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SEMINÁRIOS DE POLÍTICAS URBANAS, RURAIS DE HABITAÇÃO E MOVIMENTOS SOCIAIS sa SOLUÇÕES EDUCACIONAIS INTEGRADASPolíticas sociais para meio rural Tâmara Mirely Silveira Silva OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Identificar as expressões da questão social no meio rural. > Reconhecer as políticas públicas de incentivo ao trabalho agrícola de base familiar. > Analisar a realidade das políticas públicas brasileiras para meio rural. Introdução A questão fundiária no Brasil é imersa em um contexto de contradições, sendo decorrência de um modelo de produção centrado na acumulação de riquezas e no processo de exclusão social. Atualmente, a geografia rural brasileira reflete um processo que, ao longo dos séculos, promoveu 0 êxodo rural e 0 cercamento das terras no modelo de latifúndio. Nessa perspectiva, 0 Estado desenvolve um conjunto de políticas públicas direcionadas a esse espaço. Tais ações devem sempre verificar os aspectos espe- cíficos de cada região e principalmente buscar a integração e 0 desenvolvimento da zona rural. Neste capítulo, você vai conhecer os modelos de desenvolvimento fundiário brasileiro e sua correlação com 0 desenvolvimento da questão social. Também vai verificar as principais políticas públicas para 0 enfretamento dessa realidade.2 Políticas sociais para meio rural Aspectos da questão social na zona rural Esse capítulo busca levar em consideração a importância central da reflexão crítica sobre a "questão social" enquanto uma categoria. Para isso, a questão social deve ser compreendida sob a égide de outras categorias, como eco- nomia, política e sociedade, que também vêm passando por um processo de transformação decorrente das mutações no cenário capitalista. Há algumas décadas, a questão social foi modelada pelas impressões de um capitalismo monopolista, sob processo de globalização e avanço do modelo neoliberal. Essa questão sofre cada vez mais o impacto da ordem financeira, que consegue ser ainda mais avassaladora quando do processo de exclusão social. De início, é preciso compreender que a questão social deve ser entendida como uma categoria única, mas que se expressa de diferentes formas, podem ser distintas quanto ao modelo socioeconômico adotado por um determinado Estado. Todavia, sempre vai ser o reflexo de um modelo econômico que é centrado nas contradições de classe. Centrada nessa acepção de questão social, se estabelece a premissa de que na atualidade não é possível construir um modelo em que essa categoria seja totalmente superada. Ademais, as características da questão social não se estabelecem em um movimento de oposição, mas de acumulação de características dentro de um processo de evoluções históricas, tornando-se cada vez mais complexa com tempo. Tal afirmação leva à compreensão de que existem distintas versões da "questão social" nos diferentes momentos do sistema capitalista. Assim, formas de resposta distintas foram elaboradas pela sociedade para o seu enfretamento. Todavia, a questão social se mantém como uma decorrência direta de um modelo produtivo antagônico e imerso em contradições. Outro ponto elementar é a compreensão de que não é a forma de orga- nização social que delimita a face da questão social, e sim as imposições do modelo produtivo, que necessita cada vez mais da produção de antagonismos para se estabelecer e continuar seu processo reprodutivo. Nos diferentes estágios capitalistas, nas palavras de Pastorini (2010, 20), foram dadas: [...] diferentes repostas [...] por parte da sociedade no decorrer da história, mas mantendo-se os elementos da busca da estabilidade e manutenção da ordem estabelecida, da preocupação com a reprodução dos antagonismos e contradi- ções capitalistas, e da legitimação social, como denominador comum entre essas diferentes versões.Políticas sociais para meio rural 3 Nesse sentido, é preciso compreender que, ao longo da história, os ele- mentos da questão social foram presentes nas sociedades capitalistas e esses dão versões distintas a essa categoria. Logo, a forma contemporânea como essa questão se ajusta suscita elementos que não são apenas inerentes ao atual modelo, mas um processo encadeado de origem histórica. Logo, para o enfretamento da questão social é fundamental entender os espaços de interconexão que ocorrerem ao longo da era capitalista. A compreensão dos marcos históricos exprime ainda os determinantes que levaram essa categoria a tomar uma nova roupagem. Porém, é preciso pensar esse processo não de forma linear e nem como uma mera sucessão de fatos, e sim como uma continuidade dialética que se estabelece no contínuo contato entre passado e presente. A compreensão sobre a questão social e sobre as mudanças nas suas expressões é fundamental para seu enfretamento. Ademais, cada momento histórico é responsável por uma forma de enfretamento dessa categoria, que deve ser vista como uma problemática única, mas que na prática se expressa de múltiplas formas. A questão social decorre das desigualdades inerentes ao próprio sistema de produção capitalista, no qual detentor dos meios de produção acumula riqueza por meio do lucro, enquanto trabalhador assalariado possui apenas a sua mão de obra como meio de subsistência. Assim, trabalhador está incluído em um sistema socioeconômico, mas excluído das riquezas socialmente produzidas por ele mesmo. Conforme Pastorini (2010), é preciso lembrar que as diretrizes dos orga- nismos multilaterais que foram implementados no Brasil (como na maior parte da América Latina) foram apenas um conjunto de políticas de ajustes macroestruturais. Ou seja, essas ações vieram imersas dentro de um processo de reestruturação produtiva que ocorreu em âmbito mundial e como uma consequência da rearticulação da classe burguesa, que, utilizando-se de sua hegemonia, tornou projeto neoliberal uma forma de organização viável. Os impactos dessa modificação refletiram diretamente na maior parte da população brasileira. Um dos exemplos dessa articulação pode ser visto no desenho geográfico que os espaços foram assumindo. Diante de um processo de crescimento de um modelo de agroindústria que necessita cada vez mais de um cercamento de latifúndios, a população passou a se concentrar-se ainda mais nos espaços urbanos. Nesse contexto, percebe-se que o processo de êxodo rural que ocorreu principalmente a partir da década de 1930 foi acompanhado de um acelerado aumento das taxas de desemprego (sobretudo dos postos ligados à indústria), um crescimento da precarização do trabalho e uma desregulamentação dos4 Políticas sociais para meio rural direitos trabalhistas e previdenciários. Ou seja, a migração do homem do campo para a cidade está imersa em um projeto de mitigação dos direitos sociais, os quais resultaram de conquistas históricas e das articulações de movimentos sociais. Nesse sentido, a questão social ainda deve ser compreendida também dentro de um contexto de redução da oferta de postos laborais e imersa em um crescimento do desemprego estrutural decorrente, que se agrava com a intensa substituição da mão de obra por recursos tecnológicos e uma desarticulação dos movimentos trabalhistas. Ademais, inseridas na questão social, surgem problemáticas diversas com nuances que lhes são próprias. crescimento das propriedades em forma de latifúndio, por exemplo, é decorrente de um processo histórico centrado na concentração de terras nas mãos de poucas pessoas e na desigualdade de tratamento entre os trabalhadores rurais e urbanos. A problemática rural não é essencialmente nova, mas ainda assim não pode ser examinada sem considerar avanço e a reformulação do capitalismo enquanto modo de produção. Ela possui características de uma expressão concreta das contradições e antagonismos presentes em um modelo de organização social que se divide em classes e no qual poder estatal visa satisfazer a ordem estabelecida por aqueles que detêm o real domínio do capital. A problemática da concentração de terras e o movimento de êxodo rural também devem ser verificados a partir das implicações da crescente utiliza- ção dos recursos tecnológicos e os avanços do movimento contemporâneo conservador, que levou a uma reformulação do cenário político em nível mundial. Ou seja, isso se deu dentro de uma reestruturação produtiva mundial que implica no avanço de um modelo que promove ainda mais o processo de exclusão e segregação de parcela da sociedade aos serviços essenciais. Fique atento A função social da propriedade busca minimizar os efeitos da pro- priedade privada, ao passo que dá outras finalidades ao imóvel. Trata-se de um princípio que foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e reflete efeitos direitos no exercício da propriedade estipulados no Código Civil de 2002. Para saber mais, consulte Direito de propriedade: instrumentos históricos e filosóficos (GAMBA, 2019). Ainda na perspectiva dos direitos laborais, no âmbito jurídico a Constituição de 1988 trouxe um conjunto de direitos e garantias que visavam minimamente uma equiparação entre trabalhadores rurais e urbanos. Todavia, em 2017 aPolíticas sociais para meio rural 5 chamada Reforma Trabalhista pode ser considerada um retrocesso singular, que fragilizou ainda mais as relações de trabalho do homem campesino. Ademais, os elementos da nova configuração do capitalismo parecem promover efeitos ainda mais latentes no meio rural, visto que esse histo- ricamente já foi negligenciado quando do desenvolvimento das políticas públicas, fazendo com que essa população tenda ainda mais a situações de vulnerabilidade. Um análise histórica permite compreender que a falta de intervenções estatais que de fato a desigualdade social agravou ainda mais a problemática rural, visto que houve uma ampliação do modelo assentado no latifúndio e na produção direcionada à exportação. Diante das implicações da questão social, alguns movimentos sociais se articularam visando melhores condições para o meio rural. Entre eles, destacam-se as chamadas Ligas Camponesas, que tiveram intensa atuação na região Nordeste a partir de 1945. Já na década de 1980, chamado Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) teria um grande crescimento com advento da Constituição de 1988, que estipulou a função social da propriedade. MST é um movimento que está atrelado diretamente ao contexto do fim da ditadura militar e à construção da Constituição de 1988, que serviu como palco para os anseios das mais variadas representações da sociedade, que efetivamente foram às ruas em busca de novos direitos. Nesse contexto, houve a conscientização da necessidade de uma construção de políticas públicas que viabilizassem a reforma agrária. Após o fim do período da ditadura militar, a Carta Magna foi promulgada em um contexto de incertezas e anseios de várias representações sociais, que se articularam em movimentos e ocuparam as ruas em prol da construção de um modelo estatal baseado na democracia. A Constituição, ainda que no campo normativo, deve ser considerada um documento que trouxe inúmeros avanços e instrumentos para enfretamento da questão social, mas ainda hoje carecem de efetivação em muitos aspectos. Imerso nessa conscientização de que para a reforma agrária seriam ne- cessárias ações que estão além do plano normativo, 0 MST tornou-se um movimento estruturado que busca cobrar dos entes públicos ações políticas que enfrentem a questão fundiária. Dentre suas ações, MST desenvolveu mecanismos de ocupações coletivas. Em contrapartida, houve uma reação dos grupos latifundiários e do capital grileiro. Esse ocasionou massacres, como os que ocorreram em Corumbiara (Rondônia), Eldorado dos Carajás (Pará), entre tantos outros.6 Políticas sociais para meio rural Saiba mais A grilagem é um termo utilizado para a falsificação de documentos de propriedade. Essa prática criminal ocorre pela execução de uma técnica que acelera 0 processo de envelhecimento de documentos, deixando-os com aspectos amarelados, visando enganar as autoridades públicas quanto à propriedade de um determinado imóvel (PIETRO, 2017). Tais massacres foram amplamente divulgados na impressa, que às ve- zes distorcia a real intenção do MST. Ainda assim, depois de tais tragédias verificou-se a atuação, ainda que pontual, do poder público relativa à reforma agrária. Vale lembrar que tais tragédias tiveram intensa repercussão na mídia internacional, levando organismos como a Organização das Nações Unidas (ONU) a cobrar do país medidas efetivas e principalmente a responsabilização dos envolvidos. Como forma de enfretamento da questão, foram editadas a Lei Comple- mentar 88, de 6 de julho de 1996, e a Lei 9393, de 19 de dezembro de 1996. Todavia, essas normas tratavam a matéria de forma incidental e trouxeram, no âmbito prático, pouco avanço para a construção de políticas públicas direcionadas às disputas de terras. Nesse contexto, também se construiu um discurso, assentado nos ideias neoliberais, que buscava esvaziar as ações sociais e os movimentos sociais agrários. Como forma de retaliação ao MST, cresceu a propagação de um discurso pejorativo em relação a suas ações. Políticas públicas de incentivo ao trabalho agrícola de base familiar É praticamente impossível traçarmos um panorama da realidade agrária brasileira, dos graves dramas daí decorrentes e da ineficiência das políticas pública para tentar solucionar o problema. Logo, ao delimitarmos a análise histórica da questão fundiária no Brasil, verificamos que está assentada na adoção de um modelo de propriedade fundiária baseado em latifúndios e com escassas ações públicas destinadas ao pequeno produtor. Após a década de 1930, ocorreu um intenso processo de êxodo rural que modificou a geografia do espaço rural brasileiro. Sem ter como garantir sua subsistência e diante de um processo de crescimento industrial que, em tese, geraria postos de trabalhos, muitas famílias migraram do espaço rural para o urbano. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2021), em 2015 mais de 80% da população brasileira residia em espaços urbanos.Políticas sociais para meio rural 7 Ainda conforme IBGE (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTA- TÍSTICA, 2021), o espaço rural também passou por um intenso processo de industrialização, tendo representado, no mesmo ano, mais de 20% do Produto Interno Produto (PIB). Em contrapartida, setor é responsável por quase 20% da exportação brasileira. Logo, ainda que haja uma produção significativa, uma parcela dessa produção é escoada para atender outros mercados. Para agravar ainda mais o problema, pequenos e médios produtores, diante de suas limitações, não conseguem competir com os grandes produtores. Se por um lado há grandes incentivos por parte do poder estatal à agroindústria, as políticas públicas direcionadas a esse nicho de produtores são pontuais. Ainda assim, pode-se afirmar que nas últimas décadas houve um crescimento da valorização da agricultura familiar por parte do poder público no Brasil. Tal impulsionamento é decorrente de uma série de políticas e programas públicos centrados no estímulo à produção e à comercialização do que é produzido por pequenas e médias propriedades rurais. Pode-se compreender a agricultura familiar como um conjunto de práticas destinadas à produção agropecuária, que se estabelece em atividades rurais cumpridas necessariamente por membros de uma família e que, caso venham a contratar mão de obra, seja de forma esporádica e pontual. Já a pequena propriedade rural, conforme o artigo 4 da Lei 8.629, de 28 de janeiro de 1993, é aquela cuja área tem entre 1 e 4 módulos fiscais. Apesar de todas as dificuldades, segmento da agricultura familiar é responsável por abastecer mais de 70% dos lares brasileiros. Isso porque, como já mencionado, a produção da agroindústria é destinada à produção industrial e exportação. Conforme a Sociedade Nacional de Agricultura (BRASIL, 2017), em 2017 70% do feijão, 34% do arroz e 38% do café consumidos pelos brasileiros foram produzidos pela chamada agricultura familiar. Atualmente, as políticas públicas voltadas à agricultura familiar são pro- movidas pelo Ministério da Agricultura. Esse órgão busca atuar em algumas frentes e se propõe a estimular esse tipo de produção, principalmente em cidades de pequeno porte. Na mesma linha, 0 governo federal vem desenvol- vendo um conjunto de políticas públicas específicas, que costumam contar com a parceria de Estados e municípios. Dentre as principais ações desenvolvidas, destaca-se Programa Nacio- nal de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), criado em 1995, cujo objetivo é proporcionar atendimentos distintos para os pequenos produtores rurais. Todavia, para se enquadrar no programa, é fundamental que a produ- ção seja realizada pela força de trabalho daqueles que compõem a família.8 Políticas sociais para meio rural Pronaf tem por finalidade promover a integração da agricultura do tipo familiar aos limites estabelecidos pelo ecossistema local. Assim, o maior in- centivo é para que produtor dê preferência aos produtos regionais. Ademais, programa visa incluir a utilização de recursos tecnológicos para aprimorar a cadeira produtiva, além de promover a geração de renda e valorizar a propriedade rural. De forma direcionada, o Pronaf inclui ações em diversas vertentes. Entre essas, destaca-se a concessão de linhas de financiamento para custeio, vendas e investimento. Ainda faz parte do programa a redução tributária com condições e prazos flexíveis e que podem ser flexibilizadas de acordo com questões regionais. Uma meta do Pronaf é o aumento da produtividade a partir da aplicação de ações que visem à utilização da terra de forma racional, e sustentável, mediante a promoção de técnicas que, ao longo do ciclo produtivo, viabilizem as melhores alternativas para amenizar os custos e os impactos ambientais. Ademais, o programa ainda estabelece como uma das metas a promoção da qualidade de vida dos produtores. Ainda no âmbito das políticas públicas, pode-se destacar o Programa Nacional de Crédito Fundiário, também chamado de Terra Brasil, que visa ampliar o limite de créditos para aquisição de imóveis rurais. A meta é atingir os pequenos produtores ou aqueles que não possuem propriedades rurais. Porém, crédito fundiário tem por objetivo não apenas estimular a aquisição dos bens, mas também tem em sua base criar condições para que esses pro- movam a agricultura familiar e possam criar formas de subsistência. Logo, a meta é que mantenham a cadeia produtiva a fim de atender o mercado local. As políticas públicas direcionadas à agricultura familiar possuem regras de participação específica. A intenção do agente estatal, em tese, é que o programa atinja de fato aqueles que sem a intervenção estatal não teriam condições de adquirir imóveis ou de sustentar a cadeia produtiva. Um importante programa de estímulo à agricultura familiar é Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), criado em 2003, que, além de fomentar a agricul- tura familiar, visa estimular acesso à alimentação de qualidade. Dessa forma, reserva-se parte da produção dessas unidades rurais aos órgãos públicos, que, por sua vez, são dispensados do processo de licitação para aquisição dos pro- dutos. Ao desburocratizar a compra, o Estado possibilita ao pequeno produtor ter acesso a uma fatia do mercado que, sem tal condição, dificilmente atingiria. Destaca-se ainda a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER), criada em 2010 e que tem por objetivo a promoção do desen- volvimento rural sustentável. Esse programa desenvolve atividades econô- micas que potencializam as características locais, estimulando a produçãoPolíticas sociais para o meio rural 9 através de uma cadeia sustentável que utiliza conhecimento técnico-científico (BRASIL, 2021). Para além do estímulo produtivo, o programa busca a qualifi- cação do pequeno produtor familiar a partir do ensino da técnica produtiva, formas de proteção e conservação dos recursos naturais e incorporação de recursos tecnológicos quando da produção. Uma inovação desse programa é que busca integrar famílias que foram beneficiadas com ações da reforma agrária, comunidades tradicionais, quilombolas e indígenas. Nesse sentido, para além do estímulo produtivo, visa a inclusão social. Para além das ações produtivas, há de se destacar o Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR), criado em 2009, cujo objetivo é garantir o direito à habitação no espaço rural. Atrelado ao Programa Minha Casa Minha Vida, tem por objetivo garantir moradia digna à população rural de baixa renda. Assim, oferece subsídios para a construção e reforma de unidades habitacionais, como o PNATER, que também visa incluir famílias de zonas quilombolas, ribeirinhas, indígenas e extraviadas (CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, 2018). Cumpre ressaltar que os programas citados representam algumas das frentes desenvolvidas pelo poder público. A exemplo de outras ações, po- dem ser destacados o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel, o Sistema de Gerenciamento das Ações do Biodiesel, o programa Bioeconomia Brasil Sociobiodiversidade e Programa de Apoio à Agroindústria Familiar. Saiba mais Para saber sobre as implicações da questão social no modelo agrário, Consulte, Paradigmas do capitalismo agrário em questão (ABRAMO- VAY, 1992). Reflexos da políticas públicas para meio rural Dentre as políticas públicas voltadas ao enfretamento da problemática rural, destacam-se aquelas destinadas à reforma agrária, ainda que num Estado fundamentado na supremacia social da aristocracia e confinado aos imperativos da propriedade fundiária. processo renovador que o Brasil experimentou, revolucionando conceito de propriedade que o Código Civil legou, sem dúvida abalou as estruturas sociais. A partir dos célebres movimentos revolucionários de antanho até às lutas diárias dos sem-terra, busca-se, ainda hoje, a posse legal de um pedaço de terra onde se possa desenvolver, pelo trabalho, a vo- cação agrícola ou pastoril como elemento de sustentação do indivíduo e da própria sociedade.10 Políticas sociais para meio rural Estatuto da Terra trouxe conceito socioeconômico de propriedade como bem de produção, buscando conjugar os elementos econômico e jurí- dico. Dentre suas inovações, estabeleceu que gozo do direito à propriedade da terra somente desempenhará integralmente sua função social quando simultaneamente atender a um conjunto de requisitos básicos. Saiba mais Com advento da Emenda Constitucional 10, de 9 de novembro de 1964, coube à União a competência exclusiva para legislar sobre 0 direito agrário. Desta feita, surgiu Estatuto da Terra de 1964, Lei 4.504, de 30 de novembro de 1964, que, conforme seu art. dispõe sobre os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para os fins de execução da reforma agrária e promoção da política agrícola. Quando da evolução normativa, o artigo 186 da Constituição Federal de 1988 recepcionou instituto da função social, dispondo: A função social é cumprida quando a propriedade atende, simultaneamente, se- gundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: - aproveitamento racional e adequado; - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III observância das dis- posições que regulam as relações de trabalho; IV exploração que favoreça bem- estar dos proprietários e dos trabalhadores (BRASIL, 1988, documento on-line). Todavia, o direito agrário, que é direito de produção com normas emi- nentemente programáticas, determina que, se alguém não cultiva a terra que ocupa, se não a faz produzir, a intervenção estatal é legítima e impõe- -se a desapropriação por interesse social a fim de se atingir o bem-estar da coletividade. Ao abraçar conceito de função social da propriedade, ordenamento jurídico brasileiro buscou evitar o uso indevido da terra. É o próprio Estatuto da Terra que determina: Poder Público promoverá a gradativa extinção das normas de ocupação e de exploração da terra que contrariem sua função social" (BRASIL, 1962, documento on-line). Nesse sentido, direito agrário passa por um processo de reformulação em que não se estabelece apenas na detenção física da propriedade. Agora há uma reflexão por parte daqueles que constroem as normas jurídicas sobre a importância do trabalho para a valorização do espaço rural. Trata-se de um avanço histórico no âmbito da construção das normas jurídicas e que supera as clássicas narrativas que estabeleciam o direito à propriedade como superior aos interesses coletivos.Políticas sociais para meio rural 11 Evidencia-se assim a importância da preservação da propriedade para que cumpra seu valor e contribua para a construção de uma sociedade mais equitativa. impacto da observação da função social na prática se coloca como mais um instrumento que auxilia na mitigação dos efeitos de um mo- delo que historicamente foi se estruturando na concentração fundiária e na expulsão do homem do campo. latifúndio improdutivo, ou mesmo produtivo, que não atenda aos incisos do art. 186 da Constituição Federal de 1988 pode ser objeto para legitimar ações e movimento que visem a reforma agrária. Todavia, é preciso lembrar que a destinação da terra para esse fim não é, em regra, um processo simples e depende necessariamente do exame do caso concreto para que de fato a propriedade seja classificada como apta para fins de reforma agrária. Vale lembrar que a função social da propriedade passa pela adequada utilização dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente. Nesse sentido, entende a lei que isso se verifica apenas quando essa ex- ploração se faz respeitando-se a vocação natural da terra, sem agressões do tipo queimadas, mas promovendo-lhe a correção de solo necessária à manutenção do seu estado vital, de modo a manter potencial produtivo da propriedade. Por preservação do meio ambiente, estipula-se a manutenção das características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas. Estatuto da Terra, abraçando a filosofia da função social, trouxe para mundo do direito o conceito socioeconômico de propriedade. Assim, a terra passa a ser vista como um bem de produção que deve conjugar valores sociais e jurídicos que visem cumprir uma função social. Apesar das normas jurídicas não trazerem o conceito desse fim, é possível verificar que seu conceito está atrelado a valores como equidade, justiça social e interesse coletivo. Contudo, outras normas podem trazer limitações e disposições específicas sobre questões que visem cumprimento da função social. Conforme ensinamentos de Prado Júnior (2012, p. 32), trata-se de um marco jurídico e político no contexto brasileiro de exclusão social frente ao direito à propriedade fundiária: [...] a grande maioria da população brasileira, a sua quase totalidade, com exclusão unicamente de uma pequena minoria de grandes proprietários e fazendeiros, em- bora ligada à terra e obrigada a nela exercer sua atividade, tirando daí seu sustento se encontra privada da livre disposição da mesma terra em quantidade que baste para assegurar um nível adequado de subsistência. Vê-se assim forçada a exercer sua atividade em proveito dos empreendimentos agromercantis de inicia- tiva daquela mesma minoria privilegiada que detém monopólio virtual da terra.12 Políticas sociais para meio rural Estatuto da Terra criou patamares sociais para a propriedade privada a partir do momento que estabeleceu as formas de (re)distribuição de terra quando de sua desapropriação indenizada. Para Prado Júnior (2012), a lei visa regular os aspectos com a relação do homem com a terra, promovendo a modernização da estrutura agrária. Para cumprimento desses objetivos, impõe-se uma política agrícola baseada em relações jurídicas, sociais e econômicas. Nesse sentido, em seu art. § o Estatuto da Terra define essa política social como: [...] conjunto de providências de amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes 0 pleno emprego, seja no de harmonizá-las com processo de industrialização do país (BRASIL, 1964, documento on-line). Para alcançar tal fim, foram utilizados os mecanismos tradicionais de reforma agrária baseados na tributação: de um lado tributação progressiva, para pressionar os latifúndios improdutivos, e de outro o critério regressivo do imposto territorial rural, para beneficiar as propriedades com produti- vidade adequada (PRADO JÚNIOR, 2012). Assim, a base normativa fundiária brasileira, que se justificava como uma política social, transformou-se em uma máquina estatal de ajuda e assistência financeira para proprietários de imóveis desapropriados. Com advento do golpe militar de 1964, houve um direcionamento das diretrizes da reforma agrária para o objetivo estratégico da integração regio- nal. Ou seja, a partir do binômio ditatorial de controle e concessão, a reforma agrária foi utilizada como instrumento de manobra das classes oprimidas, uma vez que tinha o objetivo de alienar uma parcela da população em relação à legitimidade do poder exercido pelos militares. Tal ditadura opressiva e violenta chegou a limites extremos da corrupção e do mais cínico desrespeito aos mais elementares direitos dos cidadãos (PRADO JÚNIOR, 2012). Ademais, houve por parte das várias instâncias estatais uma repressão contra os movimentos sociais campesinos. Diante de tais circunstâncias, tem-se que a estrutura fundiária brasileira não sofre de fato um processo de modificação. Ademais, diante dos obstáculos criados pelas classes dominantes, o Estatuto da Terra não conseguiu cumprir seu objetivo fundamental, que era uma redistribuição fundiária. Apenas com o advento da Constituição de 1988 esse instituto reencontrou seu fim.Políticas sociais para meio rural 13 Saiba mais Para ampliar seu conhecimento sobre a reforma agrária no Brasil, consulte artigo "Capitalismo, questão agrária e os movimentos so- ciais" (AMORIM, 2006). Referências ABRAMOVAY, R. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo: HUCITEC, 1992. AMORIM, J. de. Capitalismo, questão agrária e os movimentos sociais. Revista Eletronica do Curso de Geografia do Campos Avançado de Jataí, n. 7, p. 1-13, 2006. BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal da República Brasileira de 1988. Brasília: Presidência da República, 1988. 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Disponível em: https://www.bndes. em: 14 fev. 2021.14 Políticas sociais para meio rural BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. In: VADE Mecum. São Paulo: Saraiva, 2020. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER). Brasília: Presidência da República, 2020. Disponível em: https:// www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/agricultura-familiar/assistencia-tecnica-e- -extensao-rural-ater. Acesso em: 14 fev. 2021. MARTINS, J. de S.O cativeiro da terra. São Paulo: Hucitec, 1986. MARTINS, J. de S.A militarização da questão agrária. Petrópolis, RJ: Vozes, 1984. MATTOS NETO, A. J.A posse agrária e suas implicações agrária no Brasil. Belém: Cejup, 1988. Fique atento Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. 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