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1 Revista Contemporânea, vol. 4, n°. 10, 2024. ISSN: 2447-0961 Contemporânea Contemporary Journal Vol. 4 N°. 10: p. 01-17, 2024 ISSN: 2447-0961 Artigo GASTROTOMIA E ENTEROTOMIA EM CÃO PARA REMOÇÃO DE CORPO ESTRANHO: RELATO DE CASO GASTROTOMY AND ENTEROTOMY IN A DOG FOR FOREIGN BODY REMOVAL: CASE REPORT GASTROTOMÍA Y ENTEROTOMÍA EN PERROS PARA EXTRACCIÓN DE CUERPOS EXTRAÑOS: REPORTE DE CASO DOI: 10.56083/RCV4N10-083 Receipt of originals: 09/04/2024 Acceptance for publication: 09/24/2024 Gabrielle Caroline Cirino Graduada em Medicina Veterinária Instituição: Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH) Endereço: Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil E-mail: gabriellecaroline2009@hotmail.com Letícia Batista Clarindo Ferreira Graduanda em Medicina Veterinária Instituição: Centro Universitário Una (UMA) Endereço: Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil E-mail: lbclarindof@gmail.com Melina Aparecida Felipe Abrantes Graduada em Medicina Veterinária Instituição: Universidade federal de Minas Gerais (UFMG) Endereço: Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil E-mail: melina.abrantes@gmail.com Giovanna Cristina Nápoles Silva Graduanda em Medicina Veterinária Instituição: Centro Universitário Una (UMA) Endereço: Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil E-mail: giovanna.napoles331@gmail.com RESUMO: Corpos estranhos são quaisquer objetos ou alimentos ingeridos que impossibilitam a progressão de sua passagem no trato gastrointestinal, sendo rotineiro na clínica cirúrgica de cães e gatos, principalmente em 2 Revista Contemporânea, vol. 4, n°. 10, 2024. ISSN: 2447-0961 filhotes. Os sinais clínicos observados incluem apatia, hiporexia ou anorexia, êmese, perda de peso, dentre outros. Sendo assim, o diagnóstico baseia-se na anamnese, sintomatologia, exame físico e exames laboratoriais e de imagem. Uma vez confirmada a suspeita, a conduta pré- operatória consiste na estabilização prévia do paciente, principalmente do desequilíbrio hidroeletrolítico e ácido-base. A celiotomia exploratória para realização das técnicas cirúrgicas de gastrotomia e enterotomia são frequentemente indicadas para remoção de corpos estranhos, situados no estômago e intestino, respectivamente quando estes não são eliminados nas fezes. O pós-operatório requer atenção quanto a administração de alimento e água, controle de dor e acompanhamento ultrassonográfico. Caso não haja complicações nos primeiros dias de cirurgia, o prognóstico é favorável, com recuperação satisfatória. Este trabalho possui como objetivo relatar um caso clínico cirúrgico de corpo estranho localizado em estômago e intestino de cão removido por gastrotomia e enterotomia. PALAVRAS-CHAVE: cirurgia, estômago, hiporexia, intestino. ABSTRACT: Foreign bodies are any ingested objects or foods that prevent their progression through the gastrointestinal tract, and are routine in the surgical clinic of dogs and cats, especially in puppies. The clinical signs observed include apathy, hyporexia or anorexia, emesis, weight loss, among others. Therefore, the diagnosis is based on the anamnesis, symptoms, physical examination, and laboratory and imaging tests. Once the suspicion is confirmed, the preoperative conduct consists of prior stabilization of the patient, mainly of the hydroelectrolytic and acid-base imbalance. Exploratory celiotomy to perform the surgical techniques of gastrotomy and enterotomy are often indicated for the removal of foreign bodies located in the stomach and intestine, respectively, when these are not eliminated in the feces. The postoperative period requires attention to food and water administration, pain control, and ultrasound monitoring. If there are no complications in the first days of surgery, the prognosis is favorable, with satisfactory recovery. This paper aims to report a clinical surgical case of a foreign body located in the stomach and intestine of a dog removed by gastrotomy and enterotomy. KEYWORDS: surgery, stomach, hyporexia, intestine. RESUMEN: Los cuerpos extraños son cualquier objeto o alimento ingerido que imposibilita su avance por el tracto gastrointestinal, y son rutinarios en la clínica quirúrgica de perros y gatos, especialmente en cachorros. Los signos clínicos observados incluyen apatía, hiporexia o anorexia, emesis, pérdida de peso, entre otros. Por tanto, el diagnóstico se basa en la anamnesis, los síntomas, la exploración física y las pruebas de laboratorio y de imagen. Una vez confirmada la sospecha, el manejo preoperatorio 3 Revista Contemporânea, vol. 4, n°. 10, 2024. ISSN: 2447-0961 consiste en la estabilización previa del paciente, principalmente del desequilibrio hidroelectrolítico y ácido-base. La celiotomía exploratoria para realizar las técnicas quirúrgicas de gastrotomía y enterotomía suelen estar indicadas para la extracción de cuerpos extraños, localizados en el estómago y el intestino, respectivamente, cuando no se eliminan por las heces. El postoperatorio requiere atención en cuanto a la administración de alimentos y agua, control del dolor y seguimiento ecográfico. Si no hay complicaciones en los primeros días de la cirugía el pronóstico es favorable, con recuperación satisfactoria. Este trabajo tiene como objetivo reportar un caso clínico quirúrgico de un cuerpo extraño localizado en el estómago e intestino de un perro extraído mediante gastrotomía y enterotomía. PALABRAS CLAVE: cirugía, estómago, hiporexia, intestino. 1. Introdução Uma casuística frequente na clínica médica e cirúrgica de pequenos animais é a ingestão de objetos inanimados, sendo muito importante informar ao tutor para que sempre esteja atento aos locais e objetos que os animais têm acesso, pois, a ingestão de corpos estranhos pode acarretar diversas complicações, como, a obstrução total ou parcial do trânsito gastrointestinal, inflamação da mucosa, desiquilíbrio hidroeletrolítico, e culminar no óbito do animal. A hipovolemia grave com distúrbios hidroeletrolíticos é um dos fatores que leva a mortalidade por obstrução do intestino delgado por corpo estranho (Fossum, 2021; Silva, 2022). Os sinais clínicos, muitas vezes são variáveis e inespecíficos como vômitos persistentes, diarreia, anorexia, perda de peso e apatia, o que impossibilita o diagnóstico preciso, podendo evoluir para perfurações intestinais. Diagnósticos diferenciais como, parvovirose, obstruções pilóricas oriundas de hipertrofia da mucosa antral crônica ou estenose e ulcerações gástricas devem ser levados em conta. Desta forma, para obter o diagnóstico 4 Revista Contemporânea, vol. 4, n°. 10, 2024. ISSN: 2447-0961 de corpo estranho gastrointestinal, o médico veterinário deve realizar uma boa anamnese, exames clínico e físico minuciosos, além dos exames complementares, que irão fornecer dados sobre a localização, o segmento de alojamento, o estado de saúde geral do paciente e a melhor conduta médica a ser tomada (Lima, 2019; Fossum, 2021). Após a realização dos exames complementares para o diagnóstico, a intervenção cirúrgica se torna necessária na maioria das vezes, embora alguns animais consigam expulsar o corpo estranho de forma natural, dependendo do que for ingerido e se localizado no final do intestino grosso. No entanto, caso não for expelido, pode ocorrer obstrução total do trânsito intestinal, culminando em algia abdominal e peritonite séptica, principalmente quando há perfuração de algum segmento intestinal. Para a resolução da obstrução intestinal total ou parcial, devido ao comprometimento da função do órgão e agravamento do estado de saúde do paciente, recomenda-se a cirurgia. Quanto antes houver intervenção médica, melhor será o prognóstico do animal. Sendo assim, o tratamento cirúrgico indicado no caso de remoção pode ser a gastrotomiae/ou enterotomia, dependendo da localização do corpo estranho e desde que não haja desvitalização tecidual (Fossum, 2021; Sá, 2021; Silva, 2022). O presente trabalho objetivou relatar um caso de cirurgia de emergência em um cão acometido pelo corpo estranho localizado em estômago e jejuno. 2. Relato de Caso No dia 03 de julho de 2024, um cão da raça Lhasa Apso, macho, castrado, pesando 7,800 kg, com 11 anos, foi encaminhado para realização de gastrotomia e enterotomia após detecção de alterações em estômago e 5 Revista Contemporânea, vol. 4, n°. 10, 2024. ISSN: 2447-0961 segmento de alça intestinal compatíveis com corpo estranho linear associado a processo inflamatório, em exame ultrassonográfico abdominal (Figura 1). Figura 1 – Ultrassonografia abdominal de cão da raça Lhasa Apso. (A) presença de estrutura compatível com corpo estranho em estômago, apresentando sombreamento acústico. (B) presença de estrutura linear compatível com corpo estranho em alça intestinal. A B Fonte: Arquivo pessoal da autora. O paciente foi internado apresentando prostração, vômito, algia abdominal e hipertensão. Antes do procedimento cirúrgico, foi realizado hemograma no qual foi observado eritrocitose (21,7 g/dL), leucocitose (26,86 K/μL), neutrofilia (22,61 K/μL), monocitose (3,16 K/μL) e eosinopenia (0,02 K/μL). Não foi observada alteração nos exames bioquímicos. Também foi realizado exame de eletrocardiograma no qual não foram observadas alterações dignas de notas. 6 Revista Contemporânea, vol. 4, n°. 10, 2024. ISSN: 2447-0961 O paciente foi estabilizado previamente a cirurgia, sendo realizada a fluidoterapia intravenosa com Ringer Lactato na taxa de 16,25 mL/h e iniciado antibioticoterapia com Cefalotina 200mg/ml (30mg/kg, a cada 8 horas) por via intravenosa. Após estabilização, o paciente foi encaminhado para a cirurgia e recebeu como medicação pré-anestésica Metadona (0,3 mg/kg) e Dexmedetomidina (3 mcc/kg) pela via intramuscular. Em seguida, foi realizada a venóclise e então tricotomia ampla da região abdominal, sendo posteriormente encaminhado para o bloco cirúrgico. A indução anestésica foi realizada com Fentanil (5 mcc/kg), Lidocaína (1 mg/kg) e Propofol (6 mg/kg) pela via intravenosa e mantido em oxigênio a 100%, utilizando o sistema de circuito sem reinalação e respiração espontânea. A manutenção anestésica foi Isoflurano (dose efeito) e Propofol (10 mcc/kg/hora - infusão contínua). Após estabelecimento do plano anestésico cirúrgico, o paciente foi posicionado em decúbito dorsal, sendo realizado tricotomia ampla, do xifóide até a região caudal, e antissepsia do campo operatório com clorexidine degermante 2% e clorexidine alcóolico 0,5%. A incisão cutânea foi realizada na região pré-retroumbilical, a partir do xifóide até a cicatriz umbilical. O estômago foi exposto e isolado com compressas cirúrgicas, efetuando-se a incisão no corpo do órgão entre a curvatura maior e menor. Após a retirada do corpo estranho (Fig. 2), o estômago foi ocluído em dois planos de sutura. Para o primeiro realizou-se padrão simples contínuo envolvendo todas as camadas e para o segundo plano, o padrão Cushing nas camadas seromuscular, utilizando o fio poliglecaprone 25 4-0. Inspecionou-se o estômago para verificar se havia presença de perfuração ou necrose e após a certificação de não haver, seguiu-se para a realização da inspeção da cavidade abdominal. 7 Revista Contemporânea, vol. 4, n°. 10, 2024. ISSN: 2447-0961 Figura 2 – Retirada do corpo estranho sólido (apontado pela seta) do estômago do paciente. Fonte: Arquivo pessoal da autora. Realizado a exploração da cavidade e do trato gastrointestinal para identificar a localização do corpo estranho e possíveis perfurações ou necroses. Havia presença de líquido livre sanguinolento em cavidade, sendo realizada drenagem de cerca de 20 mL de conteúdo, além de detectado ponto de perfuração na porção do duodeno proximal. Foi necessário o isolamento do trecho, reavivamento das bordas do segmento lesionado, seguido da sutura simples separada e fio poliglecaprone 25 4-0 para rafia. Logo após, foi possível localizar o trecho da alça intestinal onde havia corpo estranho (Fig. 3), que se encontrava no jejuno. O referido segmento foi isolado do restante dos órgãos da cavidade abdominal com compressas cirúrgicas estéreis. Em seguida, foram introduzidas duas pinças Doyen, nas direções oral e aboral de onde seria feita a incisão, a fim de retrair o conteúdo fecal da região. Realizou-se uma incisão na borda antimesentérica do trecho intestinal acometido, com cerca de 5 cm e retirou-se o restante do corpo estranho (Fig. 4). A síntese intestinal foi realizada no padrão simples separado com fio poliglecaprone 25 4-0, sendo realizado teste de extravasamento e introdução de novas suturas na linha de incisão quando demonstrava vazamento. Ao final da manobra, foi realizada lavagem 8 Revista Contemporânea, vol. 4, n°. 10, 2024. ISSN: 2447-0961 abundante com solução salina estéril morna da cavidade abdominal. Após a finalização da lavagem, todo o conteúdo irrigado foi drenado e prosseguiu- se para a celiorrafia em padrão reverdin, utilizando fio poliglecaprone 25 2- 0, seguida da redução de redução do subcutâneo em padrão simples contínuo com fio poliglecaprone 25 3-0 e dermorrafia em padrão simples separado com fio nylon 3-0. Figura 3 – Trecho da alça intestinal em que havia presença de corpo estranho linear. Pinças Doyen apontadas pelas setas das extremidades; Seta do meio mostrando lúmen intestinal com presença de corpo estranho linear. Fonte: Arquivo pessoal da autora. Figura 4 – Retirada do corpo estranho linear de alça intestinal de paciente canino após enterotomia. Fonte: Arquivo pessoal da autora. 9 Revista Contemporânea, vol. 4, n°. 10, 2024. ISSN: 2447-0961 No pós-operatório imediato, ainda no centro cirúrgico, foi administrado Omeprazol 4mg/ml (1 mg/kg, a cada 12 horas), Dipirona 500mg/ml (25 mg/kg, a cada 8 horas), Tramadol 50mg/ml (3 mg/kg, a cada 8 horas), Cefalotina 200mg/ml (30 mg/kg, a cada 8 horas), Meloxicam 2% (0,1 mg/kg a cada 24 horas), todos por via intravenosa, exceto Cerenia 10mg/ml (0,1mg/Kg, a cada 24 horas) que foi por via subcutânea. O paciente permaneceu em fluidoterapia Ringer Lactato na taxa de 16,25 mL/h durante o pós-operatório e mantida a mesma prescrição. A dieta seguida foi de alimentação líquida e água em pequena quantidade durante as primeiras 48 horas pós operatório e seguida de 10 dias de dieta pastosa, posteriormente a cirurgia. Foram realizadas trocas de curativos diárias para avaliar a evolução da cicatrização. Foi realizada ultrassonografia abdominal após 48 horas do procedimento, na qual foram obtidas imagens sugestivas de um quadro de gastroenterite. O estômago apresentou moderada repleção luminal por conteúdo líquido particulado. Os segmentos intestinais apresentaram discreta repleção por conteúdo de aspecto mucoso e gasoso. Na cavidade abdominal, foi observado gás livre e reatividade tecidual (mesentérica) com uma pequena quantidade de líquido adjacente, no qual foi acrescentado Metronizadol 5mg/ml (15 mg/kg, a cada 12 horas) por via intravenosa e Simeticona 75 mg/ml (20 gotas, a cada 8 horas) por via oral. O paciente permaneceu internado durante três dias, até que fosse observada a estabilização do seu quadro, demonstrando boa adaptação e sem intercorrências. Para o tratamento domiciliar foi prescrito Meloxicam 1 mg (1 comprimido, a cada 24 horas, durante 3 dias), Dipirona 500 mg/mL (8 gotas, a cada 8 horas, durante 5 dias), Metronidazol 250 mg (½ comprimido, a cada 12 horas, durante 10 dias) e Ondansetrona 8mg (1 comprimido, a cada 12 horas, durante 5 dias,em caso de êmese). Para tratamento da ferida cirúrgica foi prescrito o uso de Clorexidina Degermante 2% para higienização e pomada Vetaglós (uma vez ao dia, por 10 dias). Além 10 Revista Contemporânea, vol. 4, n°. 10, 2024. ISSN: 2447-0961 disso, o tutor foi instruído a seguir a dieta alimentar ofertando o alimento pastoso por 10 dias antes de oferecer alimentação sólida. No 5° dia, posterior à alta médica, o paciente foi novamente internado, após retorno de emergência, no qual a tutora relatou inapetência e prostração. Durante exame físico foi constatado que o animal estava com hipertermia (39,8ºC), hipoglicemia, algia abdominal extrema, secreção purulenta e fluido róseo sendo drenando em grande quantidade por fístula aberta na região próxima a ferida cirúrgica. A partir de novo exame de ultrassonografia abdominal foi observado um quadro de estase gástrica, por meio da acentuada repleção luminal por conteúdo líquido particulado no estômago. Nos segmentos intestinais, foi observado aumento de reatividade tecidual em duodeno e jejuno. Durante a internação, foi realizada a drenagem de conteúdo estomacal utilizando sonda nasogástrica, sendo obtido um líquido escuro de odor fétido. O paciente foi colocado novamente em fluidoterapia Ringer-Lactato na taxa de 16,25mL/h. Além disso, foram administrados Amoxicilina 150mg/ml (12,5mg/kg, a cada 12 horas) por via subcutânea, Dipirona 500mg/ml (25 mg/kg, a cada 8 horas), Omeprazol 4mg/ml (1 mg/kg, a cada 12 horas), Ondansetrona 2mg/ml (1 mg/kg, a cada 12 horas), Meloxicam 2% (0,1 mg/kg, a cada 24 horas) todos por via intravenosa, além de Sucralfato 200mg/ml (1g, a cada 8 horas) por via oral. Realizado troca de curativo com uso de bandagem, limpeza com clorexidine degermante 2% e pomada Vetaglós, a cada 12 horas. No 6° dia seguinte a internação, foi realizado um novo hemograma que apresentou um quadro de anemia normocítica e normocrômica, com eritrócitos (3,58 milhões/μL), hemoglobina (8,40 g/dL) e hematócrito (26,90%) abaixo dos valores de referência. Além disso apresentou leucocitose (48,47 K/μL), monocitose (1,94 K/μL) e presença de neutrófilos tóxicos. No exame bioquímico foi observado fosfatase alcalina elevada (271,50 U/L). Após estes resultados, foi alterado a frequência e dosagem do 11 Revista Contemporânea, vol. 4, n°. 10, 2024. ISSN: 2447-0961 Amoxicilina 150mg/ml, sendo (25 mg/kg, a cada 12 horas) por via subcutânea. O hemograma foi realizado novamente 48 e 72 horas depois, não sendo observado mudança significativa nos valores, além da realização do exame de cultura e antibiograma. Com isso, foi suspenso o uso do Amoxicilina 150mg/ml (25 mg/kg) e acrescentado à prescrição Meropeném 50mg/ml (24 mg/kg, a cada 12 horas) por via intravenosa, após realização de exame de cultura e escolha do antibiótico. Repetiu-se os exames de sangue após 3 dias de internação, sendo observado melhora no leucograma, apresentando leucocitose (40,15 K/μL) e no bioquímico observou-se TGP/ALT elevado (182,00 U/L) e um aumento exacerbado da fosfatase alcalina (1300,00 U/L). Após 7 dias da troca do antibiótico foi realizada nova coleta de sangue para hemograma e bioquímico, no qual apresentou uma melhora significativa no quadro de anemia, com eritrócitos (5,15 milhões/μL), hemoglobina (14,00 g/dL) e hematócrito (40,60%). Os resultados referentes ao leucograma também demonstraram melhoras no quadro clínico do animal, que apresentou uma leucocitose mais atenuada (24,39 K/μL), além da melhora clínica do paciente e da ferida cirúrgica. O animal permaneceu internado durante 8 dias, sendo realizadas trocas de curativos diárias para avaliar a evolução da ferida cirúrgica, até que não fosse observado extravasamento de conteúdo drenado pela fístula. Posteriormente, para tratamento domiciliar foi prescrito Meloxicam spray (1 borrifada, a cada 24 horas, por 6 dias), Silmox 300 mg (½ comprimido, a cada 12 horas, por 7 dias), trocas de curativo utilizando Clorexidine Degermante 2% para higienização, uso da pomada Vetaglós a cada 12 horas, até novas recomendações, além do uso do colar elizabetano até a retirada total dos pontos e fechamento da fístula. O tratamento foi efetivo, pois o paciente apresentou boa evolução após uma semana. Ao ser observada a presença de tecido de granulação ao redor da ferida cirúrgica e não havendo secreção sendo drenada pela fístula, foi 12 Revista Contemporânea, vol. 4, n°. 10, 2024. ISSN: 2447-0961 prescrito um tratamento tópico a fim de acelerar o processo de cicatrização utilizando Clorexidina Degermante 2% para higienização e pomada Dersani Hidrogel com Alginato (a cada 24 horas, até completa cicatrização). Quinze dias após, a fístula já havia sido completamente fechada, paciente se encontrou ativo e estável, hemograma e bioquímico sem alterações. 3. Discussão Segundo a bibliografia consultada, a ingestão de corpos estranhos possui uma alta casuística, não havendo predisposição de raça ou gênero, mais comumente em animais jovens, possuindo idade inferior a quatro anos, devido aos seus hábitos alimentares e curiosidade. Os cães comem indiscriminadamente e com frequência ingerem pedras, brinquedos de plástico, linhas e outros objetos (Fossum, 2021). No entanto, na espécie canina principalmente, pode ocorrer o transtorno de alantrofagia, mais conhecido como “Síndrome de pica” e essa síndrome é caracterizada pela mastigação e ingestão compulsiva de objetos sem cunho nutricional, este transtorno está frequentemente associado ao manejo inadequado, condições ambientais inapropriadas, doenças metabólicas, deficiências nutritivas e disfunções cognitivas (Campos et al, 2024). Inicialmente, os corpos estranhos podem se alojar na região do piloro e, com os movimentos peristálticos, podem migrar e alojar em outros pontos das alças intestinais, causando obstruções parciais ou totais (Fossum, 2021). Neste estudo, o objeto linear encontrava-se alojado na região da curvatura maior e segmento do jejuno descendente. Os sinais clínicos estão relacionados com o tamanho, material e localização do objeto no trato gastrointestinal (Fossum, 2021). Os sinais clínicos como a desidratação, os vômitos, a anorexia e a algia abdominal tendem a apresentar em animais com objetos localizados no estômago e nos 13 Revista Contemporânea, vol. 4, n°. 10, 2024. ISSN: 2447-0961 segmentos intestinais proximais (Lima, 2019; Viana et al, 2020). Estes sinais clínicos relatados foram observados neste paciente. O diagnóstico definitivo é baseado pela associação da avaliação clínica e dos exames complementares (Fossum 2021; Bernardo, 2023). A ultrassonografia, radiografia, tomografia e endoscopia são os exames complementares que utilizamos para auxiliar na confirmação e localização do objeto (FOSSUM, 2021). Neste presente estudo, o diagnóstico definitivo foi obtido pela realização da ultrassonografia abdominal, no qual apresentou uma interface ecogênica brilhante associada a um sombreamento acústico posterior na região gástrica, e pregueamento de alças acompanhado de imagem linear no lúmen intestinal, mostrando compatibilidade com corpo estranho gástrico e intestinal, ocasionando peristaltismo não evolutivo e processo obstrutivo. No manejo pré cirúrgico, foi realizada a estabilização do paciente com a realização de fluidoterapia endovenosa para reposição hidroeletrolítica, protetor das mucosas gástricas e antieméticos, conforme preconiza Oliveira 2019. A realização do exame de hemograma e perfil bioquímico tem o objetivo de auxiliar na conduta terapêutica e na identificação de alterações sistêmicas (Fossum, 2021). Segundo Fossum (2021), a abordagem cirúrgica eleita para remoção de corpo estranho localizados em estômago e alças intestinais são a gastrotomia e a enterotomia. Foramestas técnicas cirúrgicas utilizadas no paciente relatado, com abertura de cavidade abdominal pré-retroumbilical para celiotomia exploratória e para auxílio no acesso ao estômago e intestino delgado. Durante a celiotomia exploratória, foi observado que o paciente apresentava líquido sanguinolento livre abdominal, no qual foi coletado e enviado para realização de exame de cultura, fato ocasionado devido a um ponto de perfuração na porção do duodeno proximal. Tal fato pode ocorrer devido a presença de corpo estranho, hipomotilidade intestinal, dentre outros 14 Revista Contemporânea, vol. 4, n°. 10, 2024. ISSN: 2447-0961 (Fossum, 2021). Segundo Fossum (2021), no procedimento cirúrgico em que há presença de contaminação difusa intraoperatória, a celiorrafia deve ser antecedida pela lavagem abundante da cavidade abdominal com solução salina aquecida estéril, no qual foi realizado nesta abordagem cirúrgica. Conforme Sá (2021) a lavagem em questão com solução estéril morna melhora o peristaltismo. Após a realização das abordagens cirúrgicas, com técnicas executadas de forma adequada, uso de fio de sutura e de padrões compatíveis aos tecidos, além do teste de extravazamento negativo, os animais operados geralmente têm uma boa recuperação no pós-operatório, apesar de haver casos de complicações como do paciente relatado, apresentando peritonite e fístula cutânea, óbitos também podem ser possíveis (Monnet, 2020). Segundo Fossum (2021), no pós-cirúrgico, o paciente deve ser mantido em monitoração, fluidoterapia intravenosa, analgesia, controle de êmese com antieméticos de ação central, protetor de mucosa gástrica, anti- inflamatório não esteroidal, antibiótico se necessário. A dieta deve iniciar após o procedimento cirúrgico, sendo, totalmente líquida, nas primeiras 48 horas, seguido de dieta pastosa nos 10 dias posteriores ao procedimento. A cicatrização gástrica e intestinal são influenciadas por diversos fatores locais e sistêmicos. Os fatores locais são determinados pela manipulação e técnica cirúrgica, como mínimo trauma, aposição precisa de mucosas e bom aporte sanguíneo no local da incisão cirúrgica. Já os fatores sistêmicos estão relacionados na maioria dos casos à hipovolemia, choque, hipoproteinemia e infecções concomitantes (Fossum, 2021). A perfuração intestinal é uma das causas de peritonite secundária nos animais domésticos e a deiscência incisional usualmente pode ocorrer de 3 a 5 dias após a cirurgia, devido ao atraso da cicatrização tecidual (Fossum, 2021). O paciente apresentou fístula cutânea abdominal drenando secreção exsudativa próxima à ferida cirúrgica em linha média com 4 dias pós 15 Revista Contemporânea, vol. 4, n°. 10, 2024. ISSN: 2447-0961 operatório necessitando ser encaminhado para o setor de internação para tratamento da infecção. A peritonite secundária está comumente relacionada a bactérias Escherichia coli, Clostridium spp e a exposição sistêmica a toxinas é considerada uma ameaça a vida. Essa alteração pode cursar com alterações laboratoriais, como anemia, leucocitose por neutrofilia e presença de desvio a esquerda, conforme observado neste relato de caso quando detectada, devido a presença da perfuração da alça intestinal e líquido livre (Fossum, 2021). Portanto, após o estabelecimento deste diagnóstico, foi realizado o ajuste da terapia com uso de antimicrobianos de amplo espectro de ação, obtendo-se resposta favorável ao quadro clínico inicial e havendo melhora no quadro geral da saúde do paciente. 4. Considerações Finais A estabilização do paciente deve ser uma conduta pré operatória, para o paciente com corpo estranho gástrico e intestinal ser submetido a cirurgia, a qual se trata de um procedimento de caráter emergencial. Ainda, uma boa técnica cirúrgica executada de maneira adequada é capaz de recuperar a função normal do órgão afetado sem a necessidade de ressecção da porção afetada quando o tecido ainda é viável. Por fim, com cuidados pós- operatórios adequados e ausência de complicações cirúrgicas, o paciente tende a apresentar melhora no quadro clínico e recuperação satisfatória. 16 Revista Contemporânea, vol. 4, n°. 10, 2024. ISSN: 2447-0961 Referências BERNARDO, R. F. B; VARALLO, G. R.; SILVEIRA, R. N. Conduta diagnóstica e terapêutica para corpo estranho linear em gato: Relato de caso. PUBVET, 17(1), 1–6, 2023. CAMPOS, M.S.; SILVA, A. C. M. O.; FARIAS, J.;SILVA, N. D. S.; BRANDÃO, T.O.; CARNEIRO, R.L; Transtorno do apetite depravado (Síndrome de Pica) em um felino: Relato de caso. PUBVET. v.18, n.09, e1654, p.1-8, 2024. CANELAS, H. A. M; Gastrotomia em cadela: relato de caso/ Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal Rural da Amazônia – Campus Belém – 2021. CARGNELUTTI, H. 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