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Responsabilização da Administração Pública JU R 0 2 8 7 _v 1 .0 Disciplina: Responsabilização da Administração Pública Autoria: Emerson Andena Estudo de Caso 1. Caso Determinado município brasileiro desenvolveu-se ao redor de um trecho da BR 101, rodovia federal que atravessa o país1 e que é famosa por sua história, extensão e também, infelizmente, pela quantidade de acidentes que nela ocorrem todos os anos. Como a cidade sede desse município acabou ficando separada pela rodovia - estando três bairros de um lado (leste) e o restante da cidade de outro (oeste) – os pedestres que a atravessam diariamente pleiteiam de maneira recorrente que o município tome providências no sentido de lhes proporcionar maior segurança, tais como melhorias na sinalização, implantação de radares e de redutores de velocidade e construção de passarelas para pedestres. Sob a alegação de indisponibilidade orçamentária, o município nada fazia pela situação, e os sinistros continuavam a acontecer. Em janeiro em 2014, por exemplo, um grave acidente ocorreu com João, jovem de 21 (vinte e um) anos de idade que mora num dos bairros da região leste e trabalha na região oeste. Ele estava atravessando a rodovia para trabalhar, como costumeiramente fazia, quando foi atropelado por um veículo que lá trafegava. João sofreu sérios ferimentos e ficou internado durante três meses, em razão das cirurgias a que teve que se submeter. Em seguida, ficou mais oito meses em recuperação, impossibilitado de trabalhar. No intuito de resolver a situação, garantindo a segurança dos pedestres que atravessam a rodovia habitualmente, bem como para atendimento de diversos requerimentos 1 Seu ponto inicial está localizado na cidade de Touros (Rio Grande do Norte) e o final na cidade de São José do Norte (Rio Grande do Sul). protocolados na Prefeitura, em janeiro de 2017, o município celebrou convênio com a União para a construção de pelo menos três passarelas, em pontos distintos, com certa distância mínima, de modo a atender à necessidade da população. No convênio firmado, a União, através do Ministério das Cidades, repassaria o valor necessário ao investimento e o município ficaria responsável pela execução das obras. Destaque-se que havia cláusula especial no sentido de que o valor repassado pela União tratava-se de recurso legalmente vinculado a finalidade específica. Contudo, poucos dias após o depósito em conta do valor do convênio, o município sofreu inesperada intempérie climática. Fortes chuvas com rajadas de vento causaram inúmeros acidentes e danos, tais como quedas de árvores sobre dois veículos particulares que estavam estacionados numa praça, destelhamento de algumas residências e de um prédio público municipal. O referido prédio era ocupado por um orfanato infantil, que abrigava cerca de 65 (sessenta e cinco) crianças e adolescentes desamparados, os quais, durante a tempestade, foram salvos pelas professoras. Sem local adequado para abrigo das crianças, e sem recursos financeiros disponíveis, o Prefeito Municipal determinou que o dinheiro depositado pela União, em razão do ajuste celebrado para construção das passarelas, fosse utilizado na imediata reforma do telhado do orfanato municipal. Advertido pelo Secretário de Finanças de que o recurso era específico, o Prefeito afirmou que se tratava de um caso de urgência e, tão logo obtivesse recursos financeiros suficientes, restituiria o valor e daria início à execução do convênio, como de fato o fez, atrasando o início das obras em três meses. Inesperadamente, em maio de 2017, o município recebeu três citações em processos judiciais. Tratava-se de uma ação de indenização por danos materiais, lucros cessantes e danos morais, ajuizada por João, em razão do acidente sofrido em janeiro de 2014, e duas ações de reparação civil, movidas pelos proprietários dos veículos que foram danificados pela queda das árvores; O Prefeito foi, ainda, pessoalmente citado para responder a uma ação civil pública de improbidade administrativa2, movida pelo Ministério Público, cujo fundamento de fato era a aplicação irregular da verba destinada à execução do convênio com a União e o fundamento de direito eram os arts. 8º, parágrafo único, e 73, ambos da LC 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal) e arts. 10, incisos IX e XI, e 11 caput, da Lei no 8.429/92. Além disso, foi citado para responder à ação penal ajuizada também pelo Ministério Público com fundamento no art. 315 do Código Penal e art. 1º, inciso II do Decreto-Lei 201/67. Ambas as ações foram ajuizadas diretamente em segunda instância. Quanto aos três processos de reparação civil, o município alegou que as pretensões estariam prescritas, nos termos do art. 206, § 3º, inciso V do Código Civil3 e que não há responsabilidade por se tratar de caso fortuito e força maior. O Prefeito, por sua vez, defendeu-se, alegando principalmente que a Lei de Improbidade não se aplicaria a ele porque é um agente político que se submete ao Decreto-Lei 201/67. Alegou também que não poderia ser responsabilizado porque não houve lesão ao erário, já que a construção das passarelas foi concluída, e porque suas contas relativas ao exercício de 2017 foram aprovadas pelo Tribunal de Contas. Alegou, por fim, que estaria sendo processado duas vezes (ação de improbidade e ação penal) pelo mesmo motivo, o que configuraria bis in idem. 2. Papel do aluno e sua participação na resolução do problema Você, sendo especialista em Direito Público, foi contratado como consultor jurídico do caso e deve emitir parecer, manifestando-se especificamente sobre: Desconsiderando-se num primeiro momento a questão da prescrição, o município teria responsabilidade pelo acidente sofrido por João e pelos danos que os veículos que estavam na praça sofreram com a queda das árvores? 2 Alguns autores preferem utilizar a denominação “Ação por Improbidade Administrativa”, pois tem fundamento na Lei no 8.429/92, deixando para usar “Ação Civil Pública...” quando a base legal for a Lei 7.347/85. Há quem sustente, também, que a Ação por Improbidade Administrativa seria uma espécie de Ação Civil Pública. 3 Art. 206. Prescreve: [...] § 3º Em três anos: [...] V – a pretensão de reparação civil; [...]. Nas ações de reparação civil, as teses de defesa do município estão corretas quanto à ocorrência de prescrição? Ainda no assunto prescrição, qual é o prazo prescricional para ajuizamento de ação civil de improbidade administrativa? E de ação civil de ressarcimento ao erário? O Ministério Público distribuiu tanto a ação civil de improbidade quanto a ação penal em segunda instância com fundamento no art. 29, inciso X da CF/88. O foro escolhido pelo MP foi adequado? O que deve ocorrer com essas ações caso elas ainda estejam tramitando após o final do mandato do Prefeito (considere a hipótese de ele não ser reeleito)? Os argumentos do Prefeito no sentido de que não houve lesão ao erário e de que suas contas foram aprovadas pelo Tribunal de Contas devem ser considerados pelos julgadores das ações? Procedem os argumentos do Prefeito de que há bis in idem nas ações de improbidade e penal e de que ele, por ser um agente político, não está submetido à Lei de Improbidade? Haverá alguma relação entre as ações? 3. Objetivos Gerais • Desenvolver a prática do autoaprendizado e do trabalho em equipe. • Planejar as atividades no tempo disponível. • Desenvolver a autonomia na realização de pesquisas. • Ser criativo na solução do desafio. Específicos • Retratar determinada situação jurídica hipotética capaz de instigar a reflexão do tema de forma ampla e profunda. • Promover a interpretação contextual, para que melhor se possa compreendera manifestação geral de um dado problema. • Estimular o desenvolvimento de raciocínio crítico e argumentativo. • Desafiar o aluno a identificar e avaliar a problematização e a propor solução. • Estudar aspectos jurídicos das teorias que envolvem a responsabilização da Administração Pública e dos gestores públicos. • Aprofundar a compreensão acerca da diferenciação entre a responsabilidade por improbidade administrativa e a responsabilidade criminal. • Discutir sobre prazos prescricionais e foros competentes nas ações relativas à responsabilização da Administração Pública. • Verificar o entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre a matéria. 4. Atividades Considerando as informações contidas no enunciado, este Estudo de Caso deve ser desenvolvido seguindo a etapa a seguir: Apoiar-se nas leituras complementares: ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 21ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013. ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. 11ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . Acesso em: 19 set. 2018. BRASIL. Decreto nº 20.910, de 06 de janeiro de 1932. Disponível em: . Acesso em: 19 set. 2018. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D20910.htm BRASIL. Lei Complementar Federal nº 101, de 04 de maio de 2000. Disponível em: . Acesso em: 19 set. 2018. BRASIL. Lei Federal nº 8.429, de 02 de junho de 1992. Disponível em: . Acesso em: 19 set. 2018. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28ª ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Atlas, 2015. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 29ª ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 16ª ed. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. A Constituição e o Supremo. Disponível em: . Acesso em: 19 set. 2018. 5. Resolução Alínea a Sobre a responsabilidade civil do Estado, é sabido que a regra é responsabilidade extracontratual objetiva nas hipóteses de danos decorrentes direta ou indiretamente de alguma conduta comissiva de seus agentes, conforme art. 37, § 6º da CF/884. Não existe, porém, disposição normativa quando há omissão do Estado, motivo pelo qual a doutrina e jurisprudência entendem que deve ser aplicada a teoria da culpa administrativa. A este respeito, Paulo e Alexandrino5 lecionam: 4 Art. 37, § 6º CF/88: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (Grifos nossos). 5 ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 21ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013, p. 813. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp101.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8429.htm http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp Trata-se, portanto, de modalidade de responsabilidade civil subjetiva, mas a pessoa que sofreu o dano basta provar (o ônus da prova é dela) que houve falta na prestação de um serviço que deveria ter sido prestado pelo Estado, também, que existe nexo causal entre o dano e essa omissão estatal. (Grifos dos autores). Pertinente mencionar a tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça6: A responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas é subjetiva, devendo ser comprovados a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo de causalidade. No caso do acidente sofrido por João, houve omissão do município na realização de ações que conferissem maior segurança aos transeuntes. O raciocínio majoritário é no sentido de que, se a atuação regular da Administração Pública fosse suficiente para evitar o dano, há responsabilidade7, isto é, existe o dever de indenizar. Veja-se a doutrina de Carvalho Filho8: Outra hipótese reside na omissão do Estado, quando devida e comprovadamente advertido da possibilidade de ocorrer o fato causador dos danos. Mesmo que o fato provenha de terceiros, o certo é que a conduta diligente do Estado poderia ter impedido a sua ocorrência. Aqui a responsabilidade do Estado pela omissão é concreta, não podendo fugir à obrigação de reparar os danos. Nesse sentido, recorde-se que o caso em estudo mencionou que os pedestres que atravessam a BR 101 de forma cotidiana pleiteavam, recorrentemente, que o município tomasse providências no sentido de lhes proporcionar maior segurança. Veja-se uma jurisprudência bastante didática sobre o assunto: Ementa. APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS - ANIMAIS DE GRANDE PORTE - ATROPELAMENTO - RODOVIA - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - OMISSÃO - COMPROVAÇÃO - EXCLUDENTES - AUSÊNCIA - INDENIZAÇÃO DEVIDA - JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA - CRITÉRIOS. - A responsabilidade civil extracontratual do Estado pelos danos decorrentes de sua omissão deve ser apurada de forma subjetiva, devendo a parte demonstrar que houve descumprimento de um dever legal que incumbia ao ente público. - Comprovado o nexo causal entre a omissão da autarquia estadual quanto à manutenção da segurança da via pública e o evento danoso, notadamente quando 6 Superior Tribunal de Justiça - STJ. Jurisprudências em tese. Edição nº 61. Disponível em: . Acesso em: 19 set.2018. 7 Cabe ainda a observação de que, caso o Município tivesse implantado todas as medidas necessárias e João tivesse optado por não atravessar a pista pela passarela, estar-se-ia diante de um caso de culpa exclusiva da vítima, que é uma excludente de responsabilidade do Estado. 8 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28ª ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Atlas, 2015, p. 591. http://www.stj.jus.br/SCON/jt/toc.jsp?edicao=EDI%C7%C3O%20N.%2061:%20RESPONSABILIDADE%20CIVIL%20DO%20ESTADO http://www.stj.jus.br/SCON/jt/toc.jsp?edicao=EDI%C7%C3O%20N.%2061:%20RESPONSABILIDADE%20CIVIL%20DO%20ESTADO ela já havia sido notificada acerca do aumento do risco de acidentes no local, cabível a responsabilização da entidade pelos danos suportados pela vítima. - Revestindo-se a condenação imposta à Fazenda Pública e às suas autarquias, de natureza não tributária, será ela atualizada monetariamente de acordo com as disposições previstas pelo artigo 1º-F, da Lei n. 9.494/97, com as alterações que lhe foram trazidas pela Lei n. 11.960/2009. Decisão: DERAM PARCIAL PROVIMENTO. (TJMG. Apelação Cível: AC 10398130006032001 MG. Órgão julgador: Câmaras Cíveis / 8ª CÂMARA CÍVEL. Relator: Des. Paulo Balbino. Data de julgamento: 23/02/2017. Publicação: 14/03/2017.) Já no caso dos veículos que estavam estacionados e foram danificados pela queda de árvores plantadas na praça municipal, é possível constatar a presença de uma excludente de responsabilidade, qual seja: caso fortuito e força maior. Isso porque a queda decorreu de fortes chuvas e rajadas de vento, fenômenos da natureza. De início, destaque-se que a doutrina administrativista pátria majoritária não distingue casofortuito de força maior porque seus efeitos são os mesmos. São situações classificadas como de caso fortuito e de força maior aquelas imprevisíveis e não imputadas à Administração e seus agentes, como, por exemplo, os fenômenos da natureza, os atos de multidões e greves. Considerando que os pressupostos da responsabilidade objetiva do Estado são fato administrativo, dano e nexo de causalidade (entre fato e dano) e, considerando que não houve fato administrativo para a queda das árvores, não é possível concluir que a Administração Pública tenha que responder pelos danos decorrentes de caso fortuito e força maior. Nesta situação, portanto, há excludente de responsabilidade9. Veja-se um julgado a respeito: EMENTA. INDENIZAÇÃO. MUNICÍPIO. Responsabilidade civil. Queda de árvores sobre veículo em estacionamento de escola municipal. Não cabimento. Danos atribuídos à omissão do Município. Inexistência de omissão. Não comprovação do nexo de causalidade. Ocorrência de chuvas fortes e ventania acima dos padrões normais (fenômeno da natureza). Caso de força maior. Ausência de responsabilidade do Município. Ação julgada improcedente. Recurso não provido. (TJSP. Processo 10282699120168260577 SP. Órgão julgador: 6ª Câmara de Direito Público. Relator: Des. Reinaldo Miluzzi. Data de julgamento: 26/02/2018. Publicação: 02/03/2018.) 9 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28ª ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Atlas, 2015, p. 586. O mesmo raciocínio deve ser utilizado quando da aplicação da teoria da culpa administrativa, motivo pelo qual o município deverá responder pelos danos sofridos por João, uma vez que houve omissão (falta do serviço) da Administração Pública e ficou comprovado tanto o dano ocorrido quanto o nexo causal. Quanto aos danos sofridos pelos veículos em razão da queda das árvores, não há responsabilidade do Estado, porque os prejuízos decorreram de caso fortuito/força maior. Alínea b Embora o município tenha clamado pela aplicação de prazo prescricional previsto no Código Civil, é sabido que o Poder Público submete-se a regulamento diferenciado estabelecido pelo Decreto nº 20.910, de 06 de janeiro de 1932. Tal diploma legal estabelece o prazo de cinco anos para prescrição das dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem como todas as ações contra a Fazenda Pública, seja qual for sua natureza. Como se pode perceber, referido decreto é anterior à promulgação do Código Civil, porém, na análise de qual lei aplicar ao caso concreto, jurisprudência e doutrina dominantes optaram pelo critério da especialidade e mantiveram a aplicação da norma prevista no decreto (específica em relação ao Código Civil). A fim de pacificar o entendimento, o Superior Tribunal de Justiça fixou a seguinte tese10: O prazo prescricional das ações indenizatórias contra a Fazenda Pública é quinquenal (Decreto n. 20.910/1932), tendo como termo a quo a data do ato ou fato do qual originou a lesão ao patrimônio material ou imaterial. (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/73 – Tema 553) Portanto, a preliminar de mérito de prescrição aventada pelo município nas ações de reparações civis não será acolhida, porque desde os eventos ensejadores dos danos ainda não transcorreram mais de cinco anos. 10 Superior Tribunal de Justiça - STJ. Jurisprudências em tese. Edição nº 61. Disponível em:. Acesso em: 19 set. 2018. http://www.stj.jus.br/SCON/jt/toc.jsp?edicao=EDI%C7%C3O%20N.%2061:%20RESPONSABILIDADE%20CIVIL%20DO%20ESTADO http://www.stj.jus.br/SCON/jt/toc.jsp?edicao=EDI%C7%C3O%20N.%2061:%20RESPONSABILIDADE%20CIVIL%20DO%20ESTADO Alínea c A Lei Federal nº 8.429/92, que regulamenta a matéria atinente à improbidade administrativa, assim dispõe: Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança; II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego. III - até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1o desta Lei. Contudo, há especificidade quando se trata de ação civil para ressarcimento ao erário, em razão da seguinte disposição constitucional: Art. 37, § 5º, CF/88: A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento. Durante muito tempo, o entendimento predominante do Supremo Tribunal Federal era o de que todas as ações de ressarcimento ao erário eram imprescritíveis, seja qual fosse a sua natureza. Em fevereiro de 2016, ao julgar o RE 669.06911, o STF firmou a seguinte tese de repercussão geral: “é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil”. Assim, seriam imprescritíveis apenas as ações de ressarcimento decorrentes de improbidade administrativa. As ações de ressarcimento decorrentes de ilícitos civis teriam o prazo prescricional de cinco anos. O fundamento para essa decisão foi, em apertada síntese, a preocupação com a segurança jurídica. 11 Supremo Tribunal Federal. STF decide que há prescrição em danos à Fazenda Pública decorrentes de ilícito civil. Disponível em: . Acesso em: 19 set. 2018. Recentemente, em agosto de 2018, o STF foi novamente provocado a se manifestar sobre o tema, dessa vez de forma mais profunda, o que o levou a especificar seu entendimento. Ao julgar o Recurso Extraordinário 852.475, o STF concluiu que são imprescritíveis as ações de ressarcimento decorrentes de atos de improbidade praticados mediante condutas dolosas. Assim, quando houver culposamente lesão ao erário, ainda que enquadrada como improbidade administrativa, haverá prescrição da pretensão de ressarcimento no prazo de cinco anos (art. 23, Lei no 8.429/92). Assim, sagrou-se a redação da tese com repercussão geral12: São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa. Portanto, não se deve confundir a ação civil por improbidade administrativa, que é aquela que visa responsabilizar o agente pela prática de infrações previstas na Lei no 8.429/92, e aplicar as sanções lá previstas, com a ação de ressarcimento ao erário, que visa exclusivamente recompor o dano ocasionado ao patrimônio público. Em complementação, importa destacar que um dos objetivos da ação civil por improbidade é também provocar o ressarcimento ao erário. Tratando-se, por expressa previsão constitucional (art. 37, § 4º), de uma das sanções previstas em todos os incisos do art. 12 da Lei no 8.429/92, e devendo ser aplicada sempre que tiver havido lesão ao tesouro público. A diferenciação é importante em razão dos distintos prazos estabelecidos (cinco anos ou imprescritibilidade). Alínea d O foro escolhido pelo MP foi adequado quanto à ação penal, mas não quanto à ação de improbidade administrativa. 12 Supremo Tribunal Federal. Tema 897 - Prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário em face de agentes públicos por ato de improbidade administrativa. Disponível em:475&classeProcesso=RE&numeroTema=897#>. Acesso em: 19 set. 2018. http://stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4670950&numeroProcesso=852475&classeProcesso=RE&numeroTema=897 http://stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4670950&numeroProcesso=852475&classeProcesso=RE&numeroTema=897 Isso porque o foro privilegiado concedido aos prefeitos pelo inciso X do art. 29 da CF/88 diz respeito apenas às ações penais. A este respeito o STF editou a súmula 702: STF. Súmula 702. A competência do Tribunal de Justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de competência da Justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau. Assim, se o prefeito praticar um crime eleitoral, será julgado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Se o crime praticado pelo prefeito for contra bens, serviços ou interesses da União será julgado perante o Tribunal Regional Federal (TRF). Quanto à competência, é válido destacar também o teor da Súmula 209 do STJ: STJ. Súmula 209. Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal. Vale mencionar, ainda, que no julgamento da Ação Penal 937 o STF13 fixou as teses no sentido de que: (i) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e (ii) Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo. Há que se observar, desse modo, se o delito praticado pelo prefeito teve ou não pertinência com o exercício do cargo, caso contrário o Prefeito não possuirá foro privilegiado. No que tange à ação civil por improbidade administrativa, o posicionamento majoritário no STF e STJ é de que não existe foro por prerrogativa de função14. A ação, portanto, deve ser 13 STF. Disponível em: . Acesso em 19 set. 2018. 14 Ver as seguintes decisões: STJ: Rcl 12.514/MT; STF: RE 444.042/SP; STF RE 590.136/MT; Pet 3067 AgR, rel. min. Roberto Barroso, P, j. 19-11-2014, DJE 32 de 19-2-2015. http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=1588 processada e julgada em 1ª instância, ainda que tenha sido proposta contra agente político que tenha foro privilegiado no âmbito penal e nos crimes de responsabilidade. Em síntese, as ações penais em face de prefeitos devem tramitar em segunda instância, e as ações de improbidade administrativa em primeira instância. Não haverá, portanto, nenhuma intercorrência nas ações de improbidade o fato de chegar ao fim o mandato do prefeito. Já nas ações penais é importante destacar a mudança de entendimento do STF. Antes, a Corte Superior possuía a súmula 39415 que determinava a regra da perpetuatio jurisdictiones. Desta forma, prevalecia a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal tivessem iniciado após a cessação do exercício do mandato do prefeito. Atualmente, porém, o entendimento adotado é no seguinte sentido16: Depois de cessado o exercício da função, não deve manter-se o foro por prerrogativa de função, porque cessada a investidura a que essa prerrogativa é inerente, deve esta cessar por não tê-la estendido mais além a própria Constituição. Vale destacar, por fim, que caso o ato ilegal cometido pelo então prefeito venha ser descoberto apenas após o final de seu mandato, isso não impede a instauração dos procedimentos e ações devidas, porém, em primeira instância – inteligência da súmula 703 do STF17. Alínea e Os argumentos do Prefeito no sentido de que não houve lesão ao erário e de suas contas foram aprovadas pelo Tribunal de Contas são facilmente rebatidos pela simples análise do art. 21 da Lei no 8.429/92: 15 STF. Súmula 394 (cancelada): Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício. (Cancelada). 16 AP 315 QO, rel. min. Moreira Alves, P, j. 25-8-1999, DJ de 31-10-2001; [Pet 5563 AgR, rel. min. Celso de Mello, 2ª T, j. 15-3-2016, DJE 101 de 18-5-2016; AP 536 QO, rel. min. Roberto Barroso, P, j. 27-3-2014, DJE 154 de 12-8-2014; AP 606 QO, rel. min. Roberto Barroso, 1ª T, j. 12-8-2014, DJE 181 de 18-9-2014. 17 STF. Súmula 703. A extinção do mandato do prefeito não impede a instauração de processo pela prática dos crimes previstos no art. 1º do Dl. 201/67. Art. 21. A aplicação das sanções previstas nesta Lei independe: I – da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento; II – da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas. (Grifos nossos.) Isso porque, para fins de aplicação da lei, o conceito de improbidade abrange tanto os atos desonestos ou imorais quanto os atos ilegais em sentido estrito, isto é, aqueles praticados com ofensa às regras positivadas em leis, normas e regulamentos. Portanto, se o art. 8º, parágrafo único, da LC 101/00 determina que recursos legalmente vinculados à finalidade específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação, não poderia o Prefeito ter determinado sua utilização de outra maneira, ainda que estivesse atendendo ao interesse público e mesmo que se tratasse de situação emergencial. A Lei de Responsabilidade Fiscal não traz sanções específicas pelo descumprimento de seus preceitos, porém determina, em seu art. 73, que: Art. 73. As infrações dos dispositivos desta Lei Complementar serão punidas segundo o Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal); a Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950; o Decreto-Lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967; a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992; e demais normas da legislação pertinente. Por isso, o Ministério Público tomou a iniciativa de ajuizar a ação civil de improbidade administrativa e a ação penal, sobre as quais há comentários aprofundados no próximo item. Alínea f Não há que se falar em bis in idem, porque são esferas diferentes de responsabilização. A Lei de Improbidade tem natureza cível e traz sanções de natureza administrativa18, civil19 e política20. 18 Perda da função pública, proibição de contratar com o Poder Público e Proibição de receber benefícios fiscais ou creditícios. 19 Perda dos bens e valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento ao erário e multa civil. 20 Suspensão dos direitos políticos. O ato de improbidade em si não constitui crime. Contudo, nada impede que um mesmo ato configure uma improbidade e um crime definido em lei. Nesse caso, além das penalidades previstas na Lei no 8.429/92, o agente também responderá na esfera penal, estando sujeito às penas nela cominadas. O único crime que ela prevê é a representação por ato de improbidade contra agente público ou terceiro beneficiário quando o autor da denúncia o sabe inocente.21 Da mesma maneira, um ato de improbidade pode corresponder, a um crime e também a uma infração administrativa disciplinar, o que não impede o trâmite de cada um dos processos respectivos. Nestes casos a regra é que haja independência entre cada um dos processos. Em outras palavras, o resultado da ação de improbidade não influencia o resultado da ação penal ouadministrativa, e vice-versa. A exceção fica por conta da esfera penal quando houver condenação criminal (caso em que acarretará na condenação nas esferas cível e administrativa) ou absolvição penal por inexistência do fato ou ausência de autoria (caso em que também acarreta a absolvição nas demais esferas). Quanto à aplicação da Lei de Improbidade aos agentes políticos, trata-se de tema bastante controverso e discutido tanto na doutrina, quanto na jurisprudência. Primeiramente, veja-se o disposto na Lei no 8.429/92: Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei. (Grifos nossos.) 21 Vide art. 19 da Lei 8.429/92. O artigo que trata dos sujeitos ativos (os que podem cometer improbidade) é bastante abrangente e, numa análise literal é possível concluir que os prefeitos submetem-se à aplicação desta lei, já que abrange até os agentes públicos que não são servidores (prefeito não é servidor, mas ocupa cargo político) da administração direta do Poder Executivo Municipal. A partir desta análise e atendendo aos fins propostos pela lei, o STJ firmou entendimento de que todos os agentes políticos podem ser processados pela Lei no 8.429/92, bem como, conforme o caso, também respondem pelos crimes de responsabilidade22 da Lei no 1.079/5023 ou Decreto-Lei 201/6724. O STF, por seu turno, entende que apenas o Presidente da República e os Ministros não respondem pela Lei no 8.429/92. Existem decisões recentes do STF e do STJ no sentido de que a Lei de Improbidade Administrativa aplica-se aos agentes políticos. O STJ entende que os prefeitos podem responder por improbidade administrativa e também pelos crimes de responsabilidade do Decreto-Lei 201/6725. Nesse mesmo julgado, o STJ reforçou o estudado na alínea “d”, que a ação de improbidade administrativa contra os prefeitos será julgada em 1ª instância. Em última análise, verifica-se que as alegações do Prefeito de que há bis in idem nas ações de improbidade e penal e de que ele, por ser um agente político, não está submetido à Lei de Improbidade, não devem ser acolhidas pelo judiciário. 22 Vide Rcl 2.790/SC. 23 Dispõe sobre os crimes de responsabilidade praticados pelo Presidente da República, Ministros de Estado, Ministros do Supremo Tribunal Federal e Procurador Geral da República. 24 Dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores, e dá outras providências. 25 Vide REsp 1.066.772/MS. Valor da causa = R$ 381,60 x 99 = R$ 37