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CARACTERISTICAS DO INQUÉRITO POLICIAL CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA O Inquérito policial é procedimento apuratório, de natureza administrativa e instrumental, que se destina a esclarecer os fatos delituosos relatados na notícia de crime, fornecendo subsídios para o prosseguimento ou o arquivamento da persecução penal. De sua instrumentalidade, retira-se que o inquérito detém dupla função, quais sejam a preservadora e a preparatória. PRESERVADORA (FILTRO): a existência prévia de um inquérito policial inibe a instauração de um processo penal infundado, temerário, resguardando a liberdade do inocente e evitado custos desnecessários para o Estado. (investigação defensiva) PREPARATÓRIA: fornece elementos de informação (não tem provas - mediante cotradotório judicial) para que o titular da ação penal ingresse em juízo, além de acautelar meios de prova (elementos migratórios: provas cautelares, antecipadas e não repetíveis) que poderiam desaparecer com o decurso do tempo. O inquérito policial é uma das formas possíveis pelas quais a investigação criminal pode ser efetivada. Mas existem outros, como as comissões parlamentares de inquérito (CPI’s), as sindicâncias e processos administrativos, os procedimentos de investigação (PICs) presididos pelo Ministério Público, etc. Presidir inquérito é atividade exclusiva da polícia judiciária, por meio da autoridade policial (somente delegado de Polícia Civil/Federal), mas investigar não. Tanto que a própria lei (CPP, art. 4°, parágrafo único) faz ressalva expressa e reconhece a competência de outras autoridades administrativas para apurar infrações penais e sua autoria. Atenção: o STF já declarou inconstitucional trecho de Lei do MP/SC que permitia ao titular da ação penal (membro do MP) avocar inquérito policial. Isso porque a avocação pressupõe hierarquia, entretanto, entre Ministério Público e a Autoridade Policial não há hierarquia, motivo pelo qual torna-se impossível referida avocação. INFO 1.135, STF, 2024: 1. O Ministério Público dispõe de atribuiçao concorrente para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado. Devem ser observadas sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais da advocacia, sem prejuízo da possibilidade do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa Instituição (Tema 184 RG); 4. A instauração de procedimento investigatório pelo Ministério Público deverá ser motivada sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes dos órgaos de segurança pública na prática de infrações penais ou sempre que mortes ou ferimentos graves ocorram em virtude da utilização de armas de fogo por esses mesmos agentes. Havendo representação ao Ministério Público, a não instauração do procedimento investigatório deverá ser sempre motivada; 5. Nas investigações de natureza penal, o Ministério Público pode requisitar a realização de perícias técnicas, cujos peritos deverão gozar de plena autonomia funcional, técnica e científica na realização dos laudos. CARACTERISTICAS DO INQUÉRITO POLICIAL Escrito Inquisitivo Indisponível Discricionário Dispensável Oficiosidade (oficioso) Sigilosos Oficialidade Sigiloso: Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade. Súmula vinculante 14-STF: É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. É importante registrar que, mesmo nas hipóteses do artigo mencionado acima, o juiz e o Ministério Público, logicamente, não poderão estar sujeitos a esse 'segredo' do inquérito, sob pena de verdadeira inviabilização da persecução penal. Também não se submete a esse sigilo, pelo menos não integralmente, o advogado, o qual deverá ter acesso aos elementos já documentados. Havendo arbítrio por parte da autoridade, admite-se o manejo do mandado de segurança, da reclamaçao constitucional ao STF (para fazer valer o mandamento da Súmula Vinculante 14) e até mesmo de habeas corpus, caso se possa constatar, mesmo que indiretamente, risco de ofensa à liberdade do indiciado, sem prejuízo da responsabilidade por abuso de autoridade (Lei n° 13.869/2019). Nada impede que seja manejada uma petição simples ao juiz (das garantias), para que conceda o acesso (art. 3-B, XV, CPP). DOUTRINA CONSERVADORA: o inquérito policial deve ser visto como PROCEDIMENTO SIGILOSO, com sustentáculo no artigo 20 (caput) do Código de Processo Penal que estabelece: "A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade". DOUTRINA MODERNA: A Constituição Federal estabelece que o princípio da publicidade deve orientar a atuação da Administração Pública, podendo ser restringida na defesa da intimidade ou se o interesse social exigir. Desta forma, não restam dúvidas que a investigação criminal necessita de sigilo para garantir o seu sucesso e proteger a intimidade das partes (vítima, investigado e seus familiares), porém deve ser adequada ao princípio da publicidade prescrito para todo poder público. Nestes moldes, melhor definir o inquérito policial como procedimento de PUBLICIDADE RESTRINGÍVEL. Assim, tem-se que o sigilo, conforme se depreende da própria essência do dispositivo, não se configura como regra, mas sim em exceção, sendo tão somente admitido quando demonstrada sua extrema e comprovada necessidade, ou ainda, no mesmo sentido, quando o interesse público vier a conclamá-lo. Diante disso, num primeiro momento, figura-se necessária a medida - sempre precedida de motivado despacho pela autoridade policial. Escrito Art. 9°. Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade. O art. 9° do Código de Processo Penal estabelece que as peças do inquérito policial devem ser reduzidas a escrito ou datilografadas, o que, em um primeiro momento, poderia sugerir a limitação da forma de documentação dos atos investigatórios. Contudo, tal dispositivo deve ser interpretado à luz do contexto histórico de sua promulgaçao, em 1942, quando inexistiam os atuais recursos tecnológicos. Assim, por força de uma interpretação progressiva e da aplicação subsidiária do art. 405, § 1°, do próprio CPP, revela-se plenamente admissível a utilização de gravações audiovisuais no curso da investigação, por representarem meio mais fidedigno e seguro de registro das informações. Esse entendimento é reforçado por legislações posteriores, como o art. 12, VI, da Lei n° 13.431/17, que prevê a gravação audiovisual do depoimento especial de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, e o art. 10-A, § 2°, III, da Lei n° 11.340/06 (Lei Maria da Penha), incluído pela Lei n° 13.505/17, que determina a gravação eletrônica ou magnética de depoimentos de mulheres em situação de violência doméstica. Dessa forma, a evolução legislativa e tecnológica corrobora a plena legitimidade da gravação audiovisual no inquérito policial, em benefício da fidelidade e da integridade da prova. Indisponibilidade Art. 17. A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito. Uma vez instaurado o Inquérito, não poderá a autoridade policial arquivá-lo, mas sim conclui-lo. Oficialidade o inquérito deverá ser realizado por órgão oficial de estado, sob a presidência dos delegados de polícia em exercício perante os respectivos órgãos oficiais; não se admite, pois, seja delegada a atividade investigativa a particulares, ou a presidência do inquérito a autoridades estranhas. (autoridade de policial judiciaria somente delegado).Oficiosidade O inquérito policial, nos crimes cuja ação penal é pública incondicionada, constitui procedimento oficioso, ou seja, exige atuação da autoridade policial ex officio/independentemente de provocação. Inquisitivo O inquérito policial, como procedimento administrativo cuja 'consequência' principal possível ao investigado é o indiciamento (o que não lhe impõe, por si só, quaisquer limitações aos seus direitos e garantias, tampouco vincula o dominus litis ou o juízo), e revestido de certo grau de sigilo para preservação de sua eficácia, apresenta-se como exemplo de ato baseado nos predicados do sistema inquisitorial, não admitindo, portanto, e em regra, amplo contraditório e defesa em seu bojo. É importante consignar, todavia, que o fato de o inquérito policial ter natureza ou característica inquisitiva não afasta a possibilidade de acompanhamento dos seus atos procedimentais por advogado constituído (nos limites estabelecidos pela Súmula Vinculante 14); aliás, não por outro motivo o próprio CPP permite ao indiciado (além do ofendido, claro) requerer qualquer diligência à autoridade policial. O Pacote Anticrime trouxe uma alteração no CPP que teria mitigado o caráter inquisitório do inquérito policial em situação específica, qual seja, a prática de ato criminoso por servidor das instituições do artigo 144, da CF, quando do exercício profissional e em situação de legítima defesa. Referida disposição torna "obrigatória" a realização do contraditório e ampla defesa em sede de inquérito, quando a investigação recair sob tais agentes e condutas. Percebe-se que a característica da inquisitoriedade, embora ainda presente no inquérito, está 'perdendo forças' ao longo do tempo, está sendo mitigada. A moderna doutrina de polícia judiciária rechaça a inquisititoriedade e aponta que há no inquérito policial o que se convencionou chamar de "contraditório possível". Dispensável A doutrina clássica diz que conforme artigo Art. 39, §5° O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de quinze dias. A persecução penal é composta por duas fases, sendo estas materializadas nas investigações e em sequência o processo judicial. No Brasil, quase que a totalidade das ações penais são alicerçadas em inquéritos policiais, o que comprova que a sua dispensabilidade é exceção, sedo a regra a imprescindibilidade da investigação policial. Parece não haver dúvida de que a instauração do inquérito policial é a principal forma de evitar acusações precipitadas. E por isso mesmo é comum que o MP, ao receber a notícia de um crime, ainda que já disponha de elementos suficientes para dar suporte à denúncia, prefira encaminhar os documentos à Polícia Judiciária, requisitando a instauração de inquérito policial. A investigação preliminar é uma peça fundamental para o processo penal. No Brasil, provavelmente por culpa das deficiências do sistema adotado (o famigerado inquérito policial), tem sido relegada a segundo plano. Apesar dos problemas que possam ter, a fase pré-processual (inquérito, diligências prévias, investigações) é absolutamente imprescindível, pois um processo penal sem a investigação preliminar é um proposto irracional, uma figura inconcebível segundo a razão e os postulados básicos do processo penal constitucional. Geralmente, o argumento utilizado para justificar a dispensabilidade do Inquérito reside em torno das diversas críticas despejadas na investigação policial, afirmando que é demorada, burocratizada e ineficiente. Esses "críticos" não observam que o principal fator para essa nefasta ausência de efetividade do inquérito reside na falta de estrutura a ser proporcionada pelo Estado. Nas lições do Professor Francisco Sannini, nenhuma ação penal pode ser proposta sem que haja um procedimento apuratório preliminar e oficial que demonstre que há justa causa para a deflagração da persecução penal em juízo. É a chamada devida investigaçao criminal constitucional. Conforme dados coletados, menos de 1% dos processos criminais em curso foram iniciados com base em investigações ministeriais, ou seja, sem investigação policial. Destaca-se, ainda, que, na prática, mesmo nas hipóteses em que o inquérito policial é dispensado, a ação penal é respaldada por outro procedimento criminal, o que denota a imprescindibilidade de uma apuração preliminar da notitia criminis. Assim, a doutrina moderna rechaça a dispensabilidade como característica do inquérito, já que a exceção não pode ser uma característica de determinado instituto. VÍCIOS NO INQUÉRITO POLICIAL VALOR PROBATÓRIO DO INQUERITO POLICIAL Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova (livre convencimento motivado) produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente (elementos migratórios do inquerito policial) nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Conforme se verifica da segunda parte do artigo 155, CPP, o juiz não pode julgar alguém tomando por base única e exclusivamente os elementos de informação colhidos em fase de inquérito policial. Isso porque tais elementos não são submetidos, em regra, ao contraditório e ampla defesa. Apesar de não poderem ser utilizados como meios únicos de eventual condenação, podem embasa-la quando corroborados por provas colhidas durante a ação (e consequentemente, sob contraditório e ampla defesa). Os elementos informativos angariados na investigação ter valor preponderantemente subsidiário e complementar em relação às provas produzidas no processo. Isoladamente, não devem legitimar a fundamentação de uma sentença. A exceção se dá em relação às provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, as quais, apesar de coletadas durante fase de inquérito policial, dado seu caráter e modo de produção, poderão embasar por si só uma eventual sentença judicial. Provas cautelares: para evitar o perecimento, quando há urgência, risco de perda em razão do tempo. Demandam autorização judicial e o contraditório é diferido. Ex .: Busca e apreensão. Provas não repetíveis: aquela que não permite a reprodução ou repetição em razão do desaparecimento ou destruição da fonte de prova. Não demanda autorização judicial e o contraditório é diferido. Ex .: Laudo de corpo delito. Provas antecipadas: adiantar a produção de uma prova que viria a ser realizada em fase processual, em razão de urgência e relevância. Demandam autorização judicial e o contraditório é real. Ex .: Depoimento de pessoa que se encontra em leito de morte. Os três elementos indicados no slide anterior são também chamados pela Doutrina como ELEMENTOS MIGRATÓRIOS, vez que, apesar de produzidos durante a investigação criminal, "migram" para o processo penal, podendo ser utilizados, por si só, para fundamentação de uma sentença. VÍCIOS NO INQUÉRITO POLICIAL Por se tratar o inquérito de um procedimento administrativo, entende-se que eventuais vícios nele existentes, via de regra, não afetam a ação penal. Significa dizer que o vício gerará efeitos apenas no âmbito do inquérito policial, sem contaminar a ação penal. Obsl: o termo "nulidade" só deve ser usado para provas produzidas em Juízo, pois não há disciplina quanto a "nulidades" do inquérito policial, sendo tecnicamente adequado a utilização de "irregularidades" no inquérito policial. Obs2: Há exceções trazidos pela doutrina, como por exemplo, quando há prática de atos no inquérito policial que se submetem a "reserva de jurisdição" ou são incorporados na sentença como motivação (art. 155 do CPP). Eventual nulidade na oitiva do acusado no curso da investigação preliminar não tem o condão de nulificar o recebimento da denúncia e a ação penal deflagrada, quando existam elementos autônomos que sustentam a decisão impugnada. Ademais, cabe ressaltar que eventuais vícios na fase extrajudicial não contaminam o processo penal, dadaa natureza meramente informativa do inquérito policial. STJ. 5a Turma. AgRg no RHC 124.024/SP. Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 22/09/2020. Eventuais irregularidades ocorridas no inquérito policial não contaminam a ação penal. STJ. 6a Turma. RHC n. 112.336/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 07/11/2019. O inquérito policial constitui procedimento administrativo, de caráter informativo, cuja finalidade consiste em subsidiar eventual denúncia a ser apresentada pelo Ministério Público, razão pela qual de STF. 1ª Turma.HC 169.348/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 17/12/2019. irregularidades ocorridas não implicam, regra, nulidade de processo-crime. Jurisprudencia em Teses do STJ - EDIÇÃO N. 69: NULIDADES NO PROCESSO PENAL: "As nulidades surgidas no curso da investigação preliminar não atingem a ação penal dela decorrente". Não obstante as cortes superiores não admitirem com todas as letras o regime de nulidades do inquérito policial, em inúmeros julgados acabam por invalidar os atos investigativos praticados sem a observância das formalidades e garantias devidas. São exemplos: a) busca e apreensão domiciliar cumprida em endereço não especificado no mandado judicial; b) quebra de sigilo de dados amparada exclusivamente em denúncia anônima; c) interceptação telefônica executada por agentes não policiais civis ou federais; d) interceptação telefônica iniciada por denúncia anônima desacompanhada de diligências preliminares. INFO 791, STJ, 2023: Só há nulidade pela falta de cientificação do acusado sobre o seu direito de permanecer em silêncio, em fase de inquérito policial, caso demonstrado o efetivo prejuízo. Nota-se que as próprias cortes superiores reconhecem que a investigação policial possui força probante e reconhecem nulidades, rechaçando uma imunidade dos atos policiais contra qualquer declaração de invalidade, ainda que não digam com essas palavras. Assim agindo, entram em contradição com seus próprios julgados, que difundem o lugar-comum de acordo com o qual não há nulidade no inquérito policial. image7.png image8.png image1.png image2.png image3.png image4.png image5.png image6.png