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Parasitologia clinica 1. Relações parasito-hospedeiro Existem diversos tipos de parasitas que podem ser parte de uma relação parasito-hospedeiro: · Obrigatório: não é capaz de sobreviver sem um hospedeiro · Facultativo: é capaz de existir independentemente de um hospedeiro · Endoparasito: se estabelece no interior de um hospedeiro · Ectoparasito: se estabelece no interior ou sobre a superfície externa de um hospedeiro. O parasitismo pode ocorrer de forma facultativa, quando organismos como Naegleria fowleri, normalmente de vida livre, infectam acidentalmente o ser humano, causando doenças graves como meningoencefalite. Outros organismos alternam fases saprozoicas e parasitárias em seu ciclo, como Strongyloides fülleborni e os ancilostomídeos, cujas larvas inicialmente vivem no solo e depois se tornam infectantes. Em alguns casos, o parasitismo ocorre apenas em uma fase do ciclo, como na fase adulta de Tunga penetrans ou na fase larvária da mosca do berne, caracterizando o parasitismo proteliano. Já outros parasitos apresentam um ciclo completamente parasitário, sem fase de vida livre. Da mesma forma, muitos hospedeiro diferentes podem participar dessa relação, incluindo: · Acidentais ou Incidentais: hospedeiro não especifico, são organismos que por acaso são infectados por parasitas que normalmente não os infectaria. Muitas vezes, não permite a conclusão do ciclo de vida do parasita. · Definitivos: hospedeiro no qual ocorre a fase de desenvolvimento adulta ou sexuada do parasita · Intermediários: hospedeiro no qual ocorre a fase de desenvolvimento larvária ou assexuada do parasito · Reservatórios: hospedeiro albergando parasitos que infectam seres humanos e dos quais os seres humanos podem-se infectar. · Transporte: hospedeiro responsável por transportar um parasito de um local para o outro · Portadores: hospedeiro que albergam um parasito e não exibe nenhum sintoma clinico, mas pode infectar outros. Quando um parasito infecta um hospedeiro, a principal função do hospedeiro é albergar o ciclo biológico do parasita. Esta relação recentemente formada pode-se desenvolver em: · Comensalismo: Associação entre duas espécies diferentes de organismos, a qual é benéfica para um e neutra para o outro · Mutualismo: Associação entre duas espécies diferentes de organismos que é benéfica para ambas · Parasitismo: Associação entre duas espécies diferentes de organismos, a qual é benéfica para uma e prejudicial para outra · Algumas dessas associações existem na forma comensal, em algumas circunstâncias, e na forma patogênica em outras. Os parasitos possuem uma surpreendente capacidade de se adaptar ao ambiente do hospedeiro. Além de um grande número de adaptações morfológicas, os parasitos são capazes de se proteger do sistema imune do hospedeiro. Os parasitos alteram seus constituintes antigênicos de forma que o hospedeiro não os reconheça como estranhos e, portanto, não desenvolva resposta imune. Na associação parasito-hospedeiro, os efeitos que o parasita exerce sobre o organismo infectado podem ser classificados em diferentes mecanismos patogênicos, dependendo da forma como causam dano. Aqui estão os principais: · Mecânica: Ocorre quando o parasita provoca obstruções ou compressões físicas em órgãos ou tecidos. Exemplo: Ascaris lumbricoides pode causar obstrução intestinal. · Espoliativa: Envolve a retirada de nutrientes ou substâncias essenciais do hospedeiro, levando à carência nutricional. Exemplo: Ancylostoma duodenale suga sangue da mucosa intestinal, podendo causar anemia ferropriva. · Traumática: Refere-se ao dano físico direto causado pelos parasitas ao tecido do hospedeiro, como perfurações, lesões ou destruição celular. Exemplo: Entamoeba histolytica destrói o epitélio intestinal formando úlceras. · Tóxica ou imunogênica: Decorre da liberação de substâncias tóxicas pelos parasitas ou de produtos de seu metabolismo que desencadeiam reações inflamatórias e imunológicas exacerbadas. Exemplo: toxinas de protozoários como Plasmodium spp.. · Irritativa: Ocorre quando a presença ou movimentos do parasita estimulam receptores sensoriais, provocando reações como prurido ou inflamação. Exemplo: a migração de larvas de Ancylostoma na pele. · Enzimática: Alguns parasitas secretam enzimas proteolíticas para invadir tecidos, causando destruição local. Exemplo: Entamoeba histolytica libera enzimas que degradam o colágeno e mucinas intestinais. · Anóxica: Quando o parasita consome oxigênio em excesso ou interfere na oxigenação dos tecidos, resultando em hipóxia. Exemplo: parasitas pulmonares em infecções intensas podem comprometer a troca gasosa. 1.1. Vetores no parasitismo No parasitismo, os vetores são organismos (geralmente artrópodes, como insetos e carrapatos) que transmitem parasitas de um hospedeiro a outro. Eles podem ser classificados em dois tipos principais: vetores mecânicos e vetores biológicos, de acordo com o papel que desempenham no ciclo de vida do parasita. Vetores mecânicos: apenas transportam o parasita, sem que ele se desenvolva dentro do vetor. A transmissão ocorre de forma passiva, como se o vetor fosse uma “seringa contaminada”. Um exemplo é a mosca doméstica, que pode levar ovos de helmintos nas patas ou na boca, contaminando alimentos. Outro caso é o Trypanosoma equinum, transmitido mecanicamente por moscas hematófagas, sem multiplicação ou desenvolvimento no vetor. Vetores biológicos: nesses, o parasita passa por parte de seu desenvolvimento ou multiplicação dentro do vetor. O vetor é essencial para completar o ciclo do parasita, funcionando como hospedeiro intermediário ou definitivo. Exemplos incluem: • Anopheles spp., mosquito vetor do Plasmodium spp. (malária), onde ocorre a reprodução sexuada do parasita. • Triatoma infestans (barbeiro), vetor do Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas. • Mosquitos Culex e Aedes, vetores das filariose linfática (causada por Wuchereria bancrofti). Vetores passivos ou ambientais (menos comuns): são elementos do meio que ajudam na disseminação, como a água no caso do Naegleria fowleri ou o solo contaminado com ovos de parasitas intestinais, mas não são organismos vivos com papel direto no transporte ativo. 2. Ciclos biológicos dos parasitos 2.1. Estenoxenos e eurixenos Os parasitos podem ser classificados de acordo com sua especificidade em relação ao hospedeiro. Parasitos estenoxenos são aqueles que apresentam alta especificidade, infectando apenas uma ou poucas espécies de hospedeiros, geralmente espécies próximas na escala zoológica. Um exemplo clássico é o Ascaris lumbricoides, que infecta exclusivamente o ser humano. Por outro lado, parasitos eurixenos possuem baixa especificidade, sendo capazes de parasitar uma ampla variedade de espécies. Um exemplo é o Toxoplasma gondii, que pode infectar diversos mamíferos e aves, embora dependa da presença de células vivas para completar seu ciclo, já que não pode ser cultivado em meio artificial. 2.2. Especificidade fisiológica e ecologia Para que os indivíduos de uma espécie possam ser hospedeiros de determinado parasito, são indispensáveis dois tipos de condições: (1) especificidade fisiológica, onde o hospedeiro supre a falta de certas enzimas de que o parasito não dispõe, ou proporciona os substratos indispensáveis à nutrição deste, ou alguma outra necessidade fisiológica e, (2) especificidade ecológica, onde há necessidade de que se refere à probabilidade de encontro entre o parasito e o hospedeiro em um determinado ambiente. Não basta que o hospedeiro seja fisiologicamente compatível; é necessário também que ele compartilhe o mesmo nicho ecológico ou tenha comportamentos que o exponham ao parasito. Fatores como hábitos alimentares, habitat, ciclo de vida, sazonalidade e até atividades humanas (como agricultura ou criação de animais) influenciam diretamente essa chance de contato. Assim, para que uma relação parasitária se estabeleça, é essencial que o hospedeiro ofereça condições internas adequadas ao desenvolvimento do parasito (especificidade fisiológica) e que ambos tenham interação96% dos brancos e apenas 23% dos negros inoculados. Essa imunidade à malária decorre principalmente de fatores genéticos que interferem na interação entre os merozoítas e as hemácias humanas. Um dos mecanismos mais estudados envolve os grupos sanguíneos, especialmente o sistema Duffy. Indivíduos Duffy-negativos (Fy a-b-) são resistentes à infecção por P. vivax e P. knowlesi, pois os merozoítas dessas espécies utilizam os antígenos Duffy como receptores para invadir os eritrócitos. Isso explica, por exemplo, a baixa prevalência de P. vivax em muitas regiões da África subsaariana. Já o P. falciparum utiliza receptores diferentes e pode infectar hemácias Duffy-negativas, mas apresenta suscetibilidade reduzida em hemácias En(a-) ou tratadas com enzimas que alteram seus receptores. Além dos grupos sanguíneos, as hemoglobinopatias também exercem papel importante na resistência à malária. Indivíduos com anemia falciforme (HbS), hemoglobina C (HbC) ou talassemias possuem hemácias anormais que são menos permissivas à replicação do parasita. A deformação precoce das hemácias, o aumento da fragilidade eritrocitária e a formação de cristais de hemoglobina que danificam a membrana celular dificultam o ciclo do plasmódio e promovem a sua destruição. O mesmo se observa em portadores de deficiência de G6PD, uma enzima essencial à via das pentoses: essa deficiência compromete o metabolismo oxidativo da hemácia, inibindo o crescimento do parasita. Há ainda mecanismos de resistência inexplorados, como observado em camundongos que, mesmo sendo geneticamente suscetíveis, mostram uma fração naturalmente refratária ao P. berghei, resistência essa que aumenta com a idade. Analogamente, seres humanos em áreas endêmicas podem resistir a infecções sintomáticas ou desenvolver apenas formas leves da doença, sugerindo que pressões seletivas evolutivas favoreceram a manutenção de variantes genéticas protetoras nessas populações. RIA: Varia com a espécie, a linhagem e o número de parasitos inoculados; varia também com o grau e a duração da infecção. Depende, por outro lado, das condições do paciente, inclusive de seu estado nutricional, das condições de repouso ou fadiga, do uso de medicamentos etc. A imunidade adquirida nas regiões hiperendêmicas pode ser passiva, durante os três primeiros meses, nas crianças que receberam das mães, por via placentária, as imunoglobulinas IgG específicas. É possível que a resistência nesse período seja, ainda, aumentada pela dieta láctea (amamentação). Por outro lado, é possível que uma imunidade humoral, herdada pela criança, concorra para retardar o desenvolvimento de sua própria imunidade antiparasitária e, desse modo, responde- ria pela alta parasitemia e pelos sintomas mais graves da malária na infância. 5.2. Filo apicomplexa – Toxoplasma gondiino ambiente natural (especificidade ecológica). A ausência de qualquer uma dessas condições pode impedir que a infecção ocorra, mesmo que o hospedeiro aparente ser suscetível. Lembrar: hospedeiros experimentais. 2.3. Parasitos monóxenos e heteróxenos Tantos nos casos de parasitismos temporário como de parasitismo permanente, o parasito pode completar seu ciclo biológico exigindo um só hospedeiro. Esse único hospedeiro será sempre da mesma espécie ou de espécies muito próximas, quando o parasita for estenoxeno. Mas poderá ser escolhido entre grande variedade de espécie, quando for eurixeno. Toda vez que um único hospedeiro for necessário para que se complete o ciclo, dizemos que o parasito é monóxeno. Os ciclos monoxenos são evolutivamente mais simples e, muitas vezes, incluem uma fase de vida livre ou produção de formas resistentes, como ovos ou cistos, que garantem a disseminação no ambiente. Exemplos incluem os nematoides Ascaris lumbricoides e Trichuris trichiura, cujos ovos embrionados no solo reiniciam o ciclo quando ingeridos. Protozoários como Entamoeba histolytica e Giardia lamblia também seguem esse padrão, com cistos resistentes que permitem a infecção de novos hospedeiros. Alguns ciclos monoxenos ocorrem sem fase ambiental, com a transmissão diretamente entre hospedeiros. É o caso de Trypanosoma equiperdum, transmitido sexualmente entre equinos. Um exemplo intermediário é o de Trypanosoma equinum, cuja transmissão ocorre por vetores mecânicos como moscas, mas sem que o parasito se desenvolva nelas — ou seja, o vetor apenas transporta mecanicamente o agente, mantendo o ciclo biologicamente monoxeno. O desenvolvimento de outras espécies exige sua passagem obrigatória através de dois ou mais hospedeiros, sempre na mesma sequência e nas mesmas fases. São os parasitos heteróxenos. Em cada um desses hospedeiros completa-se uma parte do ciclo vital do parasito. Os ciclos heteroxenos, por sua vez, são mais complexos e envolvem diferentes hospedeiros para completar as fases do parasito. Um exemplo clássico é o Schistosoma mansoni, que precisa de um caramujo (hospedeiro intermediário) e um vertebrado (hospedeiro definitivo) para completar seu ciclo. Outro exemplo é o Diphyllobothrium latum, que passa por crustáceos e peixes antes de atingir o homem, onde se torna adulto. Além disso, nas tênias Taenia solium e Taenia saginata, o homem libera ovos nas fezes, que contaminam o solo e são ingeridos por suínos ou bovinos. As larvas migram para os músculos desses animais e formam cisticercos. Quando o homem consome carne mal cozida contendo essas formas, desenvolve-se o verme adulto em seu intestino. Em parasitos transmitidos por vetores hematófagos, como os causadores da malária, tripanossomíase, leishmaniose e filariose, o ciclo heteroxeno é comum e ocorre sem fases de vida livre. 3. Resposta imunológica na parasitose Os parasitas incluem protozoários unicelulares, vermes multicelulares complexos (helmintos) e ectoparasitas (p. ex., carrapatos e ácaros). Muitas infecções parasitárias são crônicas, por causa de uma imunidade inata fraca e da habilidade dos parasitas de evadir ou resistir à eliminação pelas respostas imunes adaptativas. Além disso, muitos fármacos antiparasitários não são efetivos no killing dos organismos. Indivíduos vivendo em áreas endêmicas requerem quimioterapia recorrente, devido à exposição contínua. Imunidade inata: mecanismo inicial – barreira física. A principal RII ao protozoários é a fagocitose, mas muitos desses parasitas são resistentes ao killing fagocitico e podem até mesmo se replicar no interior dos macrófagos. Os eosinófilos contribuem para a resposta inata aos helmintos liberando os conteúdos dos grânulos que são capazes de destruir os tegumentos dos vermes. Os fagócitos também podem atacar parasitas helmintos e secretar substâncias microbicidas para matar organismos. Entretanto, muitos helmintos têm tegumentos espessos que os tornam resistentes aos mecanismos. Alguns protozoários e helmintos ativam a via alternativa ou de lecitina do complemento, mas também desenvolveram estratégias efetivas para evadir ao sistema complemento. · NKs: quando um parasita tem capacidade de resistir à fagocitose e se replicar no interior r dos fagócitos, tem a estimulação da produção de IL-12. Citocina no qual ativam as NKs que passam a produzir IFN-y, essa produção tem como finalidade aumentar a secreção de substâncias microbicidas no interior dos fagócitos infectados. A destruição das células infectadas ou citólise ocorre através das ações enzimáticas presente dentro das NKs, essas enzimas que são liberadas, como as perforinas, que formam buracos na membrana da célula alvo, e granzimas que entram nas células através desses poros, desencadeando a apoptose celular e exterminação do agente infeccioso. · Macrófagos: Alguns protozoários expressam moléculas de superfície reconhecidas por TLRs e ativam fagócitos. Espécies de Plasmodium (os protozoários responsáveis pela malária), Toxoplasma gondii (o agente causador da toxoplasmose) e espécies de Cryptosporidium (uma das principais causas de doença diarreica em pacientes infectados pelo HIV) expressam, todos, glicolipídios que podem ativar TLR2 e TLR4. Os macrófagos fagocitam protozoários e produzem citocinas, como IL-12, que são importantes para a ativação e diferenciação de células T helper em direção ao fenótipo Th1, que é essencial para o controle de infecções intracelulares, incluindo algumas infecções parasitárias. Além disso, macrófagos podem produzir outras citocinas, como TNF-α e IL-6, que promovem a inflamação e recrutam outras células imunes para o local da infecção. · Eosinófilos: Eles são ativados por citocinas como IL-5 e se acumulam nos tecidos onde ocorre a infecção parasitária. A ação efetora dos eosinófilos ocorre principalmente através da liberação de grânulos citotóxicos que contêm proteínas como a proteína básica maior (MBP), a peroxidase eosinofílica e a proteína catiônica eosinofílica, capazes de danificar a superfície do parasito. Esse processo é potencializado pela ligação de anticorpos, especialmente a IgE, que se fixa a receptores de alta afinidade na membrana dos eosinófilos, mastócitos, NK e em macrófagos (menor grau) promovendo a ativação celular e a degranulação. Além disso, a IgG pode atuar como opsonina, facilitando a ligação dos eosinófilos por meio de seus receptores Fcγ, e contribuindo para a resposta imune citotóxica mediada por células dependente de anticorpos (ADCC). · Basófilos e mastócitos: Mastócitos e basófilos participam da resposta imune contra parasitas, principalmente helmintos, por meio da liberação de mediadores inflamatórios como histamina, leucotrienos e citocinas, que aumentam a permeabilidade vascular e recrutam outras células imunes. Eles são ativados principalmente pela IgE, que se liga a receptores de alta afinidade na sua superfície, levando à degranulação quando há contato com o antígeno parasitário. · Sistema complemento: Uma vez ativado, o complemento promove a opsonização dos parasitas, facilitando a fagocitose, induz a inflamação por meio da liberação de anafilatoxinas (C3a, C5a) e pode levar à lise direta do parasito através do complexo de ataque à membrana (MAC). · IgA: desempenha papel essencial na defesa das superfícies mucosas, especialmente no trato gastrointestinal, onde atua contra parasitas intestinais como Giardia lamblia, Entamoeba histolytica e helmintos. Sua principal função é impedir a adesão de parasitas ao epitélio, bloqueando sua penetração nos tecidos e facilitando sua eliminação mecânica. A IgA é secretada na forma dimérica com o componente secretor, o que a torna resistente à degradação proteolítica no ambiente intestinal. Além disso, pode neutralizar toxinas parasitárias e formar complexos imunes que limitam a mobilidade e a viabilidade dos organismos, atuando de forma não inflamatória, o que é vantajoso em mucosas sensíveis. Imunidade adaptativa: protozoários e helmintos variam enormemente quanto a propriedades estruturais e bioquímicas, ciclos devida e mecanismos patogênicos, portanto, induzem RIA distintas. A defesa adaptativa contra protozoários que sobrevivem e se replicam dentro de fagócitos, como Leishmania major, depende principalmente da imunidade celular mediada por linfócitos T CD4+ do subtipo Th1. Essas células produzem IFN-γ, citocina que ativa macrófagos para destruir os parasitas intracelulares. A dominância da resposta Th1 está associada à resistência, enquanto a resposta Th2, que inibe a ativação clássica dos macrófagos, favorece a persistência e agravamento da infecção. Alguns protozoários, como o Plasmodium (malária), Toxoplasma gondii (toxoplasmose) e Cryptosporidium, infectam células como hepatócitos, hemácias ou enterócitos, replicam-se em seu interior e promovem lise celular. Esses parasitas induzem resposta adaptativa tanto humoral quanto celular. Inicialmente se acreditava que os anticorpos eram os principais responsáveis pela proteção, mas hoje se reconhece que a atuação de linfócitos T CD8+ citotóxicos (CTLs) é crucial, especialmente para eliminar parasitas no fígado. O IFN-γ também é essencial nesse contexto, pois contribui para limitar a disseminação do parasita. Essa resposta citotóxica é semelhante à que ocorre contra vírus, por envolver destruição das células infectadas. A resposta adaptativa contra helmintos é dominada pela ativação de células Th2, que promovem secreção de IL-4, IL-5 e IL-13. A IL-4 estimula a produção de IgE, que se liga a receptores Fcε em mastócitos e basófilos, enquanto a IL-5 ativa eosinófilos, cujos grânulos são tóxicos ao parasito. Essas células e mediadores também participam da expulsão de vermes intestinais, ainda que os mecanismos exatos permaneçam pouco compreendidos. No entanto, essa resposta também pode levar a efeitos colaterais, como fibrose tecidual e formação de granulomas. Em infecções como a esquistossomose e a filariose linfática, a resposta Th2 crônica provoca alterações anatômicas e funcionais graves, como cirrose hepática e linfedema, além de possível deposição de imunocomplexos, resultando em glomerulonefrite ou vasculite. 3.1. Imunoevasão por parasitas Os parasitas invadem a imunidade protetora diminuindo a própria imunogenicidade e inibindo as respostas imunes do hospedeiro. Diferentes parasitas desenvolvem meios notavelmente efetivos de resistir à imunidade. Alteração antigênica: Os parasitas alteram seus antígenos de superfície durante o ciclo de vida nos hospedeiros vertebrados. Há duas formas de variação antigênica bem-definidas. A primeira é uma alteração estagio-especifica na expressão antigênica de modo que os estágios teciduais maduros dos parasitos produzem antígenos diferentes daqueles dos estágios infectivos. · Ex.: o estagio esporozoita infectivo dos parasitos da malária é antigenicamente distinto dos merozoitas que residem no hospedeiro e que são responsáveis pela infecção crônica. Quando o SI tiver respondido à infecção pelos esporozoitas, o parasita já terá se diferenciado expressando novos antígenos e já não será alvo da imunoeliminação. Outro exemplo notável, são as variações continuas na superfícies de tripanossomos africanos, que ocorre principalmente em virtude das alterações na expressão de genes codificadores do principal antígeno de superfície. Desse modo, no momento em que o hospedeiro produz anticorpos contra o parasita, um organismo antigenicamente diferente já cresceu. Mais de 100 ondas de parasitemia desse tipo podem ocorrer em uma única infecção. Camuflagem antigênica: onde parasitos recobrem sua superfície com proteínas do hospedeiro, principalmente glicoproteínas da superfície celular ou componentes do soro, como imunoglobulinas e proteínas do complemento. Essa estratégia faz com que o sistema imune reconheça o parasito como “próprio”, evitando sua destruição. Um exemplo clássico é o Schistosoma mansoni, que incorpora proteínas do sangue humano à sua tegumento, confundindo os mecanismos de defesa e prolongando sua permanência no organismo. Essa camuflagem dificulta tanto a ativação do sistema complemento quanto o reconhecimento por anticorpos e células T. Intracelularidade: Refúgio dentro de células hospedeiras, como macrófagos e hepatócitos, para escapar da resposta imune humoral. Exemplo: Plasmodium spp., Toxoplasma gondii, Leishmania spp. Liberação de antígenos: parasitas soltam suas coberturas antigênicas, seja de modo espontâneo ou após a ligação a anticorpos específicos. A descamação dos antígenos torna os parasitas resistentes a ataques subsequentes mediados por anticorpos. Entamoeba histolytica é um parasita protozoário que solta os antígenos e também pode se converter em uma forma cística no lúmen do intestino grosso. Barreiras físicas ou estruturas protetoras: Os parasitas se tornam resistentes aos mecanismos imunes efetores durante o período em que residem nos hospedeiros vertebrados. Talvez, os melhores exemplos sejam as larvas de esquistossoma, que trafegam para os pulmões de animais infectados e, durante essa migração, desenvolvem um tegumento que é resistente ao dano causado pelo complemento e pelos CTLs. Além de desenvolvimento de cistos resistentes aos efetores imunes. Suspensão ou modulação da RI: os parasitos inibem a RI por diversos mecanismos, como a liberação de citocinas ou fatores que desviam ou enfraquecem a RI (helmintos promovendo respostas Th2 ou CT tregs); produzindo proteínas que bloqueiam a ativação do SC (Entamoeba histolytica que inibem a formação do complexo de ataque a membrana e promoção da apoptose em linfócitos e macrófagos (Leishmania spp. e Trypanosoma cruzi). Memória imunológica em infecções parasitárias: Ao contrário de muitas infecções bacterianas ou virais, a memória imunológica gerada por infecções parasitárias tende a ser fraca, curta ou incompleta, o que favorece reinfecções mesmo após exposição prévia. Isso ocorre devido à capacidade dos parasitas de modular a resposta imune, evitar sua eliminação completa e alterar seus antígenos. Além disso, parasitas com ciclos complexos e múltiplos estágios de vida (como Plasmodium ou Schistosoma) apresentam diferentes antígenos em cada fase, o que dificulta a formação de uma resposta de memória duradoura e eficaz. Mesmo quando linfócitos de memória são gerados, eles nem sempre conferem proteção esterilizante. Por isso, em regiões endêmicas, a imunidade protetora depende mais de exposições repetidas e contínuas do que de uma resposta imune única e duradoura. 3.2. Imunodeficiência e parasitos oportunistas Indivíduos imunodeficientes, especialmente aqueles com imunodeficiência adquirida (como HIV/AIDS) ou imunossupressão induzida (transplantes, quimioterapia), tornam-se vulneráveis a infecções por parasitos oportunistas — microrganismos que normalmente não causariam doença em pessoas com imunidade íntegra. Nestes pacientes, a resposta imune ineficaz permite a replicação descontrolada de parasitos, levando a infecções graves e muitas vezes disseminadas. Protozoários como Toxoplasma gondii, Cryptosporidium spp., Isospora belli e Microsporidia são exemplos comuns, associados a manifestações como encefalite, diarreia crônica e síndrome de má absorção. A imunodeficiência compromete tanto a imunidade inata quanto a adaptativa, prejudicando funções críticas como a fagocitose, produção de citocinas, ativação de linfócitos T e formação de anticorpos, o que favorece infecções persistentes e recorrentes por esses parasitos. 4. Doenças causadas por helmintos Os helmintos referem-se, genericamente, a um grupo de metazoários com corpo alongado – achatados (platelmintos) ou cilíndricos (nematelmintos) –, capazes de existir em diferentes ambientes, tanto em vida livre – espaços aquáticos e/ou terrestres – quanto em vida parasitária (em díspares tipos de organismos, tais como plantas e animais). Filos Platyhelminthes: Esses invertebrados têm corpo achatado ventrodorsalmente, são segmentados ou não, têm simetria bilateral, ausência de cavidades internas (acelomados), órgãos fixadores na extremidade anterior ou posterior do corpo, ausência de sistema circulatórioe sistema digestivo incompleto ou ausente. Além da simetria bilateral, eles apresentam maior concentração de gânglios nervosos na região anterior do corpo, iniciando um processo de cefalização, e são os primeiros animais triblásticos verdadeiros. Historicamente, os platelmintos são divididos em quatro classes – Turbellaria, Trematoda, Monogenea, e Cestoda –, mas, com os avanços da biologia molecular, outros grupos, como Catenulida, foram reclassificados como platelmintos. Os neodermatas são parasitos obrigatórios, sendo os trematódeos e cestoides endoparasitos e encontrados em todos os grupos de vertebrados; e os monogêneos são ectoparasitos de animais aquáticos. A antiga classe Turbellaria compreende os animais de vida livre conhecidos como planárias, que são encontrados em ambientes dulcícolas e marinhos ou em solos úmidos. Filos Nematoda: vermes cilíndricos, reúne mais de 24.000 espécies descritas em todo o mundo, apresentando formas parasitárias ou de vida livre. Filo dividido em duas classes (Enoplea e Chromadorea). Os nematoides de vida livre podem ser encontrados em todos os tipos de ambientes (terrestres, marinhos e dulcícolas), e as formas parasitárias encontram-se na maior parte do reino animal (especialmente vertebrados) e em plantas. 4.1. Ascaris lumbricoides - ascaridíase Pertencente ao filo Nematoda, a qual acomete o intestino delgado humano. No Brasil, essa parasitose está presente em todas as regiões e é frequente em crianças, especialmente naquelas de idade escolar, sejam elas de origem urbana ou rural. Este alto índice está intimamente ligado a fatores socioeconômicos, sanitário-ambientais e de educação e pode produzir consequências prejudiciais no que tange ao desenvolvimento físico e cognitivo desses infantes. Em geral, a ascaridíase é assintomática ou oligossintomática, com evolução benigna. Porém, pode evoluir para casos mais graves e com complicações, como naquelas situações nas quais ocorre obstrução intestinal ou biliar. Clinicamente, as queixas mais descritas são dor abdominal, diarreia e náuseas. 4.1.1. Morfologia As principais características que definem esses helmintos são: corpo alongado, cilíndrico e com extremidades afiladas; cobertura de cutícula lisa, brilhante e que contém duas linhas claras distribuídas longitudinalmente; ausência de segmentação e de ventosas; coloração que geralmente admite um branco-marfim ou um leve rosado, quando localizado no lúmen intestinal do hospedeiro; e duas extremidades, uma anterior e outra posterior. Na extremidade anterior, encontra-se a boca, uma estrutura central com três grandes lábios que são fortes e dotados de serrilha com dentículos e papilas sensoriais - fixação na parede do intestino. Em seguida, observa-se o esôfago, com formato cilíndrico e musculoso, o intestino (achatado e retilíneo) e, por último, o reto, que se abre próximo da extremidade posterior. Em geral, o patógeno tem um comprimento que varia de 20 a 40 cm. A fêmea, que mede 35 a 40 cm, apresenta-se ligeiramente maior e mais robusta que o macho (que mede 20 a 30 cm). Esse desenvolvimento está diretamente relacionado com a quantidade de vermes presentes no hospedeiro e com seu estado nutricional. Ademais, há dismorfismo sexual na espécie, com a fêmea exibindo sua extremidade posterior cônica e retilínea e o macho apresentando-a um pouco mais afunilada e encurvada para a superfície ventral. Os ovos recém-expelidos de A. lumbricoides são brancos, mas rapidamente adquirem coloração marrom-acastanhada devido à absorção de pigmentos biliares presentes nas fezes. Eles podem ser férteis ou inférteis e são envoltos por uma membrana tripla: a camada interna, delgada e impermeável, que garante resistência em ambientes adversos; a camada média, composta por quitina e proteínas; e a camada externa, formada por mucopolissacarídeos pegajosos secretados pela parede uterina, conferindo ao ovo um aspecto mamilonado característico para identificação. O A. lumbricoides prefere o lúmen do intestino delgado, concentrando-se no jejuno e íleo, mas também pode ser encontrado no duodeno e estômago. Em infecções intensas, todo o intestino delgado pode ser acometido, e o helminto pode migrar para locais incomuns como vias biliares, ducto pancreático, apêndice cecal, trato urinário, laringe, traqueia e até o aparelho lacrimal. Nessas situações, a eliminação do verme pode ocorrer pelos olhos, nariz, boca ou ânus. O parasito pode permanecer fixo na mucosa usando seus fortes lábios, causando espoliação, ou se movimentar livremente pelo trato intestinal. O helminto se alimenta de macronutrientes já digeridos — carboidratos, proteínas e lipídios — presentes no lúmen intestinal na forma de monômeros. Possui enzimas próprias para digerir esses compostos quando necessário. Além disso, consome vitaminas, especialmente A e C, contribuindo para a carência nutricional do hospedeiro. 4.1.2. Ciclo biológico O ciclo biológico do A. lumbricoides é monoxênico. A fecundação ocorre por meio da cópula com o verme macho, e os ovos não embrionados são eliminados nas fezes para o ambiente. Caso encontrem condições favoráveis — como temperatura em torno de 27 °C, umidade adequada e presença de oxigênio —, esses ovos se tornam embrionados. · L1: os ovos embrionados dão origens ao primeiro estágio larval (L1) em cerca de 15 dia; · L2: após 7 dias, acontece a evolução para o segundo estágio larval (L2). Nessas duas primeiras etapas, as larvas são rabditoides e ainda não são infectantes. · L3: terceiro estágio larval, que é filarioide, onde as estruturas larvais tornam-se infectantes, podendo permanecer no solo por até 7 anos. Para que isso aconteça, a larva, ainda no interior do ovo, reduz significativamente seu metabolismo e somente completa o seu ciclo quando deglutida. · Eclosão dos ovos: após a ingestão, os ovos eclodem no intestino delgado devido a condições ambientais encontradas no local (pH, temperatura e [ ] CO2). · As larvas L3, após saírem do ovo, migram para o intestino grosso e alcançam as correntes linfática e sanguínea após atravessarem a parede intestinal na altura do ceco. Em seguida, migram na direção dos pulmões, ao passarem, sequencialmente, pela circulação porta, pelo fígado, pela veia cava inferior, pelo coração e pela artéria pulmonar. · L4: nos pulmões as larvas sofrem nova mudança e evoluem para L4, estágio que é alcançado cerca de 8 dias após a ingestão dos ovos. As larvas L4, então rompem os capilares pulmonares, ganhando acesso aos alvéolos. · L5: nos alvéolos ela alcança o estágio L5 (desenvolvimento da cutícula) e migram, sequencialmente, em direção à faringe. Nesse ponto, elas são envolvidas pelo muco ali existente, o que lhes confere resistência ao ambiente ácido do estômago. Podem, então, ser expelidas do hospedeiro, a partir do reflexo da tosse, ou deglutidas. Nesse caso, quando chegam ao intestino delgado, se fixam e amadurecem dando lugar às formas adultas, concluindo seu ciclo biológico. · Da ingestão dos ovos até o desenvolvimento do A. lumbricoides adulto, o hiato de tempo necessário é de aproximadamente 60 dias. A longevidade desse helminto vária de 1 a 2 anos. 4.1.3. Patologia A ascaridíase apresenta mecanismo de infecção relacionado com as fases evolutivas do helminto, que pode se desenvolver, na maioria dos casos, sem provocar manifestações clínicas no hospedeiro. Sua fisiopatologia envolve os danos teciduais, a resposta imunológica desencadeada pelo hospedeiro e a obstrução mecânica provocada pelo parasito. A migração das larvas descritas no ciclo evolutivo podem provocar lesões teciduais. Isso porque, quando o número de larvas não é muito grande e o hospedeiro é imunocompetente, a reação imunológica permanece restrita no sitio de ação, e muitas larvas são destruídas pela ação de macrófagos e eosinófilos. Porém, a infecção tem maior magnitude ou o enfermo é imunodeprimido, lesões gravem podem ser observadas nos locais de passagem e instalação do helminto. Nesse contexto, são observados micro-hemorragias e reações hipersensíveis desencadeadas pelo SI em respostaa presença do mesmo no organismo. Fígado e vias biliares: · Hepatomegalia, que, em geral, regride em poucos dias nos casos de passagem de grande números de larvas pelo fígado; hiperglobulinemia, mal-estar geral, febre. · Abscesso hepático: febre, dor no hipocôndrio direito, icterícia. Leucocitose, geralmente com desvio para a esquerda. Elevação variável de AST e ALT. Coleção intra-hepática visualizada à US · Hepatite: pródromo de febre, mal-estar, hiporexia, mialgias, náuseas. Dor leve no hipocôndrio direito, associada a hepatomegalia, icterícia, colúria, hipocolia. Elevação de AST e ALT, mais importantes que FA e GGT · Colangite: icterícia, febre e dor no hipocôndrio direito. Hipotensão arterial sistêmica e rebaixamento do nível de consciência em situações de maior gravidade. Elevação de FA e GGT mais importante que de AST e ALT. US pode mostrar dilatação de via biliar principal. Pulmão: os danos teciduais ativam a RI inata, celular e humoral. Nesse processo, um intendo processo inflamatório eosinofílico se desenvolve no local da migração. A degranulação dessas células, com a liberação de mediadores inflamatórios e com a consequente RI, caracteriza uma pneumonite no hospedeiro, expressa clinicamente como síndrome de Löffer. · Síndrome de Löffler: febre, tosse (escarro com cristais de Charcot-Leyden), broncospasmo, dispneia, sibilos, dor retroesternal, hemoptise, edema pulmonar, opacidades “migratórias” à radiografia de tórax e, em alguns casos, insuficiência respiratória · Pneumonia: febre alta, mal-estar, tosse produtiva, dor pleurítica, taquipneia, fadiga. Intestino: os A. lumbricoides adultos, ao se fixarem à mucosa da parede intestinal, podem causar ulceras ou erosões que justificam a esfoliação por meio de perda da sangue e de proteínas. Também acontece a liberação de substâncias antigênicas no trato intestinal, mas estas são mais toleradas pelo SI. A RI envolve ação eosinofílica, periférica e tecidual, além de mediações por células Th1. · Abdome proeminente, dor abdominal em cólica, diarreia, náuseas, vômitos, anorexia, desnutrição · Obstrução mecânica: distensão abdominal, parada de eliminação de flatos e fezes, peristalse de luta, vômitos fecaloides, intensa dor abdominal, isquemia intestinal, perfuração intestinal com peritonite fecal, intussuscepção, vólvulo · Apendicite aguda: dor difusa ou periumbilical, que posteriormente se localiza no quadrante inferior direito do abdome, progressiva, associada a febre, náuseas, vômito. Peritonite fecal em caso de supuração. As alterações patológicas mais características da ascaridíase relacionam-se com a capacidade do helminto migrar para outros locais, causando a obstrução mecânica total ou parcial no intestino delgado, nas vias biliares e no ducto pancreático principal. Também são descritos, com menores frequências, geralmente em infecções maciças, casos de obstrução nos ouvidos, no nariz e nos canais lacrimais. Além disso, já foram relados casos raríssimos de invasão renal por vermes adultos e de abcessos cerebrais pela migração de larvas. 4.1.4. Diagnóstico laboratorial A ascaridíase geralmente se desenvolve de modo assintomático; por essa razão, o diagnóstico ao exame clínico é muitas vezes de difícil estabelecimento. Além disso, quando existem sintomas, eles são inespecíficos e não possibilitam a caracterização apenas em bases clínicas. O mesmo ocorre com as manifestações obstrutivas da doença. Desse modo, o diagnóstico da ascaridíase é obtido encontrando-se ovos do helminto no exame parasitológico de fezes. As técnicas empregadas para análise do material fecal compreendem métodos qualitativos e quantitativos. Os quantitativos oferecem uma pesquisa mais precisa, pois é possível correlacionar a produção de ovos à carga parasitária. Os ensaios qualitativos mais utilizados são: método do esfregaço espesso de celofane, desenvolvido por Kato e Miurae, e as técnicas de Lutz ou deHoffman, Pons e Janer. Para a análise quantitativa, destacam-se as técnicas desenvolvidas por Stoll e Hausheer, Barbosa e Kato-Katz. Nos casos de infecção do hospedeiro apenas por A. lumbricoides macho, ou no período larval desse helminto, não haverá presença de ovos nas fezes, e o exame parasitológico será sempre negativo, portanto são usados métodos imunológicos de intradermorreação. No hemograma, é possível detectar eosinofilia, principalmente na fase larvária da doença, em geral não ultrapassando 20% na contagem diferencial. Esse é um traço comum das parasitoses que têm em seu ciclo evolutivo a fase pulmonar. Pesquisa de larva no escarro. Avaliação por métodos complementares: a radiográfica abdominal pode detectar a presença do helminto em sua fase adulta, principalmente nos casos de obstrução intestinal. Nas infecções unissexuadas (macho), ela é uma alternativa para o diagnóstico dessa helmintíase. Na imagem, é possível perceber o “novelo” de parasitos nas alças intestinais, por vezes repletas de gás. Outros métodos de diagnóstico por imagem (ultrassonografia, tomografia computadorizada) também podem ser empregados para a suspeição da ascaridíase. A identificação do parasito na árvore biliopancreática é feita principalmente por colangiografia, que revela o verme como falha de enchimento alongada ou cilíndrica; a ressonância magnética com reconstrução para colangiografia fornece imagens semelhantes e é preferida quando se busca apenas diagnóstico. Já a colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPRE) é indicada em casos que requerem intervenção terapêutica, como a remoção do verme. Em infestações maciças, o parasito também pode ser visualizado no lúmen intestinal por exames endoscópicos, como colonoscopia e enteroscopia. 4.1.5. Tratamento O tratamento da ascaridíase envolve não apenas o uso de anti-helmínticos, mas também medidas educativas e de melhoria no saneamento básico, fundamentais para evitar reinfecções. Diversos fármacos apresentam alta eficácia, como albendazol, mebendazol, levamisol, pamoato de pirantel, ivermectina, piperazina e nitazoxanida, com taxas de cura que variam entre 90% e 100%. A escolha depende do perfil de efeitos adversos, custo e situação clínica, sendo recomendado tratar todos os pacientes, inclusive assintomáticos. Em gestantes, o uso de albendazol e mebendazol deve ser evitado no primeiro trimestre, sendo o pamoato de pirantel uma alternativa mais segura, embora com dados limitados sobre sua segurança. Nos casos de complicações, o manejo deve ser individualizado. Na obstrução intestinal, tenta-se inicialmente tratamento conservador com suspensão da dieta, cateter nasogástrico, piperazina, antiespasmódicos e óleo mineral, além de reposição hidreletrolítica; se ineficaz, indica-se cirurgia para remoção mecânica dos vermes. Já na ascaridíase hepatobiliar, casos leves podem ser tratados com anti-helmínticos, mas em situações de colangite aguda é necessária abordagem invasiva, com antibióticos, suporte clínico e drenagem biliar por CPRE com retirada dos parasitos, evitando-se a papilotomia para reduzir risco de recorrência. 4.2. Taenia solium/Taenia saginata – teníase e cisticercose 5. Doenças Causadas por protozoários 5.1. Filo apicomplexa – Plasmodium Todos os agentes da malária, tanto humana como de outros mamíferos, pertencem à família Plasmodiidae e ao gênero Plasmodium. Há quase 100 espécies de plasmódios, as espécies que habitualmente parasitam o homem são quatro: · Plasmodium falciparum: responsável pela febre terçã (refere-se a um tipo de febre intermitente que ocorre de três em três dias, com intervalos de dois dias sem febre) maligna, com acessos febris a intervalos de 36 a 48 horas; · Plasmodium vivax: agente de febre terçã benigna, com ciclo de 48 horas; · Plasmodium ovale: com distribuição limitada ao continente africano e responsável por outra forma de febre terçã benignas (ciclo de 48 horas); · Plasmodium malariae: causa a febre quartã, que se caracteriza pela ocorrência de acessos febris a cada 72 horas. Em relação aos hospedeiros vertebrados, os plasmódios são estritamente estenoxenos. Os da maláriahumana, com a exceção de P. malariae, só́ admitem o homem como hospedeiro. Os hospedeiros invertebrados, que se tornaram elos obrigatórios no ciclo dos plasmódios humanos, limitam-se a umas quantas espécies de mosquitos do gênero Anopheles. 5.1.1. Ciclo biológico no hospedeiro vertebrado (homem) O ciclo parasitário inicia-se quando, ao picar uma pessoa, o mosquito inocula juntamente com sua saliva as formas infectantes do Plasmodium, que se haviam acumulado nas glândulas salivares do inseto, isto é, os esporozoítas (≈ 20 por picada) diretamente na circulação sanguínea (antes da decorrência de 1h os parasitos já não se encontram no sangue – impossível a transmissão da malária por transfusão depois desse prazo). Os parasitos alcançam o fígado, invadindo os hepatócitos. Os esporozoítas transformam-se, então, em estruturas arredondadas, denominadas criptozoítas (difícil descoberta nessa fase). Além de crescer, eles iniciam seu ciclo de reprodução assexuada (criando milhares de elementos filhos - merozoítas), conhecido como ciclo pré-eritrocítico, pois precede obrigatoriamente à fase de parasitismo sanguíneo. As células parasitadas, tornam-se muito distendidas e alteradas e acabam por romper-se, deixando em liberdade os merozoítas. Muito destes são fagocitados e destruídos pelas células de Kupffer, outros sobrevivem, invadem as hemácias e dão início ao segundo ciclo de reprodução assexuada dos plasmódios: o ciclo hemático ou ciclo eritrocítico. No sangue, o ciclo esquizogônico repete-se em prazos bastante regulares e característicos para cada espécie: 36 a 48 horas para P. falciparum, 48 horas para P. vivax e P. ovale ou 72 horas para P. malariae, essa periodicidade se relaciona com o ritmo das crises febris em cada forma de malária. A esquizogonia dos plasmódios humanos ocorre preferencialmente nos capilares profundos das vísceras, especialmente no caso do Plasmodium falciparum, cuja esquizogonia no sangue periférico é rara, exceto em infecções graves. Nesse processo, o parasita assume inicialmente a forma de trofozoíto, estágio jovem em crescimento dentro dos eritrócitos. O trofozoíto amadurece e se transforma em esquizonte, que realiza múltiplas divisões nucleares e dá origem a vários merozoítas. Quando o esquizonte se rompe, esses merozoítas são liberados na corrente sanguínea e invadem novos glóbulos vermelhos, reiniciando o ciclo. Parte dos merozoítas, no entanto, pode se diferenciar em gametócitos — formas sexuadas que não causam sintomas, mas são essenciais para a transmissão da malária, pois são ingeridas por mosquitos do gênero Anopheles durante a picada. 5.1.2. Ciclo biológico no hospedeiro invertebrado (inseto) Quando o Anopheles suga o sangue de um paciente portador de malária, todos os elementos figurados do sague são digeridos no estomago do inseto, degenerando todas as formas evolutivas do parasito, exceto a forma sexuada (gametócitos). Existem dois tipos de gametócitos: o macrogametócito (feminino), que se transforma em gameta feminino, e o microgametócito (masculino), que sofre exflagelação — um processo rápido no qual se formam oito microgametas móveis que vão em busca do gameta feminino. Quando os gametas se unem, formam um zigoto, que se transforma em oocineto — uma célula móvel que penetra na parede do intestino do mosquito. O oocineto se aloja entre o epitélio e a membrana basal, onde se transforma em oocisto, iniciando a multiplicação por esporogonia. Dentro do oocisto, ocorrem uma meiose e várias mitoses que originam milhares de esporozoítas. O oocisto amadurece, se rompe e libera os esporozoítas na hemolinfa do mosquito. Esses esporozoítas migram para as glândulas salivares, tornando o mosquito capaz de transmitir o parasita a outro hospedeiro humano na próxima picada, completando assim o ciclo do Plasmodium no hospedeiro invertebrado. A esquizogonia pré-eritrocítica dura seis dias, no caso de P. falciparum, oito dias no de P. vivax, nove dias no de P. ovale e 12 a 16 dias na evolução de P. malariae. Constatou-se que as hemácias, quando parasitadas por P. falciparum, apresentam modificações da superfície com a formação de protuberâncias e estruturas da membrana (moléculas de citoaderência) que aumentam a adesividade do glóbulo vermelho às células endoteliais. Isso favorece a retenção dessas formas parasitárias nas paredes dos vasos profundos, de peque- no calibre. 5.1.3. Aspectos morfológicos das fases evolutivas dos plasmódios Forma Evolutiva Morfologia Esporozoítos Alongados, delgados, curvos, com cerca de 11 μm; possuem complexo apical com enzimas e organelas agrupadas em um dos polos. Criptozoítos Formas intracelulares nos hepatócitos, com aspecto arredondado; não são visíveis no sangue periférico. Merozoítos hepáticos Ovoides, menores que os esporozoítos; capazes de invadir eritrócitos. Trofozoítos Varia por espécie: em P. falciparum, compactos e pigmentados com granulações de Maurer; em P. vivax, grandes, ameboides, com granulações de Schüffner; em P. malariae, com cromatina grande e granulações de Ziemann. Esquizontes Contêm múltiplos núcleos; organizam-se em "rosácea" na maturidade; número de merozoítos varia de 6 a 24 conforme a espécie. Merozoítos sanguíneos Pequenos, similares aos hepáticos, com capacidade de invadir eritrócitos; resultam da ruptura do esquizonte. Gametócitos P. falciparum: em forma de lua crescente; P. vivax e P. malariae: arredondados; distinção pela cromatina e coloração. Microgametócitos Possuem cromatina difusa, arredondados ou falciformes conforme a espécie; sofrem exflagelação. Macrogametócitos Cromatina densa, pigmentos centrais ou periféricos, formato variando de arredondado a crescente. Oocineto Longo, delgado e móvel; zigoto que se desloca até a parede intestinal do mosquito. Oocisto Estrutura esférica que cresce na parede do intestino do mosquito; contém numerosos esporozoítos em seu interior. Esporoblastoides Estágios iniciais dentro do oocisto, que darão origem aos esporozoítos maduros. 5.1.4. Malária, a doença A malária, também chamada de paludismo, febre intermitente, febre terçã ou febre quartã, é uma doença infecciosa transmitida pela picada de mosquitos do gênero Anopheles infectados por protozoários do gênero Plasmodium. No Brasil, também recebe nomes populares como "maleita", "tremedeira" ou "sezão". Histórico da Malária: Desde a Antiguidade, a malária tem desempenhado um papel marcante na história da humanidade. No passado, sua presença limitava o povoamento de certas regiões do mundo, como a Campanha Romana e partes da Grécia, e influenciava eventos históricos significativos. Durante a decadência dos impérios antigos, o abandono das terras e a crise na agricultura criavam ambientes favoráveis à proliferação da doença, gerando surtos epidêmicos graves. Na Primeira Guerra Mundial, exércitos na Macedônia foram severamente afetados, e, na Segunda Guerra Mundial, houve frentes de combate em que a malária causou mais baixas do que os confrontos armados. Durante o auge da doença, a Comissão de Malária da Índia estimava 100 milhões de casos e 3 milhões de mortes por ano, com uma incidência global entre 300 e 350 milhões de casos. Epidemiologia Global: Em 1957, havia cerca de 4 milhões de casos notificados em 125 países. Graças a campanhas de erradicação e ao uso de inseticidas e medicamentos, houve uma redução importante nas décadas seguintes — por exemplo, no primeiro semestre de 1971, apenas 400 mil casos foram diagnosticados em 33 países. Entretanto, o controle da doença começou a falhar nas décadas seguintes, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) registrou, em 1977, 4,88 milhões de casos só na África (com aproximadamente 800 mil mortes anuais) e mais 10,74 milhões de casos nos demais continentes. Em 1997, as estimativas apontavam 300 a 500 milhões de casos clínicos e entre 1,5 e 2,7 milhões de óbitos, revelando um novo agravamento do problema. A OMS passou a considerar a malária uma questão prioritária, especialmente na África subsaariana, onde a doença é endêmicae de grande impacto: na Gâmbia, por exemplo, 5 a 10% das crianças menores de 5 anos morrem de malária. Fora da África, a malária afeta adultos e crianças, sendo que um único episódio pode afastar um trabalhador por cerca de duas semanas. Situação no Brasil: No Brasil, a malária é quase totalmente concentrada na região amazônica, que responde por cerca de 99% dos casos. Os registros fora dessa área geralmente são de pessoas que estiveram na Amazônia, sendo que 55% dos casos fora da região amazônica são de indivíduos procedentes de lá. O contexto amazônico, com clima quente e úmido, presença de vetores e atividades humanas como garimpo e desmatamento, facilita a persistência e disseminação da doença. Patologia: A malária é uma doença sistêmica que provoca alterações na maioria dos órgãos, variando porem sua gravidade dentro de amplos limites, desde as formas benignas até as mais graves e fatais. Além dos fatores pessoas, admite-se que a genética de determinadas estirpes dos parasitos influenciam a gravidade da infecção. Há também evidências de que a gravidade da malária tem relação com genes localizados no locus do sistema principal de histocompatibilidade (MHC) da classe I e da classe II e com genes que codificam a produção de TNF (localizados também no locus do MHC humano). Na África Ocidental encontrou-se correlação altamente significativa entre o alelo B53 (MHC classe I) e proteção contra malária cerebral ou anemia, o qual reduz de 40% o risco de sucumbir por essas patologias. O alelo DR1302 (MHC classe II) protege do mesmo modo contra a anemia, mas não contra a malária cerebral. Por sua vez, o gene de TNF, que apresenta polimorfismo, quando homozigoto para seu alelo TNF-2 aumenta o risco de malária cerebral e de sequelas neurológicas. Anóxia Tecidual e Hemólise: A principal lesão causada pela infecção malárica é a anóxia tecidual, que resulta da destruição em massa de hemácias, tanto parasitadas quanto normais, de forma intra e extravascular. Esse processo compromete o transporte de oxigênio e se agrava com a perturbação do fluxo sanguíneo e o aumento da glicólise anaeróbica, levando à acidose metabólica. Os macrófagos desempenham papel central ao fagocitar hemácias danificadas ou marcadas por imunocomplexos, contribuindo para a diminuição da massa eritrocitária. Além disso, mecanismos autoimunes também podem participar da destruição de hemácias íntegras, explicando casos de anemia intensa mesmo após a parasitemia já ter sido controlada. Redução da hematopoese por citocinas inflamatórias (TNF-alfa, IL-1). · Destruição das hemácias e alterações morfológicas (Reticulocitose (moderada a intensa), poiquilocitose, anisocitose, policromatofilia e granulações basofílicas.), hemólise imunomediada (antígenos parasitários desencadeam hemólise via produção de hemolisinas, opsoninas ou aglutininas), anemia aguda hipoproteinemia e edema (devido a anóxia e permeabilidade aumentada), citoaderencia e tromboses, complicações neurológicas. Distúrbios Cerebrais e Vasculares: A circulação cerebral é impactada por uma série de fatores: vasodilatação secundária à hipertermia, anemia, hipóxia, acidose metabólica e liberação de óxido nítrico (NO), muitas vezes mediada por TNF. Esse aumento do fluxo sanguíneo cerebral pode gerar hipertensão intracraniana, levando a sintomas como convulsões, alterações neurológicas e até morte. Em outras áreas, ocorre vasoconstrição arteriolar com dilatação capilar, o que agrava a anóxia local. Esse desequilíbrio hemodinâmico pode ser modulado por bloqueadores adrenérgicos, indicando a participação do sistema nervoso simpático. Além disso, a presença de hemorragias petequiais, especialmente em cérebro, olhos e trato gastrointestinal, é frequentemente observada nas infecções por P. falciparum. Tem apresentação clínica com cefaleia, bruxismo, rebaixamento do nível de consciência, delírio, sonolência, torpor, convulsões e coma. Citoaderência e Formação de Rosetas: A gravidade da malária causada por Plasmodium falciparum está intimamente ligada a dois fenômenos: a citoaderência e a formação de rosetas. À medida que o parasito amadurece no interior do eritrócito, proteínas são expressas na superfície da célula, formando estruturas chamadas “knobs”, que aderem a moléculas endoteliais como ICAM-1, ELAM-1 e VCAM-1. Essa adesão causa obstrução capilar, especialmente em órgãos como cérebro, rins, pulmões e placenta. Paralelamente, eritrócitos infectados se ligam a hemácias normais, formando rosetas que também contribuem para o bloqueio do fluxo sanguíneo. Esse mecanismo de sequestro celular leva a hipóxia local, acidose lática e, em casos graves, falência orgânica. Comprometimento Hepático: O fígado é um dos primeiros órgãos acometidos, pois é onde os esporozoítos se desenvolvem em esquizontes hepáticos após a inoculação pelo mosquito vetor. No entanto, o dano hepático verdadeiro está mais associado ao ciclo eritrocitário, especialmente em infecções intensas por P. falciparum. A presença de hemácias infectadas nos sinusoides hepáticos, junto com a ativação e proliferação das células de Kupffer, pode levar à congestão, degeneração celular e prejuízo do fluxo sanguíneo hepático, promovendo hipóxia e alterações morfofuncionais no órgão. · Na fase aguda, o fígado está congesto, ligeiramente aumentado, liso, mole e coloração normal. Na fase crônica, há hepatomegalia, espessamento da capsula e consistência firme do parênquima (cor castanho-escuro). Hiperemia periportal e nos sinusoides, hiperplasia das células de Kupffer. Os hepatócitos apresentam tumefação turva, alterações nucleares, numerosas mitoses e infiltração gordurosa. Alterações Esplênicas: O baço tem papel crucial tanto na resposta imune contra o parasita quanto na remoção de hemácias alteradas. A malária geralmente cursa com esplenomegalia, resultante de hiperplasia e hipertrofia dos tecidos esplênicos, o que reflete sua intensa atividade fagocitária e imunológica. Em pacientes sem baço (esplectomizados), a doença tende a ser mais grave, reforçando sua importância no controle da parasitemia. Além disso, variantes antigênicas da proteína PfEMP-1 induzem resposta imune específica, facilitando a opsonização e destruição de eritrócitos infectados pelos macrófagos esplênicos. · O baço está dilatado, congesto e de tonalidade escura, a capsula fica densa e sujeita a ruptura traumática. Não há alterações histológicas específicas, mas capilares e seios venosos estão repletos de hemácias parasitadas. Há também fibrose intersticial, espessamento da cápsula e das trabéculas. Em casos crônicos, a esplenomegalia é permanente e a coloração tende para cinza-chocolate (acumulo de pigmento e redução da hiperemia). Comprometimento Pulmonar: Os pulmões podem ser afetados por diferentes graus de inflamação e obstrução vascular. Casos leves envolvem hipoxia e alterações respiratórias discretas, enquanto infecções graves podem evoluir para bronquite, infiltrados pulmonares, derrame pleural ou, nos casos mais severos, para síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA). Essa condição representa uma emergência médica, marcada por edema pulmonar, comprometimento da troca gasosa e risco elevado de morte. Malária Cerebral: A malária cerebral, característica de infecção por P. falciparum, é uma das formas mais letais da doença. Resulta da obstrução do fluxo sanguíneo cerebral, associada a lesões inflamatórias e imunes no tecido nervoso. O processo envolve disfunções da coagulação, com redução de plaquetas e presença de microtrombos e hemorragias. A barreira hematoencefálica torna-se mais permeável devido à ação de citocinas e quimiocinas pró-inflamatórias, facilitando a infiltração de leucócitos e intensificando a neuroinflamação. Mesmo após o tratamento, pacientes podem apresentar sequelas neurológicas e cognitivas — como dificuldades de linguagem, memória e comportamento. · Congestão e edema, com exsudato nos sulcos; fenômenos de anóxia e eventualmente microembolias ou tromboses capilares; parasitos em grande nú- mero de hemáciasfagocitadas, pigmentação do órgão. Medula óssea: suspensão da eritropoese pela liberação de citocinas inibitórias – contribui para a anemia. Eritrofagocitose aumentada, onde os macrófagos da MO fagocitam precursores eritroides. Mielossuspensão transitória – afeta produção de leucócitos e plaquetas. Reticulocitose tardia, aumento de reticulócitos só nas fases mais avançadas ou após o tratamento. · Hiperplasia do sistema fagocítico mononuclear (SFM), reação eritroblástica com grande produção de reticuló- citos (proporcional ao grau de anemia) e inibição da maturação de granulócitos. Acumulo do pigmento malárico – hemozoina. Febre e Sintomas Sistêmicos: Causada pela liberação de pirogênios endógenos na ruptura das hemácias (TNF, IL-1). Ciclos febris típicos: febre terçã (a cada 48h), quartã (a cada 72h). Sintomas: calafrios, sudorese, cefaleia, mialgia, náusea, mal-estar. Sintomatologia Na malária, os sintomas variam com a espécie e a cepa do plasmódio, bem como a resistência ou imunidade do paciente. Difere também com as regiões geográficas e outros fatores. O tempo decorrido entre a incubação dos esporozoítas e o aparecimento dos trofozoítas pela primeira vez, nos exames de sangue, denomina-se período pré-patente (P. falciparum e P. vivax: cerca de 7 a 10 dias; P. malariae: até 18 a 30 dias). Já a duração da fase pré-clínica (início até o aparecimento dos sintomas) oscila em torno de 12 dias na terçã maligna (9 a 15 dias de incubação), 14 dias na terçã benigna (10 a 20 dias de incubação) e 30 dias na febre quartã (incubação de 20 a 40 dias). a) Início da doença: Antes que surjam os acessos febris típicos, o paciente pode apresentar sintomas prodrômicos que consistem em dores de cabeça, mal-estar, dores pelo corpo e ligeira elevação da temperatura, especialmente nas infecções pelo P. vivax. O início costuma ser súbito, principalmente com P. falciparum e P. malariae. b) Acesso malárico: Os sinais e sintomas característicos da malária envolvem a tríade de febre, calafrios e sudorese. Inicia-se com calafrios que podem durar até 1 hora, o paciente fica pálido, cianótico, a pele fria e o pulso torna-se rápido e fino, pode haver náuseas e vômitos; é seguido por período de febre alta (por volta de 40°C), o pulso é cheio e amplo, a pele se torna quente e seca. Duas a 6 horas após a febre, ocorrem sudorese intensa, queda na temperatura e fraqueza extrema. Em sequência, há um momento com ausência de queixas. c) Depois dessa sintomatologia inicial, que pode durar alguns dias, a febre surge intermitentemente, conforme o tempo do ciclo eritrocítico de cada espécie de Plasmodium, visto que ela se correlaciona à ruptura dos eritrócitos e à liberação de merozoítas na corrente sanguínea. Assim, ela aparece a cada 72 horas, no caso do P. malariae, perfazendo a malária quartã; e a cada 48 horas para o P. vivax e o P. falciparum, correspondendo, respectivamente, à malária terçã benigna e à malária terçã maligna. Entretanto, nem sempre há regularidade nesses picos febris, pois são necessários alguns ciclos para se chegar ao padrão relatado. Além disso, o paciente pode ter sido inoculado com esporozoítos em momentos distintos e, portanto, possuir parasitos em diferentes estágios evolutivos dentro do seu organismo. d) Recrudescências e recaídas: As recrudescências ocorrem após um intervalo curto, geralmente dias ou poucas semanas após a aparente recuperação clínica, e são causadas pela reativação do ciclo eritrocitário ainda persistente no sangue, resultando em nova elevação da parasitemia. Já as recaídas são características principalmente das infecções por Plasmodium vivax e P. ovale, ocorrendo tardiamente — semanas, meses ou até anos após o episódio inicial — e se devem à reativação de formas dormentes do parasito nos tecidos hepáticos, os hipnozoítas. A existência de esporozoítos com diferentes padrões de maturação hepática explica a variabilidade no tempo de incubação e no surgimento das recaídas. Enquanto P. vivax pode causar recaídas múltiplas, P. falciparum não possui hipnozoítos, promovendo apenas recrudescências de curta duração. Já P. malariae não forma hipnozoítos nem apresenta recaídas típicas, mas pode manter parasitemia baixa e persistente por anos, com relatos de infecção ativa após até 40 anos, devido à longa sobrevida das formas eritrocíticas e possível sequestro hepático. e) Variações clinicas da doença: As variações clínicas da malária dependem fortemente da idade, do estado imunológico e da exposição prévia do indivíduo à doença. Crianças pequenas, gestantes e pessoas provenientes de áreas não endêmicas — e, portanto, sem imunidade adquirida — estão entre os grupos mais vulneráveis a formas graves. Em P. vivax (terçã benigna), o envolvimento cerebral é raro, mas pode haver tontura, vertigem, desorientação passageira e síncope. Nas crianças, a febre pode ser irregular ou contínua, e convulsões são mais frequentes do que em adultos. Com a progressão da doença, surgem anemia acentuada e esplenomegalia marcante. Há ainda formas clínicas menos típicas, como a forma intestinal (semelhante à cólera ou a quadros abdominais agudos), e a forma álgida, caracterizada por hipotermia, colapso súbito, vômitos com sangue, enterorragia, anúria e cãibras. As formas crônicas, atualmente raras nas regiões com programas efetivos de controle, apresentam sintomas leves e intermitentes, como cefaleia, mialgia, astenia, insônia e irritabilidade. Em crianças, a malária crônica pode prejudicar o crescimento e o desenvolvimento neurocognitivo, devido à anemia persistente, hepatosplenomegalia e distúrbios digestivos. Apesar da tendência à cura espontânea, essas formas podem evoluir para caquexia ou complicações fatais. 5.1.5. Diagnostico O diagnóstico diferencial da malária é realizado com outras doenças que cursam com processos febris, como febre tifoide, leptospirose, febre amarela e hepatites virais. No período inicial da malária, principalmente em crianças, pode ocorrer confusão diagnóstica com doenças virais ou bacterianas, dos sistemas respiratório, digestório e urinário. Já nas fases de febres intermitentes, é importante fazer diagnóstico diferencial com infecções urinárias, endocardite bacteriana e enterobacterioses septicêmicas, e, em casos de afecções neurológicas, deve-se investigar meningite e possíveis acometimentos do SNC, além de não ignorar a possibilidade da investigação de dengue ou chikungunya. Quando o exame de sangue não puder ser feito, ou quando permanecer negativo, apesar das razões que mantêm a suspeita, devem-se considerar como fatos sugestivos e mais frequentemente relacionados com a malária os seguintes: febre de caráter intermitente, anemia do tipo hipocromico com taxa de leucócitos normais ou ligeiramente baixas, baço aumentado e doloroso, residência ou procedência de zonas endêmicas e resposta favorável ao antimalárico. Diagnostico laboratorial – hematoscopia Demostra a presença de Plasmodium nos exames de sangue. Uma amostra de sangue é colhida por punção digital, recomendando-se preparar com ela uma lamina com gota espessa e outra com gota estirada ou esfregaço. O sangue é corado geralmente pelo método de Giemsa, de Leishman ou de Wright e examinado ao microscópio com au- mento de 1.000 × (objetiva de imersão em óleo). · Na gota espessa deve-se colher uma generosa gota e espalhar em forma circular (1 cm de diâmetro) sobre a lamina. É utilizada para detectar a presença de parasitas, mesmo em baixa parasitemia. · Na gota fina deve-se espalhar o sangue formando uma camada fina e uniforme (esfregaço sanguíneo). É utilizada para avaliar a morfologia dos parasitas nos eritrócitos. O diagnóstico só é completo quando identificada a espécie de Plasmodium, pois o prognóstico a curto e longo prazos, bem como a escolha dos medicamentos a administrar, dependem, em certa medida, da espécie em causa. Também é útil estimar-se o grau de parasitemia. Diagnostico imunológico –Testes rápidos (TRMs) Utilizam a metodologia imunocromatográficapara detectar antígenos específicos do Plasmodium no sangue, como a HRP-2 (de P. falciparum) e a pLDH (de outras espécies). Uma tira com anticorpos monoclonais marcados (ex: com ouro coloidal) é usada; ao adicionar sangue com solução tampão, forma-se um complexo antígeno-anticorpo que migra por capilaridade. A presença de bandas coloridas específicas indica infecção: se apenas a banda de controle aparece, o resultado é negativo; se a banda genérica reage, há infecção por Plasmodium; e se ambas as bandas (genérica e específica de P. falciparum) reagem, o diagnóstico é de P. falciparum. O teste é rápido e útil em locais sem microscopia, mas pode apresentar falso-negativos em parasitemias baixas e falso-positivos após tratamento. Técnicas moleculares – PCR: Altamente sensível e específica, detecta o DNA do parasito, diferenciando espécies mesmo em coinfecções ou baixa parasitemia. Os pontos negativos, porém, são o alto custo e a necessidade de mão de obra especializada. A PCR permite a detecção de infecções mistas. Exames inespecíficos Exames complementares podem ser usados para avaliação do enfermo com diagnóstico de malária, embora sejam inespecíficos. No hemograma costuma ser identificado um quadro de anemia, achado comum nos pacientes infectados com parasitos do gênero Plasmodium. O leucograma apresenta-se variado, e as alterações oscilam de acordo com a evolução da doença, assim como as alterações fisiopatológicas variam de acordo com o órgão acometido. Entre os achados pode-se citar: aumento das aminotransferases e da bilirrubina, principalmente a indireta, além de hipoalbuminemia nos casos graves. Alteração da função renal e presença de hemoglobinúria na urinálise também podem ser observadas em alguns casos. Infiltrado alveolar pode ser identificado em exames de imagem (p. ex., radiografia de tórax), na malária pulmonar. A infecção por P. vivax ou P. ovale geralmente apresenta-se com contagem aumentada de reticulócitos, pois a hemólise estimula a eritropoiese e, considerando a invasão, principalmente dos eritrócitos jovens, por essas espécies, a parasitemia pode ser elevada, na faixa de 1 a 2%. Na infecção por P. malariae, espécie que invade eritrócitos velhos, a parasitemia é baixa e a sintomatologia é branda; entretanto, pode provocar quadro de glomerulopatia relacionado aos imunocomplexos, em um período variável de 3 a 6 meses após a doença. Nos indivíduos infectados por P. falciparum, a produção aumentada de anticorpos não interfere na reprodução de parasitos; além disso, como o protozoário invade tanto eritrócitos jovens quanto velhos, uma alteração laboratorial presente é a hiperparasitemia, podendo ter mais de 5% dos eritrócitos parasitados. As principais alterações clínicas estão descritas a seguir. 5.1.6. Prognóstico · Plasmodium falciparum: grave e potencialmente letal. Leva a complicações como malária cerebral, insuficiência renal, edema pulmonar, hipoglicemia, acidose láctica, anemia severa. Risco alto de óbito em crianças, gestantes e pessoas sem imunidade prévia. Recrudescências comuns, mas não causa recaídas (sem hipnozoítos). · Plasmodium vivax: Mais brando, mas pode evoluir com anemia grave e baixa resposta funcional em infecções repetidas. Recaídas são frequentes devido à presença de hipnozoítos hepáticos dormentes. Pode causar esplenomegalia crônica e malária debilitante em áreas endêmicas. Casos graves podem ocorrer, embora sejam raros. · Plasmodium ovale: Geralmente leve a moderado, semelhante ao P. vivax. Também possui hipnozoítos, podendo causar recaídas tardias. Casos graves são muito raros. Prognóstico é bom com tratamento adequado. · Plasmodium malariae: Geralmente benigno, mas pode causar infecção crônica de longa duração (até décadas). Não forma hipnozoítos, mas pode persistir com parasitemia baixa. Pode levar à síndrome nefrótica, especialmente em crianças. Evolução lenta, mas exige atenção para complicações renais a longo prazo. 5.1.7. Terapêutica O tratamento da malária objetiva inviabilizar a biologia do parasito, em pontos-chave do seu ciclo evolutivo. Os fármacos utilizados, portanto, podem agir em diferentes sítios. Como primeiro objetivo terapêutico, cabe destacar a interrupção da esquizogonia sanguínea, processo extremamente importante na patogenia, na evolução, nas manifestações clínicas e nas complicações da infecção. Para tal, utilizam-se os esquizonticidas sanguíneos. Outro elemento-chave do tratamento, segundo objetivo, diz respeito à destruição das formas latentes do parasito – em termos do ciclo tecidual (hipnozoítos) das espécies P. vivax e P. ovale –, evitando-se, assim, as recaídas. Para tal, utilizam-se fármacos hipnozoiticidas; finalmente, o terceiro objetivo – a erradicação das formas sexuadas dos parasitos, os gametócitos – é alcançado com medicamentos gametocidas. Malária não complicada por Plasmodium vivax ou Plasmodium ovale: é feito com a associação de cloroquina, que elimina os parasitos da corrente sanguínea, e primaquina, que atua nas formas dormentes do fígado (hipnozoítos). A primaquina pode ser administrada em dois esquemas: o longo, por 14 dias, com doses menores diárias; ou o curto, por 7 dias, com doses diárias maiores. A escolha depende principalmente da adesão do paciente. Em pessoas com mais de 70 kg, é necessário ajustar a dose total de primaquina. Gestantes e crianças com menos de 6 meses não podem usar a primaquina e devem receber apenas cloroquina, sendo recomendada profilaxia semanal posterior para prevenir recaídas. Malária causada por Plasmodium falciparum: o tratamento deve ser rápido devido ao risco de agravamento. As opções preferenciais são combinações de ação rápida, como arteméter com lumefantrina ou artesunato com mefloquina, administradas por 3 dias, com primaquina em dose única no início para eliminar gametócitos e evitar a transmissão. Como alternativa, em casos onde esses esquemas não podem ser usados, pode-se empregar quinina por 3 dias associada à doxiciclina por 5 dias, com primaquina no sexto dia. A doxiciclina é contraindicada na gravidez e em crianças menores de 8 anos. A malária grave, geralmente causada por P. falciparum, é uma emergência médica e requer internação. O tratamento deve ser iniciado com artesunato intravenoso, arteméter intramuscular ou quinina intravenosa, todos associados à clindamicina. Após melhora clínica e retorno da capacidade de deglutição, o paciente pode ser transferido para a via oral. O suporte clínico é essencial, com controle de vias aéreas, acesso venoso, exames laboratoriais frequentes e tratamento de complicações como hipoglicemia, insuficiência renal, anemia grave, edema pulmonar ou sangramentos. Em gestantes no primeiro trimestre e em crianças com menos de 6 meses com malária por P. falciparum, o tratamento de escolha é com quinina associada à clindamicina, por via oral ou intravenosa, durante 5 dias. Para gestantes no segundo e terceiro trimestres, é permitido o uso de esquemas com arteméter-lumefantrina ou artesunato-mefloquina. Quando a infecção for por P. vivax ou P. ovale, essas populações especiais recebem somente cloroquina, com a possibilidade de profilaxia semanal com cloroquina após o tratamento para evitar recaídas. Nos casos de infecção mista por P. falciparum e P. vivax ou P. ovale, o esquema usado deve tratar efetivamente o P. falciparum (com arteméter-lumefantrina ou artesunato-mefloquina) e incluir primaquina para evitar recaídas causadas pelas formas hepáticas do P. vivax ou P. ovale. Quando o mista envolver P. falciparum e P. malariae, apenas o tratamento para o P. falciparum é necessário. 5.1.8. Imunidade – resistência ao parasitismo RII: varia muito de grau, desde resistência absoluta, impedindo determinadas espécies de plasmódios de infectar o hospedeiro, até resistência relativa, que depende da rápida mobilização do sistema macrófago-linfoide contra os parasitos. Distintas cepas de plasmódios causam diferentes graus de infecção dependendo do hospedeiro, como no caso do P. vivax procedentes da América, do Mediterrâneo ou do Pacífico infectaram