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�
Volume 3
NNUPEEAUPEEANNUPEEAUPEEA
SBEE
SOCIEDADE
BRASILEIRA
DE ETNOBIOLOGIA
E ETNOECOLOGIA
Núcleo de Publicações em Ecologia e Etnobotânica Aplicada 
NUPEEA
Comissão Editorial
Ulysses Paulino de Albuquerque (Coordenador), Ângelo Giuseppe Chaves Alves, 
Elba Lúcia Cavalcanti de Amorim, Elba Maria Nogueira Ferraz, Elcida Lima de 
Araújo, Laise de Holanda Cavalcanti Andrade, Maria das Graças Pires Sablayrolles, 
Natália Hanazaki, Nivaldo Peroni e Valdeline Atanázio da Silva.
Revisão
Dos autores
Capa e Miolo
Pablo Reis / Erivan Barbosa
Fotos da Capa
Rumi Regina Kubo
�. Artesanato em palha de bananeira, confeccionado por integrante do grupo samambaia-preta- 
Artesanato, Maquiné, RS.
2. Coleta de samambaia-preta (Rumohra adiantiformis (G. Foret.) Ching), Litoral Norte do RS.
Os textos que compõem esta coletânea são da inteira 
responsabilidade de seus autores.
Universidade Federal Rural de Pernambuco
Laboratório de Etnobotânica Aplicada, Departamento de Biologia
Rua Dom Manoel de Medeiros s/n
Dois Irmãos – Recife –Pernambuco - CEP.�� �2���-���CEP.�� �2���-���
www.ufrpe.br/lea
 Atualidades em Etnobiologia e 
Etnoecologia. Volume 3. Organizadores: 
Rumi Regina Kubo et al. – 1a. ed. - 
Recife: Nupeea/Sociedade Brasileira de 
Etnobiologia e Etnoecologia, 2006. 
 284p. 
 
 1.Ecologia humana. 2. Pesquisa 
qualitativa. 3. Etnobiologia. 4. 
Comunidades locais. I. Kubo, Rumi Regina. 
II. Título 
 
CDD 21. ed. (635.8) 
�
Volume 3
Rumi Regina Kubo
Joana Braun Bassi
Gabriela Coelho de Souza
Nélson Leal Alencar
Patrícia Muniz de Medeiros
Ulysses Paulino de Albuquerque
NNUPEEAUPEEANNUPEEAUPEEA
SBEE
SOCIEDADE
BRASILEIRA
DE ETNOBIOLOGIA
E ETNOECOLOGIA
Gestão 2005-2006
Diretoria:
Presidente: Dr. Ulysses Paulino de Albuquerque (UFRPE) 
Vice-Presidente: Dra. Natália Hanazaki (UFSC)
1º Secretário: MSc. Reinaldo Farias Paiva de Lucena (UFRPE)
2º Secretário: Dra. Gabriela Peixoto Coelho de Souza (ANAMA)
1º Tesoureiro: Dr. Nivaldo Peroni (UNICAMP)
2º Tesoureiro: Dra. Rumi Regina Kubo (UFRGS)
Conselho:
Dra. Edna Machado Guimarães (UFRJ)
Dra. Elaine Elisabetsky (UFRGS)
Dr. Eraldo Medeiros Costa Neto (UEFS)
Dr. José Geraldo W. Marques (UEFS)
Dr. Marcio D’Olne Campos (UNICAMP)
Dra. Maria Christina de Mello Amorozo (UNESP - BOTUCATU)
Plácido Costa Júnior (GERA)
Dr.Virgílio Maurício Viana (ESALQ/USP)
Representantes Regionais:
Região Centro-Oeste: Dra. Maria de Fátima Coelho (UFMT)
Região Nordeste: Dr. Ângelo Giuseppe Chaves Alves (UFRPE)
Região Norte: Dra. Maria das Graças Pires Sablayrolles (UFPA)
 Biólogo Leonardo Pacheco (IBAMA-AM) 
Região Sudeste: Dr. Lin Chau Ming (UNESP-BOTUCATU)
Região Sul: Bióloga Cristina Baldauf (UFSC)
SBEE
SOCIEDADE
BRASILEIRA
DE ETNOBIOLOGIA
E ETNOECOLOGIA
SUMÁRIO
Apresentação..................................................................................................7
O ensino da etnobotânica
Prof. Dr. Lin Chau Ming ................................................................................. 11
Etnobiologia e etnoecologia no Brasil: dos inícios continuados no 
singular feminino plural
José Geraldo W. Marques ............................................................................15
Etnobiologia no sul do Brasil: onde estamos e para onde vamos?
Cristina Baldauf .............................................................................................33
Etnoecologia e manejo de recursos naturais: reflexões sobre a prática
Jorge L. Vivan ................................................................................................45
Etnobotânica, conservação e desenvolvimento local: uma conexão 
necessária em políticas do público
Walter Steenbock ..........................................................................................65
A perspectiva da etnobotânica sobre o extrativismo de produtos 
florestais não madeiráveis e a conservação
Gabriela Coelho de Souza & Rumi Kubo ....................................................85
Manejo sustentável de capim dourado e buriti no Jalapão, TO: 
importância do envolvimento de múltiplos atores
Isabel B. Figueiredo,, Isabel B. Schmidt, Maurício B. Sampaio ................101
Extrativismo no sul e sudeste do Brasil: caminhos para sustentabilidade 
sócioambiental
Maurício Sedrez dos Reis ........................................................................... 115
Neo-extrativismo sustentável
Paulo Kageyama .........................................................................................129
A lógica do mercado e o futuro da produção extrativista
Charles R. Clement .....................................................................................135
Capítulo 1
Capítulo 3
Capítulo 2
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Manejo de recursos genéticos vegetais por populações tradicionais do 
alto rio Solimões
Hiroshi Noda & Sandra do Nascimento Noda ............................................151
A agrobiodiversidade e os direitos dos agricultores indígenas e 
tradicionais
Juliana Santilli e Laure �mperaireLaure �mperaire ..............................................................165
A dimensão temporal da conservação da agrobiodiversidade por 
agricultores de subsistência – algumas considerações preliminares 
sobre um estudo de caso.
Maria Christina de Mello Amorozo ..............................................................177
Histórias de plantas, histórias de vida: uma abordagem integrada da 
diversidade agrícola tradicional na Amazônia
Laure �mperaire ..........................................................................................187
O conhecimento local e a diversidade de diversidades
Natalia Hanazaki, Rogério Mazzeo, Vinícius C. Souza .............................199
Contribuições da antropologia para a pesquisa em etnobiologia
Renate B.Viertler ......................................................................................... 211
MrurJykre: a cultura do Cipó – territorialidades Kaingang na bacia do 
Lago Guaíba, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil
Ana �lisa de Castro Freitas ........................................................................223
Tempo do artesanato: etnogra��a do processo de busca de umatnogra��a do processo de busca de uma 
alternativa econômica para agricultores extrativistas em área de Mata 
Atlântica no RS
Rumi Kubo e Gabriela Coelho de Souza ..................................................245
Sociobiodiversidade na pesca artesanal do litoral da Bahia
Francisco José Bezerra Souto ...................................................................259
O debate contemporâneo sobre o território e o desenvolvimento 
sustentável: um olhar a partir da nova arquitetura do estado
�duardo �rnesto Filippi ...............................................................................275
Capítulo 12
Capítulo 11
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
�
APRESENTAÇÃO
Apresentar uma obra é sempre uma tarefa difícil, sobretudo quando 
congrega textos tão diversos em seus teores, abordagens e formatos. Desta forma, 
de modo a propiciar uma apresentação inicial, cabe remetermos-nos ao contexto 
destes, ou seja, tratam-se dos textos relativos às palestras apresentadas no VI 
Simpósio de Etnobiologia e Etnoecologia, realizado em Porto Alegre, RS. Este 
evento bienal sob responsabilidade da Sociedade Brasileira de Etnobiologia e 
Etnoecologia (SBEE) constitui-se num fórum de debate de temas relacionados 
com a problemática socioambiental, apresentação da produção dos associados 
e pesquisadores que atuam nesta área, e de troca de experiências. Embora tenha 
caráter cientifico, considerando que o alvo dos estudos etnobiólogicossão as 
populações humanas e seu conhecimento sobre o ambiente e recursos naturais, 
recaímos obrigatoriamente na necessidade de abordar questões éticas relacionadas 
ao destino desses estudos. Neste sentido, este Simpósio tradicionalmente mobiliza 
não somente os pesquisadores, mas representantes e lideranças de populações 
tradicionais, profissionais e representantes de setores públicos e da iniciativa 
privada envolvidos com a temática sócio-ambiental.
Nesta edição (os simpósios anteriores realizaram-se em Feira de Santana/ 
BA-�996, São Carlos/SP-�998; Piracicaba/SP-2���; Recife/PE- 2��2 e Chapada 
dos Guimarães/MT-2��4), o Simpósio Brasileiro de Etnobiologia e Etnoecologia, 
sob o tema “Etnobiologia e Compromisso Socioambiental”, partindo da discussão 
e do acúmulo de informações proporcionados pelos simpósios anteriores, busca 
avançar nos debates, abordando as especificidades das pesquisas etnobiológicas 
e etnoecológicas, tanto do ponto de vista conceitual e epistemológico, como 
metodológico, e também aprofundar o debate relativo às conexões entre 
conhecimento cientifico e tradicional e suas conseqüências para o debate sócio-
ambiental e, sobretudo, às relações entre o conhecimento gerado pela etnobiologia 
e sua contribuição para a melhoria das condições de vida das populações locais e 
a sociedade em geral.
Uma das preocupações da SBEE e dos responsáveis pela série “Atualidades 
em Etnobiologia e Etnoecologia” - o qual integra esta publicação - reside na 
avaliação de que, apesar desta área temática apresentar-se ocupando um crescente 
espaço nas instituições de pesquisa e nas diversas instâncias deliberativas 
das políticas públicas, com desdobramento em especialidades, envolvimento 
crescente de pesquisadores e estudantes e um aumento do número de trabalhos, a 
Etnobiologia e Etnoecologia ainda não se encontram solidamente sistematizadas 
dentro do espaço acadêmico. Portanto, esta publicação, constitui-se num esforço 
8
de contribuir para suprir esta lacuna. Sublinhando ainda a importância da questão, 
este é o tema central dos trabalhos de Cristina Baldauf e Lin Chau Ming que buscam 
reflexões tendo como pano de fundo dados sobre a presença da Etnobiologia e 
disciplinas correlatas nas instituições de ensino superior no Brasil.
Visando abordar a própria trajetória da Etnobiologia e Etnoecologia, o texto 
de José Geraldo Marques busca identificar algumas personalidades fundamentais 
no processo de formação e consolidação desta área temática no Brasil. Constitui-
se, assim, numa revisão da trajetória da(s) disciplina(s) e uma homenagem a estas 
personalidades.
Adentrando aos temas abarcados pelas pesquisas etnobiológicas, como 
uma questão fundamental, e que vem sendo debatida ao longo do tempo, temos a 
preocupação com a discussão de metodologias de trabalho e de abordagens. Neste 
contexto procura-se tecer uma profunda reflexão sobre sua especificidade. Sobre 
este tema debruçam-se Renate Viertler e Walter Steenbock.
 Dentre tantos temas que tem merecido destaque nas pesquisas, aqui são 
abordados alguns mais específicos como é o caso do extrativismo, por meio 
de um acalorado debate sobre a sua viabilidade e limites como estratégia para 
conservação e empoderamento das populações que vivem em áreas de grande 
diversidade biológica. Este tema foi desenvolvido pelos pesquisadores Charles 
Clement, Gabriela Coelho de Souza e colaboradora, Mauricio Sedrez Reis e 
Paulo Kageyama.
Ainda dentro dos temas enfocados pela Etnobiologia, estudos que tem a 
biodiversidade, mais especificamente a agrobiodiversidade, como congregadora 
de saberes e fazeres e conservação da biodiversidade como pano de fundo, são 
apresentados com uma riqueza de abordagens e resultados. Estes são os temas 
desenvolvidos por Jorge Vivan, Hiroshi Noda e Sandra Noda, Laure Emperaire e 
Maria Cristina Amorozo,
Ao mesmo tempo, no que concerne a esta conexão da sócio-biodiversidade 
e a preocupação com a conservação, temos abordagens em diferentes escalas, 
que esboçam um pouco da complexidade e da dificuldade de abordar este tema, 
objetos dos artigos de Eduardo Filippi, Francisco José Bezerra de Souto e Natalia 
Hanazaki e colaboradores.
Já preocupado com as conexões das pesquisas etnobiológicas com as 
populações envolvidas com as pesquisas, temos a discussão centrada em alguns 
estudos de caso como são o do artesanato com capim-dourado (Syngonanthus 
nitens) e buriti (Mauritia flexuosa), e outros recursos naturais como cipós e 
macrófitas aquáticas. Nestes processos, além do levantamento do conhecimento 
e manejo tradicional destes recursos, busca-se também dar luz às implicações 
políticas e sociais destes estudos alavancando o empoderamento e autonomia para 
os grupos envolvidos, como são os trabalhos abarcados por Ana Elisa Freitas, 
Isabel Figueiredo e colaboradores e Rumi Kubo e colaboradora. Neste contexto, 
9
também, um tema fundamental refere-se aos mecanismos jurídicos que regem as 
políticas públicas de modo avaliar a viabilidade de todas estas propostas, o que é 
o tema central do artigo de Juliana Santilli e colaboradora.
Desta forma, um pouco da diversidade temática abarcada pela Etnobiologia 
e Etnoecologia são aqui contempladas, mostrando que, como em toda pesquisa, 
a realidade é bem mais complexa, e que, parafraseando Cristina Baldauf, “a 
Etnobiologia ainda tem um longo caminho a trilhar” e para tal dependemos 
desta contribuição e convergência de um escopo tão grande de pesquisadores e 
pensadores (em sua ampla conotação).
Finalmente, cabe ressaltar que esta edição da série “Atualidades em 
Etnobiologia e Etnoecologia” somente foi possível pela conjugação dos esforços 
dos integrantes da comissão organizadora do VI SBEE composto por servidores 
e estudantes da UFRGS, UFSC, UFRPE e UNESP/Botucatu. O processo de 
planejamento e editoração foi coordenado pelo DESMA (Núcleo de Estudos 
em Desenvolvimento Rural Sustentável e Mata Atlântica) e Laboratório de 
Etnobotânica Aplicada da UFRPE.
Os organizadores
��
O ensino da etnobotânica
Lin Chau Ming
 Departamento de Produção Vegetal – Setor Horticultura
Faculdade de Ciências Agronômicas – UNESP – Botucatu – SP
Email�� linming@fca.unesp.br
Capítulo 1
��
As áreas de Etnobiologia e Etnoecologia ainda carecem de corpo docente 
disponível para atender às crescentes necessidades de trabalho em instituições e 
universidades no país, que agora começam a abranger essas áreas de pesquisa. Há 
uma necessidade premente de formação de recursos humanos para satisfazer tal 
demanda. No Brasil, a grande maioria dos docentes e mesmo pesquisadores dessas 
áreas é egressa de programas de Ciências Biológicas, provendo as necessidades 
teóricas de cunho social e cultural por estudos específicos e mesmo autodidatismo. 
Nos Estados Unidos, as Etnociências são tradicionalmente ocupadas por profissionais 
ligados às áreas antropológicas/sociais. (Amorozo et al. 2��2).
Diante de tamanha diversidade, cultural e biológica, a formação de recursos 
humanos qualificados e em condição de responder a essas múltiplas situações é 
essencial para o desenvolvimento do país.
No Brasil, na área das Etnociências, uma se sobressai. A Etnobotânica, sub-
área provavelmente mais antiga e a que mantém em seu âmbito, um conjunto de 
professores e pesquisadores com um repertório de publicações e experiências mais 
consolidados e que, na ativa, continua a atrair novos pesquisadores e estudantes 
interessados nessa área.
Fruto desse processo mais antigo e consistente de realização de trabalhos, 
a Etnobotânica vem obtendo, a cada ano, um espaço maior entre as sociedades 
científicas. A Sociedade Botânica do Brasil mantém em sua estrutura organizacional, 
o Grupo de Trabalho em Etnobotânica, encarregada de organizar e fomentar a área 
dentre os associados. Esse grupo se reúne no mínimo anualmente, e durante os 
CongressosNacionais, discutem temas relacionados com as necessidades da área, em 
reuniões satélites, além de promover, em conjunto com as comissões organizadoras, 
eventos técnicos, como palestras, mesas redondas e mini-cursos. Agregado ao GT, há 
uma rica parceria com o GELA, Grupo Etnobotânico Latino Americano, ampliando 
as ações em outros países irmãos. Diversas atividades conjuntas têm sido realizadas 
entre as entidades, com benefícios comuns.
A Sociedade Botânica do Brasil também estabeleceu um comitê assessor 
dentro de sua revista científica, Acta Botânica Brasílica, na área de Etnobotânica, 
permitindo então que os trabalhos realizados nessa área possam ser publicados e 
divulgados com maior intensidade e abrangência. 
A partir de �996, com a fundação da Sociedade Brasileira de Etnobiologia 
e Etnoecologia (SBEE), a Etnobotânica passa a ter outro canal de comunicação 
com a sociedade. Boa parte dos sócio-fundadores da SBEE é dessa área, o mesmo 
ocorrendo com os trabalhos apresentados em seus seminários nacionais bienais.
No Brasil, a Etnobotânica tem conseguido um espaço crescente nos meios 
acadêmicos. Na área de ensino em nível de graduação e pós graduação, alguns dados 
foram obtidos por Fonseca-Kruel et al. (2���), num levantamento acerca do ensino 
acadêmico de Etnobotânica no Brasil. Há hoje oito Universidades que oferecem 
essa matéria nos currículos de graduação e nove na pós-graduação, nas áreas de 
Agronomia, Biologia, Farmácia e Engenharia Florestal. 
Estas Universidades abrangem todas as regiões geográficas brasileiras. 
Em áreas afins (Etnobiologia, Ecologia e manejo de Ecossistemas, Botânica 
Econômica, Farmacognosia, Etnoecologia, Plantas Medicinais, Ecologia Humana, 
�4
Plantas Hortícolas e Medicinais, Botânica Aplicada e Etnofarmacologia e outras), a 
Etnobotânica está incluída em tópicos destas disciplinas, em 24 cursos de graduação 
e oitos programas de pós graduação, em Universidades de todas as regiões brasileiras, 
nas mesmas áreas de pesquisas citadas anteriormente. 
Há uma concentração dos cursos e disciplinas na região Sudeste e Nordeste 
(�� e ��%, respectivamente), provavelmente devido à maior concentração de 
Universidades e docentes nessas regiões. As regiões Norte e Centro Oeste, com 
biomas considerados de alta diversidade vegetal e cultural, apresentam menor 
número de instituições de ensino que abordam o tema. Tal fato revela a necessidade 
da implementação de cursos e programas para o desenvolvimento desta disciplina 
nestes locais. Na Unesp, há disciplinas de Etnobotânica nos programas de graduação 
e pós-graduação nos campi de Rio Claro e Botucatu, tendo sido elaboradas e 
oferecidas a partir de �996.
A análise dos conteúdos programáticos das disciplinas nas instituições 
de ensino revelou aspectos comuns com relação à abordagem conceitual da 
Etnobotânica, inserindo temas atuais, como a prospecção da biodiversidade, o 
desenvolvimento de novos produtos, a conservação da natureza e o uso sustentável 
dos recursos vegetais. Temas específicos são também focados, devido à diversidade 
cultural própria às diversas regiões brasileiras.
Há, contudo, uma carência de materiais bibliográficos, com a utilização de 
poucas fontes e em geral manuais estrangeiros. Essa realidade começa a ser mudada 
aos poucos, com a publicação de algumas publicações relacionadas às técnicas e 
métodos de pesquisa em Etnobotânica no Brasil, com caráter didático.
Esse retrato mostra um grande crescimento da área nos currículos acadêmicos 
brasileiros e há ainda outras disciplinas em processo de regulamentação, o que 
coloca a área como uma das que apresentam grandes índices de expansão.
Em 2���, fruto também do reconhecimento da Etnobotânica como uma sub-
área científica mais consolidada, o CNPq, ouvida a comunidade científica brasileira, 
apresenta uma proposta de discussão das novas áreas e sub-áreas de pesquisa no 
Brasil. Nesta proposta, a Etnobotânica está colocada como sub-área da Botânica, 
entrando no mesmo nível hierárquico que outras, como a Morfologia, Sistemática, 
Fisiologia, dentre outras. Isso representa um grande avanço para a área, incentivando 
ainda mais a ação dos pesquisadores envolvidos e atraindo novos interessados.
Referências Bibliográficas
Amorozo, M.C.M.; Ming, L.C. & Silva, S.M.P. (Eds.). 2��2. Métodos de coleta 
e análise de dados em Etnobiologia, Etnoecologia e disiciplinas correlatas. 
Pp. �8�-2�4. In�� Anais do I Seminário de Etnobiologia e Etnoecologia do 
Sudeste. Rio Claro. Coordenadoria de Área de Ciências Biológicas – Gabinete 
do Reitor – UNESP/CNPq.
Fonseca-Kruel, V.S.; Silva, I.M. & Pinheiro, C.U.P. 2���. O ensino acadêmico da 
Etnobotânica no Brasil. Rodriguésia 56(8�)�� 9�-���6.
Etnobiologia e etnoecologia no 
Brasil: dos inícios continuados no 
singular feminino plural
José Geraldo W. Marques
Laboratório de Etnobiologia / Depto. de Ciências Biológicas / 
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)
Capítulo 2
��
“E então nos sentamos todos e eu lhes disse que éramos 
todos colegos [grifo acrescentado]. E então o Belascoarán 
me disse que não se diz ‘colegos’, mas ‘colegas’. E então 
eu lhe disse que não, que ‘colegas’ é quando são mulheres 
e ‘colegos’ quando são homens. (...). E então eu lhes 
expliquei que nosso trabalho não se olha se estiver bem-
feito, ou seja, se fazemos bem o nosso trabalho, ninguém 
olha [grifo acrescentado] (...). Mas, se fazemos mal o nosso 
trabalho, é uma desgraça.”
Subcomandante Insurgente Marcos, 2006.
Incitação temática
A questão de gênero é de suma importância na pesquisa etnobiológica. 
Quanto a sujeit@s� de pesquisa, duas autoras suficientemente o demonstraram 
em recente artigo publicado no Journal of Ethnobiology (Pfeiffer & Butz 2���). 
Quanto a sujeit@s que pesquisam, pretendo demonstrar um pouco agora. Do 
ponto de vista prático, a questão é mais relevante ainda se levarmos em conta 
que o diálogo interfeminino poderá ser muito mais produtivo se e quando o 
objeto da pesquisa for “coisa de mulher”.
A etnobiologia segundo Clément começou masculina (Clément �998). 
Nas três fases em que o autor divide a história da “disciplina” em períodos, 
pelo menos no que diz respeito à etnozoologia (Clément �99�), as mulheres 
inexistem - ou então são mudas!
Embora a história da etnobiologia no Brasil ainda não tenha sido 
escrita nem devidamente sistematizada (e este trabalho pretende ser uma 
primeira e preliminar contribuição para isto), uma fase de precursores é 
claramente discernível - pelo menos na etnozoologia. Nela, a masculinidade 
parece predominar�� Rodolpho Garcia (Garcia �929), Hermann Baldus (Baldus 
�94�), Pedro de Lima, Eduardo Galvão (Lima & Galvão �949), Paulo Vanzolini 
(Vanzolini �9�8). Oswaldo Gonçalves de Lima (Gonçalves de Lima �946), por 
sua vez, seria exemplo de precursor em etnobotânica. Mesmo nessa fase prévia, 
porém, acredito que pelo menos o nome de uma mulher possa ser incluído�� 
Gioconda Mussolini. É exemplar esta sua afirmação��
 
 “Tive oportunidade de conversar com inúmeros mestres 
de lanchas: todos eles com um verdadeiro calendário de 
 
�Depois da “Conferência da ONU sobre a Mulher”, em Beijing, China, o símbolo @ ficou convencionado 
para designar o masculino e o feminino ao mesmo tempo, para evitar as questões de gênero (exclusão). 
 
�8
pesca na cabeça, orgulhosos por conhecer como e quando 
procurar o ‘justo’ peixe, no ‘justo’ lugar”.
Mussolini (1980).
Será que nas fases subseqüentes de pioneirismo e do seu seqüenciamento, 
no caso brasileiro, o mutismo também foi norma?
Poderíamos começar com um teste��
Quem conhece Ellen B. Basso? E Maria Heloisa Fénelon Costa? E 
Maria Aracy de Pádua Lopes da Silva? Talvez não muitos dentre nós, os que, 
entretanto semeamos e colhemos na mesma seara que elas... 
Pois é�� a primeira exerceu pioneirismo em etnotaxomia indígenano Brasil; 
a segunda foi pioneira em etnozoologia; a terceira o foi em etnoornitologia...
Pois é!
Ellen B. Basso�� a primeira, entre os antropólogos que trabalharam 
no Alto Xingu, a tratar de questões de taxonomia indígena. A esse respeito, 
reconhecendo o caráter hierárquico da classificação dos seres vivos pelos índios 
Kalapálo, defendeu tese de Ph.D. na Universidade de Chicago (Basso �969) e 
publicou livro em Nova Iorque (Basso �9��) - ao que me consta não traduzido 
para o português. 
Maria Heloisa Fénelon Costa�� artista plástica de formação, encantou-
se pelas bonecas Karajá e foi positivamente impactada por um curso de 
especialização em etnologia que Darcy Ribeiro coordenou no Museu do Índio. 
Em conseqüência, nos inícios da década de �96� já atuava como antropóloga 
do Museu Nacional e dava início a suas viagens de pesquisa pelo Xingu, as 
quais ocorreram em �96�, �96�, �9��, �9��, �9�� e �9�8. Do seu trabalho 
de campo ao longo de �� anos, o qual incluiu coleta de desenhos espontâneos 
sobre a natureza junto a informantes de ambos os sexos e de todas as classes 
etárias, resultou um belo livro sobre os índios Mehináku, por eles ilustrado e 
contendo dados e análises sobre vegetais e animais (Costa �988). A parte que 
se refere a animais é particularmente notável e para escrevê-la a autora recorreu 
à competência de conhecidos zoólogos, a exemplo de Hypolithe Arlé, Ulisses 
Caramaschi e Dante Teixeira e utilizou Helmut Sick e José Cândido de Melo 
Carvalho como importantes referenciais.
Embora a pesquisadora não utilize o prefixo etno para caracterizar os 
seus achados, o seu enfoque é claramente etnozoológico e etnotaxonômico e o 
interesse pela etnociência evidencia-se na referência a Harold Conklin. Ao tratar 
detalhadamente da classificação dos peixes, das aves e dos animais terrestres em 
geral, ela encontra uma categoria êmica de seres intermediários - entre eles o 
guará - e conclui que a taxonomia por ela encontrada também é “hierárquica”, 
porém valorizando devidamente as aspas com que marca o termo. A não 
utilização do prefixo etno deveu-se por certo a uma auto-avaliação que deve ter 
�9
resultado em mais conforto para a competente antropóloga que se julgou por 
certo zoologicamente não preparada. Isto pode deduzir-se das afirmações que 
ela faz em seu belo livro��
“Consegui levantar um vocabulário zoológico de 
relativa extensão(...).”“Pretendo tão-somente proceder 
neste trabalho à consideração de algumas das noções 
zoológicas incluídas numa concepção de Mundo indígena, 
relacionando-as aos desenhos espontâneos que as 
expressam ou as tornam mais perceptíveis, explicando 
aquilo que às vezes o verbal não consegue esclarece de modo 
suficiente”.(...) “Não é meu propósito, assim, estabelecer 
aqui uma etnozoologia [grifo acrescentado] alto-xinguana, 
ou mesmo apenas a elaborada pelos Mehináku, o que 
exigiria o concurso sistemático do zoólogo (...)”.
Maria Aracy de Pádua Lopes da Silva�� Professora do Departamento 
de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, 
chegou a implantar, neste Departamento, uma promissora linha de pesquisa 
em etnozoologia, infelizmente interrompida com a sua prematura morte. Sua 
orientação voltou-se especialmente para a etnoornitologia indígena (etno-
ornitologia por vezes hifenizada, por certo refletindo o viés e a prudência de 
antropóloga lidando com temática das ciências biológicas), no que obteve 
“sucesso reprodutivo” pelo menos através de dois dos seus orientados�� no 
masculino, Eduardo Carrara (Carrara �99�) e no feminino, Isabele V. Giannini 
(Giannini �99�), o primeiro com trabalho de campo entre os Xavante e a 
segunda, entre os Kayapó-Xikrín. 
Ellen B. Basso, Maria Helena Fénelon Costa, Maria Aracy de Pádua 
Lopes da Silva... Quem tem notícia hoje das duas primeiras? Em que mundo, 
em que planeta elas se escondem? Aonde/onde? Da terceira, já se sabe�� depois 
de quase ter ensinado gente a virar pássaro, foi muito cedo virar estrela no lado 
de lá�� quem sabe mais uma híade, quem sabe mais uma d’alva, quem sabe mais 
uma plêiade?...
A partir dessas três referências exemplares, cabe, pois, uma pergunta, sem 
dúvida relevante do ponto de vista de gênero�� por que se ignora tanto o papel das 
pioneiras em etnobiologia e etnoecologia no Brasil? Ou, talvez, mudando um 
pouco�� será que se ignora mesmo esse papel ou trata-se apenas de uma ilusão 
do que escreve? Parece-me que não, pois algum teste preliminar eu fiz (com 
“colegos” e colegas) e o resultado, embora prévio para se dizer que “a hipótese 
foi validada”, pareceu-me suficiente para “a confirmação as minhas suspeitas”.
Assumo, pois, a título de desafio, esta pergunta básica�� por que se fala 
2�
bem mais nos homens do que nas mulheres da etnoecologia e da etnobiologia 
no Brasil? E faço-me outra�� será que é mesmo assim? 
Se fizermos um outro teste e pedirmos a alguém “do ramo” que cite 
os�� nomes de relevância na etnobiologia e na etnoecologia no Brasil que lhe 
venham primeiro à mente, quantas listas seriam encabeçadas por mulheres? E 
em quantas as mulheres seriam a maioria? Ou mesmo em quantas delas mais de 
uma mulher apareceriam? Ou até em quantas delas nenhuma mulher apareceria? 
E se pedíssemos uma lista só de mulheres, será que facilmente emergiriam mais 
de ��?
As meninas exemplares
Pois bem, neste trabalho, mais como um exercício amostral aplicado 
a mim mesmo, listo e/ou faço comentários sobre mulheres que sem dúvida 
alguma foram e/ou são de suma importância para a etnobiologia e a etnoecologia 
brasileiras. Sem elas, a nossa área de pesquisa teria uma qualidade muito inferior. 
Sua contribuição geratriz e nutriz alentou, alenta, aleita e aleitará caminhos e 
caminhantes inter, multi e trans que perpassam o território da complexa relação 
entre organismos & culturas. Chamo-as aqui, carinhosa e respeitosamente, de 
“As Meninas Exemplares”2.
Sem dúvida, a tirania do tempo e a insuficiência do autor tornam 
inevitáveis as injustiças. Que me perdoem as injustiçadas. Fico-lhes a dever 
um próximo trabalho. O que aqui está deve ser visto muito mais como ponto de 
partida na forma de homenagem do que um ponto de chegada na forma de lista 
exaurida, uma contribuição para um histórico da etnobiologia e da etnoecologia 
no Brasil que faça receptoras do que lhes é devido pelo menos parte daquelas 
que o merecem.
Para diminuir as injustiças, tentei definir critérios. Como o meu objetivo 
inicial era detectar pioneirismo, listei os seguintes, na certeza de que em pelo 
menos um deles as homenageadas brilhantemente inserem-se:
a) Critério da intuição�� significando que mesmo na ausência de uma 
explicitação que recorresse ao prefixo etno, houve uma produção relevante que 
se encaixa no espírito da pesquisa etnocientífica;
b) Critério de adesão�� significando que houve uma produção relevante 
intencional e explicitada de aderir ao espírito da pesquisa etnocientífica, 
seja à etnociência na sua forma clássica, seja à etnociência na sua forma 
ressemantizada;
2 No mínimo com a memória agradecida à Condessa de Ségur, cujo livro “As Meninas Exemplares” 
foi-me marcante leitura de infância.
2�
c) Critério da primazia�� significando que em algum campo enquadrável 
na etnobiologia e/ou na etnoecologia, houve produção relevante de primeira 
mão;
d) Critério da adversidade�� significando que por causa da adesão à pesquisa 
de caráter etnocientífico houve enfrentamento de hostilidades ou resistências 
devido à recalcitrância paradigmática (no sentido kuhniano) de pares e/ou nos 
ambientes de trabalho;
e) Critério da reprodutibilidade�� significando que a produção teve e/ou tem 
impacto significativo (representado por referenciamento) no meio acadêmico 
e/ou que a contribuição pessoal (representada por orientações) para a formação 
transgeracional é relevante. 
Todo ou quase todomundo, suponho, conhece Berta G. Ribeiro, o que 
além de ser muito justo é muito bom – e vice-versa! Se levássemos, porém, 
adiante o nosso teste e perguntássemos quem ela teria sido, creio que muitos 
responderiam tratar-se da “mulher de Darcy Ribeiro”... Se isto acontecesse 
– e desconfio firmemente que possa acontecer! – seria uma grande injustiça! 
Indubitavelmente, no que diz respeito à etnobiologia e à etnoecologia, Darcy, 
mesmo sendo o grande Darcy, é que deveria ser conhecido como “o marido 
da Berta”, mesmo em sendo verdade aquilo que na sua modéstia de mulher 
genial e na sua reverência pelo homem que tanto amou, ela tenha chegado até 
a escrever��
“Aprendi antropologia - além da formação universitária 
– com Darcy Ribeiro na viagem de oito meses, feita em 
1948, aos índios Kadiwéu e por ter datilografado os seus 
manuscritos de 1948 a 1974”. 
Ribeiro (1995)
A ela e para com ela, por mais que justiça se lhe faça (a exemplo do 
Prêmio Érico Vanucci Mendes que lhe foi concedido), sempre remanesceremos 
em estado de dívida. Dúvida nenhuma, porém, pode pairar sobre a sua excelência 
de pioneira em vários campos dos estudos etnocientíficos no Brasil, a exemplo 
da etnoictiologia, da etnobotânica, da etnoastronomia, da etnoecologia.
Pelo critério da adesão acima listado, dois dos capítulos do seu livro 
sobre o índio na cultura brasileira (Ribeiro �98�) merecem ser especialmente 
citados pela explicitação esteticamente construída dos seus títulos��
a) A natureza humanizada�� o saber etnobotânico [grifo acrescentado];
b) A natureza domada�� o saber etnozoológico [grifo acrescentado].
Na etnoictiologia, seu trabalho de campo realizou-se tanto na década 
de �98� quanto na década de �99� e sua sistematização tomou forma através 
de um capítulo inserido no livro “Os índios das Águas Pretas” que inclui 
um subcapítulo explicitamente intitulado “Etnoictiologia Desâna” (Ribeiro 
22
�99�). Neste livro, há ainda um capítulo que explicitamente relaciona-se com 
etnobotânica�� “Etnobotânica Desâna�� Plantas Artesanais” e com relação ao 
livro todo ela chega a afirmar que o deve ao seu informante principal Tolomã 
Kenhíri��
“Talvez devesse ser assinado também por ele. Na verdade, 
todas as informações de campo - ou quase todas – são de 
sua autoria. Desde 1978, quando o encontrei na Missão 
Salesiana Pari-Cachoeira e lhe falei do meu projeto, nada 
mais fiz do que escrever em forma passível de leitura, os 
dados que me ia passando.”
Ribeiro (1995)
É ainda no campo da etnoictiologia que ela pouco depois enfatiza ainda 
mais o papel de Kenhíri, pois com ele divide co-autoria em um capítulo de 
livro; (Ribeiro & Kenhíri �996) organizado por Crodowaldo Paván. Trata-se 
na realidade um dos seus últimos trabalhos, produzido à iminência do câncer 
que em breve deixar-nos-ia meio órfãos. E foi um ato bastante corajoso, uma 
vez que o texto foi produzido para apresentação de conhecida e reconhecida 
antropóloga do Museu Nacional da UFRJ em Conferência Internacional que 
procurava uma estratégia latino-americana para a Amazônia (Paván �996).
Na etnoastronomia - e fortemente relacionando-se com etnoecologia 
pela via da etnometeorologia - é notável o seu artigo relacionando “chuvas 
e constelações” de acordo com o ponto de vista dos índios Desâna (Ribeiro 
& Kenhíri �98�). Notável por vários motivos, dois deles merecendo especial 
comentário�� primeiro, a parceria que pela primeira vez ela oferece a Tolamãn 
Kenhíri, concretizando-o simetricamente como co-autor, coisa que ela o faz 
de forma natural, competente, honesta e sincera; segundo, pelo fato de que, 
embora sendo um artigo publicado em revista de divulgação científica (Ciência 
Hoje), ganhou tantas citações no meio acadêmico que passou a ser um texto 
exemplar, agora quase que um clássico referencial obrigatório entre praticantes 
de etnoecologia.
Uma das suas contribuições maiores, porém, foi o trabalho que 
coordenou culminando na publicação do vol. � da Suma Etnológica Brasileira 
(Ribeiro �986), agora a Bíblia dos que se iniciam em etnobiologia no Brasil. É 
interessante registrar que a organização desse volume muitas vezes é atribuída 
a Darcy Ribeiro, tornando-se mesmo impossível pela ficha referenciada pelas 
normas da ABNT constante do livro fazer justiça a Berta.
Uma questão no mínimo interessante parece-me ser a de descobrir quem, 
dentre as “meninas exemplares”, ocuparia o decanato (no sentido de tempo 
de atuação e não de idade, pois sabemo-las todas maiores - além de já terem 
conquistado uma idade que é perene!). Por enquanto, considero duas possíveis 
2�
candidatas�� Maria Elisabeth van den Berg e Maria Thereza Lemos de 
Arruda Camargo. 
Maria Elisabeth van den Berg (Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém 
- PA)�� publicou pelo CNPq em �982, sobretudo com propósitos didáticos, o seu 
manual sobre plantas medicinais da Amazônia (Berg �982), um livro que é ao 
mesmo tempo trabalho de importância taxonômico/sistemática e referencial de 
peso sobre os usos populares que caracterizam amazônidas da região de Belém 
na lida com doenças. Neste trabalho, a autora faz referência às mais de �.��� 
plantas utilizadas com fins terapêuticos que ela teria levantado “pela Amazônia 
afora” e afirma que a maior parte do material descrito no livro é proveniente da 
sua coleção viva ou de coletas realizadas em feiras (principalmente a do Ver-o-
Peso) e no interior da região. Refere-se ainda às entrevistas que teria conduzido 
com feirantes, mateiros, interioranos e outros elementos das mais diversas 
camadas sociais durante mais de doze anos de pesquisas, o que pressupõe seu 
trabalho como etnobotânica tenha sido iniciado ainda na década de �96�. Assim, 
a sua candidatura ao decanato feminino na pesquisa etnobiológica brasileira 
emerge com fortes possibilidades.
Um outro trabalho de sua lavra que também teve caráter pioneiro, 
principalmente por já demonstrar nos idos da sua publicação (primeira metade 
da década de �98�) que uma etnobiologia urbana era perfeitamente factível, 
relacionou-se com a etnobotânica do famoso Mercado Ver-o-Peso de Belém 
do Pará (Berg �984). Ele foi apresentado no Simpósio sobre Etnobotânica no 
Neotrópico e incluído no livro que G. T. Prance publicou sobre o mesmo (Prance 
�984). Nele, a autora afirma ter iniciado o seu trabalho de campo relacionado 
com o Ver-o-Peso em �96� e intensificado-o em �9��, o que mais uma vez 
reforça a sua possibilidade de decanato.
Também relacionada com etnobiologia urbana foi a sua pesquisa 
realizada em São Luís, em uma das mais antigas e tradicionais casas de culto 
(voduns) de origem africana (daomeiana) no Maranhão e no Brasil, a famosa 
Casa das Minas, onde na década de �98� a autora coletou in situ informações 
e espécimes relacionados a �26 espécies botânicas utilizadas como alimentos, 
banhos, liturgia e medicina (Berg �99�a).
Algumas das suas outras pesquisas estiveram relacionadas com plantas 
de origem africana de valor sócio-econômico na Região Amazônica e no Meio-
Norte do Brasil (Berg �99�b), com a flora medicinal do Maranhão (Berg �984) 
e com abluções tradicionais do Pará (Berg �986).
Maria Thereza Lemos de Arruda Camargo�� pesquisadora fundadora 
do Herbário Etnobotânico Duglas Teixeira Monteiro do Departamento de 
Sociologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Detalhes 
sobre o banco de dados deste Herbário encontram-se na primeira parte de um 
livro por ela publicado (Camargo �999), cuja segunda parte trata das plantas 
24
usadas no Catimbó norte-rio-grandense, trabalho que, em �989, lhe garantiu o 
Prêmio Nacional Câmara Cascudo. Na apresentação do livro, O Prof. Carlos 
Chifa, Titular de Etnofarmacobotãnica da Universidad Nacional del Nordeste, 
Argentina, refere-se “aos mais de �� anos de pesquisas” da autora, sendo que 
esta multiplicidade de décadas também por ela é assumida em um dos seusoutros livros (Camargo 2���). Nas suas próprias palavras�� 
“Nos trinta anos de pesquisa [grifo acrescentado], 
trilhando os mais variados caminhos em busca do saber 
popular relativo ao valor das plantas que curam levaram-
me a conhecer de perto as práticas médicas que o povo 
adota, herança de uma medicina ancestral ajustada, com o 
passar do tempo, às diferentes realidades sócio-culturais, 
tanto de sociedades urbanas como rurais e de maior ou 
menor densidade demográfica.” 
As suas publicações sempre voltadas para a etnobotânica, demonstram 
um claro interesse por plantas medicinais e por aspectos ritualísticos de religiões 
de matrizes africanas (e.g., Camargo �9�6; Camargo �988; Camargo �99�). 
Com pesquisa em contexto urbano, inclusive na capital paulista e arredores 
(Tremembé e Embu), sua contribuição quanto a aspectos metodológicos da 
pesquisa também é importante (Camargo �988; Camargo 2���).
Se é pelo critério de primazia, um nome que bem merece referência 
é o de Tekla Hartmann. Em �96�, ela publicou pelo Instituto de Estudos 
Brasileiros da USP o livro “A Nomenclatura Botânica dos Borôro. Materiais 
Para Um Ensaio Etno-Botânico”, cujo escopo é “parte de uma preocupação de 
longa data com o complexo das relações do indígena brasileiro, particularmente 
do Borôro, com a flora e seu habitat” (Hartmann �96�). A sua pesquisa, da 
qual o livro resultou, está para o pioneirismo em etnotaxonomia indígena de 
vegetais no Brasil (etnobotânica, apesar do hífen no título), como a de Maria 
Heloísa Fénelon Costa, acima citada, está para o pioneirismo em etnotaxonomia 
indígena de animais. A deduzir das suas afirmações, pelo menos uma viagem de 
campo foi realizada em �96�.
A ultrapassagem de fronteiras e a conquista de nome e renome 
internacionais estão entre as características mais marcantes de duas das 
professoras e pesquisadoras brasileiras�� Elaine Elisabetsky, ex-UFPA e atual 
UFRGS, e Alpina Begossi, ex-NEPAM e atualmente Museu de História Natural 
da UNICAMP. A primeira, Doutora em Farmacologia pela Universidade de São 
Paulo, é Biomédica e Professora Adjunta do Departamento de Farmacologia 
do Instituto de Ciências Básicas da Saúde da Universidade Federal do Rio 
Grande do Sul, em Porto Alegre. Tem se distinguido sobremaneira na área de 
2�
etnofarmacologia (e.g., Elisabetsky �986a; Elisabetsky �986b; Elisabetsky & 
Nunes �99�; Simões et al. 2���), sendo atualmente uma referência obrigatória 
entre os seus pares. Além disso, exerceu a Presidência da Sociedade Brasileira 
de Etnobiologia e Etnoecologia, contribuindo seguramente para consolidá-la. 
A segunda, Doutora em Ecologia pela Universidade da Califórnia, é Bióloga e 
leciona Ecologia Humana no Instituto de Ciências Biológicas da UNICAMP, 
em Campinas. Tem publicações múltiplas nas quais o prefixo etno agrega-se a 
diversas áreas�� etnozoologia (e.g., Seixas & Begossi 2���), etnobotânica (e.g., 
Begossi �996), etnoictiologia (e.g., Paz & Begossi �996). Em etnoictiologia, 
no Brasil, cabe-lhe a primazia do primeiro artigo científico publicado (Begossi 
& Garavello �99�; Marques �99�). As duas preenchem bem o critério de 
reprodutibilidade, pois além de terem citações persistentes e permanecentes 
por pares, também têm conseguido “sucesso reprodutivo” através de múltiplos 
orientados, alguns já se destacando nacionalmente. Dentre estes – e apenas a 
título ilustrativo para não fazer injustiça aos demais – merece relevante menção 
o nome da atual Professora da Universidade Federal de Santa Catarina - onde 
ativamente atua na pesquisa etnobiológica - Natalia Hanazaki, orientada que 
foi de Alpina Begossi.
Um trabalho de destaque internacional foi também o livro de Clarice 
Novaes da Mota (UFRJ, UFSE), publicado na Inglaterra, sobre os índios 
Xokó e Kariri-Xokó, seus rituais secretos, suas práticas curativas, seu uso de 
enteógenos (Mota �99�). O livro, lançado uma década depois da defesa da sua 
tese de doutorado sobre o mesmo tema (Mota �98�), resultou de pesquisas de 
campo iniciadas nos começos da década de �98�. Doutora em Antropologia 
Social, com pós-doutorado em Etnobotânica, a professora e pesquisadora 
tem concentrado sua produção mais relevante em tópicos relacionados com 
enteógenos, principalmente com a jurema e a ayahuasca em diversos contextos, 
inclusive no urbano (e.g., Mota �99�; Mota �996; Mota 2��2). Com José Flávio 
Pessoa de Barros, praticou, inclusive, observação participante em centros de 
Umbanda e Candomblé do Rio de Janeiro.
Com referência à UFRJ também são os trabalhos de Edna M. Machado-
Guimarães (e.g., Machado-Guimarães �998), que se relacionam inclusive com 
etnobotânica (Restinga de Maricá RJ) e etnoecologia (Carapebus RJ). Com 
respeito à etnobotânica seu interesse esteve relacionado com o conhecimento 
tradicional sobre a flora possuído por um grupo transgeracional de pescadores 
artesanais, sendo que, a partir daí, teve origem o Banco de Dados Etnoflorísticos 
das Restingas Fluminenses. Quanto à etnoecologia, a pesca artesanal na Lagoa 
de Carapebus tem sido especialmente contemplada através de um continuado 
projeto de pesquisa. Continuado também tem sido o assento da professora e 
pesquisadora no Conselho da SBEE. 
A ultrapassagem de fronteiras e a conquista de nome e renome nacionais, 
26
por sua vez, marcou a produção de Laure Emperaire e de Janet Chernella. 
A primeira, atualmente sediada no Institut de Recherche pour le Dévelopement 
em Paris, tem ao longo do tempo mantido um pé na Europa e outro no Brasil 
e no e sobre o Brasil, sua mão tem se estendido desde o Piauí (Emperaire 
�9�8; Emperaire �98�; Emperaire �986; Emperaire �99�) à Amazônia (e.g., 
Emperaire et al. �998). No contexto amazônico, os seus trabalhos têm se 
relacionado principalmente com extrativismo e agrobiodiversidade (mandioca). 
No contexto nordestino, os seus trabalhos sobre a caatinga têm absoluta primazia 
quanto à abordagem etnobotânica desse bioma e a sua orientação de tese de 
doutorado em etnoecologia (Borges 2��4) permite que ela seja incluída, dentre 
as mulheres, entre os pioneiros que exploram e conferem as reais possibilidades 
de se trabalhar com etnoecologia em contextos urbanos.
Janet Chernella esteve ligada ao INPA (Instituto Nacional de Pesquisas 
da Amazônia) e um dos seus trabalhos principais encontra-se incluído no 
Volume I da Suma Etnológica Brasileira (Ribeiro �986). Trata dos cultivares de 
mandioca dos índios Tukâno na área do Uaupés (Chernella �986).
Quanto a cultivares de mandioca, uma outra professora e pesquisadora 
que se notabilizou foi Maria Christina Amorozo do Departamento de Ecologia 
do IB da UNESP em Rio Claro (v. Amorozo �996; Amorozo 2���). Ligações 
culturais a ela relacionadas, colaterais e na verticalidade, são de importância 
para a etnobiologia e a etnoecologia no Brasil. Na vertical, ela é “filha cultural” 
de Renate Brigitte Viertler (portanto neta de Gioconda Mussolini), a qual, 
embora na sua produção individualizada tenha tocado em estudos etno de forma 
mais tangencial (Viertler 2���), influenciou a todos ou pelo menos a muitos dos 
que atuam diretamente nessa área, principalmente através dos seus escritos em 
antropologia ecológica / ecologia cultural (e.g., Viertler �982; Viertler �988). 
Como “filha cultural” da Profa. Renate, ela é irmã de Joana A. Fernandes 
Silva, que, por sua vez, publicou importante livro sobre etnoecologia do Pantanal 
dividindo autoria com Carolina Joana da Silva (Silva & Silva �99�). Esta 
professora e pesquisadora (UFMT, UNIMAT) deu uma importante contribuição 
para que se compreenda emicamente a cultura pantaneira ao publicar trabalho 
sobre “batume” e “diquada” (Silva �984). A irmandade via Profa. Renate 
estende-se também a Cristina Adams que, embora sem utilizar a expressão 
etnoecologia, publicou, ainda na década de �98�, interessante trabalho sobre 
“as florestas virgens manejadas” da Amazônia, que,lato sensu, bem poderia 
enquadrar-se nessa área (Adams �984). A ligação colateral relevantemente 
produtiva da Profa. Amorozo, no entanto, deu-se com Anne Gély, autora de 
ligação com o Departamento de Botânica do Museu Goeldi com quem dividiu 
autoria de publicações sobre plantas medicinais (e.g., Amorozo & Gély �988). 
Sobre este tópico, Gély também publicou artigo com Elisabetsky (Elisabetsky 
& Gély �98�).
2�
Por último, mas seguramente não menos importantes, são três citações, 
uma do Sudeste e duas nordestinas�� Eliana Rodrigues (UNIFESP), Laíse de 
Holanda Cavalcanti de Andrade (UFPE) e Mara Zélia de Almeida (UFBA), 
cujo interesse tem se dirigido com ênfase, prioridade ou exclusividade, para 
plantas medicinais. A primeira, ao trabalhar com comunidades indígenas (Krahô), 
tornou-se emblemática por ter sido @ primeir@ membr@ da nossa comunidade 
de pesquisa que “caiu na malha fina do CGEN”. Seu objeto de pesquisa (plantas 
com potencial efeito no sistema nervoso central) é extremamente delicado e 
da mais alta relevância social e científica e a sua produção tem correspondido 
ao esperado em tal situação (e.g., Rodrigues & Carlini, 2��4). A segunda, 
poderia encabeçar listas de etnobotânic@s competentes sob quaisquer aspectos. 
Conseguiu pioneiramente implantar em níveis de graduação e pós-graduação na 
sua Universidade disciplinas relacionadas com a relação entre pessoas e plantas 
e exemplarmente reproduziu-se através do seu “filho cultural” Ulysses Paulino 
de Albuquerque, com quem tem dividido autoria de publicações, inclusive sobre 
uso de recursos na caatinga (e.g., Albuquerque & Andrade 2��2a; Albuquerque 
& Andrade 2��2b). A terceira, salienta-se por estudos relacionados com religião 
de matriz africana, os quais são autoritativamente relevantes pela sua vivência 
pessoal e familiar em ambientes da própria prática religiosa, o que lhe confere 
um caráter de “etnógrafa da própria cultura”. A esse respeito, o livro que 
publicou sobre plantas medicinais no candomblé de nação Angola (Almeida 
2���) dá-lhe testemunho singular. 
A prova dos nove
Como espero ter demonstrado, não houve e não há mutismo feminino 
na história da etnobiologia no Brasil. Pelo contrário, as mulheres têm falado e 
têm-no feito em alto e bonito som, em forte e acertado tom, caracterizando um 
itinerário singular feminino plural. O semi-mutismo estranho parece ser de 
fato o que a comunidade como um todo parece devotar-lhes, para cujo declínio 
espero estar contribuindo com este trabalho.
Em nada as colegas ficam em dívida com seus “colegos”, nem em 
permanência (como precursoras, pioneiras e seguidoras), nem em abrangência 
(temática e geográfica), nem em produção (qualidade e quantidade). Até mesmo, 
muito provavelmente devido a um contexto histórico de ventos mais favoráveis, 
a velada “permissão” social para a entrada feminina, tão característica em 
outras ciências, foi desnecessária. Elas valorosamente abriram as portas e 
competentemente pediram passagem.
Desde �96� as suas publicações estão aí. Do Norte ao Sul – passando 
pelo Sudeste, do Nordeste ao Centro-Oeste, trabalhando entre camponeses, 
quilombolas, caiçaras, ribeirinhos, caboclos, indígenas, etc., quer seja na Floresta 
28
Atlântica, quer na Amazônia, no Pantanal ou na Caatinga, as suas pesquisas, 
tanto em contextos urbanos quanto em contextos rurais, têm coberto os mais 
diversos tópicos�� religiões de matrizes africanas, etnobotânica, etnozoologia 
(com ênfase em etnoornitologia e etnoictiologia), etnoecologia, etnoastronomia, 
agricultura (c/ agrobiodiversidade), enteógenos, etc.
Dentre as plantadoras dos inícios, muito poucas foram as que já “viraram 
constelação”. Todas as outras continuam aí�� vivas, belas, lépidas e fagueiras. 
Longa vida para elas! Sejam elas as nossas estrelas!
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Etnobiologia no sul do Brasil: 
onde estamos e para onde 
vamos?
Cristina Baldauf
 Representante da regional sul da Sociedade Brasileira de Etnobiologia e 
Etnoecologia (SBEE); �esquisadora do Núcleo de �esquisas em Florestas 
Tropicais (NPFT-UFSC). cris@ccb.ufsc.br
Capítulo 3
��
Contextualização inicial 
“No terreno da educação ainda se encontram ambientes 
fechados, com aquele ar parado das certezas prontas”.
Hugo Assmann
A etnobiologia pode ser compreendida como o estudo do conhecimento 
e das conceituações desenvolvidas por qualquer sociedade a respeito do mundo 
natural e das espécies (Posey �98�). Busca entender os processos de interação 
das populações humanas com os recursos naturais, com especial atenção à 
percepção, conhecimento e usos (Hanazaki 2��2).
De acordo com Clément (1998), a etnobiologia �istoricamente pode 
ser dividida em três períodos: pré-clássico, clássico e pós-clássico. Segundo o 
mesmo autor, durante o período pré-clássico, iniciado aproximadamente no ano 
de 1860, o enfoque dado aos estudos estava centrado na coleta de informações 
sobre o uso de recursos. No período clássico, o qual tem início no ano de 
1954, foi realizado um grande número de trabal�os de cun�o lingüístico e de 
classificaç�o etnobiológica, muitos dos quais tem por foco a perspectiva êmica, 
ocorrendo uma crescente utilizaç�o de metodologias oriundas da antropologia. 
Atualmente vivenciamos o período pós-clássico da etnobiologia, o qual 
teve como marco inicial o ano de 1981 (Clément 1998). Neste período surgiram 
as sociedades acadêmicas e periódicos especializados e o enfoque de um grande 
número de pesquisas convergiu para o estudo do manejo de recursos naturais em 
diferentes grupos étnicos, promovendo uma interaç�o entre a etnobiologia e a 
conservaç�o. Além disso, s�o temas recentes em etnobiologia a necessidade de 
proteç�o e regulamentaç�o ao acesso ao con�ecimento tradicional/local, assim 
como a repartiç�o de benefícios com os detentores do con�ecimento associado 
a um dado recurso.
O envolvimento das populações nas pesquisas, n�o apenas como 
fornecedoras de informações ou material biológico, mas como co-partícipes 
do projeto também é uma tendência do período pós-clássico da etnobiologia 
e reforça um de seus objetivos que é “promover um arcabouço teórico para 
integrar os diferentes sub-setores das ciências naturais e sociais com outros 
sistemas científicos” (Posey 1986). A integraç�o proposta pela etnobiologia se 
dá a partir de processos dialógicos entre diferentes saberes. Esta perspectiva 
dialética, a qual cria um diferencial nos estudos etnobiológicos, n�o se preocupa 
(ou n�o deveria se preocupar) unicamente com descrever ou caracterizar o 
con�ecimento destes atores sociais, mas também em promover uma articulaç�o 
deste con�ecimento com o “con�ecimento científico sistematizado”, a qual 
�6
resulte em transformações críticas e resoluç�o de problemas locais.
Etimologicamente, o nome “academia” vem de heka (=longe, distante) e 
dêmos (= povo) (Brand�o 1991, apud D´Ambrósio 2001) e de fato, a academia 
ao longo de sua �istória ignorou uma multiplicidade de con�ecimentos e 
manifestações destes, ao eleger o saber científico como única possibilidade 
epistemológica. Assim, a etnobiologia, de certa forma, inverte a lógica dos 
objetivos “nobres” do saber pelo saber, do saber como um fim em si mesmo 
e busca a aproximaç�o da academia com as “questões reais” dos seus antigos 
objetos de estudo, agora parceiros de pesquisa. 
Ao longo de sua �istória, a etnobiologia foi se estruturando sob a lógica 
disciplinar (etnobotânica, etnozoologia, etnoecologia, etnomicologia, entre várias 
outras), sendo que, de acordo com Martin (1995), o prefixo ethno unifica todas estas 
especialidades, representando o modo de outras sociedades olharem o mundo. 
No entanto, a despeito de seu desdobramento em inúmeras especialidades, 
assim como do envolvimento crescente de pesquisadores e estudantes e do 
aumento do número de estudos na área, a etnobiologia ainda n�o se encontra 
sistematizada e formalizada dentro do espaço acadêmico. Apesar da existência 
de lin�as de pesquisa com temática etnobiológica em algumas universidades 
no país, n�o existe nen�um curso de pós-graduaç�o específico até o momento. 
Além disso, conforme destaca Fonseca-Kruel et al. (2005), poucas instituições 
já inseriram em suas grades curriculares, seja na graduaç�o ou pós-graduaç�o, 
disciplinas ou cursos específicos relacionados às Etnociências no Brasil. 
Neste contexto, a proposta deste trabal�o é avaliar a situaç�o da 
etnobiologia no universo acadêmico na regi�o sul do Brasil, a fim de estabelecer 
estratégias para sua inserç�o e fortalecimento nas instituições de ensino superior 
do país. Para tanto, foram realizados contatos através de correio eletrônico com 
os participantes do 1º Simpósio de Etnobiologia e Etnoecologia da Regi�o 
Sul (SEESUL - 2003) que desenvolveram trabal�os ou estavam vinculados a 
universidades desta regi�o. Também auxiliaram na coleta de dados os sócios da 
Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia (SBEE) que atuam no sul 
do país. Foram ainda utilizadas as ferramentas de busca dos portais eletrônicos 
das universidades da regi�o sul e da Plataforma Lattes do CNPq com a finalidade 
de identificar os grupos e iniciativas que atuam na temática etnobiológica no 
âmbito acadêmico (grupos de pesquisa, disciplinas oferecidas, populações e 
temas contemplados).
Cabe salientar que é apresentado aqui um pequeno diagnóstico e algumas 
re��exões sobre a etnobiologia no sul do Brasil, os quais tiveram por objetivo 
identificar tendências e n�o gerar listas de pesquisadores e instituições. Para 
este último fim, recomenda-se a consulta do manual organizado pela Sociedade 
Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia (SBEE) intitulado “Quem é quem na 
Etnobiologia e Etnoecologia no Brasil”.
��
A Etnobiologia e as questões curriculares
“O próprio conhecimento e o currículo devem ser vistos 
como produtos de relações sociais. Eles não são coisas, 
como a noção de conteúdo leva a crer.” 
Tomaz Tadeu da Silva
As iniciativas de ensino da etnobiologia na regi�o sul se valem de 
estratégias distintas. Uma estratégia bastante comum é a realizaç�o de cursos de 
extens�o, ciclos de debate ou palestras/cursos sobre etnobiologia em semanas 
acadêmicas, principalmente nas áreas de ciências agrárias, ciências biológicas e 
ciências da saúde. A temática também é abordada em cursos de especializaç�o 
em fitoterapia e plantas medicinais. Na maioria das atividades mencionadas o 
enfoque disciplinar tem sido o da etnobotânica.
Atualmente a abordagem mais utilizada no ensino da etnobiologia tem 
sido a inserç�o através de tópicos ou módulos dentro de disciplinas pré-existentes 
nas grades curriculares de diferentes cursos de graduaç�o. Assim, elementos 
de etnobiologia (sobretudo a etnobotânica e a etnofarmacologia) aparecem 
dentro de disciplinas como “botânica geral”, “botânica econômica”, “plantas 
medicinais”, “agrossilvicultura regional”, “pesquisa de plantas aromáticas e 
medicinais”, “�orticultura aplicada”, “ecologia �umana”, “farmacologia para 
biologia”, sendo que grande parte destas tem como foco aspectos relacionados 
ao uso de plantas medicinais.
Em poucos cursos de graduaç�o e pós-graduaç�o da regi�o sul já s�o 
oferecidas disciplinas (de caráter optativo) com enfoque etnobiológico tais 
como: “ecologia �umana e etnobiologia”, “introduç�o à etnobotânica” e 
“etnofarmacologia”. Sem dúvida, tais iniciativas devem ser ampliadas, de forma 
a atingir mais cursos e instituições. Para tanto, é inevitável que o “currículo 
vigente” seja questionado.
As discussões sobre currículo só gan�am o devido espaço quando 
surge alguma proposta de introduç�o de uma nova disciplina, de exclus�o de 
disciplinasou retorno de disciplinas abandonadas. E, no entanto, grande parte 
das questões referentes ao ensino perpassa o currículo, uma vez que este pode 
ser considerado o núcleo do processo institucionalizado de educaç�o. Ou ainda 
como propõe D´Ambrósio (2001), o currículo deve ser entendido como uma 
estratégia de aç�o educativa.
No entanto, como sempre lembrava Paulo Freire, como educadores 
estamos envolvidos em uma luta sobre significados, em um pano de fundo onde 
somente alguns significados s�o considerados legítimos, só algumas formas 
de compreender o mundo terminam tornando-se “con�ecimento oficial”. Esse 
�8
processo n�o evolui de forma natural. Este “pano de fundo” está estruturado de 
tal forma que os significados dominantes têm mais possibilidade de circular, 
afinal o con�ecimento nunca é neutro. Con�ecimento é poder e a circulaç�o de 
con�ecimento é parte da distribuiç�o social do poder. 
Desta forma, a dificuldade para a etnobiologia se expandir e consolidar 
no universo acadêmico n�o reside exclusivamente no fato de que estamos 
falando de uma ciência nova. N�o �á dúvida que tal fato é verdadeiro e por 
ser uma ciência relativamente nova, a etnobiologia, assim como todos seus 
desdobramentos disciplinares, ainda n�o tiveram tempo suficiente para se 
organizar e formalizar dentro da academia como as demais ciências. Contudo, 
ressalta-se aqui, que parte deste “atraso” se deve a uma resistência da “ciência 
oficial” ao recon�ecimento de um novo campo de con�ecimento representado 
pela etnobiologia, uma vez que esta tem por finalidade, conforme Costa Neto 
(2002), o estudo das formas alternativas e marginais de con�ecimentos e 
práticas correspondentes, quebrando o monopólio epistemológico imposto pela 
ciência moderna. Além disso, é sempre bom lembrar que através das “áreas” 
que se organizam cursos, departamentos e, principalmente, financiamento de 
pesquisas. 
No entanto, existe uma demanda criada, a qual n�o pode mais ser 
negada. É evidente o aumento do número de trabal�os, bem como de 
estudantes e pesquisadores atuando nas diversas subdivisões da etnobiologia. 
Concomitantemente, acompan�a-se o fortalecimento de grupos de pesquisa, o 
refinamento metodológico (em parte catalisado por críticas da “ciência oficial”), 
bem como a estruturaç�o de novas lin�as e grupos de pesquisa. 
Já na área da educaç�o, verifica-se o aumento gradual do número de 
disciplinas da área nas grades curriculares, tanto na graduaç�o como na pós-
graduaç�o. Todavia, aqui surge uma certa contradiç�o, fundamentada no 
caráter essencialmente interdisciplinar da etnobiologia. Seria a introduç�o 
de “etnodisciplinas” no currículo dos cursos de graduaç�o e pós-graduaç�o a 
estratégia mais adequada para fortalecimento do ensino de etnobiologia?
“Etnodisciplinas”: Uma das soluções possíveis
“Sabemos que, originalmente, a palavra “disciplina” 
designava um chicote utilizado no autoflagelamento e 
permitia, portanto, a autocrítica; em seu sentido degradado, 
a disciplina torna-se um meio de flagelar aquele que se 
aventura no domínio das idéias que o especialista considera 
sua propriedade”.
Edgar Morin
�9
Segundo Oliveira (2004), as c�amadas disciplinas ou “áreas” s�o 
desenvolvimentos �istóricos de processos consecutivos e seqüenciais de 
especializaç�o do saber a partir da tradiç�o filosófica grega, a partir do final da 
Idade Média, sendo importantes sociologicamente porque servem de critério de 
organizaç�o para a atual forma de produç�o do con�ecimento nas sociedades 
ocidentais. O pensar disciplinar progrediu até atingir uma incrível capacidade 
de penetrar profundamente em seus estreitos campos de re��ex�o, mas por outro 
lado, perdeu a capacidade de uma vis�o ampla e global. 
No caso da pesquisa em etnociências, sua compartimentalizaç�o pode 
levar a uma focalizaç�o prévia do saber do outro, recortando-se, de início, 
muito do que se quer, deliberadamente encontrar (D´Olne Campos 2002). Na 
educaç�o, a ênfase no domínio das disciplinas também tem sido perniciosa, 
uma vez que se procura justificar os conteúdos de um programa com base na 
lógica de cada disciplina (D´Ambrósio 2001). Ainda assim, as universidades 
s�o organizadas a partir das disciplinas e os currículos s�o nada mais do que 
uma multidisciplinaridade. N�o se pode esquecer que criar novas áreas de 
pesquisa, de natureza interdisciplinar, esbarra em um tipo de corporativismo 
departamental (D´Ambrósio 1997). 
Entretanto, embora sejam uma realidade, as “áreas” s�o um a posteriori 
�istórico e n�o um a priori sem o qual n�o podemos pensar (Oliveira 2004). 
Desta forma, a academia deve urgentemente recon�ecer os novos paradigmas 
do con�ecimento, partindo para uma nova dinâmica curricular, incorporando 
modelos interdisciplinares e transdisciplinares. Esta afirmaç�o é ainda mais 
relevante no caso da etnobiologia, ciência que deve enfatizar as categorias e 
conceitos cognitivos utilizados pelos povos em estudo (Posey 1987), os quais 
certamente n�o se organizam de forma disciplinar. Além disso, os trabal�os 
etnobiológicos costumam reunir e integrar métodos, técnicas e conceitos de 
variadas disciplinas. 
Com isto, n�o está sendo afirmado aqui que a abordagem disciplinar 
n�o ten�a sido importante na evoluç�o dos estudos etnobiológicos. Mais 
do que isto, ela ainda ser� importante por algum tempo, pois possibilita a 
organizaç�o e o aprofundamento de diversas questões e permite o avanço dos 
aspectos metodológicos. O que se quer pontuar é que estratégias pedagógicas 
alternativas ao enfoque compartimentalizado nas etnociências podem (e devem) 
ser estimuladas.
Ainda que a implementaç�o de estratégias curriculares inter/
transdisciplinares na etnobiologia seja uma meta em todo o país, algumas 
iniciativas da regi�o sul podem ser destacadas, entre elas a recente criaç�o de 
uma “disciplina n�o-disciplinar” c�amada etnoconservaç�o (oferecida em um 
curso de pós-graduaç�o de Botânica), bem como a realizaç�o de disciplinas 
compartil�adas entre diferentes cursos de pós-graduaç�o da mesma instituiç�o. 
4�
Estas corajosas e criativas iniciativas, as quais transcendem as limitações 
impostas pelos métodos e objetos de estudos das disciplinas, s�o raras, devendo 
ser ampliadas e valorizadas. 
Temáticas abordadas e linhas de pesquisa
“Instrumento que também contém sobras e pedaços 
por meio dos quais se realizam arranjos estruturais. 
Os fragmentos são obtidos num processo de quebra e 
destruição, em si mesmo contingente, mas sob a condição 
de que seus produtos ofereçam entre si certas homologias: 
de tamanho, de vivacidade, de cor, de transparência. 
Eles não têm mais um ser próprio em relação aos objetos 
manufaturados que falavam uma “linguagem” da qual 
se tornaram os restos indefiníveis; mais sobre um outro 
aspecto, devem tê-lo suficientemente para participar de 
maneira útil da formação de um ser de tipo novo”.
Lévi-Strauss, sobre o caleidoscópio.
Dentro da etnobiologia na regi�o sul, existe uma diversidade de 
temáticas abordadas. Entretanto, é possível afirmar que grande parte dos 
temas envolve questões relacionadas à conservaç�o da biodiversidade e ao 
manejo dos recursos naturais. Desta forma, muitas das pesquisas enfocam o 
manejo de produtos ��orestais (madeireiros e n�o-madeireiros) por populações 
tradicionais/locais. S�o realizados trabal�os em diferentes formações ��orestais 
e também em agroecossistemas, sendo que alguns destes trabal�os buscam a 
geraç�o de alternativas de renda para as comunidades estudadas. Ferramentas 
da etnobiologia, especialmente da etnoecologia e da etnobotânica, s�o ainda 
utilizadas na gest�o ambiental participativa de recursos e na elaboraç�o de 
estratégias de manejo de populações naturais.
Em relaç�o aos ambientes aquáticos, existem pesquisas que visam analisar 
a percepç�o, a classificaç�o, a nomenclatura, o con�ecimento ecológico locale o uso dos organismos aquáticos pelas populações �umanas. Destes últimos, 
destacam-se os estudos relacionados à pesca artesanal, bem como os que 
visam determinar a importância das populações de cetáceos para as populações 
locais.
Dentro da etnoecologia também s�o encontrados trabal�os cujo objetivo é 
a realizaç�o de diagnósticos de recursos utilizados por populações do entorno ou 
do interior de áreas de conservaç�o. Tais diagnósticos visam identificar possíveis 
4�
con��itos de uso, com o intuito de traçar recomendações que minimizem estes 
con��itos. Também s�o realizados estudos de análise da percepç�o ambiental 
dos moradores de �reas protegidas, sendo esta abordagem uma das interfaces 
possíveis entre a etnobiologia e a educaç�o ambiental.
S�o ainda desenvolvidas pesquisas na área de territorialidade de 
populações tradicionais, especialmente no Estado do Paraná, na área de 
ocorrência de ��orestas �istoricamente manejadas con�ecidas como “faxinais”. 
É importante mencionar que tais pesquisas conduziram ao reconhecimento 
recente dos “faxinalenses” como povos tradicionais pela Comiss�o Nacional de 
Povos e Populações Tradicionais do Ministério do Meio Ambiente. 
Dentro das áreas de medicina veterinária e nutriç�o também existe uma 
série de trabal�os etnobiológicos, nos quais é buscado o resgate dos saberes e 
con�ecimentos relativos às relações �omem-natureza, visando sua adaptaç�o à 
epidemiologia e profilaxia em alimentos, em saúde e em produç�o animal. 
Uma outra área que apresenta expressividade no sul do Brasil é a 
etnofarmacologia, onde s�o realizados levantamentos etnobotânicos do uso 
de plantas medicinais em populações �umanas (tradicionais ou n�o). Estes 
estudos têm envolvido questões extremamente atuais como a necessidade 
de regulamentaç�o do acesso ao con�ecimento tradicional/local e formas de 
repartiç�o de benefícios.
Perspectivas no ensino de etnobiologia
“A verdadeira dificuldade não está em aceitar idéias novas, 
mas escapar das idéias antigas”.
Keynes
A etnobiologia ainda tem um longo caminho a trilhar a fim de se inserir e 
consolidar no espaço acadêmico e este cenário não é exclusivo do sul do Brasil. 
Neste contexto, destaca-se a atuação da Sociedade Brasileira de Etnobiologia e 
Etnoecologia (SBEE) na articulação e fortalecimento das etnociências, através 
da promoção de eventos científicos (regionais e nacionais) de forma periódica. 
Estes eventos possibilitam uma permanente e contínua discussão das questões 
envolvidas na pesquisa e no ensino nesta área. 
Na área da educação existem perspectivas extremamente favoráveis, 
uma vez que a legislação em vigor dá total autonomia às instituições de ensino 
para que criem seus projetos pedagógicos a partir das suas demandas e 
experiências. Assim, nos encontramos em um momento propício à criação 
e ocupação de novos espaços e de reconstrução de práticas. Naturalmente, 
42
encontraremos resistências, pois “paradoxalmente e como foi em outros 
tempos, a universidade tem sido o baluarte de resistência ao novo pensar. 
Mas se o novo pensar não encontrasse essa resistência, não seria mais que 
uma ilusão de ser novo” (D´Ambrósio �99�).
A criação de novas disciplinas em diversos cursos de graduação é 
imprescindível neste cenário. É impossível acreditar que sejam contemplados 
os assuntos mais elementares da etnobotânica, quando esta constitui um dos 
28 tópicos trabalhados na disciplina de “horticultura aplicada” em um curso 
de agronomia da região sul do país. Todavia, a demanda por novas disciplinas 
não é exclusiva dos cursos de graduação, devendo ser considerado este 
aspecto também em relação à pós-graduação, sendo reforçada mais uma vez a 
necessidade de abordagens inter/transdisciplinares. 
Nos cursos de pós-graduação, além do oferecimento de novas disciplinas, 
seria interessante a criação de novas linhas de pesquisa em etnobiologia, 
ao invés de encaixar os trabalhos etnobiológicos em linhas já existentes 
e consagradas como “ecologia”, “taxonomia” ou “botânica aplicada”. 
Posteriormente, estas novas linhas de pesquisa poderiam convergir para uma 
nova área de concentração. Uma outra iniciativa muito válida para o futuro 
seria a implementação de um programa interinstitucional de pós-graduação 
em etnobiologia. As possibilidades mencionadas são agora reforçadas pelo 
reconhecimento das especialidades de “etnobiologia” e “etnoecologia” na 
proposta da nova tabela de áreas de conhecimento do CNPq, a qual também 
insere a etnobotânica e a etnofarmacologia dentro das áreas de botânica e 
farmacologia, respectivamente, evidenciando o aumento do volume de 
trabalhos e da importância da etnobiologia como um todo.
Para concluir, destaca-se que um dos desafios atuais da área 
etnobiológica é o de “crescer sem se descaracterizar”, pois cada vez cobra-se 
mais das instituições universitárias um desempenho empresarial. Ao modo 
da empresa, fala-se em produto, em produtividade, evidenciando um claro 
enfoque economicista (Santos �99�). Assim, como lembra Chauí (�999), 
essas medidas de produtividade são orientadas pelos critérios�� “quanto uma 
universidade produz, em quanto tempo e qual o custo do que se produz”, ao 
passo que a etnobiologia se preocupa com o que, como, para que ou para 
quem se produz. Clement & Alexiades (2���) discutem tais diferenças dentro 
da etnobotânica (mas as considerações se ampliam para a etnobiologia) 
afirmando que “o cientista ganha reconhecimento por meio de suas publicações 
e o etnobotânico é um cientista comum neste respeito (...). No entanto, o 
etnobotânico tem responsabilidades maiores, pois ele precisa respeitar os 
direitos de seus parceiros indígenas e tradicionais, sem os quais não pode 
fazer pesquisa”. Desta forma, destaca-se a necessidade dos trabalhos neste 
campo se organizarem dentro de sérios princípios éticos. Estes princípios se 
4�
encontram no Código de Ética da Sociedade Internacional de Etnobiologia e 
na Carta de Belém.
Agradecimentos
Aos pesquisadores da região sul que contribuíram com informações para 
a realização deste trabalho. Ao Maurício Sedrez dos Reis pelas discussões sobre 
o tema e sugestões.
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Petrópolis, Vozes, 2. ed. 
Etnoecologia e manejo de 
recursos naturais: reflexões sobre 
a prática
Jorge L. Vivan
 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Recursos Genéticos 
Vegetais, Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal de Santa Catarina, 
Florianópolis, SC, Brasil. E-mail�� jlvivan@terra.com.br
Capítulo 4
4�
Saber ecológico: o que procuramos?
A etnoecologia é cada vez mais uma ciência aplicada à pesquisa participante 
voltada para a sustentabilidade de sistemas de manejo de recursos naturais. Ela 
é segundo Toledo (�992, pp. �), um corpo teórico em construção e que implica, 
além de novas ferramentas conceituais e teóricas, numa nova consciência social 
e política entre pesquisadores. O objetivo e busca desta aplicação, é responder 
como se irá “conduzir diagnósticos sem cair nas visões limitadas da tecnocracia, 
do economicismo ou do conservacionismo ingênuo”. Assim, a definição de Bellon 
(�99�) é adequada, considerando a etnoecologia como ciência “orientada para o 
entendimento entre conhecimento, cognição e comportamento, no âmbito de que 
estes são pertinentes à interação entre seres humanos e o ambiente”. 
A práxis etnoecológica deve ser capaz, portanto, de incluir em seu 
foco, além do meio biótico, no sentido ecológico, também o social e cultural 
e suas interações com este primeiro. Geertz (2���) coloca as relações entre o 
saber ecológico e o “saber local” em sua dimensão de conjunto de costumes e 
regulamentações do direito consuetudinário. Ter clara esta dimensão na prática 
etnoecológica implicaria em gerar uma “etnografia fina”I (George Marcus �998) 
ou uma “descrição densa” (Clifford Geertz �9��). O ponto fundamental é que é 
neste conjunto, do ser humano e suas organzações sociais em uma perspectiva 
histórica, e dessa para com os ecossistemas é que o saber ecológico observado, 
relatado e materializado na prática de manejo dos recursos naturais fará sentido. 
O saber ecológico é assim fruto de um processo adaptativo e interativo 
com os ecossistemas e populações humanas, e de diferentes percepções sobre a 
natureza. São estas observações e a interpretação que é dada a elas que geraram os 
conhecimentos transmitidos sobre espécies, comunidades, processos ecológicos, 
ciclos e fenômenos. Este saber alimenta a tecnologia que viabiliza a reprodução 
física, e tem papel fundamental na cultura como um todo. Os componentes e 
significados são assim tanto tangíveis como intangíveis, e ambas as dimensões 
podem se fundir como partes de um todo lógico para a tomada de decisão. Assim, 
uma prática indígena tradicional de queimada incluirá elementos tangíveis 
(umidade do ar e da vegetação, ventos) que orientarão a execução do processo 
e ritualísticos (José Lima Yube Kaxinawá, comunicação pessoal 2���). Estes 
últimos, embora sejam percebidos pelo etnógrafo, dificilmente serão entendidos 
em seu significado, em termos da relação holística entre “queima” e “ritual”. 
Embora a base cultural dos povos das famílias linguísticas do Acre incorpore uma 
visão monista homem-natureza, em outras o discurso espiritual do xamã tem força 
de ato concreto, e atua intermediando a interação ritual entre a dimensão ocupada 
pelas plantas e animais e a dimensão humana (Echeverri 2���).
Estes são dilemas básicos para quem busca identificar universalidades 
e interfaces entre o saber ecológico e o conhecimento conforme o entende a 
48
ciência ocidental. Porém, não só é possível identificar e comparar os sistemas 
de conhecimento originados no saber local com a ciência formal (Sinclair & 
Walker �999), como em muitos casos estas comparações revelam similaridades e 
convergências de critérios. B. Berlin (�996) resumiu estas afinidades observando 
que “as pessoas, quando agem como etnobiólogos, ´discernem´ mais do que 
´constroem´ a ordem a partir de suas observações de uma realidade biológica. 
Isto torna o saber ecológico local diferente de outras construções culturais, como 
rituais religiosos, padrões de beleza, onde não se esperam regularidades”. Neste 
sentido, a importância do estudo, valorização e revitalização do saber ecológico 
das populações tradicionais e indígenas tem outra dimensão da do saber local 
como um todo. De modo geral, ele é adaptativo e evolutivo, e responde de forma 
mais rápida do que o cerne da cultura, que tem elementos de inércia inerentes 
(Begossi �998). Neste sentido e com estas limitações e/ou fatores positivos em 
vista, o saber ecológico pode dar base a ações e estratégias��
•	 No ambiente em que foi gerado, visando à melhoria da qualidade de 
vida das populações detentoras do conhecimento, e/ou;
•	 Intercambiado para outras populações em contextos sócio-ecológicos 
similares. No caso, o aporte de informações, princípios ou métodos poderão 
ajudar a enfrentar situações onde existe falta de saber acumulado ou falta de 
recursos e tempo para obtê-lo por outras formas.
Como é frequente que dinâmicas de interação entre a sociedade dominante 
e as populações tradicionais ou indígenas esteja se traduzindo em erosão cultural 
e genética, com reflexos no saber ecológico, pode ser necessário não apenas 
uma abordagem descritiva, mas também analítica, no sentido de identificar��
•	 Quais os vetores estão definindo mudanças ecológicas e sociais e em 
que velocidade;
•	 Quais alternativas estas mudanças impõe em relação ao que é praticado 
atualmente em termos de manejo de recursos, de modo a responder melhor aos 
desafios atuais e futuros.
Do ponto de vista teórico, ao adotar esta abordagem, estamos reduzindo 
o papel de “acasos evolucionais” como forma de produção de conhecimento 
e inovação tecnológica. Esta transposição da teoria da evolução das espécies 
ao universo político-social tem, entretanto, defensores de peso, como Jared 
DiamondII (�99�) e E. O. Wilson (�9��). A ela se contrapõe uma visão dialética 
e ontogênica da evolução tecnológica. Para esta perspectiva, a ciência e as 
inovações fazem parte de uma busca ideológica (e culturalmente orientada) 
amparada por tempo e recursos Lewontin (�99�). Um síntese desta visão é dada 
por Rattner (�999) que diz que “reduzir os dilemas do desenvolvimento (das 
sociedades humanas) e a resolução de problemas ambientais a uma escolha 
´racional‘ das melhores técnicas disponíveis parece ingênuo no melhor caso ou 
uma mistificação no pior, para o benefício de se manter o status quo em oposição 
49
a um processo de desenvolvimento que rejeite o fetichismo por métodos e 
tecnologias”. Para o foco deste texto, isto significa que as soluções tecnológicas 
geradas em sociedades orientadas pela organização da diversidade (social e 
ecológica) serão quase sempre caricaturas de si mesmas se transferidas de forma 
isolada e desconectada para contextos culturais e econômicos orientados para a 
uniformidade social e ecológica, como é o caso da sociedade de consumo. 
Esta dissociação dos frutos práticos do saber ecológico do contexto 
político-econômico e organizativo de onde eles surgiram tem sido um ponto 
falho para sua colaboração real em técnicas e sistemas de manejo conservadores 
da biodiversidade. Uma resposta sócio-ecológica adaptativa desenvolvida por 
sociedades insulares tradicionais, como os Forest Gardens (Wiersun 2��4) da 
Indonésia tem, por exemplo, sérios limites de transposição direta para outros 
contextos sócio-ecológicos de fronteiras agrícolas em florestas do neotrópico.Grosso modo, o impedimento nestes casos é a orientação da ocupação humana, 
que está voltada nestas fronteiras para a conversão mais rápida possível do capital 
ecológico em monetário. O amplo espaço com florestas de difícil controle pelo 
Estado ou por seus proprietários, e contendo produtos de interesse é um campo 
fértil para expansão desta forma de ocupação. Este é o caso, por exemplo, do 
“Arco do Desmatamento”, no Sul da Amazônia. Como fato alentador, outras 
formas de uso mais sustentáveis podem surgir entre alguns grupos sociais das 
classes menos favorecidas, como pequenos agricultores e assentados, quando 
se esgotam vetores ou as formas mais oportunísticas de conversão no curto 
prazo dos recursos naturais existentes (Henkemans et al. 2���). Novamente, 
não existe uma relação causal linear entre fatores econômicos ou culturais e 
o desmatamento, mas sim processos multicausais que demandam abordagens 
interdisciplinares para seu entendimento.
Concluindo, o saber ecológico não é um valor per se, reificado por 
etnobiólogos como conservador da biodiversidade. É da compreensão desta 
natureza complexa e multidimensional do saber ecológico que resultará uma 
prática etnoecologia aplicada como instrumento de transformações sociais e 
ecológicas que realmente possam “satisfazer as demandas das gerações atuais 
sem comprometer as gerações futuras”. O objetivo último desta aplicação deverá 
ser, neste sentido, se manterem abertas e vivas tanto as opções culturais como 
genéticas às gerações futuras, de modo que se possam enfrentar os desafios 
evolutivos (sociais e ecológicos) que virão.
Populações indígenas e tradicionais: quem são elas?
Numa das sistematizações de projetos de “desenvolvimento rural 
sustentável” apoiado pelo PD/A� (2���) se conceitua “Agricultura Familiar 
�
 Subprograma Demonstrativo do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil/G-�
��
Tradicional” como tendo as seguintes características��
•	 Uma relação mais antiga, de mais de �� anos com a terra;
•	 Menos dependência externa e maior independência do ponto de vista 
da segurança alimentar;
•	 Diversificação da produção. 
Do ponto de vista político, o conceito de populações tradicionais deve 
garantir que qualquer definição seja abrangente e inclusiva, de tal modo a 
assegurar a essas populações seus direitos, não permitindo que interpretações 
excludentes venham a lhes prejudicar2. Do ponto de vista ambiental, elas são 
populações capazes de utilizar e ao mesmo tempo conservar tais recurso; estes 
grupos humanos passaram a ser chamados de “Populações Tradicionais�”.
Este é um exemplo de que, assim como o conceito de saber ecológico, o 
de populações tradicionais também gera certa confusão e implicações. A opção 
aqui é por uma definição mais restritiva do que esta. Por populações tradicionais 
se entenderá aqui aquelas que têm um histórico cultural de interações com 
determinado contexto regional e ecológico, e que desenvolveram no processo 
regulamentações de acesso e gerenciamento de recursos (leis consuetudinárias). 
Ainda, que estes sistemas de propriedade e controle se dão numa perspectiva de 
uma organização econômica onde o autoconsumo é peça central da estratégia. 
Finalmente, um outro traço comum a estas populações “tradicionais” seria 
a manutenção por elas de uma paisagem parcialmente “domesticada” (cultural 
landscapes), identificada com estas tradições culturais e econômicas, e mantida 
pelo saber ecológico local em uma funcionalidade semelhante à do ecossistema 
original. Esta conceituação adota assim a noção de que o saber ecológico e a 
organização sócio-cultural e econômica se expressam como um conjunto lógico. 
Como exemplos de “populações tradicionais” em sócio-ambientes brasileiros 
que caberiam nesta definição, estariam��
•	 Os faxinais do sudoeste do Paraná, onde descendentes de imigrantes 
poloneses manejaram e mantiveram fragmentos florestais de forma coletiva 
para obtenção de produtos como erva-mate, pinhão, madeira, gado, porcos, 
lenha, medicinais, frutas silvestres;
•	 As florestas modificadas e mantidas por longos ciclos de tempo que 
formam o entôrno de algumas comunidades tradicionais no Norte e Nordeste, 
além de aldeias indígenas em diferentes pontos do Brasil. Nestes casos, esta 
tipologia florestal encerra algumas espécies vegetais que são adensadas ou cujo 
manejo estimula sua regeneração;
•	 O sistema de “capões” no Pampa, constituídos por fragmentos de 
florestas ripárias que são manejadas por pecuaristas familiares como fonte de 
2 http��//www.brasiloeste.com.br/noticia/�8�8/comunidades-tradicionais (acessado em 2� de agosto de 
2��6)
�
 http��//www.ibama.gov.br/resex/pop.htm
��
abrigo para animais, forragem em tempos de escassez, frutas nativas, lenha, 
medicinais e ponto atrativo de caça.
Com esta definição, se identificam as “populações tradicionais” com as 
formas de organização social onde ainda prevalece uma organização social e 
econômica baseada nos laços de parentesco, e se afastam do conceito populações 
que simplesmente ocupam uma região e a convertem de forma permanente e 
continuamente e por um longo período de tempo. Sem esta distinção, as empresas 
do setor florestal que operam em ciclos longos (�� anos na América do Norte) 
poderiam, nas próximas décadas, reinvidicarem direitos “tradicionais” sobre as 
florestas boreais. 
Finalmente, é preciso ter claro que as paisagens “culturais” e o saber que 
as sustenta estão sujeitos a pressões. As populações tradicionais são em geral 
“populações pobres, que têm interesse utilitário e econômico em melhorar sua 
condição de vida (...) Elas podem mudar de estratégia econômica, podem formar 
cooperativas, podem aumentar a renda e evoluir para um nível mais avançado, 
mais empresarial mesmo. E quando você fala em população tradicional, (muitas 
vezes) admite uma imagem que fica congelada”. (Moreira et al. �996).
Território, conservação, etnodesenvolvimento: 
para onde vão os donos do saber ecológico?
O próximo passo é sentido e direção para os conceitos de território, 
conservação e etnodesenvolvimento. Nesta espinhosa tarefa o atalho é recorrer 
aos relatos da prática. Até a conquista da demarcação de suas terras, entre os 
produtos que viabilizavam as trocas comerciais entre comunidades indígenas e 
entorno eram, em pequena escala, madeira e carne de caça. Com a demarcação e 
reconhecimento legal, estas atividades foram tornadas ilegais em Terras Indígenas 
para efeito de comércio. Afora a questão legal, se tratava para as lideranças 
e comunidades de promover a gestão de recursos num território demarcado e 
finito. A opção restante para geração de renda, a agricultura (principalmente 
a mandioca, o arroz e o feijão) não são exatamente conservadores de floresta, 
principalmente se a ela projetarmos a responsabilidade de prover as necessidades 
materiais e monetárias de uma população crescente. O gado surgiu assim em 
algumas das terras indígenas (como foi o caso da TI Mamoadate e algumas 
Reservas Extrativistas, como a Chico Mendes) como uma atividade de pequena 
escala e alternativa de capitalização e uso de capoeiras. Porém gerando conflitos 
com os roçados, e problemas ainda mais sérios com os cultivos de praia4. 
No Alto Juruá, alternativas como o artesanato geraram maior 
4
 O uso das praias dos rios que se formam na época de seca viabiliza uma agrobiodiversidade específi-
ca, e que se está perdendo onde o gado e os porcos dominam as praias.
�2
sustentabilidade, assim como a coleta de murumurú� para extração de óleo 
para cosméticos. Porém, na percepção do Secretário Francisco Pianko (2��6) 
“como um trabalho novo, precisa de muitos investimentos em termos da cadeia 
produtiva, e todo este processo demora. Faz falta uma base de pesquisa e 
investimento que gere as saídas, que garantam a sustentabilidade de quem 
vive na floresta.Este trabalho que fizemos abriu horizontes, mas falta ainda 
credibilidade, confiança de quem poderia investir nestas atividades. (...) Todos 
estes fatores e o que acontece no entorno destas áreas, sejam para as TI ou 
RESEX, é também fundamental para sua sustentabilidade. Os pontos comuns 
e específicos devem ser identificados entre TI, RESEX, UC e entorno, de modo 
que se consiga avançar no desenvolvimento sustentável”.
Este depoimento e o histórico ecológico e cultural de onde ele parte 
dão pistas do que significa etnodsenvolvimento para as lideranças indígenas 
de hoje. Desenha-se aí também uma idéia dos dilemas da questão territorial, 
de sua gestão e das opções de desenvolvimento. Ainda, do papel fundamental 
dos vetores de entorno que atuam e atuarão nestes espaços sócio-ecológicos. A 
“sociedade envolvente” tem sobreposições e fortes influencias na visão local 
ou “étnica” e influi no sentido e propósito que o imaginário coletivo dá a sócio 
e biodiversidade, seja como vetor positivo ou negativo. Assim, o conceito de 
etnodesenvolvimento que orienta as populações tradicionais e indígenas não 
parece comportar a idéia de um isolamento que possa fomentar um modelo 
endógeno voltado para dentro da sociedadeIII, e baseado numa relação específica 
com aquele ambiente. Os desafios, portanto, estão em aberto, e passam pela 
interculturalidade, que é um pressuposto da abordagem etnoecológica.
Cenários
Os espaços sócio-ecológicos privilegiados para esta reflexão são 
as Reservas Extrativistas (RESEX) e Terras Indígenas (TI’s), já que elas 
apresentam o conjunto de saber ecológico acumulado, território definido 
e formas culturais e econômicas com certo grau de especificidade. Além do 
mais, só as TI’s representam uma porção cinco vezes maior de florestas que 
as Unidades de Conservação (UC) no Brasil, e tem uma provável equivalência 
em biodiversidade conservada. “Em outras palavras, a biodiversidade da 
Amazônia está bem protegida, e a um custo baixo, mesmo em situações de risco 
comparativamente maiores, onde têm pessoas que estão interessadas nela, 
porque dela dependem seu estilo de vida e sua reprodução sócio-cultural” 
(Lauriola, texto preliminar).
Entretanto, o otimismo com os impactos diretos ou indiretos de proteção 
da floresta promovidos pelas RESEX e TI’s (Ruiz-Pérez 2���; Neepstad 2��6) 
deve ser bem dosado. O primeiro fato é que atitudes, comportamento e lideranças 
�
 Astrocaryum murumuru Mart., palmeira comum em todos os estados amazônicos, em áreas de boa 
umidade, ocorrendo tanto em formações florestais densas como semi-abertas.
��
mudam, assim como o entorno mudará. Dificilmente serão vetores para melhor, no 
sentido de mais conservação da biodiversidade e orientação para a sustentabilidade 
ecológica e econômica. No estudo do Alto Juruá (Ruiz-Pérez 2���), alguns dos 
indicadores checados mostram mudanças nos seguintes campos��
•	 Econômico�� a borracha substituída pelo feijão como a moeda de troca, 
ocorrendo o aumento da criação de suínos e de gado e a produção de couro 
vegetal. Salários (como agentes do estado em saúde, professores, etc) aliados 
a aposentadorias criaram outras fontes de renda não ligadas ao extrativismo ou 
à agricultura e pecuária. Como vetor, a sustentabilidade futura é uma questão, 
uma vez que fundos de doação tiveram um papel fundamental em termos de 
aportes técnicos e de recursos;
•	 Ecológico�� redução da taxa de desmatamento, se considerado o período 
que se seguiu à criação da RESEX, e ainda bastante inferior aos assentamentos 
da reforma agrária;
•	 Demográfico�� a população é estável e declinou ligeiramente.
Considerando as alterações de cobertura florestal, a conclusão geral do 
estudo é de que as RESEX são uma alternativa importante como estratégia 
de conservação e desenvolvimento sustentável. Embora seja uma conclusão 
coerente, o problema é que o clima também está mudando, e aumentarão os 
fatores de risco para a floresta. Por sua vez, uma mudança de foco de borracha 
para agricultura, pecuária e atividade madeireira (uma aspiração e já realidade 
para algumas RESEX) tem consequencias em termos de aumento de riscos 
neste quadro de mudanças climáticas, principalmente em termos de queimadas. 
Em 2���, pastagens apareciam nas imagens de satélite sob um manto de fogo 
e fumaça no Estado do Acre, e a RESEX Chico Mendes perdeu dezenas de 
milhares de hectares para o fogo. A Terra Indígena Mamoadate, nas vizinhanças 
da RESEX e com mais de ���.��� ha, contando com uma população de cerca 
de ���� pessoas, dos povos Manchineri e Jaminawá, tinha focos de fogo e calor 
circunscrito a seus roçados e pequenos pastos, sem descontrole6. A conclusão 
é que, sejam TI´s ou RESEX, sem os esforços citados por Francisko Pianko e 
inversões que os viabilizem, é cedo para comemorar resultadosIV.
EtnozoneamentoV e prática etnoecológica na 
TI Mamoadate, Sudoeste do Acre
Motivação e contexto – A idéia básica é que as abordagens etnoecológicas 
são fundamentais para identificar, valorizar e contextualizar o saber ecológico, 
ponto central no etnozoneamento. Para isto, elas devem estar conectadas a 
processos de empoderamento e definição do espaço jurídico e territorial das 
populações indígenas e tradicionais. Levantamentos, mapeamentos e planos 
de uso podem assim contribuir para consolidar a credibilidade da ação 
6 Imagens disponíveis no site do MAP (www.map-amazonia.com).
�4
governamental junto a estas populações, e aumentar a apropriação de elementos 
pelas populações indígenas para sua gestão territorial. As implicações são 
diretas e indiretas na conservação da agrobiodiversidade e biodiversidade 
como um todo. O PPTAL�, por exemplo, lançou um guia metodológico para 
etnolevantamentos, e a prática acumulada por organizações como a Comissão 
Pró-Índio do Acre também tem muito a colaborar neste sentido. Ainda, é inegável 
hoje a importância do saber ecológico como fonte de conhecimento e base de 
apoio a decisões para a promoção da diversidade genética, principalmente da 
agrobiodiversidade (Clement �999).
O marco legal do Etnozoneamento em Terras Indígenas no Estado 
do Acre resultou do constante no componente indígena do Plano de Ações 
Mitigadoras dos impactos gerados pela BR �64 e ��� e dos indicativos do 
Zoneamento Ecológico - Econômico (�ª fase). A seleção destas áreas deve-se 
ao fato das mesmas serem as mais impactadas pelas rodovias BR �64 e ���. A 
atividade aconteceu durante três períodos de campo que totalizaram em torno 
de 6� dias entre 2��4 e 2��6. Os trabalhos de etnozoneamento desta TI foram 
coordenados pelo Instituto de Meio Ambiente do Acre (IMAC), com recursos 
do BID e apoio da Comissão Pró-Índio do Acre (CPI/AC), sobretudo no sentido 
da metologia específica para trabalhar nas ativididades de etnomapeamento (ver 
no Box �, onde a lista de mapas produzidos segue a metodologia desenvolvida 
pela CPI/AC). Entre as dificuldades típicas de um trabalho desta natureza, nas 
condições das instituições públicas no Brasil, se podem listar��
•	 Dificuldade de acesso e comunicação;
•	 Dimensões e dispersão da população indígena (�2 aldeias e 8 colônias 
em ���mil hectares);
•	 Duas etnias de diferentes grupos linguísticos (Aruak – Pano);
•	 Equipe reduzidaVI;
•	 Tempo de campo limitado em função de recursos escassos para 
deslocamento e logística;
•	 Limitações em termos de formação interdisciplinar;
•	 Equipes de apoio com múltiplas responsabilidades e sobrecarga de 
trabalho, dificultando a logística e a organização, sistematização e devolução de 
produtos às populações indígenas.
Como uma de suas maiores virtudes, o processo teve a organicidade com 
esforços de formação em gestão ambiental com enfoque cultural e participativo 
com suas raízes na ação do Setor de Educação da CPI-Acre nos anos 8�, e com 
a formação de professores indígenas. Nos anos 9�, com a atuação do Setorde Agricultura e Meio Ambiente da CPI/AC, este processo se materializou 
de forma mais específica na figura dos agentes agroflorestais indígenas, que 
� Projeto Demarcação de Terras Indígenas na Amazônia Legal, componente do PPG-� voltado para a 
demarcação de TI’s.
��
foram fundamentais para o sucesso do trabalho. Assim, os resultados obtidos 
em termos de informação, mobilização e planejamento resultantes da atividade 
de etnozoneamento na TI Mamoadate não são frutos extemporâneos, mas parte 
de um esforço em rede.
Método e foco da pesquisa – O roteiro de ações foi orientado pelos 
seguintes tópicos (Box �) e técnicas (Box 2)��
Alguns comentários específicos da parte relacionada a recursos naturais 
e especificamente para SAFs e Recursos Florestais8 estão a seguir��
-Levantamento bibliográfico e documental�� uma síntese de relatórios e 
etnolevantamentos realizados na TI Mamoadate pelo Setor de Agricultura e 
Meio Ambiente foi transformada num caderno de campo, usado para consultas, 
contraste e revisão de informação;
-Visitas e oficinas participativas�� foram realizadas por povo (Jaminawá, 
Manchineri), com oficinas conjuntas (Jaminawá/Manchineri) para contraste e 
aprimoramento de informações, utilizando técnicas participativas como�� 
a) Construção coletiva de conceito (etnozoneamento) utilizando 
visualização móvel e mapas mentais; 
8
 De modo a manter o foco proposto, o texto abordará este componente em especial.
Box 1. Mapas e temas. Box 2. Técnicas utilizadas.
Descrição da TI Mamoadate, localização e 
habitantes;
Mapa de ocupação histórica
-Migrações Manchineri
-Migrações Jaminawá
Mapa de vegetação
-Classificações e espécies associadas
Mapa de hidrografia
Mapa de caçada
-Locais de caçadas
-Classificações e técnicas de caçada
-Caças, crenças e costumes
-Situação da caça
Mapa de pesca
-Locais de pesca
-Classificações e técnicas de pesca
-Situação de peixe
Mapa de extrativismo
-Recursos florestais na alimentação
-Recursos florestais para habitação e transporte
-Artesanato
-Situação de recursos florestais
-Espécies preferidas para recomposição florestal
Mapa de ocupação humana
-Agricultura
-Sistemas Agroflorestais
-Criações
x Análise documental; 
x Oficinas participativas; 
x Método de Visualização Móvel 
(Metaplan); 
x Mapas mentais; 
x Linha do tempo de eventos orientada 
sobre mapas em escala 1: 80.000; 
x Entrevistas grupais para identificação e 
hierarquização de informações; 
x Cruzamento triplo de informações 
obtidas (individual, grupo, plenária); 
x Listas espontâneas de espécies com 
grupos de informantes; 
x Identificação e priorização de espécies 
entre listas existentes (listas induzidas); 
x Entrevistas semi-estruturadas sobre 
temas específicos; 
x Visitas de campo guiadas; 
x Identificação de ambientes e espécies a 
campo (Floresta, SAF, Roçados); 
Mapa de invasões
x Execução pelos participantes de mapas 
de saberes específicos sobre temas e 
espécies prioritárias utilizando como 
base imagens de satélite Landsat 
1:100.000 (2002) e mapas de malha 
hídrica (Radam)
�6
b) Execução de mapas mentais em grupo representando aldeia, população, 
roçado e criações, rede hídrica secundária (igarapés, lagos);
c) Elaboração de listas hierarquizadas de espécies vegetais e animais a 
partir de temas focais, como importância e demanda para alimentação, por zona 
de intervenção (SAF, Roçado, Praia, Floresta, Rio, Lago, Igarapé).
Este conjunto de atividades gerou o nivelamento suficiente para a 
elaboração de mapas temáticos sobre base cartográfica de imagem de radar 
da rede hídrica revisada e nomeada pelo conhecimento local. Com a mesma 
escala, uma imagem de satélite Landsat ���8�.��� (2��2-2���) foi utilizada para 
identificação e apoio. O problema com as imagens LandSat disponibilizadas é 
que elas permitem reconhecer apenas padrões em pixel de áreas de no mínimo 
��� m x ��� m. Isto inviabiliza uma observação mais direta, e exige grande 
conhecimento de terreno por parte dos participantes. Assim, a opção de execução 
inicial de um mapa hidrográfico revisado e renomeado com a nomenclatura 
local (para Manchineri e depois Jaminawá, cruzando as informações) foi a mais 
adequada. Estes mapas foram copiados pelos próprios participantes e sobre 
eles foram construídos os outros mapas temáticos, já com o apoio das listas 
de espécies e outras informações produzidas nos exercícios anteriores. Numa 
sala separada, grupos de aldeia trabalharam sucessivamente sobre cada mapa 
temático, o qual após foi apresentado e revisado em plenária Apresentação e 
Contraste nas Aldeias�� esta atividade, entre deslocamento entre aldeias e trabalho 
de campo requeria um dia e meio por aldeia, em média, com �-�� participantes, 
para todas as aldeias. Estas visitas incluíam��
•	 Apresentação dos mapas realizados nas oficinas para os moradores da 
aldeia, feita pelos próprios representantes que os construíram;
•	 Entrevistas, transectos, revisão de informações e debate com os 
moradores;
•	 Aprovação pelos participantes dos mapas;
•	 Redação de lista de encaminhamentos sugeridos pela aldeia.
•	 Oficinas de Contraste e Integração Manchineri/Jaminawá, com 
apresentação dos mapas, debate, revisão e fechamento, finalizando com 
um documento contendo encaminhamentos e demandas elaborado por uma 
comissão Jaminawá/Manchineri, realizadas em duas etapas, em 2��4 e 2���.
Para Sistemas Agroflorestais (SAF), o levantamento de informações 
cumpriu etapas como��
(a) Listar as espécies mais importantes, (b) o destino dado a elas, (c) 
quais as aldeias onde esta espécie e/ou variedade se encontra, (d) situação atual 
de abundância e tendência, (e) variedades da espécie e (f) comentários diversos 
sobre a espécie/variedades. A partir da lista de espécies da floresta, os diferentes 
grupos de aldeia apontaram quais eram as espécies nativas que deveriam ser 
preferencialmente incluídas em SAFs. Os resultados do grupo de SAF foram 
��
expostos aos participantes, debatidos e revisados.
Transectos: Os transectos utilizaram passos como unidade de medida, 
e a altura de árvores foram deduzidas e checadas com três informantes 
diferentes presentes na atividade, comparado depois com a própria percepção 
do pesquisador. O procedimento padrão foi cruzar a área transversalmente, 
anotando ao longo e ao lado (até �m à direita e �m à esquerda) todas as espécies 
que estivessem presentes, sua altura e posição relativa ao eixo. O objetivo foi 
retratar a estrutura e composição destes SAF, além de oferecer uma estimativa 
de densidade das diferentes espécies. Foram anotadas as dimensões da área e 
ano de implantação. 
Os dados obtidos foram sistematizados em tabelas e perfis e 
complementados por levantamentos anteriores. Finalmente, foi realizado um 
contraste entre aldeias e entre os dados de 2��� (levatados pela Comissão Pró-
Índio), utilizando-se os seguintes indicadores�� (a) diversidade e origem das 
espécies; (b) diversidade funcional; (c) estrutura, considerando-se densidade 
e estratos presentes nos SAF em relação às capoeiras circundantes; (d) 
regeneração, cobertura de solo e indicadores de fertilidade/saúde das plantas de 
interesse imediato.
Para Recursos florestais: Eles foram analisados primeiro a partir das 
listas e etnolevantamentos realizados pela CPI-Acre, tendo se perguntado aos 
grupos de cada aldeia “quais espécies na lista eram mais importantes”, e “quais 
eram aquelas cuja ocorrência não era generalizada por todos os ambientes da 
floresta”. O objetivo foi definir prioridades entre a grande quantidade de espécies, 
e identificar quais eram potencialmente ameaçadas. O roteiro metodológico 
foi�� 
•	 Identificação da localização por grupo de aldeia agrupamentos destas 
espécies ou de indivíduos com potencial para serem matrizes fornecedoras de 
semente.
•	 Cada espécie foi identificada poruma abreviatura (Mg = mogno), a 
qual foi escrita no ponto aproximado da ocorrencia daquele agrupamento ou 
indivíduo. A cor da escrita correspondeu à cor da aldeia, a mesma utilizada para 
pesca e caça.
•	 Completado o mapa, ele foi apresentado pelos seus respectivos 
executores e debatido/revisado em plenária.
•	 Nas aldeias, o mapa foi apresentado, revisado e debatido com os 
participantes em cada aldeia. 
•	 Visitas de campo ajudaram a identificar melhor o ambiente e distância da 
aldeia onde tais espécies “plotadas” realmente ocorriam, e onde se encontravam 
indivíduos ou agrupamentos.
•	 A avaliação foi concentrada (a) no contraste com outras tabelas de 
espécies produzidas para identificar plantas de interesse para merenda escolar 
�8
indígena, habitação e sistemas agroflorestais; (b) na distribuição espacial e 
influência de densidade de aldeias; (c) na finalidade priorizada.
Posteriormente, toda a informação registrada foi transformada em 
mapas e texto. Como não havia a disponibilidade de tempo ou recursos para o 
georeferenciamento dos mapeamentos temáticos, os fatos, processos ou recursos 
registrados nos mapas constituem aproximações sujeitas a uma margem de erro 
condizente com a escala dos mapas utilizados.
Resultados
Como o etnozoneamento se traduziu em um documento cujos produtos 
são de acesso prioritário aos tomadores de decisão indígenas e órgaos de governo 
relacionados, os dados aqui apresentados são sintéticos e parciais. Trabalhos 
posteriores e completos serão publicados com a anuência dos participantes e das 
instituições patrocinadoras e colaboradoras. Entre os aspectos que a atividade 
permitiu avaliar, se apresentam os seguintes indicativos��
Sistemas Agroflorestais
•	 Em relação ao conjunto de espécies manejadas nos SAF, os Agentes 
Agroflorestais Indígenas e a CPI-Acre condicionam o portfólio de espécies mais 
diretamente ligadas aos Sistemas Agroflorestais, por sua mobilidade, ligações 
externas e responsabilidade como curadores do SAF coletivo de cada aldeia;
•	 Um modelo de decisão etnográfico indicou que os SAF são definidos 
em sua composição e tamanho conjuntamente pela demanda local que existe 
para as espécies em questão (limitada no caso da pupunha, já que o mercado 
não é viável ainda), além do acesso em quantidade e qualidade do material 
reprodutivo. Espécies com múltiplas finalidades e resistentes à formiga 
são motivos de escolha, junto com uma apreciação especial (como citrus ou 
algumas espécies nativas) que definem um cuidado especial na implantação e 
desenvolvimento das plantas;
•	 Estes SAF ocupam preferencialmente áreas de roçados abandonados, 
e já são prioritários em relação à expansão de áreas para pasto, criando uma 
alternativa à conversão permanente. Eles não incorporam cultivos anuais 
tradicionais, e se assemelham mais aos Forest gardens definidos como “florestas 
modificadas e de estrutura análoga a florestas secundárias abertas”;
•	 Palmeiras de uso direto, como a pupunha domesticada, bacaba, 
bacabinha, açaí-de-touceira são preferidas para formarem o estrato dominante, 
junto com espécies de interesse que não são espontâneas na TI (como a castanha) 
ou que apresentam matrizes muito distantes (como madeiras nobres). Para uma 
lista de espécies principais e sua nomenclatura científica, ver o Anexo �;
�9
•	 Eles são tanto SAF´s complexos, como enriquecimento de capoeiras 
em linhas, ou até mesmo roçados enriquecidos. Esta última forma representa 
uma mudança drástica do sistema tradicional, que incorpora a queimada cíclica 
ou a formação de bananais mais ou menos homogêneos e sem árvores. 
•	 Neste sentido, os SAF não concorrem com pastagens ou com roçados 
como forma de uso da terra em maior escala, embora contribuam para fornecer 
produtos de interesse e evitem uma “pecuarização” completa do entorno das 
aldeias.
Recursos florestais 
Os Mapas de Recursos Florestais podem ser cruzados com Mapas de 
Vegetação, zonas de agricultura e SAF, assentamentos humanos e pecuária. 
Esta sobreposição mostra como as atividades de roçados, pastos e centros de 
habitação interferem nos ambientes e na distribuição, acesso e densidade das 
espécies priorizadas para mapeamento. O cruzamento com o mapa histórico, 
que mostra a exploração madereira no passado, poderá ser bastante útil, quando 
da execução de levantamentos botânicos, no sentido de entender as possíveis 
causas antropogênicas de diferenças e peculiaridades de algumas zonas em 
termos de espécies ou mesmo classes de diâmetro. Assim, mesmo considerando 
que a escala de ������.���, estes mapas poderão servir de orientação para 
trabalhos de aprofundamento e monitoramento de espécies de interesse, ou 
espécies que estejam se mostrando, pela percepção dos habitantes da TI, em 
processo de redução de população.
Como foi ressaltado, o fato de algumas espécies estarem longe, tanto em 
aldeias pequenas ou recentes, como em aldeias antigas e/ou populosas, mostra 
que alguns fatores como crescimento lento e/ou pressão de uso (como é o caso 
da Jacareúba) podem interagir e gerar uma situação mais delicada. Por outro 
lado, a presença de frutíferas e palheiras, ainda na faixa de 4� min, em ambos os 
casos de antiguidade e densidade populacional, indicam uma predisposição da 
população de manter espécies importantes para uso local em zonas acessíveis, 
seja evitando o corte, seja estimulando e protegendo a regeneração onde não 
concorrente com roçados. 
Os “mapas de decisão”, uma técnica da sociologia e da ecologia cultural, 
se mostraram um recurso valioso para entender a interação entre diferentes 
critérios para definir, entre outros aspectos, a escolha de espécies, tanto para 
implantação como no estímulo à regeneração. O fato de que Mogno e Cedro 
estejam presentes em listas de preferencia, e que já foram fornecidas pelos 
atores externos, mostram que o “mapa de decisão” funciona muito bem quando 
associado e contrastado com listas de preferencia. O exercício mostrou ainda que 
espécies de crescimento lento têm alguns condicionantes para que seu plantio 
desperte interesse na população. Entre eles, que sejam madeiras de alto valor, 
6�
ou que propriciem a produção de frutos no médio prazo, gerando algum produto 
até alcançar a maturidade para corte. A via alternativa de decisão descrita no 
mapa é de que estes frutos possam ser tanto de consumo humano como para a 
fauna (atrativo e forragem de caça). 
O “mapa” pode ainda ajudar a entender as listas prioritárias�� enquanto que 
para os Manchineri os requisitos para uma espécie ser “boa de lenha” incluem 
qualidades como brasa forte e não fazer fumaça, típico das espécies escolhidas 
por eles, como Maxixeiro e Mulateiro, as aldeias mais populosas, como Betel, 
queimam ingazeiro, cuja maior qualidade é o seu crescimento rápido. No 
caso, esta é a qualidade essencial para uma situação de maior pressão, e para 
que ela se regenere nas áreas de pousio que servirão como área de roçados 
no futuro. Este é um aspecto que talvez se revelasse num “mapa de decisão” 
Jaminawá. Finalmente, os indicativos para Plano de Gestão da TI Mamoadate, 
produzidos por Manchineri e por Jaminawá durante o etnozoneamento 
mostraram a clara percepção dos problemas no tema Floresta e Extrativismo, e 
a intenção de definir ações e regras de uso para reverter tendências negativas. 
Ainda, alguns pontos que podem ser considerados críticos num olhar externo 
parecem não constituirem prioridade local. Já as iniciativas em curso de plantio 
e enriquecimento de capoeiras com espécies madeiráveis nobres, bem como 
regras informais para zoneamento de expansão de roçados e pastos no entorno 
das aldeias mostraram que existe uma consciência do papel estratégico destas 
espécies para o desenvolvimento sustentável destes povos indígenas.
Conclusões finais
A atividade realizada no Acre demonstrou o enorme potenciale 
a confiabilidade de informação possível de se obter em atividades como 
etnozoneamento ou etnomapeamentos. Entre os pontos críticos para a realização 
da atividade e obtenção de resultados imediatos, aparece em primeiro lugar a 
construção de um compromisso histórico compartilhado com as populações 
indígenas. Este ponto foi garantido pelo histórico da Comissão Pró-Indio 
do Acre nesta TI, que avalisou o trabalho a ser realizado e o apoiou com o 
acumulado prático de etnomapeamentos já realizados. Ainda, o domínio de um 
elenco de métodos e técnicas de pesquisa participante com base etnobiológica 
e etnografica, executadas por uma equipe interdisciplinar foi importante. O 
fato é que os resultados não foram o produto de uma receita prévia aplicada 
à risca, mas a habilidade e abertura para gerar, a partir de princípios teóricos 
compartilhados de participação e respeito (e que foram descritos na parte inicial 
deste texto), as respostas adaptativas em termos de metodologia necessárias.
Um dos grandes desafios do processo, que foi nivelar objetivos e a 
utilização das informações a serem produzidas, tiveram nas dificuldades de 
6�
comunicação e as barreiras culturais um desafio conjunto a pesquisadores e 
populações indígenas. Assim, na fase inicial onde se exercitou a construção do 
conceito, as diferenças de percepção se fizeram presentes, mostrando que o papel 
dos agentes interculturais (como professores, agentes agroflorestais, lideranças) 
é decisivo. A prática e a participação oportunizadas, por outro lado, foram 
aproximando gênero, faixa etária e percepções, e cumprindo o papel de criar 
o comprometimento conjunto que este tipo de atividade demanda. O conjunto 
de resultados, dos quais SAF e Recursos Florestais são os componentes que 
foram abordados aqui, compõem o relatório final, atualmente de uso privado 
das populações Jaminawá e Manchineri. Validações posteriores de campo 
e aplicação de procedimentos estatísticos sobre os dados obtidos poderão 
indicar em que medida, nas condições propiciadas, foi possível gerar, de modo 
participativo e no sentido do empoderamento, bases de dados confiáveis para 
tomada de decisão de manejo de recursos naturais. 
O etnozoneamento abre assim o leque para pesquisas participantes 
temáticas, que poderão enriquecer sobremaneira a base de decisão destas 
populações sobre a condição atual e alternativas futuras de uso e conservação 
de seus recursos naturais. Neste processo, a etnoecologia é uma ciência 
interdisciplinar a qual, agregando múltiplas capacidades e o saber local, poderá 
ser um fio condutor para este tipo de objetivo.
Agradecimentos
O autor agradece a colaboração de Cloude C. Correia e Renato Gavazzi 
pela revisão e sugestões; à equipe do IMAC (Magaly Medeiros, Txai Terri 
Aquino e Marília Guerreiro); Adriano Dias (CPI-Acre), que nos acompanhou e 
aconselhou na segunda etapa de campo na TI, e ao povo Jaminawá e Manchineri, 
que nos recebeu em grande estilo.
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Anexo �. Principais espécies cultivadas em Sistemas Agroflorestais em Aldeias 
Manchineri, TI Mamoadate, SO do Estado do Acre. 2��4
Abacate Persea americana 
Açaí de touceira Euterpe oleracea 
Acerola Malpighia punicifolia 
Bacaba Oenocarpus bacaba 
Bacabinha Oenocarpus mapora 
Cacau de cobra - Hapi em Manc�ineri Theobroma speciosum 
Cajá Spondias mombim 
Cajarana Spondias dulcis 
Carambola Averrhoa carambola 
Castan�a-do-Brasil Bertholetia excelsa 
Cerejeira Bunchosia glandulosa 
Côco Cocos nucifera 
Cupuaçu Theobroma grandiflorum 
Fruta-p�o Artocarpus altilis 
Genipapinho (?) 
Genipapo Genipa americana 
Graviola Annona muricataJaca Artocarpus heterophyllus 
Jambo Eugenia mallacencis 
Laranja Citrus aurantifolia 
Lima C. aurantifolia 
Manga Mangifera indica 
Maracuj� Passiflora spp. 
Mogno Swietenia macrophyla 
�upunha Bactris gasipaes 
Tangerina C. nobilis 
I
 Um dos pontos fundamentais em Marcus é a noção de que a tradição dos etnógrafos de definir o trabalho 
de campo em termos de pessoas e lugares é desafiada pela necessidade de estudar cultura pela exploração 
de conexões, paralelos e contrastes entre uma variedade incomensurável de locações, o que também é 
explorado por Eric Wolf (WOLF, E. Europe and the people without history. Los Angeles�� University 
of California Press, �982), numa perspectiva que ele reconhece como apoiada numa visão dialética e 
sistêmica da história, e numa tradição a que ele se refere como “marxiana”.
II
 Críticos das posições de J. Diamond consideram o livro Germs and Steel “um exemplo do determinismoCríticos das posições de J. Diamond consideram o livro Germs and Steel “um exemplo do determinismo 
ambiental a serviço do Eurocentrismo”. (http��//en.wikipedia.org/wiki/Guns%2C_Germs_and_Steel. 
Acessado em 2� de agosto de 2��6).
III
 O sentido é o que GEERTZ (�9��) conceituou para “Agricultural Involution” (GEERTZ, C. Agricultural 
Involution: The Processes of Ecological Change in Indonesia. University of California Press �9��). 
Para ele, o sentido de “involução” é de um desenvolver orientado para dentro (do ecossistema e da 
sociedade que com ele interage), e não de retrocesso cultural ou tecnológico, como algumas leituras que 
foram feitas (HOLTZ-GIMENEZ, 2���).
IV
 Um estudo divulgado recentemente pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostra que 
enquanto o orçamento total do governo federal destinado aos indígenas cresceu de R$ �� milhões 
para cerca de R$ �4� milhões entre os anos de 2��� e 2���, os gastos específicos com a regularização 
fundiária e a proteção dos territórios destes povos caíram de R$ 6� milhões para pouco mais de R$ 42 
milhões (www.noticiasdoplanalto.net)
V
 “O Etnozoneamento é um instrumento de planejamento dos povos indígenas para a gestão dos seus 
territórios, sendo elaborado de forma participativa com o intuito de contribuir para maior autonomia 
indígena. Respeitando a diversidade cultural esse instrumento procura considerar as especificidades de 
cada povo indígena produzindo e sistematizando informações documentais, bibliográficas e empíricas 
consideradas relevantes por eles no processo de gestão dos seus territórios. Os dados produzidos 
podem ser de natureza cultural, social, política, econômica e ecológica. Com os dados resultantes 
do Etnozoneamento pretende-se subsidiar os povos indígenas e o governo do estado para tomada de 
decisões). O objeto de estudo é o conhecimento local destacado como primordial por esses povos, 
estando as atividades programadas para a sua realização em conformidade com o tempo concebido por 
eles”. (CORREIA, C; VIVAN, J.L.; COSTA, E.M.L. Etnozoneamento da TI Mamoadate. Documento 
Final. Relatório. IMAC/Governo do Estado do Acre, 2��6).
VI Equipes numerosas talvez não seja a melhor solução. Porém, se o objetivo é produzir dados quantitativos 
que possam dar base à planos de manejo, ou as equipes aumentam em tamanho ou o trabalho se realiza 
em módulos progressivos, com equipes multidisciplinares, mas mantidas coesas por uma coordenação 
interdisciplinar.
64
Walter Steenbock 
 Núcleo de Pesquisas em Florestas Tropicais - Universidade Federal de 
Santa Catarina (NPFT - UFSC)/IBAMA – Floresta Nacional de Caçador/SC
Etnobotânica, conservação e 
desenvolvimento local: uma 
conexão necessária em políticas 
do público
Capítulo 5
Introdução
No século XVI, a partir das grandes navegações, uma imensa quantidade 
de espécies passou a ser conhecida (Davis �99�), na Europa. Várias destas 
espécies adquiriram rapidamente alto valor econômico – principalmente 
alimentos e especiarias. Esta “avalanche” de novas espécies exigiu uma nova 
forma de classificação. É neste contexto que o trabalho de Lineu se insere, 
criando condições mais adequadas de classificação, a partir do “sistema 
natural”. De forma associada à classificação de espécies, as expedições 
botânicas promovidas por Lineu e seus estudantes também buscaram catalogar 
costumes dos povos que as utilizavam. Esta mesma prática foi adotada nas 
grandes expedições botânicas do século XIX. No entanto, é somente a partir do 
século XX que a busca do entendimento das relações de diferentes sociedades 
com as plantas passa a ocorrer mais efetivamente, dando origem à ciência da 
etnobotânica (Davis �99�).
Harshberger, em �896, propôs que a etnobotânica é “o estudo das plantas 
utilizadas pelos povos primitivos ou aborígenes”. Em meados do século XX, o 
campo do estudo meramente catalográfico das plantas é ampliado. Para Jones 
(�94�), a etnobotânica é “o estudo das inter-relações entre o homem primitivo 
e as plantas” – definição na qual está implícito o aspecto cultural destas inter-
relações e, portanto, a dimensão antropológica da etnobotânica. Schultes (�96�) 
retira o termo “homem primitivo” da definição, colocando que a etnobotânica 
é “o estudo das relações entre o homem e seu ambiente vegetal”. Em �9�6, 
Hernandez-Xolocotzi (�98�) propõe que a etnobotânica “é o campo científico 
que estuda as inter-relações que se estabelecem entre o homem e as plantas, 
através do tempo e em diferentes ambientes”, dando uma dimensão temporal 
e espacial à etnobotânica. Ford (�98�) amplia esta definição, conceituando a 
etnobotânica como “a totalidade das pessoas e das plantas em uma cultura e a 
inter-relação direta das pessoas com as plantas” (Plotkin �99�).
A partir desta perspectiva, a etnobotânica contemporânea procura agregar 
conhecimentos nas áreas de uso e manejo de plantas, agroflorestas e manejo 
das paisagens, antropologia cognitiva, domesticação de plantas, interpretações 
iconográficas, aspectos simbólicos de preparações psico-ativas, etc. Esta 
agregação exige um trabalho de pesquisa em equipe e o uso de metodologias 
apropriadas. Neste sentido, merece destaque a integração entre botânicos e 
antropólogos, a qual tem sido fundamental na área (Davis �99�). Não obstante, 
pesquisadores em etnobotânica necessitam aplicar métodos pertinentes a várias 
disciplinas, evocando a pertinência da multidisciplinaridade entre botânicos, 
antropólogos, geógrafos, químicos, farmacologistas e agrônomos, entre outros 
6�
68
profissionais (Alcorn �99�; Cunningham 2���).
Alcorn (�99�) aponta dois principais objetivos da etnobotânica�� 
documentar fatos sobre o uso e o manejo de plantas e definir, descrever e 
investigar processos relacionados a este uso e manejo. Através destes objetivos, 
os etnobotânicos buscam entender a dinâmica do sistema cultural em que o uso 
e manejo de plantas é parte. 
Entre as metodologias de campo, utiliza-se da observação participante, 
de conversação, entrevistas e questionários, do método genealógico, de 
informantes-chave, de histórias de vida, de investigação longitudinal, entre 
outras (Kottak �994; Alexiades �996; Cunningham 2���). Os dados obtidos 
a campo são em geral analisados qualitativa e quantitativamente, estratégia 
intensificada a partir da metade da década de 8� (Prance et al. �98�; Phillips 
& Gentry �99�; Schultes & Reis �99�; Alexiades �996; Cotton �996; Begossi 
�996; Caballero �998; Cunningham 2���, citados por Peroni 2��2), o que tende 
a tornar os resultados cada vez mais confiáveis na proposição de conclusões e 
novas hipóteses para estudo.
Alcorn (�99�) indica ainda que os propósitos do trabalho da etnobotânica 
são��
•	 o desenvolvimento de novos produtos derivados de plantas e de novas 
cultivares;
•	 a conservação dos recursos naturais, especialmente associados a 
agrecossistemas sustentáveis.
Considerando a evolução da etnobotânica noúltimo século, algumas 
questões merecem ser discutidas��
•	 O aspecto meramente catalográfico da ciência, considerado marcante 
até meados do século XX, deixou de existir completamente a partir de uma 
perspectiva antropológica e do desenvolvimento de metodologias de análise, 
fortalecida desde a segunda metade daquele século?
•	 Entre os propósitos da etnobotânica indicados por Alcorn (�99�) 
(citados acima) qual ou quais vêm sendo alcançados a partir da prática da 
ciência, e que instrumentos e metodologias poderiam ser otimizados para que 
os propósitos da etnobotânica possam ser amplamente alcançados?
Aspectos relacionados à consecução dos 
propósitos da etnobotânica
Desenvolvimento de novos produtos derivados de plantas – As florestas 
tropicais contêm mais da metade das ���.��� espécies de plantas estimadas 
no mundo e menos de �% destas plantas foi estudada quanto à bioatividade 
(Conte �996). O Brasil, considerado o país de maior biodiversidade, detém em 
69
torno de ��.��� espécies vegetais (CENARGEN �99�). Os países que detém 
esta imensa biodiversidade em suas florestas tropicais apresentam também um 
grande contingente humano manejando e conservando as mesmas�� estima-se 
que de 2�� a ��� milhões de pessoas vivam no interior das florestas tropicais do 
mundo (Lynch �99�).
Os espaços florestais têm servido tanto como fonte direta de recursos 
naturais para as comunidades que neles vivem quanto como fonte de produtos 
industriais. Atualmente, a indústria de medicamentos fitoterápicos, por 
exemplo, encontra na biodiversidade das florestas tropicais a principal origem 
de substâncias para a produção dos mesmos. As vendas destes produtos atingem 
a cifra de �2 a 2� bilhões de dólares anuais, em nível mundial, mercado este em 
ampla expansão (Silva Junior 2���). No Brasil, o mercado anual de fitoterápicos 
gira em torno de US$ 26� milhões. De �999 a 2���, o consumo de medicamentos 
fitoterápicos aumentou �� %, enquanto o mercado de medicamentos sintéticos 
cresceu apenas � a 4 % (Dal Agnol 2��2).
Considerando a expansão do mercado de fitoterápicos – bem como de 
outros produtos de origem vegetal – e o imenso universo de espécies bioativas 
a estudar, é importante que se busque o desenvolvimento de novos produtos 
a partir de espécies já utilizadas com alguma finalidade. Neste sentido, a 
etnobotânica parece estar desempenhando um papel fundamental. Cerca de �4 
% das indicações etnobotânicas apresentam efetiva atividade farmacológica 
(Farnsworth �988). Desta forma, chega-se a economizar em torno de U$ ��� 
milhões no desenvolvimento de um novo medicamento, quando este é precedido 
por levantamentos etnobotânicos (Farnsworth �988).
Assim, ao menos um dos propósitos da etnobotânica, apontados por 
Alcorn (�99�) e citados acima, parece estar sendo alcançado, qual seja 
o desenvolvimento de novos produtos derivados de plantas. Entretanto, 
considerando que estes produtos são desenvolvidos em países ricos, do 
hemisfério norte – que quase não detém espécies vegetais ou conhecimento 
tradicional associado – e que, em geral, as empresas deste setor nestes países 
enxergam as comunidades humanas das florestas tropicais - do hemisfério sul, 
de países subdesenvolvidos – unicamente como informantes e como mercado 
consumidor potencial, cabe a pergunta�� Quanto a este propósito, qual a diferença 
prática entre a etnobotânica de Harshberger e a de Ford? Em outras palavras, 
qual a importância do estudo das inter-relações entre homem e planta, quando 
a busca de conhecimento sobre o uso das mesmas em comunidades locais ou 
tradicionais apresenta basicamente aspectos catalográficos e tem como objetivo 
fundamental a expropriação do saber para a geração de lucros exclusivos de 
empresas que nada tem a ver com as comunidades expoliadas? Neste sentido, 
a retirada do termo “homem primitivo” na definição contemporânea de 
etnobotânica parece apenas representar um aspecto conceitual, politicamente 
��
correto. Além disso, na medida em que a repartição dos lucros e benefícios 
de novos produtos não atinge de forma efetiva as comunidades que geraram 
o conhecimento tradicional associado, fica clara a associação entre os termos 
“homem primitivo” e “comunidades de países subdesenvolvidos”. Mais ainda, 
fica clara a importância, neste propósito, em manter a “primitividade” ou o 
“subdesenvolvimento” das comunidades informantes. 
Portanto, se por um lado o desenvolvimento de novos produtos a 
partir de plantas é um propósito que a etnobotânica tem conseguido atingir, é 
preciso considerar que esta etnobotânica é a de Harshberger e continua sendo 
desenvolvida com toda a carga colonialista e imperialista do final do século 
XIX, corroborada pelo imenso poder das empresas transnacionais. 
Conservação ambiental e dos recursos naturais – Quanto ao propósito 
da conservação ambiental e dos recursos naturais a partir da etnobotânica, é 
importante notar que, de fato, resultados de vários trabalhos têm impulsionado 
a geração e o desenvolvimento de políticas públicas para este fim. 
Possivelmente, a aplicação mais efetiva destas políticas, no Brasil, 
esteja representada pela constituição de unidades de conservação em que o 
conhecimento local/tradicional acerca da utilização dos recursos naturais e seu 
manejo precisa ser considerado para a gestão das mesmas. Desde meados da 
década de 8�, este enfoque passou a ser evidente na categorização de áreas 
protegidas desenvolvida pela IUCN, ao incluir categorias que requerem a gestão 
compartilhada dos recursos dentro de zonas específicas (Cunningham & Shanley 
2���). Hoje em dia, está amplamente reconhecido que o futuro de quase todas 
as áreas de conservação depende em grande parte da ajuda das comunidades 
locais do entorno ou de dentro das mesmas (Cunningham & Shanley 2���). No 
Brasil, a inclusão das Reservas Extrativistas, das Reservas de Desenvolvimento 
Sustentável e mesmo das Florestas Nacionais e das Áreas de Proteção Ambiental 
(com os objetivos atuais) no Sistema Nacional de Unidades de Conservação 
(BRASIL 2���), é reflexo deste reconhecimento, o qual não seria possível sem 
o esforço de vários pesquisadores em etnobotânica e etnoecologia.
Entretanto, a aplicação mais ampla dos resultados dos trabalhos em 
etnobotânica nas políticas públicas de conservação, no Brasil, encontra como 
barreira um aspecto comum às demais ciências, qual seja a quase inexistência 
de vínculo sócio-cultural-ideológico entre as comunidades locais/tradicionais, 
o ambiente acadêmico e a esfera administrativa do Estado, responsável pela 
promoção de políticas públicas. Parecem existir, portanto, três contextos 
bastante distanciados��
•	 A visão de mundo e a problemática dos grupos envolvidos nas 
investigações (denominados, muitas vezes, de “público-alvo”);
•	 O objetivo e as metodologias desenvolvidas pela academia e praticadas 
pelo pesquisador; 
��
•	 O nível de reconhecimento da importância e da possibilidade de 
aplicação dos resultados das investigações pelos órgãos responsáveis pelas 
políticas públicas.
A falta de conexão para a aplicação da etnobotânica em políticas públicas 
– Há uma clara tendência dos trabalhos em etnobotânica estarem direcionados 
para comunidades locais/tradicionais, as quais em geral apresentam um certo 
isolamento cultural do modus vivendi capitalista ocidental, bem como um 
forte vínculo com a utilização direta de recursos do meio para a subsistência. 
Tal tendência é justificável, na medida em que são estas comunidades que, 
pelo isolamento e disponibilidade de recursos naturais, devem apresentar 
características interessantes de serem analisadas sob a ótica da etnobotânica 
contemporânea, especialmente visando entender as inter-relações entre homem 
e planta para a promoção da conservação ambiental e cultural.
Entretanto, é possível supor que praticamente todas as comunidades 
locais/tradicionais,na atualidade, estão expostas em maior ou menor grau à uma 
forte pressão para a distorção de suas relações entre homem e planta, em função 
das alterações das condições do meio e da cultura, impostas pela interferência 
com os padrões de vida ocidentais. 
Norgaard e Sikor (2��2) propõem que, no meio rural, especialmente 
dos países do terceiro mundo, o ambiente e a cultura (valores e conhecimento) 
apresentam-se interligados a outros processos, que condicionam o 
desenvolvimento local, da seguinte forma��
Considerando este modelo, na medida em que há uma crescente 
distorção cultural e de ambiente nas comunidades locais/tradicionais, passa a 
existir um forte reflexo, também, em seus processos organizativos e em suas 
práticas tecnológicas, impondo a distâncias cada vez maiores a prática e, 
conseqüentemente, o diagnóstico do conhecimento das mesmas quanto ao uso 
dos recursos naturais.
A sobrevivência destas e nestas comunidades depende de políticas públicas 
Con�ecimento 
Valores Organizaç�o social 
Ambiente 
Tecnologia
�2
adequadas de crédito, pesquisa e extensão, bem como do resgate, geração e 
difusão de tecnologias apropriadas. Além disso, depende do reconhecimento, 
da valorização e da aplicação dos conhecimentos e valores destas comunidades, 
uma vez que estes são fundamentais no processo de desenvolvimento local, 
descrito acima (Norgaard & Sikor 2��2).
Entretanto, contrapondo esta necessidade, sobre estas comunidades 
constantemente são lançados “pacotes” de “novos” conhecimentos, de “novas” 
técnicas, de “novos” produtos, seja pelas políticas públicas, seja por empresas do 
setor privado, sempre sob a égide do desenvolvimento e da melhoria da qualidade 
de vida. Não obstante estes conhecimentos, técnicas e produtos poderem apresentar 
comprovada eficácia em termos científicos, a história recente demonstra que, 
em geral, estes apresentam-se pouco adaptados ao contexto sócio-ambiental-
econômico das comunidades rurais (Norgaard & Sikor 2��2). O elevado nível de 
conhecimento sobre plantas e o interesse em manter espécies consideradas úteis 
é visto geralmente como um traço típico dos povos que vivem em áreas florestais 
(Conklin �9�4; Warner �99�; Messerschmidt �99�; Balée �994). Porém, por mais 
arraigado que seja o vínculo cultural com o meio e, muitas vezes, a luta pela 
permanência na terra e pela preservação dos valores e dos conhecimentos locais/
tradicionais, a pressão para a desculturação é extrema.
É neste contexto que atua a etnobotânica. Não obstante a importância dos 
objetivos e das metodologias utilizadas, é forçoso reconhecer que, não raras as 
vezes, os resultados e conclusões obtidos em trabalhos a campo se constituem 
em retratos temporais de determinada realidade, indicando a existência de 
conhecimentos locais/tradicionais de elevada importância para a conservação 
cultural e ambiental. Entretanto, este retrato se dá em meio a um “efeito gargalo” 
ou de deriva dos conhecimentos e valores, fortemente pronunciado.
Além disso, nem sempre aparece neste “retrato” o citado “efeito gargalo”, 
ou seja, nem sempre a problemática da degradação ambiental e da perda cultural 
é motivo de estudo e análise nas comunidades estudadas, dando-se prioridade ao 
estudo da utilização de plantas pelas mesmas. De acordo com Hersch-Martinez 
& Chevez (�996), muitas vezes se fala mecanicamente sobre a relação “homem-
planta”, mas a atenção está posta em catalogar o componente botânico desta 
relação e o estudo resulta etnobotânico simplesmente porque existem homens 
e/ou mulheres que utilizam esta planta (Hersch-Martinez & Chevez �996). A 
questão dos problemas de posse da terra ou dos recursos naturais, por exemplo, 
raramente é articulada ao estudo. Esta questão é de crucial importância para o 
entendimento das inter-relações entre homem e planta (Cunningham & Shanley 
2���). Neste sentido, Shipton (�994) propõe que “não se podem separar de um 
lado a religião, o ritual e a cognição e de outro lado a adaptação, o sustento e 
a produção. A propriedadde da terra está no centro da confluência. Nada evoca 
conotações simbólicas mais variadas ou filosofias legais mais intrincadas. 
��
Nada provoca sofrimentos mais profundos ou dá lugar a mais derramamento 
de sangue que as discrepâncias sobre a terra, sobre os limites e o acesso aos 
recursos da terra. Tão pouco não há nada que possa evitar de melhor maneira 
os mal entendidos entre culturas – prejudiciais tanto para as pessoas quanto 
para seus ambientes – que as definições adequadas de posse da terra” (Shipton 
�994, citado por Cunningham & Shanley 2���). Além da questão da posse da 
terra, outros aspectos políticos e econômicos de vulto acarretam conseqüências 
cruciais para a relação homem-planta. Contudo, muitas vezes estes aspectos não 
são considerados nos trabalhos em etnobotânica.
Não obstante a inter-relação homem-planta nem sempre ser analisada em 
sua totalidade, os resultados e conclusões dos trabalhos em etnobotânica podem 
contribuir em muito para a adequação de políticas públicas locais e regionais 
de conservação. Entretanto, muitas vezes, os pesquisadores e as instituições de 
pesquisa consideram que o processo científico está completo uma vez que o 
artigo é enviado para publicação. O resultado é que a maioria da informação e da 
compreensão científica geradas pelos pesquisadores permanece na mão apenas de 
cientistas e de acadêmicos, distantes da região de estudo (Shanley & Laird 2��2).(Shanley & Laird 2��2). 
Esta situação, apesar de freqüente, é contraditória ao Código de Ética da Sociedade 
Internacional de Etnobiologia (�998), o qual propõe, entre outros aspectos, que o 
treinamento e educação devem ser partes fundamentais dos projetos de pesquisa, 
incluindo a aplicação prática dos resultados (Shanley & Laird 2��2).
Se, por um lado, existe pouca articulação entre políticas públicas de 
conservação e a academia, por outro lado parece existir uma “repulsa” dos 
órgãos públicos em assumir a necessidade da inclusão dos conhecimentos/
valores locais/tradicionais nos projetos políticos, uma vez que, por definição, 
estes valores são diferenciados dos que dão origem a estas políticas. 
As políticas públicas apresentam em geral forte vínculo com o projeto de 
desenvolvimento neo-liberal, fundamentado na globalização e considerando a 
inclusão social como resultado, inclusive, do abandono de valores/conhecimentos 
locais e tradicionais, em prol da assimilação de aspectos culturais do capitalismo 
ocidental. Se existe alguma contribuição da ciência nestas políticas, esta 
contribuição costuma ter origem em uma lógica positivista e centralizadora, 
tecnocrática, da mesma. Um dos maiores exemplos deste contexto é a própria 
Revolução Verde, ao estimular, por meio da pesquisa, ensino, extensão e crédito, 
tecnologias completamente inadaptadas às condições ambientais, sociais, 
econômicas e culturais da agricultura brasileira e de outros países do Terceiro 
Mundo (Altieri 2��2).
Em várias outras políticas públicas brasileiras, costuma-se procurar 
adaptar estratégias e metodologias que, em princípio, funcionam bem em países 
considerados desenvolvidos, com a premissa de que tenderão a desenvolver 
também nosso país. Foi assim com a política de extensão rural baseada na 
�4
aplicação dos �`s (EMBRATER �9��); é assim com o projeto de parceria 
público-privada em início de implantação nas áreas públicas da Amazônia 
(BRASIL 2���), bem como na política de criação e gestão de unidades de 
conservação, em nível federal (BRASIL 2���). No que tange a este último 
aspecto, é importante notar que, embora hajam no Sistema Nacional de Unidades 
de Conservação (BRASIL 2���) categorias de unidades que necessitam dos 
conhecimentos/valores locais/tradicionais para a sua gestão, o financiamento 
efetivo para a criação e manutenção de unidades de conservação é fortemente 
voltado para asunidades de proteção integral. Este contexto procura reproduzir 
o fundamento conservacionista americano, para o qual a conservação deve se 
dar de forma isolada da presença humana (“silverness”) (Diegues 2���). Entre 
os mecanismos adotados para esta priorização, o IBAMA propõe, com base 
em normativa interna (BRASIL 2��4), em sua “Câmara de Compensação 
Ambiental”, que os recursos originados de compensação provenientes do 
licenciamento ambiental federal sejam aplicados exclusivamente em unidades 
de conservação de proteção integral, em detrimento das unidades de uso 
sustentável, salvo se o empreendimento licenciado esteja localizado no entorno 
de alguma destas unidades. Trata-se aqui de uma grande soma de recursos, uma 
vez que de �,� a 2 % do valor total de cada empreendimento licenciado em 
âmbito federal são destinados à compensação ambiental.
Outro exemplo da não congruência entre os valores e conhecimentos locais/
tradicionais e o desenvolvimento de políticas públicas encontra-se no grande 
distanciamento entre estes e a legislação ambiental, também comprometida, 
em muitos casos, com a exclusão social necessária ao projeto neo-liberal. 
Em termos práticos, como conciliar a valorização do conhecimento quanto à 
construção artesanal de barcos utilizando espécies nativas, bem como a própria 
pesca artesanal, na medida em que é proibido a retirada de espécies nativas para 
este fim (BRASIL �96�; BRASIL �99�) e na medida em que a imensa maioria 
do apoio governamental, em todos os sentidos, se dá para a pesca industrial 
de elevado emprego de capital? Como estimular a prática da medicina caseira 
com base em recursos genéticos nativos e, por conseqüência, a valorização e 
conservação destes recursos, na medida em que, para se retirar cascas ou folhas 
de árvores faz-se necessário, legalmente, a elaboração de planos de manejo 
por profissionais habilitados e o licenciamento do órgão ambiental competente 
(BRASIL �96�; BRASIL �99�) – elementos que tornam a elaboração de um 
chá um processo legalmente inviável? Como associar a agricultura de coivara, 
processo cultural tradicional que em geral sempre estimulou a biodiversidade 
local (Vivan �998, Siminski 2��4), com a impossibilidade legal de manter 
pousios longos na mata atlântica (BRASIL �99�; BRASIL �994)? Vários outros 
exemplos de distanciamento entre a legislação e os valores, conhecimentos e 
práticas de manejo locais/tradicionais poderiam ser citados. O ponto crucial é 
��
que, na elaboração e gestão dos instrumentos da legislação ambiental brasileira, 
o princípio da participação comunitária, tão apregoado nas obras de direito 
ambiental (Aguiar 2��2), praticamente não é aplicado.
Considerando os aspectos discutidos acima, no período entre a indicação 
da importância dos conhecimentos e valores locais/tradicionais para os gestores 
de políticas públicas e a valorização/aplicação destes nas citadas políticas, é 
possível que grande parte dos mesmos estejam transformados, reduzidos ou 
inexistentes. É possível ainda que os informantes, detentores do conhecimento, 
tenham falecido, assim como é possível que a própria comunidade não exista 
mais. Além disso, é possível e provável que estes conhecimentos/valores nunca 
sejam efetivamente valorizados pelas políticas públicas, simplesmente por não 
serem considerados importantes, ou serem considerados contraditórios, a estas 
políticas.
Que fazer? – Se é razoável assumir a premissa que, em geral, a promoção 
dos conhecimentos e valores locais/tradicionais é contraditória às bases das 
políticas públicas de conservação e desenvolvimento local e que estas políticas 
têm sua origem no modelo de desenvolvimento neo-liberal, é uma tentação 
dialética assumir, igualmente, que esta valorização não pode se dar na esfera 
deste modelo. Portanto, para que os resultados da etnobotânica pudessem ser 
amplamente utilizados nas políticas públicas, seria necessário a mudança do 
modelo de desenvolvimento. Por mais óbvia que seja a necessidade da luta 
política pela mudança do modelo de desenvolvimento neo-liberal, não só para a 
conservação ambiental e cultural, mas para todos os setores do desenvolvimento 
econômico e social, condicionar a aplicação efetiva e ampla da etnobotânica nas 
políticas públicas exclusivamente à mudança do modelo de desenvolvimento 
não deixa de ser uma opção maniqueísta e pouco estratégica.
Em um país que ainda hoje guarda fortes resquícios da vida colonial, política 
pública é considerada como uma ação que deve ser desenvolvida pelo Estado em 
sua esfera administrativa, já que este é o próprio símbolo da “coisa pública”. Essa 
“coisa pública”, entretanto, tem sido promotora de um modelo de desenvolvimento 
que estimula a desculturação e a exclusão social, independentemente dos governos 
que a regem, temporariamente. É para este Estado que a academia tem entregue os 
retratos das inter-relações entre homem e planta, feitos nas comunidades que lutam 
por manter estas inter-relações em meio aos “bombardeios” de desculturação que 
o próprio Estado ajuda a promover. 
Por outro lado, é possível vislumbrar uma outra dimensão do termo 
“política pública”. O público real, ou seja, as comunidades humanas, ao 
promoverem ações políticas, estão, conceitualmente, promovendo políticas do 
público, ou políticas públicas. Em princípio, para que a medicina caseira, a 
pesca artesanal, a agroecologia e tantas outras políticas públicas (do público), 
fundamentadas em conhecimentos locais e tradicionais, sejam praticadas, não há 
�6
necessidade exclusiva da “coisa pública” (não tão pública assim), representada 
pela esfera administrativa do Estado.
Neste aspecto, a academia, embora inserida em grande parte no contexto 
estatal, por apresentar-se liberta das esferas administrativas, pode contribuir de 
forma importante, especialmente por meio da etnobotânica.
Um aspecto metodológico de grande pertinência neste sentido é a inclusão 
da pesquisa-ação como metodologia de campo nos trabalhos em etnobotânica. 
Pesquisa-ação e pesquisa participante não são sinônimos. A pesquisa 
participante, usualmente aplicada em trabalhos em etnobotânica, engloba uma 
série de metodologias com características específicas – observação participante, 
diagnóstico rápido participativo (DRP), Sistema de Desenvolvimento Local 
(SISDEL), agricultores-experimentadores (AE), pesquisa longitudinal, bem 
como a pesquisa-ação, dentre outras (Brandão �98�; Brandão �984; Thiollent 
�984; Chambers et al. �989; Kottak �994; Geilfus �99�; Torres 2���; Minayo 
2���). Entretanto, na maioria destas metodologias, há uma preocupação 
sobretudo com o papel do investigador dentro da situação investigada, chegando-
se a problematizar a relação pesquisador/pesquisado no sentido de estabelecer a 
confiança e outras condições favoráveis a uma melhor captação de informação. 
No entanto, nem sempre a relação entre investigação e ação, dentro da situação 
considerada, é um fator preponderante. Dentre as diferentes metodologias da 
pesquisa participante, a pesquisa-ação procura enfatizar justamente este aspecto. 
Assim, a pesquisa-ação não é apenas uma pesquisa participante, mas sim um 
tipo de pesquisa centrada na questão do agir (De Schutter �98�; Fals Borda 
�98�; Freire �982; Thiollent �984).
De acordo com Thiollent (�984), “na pesquisa participante, a preocupação 
está mais concentrada no pólo pesquisador do que no pólo pesquisado. Além 
disso, não se trata de ação na medida em que os grupos investigados não são 
mobilizados em torno de objetivos específicos e sim são deixados às suas 
atividades comuns. O fato de os pesquisadores participarem nas situações 
observadas não é uma condição suficiente para se falar em pesquisa-ação. 
Pois, além da participação dos investigadores, a pesquisa-ação supõe uma 
participação dos interessados na própria pesquisa organizada em torno de 
uma determinada ação – uma intervençãocom mudanças dentro da situação 
investigada” (Thiollent �984).
Embora muitos trabalhos em etnobotânica se utilizem de metodologias 
da pesquisa participante para o diagnóstico das inter-relações homem-planta, 
a pesquisa-ação é pouco utilizada, talvez justamente porque foge do controlecontrole 
puramente acadêmico das metas e resultados a alcançar, bem como ao propósito 
exclusivo do diagnóstico. Por outro lado, as demandas de pesquisas tendem 
a surgir de editais e de linhas geralmente distantes das necessidades das 
comunidades locais/tradicionais. 
��
Assim, os resultados e conclusões dos diagnósticos, descritos de forma 
acadêmica, acabam marcando o término de grande parte dos trabalhos. Não 
raras as vezes, a maior contribuição direta à comunidade que se propõe no 
escopo de muitos trabalhos é a “devolução” ou o “retorno” à comunidade, 
do conhecimento academicamente sistematizado. Este “retorno”, porém, 
pouco acaba contribuindo com a valorização pública local dos seus próprios 
conhecimentos. Neste sentido, Hersch-Martinez e Chevez (�996), propõe que 
“quando por uma questão metodológica se desvincula o saber da populaçãouando por uma questão metodológica se desvincula o saber da população 
acerca de seu recurso (com todos os seus valores inclusos), esta se converte em 
objeto informante. Este saber será decifrado e recodificado em um processo 
de apropriação e interpretação de dados que forma parte da construção da 
realidade realizada pelo mundo acadêmico. Tal redução implica não somente em 
desrespeito ao mundo de crenças e instituições do informante, mas na retirada da 
condição de sujeito do conhecimento que o mesmo efetivamente é. Acreditando 
que não tem conhecimento, o ex-sujeito não confia na sua utilização, passando 
a ser influenciado por um suposto conhecimento mais elevado de quem o 
expropriou” (Hersch-Martinez & Chevez �996). Dessa forma, o “retorno” à 
comunidade “informante” pode mais inibir do que estimular a valorização do 
conhecimento local/tradicional.
Por outro lado, quando na pesquisa-ação o conhecimento local é 
valorizado em toda a sua amplitude, através da vivência coletiva dos valores 
associados e da percepção conjunta, entre academia e comunidade, dos 
benefícios desta valorização, há uma motivação para a autonomia e a auto-
gestão do saber, favorecendo a condição de sujeitos sociais transformadores 
entre os envolvidos.
Neste sentido, o desafio passa a ser o rompimento da dicotomia entre 
“diagnosticar” e “retornar” o conhecimento sistematizado à comunidade 
informante, para um paradigma que considere a “construção” coletiva da 
valorização e da prática do conhecimento.
A prática da pesquisa-ação, portanto, transcende ao aspecto da 
multidisciplinaridade, uma vez que neste conceito estão apenas englobadas 
as disciplinas – todas da academia. O desafio proposto pela pesquisa-ação é 
o envolvimento das “disciplinas” do mateiro, da benzedeira, do agricultor, do 
pescador e tantas outras, não como meros elementos do conjunto do “público 
informante” ou “público-alvo”. A proposta é a mobilização destes grupos para 
uma pesquisa que gere, na medida em que é desenvolvida, resultados práticos 
de valorização e promoção do conhecimento local para a melhoria da qualidade 
de vida, considerando inclusive as contribuições que o meio acadêmico é capaz 
de fornecer. Na medida em que deixam de ser “alvo”, estes grupos “passam 
também a atirar”, para o alvo que é construído conjuntamente, desde a formulação 
do problema até a luta para a conservação pública local do ambiente e seus 
�8
recursos, passando pela geração de vários resultados e conclusões, reflexões e 
reformulações do problema original.
Obviamente que não se trata de menosprezar o saber e o instrumental 
acadêmico no processo de pesquisa, o que seria absurdo. Cabe aqui a colocação 
de De Roux (�99�), o qual indica que vêm surgindo determinados enfoques de 
pesquisa que tendem a sobrevalorizar o saber popular, considerando-o como 
única fonte de sabedoria. De acordo com este autor, este tipo de abordagem, 
que ignora a validade do saber erudito e do conhecimento técnico e científico, 
desconhece a ambivalência e a heterogeneidade do pensamento popular como 
um “construtor multifacetário” edificado historicamente na confrontação entre 
racionalidades e saberes diversos, com freqüência até contraditórios. Assim, 
pretender que a solução dos problemas se inspire unicamente na sabedoria 
popular, reflete em ações futilmente espontâneas, limitadas em seu alcance e 
pouco eficazes (De Roux �99�).
Entretanto, para que a pesquisa-ação seja aplicada, faz-se necessário 
um comprometimento político do pesquisador com o público, neste caso 
intransferível para a esfera administrativa do Estado. Neste aspecto, a prática do 
pesquisador em etnobotânica em assumir uma postura de não interferência junto 
ao público pesquisado, a fim de que o diagnóstico seja o mais fidedigno possível, 
precisa ser transformada em prática de parceria para a transformação social, 
visando a valorização do conhecimento comunitário, ainda que respeitando e 
sistematizando a origem do diagnóstico.
Em vários contextos, no Brasil e na América Latina, a articulação 
comunitária para a promoção dos valores e conhecimentos locais/tradicionais, 
de forma associada ao conhecimento técnico-científico, vem se dando em 
movimentos populares de saúde, em associações de bairro, em comunidades 
de pescadores artesanais e em grupos de agricultores ecologistas, entre 
outros grupos sociais. Entretanto, muitas vezes esta articulação não envolve 
o comprometimento da academia, restringindo-se o envolvimento externo 
a ONG`s de desenvolvimento rural ou da área da saúde (Pastoral da Saúde, 
Centro Nordestino de Medicina Popular, entidades da Rede Eco-Vida, 
Articulação Pacari, entre tantas outras) apoiadas por doações ou por instituições 
de fomento internacionais ou nacionais. Parece existir, portanto, uma grande 
lacuna acadêmica de envolvimento nestes processos, cujo espaço não pode ser 
preenchido tão bem por qualquer outra ciência que não a etnobotânica.
Para tanto, do ponto de vista metodológico, algumas práticas usualmente 
utilizadas poderiam ser aprimoradas – fato que já vem acontecendo em vários 
trabalhos de etnobotânica – considerando-se sempre o enfoque da vivência 
coletiva do conhecimento e dos valores, bem como da coletivização das 
ações, resultados e encaminhamentos. Na Tab. � são propostas algumas destas 
adequações. Obviamente, não se pretende apresentar, nesta Tabela, um roteiro 
�9
de trabalho, nem tão pouco esgotar, de longe, as possibilidades de adequações 
metodológicas da pesquisa-ação à etnobotânica. Pretende-se, exclusivamente, 
apresentar exemplos destas possíveis adequações, alguns dos quais discutidos em 
diferentes trabalhos (Fals Borda �98�; Freire �982; Thiollent �984; Chambers 
et al. �989; Carvalho �99�; Kottak �994; Hersch-Martinez & Chevez �996;Hersch-Martinez & Chevez �996; 
Geilfus �99�; Steenbock 2���; Shanley & Laird 2��2).Steenbock 2���; Shanley & Laird 2��2).
Conclusões
Contribuir para estimular condições locais para o resgate, o estímulo e para estimular condições locais para o resgate, o estímulo e 
a prática dos conhecimentos e valores tradicionais vinculados às inter-relações 
entre homem e planta é um propósito de grande importância na etnobotânica, 
visando a conservação ambiental de forma associada a um desenvolvimento 
local calcado na autonomia e no empoderamento das comunidades. Em outras 
palavras, este propósito seria o de contribuir para a criação de condições de 
desenvolvimento e aplicação de políticas públicas pelo público, no que tange à 
utilização e manejo dos recursos naturais, estimulando a cidadania, a valorização 
cultural e a inserção política e social das comunidades humanas.
Para tanto, faz-se necessário a busca pela inclusão das ações de valorizaçãotanto, faz-se necessário a busca pela inclusão das ações de valorização 
do conhecimento local/tradicional nas possibilidades de custos dos projetos de 
pesquisa, englobando a articulação entre educação, pesquisa e extensão como 
elemento fundamental (Shanley & Laird 2��2).
Contudo, a questão crucial, inclusive para a busca de financiamentos, a questão crucial, inclusive para a busca de financiamentos 
adequados para a pesquisa, é a criação de vínculos e compromissos sociais entre 
pesquisadores e grupos sociais. Nas palavras de Gadamer (Gadamer �99�, Gadamer (Gadamer �99�, apud 
Hersch-Martinez & Chevez �996), faz-se necessário criar condições apropriadas 
para a “fusão de horizontes”, entendida esta como a comunicação de tradições 
distintas que carateriza todo o ato de compreensão e através da qual se revelam 
o significado e a verdade.
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8�
Tabela 1. Aspectos metodológicos da pesquisa-aç�o aplicados à etnobotânica
Definição do grupo social
Muitas vezes, a escol�a dos grupos sociais em que os projetos de pesquisa em 
etnobotânica ser�o desenvolvidos levam em conta critérios culturais, sociais ou econômicos. 
Entretanto, raramente é analisado o critério da vontade do grupo em participar da pesquisa 
e a mobilizaç�o potencial que o grupo possa apresentar. Disso resulta, freqüentemente, 
um acúmulo de trabal�os em etnobotânica nos mesmos grupos sociais, os quais, por n�o 
enxergarem resultados práticos dos trabal�os, acabam por desmerecer novas iniciativas. É 
importante, portanto, em uma perspectiva de pesquisa-aç�o, que a proposta do trabal�o seja 
previamente apreciada, discutida e eventualmente modificada junto aos grupos em que se 
pretende realizar o trabalho.
Observação participante
A observaç�o participante é método comumente utilizado em trabal�os de etnobotânica, 
a qual significa, em curtas palavras, tomar parte da vida da comunidade enquanto se procede 
a pesquisa (Kottak 1994). Seu uso no contexto da pesquisa-aç�o transcende a necessidade do 
mel�or entendimento das relações sociais e culturais pelos pesquisadores, servindo para, além 
disso, criar bases coletivas para a determinaç�o do problema, do objeto e das estratégias de 
pesquisa.
Definição do problema e do objeto de estudo
Na perspectiva da pesquisa-aç�o, os grupos sociais n�o s�o os objetos de estudo. As inter-
relações entre �omem e planta, nos grupos envolvidos, podem ser estudadas pelo próprio grupo 
social, em parceria e de forma facilitada pelos pesquisadores – que passam a assumir um papel 
de facilitadores, no conjunto total de pesquisadores do grupo. Sob esta ótica, n�o �averá como 
desvencil�ar estas inter-relações da problemática sócio-cultural-ambiental-econômica destes 
grupos. Por outro lado, é aqui que reside um dos principais aspectos da motivaç�o do grupo 
em participar da pesquisa, na medida em que este passa a construir e a enxergar as finalidades 
da mesma. Para esta etapa, métodos de Diagnóstico Rápido Participativo (DRP), AnálisesPara esta etapa, métodos de Diagnóstico Rápido Participativo (DRP), Análises 
coletivas de conjuntura, Educaç�o Popular e Planejamento Estratégico Participativo (PEP) s�o 
muito pertinentes. Roteiros dirigidos, temas geradores, cartilhas de debate e outros instrumentos 
similares podem ser muito úteis no processo de facilitaç�o.
Elaboração de cartilhas de debate
As cartil�as de debate n�o apresentam, necessariamente, informações provenientes da 
sistematizaç�o do con�ecimento. Neste tipo de cartil�a, s�o incluídos desen�os, diagramas, 
textos de base, temas geradores e roteiros dirigidos, visando a geraç�o de perguntas para serem 
debatidas e respondidas coletivamente. Para a elaboraç�o deste tipo de cartil�a, é fundamental, 
no mínimo, uma observaç�o participante eficiente por parte dos facilitadores. O uso coletivo 
e dinâmico de cartilhas de debate pode contribuir em muito para direcionar o rumo das 
investigações, visando o desenvolvimento local.
Caminhadas etnobotânicas
As camin�adas etnobotânicas consistem em “passeios” coletivos nos ambientes onde se 
encontram os recursos vegetais utilizados pela comunidade, visando con�ecê-los e recon�ecê-
los. Quando uma espécie é identificada, por algum dos participantes, discute-se todos os aspectos 
possíveis de sua utilizaç�o e ocorrência natural, contando-se com a experiência e con�ecimento 
dos participantes da camin�ada. Estes aspectos s�o questionados e anotados por facilitadores. 
Amostras das plantas s�o coletadas e prensadas para a elaboraç�o de exsicatas. As camin�adas 
etnobotânicas diferem, conceitualmente, das turnês guiadas (Alexiades 1996). O principal 
fundamento desta diferença consiste no fato de que o objetivo das camin�adas etnobotânicas n�o 
é exclusivamente o diagnóstico do uso de plantas, mas sim uma apreens�o e discuss�o coletiva 
destes usos, visando diretamente o resgate e a valorizaç�o comunitária deste con�ecimento
84
Cadernos mini-herbários
As exsicatas provenientes das amostras coletadas nas camin�adas etnobotânicas podem 
servir para a confecç�o de cadernos mini-�erbários, nos quais, além das exsicatas, s�o transcritos 
todos os aspectos discutidos nas camin�adas. Estes cadernos podem ser utilizados nas oficinas 
de mutir�o.
Oficinas de mutirão
A partir do con�ecimento registrado nos cadernos mini-�erbários, bem como em outros 
instrumentos e em relatos de reuniões, podem ser promovidas oficinas visando a elaboraç�o/
confecç�o ou construç�o de materiais ou produtos indicados. Estas oficinas também servem para 
a troca de idéias, de mudas e de experiências na utilizaç�o das plantas em quest�o, aspectos que 
podem ser registrados pelos facilitadores. Além disso, os produtos produzidos coletivamente 
podem ser distribuídos entre os participantes, estimulando processos locais de troca.
Promoção de hortas e quintais
Na medida em que se estimule as trocas de mudas entre os membros da comunidade, as hortas 
e quintais tendem a ser incrementados com as espécies trocadas. A evoluç�o do con�ecimento de 
cada membro do grupo e do número de espécies em suas �ortas e quintais pode ser avaliado pelos 
facilitadores. Além disso, pode-se estimular a criaç�o de �ortas referenciais, nas quais podem ser 
encontrados, para uso pela comunidade, diversos recursos terapêuticos, artesanais e alimentícios. 
Esta prática tem sido amplamente difundida em experiências populares de medicina caseira, 
tais como as “farmácias vivas” do nordeste brasileiro (Mattos 1997) e da Articulaç�o Pacari 
(cerrado) e as �ortas medicinais da regi�o de Buenos Aires (CETAAR 1998)
Elaboração de cartilhas informativas e de vídeos
A partir da sistematizaç�o do con�ecimento, levada a cabo durante a realizaç�o de diferentes 
atividades, como as aqui propostas, torna-se possível a elaboraç�o de cartil�as e de vídeos que 
conten�am as informações registradas, as quais podem auxiliar em muito ações de difus�o do 
con�ecimento. Neste caso, é de grande importância o envolvimento de membros da comunidade 
na elaboraç�o dos materiais, seja visando a adequaç�o de linguagem para a realidade local/
regional, seja considerando a importância do conhecimento ser repartido entre sujeitos do 
mesmo, os quais, como sujeitos, s�o co-responsáveis pelo tipo de informaç�odifundida. 
Este envolvimento contribui, paralelamente, para o estímulo à auto-gest�o e à autonomia da 
comunidade para o desenvolvimento local.
Eventos lúdicos e culturais
Na prática da educaç�o popular, o lúdico é sempre um dos aspectos mais relevantes para a 
valorizaç�o cultural, revitalizando sua mística. Assim, no decorrer da pesquisa, eventos como a 
promoç�o de teatros, gincanas, danças, exposições, paródias, esportes, festivais musicais, etc, 
que ten�am como base aspectos relacionados ao uso de plantas na comunidade, s�o de grande 
importância. Nestes eventos, é comum a apresentaç�o de múltiplas interfaces entre a utilizaç�o 
de plantas e os demais aspectos sociais, culturais e econômicos da comunidade, os quais podem 
ser registrados pelos facilitadores.
Oficinas de reflexão
Na medida em que metodologias como as aqui apresentadas forem sendo praticadas, uma 
série de resultados podem ser sistematizados e trazidos, periodicamente, para uma avaliaç�o 
coletiva do andamento da pesquisa e para a proposiç�o de novos encamin�amentos e re-
formulações dos problemas e objetivos. Eventualmente, o estímulo prático ao con�ecimento 
local pode encontrar barreiras na legislaç�o ou na estrutura social local/regional, exigindo, nestes 
casos, um processo de mobilizaç�o comunitária para a resoluç�o destes entraves. Por outro 
lado, este estímulo pode gerar oportunidades de comercializaç�o de produtos locais, economia 
solidária, turismo rural, ecoturismo, entre outros. Neste sentido, estas oficinas podem funcionar 
como instrumentos práticos de promoç�o da cidadania e da inserç�o comunitária nas políticas 
públicas locais e regionais.
Tabela �. Continuação
A perspectiva da etnobotânica 
sobre o extrativismo de produtos 
florestais não madeiráveis e a 
conservação
Gabriela Coelho de Souza 
 Rumi Kubo
 DESMA – Núcleo de Estudos em Desenvolvimento Rural Sustentável e Mata Atlântica.
 Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural UFRGS/ PRODOC-CAPES
 Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural UFRGS/ PRODOC-CAPES
Capítulo 6
8�
Introdução
O desenvolvimento da Etnobotânica vem contribuindo para a discussão 
de certos pressupostos das ciências biológicas. A partir de estudos sobre as 
práticas de manejo de ecossistemas por comunidades tradicionais (Anderson 
& Posey �98�, �98�; Gómez-Pompa �9��; Posey �98�), comprovou-se que 
determinados ecossistemas considerados “naturais” são resultado da coexistência 
entre comunidades tradicionais e ambientes�. Esta constatação leva alguns autores 
a lançarem a hipótese de que muitos dos ecossistemas tropicais considerados 
“naturais” podem ter sido profundamente moldados por populações tradicionais 
(Anderson & Posey �98�).
Por ser necessário, a partir destas constatações, uma avaliação mais 
aprofundada sobre a distinção de ambientes com ou sem a interferência antrópica, 
o limite entre as categorias “natural e social” torna-se mais fluído, caracterizando 
a ligação inseparável entre sócio e biodiversidade2 (Declaração de Belém �988). 
Neste sentido, a conservação deve ser pensada no nível�� a) dos ecossistemas, onde 
devem ser mantidos os componentes da diversidade biológica b) das comunidades 
tradicionais per se; c) da cultura destas comunidades, fundamentalmente das práticas 
de manejo da biodiversidade, d) dos modelos de conservação e políticas públicas 
adotados pelos países. 
O novo modelo de ciência da conservação envolvendo o resgate, o estudo 
e a valorização do conhecimento ecológico local (Berkes �999; Hazanaki 2���), 
proposto pela Etnobotânica, resulta em modelos de manejo sustentável dos recursos 
e criação de planos de desenvolvimento melhor adaptados às condições locais. Esta 
concepção é proposta no âmbito das políticas públicas e movimentos ambientalistas 
pelo Socioambientalismo (Santilli 2���) e Etnoconservação (Diegues 2���). 
Diegues (2���) propõe o termo Etnoconservação para contrapor à Conservação, 
utilizada em amplo sentido, como a conservação ou manutenção de alguns ou de 
todos os componentes da diversidade biológica, incluindo o uso sustentável, sua 
restauração e recuperação (Watson & Heywood �99�). Segundo o autor, apesar 
do discurso moderno conceituar a conservação incluindo o uso sustentável e, por 
pressuposto, reconhecendo o saber e as influências das comunidades tradicionais 
 
� Estudos de Anderson & Posey (1987) comprovam que as práticas de manejo dos Kayapó in��uenciam 
todos os níveis ecológicos das áreas de Cerrado, �abitadas por eles. Sendo que, anteriormente, estas 
áreas eram consideradas “naturais”. A partir destes resultados os autores lançam a �ipótese de que, além 
do Cerrado, muitos dos ecossistemas tropicais considerados “naturais” podem ter sido profundamente 
moldados por populações tradicionais.
2 A Declaraç�o de Belém foi declarada durante o Primeiro Encontro Internacional de Etnobiologia em 22 
de jul�o de 1988. Nela os etnobiólogos e povos indígenas consideram que “as ��orestas tropicais est�o 
desaparecendo, muitas espécies animais e vegetais se encontram em perigo de extinç�o, e as culturas 
indígenas de todo planeta est�o sendo desmembradas e destruídas; ... entendem que: - as condições 
econômicas, agrícolas e de saúde das populações dependem destes recursos, - as populações nativas tem 
sido os fornecedores de 99% dos recursos genéticos do mundo, - existe uma inseparável ligaç�o entre 
diversidade cultural e diversidade biológica...”
88
sobre os ecossistemas, a Conservação na prática se limita à proteção, manutenção 
e restauração do mundo natural. No Brasil estas concepções preservacionistas têm 
forte ressonância, a partir da década de 9�, em contraposição a um intenso processo 
de degradação em curso, sendo implementadas através de uma legislação ambiental 
bastante restritiva no âmbito das opções de uso.
Embora na prática ainda prevaleçam ações calcadas em ideários 
preservacionistas, a concepção da Etnoconservação vem se consolidando no 
contexto internacional através de ações voltadas ao desenvolvimento sustentável, 
visando a conservação da sócio e biodiversidade. A Convenção sobre a Diversidade 
Biológica�, de �992, e a agenda 2� refletem o comprometimento dos países 
signatários com a conservação. No âmbito das cooperações internacionais, está o 
Programa o Homem e a Biosfera (MAB), programa de cooperação científica da 
UNESCO4, que busca “promover o conhecimento, a prática e os valores humanos 
para implementar as boas relações entre as populações e o meio ambiente 
em todo o planeta” (UNESCO 2��6). Seus objetivos incluem a criação de 
Reservas da Biosfera (RB´s) e a manutenção de uma rede de informações para o 
equacionamento de questões ligadas a sua gestão. As RB´s, implantadas em áreas 
de alta biodiversidade, se constituem em um sistema de gestão e planejamento que 
visa a promoção da conservação da biodiversidade, a difusão do conhecimento e a 
promoção do desenvolvimento sustentável (RBMA 2��6). 
No bojo desta discussão, de repercussão socioambiental, encontram-se em 
disputa diversos interesses representados por diferentes esferas sociais, entre elas o 
poder público, organizações internacionais, iniciativas privadas, organizações não 
governamentais, comunidades tradicionais e academia. Neste contexto, a questão 
proposta nesta mesa redonda - O extrativismo é viável socioambientalmente? - será 
discutida a partir da relação de comunidades tradicionais da Mata Atlântica, que 
praticam o extrativismo de produtos florestais não madeiráveis (PFNM), com os 
ecossistemas e a sociedade urbano industrial. Com esta finalidade, a questão da 
samambaia-preta no Rio Grande do Sul será o ponto de partida para esta análise.
Experiência do extrativismo da samambaia-
preta no Rio Grande do Sul
A espécie Rumohra adiantiformis (G. Forst.) Ching (Dryopteridaceae-
Pterophyta) de distribuição pantropical (Milton &Moll �988) se destaca dentre as 
espécies de estádios iniciais de regeneração florestal por sua importância econômica 
e socioambiental (Miguel et al, 2��6). As folhas apresentam valor comercial por 
possuírem grande durabilidade após sua coleta, sendo comercializadas em nível 
mundial para utilização em arranjos de flores. No Brasil e África do Sul são obtidas 
por extrativismo, enquanto que na Flórida e Costa Rica são cultivadas em viveiros 
irrigados (Fig. �).
� Os três objetivos principais s�o: a conservaç�o da biodiversidade, o uso sustentável de seus componentes e 
a repartiç�o justa e eqüitativa dos benefícios advindos da utilizaç�o dos recursos genéticos (SCDB 2006).
4Organizaç�o das Nações Unidas para a Educaç�o, a Ciência e a Cultura (�ttp://www.unesco.org.br/)
89
 
No Brasil, o extrativismo de samambaia-preta é realizado em áreas de Mata 
Atlântica do sul e sudeste do país (Conte et al 2���; Hanazaki 2���), tendo grande 
expressividade nas encostas da Serra Geral, na região nordeste do Rio Grande do 
Sul �. Estas, de propriedade de agricultores familiares, se localizam em zona tampão 
das áreas da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, no entorno de Unidades de 
Conservação (Reserva Biológica da Serra Geral, FLONA de São Francisco de Paula 
e Área de Proteção Ambiental (APA) da Rota do Sol). A maior parte constitui-se 
em áreas de preservação permanente, por apresentarem declividade superior a 
4�º e estarem localizadas em topos de morro ao longo de rios e nascentes (Fig. 
2). Reis (�996) aponta que a utilização de áreas de Floresta Ombrófila Densa, de 
relevo fortemente ondulado, fica restrita ao manejo com manutenção permanente 
da cobertura florestal. 
O extrativismo (Fig. �), iniciado no final na década de 6�, atualmente está 
entrando em fase de declínio. Na década de 6�, fatores históricos, econômicos e 
sociais desencadeados pela “revolução verde” levaram à diminuição da população 
humana vivendo nas áreas de encosta da Floresta Ombrófila Densa no RS. A 
partir de então, muitas áreas deixaram de ser manejadas, estimulando o início da 
regeneração florestal. Ao mesmo tempo o mercado nacional identificou a presença 
de samambaia nas áreas de encosta e a possibilidade de explorá-la economicamente. 
A coincidência destes dois momentos levou ao estabelecimento do extrativismo de 
samambaia-preta a partir da década de ��, como um novo ciclo econômico na região, 
tornando-se a principal fonte de renda para as famílias de agricultores familiares que 
permaneceram nas áreas de encosta. A partir do estabelecimento desta atividade, 
nos anos ��, o extrativismo iniciou sua fase de expansão, atingindo uma fase de 
estabilização entre as décadas de 8� e 9�. Com a sucessão florestal avançando, 
ocorreu a passagem dos estádios sucessionais iniciais para estádios médios, levando 
à diminuição dos estoques de samambaia e o início da fase de declínio a partir dos 
primeiros anos do novo milênio (Coelho de Souza 2���).
Nestas áreas, estima-se que duas mil famílias de agricultores familiares 
extrativistas dependam economicamente da extração de samambaia como principal 
fonte de renda. Além disso, representam, atualmente, um centro de produção da 
espécie no país, pois cerca de ��% da samambaia comercializada no Brasil provém 
do estado do RS (Ribas et al. 2��2).
O Projeto Samambaia-preta6, iniciado em 2���, desenvolvido a partir de 
estudos interdisciplinares calcados nos princípios da Etnobotânica, fez uma análise 
da questão extrativista do ponto de vista biológico econômico e social. A partir dos 
� Esta regi�o é considerada o limite austral da Floresta Ombrófila Densa (Mata Atlântica sensu stricto) 
no Brasil.
6 As instituições que desenvolvem o projeto s�o: DESMA/PGDR-UFRGS – Núcleo de Estudos em De-
senvolvimento Rural Sustentável e Mata Atlântica/Programa de Pós-graduaç�o em Desenvolvimento 
Rural - UFRGS, NPFT/UFSC – Núcleo de Pesquisas em Florestas Tropicais - UFSC - ONG ANAMA 
– ONG Aç�o Nascente Maquiné NPFT
9�
estudos biológicos e ecológicos� corroborou-se a sustentabilidade do manejo das 
populações de samambaia nos ambientes de ocorrência (Baldauf 2��6; Kubo et al 
2��6; Coelho de Souza et al 2��6). Ficando demonstrado que as folhas extraídas 
nos ciclos de exploração, praticados pelos agricultores familiares extrativistas, são 
repostas pela própria dinâmica da população, sem perda da variabilidade genética, 
caracterizando um manejo sustentável (Fantini et al �992). 
Segundo Baldauf (2��6), R. adiantiformis apresenta todas as características 
ecológicas indicadas para espécies prioritária para manejo sustentável, segundo 
indicadores propostos por Cunningham (2���). A espécie apresenta�� a) ampla 
distribuição geográfica, b) baixa especificidade de habitat, c) grandes tamanhos 
populacionais, d) altas taxas de renovação, e) como grupo geral de recursos as 
folhas, órgão de rápida reposição; f) reprodução sexuada oogâmica, g) dispersão 
anemocórica, hidrocórica e propagação clonal. 
Do ponto de vista econômico, o projeto realizou a caracterização 
socioeconômica dos extrativistas e o estudo da cadeia produtiva (Ribas et al. 2��2). 
Os resultados demonstram uma cadeia produtiva desestruturada, apontando que as 
empresas paulistas, situadas como intermediárias na cadeia produtiva, centralizam a 
comercialização do produto em nível nacional8. Um dos fatores que contribui para 
esta situação é a falta de organização dos intermediários gaúchos, que se estabelece 
em função das relações de insegurança e competitividade, devido ao caráter ilegal 
e clandestino desta atividade. Além disso, a clandestinidade submete estes atores 
a uma economia instável e insegura e ao desamparo legal, frente à situação de 
freqüentes recebimentos de cheques sem fundo.
Cabe ressaltar que a saída da samambaia dos municípios representa a 
passagem do produto da clandestinidade para a legalidade (através da emissão 
de uma nota fiscal), sendo que a maior parte é deslocada para São Paulo. Neste 
contexto, o estado paulista concentra o lucro proveniente de um produto gaúcho e 
impõe o volume e os baixos preços praticados em toda cadeia. Este processo de falta 
de organização dos elos da cadeia produtiva dificulta a valorização da produção e 
investimentos no estado.
Como ressalta Garay (2���) a avaliação e o monitoramento da diversidade 
biológica constituem-se em atividades de caráter transdisciplinar, envolvendo 
objetivos sócio-políticos e econômicos, fixados pela Convenção da Diversidade 
Biológica, em acordo com as políticas de desenvolvimento próprias dos países. 
No caso da samambaia, os resultados dos estudos biológicos e socioeconômicos 
subsidiaram um processo de discussão sobre a regulamentação da atividade 
extrativista no Rio Grande do Sul. Estado onde foi implantado o sistema de legislação 
ambiental mais restritivo do país, em resposta às grandes devastações das florestas 
gaúchas, na década de 6�. Cabe ressaltar que no Estado não há regulamentação 
para o extrativismo de quaisquer PFNM, nem mesmo o pinhão. Sendo que este 
7 Caracterizaç�o das áreas de ocorrência, autoecologia da espécie, demografia, in��uência do manejo 
sobre a demografia e variabilidade genética.
8 n�o se tem dados sobre comércio internacional
9�
é referência de um produto gaúcho, extraído da região norte nas áreas de Floreta 
Ombrófila Mista, comercializado em nível local e estadual.
Durante a execução do Projeto a discussão sobre o extrativismo da samambaia 
foi apresentada em diversos fóruns ambientalistas, acadêmicos e da organização da 
sociedade civil, em nível estadual, sendo promovidos fóruns específicos sobre a 
temática. Foram realizados o I, II e III Encontro da Samambaia-preta, no município 
de Maquiné. O primeiro, em 2���, foi um evento de abrangência estadual contando 
com a participação de 9� pessoas de oito municípios, entre elas representantes do 
poder públicoestadual (Secretaria do Meio Ambiente, Secretaria da Agricultura, 
Secretaria do Trabalho e Ação Social), poder público municipal, organizações não 
governamentais, extrativistas e comunidade em geral. No II Encontro, em 2��2, 
foi divulgado documento assinado pela Secrtaria do Meio Ambiente (SEMA) com 
o comprometimento de regulamentar a atividade, tendo como base os estudos 
científicos realizados9. 
No final de 2��2 foi constituída uma comissão envolvendo a SEMA, 
Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (CERBMA) e o Projeto 
Samambaia-preta para estudar as possibilidades de regulamentação. Esta comissão 
estabeleceu os parâmetros científicos para normatização, além de buscar a adequação 
às normas das outras secretarias envolvidas no cadastramento e licenciamento de 
coleta e comercialização de PFNM´s. No ano de 2��6, o Projeto reativou a discussão, 
realizando o III Encontro da Samambaia-preta, o qual teve o apoio do Ministério 
do Meio Ambiente e a representação do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera 
da Mata Atlântica. Neste evento participaram cerca de 2�� pessoas, entre ONGs, 
Universidades estaduais e da Região Sul, órgãos governamentais, comunidade 
local e regional. Deste evento resultou a Carta de Maquiné (DESMA 2��6), uma 
manifestação pública a favor da regulamentação do extrativismo da samambaia-
preta, que contou com 2�� assinaturas. 
Em apoio à carta de Maquiné a Sociedade Brasileira para o Progresso 
da Ciência, na sua 48o Reunião Anual, apresentou uma moção, encaminhada 
pela Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia, aos órgãos estaduais 
responsáveis pelo licenciamento. Além disso, a viabilidade do extrativismo da 
samambaia-preta, estudada pelo Projeto Samambaia-preta, é apontada pelo Brasil 
como ação do país para conservação da sócio e biodiversidade da Mata Atlântica, 
sendo apresentada no Terceiro Relatório Nacional para a Convenção sobre a 
Diversidade Biológica, conforme a agenda 2� (MMA 2��6). 
A regulamentação, no caso da samambaia-preta, cumpre uma função social e 
ambiental, ao legitimar as práticas de manejo dos agricultores familiares extrativistas 
que permitem a manutenção das áreas de encosta da Mata Atlântica. Neste sentido, 
9 O Projeto Samambaia-preta contemplou a realizaç�o de :
1 monografia de conclus�o de Bac�arelado em Ecologia – UFRGS, premiada pelo Prêmio Darrell 
Posey 2004 (Correa 2004)
1 dissertaç�o de mestrado – PPG-Biologia Vegetal – UFSC (Baldauf 2006)
2 tese de doutorado – PPG-Botânica – UFRGS (Coel�o de Souza 2003)
 PPG- Antropologia – UFRGS (Kubo 2005)
92
as comunidades passam a ter um aporte de renda legal, e, portanto mais estável. 
Este processo é uma forma de reconhecimento desta atividade econômica como 
condizente com a manutenção da biodiversidade, de acordo com uma perspectiva 
ambiental internacional. Dessa forma há um reconhecimento social da categoria 
samambaieiro associada à conservação das áreas de Mata Atlântica, bem como uma 
legitimação de suas práticas, do mesmo modo como o caso dos seringueiros e a 
Floresta Amazônica (Santilli 2���).
Do ponto de vista da conservação da biodiversidade, a regulamentação 
estabelece os critérios de monitoramento e cria mecanismos de controle da atividade, 
compatibilizando a atividade já praticada com os parâmetros científicos propostos 
para manutenção dos estoques das espécies. Com a regulamentação e a implantação 
do monitoramento, através do acompanhamento do manejo das populações, avalia-
se a própria viabilidade do uso dos indicadores propostos, ao longo do tempo 
(Baldauf 2��6).
A abordagem que a mídia vem fazendo da questão da samambaia está 
sintetizada na Tab. �. As diferentes colocações de jornais e revistas, durante os 
últimos � anos, descrevem o desenvolvimento do projeto e suas repercussões em 
nível estadual e sua contextualização no cenário nacional. Partindo de um discurso 
alarmista (Zero Hora 2���) que caracterizou a ação ambientalista no Estado, este 
processo integra uma conscientização crescente da sociedade em geral sobre a 
importância do uso racional para a conservação da sócio e biodiversidade.
Tabela �. Evolução na abordagem da questão da samambaia-preta pela mídia 
durante do período de 2��� a 2��6, em veículo estadual e nacional
Excerto da mídia Mídia/data Abrangência 
“a retirada ilegal de samambaias é o mais escancarado dos saques 
que ocorrem diariamente contra o último vestígio de Mata Atlântica 
que resta em solo gaúcho”
Zero Hora, 2000 Estadual
“Um projeto desenvolvido pela Sema e a ONG ambientalista Ação 
Nascente Maquiné prevê a extração controlada da samambaia-
preta na região da Serra Geral. A idéia é elaborar um manejo 
sustentável já que centenas de famílias serranas vivem da extração. 
Diferentemente do xaxim, da samambaia-preta só é extraída a 
folha, facilmente reposta pela natureza”
Zero Hora, 2002 Estadual
“Samambaia regulamentada... Só é possível legalizar a 
comercialização de espécies nativas se comprovada sua 
sustentabilidade após estudo científico... O estudo comprova a 
sustentabilidade do manejo praticado há cerca de 40 anos por 
pequenos agricultores e aponta a contribuição da extração para a 
conservação da Mata Atlântica.”
Zero Hora, 2006 Estadual
“...Enquanto isso, alguns estados se adiantam para criar leis 
estaduais que favoreçam o aproveitamento sustentado do Bioma. No 
Rio Grande do Sul, um projeto de lei está sendo discutido para 
permitir a exploração da samambaia-preta, espécie muito utilizada 
em arranjos de buquês e coroas funerárias, já que a atual lei proíbe 
a extração de plantas nativas.” 
Com Ciência 
Ambiental, 2006 
Nacional
9�
A regulamentação da samambaia envolve a discussão jurídica sobre a forma 
de interpretação do Código Florestal Estadual (Lei 9.��9/92), principalmente o 
artigo �� que determina que “Ficam proibidas a coleta, o comércio e o transporte 
de plantas ornamentais oriundas de florestas nativas”. O artigo pode gerar duas 
interpretações�� �) qualquer parte do indivíduo é considerada a planta; ou 2) a planta 
é considerada o indivíduo. No caso da samambaia, pela segunda interpretação, 
as folhas seriam um sub-produto, não necessitando alteração da legislação. Esta 
discussão foi pautada no CERBMA e na Câmara Técnica do CONSEMA, onde 
o posicionamento centra-se na regulamentação da atividade, sem alteração na 
legislação, para que não haja precedentes para outras espécies. O Ministério Público 
foi consultado sendo favorável à regulamentação tendo como base os estudos 
realizados, mas não se posicionando quanto à interpretação da legislação.
Durante o processo a Secretaria Estadual do Meio Ambiente se comprometeu 
publicamente a regulamentar a atividade. Neste sentido, foi finalizado o “modus 
operandis” (DESMA 2��6b) do licenciamento, o qual foi apresentado e discutido 
com as comunidades local e acadêmica e conselhos, se caracterizando em um 
processo de construção conjunta. O ponto onde não houve avanços referiu-se à 
forma jurídica de implementação do licenciamento (decreto, portaria ou instrução 
normativa). A SEMA optou por assumir o licenciamento quando o artigo �� do 
Código Florestal Estadual for complementado. A proposta está sendo encaminhada 
juntamente com outras alterações que exigem negociações com vários segmentos 
sociais. Neste sentido, o processo fica na dependência da resolução de demandas a 
serem negociadas com outros segmentos sociais. 
O que torna este caso bastante emblemático é o fato de existir, de um 
lado, toda a base científica para respaldar a ação do poder executivo, bem como 
uma manifestação da academia e sociedade civil. De outro, independente da 
conservação dos ecossistemas, motivo da criação da legislação ambiental, a 
regulamentação fica atrelada à interpretação jurídica da lei, a qual está fracamenterelacionada aos processos ecológicos que conferem a sustentabilidade ambiental. 
Esta situação contrasta os esforços mundiais para a busca de ações que envolvam o 
desenvolvimento sustentável, incluindo as práticas de manejo de recursos naturais, 
com os entraves políticos e operacionais, em nível estadual, a que a regulamentação 
está atrelada. 
Apesar da possibilidade de legalização da atividade fica patente a necessidade 
de uma discussão conjunta, entre todas as esferas envolvidas, sobre o manejo da 
capoeira. A diminuição das práticas agrícolas, impedidas pela legislação, vem 
permitindo a regeneração florestal, fator regulador dos estoques das populações 
de samambaia. Atualmente, na região verifica-se o término destes estoques. Este 
processo está relacionado à proibição da prática central do manejo dos agricultores 
familiares extrativistas nas áreas de encosta, a prática da coivara (agricultura de 
corte e queima). 
No Rio Grande do Sul, estado onde a Mata Atlântica foi fortemente devastada, 
hoje apenas 8% destas áreas são protegidas por Unidades de Conservação, sendo 
94
que 4% correspondem a Áreas de Proteção Ambiental (APAs) (comunicação 
pessoal Fazzio, E. – PCMARS). Para que, realmente, se possa pensar em um 
modelo de conservação no âmbito da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica no 
estado, é necessário que sejam previstas ações, envolvendo o uso sustentável nas 
propriedades particulares. 
A possibilidade de uso dos recursos florestais, com a devida regulamentação, 
se apresenta como alternativa no avanço efetivo de ações para a conservação. À 
medida em que o extrativismo de um PFNM é regulamentado há a consolidação 
das atividades econômicas das comunidades. A regulamentação permite uma 
organização da cadeia produtiva, tendendo a diminuir a comercialização de produtos 
cujo extrativismo não esteja fundamentado em bases científicas, por permitir o 
monitoramento e fiscalização. Em relação aos ecossistemas, a extração de PFNM´s, 
a partir do manejo de rendimento sustentável, mantém os estoques, garantidos pelas 
normas estabelecidas em parâmetros científicos, e diminui a pressão sobre outros 
recursos naturais não regulamentados.
Modelo de (etno) conservação para áreas de 
Mata Atlântica 
As características das comunidades samambaieiras do Rio Grande do Sul 
estão descritas na Fig. 4. Destacam-se a localização em áreas de reconhecido valor 
pela humanidade em termos de riqueza e endemismos biológicos, práticas de manejo 
de PFNM´s e forte influência da sociedade urbano industrial. A proximidade com os 
grandes centros urbanos traz maiores riscos de degradação ambiental, na medida em 
que coloca em cheque os valores culturais, tendendo a homogeneizar concepções e 
práticas sobre o manejo dos ecossistemas. Ao mesmo tempo em que, a proximidade 
e o reconhecimento de áreas prioritárias para a conservação são fatores responsáveis 
pela grande fiscalização e controle das opções de uso destas áreas.
A ação da sociedade traduz-se por mecanismos governamentais, não 
governamentais, internacionais e acadêmicos que se constituem nos vetores 
que influenciam a conservação destas áreas. Estas fortes pressões direcionam as 
estratégias adotadas pelas comunidades extrativistas à diversificação das atividades 
econômicas, envolvendo tanto, práticas de manejo dos ecossistemas, como 
atividades junto à sociedade urbano industrial (Fig. 4). Ao longo da Mata Atlântica 
existem várias comunidades tradicionais que estabeleceram relações semelhantes, 
envolvendo a diversificação da propriedade, consumo de PFNM´s, contato com 
mercados e trabalho conjunto com ONG´s e Universidades (Diegues 2���; Miranda 
2��6; Nunes 2���; Zanoni et al. 2���). Estes exemplos se constituem no modelo 
atual de co-existência de sócio e biodiversidade na Mata Atlântica.
A Fig. � representa as relações estabelecidas entre agricultores familiares 
extrativistas da Mata Atlântica com os ecossistemas e a sociedade urbano-industrial. 
As práticas que tem menor influência da sociedade urbano-industrial, apresentam 
9�
maior grau de dependência dos ecossistemas, tendendo a ser sustentáveis. Em uma 
determinada localidade, há diferentes graus de influência da sociedade urbano-
industrial, resultando em práticas de manejo dos ecossistemas com diferentes 
níveis de sustentabilidade. Neste sentido, a identificação de práticas tradicionais 
sustentáveis é fundamental para elaboração de modelos de conservação.
 A experiência do processo de regulamentação da samambaia envolveu a 
legitimação das práticas e conhecimentos tradicionais importantes para a conservação, 
que em conjunto com o conhecimento científico, apoiou a operacionalização 
da gestão pública dos bens e serviços ecossistêmicos. O reconhecimento do uso 
sustentável de PFNM´s por comunidades tradicionais ao longo da Mata Atlântica 
vem validando o modelo de ocupação das áreas florestadas. Este modelo inclui 
todos os aspectos indicados na figura 4, inclusive práticas consideradas ilegais 
pela legislação, como o corte e queima da capoeira e a necessidade de manejo de 
áreas de preservação permanente. Partindo deste pressuposto, é necessário pensar 
em avaliações sistêmicas da influência destas práticas integradas em nível dos 
ecossistemas.
Ao mesmo tempo, em que a ciência ainda não desenvolveu metodologias 
sistêmicas, de ampla aceitação, a serem utilizadas para avaliação da influência 
de uma cultura sobre os ecossistemas. O status atual de conhecimento permite 
acelerar o processo de avaliação das práticas em curso sobre os aspectos biológicos 
e ecológicos das espécies manejadas, em conformidade com a contextualização 
social (cultural, legal) e ecossistêmica. Neste sentido, a Etnobotânica vem se 
estabelecendo como ferramenta para identificação, avaliação e proposição de 
referenciais para o uso sustentável de PFNM´s, contribuindo para a construção de 
um modelo de conservação da Mata Atlântica. Entretanto, para que este modelo se 
estabeleça é necessário um esforço conjunto entre saber local, técnico, científico, 
social e jurídico para a compatibilização da reprodução social destas comunidades 
com a conservação da biodiversidade. 
Agradecimentos
Aos integrantes do DESMA pelas discussões, ações e comprometimento na 
contribuição do estabelecimento da Etnobiologia no Rio Grande do Sul. Ao Prof. 
Ricardo Mello pelas discussões e críticas a este manuscrito.
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Figura �. Produção e mercados da samambaia-preta.
99
Figura 2. Localização das áreas de extrativismo da samambaia-preta no Rio Grande 
do Sul, evidenciando que a maior parte constitui-se em áreas de preservação 
permanente (zona grifada).
Figura �. Coleta, transporte e distribuição da samambaia.
Fonte�� PCMARS, 2��6
���
 
Figura 4. Relações entre agricultores familiares extrativistas, ecossistemas da 
Mata Atlântica e sociedade urbano industrial.
Figura �. Proposta de avaliação da sustentabilidade das práticas de manejo por 
comunidades tradicionais, com base na identificação de práticas sustentáveis 
que sirvam de referência, a partir de estudos etnobotânicos.
Legenda��
• práticas de manejo tradicional;
�- práticas de manejo sustentáveis que podem ser referência para avaliação de sustentabilidade;
2- práticas de manejo influenciadas pelas técnicas modernas que não atendem aos princípios de 
sustentabilidade;
Manejo Sustentável de capim 
dourado e buriti no Jalapão, TO: 
importância do envolvimento de 
múltiplos atores
Isabel B. Figueiredo
 Aluna do Programa de Pós-Graduação emEcologia da Universidade de Brasília, 
Caixa Postal �44��, CEP ��9��-9��; autor para correspondência�� 
belfig@terra.com.br
Isabel B. Schmidt
Pesquisador da PEQUI – Pesquisa e Conservação do Cerrado - SCLN ���, 
Bloco B, sala ��9, CEP ���6�-�2�, Brasília, DF, Brasil
Analista ambiental do IBAMA, SCEN Trecho 2, CEP ��8�8-9��, Brasília, DF, Brasil
Maurício B. Sampaio
Pesquisador da PEQUI – Pesquisa e Conservação do Cerrado - SCLN ���, 
Bloco B, sala ��9, CEP ���6�-�2�, Brasília, DF, Brasil
Bolsista do Laboratório de Ecologia e Conservação, Embrapa Recursos 
Genéticos e Biotecnologia (Cenargen), Parque Estação Biológica, final W� Norte, 
Caixa Postal �2��2, CEP �����-9��, Brasília, DF, Brasil
Capítulo 7
���
Introdução
Nas últimas décadas, a comercialização deprodutos do extrativismo vegetal 
tem sido apontada como alternativa para conciliar conservação e geração de renda 
para comunidades locais (Nepstad & Schwartzman �992; Redford & Padoch �992). 
No entanto, garantir a efetiva conciliação entre a exploração sustentável de recursos 
naturais e a melhoria da qualidade de vida dos extrativistas é um desafio complexo 
(Hall & Bawa �99�). Isto porque o conhecimento e a forma de manejo tradicional, 
aplicados na exploração em pequenas escalas, para a subsistência, podem não ser 
sustentáveis em uma exploração com escala comercial (Boot & Gullison �99�; 
Cunningham & Milton �98�; O’Brien & Kinnaird �996). Adicionalmente, o alcance 
de um valor de mercado provoca um aumento na demanda pelo produto, que pode 
levar a sobre-exploração, seja pelo incremento no número de extrativistas, seja 
porque regras de manejo tradicionalmente estabelecidas – como pousio de áreas, 
existência de áreas não-exploradas ou épocas em que não há a exploração – passam 
a ser desrespeitadas com o intuito de obtenção de maior lucro (Cunningham & 
Milton �98�).
A união entre pesquisas ecológicas aplicadas, conhecimento tradicional 
e políticas públicas mostra-se um caminho viável na tentativa de garantir o uso 
sustentável de espécies nativas em longo prazo (Ticktin & Johns 2��2; Siebert 
2��4). Considerar o conhecimento e as formas de manejo adotadas por extrativistas, 
bem como envolvê-los nas etapas de planejamento e execução de experimentos 
ecológicos é essencial neste processo. Isto garante a eficácia das propostas de 
manejo e aumenta a probabilidade de adoção destas por parte dos extrativistas, 
uma vez que participam de seu desenvolvimento e compreendem a necessidade de 
mudanças nas práticas de manejo existentes (Paoli et al. 2���; Martin 2��4; Ticktin 
2��4). Por fim, o desenvolvimento de normas e políticas públicas a partir de dados 
científicos garante que boas práticas de manejo sejam adotadas pela maior parte dos 
extrativistas e não só por aqueles com maior envolvimento com a atividade.
Este trabalho relata uma experiência de atuação conjunta de uma Organização 
não-Governamental (ONG) com instituições governamentais de gestão ambiental e 
de pesquisa visando garantir a sustentabilidade do artesanato confeccionado a partir 
de capim dourado (Syngonanthus nitens Bong. Rhuland, Eriocaulaceae) e buriti 
(Mauritia flexuosa L., Arecaceae) na região do Jalapão, TO. A parceria ocorre entre 
a PEQUI – Pesquisa e Conservação do Cerrado, uma ONG sediada em Brasília que 
desde 2��� atua na região, tendo participado da expedição que resultou na criação da 
Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins, e de levantamentos de biodiversidade 
para elaboração do plano de manejo do Parque Estadual do Jalapão; a Diretoria de 
Florestas do Ibama, em Brasília; a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, a 
Universidade de Brasília, e as unidades de conservação existentes na região�� Parque 
Estadual do Jalapão (e sua agência gestora, o Instituto Natureza do Tocantins 
– Naturatins) e a Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins, juntamente com a 
Superintendência do Ibama no Tocantins.
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Área de estudo
O Jalapão está inserido no Bioma Cerrado, é uma região conhecida pela 
presença de solos do tipo neossolo quartzarênico e rios de águas cristalinas. Por 
ocorrer em um solo pobre em nutrientes e matéria orgânica, a vegetação do Jalapão 
é rala; grande parte da região é coberta por campos sujos e cerrado sensu stricto 
entrecortados por inúmeras veredas circundadas por campos úmidos. O clima do 
Jalapão é marcado por forte sazonalidade, em que 9�% das chuvas ocorrem de 
outubro a abril. A temperatura média na região é de 2�°C e a precipitação anual 
média é de �.��� mm (Seplan 2���b). 
A região compreende uma área de ��.�4�,9� Km2 a leste do Estado de 
Tocantins. Faz divisa com os estados da Bahia, Piauí e Maranhão e compreende �� 
municípios Souza-Júnior (2��2). Os municípios centrais da região são�� Mateiros, 
Ponte Alta do Tocantins e São Felix do Tocantins, onde a densidade populacional 
é extremamente baixa (entre �,� e �,� hab./km2). Estes municípios apresentam 
alguns dos menores IDHs do estado do Tocantins. A ocupação humana na região 
se deu há pelo menos um século, porém o acesso de automóveis ocorreu apenas 
no início da década de �99�. Graças à dificuldade de acesso e à predominância 
dos solos arenosos, não propícios à produção agrícola, a região abriga hoje uma 
das maiores áreas remanescentes de Cerrado, apontada como área de importância 
biológica extremamente alta pelo Ministério do Meio Ambiente. É no Jalapão que 
está a maior área contínua de Cerrado no interior de Unidades de Conservação 
de proteção integral; o Parque Estadual do Jalapão (PEJ – ��8.88� ha), a Estação 
Ecológica Serra Geral de Tocantins (��6.��6 ha) (Silva & Bates, 2��2), e o Parque 
Nacional das Nascentes do Parnaíba (���.��� ha). Há ainda duas Áreas de Proteção 
Ambiental; a APA do Jalapão e a APA da Chapada das Mangabeiras. 
A maior parte da população do Jalapão vive na área rural, a economia local é 
baseada na agricultura de subsistência e na pecuária extensiva; mais recentemente, 
o turismo e o artesanato se tornaram importantes fontes de renda (Seplan 2���a). A 
população da região historicamente usa as áreas que hoje estão nos limites e entorno 
das UC de proteção integral da região para a criação extensiva de gado e para 
extrativismo vegetal. Tanto as áreas utilizadas para criação de gado quanto as áreas 
de extrativismo de capim dourado são manejadas tradicionalmente com fogo pelos 
moradores. Os solos arenosos, o isolamento e a falta de recursos financeiros não 
permitiram que tecnologias mais avançadas de cultivo da terra fossem introduzidas 
na região, e fazem do fogo a forma mais simples e eficaz de ‘limpar’ terrenos que 
serão cultivados. As áreas com maior umidade e fertilidade do solo, como veredas, 
matas de galeria, campos úmidos e cerradões são as mais visadas ao cultivo. O 
fogo é usado também para promover a rebrota da vegetação na estação seca com a 
finalidade de alimentar o gado, que é criado de forma extensiva no Cerrado sem a 
utilização de áreas cercadas e de pasto plantado.
O artesanato de Capim Dourado e Buriti
O artesanato de capim dourado é confeccionado na comunidade negra da 
���
Mumbuca há mais de oitenta anos quando a arte foi ensinada a ‘Seu’ Firmino por 
índios Xerente ao passar pela região (Schmidt 2���). Por muitas décadas a atividade 
ficou restrita a mulheres das famílias da Mumbuca, até, a partir de meados da década 
de �99�, ser espalhado por todo o Jalapão. O artesanato é feito a partir de feixes 
de escapos de capim dourado (Syngonanthus nitens) costurados com “seda” de 
buriti (Mauritia flexuosa). A seda de buriti é obtida da epiderme da face abaxial de 
folhas-flecha (folhas jovens ainda não abertas), produzidas uma por vez no centro 
da copa de indivíduos jovens. Após ser colhida, a epiderme é desfiada e posta ao 
sol para secar. Nas áreas de colheita de capim dourado, os campos úmidos, o fogo é 
geralmente empregado a cada dois anos, entre os meses de junho e setembro, pois, 
segundo o conhecimento tradicional, ele promove a produção de escapos de capim 
dourado, uma vez que elimina a densa cobertura vegetal (biomassa viva ou morta) 
que prejudicaria o florescimento da espécie. Desta forma, as queimadas são feitas 
durante a estação seca de um ano (entre julho e setembro) e a colheita de escapos 
no ano seguinte (em setembro). Atualmente, com o aumento da pressão de colheita 
sobre o capim dourado no Jalapão, a maioria das áreas de campos úmidos e de 
outras fisionomias do Cerrado de toda a região é queimada em intervalos de dois 
anos (Obs. Pess.).
Inicialmente o artesanato era feito para uso doméstico e vendido 
esporadicamente, a partir de meados da década de �99�, o governo do Tocantins e 
prefeituras da região(principalmente de Mateiros) passaram a apoiar a divulgação 
do artesanato de capim dourado do Jalapão em feiras e pontos de venda em Palmas 
(TO). Associado a isto, neste mesmo período, o Jalapão passou a fazer parte do 
roteiro de turismo off-road e ecoturismo e o artesanato de capim dourado se tornou 
conhecido em outros estados brasileiros e no exterior. A partir da divulgação do 
artesanato e da possibilidade concreta de obtenção de renda proveniente de sua 
venda, a prática artesanal passou a interessar a mulheres, homens e crianças que até 
então não tinham vínculo com a atividade. O artesanato de capim dourado espalhou-
se pelos diversos povoados e municípios da região. Hoje, é raro encontrar uma casa 
em qualquer dos povoados do Jalapão em que nenhum de seus moradores dedique-
se ao artesanato da sempre-viva. Atualmente, a venda de artesanato constitui 
importante fonte de renda, sendo, em muitos casos, o principal ou único rendimento 
de famílias destes municípios, especialmente das mulheres.
Histórico das relações institucionais
Com este significativo aumento nas vendas das peças de capim dourado e no 
número de artesãos e coletores das matérias-primas, em 2��� a Associação Capim 
Dourado do Povoado da Mumbuca procurou o Ibama sede em Brasília, demandando 
estudos para garantir o manejo sustentável do capim dourado. Assim a Diretoria 
de Florestas do Ibama estabeleceu parceria com a Conservação Internacional (CI) 
para elaboração do projeto�� Plano de Desenvolvimento Sustentável para o entorno 
do Parque Estadual do Jalapão, que teve apoio do PROBIO/MMA e realizou um 
diagnóstico sócio-econômico e de biodiversidade na região do Jalapão. Dentre 
��6
as recomendações da primeira fase deste projeto, constou a necessidade de se 
estudar a ecologia populacional de capim dourado e buriti, bem como os efeitos do 
extrativismo sobre estas espécies.
A segunda fase proposta para este projeto não foi aprovada, mas ainda assim, 
a Diretoria de Florestas do Ibama prosseguiu trabalhando na região e designou uma 
técnica responsável por desenvolver estudos de ecologia populacional do capim 
dourado a partir do final de 2��2. Este estudo foi desenvolvido em parceria com a 
PEQUI – Pesquisa e Conservação do Cerrado e sempre contando com o essencial 
apoio da gerência executiva do Ibama em Palmas, da equipe da Estação Ecológica, 
do órgão ambiental do estado do Tocantins, o Naturatins e da equipe do Parque 
Estadual do Jalapão. A partir deste primeiro estudo centrado na ecologia do capim 
dourado, outras instituições, especialmente a Embrapa Recursos Genéticos e 
Biotecnologia e a Universidade de Brasília, além de outros pesquisadores passaram 
a se envolver no processo. 
Pesquisa aplicada ao manejo do capim 
dourado e buriti e suas implicações
Inicialmente, foram realizados estudos etnobotânicos, com o intuito de 
envolver os extrativistas no planejamento das etapas subseqüentes do trabalho. 
Buscaram-se informações em seis comunidades e duas áreas urbanas sobre o 
histórico da atividade, atores envolvidos, formas de manejo dos campos úmidos de 
ocorrência do capim dourado, formas de colheita de escapos de capim dourado e de 
folhas-flecha de buriti para obtenção da seda, além de informações sobre as formas 
de venda e renda gerada com a atividade (Schmidt 2���).
Apesar de o capim dourado ser uma espécie bastante utilizada na região, 
muitas informações sobre o ciclo de vida da planta eram desconhecidas. Não 
havia um consenso com relação à capacidade de uma planta de capim dourado em 
produzir flores mais de uma vez durante seu ciclo de vida (policarpia e perenidade). 
A maioria dos entrevistados desconhecia a existência de sementes nos capítulos de 
capim dourado, sendo que os que conheciam, não acreditavam na sua capacidade 
de germinação, por se tratarem de sementes muito pequenas. Verificou-se que o 
período de colheita declarada por extrativistas mais experientes era a partir de 
meados de setembro, mas muitos extrativistas menos experientes podem começar a 
colher a partir do final de julho.
A partir de agosto de 2���, em campos úmidos selecionados em conjunto 
com os moradores do Povoado da Mumbuca, onde ocorre tradicionalmente a 
colheita de capim dourado, foram realizados estudos de ecologia populacional 
da espécie, enfocando os parâmetros�� crescimento, mortalidade, recrutamento, 
período de floração, produção e dispersão de sementes e ainda, experimentos para 
caracterização dos efeitos da colheita dos escapos (Schmidt et al. no prelo). Também 
���
foram realizados testes de germinação das sementes em condições similares às 
naturais e em condições de ausência de luz e de pHs ácidos (4,� e �,�), característicos 
de campos úmidos (Schmidt et al. submetido).
Os estudos revelaram resultados importantes sobre o ciclo de vida do capim 
dourado, uma espécie para a qual não existiam estudos ecológicos prévios. Verificou-
se que a espécie é perene e policárpica. Cada indivíduo pode produzir entre � e �� 
escapos, e são formadas em seus capítulos cerca de 6� sementes menores que � mm. 
A floração se inicia no final do mês de julho e as sementes se encontram maduras 
a partir do início de setembro, o pico da dispersão acontece a partir de meados 
de outubro (Tab. �). As sementes são responsáveis por 4�% dos novos indivíduos 
recrutados nas áreas de estudo entre os anos de 2��� e 2��4. Os outros 6�% de 
novos indivíduos foram originados por reprodução assexuada (rebrota) (Schmidt et 
al. no prelo).
Nos parâmetros avaliados, não foram identificados efeitos consistentes da 
colheita de escapos sobre as populações ou sobre indivíduos de capim dourado no 
período de um ano. Muitas vezes as diferenças encontradas entre controle e colheita 
foram opostas entre veredas para os parâmetros analisados (Tab. 2), não sendo 
possível atribuir qualquer efeito da colheita de escapos sobre o capim dourado. Isto 
possivelmente se deve ao fato de a retirada de escapos não implicar na morte do 
indivíduo, a não ser que haja desenraizamento da roseta. Além disto, o escapo não é 
um tecido fotossintético essencial para a sobrevivência e crescimento dos indivíduos. 
Porém, outros possíveis efeitos da colheita de escapos sobre as populações não 
foram avaliados neste estudo, como a retirada de grandes quantidades de sementes 
do ambiente. Quando é realizada a colheita, em meados de setembro, a dispersão 
ainda não terminou e os escapos colhidos ainda contêm a maior parte das sementes 
produzidas, a sua retirada do campo úmido em grande escala pode reduzir a 
probabilidade de recrutamento sexuado, o que pode causar declínios populacionais 
e reduções na variabilidade genética das populações de capim dourado. 
Os testes de germinação mostraram que as sementes têm alto poder 
germinativo, de 8� a ���%. As sementes são fotoblásticas positivas, mas mantém a 
viabilidade mesmo após um mês imersas em água na ausência de luz. Além disto, 
a germinação das sementes submersas em água e em condições ácidas também 
foi elevada, indicando que as sementes mostram-se aptas a germinar em situações 
condizentes com as existentes nas áreas naturais de ocorrência da espécie (Schmidt 
et al. submetido). Sementes maduras e germinando foram fotografadas com auxílio 
de lupas e divulgadas em todas as comunidades do Jalapão com ajuda da equipe do 
PEJ e da Estação Ecológica. Diversos moradores, somente após a divulgação das 
fotos, conheceram as sementes e acreditaram na sua possibilidade de germinação. 
Esta simples atividade foi muito importante para que os artesãos e coletores 
compreendessem que as sementes precisam permanecer nos campos úmidos para 
que possam dar origem a outro indivíduo de capim dourado. 
Diante da grande importância das sementes para a dinâmica das populações 
de capim dourado e das informações acerca da época de sua produção, dispersão e 
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colheita de escapos, observa-seque a época de colheita pode determinar os efeitos 
do extrativismo. Colheitas feitas após a total secagem dos escapos (o que ocorre 
após a produção das sementes) não afetam as populações nem os indivíduos de 
capim dourado em curto prazo. Por outro lado, colheitas precoces, especialmente 
antes do meio de setembro, podem matar indivíduos adultos por desenraizamento 
e impedem a produção e dispersão de sementes, o que poderá afetar a dinâmica 
populacional a médio e longo prazo. Com base nestes resultados, o Naturatins 
passou a regulamentar a atividade de colheita de escapos (Portarias nº ���/2��4 e 
�92/2���). Estas normas estabelecem que a colheita só é permitida a partir de 2� 
de setembro, e deve ser feita exclusivamente por extrativistas credenciados junto 
às associações de artesãos e coletores da região. Além disto, após a colheita, os 
extrativistas devem cortar os capítulos dos escapos colhidos e espalhá-los pelo campo 
úmido de origem, garantindo assim a manutenção da população e sua variabilidade 
genética. A portaria publicada em 2��� estabeleceu ainda a proibição do transporte 
de escapos de capim dourado in natura para fora do Jalapão como forma de garantir 
que o artesanato continue gerando renda para as comunidades locais e que estas não 
passem de artesãos para fornecedores de matéria-prima sem valor agregado para 
mercados fora da região.
No processo de divulgação dos resultados destas primeiras atividades 
de pesquisa, e após a convivência e envolvimento dos pesquisadores com as 
comunidades locais e sua realidade, observou-se a necessidade de enfocar novas 
perguntas. Estudos sobre o efeito do fogo nas populações de capim dourado foram 
iniciados como resposta aos questionamentos dos artesãos, extrativistas e membros 
das equipes das Unidades de Conservação do Jalapão. Além disso, estudos sobre 
o efeito do extrativismo de folhas-flecha nas populações de buriti se mostraram 
necessários. Novos pesquisadores se envolveram nas atividades e passamos a 
receber o apoio financeiro do Programa de Pequenos Projetos (PPP) do PNUD/GEF 
gerenciado pelo Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN). 
Experimentos que avaliam o efeito de queimadas bienais e trienais no 
crescimento, mortalidade, floração e recrutamento de indivíduos de capim dourado 
foram acompanhados pelo período de dois anos (2��4-2��6), em três campos 
úmidos. A produtividade de sementes por capítulo foi comparada para indivíduos 
de áreas queimadas e não queimadas. Adicionalmente, experimentos para avaliar os 
efeitos da colheita precoce (em agosto) foram realizados. Os experimentos foram 
realizados em campos úmidos onde tradicionalmente os moradores executam a 
colheita e que haviam sido queimados pela última vez em 2��2. A seleção destas 
áreas foi feita em conjunto com moradores do Povoado da Mumbuca. As queimadas 
experimentais foram realizadas por brigadistas da Associação Fogo Apagou, de 
Mateiros, em setembro de 2��4 (tratamento de queimada bienal) e em setembro 
de 2��� (tratamento de queimada trienal). No período que foi realizado, o fogo 
eliminou os escapos jovens existentes, o que impossibilitou a reprodução naquele 
ano.
Os resultados dos experimentos de avaliação dos efeitos do fogo nas 
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populações de capim dourado estão sendo analisados e somente serão divulgados 
após serem discutidos com gestores do PEJ e com técnicos do Naturatins, o que 
ocorrerá em setembro de 2��6. Isso é fundamental para que os resultados desta 
polêmica pesquisa não sejam utilizados indevidamente prejudicando a gestão do 
PEJ e a conservação do Jalapão.
A atividade de extrativismo do buriti na comunidade da Mumbuca foi 
investigada utilizando-se experimentos em campo, entrevistas com artesãos, 
conversas informais e observação do extrativismo. Para avaliar o efeito da coleta 
de folhas-flecha na sobrevivência e na taxa de produção de folhas dos buritis foram 
marcados buritis que já tinham mais de uma folha recentemente colhida e buritis que 
nunca haviam sido colhidos, em três veredas próximas à comunidade da Mumbuca. 
A produção de folhas em cada buriti foi acompanhada de agosto de 2��� a agosto de 
2��6. Todas as atividades contaram com a ajuda de várias pessoas da Mumbuca.
Neste estudo foi observado que os frutos, folhas, pecíolos e até mesmo o 
caule do buriti são fonte de diversos recursos fundamentais para a comunidade. 
Entretanto, a colheita de folhas-flecha para a produção de artesanato é a única 
atividade extrativista com potencial para ameaçar a conservação das populações de 
buriti.
As folhas-flecha das quais é obtida a seda utilizada para costurar os escapos 
de capim dourado são colhidas nas veredas mais próximas à comunidade (menos 
de � km de raio). Os buritis cuja folha-flecha é extraída mais freqüentemente para o 
artesanato têm entre quatro e oito metros de altura e são na sua maioria, ainda não 
reprodutivos. As plantas deste tamanho específico são utilizadas, pois as folhas-
flecha são facilmente alcançadas e a seda obtida é adequada para a costura. Os buritis 
deste tamanho produzem anualmente de uma a cinco folhas-flecha. Entretanto, a 
percepção de 6�% dos coletores com relação à produtividade de folhas é de que um 
buriti produz uma folha a cada lua nova, ou seja, �2 folhas por ano, o que é mais de 
duas vezes maior do que o máximo de folhas produzidas por um buriti anualmente. 
Apesar dessa percepção equivocada, a intensidade de coleta praticada na Mumbuca 
(� a �6 folhas colhidas/buriti) não influencia a taxa de produção anual de folhas, pois 
esta taxa não variou significativamente entre buritis em que o extrativismo de folhas 
tem sido realizado freqüentemente e buritis que nunca tiveram suas folhas colhidas. 
Esta análise foi realizada utilizando-se como co-variável a altura e o número de 
folhas do indivíduo no início do experimento. O mesmo resultado se manteve em 
buritis de três veredas diferentes (Fig. �).
Pouco mais da metade dos artesãos da Mumbuca acha que o buriti pode 
morrer se a coleta de folhas for muito intensa, mas destes, apenas três disseram 
já ter visto um buriti morto devido à alta intensidade de coleta de folhas. Todos os 
buritis sobreviveram durante o ano em que foram acompanhados e não foi visto 
nas veredas próximas da comunidade nenhum buriti cuja causa da morte possa ser 
atribuída ao extrativismo de folhas. Entretanto, foram encontrados alguns buritis 
que passaram a produzir folhas com menor área foliar e pecíolo mais fino e curto, 
devido à alta intensidade de coleta.
���
A maioria dos coletores afirma ter preferência pela folha-flecha de buritis 
fêmeas, pois estes têm maior quantidade de seda, mais cumprida e resistente, o que 
facilita a costura. A forma de determinação do sexo usada por 8�% dos coletores é 
imprecisa e algumas vezes obscura. Os demais coletores admitem que não há como 
determinar o sexo de um buriti que ainda não atingiu idade reprodutiva, apesar 
disso, têm preferência por determinado buriti, do qual sabe, por tentativa e erro, que 
produz seda de boa qualidade. 
Apesar de não ter sido encontrado efeito do extrativismo na produção de 
folhas-flecha neste estudo preliminar, é necessário acompanhar as plantas por 
um maior período de tempo e avaliar a estrutura e dinâmica das populações de 
buriti. Entretanto, a percepção equivocada da taxa de produção anual de folhas-
flecha; a preferência dos coletores por determinados buritis, que eles acreditam que 
produzem seda de melhor qualidade; e a concentração da colheita nas veredas mais 
próximas à comunidade; podem contribuir para comprometer a sustentabilidade do 
extrativismo em longo prazo. A utilização de outros materiais para a costura, já 
ocorre atualmente, mas alguns artesãos, principalmente os mais experientes, acham 
que isso pode descaracterizar a produção tradicional de peças de capim dourado.
Com a conclusão da etapa de avaliação dos efeitosecológicos do fogo nas 
populações do capim dourado e extrativismo para o buriti será produzido material 
de divulgação, voltado para as comunidades locais, apresentando os resultados, bem 
como informações sobre as boas práticas de manejo identificadas e as normas legais 
existentes.
Conclusão
O envolvimento de ONGs, instituições de pesquisa, órgãos ambientais e 
comunidades tradicionais é uma forma eficaz de atingir resultados que visem a 
conservação ambiental e a geração de renda para comunidades rurais. Uma vez 
criada a demanda pelas comunidades tradicionais por estudos de avaliação do 
impacto ecológico do extrativismo, ONGs e instituições de pesquisa têm o papel 
executar tal avaliação considerando o conhecimento tradicional. Em conjunto com 
os órgãos ambientais estas instituições devem apresentar e discutir os resultados 
com as comunidades criando em conjunto de boas práticas de manejo. Tais práticas 
podem se tornar instrumentos legais que serão regulamentados e fiscalizados pelos 
órgãos ambientais. A adoção destas práticas pode ser usada pelas comunidades 
como forma de agregar valor ambiental à atividade extrativista. Assim, o artesanato 
de capim dourado e seda de buriti é uma atividade extrativista com grande potencial 
de geração de renda e conservação de áreas naturais. O interesse econômico nestas 
duas espécies que ocorrem nos campos úmidos e veredas do Jalapão estimula a 
conservação destas áreas de preservação permanente, que são uma das poucas áreas 
onde há viabilidade das atividades agropecuárias nesta região.
���
Agradecimentos 
Os autores agradecem aos moradores da comunidade da Mumbuca e das 
demais comunidades do Jalapão onde o estudo foi desenvolvido. Agradecemos 
ao IBAMA, Naturatins e as equipes do Parque Estadual do Jalapão e da Estação 
Ecológica Serra Geral do Tocantins pelo apoio logístico, envolvimento em todas 
as etapas deste trabalho e na divulgação dos resultados entre as comunidades 
locais. Ao WWF/Brasil, Programa de Pequenos Projetos GEF/PNUD pelo apoio 
financeiro. Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia pelo apoio logístico e 
pelas valiosas discussões com o grupo do Laboratório de Ecologia. E a CAPES pela 
bolsa de mestrado da primeira autora. Agradecemos ainda Daniel L.M. Vieira pelas 
contribuições no manuscrito.
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Ticktin, T. 2��4. The ecological implications of harvesting non-timber forest 
products. Journal of Applied Ecology 41�� ��-2�.
Ticktin, T. & Johns, T. 2��2. Chinanteco management of Aechmea magdalenae�� 
implications for the use of TEK and TRM in management plans. Economic 
Botany 56�� ���-�9�.
Tabela 1. Períodos dos eventos fenológicos e das atividades de col�eita de capim 
dourado no Jalap�o, TO.
CAMPO ÚMIDO DENSIDADE TOTAL
FLORAÇÃO EM 
2004 
CRESCIMENTO
RECRUTAMENTO 
POR REBROTA 
1 controle ~ colheita controle < colheita controle ~ colheita controle ~ colheita 
2 controle < colheita controle > colheita controle > colheita controle < colheita 
3 controle ~ colheita controle < colheita controle < colheita controle < colheita 
Julho Agosto Setembro Outubro Novembro
Floração
Produção de sementes 
Dispersão de sementes 
Colheita precoce 
Colheita declarada por 
extrativistas experientes 
���
Tabela 2. Efeito do extrativismo de escapos na densidade total, ��oraç�o em 
2004, crescimento e recrutamento por rebrota em populações de capim dourado 
em três campos úmidos no Jalap�o, TO. 1- vereda do Antônio, 2 – vereda da 
Extrema e 3- vereda do Porco Podre.
Figura 1. Produç�o de fol�as-��ec�a (± erro padr�o) entre agosto de 2005 e 
agosto de 2006 por buritis em que o extrativismo de fol�as tem sido realizado 
freqüentemente (explorada) e buritis que nunca tiveram suas fol�as col�idas 
(intacta), em três veredas (Vazante, Brejo do Vel�o e Angelim) próximas à 
comunidade da Mumbuca, Jalap�o, TO.
CAMPO ÚMIDO DENSIDADE TOTAL
FLORAÇÃO EM 
2004 
CRESCIMENTO
RECRUTAMENTO 
POR REBROTA 
1 controle ~ colheita controle < colheita controle ~ colheita controle ~ colheita 
2 controle < colheita controle > colheita controle > colheita controle < colheita 
3 controle ~ colheita controle < colheita controle < colheita controle < colheita 
Julho Agosto Setembro Outubro Novembro
Floração
Produção de sementes 
Dispersão de sementes 
Colheita precoce 
Colheita declarada por 
extrativistas experientes 
N
úm
er
o 
de
 f
olha
s-
fl
ec
ha
 p
ro
du
zi
da
s
 Vazante
1,6
2,0
2,�
2,8
3,2
3,6
�,0
Intacta Explorada
 Brejo do Velho
Intacta Explorada
 Angelim
1,6
2,0
2,�
2,8
3,2
3,6
�,0
Intacta Explorada
��4
Extrativismo no sul e sudeste 
do Brasil: caminhos para 
sustentabilidade 
sócio-ambiental
Maurício Sedrez dos Reis
(msreis@cca.ufsc.br)
Núcleo de Pesquisas em Florestas Tropicais – Universidade Federal de 
Santa Catarina
Capítulo 8
���
Introdução
Tomando como recorte histórico os últimos �� anos, a obtenção de 
produtos/ recursos a partir de espécies nativas das Florestas do Sul e Sudeste do 
Brasil envolve estratégias de extrativismo, manejo e cultivo. Tais estratégias 
são realizadas por agricultores, agricultores familiares, agricultores familiares 
extrativistas e extrativistas com diferentes ênfases, necessidades e valores culturais, 
em propriedades rurais próprias, ou de terceiros, inseridas em espaços geográficos 
com diferentes estruturas fundiárias (Diegues 2���; Reis et al. 2���a).
Tais processos de obtenção de recursos têm como conseqüências alterações 
na estrutura genética/ populacional das espécies empregadas, bem como na paisagem 
onde o recurso será obtido. Assim, podem ser caracterizados como processos de 
domesticação, mediados por diferentes interesses, necessidades, valores culturais e 
questões históricas. Considera-se aqui a domesticação como um processo gradativo 
que vai desde as populações naturais de plantas em seu ambiente original até uma 
monocultura com um único genótipo, passando por várias situações intermediárias 
ou diferentes intensidades de alterações genéticas e da paisagem, como discute 
Clement (�999).
Por outro lado, a expansão das fronteiras agrícolas, incluindo as áreas de 
pastagens, reduziu drasticamente a área com cobertura florestal nativa no âmbito do 
Domínio da Mata Atlântica e, conseqüentemente, as possibilidades de obtenção de 
recursos autóctones, uma vez que foi fundamentada em espécie exóticas associadas 
ao processo de colonização. Anteriormente a este período, a construção de ferrovias 
e rodovias associadas à exploração madeireira (especialmente na Floresta Ombrófila 
Mista – Floresta com Araucária) e ao processo de colonização (Carvalho 2��6) foi 
um forte determinante histórico da expansão das fronteiras agrícolas nos moldes 
que se seguiram no Sul e Sudeste do País.
Este contexto reduziu a importância do conhecimento e valores 
tradicionalmente associados aos recursos naturais, bem como aos grupos étnicos 
detentores desses conhecimentos. Assim, o extrativismo associado a recursos não 
madeireiros passou a ser praticado predominantemente por comunidades locais de 
agricultores familiares, ainda que as poucas comunidades indígenas e quilombolas 
remanescentes que mantiveram seus valores tradicionais também detenham estes 
conhecimentos.
Além disso, no Sul e Sudeste do Brasil o extrativismo e os recursos florestais 
não madeireiros foram, por longo tempo, negligenciados. Contudo, nas últimas 
décadas, a percepção do estado crítico de conservação da Mata Atlântica, e seus 
ecossistemas associados, vem contribuindo para uma ampliação dos estudos e 
ações relacionados a estas temáticas. Trabalhos de pesquisa e desenvolvimento 
envolvendo aspectos da biologia e ecologia de espécies produtoras de recursos 
de importância comprometidos com o contexto do extrativismo, trabalhos de 
etnobiologia comprometidos com comunidades locais e ações governamentais com 
ênfase na agricultura familiar, foram de extrema importância para um novo patamar 
��8
de compreensão do significado do histórico e atual do extrativismo.
Desta forma, a questão da viabilidade sócio-ambiental do (neo) extrativismo 
será aqui examinada a partir de exemplos da importância social, e cultural, bem como 
da relação do extrativismo com a manutenção, ou não, da biodiversidade, no Sul e 
Sudeste do Brasil. Um enfoque adicional será dado ao papel das regulamentações 
para o manejo (extrativismo) de recursos florestais neste contexto. 
Importância Sociocultural do Extrativismo 
Em um estudo realizado com agricultores familiares (�� famílias em 
� comunidades) na Região do Contestado (Planalto Norte de Santa Catarina), 
Caffer (2���) registrou 498 etnoespécies de plantas (entre nativas e exóticas), 
compreendendo ��8 espécies botânicas, aproximadamente a metade destas não 
autóctones, de 99 famílias botânicas, com algum tipo de uso ou importância para 
os agricultores. Neste trabalho, além do elevado número de espécies referenciado 
pelos agricultores, chama a atenção o fato de que entre as vinte espécies com maior 
valor de importância (intensidade de citações pelos agricultores), nove são nativas 
(Tab. �), predominantemente obtidas por extrativismo, e entre as 2� espécies com 
maior valor de uso (número de usos, multifuncionalidade), �9 são nativas (Tab. 2), 
também predominantemente obtidas por extrativismo.
Os resultados obtidos por Caffer (2���), além de refletirem a importância da 
flora nativa para comunidades locais de agricultores familiares, reforçam a importância 
atual dos processos extrativistas para a manutenção destas comunidades. Entre os 
usos mencionados para as espécies nativas há aqueles que podem ser relacionados 
diretamente com o mercado, ou que são importantes para a comercialização, 
segundo os agricultores, como�� frutos de guavirova (vendidos em feiras), lenha de 
bracatinga, erva mate, entre outros. Contudo, há diversos usos para algumas espécies, 
ou mesmo algumas espécies, que apresentam importância específica para aquelas 
comunidades, os quais poderiam ser valorados apenas indiretamente, a partir de 
valores culturais externos (nossos valores, não das comunidades), como�� a maioria 
dos produtos de uso medicinal, frutos não comercializados, artefatos para trabalho 
(cabos de ferramenta confeccionados a partir de caules ou ramos de determinadas 
espécies).
Neste mesmo contexto, o pinhão, obtido quase que exclusivamente por 
extrativismo em todos os três Estados do Sul, e também no Sudeste (São Paulo e 
Minas Gerais), apresenta também grande importância econômica e social.
Trabalhando com uma comunidade semi-rural no Distrito de Taquara Verde 
(município de Caçador SC), Viera da Silva (2��6) obteve resultados que indicam 
a forte interação desta comunidade com a coleta, consumo e comercialização do 
pinhão.
��9
Tabela �. Ordenamento decrescente com as 2� etnoespécies de maior Valor de 
Importância dentre as 498 citadas (��9 espécies botânicas) por agricultores familiares 
da “Região do Contestado” (Planalto Norte de Santa Catarina). (Adaptado de Caffer 
2���).
* nativas do Sul do Brasil
Etnoespécie Nome científico Família Citações VI
Feij�o Phaseolus vulgaris Leguminosae 22 0,7097
Milho Melhorado Zea mays Gramineae 22 0,7097
Araucária
�inheiro de Grimpa 
Araucaria angustifólia* Araucariaceae 21 0,6774
Erva Mate Ilex paraguariensis* Aquifoliaceae 20 0,6�52
Bracatinga Mimosa scabrella* Leguminosae 19 0,6129
Etnoespécie Nome científico Família Citações VI
Guavirova
Guavirova Galega 
Campomanesia xanthocarpa* M��rtaceae 18 0,5806
Goiaba nativa Feijoa sellowiana* M��rtaceae 16 0,5161
Mil�os var. Crioulas Zea mays Gramineae 16 0,5161
Tomate Graúdo Lycopersicum esculentum Solanaceae 16 0,5161
Abóbora Cucurbita moschata Cucurbitaceae 15 0,�839
Imbúia Ocotea porosa* Lauraceae 1� 0,�516
Fumo Nicotiana tabacum Solanaceae 13 0,�19�
Pêssego Prunus persica Rosaceae 13 0,�19�
Araticum Rollinia sp.* Annonaceae 12 0,3871
Arroz Oryza sativa Gramineae 12 0,3871
Maria mole 
Flor de Defunto 
Senecio brasiliensis* Compositae 12 0,3871
�inus
�inheiro americano 
Pinus elliottii �inaceae 12 0,3871
Taquara Merostachys multiramea* Gramineae 12 0,3871
Batata Doce Ipomoea batatas Convolvulaceae11 0,35�8
Cebola Allium cepa Liliaceae 11 0,35�8
Etnoespécie Nome científico Família Citações VI
Feij�o Phaseolus vulgaris Leguminosae 22 0,7097
Milho Melhorado Zea mays Gramineae 22 0,7097
Araucária
�inheiro de Grimpa 
Araucaria angustifólia* Araucariaceae 21 0,6774
Erva Mate Ilex paraguariensis* Aquifoliaceae 20 0,6�52
Bracatinga Mimosa scabrella* Leguminosae 19 0,6129
Etnoespécie Nome científico Família Citações VI
Guavirova
Guavirova Galega 
Campomanesia xanthocarpa* M��rtaceae 18 0,5806
Goiaba nativa Feijoa sellowiana* M��rtaceae 16 0,5161
Mil�os var. Crioulas Zea mays Gramineae 16 0,5161
Tomate Graúdo Lycopersicum esculentum Solanaceae 16 0,5161
Abóbora Cucurbita moschata Cucurbitaceae 15 0,�839
Imbúia Ocotea porosa* Lauraceae 1� 0,�516
Fumo Nicotiana tabacum Solanaceae 13 0,�19�
Pêssego Prunus persica Rosaceae 13 0,�19�
Araticum Rollinia sp.* Annonaceae 12 0,3871
Arroz Oryza sativa Gramineae 12 0,3871
Maria mole 
Flor de Defunto 
Senecio brasiliensis* Compositae 12 0,3871
�inus
�inheiro americano 
Pinus elliottii �inaceae 12 0,3871
Taquara Merostachys multiramea* Gramineae 12 0,3871
Batata Doce Ipomoea batatas Convolvulaceae 11 0,35�8
Cebola Allium cepa Liliaceae 11 0,35�8
�2�
As unidades familiares (UF) da comunidade da Taquara Verde têm, em 
média, 4,4 pessoas (�,� com alguma fonte de renda mensal), com valor médio da 
renda per capita mensal da UF de R$���,6�. Tendo como base o valor da média da 
renda/capita mensal da UF, observou-se que 48% das UF (�2 UF) possuem renda/
capita mensal inferior a este valor, �6% UF (�9 UF) possuem renda/capita mensal 
superior, �6% (�4 UF) não possuem nenhum tipo de renda no momento do estudo 
(2���). Há um grande número de atividades que são exercidas pelas pessoas desta 
comunidade, contudo, predominam atividades ligadas à agricultura, como meieiros 
e diaristas. A comunidade está localizada em áreas contígua a Floresta Nacional 
(Flona) de Caçador, ao lado da uma área expressiva de plantios de araucária e, 
portanto, pratica a coleta do pinhão na Flona de Caçador entre abril e julho.
As estimativas de retorno de obtenção de renda mensal a partir da coleta do 
pinhão, durante a safra são significativas para as famílias envolvidas. Considerando 
uma coleta diária de �� kg de pinhão, valor comum em um ano com uma produção 
intermediária, 2� coletas no mês, com apenas uma pessoa coletando por família, e 
comercialização diária de �2 kg (todas as famílias guardam um pouco para consumo 
próprio) a R$ �,8� o quilo (preço praticado em anos de produção intermediária), tem-
se uma renda mensal igual a R$ �92,��; isto é, �,66 vezes a renda per capita média 
por unidade familiar dos informantes entrevistados por Vieira da Silva (2��6).
Tabela 2. Ordenamento decrescente com as 2� etnoespécies de maior Valor de Uso 
dentre as 498 citadas (��9 espécies botânicas) por agricultores familiares da “Região 
do Contestado” (Planalto Norte de Santa Catarina). (Adaptado de Caffer 2���).
Etnoespécie Nome científico Família
Categorias
de uso 
VU
Araucária
�inheiro Brasileiro 
Araucaria angustifolia* Araucariaceae 8 0,7273
Bracatinga Mimosa scabrella* Leguminosae 8 0,7273
Araçá1
Araça Vermel�o 
Myrceugenia euosma* M��rtaceae 7 0,636�
Araça2 Psidium cattleyanum* M��rtaceae 7 0,636�
Imbúia Ocotea porosa* Lauraceae 7 0,636�
Canela Guaica Ocotea puberula* Lauraceae 6 0,5�55
Erva Mate Ilex paraguariensis* Aquifoliaceae 6 0,5�55
Eucalípto Eucalyptus sp. M��rtaceae 6 0,5�55
Guavirova
Guavirova galega 
Campomanesia xanthocarpa* M��rtaceae 6 0,5�55
Vassoura Lajeana Baccharis uncinella* Compositae 6 0,5�55
Araticum Rollinia sp.2* Annonaceae 5 0,�5�5
Araticum Amarelo Rollinia salicifolia* Annonaceae 5 0,�5�5
Araticum Preto Rollinia sp.1* Annonaceae 5 0,�5�5
Aroeira Schinus terelinthifolius* Anacardiaceae 5 0,�5�5
Bugreiro
Aroeira Vermel�a 
Schinus terebinthifoliu*s Anacardiaceae 5 0,�5�5
Camboata Pintado 
Joaquim �intado 
Cupania oblongifolia* Sapindaceae 5 0,�5�5
Canela Ocotea sp.1* Lauraceae 5 0,�5�5
Etnoespécie Nome científico Família 
Categorias
de uso 
VU
Guamirim Comum Eugenia sp./Myrceugenia sp.* M��rtaceae 5 0,�5�5
Guamirim Folha Graúda 
Guaviju
Myrcianthes pungens* M��rtaceae 5 0,�5�5
Ing� Inga lentiscifolia* Leguminosae 5 0,�5�5
�2�
* nativas do Sul do Brasil
O pinhão, neste contexto, torna-se muito relevante, principalmente, para as 
famílias onde as pessoas trabalham como meieros ou diaristas nas lavouras, pois 
durante o inverno praticamente não há trabalho nas lavouras agrícolas, fazendo com 
que estas famílias tenham no pinhão uma fonte de renda importante. Conforme 
Vieira da Silva (2��6), para aqueles que têm outras fontes de renda, isto é, algum 
membro da UF trabalha em outras atividades, o pinhão passa a ser visto como uma 
“reserva”, sugerindo assim uma menor dependência do pinhão para estes últimos.
Os resultados obtidos por Vieira da Silva (2��6) indicam o quanto o pinhão 
e os produtos florestais não madeireiros podem ser importantes ao se pensar na 
economia local, embora muitas vezes os atores destas atividades estejam em uma 
condição de apenas sobrevivência. Nas palavras da autora “.... o que seriam deles 
sem esta atividade? ”.
Assim, apesar de representar relativamente pouco na economia regional 
ou municipal, a renda gerada a partir de um recurso/ produto proveniente do 
extrativismo, estes podem ter um significado muito grande na renda de cada família 
e, portanto, na possibilidade de reprodução social/ cultural das comunidades às 
quais elas pertencem.
Outro exemplo relevante, no mesmo contexto regional, é a erva mate (Ilex 
paraguariensis). Segundo Andrade (2���), a exploração deste recurso envolve cerca 
de ��� mil pessoas nos Estados do Rio Grade do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato 
Grosso do Sul, entre agricultores, agricultores familiares e o pessoal das empresas 
processadoras. O recurso é obtido a partir de áreas cultivadas, extrativismo em áreas 
enriquecidas (agrofloresta, extrativismo manejado) e extrativismo em áreas naturais. 
Contudo, há uma expressiva diferenciação na valoração do produto obtido por 
extrativismo, devido ao padrão de sabor preferido pelos consumidores nacionais, 
Etnoespécie Nome científico Família
Categorias
de uso 
VU
Araucária
�inheiro Brasileiro 
Araucaria angustifolia* Araucariaceae 8 0,7273
Bracatinga Mimosa scabrella* Leguminosae 8 0,7273
Araçá1
Araça Vermel�o 
Myrceugenia euosma* M��rtaceae 7 0,636�
Araça2 Psidium cattleyanum* M��rtaceae 7 0,636�
Imbúia Ocotea porosa* Lauraceae 7 0,636�
Canela Guaica Ocotea puberula* Lauraceae 6 0,5�55
Erva Mate Ilex paraguariensis* Aquifoliaceae 6 0,5�55
Eucalípto Eucalyptus sp. M��rtaceae 6 0,5�55
Guavirova
Guavirova galega 
Campomanesia xanthocarpa* M��rtaceae 6 0,5�55
Vassoura Lajeana Baccharis uncinella* Compositae 6 0,5�55
Araticum Rollinia sp.2* Annonaceae 5 0,�5�5
Araticum Amarelo Rollinia salicifolia* Annonaceae 5 0,�5�5
Araticum Preto Rollinia sp.1* Annonaceae 5 0,�5�5
Aroeira Schinus terelinthifolius* Anacardiaceae 5 0,�5�5
Bugreiro
Aroeira Vermel�a 
Schinus terebinthifoliu*s Anacardiaceae 5 0,�5�5
Camboata Pintado 
Joaquim �intado 
Cupania oblongifolia* Sapindaceae 5 0,�5�5
Canela Ocotea sp.1* Lauraceae 5 0,�5�5
Etnoespécie Nome científico Família 
Categorias
de uso 
VU
Guamirim Comum Eugenia sp./Myrceugenia sp.* M��rtaceae 5 0,�5�5
Guamirim Folha Graúda 
Guaviju
Myrcianthes pungens* M��rtaceae 5 0,�5�5
Ing� Inga lentiscifolia* Leguminosae 5 0,�5�5
Etnoespécie Nome científico Família
Categorias
de uso 
VU
Araucária
�inheiro Brasileiro 
Araucaria angustifolia* Araucariaceae 8 0,7273
Bracatinga Mimosa scabrella* Leguminosae 8 0,7273
Araçá1
Araça Vermel�o 
Myrceugenia euosma* M��rtaceae 70,636�
Araça2 Psidium cattleyanum* M��rtaceae 7 0,636�
Imbúia Ocotea porosa* Lauraceae 7 0,636�
Canela Guaica Ocotea puberula* Lauraceae 6 0,5�55
Erva Mate Ilex paraguariensis* Aquifoliaceae 6 0,5�55
Eucalípto Eucalyptus sp. M��rtaceae 6 0,5�55
Guavirova
Guavirova galega 
Campomanesia xanthocarpa* M��rtaceae 6 0,5�55
Vassoura Lajeana Baccharis uncinella* Compositae 6 0,5�55
Araticum Rollinia sp.2* Annonaceae 5 0,�5�5
Araticum Amarelo Rollinia salicifolia* Annonaceae 5 0,�5�5
Araticum Preto Rollinia sp.1* Annonaceae 5 0,�5�5
Aroeira Schinus terelinthifolius* Anacardiaceae 5 0,�5�5
Bugreiro
Aroeira Vermel�a 
Schinus terebinthifoliu*s Anacardiaceae 5 0,�5�5
Camboata Pintado 
Joaquim �intado 
Cupania oblongifolia* Sapindaceae 5 0,�5�5
Canela Ocotea sp.1* Lauraceae 5 0,�5�5
Etnoespécie Nome científico Família 
Categorias
de uso 
VU
Guamirim Comum Eugenia sp./Myrceugenia sp.* M��rtaceae 5 0,�5�5
Guamirim Folha Graúda 
Guaviju
Myrcianthes pungens* M��rtaceae 5 0,�5�5
Ing� Inga lentiscifolia* Leguminosae 5 0,�5�5
Etnoespécie Nome científico Família
Categorias
de uso 
VU
Araucária
�inheiro Brasileiro 
Araucaria angustifolia* Araucariaceae 8 0,7273
Bracatinga Mimosa scabrella* Leguminosae 8 0,7273
Araçá1
Araça Vermel�o 
Myrceugenia euosma* M��rtaceae 7 0,636�
Araça2 Psidium cattleyanum* M��rtaceae 7 0,636�
Imbúia Ocotea porosa* Lauraceae 7 0,636�
Canela Guaica Ocotea puberula* Lauraceae 6 0,5�55
Erva Mate Ilex paraguariensis* Aquifoliaceae 6 0,5�55
Eucalípto Eucalyptus sp. M��rtaceae 6 0,5�55
Guavirova
Guavirova galega 
Campomanesia xanthocarpa* M��rtaceae 6 0,5�55
Vassoura Lajeana Baccharis uncinella* Compositae 6 0,5�55
Araticum Rollinia sp.2* Annonaceae 5 0,�5�5
Araticum Amarelo Rollinia salicifolia* Annonaceae 5 0,�5�5
Araticum Preto Rollinia sp.1* Annonaceae 5 0,�5�5
Aroeira Schinus terelinthifolius* Anacardiaceae 5 0,�5�5
Bugreiro
Aroeira Vermel�a 
Schinus terebinthifoliu*s Anacardiaceae 5 0,�5�5
Camboata Pintado 
Joaquim �intado 
Cupania oblongifolia* Sapindaceae 5 0,�5�5
Canela Ocotea sp.1* Lauraceae 5 0,�5�5
Etnoespécie Nome científico Família 
Categorias
de uso 
VU
Guamirim Comum Eugenia sp./Myrceugenia sp.* M��rtaceae 5 0,�5�5
Guamirim Folha Graúda 
Guaviju
Myrcianthes pungens* M��rtaceae 5 0,�5�5
Ing� Inga lentiscifolia* Leguminosae 5 0,�5�5
Tabela 2. Continuaç�o
Etnoespécie Nome científico Família
Categorias
de uso 
VU
Araucária
�inheiro Brasileiro 
Araucaria angustifolia* Araucariaceae 8 0,7273
Bracatinga Mimosa scabrella* Leguminosae 8 0,7273
Araçá1
Araça Vermel�o 
Myrceugenia euosma* M��rtaceae 7 0,636�
Araça2 Psidium cattleyanum* M��rtaceae 7 0,636�
Imbúia Ocotea porosa* Lauraceae 7 0,636�
Canela Guaica Ocotea puberula* Lauraceae 6 0,5�55
Erva Mate Ilex paraguariensis* Aquifoliaceae 6 0,5�55
Eucalípto Eucalyptus sp. M��rtaceae 6 0,5�55
Guavirova
Guavirova galega 
Campomanesia xanthocarpa* M��rtaceae 6 0,5�55
Vassoura Lajeana Baccharis uncinella* Compositae 6 0,5�55
Araticum Rollinia sp.2* Annonaceae 5 0,�5�5
Araticum Amarelo Rollinia salicifolia* Annonaceae 5 0,�5�5
Araticum Preto Rollinia sp.1* Annonaceae 5 0,�5�5
Aroeira Schinus terelinthifolius* Anacardiaceae 5 0,�5�5
Bugreiro
Aroeira Vermel�a 
Schinus terebinthifoliu*s Anacardiaceae 5 0,�5�5
Camboata Pintado 
Joaquim �intado 
Cupania oblongifolia* Sapindaceae 5 0,�5�5
Canela Ocotea sp.1* Lauraceae 5 0,�5�5
Etnoespécie Nome científico Família 
Categorias
de uso 
VU
Guamirim Comum Eugenia sp./Myrceugenia sp.* M��rtaceae 5 0,�5�5
Guamirim Folha Graúda 
Guaviju
Myrcianthes pungens* M��rtaceae 5 0,�5�5
Ing� Inga lentiscifolia* Leguminosae 5 0,�5�5
�22
estimulando fortemente os agricultores a buscarem a alternativa de cultivo/ manejo 
(domesticação) em paisagem natural alterada. O valor médio pago na região de 
Canoinhas (SC) pela arroba de “erva mate nativa - no pé” é de R$ �,2�, enquanto que 
o mesmo valor pago pela “erva mate plantada - no pé” é de R$ �,�� (Fonte�� http��//
cepa.epagri.sc.gov.br/safra/Canoinhas.htm, acesso em 22/�8/2��6). Este exemplo 
pode ser considerado uma exceção em termos de recursos florestais não madeireiros 
na região Sul do Brasil, pois tem um significado expressivo na economia regional e, 
ao mesmo tempo, utiliza uma estratégia de extrativismo, ou manejo, que favorece 
a manutenção de parte da biodiversidade natural, bem como a reprodução sócio-
cultural da agricultura familiar da região. 
Também o caso da erva mate pode ser considerado exceção pelo fato de 
ter sido o único sistema de manejo de recurso florestal não madeireiro a receber 
certificação do FSC (uma propriedade), conforme Shanley et al. (2��6).
Perspectivas para a Conservação
O processo extrativista, executado em intensidade reduzida e sem seleção 
de determinados “tipos” tem reduzido efeito sobre as freqüências fenotípicas ou 
genotípicas das populações de plantas. Contudo, a extração realizada com grande 
intensidade e/ou escolha de “tipos” específicos pode afetar seriamente as populações, 
comprometendo a reprodução dos indivíduos, podendo levar ao desaparecimento 
daquela espécie naquele local. 
Em relação à paisagem, a extração de recursos não madeireiros, produz, em 
geral, alterações pouco expressivas na paisagem, portanto a estrutura do componente 
biótico pode não ser significativamente alterada. Por outro lado, para as espécies 
madeireiras, como a araucária e a imbuia, o processo de extrativismo, além de ser 
extremamente seletivo, provocando uma alta erosão genética com seleção negativa, 
produz uma forte alteração na paisagem. Neste caso a estrutura do componente 
biótico fica profundamente alterada.
Assim, o extrativismo tem impactos mais ou menos expressivos, dependendo 
da intensidade como é realizado e principalmente do fato de ser explorado um 
produto madeireiro ou não (Reis et al. 2���a; Young 2���).
Nas últimas décadas, esforços das Universidades, agências ambientais e 
de algumas ONGs, bem como o interesse de extrativistas, agricultores familiares 
e comunidades locais, têm favorecido a realização de ações comprometidas 
com o uso sustentável dos recursos naturais (exemplos podem ser analisados em 
Diegues & Viana 2���; e Simões & Lino 2���). Em muitos casos a geração de 
novos conhecimentos ou a sistematização dos já existentes (tradicionais, locais ou 
acadêmicos) tem possibilitado ajustes, modificações ou monitoramento dos sistemas 
de extração e uso de recursos de interesse. Os processos tecnológicos resultantes 
destas ações têm sido referenciados na literatura como manejo sustentável, neo-
extrativismo (Rego �999), manejo de populações naturais (Reis et al. 2���b), 
�2�
extrativismo manejado (Diegues 2���), entre outros.
Este manejo das populações naturais pode ser entendido como a exploração 
controlada das populações de uma dada espécie, visando a obtenção de um produto 
direto (madeira, palmito, flores, frutos) ou indireto (metabólitos secundários a partir 
das folhas ou casca, ou outro órgão da planta) (Reis et al. 2���b). Contudo, tal 
manejo só é sustentável no tempo na medida em que a retirada de um número de 
indivíduos (ou partes destes), a cada ciclo de exploração, possa ser reposto pelo 
próprio dinamismo da espécie. Assim, implica no aproveitamento da regeneração 
natural da mesma, a partir do desenvolvimento dos indivíduos remanescentes e da 
contínua reposição de propágulos para manutenção do banco de plântulas. Para 
garantia da exploração cíclica deverão ser observados aspectos da demografia 
e da biologia reprodutiva da espécie a ser manejada. Além disso, a garantia de 
continuidade de qualquer processo exploratório, está relacionada a manutenção 
da estrutura genética das populações naturais das espécies sob manejo, a qual 
tem implicações nareposição do estoque pela regeneração natural, garantindo a 
sustentabilidade (Reis �996).
Exemplos desta abordagem para a região Sul e Sudeste do país podem ser 
analisados para o palmiteiro (Euterpe edulis) em Reis et al. (2���a), para a espinheira 
santa (Maytenus ilicifolia) em Steenbock & Reis (2��4), pariparoba (Piper cernuum) 
em Mariot et al. (2��6) e samambaia preta (Rumohra adiantiformis) em Baldauf 
(2��6).
Em termos econômicos, para a exploração de recursos das florestas tropicais, 
a diferença de tempo necessária para que se complete o ciclo de vida das espécies 
que podem fornecer produtos que não madeira (espécies medicinais, ornamentais 
e alimentícias) é a chave para intercalar o ingresso de renda ao longo período 
de rotação de espécies de ciclo longo (Conte et al. 2���). Assim, o conjunto de 
espécies não fornecedoras de madeira e outras atividades, como turismo ecológico, 
podem complementar a renda por unidade de área possível de ser manejada nestas 
comunidades (Reis et al. 2���b). Além disso, uma perspectiva integrada de uso 
dos diversos recursos/ produtos, aqueles provenientes do extrativismo e aqueles 
provenientes do cultivo, reduz a necessidade de sobre-exploração de recursos 
advindos do extrativismo. 
Contudo, a perspectiva de estabelecimento de estratégias que viabilizem 
o manejo de uma determinada espécie em seu ambiente natural implica na 
recuperação e sistematização de conhecimentos tradicionais e/ ou na geração de 
conhecimentos relativos a sua autoecologia, bem como no repasse destas estratégias 
(tecnologias) para os produtores/ extratores envolvidos (Simões 2���). Esse 
retorno dos conhecimentos sistematizados deve ser prioritariamente direcionado 
para as comunidades locais e agricultores familiares, como opção adicional de 
obtenção de renda na propriedade, sem degradação da floresta. Outro aspecto de 
grande importância é a disponibilização do conhecimento gerado ou recuperado e 
sistematizado para os demais agentes envolvidos no processo (extencionistas rurais 
e agentes de fiscalização, p. ex.).
�24
A maioria dos sistemas de manejo desenvolvidos e/ ou empregados por 
comunidades tradicionais contemplam, de forma empírica, vários dos aspectos que 
favorecem a manutenção da estrutura das populações naturais sob extrativismo. 
Entretanto, na maior parte dos casos, tal conhecimento vem se perdendo pelo 
desinteresse das gerações mais jovens e, principalmente, pelos processos de 
aculturação a que são submetidas tais comunidades (Di Stasi �996).
Neste contexto, a organização dos produtores (comunidades tradicionais) 
e processo de produção no sentido de aumentar o conhecimento/ poder das 
comunidades locais sobre cadeia produtiva é outra ação de grande importância, 
pois contribui diretamente para a valorização dos recursos e processos de produção 
destas comunidades, favorecendo a sua reprodução sócio-cultural.
Desta forma, os processos de extrativismo e/ou de manejo de populações 
naturais têm grande potencial para favorecer a conservação da biodiversidade. 
Contudo, em muitos casos as demandas do mercado e/ ou os interesses dos usuários 
dos recursos extraídos, levam a sobre-exploração dos recursos, produzindo um 
ciclo de retorno financeiro imediato, declínio dos recursos demandados, perda de 
diversidade, perda do potencial econômico do processo de exploração e perda de 
identidade sócio-cultural das comunidades locais.
O Papel das Regulamentações
Um dos principais efeitos da ampliação da demanda do mercado sobre um 
determinado produto/ recursos proveniente do extrativismo é a sobre-exploração. 
Alem da exploração madeireira (um bom exemplo pode ser analisado em Guerra 
et al. 2���; Carvalho 2��6), situações de sobre-exploração de outros recursos no 
Sul e Sudeste do país são muitas, ainda que não bem documentadas. O histórico de 
exploração do palmiteiro (Euterpe edulis) (Fantini et al. 2���) e da espinheira santa 
(Maytenus ilicifolia) (Sheffer 2��4; Sheffer et al. 2��4) são bons exemplos. 
Neste contexto, as regulamentações podem cumprir um papel relevante 
no processo de conservação dos recursos naturais e manutenção de valores sócio-
culturais das comunidades locais, na medida em que estabelecem critérios e limites 
para o processo extrativista.
Tentativas de contraposição a situação de sobre-exploração e degradação 
ambiental têm sido realizadas através de legislações (e regulamentações) restritivas 
(restrição de supressão de vegetação na Mata Atlântica – DL ���/ �99�; proibição 
de exploração de espécies ameaçadas no âmbito da Mata Atlântica – Resolução 
2�8/ CONAMA/2���), regulatórias ou condicionantes, exigindo reposição florestal 
(p. ex. plantio de duas mudas para cada indivíduo explorado; Portatia Normativa 
�22/ IBAMA/ �98�) ou estabelecendo critérios (de dimensões, p. ex. DAP > 4� cm 
para espécies madeireiras; Portaria Interinsticional n�/ IBAMA/ FATMA/ �996) 
mínimos para extração. Contudo, tais regramentos historicamente não apresentavam 
fundamentação técnico-cintífica (como discutem Reis et al. 2���b – plantas 
�2�
medicinais – e Reis et al. 2���b - palmiteiro) e raramente eram estabelecidos com 
o envolvimento dos atores envolvidos. Assim, de uma maneira geral, não foram 
respeitados sequer pelos agentes ambientais (fiscalizadores).
No entanto, os esforços recentes de geração/ sistematização de conhecimentos, 
já mencionados, bem como o envolvimento de atores locais no estabelecimento 
de regulamentações tem permitido uma dinâmica diferenciada neste processo. 
Exemplos podem ser encontrados na construção da Resolução �2/ DEPRN/ �998 
para exploração de espécies medicinais e ornamentais em São Paulo, Resolução 
294/ CONAMA/ 2��� para o manejo do palmiteiro (Euterpe edulis) em Santa 
Catarina e, recentemente, no processo de regulamentação do manejo da samambaia 
preta (Rumohra adiantiformis) no Rio Grande do Sul. Tais exemplos apresentam 
diferenças históricas de construção com um expressivo crescente no envolvimento 
dos atores locais e estruturação também local da regulamentação.
No caso da Resolução �2, a sua construção envolveu as demandas dos 
extratores da região do Vale do Ribeira/ SP (quais espécies eram importantes), os 
técnicos locais, os agentes ambientais locais (DEPRN) e a comunidade científica. A 
estrutura da Resolução permite uma ampla flexibilidade e favorecia a possibilidade 
de ampliação de sistematização dos conhecimentos locais (os critérios podem ser 
estabelecidos pelos próprios extratores/ manejadores para cada espécie) (Simões 
2���). Entretanto, as mudanças (pessoal e estrutura) da agência ambiental 
(DEPRN), bem como a complexidade da cadeia produtiva das plantas medicinais 
na região e desconfiança dos atores (subestimada no processo de construção da 
regulamentação), desfavoreceram uma adoção mais ampla da Resolução e, portanto, 
um maior favorecimento da conservação dos recursos que vêm sendo extraídos na 
região.
No caso da Resolução 294/ CONAMA/ 2���, que regulamenta o manejo 
do palmiteiro (Euterpe edulis), a mesma foi demandada regionalmente (área de 
Floresta Ombrófila Densa em Santa Catarina), discutida e construída no Comitê 
Estadual da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (CERBMA SC). O CERBMA 
SC possui representação de vários setores da sociedade, entre estes�� representantes 
de Universidade, representantes de ONGs, representantes das agências ambientais 
locais (FATMA e IBAMA), representante dos agricultores familiares, representante 
das Secretarias Municipais de Meio Ambiente e representante dos consórcios 
municipais. Além disso, havia um farto conhecimento acumulado e sistematizado 
sobre o manejo da espécie (Reis & Reis 2���) e experiências anteriores de 
regulamentações; houve consulta a outras instituições e um período de quatro meses 
de discussão, incorporação de sugestões e articulação local. Assim, a proposta 
de Resolução atendiaamplamente as demandas locais de conservação e uso da 
espécie e há uma adoção expressiva da mesma. Interessante ressaltar que, apesar 
de todo esforço e articulação bem sucedidos, a demanda por palmito tem sido de 
forma crescente atendida por plantios de Archontophoenix alexandrae (palmeira 
real australiana) nas propriedades agrícolas (predominantemente de agricultura 
familiar) do Estado de Santa Catarina. Atualmente, há uma expansão da demanda 
�26
por frutos de Euterpe edulis nas regiões Sul e Sudeste, não existindo, contudo, uma 
percepção da necessidade de regulamentação deste novo processo extrativista, até 
o momento.
Outro caso interessante é o da Resulução ���/ CONAMA/ 2���, que 
regulamenta o manejo da bracatinga (Mimosa scabrela) em Santa Catarina, 
visando a produção de lenha e carvão vegetal. A construção da proposta se deu 
de forma similar à do palmiteiro (294/CONAMA/ 2���), com uma discussão e 
articulação inclusive mais ampliada. Entretanto, as modificações introduzidas pela 
Câmara Técnica do CONAMA “romperam” a articulação local levando a completa 
não adoção da Resolução ���. Portanto, levando à continuidade da exploração 
considerada ilegal e clandestina por parte dos agricultores familiares, gerando 
conflitos sociais e ambientais constantes. 
Estes dois exemplos chamam atenção para a necessidade e importância da 
estruturação local de regulamentações, com ampla articulação. Mas, também para a 
necessidade de respeito às articulações locais.
O exemplo mais recente, samambaia preta (Rumohra adiantiformis) no 
Rio Grande do Sul, é talvez o melhor em termos de trabalho articulado e bem 
fundamentado. Com ampla participação de todos os segmentos envolvidos e grande 
conhecimento local e acadêmico sistematizado (ANAMA 2��2; Baldauf 2��6). 
Atualmente o processo está em fase final de construção.
Considerações finais
Nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, especialmente no âmbito da Mata 
Atlântica e seus ecossistemas associadas, apesar do alto grau de degradação dos 
ambientes de vegetação natural, o extrativismo permanece como um aspecto de 
grande relevância social e cultural. Esta situação é especialmente relevante para 
agricultores familiares que, além de estarem envolvidos em atividades agrícolas em 
suas propriedades, praticam o extrativismo visando complementação de renda e/ ou 
obtenção de produtos/ recursos importantes para o seu modo de vida.
Neste contexto, a geração e sistematização de conhecimentos associados aos 
recursos e sistemas de obtenção destes recursos tem se mostrado capaz de favorecer 
a manutenção dos mesmos e reprodução sócio-cultural das comunidades locais 
de agricultores familiares extrativistas. Tal favorecimento é efetivo na medida do 
comprometimento dos processos de geração e sistematização do conhecimento 
com as comunidades locais.
Finalmente, as regulamentações podem cumprir um papel relevante no 
processo de conservação dos recursos naturais e manutenção de valores sócio-
culturais das comunidades locais, na medida em que estabelecem critérios e limites 
para o processo extrativista. Além disso, a implementação de tais políticas públicas 
só apresenta efetividade com o envolvimento dos diversos atores sociais, incluindo 
os agricultores familiares extrativistas, no seu processo de construção. Além disso, 
a manutenção da efetividade das regulamentações necessita de uma contínua 
articulação local. 
�2�
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Neo-extrativismo 
sustentável
Paulo Kageyama
 DCBio. SBF. MMA.
Capítulo 9
���
A discussão sobre o extrativismo e sua sustentabilidade econômica, social 
e ambiental na Amazônia tem alta relevância, a julgar pela ainda existência de 
mais de 8�% desse bioma ainda com vegetação primária ou pouco perturbada, 
aliado ao fato de que essa região possui um total de 2� milhões de amazônidas, 
na sua maioria vivendo ou dependendo de algum tipo de extrativismo. O 
desenvolvimento da Amazônia depende pois, em grande parte, de políticas 
públicas que ataquem problemas básicos, tais como�� i) estancamento da taxa 
de desmatamento; ii) manejo sustentável dos ecossistemas naturais; e iii) 
construção das cadeias produtivas dos componentes da biodiversidade. Essa 
política vem sendo construída mais ultimamente, com avanços significativos nas 
bases para uma política estruturante de mais longo prazo, porém necessita de 
ações arrojadas no sentido de efetividade do uso sustentável da biodiversidade, 
para um segmento significativo do bioma, já que exemplos e iniciativas existem 
em grande número, e que necessitam ser replicados para área significativa da 
Amazônia.
O Plano de Combate ao Desmatamento da Amazônia, uma ação transversal 
de �� ministérios do Governo Federal, proposto pela Ministra Marina Silva em 
2���, e iniciada sua implementação em 2��4, teve seus primeiros resultados 
positivos em 2���, quando se constatou uma redução da taxa de desmatamento 
em ��%, o equivalente a cerca de 8�� mil hectares de desmatamento evitado. Se 
considerarmos, grosseiramente, que ��� mil hectares desse total de desmatamento 
evitado foi fruto deste plano, poderíamos estimar também em cerca de ��� 
dólares por hectare/ano o custo dessa ação, já que se estima em �� mil dólares 
por ano o gasto do governo com este plano. Se compararmos este custo com o 
custo da restauração de áreas degradadas de florestas tropicais, estimado em no 
mínimo de � mil dólares por hectare, pode-se julgar a alta relevância da iniciativa 
do governo com este plano para a biodiversidade da Amazônia. Sabemos que 
a redução da taxa de desmatamento é imprescindível e urgente, no entanto, o 
que deve consolidar de fato a conservação da biodiversidade amazônica será o 
manejo sustentável de sua biodiversidade, através de programas e ações para e 
com o segmento de extrativistas dessa região.
A Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio 
Ambiente, ponto focal da Convenção sobre Diversidade Biológica no país, 
reafirma que os três objetivos desse acordo internacional, ou, a conservação 
da bidiversidade, o uso sustentável dos recursos dela advindos, assim como a 
repartição justa e eqüitativa dos seus benefícios são também suas prioridades 
básicas. Para tanto, o uso sustentável da biodiversidade, assim como o 
conhecimento tradicional associado, é de fato a chave para levar avante esses 
preceitos dessa importante convenção das Nações Unidas, o que requer um 
balanço adequado sobre que condições objetivas temos no setor e sobre quais 
prioridades devemos atuar. Tanto o manejo sustentável de áreas naturais por 
comunidades tradicionais, como a efetivação das cadeias produtivas para sua 
incorporação no setor produtivo comercial e industrial, é essencial para o 
��2
desenvolvimento das comunidades da Amazônia.
Vale um parênteses sobre qual manejo sustentável nos referimos, já que 
diversas interpretações podem ser dadas para tal termo, desde o conceito puro 
biológico científico de manutenção da biodiversidade durante os ciclos, até 
aquele que aponta um manejo possível dentro do atual conhecimento científico 
atual. O conceito mais científico de manejo sustentável, defendido pelos teóricos 
que vêm estudando a estrutura e funcionamento das florestas tropicais, coloca 
claramente a exigência de não mudança no decorrer dos ciclos de exploração 
da riqueza de espécies e da variabilidade genética dentro das espécies, e sua 
manutenção para as futuras gerações. Certamente esta exigência é muito rígida 
e praticamente inexeqüível, porém, o abrandamento excessivo das exigências 
de reprodução, fluxo gênico e regeneração natural das espécies pode também 
tornar o manejo sem retorno para a biodiversidade do ecossistema, o que deve 
apontar cautela para as definições das regras do jogo para o manejo.
O extrativismo sustentável da floresta tropical amazônica, que tem 
nas Reservas Extrativistas – RESEX a sua maior expressão, fundamentou-
se basicamente em produtos florestais não madeireiros (PFNM) para sua 
consolidação, já que a exploração de látex, frutos e óleos não implica na 
derrubada de árvores, aumentando em muito a probabilidade de que o recurso 
extrativo seja sustentável, assim como a biodiversidade associada, se mantenha 
de uma geração para outra, sem alterações significativas nas características, 
inclusive genéticas, das populações. O extrativismo de exploração da madeira, 
por sua vez, aponta características de impactos tanto sobre a população das 
espécies em exploração, como na biodiversidade associada, assim como na 
nova constituição das populações regenerantes, dificultando a previsibilidade 
do novo ciclo de exploração e, portanto, a sua sustentabilidade. Por outro lado, a 
teoria clássica do extrativismo, que foi sempre realçada por Homma, que aponta 
o extrativismo de um produto como uma fase transitória de exploração daquele 
recurso, com seu ciclo dependente do desenvolvimento da ciência e tecnologia 
para a espécie em questão, foi combatida por Rêgo (�999) realçando que para o 
caso das RESEX e o novo cenário mundial o panorama do extrativismo poderia 
ser alterado. O autor alcunhou essa situação de Neo-extrativismo, diferenciando 
da teoria clássica em que, para as condições da Amazônia, onde os serviços 
ambientais estão embutidos no uso extrativo sustentável dos PFNMs, ainda em 
uma situação em que a C&T podem avançar em propostas de uso sustentável 
no extrativismo, como é o caso das Ilhas de Alta Produtividade (IAPs), por 
exemplo.A construção de cadeias produtivas para os PFNMs, de forma que essas 
espécies fornecedoras sejam de fato incorporadas ao manejo sustentável dos 
ecossistemas tropicais, quebrando a lógica de se considerar um produto explorado 
por comunidades e a sua “ evolução” para o uso normalmente em monocultivo, 
sem a questão do serviço ambiental incorporado, é de alta relevância nessas 
propostas de políticas públicas para o desenvolvimento da Amazônia. Os Distritos 
���
Florestais Sustentáveis, dentro do PL de Gestão de Florestas Públicas recém 
aprovado, vai ao encontro dessa preocupação de incorporar as comunidades 
extrativistas nos programas de governo. A concentração de esforços de pesquisa 
e estruturas pró-ativas no sentido de possibilitar o uso sustentável em territórios 
prioritários em termos de biodiversidade e comunidades extrativistas, dá aos 
Distritos Florestais Sustentáveis uma importância fundamental, no sentido de 
valorizar as experiências extrativistas de sucesso na Amazônia.
O PL de Acesso e Repartição de Benefícios, discutido a partir de um APL 
primeiramente apresentado pela então Senadora Marina Silva em �996, e neste 
momento na Casa Civil após longa discussão no CGEN, com a participação 
do Governo e a Sociedade Civil, se reveste de alta relevância para o momento. 
O objetivo da conservação da biodiversidade, o primeiro da CDB, deve ser 
incorporado do uso sustentável e repartição de benefícios, que certamente passa 
por uma lei de acesso ao recurso genético que atenda o conhecimento tradicional 
das comunidades amazônicas e de outros biomas ricos em biodiversidade.
Referência bliográfica
Rêgo, J.F. �999. Amazônia�� do extrativismo ao neoextrativismo. Ciência Hoje 
25 (�4�)�� 62-6�.
��4
A lógica do mercado e o futuro da 
produção extrativista
Charles R. Clement
 Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA;
Av. André Araújo, 29�6 – Aleixo; 69�6�-��� Manaus, Amazonas, Brasil. 
Bolsista de CNPq.
Capítulo 10
���
Introdução
O extrativismo foi a primeira estratégia de subsistência da espécie humana 
e assim continua em todo o mundo onde pessoas têm acesso a ambientes naturais. 
Basta lembrar dos europeus que saem para coletar cogumelos nas florestas todos 
os anos, tanto na primavera como no outono, para reconhecer a permanência do 
extrativismo até numa sociedade desenvolvida. No entanto, vale observar que este 
tipo de extrativismo não representa uma necessidade econômica e sim uma opção de 
vida. Aqui no Brasil a maioria das pessoas sabe da existência de extrativistas, como 
os seringueiros, castanheiros, quebradores de coco de babaçu, pescadores artesanais 
e coletores de pinhão, e muitos sabem que diversas agências dos governos federal e 
estaduais mantêm programas que apoiam comunidades extrativistas. Em contraste 
à situação européia, o extrativismo no Brasil pode representar uma necessidade 
econômica, inclusive contribuindo de forma significativa para a subsistência e renda 
anual das famílias extrativistas. Então, por que perguntar se o (neo) extrativismo é 
viável sócio-ambientalmente?
Antes de responder, é importante considerar que o sócio-ambientalismo 
propõe um modelo de desenvolvimento envolvendo a sustentabilidade ambiental, 
social e econômica em que o extrativismo pode ser importante para alguns grupos 
de pessoas. Essa mesa redonda pretende discutir a viabilidade do uso de (neo) 
extrativismo de produtos florestais não madeireiros (PFNM) por comunidades 
locais como estratégia de conservação da sócio-diversidade e da biodiversidade. Ao 
mesmo tempo, a viabilidade da produção extrativista a longo prazo é questionável 
quando incorporada à lógica do mercado. Aí é valido perguntar se estamos pedindo 
muito ao extrativismo? Caso positivo, onde é que o extrativismo pode contribuir?
O sócio-ambientalismo é essencialmente uma idéia desenvolvida em 
resposta ao paradigma imposto pelo atual sistema político-econômico mundial, às 
vezes chamado de capitalismo neo-clássico, às vezes de globalização do capitalismo 
corporativo e às vezes codificado como o Consenso de Washington. Alguns 
estudantes do atual sistema político-econômico consideram que é insustentável e 
pode contribuir para um colapso sócio-econômico e ambiental (e.g., Meadows et al. 
�9�2, �992, 2��4; Diamond 2���). O conceito de sustentabilidade foi introduzido 
justamente para incluir as gerações futuras e a saúde ambiental na definição de 
desenvolvimento – na esperança de evitar esse colapso (Bruntland �98�). Ao mesmo 
tempo, a preocupação mundial com a homogeneização cultural introduziu a idéia 
da conservação da sócio-diversidade no mesmo caldo, abrindo caminho para a idéia 
de desenvolvimento sócio-ambiental. No entanto, vale lembrar que a maioria das 
políticas públicas está desenhada para apoiar o atual sistema político-econômico, 
o que significa que o extrativismo precisa ser analisado como componente deste 
sistema e não como componente de uma idéia – por mais atrativa que seja. Afinal, o 
extrativismo deveria contribuir para a sustentabilidade econômica das comunidades 
extrativistas e da sociedade nacional mesmo se o paradigma não muda a curto 
prazo.
��8
O extrativismo é uma “atividade produtiva baseada na extração ou coleta de 
produtos naturais não cultivados (como, p.ex., madeiras da floresta amazônica)” 
(Ferreira �999). Os limites desta atividade têm sido analisados com muito cuidado 
pelo economista Alfredo K. O. Homma, da Embrapa Amazônia Oriental, tanto 
em termos históricos como em termos atuais (Homma �99�, 2���), e esta análise 
é a base de uma polêmica sustentável, muitas vezes gerando mais calor que luz! 
Considero que a análise de Homma é correta. É importante entender que em nenhum 
momento Homma afirma que não há um lugar para o extrativismo na Amazônia e, 
por extensão, no Brasil e no mundo; ele argumenta que o extrativismo não pode 
ser à base de desenvolvimento de uma região tão grande como a Amazônia. Vamos 
examinar esse argumento e suas implicações visando responder a preocupação 
desta mesa redonda.
O “Neo-extrativismo é um conceito ligado à totalidade social, em todas 
as instâncias da vida social�� a econômica, a política e a cultural. Na dimensão 
econômica, é um novo tipo de extrativismo que promove um salto de qualidade 
pela incorporação de progresso técnico e envolve novas alternativas de extração 
de recursos associadas com cultivo, criação e beneficiamento da produção.” (Rêgo 
�999). A relação entre este conceito e a idéia de desenvolvimento sócio-ambiental 
é evidente. O conceito de neo-extrativismo essencialmente reconhece os limites 
do extrativismo, como analisados por Homma, e reconhece que o sistema de 
produção extrativo precisa ser modificado para ser viável economicamente, embora 
a implicação é o fim do extrativismo (como definido por Ferreira �999) via a 
incorporação destas idéias, como afirmado por Homma. Algumas das modificações 
sugeridas por Rêgo (�999) são a adoção de sistemas agroflorestais, a pequena 
criação de animais, o beneficiamento dos produtos extrativos e agroflorestais no 
sítio ou na comunidade etc. Todas são idéias originalmente sugeridas por Homma. 
Vale adicionar a esta lista as ilhas de alta produtividade, pois também apresentam 
viabilidade econômica (Reydon et al. 2��2).
Considerando que a análise de Homma é central a nossa discussão, tanto 
para seus críticos como para seus defensores, é hora de examinar esta análise.
O Ciclo do Extrativismo
Baseado numa análise histórica do extrativismo na Amazônia, bem como na 
aplicação da lógica da economia capitalista neo-clássica, Homma (�99�) traçou um 
par de curvas simples que explicam a trajetória esperada da produção e substituição 
de um PFNM hipotético quando existe uma demanda em expansão em um mercado 
qualquer (Figura �). É importante lembrar que os PFNM são extremamente diversos 
e as curvas serãoligeiramente diferentes para cada caso. Homma (�99�) enfatiza 
que os PFNM podem ser classificados, a grosso modo, naqueles cujo extrativismo 
depreda o recurso por que mata as plantas (e.g., pau rosa), e naqueles cujo 
extrativismo é simples coleta, não comprometendo a reprodução do recurso (e.g., 
��9
castanha do Brasil, coco de babaçu). Essas classes também terão curvas diferentes, 
mas a lógica permanece.
Figura �. O ciclo do extrativismo vegetal e sua substituição, segundo Homma 
(�99�).
No início da curva, um empreendedor detecta uma nova oportunidade de 
uso para um PFNM em um ecossistema natural que gera demanda num mercado. 
O empreendedor começa a comprar o PFNM de uma comunidade extrativista 
que vive no ecossistema e conhece seus recursos. Conforme a demanda cresce no 
mercado, a comunidade extrai o PFNM até o limite possível no ecossistema a seu 
alcance. Esta é a fase de expansão e sua duração é determinada pela competência 
do empreendedor em criar demanda no mercado, pela facilidade que a comunidade 
tem para extrair o PFNM, e pela abundância do PFNM no ecossistema. A inclinação 
da curva depende da competência do empreendedor e da qualidade do produto, 
sendo que a qualidade pode ser melhorada pela comunidade com a aplicação de 
tecnologias simples – agregando valor no processo (Homma �99�; Rêgo �999; Clay 
�999; Clay et al. �999).
A fase de estabilização ocorre quando a oferta é igual à demanda. A oferta é 
determinada pela abundância do PFNM e pela facilidade de sua extração – sempre 
lembrando que estamos pensando a nível da comunidade. No entanto, se a demanda 
for maior que a oferta, o empreendedor terá diversas opções, entre as quais, comprar 
de outras comunidades, estimular o plantio do PFNM nas comunidades (neo-
extrativismo) ou em outro local (um tipo de substituição), contratar uma instituição 
de P&D para identificar um substituto industrializado, ou qualquer combinação 
destas opções. A existência destas opções é a razão pela qual a segunda curva (a da 
substituição) começa dentro desta fase (Fig. �).
Aqui é importante entender um dos pressupostos mais importantes da curva�� 
a demanda é crescente. Se este pressuposto é violado, a fase de estabilização de um 
PFNM pode durar muito tempo porque a oferta sempre será maior que a demanda. 
Tempo
Expansão Estabilização Declínio Substituição
Produção
Produção
Extrativa
Agrícola ou
Silvícola ou
Industrial
�4�
Muitos PFNM possuem mercados que não crescem, o que explica por que estão 
sempre presentes no mercado em baixa quantidade, com baixo preço e, geralmente, 
com pouca qualidade. A castanha-do-Brasil é um PFNM cujo mercado não cresce 
(Clement �999), e ao mesmo tempo é sempre considerado durante as discussões de 
PFNM porque seu mercado é relativamente grande e inclui um nicho no exterior. 
Se olharmos para os dados sobre produtos extrativistas é possível concluir que a 
maioria absoluta dos PFNM tem mercados que não crescem e esta observação terá 
um impacto importante nas respostas que estamos buscando. 
Em contraste a um PFNM coletado sem danos à população, um PFNM cuja 
coleta degrada o recurso (e.g., pau-rosa) pode ter uma fase de estabilização curta 
na comunidade, resultando na perda do recurso e a migração do empreendedor. A 
historia de pau-rosa na Amazônia mostra esta migração (May & Barata 2��4).
A terceira fase da curva de extrativismo é a de declínio, pois o empreendedor 
teve sucesso em encontrar um substituto para a oferta extrativista, ou via plantações 
ou via substitutos industriais. É bom lembrar ainda que estamos mantendo o foco na 
comunidade extrativista. Homma (�99�) usa o exemplo histórico da borracha, que 
seguiu ambas as vias, primeiro com plantações na Ásia e, mais recentemente, no 
Sudeste brasileiro, e segundo com o desenvolvimento de borracha sintética, embora 
esta não substitua a borracha natural em todos os seus usos. O número de exemplos 
de PFNM e outros produtos da Amazônia que foram substituídos são grandes e 
ajuda a explicar a paranóia sobre a biopirataria na região!
É importante entender que a terceira fase é inevitável se o PFNM tem 
um mercado em expansão. A razão é simples�� em um mercado em expansão 
muitos fornecedores do PFNM estarão concorrendo para atender a demanda, 
alguns dos quais terão vantagens comparativas sobre outros. No atual sistema 
político-econômico, as comunidades extrativistas sempre têm menos vantagens 
comparativas do que outros possíveis fornecedores porque seus PFNM estão em 
ecossistemas naturais, quase sempre em baixa densidade (o que aumenta o custo 
de extração por unidade), com qualidade variável (devido a nunca ter sofrido uma 
seleção humana para uniformidade), com safras variáveis e geralmente curtas (o 
que exige armazenamento que pode causar degradação do produto), distantes 
dos centros consumidores (que aumenta os custos de transporte) etc. O número 
de desvantagens comparativas é sempre maior na periferia (Clement �99�), o que 
explica porque os PFNM com demanda são levados para outras áreas de produção 
(Dove �99�, �996), de preferência perto dos centros consumidores ou com outra 
vantagem comparativa.
Este ciclo é histórico e é atual. Os casos de biopirataria que ganham tanta 
atenção na mídia nada mais são do que tentativas de pular etapas no ciclo. Mais 
importante, no entanto, é que a biopirataria mostra demanda de um mercado, 
demanda que muitas vezes não é percebida por comunidades ou instituições 
nacionais. Se o Brasil ou outro país mega-diverso não faz os investimentos para 
desenvolver um PFNM, um empreendedor tentará tirar proveito, mesmo se for de 
forma ilegal. Cada vez que um empreendedor tem sucesso, tanto em colaboração 
�4�
com comunidades como por meios ilegais, um outro PFNM sai da floresta e se torna 
menos importante para as comunidades que antes ganhavam com o PFNM. Isto é o 
fim do ciclo de extrativismo, como explicado por Homma (�99�), mas não significa 
que o extrativismo não é importante.
A Importância do Extrativismo
O extrativismo foi a base econômica da Amazônia e do Brasil no período 
colonial, gradualmente perdendo importância com a expansão da agropecuária, 
da mineração e, mais recentemente, da indústria. Na Amazônia, o pico de sua 
importância foi em �9��, quando representava 9�% da produção vegetal da região 
(Homma �99�), que, por sua vez, era a base da economia. Até a década de �9��, o 
extrativismo continuou a ser mais importante que a agropecuária na Amazônia, mas 
com a decisão de “desenvolver” a Amazônia e integrá-la ao Brasil, especialmente 
durante a época militar, o extrativismo perdeu espaço, uma tendência que continua 
até hoje, tanto na Amazônia, como no Brasil e no mundo. No entanto, o extrativismo 
ainda é importante para a população rural da Amazônia e do Brasil, e nas dezenas de 
Reservas Extrativistas espalhadas pelo país é muito importante.
Pinzón Rueda (s.d.) analisou a importância do extrativismo na Amazônia 
na última década do século passado, estimando que pelo menos 2��.��� famílias 
estavam envolvidas na extração de PFNM para garantir parte de sua subsistência e 
renda familiar. Acredito que esta é uma sub-estimativa. A população da região Norte 
está perto de �� milhões hoje (IBGE 2���), dos quais ��% vivem no meio rural e 
certamente praticando extrativismo para uma parte de sua subsistência. Veiga (2��2) 
sugere que a definição de “centro urbano” usada pelo IBGE vicia esta estimativa. 
Ele sugere que pelo menos outros ��% deveriam estar entre o rural e o urbano, o 
que permite contato com ambientes naturais, bem como a prática de extrativismo. 
Portanto, acredito que o número verdadeiro é pelo menos três, se não quatro vezes 
maior que a estimativa de Pinzón Rueda – somente na Amazônia. A nível nacional, 
o IBGE estima que apenas �9% da população vive no meio rural, mas Veiga sugere 
que deveria ser pelo menos��% e uma parte dos ��% de difícil definição.
É lógico que todas essas pessoas não dependem de extrativismo, pois a 
maioria absoluta das famílias pratica agricultura para garantir a maior parte de sua 
subsistência. Até nas Reservas Extrativistas a maioria da população é de agricultores 
familiares. Pinzón Rueda (s.d.) cita um estudo de pré-investimento do PPG� em 
Reservas Extrativistas que encontrou que as famílias conseguiram ��% de sua 
renda familiar da agricultura e criação, �4% da caça e pesca (extrativismo animal), 
e ��% da extração vegetal (borracha, castanha, açaí etc.). Ou seja, os extrativistas 
mais conhecidos são agricultores familiares que praticam extrativismo. Além disto, 
extraem numerosos PFNM, não são especialistas, embora a borracha, a castanha e o 
açaí sejam muito importantes. A maioria dos agricultores familiares do Brasil segue 
um padrão algo similar, embora a extração vegetal e animal certamente seja menos 
�42
importante e a agricultura mais importante em outros lugares do que nas Reservas 
Extrativistas.
Uma outra dimensão de importância é o número de PFNM disponível. A 
priori, qualquer espécie pode ter uso para alguma coisa, mesmo se apenas como 
lenha. No Estado do Amazonas, a lenha é um dos produtos extrativistas mais 
importantes (Seplan 2��4), embora não seja considerada um PFNM. Eduardo Lleras 
(Embrapa Amazônia Ocidental com. pess. 2��6) estima que �.��� espécies vegetais 
amazônicas foram usadas pelos povos indígenas e comunidades tradicionais ao 
longo do último século. O famoso trabalho de Pio Corrêa (�926) descreve centenas 
de espécies no país inteiro, a maioria das quais é PFNM. No entanto, poucos 
produtos extrativistas constam do Censo Agropecuário (�99�)�� açaí-do-Pará (fruto 
e palmito), borracha, castanha-do-brasil, cupuaçu, pau-rosa, piassava, buriti, cipós 
de muitos tipos, palha de diversas palmeiras, bacuri, balata, bacaba, murici (Ibama 
s.d.). As outras milhares de espécies podem ser usadas na subsistência e até vendidas 
localmente, mas seus mercados não crescem.
Embora muitas famílias na Amazônia extraiam estes PFNM, apenas o açaí 
e a castanha são importantes em termos econômicos e ambos estão sendo levados 
ao cultivo. A borracha continua a ser importante para as comunidades extrativistas 
porque o povo brasileiro subsidia sua extração. O cupuaçu é essencialmente 
cultivado hoje, e o bacuri e murici estão sendo transformados em cultivos também; 
vale a pena ler o artigo de Shanley et al. (2��2a) sobre o extrativismo de bacuri e uxi 
no Pará para entender porque as frutas nativas são PFNM que são excepcionalmente 
difíceis de levar ao mercado, essencialmente exigindo que sejam cultivados. Restam 
muitas plantas medicinais, mas a Agência Nacional de Vigilância Sanitária está 
aumentando gradualmente suas exigências sobre qualidade e uniformidade, o que 
afetará a produção extrativista.
O grande problema que o extrativismo enfrenta hoje é o pequeno número 
de espécies com demanda significativa e crescente nos mercados. Dove (�996) 
sugere que a maioria dos PFNM que realmente oferece oportunidades econômicas 
já foi levada ao cultivo. No entanto, algumas comunidades estão conseguindo fazer 
negócios com algumas empresas (veja alguns exemplos em Anderson & Clay 
2��2), mas não existem PFNM que podem ser produzidos por um grande número 
de comunidades. Alguns exemplos serão apresentados nesta mesa redonda.
Atualmente o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Ministério 
de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) possuem programas para apoiar 
a agricultura familiar, inclusive com investimentos em pesquisa e desenvolvimento 
(P&D) via Embrapa, CNPq, Finep e universidades. O MDA e o Ministério do Meio 
Ambiente (MMA) possuem programas para apoiar os agricultores familiares que se 
auto-denominam extrativistas, inclusive com investimentos em P&D. Todos estes 
investimentos mostram a importância que o governo atual está dando aos menos 
favorecidos no Brasil, mas será que estes investimentos vão reverter a tendência 
do extrativismo perder a importância na economia, como explicado por Homma 
(�99�), e aumentar sua contribuição para a conservação da sócio-diversidade e 
�4�
biodiversidade, como foi perguntado nesta mesa redonda? Afinal, os investimentos 
estão sendo feitos para ajudar estes agricultores familiares a interagir melhor com 
o mercado, pois o governo federal apóia o sistema político-econômico vigente. Se 
a idéia é aumentar sua eficácia como agentes econômicos, a análise de Homma 
(�99�) é de importância primordial.
Demandas dos Mercados
Existe um contínuo de exigências para qualidade e uniformidade dos PFNM 
entre os mercados locais (menos exigentes), regionais, nacionais e internacionais 
(mais exigentes). Além da exigência por qualidade e uniformidade, muitos 
mercados internacionais, especialmente os da Europa, Japão, Canadá e até os 
EUA, estão começando a exigir diferentes tipos de certificação, alguns dos quais 
podem ser usados por comunidades agrícolas para agregar valor, outros dos quais 
são meramente barreiras comerciais não-tarifárias. Como enfatizado por Shanley 
et al. (2��2b), certificação é cara e não é para qualquer combinação de PFNM e 
mercado, mas para certos casos é uma opção importante. Donald Sawyer (Programa 
de Pequenos Projetos Ecossociais PPP-ECOS-GEF, com. pess. 2���) alerta sobre 
o perigo de certificação orgânica generalizada para PFNM, mesmo que esses 
PFNM sejam produzidos de forma orgânica, justamente por causa dos custos e 
das exigências de capacitação que levarão muito tempo para uma comunidade de 
agricultores tradicionais incorporar.
Além do contínuo entre mercados de diferentes escalas de desenvolvimento, 
dentro de mercados específicos nos países menos desenvolvidos existe um contínuo 
de exigências entre as feiras da periferia, os mercados e supermercados centrais, 
e as lojas de alto padrão, tão exigente como as lojas dos países desenvolvidos. As 
feiras da periferia sempre oferecem espaço para os PFNM, mesmo sem padrões de 
qualidade e uniformidade, mas logicamente os preços obtidos são menores. Muitas 
lojas de alto padrão tentam trabalhar com comunidades e artesãos específicos para 
poder usar esta relação como parte de sua estratégia mercadológica, freqüentemente 
reduzindo o número de intermediários e aumentando o valor recebido pela 
comunidade (Anderson & Clay 2��2).
O contínuo de exigências é acompanhado por um contínuo de preços, 
de forma que existe a impressão de que o agricultor-extrator está sempre sendo 
prejudicado. A impressão é devido a não compreensão de como funciona uma 
cadeia de produção-comercialização e como valor é agregado ao longo da cadeia. 
Numa cadeia, cada pessoa que compra e vende o produto, com ou sem melhorias 
de qualidade e uniformidade ou processamento, vende mais caro do que compra, 
porque sem esta “agregação” de valor não teria motivo para comprar. De modo 
geral, quanto maior o número de intermediários, menor o valor pago ao agricultor-
extrator como proporção do valor final. Muitas iniciativas estão tentando reduzir o 
número de intermediários entre a floresta e o mercado, mas é importante lembrar 
�44
que o intermediário é uma pessoa fundamental em qualquer cadeia (Clay �999).
As exigências por qualidade e uniformidade são um desafio importante 
para as comunidades agrícolas e extrativistas, pois seus produtos são de qualidade 
extremamente variável, ou seja não são uniformes. A comunidade extrativista 
raramente possui os recursos, o equipamento ou a experiência para fazer o controle 
de qualidade do produto que vende, exceto quando recebe apoio de fora, às vezes de 
um intermediário. Schroth et al. (2��4) demonstraram que a simples classificação 
de qualidade pode gerar benefícios significantes na vende de tucumã no Amazonas. 
Estas são as razões pela qual Homma (�99�), Rêgo (�999), Clay(�999), Clay et al. 
(�999) e muitos outros autores discutem a necessidade de processamento, ou pelo 
menos pré-processamento e classificação, nas comunidades. Capacitação para estas 
atividades é oferecida por numerosas agências dos governos federal e estaduais e 
ONGs atualmente, mas precisa ser continuada e acompanhada por acesso a capital 
e tecnologias apropriadas para gerar o efeito desejado. Capacitação de curta duração 
geralmente tem eficácia limitada.
O processamento, no entanto, tem limitações�� a qualidade e uniformidade do 
PFNM. Quanto maior a exigência por uniformidade de uma qualidade específica 
do PFNM, menor o número de plantas no ambiente acessível à comunidade que 
pode atender a essa exigência. Se o mercado está em expansão, o empreendedor 
terá as opções mencionadas acima, mas a comunidade terá menos opções. Esta é 
a razão de pensar na transformação do extrativismo em neo-extrativismo ao nível 
da comunidade, como sugerido por Homma (�99�) em outras palavras e por Rêgo 
(�999). Esta também é a lógica das agências dos governos federal e estaduais em 
apoiar P&D para a agricultura familiar, incluindo os agricultores que praticam 
extrativismo.
A decisão de atender as demandas para qualidade e uniformidade sempre 
dependerá das perspectivas de expansão de demanda no mercado. Se essas 
perspectivas são boas, porque tem um bom empreendedor envolvido e o mercado 
está crescendo, o ciclo do extrativismo entra em vigor e força o neo-extrativismo 
ou até a domesticação do PFNM, como sugerido por Homma (�99�, 2���, 2��4), 
com sua produção subseqüente em plantios que podem não ser feitos juntos à 
comunidade. Se as perspectivas não são boas, como para a maioria dos PFNM cujos 
mercados não crescem, o investimento no PFNM para alcançar o neo-extrativismo 
ou a domesticação não vale a pena. Isto não quer dizer que o PFNM não tem valor, 
porque sua importância na subsistência da comunidade não é afetada; somente quer 
dizer que não gerará maiores benefícios seja qual for o investimento.
O Extrativismo Ajuda na Conservação?
Creio que agora é possível examinar a pergunta desta mesa redonda�� o 
(neo) extrativismo de PFNM por comunidades locais é uma estratégia eficiente de 
conservação da sócio-diversidade e da biodiversidade? Esta pergunta gerou muito 
�4�
calor e pouca luz ao longo das últimas décadas desde o artigo polêmico de Peters 
et al. (�989), em que afirmaram que o extrativismo de PFNM de uma floresta em 
pé pode gerar mais renda do que outros usos da terra comuns no trópico úmido, 
como a agropecuária ou o corte seletivo de madeira. Muitos projetos de pesquisa e 
reuniões analisaram o papel de extrativismo e tentaram responder a essa pergunta. 
Finalmente, o Centro Internacional para Pesquisa Florestal (CIFOR) executou uma 
pesquisa que creio chegou a uma conclusão importante (Ruiz-Pérez et al. 2��4).
O estudo examinou 6� PFNM de África, América Latina e Ásia, de duas 
classes (coleta simples e coleta destrutiva) e de muitos tipos de produtos. Sobre cada 
PFNM, coletou informação sobre os ecossistemas e seu estado de conservação, as 
comunidades e seu bem-estar, a integração com o mercado, a regulamentação dos 
governos, acesso a crédito e tecnologia, etc. Os estudos de caso de América Latina 
foram apresentados por Alexiades & Shanley (2��4) e alguns dos autores estão 
presentes nesta reunião. A análise foi sofisticada e os resultados foram amplamente 
discutidos.
Essencialmente, o estudo encontrou o ciclo de extrativismo descrito por 
Homma (�99�), com algumas ressalvas interessantes (Ruiz-Pérez et al. 2��4). Em 
comunidades pobres que praticam extrativismo como parte de sua subsistência, os 
PFNM podem ser importantes mas tendem a ser extraídos de forma destrutiva, o 
que sugere que sua importância diminuirá no futuro, não por causa do ciclo de 
extrativismo descrito por Homma, mas porque o recurso está sendo degradado. 
Em comunidades menos pobres, os PFNM tendem a ser parte de um sistema 
diversificado de produção e o neo-extrativismo é evidente, quando não o cultivo. 
Em comunidades relativamente mais afluentes, os PFNM tendem a ser produtos 
especializados, geralmente cultivados ou manejados em sistemas intensivos (neo-
extrativismo tendendo a sistemas agroflorestais simples ou mesmo pomares em 
monocultivo). As situações diversificadas e especializadas podem ser estáveis e 
duradouras se a demanda for estável, mas tendem a seguir o ciclo de estrativismo 
se a demanda continuar a crescer. No entanto, o extrativismo dos PFNM não é 
suficiente para garantir a conservação da biodiversidade nas comunidades, embora 
possa contribuir para a conservação da sócio-diversidade, pois alguns dos sistemas 
agroflorestais na Ásia foram desenvolvidos por grupos étnicos e ajudam a manter a 
soberania desses grupos frente às pressões das sociedades envolventes.
Em realidade esta conclusão não surpreende, pois numerosos críticos da 
idéia de que o extrativismo apóia a conservação observaram a mesma coisa ao longo 
das últimas duas décadas. Homma (�99�) ofereceu a base econômica dessa crítica, 
mas muitos outros que estudaram a questão observaram que é uma esperança 
excessivamente simplista, pois o estímulo à conservação é multi-dimensional em 
qualquer sociedade. Browder (�992), por exemplo, observou que a curta experiência 
das Reservas Extrativistas não demonstrou que o extrativismo era suficientemente 
viável para garantir a sustentabilidade das próprias reservas, muito menos outras 
áreas da floresta amazônica. Corretamente Browder observou que a questão de 
degradação ambiental precisava ser enfrentada no domínio da agropecuária em lugar 
�46
do que no domínio florestal. No intervalo entre as observações de Browder e hoje, 
a expansão da agropecuária, em sinergia com a extração madeireira na Amazônia, 
continua sem freios eficientes, pois é um dos motores importantes da economia 
brasileira e mundial. Em lugar de enfrentar este desafio, o governo brasileiro cria 
mais unidades de conservação, inclusive reservas extrativistas. É evidente que mais 
unidades de conservação são necessárias, mas sem enfrentar o desafio principal as 
unidades sempre estarão ameaçadas pela atividade agropecuária a seu redor, bem 
como pelos fogos que gradualmente queimarão seus limites fragmentados.
É importante entender aqui que estas análises não afirmam que o extrativismo 
está superado, nem que está fadado a desaparecer, embora uma leitura simplista 
de Homma (�99�) possa levar a esta conclusão. O importante é entender que o 
extrativismo não pode ser considerado um motivo principal de conservação da 
biodiversidade e nem um motor de desenvolvimento de grandes áreas, embora 
possa apoiar a reprodução social de comunidades de agricultores familiares. 
Então, se o extrativismo tradicional e o neo-extrativismo não são mecanismos de 
conservação, qual é seu papel no desenvolvimento, especialmente no tão desejado 
desenvolvimento sustentável?
Agricultura Familiar, Extrativismo e 
Desenvolvimento Sustentável
O extrativismo contribui para a subsistência da maioria absoluta dos 
agricultores familiares no Brasil hoje, tanto na Amazônia como no resto do país. 
Muitas vezes é de fundamental importância para seu bem-estar e reprodução social, 
como ocorre nas Reservas Extrativistas. Ao mesmo tempo, não podemos esperar 
que os PFNM vão ter grande importância no mercado, porque se isto vir a acontecer 
os PFNM vão ser transformados em cultivos e, geralmente, plantados em outras 
partes do país. Então, é importante mudar o foco de nossa discussão.
A questão não deveria ser se extrativismo ou neo-extrativismo contribui para 
o desenvolvimento de comunidades mas como podemos melhorar a situação dos 
agricultores familiares, especialmente os chamados ‘tradicionais’, porque são essas 
pessoas que também são extrativistas. Em realidade, a definição de neo-extrativismo 
de Rêgo(�999) vai nessa direção, embora ele prefira manter a palavra extrativismo, 
e as respostas a que ele chega, como Homma (�99�) antes, são importantes.
O fato que os governos federal e estaduais estão investindo em P&D para 
a agricultura familiar e o extrativismo sugere que estas atividades interligadas e 
sinérgicas têm um papel a desempenhar no desenvolvimento brasileiro, bem como 
no mundial. No entanto, os investimentos ainda são pequenos quando comparados 
com os que apóiam os agronegócios, embora o número de famílias envolvidas é 
muito maior. O que importa é que está tendo movimento na direção correta para 
aumentar o apoio à agricultura familiar, tornando-a mais sustentável.
Um exemplo novo e promissor está sendo organizado pelo Centro de 
�4�
Biotecnologia da Amazônia (CBA), ligado à Superintendência da Zona Franca de 
Manaus, uma agência do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio 
Exterior. Além de desenvolver novos produtos e processos oriundos de componentes 
da biodiversidade amazônica, o CBA incentiva os empreendedores e empresários 
que demandam esses produtos a desenvolver projetos juntos às comunidades de 
produtores dos componentes da biodiversidade, incluindo a domesticação de PFNM 
(como recomendado por Homma 2��4) e a agregação de valor nas comunidades via 
a capacitação dos produtores. Nesta iniciativa os produtores são considerados como 
agricultores familiares, tradicionais ou não, e não extrativistas, pois a domesticação 
exige o cultivo, seja em sistemas agroflorestais ou em pomares. O número de PFNM 
que recebem este tratamento especial ainda é muito pequeno, mas a iniciativa do 
CBA mostra o caminho a ser seguido, pois atende à recomendação da Ministra 
Marina Silva (MMA) de que a Amazônia precisa de produção sustentável com 
tecnologias de ponta. Tecnologias de ponta para uma comunidade de agricultores 
familiares podem incluir coisas tão simples como enxertia de matrizes selecionadas 
e classificação do produto para uniformidade.
O grande desafio para a sustentabilidade do empreendimento chamado 
Brasil continua a ser o agronegócio e as políticas públicas que o apóiam sem 
exigir produção sustentável. Clay (2��4) sugere que é possível praticar agricultura 
sustentável, inclusive na escala de um agronegócio, mas precisa ter políticas públicas 
próprias para evitar concorrência desleal com produtos oriundos de sistemas não-
sustentáveis. Além disso, o desenvolvimento sustentável da Amazônia e, por 
extensão, do Brasil depende da incorporação do valor da floresta em pé no sub-
modelo econômico nacional (Clement et al. 2���), o que provavelmente pode ser 
feito de forma mais eficiente transformando o setor florestal em um setor eficiente 
e manejado para a sustentabilidade (Clement & Higuchi 2��6). Feito isto, sempre 
haverá espaço para a extração de PFNM, como o exemplo europeu mostra.
Agradecimentos
Agradeço à Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia pelo convite 
para participar nesta mesa redonda, à Secretaria de Desenvolvimento Sustentável 
e Meio Ambiente, do governo do Estado do Amazonas, pelo apoio logístico que 
permitiu a participação, a Marina P. Klüppel, do Ibama, Brasília, por sugestões e 
literatura, a meus colegas da mesa redonda para sugestões, e a Rosa Clement pela 
revisão do português.
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Hiroshi Noda 
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Coordenação de Pesquisa 
em Ciências Agronômica. Av. André Araújo, 29�9 – Petrópolis – 69�8�-��� 
– Manaus, AM. e-mail�� hnoda@inpa.gov.br
Sandra do Nascimento Noda
Faculdade de Ciências Agrárias. Universidade Federal do Amazonas. Av. 
Gal. Otávio Rodrigo Jordão Ramos, ���� – Coroado – Manaus, AM. e-mail�� 
snoda@ufam.edu.br
Capítulo 11
��2
���
Diversidade e Sustentabilidade
As atividades do agricultor tradicional da Amazônia são realizadas nas áreas 
de cultivo (roças e sítios), nas áreas de capoeira (pousio), na floresta, nos rios e lagos. 
Cada um destes ambientes funciona como componente de um sistema complexo 
onde a aplicação do trabalho humano permite a combinação da agricultura com o 
extrativismo vegetal e animal. Conceituados como sistemas agroflorestais, no sentido 
lato, essas formas tradicionais de produção geram uma diversidade de produtos 
capazes de suprir as demandas alimentares das famílias e sua sustentabilidade é 
atribuída, principalmente, ao elevado nível de conservação ambiental e diversidade 
biológica mantida nos seus componentes (Noda & Noda �994). Adicionalmente, a 
reprodutibilidade biológica, social e cultural da unidade de produção, é garantida 
pela produção excedente, não consumida pela família que, colocada no mercado, 
gera renda monetária, permitindo o acesso aos serviços e produtos adquiridos no 
mercado.
A variabilidade genética mantida dentro desses componentes, associada ao 
processo de seleção realizada pelos agricultores tradicionais das terras baixas da 
América do Sul, teve como conseqüência, no decorrer da história da agricultura, 
a domesticação de algumas espécies alimentares importantes como a mandioca 
(Manihot esculenta), batata doce (Ipomea batatas), taioba (Xanthosoma sp.), ariá 
(Calathea allouia), cará (Dioscorea alata) e amendoim (Arachis sp.) (Martins 
2���). 
Formas de produção tradicionais e diversidade 
genética vegetal
No componente roça ou roçado são cultivadas as espécies anuais durante 
algum período, normalmente dois ciclos, dependendo da qualidade do solo e após 
isso é deixado em descanso, para recuperação da fertilidade e eliminação de plantas 
invasoras. Nesse componente é produzida a mandioca, principal alimento energético 
das populações tradicionais, que após alguma forma de processamento é possível 
de ser armazenada até novo ciclo de produção. No ecossistema de terra firme a área 
ocupada por esse componente varia de �,8� a �,6� hectares por unidade familiar de 
produção (Noda & Noda �994) e na várzea em média de �,�4 a �,�2 hectares (Noda 
et al. �99�). 
 Apesar de a denominação roça sugerir cultivos simples ou consorciados 
combinando a mandioca com outras espécies de ciclo curto, neste componente são 
encontradas, também, espécies frutíferas arbóreas, sendo cupuaçu (Theobroma 
grandiflorum), pupunha (Bactris gasipaes), laranja (Citrus aurantifolia), sapota 
(Quararibea cordata), Mapati (Pourouma cecropiaefolia), abiu (Pouteria caimito) 
e graviola (Annona muricata) as mais frequentes (Noda 2��2). A variabilidade 
genética entre e intraespecífica é elevada e esta característica confere uma alta 
estabilidade, no tempo e espaço, ao processo produtivo. A combinação de 
��4
espécies de arquiteturas diferentes, no mesmo espaço de cultivo, constitui o que 
Martins (2���) denomina habilidade de combinação ecológica. Os dados da Tab. 
� evidenciam a variabilidade genética das espécies mais frequentes nas roças. 
Mesmo caso do milho, as variedades utilizadas pelos agricultores tradicionais são 
as locais ou regionais, apesar da estrutura de propaganda e comercialização das 
empresas sementeiras e dos órgãos oficiais de fomento e assistência técnica estarem 
constantemente estimulando o cultivo de variedades da agricultura de exportação. 
 As áreas de capoeiras, denominadas pousio, são as terras que permanecem 
em repouso durante um certo período e voltam a ser reutilizadas para o cultivo 
de espécies anuais. Noda (2���) estudando os sistemas de manejo adotados por 
agricultores de uma comunidade indígena da várzea do Rio Solimões encontrou nos 
solos de capoeiras de seis anos os mesmos teores de carbono e nitrogênio dos solos 
coletados na mata de igapó não pertubada. Via de regra, as capoeiras são enriquecidas 
com o plantio de espécies frutíferas perenes e de algumas espécies, como no caso 
do açaí, cuja dispersão ocorre naturalmente. Nesse caso, os agricultores tradicionais 
protegem as mudas evitando a competição por outras espécies e, também, o fogo. 
Martins (2���), evidenciou o importante papel da alternância roça – capoeira 
– roça na manutenção, geração e amplificação da diversidade genética de espécies 
agrícolas Entretanto, como demonstraram Noda et al. (�99�), essa técnica de cultivo 
de plantas e manejo do solo vem sendo abandonada pelos agricultores tradicionais 
nas regiões onde ocorre a expansão da bovinocultura. 
Tabela �. Variedades ou clones locais cultivadas nas roças e sítios em comunidades 
de agricultores tradicionais da várzea dos rios Solimões – Amazonas. Trecho�� 
Tabatinga (AM) – Gurupá (PA).
Número de variedades ou clones Espécies
Cultivadas Alto
Solimões 
Médio
Solimões 
Baixo
Solimões 
Médio
Amazonas
Baixo
Amazonas Estuário
Mandioca
Manihot
esculenta 
11 6 2 1 30 -
Macaxeira
Manihot
esculenta 
8 5 2 2 10 2
Milho
Zea mays 
2 2 3 - 7 1
Jerimum 
Curcubitamaxima
- 1 1 6 1 -
Banana
Musa spp.
15 6 7 13 20 6
���
Na Tab. 2 são mostradas as espécies arbóreas que ocorrem com maior 
freqüência nos componentes dos sistemas de produção dos agricultores tradicionais 
de terra firme na região do Alto Solimões. O incremento na ocorrência da pupunha 
(Bactris gasipaes), mapati (Pourouma cecropiaefolia), e abiu (Pouteria caimito), 
a partir da capoeira inicial, sugere que essas espécies são protegidas a partir deste 
componente até a formação do sítio. Supõe-se que as presenças significativas da 
pupunha, mapati, abiu, cupuaçu (Theobroma grandiflorum), bacaba (Oenocarpus 
bacaba) e cacau (Theobroma cacao) nas roças sejam explicadas pela proteção 
dessas plantas quando da transformação da capoeira avançada em uma nova roça. 
O caso do açaí (Euterpe precatoria) é peculiar. Sua ocorrência inicia na floresta e 
atinge a máxima freqüência na capoeira avançada, não sendo encontrado nos sítios 
e roças. Supõe que o manejo do açaí voltado ao extrativismo e a adaptação desta 
espécie ao ambiente de floresta impliquem na decisão do agricultor tradicional de, 
usualmente, não cultivá-la no sítio e na roça. Provavelmente, devido ao modo de 
reprodução e o seu alto valor como alimento e geração de renda monetária, a banana 
(Musa spp.) é cultivada tanto nas áreas agrícolas como nas de pousio. A mangueira 
(Mangifera indica) e o cajueiro (Anacardium occidentale) são encontrados apenas 
nos sítios e as espécies do gênero ingá (Inga spp.) foram encontradas em todos os 
componentes do sistema de produção tradicional. 
Tabela 2. Espécies frutíferas que ocorrem em maior freqüência (Freqüência 
Relativa) nos componentes dos sistemas de produção de agricultores tradicionais 
da Comunidade de Guanabara II e Nova Aliança. Benjamin Constant. Amazonas. 
Componentes do Sistema de Produç�o 
Espécies Agrícolas Capoeira
Inicial 
Capoeira
Avançada
Roça Sítio Floresta
Inga spp. 5,13 3,95 2,9� 7,14 1,19
Euterpe precatoria 1,71 2,26 0 0 1,06
Bactris gasipaes 1,71 3,39 11,76 8,33 0
Pourouma cecropiaefolia 2,56 2,82 2,9� 8,33 *
Pouteria caimito 1,71 1,69 2,9� 8,33 *
Theobroma grandiflorum 0 2,26 2,9� 3,57 *
Oenocarpus bacaba 0 1,13 2,9� 2,38 0
Anacardium occidentale 0 0 0 2,38 0
Mangifera indica 0 0 0 2,38 0
Theobroma cacao 0 0,56 2,92 1,19 0
Musa spp. 1�,53 6,21 23,53 8,33 0
* Ocorrência de espécies de mesmo gênero 
��6
Etnoconhecimento e conservação dos 
recursos genéticos
Os agricultores tradicionais são detentores de um conhecimento amplo sobre 
todos os elementos que compõe o ambiente onde vivem. Noda (2���) observou que 
os conhecimentos sobre a flora dos habitantes da comunidade indígena (etnia Tikuna) 
de Novo Paraíso abarcavam ��8 espécies, agrupadas em 69 famílias, cultivadas ou 
manejadas em cinco ambientes (igapó, floresta, roça, capoeira e sítio) e com quatro 
tipos de uso humano (alimento, medicinal, ornamental e madeira), além do uso 
na alimentação de animais domésticos, animais silvestres e aquáticos. A análise 
dos dados sobre a valoração das espécies pelo uso mostrou que maiores valores 
foram obtidos por duas espécies coletadas no extrativismo�� a munguba (Bombax 
munguba Mart. Bombacaceae e o assacu (Hura crepitans L. Euphorbiaceae). A 
munguba possui valor estético (árvore ornamental), propriedades medicinais e 
é utilizada como madeira em construções e artesanato. A madeira do assacu é, 
também, utilizada em construções, a casca é utilizada como remédio ou veneno e 
os frutos são alimento de peixes. Por outro lado, as espécies domesticadas nativas, 
como a pupunha (Bactris gasipaes) e taioba (Xanthosoma sp.), utilizadas apenas na 
alimentação humana, foram as que obtiveram os menores níveis de valoração. Esses 
resultados evidenciam que o nível de conhecimento sobre as plantas está relacionado 
com a valoração atribuída pelo agricultor tradicional e isso, consequentemente, 
deve ser um aspecto importante no processo de evolução das espécies, ainda não 
domesticadas, cuja utilização ocorre por meio do extrativismo. 
Percepção dos agricultores tradicionais sobre a conservação e os usos dos 
recursos vegetais – As espécies frutíferas nativas além de apresentarem importância 
na alimentação (frutos, sucos, vinhos, doces e farinhas) são utilizadas, também, 
pelos agricultores tradicionais do Alto Solimões, na elaboração de bebidas e na 
medicina caseira (açaí, bacaba, mapati). A madeira é usada na construção de casas, 
confecção de assoalho, cobertura, vigas, canteiro de mudas (açaí, bacaba); no 
artesanato (bacaba) e como lenha (abiu e mapati). Além disso, as fruteiras exercem 
importantes papeis tanto ambiental quanto ecológico. 
Os conhecimentos sobre a biodiversidade vegetal são reproduzidos nas 
famílias nucleares e extensas por meio da transmissão oral e estão ligados ao 
atendimento das necessidades primárias do ser humano quanto à previsão e provisão 
temporal do recurso��
“É bom plantar as frutas porque os filhos vão precisar comer... porque vai 
precisar, e não vai ter que comprar... Eu planto... se eu não alcançar colher, pelo 
menos meus filhos, meus netos vão colher” (M.I.L.M., Comunidade de Vera Cruz, 
Benjamin Constant, AM.)
Deve-se destacar, também, a importância do conhecimento tradicional sobre 
a variação interespecífica e intraespecífica das espécies vegetais. As características 
���
levadas em conta na observação da variação intraespecífica estão relacionadas com 
as características do fruto (cor, forma, consistência e sabor da polpa, nas espécies 
abiu, açaí, bacaba, mapati e pupunha); do caule (presença ou ausência de espinhos na 
pupunha; solitário ou multicaule em açaí e bacaba) e reprodutivas (sexos separados, 
no caso do mapati).
Planta macho “...que dá flor” e fêmea “...que dá flor e fruto” (A.L.M., 
Comunidade de Vera Cruz, Benjamin Constant, AM.) 
Os conhecimentos estão relacionados à percepção e domínio sobre as 
fenofases das plantas�� época de floração, frutificação, mudança foliar, além dos 
diferentes ecossistemas onde ocorrem determinadas espécies de plantas�� 
“...A época da floração es do mês (mês) de maio, junio (junho), julho, fruto 
mes de agosto, setembro e outubro” (construção coletiva de texto – dinâmica das 
fruteiras, Com. Nova Aliança)
“...O mapati pode ser encontrado em chavascal ou em restinga. Porém ele 
se adapta melhor no chavascal, por ter uma terra úmida e boa para se plantar.” 
(construção coletiva de texto – dinâmica das fruteiras Com. Nova Aliança, Benjamin 
Constant, AM.)
“...E aqui na nossa comunidade tem muitos abiu, que está mais perto da 
nossa casa. A essa planta não é tudo tempo que dão frutos, o mês dela é mês de 
junho até o julho.” (construção coletiva de texto – dinâmica das fruteiras Com. 
Cidade Nova, Benjamin Constant, AM.)
O conhecimento sobre a ecologia das fruteiras (abiu, mapati e pupunha 
ocorrem em terras altas, enquanto que açaí e bacaba ocorrem em terras baixas, 
secas ou alagadas) contribuem para o desenvolvimento de estratégias de manejo das 
plantas nos sistemas de produção.
 “...limpa, tira o cerrado, o mato maior encostado; corta os primeiros 
galhos... Depois, que passa do mato, aí não mata mais (neste caso, o abieiro)” 
(M.I.L.M., Comunidade de Vera Cruz, Benjamin Constant, AM.)
Sistema de conservação e melhoramento de 
recursos genéticos in situ por agricultores 
tradicionais do Alto Solimões
Concepção do sistema – Martins (2���) no seu estudo da dinâmica 
evolutiva da mandioca, em áreas de produção de agricultores tradicionais da 
Amazônia, estabelece três níveis hierárquicos�� o primeiro, as roças onde os eventos 
��8
micro-evolutivos ocorrem; a comunidade constitui o segundo nível, funcionando 
como unidade cultural, onde o fluxo gênico ocorre através da troca de materiais 
e o terceiro nível é a unidade macro-geográfica envolvendo fluxo gênico entre 
distancias maiores.Nos dois últimos níveis, o compartilhamento intercomunitárioNos dois últimos níveis, o compartilhamento intercomunitário 
de recursos genéticos é uma prática que contribui para a ampliação da variabilidade 
genética. 
Um sistema de conservação e melhoramento de espécies hortícolas nativas 
da Amazônia vem sendo implantado em comunidades de agricultores tradicionais 
no município de Benjamin Constant, na região do Alto Solimões no extremo 
oeste da Amazônia brasileira. Trata-se de um projeto piloto de desenvolvimento 
sustentado cuja concepção global é gerar conhecimentos técnico-científicos 
que possam contribuir para a melhoria nas formas de organização social das 
comunidades e, por meio do uso e conservação dos recursos genéticos vegetais, 
provocar melhorias nos níveis de qualidade de vida de suas populações humanas. 
O projeto adota como premissa a necessidade da manutenção da organização social 
das comunidades no processo produtivo, pois com isso, é garantida a conservação 
dos ecossistemas e dos recursos naturais envolvidos na produção. Sua concepção é 
baseada nas técnicas e procedimentos adotados pelos agricultores tradicionais que 
têm garantido a conservação dos ecossistemas naturais e dos recursos genéticos 
vegetais�� conservação dos espaços comunitários de produção (roças, capoeiras, 
sítios e florestas) onde a variabilidade genética das espécies é mantida; manutenção 
da organização social e cultural das comunidades tradicionais no processo produtivo 
e compartilhamento intercomunitário dos recursos genéticos vegetais. 
A interação entre pesquisadores e comunitários vem propiciando aos 
agricultores tradicionais o acesso às informações sobre o contexto atual do acesso 
à biodiversidade, a legislação vigente e suas implicações acerca das questões 
relacionadas aos direitos das populações tradicionais sobre os destino de seus 
conhecimentos, sua preservação e as estratégias para o combate à pirataria biológica. 
A adoção de um sistema de conservação dos recursos genéticos vegetais in situ 
que leve em conta a legislação do acesso propiciará às comunidades melhores 
condições para o controle dos direitos sobre os conhecimentos tradicionais. Por 
outro lado, o melhoramento tradicional praticado pelos próprios produtores rurais, 
por se tratar de uma atividade herdada dos antepassados, com a contribuição 
do conhecimento científico, deverá gerar renda monetária adicional sem causar 
distúrbios na organização social das famílias e das comunidades. A reafirmação 
da valorização dos recursos genéticos dentro das comunidades deverá assegurar a 
permanência do processo de conservação in situ. O reconhecimento, pelo público 
externo em geral, se dará sob a forma de aquisição dos produtos gerados (variedades 
geneticamente melhoradas). O reconhecimento pelos órgãos governamentais se 
dará identificando, nas formas de produção tradicional, um importante papel na 
conservação dos recursos genéticos. A decodificação do conhecimento tradicional 
fará com que o usuário da tecnologia gerada (variedade geneticamente melhorada) 
reconheça, formalmente, os direitos dos melhoristas tradicionais comunitários. 
Na Tab. � são mostradas as regras estabelecidas para a equipe permanente e 
��9
pessoal temporário envolvidos no projeto (pesquisadores, técnicos, estagiários, visitantes) 
para a atuação dentro das comunidades visando resguardar os interesses econômicos, 
sociais e culturais dos agricultores tradicionais, no tocante aos seus direitos sobre os 
conhecimentos tradicionais e produtos derivados (Noda & Noda 2���).
Os métodos de melhoramento adotados são os de populações, pois os 
produtos a serem gerados pelo processo (variedades melhoradas) serão destinados 
aos sistemas de produção adotados pela agricultora familiar. Com isso as sementes 
das variedades (populações) melhoradas poderão ser multiplicadas pelos produtores 
locais e poderá ocorrer o efeito multiplicador pela disseminação da tecnologia. 
A variabilidade genética das espécies deverá ser mantida, pois se trata de uma 
condição necessária para viabilizar o processo contínuo de melhoramento. A 
comercialização de sementes das variedades melhoradas passará a constituir uma 
opção de entrada de renda para as comunidades, sem alterar a segurança alimentar, 
já que, pelo fato do melhoramento e a conservação fazer parte do cotidiano dos 
comunitários, nenhuma modificação relevante ocorrerá nas formas de organização 
social da produção.
Tabela �. Regras e Procedimentos para a implantação do Sistema de Conservação e 
Melhoramento de Recursos genéticos in situ em comunidades parceiras do Projeto 
de Desenvolvimento Sustentado do Alto Solimões.
PRODESAS – PROJETO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DO ALTO 
SOLIMÕES
ACESSO AOS RECURSOS GENÉTICOS
PROTEÇÃO AOS DIREITO DAS POPULAÇÕES TRADICIONAIS SOBRE OS 
SEUS CONHECIMENTOS
PRINCÍPIOS ADOTADOS PELA EQUIPE PERMANENTE E PESSOAL 
TEMPORÁRIO (PESQUISADORES, TÉCNICOS, ESTAGIÁRIOS, VISITANTES) 
ENVOLVIDOS NO PROJETO
�. Quaisquer atividades de trabalho a serem executadas nas comunidades devem estar 
relacionadas ao Projeto, ser do conhecimento e ter o consentimento dos comunitários 
para atuação;
2. A manipulação e a retirada de qualquer material das comunidades devem ser 
precedidas, por parte do visitante, de explicação clara aos comunitários a respeito dos 
procedimentos, finalidades e destinos dos materiais coletados;
�. Em qualquer hipótese todo material coletado deve ser destinado EXCLUSIVAMENTE 
à PESQUISA CIENTÍFICA;
4. Todo o material coletado deve ser incorporado às coleções de órgãos de pesquisa e 
CLARAMENTE IDENTIFICADOS quanto à sua origem;
�. É EXPRESSAMENTE PROIBIDO requerer ou ceder direitos de patenteamento, 
comercializar ou fazer uso para obter benefícios econômicos a partir do material coletado ou 
qualquer fração, genes ou moléculas, detectadas ou extraídas do mesmo;
6. O projeto tem como princípio estimular o processo de COMPARTILHAMENTO DE 
RECURSOS GENÉTICOS entre os produtores tradicionais e agricultores familiares. 
Neste caso, o processo de compartilhamento deverá ocorrer diretamente entre os seus atores, 
as comunidades rurais organizadas e mediado, em caso de necessidade, pelo PRODESAS; 
7. Nenhum membro da equipe permanente do PRODESAS ou seu convidado está 
autorizado a fazer uso dos recursos genéticos coletados nas comunidades parceiras ou 
mesmo em outras comunidades que não o previsto nestes princípios.
�6�
Assim, a melhoria dos sistemas de produção deverá ocorrer em consonância 
com a organização social, a cultura e os costumes locais.
Um aspecto importante que o projeto leva em conta é o processo de 
compartilhamento de recursos genéticos intercomunitários. Trata-se de uma prática 
corrente entre os agricultores tradicionais amazônicos que, além de contribuir para 
a segurança alimentar das comunidades, desempenha um importante papel na 
conservação, na dispersão e no resgate de espécies vegetais cultivadas. 
Conservação e melhoramento genético in situ: metodologia de implantação 
– Uma vez que os pesquisadores envolvidos na implantação do sistema de 
conservação e melhoramento in situ atuam, basicamente, como consultores o 
etnoconhecimento é extremamente importante no planejamento e execução 
das atividades. Estas vêm sendo executadas pelos próprios produtores com a 
assessoria dos pesquisadores envolvidos no projeto. Desde o inicio do processo 
de implantação foram realizadas oficinas de trabalho entre os pesquisadores e os 
agricultores das comunidades parceiras versando sobre a organização social da 
produção; conservação, melhoramento e compartilhamento dos recursos genéticos 
vegetais. Discutiram-se assuntos como técnicas de manejo do solo, técnicas de pós-
colheita e estocagem, processamento e tecnologia de alimentos e comercialização 
de recursos naturais renováveis locais e produtos derivados, experimentosin 
situ (consórcio de espécies, estudos eco-fisiológicos e das interações bióticas e 
abióticas), tecnologia de sementes (produção, processamento e conservação de 
sementes), caracterização morfológica, tomada e registro de dados de campos, 
sistema de gerenciamento do banco de dados dos recursos genéticos comunitários, 
métodos de melhoramento genético populacionais, segundo critérios científicos, 
mas levando-se em conta os conhecimentos tradicionais, os significados, conceitos 
e aplicabilidade da legislação sobre o acesso aos recursos genéticos vegetais e 
patenteamento de cultivares.
O intercâmbio entre etnoconhecimento e conhecimento científico 
está ocorrendo, também, por meio de realização de oficinas e discussões em 
etnobotânica. Neste aspecto foram realizadas reuniões versando sobre construção 
de mapas cognitivos da comunidade e dos recursos vegetais, destacando-se os 
diferentes ambientes, áreas alagadas e não alagadas; baixas e altas; os componentes 
do sistema de produção da agricultura familiar no Alto Solimões; desenho e 
elaboração de textos sobre fruteiras existentes na comunidade como o abiu, açaí, 
bacaba, mapati, pupunha e sapota, e as hortaliças não-convencionais. Os desenhos 
foram construídos por grupos focais, destacando-se as características marcantes 
de cada espécie. Os textos foram elaborados baseados no conhecimento coletivo 
sobre o ambiente onde ocorrem as espécies, épocas de floração e frutificação, 
características da planta, usos da planta (alimentício, medicinal, ecológico). Na 
Tab. 4 apresentamos uma súmula sobre os etnoconhecimentos dos agricultores 
tradicionais sobre as espécies frutíferas prioritárias que estão sendo trabalhadas 
atualmente.
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Tabela 4. Etnoconhecimento de agricultores tradicionais do Alto Solimões 
relacionados ao manejo espécies frutíferas nativas da Amazônia
Espécies Etnoconhecimento
P
up
un
ha
 (
Ba
ct
ris
 g
as
ip
ae
s) Morfologia: presença ou ausência de espin�o no estipe e folhas; porte da planta; tamanho 
do cacho. Reprodução: isolamento para evitar cruzamentos; frutos com e sem sementes 
no mesmo cacho; frutos com sementes - pequenos, vermel�os ou amarelos; frutos sem 
sementes – grandes e coloraç�o bege claro; papel das abel�as na polinizaç�o.
Fisiologia e ecologia: mudas preferem locais sombreados; plantas adultas preferem locais 
altos; início da produç�o aos 4 – 5 anos; época da col�eita; florescimento dois meses após 
a produç�o; seca como maior causa de morte de plantas. 
Pragas e dispersores: papagaio; japó; paca; cotia. 
Genética: cada planta produz fruto de uma cor; frutos oleosos possuem sementes; 
Seleç�o: plantas com e sem espinho; porte da planta; tamanho dos cachos; cor da 
casca dos frutos. 
A
ça
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o 
A
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az
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 (E
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ca
to
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)
Morfologia: não há diferença entre açaís; açaí do Pará forma touceira e o estipe é 
fino; os frutos do açaí do Pará são verde e preto; os frutos do açaí do mato (E.
precatoria) é preto.
Reproduç�o: abelhas e besourinho visitam as flores; nasce sozinho na mata e no 
baixio; nos sítios são plantados.
Fisiologia e ecologia: plantas pequenas precisam de pouca luz; quando crescem deve-
se abrir o caminho; cresce mais em ambientes úmidos; a competição impede o seu 
crescimento; melhor época de plantio é chuvoso; época da floração é agosto-
dezembro; a produção é janeiro-março; plantas nascem nas capoeiras, sítios, roça e 
na mata; açaí do Para produz o tempo todo; inicia a produção aos 5 anos; nasce em 
qualquer tipo de terra; os dois tipos de açaí perfilham; prefere terras fofas; quando 
ocorrem friagem os frutos secam.
�ragas e dispersores: curica, aracari, cutia, paca, papagaio, tucano, mutum comem os 
frutos.
Genética: plantas finas e altas produzem cachos pequenos e frutos pequenos. 
Usos: serve como alimento e remédio; da raiz faz chá para hemorragia, hepatite, 
malária e anemia; uso do óleo para o cabelo.
Seleção: preferência por plantas grossas e baixas; frutos que produzem vin�o vermel�o é 
melhor.
M
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Po
ur
ou
m
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ce
cr
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)
Morfologia: frutos podem ser pequenos, médios e grandes. 
Reproduç�o: as flores masculinas (grandes) e femininas (pequenas) são em plantas 
separadas; as abelhas sem ferrão são as polinizadoras; os comunitários não cortam as 
plantas masculinas.
Fisiologia e ecologia: terra argilosa é mais produtiva do que as arenosas; plantas 
nascem nos sítios, roças e capoeiras; cresce em qualquer tipo de terra; época da 
colheita é novembro – dezembro; o mapati é do limpo, assim dá bem; vive em torno 
de 8 anos.
�ragas e dispersores: passarinhos e morcegos sugam os frutos; japó e a cutiara 
(enterra a semente) comem os frutos. 
Genética: plantas dão frutos, bonitos e grandes, de coloração escura, forma 
arredondada.
Seleç�o: escolhem plantas que dão bastante frutos, bonitos e grandes, de coloração 
escura, forma arredondada, pois, possuem mais polpa; só planta as sementes 
grandes.
Sa
po
ta
 (Q
ua
ra
rib
ea
co
rd
at
a)
Morfologia: sapota da mata produz frutos pequenos.
Reproduç�o: as abelhas visitam as flores.
Fisiologia e ecologia: ocorre na roça, sítio e capoeira; desenvolvem melhor em áreas 
limpas; crescem em áreas abertas com bastante sol, solo úmido e estrumado; floração 
em outubro; colheita em fevereiro – março; o plantio das sementes deve ser feito logo 
após o consumo do fruto.
�ragas e dispersores: macaco grande come os frutos; as doença são ferrugem e seca 
das folhas;
Genética: há dois tipos: comum e da mata, que produz frutos pequenos. 
Usos: serve como alimento e medicinal (chá das folhas).
A
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ou
te
ria
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)
Morfologia: o fruto do abiu comum é grande e do mato é pequeno.
Reproduç�o: as flores são visitadas por abelhas, cabas, beija flor e besouros.
Fisiologia e ecologia: planta cresce nos sítios, roça e capoeira velha; no sítio as plantas 
nascem sozinhas; na roça é preciso levar a semente e plantar no local; abiu em 
capoeira fechada dá frutos pequenos e pouca produção; a capoeira nova dá melhor 
produção; quando a planta está pequena é necessário fazer a limpeza; floração entre 
agosto - setembro e colheita de outubro a dezembro; a produção inicia aos 5 anos. 
�ragas e dispersores: tapuru do fruto; lagarta; chupão que ataca as folhas; broca da 
raiz até o tronco; o tronco seca, as folhas secam e a planta morre; a cutia carrega os 
frutos pequenos; o cupim ataca o tronco da planta. 
Genética: há três tipos de abiu: azul, comum e manteiga. No abiu azul o fruto 
amadurece mas não fica amarelo, fica meio azul claro; o abiu manteiga possui carne 
macia e amarela com casca grossa e o abiu comum tem carne dura e a casca é grossa; 
existe abiu grande e pequeno. 
Usos: chá de folha serve para regular menstruação; folha serve para fazer descer 
leite do peito; o leite serve para colar papel. 
Seleç�o: os tipos de abiu: de massa, o comum e o amarelo. 
�62
A escolha dos métodos de melhoramento de populações partiu do princípio 
dos mesmos serem extremamente interessantes sob diferentes aspectos�� i. permite 
alcançar o aprimoramento agronômico da espécie melhorada sem provocar restrições 
drásticas na variabilidade genética intraespecífica; ii. permite o prosseguimento 
do processo evolutivo das espécies, sob condições de cultivo; iii. as populações 
melhoradas são menos vulneráveis à ocorrência de quebras de resistência e epidemias 
provocadas por raças virulentas de patógenos; iv. as variedades podem ser facilmente 
multiplicadas pelo próprio agricultor, facilitando a disseminação das cultivares em 
áreas isoladas; v. o processo de melhoramento pode ser executado pelo produtor; 
vi. uma variedade obtida por melhoramento populacional é ecologicamente mais 
adequada, uma vez que não promove a uniformidade genética intraespecífica.Assim, a metodologia empregada na pesquisa torna possível a sustentabilidade 
do sistema implantado, uma vez que o processo de melhoramento não implica na 
redução da variabilidade genética das espécies trabalhadas. As espécies prioritárias 
para fins de melhoramento genético e conservação são as de consumo ou potencial 
econômico de mercado (Noda e Noda 2��4). 
As espécies prioritárias, escolhidas em função da importância na segurança 
alimentar das comunidades, nas suas possibilidades de inserção no mercado de sementes 
e conservação da variabilidade genética, são�� pupunha, mapati, abiu, açaí do Amazonas, 
bacaba, sapota, cubiu, ariá e pimentas. Na atualidade, as populações de mapati, abiu e 
açaí das comunidades de Cidade Nova, Nova Aliança, Guanabara II e Vera Cruz já 
se encontram inventariadas e as matrizes que deram origem às progênies de meios 
irmãos para os Ensaios de Procedência estão identificadas (Kerr e Noda 2��2). 
O primeiro passo foi implementado e está sendo realizado por meio 
de ensaios de procedência uma vez que a médio prazo o ganho genético pela 
identificação das melhores populações será muito efetivo. A partir da identificação e 
seleção das melhores progênies de meios-irmãos será iniciado o processo de seleção 
recorrente e por meio da recombinação serão obtidas as populações melhoradas. Os 
ensaios de procedência foram implantados nas próprias comunidades. Para evitar 
interferências ao sistema de conservação (fluxo gênico entre os indivíduos das 
Sa
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Morfologia: sapota da mata produz frutos pequenos.
Reproduç�o: as abelhas visitam as flores.
Fisiologia e ecologia: ocorre na roça, sítio e capoeira; desenvolvem melhor em áreas 
limpas; crescem em áreas abertas com bastante sol, solo úmido e estrumado; floração 
em outubro; colheita em fevereiro – março; o plantio das sementes deve ser feito logo 
após o consumo do fruto.
�ragas e dispersores: macaco grande come os frutos; as doença são ferrugem e seca 
das folhas;
Genética: há dois tipos: comum e da mata, que produz frutos pequenos. 
Usos: serve como alimento e medicinal (chá das folhas).
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Morfologia: o fruto do abiu comum é grande e do mato é pequeno.
Reproduç�o: as flores são visitadas por abelhas, cabas, beija flor e besouros.
Fisiologia e ecologia: planta cresce nos sítios, roça e capoeira velha; no sítio as plantas 
nascem sozinhas; na roça é preciso levar a semente e plantar no local; abiu em 
capoeira fechada dá frutos pequenos e pouca produção; a capoeira nova dá melhor 
produção; quando a planta está pequena é necessário fazer a limpeza; floração entre 
agosto - setembro e colheita de outubro a dezembro; a produção inicia aos 5 anos. 
�ragas e dispersores: tapuru do fruto; lagarta; chupão que ataca as folhas; broca da 
raiz até o tronco; o tronco seca, as folhas secam e a planta morre; a cutia carrega os 
frutos pequenos; o cupim ataca o tronco da planta. 
Genética: há três tipos de abiu: azul, comum e manteiga. No abiu azul o fruto 
amadurece mas não fica amarelo, fica meio azul claro; o abiu manteiga possui carne 
macia e amarela com casca grossa e o abiu comum tem carne dura e a casca é grossa; 
existe abiu grande e pequeno. 
Usos: chá de folha serve para regular menstruação; folha serve para fazer descer 
leite do peito; o leite serve para colar papel. 
Seleç�o: os tipos de abiu: de massa, o comum e o amarelo. 
Espécies Etnoconhecimento
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s) Morfologia: presença ou ausência de espin�o no estipe e folhas; porte da planta; tamanho 
do cacho. Reprodução: isolamento para evitar cruzamentos; frutos com e sem sementes 
no mesmo cacho; frutos com sementes - pequenos, vermel�os ou amarelos; frutos sem 
sementes – grandes e coloraç�o bege claro; papel das abel�as na polinizaç�o.
Fisiologia e ecologia: mudas preferem locais sombreados; plantas adultas preferem locais 
altos; início da produç�o aos 4 – 5 anos; época da col�eita; florescimento dois meses após 
a produç�o; seca como maior causa de morte de plantas. 
Pragas e dispersores: papagaio; japó; paca; cotia. 
Genética: cada planta produz fruto de uma cor; frutos oleosos possuem sementes; 
Seleç�o: plantas com e sem espinho; porte da planta; tamanho dos cachos; cor da 
casca dos frutos. 
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Morfologia: não há diferença entre açaís; açaí do Pará forma touceira e o estipe é 
fino; os frutos do açaí do Pará são verde e preto; os frutos do açaí do mato (E.
precatoria) é preto.
Reproduç�o: abelhas e besourinho visitam as flores; nasce sozinho na mata e no 
baixio; nos sítios são plantados.
Fisiologia e ecologia: plantas pequenas precisam de pouca luz; quando crescem deve-
se abrir o caminho; cresce mais em ambientes úmidos; a competição impede o seu 
crescimento; melhor época de plantio é chuvoso; época da floração é agosto-
dezembro; a produção é janeiro-março; plantas nascem nas capoeiras, sítios, roça e 
na mata; açaí do Para produz o tempo todo; inicia a produção aos 5 anos; nasce em 
qualquer tipo de terra; os dois tipos de açaí perfilham; prefere terras fofas; quando 
ocorrem friagem os frutos secam.
�ragas e dispersores: curica, aracari, cutia, paca, papagaio, tucano, mutum comem os 
frutos.
Genética: plantas finas e altas produzem cachos pequenos e frutos pequenos. 
Usos: serve como alimento e remédio; da raiz faz chá para hemorragia, hepatite, 
malária e anemia; uso do óleo para o cabelo.
Seleção: preferência por plantas grossas e baixas; frutos que produzem vin�o vermel�o é 
melhor.
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Morfologia: frutos podem ser pequenos, médios e grandes. 
Reproduç�o: as flores masculinas (grandes) e femininas (pequenas) são em plantas 
separadas; as abelhas sem ferrão são as polinizadoras; os comunitários não cortam as 
plantas masculinas.
Fisiologia e ecologia: terra argilosa é mais produtiva do que as arenosas; plantas 
nascem nos sítios, roças e capoeiras; cresce em qualquer tipo de terra; época da 
colheita é novembro – dezembro; o mapati é do limpo, assim dá bem; vive em torno 
de 8 anos.
�ragas e dispersores: passarinhos e morcegos sugam os frutos; japó e a cutiara 
(enterra a semente) comem os frutos. 
Genética: plantas dão frutos, bonitos e grandes, de coloração escura, forma 
arredondada.
Seleç�o: escolhem plantas que dão bastante frutos, bonitos e grandes, de coloração 
escura, forma arredondada, pois, possuem mais polpa; só planta as sementes 
grandes.
 Tabela 4. Continuação
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populações conservadas nas comunidades e os dos ensaios) não se realiza ensaios 
nas comunidades onde forma coletadas materiais para os testes de procedência. Os 
ensaios de procedência em andamento são��
Mapati (Pourouma cecropiaefolia). O ensaio de procedência do mapati 
foi implantado em Benjamin Constant, na comunidade de Vera Cruz, local onde a 
ocorrência da espécie nos componentes roças, sítios e capoeiras é bastante reduzido. 
Portanto, é um local recomendado para fazer a avaliação agronômica que, ao lado da 
vantagem de estar na própria região, oferece a possibilidade de permitir o processo 
de recombinação genética, após a seleção inter e intrapopulacionais. O ensaio foi 
implantado em área de capoeira com estágios diferentes de desenvolvimento (três 
estágios), com delineamento em blocos casualizados, com três repetições. Por se 
tratar de uma espécie alógama e dióica cada bloco foi envolto por linhas de plantas 
machos, identificadas por população, que atuarão como fontes de pólen, no momento 
da recombinação gênica.
Açaí do Amazonas (Euterpe precatoria). Três populações e vinte e cinco 
progênies de meios irmãos de açaí coletados nas comunidades de Cidade Nova, 
Nova Aliança e Vera Cruz fazemparte de um ensaio de procedência implantado na 
Estação Experimental de Hortaliças Alejo von der Pahlen, em Manaus. 
Sapota (Quararibea cordata). O ensaio de procedência foi implantado 
com cinco repetições cada uma delas colocadas em três comunidades parceiras, na 
área de um pequeno produtor e na área experimental do Campus da Universidade 
Federal do Amazonas em Benjamin Constant. Nas comunidades as repetições foram 
colocadas em posições distantes das plantas matrizes. 
Conclusões
A auto suficiência e a sustentabilidade da produção dos agricultores 
tradicionais da Amazônia é viabilizada pelas formas de produção e manejo dos 
ecossistemas adotadas por essas populações humanas e pela biodiversidade 
disponível; 
É possível estabelecer uma relação de causa e efeito entre a conservação 
da agrobiodiversidade e a sociodiversidade, entendendo-se a prática do 
compartilhamento intercomunitário dos recursos genéticos e as formas de produção 
das populações tradicionais da Amazônia como expressões de suas culturas;
A conservação dos recursos genéticos agrobiológicos in situ pelas populações 
tradicionais da Amazônia é dependente das condições sociais, culturais e ambientais 
que têm viabilizado esse processo até os dias atuais. 
Agradecimentos
Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico 
e Tecnológico – CNPq/Programa Trópico Úmido pelo apoio financeiro ao projeto 
na sua primeira fase e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas 
- FAPEAM pelo apoio financeiro na atual fase do projeto.
Nossos agradecimentos aos colegas pesquisadores do Núcleo de Estudos 
�64
Rurais e Urbanos Amazônico – NERUA�� Danilo Fernandes da Silva Filho, Francisco 
Manoares Machado, Ieda Leão do Amaral, Ayrton Luiz Urizzi Martins, Lúcia Helena 
Pinheiro Martins, Maria Silvesnízia Paiva Mendonça, Marco Antonio de Freitas 
Mendonça, Jucélia Oliveira Vidal (ex-Bolsista da FAPEAM), Antonia Ivanilce Castro 
da Silva, Maria Dolores de Souza Braga, Manoel de Freitas Mendonça Neto, aos 
técnicos da nossa base de pesquisa no Campus Universitário da Universidade Federal 
do Amazonas, em Benjamin Constant, Andson Abreu Magalhães e Elson Gomes de 
Souza e aos nossos parceiros, os produtores rurais das comunidades de Novo Paraíso, 
Vera Cruz, Guanabara II, Nova Aliança, Cidade Nova, São João e Tupi I. 
 
Referências Bibliográficas
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Genético de Plantas e Conservação in situ por Populações Tradicionais da 
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Produção. Sociedade Brasileira de Sistemas de Produção. Instituto Agronômico 
do Paraná. Londrina. 
�6�
A agrobiodiversidade e os direitos 
dos agricultores indígenas e 
tradicionais
Juliana Santilli 
Sócia-fundadora do Instituto Socioambiental (ISA) e promotora de Justiça, 
do Ministério Público do Distrito Federal.
Laure Emperaire
Botânica, Institut de Recherche pour le Développement.
Capítulo 12
�66
�6�
O que é agrobiodiversidade?
A agrobiodiversidade, ou diversidade agrícola, constitui uma parte importante 
da biodiversidade. O termo agrobiodiversidade designa todos os elementos que 
interagem na produção agrícola�� os espaços cultivados ou utilizados para criação, 
as espécies direta ou indiretamente manejadas, como as cultivadas e seus parentes 
silvestres, as ervas daninhas, as pestes, os polinizadores, etc., e a diversidade genética 
a elas associadas. Da mesma forma que a noção de biodiversidade encobre vários 
níveis de variabilidade, dos ecossistemas aos genes, o conceito de agrobiodiversidade 
se estende aos diversos níveis de organização, ecológica, biológica e genética. Há 
autores que agregam um quarto nível, o dos sistemas socioeconômicos que geram e 
constroem a diversidade agrícola. 
A quarta conferência técnica internacional sobre os recursos fitogenéticos 
para alimentação e agricultura, realizada em Leipzig de �996, alertou o mundo 
sobre o fenômeno de erosão genética, seja a imensa perda de diversidade específica 
e, ainda mais, infra-específica das plantas cultivadas. De fato, o documento de 
síntese da reunião indica que das ���� plantas cultivadas ou coletadas durante a 
história da humanidade, somente �� respondem hoje por 9�% do aporte calórico. 
Dessas, três, o arroz, o milho e o trigo, fornecem ��% das calorias (FAO �996). A 
redução da diversidade utilizada na alimentação concerne não só as espécies, como 
as cultivares, ou variedades cultivadas, destas espécies. As cultivares se repartem 
em dois grupos, o das cultivares modernas obtidas a partir de métodos de seleção 
validados pela ciência ocidental e o das cultivares tradicionais, resultado dos saberes 
agrícolas dos agricultores locais. Segundo esta mesma fonte, o fator de erosão mais 
citado (em 8�% dos casos) nos relatórios nacionais é a substituição de cultivares 
tradicionais por cultivares modernas.
Mesmo que não se possa avaliar exatamente a dimensão da perda, a 
diversidade agrícola está ameaçada, e ela constitui a base da sobrevivência das 
populações rurais, principalmente as de baixa renda. A FAO (�996) estima que 
quase um bilhão e meio de agricultores vivem destes recursos agrícolas. No entanto 
há de ressaltar que o valor das cultivares selecionadas pelas populações tradicionais 
ultrapassa a única dimensão produtiva�� se trata do produto de saberes, de um 
patrimônio transmitido de geração em geração, não idêntico mas constantemente 
adaptado a novas condições, e com uma forte dimensão cultural e identitária.
As recomendações formuladas no documento de síntese da conferência 
alertam para a importância de uma alta diversidade de plantas cultivadas na 
manutenção das potencialidades produtivas dos solos, na segurança alimentar das 
populações e a necessária implementação de programas nacionais de conservação 
destes recursos, reforçando as recomendações da Convenção sobre a Diversidade 
Biológica. Reconhecendo o papel dos agricultores tradicionais e indígenas, 
as políticas públicas têm avançado no sentido de priorizar

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