayapó-Xikrín. Ellen B. Basso, Maria Helena Fénelon Costa, Maria Aracy de Pádua Lopes da Silva... Quem tem notícia hoje das duas primeiras? Em que mundo, em que planeta elas se escondem? Aonde/onde? Da terceira, já se sabe�� depois de quase ter ensinado gente a virar pássaro, foi muito cedo virar estrela no lado de lá�� quem sabe mais uma híade, quem sabe mais uma d’alva, quem sabe mais uma plêiade?... A partir dessas três referências exemplares, cabe, pois, uma pergunta, sem dúvida relevante do ponto de vista de gênero�� por que se ignora tanto o papel das pioneiras em etnobiologia e etnoecologia no Brasil? Ou, talvez, mudando um pouco�� será que se ignora mesmo esse papel ou trata-se apenas de uma ilusão do que escreve? Parece-me que não, pois algum teste preliminar eu fiz (com “colegos” e colegas) e o resultado, embora prévio para se dizer que “a hipótese foi validada”, pareceu-me suficiente para “a confirmação as minhas suspeitas”. Assumo, pois, a título de desafio, esta pergunta básica�� por que se fala 2� bem mais nos homens do que nas mulheres da etnoecologia e da etnobiologia no Brasil? E faço-me outra�� será que é mesmo assim? Se fizermos um outro teste e pedirmos a alguém “do ramo” que cite os�� nomes de relevância na etnobiologia e na etnoecologia no Brasil que lhe venham primeiro à mente, quantas listas seriam encabeçadas por mulheres? E em quantas as mulheres seriam a maioria? Ou mesmo em quantas delas mais de uma mulher apareceriam? Ou até em quantas delas nenhuma mulher apareceria? E se pedíssemos uma lista só de mulheres, será que facilmente emergiriam mais de ��? As meninas exemplares Pois bem, neste trabalho, mais como um exercício amostral aplicado a mim mesmo, listo e/ou faço comentários sobre mulheres que sem dúvida alguma foram e/ou são de suma importância para a etnobiologia e a etnoecologia brasileiras. Sem elas, a nossa área de pesquisa teria uma qualidade muito inferior. Sua contribuição geratriz e nutriz alentou, alenta, aleita e aleitará caminhos e caminhantes inter, multi e trans que perpassam o território da complexa relação entre organismos & culturas. Chamo-as aqui, carinhosa e respeitosamente, de “As Meninas Exemplares”2. Sem dúvida, a tirania do tempo e a insuficiência do autor tornam inevitáveis as injustiças. Que me perdoem as injustiçadas. Fico-lhes a dever um próximo trabalho. O que aqui está deve ser visto muito mais como ponto de partida na forma de homenagem do que um ponto de chegada na forma de lista exaurida, uma contribuição para um histórico da etnobiologia e da etnoecologia no Brasil que faça receptoras do que lhes é devido pelo menos parte daquelas que o merecem. Para diminuir as injustiças, tentei definir critérios. Como o meu objetivo inicial era detectar pioneirismo, listei os seguintes, na certeza de que em pelo menos um deles as homenageadas brilhantemente inserem-se: a) Critério da intuição�� significando que mesmo na ausência de uma explicitação que recorresse ao prefixo etno, houve uma produção relevante que se encaixa no espírito da pesquisa etnocientífica; b) Critério de adesão�� significando que houve uma produção relevante intencional e explicitada de aderir ao espírito da pesquisa etnocientífica, seja à etnociência na sua forma clássica, seja à etnociência na sua forma ressemantizada; 2 No mínimo com a memória agradecida à Condessa de Ségur, cujo livro “As Meninas Exemplares” foi-me marcante leitura de infância. 2� c) Critério da primazia�� significando que em algum campo enquadrável na etnobiologia e/ou na etnoecologia, houve produção relevante de primeira mão; d) Critério da adversidade�� significando que por causa da adesão à pesquisa de caráter etnocientífico houve enfrentamento de hostilidades ou resistências devido à recalcitrância paradigmática (no sentido kuhniano) de pares e/ou nos ambientes de trabalho; e) Critério da reprodutibilidade�� significando que a produção teve e/ou tem impacto significativo (representado por referenciamento) no meio acadêmico e/ou que a contribuição pessoal (representada por orientações) para a formação transgeracional é relevante. Todo ou quase todomundo, suponho, conhece Berta G. Ribeiro, o que além de ser muito justo é muito bom – e vice-versa! Se levássemos, porém, adiante o nosso teste e perguntássemos quem ela teria sido, creio que muitos responderiam tratar-se da “mulher de Darcy Ribeiro”... Se isto acontecesse – e desconfio firmemente que possa acontecer! – seria uma grande injustiça! Indubitavelmente, no que diz respeito à etnobiologia e à etnoecologia, Darcy, mesmo sendo o grande Darcy, é que deveria ser conhecido como “o marido da Berta”, mesmo em sendo verdade aquilo que na sua modéstia de mulher genial e na sua reverência pelo homem que tanto amou, ela tenha chegado até a escrever�� “Aprendi antropologia - além da formação universitária – com Darcy Ribeiro na viagem de oito meses, feita em 1948, aos índios Kadiwéu e por ter datilografado os seus manuscritos de 1948 a 1974”. Ribeiro (1995) A ela e para com ela, por mais que justiça se lhe faça (a exemplo do Prêmio Érico Vanucci Mendes que lhe foi concedido), sempre remanesceremos em estado de dívida. Dúvida nenhuma, porém, pode pairar sobre a sua excelência de pioneira em vários campos dos estudos etnocientíficos no Brasil, a exemplo da etnoictiologia, da etnobotânica, da etnoastronomia, da etnoecologia. Pelo critério da adesão acima listado, dois dos capítulos do seu livro sobre o índio na cultura brasileira (Ribeiro �98�) merecem ser especialmente citados pela explicitação esteticamente construída dos seus títulos�� a) A natureza humanizada�� o saber etnobotânico [grifo acrescentado]; b) A natureza domada�� o saber etnozoológico [grifo acrescentado]. Na etnoictiologia, seu trabalho de campo realizou-se tanto na década de �98� quanto na década de �99� e sua sistematização tomou forma através de um capítulo inserido no livro “Os índios das Águas Pretas” que inclui um subcapítulo explicitamente intitulado “Etnoictiologia Desâna” (Ribeiro 22 �99�). Neste livro, há ainda um capítulo que explicitamente relaciona-se com etnobotânica�� “Etnobotânica Desâna�� Plantas Artesanais” e com relação ao livro todo ela chega a afirmar que o deve ao seu informante principal Tolomã Kenhíri�� “Talvez devesse ser assinado também por ele. Na verdade, todas as informações de campo - ou quase todas – são de sua autoria. Desde 1978, quando o encontrei na Missão Salesiana Pari-Cachoeira e lhe falei do meu projeto, nada mais fiz do que escrever em forma passível de leitura, os dados que me ia passando.” Ribeiro (1995) É ainda no campo da etnoictiologia que ela pouco depois enfatiza ainda mais o papel de Kenhíri, pois com ele divide co-autoria em um capítulo de livro; (Ribeiro & Kenhíri �996) organizado por Crodowaldo Paván. Trata-se na realidade um dos seus últimos trabalhos, produzido à iminência do câncer que em breve deixar-nos-ia meio órfãos. E foi um ato bastante corajoso, uma vez que o texto foi produzido para apresentação de conhecida e reconhecida antropóloga do Museu Nacional da UFRJ em Conferência Internacional que procurava uma estratégia latino-americana para a Amazônia (Paván �996). Na etnoastronomia - e fortemente relacionando-se com etnoecologia pela via da etnometeorologia - é notável o seu artigo relacionando “chuvas e constelações” de acordo com o ponto de vista dos índios Desâna (Ribeiro & Kenhíri �98�). Notável por vários motivos, dois deles merecendo especial comentário�� primeiro, a parceria que pela primeira vez ela oferece a Tolamãn Kenhíri, concretizando-o simetricamente como co-autor, coisa que ela o faz de forma natural, competente, honesta e sincera; segundo, pelo fato de que, embora sendo um artigo publicado em revista de divulgação científica (Ciência Hoje), ganhou tantas citações no meio acadêmico que passou a ser um texto exemplar, agora quase que um clássico referencial obrigatório entre praticantes de etnoecologia. Uma das suas contribuições maiores, porém, foi o trabalho que coordenou culminando na publicação do vol. � da Suma Etnológica Brasileira (Ribeiro �986), agora a Bíblia dos que se iniciam em etnobiologia no Brasil. É interessante registrar que a organização desse volume muitas vezes é atribuída a Darcy Ribeiro, tornando-se mesmo impossível pela ficha referenciada pelas normas da ABNT constante do livro fazer justiça a Berta. Uma questão no mínimo interessante parece-me ser a de descobrir quem, dentre as “meninas exemplares”, ocuparia o decanato (no sentido de tempo de atuação e não de idade, pois sabemo-las todas maiores - além de já terem conquistado uma idade que é perene!). Por enquanto, considero duas possíveis 2� candidatas�� Maria Elisabeth van den Berg e Maria Thereza Lemos de Arruda Camargo. Maria Elisabeth van den Berg (Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém - PA)�� publicou pelo CNPq em �982, sobretudo com propósitos didáticos, o seu manual sobre plantas medicinais da Amazônia (Berg �982), um livro que é ao mesmo tempo trabalho de importância taxonômico/sistemática e referencial de peso sobre os usos populares que caracterizam amazônidas da região de Belém na lida com doenças. Neste trabalho, a autora faz referência às mais de �.��� plantas utilizadas com fins terapêuticos que ela teria levantado “pela Amazônia afora” e afirma que a maior parte do material descrito no livro é proveniente da sua coleção viva ou de coletas realizadas em feiras (principalmente a do Ver-o- Peso) e no interior da região. Refere-se ainda às entrevistas que teria conduzido com feirantes, mateiros, interioranos e outros elementos das mais diversas camadas sociais durante mais de doze anos de pesquisas, o que pressupõe seu trabalho como etnobotânica tenha sido iniciado ainda na década de �96�. Assim, a sua candidatura ao decanato feminino na pesquisa etnobiológica brasileira emerge com fortes possibilidades. Um outro trabalho de sua lavra que também teve caráter pioneiro, principalmente por já demonstrar nos idos da sua publicação (primeira metade da década de �98�) que uma etnobiologia urbana era perfeitamente factível, relacionou-se com a etnobotânica do famoso Mercado Ver-o-Peso de Belém do Pará (Berg �984). Ele foi apresentado no Simpósio sobre Etnobotânica no Neotrópico e incluído no livro que G. T. Prance publicou sobre o mesmo (Prance �984). Nele, a autora afirma ter iniciado o seu trabalho de campo relacionado com o Ver-o-Peso em �96� e intensificado-o em �9��, o que mais uma vez reforça a sua possibilidade de decanato. Também relacionada com etnobiologia urbana foi a sua pesquisa realizada em São Luís, em uma das mais antigas e tradicionais casas de culto (voduns) de origem africana (daomeiana) no Maranhão e no Brasil, a famosa Casa das Minas, onde na década de �98� a autora coletou in situ informações e espécimes relacionados a �26 espécies botânicas utilizadas como alimentos, banhos, liturgia e medicina (Berg �99�a). Algumas das suas outras pesquisas estiveram relacionadas com plantas de origem africana de valor sócio-econômico na Região Amazônica e no Meio- Norte do Brasil (Berg �99�b), com a flora medicinal do Maranhão (Berg �984) e com abluções tradicionais do Pará (Berg �986). Maria Thereza Lemos de Arruda Camargo�� pesquisadora fundadora do Herbário Etnobotânico Duglas Teixeira Monteiro do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Detalhes sobre o banco de dados deste Herbário encontram-se na primeira parte de um livro por ela publicado (Camargo �999), cuja segunda parte trata das plantas 24 usadas no Catimbó norte-rio-grandense, trabalho que, em �989, lhe garantiu o Prêmio Nacional Câmara Cascudo. Na apresentação do livro, O Prof. Carlos Chifa, Titular de Etnofarmacobotãnica da Universidad Nacional del Nordeste, Argentina, refere-se “aos mais de �� anos de pesquisas” da autora, sendo que esta multiplicidade de décadas também por ela é assumida em um dos seusoutros livros (Camargo 2���). Nas suas próprias palavras�� “Nos trinta anos de pesquisa [grifo acrescentado], trilhando os mais variados caminhos em busca do saber popular relativo ao valor das plantas que curam levaram- me a conhecer de perto as práticas médicas que o povo adota, herança de uma medicina ancestral ajustada, com o passar do tempo, às diferentes realidades sócio-culturais, tanto de sociedades urbanas como rurais e de maior ou menor densidade demográfica.” As suas publicações sempre voltadas para a etnobotânica, demonstram um claro interesse por plantas medicinais e por aspectos ritualísticos de religiões de matrizes africanas (e.g., Camargo �9�6; Camargo �988; Camargo �99�). Com pesquisa em contexto urbano, inclusive na capital paulista e arredores (Tremembé e Embu), sua contribuição quanto a aspectos metodológicos da pesquisa também é importante (Camargo �988; Camargo 2���). Se é pelo critério de primazia, um nome que bem merece referência é o de Tekla Hartmann. Em �96�, ela publicou pelo Instituto de Estudos Brasileiros da USP o livro “A Nomenclatura Botânica dos Borôro. Materiais Para Um Ensaio Etno-Botânico”, cujo escopo é “parte de uma preocupação de longa data com o complexo das relações do indígena brasileiro, particularmente do Borôro, com a flora e seu habitat” (Hartmann �96�). A sua pesquisa, da qual o livro resultou, está para o pioneirismo em etnotaxonomia indígena de vegetais no Brasil (etnobotânica, apesar do hífen no título), como a de Maria Heloísa Fénelon Costa, acima citada, está para o pioneirismo em etnotaxonomia indígena de animais. A deduzir das suas afirmações, pelo menos uma viagem de campo foi realizada em �96�. A ultrapassagem de fronteiras e a conquista de nome e renome internacionais estão entre as características mais marcantes de duas das professoras e pesquisadoras brasileiras�� Elaine Elisabetsky, ex-UFPA e atual UFRGS, e Alpina Begossi, ex-NEPAM e atualmente Museu de História Natural da UNICAMP. A primeira, Doutora em Farmacologia pela Universidade de São Paulo, é Biomédica e Professora Adjunta do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Básicas da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. Tem se distinguido sobremaneira na área de 2� etnofarmacologia (e.g., Elisabetsky �986a; Elisabetsky �986b; Elisabetsky & Nunes �99�; Simões et al. 2���), sendo atualmente uma referência obrigatória entre os seus pares. Além disso, exerceu a Presidência da Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia, contribuindo seguramente para consolidá-la. A segunda, Doutora em Ecologia pela Universidade da Califórnia, é Bióloga e leciona Ecologia Humana no Instituto de Ciências Biológicas da UNICAMP, em Campinas. Tem publicações múltiplas nas quais o prefixo etno agrega-se a diversas áreas�� etnozoologia (e.g., Seixas & Begossi 2���), etnobotânica (e.g., Begossi �996), etnoictiologia (e.g., Paz & Begossi �996). Em etnoictiologia, no Brasil, cabe-lhe a primazia do primeiro artigo científico publicado (Begossi & Garavello �99�; Marques �99�). As duas preenchem bem o critério de reprodutibilidade, pois além de terem citações persistentes e permanecentes por pares, também têm conseguido “sucesso reprodutivo” através de múltiplos orientados, alguns já se destacando nacionalmente. Dentre estes – e apenas a título ilustrativo para não fazer injustiça aos demais – merece relevante menção o nome da atual Professora da Universidade Federal de Santa Catarina - onde ativamente atua na pesquisa etnobiológica - Natalia Hanazaki, orientada que foi de Alpina Begossi. Um trabalho de destaque internacional foi também o livro de Clarice Novaes da Mota (UFRJ, UFSE), publicado na Inglaterra, sobre os índios Xokó e Kariri-Xokó, seus rituais secretos, suas práticas curativas, seu uso de enteógenos (Mota �99�). O livro, lançado uma década depois da defesa da sua tese de doutorado sobre o mesmo tema (Mota �98�), resultou de pesquisas de campo iniciadas nos começos da década de �98�. Doutora em Antropologia Social, com pós-doutorado em Etnobotânica, a professora e pesquisadora tem concentrado sua produção mais relevante em tópicos relacionados com enteógenos, principalmente com a jurema e a ayahuasca em diversos contextos, inclusive no urbano (e.g., Mota �99�; Mota �996; Mota 2��2). Com José Flávio Pessoa de Barros, praticou, inclusive, observação participante em centros de Umbanda e Candomblé do Rio de Janeiro. Com referência à UFRJ também são os trabalhos de Edna M. Machado- Guimarães (e.g., Machado-Guimarães �998), que se relacionam inclusive com etnobotânica (Restinga de Maricá RJ) e etnoecologia (Carapebus RJ). Com respeito à etnobotânica seu interesse esteve relacionado com o conhecimento tradicional sobre a flora possuído por um grupo transgeracional de pescadores artesanais, sendo que, a partir daí, teve origem o Banco de Dados Etnoflorísticos das Restingas Fluminenses. Quanto à etnoecologia, a pesca artesanal na Lagoa de Carapebus tem sido especialmente contemplada através de um continuado projeto de pesquisa. Continuado também tem sido o assento da professora e pesquisadora no Conselho da SBEE. A ultrapassagem de fronteiras e a conquista de nome e renome nacionais, 26 por sua vez, marcou a produção de Laure Emperaire e de Janet Chernella. A primeira, atualmente sediada no Institut de Recherche pour le Dévelopement em Paris, tem ao longo do tempo mantido um pé na Europa e outro no Brasil e no e sobre o Brasil, sua mão tem se estendido desde o Piauí (Emperaire �9�8; Emperaire �98�; Emperaire �986; Emperaire �99�) à Amazônia (e.g., Emperaire et al. �998). No contexto amazônico, os seus trabalhos têm se relacionado principalmente com extrativismo e agrobiodiversidade (mandioca). No contexto nordestino, os seus trabalhos sobre a caatinga têm absoluta primazia quanto à abordagem etnobotânica desse bioma e a sua orientação de tese de doutorado em etnoecologia (Borges 2��4) permite que ela seja incluída, dentre as mulheres, entre os pioneiros que exploram e conferem as reais possibilidades de se trabalhar com etnoecologia em contextos urbanos. Janet Chernella esteve ligada ao INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) e um dos seus trabalhos principais encontra-se incluído no Volume I da Suma Etnológica Brasileira (Ribeiro �986). Trata dos cultivares de mandioca dos índios Tukâno na área do Uaupés (Chernella �986). Quanto a cultivares de mandioca, uma outra professora e pesquisadora que se notabilizou foi Maria Christina Amorozo do Departamento de Ecologia do IB da UNESP em Rio Claro (v. Amorozo �996; Amorozo 2���). Ligações culturais a ela relacionadas, colaterais e na verticalidade, são de importância para a etnobiologia e a etnoecologia no Brasil. Na vertical, ela é “filha cultural” de Renate Brigitte Viertler (portanto neta de Gioconda Mussolini), a qual, embora na sua produção individualizada tenha tocado em estudos etno de forma mais tangencial (Viertler 2���), influenciou a todos ou pelo menos a muitos dos que atuam diretamente nessa área, principalmente através dos seus escritos em antropologia ecológica / ecologia cultural (e.g., Viertler �982; Viertler �988). Como “filha cultural” da Profa. Renate, ela é irmã de Joana A. Fernandes Silva, que, por sua vez, publicou importante livro sobre etnoecologia do Pantanal dividindo autoria com Carolina Joana da Silva (Silva & Silva �99�). Esta professora e pesquisadora (UFMT, UNIMAT) deu uma importante contribuição para que se compreenda emicamente a cultura pantaneira ao publicar trabalho sobre “batume” e “diquada” (Silva �984). A irmandade via Profa. Renate estende-se também a Cristina Adams que, embora sem utilizar a expressão etnoecologia, publicou, ainda na década de �98�, interessante trabalho sobre “as florestas virgens manejadas” da Amazônia, que,lato sensu, bem poderia enquadrar-se nessa área (Adams �984). A ligação colateral relevantemente produtiva da Profa. Amorozo, no entanto, deu-se com Anne Gély, autora de ligação com o Departamento de Botânica do Museu Goeldi com quem dividiu autoria de publicações sobre plantas medicinais (e.g., Amorozo & Gély �988). Sobre este tópico, Gély também publicou artigo com Elisabetsky (Elisabetsky & Gély �98�). 2� Por último, mas seguramente não menos importantes, são três citações, uma do Sudeste e duas nordestinas�� Eliana Rodrigues (UNIFESP), Laíse de Holanda Cavalcanti de Andrade (UFPE) e Mara Zélia de Almeida (UFBA), cujo interesse tem se dirigido com ênfase, prioridade ou exclusividade, para plantas medicinais. A primeira, ao trabalhar com comunidades indígenas (Krahô), tornou-se emblemática por ter sido @ primeir@ membr@ da nossa comunidade de pesquisa que “caiu na malha fina do CGEN”. Seu objeto de pesquisa (plantas com potencial efeito no sistema nervoso central) é extremamente delicado e da mais alta relevância social e científica e a sua produção tem correspondido ao esperado em tal situação (e.g., Rodrigues & Carlini, 2��4). A segunda, poderia encabeçar listas de etnobotânic@s competentes sob quaisquer aspectos. Conseguiu pioneiramente implantar em níveis de graduação e pós-graduação na sua Universidade disciplinas relacionadas com a relação entre pessoas e plantas e exemplarmente reproduziu-se através do seu “filho cultural” Ulysses Paulino de Albuquerque, com quem tem dividido autoria de publicações, inclusive sobre uso de recursos na caatinga (e.g., Albuquerque & Andrade 2��2a; Albuquerque & Andrade 2��2b). A terceira, salienta-se por estudos relacionados com religião de matriz africana, os quais são autoritativamente relevantes pela sua vivência pessoal e familiar em ambientes da própria prática religiosa, o que lhe confere um caráter de “etnógrafa da própria cultura”. A esse respeito, o livro que publicou sobre plantas medicinais no candomblé de nação Angola (Almeida 2���) dá-lhe testemunho singular. A prova dos nove Como espero ter demonstrado, não houve e não há mutismo feminino na história da etnobiologia no Brasil. Pelo contrário, as mulheres têm falado e têm-no feito em alto e bonito som, em forte e acertado tom, caracterizando um itinerário singular feminino plural. O semi-mutismo estranho parece ser de fato o que a comunidade como um todo parece devotar-lhes, para cujo declínio espero estar contribuindo com este trabalho. Em nada as colegas ficam em dívida com seus “colegos”, nem em permanência (como precursoras, pioneiras e seguidoras), nem em abrangência (temática e geográfica), nem em produção (qualidade e quantidade). Até mesmo, muito provavelmente devido a um contexto histórico de ventos mais favoráveis, a velada “permissão” social para a entrada feminina, tão característica em outras ciências, foi desnecessária. Elas valorosamente abriram as portas e competentemente pediram passagem. Desde �96� as suas publicações estão aí. Do Norte ao Sul – passando pelo Sudeste, do Nordeste ao Centro-Oeste, trabalhando entre camponeses, quilombolas, caiçaras, ribeirinhos, caboclos, indígenas, etc., quer seja na Floresta 28 Atlântica, quer na Amazônia, no Pantanal ou na Caatinga, as suas pesquisas, tanto em contextos urbanos quanto em contextos rurais, têm coberto os mais diversos tópicos�� religiões de matrizes africanas, etnobotânica, etnozoologia (com ênfase em etnoornitologia e etnoictiologia), etnoecologia, etnoastronomia, agricultura (c/ agrobiodiversidade), enteógenos, etc. Dentre as plantadoras dos inícios, muito poucas foram as que já “viraram constelação”. Todas as outras continuam aí�� vivas, belas, lépidas e fagueiras. Longa vida para elas! Sejam elas as nossas estrelas! Referências bibliográficas Adams, C. �994. As florestas virgens manejadas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi - Série Antropologia 10(�)�� �-�9. Albuquerque, U.P. & Andrade, L.H.C. 2��2a. 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Cristina Baldauf Representante da regional sul da Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia (SBEE); �esquisadora do Núcleo de �esquisas em Florestas Tropicais (NPFT-UFSC). cris@ccb.ufsc.br Capítulo 3 �� Contextualização inicial “No terreno da educação ainda se encontram ambientes fechados, com aquele ar parado das certezas prontas”. Hugo Assmann A etnobiologia pode ser compreendida como o estudo do conhecimento e das conceituações desenvolvidas por qualquer sociedade a respeito do mundo natural e das espécies (Posey �98�). Busca entender os processos de interação das populações humanas com os recursos naturais, com especial atenção à percepção, conhecimento e usos (Hanazaki 2��2). De acordo com Clément (1998), a etnobiologia �istoricamente pode ser dividida em três períodos: pré-clássico, clássico e pós-clássico. Segundo o mesmo autor, durante o período pré-clássico, iniciado aproximadamente no ano de 1860, o enfoque dado aos estudos estava centrado na coleta de informações sobre o uso de recursos. No período clássico, o qual tem início no ano de 1954, foi realizado um grande número de trabal�os de cun�o lingüístico e de classificaç�o etnobiológica, muitos dos quais tem por foco a perspectiva êmica, ocorrendo uma crescente utilizaç�o de metodologias oriundas da antropologia. Atualmente vivenciamos o período pós-clássico da etnobiologia, o qual teve como marco inicial o ano de 1981 (Clément 1998). Neste período surgiram as sociedades acadêmicas e periódicos especializados e o enfoque de um grande número de pesquisas convergiu para o estudo do manejo de recursos naturais em diferentes grupos étnicos, promovendo uma interaç�o entre a etnobiologia e a conservaç�o. Além disso, s�o temas recentes em etnobiologia a necessidade de proteç�o e regulamentaç�o ao acesso ao con�ecimento tradicional/local, assim como a repartiç�o de benefícios com os detentores do con�ecimento associado a um dado recurso. O envolvimento das populações nas pesquisas, n�o apenas como fornecedoras de informações ou material biológico, mas como co-partícipes do projeto também é uma tendência do período pós-clássico da etnobiologia e reforça um de seus objetivos que é “promover um arcabouço teórico para integrar os diferentes sub-setores das ciências naturais e sociais com outros sistemas científicos” (Posey 1986). A integraç�o proposta pela etnobiologia se dá a partir de processos dialógicos entre diferentes saberes. Esta perspectiva dialética, a qual cria um diferencial nos estudos etnobiológicos, n�o se preocupa (ou n�o deveria se preocupar) unicamente com descrever ou caracterizar o con�ecimento destes atores sociais, mas também em promover uma articulaç�o deste con�ecimento com o “con�ecimento científico sistematizado”, a qual �6 resulte em transformações críticas e resoluç�o de problemas locais. Etimologicamente, o nome “academia” vem de heka (=longe, distante) e dêmos (= povo) (Brand�o 1991, apud D´Ambrósio 2001) e de fato, a academia ao longo de sua �istória ignorou uma multiplicidade de con�ecimentos e manifestações destes, ao eleger o saber científico como única possibilidade epistemológica. Assim, a etnobiologia, de certa forma, inverte a lógica dos objetivos “nobres” do saber pelo saber, do saber como um fim em si mesmo e busca a aproximaç�o da academia com as “questões reais” dos seus antigos objetos de estudo, agora parceiros de pesquisa. Ao longo de sua �istória, a etnobiologia foi se estruturando sob a lógica disciplinar (etnobotânica, etnozoologia, etnoecologia, etnomicologia, entre várias outras), sendo que, de acordo com Martin (1995), o prefixo ethno unifica todas estas especialidades, representando o modo de outras sociedades olharem o mundo. No entanto, a despeito de seu desdobramento em inúmeras especialidades, assim como do envolvimento crescente de pesquisadores e estudantes e do aumento do número de estudos na área, a etnobiologia ainda n�o se encontra sistematizada e formalizada dentro do espaço acadêmico. Apesar da existência de lin�as de pesquisa com temática etnobiológica em algumas universidades no país, n�o existe nen�um curso de pós-graduaç�o específico até o momento. Além disso, conforme destaca Fonseca-Kruel et al. (2005), poucas instituições já inseriram em suas grades curriculares, seja na graduaç�o ou pós-graduaç�o, disciplinas ou cursos específicos relacionados às Etnociências no Brasil. Neste contexto, a proposta deste trabal�o é avaliar a situaç�o da etnobiologia no universo acadêmico na regi�o sul do Brasil, a fim de estabelecer estratégias para sua inserç�o e fortalecimento nas instituições de ensino superior do país. Para tanto, foram realizados contatos através de correio eletrônico com os participantes do 1º Simpósio de Etnobiologia e Etnoecologia da Regi�o Sul (SEESUL - 2003) que desenvolveram trabal�os ou estavam vinculados a universidades desta regi�o. Também auxiliaram na coleta de dados os sócios da Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia (SBEE) que atuam no sul do país. Foram ainda utilizadas as ferramentas de busca dos portais eletrônicos das universidades da regi�o sul e da Plataforma Lattes do CNPq com a finalidade de identificar os grupos e iniciativas que atuam na temática etnobiológica no âmbito acadêmico (grupos de pesquisa, disciplinas oferecidas, populações e temas contemplados). Cabe salientar que é apresentado aqui um pequeno diagnóstico e algumas re��exões sobre a etnobiologia no sul do Brasil, os quais tiveram por objetivo identificar tendências e n�o gerar listas de pesquisadores e instituições. Para este último fim, recomenda-se a consulta do manual organizado pela Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia (SBEE) intitulado “Quem é quem na Etnobiologia e Etnoecologia no Brasil”. �� A Etnobiologia e as questões curriculares “O próprio conhecimento e o currículo devem ser vistos como produtos de relações sociais. Eles não são coisas, como a noção de conteúdo leva a crer.” Tomaz Tadeu da Silva As iniciativas de ensino da etnobiologia na regi�o sul se valem de estratégias distintas. Uma estratégia bastante comum é a realizaç�o de cursos de extens�o, ciclos de debate ou palestras/cursos sobre etnobiologia em semanas acadêmicas, principalmente nas áreas de ciências agrárias, ciências biológicas e ciências da saúde. A temática também é abordada em cursos de especializaç�o em fitoterapia e plantas medicinais. Na maioria das atividades mencionadas o enfoque disciplinar tem sido o da etnobotânica. Atualmente a abordagem mais utilizada no ensino da etnobiologia tem sido a inserç�o através de tópicos ou módulos dentro de disciplinas pré-existentes nas grades curriculares de diferentes cursos de graduaç�o. Assim, elementos de etnobiologia (sobretudo a etnobotânica e a etnofarmacologia) aparecem dentro de disciplinas como “botânica geral”, “botânica econômica”, “plantas medicinais”, “agrossilvicultura regional”, “pesquisa de plantas aromáticas e medicinais”, “�orticultura aplicada”, “ecologia �umana”, “farmacologia para biologia”, sendo que grande parte destas tem como foco aspectos relacionados ao uso de plantas medicinais. Em poucos cursos de graduaç�o e pós-graduaç�o da regi�o sul já s�o oferecidas disciplinas (de caráter optativo) com enfoque etnobiológico tais como: “ecologia �umana e etnobiologia”, “introduç�o à etnobotânica” e “etnofarmacologia”. Sem dúvida, tais iniciativas devem ser ampliadas, de forma a atingir mais cursos e instituições. Para tanto, é inevitável que o “currículo vigente” seja questionado. As discussões sobre currículo só gan�am o devido espaço quando surge alguma proposta de introduç�o de uma nova disciplina, de exclus�o de disciplinasou retorno de disciplinas abandonadas. E, no entanto, grande parte das questões referentes ao ensino perpassa o currículo, uma vez que este pode ser considerado o núcleo do processo institucionalizado de educaç�o. Ou ainda como propõe D´Ambrósio (2001), o currículo deve ser entendido como uma estratégia de aç�o educativa. No entanto, como sempre lembrava Paulo Freire, como educadores estamos envolvidos em uma luta sobre significados, em um pano de fundo onde somente alguns significados s�o considerados legítimos, só algumas formas de compreender o mundo terminam tornando-se “con�ecimento oficial”. Esse �8 processo n�o evolui de forma natural. Este “pano de fundo” está estruturado de tal forma que os significados dominantes têm mais possibilidade de circular, afinal o con�ecimento nunca é neutro. Con�ecimento é poder e a circulaç�o de con�ecimento é parte da distribuiç�o social do poder. Desta forma, a dificuldade para a etnobiologia se expandir e consolidar no universo acadêmico n�o reside exclusivamente no fato de que estamos falando de uma ciência nova. N�o �á dúvida que tal fato é verdadeiro e por ser uma ciência relativamente nova, a etnobiologia, assim como todos seus desdobramentos disciplinares, ainda n�o tiveram tempo suficiente para se organizar e formalizar dentro da academia como as demais ciências. Contudo, ressalta-se aqui, que parte deste “atraso” se deve a uma resistência da “ciência oficial” ao recon�ecimento de um novo campo de con�ecimento representado pela etnobiologia, uma vez que esta tem por finalidade, conforme Costa Neto (2002), o estudo das formas alternativas e marginais de con�ecimentos e práticas correspondentes, quebrando o monopólio epistemológico imposto pela ciência moderna. Além disso, é sempre bom lembrar que através das “áreas” que se organizam cursos, departamentos e, principalmente, financiamento de pesquisas. No entanto, existe uma demanda criada, a qual n�o pode mais ser negada. É evidente o aumento do número de trabal�os, bem como de estudantes e pesquisadores atuando nas diversas subdivisões da etnobiologia. Concomitantemente, acompan�a-se o fortalecimento de grupos de pesquisa, o refinamento metodológico (em parte catalisado por críticas da “ciência oficial”), bem como a estruturaç�o de novas lin�as e grupos de pesquisa. Já na área da educaç�o, verifica-se o aumento gradual do número de disciplinas da área nas grades curriculares, tanto na graduaç�o como na pós- graduaç�o. Todavia, aqui surge uma certa contradiç�o, fundamentada no caráter essencialmente interdisciplinar da etnobiologia. Seria a introduç�o de “etnodisciplinas” no currículo dos cursos de graduaç�o e pós-graduaç�o a estratégia mais adequada para fortalecimento do ensino de etnobiologia? “Etnodisciplinas”: Uma das soluções possíveis “Sabemos que, originalmente, a palavra “disciplina” designava um chicote utilizado no autoflagelamento e permitia, portanto, a autocrítica; em seu sentido degradado, a disciplina torna-se um meio de flagelar aquele que se aventura no domínio das idéias que o especialista considera sua propriedade”. Edgar Morin �9 Segundo Oliveira (2004), as c�amadas disciplinas ou “áreas” s�o desenvolvimentos �istóricos de processos consecutivos e seqüenciais de especializaç�o do saber a partir da tradiç�o filosófica grega, a partir do final da Idade Média, sendo importantes sociologicamente porque servem de critério de organizaç�o para a atual forma de produç�o do con�ecimento nas sociedades ocidentais. O pensar disciplinar progrediu até atingir uma incrível capacidade de penetrar profundamente em seus estreitos campos de re��ex�o, mas por outro lado, perdeu a capacidade de uma vis�o ampla e global. No caso da pesquisa em etnociências, sua compartimentalizaç�o pode levar a uma focalizaç�o prévia do saber do outro, recortando-se, de início, muito do que se quer, deliberadamente encontrar (D´Olne Campos 2002). Na educaç�o, a ênfase no domínio das disciplinas também tem sido perniciosa, uma vez que se procura justificar os conteúdos de um programa com base na lógica de cada disciplina (D´Ambrósio 2001). Ainda assim, as universidades s�o organizadas a partir das disciplinas e os currículos s�o nada mais do que uma multidisciplinaridade. N�o se pode esquecer que criar novas áreas de pesquisa, de natureza interdisciplinar, esbarra em um tipo de corporativismo departamental (D´Ambrósio 1997). Entretanto, embora sejam uma realidade, as “áreas” s�o um a posteriori �istórico e n�o um a priori sem o qual n�o podemos pensar (Oliveira 2004). Desta forma, a academia deve urgentemente recon�ecer os novos paradigmas do con�ecimento, partindo para uma nova dinâmica curricular, incorporando modelos interdisciplinares e transdisciplinares. Esta afirmaç�o é ainda mais relevante no caso da etnobiologia, ciência que deve enfatizar as categorias e conceitos cognitivos utilizados pelos povos em estudo (Posey 1987), os quais certamente n�o se organizam de forma disciplinar. Além disso, os trabal�os etnobiológicos costumam reunir e integrar métodos, técnicas e conceitos de variadas disciplinas. Com isto, n�o está sendo afirmado aqui que a abordagem disciplinar n�o ten�a sido importante na evoluç�o dos estudos etnobiológicos. Mais do que isto, ela ainda ser� importante por algum tempo, pois possibilita a organizaç�o e o aprofundamento de diversas questões e permite o avanço dos aspectos metodológicos. O que se quer pontuar é que estratégias pedagógicas alternativas ao enfoque compartimentalizado nas etnociências podem (e devem) ser estimuladas. Ainda que a implementaç�o de estratégias curriculares inter/ transdisciplinares na etnobiologia seja uma meta em todo o país, algumas iniciativas da regi�o sul podem ser destacadas, entre elas a recente criaç�o de uma “disciplina n�o-disciplinar” c�amada etnoconservaç�o (oferecida em um curso de pós-graduaç�o de Botânica), bem como a realizaç�o de disciplinas compartil�adas entre diferentes cursos de pós-graduaç�o da mesma instituiç�o. 4� Estas corajosas e criativas iniciativas, as quais transcendem as limitações impostas pelos métodos e objetos de estudos das disciplinas, s�o raras, devendo ser ampliadas e valorizadas. Temáticas abordadas e linhas de pesquisa “Instrumento que também contém sobras e pedaços por meio dos quais se realizam arranjos estruturais. Os fragmentos são obtidos num processo de quebra e destruição, em si mesmo contingente, mas sob a condição de que seus produtos ofereçam entre si certas homologias: de tamanho, de vivacidade, de cor, de transparência. Eles não têm mais um ser próprio em relação aos objetos manufaturados que falavam uma “linguagem” da qual se tornaram os restos indefiníveis; mais sobre um outro aspecto, devem tê-lo suficientemente para participar de maneira útil da formação de um ser de tipo novo”. Lévi-Strauss, sobre o caleidoscópio. Dentro da etnobiologia na regi�o sul, existe uma diversidade de temáticas abordadas. Entretanto, é possível afirmar que grande parte dos temas envolve questões relacionadas à conservaç�o da biodiversidade e ao manejo dos recursos naturais. Desta forma, muitas das pesquisas enfocam o manejo de produtos ��orestais (madeireiros e n�o-madeireiros) por populações tradicionais/locais. S�o realizados trabal�os em diferentes formações ��orestais e também em agroecossistemas, sendo que alguns destes trabal�os buscam a geraç�o de alternativas de renda para as comunidades estudadas. Ferramentas da etnobiologia, especialmente da etnoecologia e da etnobotânica, s�o ainda utilizadas na gest�o ambiental participativa de recursos e na elaboraç�o de estratégias de manejo de populações naturais. Em relaç�o aos ambientes aquáticos, existem pesquisas que visam analisar a percepç�o, a classificaç�o, a nomenclatura, o con�ecimento ecológico locale o uso dos organismos aquáticos pelas populações �umanas. Destes últimos, destacam-se os estudos relacionados à pesca artesanal, bem como os que visam determinar a importância das populações de cetáceos para as populações locais. Dentro da etnoecologia também s�o encontrados trabal�os cujo objetivo é a realizaç�o de diagnósticos de recursos utilizados por populações do entorno ou do interior de áreas de conservaç�o. Tais diagnósticos visam identificar possíveis 4� con��itos de uso, com o intuito de traçar recomendações que minimizem estes con��itos. Também s�o realizados estudos de análise da percepç�o ambiental dos moradores de �reas protegidas, sendo esta abordagem uma das interfaces possíveis entre a etnobiologia e a educaç�o ambiental. S�o ainda desenvolvidas pesquisas na área de territorialidade de populações tradicionais, especialmente no Estado do Paraná, na área de ocorrência de ��orestas �istoricamente manejadas con�ecidas como “faxinais”. É importante mencionar que tais pesquisas conduziram ao reconhecimento recente dos “faxinalenses” como povos tradicionais pela Comiss�o Nacional de Povos e Populações Tradicionais do Ministério do Meio Ambiente. Dentro das áreas de medicina veterinária e nutriç�o também existe uma série de trabal�os etnobiológicos, nos quais é buscado o resgate dos saberes e con�ecimentos relativos às relações �omem-natureza, visando sua adaptaç�o à epidemiologia e profilaxia em alimentos, em saúde e em produç�o animal. Uma outra área que apresenta expressividade no sul do Brasil é a etnofarmacologia, onde s�o realizados levantamentos etnobotânicos do uso de plantas medicinais em populações �umanas (tradicionais ou n�o). Estes estudos têm envolvido questões extremamente atuais como a necessidade de regulamentaç�o do acesso ao con�ecimento tradicional/local e formas de repartiç�o de benefícios. Perspectivas no ensino de etnobiologia “A verdadeira dificuldade não está em aceitar idéias novas, mas escapar das idéias antigas”. Keynes A etnobiologia ainda tem um longo caminho a trilhar a fim de se inserir e consolidar no espaço acadêmico e este cenário não é exclusivo do sul do Brasil. Neste contexto, destaca-se a atuação da Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia (SBEE) na articulação e fortalecimento das etnociências, através da promoção de eventos científicos (regionais e nacionais) de forma periódica. Estes eventos possibilitam uma permanente e contínua discussão das questões envolvidas na pesquisa e no ensino nesta área. Na área da educação existem perspectivas extremamente favoráveis, uma vez que a legislação em vigor dá total autonomia às instituições de ensino para que criem seus projetos pedagógicos a partir das suas demandas e experiências. Assim, nos encontramos em um momento propício à criação e ocupação de novos espaços e de reconstrução de práticas. Naturalmente, 42 encontraremos resistências, pois “paradoxalmente e como foi em outros tempos, a universidade tem sido o baluarte de resistência ao novo pensar. Mas se o novo pensar não encontrasse essa resistência, não seria mais que uma ilusão de ser novo” (D´Ambrósio �99�). A criação de novas disciplinas em diversos cursos de graduação é imprescindível neste cenário. É impossível acreditar que sejam contemplados os assuntos mais elementares da etnobotânica, quando esta constitui um dos 28 tópicos trabalhados na disciplina de “horticultura aplicada” em um curso de agronomia da região sul do país. Todavia, a demanda por novas disciplinas não é exclusiva dos cursos de graduação, devendo ser considerado este aspecto também em relação à pós-graduação, sendo reforçada mais uma vez a necessidade de abordagens inter/transdisciplinares. Nos cursos de pós-graduação, além do oferecimento de novas disciplinas, seria interessante a criação de novas linhas de pesquisa em etnobiologia, ao invés de encaixar os trabalhos etnobiológicos em linhas já existentes e consagradas como “ecologia”, “taxonomia” ou “botânica aplicada”. Posteriormente, estas novas linhas de pesquisa poderiam convergir para uma nova área de concentração. Uma outra iniciativa muito válida para o futuro seria a implementação de um programa interinstitucional de pós-graduação em etnobiologia. As possibilidades mencionadas são agora reforçadas pelo reconhecimento das especialidades de “etnobiologia” e “etnoecologia” na proposta da nova tabela de áreas de conhecimento do CNPq, a qual também insere a etnobotânica e a etnofarmacologia dentro das áreas de botânica e farmacologia, respectivamente, evidenciando o aumento do volume de trabalhos e da importância da etnobiologia como um todo. Para concluir, destaca-se que um dos desafios atuais da área etnobiológica é o de “crescer sem se descaracterizar”, pois cada vez cobra-se mais das instituições universitárias um desempenho empresarial. Ao modo da empresa, fala-se em produto, em produtividade, evidenciando um claro enfoque economicista (Santos �99�). Assim, como lembra Chauí (�999), essas medidas de produtividade são orientadas pelos critérios�� “quanto uma universidade produz, em quanto tempo e qual o custo do que se produz”, ao passo que a etnobiologia se preocupa com o que, como, para que ou para quem se produz. Clement & Alexiades (2���) discutem tais diferenças dentro da etnobotânica (mas as considerações se ampliam para a etnobiologia) afirmando que “o cientista ganha reconhecimento por meio de suas publicações e o etnobotânico é um cientista comum neste respeito (...). No entanto, o etnobotânico tem responsabilidades maiores, pois ele precisa respeitar os direitos de seus parceiros indígenas e tradicionais, sem os quais não pode fazer pesquisa”. Desta forma, destaca-se a necessidade dos trabalhos neste campo se organizarem dentro de sérios princípios éticos. Estes princípios se 4� encontram no Código de Ética da Sociedade Internacional de Etnobiologia e na Carta de Belém. Agradecimentos Aos pesquisadores da região sul que contribuíram com informações para a realização deste trabalho. Ao Maurício Sedrez dos Reis pelas discussões sobre o tema e sugestões. Referências Bibliográficas Begossi, A.; Hanazaki, N. & Silviano, R.A.M. 2��2. Ecologia humana,Ecologia humana, etnoecologia e conservação. Pp. 9�-�28. In�� M.C.M. Amorozo, L.C. MingPp. 9�-�28. In�� M.C.M. Amorozo, L.C. Ming & S.P. Silva (eds). Métodos de coleta e análise de dados em etnobiologia, etnoecologia e disciplinas correlatas. Rio Claro, Divisa Gráfica Editora. Chauí. M. �999. A universidade operacional�� a atual reforma do estado ameaça esvaziar a instituição universitária com sua lógica de mercado. Folha de São Paulo, São Paulo, Caderno Mais!, �, �. Costa Neto, E. M. 2��2. Manual de etnoentomologia. Feira de Santana, Zaragoza. v.4. Clément, D. �998. The historical foundations of ethnobiology (�86�-�889).of ethnobiology (�86�-�889). Journal of Ethnobiology 18(2)�� �6�-�8�. Clement, C. 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Ela é segundo Toledo (�992, pp. �), um corpo teórico em construção e que implica, além de novas ferramentas conceituais e teóricas, numa nova consciência social e política entre pesquisadores. O objetivo e busca desta aplicação, é responder como se irá “conduzir diagnósticos sem cair nas visões limitadas da tecnocracia, do economicismo ou do conservacionismo ingênuo”. Assim, a definição de Bellon (�99�) é adequada, considerando a etnoecologia como ciência “orientada para o entendimento entre conhecimento, cognição e comportamento, no âmbito de que estes são pertinentes à interação entre seres humanos e o ambiente”. A práxis etnoecológica deve ser capaz, portanto, de incluir em seu foco, além do meio biótico, no sentido ecológico, também o social e cultural e suas interações com este primeiro. Geertz (2���) coloca as relações entre o saber ecológico e o “saber local” em sua dimensão de conjunto de costumes e regulamentações do direito consuetudinário. Ter clara esta dimensão na prática etnoecológica implicaria em gerar uma “etnografia fina”I (George Marcus �998) ou uma “descrição densa” (Clifford Geertz �9��). O ponto fundamental é que é neste conjunto, do ser humano e suas organzações sociais em uma perspectiva histórica, e dessa para com os ecossistemas é que o saber ecológico observado, relatado e materializado na prática de manejo dos recursos naturais fará sentido. O saber ecológico é assim fruto de um processo adaptativo e interativo com os ecossistemas e populações humanas, e de diferentes percepções sobre a natureza. São estas observações e a interpretação que é dada a elas que geraram os conhecimentos transmitidos sobre espécies, comunidades, processos ecológicos, ciclos e fenômenos. Este saber alimenta a tecnologia que viabiliza a reprodução física, e tem papel fundamental na cultura como um todo. Os componentes e significados são assim tanto tangíveis como intangíveis, e ambas as dimensões podem se fundir como partes de um todo lógico para a tomada de decisão. Assim, uma prática indígena tradicional de queimada incluirá elementos tangíveis (umidade do ar e da vegetação, ventos) que orientarão a execução do processo e ritualísticos (José Lima Yube Kaxinawá, comunicação pessoal 2���). Estes últimos, embora sejam percebidos pelo etnógrafo, dificilmente serão entendidos em seu significado, em termos da relação holística entre “queima” e “ritual”. Embora a base cultural dos povos das famílias linguísticas do Acre incorpore uma visão monista homem-natureza, em outras o discurso espiritual do xamã tem força de ato concreto, e atua intermediando a interação ritual entre a dimensão ocupada pelas plantas e animais e a dimensão humana (Echeverri 2���). Estes são dilemas básicos para quem busca identificar universalidades e interfaces entre o saber ecológico e o conhecimento conforme o entende a 48 ciência ocidental. Porém, não só é possível identificar e comparar os sistemas de conhecimento originados no saber local com a ciência formal (Sinclair & Walker �999), como em muitos casos estas comparações revelam similaridades e convergências de critérios. B. Berlin (�996) resumiu estas afinidades observando que “as pessoas, quando agem como etnobiólogos, ´discernem´ mais do que ´constroem´ a ordem a partir de suas observações de uma realidade biológica. Isto torna o saber ecológico local diferente de outras construções culturais, como rituais religiosos, padrões de beleza, onde não se esperam regularidades”. Neste sentido, a importância do estudo, valorização e revitalização do saber ecológico das populações tradicionais e indígenas tem outra dimensão da do saber local como um todo. De modo geral, ele é adaptativo e evolutivo, e responde de forma mais rápida do que o cerne da cultura, que tem elementos de inércia inerentes (Begossi �998). Neste sentido e com estas limitações e/ou fatores positivos em vista, o saber ecológico pode dar base a ações e estratégias�� • No ambiente em que foi gerado, visando à melhoria da qualidade de vida das populações detentoras do conhecimento, e/ou; • Intercambiado para outras populações em contextos sócio-ecológicos similares. No caso, o aporte de informações, princípios ou métodos poderão ajudar a enfrentar situações onde existe falta de saber acumulado ou falta de recursos e tempo para obtê-lo por outras formas. Como é frequente que dinâmicas de interação entre a sociedade dominante e as populações tradicionais ou indígenas esteja se traduzindo em erosão cultural e genética, com reflexos no saber ecológico, pode ser necessário não apenas uma abordagem descritiva, mas também analítica, no sentido de identificar�� • Quais os vetores estão definindo mudanças ecológicas e sociais e em que velocidade; • Quais alternativas estas mudanças impõe em relação ao que é praticado atualmente em termos de manejo de recursos, de modo a responder melhor aos desafios atuais e futuros. Do ponto de vista teórico, ao adotar esta abordagem, estamos reduzindo o papel de “acasos evolucionais” como forma de produção de conhecimento e inovação tecnológica. Esta transposição da teoria da evolução das espécies ao universo político-social tem, entretanto, defensores de peso, como Jared DiamondII (�99�) e E. O. Wilson (�9��). A ela se contrapõe uma visão dialética e ontogênica da evolução tecnológica. Para esta perspectiva, a ciência e as inovações fazem parte de uma busca ideológica (e culturalmente orientada) amparada por tempo e recursos Lewontin (�99�). Um síntese desta visão é dada por Rattner (�999) que diz que “reduzir os dilemas do desenvolvimento (das sociedades humanas) e a resolução de problemas ambientais a uma escolha ´racional‘ das melhores técnicas disponíveis parece ingênuo no melhor caso ou uma mistificação no pior, para o benefício de se manter o status quo em oposição 49 a um processo de desenvolvimento que rejeite o fetichismo por métodos e tecnologias”. Para o foco deste texto, isto significa que as soluções tecnológicas geradas em sociedades orientadas pela organização da diversidade (social e ecológica) serão quase sempre caricaturas de si mesmas se transferidas de forma isolada e desconectada para contextos culturais e econômicos orientados para a uniformidade social e ecológica, como é o caso da sociedade de consumo. Esta dissociação dos frutos práticos do saber ecológico do contexto político-econômico e organizativo de onde eles surgiram tem sido um ponto falho para sua colaboração real em técnicas e sistemas de manejo conservadores da biodiversidade. Uma resposta sócio-ecológica adaptativa desenvolvida por sociedades insulares tradicionais, como os Forest Gardens (Wiersun 2��4) da Indonésia tem, por exemplo, sérios limites de transposição direta para outros contextos sócio-ecológicos de fronteiras agrícolas em florestas do neotrópico.Grosso modo, o impedimento nestes casos é a orientação da ocupação humana, que está voltada nestas fronteiras para a conversão mais rápida possível do capital ecológico em monetário. O amplo espaço com florestas de difícil controle pelo Estado ou por seus proprietários, e contendo produtos de interesse é um campo fértil para expansão desta forma de ocupação. Este é o caso, por exemplo, do “Arco do Desmatamento”, no Sul da Amazônia. Como fato alentador, outras formas de uso mais sustentáveis podem surgir entre alguns grupos sociais das classes menos favorecidas, como pequenos agricultores e assentados, quando se esgotam vetores ou as formas mais oportunísticas de conversão no curto prazo dos recursos naturais existentes (Henkemans et al. 2���). Novamente, não existe uma relação causal linear entre fatores econômicos ou culturais e o desmatamento, mas sim processos multicausais que demandam abordagens interdisciplinares para seu entendimento. Concluindo, o saber ecológico não é um valor per se, reificado por etnobiólogos como conservador da biodiversidade. É da compreensão desta natureza complexa e multidimensional do saber ecológico que resultará uma prática etnoecologia aplicada como instrumento de transformações sociais e ecológicas que realmente possam “satisfazer as demandas das gerações atuais sem comprometer as gerações futuras”. O objetivo último desta aplicação deverá ser, neste sentido, se manterem abertas e vivas tanto as opções culturais como genéticas às gerações futuras, de modo que se possam enfrentar os desafios evolutivos (sociais e ecológicos) que virão. Populações indígenas e tradicionais: quem são elas? Numa das sistematizações de projetos de “desenvolvimento rural sustentável” apoiado pelo PD/A� (2���) se conceitua “Agricultura Familiar � Subprograma Demonstrativo do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil/G-� �� Tradicional” como tendo as seguintes características�� • Uma relação mais antiga, de mais de �� anos com a terra; • Menos dependência externa e maior independência do ponto de vista da segurança alimentar; • Diversificação da produção. Do ponto de vista político, o conceito de populações tradicionais deve garantir que qualquer definição seja abrangente e inclusiva, de tal modo a assegurar a essas populações seus direitos, não permitindo que interpretações excludentes venham a lhes prejudicar2. Do ponto de vista ambiental, elas são populações capazes de utilizar e ao mesmo tempo conservar tais recurso; estes grupos humanos passaram a ser chamados de “Populações Tradicionais�”. Este é um exemplo de que, assim como o conceito de saber ecológico, o de populações tradicionais também gera certa confusão e implicações. A opção aqui é por uma definição mais restritiva do que esta. Por populações tradicionais se entenderá aqui aquelas que têm um histórico cultural de interações com determinado contexto regional e ecológico, e que desenvolveram no processo regulamentações de acesso e gerenciamento de recursos (leis consuetudinárias). Ainda, que estes sistemas de propriedade e controle se dão numa perspectiva de uma organização econômica onde o autoconsumo é peça central da estratégia. Finalmente, um outro traço comum a estas populações “tradicionais” seria a manutenção por elas de uma paisagem parcialmente “domesticada” (cultural landscapes), identificada com estas tradições culturais e econômicas, e mantida pelo saber ecológico local em uma funcionalidade semelhante à do ecossistema original. Esta conceituação adota assim a noção de que o saber ecológico e a organização sócio-cultural e econômica se expressam como um conjunto lógico. Como exemplos de “populações tradicionais” em sócio-ambientes brasileiros que caberiam nesta definição, estariam�� • Os faxinais do sudoeste do Paraná, onde descendentes de imigrantes poloneses manejaram e mantiveram fragmentos florestais de forma coletiva para obtenção de produtos como erva-mate, pinhão, madeira, gado, porcos, lenha, medicinais, frutas silvestres; • As florestas modificadas e mantidas por longos ciclos de tempo que formam o entôrno de algumas comunidades tradicionais no Norte e Nordeste, além de aldeias indígenas em diferentes pontos do Brasil. Nestes casos, esta tipologia florestal encerra algumas espécies vegetais que são adensadas ou cujo manejo estimula sua regeneração; • O sistema de “capões” no Pampa, constituídos por fragmentos de florestas ripárias que são manejadas por pecuaristas familiares como fonte de 2 http��//www.brasiloeste.com.br/noticia/�8�8/comunidades-tradicionais (acessado em 2� de agosto de 2��6) � http��//www.ibama.gov.br/resex/pop.htm �� abrigo para animais, forragem em tempos de escassez, frutas nativas, lenha, medicinais e ponto atrativo de caça. Com esta definição, se identificam as “populações tradicionais” com as formas de organização social onde ainda prevalece uma organização social e econômica baseada nos laços de parentesco, e se afastam do conceito populações que simplesmente ocupam uma região e a convertem de forma permanente e continuamente e por um longo período de tempo. Sem esta distinção, as empresas do setor florestal que operam em ciclos longos (�� anos na América do Norte) poderiam, nas próximas décadas, reinvidicarem direitos “tradicionais” sobre as florestas boreais. Finalmente, é preciso ter claro que as paisagens “culturais” e o saber que as sustenta estão sujeitos a pressões. As populações tradicionais são em geral “populações pobres, que têm interesse utilitário e econômico em melhorar sua condição de vida (...) Elas podem mudar de estratégia econômica, podem formar cooperativas, podem aumentar a renda e evoluir para um nível mais avançado, mais empresarial mesmo. E quando você fala em população tradicional, (muitas vezes) admite uma imagem que fica congelada”. (Moreira et al. �996). Território, conservação, etnodesenvolvimento: para onde vão os donos do saber ecológico? O próximo passo é sentido e direção para os conceitos de território, conservação e etnodesenvolvimento. Nesta espinhosa tarefa o atalho é recorrer aos relatos da prática. Até a conquista da demarcação de suas terras, entre os produtos que viabilizavam as trocas comerciais entre comunidades indígenas e entorno eram, em pequena escala, madeira e carne de caça. Com a demarcação e reconhecimento legal, estas atividades foram tornadas ilegais em Terras Indígenas para efeito de comércio. Afora a questão legal, se tratava para as lideranças e comunidades de promover a gestão de recursos num território demarcado e finito. A opção restante para geração de renda, a agricultura (principalmente a mandioca, o arroz e o feijão) não são exatamente conservadores de floresta, principalmente se a ela projetarmos a responsabilidade de prover as necessidades materiais e monetárias de uma população crescente. O gado surgiu assim em algumas das terras indígenas (como foi o caso da TI Mamoadate e algumas Reservas Extrativistas, como a Chico Mendes) como uma atividade de pequena escala e alternativa de capitalização e uso de capoeiras. Porém gerando conflitos com os roçados, e problemas ainda mais sérios com os cultivos de praia4. No Alto Juruá, alternativas como o artesanato geraram maior 4 O uso das praias dos rios que se formam na época de seca viabiliza uma agrobiodiversidade específi- ca, e que se está perdendo onde o gado e os porcos dominam as praias. �2 sustentabilidade, assim como a coleta de murumurú� para extração de óleo para cosméticos. Porém, na percepção do Secretário Francisco Pianko (2��6) “como um trabalho novo, precisa de muitos investimentos em termos da cadeia produtiva, e todo este processo demora. Faz falta uma base de pesquisa e investimento que gere as saídas, que garantam a sustentabilidade de quem vive na floresta.Este trabalho que fizemos abriu horizontes, mas falta ainda credibilidade, confiança de quem poderia investir nestas atividades. (...) Todos estes fatores e o que acontece no entorno destas áreas, sejam para as TI ou RESEX, é também fundamental para sua sustentabilidade. Os pontos comuns e específicos devem ser identificados entre TI, RESEX, UC e entorno, de modo que se consiga avançar no desenvolvimento sustentável”. Este depoimento e o histórico ecológico e cultural de onde ele parte dão pistas do que significa etnodsenvolvimento para as lideranças indígenas de hoje. Desenha-se aí também uma idéia dos dilemas da questão territorial, de sua gestão e das opções de desenvolvimento. Ainda, do papel fundamental dos vetores de entorno que atuam e atuarão nestes espaços sócio-ecológicos. A “sociedade envolvente” tem sobreposições e fortes influencias na visão local ou “étnica” e influi no sentido e propósito que o imaginário coletivo dá a sócio e biodiversidade, seja como vetor positivo ou negativo. Assim, o conceito de etnodesenvolvimento que orienta as populações tradicionais e indígenas não parece comportar a idéia de um isolamento que possa fomentar um modelo endógeno voltado para dentro da sociedadeIII, e baseado numa relação específica com aquele ambiente. Os desafios, portanto, estão em aberto, e passam pela interculturalidade, que é um pressuposto da abordagem etnoecológica. Cenários Os espaços sócio-ecológicos privilegiados para esta reflexão são as Reservas Extrativistas (RESEX) e Terras Indígenas (TI’s), já que elas apresentam o conjunto de saber ecológico acumulado, território definido e formas culturais e econômicas com certo grau de especificidade. Além do mais, só as TI’s representam uma porção cinco vezes maior de florestas que as Unidades de Conservação (UC) no Brasil, e tem uma provável equivalência em biodiversidade conservada. “Em outras palavras, a biodiversidade da Amazônia está bem protegida, e a um custo baixo, mesmo em situações de risco comparativamente maiores, onde têm pessoas que estão interessadas nela, porque dela dependem seu estilo de vida e sua reprodução sócio-cultural” (Lauriola, texto preliminar). Entretanto, o otimismo com os impactos diretos ou indiretos de proteção da floresta promovidos pelas RESEX e TI’s (Ruiz-Pérez 2���; Neepstad 2��6) deve ser bem dosado. O primeiro fato é que atitudes, comportamento e lideranças � Astrocaryum murumuru Mart., palmeira comum em todos os estados amazônicos, em áreas de boa umidade, ocorrendo tanto em formações florestais densas como semi-abertas. �� mudam, assim como o entorno mudará. Dificilmente serão vetores para melhor, no sentido de mais conservação da biodiversidade e orientação para a sustentabilidade ecológica e econômica. No estudo do Alto Juruá (Ruiz-Pérez 2���), alguns dos indicadores checados mostram mudanças nos seguintes campos�� • Econômico�� a borracha substituída pelo feijão como a moeda de troca, ocorrendo o aumento da criação de suínos e de gado e a produção de couro vegetal. Salários (como agentes do estado em saúde, professores, etc) aliados a aposentadorias criaram outras fontes de renda não ligadas ao extrativismo ou à agricultura e pecuária. Como vetor, a sustentabilidade futura é uma questão, uma vez que fundos de doação tiveram um papel fundamental em termos de aportes técnicos e de recursos; • Ecológico�� redução da taxa de desmatamento, se considerado o período que se seguiu à criação da RESEX, e ainda bastante inferior aos assentamentos da reforma agrária; • Demográfico�� a população é estável e declinou ligeiramente. Considerando as alterações de cobertura florestal, a conclusão geral do estudo é de que as RESEX são uma alternativa importante como estratégia de conservação e desenvolvimento sustentável. Embora seja uma conclusão coerente, o problema é que o clima também está mudando, e aumentarão os fatores de risco para a floresta. Por sua vez, uma mudança de foco de borracha para agricultura, pecuária e atividade madeireira (uma aspiração e já realidade para algumas RESEX) tem consequencias em termos de aumento de riscos neste quadro de mudanças climáticas, principalmente em termos de queimadas. Em 2���, pastagens apareciam nas imagens de satélite sob um manto de fogo e fumaça no Estado do Acre, e a RESEX Chico Mendes perdeu dezenas de milhares de hectares para o fogo. A Terra Indígena Mamoadate, nas vizinhanças da RESEX e com mais de ���.��� ha, contando com uma população de cerca de ���� pessoas, dos povos Manchineri e Jaminawá, tinha focos de fogo e calor circunscrito a seus roçados e pequenos pastos, sem descontrole6. A conclusão é que, sejam TI´s ou RESEX, sem os esforços citados por Francisko Pianko e inversões que os viabilizem, é cedo para comemorar resultadosIV. EtnozoneamentoV e prática etnoecológica na TI Mamoadate, Sudoeste do Acre Motivação e contexto – A idéia básica é que as abordagens etnoecológicas são fundamentais para identificar, valorizar e contextualizar o saber ecológico, ponto central no etnozoneamento. Para isto, elas devem estar conectadas a processos de empoderamento e definição do espaço jurídico e territorial das populações indígenas e tradicionais. Levantamentos, mapeamentos e planos de uso podem assim contribuir para consolidar a credibilidade da ação 6 Imagens disponíveis no site do MAP (www.map-amazonia.com). �4 governamental junto a estas populações, e aumentar a apropriação de elementos pelas populações indígenas para sua gestão territorial. As implicações são diretas e indiretas na conservação da agrobiodiversidade e biodiversidade como um todo. O PPTAL�, por exemplo, lançou um guia metodológico para etnolevantamentos, e a prática acumulada por organizações como a Comissão Pró-Índio do Acre também tem muito a colaborar neste sentido. Ainda, é inegável hoje a importância do saber ecológico como fonte de conhecimento e base de apoio a decisões para a promoção da diversidade genética, principalmente da agrobiodiversidade (Clement �999). O marco legal do Etnozoneamento em Terras Indígenas no Estado do Acre resultou do constante no componente indígena do Plano de Ações Mitigadoras dos impactos gerados pela BR �64 e ��� e dos indicativos do Zoneamento Ecológico - Econômico (�ª fase). A seleção destas áreas deve-se ao fato das mesmas serem as mais impactadas pelas rodovias BR �64 e ���. A atividade aconteceu durante três períodos de campo que totalizaram em torno de 6� dias entre 2��4 e 2��6. Os trabalhos de etnozoneamento desta TI foram coordenados pelo Instituto de Meio Ambiente do Acre (IMAC), com recursos do BID e apoio da Comissão Pró-Índio do Acre (CPI/AC), sobretudo no sentido da metologia específica para trabalhar nas ativididades de etnomapeamento (ver no Box �, onde a lista de mapas produzidos segue a metodologia desenvolvida pela CPI/AC). Entre as dificuldades típicas de um trabalho desta natureza, nas condições das instituições públicas no Brasil, se podem listar�� • Dificuldade de acesso e comunicação; • Dimensões e dispersão da população indígena (�2 aldeias e 8 colônias em ���mil hectares); • Duas etnias de diferentes grupos linguísticos (Aruak – Pano); • Equipe reduzidaVI; • Tempo de campo limitado em função de recursos escassos para deslocamento e logística; • Limitações em termos de formação interdisciplinar; • Equipes de apoio com múltiplas responsabilidades e sobrecarga de trabalho, dificultando a logística e a organização, sistematização e devolução de produtos às populações indígenas. Como uma de suas maiores virtudes, o processo teve a organicidade com esforços de formação em gestão ambiental com enfoque cultural e participativo com suas raízes na ação do Setor de Educação da CPI-Acre nos anos 8�, e com a formação de professores indígenas. Nos anos 9�, com a atuação do Setorde Agricultura e Meio Ambiente da CPI/AC, este processo se materializou de forma mais específica na figura dos agentes agroflorestais indígenas, que � Projeto Demarcação de Terras Indígenas na Amazônia Legal, componente do PPG-� voltado para a demarcação de TI’s. �� foram fundamentais para o sucesso do trabalho. Assim, os resultados obtidos em termos de informação, mobilização e planejamento resultantes da atividade de etnozoneamento na TI Mamoadate não são frutos extemporâneos, mas parte de um esforço em rede. Método e foco da pesquisa – O roteiro de ações foi orientado pelos seguintes tópicos (Box �) e técnicas (Box 2)�� Alguns comentários específicos da parte relacionada a recursos naturais e especificamente para SAFs e Recursos Florestais8 estão a seguir�� -Levantamento bibliográfico e documental�� uma síntese de relatórios e etnolevantamentos realizados na TI Mamoadate pelo Setor de Agricultura e Meio Ambiente foi transformada num caderno de campo, usado para consultas, contraste e revisão de informação; -Visitas e oficinas participativas�� foram realizadas por povo (Jaminawá, Manchineri), com oficinas conjuntas (Jaminawá/Manchineri) para contraste e aprimoramento de informações, utilizando técnicas participativas como�� a) Construção coletiva de conceito (etnozoneamento) utilizando visualização móvel e mapas mentais; 8 De modo a manter o foco proposto, o texto abordará este componente em especial. Box 1. Mapas e temas. Box 2. Técnicas utilizadas. Descrição da TI Mamoadate, localização e habitantes; Mapa de ocupação histórica -Migrações Manchineri -Migrações Jaminawá Mapa de vegetação -Classificações e espécies associadas Mapa de hidrografia Mapa de caçada -Locais de caçadas -Classificações e técnicas de caçada -Caças, crenças e costumes -Situação da caça Mapa de pesca -Locais de pesca -Classificações e técnicas de pesca -Situação de peixe Mapa de extrativismo -Recursos florestais na alimentação -Recursos florestais para habitação e transporte -Artesanato -Situação de recursos florestais -Espécies preferidas para recomposição florestal Mapa de ocupação humana -Agricultura -Sistemas Agroflorestais -Criações x Análise documental; x Oficinas participativas; x Método de Visualização Móvel (Metaplan); x Mapas mentais; x Linha do tempo de eventos orientada sobre mapas em escala 1: 80.000; x Entrevistas grupais para identificação e hierarquização de informações; x Cruzamento triplo de informações obtidas (individual, grupo, plenária); x Listas espontâneas de espécies com grupos de informantes; x Identificação e priorização de espécies entre listas existentes (listas induzidas); x Entrevistas semi-estruturadas sobre temas específicos; x Visitas de campo guiadas; x Identificação de ambientes e espécies a campo (Floresta, SAF, Roçados); Mapa de invasões x Execução pelos participantes de mapas de saberes específicos sobre temas e espécies prioritárias utilizando como base imagens de satélite Landsat 1:100.000 (2002) e mapas de malha hídrica (Radam) �6 b) Execução de mapas mentais em grupo representando aldeia, população, roçado e criações, rede hídrica secundária (igarapés, lagos); c) Elaboração de listas hierarquizadas de espécies vegetais e animais a partir de temas focais, como importância e demanda para alimentação, por zona de intervenção (SAF, Roçado, Praia, Floresta, Rio, Lago, Igarapé). Este conjunto de atividades gerou o nivelamento suficiente para a elaboração de mapas temáticos sobre base cartográfica de imagem de radar da rede hídrica revisada e nomeada pelo conhecimento local. Com a mesma escala, uma imagem de satélite Landsat ���8�.��� (2��2-2���) foi utilizada para identificação e apoio. O problema com as imagens LandSat disponibilizadas é que elas permitem reconhecer apenas padrões em pixel de áreas de no mínimo ��� m x ��� m. Isto inviabiliza uma observação mais direta, e exige grande conhecimento de terreno por parte dos participantes. Assim, a opção de execução inicial de um mapa hidrográfico revisado e renomeado com a nomenclatura local (para Manchineri e depois Jaminawá, cruzando as informações) foi a mais adequada. Estes mapas foram copiados pelos próprios participantes e sobre eles foram construídos os outros mapas temáticos, já com o apoio das listas de espécies e outras informações produzidas nos exercícios anteriores. Numa sala separada, grupos de aldeia trabalharam sucessivamente sobre cada mapa temático, o qual após foi apresentado e revisado em plenária Apresentação e Contraste nas Aldeias�� esta atividade, entre deslocamento entre aldeias e trabalho de campo requeria um dia e meio por aldeia, em média, com �-�� participantes, para todas as aldeias. Estas visitas incluíam�� • Apresentação dos mapas realizados nas oficinas para os moradores da aldeia, feita pelos próprios representantes que os construíram; • Entrevistas, transectos, revisão de informações e debate com os moradores; • Aprovação pelos participantes dos mapas; • Redação de lista de encaminhamentos sugeridos pela aldeia. • Oficinas de Contraste e Integração Manchineri/Jaminawá, com apresentação dos mapas, debate, revisão e fechamento, finalizando com um documento contendo encaminhamentos e demandas elaborado por uma comissão Jaminawá/Manchineri, realizadas em duas etapas, em 2��4 e 2���. Para Sistemas Agroflorestais (SAF), o levantamento de informações cumpriu etapas como�� (a) Listar as espécies mais importantes, (b) o destino dado a elas, (c) quais as aldeias onde esta espécie e/ou variedade se encontra, (d) situação atual de abundância e tendência, (e) variedades da espécie e (f) comentários diversos sobre a espécie/variedades. A partir da lista de espécies da floresta, os diferentes grupos de aldeia apontaram quais eram as espécies nativas que deveriam ser preferencialmente incluídas em SAFs. Os resultados do grupo de SAF foram �� expostos aos participantes, debatidos e revisados. Transectos: Os transectos utilizaram passos como unidade de medida, e a altura de árvores foram deduzidas e checadas com três informantes diferentes presentes na atividade, comparado depois com a própria percepção do pesquisador. O procedimento padrão foi cruzar a área transversalmente, anotando ao longo e ao lado (até �m à direita e �m à esquerda) todas as espécies que estivessem presentes, sua altura e posição relativa ao eixo. O objetivo foi retratar a estrutura e composição destes SAF, além de oferecer uma estimativa de densidade das diferentes espécies. Foram anotadas as dimensões da área e ano de implantação. Os dados obtidos foram sistematizados em tabelas e perfis e complementados por levantamentos anteriores. Finalmente, foi realizado um contraste entre aldeias e entre os dados de 2��� (levatados pela Comissão Pró- Índio), utilizando-se os seguintes indicadores�� (a) diversidade e origem das espécies; (b) diversidade funcional; (c) estrutura, considerando-se densidade e estratos presentes nos SAF em relação às capoeiras circundantes; (d) regeneração, cobertura de solo e indicadores de fertilidade/saúde das plantas de interesse imediato. Para Recursos florestais: Eles foram analisados primeiro a partir das listas e etnolevantamentos realizados pela CPI-Acre, tendo se perguntado aos grupos de cada aldeia “quais espécies na lista eram mais importantes”, e “quais eram aquelas cuja ocorrência não era generalizada por todos os ambientes da floresta”. O objetivo foi definir prioridades entre a grande quantidade de espécies, e identificar quais eram potencialmente ameaçadas. O roteiro metodológico foi�� • Identificação da localização por grupo de aldeia agrupamentos destas espécies ou de indivíduos com potencial para serem matrizes fornecedoras de semente. • Cada espécie foi identificada poruma abreviatura (Mg = mogno), a qual foi escrita no ponto aproximado da ocorrencia daquele agrupamento ou indivíduo. A cor da escrita correspondeu à cor da aldeia, a mesma utilizada para pesca e caça. • Completado o mapa, ele foi apresentado pelos seus respectivos executores e debatido/revisado em plenária. • Nas aldeias, o mapa foi apresentado, revisado e debatido com os participantes em cada aldeia. • Visitas de campo ajudaram a identificar melhor o ambiente e distância da aldeia onde tais espécies “plotadas” realmente ocorriam, e onde se encontravam indivíduos ou agrupamentos. • A avaliação foi concentrada (a) no contraste com outras tabelas de espécies produzidas para identificar plantas de interesse para merenda escolar �8 indígena, habitação e sistemas agroflorestais; (b) na distribuição espacial e influência de densidade de aldeias; (c) na finalidade priorizada. Posteriormente, toda a informação registrada foi transformada em mapas e texto. Como não havia a disponibilidade de tempo ou recursos para o georeferenciamento dos mapeamentos temáticos, os fatos, processos ou recursos registrados nos mapas constituem aproximações sujeitas a uma margem de erro condizente com a escala dos mapas utilizados. Resultados Como o etnozoneamento se traduziu em um documento cujos produtos são de acesso prioritário aos tomadores de decisão indígenas e órgaos de governo relacionados, os dados aqui apresentados são sintéticos e parciais. Trabalhos posteriores e completos serão publicados com a anuência dos participantes e das instituições patrocinadoras e colaboradoras. Entre os aspectos que a atividade permitiu avaliar, se apresentam os seguintes indicativos�� Sistemas Agroflorestais • Em relação ao conjunto de espécies manejadas nos SAF, os Agentes Agroflorestais Indígenas e a CPI-Acre condicionam o portfólio de espécies mais diretamente ligadas aos Sistemas Agroflorestais, por sua mobilidade, ligações externas e responsabilidade como curadores do SAF coletivo de cada aldeia; • Um modelo de decisão etnográfico indicou que os SAF são definidos em sua composição e tamanho conjuntamente pela demanda local que existe para as espécies em questão (limitada no caso da pupunha, já que o mercado não é viável ainda), além do acesso em quantidade e qualidade do material reprodutivo. Espécies com múltiplas finalidades e resistentes à formiga são motivos de escolha, junto com uma apreciação especial (como citrus ou algumas espécies nativas) que definem um cuidado especial na implantação e desenvolvimento das plantas; • Estes SAF ocupam preferencialmente áreas de roçados abandonados, e já são prioritários em relação à expansão de áreas para pasto, criando uma alternativa à conversão permanente. Eles não incorporam cultivos anuais tradicionais, e se assemelham mais aos Forest gardens definidos como “florestas modificadas e de estrutura análoga a florestas secundárias abertas”; • Palmeiras de uso direto, como a pupunha domesticada, bacaba, bacabinha, açaí-de-touceira são preferidas para formarem o estrato dominante, junto com espécies de interesse que não são espontâneas na TI (como a castanha) ou que apresentam matrizes muito distantes (como madeiras nobres). Para uma lista de espécies principais e sua nomenclatura científica, ver o Anexo �; �9 • Eles são tanto SAF´s complexos, como enriquecimento de capoeiras em linhas, ou até mesmo roçados enriquecidos. Esta última forma representa uma mudança drástica do sistema tradicional, que incorpora a queimada cíclica ou a formação de bananais mais ou menos homogêneos e sem árvores. • Neste sentido, os SAF não concorrem com pastagens ou com roçados como forma de uso da terra em maior escala, embora contribuam para fornecer produtos de interesse e evitem uma “pecuarização” completa do entorno das aldeias. Recursos florestais Os Mapas de Recursos Florestais podem ser cruzados com Mapas de Vegetação, zonas de agricultura e SAF, assentamentos humanos e pecuária. Esta sobreposição mostra como as atividades de roçados, pastos e centros de habitação interferem nos ambientes e na distribuição, acesso e densidade das espécies priorizadas para mapeamento. O cruzamento com o mapa histórico, que mostra a exploração madereira no passado, poderá ser bastante útil, quando da execução de levantamentos botânicos, no sentido de entender as possíveis causas antropogênicas de diferenças e peculiaridades de algumas zonas em termos de espécies ou mesmo classes de diâmetro. Assim, mesmo considerando que a escala de ������.���, estes mapas poderão servir de orientação para trabalhos de aprofundamento e monitoramento de espécies de interesse, ou espécies que estejam se mostrando, pela percepção dos habitantes da TI, em processo de redução de população. Como foi ressaltado, o fato de algumas espécies estarem longe, tanto em aldeias pequenas ou recentes, como em aldeias antigas e/ou populosas, mostra que alguns fatores como crescimento lento e/ou pressão de uso (como é o caso da Jacareúba) podem interagir e gerar uma situação mais delicada. Por outro lado, a presença de frutíferas e palheiras, ainda na faixa de 4� min, em ambos os casos de antiguidade e densidade populacional, indicam uma predisposição da população de manter espécies importantes para uso local em zonas acessíveis, seja evitando o corte, seja estimulando e protegendo a regeneração onde não concorrente com roçados. Os “mapas de decisão”, uma técnica da sociologia e da ecologia cultural, se mostraram um recurso valioso para entender a interação entre diferentes critérios para definir, entre outros aspectos, a escolha de espécies, tanto para implantação como no estímulo à regeneração. O fato de que Mogno e Cedro estejam presentes em listas de preferencia, e que já foram fornecidas pelos atores externos, mostram que o “mapa de decisão” funciona muito bem quando associado e contrastado com listas de preferencia. O exercício mostrou ainda que espécies de crescimento lento têm alguns condicionantes para que seu plantio desperte interesse na população. Entre eles, que sejam madeiras de alto valor, 6� ou que propriciem a produção de frutos no médio prazo, gerando algum produto até alcançar a maturidade para corte. A via alternativa de decisão descrita no mapa é de que estes frutos possam ser tanto de consumo humano como para a fauna (atrativo e forragem de caça). O “mapa” pode ainda ajudar a entender as listas prioritárias�� enquanto que para os Manchineri os requisitos para uma espécie ser “boa de lenha” incluem qualidades como brasa forte e não fazer fumaça, típico das espécies escolhidas por eles, como Maxixeiro e Mulateiro, as aldeias mais populosas, como Betel, queimam ingazeiro, cuja maior qualidade é o seu crescimento rápido. No caso, esta é a qualidade essencial para uma situação de maior pressão, e para que ela se regenere nas áreas de pousio que servirão como área de roçados no futuro. Este é um aspecto que talvez se revelasse num “mapa de decisão” Jaminawá. Finalmente, os indicativos para Plano de Gestão da TI Mamoadate, produzidos por Manchineri e por Jaminawá durante o etnozoneamento mostraram a clara percepção dos problemas no tema Floresta e Extrativismo, e a intenção de definir ações e regras de uso para reverter tendências negativas. Ainda, alguns pontos que podem ser considerados críticos num olhar externo parecem não constituirem prioridade local. Já as iniciativas em curso de plantio e enriquecimento de capoeiras com espécies madeiráveis nobres, bem como regras informais para zoneamento de expansão de roçados e pastos no entorno das aldeias mostraram que existe uma consciência do papel estratégico destas espécies para o desenvolvimento sustentável destes povos indígenas. Conclusões finais A atividade realizada no Acre demonstrou o enorme potenciale a confiabilidade de informação possível de se obter em atividades como etnozoneamento ou etnomapeamentos. Entre os pontos críticos para a realização da atividade e obtenção de resultados imediatos, aparece em primeiro lugar a construção de um compromisso histórico compartilhado com as populações indígenas. Este ponto foi garantido pelo histórico da Comissão Pró-Indio do Acre nesta TI, que avalisou o trabalho a ser realizado e o apoiou com o acumulado prático de etnomapeamentos já realizados. Ainda, o domínio de um elenco de métodos e técnicas de pesquisa participante com base etnobiológica e etnografica, executadas por uma equipe interdisciplinar foi importante. O fato é que os resultados não foram o produto de uma receita prévia aplicada à risca, mas a habilidade e abertura para gerar, a partir de princípios teóricos compartilhados de participação e respeito (e que foram descritos na parte inicial deste texto), as respostas adaptativas em termos de metodologia necessárias. Um dos grandes desafios do processo, que foi nivelar objetivos e a utilização das informações a serem produzidas, tiveram nas dificuldades de 6� comunicação e as barreiras culturais um desafio conjunto a pesquisadores e populações indígenas. Assim, na fase inicial onde se exercitou a construção do conceito, as diferenças de percepção se fizeram presentes, mostrando que o papel dos agentes interculturais (como professores, agentes agroflorestais, lideranças) é decisivo. A prática e a participação oportunizadas, por outro lado, foram aproximando gênero, faixa etária e percepções, e cumprindo o papel de criar o comprometimento conjunto que este tipo de atividade demanda. O conjunto de resultados, dos quais SAF e Recursos Florestais são os componentes que foram abordados aqui, compõem o relatório final, atualmente de uso privado das populações Jaminawá e Manchineri. Validações posteriores de campo e aplicação de procedimentos estatísticos sobre os dados obtidos poderão indicar em que medida, nas condições propiciadas, foi possível gerar, de modo participativo e no sentido do empoderamento, bases de dados confiáveis para tomada de decisão de manejo de recursos naturais. O etnozoneamento abre assim o leque para pesquisas participantes temáticas, que poderão enriquecer sobremaneira a base de decisão destas populações sobre a condição atual e alternativas futuras de uso e conservação de seus recursos naturais. Neste processo, a etnoecologia é uma ciência interdisciplinar a qual, agregando múltiplas capacidades e o saber local, poderá ser um fio condutor para este tipo de objetivo. Agradecimentos O autor agradece a colaboração de Cloude C. Correia e Renato Gavazzi pela revisão e sugestões; à equipe do IMAC (Magaly Medeiros, Txai Terri Aquino e Marília Guerreiro); Adriano Dias (CPI-Acre), que nos acompanhou e aconselhou na segunda etapa de campo na TI, e ao povo Jaminawá e Manchineri, que nos recebeu em grande estilo. Referencias bibliográficas Begossi, A. �998. Resilience and neo-traditional populations�� the caiçaras (Atlantic Forest) and caboclos (Amazon, Brazil). Pp. �29-���. In�� F. Berkes & C. Folke Linking Social and Ecological Systems: Management Practices and Social Mechanisms for Building Resilience. Cabridge, Cambridge University Press. Bellon, M. �99� The Ethnoecology of Maize production under technology change. Ph.D. Thesis. Univertsity of California, Davis. Berlin, B. �992. Ethnobiological classification: Principles of categorization of plants and animals in traditional societies. Princeton, Princeton 62 University Press. Clement, C.R. �999. �492 and the Loss of Amazonian Crop Genetic Resources. I. 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Boaca Raton, CRC Press.CRC Press. Subprograma Projetos Demonstrativos (PD/A). 2���. Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil. Projeto Terra Viva: estratégias, ações, resultados e desafios na disseminação agroflorestal- Série Sistematização. Toledo, V. �992. What is ethnoecology? Origins, scope and implications of a rising discipline. Etnoecológica 1(�)�� �-2�. Wiersun, K.F. 2��4. Forest gardens as an “intemediate” land-use system in the nature-culture continuum�� Characteristics and future potencial. Agroforestry Systems 61�� �2�-��4. Wilson, E.O. �9��. Sociobiology: The New Synthesis. Cambridge MA, Harvard University Press. Anexo �. Principais espécies cultivadas em Sistemas Agroflorestais em Aldeias Manchineri, TI Mamoadate, SO do Estado do Acre. 2��4 Abacate Persea americana Açaí de touceira Euterpe oleracea Acerola Malpighia punicifolia Bacaba Oenocarpus bacaba Bacabinha Oenocarpus mapora Cacau de cobra - Hapi em Manc�ineri Theobroma speciosum Cajá Spondias mombim Cajarana Spondias dulcis Carambola Averrhoa carambola Castan�a-do-Brasil Bertholetia excelsa Cerejeira Bunchosia glandulosa Côco Cocos nucifera Cupuaçu Theobroma grandiflorum Fruta-p�o Artocarpus altilis Genipapinho (?) Genipapo Genipa americana Graviola Annona muricataJaca Artocarpus heterophyllus Jambo Eugenia mallacencis Laranja Citrus aurantifolia Lima C. aurantifolia Manga Mangifera indica Maracuj� Passiflora spp. Mogno Swietenia macrophyla �upunha Bactris gasipaes Tangerina C. nobilis I Um dos pontos fundamentais em Marcus é a noção de que a tradição dos etnógrafos de definir o trabalho de campo em termos de pessoas e lugares é desafiada pela necessidade de estudar cultura pela exploração de conexões, paralelos e contrastes entre uma variedade incomensurável de locações, o que também é explorado por Eric Wolf (WOLF, E. Europe and the people without history. Los Angeles�� University of California Press, �982), numa perspectiva que ele reconhece como apoiada numa visão dialética e sistêmica da história, e numa tradição a que ele se refere como “marxiana”. II Críticos das posições de J. Diamond consideram o livro Germs and Steel “um exemplo do determinismoCríticos das posições de J. Diamond consideram o livro Germs and Steel “um exemplo do determinismo ambiental a serviço do Eurocentrismo”. (http��//en.wikipedia.org/wiki/Guns%2C_Germs_and_Steel. Acessado em 2� de agosto de 2��6). III O sentido é o que GEERTZ (�9��) conceituou para “Agricultural Involution” (GEERTZ, C. Agricultural Involution: The Processes of Ecological Change in Indonesia. University of California Press �9��). Para ele, o sentido de “involução” é de um desenvolver orientado para dentro (do ecossistema e da sociedade que com ele interage), e não de retrocesso cultural ou tecnológico, como algumas leituras que foram feitas (HOLTZ-GIMENEZ, 2���). IV Um estudo divulgado recentemente pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostra que enquanto o orçamento total do governo federal destinado aos indígenas cresceu de R$ �� milhões para cerca de R$ �4� milhões entre os anos de 2��� e 2���, os gastos específicos com a regularização fundiária e a proteção dos territórios destes povos caíram de R$ 6� milhões para pouco mais de R$ 42 milhões (www.noticiasdoplanalto.net) V “O Etnozoneamento é um instrumento de planejamento dos povos indígenas para a gestão dos seus territórios, sendo elaborado de forma participativa com o intuito de contribuir para maior autonomia indígena. Respeitando a diversidade cultural esse instrumento procura considerar as especificidades de cada povo indígena produzindo e sistematizando informações documentais, bibliográficas e empíricas consideradas relevantes por eles no processo de gestão dos seus territórios. Os dados produzidos podem ser de natureza cultural, social, política, econômica e ecológica. Com os dados resultantes do Etnozoneamento pretende-se subsidiar os povos indígenas e o governo do estado para tomada de decisões). O objeto de estudo é o conhecimento local destacado como primordial por esses povos, estando as atividades programadas para a sua realização em conformidade com o tempo concebido por eles”. (CORREIA, C; VIVAN, J.L.; COSTA, E.M.L. Etnozoneamento da TI Mamoadate. Documento Final. Relatório. IMAC/Governo do Estado do Acre, 2��6). VI Equipes numerosas talvez não seja a melhor solução. Porém, se o objetivo é produzir dados quantitativos que possam dar base à planos de manejo, ou as equipes aumentam em tamanho ou o trabalho se realiza em módulos progressivos, com equipes multidisciplinares, mas mantidas coesas por uma coordenação interdisciplinar. 64 Walter Steenbock Núcleo de Pesquisas em Florestas Tropicais - Universidade Federal de Santa Catarina (NPFT - UFSC)/IBAMA – Floresta Nacional de Caçador/SC Etnobotânica, conservação e desenvolvimento local: uma conexão necessária em políticas do público Capítulo 5 Introdução No século XVI, a partir das grandes navegações, uma imensa quantidade de espécies passou a ser conhecida (Davis �99�), na Europa. Várias destas espécies adquiriram rapidamente alto valor econômico – principalmente alimentos e especiarias. Esta “avalanche” de novas espécies exigiu uma nova forma de classificação. É neste contexto que o trabalho de Lineu se insere, criando condições mais adequadas de classificação, a partir do “sistema natural”. De forma associada à classificação de espécies, as expedições botânicas promovidas por Lineu e seus estudantes também buscaram catalogar costumes dos povos que as utilizavam. Esta mesma prática foi adotada nas grandes expedições botânicas do século XIX. No entanto, é somente a partir do século XX que a busca do entendimento das relações de diferentes sociedades com as plantas passa a ocorrer mais efetivamente, dando origem à ciência da etnobotânica (Davis �99�). Harshberger, em �896, propôs que a etnobotânica é “o estudo das plantas utilizadas pelos povos primitivos ou aborígenes”. Em meados do século XX, o campo do estudo meramente catalográfico das plantas é ampliado. Para Jones (�94�), a etnobotânica é “o estudo das inter-relações entre o homem primitivo e as plantas” – definição na qual está implícito o aspecto cultural destas inter- relações e, portanto, a dimensão antropológica da etnobotânica. Schultes (�96�) retira o termo “homem primitivo” da definição, colocando que a etnobotânica é “o estudo das relações entre o homem e seu ambiente vegetal”. Em �9�6, Hernandez-Xolocotzi (�98�) propõe que a etnobotânica “é o campo científico que estuda as inter-relações que se estabelecem entre o homem e as plantas, através do tempo e em diferentes ambientes”, dando uma dimensão temporal e espacial à etnobotânica. Ford (�98�) amplia esta definição, conceituando a etnobotânica como “a totalidade das pessoas e das plantas em uma cultura e a inter-relação direta das pessoas com as plantas” (Plotkin �99�). A partir desta perspectiva, a etnobotânica contemporânea procura agregar conhecimentos nas áreas de uso e manejo de plantas, agroflorestas e manejo das paisagens, antropologia cognitiva, domesticação de plantas, interpretações iconográficas, aspectos simbólicos de preparações psico-ativas, etc. Esta agregação exige um trabalho de pesquisa em equipe e o uso de metodologias apropriadas. Neste sentido, merece destaque a integração entre botânicos e antropólogos, a qual tem sido fundamental na área (Davis �99�). Não obstante, pesquisadores em etnobotânica necessitam aplicar métodos pertinentes a várias disciplinas, evocando a pertinência da multidisciplinaridade entre botânicos, antropólogos, geógrafos, químicos, farmacologistas e agrônomos, entre outros 6� 68 profissionais (Alcorn �99�; Cunningham 2���). Alcorn (�99�) aponta dois principais objetivos da etnobotânica�� documentar fatos sobre o uso e o manejo de plantas e definir, descrever e investigar processos relacionados a este uso e manejo. Através destes objetivos, os etnobotânicos buscam entender a dinâmica do sistema cultural em que o uso e manejo de plantas é parte. Entre as metodologias de campo, utiliza-se da observação participante, de conversação, entrevistas e questionários, do método genealógico, de informantes-chave, de histórias de vida, de investigação longitudinal, entre outras (Kottak �994; Alexiades �996; Cunningham 2���). Os dados obtidos a campo são em geral analisados qualitativa e quantitativamente, estratégia intensificada a partir da metade da década de 8� (Prance et al. �98�; Phillips & Gentry �99�; Schultes & Reis �99�; Alexiades �996; Cotton �996; Begossi �996; Caballero �998; Cunningham 2���, citados por Peroni 2��2), o que tende a tornar os resultados cada vez mais confiáveis na proposição de conclusões e novas hipóteses para estudo. Alcorn (�99�) indica ainda que os propósitos do trabalho da etnobotânica são�� • o desenvolvimento de novos produtos derivados de plantas e de novas cultivares; • a conservação dos recursos naturais, especialmente associados a agrecossistemas sustentáveis. Considerando a evolução da etnobotânica noúltimo século, algumas questões merecem ser discutidas�� • O aspecto meramente catalográfico da ciência, considerado marcante até meados do século XX, deixou de existir completamente a partir de uma perspectiva antropológica e do desenvolvimento de metodologias de análise, fortalecida desde a segunda metade daquele século? • Entre os propósitos da etnobotânica indicados por Alcorn (�99�) (citados acima) qual ou quais vêm sendo alcançados a partir da prática da ciência, e que instrumentos e metodologias poderiam ser otimizados para que os propósitos da etnobotânica possam ser amplamente alcançados? Aspectos relacionados à consecução dos propósitos da etnobotânica Desenvolvimento de novos produtos derivados de plantas – As florestas tropicais contêm mais da metade das ���.��� espécies de plantas estimadas no mundo e menos de �% destas plantas foi estudada quanto à bioatividade (Conte �996). O Brasil, considerado o país de maior biodiversidade, detém em 69 torno de ��.��� espécies vegetais (CENARGEN �99�). Os países que detém esta imensa biodiversidade em suas florestas tropicais apresentam também um grande contingente humano manejando e conservando as mesmas�� estima-se que de 2�� a ��� milhões de pessoas vivam no interior das florestas tropicais do mundo (Lynch �99�). Os espaços florestais têm servido tanto como fonte direta de recursos naturais para as comunidades que neles vivem quanto como fonte de produtos industriais. Atualmente, a indústria de medicamentos fitoterápicos, por exemplo, encontra na biodiversidade das florestas tropicais a principal origem de substâncias para a produção dos mesmos. As vendas destes produtos atingem a cifra de �2 a 2� bilhões de dólares anuais, em nível mundial, mercado este em ampla expansão (Silva Junior 2���). No Brasil, o mercado anual de fitoterápicos gira em torno de US$ 26� milhões. De �999 a 2���, o consumo de medicamentos fitoterápicos aumentou �� %, enquanto o mercado de medicamentos sintéticos cresceu apenas � a 4 % (Dal Agnol 2��2). Considerando a expansão do mercado de fitoterápicos – bem como de outros produtos de origem vegetal – e o imenso universo de espécies bioativas a estudar, é importante que se busque o desenvolvimento de novos produtos a partir de espécies já utilizadas com alguma finalidade. Neste sentido, a etnobotânica parece estar desempenhando um papel fundamental. Cerca de �4 % das indicações etnobotânicas apresentam efetiva atividade farmacológica (Farnsworth �988). Desta forma, chega-se a economizar em torno de U$ ��� milhões no desenvolvimento de um novo medicamento, quando este é precedido por levantamentos etnobotânicos (Farnsworth �988). Assim, ao menos um dos propósitos da etnobotânica, apontados por Alcorn (�99�) e citados acima, parece estar sendo alcançado, qual seja o desenvolvimento de novos produtos derivados de plantas. Entretanto, considerando que estes produtos são desenvolvidos em países ricos, do hemisfério norte – que quase não detém espécies vegetais ou conhecimento tradicional associado – e que, em geral, as empresas deste setor nestes países enxergam as comunidades humanas das florestas tropicais - do hemisfério sul, de países subdesenvolvidos – unicamente como informantes e como mercado consumidor potencial, cabe a pergunta�� Quanto a este propósito, qual a diferença prática entre a etnobotânica de Harshberger e a de Ford? Em outras palavras, qual a importância do estudo das inter-relações entre homem e planta, quando a busca de conhecimento sobre o uso das mesmas em comunidades locais ou tradicionais apresenta basicamente aspectos catalográficos e tem como objetivo fundamental a expropriação do saber para a geração de lucros exclusivos de empresas que nada tem a ver com as comunidades expoliadas? Neste sentido, a retirada do termo “homem primitivo” na definição contemporânea de etnobotânica parece apenas representar um aspecto conceitual, politicamente �� correto. Além disso, na medida em que a repartição dos lucros e benefícios de novos produtos não atinge de forma efetiva as comunidades que geraram o conhecimento tradicional associado, fica clara a associação entre os termos “homem primitivo” e “comunidades de países subdesenvolvidos”. Mais ainda, fica clara a importância, neste propósito, em manter a “primitividade” ou o “subdesenvolvimento” das comunidades informantes. Portanto, se por um lado o desenvolvimento de novos produtos a partir de plantas é um propósito que a etnobotânica tem conseguido atingir, é preciso considerar que esta etnobotânica é a de Harshberger e continua sendo desenvolvida com toda a carga colonialista e imperialista do final do século XIX, corroborada pelo imenso poder das empresas transnacionais. Conservação ambiental e dos recursos naturais – Quanto ao propósito da conservação ambiental e dos recursos naturais a partir da etnobotânica, é importante notar que, de fato, resultados de vários trabalhos têm impulsionado a geração e o desenvolvimento de políticas públicas para este fim. Possivelmente, a aplicação mais efetiva destas políticas, no Brasil, esteja representada pela constituição de unidades de conservação em que o conhecimento local/tradicional acerca da utilização dos recursos naturais e seu manejo precisa ser considerado para a gestão das mesmas. Desde meados da década de 8�, este enfoque passou a ser evidente na categorização de áreas protegidas desenvolvida pela IUCN, ao incluir categorias que requerem a gestão compartilhada dos recursos dentro de zonas específicas (Cunningham & Shanley 2���). Hoje em dia, está amplamente reconhecido que o futuro de quase todas as áreas de conservação depende em grande parte da ajuda das comunidades locais do entorno ou de dentro das mesmas (Cunningham & Shanley 2���). No Brasil, a inclusão das Reservas Extrativistas, das Reservas de Desenvolvimento Sustentável e mesmo das Florestas Nacionais e das Áreas de Proteção Ambiental (com os objetivos atuais) no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (BRASIL 2���), é reflexo deste reconhecimento, o qual não seria possível sem o esforço de vários pesquisadores em etnobotânica e etnoecologia. Entretanto, a aplicação mais ampla dos resultados dos trabalhos em etnobotânica nas políticas públicas de conservação, no Brasil, encontra como barreira um aspecto comum às demais ciências, qual seja a quase inexistência de vínculo sócio-cultural-ideológico entre as comunidades locais/tradicionais, o ambiente acadêmico e a esfera administrativa do Estado, responsável pela promoção de políticas públicas. Parecem existir, portanto, três contextos bastante distanciados�� • A visão de mundo e a problemática dos grupos envolvidos nas investigações (denominados, muitas vezes, de “público-alvo”); • O objetivo e as metodologias desenvolvidas pela academia e praticadas pelo pesquisador; �� • O nível de reconhecimento da importância e da possibilidade de aplicação dos resultados das investigações pelos órgãos responsáveis pelas políticas públicas. A falta de conexão para a aplicação da etnobotânica em políticas públicas – Há uma clara tendência dos trabalhos em etnobotânica estarem direcionados para comunidades locais/tradicionais, as quais em geral apresentam um certo isolamento cultural do modus vivendi capitalista ocidental, bem como um forte vínculo com a utilização direta de recursos do meio para a subsistência. Tal tendência é justificável, na medida em que são estas comunidades que, pelo isolamento e disponibilidade de recursos naturais, devem apresentar características interessantes de serem analisadas sob a ótica da etnobotânica contemporânea, especialmente visando entender as inter-relações entre homem e planta para a promoção da conservação ambiental e cultural. Entretanto, é possível supor que praticamente todas as comunidades locais/tradicionais,na atualidade, estão expostas em maior ou menor grau à uma forte pressão para a distorção de suas relações entre homem e planta, em função das alterações das condições do meio e da cultura, impostas pela interferência com os padrões de vida ocidentais. Norgaard e Sikor (2��2) propõem que, no meio rural, especialmente dos países do terceiro mundo, o ambiente e a cultura (valores e conhecimento) apresentam-se interligados a outros processos, que condicionam o desenvolvimento local, da seguinte forma�� Considerando este modelo, na medida em que há uma crescente distorção cultural e de ambiente nas comunidades locais/tradicionais, passa a existir um forte reflexo, também, em seus processos organizativos e em suas práticas tecnológicas, impondo a distâncias cada vez maiores a prática e, conseqüentemente, o diagnóstico do conhecimento das mesmas quanto ao uso dos recursos naturais. A sobrevivência destas e nestas comunidades depende de políticas públicas Con�ecimento Valores Organizaç�o social Ambiente Tecnologia �2 adequadas de crédito, pesquisa e extensão, bem como do resgate, geração e difusão de tecnologias apropriadas. Além disso, depende do reconhecimento, da valorização e da aplicação dos conhecimentos e valores destas comunidades, uma vez que estes são fundamentais no processo de desenvolvimento local, descrito acima (Norgaard & Sikor 2��2). Entretanto, contrapondo esta necessidade, sobre estas comunidades constantemente são lançados “pacotes” de “novos” conhecimentos, de “novas” técnicas, de “novos” produtos, seja pelas políticas públicas, seja por empresas do setor privado, sempre sob a égide do desenvolvimento e da melhoria da qualidade de vida. Não obstante estes conhecimentos, técnicas e produtos poderem apresentar comprovada eficácia em termos científicos, a história recente demonstra que, em geral, estes apresentam-se pouco adaptados ao contexto sócio-ambiental- econômico das comunidades rurais (Norgaard & Sikor 2��2). O elevado nível de conhecimento sobre plantas e o interesse em manter espécies consideradas úteis é visto geralmente como um traço típico dos povos que vivem em áreas florestais (Conklin �9�4; Warner �99�; Messerschmidt �99�; Balée �994). Porém, por mais arraigado que seja o vínculo cultural com o meio e, muitas vezes, a luta pela permanência na terra e pela preservação dos valores e dos conhecimentos locais/ tradicionais, a pressão para a desculturação é extrema. É neste contexto que atua a etnobotânica. Não obstante a importância dos objetivos e das metodologias utilizadas, é forçoso reconhecer que, não raras as vezes, os resultados e conclusões obtidos em trabalhos a campo se constituem em retratos temporais de determinada realidade, indicando a existência de conhecimentos locais/tradicionais de elevada importância para a conservação cultural e ambiental. Entretanto, este retrato se dá em meio a um “efeito gargalo” ou de deriva dos conhecimentos e valores, fortemente pronunciado. Além disso, nem sempre aparece neste “retrato” o citado “efeito gargalo”, ou seja, nem sempre a problemática da degradação ambiental e da perda cultural é motivo de estudo e análise nas comunidades estudadas, dando-se prioridade ao estudo da utilização de plantas pelas mesmas. De acordo com Hersch-Martinez & Chevez (�996), muitas vezes se fala mecanicamente sobre a relação “homem- planta”, mas a atenção está posta em catalogar o componente botânico desta relação e o estudo resulta etnobotânico simplesmente porque existem homens e/ou mulheres que utilizam esta planta (Hersch-Martinez & Chevez �996). A questão dos problemas de posse da terra ou dos recursos naturais, por exemplo, raramente é articulada ao estudo. Esta questão é de crucial importância para o entendimento das inter-relações entre homem e planta (Cunningham & Shanley 2���). Neste sentido, Shipton (�994) propõe que “não se podem separar de um lado a religião, o ritual e a cognição e de outro lado a adaptação, o sustento e a produção. A propriedadde da terra está no centro da confluência. Nada evoca conotações simbólicas mais variadas ou filosofias legais mais intrincadas. �� Nada provoca sofrimentos mais profundos ou dá lugar a mais derramamento de sangue que as discrepâncias sobre a terra, sobre os limites e o acesso aos recursos da terra. Tão pouco não há nada que possa evitar de melhor maneira os mal entendidos entre culturas – prejudiciais tanto para as pessoas quanto para seus ambientes – que as definições adequadas de posse da terra” (Shipton �994, citado por Cunningham & Shanley 2���). Além da questão da posse da terra, outros aspectos políticos e econômicos de vulto acarretam conseqüências cruciais para a relação homem-planta. Contudo, muitas vezes estes aspectos não são considerados nos trabalhos em etnobotânica. Não obstante a inter-relação homem-planta nem sempre ser analisada em sua totalidade, os resultados e conclusões dos trabalhos em etnobotânica podem contribuir em muito para a adequação de políticas públicas locais e regionais de conservação. Entretanto, muitas vezes, os pesquisadores e as instituições de pesquisa consideram que o processo científico está completo uma vez que o artigo é enviado para publicação. O resultado é que a maioria da informação e da compreensão científica geradas pelos pesquisadores permanece na mão apenas de cientistas e de acadêmicos, distantes da região de estudo (Shanley & Laird 2��2).(Shanley & Laird 2��2). Esta situação, apesar de freqüente, é contraditória ao Código de Ética da Sociedade Internacional de Etnobiologia (�998), o qual propõe, entre outros aspectos, que o treinamento e educação devem ser partes fundamentais dos projetos de pesquisa, incluindo a aplicação prática dos resultados (Shanley & Laird 2��2). Se, por um lado, existe pouca articulação entre políticas públicas de conservação e a academia, por outro lado parece existir uma “repulsa” dos órgãos públicos em assumir a necessidade da inclusão dos conhecimentos/ valores locais/tradicionais nos projetos políticos, uma vez que, por definição, estes valores são diferenciados dos que dão origem a estas políticas. As políticas públicas apresentam em geral forte vínculo com o projeto de desenvolvimento neo-liberal, fundamentado na globalização e considerando a inclusão social como resultado, inclusive, do abandono de valores/conhecimentos locais e tradicionais, em prol da assimilação de aspectos culturais do capitalismo ocidental. Se existe alguma contribuição da ciência nestas políticas, esta contribuição costuma ter origem em uma lógica positivista e centralizadora, tecnocrática, da mesma. Um dos maiores exemplos deste contexto é a própria Revolução Verde, ao estimular, por meio da pesquisa, ensino, extensão e crédito, tecnologias completamente inadaptadas às condições ambientais, sociais, econômicas e culturais da agricultura brasileira e de outros países do Terceiro Mundo (Altieri 2��2). Em várias outras políticas públicas brasileiras, costuma-se procurar adaptar estratégias e metodologias que, em princípio, funcionam bem em países considerados desenvolvidos, com a premissa de que tenderão a desenvolver também nosso país. Foi assim com a política de extensão rural baseada na �4 aplicação dos �`s (EMBRATER �9��); é assim com o projeto de parceria público-privada em início de implantação nas áreas públicas da Amazônia (BRASIL 2���), bem como na política de criação e gestão de unidades de conservação, em nível federal (BRASIL 2���). No que tange a este último aspecto, é importante notar que, embora hajam no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (BRASIL 2���) categorias de unidades que necessitam dos conhecimentos/valores locais/tradicionais para a sua gestão, o financiamento efetivo para a criação e manutenção de unidades de conservação é fortemente voltado para asunidades de proteção integral. Este contexto procura reproduzir o fundamento conservacionista americano, para o qual a conservação deve se dar de forma isolada da presença humana (“silverness”) (Diegues 2���). Entre os mecanismos adotados para esta priorização, o IBAMA propõe, com base em normativa interna (BRASIL 2��4), em sua “Câmara de Compensação Ambiental”, que os recursos originados de compensação provenientes do licenciamento ambiental federal sejam aplicados exclusivamente em unidades de conservação de proteção integral, em detrimento das unidades de uso sustentável, salvo se o empreendimento licenciado esteja localizado no entorno de alguma destas unidades. Trata-se aqui de uma grande soma de recursos, uma vez que de �,� a 2 % do valor total de cada empreendimento licenciado em âmbito federal são destinados à compensação ambiental. Outro exemplo da não congruência entre os valores e conhecimentos locais/ tradicionais e o desenvolvimento de políticas públicas encontra-se no grande distanciamento entre estes e a legislação ambiental, também comprometida, em muitos casos, com a exclusão social necessária ao projeto neo-liberal. Em termos práticos, como conciliar a valorização do conhecimento quanto à construção artesanal de barcos utilizando espécies nativas, bem como a própria pesca artesanal, na medida em que é proibido a retirada de espécies nativas para este fim (BRASIL �96�; BRASIL �99�) e na medida em que a imensa maioria do apoio governamental, em todos os sentidos, se dá para a pesca industrial de elevado emprego de capital? Como estimular a prática da medicina caseira com base em recursos genéticos nativos e, por conseqüência, a valorização e conservação destes recursos, na medida em que, para se retirar cascas ou folhas de árvores faz-se necessário, legalmente, a elaboração de planos de manejo por profissionais habilitados e o licenciamento do órgão ambiental competente (BRASIL �96�; BRASIL �99�) – elementos que tornam a elaboração de um chá um processo legalmente inviável? Como associar a agricultura de coivara, processo cultural tradicional que em geral sempre estimulou a biodiversidade local (Vivan �998, Siminski 2��4), com a impossibilidade legal de manter pousios longos na mata atlântica (BRASIL �99�; BRASIL �994)? Vários outros exemplos de distanciamento entre a legislação e os valores, conhecimentos e práticas de manejo locais/tradicionais poderiam ser citados. O ponto crucial é �� que, na elaboração e gestão dos instrumentos da legislação ambiental brasileira, o princípio da participação comunitária, tão apregoado nas obras de direito ambiental (Aguiar 2��2), praticamente não é aplicado. Considerando os aspectos discutidos acima, no período entre a indicação da importância dos conhecimentos e valores locais/tradicionais para os gestores de políticas públicas e a valorização/aplicação destes nas citadas políticas, é possível que grande parte dos mesmos estejam transformados, reduzidos ou inexistentes. É possível ainda que os informantes, detentores do conhecimento, tenham falecido, assim como é possível que a própria comunidade não exista mais. Além disso, é possível e provável que estes conhecimentos/valores nunca sejam efetivamente valorizados pelas políticas públicas, simplesmente por não serem considerados importantes, ou serem considerados contraditórios, a estas políticas. Que fazer? – Se é razoável assumir a premissa que, em geral, a promoção dos conhecimentos e valores locais/tradicionais é contraditória às bases das políticas públicas de conservação e desenvolvimento local e que estas políticas têm sua origem no modelo de desenvolvimento neo-liberal, é uma tentação dialética assumir, igualmente, que esta valorização não pode se dar na esfera deste modelo. Portanto, para que os resultados da etnobotânica pudessem ser amplamente utilizados nas políticas públicas, seria necessário a mudança do modelo de desenvolvimento. Por mais óbvia que seja a necessidade da luta política pela mudança do modelo de desenvolvimento neo-liberal, não só para a conservação ambiental e cultural, mas para todos os setores do desenvolvimento econômico e social, condicionar a aplicação efetiva e ampla da etnobotânica nas políticas públicas exclusivamente à mudança do modelo de desenvolvimento não deixa de ser uma opção maniqueísta e pouco estratégica. Em um país que ainda hoje guarda fortes resquícios da vida colonial, política pública é considerada como uma ação que deve ser desenvolvida pelo Estado em sua esfera administrativa, já que este é o próprio símbolo da “coisa pública”. Essa “coisa pública”, entretanto, tem sido promotora de um modelo de desenvolvimento que estimula a desculturação e a exclusão social, independentemente dos governos que a regem, temporariamente. É para este Estado que a academia tem entregue os retratos das inter-relações entre homem e planta, feitos nas comunidades que lutam por manter estas inter-relações em meio aos “bombardeios” de desculturação que o próprio Estado ajuda a promover. Por outro lado, é possível vislumbrar uma outra dimensão do termo “política pública”. O público real, ou seja, as comunidades humanas, ao promoverem ações políticas, estão, conceitualmente, promovendo políticas do público, ou políticas públicas. Em princípio, para que a medicina caseira, a pesca artesanal, a agroecologia e tantas outras políticas públicas (do público), fundamentadas em conhecimentos locais e tradicionais, sejam praticadas, não há �6 necessidade exclusiva da “coisa pública” (não tão pública assim), representada pela esfera administrativa do Estado. Neste aspecto, a academia, embora inserida em grande parte no contexto estatal, por apresentar-se liberta das esferas administrativas, pode contribuir de forma importante, especialmente por meio da etnobotânica. Um aspecto metodológico de grande pertinência neste sentido é a inclusão da pesquisa-ação como metodologia de campo nos trabalhos em etnobotânica. Pesquisa-ação e pesquisa participante não são sinônimos. A pesquisa participante, usualmente aplicada em trabalhos em etnobotânica, engloba uma série de metodologias com características específicas – observação participante, diagnóstico rápido participativo (DRP), Sistema de Desenvolvimento Local (SISDEL), agricultores-experimentadores (AE), pesquisa longitudinal, bem como a pesquisa-ação, dentre outras (Brandão �98�; Brandão �984; Thiollent �984; Chambers et al. �989; Kottak �994; Geilfus �99�; Torres 2���; Minayo 2���). Entretanto, na maioria destas metodologias, há uma preocupação sobretudo com o papel do investigador dentro da situação investigada, chegando- se a problematizar a relação pesquisador/pesquisado no sentido de estabelecer a confiança e outras condições favoráveis a uma melhor captação de informação. No entanto, nem sempre a relação entre investigação e ação, dentro da situação considerada, é um fator preponderante. Dentre as diferentes metodologias da pesquisa participante, a pesquisa-ação procura enfatizar justamente este aspecto. Assim, a pesquisa-ação não é apenas uma pesquisa participante, mas sim um tipo de pesquisa centrada na questão do agir (De Schutter �98�; Fals Borda �98�; Freire �982; Thiollent �984). De acordo com Thiollent (�984), “na pesquisa participante, a preocupação está mais concentrada no pólo pesquisador do que no pólo pesquisado. Além disso, não se trata de ação na medida em que os grupos investigados não são mobilizados em torno de objetivos específicos e sim são deixados às suas atividades comuns. O fato de os pesquisadores participarem nas situações observadas não é uma condição suficiente para se falar em pesquisa-ação. Pois, além da participação dos investigadores, a pesquisa-ação supõe uma participação dos interessados na própria pesquisa organizada em torno de uma determinada ação – uma intervençãocom mudanças dentro da situação investigada” (Thiollent �984). Embora muitos trabalhos em etnobotânica se utilizem de metodologias da pesquisa participante para o diagnóstico das inter-relações homem-planta, a pesquisa-ação é pouco utilizada, talvez justamente porque foge do controlecontrole puramente acadêmico das metas e resultados a alcançar, bem como ao propósito exclusivo do diagnóstico. Por outro lado, as demandas de pesquisas tendem a surgir de editais e de linhas geralmente distantes das necessidades das comunidades locais/tradicionais. �� Assim, os resultados e conclusões dos diagnósticos, descritos de forma acadêmica, acabam marcando o término de grande parte dos trabalhos. Não raras as vezes, a maior contribuição direta à comunidade que se propõe no escopo de muitos trabalhos é a “devolução” ou o “retorno” à comunidade, do conhecimento academicamente sistematizado. Este “retorno”, porém, pouco acaba contribuindo com a valorização pública local dos seus próprios conhecimentos. Neste sentido, Hersch-Martinez e Chevez (�996), propõe que “quando por uma questão metodológica se desvincula o saber da populaçãouando por uma questão metodológica se desvincula o saber da população acerca de seu recurso (com todos os seus valores inclusos), esta se converte em objeto informante. Este saber será decifrado e recodificado em um processo de apropriação e interpretação de dados que forma parte da construção da realidade realizada pelo mundo acadêmico. Tal redução implica não somente em desrespeito ao mundo de crenças e instituições do informante, mas na retirada da condição de sujeito do conhecimento que o mesmo efetivamente é. Acreditando que não tem conhecimento, o ex-sujeito não confia na sua utilização, passando a ser influenciado por um suposto conhecimento mais elevado de quem o expropriou” (Hersch-Martinez & Chevez �996). Dessa forma, o “retorno” à comunidade “informante” pode mais inibir do que estimular a valorização do conhecimento local/tradicional. Por outro lado, quando na pesquisa-ação o conhecimento local é valorizado em toda a sua amplitude, através da vivência coletiva dos valores associados e da percepção conjunta, entre academia e comunidade, dos benefícios desta valorização, há uma motivação para a autonomia e a auto- gestão do saber, favorecendo a condição de sujeitos sociais transformadores entre os envolvidos. Neste sentido, o desafio passa a ser o rompimento da dicotomia entre “diagnosticar” e “retornar” o conhecimento sistematizado à comunidade informante, para um paradigma que considere a “construção” coletiva da valorização e da prática do conhecimento. A prática da pesquisa-ação, portanto, transcende ao aspecto da multidisciplinaridade, uma vez que neste conceito estão apenas englobadas as disciplinas – todas da academia. O desafio proposto pela pesquisa-ação é o envolvimento das “disciplinas” do mateiro, da benzedeira, do agricultor, do pescador e tantas outras, não como meros elementos do conjunto do “público informante” ou “público-alvo”. A proposta é a mobilização destes grupos para uma pesquisa que gere, na medida em que é desenvolvida, resultados práticos de valorização e promoção do conhecimento local para a melhoria da qualidade de vida, considerando inclusive as contribuições que o meio acadêmico é capaz de fornecer. Na medida em que deixam de ser “alvo”, estes grupos “passam também a atirar”, para o alvo que é construído conjuntamente, desde a formulação do problema até a luta para a conservação pública local do ambiente e seus �8 recursos, passando pela geração de vários resultados e conclusões, reflexões e reformulações do problema original. Obviamente que não se trata de menosprezar o saber e o instrumental acadêmico no processo de pesquisa, o que seria absurdo. Cabe aqui a colocação de De Roux (�99�), o qual indica que vêm surgindo determinados enfoques de pesquisa que tendem a sobrevalorizar o saber popular, considerando-o como única fonte de sabedoria. De acordo com este autor, este tipo de abordagem, que ignora a validade do saber erudito e do conhecimento técnico e científico, desconhece a ambivalência e a heterogeneidade do pensamento popular como um “construtor multifacetário” edificado historicamente na confrontação entre racionalidades e saberes diversos, com freqüência até contraditórios. Assim, pretender que a solução dos problemas se inspire unicamente na sabedoria popular, reflete em ações futilmente espontâneas, limitadas em seu alcance e pouco eficazes (De Roux �99�). Entretanto, para que a pesquisa-ação seja aplicada, faz-se necessário um comprometimento político do pesquisador com o público, neste caso intransferível para a esfera administrativa do Estado. Neste aspecto, a prática do pesquisador em etnobotânica em assumir uma postura de não interferência junto ao público pesquisado, a fim de que o diagnóstico seja o mais fidedigno possível, precisa ser transformada em prática de parceria para a transformação social, visando a valorização do conhecimento comunitário, ainda que respeitando e sistematizando a origem do diagnóstico. Em vários contextos, no Brasil e na América Latina, a articulação comunitária para a promoção dos valores e conhecimentos locais/tradicionais, de forma associada ao conhecimento técnico-científico, vem se dando em movimentos populares de saúde, em associações de bairro, em comunidades de pescadores artesanais e em grupos de agricultores ecologistas, entre outros grupos sociais. Entretanto, muitas vezes esta articulação não envolve o comprometimento da academia, restringindo-se o envolvimento externo a ONG`s de desenvolvimento rural ou da área da saúde (Pastoral da Saúde, Centro Nordestino de Medicina Popular, entidades da Rede Eco-Vida, Articulação Pacari, entre tantas outras) apoiadas por doações ou por instituições de fomento internacionais ou nacionais. Parece existir, portanto, uma grande lacuna acadêmica de envolvimento nestes processos, cujo espaço não pode ser preenchido tão bem por qualquer outra ciência que não a etnobotânica. Para tanto, do ponto de vista metodológico, algumas práticas usualmente utilizadas poderiam ser aprimoradas – fato que já vem acontecendo em vários trabalhos de etnobotânica – considerando-se sempre o enfoque da vivência coletiva do conhecimento e dos valores, bem como da coletivização das ações, resultados e encaminhamentos. Na Tab. � são propostas algumas destas adequações. Obviamente, não se pretende apresentar, nesta Tabela, um roteiro �9 de trabalho, nem tão pouco esgotar, de longe, as possibilidades de adequações metodológicas da pesquisa-ação à etnobotânica. Pretende-se, exclusivamente, apresentar exemplos destas possíveis adequações, alguns dos quais discutidos em diferentes trabalhos (Fals Borda �98�; Freire �982; Thiollent �984; Chambers et al. �989; Carvalho �99�; Kottak �994; Hersch-Martinez & Chevez �996;Hersch-Martinez & Chevez �996; Geilfus �99�; Steenbock 2���; Shanley & Laird 2��2).Steenbock 2���; Shanley & Laird 2��2). Conclusões Contribuir para estimular condições locais para o resgate, o estímulo e para estimular condições locais para o resgate, o estímulo e a prática dos conhecimentos e valores tradicionais vinculados às inter-relações entre homem e planta é um propósito de grande importância na etnobotânica, visando a conservação ambiental de forma associada a um desenvolvimento local calcado na autonomia e no empoderamento das comunidades. Em outras palavras, este propósito seria o de contribuir para a criação de condições de desenvolvimento e aplicação de políticas públicas pelo público, no que tange à utilização e manejo dos recursos naturais, estimulando a cidadania, a valorização cultural e a inserção política e social das comunidades humanas. Para tanto, faz-se necessário a busca pela inclusão das ações de valorizaçãotanto, faz-se necessário a busca pela inclusão das ações de valorização do conhecimento local/tradicional nas possibilidades de custos dos projetos de pesquisa, englobando a articulação entre educação, pesquisa e extensão como elemento fundamental (Shanley & Laird 2��2). Contudo, a questão crucial, inclusive para a busca de financiamentos, a questão crucial, inclusive para a busca de financiamentos adequados para a pesquisa, é a criação de vínculos e compromissos sociais entre pesquisadores e grupos sociais. Nas palavras de Gadamer (Gadamer �99�, Gadamer (Gadamer �99�, apud Hersch-Martinez & Chevez �996), faz-se necessário criar condições apropriadas para a “fusão de horizontes”, entendida esta como a comunicação de tradições distintas que carateriza todo o ato de compreensão e através da qual se revelam o significado e a verdade. Referências bibliográficas: bibliográficas: Aguiar, R.A.R. 2��2. 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Disso resulta, freqüentemente, um acúmulo de trabal�os em etnobotânica nos mesmos grupos sociais, os quais, por n�o enxergarem resultados práticos dos trabal�os, acabam por desmerecer novas iniciativas. É importante, portanto, em uma perspectiva de pesquisa-aç�o, que a proposta do trabal�o seja previamente apreciada, discutida e eventualmente modificada junto aos grupos em que se pretende realizar o trabalho. Observação participante A observaç�o participante é método comumente utilizado em trabal�os de etnobotânica, a qual significa, em curtas palavras, tomar parte da vida da comunidade enquanto se procede a pesquisa (Kottak 1994). Seu uso no contexto da pesquisa-aç�o transcende a necessidade do mel�or entendimento das relações sociais e culturais pelos pesquisadores, servindo para, além disso, criar bases coletivas para a determinaç�o do problema, do objeto e das estratégias de pesquisa. Definição do problema e do objeto de estudo Na perspectiva da pesquisa-aç�o, os grupos sociais n�o s�o os objetos de estudo. As inter- relações entre �omem e planta, nos grupos envolvidos, podem ser estudadas pelo próprio grupo social, em parceria e de forma facilitada pelos pesquisadores – que passam a assumir um papel de facilitadores, no conjunto total de pesquisadores do grupo. Sob esta ótica, n�o �averá como desvencil�ar estas inter-relações da problemática sócio-cultural-ambiental-econômica destes grupos. Por outro lado, é aqui que reside um dos principais aspectos da motivaç�o do grupo em participar da pesquisa, na medida em que este passa a construir e a enxergar as finalidades da mesma. Para esta etapa, métodos de Diagnóstico Rápido Participativo (DRP), AnálisesPara esta etapa, métodos de Diagnóstico Rápido Participativo (DRP), Análises coletivas de conjuntura, Educaç�o Popular e Planejamento Estratégico Participativo (PEP) s�o muito pertinentes. Roteiros dirigidos, temas geradores, cartilhas de debate e outros instrumentos similares podem ser muito úteis no processo de facilitaç�o. Elaboração de cartilhas de debate As cartil�as de debate n�o apresentam, necessariamente, informações provenientes da sistematizaç�o do con�ecimento. Neste tipo de cartil�a, s�o incluídos desen�os, diagramas, textos de base, temas geradores e roteiros dirigidos, visando a geraç�o de perguntas para serem debatidas e respondidas coletivamente. Para a elaboraç�o deste tipo de cartil�a, é fundamental, no mínimo, uma observaç�o participante eficiente por parte dos facilitadores. O uso coletivo e dinâmico de cartilhas de debate pode contribuir em muito para direcionar o rumo das investigações, visando o desenvolvimento local. Caminhadas etnobotânicas As camin�adas etnobotânicas consistem em “passeios” coletivos nos ambientes onde se encontram os recursos vegetais utilizados pela comunidade, visando con�ecê-los e recon�ecê- los. Quando uma espécie é identificada, por algum dos participantes, discute-se todos os aspectos possíveis de sua utilizaç�o e ocorrência natural, contando-se com a experiência e con�ecimento dos participantes da camin�ada. Estes aspectos s�o questionados e anotados por facilitadores. Amostras das plantas s�o coletadas e prensadas para a elaboraç�o de exsicatas. As camin�adas etnobotânicas diferem, conceitualmente, das turnês guiadas (Alexiades 1996). O principal fundamento desta diferença consiste no fato de que o objetivo das camin�adas etnobotânicas n�o é exclusivamente o diagnóstico do uso de plantas, mas sim uma apreens�o e discuss�o coletiva destes usos, visando diretamente o resgate e a valorizaç�o comunitária deste con�ecimento 84 Cadernos mini-herbários As exsicatas provenientes das amostras coletadas nas camin�adas etnobotânicas podem servir para a confecç�o de cadernos mini-�erbários, nos quais, além das exsicatas, s�o transcritos todos os aspectos discutidos nas camin�adas. Estes cadernos podem ser utilizados nas oficinas de mutir�o. Oficinas de mutirão A partir do con�ecimento registrado nos cadernos mini-�erbários, bem como em outros instrumentos e em relatos de reuniões, podem ser promovidas oficinas visando a elaboraç�o/ confecç�o ou construç�o de materiais ou produtos indicados. Estas oficinas também servem para a troca de idéias, de mudas e de experiências na utilizaç�o das plantas em quest�o, aspectos que podem ser registrados pelos facilitadores. Além disso, os produtos produzidos coletivamente podem ser distribuídos entre os participantes, estimulando processos locais de troca. Promoção de hortas e quintais Na medida em que se estimule as trocas de mudas entre os membros da comunidade, as hortas e quintais tendem a ser incrementados com as espécies trocadas. A evoluç�o do con�ecimento de cada membro do grupo e do número de espécies em suas �ortas e quintais pode ser avaliado pelos facilitadores. Além disso, pode-se estimular a criaç�o de �ortas referenciais, nas quais podem ser encontrados, para uso pela comunidade, diversos recursos terapêuticos, artesanais e alimentícios. Esta prática tem sido amplamente difundida em experiências populares de medicina caseira, tais como as “farmácias vivas” do nordeste brasileiro (Mattos 1997) e da Articulaç�o Pacari (cerrado) e as �ortas medicinais da regi�o de Buenos Aires (CETAAR 1998) Elaboração de cartilhas informativas e de vídeos A partir da sistematizaç�o do con�ecimento, levada a cabo durante a realizaç�o de diferentes atividades, como as aqui propostas, torna-se possível a elaboraç�o de cartil�as e de vídeos que conten�am as informações registradas, as quais podem auxiliar em muito ações de difus�o do con�ecimento. Neste caso, é de grande importância o envolvimento de membros da comunidade na elaboraç�o dos materiais, seja visando a adequaç�o de linguagem para a realidade local/ regional, seja considerando a importância do conhecimento ser repartido entre sujeitos do mesmo, os quais, como sujeitos, s�o co-responsáveis pelo tipo de informaç�odifundida. Este envolvimento contribui, paralelamente, para o estímulo à auto-gest�o e à autonomia da comunidade para o desenvolvimento local. Eventos lúdicos e culturais Na prática da educaç�o popular, o lúdico é sempre um dos aspectos mais relevantes para a valorizaç�o cultural, revitalizando sua mística. Assim, no decorrer da pesquisa, eventos como a promoç�o de teatros, gincanas, danças, exposições, paródias, esportes, festivais musicais, etc, que ten�am como base aspectos relacionados ao uso de plantas na comunidade, s�o de grande importância. Nestes eventos, é comum a apresentaç�o de múltiplas interfaces entre a utilizaç�o de plantas e os demais aspectos sociais, culturais e econômicos da comunidade, os quais podem ser registrados pelos facilitadores. Oficinas de reflexão Na medida em que metodologias como as aqui apresentadas forem sendo praticadas, uma série de resultados podem ser sistematizados e trazidos, periodicamente, para uma avaliaç�o coletiva do andamento da pesquisa e para a proposiç�o de novos encamin�amentos e re- formulações dos problemas e objetivos. Eventualmente, o estímulo prático ao con�ecimento local pode encontrar barreiras na legislaç�o ou na estrutura social local/regional, exigindo, nestes casos, um processo de mobilizaç�o comunitária para a resoluç�o destes entraves. Por outro lado, este estímulo pode gerar oportunidades de comercializaç�o de produtos locais, economia solidária, turismo rural, ecoturismo, entre outros. Neste sentido, estas oficinas podem funcionar como instrumentos práticos de promoç�o da cidadania e da inserç�o comunitária nas políticas públicas locais e regionais. Tabela �. Continuação A perspectiva da etnobotânica sobre o extrativismo de produtos florestais não madeiráveis e a conservação Gabriela Coelho de Souza Rumi Kubo DESMA – Núcleo de Estudos em Desenvolvimento Rural Sustentável e Mata Atlântica. Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural UFRGS/ PRODOC-CAPES Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural UFRGS/ PRODOC-CAPES Capítulo 6 8� Introdução O desenvolvimento da Etnobotânica vem contribuindo para a discussão de certos pressupostos das ciências biológicas. A partir de estudos sobre as práticas de manejo de ecossistemas por comunidades tradicionais (Anderson & Posey �98�, �98�; Gómez-Pompa �9��; Posey �98�), comprovou-se que determinados ecossistemas considerados “naturais” são resultado da coexistência entre comunidades tradicionais e ambientes�. Esta constatação leva alguns autores a lançarem a hipótese de que muitos dos ecossistemas tropicais considerados “naturais” podem ter sido profundamente moldados por populações tradicionais (Anderson & Posey �98�). Por ser necessário, a partir destas constatações, uma avaliação mais aprofundada sobre a distinção de ambientes com ou sem a interferência antrópica, o limite entre as categorias “natural e social” torna-se mais fluído, caracterizando a ligação inseparável entre sócio e biodiversidade2 (Declaração de Belém �988). Neste sentido, a conservação deve ser pensada no nível�� a) dos ecossistemas, onde devem ser mantidos os componentes da diversidade biológica b) das comunidades tradicionais per se; c) da cultura destas comunidades, fundamentalmente das práticas de manejo da biodiversidade, d) dos modelos de conservação e políticas públicas adotados pelos países. O novo modelo de ciência da conservação envolvendo o resgate, o estudo e a valorização do conhecimento ecológico local (Berkes �999; Hazanaki 2���), proposto pela Etnobotânica, resulta em modelos de manejo sustentável dos recursos e criação de planos de desenvolvimento melhor adaptados às condições locais. Esta concepção é proposta no âmbito das políticas públicas e movimentos ambientalistas pelo Socioambientalismo (Santilli 2���) e Etnoconservação (Diegues 2���). Diegues (2���) propõe o termo Etnoconservação para contrapor à Conservação, utilizada em amplo sentido, como a conservação ou manutenção de alguns ou de todos os componentes da diversidade biológica, incluindo o uso sustentável, sua restauração e recuperação (Watson & Heywood �99�). Segundo o autor, apesar do discurso moderno conceituar a conservação incluindo o uso sustentável e, por pressuposto, reconhecendo o saber e as influências das comunidades tradicionais � Estudos de Anderson & Posey (1987) comprovam que as práticas de manejo dos Kayapó in��uenciam todos os níveis ecológicos das áreas de Cerrado, �abitadas por eles. Sendo que, anteriormente, estas áreas eram consideradas “naturais”. A partir destes resultados os autores lançam a �ipótese de que, além do Cerrado, muitos dos ecossistemas tropicais considerados “naturais” podem ter sido profundamente moldados por populações tradicionais. 2 A Declaraç�o de Belém foi declarada durante o Primeiro Encontro Internacional de Etnobiologia em 22 de jul�o de 1988. Nela os etnobiólogos e povos indígenas consideram que “as ��orestas tropicais est�o desaparecendo, muitas espécies animais e vegetais se encontram em perigo de extinç�o, e as culturas indígenas de todo planeta est�o sendo desmembradas e destruídas; ... entendem que: - as condições econômicas, agrícolas e de saúde das populações dependem destes recursos, - as populações nativas tem sido os fornecedores de 99% dos recursos genéticos do mundo, - existe uma inseparável ligaç�o entre diversidade cultural e diversidade biológica...” 88 sobre os ecossistemas, a Conservação na prática se limita à proteção, manutenção e restauração do mundo natural. No Brasil estas concepções preservacionistas têm forte ressonância, a partir da década de 9�, em contraposição a um intenso processo de degradação em curso, sendo implementadas através de uma legislação ambiental bastante restritiva no âmbito das opções de uso. Embora na prática ainda prevaleçam ações calcadas em ideários preservacionistas, a concepção da Etnoconservação vem se consolidando no contexto internacional através de ações voltadas ao desenvolvimento sustentável, visando a conservação da sócio e biodiversidade. A Convenção sobre a Diversidade Biológica�, de �992, e a agenda 2� refletem o comprometimento dos países signatários com a conservação. No âmbito das cooperações internacionais, está o Programa o Homem e a Biosfera (MAB), programa de cooperação científica da UNESCO4, que busca “promover o conhecimento, a prática e os valores humanos para implementar as boas relações entre as populações e o meio ambiente em todo o planeta” (UNESCO 2��6). Seus objetivos incluem a criação de Reservas da Biosfera (RB´s) e a manutenção de uma rede de informações para o equacionamento de questões ligadas a sua gestão. As RB´s, implantadas em áreas de alta biodiversidade, se constituem em um sistema de gestão e planejamento que visa a promoção da conservação da biodiversidade, a difusão do conhecimento e a promoção do desenvolvimento sustentável (RBMA 2��6). No bojo desta discussão, de repercussão socioambiental, encontram-se em disputa diversos interesses representados por diferentes esferas sociais, entre elas o poder público, organizações internacionais, iniciativas privadas, organizações não governamentais, comunidades tradicionais e academia. Neste contexto, a questão proposta nesta mesa redonda - O extrativismo é viável socioambientalmente? - será discutida a partir da relação de comunidades tradicionais da Mata Atlântica, que praticam o extrativismo de produtos florestais não madeiráveis (PFNM), com os ecossistemas e a sociedade urbano industrial. Com esta finalidade, a questão da samambaia-preta no Rio Grande do Sul será o ponto de partida para esta análise. Experiência do extrativismo da samambaia- preta no Rio Grande do Sul A espécie Rumohra adiantiformis (G. Forst.) Ching (Dryopteridaceae- Pterophyta) de distribuição pantropical (Milton &Moll �988) se destaca dentre as espécies de estádios iniciais de regeneração florestal por sua importância econômica e socioambiental (Miguel et al, 2��6). As folhas apresentam valor comercial por possuírem grande durabilidade após sua coleta, sendo comercializadas em nível mundial para utilização em arranjos de flores. No Brasil e África do Sul são obtidas por extrativismo, enquanto que na Flórida e Costa Rica são cultivadas em viveiros irrigados (Fig. �). � Os três objetivos principais s�o: a conservaç�o da biodiversidade, o uso sustentável de seus componentes e a repartiç�o justa e eqüitativa dos benefícios advindos da utilizaç�o dos recursos genéticos (SCDB 2006). 4Organizaç�o das Nações Unidas para a Educaç�o, a Ciência e a Cultura (�ttp://www.unesco.org.br/) 89 No Brasil, o extrativismo de samambaia-preta é realizado em áreas de Mata Atlântica do sul e sudeste do país (Conte et al 2���; Hanazaki 2���), tendo grande expressividade nas encostas da Serra Geral, na região nordeste do Rio Grande do Sul �. Estas, de propriedade de agricultores familiares, se localizam em zona tampão das áreas da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, no entorno de Unidades de Conservação (Reserva Biológica da Serra Geral, FLONA de São Francisco de Paula e Área de Proteção Ambiental (APA) da Rota do Sol). A maior parte constitui-se em áreas de preservação permanente, por apresentarem declividade superior a 4�º e estarem localizadas em topos de morro ao longo de rios e nascentes (Fig. 2). Reis (�996) aponta que a utilização de áreas de Floresta Ombrófila Densa, de relevo fortemente ondulado, fica restrita ao manejo com manutenção permanente da cobertura florestal. O extrativismo (Fig. �), iniciado no final na década de 6�, atualmente está entrando em fase de declínio. Na década de 6�, fatores históricos, econômicos e sociais desencadeados pela “revolução verde” levaram à diminuição da população humana vivendo nas áreas de encosta da Floresta Ombrófila Densa no RS. A partir de então, muitas áreas deixaram de ser manejadas, estimulando o início da regeneração florestal. Ao mesmo tempo o mercado nacional identificou a presença de samambaia nas áreas de encosta e a possibilidade de explorá-la economicamente. A coincidência destes dois momentos levou ao estabelecimento do extrativismo de samambaia-preta a partir da década de ��, como um novo ciclo econômico na região, tornando-se a principal fonte de renda para as famílias de agricultores familiares que permaneceram nas áreas de encosta. A partir do estabelecimento desta atividade, nos anos ��, o extrativismo iniciou sua fase de expansão, atingindo uma fase de estabilização entre as décadas de 8� e 9�. Com a sucessão florestal avançando, ocorreu a passagem dos estádios sucessionais iniciais para estádios médios, levando à diminuição dos estoques de samambaia e o início da fase de declínio a partir dos primeiros anos do novo milênio (Coelho de Souza 2���). Nestas áreas, estima-se que duas mil famílias de agricultores familiares extrativistas dependam economicamente da extração de samambaia como principal fonte de renda. Além disso, representam, atualmente, um centro de produção da espécie no país, pois cerca de ��% da samambaia comercializada no Brasil provém do estado do RS (Ribas et al. 2��2). O Projeto Samambaia-preta6, iniciado em 2���, desenvolvido a partir de estudos interdisciplinares calcados nos princípios da Etnobotânica, fez uma análise da questão extrativista do ponto de vista biológico econômico e social. A partir dos � Esta regi�o é considerada o limite austral da Floresta Ombrófila Densa (Mata Atlântica sensu stricto) no Brasil. 6 As instituições que desenvolvem o projeto s�o: DESMA/PGDR-UFRGS – Núcleo de Estudos em De- senvolvimento Rural Sustentável e Mata Atlântica/Programa de Pós-graduaç�o em Desenvolvimento Rural - UFRGS, NPFT/UFSC – Núcleo de Pesquisas em Florestas Tropicais - UFSC - ONG ANAMA – ONG Aç�o Nascente Maquiné NPFT 9� estudos biológicos e ecológicos� corroborou-se a sustentabilidade do manejo das populações de samambaia nos ambientes de ocorrência (Baldauf 2��6; Kubo et al 2��6; Coelho de Souza et al 2��6). Ficando demonstrado que as folhas extraídas nos ciclos de exploração, praticados pelos agricultores familiares extrativistas, são repostas pela própria dinâmica da população, sem perda da variabilidade genética, caracterizando um manejo sustentável (Fantini et al �992). Segundo Baldauf (2��6), R. adiantiformis apresenta todas as características ecológicas indicadas para espécies prioritária para manejo sustentável, segundo indicadores propostos por Cunningham (2���). A espécie apresenta�� a) ampla distribuição geográfica, b) baixa especificidade de habitat, c) grandes tamanhos populacionais, d) altas taxas de renovação, e) como grupo geral de recursos as folhas, órgão de rápida reposição; f) reprodução sexuada oogâmica, g) dispersão anemocórica, hidrocórica e propagação clonal. Do ponto de vista econômico, o projeto realizou a caracterização socioeconômica dos extrativistas e o estudo da cadeia produtiva (Ribas et al. 2��2). Os resultados demonstram uma cadeia produtiva desestruturada, apontando que as empresas paulistas, situadas como intermediárias na cadeia produtiva, centralizam a comercialização do produto em nível nacional8. Um dos fatores que contribui para esta situação é a falta de organização dos intermediários gaúchos, que se estabelece em função das relações de insegurança e competitividade, devido ao caráter ilegal e clandestino desta atividade. Além disso, a clandestinidade submete estes atores a uma economia instável e insegura e ao desamparo legal, frente à situação de freqüentes recebimentos de cheques sem fundo. Cabe ressaltar que a saída da samambaia dos municípios representa a passagem do produto da clandestinidade para a legalidade (através da emissão de uma nota fiscal), sendo que a maior parte é deslocada para São Paulo. Neste contexto, o estado paulista concentra o lucro proveniente de um produto gaúcho e impõe o volume e os baixos preços praticados em toda cadeia. Este processo de falta de organização dos elos da cadeia produtiva dificulta a valorização da produção e investimentos no estado. Como ressalta Garay (2���) a avaliação e o monitoramento da diversidade biológica constituem-se em atividades de caráter transdisciplinar, envolvendo objetivos sócio-políticos e econômicos, fixados pela Convenção da Diversidade Biológica, em acordo com as políticas de desenvolvimento próprias dos países. No caso da samambaia, os resultados dos estudos biológicos e socioeconômicos subsidiaram um processo de discussão sobre a regulamentação da atividade extrativista no Rio Grande do Sul. Estado onde foi implantado o sistema de legislação ambiental mais restritivo do país, em resposta às grandes devastações das florestas gaúchas, na década de 6�. Cabe ressaltar que no Estado não há regulamentação para o extrativismo de quaisquer PFNM, nem mesmo o pinhão. Sendo que este 7 Caracterizaç�o das áreas de ocorrência, autoecologia da espécie, demografia, in��uência do manejo sobre a demografia e variabilidade genética. 8 n�o se tem dados sobre comércio internacional 9� é referência de um produto gaúcho, extraído da região norte nas áreas de Floreta Ombrófila Mista, comercializado em nível local e estadual. Durante a execução do Projeto a discussão sobre o extrativismo da samambaia foi apresentada em diversos fóruns ambientalistas, acadêmicos e da organização da sociedade civil, em nível estadual, sendo promovidos fóruns específicos sobre a temática. Foram realizados o I, II e III Encontro da Samambaia-preta, no município de Maquiné. O primeiro, em 2���, foi um evento de abrangência estadual contando com a participação de 9� pessoas de oito municípios, entre elas representantes do poder públicoestadual (Secretaria do Meio Ambiente, Secretaria da Agricultura, Secretaria do Trabalho e Ação Social), poder público municipal, organizações não governamentais, extrativistas e comunidade em geral. No II Encontro, em 2��2, foi divulgado documento assinado pela Secrtaria do Meio Ambiente (SEMA) com o comprometimento de regulamentar a atividade, tendo como base os estudos científicos realizados9. No final de 2��2 foi constituída uma comissão envolvendo a SEMA, Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (CERBMA) e o Projeto Samambaia-preta para estudar as possibilidades de regulamentação. Esta comissão estabeleceu os parâmetros científicos para normatização, além de buscar a adequação às normas das outras secretarias envolvidas no cadastramento e licenciamento de coleta e comercialização de PFNM´s. No ano de 2��6, o Projeto reativou a discussão, realizando o III Encontro da Samambaia-preta, o qual teve o apoio do Ministério do Meio Ambiente e a representação do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. Neste evento participaram cerca de 2�� pessoas, entre ONGs, Universidades estaduais e da Região Sul, órgãos governamentais, comunidade local e regional. Deste evento resultou a Carta de Maquiné (DESMA 2��6), uma manifestação pública a favor da regulamentação do extrativismo da samambaia- preta, que contou com 2�� assinaturas. Em apoio à carta de Maquiné a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, na sua 48o Reunião Anual, apresentou uma moção, encaminhada pela Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia, aos órgãos estaduais responsáveis pelo licenciamento. Além disso, a viabilidade do extrativismo da samambaia-preta, estudada pelo Projeto Samambaia-preta, é apontada pelo Brasil como ação do país para conservação da sócio e biodiversidade da Mata Atlântica, sendo apresentada no Terceiro Relatório Nacional para a Convenção sobre a Diversidade Biológica, conforme a agenda 2� (MMA 2��6). A regulamentação, no caso da samambaia-preta, cumpre uma função social e ambiental, ao legitimar as práticas de manejo dos agricultores familiares extrativistas que permitem a manutenção das áreas de encosta da Mata Atlântica. Neste sentido, 9 O Projeto Samambaia-preta contemplou a realizaç�o de : 1 monografia de conclus�o de Bac�arelado em Ecologia – UFRGS, premiada pelo Prêmio Darrell Posey 2004 (Correa 2004) 1 dissertaç�o de mestrado – PPG-Biologia Vegetal – UFSC (Baldauf 2006) 2 tese de doutorado – PPG-Botânica – UFRGS (Coel�o de Souza 2003) PPG- Antropologia – UFRGS (Kubo 2005) 92 as comunidades passam a ter um aporte de renda legal, e, portanto mais estável. Este processo é uma forma de reconhecimento desta atividade econômica como condizente com a manutenção da biodiversidade, de acordo com uma perspectiva ambiental internacional. Dessa forma há um reconhecimento social da categoria samambaieiro associada à conservação das áreas de Mata Atlântica, bem como uma legitimação de suas práticas, do mesmo modo como o caso dos seringueiros e a Floresta Amazônica (Santilli 2���). Do ponto de vista da conservação da biodiversidade, a regulamentação estabelece os critérios de monitoramento e cria mecanismos de controle da atividade, compatibilizando a atividade já praticada com os parâmetros científicos propostos para manutenção dos estoques das espécies. Com a regulamentação e a implantação do monitoramento, através do acompanhamento do manejo das populações, avalia- se a própria viabilidade do uso dos indicadores propostos, ao longo do tempo (Baldauf 2��6). A abordagem que a mídia vem fazendo da questão da samambaia está sintetizada na Tab. �. As diferentes colocações de jornais e revistas, durante os últimos � anos, descrevem o desenvolvimento do projeto e suas repercussões em nível estadual e sua contextualização no cenário nacional. Partindo de um discurso alarmista (Zero Hora 2���) que caracterizou a ação ambientalista no Estado, este processo integra uma conscientização crescente da sociedade em geral sobre a importância do uso racional para a conservação da sócio e biodiversidade. Tabela �. Evolução na abordagem da questão da samambaia-preta pela mídia durante do período de 2��� a 2��6, em veículo estadual e nacional Excerto da mídia Mídia/data Abrangência “a retirada ilegal de samambaias é o mais escancarado dos saques que ocorrem diariamente contra o último vestígio de Mata Atlântica que resta em solo gaúcho” Zero Hora, 2000 Estadual “Um projeto desenvolvido pela Sema e a ONG ambientalista Ação Nascente Maquiné prevê a extração controlada da samambaia- preta na região da Serra Geral. A idéia é elaborar um manejo sustentável já que centenas de famílias serranas vivem da extração. Diferentemente do xaxim, da samambaia-preta só é extraída a folha, facilmente reposta pela natureza” Zero Hora, 2002 Estadual “Samambaia regulamentada... Só é possível legalizar a comercialização de espécies nativas se comprovada sua sustentabilidade após estudo científico... O estudo comprova a sustentabilidade do manejo praticado há cerca de 40 anos por pequenos agricultores e aponta a contribuição da extração para a conservação da Mata Atlântica.” Zero Hora, 2006 Estadual “...Enquanto isso, alguns estados se adiantam para criar leis estaduais que favoreçam o aproveitamento sustentado do Bioma. No Rio Grande do Sul, um projeto de lei está sendo discutido para permitir a exploração da samambaia-preta, espécie muito utilizada em arranjos de buquês e coroas funerárias, já que a atual lei proíbe a extração de plantas nativas.” Com Ciência Ambiental, 2006 Nacional 9� A regulamentação da samambaia envolve a discussão jurídica sobre a forma de interpretação do Código Florestal Estadual (Lei 9.��9/92), principalmente o artigo �� que determina que “Ficam proibidas a coleta, o comércio e o transporte de plantas ornamentais oriundas de florestas nativas”. O artigo pode gerar duas interpretações�� �) qualquer parte do indivíduo é considerada a planta; ou 2) a planta é considerada o indivíduo. No caso da samambaia, pela segunda interpretação, as folhas seriam um sub-produto, não necessitando alteração da legislação. Esta discussão foi pautada no CERBMA e na Câmara Técnica do CONSEMA, onde o posicionamento centra-se na regulamentação da atividade, sem alteração na legislação, para que não haja precedentes para outras espécies. O Ministério Público foi consultado sendo favorável à regulamentação tendo como base os estudos realizados, mas não se posicionando quanto à interpretação da legislação. Durante o processo a Secretaria Estadual do Meio Ambiente se comprometeu publicamente a regulamentar a atividade. Neste sentido, foi finalizado o “modus operandis” (DESMA 2��6b) do licenciamento, o qual foi apresentado e discutido com as comunidades local e acadêmica e conselhos, se caracterizando em um processo de construção conjunta. O ponto onde não houve avanços referiu-se à forma jurídica de implementação do licenciamento (decreto, portaria ou instrução normativa). A SEMA optou por assumir o licenciamento quando o artigo �� do Código Florestal Estadual for complementado. A proposta está sendo encaminhada juntamente com outras alterações que exigem negociações com vários segmentos sociais. Neste sentido, o processo fica na dependência da resolução de demandas a serem negociadas com outros segmentos sociais. O que torna este caso bastante emblemático é o fato de existir, de um lado, toda a base científica para respaldar a ação do poder executivo, bem como uma manifestação da academia e sociedade civil. De outro, independente da conservação dos ecossistemas, motivo da criação da legislação ambiental, a regulamentação fica atrelada à interpretação jurídica da lei, a qual está fracamenterelacionada aos processos ecológicos que conferem a sustentabilidade ambiental. Esta situação contrasta os esforços mundiais para a busca de ações que envolvam o desenvolvimento sustentável, incluindo as práticas de manejo de recursos naturais, com os entraves políticos e operacionais, em nível estadual, a que a regulamentação está atrelada. Apesar da possibilidade de legalização da atividade fica patente a necessidade de uma discussão conjunta, entre todas as esferas envolvidas, sobre o manejo da capoeira. A diminuição das práticas agrícolas, impedidas pela legislação, vem permitindo a regeneração florestal, fator regulador dos estoques das populações de samambaia. Atualmente, na região verifica-se o término destes estoques. Este processo está relacionado à proibição da prática central do manejo dos agricultores familiares extrativistas nas áreas de encosta, a prática da coivara (agricultura de corte e queima). No Rio Grande do Sul, estado onde a Mata Atlântica foi fortemente devastada, hoje apenas 8% destas áreas são protegidas por Unidades de Conservação, sendo 94 que 4% correspondem a Áreas de Proteção Ambiental (APAs) (comunicação pessoal Fazzio, E. – PCMARS). Para que, realmente, se possa pensar em um modelo de conservação no âmbito da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica no estado, é necessário que sejam previstas ações, envolvendo o uso sustentável nas propriedades particulares. A possibilidade de uso dos recursos florestais, com a devida regulamentação, se apresenta como alternativa no avanço efetivo de ações para a conservação. À medida em que o extrativismo de um PFNM é regulamentado há a consolidação das atividades econômicas das comunidades. A regulamentação permite uma organização da cadeia produtiva, tendendo a diminuir a comercialização de produtos cujo extrativismo não esteja fundamentado em bases científicas, por permitir o monitoramento e fiscalização. Em relação aos ecossistemas, a extração de PFNM´s, a partir do manejo de rendimento sustentável, mantém os estoques, garantidos pelas normas estabelecidas em parâmetros científicos, e diminui a pressão sobre outros recursos naturais não regulamentados. Modelo de (etno) conservação para áreas de Mata Atlântica As características das comunidades samambaieiras do Rio Grande do Sul estão descritas na Fig. 4. Destacam-se a localização em áreas de reconhecido valor pela humanidade em termos de riqueza e endemismos biológicos, práticas de manejo de PFNM´s e forte influência da sociedade urbano industrial. A proximidade com os grandes centros urbanos traz maiores riscos de degradação ambiental, na medida em que coloca em cheque os valores culturais, tendendo a homogeneizar concepções e práticas sobre o manejo dos ecossistemas. Ao mesmo tempo em que, a proximidade e o reconhecimento de áreas prioritárias para a conservação são fatores responsáveis pela grande fiscalização e controle das opções de uso destas áreas. A ação da sociedade traduz-se por mecanismos governamentais, não governamentais, internacionais e acadêmicos que se constituem nos vetores que influenciam a conservação destas áreas. Estas fortes pressões direcionam as estratégias adotadas pelas comunidades extrativistas à diversificação das atividades econômicas, envolvendo tanto, práticas de manejo dos ecossistemas, como atividades junto à sociedade urbano industrial (Fig. 4). Ao longo da Mata Atlântica existem várias comunidades tradicionais que estabeleceram relações semelhantes, envolvendo a diversificação da propriedade, consumo de PFNM´s, contato com mercados e trabalho conjunto com ONG´s e Universidades (Diegues 2���; Miranda 2��6; Nunes 2���; Zanoni et al. 2���). Estes exemplos se constituem no modelo atual de co-existência de sócio e biodiversidade na Mata Atlântica. A Fig. � representa as relações estabelecidas entre agricultores familiares extrativistas da Mata Atlântica com os ecossistemas e a sociedade urbano-industrial. As práticas que tem menor influência da sociedade urbano-industrial, apresentam 9� maior grau de dependência dos ecossistemas, tendendo a ser sustentáveis. Em uma determinada localidade, há diferentes graus de influência da sociedade urbano- industrial, resultando em práticas de manejo dos ecossistemas com diferentes níveis de sustentabilidade. Neste sentido, a identificação de práticas tradicionais sustentáveis é fundamental para elaboração de modelos de conservação. A experiência do processo de regulamentação da samambaia envolveu a legitimação das práticas e conhecimentos tradicionais importantes para a conservação, que em conjunto com o conhecimento científico, apoiou a operacionalização da gestão pública dos bens e serviços ecossistêmicos. O reconhecimento do uso sustentável de PFNM´s por comunidades tradicionais ao longo da Mata Atlântica vem validando o modelo de ocupação das áreas florestadas. Este modelo inclui todos os aspectos indicados na figura 4, inclusive práticas consideradas ilegais pela legislação, como o corte e queima da capoeira e a necessidade de manejo de áreas de preservação permanente. Partindo deste pressuposto, é necessário pensar em avaliações sistêmicas da influência destas práticas integradas em nível dos ecossistemas. Ao mesmo tempo, em que a ciência ainda não desenvolveu metodologias sistêmicas, de ampla aceitação, a serem utilizadas para avaliação da influência de uma cultura sobre os ecossistemas. O status atual de conhecimento permite acelerar o processo de avaliação das práticas em curso sobre os aspectos biológicos e ecológicos das espécies manejadas, em conformidade com a contextualização social (cultural, legal) e ecossistêmica. Neste sentido, a Etnobotânica vem se estabelecendo como ferramenta para identificação, avaliação e proposição de referenciais para o uso sustentável de PFNM´s, contribuindo para a construção de um modelo de conservação da Mata Atlântica. Entretanto, para que este modelo se estabeleça é necessário um esforço conjunto entre saber local, técnico, científico, social e jurídico para a compatibilização da reprodução social destas comunidades com a conservação da biodiversidade. Agradecimentos Aos integrantes do DESMA pelas discussões, ações e comprometimento na contribuição do estabelecimento da Etnobiologia no Rio Grande do Sul. Ao Prof. Ricardo Mello pelas discussões e críticas a este manuscrito. Referências Bibliográficas Anderson, A.B. & Posey, D.A. �98�. Manejo de Cerrado pelos índios Kayapó.Manejo de Cerrado pelos índios Kayapó. Boletim do Museu Emilio Goeldi, Série Botânica 2(�)�� ��-98. Anderson, A.B. & Posey, D.A. �98� Reflorestamento indígena. Ciência Hoje, 6(��)�� 44-��. Baldauf, C. 2��6 Extrativismo de samambaia-preta (Rumohra adiantiformis 96 (G.Forst) Ching) no Rio Grande do Sul: fundamentos para o manejo e monitoramento da atividade. Dissertação de mestrado. 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Produção e mercados da samambaia-preta. 99 Figura 2. Localização das áreas de extrativismo da samambaia-preta no Rio Grande do Sul, evidenciando que a maior parte constitui-se em áreas de preservação permanente (zona grifada). Figura �. Coleta, transporte e distribuição da samambaia. Fonte�� PCMARS, 2��6 ��� Figura 4. Relações entre agricultores familiares extrativistas, ecossistemas da Mata Atlântica e sociedade urbano industrial. Figura �. Proposta de avaliação da sustentabilidade das práticas de manejo por comunidades tradicionais, com base na identificação de práticas sustentáveis que sirvam de referência, a partir de estudos etnobotânicos. Legenda�� • práticas de manejo tradicional; �- práticas de manejo sustentáveis que podem ser referência para avaliação de sustentabilidade; 2- práticas de manejo influenciadas pelas técnicas modernas que não atendem aos princípios de sustentabilidade; Manejo Sustentável de capim dourado e buriti no Jalapão, TO: importância do envolvimento de múltiplos atores Isabel B. Figueiredo Aluna do Programa de Pós-Graduação emEcologia da Universidade de Brasília, Caixa Postal �44��, CEP ��9��-9��; autor para correspondência�� belfig@terra.com.br Isabel B. Schmidt Pesquisador da PEQUI – Pesquisa e Conservação do Cerrado - SCLN ���, Bloco B, sala ��9, CEP ���6�-�2�, Brasília, DF, Brasil Analista ambiental do IBAMA, SCEN Trecho 2, CEP ��8�8-9��, Brasília, DF, Brasil Maurício B. Sampaio Pesquisador da PEQUI – Pesquisa e Conservação do Cerrado - SCLN ���, Bloco B, sala ��9, CEP ���6�-�2�, Brasília, DF, Brasil Bolsista do Laboratório de Ecologia e Conservação, Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen), Parque Estação Biológica, final W� Norte, Caixa Postal �2��2, CEP �����-9��, Brasília, DF, Brasil Capítulo 7 ��� Introdução Nas últimas décadas, a comercialização deprodutos do extrativismo vegetal tem sido apontada como alternativa para conciliar conservação e geração de renda para comunidades locais (Nepstad & Schwartzman �992; Redford & Padoch �992). No entanto, garantir a efetiva conciliação entre a exploração sustentável de recursos naturais e a melhoria da qualidade de vida dos extrativistas é um desafio complexo (Hall & Bawa �99�). Isto porque o conhecimento e a forma de manejo tradicional, aplicados na exploração em pequenas escalas, para a subsistência, podem não ser sustentáveis em uma exploração com escala comercial (Boot & Gullison �99�; Cunningham & Milton �98�; O’Brien & Kinnaird �996). Adicionalmente, o alcance de um valor de mercado provoca um aumento na demanda pelo produto, que pode levar a sobre-exploração, seja pelo incremento no número de extrativistas, seja porque regras de manejo tradicionalmente estabelecidas – como pousio de áreas, existência de áreas não-exploradas ou épocas em que não há a exploração – passam a ser desrespeitadas com o intuito de obtenção de maior lucro (Cunningham & Milton �98�). A união entre pesquisas ecológicas aplicadas, conhecimento tradicional e políticas públicas mostra-se um caminho viável na tentativa de garantir o uso sustentável de espécies nativas em longo prazo (Ticktin & Johns 2��2; Siebert 2��4). Considerar o conhecimento e as formas de manejo adotadas por extrativistas, bem como envolvê-los nas etapas de planejamento e execução de experimentos ecológicos é essencial neste processo. Isto garante a eficácia das propostas de manejo e aumenta a probabilidade de adoção destas por parte dos extrativistas, uma vez que participam de seu desenvolvimento e compreendem a necessidade de mudanças nas práticas de manejo existentes (Paoli et al. 2���; Martin 2��4; Ticktin 2��4). Por fim, o desenvolvimento de normas e políticas públicas a partir de dados científicos garante que boas práticas de manejo sejam adotadas pela maior parte dos extrativistas e não só por aqueles com maior envolvimento com a atividade. Este trabalho relata uma experiência de atuação conjunta de uma Organização não-Governamental (ONG) com instituições governamentais de gestão ambiental e de pesquisa visando garantir a sustentabilidade do artesanato confeccionado a partir de capim dourado (Syngonanthus nitens Bong. Rhuland, Eriocaulaceae) e buriti (Mauritia flexuosa L., Arecaceae) na região do Jalapão, TO. A parceria ocorre entre a PEQUI – Pesquisa e Conservação do Cerrado, uma ONG sediada em Brasília que desde 2��� atua na região, tendo participado da expedição que resultou na criação da Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins, e de levantamentos de biodiversidade para elaboração do plano de manejo do Parque Estadual do Jalapão; a Diretoria de Florestas do Ibama, em Brasília; a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, a Universidade de Brasília, e as unidades de conservação existentes na região�� Parque Estadual do Jalapão (e sua agência gestora, o Instituto Natureza do Tocantins – Naturatins) e a Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins, juntamente com a Superintendência do Ibama no Tocantins. ��4 Área de estudo O Jalapão está inserido no Bioma Cerrado, é uma região conhecida pela presença de solos do tipo neossolo quartzarênico e rios de águas cristalinas. Por ocorrer em um solo pobre em nutrientes e matéria orgânica, a vegetação do Jalapão é rala; grande parte da região é coberta por campos sujos e cerrado sensu stricto entrecortados por inúmeras veredas circundadas por campos úmidos. O clima do Jalapão é marcado por forte sazonalidade, em que 9�% das chuvas ocorrem de outubro a abril. A temperatura média na região é de 2�°C e a precipitação anual média é de �.��� mm (Seplan 2���b). A região compreende uma área de ��.�4�,9� Km2 a leste do Estado de Tocantins. Faz divisa com os estados da Bahia, Piauí e Maranhão e compreende �� municípios Souza-Júnior (2��2). Os municípios centrais da região são�� Mateiros, Ponte Alta do Tocantins e São Felix do Tocantins, onde a densidade populacional é extremamente baixa (entre �,� e �,� hab./km2). Estes municípios apresentam alguns dos menores IDHs do estado do Tocantins. A ocupação humana na região se deu há pelo menos um século, porém o acesso de automóveis ocorreu apenas no início da década de �99�. Graças à dificuldade de acesso e à predominância dos solos arenosos, não propícios à produção agrícola, a região abriga hoje uma das maiores áreas remanescentes de Cerrado, apontada como área de importância biológica extremamente alta pelo Ministério do Meio Ambiente. É no Jalapão que está a maior área contínua de Cerrado no interior de Unidades de Conservação de proteção integral; o Parque Estadual do Jalapão (PEJ – ��8.88� ha), a Estação Ecológica Serra Geral de Tocantins (��6.��6 ha) (Silva & Bates, 2��2), e o Parque Nacional das Nascentes do Parnaíba (���.��� ha). Há ainda duas Áreas de Proteção Ambiental; a APA do Jalapão e a APA da Chapada das Mangabeiras. A maior parte da população do Jalapão vive na área rural, a economia local é baseada na agricultura de subsistência e na pecuária extensiva; mais recentemente, o turismo e o artesanato se tornaram importantes fontes de renda (Seplan 2���a). A população da região historicamente usa as áreas que hoje estão nos limites e entorno das UC de proteção integral da região para a criação extensiva de gado e para extrativismo vegetal. Tanto as áreas utilizadas para criação de gado quanto as áreas de extrativismo de capim dourado são manejadas tradicionalmente com fogo pelos moradores. Os solos arenosos, o isolamento e a falta de recursos financeiros não permitiram que tecnologias mais avançadas de cultivo da terra fossem introduzidas na região, e fazem do fogo a forma mais simples e eficaz de ‘limpar’ terrenos que serão cultivados. As áreas com maior umidade e fertilidade do solo, como veredas, matas de galeria, campos úmidos e cerradões são as mais visadas ao cultivo. O fogo é usado também para promover a rebrota da vegetação na estação seca com a finalidade de alimentar o gado, que é criado de forma extensiva no Cerrado sem a utilização de áreas cercadas e de pasto plantado. O artesanato de Capim Dourado e Buriti O artesanato de capim dourado é confeccionado na comunidade negra da ��� Mumbuca há mais de oitenta anos quando a arte foi ensinada a ‘Seu’ Firmino por índios Xerente ao passar pela região (Schmidt 2���). Por muitas décadas a atividade ficou restrita a mulheres das famílias da Mumbuca, até, a partir de meados da década de �99�, ser espalhado por todo o Jalapão. O artesanato é feito a partir de feixes de escapos de capim dourado (Syngonanthus nitens) costurados com “seda” de buriti (Mauritia flexuosa). A seda de buriti é obtida da epiderme da face abaxial de folhas-flecha (folhas jovens ainda não abertas), produzidas uma por vez no centro da copa de indivíduos jovens. Após ser colhida, a epiderme é desfiada e posta ao sol para secar. Nas áreas de colheita de capim dourado, os campos úmidos, o fogo é geralmente empregado a cada dois anos, entre os meses de junho e setembro, pois, segundo o conhecimento tradicional, ele promove a produção de escapos de capim dourado, uma vez que elimina a densa cobertura vegetal (biomassa viva ou morta) que prejudicaria o florescimento da espécie. Desta forma, as queimadas são feitas durante a estação seca de um ano (entre julho e setembro) e a colheita de escapos no ano seguinte (em setembro). Atualmente, com o aumento da pressão de colheita sobre o capim dourado no Jalapão, a maioria das áreas de campos úmidos e de outras fisionomias do Cerrado de toda a região é queimada em intervalos de dois anos (Obs. Pess.). Inicialmente o artesanato era feito para uso doméstico e vendido esporadicamente, a partir de meados da década de �99�, o governo do Tocantins e prefeituras da região(principalmente de Mateiros) passaram a apoiar a divulgação do artesanato de capim dourado do Jalapão em feiras e pontos de venda em Palmas (TO). Associado a isto, neste mesmo período, o Jalapão passou a fazer parte do roteiro de turismo off-road e ecoturismo e o artesanato de capim dourado se tornou conhecido em outros estados brasileiros e no exterior. A partir da divulgação do artesanato e da possibilidade concreta de obtenção de renda proveniente de sua venda, a prática artesanal passou a interessar a mulheres, homens e crianças que até então não tinham vínculo com a atividade. O artesanato de capim dourado espalhou- se pelos diversos povoados e municípios da região. Hoje, é raro encontrar uma casa em qualquer dos povoados do Jalapão em que nenhum de seus moradores dedique- se ao artesanato da sempre-viva. Atualmente, a venda de artesanato constitui importante fonte de renda, sendo, em muitos casos, o principal ou único rendimento de famílias destes municípios, especialmente das mulheres. Histórico das relações institucionais Com este significativo aumento nas vendas das peças de capim dourado e no número de artesãos e coletores das matérias-primas, em 2��� a Associação Capim Dourado do Povoado da Mumbuca procurou o Ibama sede em Brasília, demandando estudos para garantir o manejo sustentável do capim dourado. Assim a Diretoria de Florestas do Ibama estabeleceu parceria com a Conservação Internacional (CI) para elaboração do projeto�� Plano de Desenvolvimento Sustentável para o entorno do Parque Estadual do Jalapão, que teve apoio do PROBIO/MMA e realizou um diagnóstico sócio-econômico e de biodiversidade na região do Jalapão. Dentre ��6 as recomendações da primeira fase deste projeto, constou a necessidade de se estudar a ecologia populacional de capim dourado e buriti, bem como os efeitos do extrativismo sobre estas espécies. A segunda fase proposta para este projeto não foi aprovada, mas ainda assim, a Diretoria de Florestas do Ibama prosseguiu trabalhando na região e designou uma técnica responsável por desenvolver estudos de ecologia populacional do capim dourado a partir do final de 2��2. Este estudo foi desenvolvido em parceria com a PEQUI – Pesquisa e Conservação do Cerrado e sempre contando com o essencial apoio da gerência executiva do Ibama em Palmas, da equipe da Estação Ecológica, do órgão ambiental do estado do Tocantins, o Naturatins e da equipe do Parque Estadual do Jalapão. A partir deste primeiro estudo centrado na ecologia do capim dourado, outras instituições, especialmente a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e a Universidade de Brasília, além de outros pesquisadores passaram a se envolver no processo. Pesquisa aplicada ao manejo do capim dourado e buriti e suas implicações Inicialmente, foram realizados estudos etnobotânicos, com o intuito de envolver os extrativistas no planejamento das etapas subseqüentes do trabalho. Buscaram-se informações em seis comunidades e duas áreas urbanas sobre o histórico da atividade, atores envolvidos, formas de manejo dos campos úmidos de ocorrência do capim dourado, formas de colheita de escapos de capim dourado e de folhas-flecha de buriti para obtenção da seda, além de informações sobre as formas de venda e renda gerada com a atividade (Schmidt 2���). Apesar de o capim dourado ser uma espécie bastante utilizada na região, muitas informações sobre o ciclo de vida da planta eram desconhecidas. Não havia um consenso com relação à capacidade de uma planta de capim dourado em produzir flores mais de uma vez durante seu ciclo de vida (policarpia e perenidade). A maioria dos entrevistados desconhecia a existência de sementes nos capítulos de capim dourado, sendo que os que conheciam, não acreditavam na sua capacidade de germinação, por se tratarem de sementes muito pequenas. Verificou-se que o período de colheita declarada por extrativistas mais experientes era a partir de meados de setembro, mas muitos extrativistas menos experientes podem começar a colher a partir do final de julho. A partir de agosto de 2���, em campos úmidos selecionados em conjunto com os moradores do Povoado da Mumbuca, onde ocorre tradicionalmente a colheita de capim dourado, foram realizados estudos de ecologia populacional da espécie, enfocando os parâmetros�� crescimento, mortalidade, recrutamento, período de floração, produção e dispersão de sementes e ainda, experimentos para caracterização dos efeitos da colheita dos escapos (Schmidt et al. no prelo). Também ��� foram realizados testes de germinação das sementes em condições similares às naturais e em condições de ausência de luz e de pHs ácidos (4,� e �,�), característicos de campos úmidos (Schmidt et al. submetido). Os estudos revelaram resultados importantes sobre o ciclo de vida do capim dourado, uma espécie para a qual não existiam estudos ecológicos prévios. Verificou- se que a espécie é perene e policárpica. Cada indivíduo pode produzir entre � e �� escapos, e são formadas em seus capítulos cerca de 6� sementes menores que � mm. A floração se inicia no final do mês de julho e as sementes se encontram maduras a partir do início de setembro, o pico da dispersão acontece a partir de meados de outubro (Tab. �). As sementes são responsáveis por 4�% dos novos indivíduos recrutados nas áreas de estudo entre os anos de 2��� e 2��4. Os outros 6�% de novos indivíduos foram originados por reprodução assexuada (rebrota) (Schmidt et al. no prelo). Nos parâmetros avaliados, não foram identificados efeitos consistentes da colheita de escapos sobre as populações ou sobre indivíduos de capim dourado no período de um ano. Muitas vezes as diferenças encontradas entre controle e colheita foram opostas entre veredas para os parâmetros analisados (Tab. 2), não sendo possível atribuir qualquer efeito da colheita de escapos sobre o capim dourado. Isto possivelmente se deve ao fato de a retirada de escapos não implicar na morte do indivíduo, a não ser que haja desenraizamento da roseta. Além disto, o escapo não é um tecido fotossintético essencial para a sobrevivência e crescimento dos indivíduos. Porém, outros possíveis efeitos da colheita de escapos sobre as populações não foram avaliados neste estudo, como a retirada de grandes quantidades de sementes do ambiente. Quando é realizada a colheita, em meados de setembro, a dispersão ainda não terminou e os escapos colhidos ainda contêm a maior parte das sementes produzidas, a sua retirada do campo úmido em grande escala pode reduzir a probabilidade de recrutamento sexuado, o que pode causar declínios populacionais e reduções na variabilidade genética das populações de capim dourado. Os testes de germinação mostraram que as sementes têm alto poder germinativo, de 8� a ���%. As sementes são fotoblásticas positivas, mas mantém a viabilidade mesmo após um mês imersas em água na ausência de luz. Além disto, a germinação das sementes submersas em água e em condições ácidas também foi elevada, indicando que as sementes mostram-se aptas a germinar em situações condizentes com as existentes nas áreas naturais de ocorrência da espécie (Schmidt et al. submetido). Sementes maduras e germinando foram fotografadas com auxílio de lupas e divulgadas em todas as comunidades do Jalapão com ajuda da equipe do PEJ e da Estação Ecológica. Diversos moradores, somente após a divulgação das fotos, conheceram as sementes e acreditaram na sua possibilidade de germinação. Esta simples atividade foi muito importante para que os artesãos e coletores compreendessem que as sementes precisam permanecer nos campos úmidos para que possam dar origem a outro indivíduo de capim dourado. Diante da grande importância das sementes para a dinâmica das populações de capim dourado e das informações acerca da época de sua produção, dispersão e ��8 colheita de escapos, observa-seque a época de colheita pode determinar os efeitos do extrativismo. Colheitas feitas após a total secagem dos escapos (o que ocorre após a produção das sementes) não afetam as populações nem os indivíduos de capim dourado em curto prazo. Por outro lado, colheitas precoces, especialmente antes do meio de setembro, podem matar indivíduos adultos por desenraizamento e impedem a produção e dispersão de sementes, o que poderá afetar a dinâmica populacional a médio e longo prazo. Com base nestes resultados, o Naturatins passou a regulamentar a atividade de colheita de escapos (Portarias nº ���/2��4 e �92/2���). Estas normas estabelecem que a colheita só é permitida a partir de 2� de setembro, e deve ser feita exclusivamente por extrativistas credenciados junto às associações de artesãos e coletores da região. Além disto, após a colheita, os extrativistas devem cortar os capítulos dos escapos colhidos e espalhá-los pelo campo úmido de origem, garantindo assim a manutenção da população e sua variabilidade genética. A portaria publicada em 2��� estabeleceu ainda a proibição do transporte de escapos de capim dourado in natura para fora do Jalapão como forma de garantir que o artesanato continue gerando renda para as comunidades locais e que estas não passem de artesãos para fornecedores de matéria-prima sem valor agregado para mercados fora da região. No processo de divulgação dos resultados destas primeiras atividades de pesquisa, e após a convivência e envolvimento dos pesquisadores com as comunidades locais e sua realidade, observou-se a necessidade de enfocar novas perguntas. Estudos sobre o efeito do fogo nas populações de capim dourado foram iniciados como resposta aos questionamentos dos artesãos, extrativistas e membros das equipes das Unidades de Conservação do Jalapão. Além disso, estudos sobre o efeito do extrativismo de folhas-flecha nas populações de buriti se mostraram necessários. Novos pesquisadores se envolveram nas atividades e passamos a receber o apoio financeiro do Programa de Pequenos Projetos (PPP) do PNUD/GEF gerenciado pelo Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN). Experimentos que avaliam o efeito de queimadas bienais e trienais no crescimento, mortalidade, floração e recrutamento de indivíduos de capim dourado foram acompanhados pelo período de dois anos (2��4-2��6), em três campos úmidos. A produtividade de sementes por capítulo foi comparada para indivíduos de áreas queimadas e não queimadas. Adicionalmente, experimentos para avaliar os efeitos da colheita precoce (em agosto) foram realizados. Os experimentos foram realizados em campos úmidos onde tradicionalmente os moradores executam a colheita e que haviam sido queimados pela última vez em 2��2. A seleção destas áreas foi feita em conjunto com moradores do Povoado da Mumbuca. As queimadas experimentais foram realizadas por brigadistas da Associação Fogo Apagou, de Mateiros, em setembro de 2��4 (tratamento de queimada bienal) e em setembro de 2��� (tratamento de queimada trienal). No período que foi realizado, o fogo eliminou os escapos jovens existentes, o que impossibilitou a reprodução naquele ano. Os resultados dos experimentos de avaliação dos efeitos do fogo nas ��9 populações de capim dourado estão sendo analisados e somente serão divulgados após serem discutidos com gestores do PEJ e com técnicos do Naturatins, o que ocorrerá em setembro de 2��6. Isso é fundamental para que os resultados desta polêmica pesquisa não sejam utilizados indevidamente prejudicando a gestão do PEJ e a conservação do Jalapão. A atividade de extrativismo do buriti na comunidade da Mumbuca foi investigada utilizando-se experimentos em campo, entrevistas com artesãos, conversas informais e observação do extrativismo. Para avaliar o efeito da coleta de folhas-flecha na sobrevivência e na taxa de produção de folhas dos buritis foram marcados buritis que já tinham mais de uma folha recentemente colhida e buritis que nunca haviam sido colhidos, em três veredas próximas à comunidade da Mumbuca. A produção de folhas em cada buriti foi acompanhada de agosto de 2��� a agosto de 2��6. Todas as atividades contaram com a ajuda de várias pessoas da Mumbuca. Neste estudo foi observado que os frutos, folhas, pecíolos e até mesmo o caule do buriti são fonte de diversos recursos fundamentais para a comunidade. Entretanto, a colheita de folhas-flecha para a produção de artesanato é a única atividade extrativista com potencial para ameaçar a conservação das populações de buriti. As folhas-flecha das quais é obtida a seda utilizada para costurar os escapos de capim dourado são colhidas nas veredas mais próximas à comunidade (menos de � km de raio). Os buritis cuja folha-flecha é extraída mais freqüentemente para o artesanato têm entre quatro e oito metros de altura e são na sua maioria, ainda não reprodutivos. As plantas deste tamanho específico são utilizadas, pois as folhas- flecha são facilmente alcançadas e a seda obtida é adequada para a costura. Os buritis deste tamanho produzem anualmente de uma a cinco folhas-flecha. Entretanto, a percepção de 6�% dos coletores com relação à produtividade de folhas é de que um buriti produz uma folha a cada lua nova, ou seja, �2 folhas por ano, o que é mais de duas vezes maior do que o máximo de folhas produzidas por um buriti anualmente. Apesar dessa percepção equivocada, a intensidade de coleta praticada na Mumbuca (� a �6 folhas colhidas/buriti) não influencia a taxa de produção anual de folhas, pois esta taxa não variou significativamente entre buritis em que o extrativismo de folhas tem sido realizado freqüentemente e buritis que nunca tiveram suas folhas colhidas. Esta análise foi realizada utilizando-se como co-variável a altura e o número de folhas do indivíduo no início do experimento. O mesmo resultado se manteve em buritis de três veredas diferentes (Fig. �). Pouco mais da metade dos artesãos da Mumbuca acha que o buriti pode morrer se a coleta de folhas for muito intensa, mas destes, apenas três disseram já ter visto um buriti morto devido à alta intensidade de coleta de folhas. Todos os buritis sobreviveram durante o ano em que foram acompanhados e não foi visto nas veredas próximas da comunidade nenhum buriti cuja causa da morte possa ser atribuída ao extrativismo de folhas. Entretanto, foram encontrados alguns buritis que passaram a produzir folhas com menor área foliar e pecíolo mais fino e curto, devido à alta intensidade de coleta. ��� A maioria dos coletores afirma ter preferência pela folha-flecha de buritis fêmeas, pois estes têm maior quantidade de seda, mais cumprida e resistente, o que facilita a costura. A forma de determinação do sexo usada por 8�% dos coletores é imprecisa e algumas vezes obscura. Os demais coletores admitem que não há como determinar o sexo de um buriti que ainda não atingiu idade reprodutiva, apesar disso, têm preferência por determinado buriti, do qual sabe, por tentativa e erro, que produz seda de boa qualidade. Apesar de não ter sido encontrado efeito do extrativismo na produção de folhas-flecha neste estudo preliminar, é necessário acompanhar as plantas por um maior período de tempo e avaliar a estrutura e dinâmica das populações de buriti. Entretanto, a percepção equivocada da taxa de produção anual de folhas- flecha; a preferência dos coletores por determinados buritis, que eles acreditam que produzem seda de melhor qualidade; e a concentração da colheita nas veredas mais próximas à comunidade; podem contribuir para comprometer a sustentabilidade do extrativismo em longo prazo. A utilização de outros materiais para a costura, já ocorre atualmente, mas alguns artesãos, principalmente os mais experientes, acham que isso pode descaracterizar a produção tradicional de peças de capim dourado. Com a conclusão da etapa de avaliação dos efeitosecológicos do fogo nas populações do capim dourado e extrativismo para o buriti será produzido material de divulgação, voltado para as comunidades locais, apresentando os resultados, bem como informações sobre as boas práticas de manejo identificadas e as normas legais existentes. Conclusão O envolvimento de ONGs, instituições de pesquisa, órgãos ambientais e comunidades tradicionais é uma forma eficaz de atingir resultados que visem a conservação ambiental e a geração de renda para comunidades rurais. Uma vez criada a demanda pelas comunidades tradicionais por estudos de avaliação do impacto ecológico do extrativismo, ONGs e instituições de pesquisa têm o papel executar tal avaliação considerando o conhecimento tradicional. Em conjunto com os órgãos ambientais estas instituições devem apresentar e discutir os resultados com as comunidades criando em conjunto de boas práticas de manejo. Tais práticas podem se tornar instrumentos legais que serão regulamentados e fiscalizados pelos órgãos ambientais. A adoção destas práticas pode ser usada pelas comunidades como forma de agregar valor ambiental à atividade extrativista. Assim, o artesanato de capim dourado e seda de buriti é uma atividade extrativista com grande potencial de geração de renda e conservação de áreas naturais. O interesse econômico nestas duas espécies que ocorrem nos campos úmidos e veredas do Jalapão estimula a conservação destas áreas de preservação permanente, que são uma das poucas áreas onde há viabilidade das atividades agropecuárias nesta região. ��� Agradecimentos Os autores agradecem aos moradores da comunidade da Mumbuca e das demais comunidades do Jalapão onde o estudo foi desenvolvido. Agradecemos ao IBAMA, Naturatins e as equipes do Parque Estadual do Jalapão e da Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins pelo apoio logístico, envolvimento em todas as etapas deste trabalho e na divulgação dos resultados entre as comunidades locais. Ao WWF/Brasil, Programa de Pequenos Projetos GEF/PNUD pelo apoio financeiro. Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia pelo apoio logístico e pelas valiosas discussões com o grupo do Laboratório de Ecologia. E a CAPES pela bolsa de mestrado da primeira autora. Agradecemos ainda Daniel L.M. Vieira pelas contribuições no manuscrito. Referências Bibliográficas Boot, R.G.A. & Gullison, R.E. �99�. Approaches to developing sustainable extraction systems for tropical forest products. Ecological Applications 5�� 896-9��. CI-Brasil. 2��2. Jalapão�� uso de recursos naturais. Edital ���/2���. FNMA/ PROBIO - Uso de Recursos no entorno de unidades de conservação, Brasília - DF. Cunningham, A.B. & Milton, S.J. �98�. Effects of basket-weaving industry onEffects of basket-weaving industry on Mokola Palm and dye plants in northwestern Botswana.ana. Economic Botany 41�� �86-4�2. Hall, P. & Bawa, K. �99�. Methods to asses the impact of extraction of non-timber tropical forest products on plant populations. Economic Botany 47�� 2�4-24�. Martin, G. 2��4. 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Tabela 1. Períodos dos eventos fenológicos e das atividades de col�eita de capim dourado no Jalap�o, TO. CAMPO ÚMIDO DENSIDADE TOTAL FLORAÇÃO EM 2004 CRESCIMENTO RECRUTAMENTO POR REBROTA 1 controle ~ colheita controle < colheita controle ~ colheita controle ~ colheita 2 controle < colheita controle > colheita controle > colheita controle < colheita 3 controle ~ colheita controle < colheita controle < colheita controle < colheita Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Floração Produção de sementes Dispersão de sementes Colheita precoce Colheita declarada por extrativistas experientes ��� Tabela 2. Efeito do extrativismo de escapos na densidade total, ��oraç�o em 2004, crescimento e recrutamento por rebrota em populações de capim dourado em três campos úmidos no Jalap�o, TO. 1- vereda do Antônio, 2 – vereda da Extrema e 3- vereda do Porco Podre. Figura 1. Produç�o de fol�as-��ec�a (± erro padr�o) entre agosto de 2005 e agosto de 2006 por buritis em que o extrativismo de fol�as tem sido realizado freqüentemente (explorada) e buritis que nunca tiveram suas fol�as col�idas (intacta), em três veredas (Vazante, Brejo do Vel�o e Angelim) próximas à comunidade da Mumbuca, Jalap�o, TO. CAMPO ÚMIDO DENSIDADE TOTAL FLORAÇÃO EM 2004 CRESCIMENTO RECRUTAMENTO POR REBROTA 1 controle ~ colheita controle < colheita controle ~ colheita controle ~ colheita 2 controle < colheita controle > colheita controle > colheita controle < colheita 3 controle ~ colheita controle < colheita controle < colheita controle < colheita Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Floração Produção de sementes Dispersão de sementes Colheita precoce Colheita declarada por extrativistas experientes N úm er o de f olha s- fl ec ha p ro du zi da s Vazante 1,6 2,0 2,� 2,8 3,2 3,6 �,0 Intacta Explorada Brejo do Velho Intacta Explorada Angelim 1,6 2,0 2,� 2,8 3,2 3,6 �,0 Intacta Explorada ��4 Extrativismo no sul e sudeste do Brasil: caminhos para sustentabilidade sócio-ambiental Maurício Sedrez dos Reis (msreis@cca.ufsc.br) Núcleo de Pesquisas em Florestas Tropicais – Universidade Federal de Santa Catarina Capítulo 8 ��� Introdução Tomando como recorte histórico os últimos �� anos, a obtenção de produtos/ recursos a partir de espécies nativas das Florestas do Sul e Sudeste do Brasil envolve estratégias de extrativismo, manejo e cultivo. Tais estratégias são realizadas por agricultores, agricultores familiares, agricultores familiares extrativistas e extrativistas com diferentes ênfases, necessidades e valores culturais, em propriedades rurais próprias, ou de terceiros, inseridas em espaços geográficos com diferentes estruturas fundiárias (Diegues 2���; Reis et al. 2���a). Tais processos de obtenção de recursos têm como conseqüências alterações na estrutura genética/ populacional das espécies empregadas, bem como na paisagem onde o recurso será obtido. Assim, podem ser caracterizados como processos de domesticação, mediados por diferentes interesses, necessidades, valores culturais e questões históricas. Considera-se aqui a domesticação como um processo gradativo que vai desde as populações naturais de plantas em seu ambiente original até uma monocultura com um único genótipo, passando por várias situações intermediárias ou diferentes intensidades de alterações genéticas e da paisagem, como discute Clement (�999). Por outro lado, a expansão das fronteiras agrícolas, incluindo as áreas de pastagens, reduziu drasticamente a área com cobertura florestal nativa no âmbito do Domínio da Mata Atlântica e, conseqüentemente, as possibilidades de obtenção de recursos autóctones, uma vez que foi fundamentada em espécie exóticas associadas ao processo de colonização. Anteriormente a este período, a construção de ferrovias e rodovias associadas à exploração madeireira (especialmente na Floresta Ombrófila Mista – Floresta com Araucária) e ao processo de colonização (Carvalho 2��6) foi um forte determinante histórico da expansão das fronteiras agrícolas nos moldes que se seguiram no Sul e Sudeste do País. Este contexto reduziu a importância do conhecimento e valores tradicionalmente associados aos recursos naturais, bem como aos grupos étnicos detentores desses conhecimentos. Assim, o extrativismo associado a recursos não madeireiros passou a ser praticado predominantemente por comunidades locais de agricultores familiares, ainda que as poucas comunidades indígenas e quilombolas remanescentes que mantiveram seus valores tradicionais também detenham estes conhecimentos. Além disso, no Sul e Sudeste do Brasil o extrativismo e os recursos florestais não madeireiros foram, por longo tempo, negligenciados. Contudo, nas últimas décadas, a percepção do estado crítico de conservação da Mata Atlântica, e seus ecossistemas associados, vem contribuindo para uma ampliação dos estudos e ações relacionados a estas temáticas. Trabalhos de pesquisa e desenvolvimento envolvendo aspectos da biologia e ecologia de espécies produtoras de recursos de importância comprometidos com o contexto do extrativismo, trabalhos de etnobiologia comprometidos com comunidades locais e ações governamentais com ênfase na agricultura familiar, foram de extrema importância para um novo patamar ��8 de compreensão do significado do histórico e atual do extrativismo. Desta forma, a questão da viabilidade sócio-ambiental do (neo) extrativismo será aqui examinada a partir de exemplos da importância social, e cultural, bem como da relação do extrativismo com a manutenção, ou não, da biodiversidade, no Sul e Sudeste do Brasil. Um enfoque adicional será dado ao papel das regulamentações para o manejo (extrativismo) de recursos florestais neste contexto. Importância Sociocultural do Extrativismo Em um estudo realizado com agricultores familiares (�� famílias em � comunidades) na Região do Contestado (Planalto Norte de Santa Catarina), Caffer (2���) registrou 498 etnoespécies de plantas (entre nativas e exóticas), compreendendo ��8 espécies botânicas, aproximadamente a metade destas não autóctones, de 99 famílias botânicas, com algum tipo de uso ou importância para os agricultores. Neste trabalho, além do elevado número de espécies referenciado pelos agricultores, chama a atenção o fato de que entre as vinte espécies com maior valor de importância (intensidade de citações pelos agricultores), nove são nativas (Tab. �), predominantemente obtidas por extrativismo, e entre as 2� espécies com maior valor de uso (número de usos, multifuncionalidade), �9 são nativas (Tab. 2), também predominantemente obtidas por extrativismo. Os resultados obtidos por Caffer (2���), além de refletirem a importância da flora nativa para comunidades locais de agricultores familiares, reforçam a importância atual dos processos extrativistas para a manutenção destas comunidades. Entre os usos mencionados para as espécies nativas há aqueles que podem ser relacionados diretamente com o mercado, ou que são importantes para a comercialização, segundo os agricultores, como�� frutos de guavirova (vendidos em feiras), lenha de bracatinga, erva mate, entre outros. Contudo, há diversos usos para algumas espécies, ou mesmo algumas espécies, que apresentam importância específica para aquelas comunidades, os quais poderiam ser valorados apenas indiretamente, a partir de valores culturais externos (nossos valores, não das comunidades), como�� a maioria dos produtos de uso medicinal, frutos não comercializados, artefatos para trabalho (cabos de ferramenta confeccionados a partir de caules ou ramos de determinadas espécies). Neste mesmo contexto, o pinhão, obtido quase que exclusivamente por extrativismo em todos os três Estados do Sul, e também no Sudeste (São Paulo e Minas Gerais), apresenta também grande importância econômica e social. Trabalhando com uma comunidade semi-rural no Distrito de Taquara Verde (município de Caçador SC), Viera da Silva (2��6) obteve resultados que indicam a forte interação desta comunidade com a coleta, consumo e comercialização do pinhão. ��9 Tabela �. Ordenamento decrescente com as 2� etnoespécies de maior Valor de Importância dentre as 498 citadas (��9 espécies botânicas) por agricultores familiares da “Região do Contestado” (Planalto Norte de Santa Catarina). (Adaptado de Caffer 2���). * nativas do Sul do Brasil Etnoespécie Nome científico Família Citações VI Feij�o Phaseolus vulgaris Leguminosae 22 0,7097 Milho Melhorado Zea mays Gramineae 22 0,7097 Araucária �inheiro de Grimpa Araucaria angustifólia* Araucariaceae 21 0,6774 Erva Mate Ilex paraguariensis* Aquifoliaceae 20 0,6�52 Bracatinga Mimosa scabrella* Leguminosae 19 0,6129 Etnoespécie Nome científico Família Citações VI Guavirova Guavirova Galega Campomanesia xanthocarpa* M��rtaceae 18 0,5806 Goiaba nativa Feijoa sellowiana* M��rtaceae 16 0,5161 Mil�os var. Crioulas Zea mays Gramineae 16 0,5161 Tomate Graúdo Lycopersicum esculentum Solanaceae 16 0,5161 Abóbora Cucurbita moschata Cucurbitaceae 15 0,�839 Imbúia Ocotea porosa* Lauraceae 1� 0,�516 Fumo Nicotiana tabacum Solanaceae 13 0,�19� Pêssego Prunus persica Rosaceae 13 0,�19� Araticum Rollinia sp.* Annonaceae 12 0,3871 Arroz Oryza sativa Gramineae 12 0,3871 Maria mole Flor de Defunto Senecio brasiliensis* Compositae 12 0,3871 �inus �inheiro americano Pinus elliottii �inaceae 12 0,3871 Taquara Merostachys multiramea* Gramineae 12 0,3871 Batata Doce Ipomoea batatas Convolvulaceae11 0,35�8 Cebola Allium cepa Liliaceae 11 0,35�8 Etnoespécie Nome científico Família Citações VI Feij�o Phaseolus vulgaris Leguminosae 22 0,7097 Milho Melhorado Zea mays Gramineae 22 0,7097 Araucária �inheiro de Grimpa Araucaria angustifólia* Araucariaceae 21 0,6774 Erva Mate Ilex paraguariensis* Aquifoliaceae 20 0,6�52 Bracatinga Mimosa scabrella* Leguminosae 19 0,6129 Etnoespécie Nome científico Família Citações VI Guavirova Guavirova Galega Campomanesia xanthocarpa* M��rtaceae 18 0,5806 Goiaba nativa Feijoa sellowiana* M��rtaceae 16 0,5161 Mil�os var. Crioulas Zea mays Gramineae 16 0,5161 Tomate Graúdo Lycopersicum esculentum Solanaceae 16 0,5161 Abóbora Cucurbita moschata Cucurbitaceae 15 0,�839 Imbúia Ocotea porosa* Lauraceae 1� 0,�516 Fumo Nicotiana tabacum Solanaceae 13 0,�19� Pêssego Prunus persica Rosaceae 13 0,�19� Araticum Rollinia sp.* Annonaceae 12 0,3871 Arroz Oryza sativa Gramineae 12 0,3871 Maria mole Flor de Defunto Senecio brasiliensis* Compositae 12 0,3871 �inus �inheiro americano Pinus elliottii �inaceae 12 0,3871 Taquara Merostachys multiramea* Gramineae 12 0,3871 Batata Doce Ipomoea batatas Convolvulaceae 11 0,35�8 Cebola Allium cepa Liliaceae 11 0,35�8 �2� As unidades familiares (UF) da comunidade da Taquara Verde têm, em média, 4,4 pessoas (�,� com alguma fonte de renda mensal), com valor médio da renda per capita mensal da UF de R$���,6�. Tendo como base o valor da média da renda/capita mensal da UF, observou-se que 48% das UF (�2 UF) possuem renda/ capita mensal inferior a este valor, �6% UF (�9 UF) possuem renda/capita mensal superior, �6% (�4 UF) não possuem nenhum tipo de renda no momento do estudo (2���). Há um grande número de atividades que são exercidas pelas pessoas desta comunidade, contudo, predominam atividades ligadas à agricultura, como meieiros e diaristas. A comunidade está localizada em áreas contígua a Floresta Nacional (Flona) de Caçador, ao lado da uma área expressiva de plantios de araucária e, portanto, pratica a coleta do pinhão na Flona de Caçador entre abril e julho. As estimativas de retorno de obtenção de renda mensal a partir da coleta do pinhão, durante a safra são significativas para as famílias envolvidas. Considerando uma coleta diária de �� kg de pinhão, valor comum em um ano com uma produção intermediária, 2� coletas no mês, com apenas uma pessoa coletando por família, e comercialização diária de �2 kg (todas as famílias guardam um pouco para consumo próprio) a R$ �,8� o quilo (preço praticado em anos de produção intermediária), tem- se uma renda mensal igual a R$ �92,��; isto é, �,66 vezes a renda per capita média por unidade familiar dos informantes entrevistados por Vieira da Silva (2��6). Tabela 2. Ordenamento decrescente com as 2� etnoespécies de maior Valor de Uso dentre as 498 citadas (��9 espécies botânicas) por agricultores familiares da “Região do Contestado” (Planalto Norte de Santa Catarina). (Adaptado de Caffer 2���). Etnoespécie Nome científico Família Categorias de uso VU Araucária �inheiro Brasileiro Araucaria angustifolia* Araucariaceae 8 0,7273 Bracatinga Mimosa scabrella* Leguminosae 8 0,7273 Araçá1 Araça Vermel�o Myrceugenia euosma* M��rtaceae 7 0,636� Araça2 Psidium cattleyanum* M��rtaceae 7 0,636� Imbúia Ocotea porosa* Lauraceae 7 0,636� Canela Guaica Ocotea puberula* Lauraceae 6 0,5�55 Erva Mate Ilex paraguariensis* Aquifoliaceae 6 0,5�55 Eucalípto Eucalyptus sp. M��rtaceae 6 0,5�55 Guavirova Guavirova galega Campomanesia xanthocarpa* M��rtaceae 6 0,5�55 Vassoura Lajeana Baccharis uncinella* Compositae 6 0,5�55 Araticum Rollinia sp.2* Annonaceae 5 0,�5�5 Araticum Amarelo Rollinia salicifolia* Annonaceae 5 0,�5�5 Araticum Preto Rollinia sp.1* Annonaceae 5 0,�5�5 Aroeira Schinus terelinthifolius* Anacardiaceae 5 0,�5�5 Bugreiro Aroeira Vermel�a Schinus terebinthifoliu*s Anacardiaceae 5 0,�5�5 Camboata Pintado Joaquim �intado Cupania oblongifolia* Sapindaceae 5 0,�5�5 Canela Ocotea sp.1* Lauraceae 5 0,�5�5 Etnoespécie Nome científico Família Categorias de uso VU Guamirim Comum Eugenia sp./Myrceugenia sp.* M��rtaceae 5 0,�5�5 Guamirim Folha Graúda Guaviju Myrcianthes pungens* M��rtaceae 5 0,�5�5 Ing� Inga lentiscifolia* Leguminosae 5 0,�5�5 �2� * nativas do Sul do Brasil O pinhão, neste contexto, torna-se muito relevante, principalmente, para as famílias onde as pessoas trabalham como meieros ou diaristas nas lavouras, pois durante o inverno praticamente não há trabalho nas lavouras agrícolas, fazendo com que estas famílias tenham no pinhão uma fonte de renda importante. Conforme Vieira da Silva (2��6), para aqueles que têm outras fontes de renda, isto é, algum membro da UF trabalha em outras atividades, o pinhão passa a ser visto como uma “reserva”, sugerindo assim uma menor dependência do pinhão para estes últimos. Os resultados obtidos por Vieira da Silva (2��6) indicam o quanto o pinhão e os produtos florestais não madeireiros podem ser importantes ao se pensar na economia local, embora muitas vezes os atores destas atividades estejam em uma condição de apenas sobrevivência. Nas palavras da autora “.... o que seriam deles sem esta atividade? ”. Assim, apesar de representar relativamente pouco na economia regional ou municipal, a renda gerada a partir de um recurso/ produto proveniente do extrativismo, estes podem ter um significado muito grande na renda de cada família e, portanto, na possibilidade de reprodução social/ cultural das comunidades às quais elas pertencem. Outro exemplo relevante, no mesmo contexto regional, é a erva mate (Ilex paraguariensis). Segundo Andrade (2���), a exploração deste recurso envolve cerca de ��� mil pessoas nos Estados do Rio Grade do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul, entre agricultores, agricultores familiares e o pessoal das empresas processadoras. O recurso é obtido a partir de áreas cultivadas, extrativismo em áreas enriquecidas (agrofloresta, extrativismo manejado) e extrativismo em áreas naturais. Contudo, há uma expressiva diferenciação na valoração do produto obtido por extrativismo, devido ao padrão de sabor preferido pelos consumidores nacionais, Etnoespécie Nome científico Família Categorias de uso VU Araucária �inheiro Brasileiro Araucaria angustifolia* Araucariaceae 8 0,7273 Bracatinga Mimosa scabrella* Leguminosae 8 0,7273 Araçá1 Araça Vermel�o Myrceugenia euosma* M��rtaceae 7 0,636� Araça2 Psidium cattleyanum* M��rtaceae 7 0,636� Imbúia Ocotea porosa* Lauraceae 7 0,636� Canela Guaica Ocotea puberula* Lauraceae 6 0,5�55 Erva Mate Ilex paraguariensis* Aquifoliaceae 6 0,5�55 Eucalípto Eucalyptus sp. M��rtaceae 6 0,5�55 Guavirova Guavirova galega Campomanesia xanthocarpa* M��rtaceae 6 0,5�55 Vassoura Lajeana Baccharis uncinella* Compositae 6 0,5�55 Araticum Rollinia sp.2* Annonaceae 5 0,�5�5 Araticum Amarelo Rollinia salicifolia* Annonaceae 5 0,�5�5 Araticum Preto Rollinia sp.1* Annonaceae 5 0,�5�5 Aroeira Schinus terelinthifolius* Anacardiaceae 5 0,�5�5 Bugreiro Aroeira Vermel�a Schinus terebinthifoliu*s Anacardiaceae 5 0,�5�5 Camboata Pintado Joaquim �intado Cupania oblongifolia* Sapindaceae 5 0,�5�5 Canela Ocotea sp.1* Lauraceae 5 0,�5�5 Etnoespécie Nome científico Família Categorias de uso VU Guamirim Comum Eugenia sp./Myrceugenia sp.* M��rtaceae 5 0,�5�5 Guamirim Folha Graúda Guaviju Myrcianthes pungens* M��rtaceae 5 0,�5�5 Ing� Inga lentiscifolia* Leguminosae 5 0,�5�5 Etnoespécie Nome científico Família Categorias de uso VU Araucária �inheiro Brasileiro Araucaria angustifolia* Araucariaceae 8 0,7273 Bracatinga Mimosa scabrella* Leguminosae 8 0,7273 Araçá1 Araça Vermel�o Myrceugenia euosma* M��rtaceae 70,636� Araça2 Psidium cattleyanum* M��rtaceae 7 0,636� Imbúia Ocotea porosa* Lauraceae 7 0,636� Canela Guaica Ocotea puberula* Lauraceae 6 0,5�55 Erva Mate Ilex paraguariensis* Aquifoliaceae 6 0,5�55 Eucalípto Eucalyptus sp. M��rtaceae 6 0,5�55 Guavirova Guavirova galega Campomanesia xanthocarpa* M��rtaceae 6 0,5�55 Vassoura Lajeana Baccharis uncinella* Compositae 6 0,5�55 Araticum Rollinia sp.2* Annonaceae 5 0,�5�5 Araticum Amarelo Rollinia salicifolia* Annonaceae 5 0,�5�5 Araticum Preto Rollinia sp.1* Annonaceae 5 0,�5�5 Aroeira Schinus terelinthifolius* Anacardiaceae 5 0,�5�5 Bugreiro Aroeira Vermel�a Schinus terebinthifoliu*s Anacardiaceae 5 0,�5�5 Camboata Pintado Joaquim �intado Cupania oblongifolia* Sapindaceae 5 0,�5�5 Canela Ocotea sp.1* Lauraceae 5 0,�5�5 Etnoespécie Nome científico Família Categorias de uso VU Guamirim Comum Eugenia sp./Myrceugenia sp.* M��rtaceae 5 0,�5�5 Guamirim Folha Graúda Guaviju Myrcianthes pungens* M��rtaceae 5 0,�5�5 Ing� Inga lentiscifolia* Leguminosae 5 0,�5�5 Etnoespécie Nome científico Família Categorias de uso VU Araucária �inheiro Brasileiro Araucaria angustifolia* Araucariaceae 8 0,7273 Bracatinga Mimosa scabrella* Leguminosae 8 0,7273 Araçá1 Araça Vermel�o Myrceugenia euosma* M��rtaceae 7 0,636� Araça2 Psidium cattleyanum* M��rtaceae 7 0,636� Imbúia Ocotea porosa* Lauraceae 7 0,636� Canela Guaica Ocotea puberula* Lauraceae 6 0,5�55 Erva Mate Ilex paraguariensis* Aquifoliaceae 6 0,5�55 Eucalípto Eucalyptus sp. M��rtaceae 6 0,5�55 Guavirova Guavirova galega Campomanesia xanthocarpa* M��rtaceae 6 0,5�55 Vassoura Lajeana Baccharis uncinella* Compositae 6 0,5�55 Araticum Rollinia sp.2* Annonaceae 5 0,�5�5 Araticum Amarelo Rollinia salicifolia* Annonaceae 5 0,�5�5 Araticum Preto Rollinia sp.1* Annonaceae 5 0,�5�5 Aroeira Schinus terelinthifolius* Anacardiaceae 5 0,�5�5 Bugreiro Aroeira Vermel�a Schinus terebinthifoliu*s Anacardiaceae 5 0,�5�5 Camboata Pintado Joaquim �intado Cupania oblongifolia* Sapindaceae 5 0,�5�5 Canela Ocotea sp.1* Lauraceae 5 0,�5�5 Etnoespécie Nome científico Família Categorias de uso VU Guamirim Comum Eugenia sp./Myrceugenia sp.* M��rtaceae 5 0,�5�5 Guamirim Folha Graúda Guaviju Myrcianthes pungens* M��rtaceae 5 0,�5�5 Ing� Inga lentiscifolia* Leguminosae 5 0,�5�5 Tabela 2. Continuaç�o Etnoespécie Nome científico Família Categorias de uso VU Araucária �inheiro Brasileiro Araucaria angustifolia* Araucariaceae 8 0,7273 Bracatinga Mimosa scabrella* Leguminosae 8 0,7273 Araçá1 Araça Vermel�o Myrceugenia euosma* M��rtaceae 7 0,636� Araça2 Psidium cattleyanum* M��rtaceae 7 0,636� Imbúia Ocotea porosa* Lauraceae 7 0,636� Canela Guaica Ocotea puberula* Lauraceae 6 0,5�55 Erva Mate Ilex paraguariensis* Aquifoliaceae 6 0,5�55 Eucalípto Eucalyptus sp. M��rtaceae 6 0,5�55 Guavirova Guavirova galega Campomanesia xanthocarpa* M��rtaceae 6 0,5�55 Vassoura Lajeana Baccharis uncinella* Compositae 6 0,5�55 Araticum Rollinia sp.2* Annonaceae 5 0,�5�5 Araticum Amarelo Rollinia salicifolia* Annonaceae 5 0,�5�5 Araticum Preto Rollinia sp.1* Annonaceae 5 0,�5�5 Aroeira Schinus terelinthifolius* Anacardiaceae 5 0,�5�5 Bugreiro Aroeira Vermel�a Schinus terebinthifoliu*s Anacardiaceae 5 0,�5�5 Camboata Pintado Joaquim �intado Cupania oblongifolia* Sapindaceae 5 0,�5�5 Canela Ocotea sp.1* Lauraceae 5 0,�5�5 Etnoespécie Nome científico Família Categorias de uso VU Guamirim Comum Eugenia sp./Myrceugenia sp.* M��rtaceae 5 0,�5�5 Guamirim Folha Graúda Guaviju Myrcianthes pungens* M��rtaceae 5 0,�5�5 Ing� Inga lentiscifolia* Leguminosae 5 0,�5�5 �22 estimulando fortemente os agricultores a buscarem a alternativa de cultivo/ manejo (domesticação) em paisagem natural alterada. O valor médio pago na região de Canoinhas (SC) pela arroba de “erva mate nativa - no pé” é de R$ �,2�, enquanto que o mesmo valor pago pela “erva mate plantada - no pé” é de R$ �,�� (Fonte�� http��// cepa.epagri.sc.gov.br/safra/Canoinhas.htm, acesso em 22/�8/2��6). Este exemplo pode ser considerado uma exceção em termos de recursos florestais não madeireiros na região Sul do Brasil, pois tem um significado expressivo na economia regional e, ao mesmo tempo, utiliza uma estratégia de extrativismo, ou manejo, que favorece a manutenção de parte da biodiversidade natural, bem como a reprodução sócio- cultural da agricultura familiar da região. Também o caso da erva mate pode ser considerado exceção pelo fato de ter sido o único sistema de manejo de recurso florestal não madeireiro a receber certificação do FSC (uma propriedade), conforme Shanley et al. (2��6). Perspectivas para a Conservação O processo extrativista, executado em intensidade reduzida e sem seleção de determinados “tipos” tem reduzido efeito sobre as freqüências fenotípicas ou genotípicas das populações de plantas. Contudo, a extração realizada com grande intensidade e/ou escolha de “tipos” específicos pode afetar seriamente as populações, comprometendo a reprodução dos indivíduos, podendo levar ao desaparecimento daquela espécie naquele local. Em relação à paisagem, a extração de recursos não madeireiros, produz, em geral, alterações pouco expressivas na paisagem, portanto a estrutura do componente biótico pode não ser significativamente alterada. Por outro lado, para as espécies madeireiras, como a araucária e a imbuia, o processo de extrativismo, além de ser extremamente seletivo, provocando uma alta erosão genética com seleção negativa, produz uma forte alteração na paisagem. Neste caso a estrutura do componente biótico fica profundamente alterada. Assim, o extrativismo tem impactos mais ou menos expressivos, dependendo da intensidade como é realizado e principalmente do fato de ser explorado um produto madeireiro ou não (Reis et al. 2���a; Young 2���). Nas últimas décadas, esforços das Universidades, agências ambientais e de algumas ONGs, bem como o interesse de extrativistas, agricultores familiares e comunidades locais, têm favorecido a realização de ações comprometidas com o uso sustentável dos recursos naturais (exemplos podem ser analisados em Diegues & Viana 2���; e Simões & Lino 2���). Em muitos casos a geração de novos conhecimentos ou a sistematização dos já existentes (tradicionais, locais ou acadêmicos) tem possibilitado ajustes, modificações ou monitoramento dos sistemas de extração e uso de recursos de interesse. Os processos tecnológicos resultantes destas ações têm sido referenciados na literatura como manejo sustentável, neo- extrativismo (Rego �999), manejo de populações naturais (Reis et al. 2���b), �2� extrativismo manejado (Diegues 2���), entre outros. Este manejo das populações naturais pode ser entendido como a exploração controlada das populações de uma dada espécie, visando a obtenção de um produto direto (madeira, palmito, flores, frutos) ou indireto (metabólitos secundários a partir das folhas ou casca, ou outro órgão da planta) (Reis et al. 2���b). Contudo, tal manejo só é sustentável no tempo na medida em que a retirada de um número de indivíduos (ou partes destes), a cada ciclo de exploração, possa ser reposto pelo próprio dinamismo da espécie. Assim, implica no aproveitamento da regeneração natural da mesma, a partir do desenvolvimento dos indivíduos remanescentes e da contínua reposição de propágulos para manutenção do banco de plântulas. Para garantia da exploração cíclica deverão ser observados aspectos da demografia e da biologia reprodutiva da espécie a ser manejada. Além disso, a garantia de continuidade de qualquer processo exploratório, está relacionada a manutenção da estrutura genética das populações naturais das espécies sob manejo, a qual tem implicações nareposição do estoque pela regeneração natural, garantindo a sustentabilidade (Reis �996). Exemplos desta abordagem para a região Sul e Sudeste do país podem ser analisados para o palmiteiro (Euterpe edulis) em Reis et al. (2���a), para a espinheira santa (Maytenus ilicifolia) em Steenbock & Reis (2��4), pariparoba (Piper cernuum) em Mariot et al. (2��6) e samambaia preta (Rumohra adiantiformis) em Baldauf (2��6). Em termos econômicos, para a exploração de recursos das florestas tropicais, a diferença de tempo necessária para que se complete o ciclo de vida das espécies que podem fornecer produtos que não madeira (espécies medicinais, ornamentais e alimentícias) é a chave para intercalar o ingresso de renda ao longo período de rotação de espécies de ciclo longo (Conte et al. 2���). Assim, o conjunto de espécies não fornecedoras de madeira e outras atividades, como turismo ecológico, podem complementar a renda por unidade de área possível de ser manejada nestas comunidades (Reis et al. 2���b). Além disso, uma perspectiva integrada de uso dos diversos recursos/ produtos, aqueles provenientes do extrativismo e aqueles provenientes do cultivo, reduz a necessidade de sobre-exploração de recursos advindos do extrativismo. Contudo, a perspectiva de estabelecimento de estratégias que viabilizem o manejo de uma determinada espécie em seu ambiente natural implica na recuperação e sistematização de conhecimentos tradicionais e/ ou na geração de conhecimentos relativos a sua autoecologia, bem como no repasse destas estratégias (tecnologias) para os produtores/ extratores envolvidos (Simões 2���). Esse retorno dos conhecimentos sistematizados deve ser prioritariamente direcionado para as comunidades locais e agricultores familiares, como opção adicional de obtenção de renda na propriedade, sem degradação da floresta. Outro aspecto de grande importância é a disponibilização do conhecimento gerado ou recuperado e sistematizado para os demais agentes envolvidos no processo (extencionistas rurais e agentes de fiscalização, p. ex.). �24 A maioria dos sistemas de manejo desenvolvidos e/ ou empregados por comunidades tradicionais contemplam, de forma empírica, vários dos aspectos que favorecem a manutenção da estrutura das populações naturais sob extrativismo. Entretanto, na maior parte dos casos, tal conhecimento vem se perdendo pelo desinteresse das gerações mais jovens e, principalmente, pelos processos de aculturação a que são submetidas tais comunidades (Di Stasi �996). Neste contexto, a organização dos produtores (comunidades tradicionais) e processo de produção no sentido de aumentar o conhecimento/ poder das comunidades locais sobre cadeia produtiva é outra ação de grande importância, pois contribui diretamente para a valorização dos recursos e processos de produção destas comunidades, favorecendo a sua reprodução sócio-cultural. Desta forma, os processos de extrativismo e/ou de manejo de populações naturais têm grande potencial para favorecer a conservação da biodiversidade. Contudo, em muitos casos as demandas do mercado e/ ou os interesses dos usuários dos recursos extraídos, levam a sobre-exploração dos recursos, produzindo um ciclo de retorno financeiro imediato, declínio dos recursos demandados, perda de diversidade, perda do potencial econômico do processo de exploração e perda de identidade sócio-cultural das comunidades locais. O Papel das Regulamentações Um dos principais efeitos da ampliação da demanda do mercado sobre um determinado produto/ recursos proveniente do extrativismo é a sobre-exploração. Alem da exploração madeireira (um bom exemplo pode ser analisado em Guerra et al. 2���; Carvalho 2��6), situações de sobre-exploração de outros recursos no Sul e Sudeste do país são muitas, ainda que não bem documentadas. O histórico de exploração do palmiteiro (Euterpe edulis) (Fantini et al. 2���) e da espinheira santa (Maytenus ilicifolia) (Sheffer 2��4; Sheffer et al. 2��4) são bons exemplos. Neste contexto, as regulamentações podem cumprir um papel relevante no processo de conservação dos recursos naturais e manutenção de valores sócio- culturais das comunidades locais, na medida em que estabelecem critérios e limites para o processo extrativista. Tentativas de contraposição a situação de sobre-exploração e degradação ambiental têm sido realizadas através de legislações (e regulamentações) restritivas (restrição de supressão de vegetação na Mata Atlântica – DL ���/ �99�; proibição de exploração de espécies ameaçadas no âmbito da Mata Atlântica – Resolução 2�8/ CONAMA/2���), regulatórias ou condicionantes, exigindo reposição florestal (p. ex. plantio de duas mudas para cada indivíduo explorado; Portatia Normativa �22/ IBAMA/ �98�) ou estabelecendo critérios (de dimensões, p. ex. DAP > 4� cm para espécies madeireiras; Portaria Interinsticional n�/ IBAMA/ FATMA/ �996) mínimos para extração. Contudo, tais regramentos historicamente não apresentavam fundamentação técnico-cintífica (como discutem Reis et al. 2���b – plantas �2� medicinais – e Reis et al. 2���b - palmiteiro) e raramente eram estabelecidos com o envolvimento dos atores envolvidos. Assim, de uma maneira geral, não foram respeitados sequer pelos agentes ambientais (fiscalizadores). No entanto, os esforços recentes de geração/ sistematização de conhecimentos, já mencionados, bem como o envolvimento de atores locais no estabelecimento de regulamentações tem permitido uma dinâmica diferenciada neste processo. Exemplos podem ser encontrados na construção da Resolução �2/ DEPRN/ �998 para exploração de espécies medicinais e ornamentais em São Paulo, Resolução 294/ CONAMA/ 2��� para o manejo do palmiteiro (Euterpe edulis) em Santa Catarina e, recentemente, no processo de regulamentação do manejo da samambaia preta (Rumohra adiantiformis) no Rio Grande do Sul. Tais exemplos apresentam diferenças históricas de construção com um expressivo crescente no envolvimento dos atores locais e estruturação também local da regulamentação. No caso da Resolução �2, a sua construção envolveu as demandas dos extratores da região do Vale do Ribeira/ SP (quais espécies eram importantes), os técnicos locais, os agentes ambientais locais (DEPRN) e a comunidade científica. A estrutura da Resolução permite uma ampla flexibilidade e favorecia a possibilidade de ampliação de sistematização dos conhecimentos locais (os critérios podem ser estabelecidos pelos próprios extratores/ manejadores para cada espécie) (Simões 2���). Entretanto, as mudanças (pessoal e estrutura) da agência ambiental (DEPRN), bem como a complexidade da cadeia produtiva das plantas medicinais na região e desconfiança dos atores (subestimada no processo de construção da regulamentação), desfavoreceram uma adoção mais ampla da Resolução e, portanto, um maior favorecimento da conservação dos recursos que vêm sendo extraídos na região. No caso da Resolução 294/ CONAMA/ 2���, que regulamenta o manejo do palmiteiro (Euterpe edulis), a mesma foi demandada regionalmente (área de Floresta Ombrófila Densa em Santa Catarina), discutida e construída no Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (CERBMA SC). O CERBMA SC possui representação de vários setores da sociedade, entre estes�� representantes de Universidade, representantes de ONGs, representantes das agências ambientais locais (FATMA e IBAMA), representante dos agricultores familiares, representante das Secretarias Municipais de Meio Ambiente e representante dos consórcios municipais. Além disso, havia um farto conhecimento acumulado e sistematizado sobre o manejo da espécie (Reis & Reis 2���) e experiências anteriores de regulamentações; houve consulta a outras instituições e um período de quatro meses de discussão, incorporação de sugestões e articulação local. Assim, a proposta de Resolução atendiaamplamente as demandas locais de conservação e uso da espécie e há uma adoção expressiva da mesma. Interessante ressaltar que, apesar de todo esforço e articulação bem sucedidos, a demanda por palmito tem sido de forma crescente atendida por plantios de Archontophoenix alexandrae (palmeira real australiana) nas propriedades agrícolas (predominantemente de agricultura familiar) do Estado de Santa Catarina. Atualmente, há uma expansão da demanda �26 por frutos de Euterpe edulis nas regiões Sul e Sudeste, não existindo, contudo, uma percepção da necessidade de regulamentação deste novo processo extrativista, até o momento. Outro caso interessante é o da Resulução ���/ CONAMA/ 2���, que regulamenta o manejo da bracatinga (Mimosa scabrela) em Santa Catarina, visando a produção de lenha e carvão vegetal. A construção da proposta se deu de forma similar à do palmiteiro (294/CONAMA/ 2���), com uma discussão e articulação inclusive mais ampliada. Entretanto, as modificações introduzidas pela Câmara Técnica do CONAMA “romperam” a articulação local levando a completa não adoção da Resolução ���. Portanto, levando à continuidade da exploração considerada ilegal e clandestina por parte dos agricultores familiares, gerando conflitos sociais e ambientais constantes. Estes dois exemplos chamam atenção para a necessidade e importância da estruturação local de regulamentações, com ampla articulação. Mas, também para a necessidade de respeito às articulações locais. O exemplo mais recente, samambaia preta (Rumohra adiantiformis) no Rio Grande do Sul, é talvez o melhor em termos de trabalho articulado e bem fundamentado. Com ampla participação de todos os segmentos envolvidos e grande conhecimento local e acadêmico sistematizado (ANAMA 2��2; Baldauf 2��6). Atualmente o processo está em fase final de construção. Considerações finais Nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, especialmente no âmbito da Mata Atlântica e seus ecossistemas associadas, apesar do alto grau de degradação dos ambientes de vegetação natural, o extrativismo permanece como um aspecto de grande relevância social e cultural. Esta situação é especialmente relevante para agricultores familiares que, além de estarem envolvidos em atividades agrícolas em suas propriedades, praticam o extrativismo visando complementação de renda e/ ou obtenção de produtos/ recursos importantes para o seu modo de vida. Neste contexto, a geração e sistematização de conhecimentos associados aos recursos e sistemas de obtenção destes recursos tem se mostrado capaz de favorecer a manutenção dos mesmos e reprodução sócio-cultural das comunidades locais de agricultores familiares extrativistas. Tal favorecimento é efetivo na medida do comprometimento dos processos de geração e sistematização do conhecimento com as comunidades locais. Finalmente, as regulamentações podem cumprir um papel relevante no processo de conservação dos recursos naturais e manutenção de valores sócio- culturais das comunidades locais, na medida em que estabelecem critérios e limites para o processo extrativista. Além disso, a implementação de tais políticas públicas só apresenta efetividade com o envolvimento dos diversos atores sociais, incluindo os agricultores familiares extrativistas, no seu processo de construção. Além disso, a manutenção da efetividade das regulamentações necessita de uma contínua articulação local. �2� Referências ANAMA. 2��2. Projeto Samambaia-preta: avaliação etnobiológica e etnoecológica da samambaia-preta Rumohra adiantiformis (G. Forst.) Ching no município de Maquiné, RS. Relatório Final, Porto Alegre, Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul. Andrade, F.M. 2���. Exploração, manejo e potencial socioeconômico da erva-mate. Pp. �9-�4. In�� L.L. Simões & C.F. Lino (Orgs.). 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I The relation between domesticacion and human population decline. Economic Botany 53(2)�� �88-2�2. Conte, R.; Reis, M.S.; Guerra, M.P.; Nodari, R.O. & Fantini, A.C. 2���. Manejo sustentado do palmiteiro (Euterpe edulis M.) na pequena propriedade catarinense. Agropecuária Catarinense 13(2)�� �8-42. Diegues, A.C. 2��� Aspectos sociais e culturais do uso dos recursos florestais. Pp. ��6-��6. In�� L.L. Simões & C.F. Lino (Orgs.). Sustentável Mata Atlântica: a exploração de seus recursos florestais. São Paulo, Editora SENAC São Paulo, 2. ed. Diegues, A.C. & Viana, V.M. 2���. Comunidades tradicionais e manejo de recursos naturais da Mata Atlântica. NUPAUB/ LASTROP.NUPAUB/ LASTROP. Di Stasi, L. C. (Org.). �996. Plantas Medicianais arte e ciência. São Paulo, Editora da Universidade Estadual Paulista. Fantini, A.C.; Guries, R.; Ribeiro, R.J. 2���. Produção de palmito (Euterpe edulis Martius) na Floresta Ombrófila Densa. Pp. 2�6-28�. In�� M.S. Reis & A. Reis (Org.) Euterpe edulis Martius (palmiteiro): biologia, conservação e manejo. Itajaí, Herbário Barbosa Rodrigues. Guerra, M.P.; Silveira, V.; Reis, M.S. & Schneider, L. 2���. Exploração, manejo e conservação da araucrária (Araucaria angustifolia). Pp. 8�-�4. In�� L.L. Simões, C.F. Lino (Orgs.). Sustentável Mata Atlântica: a exploração de seus recursos florestais. São Paulo, Editora SENAC São Paulo, 2. ed. Mariot, A.; Mantovani, A. & Reis, M.S. 2��6. Uso e conservação de Piper cernuum Vell. (Piperaceae) na Mata Atlântica�� II. Estrutura demográfica e potencial de manejo em floresta primária e secundária. Revista Brasileira de Plantas Medicinais (no prelo). �28 Reis, M.S. �996. Manejo sustentado de plantas medicinais em ecossistemas tropicais. Pp. �98-2��. In�� L.C. Di Stasi (Org.). Plantas Medicianais arte e ciência. São Paulo, Editora da Universidade Estadual Paulista. Reis, M.S. & Reis, A. 2���. Euterpe edulis Martius (palmiteiro): biologia, conservação e manejo. 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Capítulo 9 ��� A discussão sobre o extrativismo e sua sustentabilidade econômica, social e ambiental na Amazônia tem alta relevância, a julgar pela ainda existência de mais de 8�% desse bioma ainda com vegetação primária ou pouco perturbada, aliado ao fato de que essa região possui um total de 2� milhões de amazônidas, na sua maioria vivendo ou dependendo de algum tipo de extrativismo. O desenvolvimento da Amazônia depende pois, em grande parte, de políticas públicas que ataquem problemas básicos, tais como�� i) estancamento da taxa de desmatamento; ii) manejo sustentável dos ecossistemas naturais; e iii) construção das cadeias produtivas dos componentes da biodiversidade. Essa política vem sendo construída mais ultimamente, com avanços significativos nas bases para uma política estruturante de mais longo prazo, porém necessita de ações arrojadas no sentido de efetividade do uso sustentável da biodiversidade, para um segmento significativo do bioma, já que exemplos e iniciativas existem em grande número, e que necessitam ser replicados para área significativa da Amazônia. O Plano de Combate ao Desmatamento da Amazônia, uma ação transversal de �� ministérios do Governo Federal, proposto pela Ministra Marina Silva em 2���, e iniciada sua implementação em 2��4, teve seus primeiros resultados positivos em 2���, quando se constatou uma redução da taxa de desmatamento em ��%, o equivalente a cerca de 8�� mil hectares de desmatamento evitado. Se considerarmos, grosseiramente, que ��� mil hectares desse total de desmatamento evitado foi fruto deste plano, poderíamos estimar também em cerca de ��� dólares por hectare/ano o custo dessa ação, já que se estima em �� mil dólares por ano o gasto do governo com este plano. Se compararmos este custo com o custo da restauração de áreas degradadas de florestas tropicais, estimado em no mínimo de � mil dólares por hectare, pode-se julgar a alta relevância da iniciativa do governo com este plano para a biodiversidade da Amazônia. Sabemos que a redução da taxa de desmatamento é imprescindível e urgente, no entanto, o que deve consolidar de fato a conservação da biodiversidade amazônica será o manejo sustentável de sua biodiversidade, através de programas e ações para e com o segmento de extrativistas dessa região. A Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, ponto focal da Convenção sobre Diversidade Biológica no país, reafirma que os três objetivos desse acordo internacional, ou, a conservação da bidiversidade, o uso sustentável dos recursos dela advindos, assim como a repartição justa e eqüitativa dos seus benefícios são também suas prioridades básicas. Para tanto, o uso sustentável da biodiversidade, assim como o conhecimento tradicional associado, é de fato a chave para levar avante esses preceitos dessa importante convenção das Nações Unidas, o que requer um balanço adequado sobre que condições objetivas temos no setor e sobre quais prioridades devemos atuar. Tanto o manejo sustentável de áreas naturais por comunidades tradicionais, como a efetivação das cadeias produtivas para sua incorporação no setor produtivo comercial e industrial, é essencial para o ��2 desenvolvimento das comunidades da Amazônia. Vale um parênteses sobre qual manejo sustentável nos referimos, já que diversas interpretações podem ser dadas para tal termo, desde o conceito puro biológico científico de manutenção da biodiversidade durante os ciclos, até aquele que aponta um manejo possível dentro do atual conhecimento científico atual. O conceito mais científico de manejo sustentável, defendido pelos teóricos que vêm estudando a estrutura e funcionamento das florestas tropicais, coloca claramente a exigência de não mudança no decorrer dos ciclos de exploração da riqueza de espécies e da variabilidade genética dentro das espécies, e sua manutenção para as futuras gerações. Certamente esta exigência é muito rígida e praticamente inexeqüível, porém, o abrandamento excessivo das exigências de reprodução, fluxo gênico e regeneração natural das espécies pode também tornar o manejo sem retorno para a biodiversidade do ecossistema, o que deve apontar cautela para as definições das regras do jogo para o manejo. O extrativismo sustentável da floresta tropical amazônica, que tem nas Reservas Extrativistas – RESEX a sua maior expressão, fundamentou- se basicamente em produtos florestais não madeireiros (PFNM) para sua consolidação, já que a exploração de látex, frutos e óleos não implica na derrubada de árvores, aumentando em muito a probabilidade de que o recurso extrativo seja sustentável, assim como a biodiversidade associada, se mantenha de uma geração para outra, sem alterações significativas nas características, inclusive genéticas, das populações. O extrativismo de exploração da madeira, por sua vez, aponta características de impactos tanto sobre a população das espécies em exploração, como na biodiversidade associada, assim como na nova constituição das populações regenerantes, dificultando a previsibilidade do novo ciclo de exploração e, portanto, a sua sustentabilidade. Por outro lado, a teoria clássica do extrativismo, que foi sempre realçada por Homma, que aponta o extrativismo de um produto como uma fase transitória de exploração daquele recurso, com seu ciclo dependente do desenvolvimento da ciência e tecnologia para a espécie em questão, foi combatida por Rêgo (�999) realçando que para o caso das RESEX e o novo cenário mundial o panorama do extrativismo poderia ser alterado. O autor alcunhou essa situação de Neo-extrativismo, diferenciando da teoria clássica em que, para as condições da Amazônia, onde os serviços ambientais estão embutidos no uso extrativo sustentável dos PFNMs, ainda em uma situação em que a C&T podem avançar em propostas de uso sustentável no extrativismo, como é o caso das Ilhas de Alta Produtividade (IAPs), por exemplo.A construção de cadeias produtivas para os PFNMs, de forma que essas espécies fornecedoras sejam de fato incorporadas ao manejo sustentável dos ecossistemas tropicais, quebrando a lógica de se considerar um produto explorado por comunidades e a sua “ evolução” para o uso normalmente em monocultivo, sem a questão do serviço ambiental incorporado, é de alta relevância nessas propostas de políticas públicas para o desenvolvimento da Amazônia. Os Distritos ��� Florestais Sustentáveis, dentro do PL de Gestão de Florestas Públicas recém aprovado, vai ao encontro dessa preocupação de incorporar as comunidades extrativistas nos programas de governo. A concentração de esforços de pesquisa e estruturas pró-ativas no sentido de possibilitar o uso sustentável em territórios prioritários em termos de biodiversidade e comunidades extrativistas, dá aos Distritos Florestais Sustentáveis uma importância fundamental, no sentido de valorizar as experiências extrativistas de sucesso na Amazônia. O PL de Acesso e Repartição de Benefícios, discutido a partir de um APL primeiramente apresentado pela então Senadora Marina Silva em �996, e neste momento na Casa Civil após longa discussão no CGEN, com a participação do Governo e a Sociedade Civil, se reveste de alta relevância para o momento. O objetivo da conservação da biodiversidade, o primeiro da CDB, deve ser incorporado do uso sustentável e repartição de benefícios, que certamente passa por uma lei de acesso ao recurso genético que atenda o conhecimento tradicional das comunidades amazônicas e de outros biomas ricos em biodiversidade. Referência bliográfica Rêgo, J.F. �999. Amazônia�� do extrativismo ao neoextrativismo. Ciência Hoje 25 (�4�)�� 62-6�. ��4 A lógica do mercado e o futuro da produção extrativista Charles R. Clement Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA; Av. André Araújo, 29�6 – Aleixo; 69�6�-��� Manaus, Amazonas, Brasil. Bolsista de CNPq. Capítulo 10 ��� Introdução O extrativismo foi a primeira estratégia de subsistência da espécie humana e assim continua em todo o mundo onde pessoas têm acesso a ambientes naturais. Basta lembrar dos europeus que saem para coletar cogumelos nas florestas todos os anos, tanto na primavera como no outono, para reconhecer a permanência do extrativismo até numa sociedade desenvolvida. No entanto, vale observar que este tipo de extrativismo não representa uma necessidade econômica e sim uma opção de vida. Aqui no Brasil a maioria das pessoas sabe da existência de extrativistas, como os seringueiros, castanheiros, quebradores de coco de babaçu, pescadores artesanais e coletores de pinhão, e muitos sabem que diversas agências dos governos federal e estaduais mantêm programas que apoiam comunidades extrativistas. Em contraste à situação européia, o extrativismo no Brasil pode representar uma necessidade econômica, inclusive contribuindo de forma significativa para a subsistência e renda anual das famílias extrativistas. Então, por que perguntar se o (neo) extrativismo é viável sócio-ambientalmente? Antes de responder, é importante considerar que o sócio-ambientalismo propõe um modelo de desenvolvimento envolvendo a sustentabilidade ambiental, social e econômica em que o extrativismo pode ser importante para alguns grupos de pessoas. Essa mesa redonda pretende discutir a viabilidade do uso de (neo) extrativismo de produtos florestais não madeireiros (PFNM) por comunidades locais como estratégia de conservação da sócio-diversidade e da biodiversidade. Ao mesmo tempo, a viabilidade da produção extrativista a longo prazo é questionável quando incorporada à lógica do mercado. Aí é valido perguntar se estamos pedindo muito ao extrativismo? Caso positivo, onde é que o extrativismo pode contribuir? O sócio-ambientalismo é essencialmente uma idéia desenvolvida em resposta ao paradigma imposto pelo atual sistema político-econômico mundial, às vezes chamado de capitalismo neo-clássico, às vezes de globalização do capitalismo corporativo e às vezes codificado como o Consenso de Washington. Alguns estudantes do atual sistema político-econômico consideram que é insustentável e pode contribuir para um colapso sócio-econômico e ambiental (e.g., Meadows et al. �9�2, �992, 2��4; Diamond 2���). O conceito de sustentabilidade foi introduzido justamente para incluir as gerações futuras e a saúde ambiental na definição de desenvolvimento – na esperança de evitar esse colapso (Bruntland �98�). Ao mesmo tempo, a preocupação mundial com a homogeneização cultural introduziu a idéia da conservação da sócio-diversidade no mesmo caldo, abrindo caminho para a idéia de desenvolvimento sócio-ambiental. No entanto, vale lembrar que a maioria das políticas públicas está desenhada para apoiar o atual sistema político-econômico, o que significa que o extrativismo precisa ser analisado como componente deste sistema e não como componente de uma idéia – por mais atrativa que seja. Afinal, o extrativismo deveria contribuir para a sustentabilidade econômica das comunidades extrativistas e da sociedade nacional mesmo se o paradigma não muda a curto prazo. ��8 O extrativismo é uma “atividade produtiva baseada na extração ou coleta de produtos naturais não cultivados (como, p.ex., madeiras da floresta amazônica)” (Ferreira �999). Os limites desta atividade têm sido analisados com muito cuidado pelo economista Alfredo K. O. Homma, da Embrapa Amazônia Oriental, tanto em termos históricos como em termos atuais (Homma �99�, 2���), e esta análise é a base de uma polêmica sustentável, muitas vezes gerando mais calor que luz! Considero que a análise de Homma é correta. É importante entender que em nenhum momento Homma afirma que não há um lugar para o extrativismo na Amazônia e, por extensão, no Brasil e no mundo; ele argumenta que o extrativismo não pode ser à base de desenvolvimento de uma região tão grande como a Amazônia. Vamos examinar esse argumento e suas implicações visando responder a preocupação desta mesa redonda. O “Neo-extrativismo é um conceito ligado à totalidade social, em todas as instâncias da vida social�� a econômica, a política e a cultural. Na dimensão econômica, é um novo tipo de extrativismo que promove um salto de qualidade pela incorporação de progresso técnico e envolve novas alternativas de extração de recursos associadas com cultivo, criação e beneficiamento da produção.” (Rêgo �999). A relação entre este conceito e a idéia de desenvolvimento sócio-ambiental é evidente. O conceito de neo-extrativismo essencialmente reconhece os limites do extrativismo, como analisados por Homma, e reconhece que o sistema de produção extrativo precisa ser modificado para ser viável economicamente, embora a implicação é o fim do extrativismo (como definido por Ferreira �999) via a incorporação destas idéias, como afirmado por Homma. Algumas das modificações sugeridas por Rêgo (�999) são a adoção de sistemas agroflorestais, a pequena criação de animais, o beneficiamento dos produtos extrativos e agroflorestais no sítio ou na comunidade etc. Todas são idéias originalmente sugeridas por Homma. Vale adicionar a esta lista as ilhas de alta produtividade, pois também apresentam viabilidade econômica (Reydon et al. 2��2). Considerando que a análise de Homma é central a nossa discussão, tanto para seus críticos como para seus defensores, é hora de examinar esta análise. O Ciclo do Extrativismo Baseado numa análise histórica do extrativismo na Amazônia, bem como na aplicação da lógica da economia capitalista neo-clássica, Homma (�99�) traçou um par de curvas simples que explicam a trajetória esperada da produção e substituição de um PFNM hipotético quando existe uma demanda em expansão em um mercado qualquer (Figura �). É importante lembrar que os PFNM são extremamente diversos e as curvas serãoligeiramente diferentes para cada caso. Homma (�99�) enfatiza que os PFNM podem ser classificados, a grosso modo, naqueles cujo extrativismo depreda o recurso por que mata as plantas (e.g., pau rosa), e naqueles cujo extrativismo é simples coleta, não comprometendo a reprodução do recurso (e.g., ��9 castanha do Brasil, coco de babaçu). Essas classes também terão curvas diferentes, mas a lógica permanece. Figura �. O ciclo do extrativismo vegetal e sua substituição, segundo Homma (�99�). No início da curva, um empreendedor detecta uma nova oportunidade de uso para um PFNM em um ecossistema natural que gera demanda num mercado. O empreendedor começa a comprar o PFNM de uma comunidade extrativista que vive no ecossistema e conhece seus recursos. Conforme a demanda cresce no mercado, a comunidade extrai o PFNM até o limite possível no ecossistema a seu alcance. Esta é a fase de expansão e sua duração é determinada pela competência do empreendedor em criar demanda no mercado, pela facilidade que a comunidade tem para extrair o PFNM, e pela abundância do PFNM no ecossistema. A inclinação da curva depende da competência do empreendedor e da qualidade do produto, sendo que a qualidade pode ser melhorada pela comunidade com a aplicação de tecnologias simples – agregando valor no processo (Homma �99�; Rêgo �999; Clay �999; Clay et al. �999). A fase de estabilização ocorre quando a oferta é igual à demanda. A oferta é determinada pela abundância do PFNM e pela facilidade de sua extração – sempre lembrando que estamos pensando a nível da comunidade. No entanto, se a demanda for maior que a oferta, o empreendedor terá diversas opções, entre as quais, comprar de outras comunidades, estimular o plantio do PFNM nas comunidades (neo- extrativismo) ou em outro local (um tipo de substituição), contratar uma instituição de P&D para identificar um substituto industrializado, ou qualquer combinação destas opções. A existência destas opções é a razão pela qual a segunda curva (a da substituição) começa dentro desta fase (Fig. �). Aqui é importante entender um dos pressupostos mais importantes da curva�� a demanda é crescente. Se este pressuposto é violado, a fase de estabilização de um PFNM pode durar muito tempo porque a oferta sempre será maior que a demanda. Tempo Expansão Estabilização Declínio Substituição Produção Produção Extrativa Agrícola ou Silvícola ou Industrial �4� Muitos PFNM possuem mercados que não crescem, o que explica por que estão sempre presentes no mercado em baixa quantidade, com baixo preço e, geralmente, com pouca qualidade. A castanha-do-Brasil é um PFNM cujo mercado não cresce (Clement �999), e ao mesmo tempo é sempre considerado durante as discussões de PFNM porque seu mercado é relativamente grande e inclui um nicho no exterior. Se olharmos para os dados sobre produtos extrativistas é possível concluir que a maioria absoluta dos PFNM tem mercados que não crescem e esta observação terá um impacto importante nas respostas que estamos buscando. Em contraste a um PFNM coletado sem danos à população, um PFNM cuja coleta degrada o recurso (e.g., pau-rosa) pode ter uma fase de estabilização curta na comunidade, resultando na perda do recurso e a migração do empreendedor. A historia de pau-rosa na Amazônia mostra esta migração (May & Barata 2��4). A terceira fase da curva de extrativismo é a de declínio, pois o empreendedor teve sucesso em encontrar um substituto para a oferta extrativista, ou via plantações ou via substitutos industriais. É bom lembrar ainda que estamos mantendo o foco na comunidade extrativista. Homma (�99�) usa o exemplo histórico da borracha, que seguiu ambas as vias, primeiro com plantações na Ásia e, mais recentemente, no Sudeste brasileiro, e segundo com o desenvolvimento de borracha sintética, embora esta não substitua a borracha natural em todos os seus usos. O número de exemplos de PFNM e outros produtos da Amazônia que foram substituídos são grandes e ajuda a explicar a paranóia sobre a biopirataria na região! É importante entender que a terceira fase é inevitável se o PFNM tem um mercado em expansão. A razão é simples�� em um mercado em expansão muitos fornecedores do PFNM estarão concorrendo para atender a demanda, alguns dos quais terão vantagens comparativas sobre outros. No atual sistema político-econômico, as comunidades extrativistas sempre têm menos vantagens comparativas do que outros possíveis fornecedores porque seus PFNM estão em ecossistemas naturais, quase sempre em baixa densidade (o que aumenta o custo de extração por unidade), com qualidade variável (devido a nunca ter sofrido uma seleção humana para uniformidade), com safras variáveis e geralmente curtas (o que exige armazenamento que pode causar degradação do produto), distantes dos centros consumidores (que aumenta os custos de transporte) etc. O número de desvantagens comparativas é sempre maior na periferia (Clement �99�), o que explica porque os PFNM com demanda são levados para outras áreas de produção (Dove �99�, �996), de preferência perto dos centros consumidores ou com outra vantagem comparativa. Este ciclo é histórico e é atual. Os casos de biopirataria que ganham tanta atenção na mídia nada mais são do que tentativas de pular etapas no ciclo. Mais importante, no entanto, é que a biopirataria mostra demanda de um mercado, demanda que muitas vezes não é percebida por comunidades ou instituições nacionais. Se o Brasil ou outro país mega-diverso não faz os investimentos para desenvolver um PFNM, um empreendedor tentará tirar proveito, mesmo se for de forma ilegal. Cada vez que um empreendedor tem sucesso, tanto em colaboração �4� com comunidades como por meios ilegais, um outro PFNM sai da floresta e se torna menos importante para as comunidades que antes ganhavam com o PFNM. Isto é o fim do ciclo de extrativismo, como explicado por Homma (�99�), mas não significa que o extrativismo não é importante. A Importância do Extrativismo O extrativismo foi a base econômica da Amazônia e do Brasil no período colonial, gradualmente perdendo importância com a expansão da agropecuária, da mineração e, mais recentemente, da indústria. Na Amazônia, o pico de sua importância foi em �9��, quando representava 9�% da produção vegetal da região (Homma �99�), que, por sua vez, era a base da economia. Até a década de �9��, o extrativismo continuou a ser mais importante que a agropecuária na Amazônia, mas com a decisão de “desenvolver” a Amazônia e integrá-la ao Brasil, especialmente durante a época militar, o extrativismo perdeu espaço, uma tendência que continua até hoje, tanto na Amazônia, como no Brasil e no mundo. No entanto, o extrativismo ainda é importante para a população rural da Amazônia e do Brasil, e nas dezenas de Reservas Extrativistas espalhadas pelo país é muito importante. Pinzón Rueda (s.d.) analisou a importância do extrativismo na Amazônia na última década do século passado, estimando que pelo menos 2��.��� famílias estavam envolvidas na extração de PFNM para garantir parte de sua subsistência e renda familiar. Acredito que esta é uma sub-estimativa. A população da região Norte está perto de �� milhões hoje (IBGE 2���), dos quais ��% vivem no meio rural e certamente praticando extrativismo para uma parte de sua subsistência. Veiga (2��2) sugere que a definição de “centro urbano” usada pelo IBGE vicia esta estimativa. Ele sugere que pelo menos outros ��% deveriam estar entre o rural e o urbano, o que permite contato com ambientes naturais, bem como a prática de extrativismo. Portanto, acredito que o número verdadeiro é pelo menos três, se não quatro vezes maior que a estimativa de Pinzón Rueda – somente na Amazônia. A nível nacional, o IBGE estima que apenas �9% da população vive no meio rural, mas Veiga sugere que deveria ser pelo menos��% e uma parte dos ��% de difícil definição. É lógico que todas essas pessoas não dependem de extrativismo, pois a maioria absoluta das famílias pratica agricultura para garantir a maior parte de sua subsistência. Até nas Reservas Extrativistas a maioria da população é de agricultores familiares. Pinzón Rueda (s.d.) cita um estudo de pré-investimento do PPG� em Reservas Extrativistas que encontrou que as famílias conseguiram ��% de sua renda familiar da agricultura e criação, �4% da caça e pesca (extrativismo animal), e ��% da extração vegetal (borracha, castanha, açaí etc.). Ou seja, os extrativistas mais conhecidos são agricultores familiares que praticam extrativismo. Além disto, extraem numerosos PFNM, não são especialistas, embora a borracha, a castanha e o açaí sejam muito importantes. A maioria dos agricultores familiares do Brasil segue um padrão algo similar, embora a extração vegetal e animal certamente seja menos �42 importante e a agricultura mais importante em outros lugares do que nas Reservas Extrativistas. Uma outra dimensão de importância é o número de PFNM disponível. A priori, qualquer espécie pode ter uso para alguma coisa, mesmo se apenas como lenha. No Estado do Amazonas, a lenha é um dos produtos extrativistas mais importantes (Seplan 2��4), embora não seja considerada um PFNM. Eduardo Lleras (Embrapa Amazônia Ocidental com. pess. 2��6) estima que �.��� espécies vegetais amazônicas foram usadas pelos povos indígenas e comunidades tradicionais ao longo do último século. O famoso trabalho de Pio Corrêa (�926) descreve centenas de espécies no país inteiro, a maioria das quais é PFNM. No entanto, poucos produtos extrativistas constam do Censo Agropecuário (�99�)�� açaí-do-Pará (fruto e palmito), borracha, castanha-do-brasil, cupuaçu, pau-rosa, piassava, buriti, cipós de muitos tipos, palha de diversas palmeiras, bacuri, balata, bacaba, murici (Ibama s.d.). As outras milhares de espécies podem ser usadas na subsistência e até vendidas localmente, mas seus mercados não crescem. Embora muitas famílias na Amazônia extraiam estes PFNM, apenas o açaí e a castanha são importantes em termos econômicos e ambos estão sendo levados ao cultivo. A borracha continua a ser importante para as comunidades extrativistas porque o povo brasileiro subsidia sua extração. O cupuaçu é essencialmente cultivado hoje, e o bacuri e murici estão sendo transformados em cultivos também; vale a pena ler o artigo de Shanley et al. (2��2a) sobre o extrativismo de bacuri e uxi no Pará para entender porque as frutas nativas são PFNM que são excepcionalmente difíceis de levar ao mercado, essencialmente exigindo que sejam cultivados. Restam muitas plantas medicinais, mas a Agência Nacional de Vigilância Sanitária está aumentando gradualmente suas exigências sobre qualidade e uniformidade, o que afetará a produção extrativista. O grande problema que o extrativismo enfrenta hoje é o pequeno número de espécies com demanda significativa e crescente nos mercados. Dove (�996) sugere que a maioria dos PFNM que realmente oferece oportunidades econômicas já foi levada ao cultivo. No entanto, algumas comunidades estão conseguindo fazer negócios com algumas empresas (veja alguns exemplos em Anderson & Clay 2��2), mas não existem PFNM que podem ser produzidos por um grande número de comunidades. Alguns exemplos serão apresentados nesta mesa redonda. Atualmente o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) possuem programas para apoiar a agricultura familiar, inclusive com investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) via Embrapa, CNPq, Finep e universidades. O MDA e o Ministério do Meio Ambiente (MMA) possuem programas para apoiar os agricultores familiares que se auto-denominam extrativistas, inclusive com investimentos em P&D. Todos estes investimentos mostram a importância que o governo atual está dando aos menos favorecidos no Brasil, mas será que estes investimentos vão reverter a tendência do extrativismo perder a importância na economia, como explicado por Homma (�99�), e aumentar sua contribuição para a conservação da sócio-diversidade e �4� biodiversidade, como foi perguntado nesta mesa redonda? Afinal, os investimentos estão sendo feitos para ajudar estes agricultores familiares a interagir melhor com o mercado, pois o governo federal apóia o sistema político-econômico vigente. Se a idéia é aumentar sua eficácia como agentes econômicos, a análise de Homma (�99�) é de importância primordial. Demandas dos Mercados Existe um contínuo de exigências para qualidade e uniformidade dos PFNM entre os mercados locais (menos exigentes), regionais, nacionais e internacionais (mais exigentes). Além da exigência por qualidade e uniformidade, muitos mercados internacionais, especialmente os da Europa, Japão, Canadá e até os EUA, estão começando a exigir diferentes tipos de certificação, alguns dos quais podem ser usados por comunidades agrícolas para agregar valor, outros dos quais são meramente barreiras comerciais não-tarifárias. Como enfatizado por Shanley et al. (2��2b), certificação é cara e não é para qualquer combinação de PFNM e mercado, mas para certos casos é uma opção importante. Donald Sawyer (Programa de Pequenos Projetos Ecossociais PPP-ECOS-GEF, com. pess. 2���) alerta sobre o perigo de certificação orgânica generalizada para PFNM, mesmo que esses PFNM sejam produzidos de forma orgânica, justamente por causa dos custos e das exigências de capacitação que levarão muito tempo para uma comunidade de agricultores tradicionais incorporar. Além do contínuo entre mercados de diferentes escalas de desenvolvimento, dentro de mercados específicos nos países menos desenvolvidos existe um contínuo de exigências entre as feiras da periferia, os mercados e supermercados centrais, e as lojas de alto padrão, tão exigente como as lojas dos países desenvolvidos. As feiras da periferia sempre oferecem espaço para os PFNM, mesmo sem padrões de qualidade e uniformidade, mas logicamente os preços obtidos são menores. Muitas lojas de alto padrão tentam trabalhar com comunidades e artesãos específicos para poder usar esta relação como parte de sua estratégia mercadológica, freqüentemente reduzindo o número de intermediários e aumentando o valor recebido pela comunidade (Anderson & Clay 2��2). O contínuo de exigências é acompanhado por um contínuo de preços, de forma que existe a impressão de que o agricultor-extrator está sempre sendo prejudicado. A impressão é devido a não compreensão de como funciona uma cadeia de produção-comercialização e como valor é agregado ao longo da cadeia. Numa cadeia, cada pessoa que compra e vende o produto, com ou sem melhorias de qualidade e uniformidade ou processamento, vende mais caro do que compra, porque sem esta “agregação” de valor não teria motivo para comprar. De modo geral, quanto maior o número de intermediários, menor o valor pago ao agricultor- extrator como proporção do valor final. Muitas iniciativas estão tentando reduzir o número de intermediários entre a floresta e o mercado, mas é importante lembrar �44 que o intermediário é uma pessoa fundamental em qualquer cadeia (Clay �999). As exigências por qualidade e uniformidade são um desafio importante para as comunidades agrícolas e extrativistas, pois seus produtos são de qualidade extremamente variável, ou seja não são uniformes. A comunidade extrativista raramente possui os recursos, o equipamento ou a experiência para fazer o controle de qualidade do produto que vende, exceto quando recebe apoio de fora, às vezes de um intermediário. Schroth et al. (2��4) demonstraram que a simples classificação de qualidade pode gerar benefícios significantes na vende de tucumã no Amazonas. Estas são as razões pela qual Homma (�99�), Rêgo (�999), Clay(�999), Clay et al. (�999) e muitos outros autores discutem a necessidade de processamento, ou pelo menos pré-processamento e classificação, nas comunidades. Capacitação para estas atividades é oferecida por numerosas agências dos governos federal e estaduais e ONGs atualmente, mas precisa ser continuada e acompanhada por acesso a capital e tecnologias apropriadas para gerar o efeito desejado. Capacitação de curta duração geralmente tem eficácia limitada. O processamento, no entanto, tem limitações�� a qualidade e uniformidade do PFNM. Quanto maior a exigência por uniformidade de uma qualidade específica do PFNM, menor o número de plantas no ambiente acessível à comunidade que pode atender a essa exigência. Se o mercado está em expansão, o empreendedor terá as opções mencionadas acima, mas a comunidade terá menos opções. Esta é a razão de pensar na transformação do extrativismo em neo-extrativismo ao nível da comunidade, como sugerido por Homma (�99�) em outras palavras e por Rêgo (�999). Esta também é a lógica das agências dos governos federal e estaduais em apoiar P&D para a agricultura familiar, incluindo os agricultores que praticam extrativismo. A decisão de atender as demandas para qualidade e uniformidade sempre dependerá das perspectivas de expansão de demanda no mercado. Se essas perspectivas são boas, porque tem um bom empreendedor envolvido e o mercado está crescendo, o ciclo do extrativismo entra em vigor e força o neo-extrativismo ou até a domesticação do PFNM, como sugerido por Homma (�99�, 2���, 2��4), com sua produção subseqüente em plantios que podem não ser feitos juntos à comunidade. Se as perspectivas não são boas, como para a maioria dos PFNM cujos mercados não crescem, o investimento no PFNM para alcançar o neo-extrativismo ou a domesticação não vale a pena. Isto não quer dizer que o PFNM não tem valor, porque sua importância na subsistência da comunidade não é afetada; somente quer dizer que não gerará maiores benefícios seja qual for o investimento. O Extrativismo Ajuda na Conservação? Creio que agora é possível examinar a pergunta desta mesa redonda�� o (neo) extrativismo de PFNM por comunidades locais é uma estratégia eficiente de conservação da sócio-diversidade e da biodiversidade? Esta pergunta gerou muito �4� calor e pouca luz ao longo das últimas décadas desde o artigo polêmico de Peters et al. (�989), em que afirmaram que o extrativismo de PFNM de uma floresta em pé pode gerar mais renda do que outros usos da terra comuns no trópico úmido, como a agropecuária ou o corte seletivo de madeira. Muitos projetos de pesquisa e reuniões analisaram o papel de extrativismo e tentaram responder a essa pergunta. Finalmente, o Centro Internacional para Pesquisa Florestal (CIFOR) executou uma pesquisa que creio chegou a uma conclusão importante (Ruiz-Pérez et al. 2��4). O estudo examinou 6� PFNM de África, América Latina e Ásia, de duas classes (coleta simples e coleta destrutiva) e de muitos tipos de produtos. Sobre cada PFNM, coletou informação sobre os ecossistemas e seu estado de conservação, as comunidades e seu bem-estar, a integração com o mercado, a regulamentação dos governos, acesso a crédito e tecnologia, etc. Os estudos de caso de América Latina foram apresentados por Alexiades & Shanley (2��4) e alguns dos autores estão presentes nesta reunião. A análise foi sofisticada e os resultados foram amplamente discutidos. Essencialmente, o estudo encontrou o ciclo de extrativismo descrito por Homma (�99�), com algumas ressalvas interessantes (Ruiz-Pérez et al. 2��4). Em comunidades pobres que praticam extrativismo como parte de sua subsistência, os PFNM podem ser importantes mas tendem a ser extraídos de forma destrutiva, o que sugere que sua importância diminuirá no futuro, não por causa do ciclo de extrativismo descrito por Homma, mas porque o recurso está sendo degradado. Em comunidades menos pobres, os PFNM tendem a ser parte de um sistema diversificado de produção e o neo-extrativismo é evidente, quando não o cultivo. Em comunidades relativamente mais afluentes, os PFNM tendem a ser produtos especializados, geralmente cultivados ou manejados em sistemas intensivos (neo- extrativismo tendendo a sistemas agroflorestais simples ou mesmo pomares em monocultivo). As situações diversificadas e especializadas podem ser estáveis e duradouras se a demanda for estável, mas tendem a seguir o ciclo de estrativismo se a demanda continuar a crescer. No entanto, o extrativismo dos PFNM não é suficiente para garantir a conservação da biodiversidade nas comunidades, embora possa contribuir para a conservação da sócio-diversidade, pois alguns dos sistemas agroflorestais na Ásia foram desenvolvidos por grupos étnicos e ajudam a manter a soberania desses grupos frente às pressões das sociedades envolventes. Em realidade esta conclusão não surpreende, pois numerosos críticos da idéia de que o extrativismo apóia a conservação observaram a mesma coisa ao longo das últimas duas décadas. Homma (�99�) ofereceu a base econômica dessa crítica, mas muitos outros que estudaram a questão observaram que é uma esperança excessivamente simplista, pois o estímulo à conservação é multi-dimensional em qualquer sociedade. Browder (�992), por exemplo, observou que a curta experiência das Reservas Extrativistas não demonstrou que o extrativismo era suficientemente viável para garantir a sustentabilidade das próprias reservas, muito menos outras áreas da floresta amazônica. Corretamente Browder observou que a questão de degradação ambiental precisava ser enfrentada no domínio da agropecuária em lugar �46 do que no domínio florestal. No intervalo entre as observações de Browder e hoje, a expansão da agropecuária, em sinergia com a extração madeireira na Amazônia, continua sem freios eficientes, pois é um dos motores importantes da economia brasileira e mundial. Em lugar de enfrentar este desafio, o governo brasileiro cria mais unidades de conservação, inclusive reservas extrativistas. É evidente que mais unidades de conservação são necessárias, mas sem enfrentar o desafio principal as unidades sempre estarão ameaçadas pela atividade agropecuária a seu redor, bem como pelos fogos que gradualmente queimarão seus limites fragmentados. É importante entender aqui que estas análises não afirmam que o extrativismo está superado, nem que está fadado a desaparecer, embora uma leitura simplista de Homma (�99�) possa levar a esta conclusão. O importante é entender que o extrativismo não pode ser considerado um motivo principal de conservação da biodiversidade e nem um motor de desenvolvimento de grandes áreas, embora possa apoiar a reprodução social de comunidades de agricultores familiares. Então, se o extrativismo tradicional e o neo-extrativismo não são mecanismos de conservação, qual é seu papel no desenvolvimento, especialmente no tão desejado desenvolvimento sustentável? Agricultura Familiar, Extrativismo e Desenvolvimento Sustentável O extrativismo contribui para a subsistência da maioria absoluta dos agricultores familiares no Brasil hoje, tanto na Amazônia como no resto do país. Muitas vezes é de fundamental importância para seu bem-estar e reprodução social, como ocorre nas Reservas Extrativistas. Ao mesmo tempo, não podemos esperar que os PFNM vão ter grande importância no mercado, porque se isto vir a acontecer os PFNM vão ser transformados em cultivos e, geralmente, plantados em outras partes do país. Então, é importante mudar o foco de nossa discussão. A questão não deveria ser se extrativismo ou neo-extrativismo contribui para o desenvolvimento de comunidades mas como podemos melhorar a situação dos agricultores familiares, especialmente os chamados ‘tradicionais’, porque são essas pessoas que também são extrativistas. Em realidade, a definição de neo-extrativismo de Rêgo(�999) vai nessa direção, embora ele prefira manter a palavra extrativismo, e as respostas a que ele chega, como Homma (�99�) antes, são importantes. O fato que os governos federal e estaduais estão investindo em P&D para a agricultura familiar e o extrativismo sugere que estas atividades interligadas e sinérgicas têm um papel a desempenhar no desenvolvimento brasileiro, bem como no mundial. No entanto, os investimentos ainda são pequenos quando comparados com os que apóiam os agronegócios, embora o número de famílias envolvidas é muito maior. O que importa é que está tendo movimento na direção correta para aumentar o apoio à agricultura familiar, tornando-a mais sustentável. Um exemplo novo e promissor está sendo organizado pelo Centro de �4� Biotecnologia da Amazônia (CBA), ligado à Superintendência da Zona Franca de Manaus, uma agência do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Além de desenvolver novos produtos e processos oriundos de componentes da biodiversidade amazônica, o CBA incentiva os empreendedores e empresários que demandam esses produtos a desenvolver projetos juntos às comunidades de produtores dos componentes da biodiversidade, incluindo a domesticação de PFNM (como recomendado por Homma 2��4) e a agregação de valor nas comunidades via a capacitação dos produtores. Nesta iniciativa os produtores são considerados como agricultores familiares, tradicionais ou não, e não extrativistas, pois a domesticação exige o cultivo, seja em sistemas agroflorestais ou em pomares. O número de PFNM que recebem este tratamento especial ainda é muito pequeno, mas a iniciativa do CBA mostra o caminho a ser seguido, pois atende à recomendação da Ministra Marina Silva (MMA) de que a Amazônia precisa de produção sustentável com tecnologias de ponta. Tecnologias de ponta para uma comunidade de agricultores familiares podem incluir coisas tão simples como enxertia de matrizes selecionadas e classificação do produto para uniformidade. O grande desafio para a sustentabilidade do empreendimento chamado Brasil continua a ser o agronegócio e as políticas públicas que o apóiam sem exigir produção sustentável. Clay (2��4) sugere que é possível praticar agricultura sustentável, inclusive na escala de um agronegócio, mas precisa ter políticas públicas próprias para evitar concorrência desleal com produtos oriundos de sistemas não- sustentáveis. Além disso, o desenvolvimento sustentável da Amazônia e, por extensão, do Brasil depende da incorporação do valor da floresta em pé no sub- modelo econômico nacional (Clement et al. 2���), o que provavelmente pode ser feito de forma mais eficiente transformando o setor florestal em um setor eficiente e manejado para a sustentabilidade (Clement & Higuchi 2��6). Feito isto, sempre haverá espaço para a extração de PFNM, como o exemplo europeu mostra. Agradecimentos Agradeço à Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia pelo convite para participar nesta mesa redonda, à Secretaria de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente, do governo do Estado do Amazonas, pelo apoio logístico que permitiu a participação, a Marina P. Klüppel, do Ibama, Brasília, por sugestões e literatura, a meus colegas da mesa redonda para sugestões, e a Rosa Clement pela revisão do português. Referências Alexiades, M.N. & Shanley, P. (Eds.). 2��4.2��4. Productos forestales - medios de subsistencia y conservación: estudios de caso sobre sistemas de manejo de productos forestales no maderables, Vol. 3 - America Latina. Bogor, �48 Indonésia, CIFOR.CIFOR. Anderson, A.B. & Clay, J.W. (Org.) 2��2. Esverdeando a Amazônia: Comunidades e empresas em busca de práticas para negócios sustentáveis. 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Otávio Rodrigo Jordão Ramos, ���� – Coroado – Manaus, AM. e-mail�� snoda@ufam.edu.br Capítulo 11 ��2 ��� Diversidade e Sustentabilidade As atividades do agricultor tradicional da Amazônia são realizadas nas áreas de cultivo (roças e sítios), nas áreas de capoeira (pousio), na floresta, nos rios e lagos. Cada um destes ambientes funciona como componente de um sistema complexo onde a aplicação do trabalho humano permite a combinação da agricultura com o extrativismo vegetal e animal. Conceituados como sistemas agroflorestais, no sentido lato, essas formas tradicionais de produção geram uma diversidade de produtos capazes de suprir as demandas alimentares das famílias e sua sustentabilidade é atribuída, principalmente, ao elevado nível de conservação ambiental e diversidade biológica mantida nos seus componentes (Noda & Noda �994). Adicionalmente, a reprodutibilidade biológica, social e cultural da unidade de produção, é garantida pela produção excedente, não consumida pela família que, colocada no mercado, gera renda monetária, permitindo o acesso aos serviços e produtos adquiridos no mercado. A variabilidade genética mantida dentro desses componentes, associada ao processo de seleção realizada pelos agricultores tradicionais das terras baixas da América do Sul, teve como conseqüência, no decorrer da história da agricultura, a domesticação de algumas espécies alimentares importantes como a mandioca (Manihot esculenta), batata doce (Ipomea batatas), taioba (Xanthosoma sp.), ariá (Calathea allouia), cará (Dioscorea alata) e amendoim (Arachis sp.) (Martins 2���). Formas de produção tradicionais e diversidade genética vegetal No componente roça ou roçado são cultivadas as espécies anuais durante algum período, normalmente dois ciclos, dependendo da qualidade do solo e após isso é deixado em descanso, para recuperação da fertilidade e eliminação de plantas invasoras. Nesse componente é produzida a mandioca, principal alimento energético das populações tradicionais, que após alguma forma de processamento é possível de ser armazenada até novo ciclo de produção. No ecossistema de terra firme a área ocupada por esse componente varia de �,8� a �,6� hectares por unidade familiar de produção (Noda & Noda �994) e na várzea em média de �,�4 a �,�2 hectares (Noda et al. �99�). Apesar de a denominação roça sugerir cultivos simples ou consorciados combinando a mandioca com outras espécies de ciclo curto, neste componente são encontradas, também, espécies frutíferas arbóreas, sendo cupuaçu (Theobroma grandiflorum), pupunha (Bactris gasipaes), laranja (Citrus aurantifolia), sapota (Quararibea cordata), Mapati (Pourouma cecropiaefolia), abiu (Pouteria caimito) e graviola (Annona muricata) as mais frequentes (Noda 2��2). A variabilidade genética entre e intraespecífica é elevada e esta característica confere uma alta estabilidade, no tempo e espaço, ao processo produtivo. A combinação de ��4 espécies de arquiteturas diferentes, no mesmo espaço de cultivo, constitui o que Martins (2���) denomina habilidade de combinação ecológica. Os dados da Tab. � evidenciam a variabilidade genética das espécies mais frequentes nas roças. Mesmo caso do milho, as variedades utilizadas pelos agricultores tradicionais são as locais ou regionais, apesar da estrutura de propaganda e comercialização das empresas sementeiras e dos órgãos oficiais de fomento e assistência técnica estarem constantemente estimulando o cultivo de variedades da agricultura de exportação. As áreas de capoeiras, denominadas pousio, são as terras que permanecem em repouso durante um certo período e voltam a ser reutilizadas para o cultivo de espécies anuais. Noda (2���) estudando os sistemas de manejo adotados por agricultores de uma comunidade indígena da várzea do Rio Solimões encontrou nos solos de capoeiras de seis anos os mesmos teores de carbono e nitrogênio dos solos coletados na mata de igapó não pertubada. Via de regra, as capoeiras são enriquecidas com o plantio de espécies frutíferas perenes e de algumas espécies, como no caso do açaí, cuja dispersão ocorre naturalmente. Nesse caso, os agricultores tradicionais protegem as mudas evitando a competição por outras espécies e, também, o fogo. Martins (2���), evidenciou o importante papel da alternância roça – capoeira – roça na manutenção, geração e amplificação da diversidade genética de espécies agrícolas Entretanto, como demonstraram Noda et al. (�99�), essa técnica de cultivo de plantas e manejo do solo vem sendo abandonada pelos agricultores tradicionais nas regiões onde ocorre a expansão da bovinocultura. Tabela �. Variedades ou clones locais cultivadas nas roças e sítios em comunidades de agricultores tradicionais da várzea dos rios Solimões – Amazonas. Trecho�� Tabatinga (AM) – Gurupá (PA). Número de variedades ou clones Espécies Cultivadas Alto Solimões Médio Solimões Baixo Solimões Médio Amazonas Baixo Amazonas Estuário Mandioca Manihot esculenta 11 6 2 1 30 - Macaxeira Manihot esculenta 8 5 2 2 10 2 Milho Zea mays 2 2 3 - 7 1 Jerimum Curcubitamaxima - 1 1 6 1 - Banana Musa spp. 15 6 7 13 20 6 ��� Na Tab. 2 são mostradas as espécies arbóreas que ocorrem com maior freqüência nos componentes dos sistemas de produção dos agricultores tradicionais de terra firme na região do Alto Solimões. O incremento na ocorrência da pupunha (Bactris gasipaes), mapati (Pourouma cecropiaefolia), e abiu (Pouteria caimito), a partir da capoeira inicial, sugere que essas espécies são protegidas a partir deste componente até a formação do sítio. Supõe-se que as presenças significativas da pupunha, mapati, abiu, cupuaçu (Theobroma grandiflorum), bacaba (Oenocarpus bacaba) e cacau (Theobroma cacao) nas roças sejam explicadas pela proteção dessas plantas quando da transformação da capoeira avançada em uma nova roça. O caso do açaí (Euterpe precatoria) é peculiar. Sua ocorrência inicia na floresta e atinge a máxima freqüência na capoeira avançada, não sendo encontrado nos sítios e roças. Supõe que o manejo do açaí voltado ao extrativismo e a adaptação desta espécie ao ambiente de floresta impliquem na decisão do agricultor tradicional de, usualmente, não cultivá-la no sítio e na roça. Provavelmente, devido ao modo de reprodução e o seu alto valor como alimento e geração de renda monetária, a banana (Musa spp.) é cultivada tanto nas áreas agrícolas como nas de pousio. A mangueira (Mangifera indica) e o cajueiro (Anacardium occidentale) são encontrados apenas nos sítios e as espécies do gênero ingá (Inga spp.) foram encontradas em todos os componentes do sistema de produção tradicional. Tabela 2. Espécies frutíferas que ocorrem em maior freqüência (Freqüência Relativa) nos componentes dos sistemas de produção de agricultores tradicionais da Comunidade de Guanabara II e Nova Aliança. Benjamin Constant. Amazonas. Componentes do Sistema de Produç�o Espécies Agrícolas Capoeira Inicial Capoeira Avançada Roça Sítio Floresta Inga spp. 5,13 3,95 2,9� 7,14 1,19 Euterpe precatoria 1,71 2,26 0 0 1,06 Bactris gasipaes 1,71 3,39 11,76 8,33 0 Pourouma cecropiaefolia 2,56 2,82 2,9� 8,33 * Pouteria caimito 1,71 1,69 2,9� 8,33 * Theobroma grandiflorum 0 2,26 2,9� 3,57 * Oenocarpus bacaba 0 1,13 2,9� 2,38 0 Anacardium occidentale 0 0 0 2,38 0 Mangifera indica 0 0 0 2,38 0 Theobroma cacao 0 0,56 2,92 1,19 0 Musa spp. 1�,53 6,21 23,53 8,33 0 * Ocorrência de espécies de mesmo gênero ��6 Etnoconhecimento e conservação dos recursos genéticos Os agricultores tradicionais são detentores de um conhecimento amplo sobre todos os elementos que compõe o ambiente onde vivem. Noda (2���) observou que os conhecimentos sobre a flora dos habitantes da comunidade indígena (etnia Tikuna) de Novo Paraíso abarcavam ��8 espécies, agrupadas em 69 famílias, cultivadas ou manejadas em cinco ambientes (igapó, floresta, roça, capoeira e sítio) e com quatro tipos de uso humano (alimento, medicinal, ornamental e madeira), além do uso na alimentação de animais domésticos, animais silvestres e aquáticos. A análise dos dados sobre a valoração das espécies pelo uso mostrou que maiores valores foram obtidos por duas espécies coletadas no extrativismo�� a munguba (Bombax munguba Mart. Bombacaceae e o assacu (Hura crepitans L. Euphorbiaceae). A munguba possui valor estético (árvore ornamental), propriedades medicinais e é utilizada como madeira em construções e artesanato. A madeira do assacu é, também, utilizada em construções, a casca é utilizada como remédio ou veneno e os frutos são alimento de peixes. Por outro lado, as espécies domesticadas nativas, como a pupunha (Bactris gasipaes) e taioba (Xanthosoma sp.), utilizadas apenas na alimentação humana, foram as que obtiveram os menores níveis de valoração. Esses resultados evidenciam que o nível de conhecimento sobre as plantas está relacionado com a valoração atribuída pelo agricultor tradicional e isso, consequentemente, deve ser um aspecto importante no processo de evolução das espécies, ainda não domesticadas, cuja utilização ocorre por meio do extrativismo. Percepção dos agricultores tradicionais sobre a conservação e os usos dos recursos vegetais – As espécies frutíferas nativas além de apresentarem importância na alimentação (frutos, sucos, vinhos, doces e farinhas) são utilizadas, também, pelos agricultores tradicionais do Alto Solimões, na elaboração de bebidas e na medicina caseira (açaí, bacaba, mapati). A madeira é usada na construção de casas, confecção de assoalho, cobertura, vigas, canteiro de mudas (açaí, bacaba); no artesanato (bacaba) e como lenha (abiu e mapati). Além disso, as fruteiras exercem importantes papeis tanto ambiental quanto ecológico. Os conhecimentos sobre a biodiversidade vegetal são reproduzidos nas famílias nucleares e extensas por meio da transmissão oral e estão ligados ao atendimento das necessidades primárias do ser humano quanto à previsão e provisão temporal do recurso�� “É bom plantar as frutas porque os filhos vão precisar comer... porque vai precisar, e não vai ter que comprar... Eu planto... se eu não alcançar colher, pelo menos meus filhos, meus netos vão colher” (M.I.L.M., Comunidade de Vera Cruz, Benjamin Constant, AM.) Deve-se destacar, também, a importância do conhecimento tradicional sobre a variação interespecífica e intraespecífica das espécies vegetais. As características ��� levadas em conta na observação da variação intraespecífica estão relacionadas com as características do fruto (cor, forma, consistência e sabor da polpa, nas espécies abiu, açaí, bacaba, mapati e pupunha); do caule (presença ou ausência de espinhos na pupunha; solitário ou multicaule em açaí e bacaba) e reprodutivas (sexos separados, no caso do mapati). Planta macho “...que dá flor” e fêmea “...que dá flor e fruto” (A.L.M., Comunidade de Vera Cruz, Benjamin Constant, AM.) Os conhecimentos estão relacionados à percepção e domínio sobre as fenofases das plantas�� época de floração, frutificação, mudança foliar, além dos diferentes ecossistemas onde ocorrem determinadas espécies de plantas�� “...A época da floração es do mês (mês) de maio, junio (junho), julho, fruto mes de agosto, setembro e outubro” (construção coletiva de texto – dinâmica das fruteiras, Com. Nova Aliança) “...O mapati pode ser encontrado em chavascal ou em restinga. Porém ele se adapta melhor no chavascal, por ter uma terra úmida e boa para se plantar.” (construção coletiva de texto – dinâmica das fruteiras Com. Nova Aliança, Benjamin Constant, AM.) “...E aqui na nossa comunidade tem muitos abiu, que está mais perto da nossa casa. A essa planta não é tudo tempo que dão frutos, o mês dela é mês de junho até o julho.” (construção coletiva de texto – dinâmica das fruteiras Com. Cidade Nova, Benjamin Constant, AM.) O conhecimento sobre a ecologia das fruteiras (abiu, mapati e pupunha ocorrem em terras altas, enquanto que açaí e bacaba ocorrem em terras baixas, secas ou alagadas) contribuem para o desenvolvimento de estratégias de manejo das plantas nos sistemas de produção. “...limpa, tira o cerrado, o mato maior encostado; corta os primeiros galhos... Depois, que passa do mato, aí não mata mais (neste caso, o abieiro)” (M.I.L.M., Comunidade de Vera Cruz, Benjamin Constant, AM.) Sistema de conservação e melhoramento de recursos genéticos in situ por agricultores tradicionais do Alto Solimões Concepção do sistema – Martins (2���) no seu estudo da dinâmica evolutiva da mandioca, em áreas de produção de agricultores tradicionais da Amazônia, estabelece três níveis hierárquicos�� o primeiro, as roças onde os eventos ��8 micro-evolutivos ocorrem; a comunidade constitui o segundo nível, funcionando como unidade cultural, onde o fluxo gênico ocorre através da troca de materiais e o terceiro nível é a unidade macro-geográfica envolvendo fluxo gênico entre distancias maiores.Nos dois últimos níveis, o compartilhamento intercomunitárioNos dois últimos níveis, o compartilhamento intercomunitário de recursos genéticos é uma prática que contribui para a ampliação da variabilidade genética. Um sistema de conservação e melhoramento de espécies hortícolas nativas da Amazônia vem sendo implantado em comunidades de agricultores tradicionais no município de Benjamin Constant, na região do Alto Solimões no extremo oeste da Amazônia brasileira. Trata-se de um projeto piloto de desenvolvimento sustentado cuja concepção global é gerar conhecimentos técnico-científicos que possam contribuir para a melhoria nas formas de organização social das comunidades e, por meio do uso e conservação dos recursos genéticos vegetais, provocar melhorias nos níveis de qualidade de vida de suas populações humanas. O projeto adota como premissa a necessidade da manutenção da organização social das comunidades no processo produtivo, pois com isso, é garantida a conservação dos ecossistemas e dos recursos naturais envolvidos na produção. Sua concepção é baseada nas técnicas e procedimentos adotados pelos agricultores tradicionais que têm garantido a conservação dos ecossistemas naturais e dos recursos genéticos vegetais�� conservação dos espaços comunitários de produção (roças, capoeiras, sítios e florestas) onde a variabilidade genética das espécies é mantida; manutenção da organização social e cultural das comunidades tradicionais no processo produtivo e compartilhamento intercomunitário dos recursos genéticos vegetais. A interação entre pesquisadores e comunitários vem propiciando aos agricultores tradicionais o acesso às informações sobre o contexto atual do acesso à biodiversidade, a legislação vigente e suas implicações acerca das questões relacionadas aos direitos das populações tradicionais sobre os destino de seus conhecimentos, sua preservação e as estratégias para o combate à pirataria biológica. A adoção de um sistema de conservação dos recursos genéticos vegetais in situ que leve em conta a legislação do acesso propiciará às comunidades melhores condições para o controle dos direitos sobre os conhecimentos tradicionais. Por outro lado, o melhoramento tradicional praticado pelos próprios produtores rurais, por se tratar de uma atividade herdada dos antepassados, com a contribuição do conhecimento científico, deverá gerar renda monetária adicional sem causar distúrbios na organização social das famílias e das comunidades. A reafirmação da valorização dos recursos genéticos dentro das comunidades deverá assegurar a permanência do processo de conservação in situ. O reconhecimento, pelo público externo em geral, se dará sob a forma de aquisição dos produtos gerados (variedades geneticamente melhoradas). O reconhecimento pelos órgãos governamentais se dará identificando, nas formas de produção tradicional, um importante papel na conservação dos recursos genéticos. A decodificação do conhecimento tradicional fará com que o usuário da tecnologia gerada (variedade geneticamente melhorada) reconheça, formalmente, os direitos dos melhoristas tradicionais comunitários. Na Tab. � são mostradas as regras estabelecidas para a equipe permanente e ��9 pessoal temporário envolvidos no projeto (pesquisadores, técnicos, estagiários, visitantes) para a atuação dentro das comunidades visando resguardar os interesses econômicos, sociais e culturais dos agricultores tradicionais, no tocante aos seus direitos sobre os conhecimentos tradicionais e produtos derivados (Noda & Noda 2���). Os métodos de melhoramento adotados são os de populações, pois os produtos a serem gerados pelo processo (variedades melhoradas) serão destinados aos sistemas de produção adotados pela agricultora familiar. Com isso as sementes das variedades (populações) melhoradas poderão ser multiplicadas pelos produtores locais e poderá ocorrer o efeito multiplicador pela disseminação da tecnologia. A variabilidade genética das espécies deverá ser mantida, pois se trata de uma condição necessária para viabilizar o processo contínuo de melhoramento. A comercialização de sementes das variedades melhoradas passará a constituir uma opção de entrada de renda para as comunidades, sem alterar a segurança alimentar, já que, pelo fato do melhoramento e a conservação fazer parte do cotidiano dos comunitários, nenhuma modificação relevante ocorrerá nas formas de organização social da produção. Tabela �. Regras e Procedimentos para a implantação do Sistema de Conservação e Melhoramento de Recursos genéticos in situ em comunidades parceiras do Projeto de Desenvolvimento Sustentado do Alto Solimões. PRODESAS – PROJETO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DO ALTO SOLIMÕES ACESSO AOS RECURSOS GENÉTICOS PROTEÇÃO AOS DIREITO DAS POPULAÇÕES TRADICIONAIS SOBRE OS SEUS CONHECIMENTOS PRINCÍPIOS ADOTADOS PELA EQUIPE PERMANENTE E PESSOAL TEMPORÁRIO (PESQUISADORES, TÉCNICOS, ESTAGIÁRIOS, VISITANTES) ENVOLVIDOS NO PROJETO �. Quaisquer atividades de trabalho a serem executadas nas comunidades devem estar relacionadas ao Projeto, ser do conhecimento e ter o consentimento dos comunitários para atuação; 2. A manipulação e a retirada de qualquer material das comunidades devem ser precedidas, por parte do visitante, de explicação clara aos comunitários a respeito dos procedimentos, finalidades e destinos dos materiais coletados; �. Em qualquer hipótese todo material coletado deve ser destinado EXCLUSIVAMENTE à PESQUISA CIENTÍFICA; 4. Todo o material coletado deve ser incorporado às coleções de órgãos de pesquisa e CLARAMENTE IDENTIFICADOS quanto à sua origem; �. É EXPRESSAMENTE PROIBIDO requerer ou ceder direitos de patenteamento, comercializar ou fazer uso para obter benefícios econômicos a partir do material coletado ou qualquer fração, genes ou moléculas, detectadas ou extraídas do mesmo; 6. O projeto tem como princípio estimular o processo de COMPARTILHAMENTO DE RECURSOS GENÉTICOS entre os produtores tradicionais e agricultores familiares. Neste caso, o processo de compartilhamento deverá ocorrer diretamente entre os seus atores, as comunidades rurais organizadas e mediado, em caso de necessidade, pelo PRODESAS; 7. Nenhum membro da equipe permanente do PRODESAS ou seu convidado está autorizado a fazer uso dos recursos genéticos coletados nas comunidades parceiras ou mesmo em outras comunidades que não o previsto nestes princípios. �6� Assim, a melhoria dos sistemas de produção deverá ocorrer em consonância com a organização social, a cultura e os costumes locais. Um aspecto importante que o projeto leva em conta é o processo de compartilhamento de recursos genéticos intercomunitários. Trata-se de uma prática corrente entre os agricultores tradicionais amazônicos que, além de contribuir para a segurança alimentar das comunidades, desempenha um importante papel na conservação, na dispersão e no resgate de espécies vegetais cultivadas. Conservação e melhoramento genético in situ: metodologia de implantação – Uma vez que os pesquisadores envolvidos na implantação do sistema de conservação e melhoramento in situ atuam, basicamente, como consultores o etnoconhecimento é extremamente importante no planejamento e execução das atividades. Estas vêm sendo executadas pelos próprios produtores com a assessoria dos pesquisadores envolvidos no projeto. Desde o inicio do processo de implantação foram realizadas oficinas de trabalho entre os pesquisadores e os agricultores das comunidades parceiras versando sobre a organização social da produção; conservação, melhoramento e compartilhamento dos recursos genéticos vegetais. Discutiram-se assuntos como técnicas de manejo do solo, técnicas de pós- colheita e estocagem, processamento e tecnologia de alimentos e comercialização de recursos naturais renováveis locais e produtos derivados, experimentosin situ (consórcio de espécies, estudos eco-fisiológicos e das interações bióticas e abióticas), tecnologia de sementes (produção, processamento e conservação de sementes), caracterização morfológica, tomada e registro de dados de campos, sistema de gerenciamento do banco de dados dos recursos genéticos comunitários, métodos de melhoramento genético populacionais, segundo critérios científicos, mas levando-se em conta os conhecimentos tradicionais, os significados, conceitos e aplicabilidade da legislação sobre o acesso aos recursos genéticos vegetais e patenteamento de cultivares. O intercâmbio entre etnoconhecimento e conhecimento científico está ocorrendo, também, por meio de realização de oficinas e discussões em etnobotânica. Neste aspecto foram realizadas reuniões versando sobre construção de mapas cognitivos da comunidade e dos recursos vegetais, destacando-se os diferentes ambientes, áreas alagadas e não alagadas; baixas e altas; os componentes do sistema de produção da agricultura familiar no Alto Solimões; desenho e elaboração de textos sobre fruteiras existentes na comunidade como o abiu, açaí, bacaba, mapati, pupunha e sapota, e as hortaliças não-convencionais. Os desenhos foram construídos por grupos focais, destacando-se as características marcantes de cada espécie. Os textos foram elaborados baseados no conhecimento coletivo sobre o ambiente onde ocorrem as espécies, épocas de floração e frutificação, características da planta, usos da planta (alimentício, medicinal, ecológico). Na Tab. 4 apresentamos uma súmula sobre os etnoconhecimentos dos agricultores tradicionais sobre as espécies frutíferas prioritárias que estão sendo trabalhadas atualmente. �6� Tabela 4. Etnoconhecimento de agricultores tradicionais do Alto Solimões relacionados ao manejo espécies frutíferas nativas da Amazônia Espécies Etnoconhecimento P up un ha ( Ba ct ris g as ip ae s) Morfologia: presença ou ausência de espin�o no estipe e folhas; porte da planta; tamanho do cacho. Reprodução: isolamento para evitar cruzamentos; frutos com e sem sementes no mesmo cacho; frutos com sementes - pequenos, vermel�os ou amarelos; frutos sem sementes – grandes e coloraç�o bege claro; papel das abel�as na polinizaç�o. Fisiologia e ecologia: mudas preferem locais sombreados; plantas adultas preferem locais altos; início da produç�o aos 4 – 5 anos; época da col�eita; florescimento dois meses após a produç�o; seca como maior causa de morte de plantas. Pragas e dispersores: papagaio; japó; paca; cotia. Genética: cada planta produz fruto de uma cor; frutos oleosos possuem sementes; Seleç�o: plantas com e sem espinho; porte da planta; tamanho dos cachos; cor da casca dos frutos. A ça í d o A m az on as (E ut er pe p re ca to ria ) Morfologia: não há diferença entre açaís; açaí do Pará forma touceira e o estipe é fino; os frutos do açaí do Pará são verde e preto; os frutos do açaí do mato (E. precatoria) é preto. Reproduç�o: abelhas e besourinho visitam as flores; nasce sozinho na mata e no baixio; nos sítios são plantados. Fisiologia e ecologia: plantas pequenas precisam de pouca luz; quando crescem deve- se abrir o caminho; cresce mais em ambientes úmidos; a competição impede o seu crescimento; melhor época de plantio é chuvoso; época da floração é agosto- dezembro; a produção é janeiro-março; plantas nascem nas capoeiras, sítios, roça e na mata; açaí do Para produz o tempo todo; inicia a produção aos 5 anos; nasce em qualquer tipo de terra; os dois tipos de açaí perfilham; prefere terras fofas; quando ocorrem friagem os frutos secam. �ragas e dispersores: curica, aracari, cutia, paca, papagaio, tucano, mutum comem os frutos. Genética: plantas finas e altas produzem cachos pequenos e frutos pequenos. Usos: serve como alimento e remédio; da raiz faz chá para hemorragia, hepatite, malária e anemia; uso do óleo para o cabelo. Seleção: preferência por plantas grossas e baixas; frutos que produzem vin�o vermel�o é melhor. M ap at i ( Po ur ou m a ce cr op ia ef ol ia ) Morfologia: frutos podem ser pequenos, médios e grandes. Reproduç�o: as flores masculinas (grandes) e femininas (pequenas) são em plantas separadas; as abelhas sem ferrão são as polinizadoras; os comunitários não cortam as plantas masculinas. Fisiologia e ecologia: terra argilosa é mais produtiva do que as arenosas; plantas nascem nos sítios, roças e capoeiras; cresce em qualquer tipo de terra; época da colheita é novembro – dezembro; o mapati é do limpo, assim dá bem; vive em torno de 8 anos. �ragas e dispersores: passarinhos e morcegos sugam os frutos; japó e a cutiara (enterra a semente) comem os frutos. Genética: plantas dão frutos, bonitos e grandes, de coloração escura, forma arredondada. Seleç�o: escolhem plantas que dão bastante frutos, bonitos e grandes, de coloração escura, forma arredondada, pois, possuem mais polpa; só planta as sementes grandes. Sa po ta (Q ua ra rib ea co rd at a) Morfologia: sapota da mata produz frutos pequenos. Reproduç�o: as abelhas visitam as flores. Fisiologia e ecologia: ocorre na roça, sítio e capoeira; desenvolvem melhor em áreas limpas; crescem em áreas abertas com bastante sol, solo úmido e estrumado; floração em outubro; colheita em fevereiro – março; o plantio das sementes deve ser feito logo após o consumo do fruto. �ragas e dispersores: macaco grande come os frutos; as doença são ferrugem e seca das folhas; Genética: há dois tipos: comum e da mata, que produz frutos pequenos. Usos: serve como alimento e medicinal (chá das folhas). A bi u (P ou te ria ca im ito ) Morfologia: o fruto do abiu comum é grande e do mato é pequeno. Reproduç�o: as flores são visitadas por abelhas, cabas, beija flor e besouros. Fisiologia e ecologia: planta cresce nos sítios, roça e capoeira velha; no sítio as plantas nascem sozinhas; na roça é preciso levar a semente e plantar no local; abiu em capoeira fechada dá frutos pequenos e pouca produção; a capoeira nova dá melhor produção; quando a planta está pequena é necessário fazer a limpeza; floração entre agosto - setembro e colheita de outubro a dezembro; a produção inicia aos 5 anos. �ragas e dispersores: tapuru do fruto; lagarta; chupão que ataca as folhas; broca da raiz até o tronco; o tronco seca, as folhas secam e a planta morre; a cutia carrega os frutos pequenos; o cupim ataca o tronco da planta. Genética: há três tipos de abiu: azul, comum e manteiga. No abiu azul o fruto amadurece mas não fica amarelo, fica meio azul claro; o abiu manteiga possui carne macia e amarela com casca grossa e o abiu comum tem carne dura e a casca é grossa; existe abiu grande e pequeno. Usos: chá de folha serve para regular menstruação; folha serve para fazer descer leite do peito; o leite serve para colar papel. Seleç�o: os tipos de abiu: de massa, o comum e o amarelo. �62 A escolha dos métodos de melhoramento de populações partiu do princípio dos mesmos serem extremamente interessantes sob diferentes aspectos�� i. permite alcançar o aprimoramento agronômico da espécie melhorada sem provocar restrições drásticas na variabilidade genética intraespecífica; ii. permite o prosseguimento do processo evolutivo das espécies, sob condições de cultivo; iii. as populações melhoradas são menos vulneráveis à ocorrência de quebras de resistência e epidemias provocadas por raças virulentas de patógenos; iv. as variedades podem ser facilmente multiplicadas pelo próprio agricultor, facilitando a disseminação das cultivares em áreas isoladas; v. o processo de melhoramento pode ser executado pelo produtor; vi. uma variedade obtida por melhoramento populacional é ecologicamente mais adequada, uma vez que não promove a uniformidade genética intraespecífica.Assim, a metodologia empregada na pesquisa torna possível a sustentabilidade do sistema implantado, uma vez que o processo de melhoramento não implica na redução da variabilidade genética das espécies trabalhadas. As espécies prioritárias para fins de melhoramento genético e conservação são as de consumo ou potencial econômico de mercado (Noda e Noda 2��4). As espécies prioritárias, escolhidas em função da importância na segurança alimentar das comunidades, nas suas possibilidades de inserção no mercado de sementes e conservação da variabilidade genética, são�� pupunha, mapati, abiu, açaí do Amazonas, bacaba, sapota, cubiu, ariá e pimentas. Na atualidade, as populações de mapati, abiu e açaí das comunidades de Cidade Nova, Nova Aliança, Guanabara II e Vera Cruz já se encontram inventariadas e as matrizes que deram origem às progênies de meios irmãos para os Ensaios de Procedência estão identificadas (Kerr e Noda 2��2). O primeiro passo foi implementado e está sendo realizado por meio de ensaios de procedência uma vez que a médio prazo o ganho genético pela identificação das melhores populações será muito efetivo. A partir da identificação e seleção das melhores progênies de meios-irmãos será iniciado o processo de seleção recorrente e por meio da recombinação serão obtidas as populações melhoradas. Os ensaios de procedência foram implantados nas próprias comunidades. Para evitar interferências ao sistema de conservação (fluxo gênico entre os indivíduos das Sa po ta (Q ua ra rib ea co rd at a) Morfologia: sapota da mata produz frutos pequenos. Reproduç�o: as abelhas visitam as flores. Fisiologia e ecologia: ocorre na roça, sítio e capoeira; desenvolvem melhor em áreas limpas; crescem em áreas abertas com bastante sol, solo úmido e estrumado; floração em outubro; colheita em fevereiro – março; o plantio das sementes deve ser feito logo após o consumo do fruto. �ragas e dispersores: macaco grande come os frutos; as doença são ferrugem e seca das folhas; Genética: há dois tipos: comum e da mata, que produz frutos pequenos. Usos: serve como alimento e medicinal (chá das folhas). A bi u (P ou ter ia ca im ito ) Morfologia: o fruto do abiu comum é grande e do mato é pequeno. Reproduç�o: as flores são visitadas por abelhas, cabas, beija flor e besouros. Fisiologia e ecologia: planta cresce nos sítios, roça e capoeira velha; no sítio as plantas nascem sozinhas; na roça é preciso levar a semente e plantar no local; abiu em capoeira fechada dá frutos pequenos e pouca produção; a capoeira nova dá melhor produção; quando a planta está pequena é necessário fazer a limpeza; floração entre agosto - setembro e colheita de outubro a dezembro; a produção inicia aos 5 anos. �ragas e dispersores: tapuru do fruto; lagarta; chupão que ataca as folhas; broca da raiz até o tronco; o tronco seca, as folhas secam e a planta morre; a cutia carrega os frutos pequenos; o cupim ataca o tronco da planta. Genética: há três tipos de abiu: azul, comum e manteiga. No abiu azul o fruto amadurece mas não fica amarelo, fica meio azul claro; o abiu manteiga possui carne macia e amarela com casca grossa e o abiu comum tem carne dura e a casca é grossa; existe abiu grande e pequeno. Usos: chá de folha serve para regular menstruação; folha serve para fazer descer leite do peito; o leite serve para colar papel. Seleç�o: os tipos de abiu: de massa, o comum e o amarelo. Espécies Etnoconhecimento P up un ha ( Ba ct ris g as ip ae s) Morfologia: presença ou ausência de espin�o no estipe e folhas; porte da planta; tamanho do cacho. Reprodução: isolamento para evitar cruzamentos; frutos com e sem sementes no mesmo cacho; frutos com sementes - pequenos, vermel�os ou amarelos; frutos sem sementes – grandes e coloraç�o bege claro; papel das abel�as na polinizaç�o. Fisiologia e ecologia: mudas preferem locais sombreados; plantas adultas preferem locais altos; início da produç�o aos 4 – 5 anos; época da col�eita; florescimento dois meses após a produç�o; seca como maior causa de morte de plantas. Pragas e dispersores: papagaio; japó; paca; cotia. Genética: cada planta produz fruto de uma cor; frutos oleosos possuem sementes; Seleç�o: plantas com e sem espinho; porte da planta; tamanho dos cachos; cor da casca dos frutos. A ça í d o A m az on as (E ut er pe p re ca to ria ) Morfologia: não há diferença entre açaís; açaí do Pará forma touceira e o estipe é fino; os frutos do açaí do Pará são verde e preto; os frutos do açaí do mato (E. precatoria) é preto. Reproduç�o: abelhas e besourinho visitam as flores; nasce sozinho na mata e no baixio; nos sítios são plantados. Fisiologia e ecologia: plantas pequenas precisam de pouca luz; quando crescem deve- se abrir o caminho; cresce mais em ambientes úmidos; a competição impede o seu crescimento; melhor época de plantio é chuvoso; época da floração é agosto- dezembro; a produção é janeiro-março; plantas nascem nas capoeiras, sítios, roça e na mata; açaí do Para produz o tempo todo; inicia a produção aos 5 anos; nasce em qualquer tipo de terra; os dois tipos de açaí perfilham; prefere terras fofas; quando ocorrem friagem os frutos secam. �ragas e dispersores: curica, aracari, cutia, paca, papagaio, tucano, mutum comem os frutos. Genética: plantas finas e altas produzem cachos pequenos e frutos pequenos. Usos: serve como alimento e remédio; da raiz faz chá para hemorragia, hepatite, malária e anemia; uso do óleo para o cabelo. Seleção: preferência por plantas grossas e baixas; frutos que produzem vin�o vermel�o é melhor. M ap at i ( Po ur ou m a ce cr op ia ef ol ia ) Morfologia: frutos podem ser pequenos, médios e grandes. Reproduç�o: as flores masculinas (grandes) e femininas (pequenas) são em plantas separadas; as abelhas sem ferrão são as polinizadoras; os comunitários não cortam as plantas masculinas. Fisiologia e ecologia: terra argilosa é mais produtiva do que as arenosas; plantas nascem nos sítios, roças e capoeiras; cresce em qualquer tipo de terra; época da colheita é novembro – dezembro; o mapati é do limpo, assim dá bem; vive em torno de 8 anos. �ragas e dispersores: passarinhos e morcegos sugam os frutos; japó e a cutiara (enterra a semente) comem os frutos. Genética: plantas dão frutos, bonitos e grandes, de coloração escura, forma arredondada. Seleç�o: escolhem plantas que dão bastante frutos, bonitos e grandes, de coloração escura, forma arredondada, pois, possuem mais polpa; só planta as sementes grandes. Tabela 4. Continuação �6� populações conservadas nas comunidades e os dos ensaios) não se realiza ensaios nas comunidades onde forma coletadas materiais para os testes de procedência. Os ensaios de procedência em andamento são�� Mapati (Pourouma cecropiaefolia). O ensaio de procedência do mapati foi implantado em Benjamin Constant, na comunidade de Vera Cruz, local onde a ocorrência da espécie nos componentes roças, sítios e capoeiras é bastante reduzido. Portanto, é um local recomendado para fazer a avaliação agronômica que, ao lado da vantagem de estar na própria região, oferece a possibilidade de permitir o processo de recombinação genética, após a seleção inter e intrapopulacionais. O ensaio foi implantado em área de capoeira com estágios diferentes de desenvolvimento (três estágios), com delineamento em blocos casualizados, com três repetições. Por se tratar de uma espécie alógama e dióica cada bloco foi envolto por linhas de plantas machos, identificadas por população, que atuarão como fontes de pólen, no momento da recombinação gênica. Açaí do Amazonas (Euterpe precatoria). Três populações e vinte e cinco progênies de meios irmãos de açaí coletados nas comunidades de Cidade Nova, Nova Aliança e Vera Cruz fazemparte de um ensaio de procedência implantado na Estação Experimental de Hortaliças Alejo von der Pahlen, em Manaus. Sapota (Quararibea cordata). O ensaio de procedência foi implantado com cinco repetições cada uma delas colocadas em três comunidades parceiras, na área de um pequeno produtor e na área experimental do Campus da Universidade Federal do Amazonas em Benjamin Constant. Nas comunidades as repetições foram colocadas em posições distantes das plantas matrizes. Conclusões A auto suficiência e a sustentabilidade da produção dos agricultores tradicionais da Amazônia é viabilizada pelas formas de produção e manejo dos ecossistemas adotadas por essas populações humanas e pela biodiversidade disponível; É possível estabelecer uma relação de causa e efeito entre a conservação da agrobiodiversidade e a sociodiversidade, entendendo-se a prática do compartilhamento intercomunitário dos recursos genéticos e as formas de produção das populações tradicionais da Amazônia como expressões de suas culturas; A conservação dos recursos genéticos agrobiológicos in situ pelas populações tradicionais da Amazônia é dependente das condições sociais, culturais e ambientais que têm viabilizado esse processo até os dias atuais. Agradecimentos Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq/Programa Trópico Úmido pelo apoio financeiro ao projeto na sua primeira fase e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas - FAPEAM pelo apoio financeiro na atual fase do projeto. Nossos agradecimentos aos colegas pesquisadores do Núcleo de Estudos �64 Rurais e Urbanos Amazônico – NERUA�� Danilo Fernandes da Silva Filho, Francisco Manoares Machado, Ieda Leão do Amaral, Ayrton Luiz Urizzi Martins, Lúcia Helena Pinheiro Martins, Maria Silvesnízia Paiva Mendonça, Marco Antonio de Freitas Mendonça, Jucélia Oliveira Vidal (ex-Bolsista da FAPEAM), Antonia Ivanilce Castro da Silva, Maria Dolores de Souza Braga, Manoel de Freitas Mendonça Neto, aos técnicos da nossa base de pesquisa no Campus Universitário da Universidade Federal do Amazonas, em Benjamin Constant, Andson Abreu Magalhães e Elson Gomes de Souza e aos nossos parceiros, os produtores rurais das comunidades de Novo Paraíso, Vera Cruz, Guanabara II, Nova Aliança, Cidade Nova, São João e Tupi I. Referências Bibliográficas Kerr, W.E. & Noda, H. 2��2. Uso Econômico da Biodiversidade: Melhoramento Genético de Plantas e Conservação in situ por Populações Tradicionais da Amazônia. Relatório Técnico Final. Projeto de Pesquisa CNPq/ProgramaTrópico Úmido-Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Processo nº 46994�/2���-6. Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Manaus Martins, P.S. 2���. Dinâmica evolutiva em roças de caboclos amazônicos Pp. �69- �84. In�� I.C.G. Vieira, J.M.C. Silva, D.C. Oren & M.A. D’Incao. Diversidade Biológica e Cultural da Amazônia. Belém, Museu Paraense Emílio Goeldi. Noda, H. 2��2. Conservação dos recursos genéticos hortícolas amazônicos por agricultores tradicionais do Alto Solimões, Amazonas Pp. ���-�4�. In�� U.P. Albuquerque, A.G.C. Alves, A.C. Lins e Silva & V. A. Silva (eds.). Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia. Recife, Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia. Noda, S. N. 2���. Na terra como na água: organização e conservação de recursos naturais terrestres e aquáticos em uma comunidade da Amazônia brasileira. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Mato Grosso, Cuiabá, Mato Grosso. Noda, H. & Noda, S.N. �994. Produção Agropecuária Pp. �29-���. In�� IBAMA (ed.). Amazônia: Uma proposta interdisciplinar de educação ambiental: temas básicos. Brasília, Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Noda, H. & Noda, S.N. 2���. Agricultura familiar tradicional e conservação da sócio- biodiversidade amazônica. Interações 4(6)�� ��-66. Noda, H. & Noda, S.N. 2��4. Conservação e melhoramento in situ�� contribuindo para a preservação do conhecimento tradicional. Horticultura Brasileira 22(2) Suplemento CD-ROM�� ��-22. Noda, H.; Noda, S.N. & Azevedo, C.R. �99�. Pousio�� um componente técnico do sistema de produção tradicional do ecossistema de várzea no Estado do Amazonas Pp. �66–��9. In�� Anais do II Encontro da Sociedade Brasileira de Sistemas de Produção. Sociedade Brasileira de Sistemas de Produção. Instituto Agronômico do Paraná. Londrina. �6� A agrobiodiversidade e os direitos dos agricultores indígenas e tradicionais Juliana Santilli Sócia-fundadora do Instituto Socioambiental (ISA) e promotora de Justiça, do Ministério Público do Distrito Federal. Laure Emperaire Botânica, Institut de Recherche pour le Développement. Capítulo 12 �66 �6� O que é agrobiodiversidade? A agrobiodiversidade, ou diversidade agrícola, constitui uma parte importante da biodiversidade. O termo agrobiodiversidade designa todos os elementos que interagem na produção agrícola�� os espaços cultivados ou utilizados para criação, as espécies direta ou indiretamente manejadas, como as cultivadas e seus parentes silvestres, as ervas daninhas, as pestes, os polinizadores, etc., e a diversidade genética a elas associadas. Da mesma forma que a noção de biodiversidade encobre vários níveis de variabilidade, dos ecossistemas aos genes, o conceito de agrobiodiversidade se estende aos diversos níveis de organização, ecológica, biológica e genética. Há autores que agregam um quarto nível, o dos sistemas socioeconômicos que geram e constroem a diversidade agrícola. A quarta conferência técnica internacional sobre os recursos fitogenéticos para alimentação e agricultura, realizada em Leipzig de �996, alertou o mundo sobre o fenômeno de erosão genética, seja a imensa perda de diversidade específica e, ainda mais, infra-específica das plantas cultivadas. De fato, o documento de síntese da reunião indica que das ���� plantas cultivadas ou coletadas durante a história da humanidade, somente �� respondem hoje por 9�% do aporte calórico. Dessas, três, o arroz, o milho e o trigo, fornecem ��% das calorias (FAO �996). A redução da diversidade utilizada na alimentação concerne não só as espécies, como as cultivares, ou variedades cultivadas, destas espécies. As cultivares se repartem em dois grupos, o das cultivares modernas obtidas a partir de métodos de seleção validados pela ciência ocidental e o das cultivares tradicionais, resultado dos saberes agrícolas dos agricultores locais. Segundo esta mesma fonte, o fator de erosão mais citado (em 8�% dos casos) nos relatórios nacionais é a substituição de cultivares tradicionais por cultivares modernas. Mesmo que não se possa avaliar exatamente a dimensão da perda, a diversidade agrícola está ameaçada, e ela constitui a base da sobrevivência das populações rurais, principalmente as de baixa renda. A FAO (�996) estima que quase um bilhão e meio de agricultores vivem destes recursos agrícolas. No entanto há de ressaltar que o valor das cultivares selecionadas pelas populações tradicionais ultrapassa a única dimensão produtiva�� se trata do produto de saberes, de um patrimônio transmitido de geração em geração, não idêntico mas constantemente adaptado a novas condições, e com uma forte dimensão cultural e identitária. As recomendações formuladas no documento de síntese da conferência alertam para a importância de uma alta diversidade de plantas cultivadas na manutenção das potencialidades produtivas dos solos, na segurança alimentar das populações e a necessária implementação de programas nacionais de conservação destes recursos, reforçando as recomendações da Convenção sobre a Diversidade Biológica. Reconhecendo o papel dos agricultores tradicionais e indígenas, as políticas públicas têm avançado no sentido de priorizar