Prévia do material em texto
Introdução à Epidemiologia SUMÁRIO 1. ABORDAGEM EPIDEMIOLÓGICA ...............................................................................3 2. MEDIDAS DE SIGNIFICÂNCIA ESTATÍSTICA ............................................................5 3. MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS .....................................................................8 4. NÍVEL DE EVIDÊNCIA .................................................................................................9 5. PREVALÊNCIA X INCIDÊNCIA .................................................................................10 6. ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS .................................................................................13 7. MEDIDAS DE ASSOCIAÇÃO –ANÁLISE DE ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS ..........18 8. TESTES DIAGNÓSTICOS .........................................................................................23 9. APLICAÇÃO CLÍNICA ...............................................................................................25 10. CURVA DE ROC ......................................................................................................26 11. COMPORTAMENTO EPIDÊMICO E A PREVENÇÃO DE DOENÇAS .......................28 Referências bibliográficas .............................................................................................34 Introdução à Epidemiologia 3 1. ABORDAGEM EPIDEMIOLÓGICA A abordagem médica no dia a dia é a abordagem clínica. Ela difere em mui tos fatores da abordagem epidemiológica. A primeira, se não a principal diferença entre as duas abordagens, se dá no diagnóstico e isso é descri to pela Associação Internacional de Epidemiologia (IEA), em seu Guia de Métodos de Ensino (ORGANIZACI ÓN MUNDIAL DE LA SALUD, 1973): “Enquanto a clínica dedica-se ao estudo da doença no indiví duo, analisan- do caso a caso, a epidemiologia debruça-se sobre os problemas de saúde em gru pos de pessoas, às vezes gru pos pequenos, na maioria das vezes envolvendo populações numerosas.” Conceito: Epidemiologia: a palavra deriva do grego, onde: epi (so- bre) + de mos (povo) + logos (ciência). Etimologi camente, epidemiologia significa ciência do que ocorre com o povo. Além disso, o objetivo da clínica é o de curar apenas aquele indivíduo que o médico está tratando, sendo que a epidemiologia foca no coletivo, na saúde em uma determi- nada co munidade. Claro que para você me lhorar a saúde na comunidade, você precisa melhorar a saúde de manei ra individual, o que ressalta que a abordagem epidemiológica precisa da clínica. Não existiriam avanços na clínica sem os estudos epidemiológi cos, mas estes não existiriam sem os avanços na clínica. Outra diferença entre as duas abor dagens é na fonte de informação, pois quando precisamos tratar um indiví duo utilizamos a anamnese, exame físico e os exames complementares para chegar ao diagnóstico daquela doença, sendo assim tratar ou reabi litar o paciente. Já a epidemiologia, como o objetivo não é o de curar alguém individual mente, mas sim de melhorar a saúde em uma determinada comunidade e diminuir os fatores de risco que ali existem, a fonte de informação são os indicadores de saúde, que vão dizer, por exemplo, sobre mortalidade ou morbidade naquela comunidade. Mas o que fazer com essa informa ção? Como foi dito, na clínica a ação é de tratar ou reabilitar o paciente, mas e na epidemiologia? A informação epidemiológica serve principalmente para se identificar quais os progra mas de saúde que serão realizados naquela região. Se existem duas comunidades: a co munidade A, com muitos idosos hi pertensos e diabéticos, e a comuni dade B, com muitos indivíduos jovens e envolvidos com o tráfico de drogas. Qual o melhor local para se realizar um programa de combate às drogas? Introdução à Epidemiologia 4 Com essa pergunta já podemos ter a certeza de duas coisas: • Sem os indicadores em saúde não saberíamos em qual comunidade existe qual problema • Sem esses dados não saberíamos para qual comunidade desviar um determinado recurso E mais, como saber por quanto tem po acompanhar aquela comunidade? O acompa- nhamento da epidemiolo gia é constante! Ele é feito através da vigilância epidemiológica, que fornece dados para alimentar os sis temas de saúde e as ações sobre o problema encontrado serão mantidas enquanto os indicadores de saúde estiverem alterados. Isso não difere muito da clínica, pres te atenção! No acompanhamento clí nico você acompanha o paciente de modo a evitar fatores de risco e do enças, quando ele fica doente, você acompanha até ele ficar curado e, caso ele não possa ser curado, você acompanha a sua reabilitação e/ou cuidados paliativos. A epidemiologia faz o mesmo: • Existe um acompanhamento da comunidade, que é traduzido em dados de indi- cadores em saúde • São lançados os programas para que esses indicadores melhorem ou não piorem • Existe uma verificação constante para averiguar se os programas estão sendo efetivos • Caso eles melhorem os indicado res, verifica-se a necessidade de manutenção ou encerramento, caso não sejam mais necessários Opa! Falamos muitas coisas aqui, não foi? Que tal conferir na tabela abai xo quais as características das duas abordagens, sendo elas, a clínica e a epidemiológica? CLÍNICA EPIDEMIOLÓGICA DIAGNÓSTICO INDIVIDUAL COMUNITÁRIO / POPULACIONAL OBJETIVO CURAR E PREVENIR A DOENÇA DE UMA PESSOA SAÚDE NA COMUNIDADE FATORES DE RISCO INFORMAÇÃO PROPEDÊUTICA (HISTÓRIA CLÍNICA, EXAME FÍSICO, EXAMES COMPLEMENTARES) INDICADORES AÇÕES TRATAMENTO / REABILITAÇÃO PROGRAMAS DE SAÚDE / PROMOÇÃO EM SAÚDE MONITORAMENTO NO TEMPO ACOMPANHAMENTO CLÍNICO (EVITAR DOENÇAS, TRATAR E REABILITAR) MUDANÇAS NO ESTADO DE SAÚDE DA POPULAÇÃO / MELHORA DOS INDICADORES Tabela 1. Abordagem epidemiológica. Fonte: Elaborado pelo autor Introdução à Epidemiologia 5 2. MEDIDAS DE SIGNIFICÂNCIA ESTATÍSTICA A análise da significância estatística é considerada um procedimento para verificar a discrepância de uma hipótese estatística em relação aos dados observados, utilizando uma medida de evidência conhecida como “p-valor”. Em um teste de hipótese estatística, verifica-se a existência da signifi cância esta- tística (se o resultado é estatisticamente significante) quando o “p-valor” observado for menor que o nível de significância definido para o estudo. A significância estatística é de extre ma importância para se verificar se o resultado encontrado em um estu do ocorreu pela associação ou pelo acaso. Se liga! O nível de significância é geralmente determinado pelo pesquisador antes da coleta dos dados e é tradicio nalmente fixado em 0,05 ou menos, de pendendo da área de estudo. Mas o que isso significa? O conceito de “p-valor” pode ficar meio abstra to na nossa mente, então vamos ao exemplo: Quando eu faço um estudo, descrevo nele a metodologia utilizada, correto? Se alguém quiser reproduzir meu es tudo, reproduzirá nas mesmas con dições que eu fiz, utilizando uma po pulação diferente, um “n” de mesmo valor, porém com pessoas diferentes das utilizadas por mim. Vamos supor então que 100 pes quisadores reproduzam meu estudo. Em condições perfeitas, essas 100 pesquisas devem chegar ao mesmo resultado (100% das vezes), porém normalmente admite-se que exista 5% de resultados diferentes no estu do (daí o número 0,05 para “p”). Ou seja, a cada 100 pesquisas reprodu zidas, 95% ou mais têm de ter o mes mo resultado para que esse estudo seja considerado estatisticamente re- levante. Quanto menor o valor de “p”, maior a associação e mais re levante é o estudo, pois indica que a associação não foi feita ao acaso. Introdução à Epidemiologia 6 Se liga! Quanto maior o “n” de um estudo, significa que a população estudada foi maior e, sendo assim, esse estudo apresenta maior significância estatística. Acaso X Vieses Um estudo epidemiológico está su jeito a erros que podem alterar ou in terferir no resultado dele. Esses erros podem sersistemáticos ou aleatórios. As distorções de um estudo relacio nadas com erros aleatórios são cha madas de erros de precisão, já as relacionadas com erros sistemáticos são chamadas de erros de validade ou vieses. O viés refere-se ao tama nho da discrepância entre o valor ver- dadeiro medido em uma população real e o valor de sua estimativa no estudo. Os tipos de viés podem ser: • Viés de seleção: esse viés está re lacionado com a metodologia de seleção dos sujeitos da pesquisa ou a fatores que influenciam a participação desses sujeitos na pesquisa. A associação entre a ex posição e o desfecho difere entre os que participaram e os que não participaram do estudo. Se liga! Veja exemplos de vieses de seleção em estudos de caso- -controle e em estudos de coorte: Caso-controle: quando você realiza coleta de sangue de familiares de pacientes com AVC para estudo de biomarcadores, você está verificando em pacientes mais expostos do que a população fonte. Coorte: tabagistas tendem a não responder questionários, o que faz com que você tenha menos indivíduos desse grupo em seu estudo. • Viés de informação: esse viés está relacionado com a coleta errônea das informa- ções em um estudo clínico. Podendo ser pela classificação incorreta das variá veis (em variáveis categóricas) ou da mensuração (em va riáveis numéricas). Introdução à Epidemiologia 7 Se liga! Os vieses de informação podem ser diferencial, quando o erro difere de acordo com outras variáveis do estudo, ou não diferencial, quando ele não tem relação com outras variáveis do estudo. O viés de recordação é um exemplo de viés de informação diferencial. Nele, o paciente tem uma tendência a lembrar de eventos e experiências relacionados com a exposição. Confundimento O confundimento, fenômeno particu larmente importante no processo in ferencial de estudos observacionais, por ser praticamente universal nesse tipo de estudo, ocorre quando existem outros fatores com potencial preditor para o desfecho e esses fatores es tão distribuídos diferentemente entre os grupos de exposição. Com isso, o efeito da exposição está “misturado” com o efeito de outra variável, levan do a um viés do resultado. Hipótese nula A hipótese nula é uma hipótese na qual se pretende confrontar os fatos, sendo, mui- tas vezes, uma afirmação quanto a um parâmetro que é uma propriedade estatística na população. Ela geralmente afirma a não existên cia de relação entre dois fenômenos medidos. Se liga! Em uma hipótese nula não se consegue identificar se um determinado fator é de risco ou proteção! Eficácia X Efetividade X Eficiência A eficácia é o benefício adquirido em condições ideais em um estudo. Quando você utiliza esse estudo em uma população real e verifica se os benefícios foram mantidos, você está medindo a efetividade. Já a eficiên cia é a utilização dos recursos dispo níveis da melhor maneira possível, no menor tempo possível e com menor custo, evitando “desperdícios”. Introdução à Epidemiologia 8 Se liga! A validade interna e a validade externa são dois conceitos que se rela cionam com os conceitos de eficácia e efetividade. Observe: A validade interna é quando você utiliza uma associação de um determinado es- tudo e comprova que aquela associação é viável em uma população específica. A validade externa ocorre quando você consegue generalizar essa associação para todas as populações. 3. MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS Medicina baseada em evidências é a prática da medicina clínica integrada à capaci- dade de analisar criticamente e aplicar de forma racional a infor mação científica a fim de se melho rar a assistência médica. Ou seja, ao se resolver problemas de pacientes, surgem dúvidas que deverão servir de estímulos para a atualização do conhecimento. Para se realizar a medicina baseada em evidências, o médico deve se atu alizar em periódicos, artigos, capítu los de livros e outras fontes confiáveis de informação. Introdução à Epidemiologia 9 4. NÍVEL DE EVIDÊNCIA Para que se avalie a qualidade de in formações publicadas, é importante o conheci- mento de metodologia de pesquisa, com o intuito de verificar se determinado artigo estudado é esta tisticamente relevante e qual o ní vel de evidência utilizado. Existem cinco níveis de evidência, que são baseados no tipo de estudo que revelou tal associação. QUALIDADE TIPO DE EVIDÊNCIA 1 A: Revisão sistemática de ensaio clínico randomizado B: Ensaio clínico randomizado individual, com intervalo de confiança estreito C: Série de casos “tudo ou nada” 2 A: Revisão sistemática de estudo de coorte B: Estudo de coorte individual. Ensaio clínico randomizado com dropouts > 20% C: Estudos ecológicos 3 A: Revisão sistemática de caso-controle B: Caso-controle individual 4 Série de casos 5 C: Opinião do especialista Tabela 2. Classificação das evidências científicas nas revisões sistemáticas de literatura. Fonte: Elaborado pelo autor Se liga! Um estudo de série de casos não é um estudo estatistica- mente relevante normal mente. Mas por que ele tem nível de evidência 1 (ainda que seja 1C)? Porque, nesse caso, estamos falando de uma série de casos “tudo ou nada”, ou seja, quando o resultado do estu do é muito discrepante para testar uma hipótese: ou ela acontece ou não acontece de forma alguma. Introdução à Epidemiologia 10 Saiba mais! Os níveis de recomendação estão relacionados com os níveis de evidência. Um nível de recomendação A corresponde às condutas que devem ser seguidas, pois têm eficácia comprovada. São os estudos com níveis de evidência 1: 1A, 1B e 1C. Um nível de recomendação B corresponde aos níveis de evidência 2 e 3: 2A, 2B, 2C, 3A e 3B. Um nível de recomendação C corresponde ao nível de evidência 4 e é uma conduta que apresenta risco relativo, não devendo ser seguida. O nível de recomendação D corresponde ao nível de evidência 5 e é a algo que não deve ser feito, pois não existem evidências que comprovem a eficácia do que foi dito. É apenas a opinião de um especialista. 5. PREVALÊNCIA X INCIDÊNCIA Os termos prevalência e incidência são bastante utilizados na epidemio logia. Os indicadores em saúde são abordados, na maioria das vezes, ba seados na proporção de eventos inci dentes e prevalentes. Conceito: Evento incidente e evento prevalente: Um evento incidente é definido como evento novo de uma doença (ou morte ou outro problema de saúde) ocorrido em um determinado tempo de observação. Um evento prevalente é definido como eventos existentes de uma doença (ou outro problema de saúde) em determi nado momento. Introdução à Epidemiologia 11 A taxa de incidência corresponde ao número de casos novos de uma do ença, dividido pela população expos ta em um espaço geográfico, durante um tempo determinado. Epidemiologicamente, essa taxa é importante porque ela permite calcular a proba bilidade de que exista uma mudança de estado (por exemplo, não ter a do ença e adoecer, estar vivo e morrer, não ter um evento e ter um evento adverso) em determinado tempo, es- timando o risco de uma pessoa sofrer tal evento. Já a taxa de prevalência correspon de ao número de casos existentes de uma doença, dividido pelo número de pessoas de uma população, durante um tempo determina- do. Nes se caso, cada indivíduo é observado em uma única oportunidade, quando se constata sua situação quanto ao evento de interesse. Epidemiologica mente, essa taxa é importante, pois demonstra a probabilidade estática de ocorrer uma dada afecção (es tar doente) em determinado tempo, mas sem estimar o risco do evento ocorrer. Se liga! Se uma doença tem alta prevalência em uma população, pode indi car uma incidência elevada ou o fato de que a doença ou agravo tem longa du- ração, como no caso de doenças que se tornam crônicas e são incuráveis, apesar de não ter alta letalidade. Em contraste, se uma doença tem baixa prevalência, pode indicar uma incidência baixa ou um processo de rápido desapareci mento doindivíduo com a doença ou agravo, porque ele se cura em pouco tempo ou morre. Introdução à Epidemiologia 12 MAPA MENTAL: INTRODUÇÃO À EPIDEMIOLOGIA ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS ABORDAGEM EPIDEMIOLÓGICA CONCEITOS IMPORTANTES INTRODUÇÃO À EPIDEMIOLOGIA INCIDÊNCIAEFETIVIDADE EFICIÊNCIA DIAGNÓSTICO OBJETIVO INFORMAÇÃO AÇÕES MONITORAMENTO CONFUNDIMENTO ERROS DE PRECISÃO ERROS DE VALIDADE NÃO IDENTIFICA HIPÓTESE NULA NÍVEL DE EVIDÊNCIA NÍVEL DE RECOMENDAÇÃO SIGNIFICÂNCIA ESTATÍSTICA EXISTE ASSOCIAÇÃO OU FOI ACASO P-VALOR A B C D PREVALÊNCIAEFICÁCIA EVENTOS EXISTENTES DEVE SER SEGUIDA RISCO-BENEFÍCIO RISCO RELATIVO NÃO DEVE SEGUIR POPULAÇÃO REAL EVENTOS NOVOSCONDIÇÕES IDEAIS CUSTO-BENEFÍCIO POPULACIONAL CONTROLE DE FATORES DE RISCO INDICADORES COMUNITÁRIO SAÚDE NA COMUNIDADE PROGRAMAS DE SAÚDE MELHORA DOS INDICADORES SELEÇÃO INFORMAÇÃO ERROS SISTEMÁTICOS ERROS ALEATÓRIOS VIÉS “MISTURA” FATOR DE RISCO ≤0,05 FATOR DE PROTEÇÃO Gera o Verifica-se Mistura Le va nd o a Fonte: Elaborado pelo autor Introdução à Epidemiologia 13 6. ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS O aprendizado dos estudos epide miológicos é de extrema importância, tendo em vista a medicina baseada em evidências, na qual o médico bus cará conhecimento em artigos cientí ficos e todo artigo científico é base ado em algum desenho de estudo epidemiológico. Conceitos básicos Antes de se realizar um estudo epi demiológico, um pesquisador sempre precisa res- ponder qual a motivação do estudo, se é gerar hipóteses ou testar as hipóteses que ele possui. Além disso, se ele sabe o que ele tem “em mãos”: ele tem uma doença e quer pesquisar se existia um determi nado fator de risco? Ou ele tem fato res de risco e quer determinar se eles chegarão em uma doença? As variá veis estão bem delimitadas? Ou seja, antes de iniciar uma pes quisa, é necessário delimitar corre tamente o que se quer descrever, observar ou comprovar, se existem dados suficientes para se pesquisar e onde esses dados serão coletados. Para tal, é imprescindível conhecer as classifica- ções de um estudo e alguns conceitos iniciais. O primeiro conceito que devemos entender é o de variáveis indepen dentes e depen- dentes. As variáveis independentes são aquelas que vêm antes do desfecho: o fator de risco ou as causas. Já as variáveis depen dentes são o próprio desfecho, a conse- quência, o que vem depois da causa. Ainda sobre os conceitos iniciais, é de valor enorme conhecer as classifica ções dos desenhos de estudos, pois a definição de cada um vai partir des ses conceitos. Os estudos podem ser descritivos ou analíticos. Nos estudos descriti vos, o pes- quisador apenas observa e descreve o desfecho de determinada situação, descreve a frequência e a distribuição, mas sem intervir, como no relato de caso. Nos estudos analí ticos, a intenção da pesquisa é com provar se existe ou não associação entre o risco e o agravo, como no caso-controle, coorte e ensaio clínico. Essa classificação pode ser confun dida com a classificação entre obser vacional e intervencionista, mas elas são diferentes. Observe: um estudo observacional é aquele em que o pes quisador não manipula o estudo; ele apenas observa a história natural da doença, como no caso da coorte. Um estudo pode ser observacional e descritivo, pois ele observa e descre ve a história natural da doença, mas ele pode ser observacional e analíti co, pois, sem manipular o estudo, ele consegue comprovar a relação entre um fator de risco e um desfecho. Os estudos intervencionistas são aqueles em que o pesquisador atua ati vamente, tratando os pacientes, por exemplo. Esses estudos não podem ser observacionais, mas podem ser analíticos, pois você pode comprovar a associação de um fator de risco e um desfecho manipulando os grupos do estudo, como no ensaio clínico. Introdução à Epidemiologia 14 Com relação à distinção entre os in divíduos sadios e doentes, os estu dos podem ser individuais ou agrega dos. Nos estudos individuais, existe a clara distinção do gru- po exposto ao fator de risco e outro que não está, do grupo que tem uma determinada doença e outro que não tem, do gru po que está recebendo o tratamento e do outro que não está recebendo, por exemplo, no ensaio clínico. Já nos es tudos agregados, não se consegue fazer a distinção entre os indivíduos sadios dos doentes, os que estão re cebendo tratamento dos que não es tão. Existe uma população e não se sabe as ca- racterísticas individuais, por exemplo, nos estudos ecológicos. Um estudo pode ser classificado quanto ao tempo em quatro modos: se ele é trans- versal ou longitudinal e se ele é prospectivo ou retrospectivo. Quando estamos falando de estudos transversais e longitudinais, queremos saber se existiu um recorte no tempo ou se existiu um acompanhamento. Nos estudos transversais é possível observar um retrato no tempo, um momento na realidade. Mas o mais importante é que não é possível identificar a variável dependente e a independente, pois as duas são observadas ao mesmo tempo, como nos estudos ecológicos. Já nos estu dos longitudinais, o pesquisador faz o acompanhamento dos partici pantes. Ele consegue, por exemplo, seguir pacientes com determinados fatores de risco e verificar se o des fecho acontece ou identificar o des fecho e observar na his- tória dos pa cientes se eles estavam expostos a fatores de risco. Ou seja, existe uma clara visão da variável dependente e da variável independente, como nos estudos de caso-controle. A classificação em prospectivo ou retrospectivo é bastante confundida, porque muitas pessoas acreditam que é da seguinte forma: prospectivo é no presente-futuro e retrospectivo no passado, mas não é assim! Os es tudos prospectivos são aqueles que o pesquisador parte do risco e ob serva o desfecho (por exemplo: co orte). Já os estudos retrospectivos são aqueles que o pesquisador parte do desfecho e observa se existia o risco (por exemplo: caso-controle). Se liga! Para facilitar a memorização, se liga no exemplo abaixo: Um estudo observa pacientes fumantes e verifica se eles desenvolverão câncer de pulmão. Esse estudo é prospectivo. Um estudo observa pacientes com câncer de pulmão e verifica se eles eram fu- mantes. Esse é um estudo retrospectivo. Um estudo observa pacientes que há 30 anos eram fumantes e verifica se eles desenvolveram câncer de pulmão há 10 anos. Esse também é um estudo pros- pectivo, ainda que seja totalmente no passado. Introdução à Epidemiologia 15 Desenhos dos principais estudos Estudos ecológicos Observacional e agregado. Busca-se correlações plausíveis entre a ocorrência de determinada doença ou situação em relação à variável de interesse. As informações se referem ao grupo populacional como um todo e permite a avaliação de um fenômeno a partir de uma expressão coletiva. Cabe lembrar que o viés ecológico está presente nessa associação e é uma limitação do estudo, uma vez que nem todos os fenômenos coletivos se replicam individualmente. Coorte Observacional, longitudinal e pros pectivo. Nesse estudo, selecionam -se populações expostas e não expostas a determinado fator, fazendo seu acompanhamento por um deter minado período de tempo, ao final do qual deve ser analisado o efeito do fator de exposição no aparecimen to do desfecho. Tem diversas finali dades, como avaliar fatores de risco para determinada doença, mensurar o impacto de fatores prognósticos ou em intervenções diagnósticas e terapêuticas. Caso-controle Observacional, longitudinal e re trospectivo. Nesse estudo, selecio na-se uma população com determi nado desfecho de interesse (casos) e outra, semelhante ao primeiro grupo, sem o desfecho de interesse (contro les). Comparando-se os dois grupos, avaliam-se os fatores que poderiam estar relacionados à ocorrência do desfecho pesquisado. Ensaios clínicos Randomizado Estudo intervencionista e prospec tivo. Nesse estudo, os participantes devem ter a mesma oportunidade de receber, ou não, a intervenção proposta e esses grupos devem ser os mais parecidos possíveis, de for ma que a única diferença entre eles seja a intervenção em si, podendo-se, assim, avaliar o impacto na ocorrên cia do desfecho em um grupo sobre o outro. Ele permite eliminar diversos vieses, pois os grupos in- tervenção e controle são distribuídos usando téc nicas aleatórias, e as características são distribuídas de um modo seme lhante entre os grupos. Participantes alocados para os grupos intervenção e controle, ao desconhecerem o que estão recebendo, são definidos como “cegados” para o tipo de intervenção. Do mesmo modo, o in- vestigador que administra, acompanha ou ava lia a intervenção pode desconhecer o que o paciente está recebendo. Estando pacientes e investigadores cegados para a intervenção, o ECR é duplo-cego. Introdução à Epidemiologia 16 Não randomizado Neste tipo de estudo há um grupo intervenção e um grupo controle, mas a desig- nação dos participantes para cada grupo não se dá de forma aleatória, como no ECR, mas confor me conveniência do pesquisador. Os controles podem ser contemporâ neos (pacientes tratados ao mesmo tempo) ou históricos (obtidos de re gistros médicos). DISTINÇÃO ENTRE INDIVÍDUOS MANIPULAÇÃO TEMPORALIDADE TIPO DE ESTUDO AGREGADOS OBSERVACIONAL TRANSVERSAL ECOLÓGICO AGREGADOS OBSERVACIONAL LONGITUDINAL SÉRIE TEMPORAL AGREGADOS INTERVENCIONISTA LONGITUDINAL ENSAIO TEMPORAL INDIVIDUAIS OBSERVACIONAL LONGITUDINAL PROSPECTIVO COORTE INDIVIDUAIS OBSERVACIONAL LONGITUDINAL RETROSPECTIVO CASO CONTROLE INDIVIDUAIS OBSERVACIONAL LONGITUDINAL ENSAIO CLÍNICO Tabela 3. Principiais estudos epidemiológicos. Fonte: Elaborado pelo autor Introdução à Epidemiologia 17 PRINCIPAIS ESTUDOS CAUSAS DESFECHO ECOLÓGICO CASO-CONTROLE GERAR HIPÓTESES EXISTE UMA CLARA VISÃO ATUA ATIVAMENTE NÃO É POSSÍVEL IDENTIFICAR FATOR DE RISCO CONSEQUÊNCIA COORTE ENSAIO CLÍNICO TESTAR AS HIPÓTESES ACOMPANHAMENTO NÃO MANIPULA RETRATO NO TEMPO ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS GRUPO EXPOSTO COMPROVAR OBSERVAR DESCREVER DESFECHO GRUPO NÃO EXPOSTO RISCO MAPA MENTAL: ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS CONCEITOS BÁSICOS VARIÁVEIS INDEPENDENTES MOTIVAÇÃO LONGITUDINAIS TRANSVERSAIS INTERVENCIONISTAS OBSERVACIONAL INDIVIDUAIS AGREGADO CLARA DISTINÇÃO NÃO SE CONSEGUE DESENHOS DE ESTUDOS VARIÁVEIS DEPENDENTES DESCRITIVOS ANALÍTICOS RETROSPECTIVOS PROSPECTIVOS RISCO DESFECHO Fonte: Elaborado pelo autor Introdução à Epidemiologia 18 7. MEDIDAS DE ASSOCIAÇÃO –ANÁLISE DE ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS Risco relativo Corresponde à razão entre riscos dos expostos sobre os riscos dos não expostos. O risco relativo busca observar qual a incidência de deter minado agravo em uma po- pulação exposta ao fator de risco e qual a in cidência de determinado agravo em uma população não exposta ao mes mo fator de risco. A fórmula para risco relativo é: 18INTRODUÇÃO À EPIDEMIOLOGIA 7. MEDIDAS DE ASSOCIAÇÃO – ANÁLISE DE ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS Risco relativo Corresponde à razão entre riscos dos expostos sobre os riscos dos não expostos. O risco relativo busca observar qual a incidência de deter- minado agravo em uma população exposta ao fator de risco e qual a in- cidência de determinado agravo em uma população não exposta ao mes- mo fator de risco. A fórmula para risco relativo é: Onde: RR = Risco relativo. IE = incidência de pessoas com o agra- vo / total de pessoas com o agravo. INE = incidência de pessoas com o agravo / total de pessoas sem o agravo. Se: RR > 1, o fator é de risco. RR 1, o fator é de risco. RR 1, o fator é de risco. RR 1 ORfazer um ter ceiro estudo, que encontramos um risco relativo de 0,79. Se fizermos então 100 estudos na ten tativa de achar um verdadeiro risco re lativo, encontraremos uma variação de resultados. O intervalo de confiança é calculado utilizando essa variabilidade de resultados. O valor de 0,78 é uma medida central, mais próxima da verdade, porém não há garantia de que seja exatamente isso. A garantia é de que o risco relativo não está acima de 0,88, nem abaixo de 0,68. Se temos um intervalo de confiança de 90%, significa que o resultado es tará dentro daquele intervalo em 95 dos 100 estudos hipoteticamente re alizados, ou seja, o risco relativo esta rá entre 0,68 e 0,88. Excluímos então 5 estudos que representam valores extremos, nos quais existe uma maior possibilidade de terem ocorrido por acaso. Com isso, lemos intervalo de con fiança da seguinte forma: podemos afirmar que em 95 de 100 amos tras hipotéticas, o resultado estará dentro deste intervalo. É de extrema importância observar que quanto menor o intervalo de con fiança mais precisa é a estimativa. Conceito: Precisão em estatística é a capacidade de um resultado se re petir em diferentes medidas da mesma realidade. Introdução à Epidemiologia 21 Quando estamos falando de risco re lativo, como visto acima, o valor 1 re presenta ausência de diferença en tre grupo tratamento e grupo controle, ou expostos ao fator de risco em relação aos não expostos. Portanto, se o intervalo de confiança do risco relativo envolver o valor 1, o estudo não terá significância esta tística para rejeitar a hipótese nula. Isso sempre coincide com um valor de p > 0.05. Saiba mais! Em ensaios clínicos, quando realizamos tratamento com um determinado medicamento em um grupo e outro grupo utiliza placebo, é necessário saber qual a redução do risco absoluto com o tratamento proposto, qual a redução do risco relativo a esse tratamento e quan tos pacientes precisam ser tratados para que exista uma pessoa curada de determinado agravo? Existem então cálculos que podem ser realizados a fim de se obter tais informações e são eles: A redução do risco absoluto (RAR) corresponde à proporção de mortes no con- trole (gru po não tratado) “X” menos a proporção de mortes no grupo experimental (grupo tratado) “Y”. Esse é um número absoluto na proporção de mortes. Já a redução do risco relativo (RRR) é quanto o tratamento reduziu o risco de morte. Já o número necessário ao tratamento (NNT) corresponde à parte mais importante de um ensaio clínico, pois é com esse número que se verifica o benefício real de um determinado tratamento. Ou seja, quanto menor esse número, melhor a terapia, já que menos pessoas precisam usar o medicamento para que uma seja curada de determinada doença. Caso per cebamos que a terapia instituída causa lesão em vez de tratar, precisamos estipular o número necessário para causar lesão (NNL), que corresponde a quantas pessoas são necessárias utili zar determinado medicamento para sofrer tal lesão. Observe então as fórmulas desses conceitos tão importantes: RAR = X – Y RRR = 1 – RAR NNT = 1 RAR Introdução à Epidemiologia 22 MEDIDAS DE ASSOCIAÇÃO MAPA MENTAL: MEDIDAS DE ASSOCIAÇÃO ODDS RATIO REDUÇÃO DO RISCO ABSOLUTO RISCO RELATIVOsemelhantes REDUÇÃO DO RISCO RELATIVO NÚM. NECESSÁRIO AO TRATAMENTO ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS RAZÃO DE PREVALÊNCIA RISCO ATRIBUÍVEL NA POPULAÇÃO INTERVALO DE CONFIANÇA RISCO INCIDÊNCIA COORTE ESTIMATIVA CASO CONTROLE EXCESSO DA OCORRÊNCIA IMPACTO PREVALÊNCIA TRANSVERSAIS MORTES NO EXPERIMENTAL MORTES NO CONTROLE TRATAMENTO ENSAIO CLÍNICO BENEFÍCIO DA TERAPIA PRECISÃO ESTATÍSTICA ↓ RISCO DE MORTE EXPOSTOS RISCO DESFECHO NÃO EXPOSTOS EXPOSTOS NÃO EXPOSTOS Necessidade de Em decorrência da DESFECHO RISCO ATRIBUÍVEL AO FATOR VARIAÇÃO DE RESULTADOS Fonte: Elaborado pelo autor Introdução à Epidemiologia 23 8. TESTES DIAGNÓSTICOS Os testes diagnósticos podem ser definidos em três tipos clínicos: • Rastreamento de doença em pes soas assintomáticas • Diagnóstico de doença em pessoa com suspeita • Avaliar a progressão da doença ou resposta ao tratamento Além disso, eles podem ser classi ficados de acordo com o tipo do re sultado fornecido em quantitativos, nos quais o resultado é expresso em re sultados numéricos e qualitati- vos, quando apresentam resultados des critivos e que dependem da percep ção humana. A apresentação de resultados numé ricos permite a realização de estudos de per- formance do teste, facilitando a compreensão de suas qualidades e limitações e das situações nas quais está indicado. As principais características de per formance dos testes diagnósticos com resulta- dos numéricos são sensi bilidade, especificidade, valor pre ditivo (positivo e negativo), acurácia e razão de verossimilhança (positiva e negativa). Conceito: Sensibilidade: é a probabilidade de re sultado positivo nos doentes (verdadeiro positivo). Especificidade: é a probabilidade de re sultado negativo nos não doentes (ver- dadeiro negativo). Valor preditivo positivo: é a probabili dade da presença da doença quando o teste é positivo. Valor preditivo negativo: é a probabi lidade da ausência de doença quando o teste é negativo. Acurácia: é a probabilidade do teste for necer resultados corretos, ou seja, ser positivo nos doentes e negativo nos não doentes. A razão de verossimilhança (RV): é a probabilidade de um determinado resul tado em alguém com a doença dividida pela probabilidade do mesmo resultado em alguém sem a doença. Introdução à Epidemiologia 24 DOENTE NÃO DOENTE TOTAL POSITIVO A B (A + B) NEGATIVO C D (C + D) TOTAL A + C B + D N (A + B + C + D) Tabela 5. Testes diagnósticos. Fonte: Elaborado pelo autor Observe a tabela acima. A performance dos testes diagnósticos é calculada com as seguintes fórmulas: SENSIBILIDADE = A A + C ACURÁCIA = A + D N ESPECIFICIDADE = D B + D VALOR PREDITIVO POSITIVO = A A + B VALOR PREDITIVO NEGATIVO = D C + D RAZÃO DE VEROSSIMILHANÇA POSITIVA = SENSIBILIDADE 1 – ESPECIFICIDADE RAZÃO DE VEROSSIMILHANÇA NEGATIVA = 1 – SENSIBILIDADE ESPECIFICIDADE A sensibilidade e a especificidade são medidas de pouco valor clíni co, pois descre- vem a proporção do resultado positivo ou negativo em quem sabidamente está ou não doente. Por este motivo é necessá rio outro exame, considerado como padrão-ouro, na diferenciação entre doente e não doente. Porém elas são fundamentais para a avaliação ini cial de um novo teste, já que não são influenciadas pela prevalência da doença. Elas podem ser utiliza das em diferentes populações para comparar o potencial diagnóstico de testes diferentes. Introdução à Epidemiologia 25 Os valores preditivos positivos e negativos contêm informações so bre o poder do teste (sensibilidade e especificidade) e da população a ser examinada (prevalência da doença), sendo uma medida de maior utilida de clínica. Por outro lado, por serem dependentes da prevalência da do ença, não podem ser generalizados para pacientes com perfil diferente daquele do estudo clínico inicial e não permitem a comparação entre dife rentes testes diagnósticos. A razão de verossimilhança, por tra tar-se de uma razão entre a probabi lidade de um determinado resultado do teste em pessoas doentes sobre o mesmo resultado em pessoas sa dias, fornece seu resultado sob a for ma de um valor relativo, ou seja, um número sem unidade, permitindo en tão sua utilização em fórmulas de cálculo de probabilidade de doença após combinação de testes. Além disso, a razão de verossimilhan ça. Pode ser utilizada em testes diagnósticos com resultados contínuos e permite o cálculo de ta belas e nomogramas que auxiliam o refinamento diagnóstico, levando -se em consideração características próprias de cada paciente. Sua prin cipal desvantagem é a dificuldade de ser calculado, principalmente em situações clínicas. A acurácia é uma característica prin cipalmente utilizadaquando se de seja transfor- mar um teste com re sultados numéricos contínuos em testes dicotômicos, através da de terminação de um ponto de corte. 9. APLICAÇÃO CLÍNICA Mas o que fazer com toda essa infor mação? A necessidade clínica é en tender a utilidade de um teste diag nóstico para o rastreamento das populações sadias, para o diagnóstico de uma determinada doença em pessoas com suspeita ou para avaliar a progressão ou resposta a um determinado tratamento. Um teste com alta especificida de é excelente quando a intenção é o diagnóstico de uma doença, como nos casos de exames de rastreamen to, porque terá mais impacto no valor preditivo positivo. Ou seja, se o teste der resultado positivo é muito pou co provável que a pessoa não este ja, de fato, doente. Um teste com alta sensibilidade é excelente quando a intenção é afas tar o diagnósti- co de uma doença ou condição, como em pa ciente suspeito de recidiva ou pro gressão, porque terá mais impacto no valor preditivo negativo. Ou seja, se o teste der resultado negativo é muito pouco provável que a pessoa esteja, de fato, doente. Quando temos um teste com resul tado quantitativo contínuo, existem duas formas de utilização clínica: transformá-lo em teste dicotômicos através da escolha de um ponto de corte que defina os resultados po sitivos e negativos ou o uso da razão de verossimilhança na detecção da probabilidade da presença de uma doença, de acordo com o resultado atual do teste. A transformação de um teste com resultado quantitativo contínuo em teste dicotômico é feita geralmente através de utilização da curva ROC. Introdução à Epidemiologia 26 10. CURVA DE ROC A curva ROC define as características operacionais de um teste com valores numéri- cos contínuos. Ela mostra a relação entre sensibilidade e espe cificidade que um teste diagnóstico pode ter, além de falar a favor da acurácia desse teste. A curva ROC é traçada colocando-se no eixo das abscissas (x) as probabi lidades de ocorrência de resultados falso positivos, que também pode ser expresso como espe- cificidade. No eixo das ordenadas (y) colocamos as probabilidades de ocorrência de resultados verdadeiro positivos que também podem ser expressos como a sensibilidade. Neste tipo de representação, a área sob a curva define a proba bilidade do teste em detectar os verdadeiro positivos e os verdadeiro negativos, ou seja, expressa a acu- rácia do teste. A linha traçada em diagonal, a 45°, expressa a acurácia de 50% e sig nifica que o teste é tão bom quanto qualquer escolha ao acaso. O ponto de maior acurácia do teste é aque le situado a maior distância da linha dos 45°. Introdução à Epidemiologia 27 FLUXOGRAMA 4 “REVISÃO DOS TESTES DIAGNÓSTICOS” TESTES DIAGNÓSTICOS PERFORMANCE CURVA DE ROC TIPOS CLÍNICOS RESULTADO SENSIBILIDADEA A + C D B + D A + D N MAIOR UTILIDADE CLÍNICA POSITIVO NEGATIVO ESPECIFICIDADE ACURÁCIA VALOR PREDITIVO NEGATIVA 1 – SENSIBILIDADE ESPECIFICIDADE POUCO VALOR CLÍNICO A A + B D C + D POSITIVA RASTREAMENTO DIAGNÓSTICO SEGUIMENTO QUANTITATIVOS QUALITATIVOS SENSIBILIDADE 1 – ESPECIFICIDADE RAZÃO DE VEROSSIMILHANÇA Fonte: Elaborado pelo autor Introdução à Epidemiologia 28 11. COMPORTAMENTO EPIDÊMICO E A PREVENÇÃO DE DOENÇAS Conceitos básicos Os casos de uma doença podem ser definidos em casos confirmados e casos sus- peitos, casos autóctones e casos alóctones. Os casos autóctones são aqueles que foram diagnosticados onde fo ram originados. Os casos alóctones são aqueles que foram diagnostica dos em um local diferente de onde foi originado. Conceito: Autóctone: Aquilo que é natural da região ou do território em que habita; nativo. Alóctone: Aquilo que não tem suas ori gens no lugar onde existe. Uma doença pode ser transmitida através de uma transmissão direta, de pessoa para pessoa, e indireta, através de um vetor. Além disso, a trans missão direta pode ser imediata, na qual uma pessoa transmite direta mente para outra, como doenças se- xualmente transmissíveis; ou media ta, na qual uma pessoa “joga” o agente etiológico no meio e a outra “capta” esse agente etiológico, como nos ca sos de coronavírus, que é transmitido através de aerossóis. Os agentes etiológicos podem ser classificados quanto a sua infectividade, pa- togenicidade e vi rulência, sendo que a infectividade é a capacidade que um agente etioló gico tem de se alocar e se multiplicar em um organismo. A patogenicidade é a capacidade que um agente etioló gico tem em fazer uma pessoa adoe cer. Já a virulência é a agressivida de de um agente etiológico, ou seja, a capacidade que ele tem em gerar uma manifestação grave. Com relação a uma infecção, o seu poder invasivo é a capacidade dela se disse- minar entre órgãos e siste mas. A imunogenicidade é a capaci dade de gerar resposta imunológica em uma pessoa infectada. Os termos resistência e suscetibilidade têm relação com o hospedeiro e eles são opostos: a resistência é a capacidade que esse hospedeiro tem em resistir a uma de- terminada do ença e a suscetibilidade é a incapa cidade desse hospedeiro. Introdução à Epidemiologia 29 Surto X epidemia X endemia X pandemia O objetivo de médicos, junta médica ou até do governo é de controlar de terminada doença. Para tal, a epide miologia avalia a forma dessa doença se apresentar na so- ciedade: o nú mero de casos, a época que ela mais ocorre, a relação com um vetor etc. Uma determinada doença pode estar erradicada, quando ela não ocorre mais em nenhum local do planeta; pode estar eliminada, quando existe uma erradicação local (em algum lu gar específico); ou controlada, quan do existe uma diminuição ou manu- tenção no número de casos dessa doença. Os conceitos dos termos epidemia, endemia e pandemia confundem bastante as pessoas. Para enten dermos melhor e de maneira mais fácil esses conceitos, devemos nos perguntar: A doença em questão está em seu comportamento normal? Se sim, é uma endemia. Uma doença endêmica é aquela que é comum de um determinado es paço geográ- fico. Ainda que existam muitos casos dessa doença, é normal para aquela localidade. A doença em questão está com um comportamento atípico? Se sim, é uma epidemia ou um surto. Quando temos um comportamen to normal de uma doença, ainda que com muitos casos, mas esse número aumenta em grande quantidade, estamos diante de ou uma epidemia ou um surto. Um surto é quando aumenta mui to o número de casos, porém em um local espe- cífico. Já uma epidemia é quando esse número aumenta em várias regiões de uma determinada localização. A doença em questão está em todo o planeta? Se sim, é uma pandemia. Uma pandemia é quando ocor re a manifestação de uma doença em caráter epidê- mico em vários continentes. Saiba mais! A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, em 30 de janeiro de 2020, que o surto da doença causada pelo novo coronavírus (COVID-19) constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, o mais alto nível de alerta da organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional. Em 11 de março de 2020, a COVID-19 foi caracterizada pela OMS como uma pandemia. Introdução à Epidemiologia 30 FLUXOGRAMA: SURTO X EPIDEMIA X ENDEMIA X PANDEMIA AUMENTO INESPERADO DO NÚMERO DE INFECTADOS POR DETERMINADA DOENÇA EM UMA REGIÃO ESPECÍFICA SURTO OCORRE QUANDO O NÚMERO DE SURTOS CRESCE, ABRANGENDO VÁRIAS REGIÕES DE UMA DETERMINADA LOCALIZAÇÃO EPIDEMIA O TERMO NÃO TEM RELAÇÃO COM SURTOS, MAS SIM COM A PERMANÊNCIA DE UMA DETERMINADA DOENÇA EM UMA ÁREA POR ANOS ENDEMIA ACONTECIMENTO DE NÚMEROS DE CASOS ACIMA DO ESPERADO PARA UMA DETERMINADA DOENÇA EM VÁRIOS CONTINENTES PANDEMIA Fonte: Elaborado pelo autor Introdução à Epidemiologia 31 Figura 2. Curva de nível epidêmico. Fonte: Acervo do autor A curva de nível epidêmico mos tra que uma doença existe em um determinado espectro. Quando ela ultrapassa o limiar epidêmico, con sideramos que existe uma epidemia. Comisso, podemos observar que existe um coeficiente de incidência que mostra o “normal” dessa doen ça. Algumas doenças terão uma in cidência normalmente alta, o que faz com que o limiar epidêmico delas seja também alto. Já outras terão o seu li miar epidêmico mais baixo, mostran do que apenas poucos casos dessas doenças já conferem uma epidemia. O nível endêmico é calculado atra vés da incidência de determinada doença nos últimos 10 anos. A mé dia das incidências dos últimos 10 anos, desconsiderando possíveis epidemias ou surtos (1,96 para cima ou para baixo), corresponde ao nível endêmico dessa doença. Olhando na imagem acima, temos também o termo “progressão” no eixo das abscissas. A progressão dirá se uma epidemia é explosiva ou len ta. Caso a progressão seja muito rá pida, a epidemia é classificada como explosiva; caso seja mais demorada, a epidemia é classificada como lenta. Introdução à Epidemiologia 32 Se liga! Uma epidemia também pode ser classificada em progressiva ou de fonte comum. Epidemia progressiva é aquela em que a doença é transmitida de hospedeiro para hospedeiro, havendo uma eleva ção progressiva da incidência até che gar à incidên- cia máxima.Já a epidemia de fonte comum é aquela que a doen ça é transmitida através de um vetor, como a água contaminada; em que se chega rapidamente à incidência máxima. Tipos de prevenção A prevenção das enfermidades tem como objetivo diminuir o risco do paciente adquirir determinada doença, bem como possíveis complicações. A prevenção, de acordo com a medicina preventiva, está classificada como primária, se cundária, terciária e quaternária. A prevenção primária busca retirar agentes causais e de risco de determinada con- dição de saúde antes da sua ocorrência. A prevenção primária pode ser exemplificada pela promoção da saúde e proteção específica, como a imunização, orienta ção de atividade física para diminuir chance de desenvolvimento de obe sidade etc. A prevenção secundária busca identificar um problema de doença em suas fases iniciais, no indi víduo ou na população, facilitando o diagnostico definitivo, o tratamen- to e reduzindo ou prevenindo sua disse minação e os efeitos de longo prazo, como o rastreamento e diagnóstico precoce. A prevenção terciária busca reduzir as consequências de um problema de saúde já estabelecido, incluin do reabilitação, como prevenir complicações do diabetes, reabilitar paciente pós-infarto ou aci dente vascular cerebral. O conceito de prevenção quaterná ria é relativamente novo e ele corres ponde a iden- tificar pacientes com risco de intervenções iatrogênicas. Introdução à Epidemiologia 33 MAPA MENTAL: REVISÃO DO COMPORTAMENTO EPIDÊMICO E PREVENÇÃO DE DOENÇAS” PREVENÇÃO DE DOENÇAS INFECÇÃO ↑ NÚMERO ESPERADO DE CASOS INFECTIVIDADE MEDIATA PESSOA-PESSOA IMEDIATA PRIMÁRIA PROTEÇÃO ESPECÍFICA RASTREAMENTO PROMOÇÃO DE SAÚDE DIAGNÓSTICO PRECOCE REABILITAÇÃO PREVENÇÃO À IATROGENIA SECUNDÁRIA TERCIÁRIA QUATERNÁRIA COMUM EM UM DETERMINADO LOCAL MEIO VETOR DIFERENTE DE ONDE FOI ORIGINADO ONDE FORAM ORIGINADOS ALOCAR E MULTIPLICAR VIRULÊNCIA INDIRETA SUSPEITOS CONFIRMADOS FAZER ADOECER PATOGENICIDADE IMUNOGENICIDADEGERAR RESPOSTA IMUNOLÓGICA RESISTIR A UMA DOENÇA DISSEMINAÇÃO INCAPACIDADE SUSCETIBILIDADE AGRESSIVIDADE MAIS REGIÕESUMA REGIÃO TODO PLANETA capacidade de capacidade de COMPORTAMENTO EPIDÊMICO SURTO EPIDEMIA PANDEMIA ENDEMIA CASOS DIRETA ALÓCTONES AUTÓCTONES HOSPEDEIRO RESISTÊNCIA TRANSMISSÃOAG. ETIOLÓGICO DIAGNÓSTICO PODER INVASIVO Fonte: Elaborado pelo autor Introdução à Epidemiologia 34 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Bonita, R. Epidemiologia básica. 2.ed. São Paulo, Santos. 2010 CARVALHO et al. Epidemiologia. Conceitos e aplicabilidade no sistema único de saúde. São Luís. 2017 Ministério da Saúde. Guia de Vigilância Epidemiológica. Brasília. 7 ed Montilla, D. E. R. Noções básicas da epidemiologia VERAS, RP., et al., orgs. Epidemiologia: contextos e pluralidade. Rio de Janeiro: Editora FIO CRUZ, n°4. sanarflix.com.br Copyright © SanarFlix. Todos os direitos reservados. Sanar Rua Alceu Amoroso Lima, 172, 3º andar, Salvador-BA, 41820-770 1. ABORDAGEM EPIDEMIOLÓGICA 2. MEDIDAS DE SIGNIFICÂNCIA ESTATÍSTICA 3. MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS 4. NÍVEL DE EVIDÊNCIA 5. PREVALÊNCIA X INCIDÊNCIA 6. ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS 7. MEDIDAS DE ASSOCIAÇÃO –ANÁLISE DE ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS 8. TESTES DIAGNÓSTICOS 9. APLICAÇÃO CLÍNICA 10. CURVA DE ROC 11. COMPORTAMENTO EPIDÊMICO E A PREVENÇÃO DE DOENÇAS Referências bibliográficas