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Distúrbios sensoriais, motores e da consciência P1 – “Não aguento mais essa dor” 1) Revisar os pontos principais da anamnese e exame físico neurológico Anamnese Neurológica A anamnese neurológica deve ser minuciosa, organizada e guiada, pois o exame físico neurológico só terá valor se vier precedido de uma boa história clínica. Identificação • Nome, idade, sexo, profissão, escolaridade. • Importante porque muitas doenças neurológicas têm faixa etária típica (ex.: epilepsia em jovens, AVC em idosos). Queixa Principal (QP) • Sempre em uma frase curta, preferencialmente com sintoma + tempo de evolução. • Exemplo: “Fraqueza súbita em braço direito há 2 horas”. História da Doença Atual (HDA) Deve ser detalhada e direcionada para o sistema nervoso. Aspectos principais: 1. Início: súbito (AVC, crise epiléptica) x insidioso (tumores, doenças degenerativas). 2. Curso: progressivo, intermitente, remitente. 3. Sintomas neurológicos básicos: o Motores: paresias, paralisias, tremores, movimentos anormais, alterações de marcha. o Sensitivos: dormência, formigamento, dor neuropática. o Cognitivos/psíquicos: perda de memória, alteração de comportamento, afasia. o Cefaleia: localização, intensidade, duração, fatores de melhora/piora, sintomas associados (náuseas, fotofobia). o Crises epilépticas: descrição da crise, aura, duração, recuperação pós-ictal. o Distúrbios da consciência: síncope, sonolência, coma, confusão. o Distúrbios de nervos cranianos: visão dupla, perda visual, disfagia, disartria. 4. Fatores desencadeantes (trauma, infecção, esforço, estresse). 5. Evolução temporal: linear, em surtos, com recuperação parcial ou total. Antecedentes Pessoais • Doenças prévias: hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares, epilepsia, TCE, infecciosas (HIV, sífilis). • Cirurgias e hospitalizações. • História obstétrica/perinatal (importante em crianças). • Alergias. Uso de Medicamentos e Hábitos de Vida • Antiepilépticos, anticoagulantes, contraceptivos, drogas ilícitas, álcool, tabaco. História Familiar • Casos de epilepsia, enxaqueca, doenças degenerativas, AVC precoce, neuropatias hereditárias. História Social • Profissão (exposição a metais, solventes, trauma repetitivo). • Escolaridade e cognição (relevante para avaliação de demências). Revisão de Sistemas • Perguntar sobre sintomas gerais que podem se relacionar ao quadro neurológico: febre, emagrecimento, alterações urinárias/intestinais, sintomas respiratórios ou cardíacos associados. Pontos de Atenção na Anamnese Neurológica • O tempo de evolução e o padrão dos sintomas geralmente orientam a etiologia. • Déficits focais súbitos → AVC. • Episódios recorrentes estereotipados → epilepsia, migrânea. • Progressão lenta → tumores, doenças degenerativas. • Associação com febre → meningite, encefalite, abscesso. Exame Neurológico O exame neurológico é realizado de maneira organizada, avaliando desde o estado mental até funções motoras, sensitivas e reflexos. Ele deve ser sequencial e comparativo (sempre confrontar os dois lados do corpo). Estado Mental e Funções Corticais Superiores • Nível de consciência: alerta, sonolento, obnubilado, estupor, coma. • Orientação: pessoal, temporal e espacial. • Atenção e concentração: cálculos simples, inversão de dígitos. • Memória: imediata, recente e tardia. • Linguagem: fluência, compreensão, repetição, nomeação, leitura e escrita. • Funções executivas: abstração, praxia, julgamento. Nervos Cranianos (I – XII) • I (Olfatório): olfação. • II (Óptico): acuidade visual, campo visual, fundo de olho. • III, IV, VI (Motor ocular comum, Troclear, Abducente): movimentos oculares, reflexo fotomotor e consensual, reflexo de acomodação. • V (Trigêmeo): sensibilidade facial (3 ramos), motricidade dos músculos da mastigação, reflexo córneo-palpebral. • VII (Facial): motricidade da mímica facial, paladar 2/3 anteriores da língua. • VIII (Vestibulococlear): audição (Rinne e Weber), equilíbrio, nistagmo. • IX e X (Glossofaríngeo e Vago): deglutição, reflexo nauseoso, motricidade do palato, qualidade da voz. • XI (Acessório): força do trapézio e esternocleidomastóideo. • XII (Hipoglosso): motricidade da língua (desvio na protrusão). Força Muscular • Avaliação segmentar (MMSS e MMII, proximal e distal). • Escala do Medical Research Council (MRC): o 0: ausência de contração. o 1: contração visível sem movimento. o 2: movimento sem vencer a gravidade. o 3: movimento contra gravidade. o 4: movimento contra resistência. o 5: força normal. Tônus Muscular • Hipotonia: doenças cerebelares, nervo periférico. • Espasticidade (aumento do tônus dependente da velocidade): lesão piramidal. • Rigidez plástica/“canivete”: Parkinson. Reflexos • Profundos (miotáticos): bicipital, tricipital, estilorradial, patelar, aquileu. • Superficiais: cutâneo-abdominal, cremastérico. • Patológicos: Babinski, Hoffman. Coordenação e Marcha • Provas cerebelares: o Dedo-nariz, calcanhar-joelho. o Diadococinesia (movimentos alternados rápidos). • Marcha: normal, em base alargada (cerebelar), em tesoura (espástica), parkinsoniana, em esteppage (neuropatia periférica). Sensibilidade • Superficial: tato, dor, temperatura. • Profunda: vibração (diapasão), posição articular. • Cortical: estereognosia, grafestesia, discriminação de dois pontos. Sinais Meníngeos • Rigidez de nuca. • Sinal de Kernig: dor/resistência à extensão do joelho com quadril fletido. • Sinal de Brudzinski: flexão involuntária dos joelhos ao fletir a cabeça. Exame do Sistema Nervoso Autônomo • Sudorese, alterações vasomotoras, controle esfincteriano, pressão arterial postural. Esquema Resumido de Sequência 1. Estado mental. 2. Nervos cranianos. 3. Força. 4. Tônus. 5. Reflexos. 6. Coordenação e marcha. 7. Sensibilidade. 8. Sinais meníngeos. 9. Autonômico. 2) Discutir sinais de alarme (red flags) e diagnósticos diferenciais em cefaleias A cefaleia é uma das queixas mais comuns em medicina. A maioria é benigna (primária), mas identificar sinais de alarme é fundamental para não perder causas graves (secundárias). 1. Sinais de Alarme – “Red Flags” São características clínicas que indicam maior risco de uma cefaleia secundária potencialmente grave. 🔴 Red flags principais (mnemônico SNOOP10): • S – Sistêmicos: febre, perda de peso, sudorese noturna, imunossupressão, câncer conhecido. • N – Neurológicos: déficit focal, alteração do nível de consciência, convulsões. • O – Onset (início): cefaleia de início súbito, “em trovoada” (thunderclap headache). • O – Older (idade): primeira cefaleia após os 50 anos. • P – Padrão diferente / progressão: nova cefaleia em paciente com história prévia diferente ou cefaleia que piora progressivamente. • 10 pontos adicionais (variações descritas em guidelines): o Pós-trauma. o Gravidez/puerpério. o Cefaleia desencadeada por esforço, tosse ou relação sexual. o Associação com vômitos em jato ou papiledema. o Alterações cognitivas ou comportamentais. o Doença sistêmica associada (HIV, lúpus, doenças hematológicas). o Dor unilateral fixa persistente. o Alteração visual súbita. o Presença de aura atípica (muito prolongada, persistente ou deficitária). o Paciente com comorbidades vasculares importantes (HAS grave, coagulopatias). 👉 Esses sinais devem sempre levar à investigação com neuroimagem (TC, RM) e exames complementares conforme suspeita. 2. Principais Diagnósticos Diferenciais A) Cefaleias Primárias (benignas, mais comuns) 1. Enxaqueca (migrânea): o Dor pulsátil, unilateral, moderada a forte, 4–72h. o Associada a náuseas, fotofobia, fonofobia. o Pode ter aura (visual, sensitiva, motora). 2. Cefaleia Tensional: o Dor em pressão, bilateral, intensidadeleve a moderada. o Não piora com esforço físico. o Sem náuseas importantes. 3. Cefaleia em Salvas (cluster): o Dor orbitária unilateral, muito intensa. o Crises curtas (15–180min), várias vezes ao dia. o Sintomas autonômicos ipsilaterais: lacrimejamento, congestão nasal, miose, ptose. B) Cefaleias Secundárias (red flags) 1. Hemorragia Subaracnóidea o Cefaleia súbita, “pior da vida”. o Associada a vômitos, rigidez de nuca, alteração de consciência. 2. Meningite/encefalite o Cefaleia difusa, febre, fotofobia, rigidez de nuca. o Evolução aguda/subaguda. 3. Trombose venosa cerebral o Cefaleia subaguda, progressiva. o Pode ter convulsões, déficits focais. o Mais comum em puerpério, uso de anticoncepcional, estados de hipercoagulabilidade. 4. Tumores e lesões expansivas intracranianas o Cefaleia progressiva, pior pela manhã ou ao tossir. o Pode associar vômitos em jato, papiledema, déficits focais. 5. Arterite de células gigantes (temporal) o Idosos >50 anos. o Dor temporal, claudicação de mandíbula, risco de cegueira. o VHS elevado. 6. Hipertensão intracraniana idiopática o Mulheres jovens, obesas. o Cefaleia, papiledema, diplopia. 7. Cefaleia pós-trauma craniano o Início após trauma, pode indicar hematoma subdural/epidural. 3. Raciocínio Clínico • Sem red flags + história típica → tratar como cefaleia primária. • Com red flags → investigação imediata (neuroimagem, punção lombar, exames laboratoriais). • Emergência neurológica: hemorragia subaracnóidea, meningite/encefalite, hipertensão intracraniana aguda. ✅ Em resumo: • Red flags → pensar em causas secundárias. • Cefaleias primárias são benignas, mas têm impacto funcional importante. • O desafio clínico é não perder as causas graves entre tantas cefaleias comuns. 3) Apresentar as principais causas de cefaleias primárias (enxaqueca, cefaleia tensional, cefaleia em salvas), incluindo epidemiologia, fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento. Cefaleias Primárias As cefaleias primárias são aquelas em que a dor de cabeça é a própria doença, sem relação com outra patologia estrutural ou metabólica. Representam a maioria dos casos atendidos em ambulatórios e emergências. As três mais importantes são: enxaqueca, cefaleia tensional e cefaleia em salvas. 1. Enxaqueca (Migrânea) Epidemiologia • Prevalência: 10–15% da população. • Mais comum em mulheres (3:1). • Início geralmente entre 10–30 anos. • Forte influência genética e hormonal (menstruação, anticoncepcionais). Fisiopatologia • Disfunção no trigêmeo-vascular → liberação de neuropeptídeos (substância P, CGRP) → vasodilatação e inflamação neurogênica. • Alterações na excitabilidade cortical (ondas de depressão cortical propagada). • Envolvimento de serotonina e dopamina. Manifestações Clínicas • Dor: unilateral, pulsátil, intensidade moderada a forte, duração de 4–72h. • Sintomas associados: náuseas, vômitos, fotofobia, fonofobia. • Aura (em 25–30%): sintomas visuais (escotomas, flashes), sensitivos (formigamento), linguagem. • Piora com atividade física. Diagnóstico • Clínico (Critérios da ICHD-3). • Exame físico e neurológico geralmente normais. • Neuroimagem indicada apenas se houver red flags. Tratamento • Crise: o Analgésicos comuns (dipirona, AINEs). o Triptanos (sumatriptano, zolmitriptano). o Antieméticos (metoclopramida, domperidona). • Profilaxia (se ≥3 crises/mês ou crises graves): o Betabloqueadores (propranolol). o Antiepilépticos (topiramato, valproato). o Antidepressivos tricíclicos (amitriptilina). o Anticorpos anti-CGRP (novas terapias). 2. Cefaleia Tensional Epidemiologia • A mais comum das cefaleias primárias (≈40% da população). • Sem predomínio de sexo. • Associada a estresse, má postura, ansiedade, privação de sono. Fisiopatologia • Mecanismo multifatorial: o Contratura muscular pericraniana. o Alterações no controle central da dor. o Fatores psicossociais. Manifestações Clínicas o Dor bilateral, em pressão/apertamento (“capacete” ou “aperto em faixa”). o Intensidade leve a moderada. o Não piora com esforço físico. o Pode haver fotofobia ou fonofobia isoladamente, mas não ambos. o Geralmente sem náuseas/vômitos. Diagnóstico o Clínico (ICHD-3). o Exclusão de causas secundárias se houver atipias. Tratamento • Crise o Analgésicos comuns (dipirona, paracetamol, AINEs). o Relaxamento, alongamento, fisioterapia. • Profilaxia (formas crônicas): o Antidepressivos tricíclicos (amitriptilina). o Terapias cognitivas e comportamentais. o Exercícios físicos regulares. 3. Cefaleia em Salvas (Cluster Headache) Epidemiologia • Prevalência rara: