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RESPONSABILIDADE CIVIL RESPONSABILIDADE CIVIL ORGANIZADORA LAÍS PESSOA ORGANIZADORA LAÍS PESSOA Responsabilidade civil GRUPO SER EDUCACIONAL Neste livro, a autora se debruça sobre os temas relacionados à responsabili- dade civil e apresenta: histórico e conceito da responsabilidade civil; respons- abilidade civil e elementos caracterizadores; inexecução contratual e obrigação de indenizar; responsabilidade civil – situações especí�cas. Por meio de um texto didático e claro, serão abordados temas impre- scindíveis para aprender mais a respeito da responsabilidade civil. gente criando futuro I SBN 9788522129911 9 788522 129911 > C M Y CM MY CY CMY K RESPONSABILIDADE CIVIL Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, do Grupo Ser Educacional. Diretor de EAD: Enzo Moreira Gerente de design instrucional: Paulo Kazuo Kato Coordenadora de projetos EAD: Manuela Martins Alves Gomes Coordenadora educacional: Pamela Marques Equipe de apoio educacional: Caroline Guglielmi, Danise Grimm, Jaqueline Morais, Laís Pessoa Designers gráficos: Kamilla Moreira, Mário Gomes, Sérgio Ramos,Tiago da Rocha Ilustradores: Anderson Eloy, Luiz Meneghel, Vinícius Manzi Pessoa, Laís. Responsabilidade civil / Laís Pessoa : Cengage, 2020. Bibliografia. ISBN 9788522129911 1. Direito civil 2. Direito Penal 3. Responsabilidade civil. Grupo Ser Educacional Rua Treze de Maio, 254 - Santo Amaro CEP: 50100-160, Recife - PE PABX: (81) 3413-4611 E-mail: sereducacional@sereducacional.com “É através da educação que a igualdade de oportunidades surge, e, com isso, há um maior desenvolvimento econômico e social para a nação. Há alguns anos, o Brasil vive um período de mudanças, e, assim, a educação também passa por tais transformações. A demanda por mão de obra qualificada, o aumento da competitividade e a produtividade fizeram com que o Ensino Superior ganhasse força e fosse tratado como prioridade para o Brasil. O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – Pronatec, tem como objetivo atender a essa demanda e ajudar o País a qualificar seus cidadãos em suas formações, contribuindo para o desenvolvimento da economia, da crescente globalização, além de garantir o exercício da democracia com a ampliação da escolaridade. Dessa forma, as instituições do Grupo Ser Educacional buscam ampliar as competências básicas da educação de seus estudantes, além de oferecer- lhes uma sólida formação técnica, sempre pensando nas ações dos alunos no contexto da sociedade.” Janguiê Diniz PALAVRA DO GRUPO SER EDUCACIONAL Autoria Bruna Souza da Silva Advogada sócia na Muzzi e Advogados Associados, graduada em Direito em 2012 pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Especialista em Direito Público pelo CAD-FUMEC (2014). Membro da Comissão de Direito Médico da OAB/MG (triênio 2016-2018). Pós-graduanda em Direito Administrativo pela UFMG. Atuante nas áreas de Direito Administrativo e Sindical em âmbito consultivo e contencioso. SUMÁRIO Prefácio .................................................................................................................................................8 UNIDADE 1 - Histórico e conceito da responsabilidade civil ............................................................9 Introdução.............................................................................................................................................10 1. Histórico e conceito da responsabilidade civil .................................................................................. 11 2. Responsabilidade civil e a Legislação brasileira ................................................................................ 15 3. Responsabilidade civil e penal .......................................................................................................... 20 PARA RESUMIR ..............................................................................................................................23 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................................................24 UNIDADE 2 - Responsabilidade civil e elementos caracterizadores .................................................25 Introdução.............................................................................................................................................26 1. Elementos Caracterizadores da Responsabilidade Civil ....................................................................27 2. Excludente de Responsabilidade Civil .............................................................................................. 33 3. Responsabilidade civil e contratos .................................................................................................... 35 PARA RESUMIR ..............................................................................................................................39 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................................................40 UNIDADE 3 - Inexecução contratual e obrigação de indenizar ........................................................41 Introdução.............................................................................................................................................42 1. Inexecução Contratual ...................................................................................................................... 43 2. Obrigação de indenizar ..................................................................................................................... 46 PARA RESUMIR ..............................................................................................................................53 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................................................54 UNIDADE 4 - Responsabilidade civil – situações específicas ............................................................55 Introdução.............................................................................................................................................56 1. Responsabilidade Civil do Estado ...................................................................................................... 57 2. Responsabilidade das pessoas jurídicas de direito privado ..............................................................60 PARA RESUMIR ..............................................................................................................................68 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................................................69 Este livro trata da responsabilidade civil, um ramo do direito civil que se resvala também no Direito Penal, no Constitucional e Administrativo. Na primeira unidade, o histórico e o conceito da responsabilidade civil são apresentados, além de explicar como distinguir a conduta antijurídica, se subjetiva ou objetiva. Em seguida, o livro trata dos elementos caracterizadores do instituto da responsabilidade civil: o ato jurídico, o dano, o elemento subjetivo do agente e o nexo de causalidade. Também serão estudadas as hipóteses excludentes de reponsabilidade e a responsabilidade civil decorrente do descumprimento de obrigações contratuais. Será tratada também sobre a boa-fé objetiva tanto nas negociações preliminares quanto na execução dos contratos. A unidade 3 fala sobre a inexecução contratual e obrigação de indenizar, dando continuidade ao estudo da responsabilidade civil.é responsável pela reparação civil, ainda que não haja culpa de sua parte: • Os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; • O tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; • O empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; • Os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por di- nheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; • Os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. O art. 934 resguarda, no entanto, que aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz. O credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida, fora dos casos em que a lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dobro. Ainda, aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição. Tais penas não se aplicarão quando o autor desistir da ação antes de contestada a lide, salvo ao réu o direito de haver indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação, nos termos do art. 942 do Código Civil. Além disso, são solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932. Por fim, o direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança. 48 Figura 2 - Pagamento de indenização Fonte: H_Ko, Shutterstock, 2020 Utilize o QR Code para assistir ao vídeo: 2.1 Tipos de Indenização Sobre o instituto da indenização e sua valoração, o Código Civil de 2002 traz diretrizes entre os artigos 944 e 954. O art. 944 determina que a indenização deve ser medida pela extensão do dano. A indenização deve ter o valor adequado para reparar o dano sofrido – e não para enriquecer a parte que o sofreu –; e, ao mesmo tempo, servir como desestímulo para o agente que praticou a conduta danosa de que continue a exercê-la. As indenizações, conforme o caso concreto, podem abranger: i. O dano emergente, que consiste no efetivo prejuízo sofrido pela vítima, em sua diminuição patrimonial que deverá ser restaurada ao estado anterior. 49 ii. O lucro cessante, que é a expectativa frustrada de lucro que o lesado teria se não tivesse ocorrido a ação danosa. O lucro cessante deverá ser aferido por meio da probabilidade, analisada de forma objetiva, de que com o caminho natural das atividades do lesado o lucro se daria. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização. De acordo com o art. 945 do Código Civil, se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano. Se a obrigação for indeterminada, e não houver na lei ou no contrato disposição fixando a indenização devida pelo inadimplente, apurar-se-á o valor das perdas e danos na forma que a lei processual determinar. Se o devedor não puder cumprir a prestação na espécie ajustada, substituir-se-á pelo seu valor, em moeda corrente. De acordo com o artigo 948 do Código Civil, a indenização no caso de homicídio deve ser feita das seguintes formas: • Pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; • Prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a du- ração provável da vida da vítima. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido. Se a ofensa resultar em sequelas devido às quais o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez. Tais disposições aplicam-se, ainda, no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho. Quanto aos danos causados por subtração de coisas, havendo usurpação ou esbulho do alheio, além da restituição da coisa, a indenização consistirá em pagar o valor das suas deteriorações e o devido a título de lucros cessantes; faltando a coisa, dever-se-á reembolsar o seu equivalente ao prejudicado. Para se restituir o equivalente, quando não exista a própria coisa, estimar-se-á ela pelo seu preço ordinário e pelo de afeição, contanto que este não se avantaje àquele, conforme parágrafo único do art. 952 do Código Civil. Já a indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido, e se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso. 50 A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e se este não puder provar prejuízo, caberá da mesma forma ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso. Os casos de infrações consideradas ofensivas da liberdade pessoal são: • O cárcere privado; • A prisão por queixa ou denúncia falsa e de má-fé; • A prisão ilegal. Em relação aos tipos de indenização decorrentes do dano que constitui requisito da obrigação de indenizar, ou seja, aquele relacionado ao instituto da responsabilidade civil, é importante a subdivisão em dois grandes grupos segundo a natureza do bem atingido: i. danos a coisas; ii. danos a pessoas, que pode abranger os danos físicos ou corporais e os danos morais (ou chamados anímicos). Stoco (2011) aponta que tanto os danos a coisas quanto os danos às pessoas possuem valoração econômica e são suscetíveis à avaliação pecuniária, de onde se extraem as categorias de subdivisão: i. danos patrimoniais, econômicos ou materiais; ii. danos extrapatrimoniais, também chamado moral ou imaterial. O dano material é regido pelo princípio da restitutio in integrum, devolvendo-se ao lesado tudo aquilo que economicamente dispendeu em razão do dano sofrido. Quanto ao dano moral, não há previsão legal de valores que devem ser estipulados como reparação, mas deve-se utilizar o binômio do equilíbrio, pelo qual, de acordo com Stoco (2011, p. 1398): a compensação pela ofensa irrogada não deve ser fonte de enriquecimento para quem recebe, nem causa de ruína para quem dá. Mas também não pode ser tão apequenada que não sirva de desestímulo ao ofensor, ou tão insignificante que não compense e satisfaça o ofendido, nem o console e contribua para a superação do agravo recebido. O dano moral direto, portanto, segundo Tartuce (2016), é aquele que atinge a pessoa em sua honra subjetiva (autoestima) ou objetiva (repercussão social da honra), como acontece nos crimes contra a honra (injúria, calúnia, difamação). A indenização pelo lucro cessante requer a “probabilidadeobjetiva resultante do desenvolvimento normal dos acontecimentos conjugados às circunstâncias peculiares do caso 51 concreto” (STOCO, 2011, p. 1397). A mera possibilidade de lucro não seria suficiente. Importante também é o estudo do chamado “dano em ricochete”, que é o dano indireto, atingindo a pessoa de forma reflexa em relação à pessoa que foi efetivamente lesada, como, por exemplo (TARTUCE, 2016), nos casos em que morre pessoa da família (art. 948 do código Civil), ou violação à personalidade do morto (artigo 12 do Código Civil), ou perda de coisa estimada como um animal de estimação (art. 952 do Código Civil). Quanto ao dano estético, que se encontrava expressamente previsto no Código Civil de 1916, este não foi reproduzido no Código Civil de 2002, mas a sua ocorrência e dever de reparação continuam por ele amparados. Isso porque caso o dano de natureza estética seja passível de reparação, será convertido em danos materiais e, na impossibilidade, será revertido na forma de dano moral. Admite-se a cumulação do dano estético com o dano moral se for possível estipular, ainda que em valor único, o valor devido por cada um deles enquanto transtornos individualizados. Veja a seguir outros tipos de reparação pecuniária admitidas pelo ordenamento juídico pátrio: • Pagamento de despesas com funeral, luto e sepultura; • Pensão mensal a parentes de vítima de acidente ferroviária ou rodoviário; • Pensão por morte (independente da pensão previdenciária); • Pensão mensal (independente de benefício previdenciário) e despesas com tratamento médico; • Indenização acidentária, que não exclui a indenização civil. 2.2 Valoração da indenização As regras gerais sobre a fixação das indenizações estão nos artigos 944, 945 e 948 do Código Civil. Como vimos, o dano material será passível de reparação em sua integralidade, ou seja, tudo aquilo que se demonstrou ter gastado (ou perdido, ou deixado de ganhar) de modo FIQUE DE OLHO Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça confirmou a condenação de tribunais locais de pagamento de indenização por contaminação com o vírus HIV por parceiro que tinha ciência de sua condição e assumido o risco com seu comportamento de não informar a parceira e de não se proteger. Restou configurada, nesse caso, a lesão aos direitos de personalidade (honra, intimidade, integridade moral e física) da parceira 52 economicamente aferível em razão do dano sofrido será passível de reparação. A fixação da reparação do dano material agrega, assim, o dano emergente e o lucro cessante. A primeira opção de reparação, se a natureza da obrigação assim o permitir, seria o retorno ao status quo ante, com a devolução das mesmas coisas danificadas ou destruídas. Sendo impossível tal devolução, necessária a apuração do dano emergente e do lucro cessante, a ser estipulado em valor fixo e único que compense o prejuízo suportado. Neste caso também poderá ser fixada pensão mensal ou vitalícia a fazer frente às despesas do lesado. Segundo Stoco (2011), o dano emergente será aquilo que se perdeu, ou o valor relativo ao prejuízo, seja a perda de um bem, os gastos com tratamento, etc. O lucro cessante corresponde ao que o indivíduo deixou de ganhar por estar impossibilitado temporariamente de exercer seu trabalho. Quanto aos critérios de fixação da indenização pelo dano moral, não há na Legislação brasileira atual que os estabeleça, e tampouco valores, cabendo ao julgado estabelecer segundo sua análise dos fatos e do prejuízo moral causado, fixando o valor segundo seu arbítrio. O valor a ser fixado como indenização seja por danos morais seja por danos patrimoniais dever ser estipulado com parcimônia pelo julgador e obedecendo ao binômio do equilíbrio. Não se pode esquecer também do critério de equidade previsto em diversos artigos já citados nesta unidade, pelo qual o juiz deverá apreciar de forma as possibilidades ou recursos do devedor em conjunto com as necessidades da vítima, considerando a intensidade do dolo ou culpa do agente e também a intensidade do sofrimento do ofendido. Dentre os outros elementos que devem influenciar no valor das indenizações fixadas estão: • Correção monetária, desde a data do fato que originou o prejuízo; • Incidência de juros legais, nos termos dos artigos 398 e 406 do Código Civil; • Verba honorária, nos termos do art. 85 do Código de Processo Civil. No caso de indenizações fixadas em forma de pensão é admissível que o juízo exija do devedor a constituição de capital como garantia dos pagamentos futuros, assim como é possível o pedido de revisão da pensão se houver mudança nas circunstâncias em relação àquelas da data da fixação. FIQUE DE OLHO A chamada “teoria da perda da chance” aplica-se aos casos em que o dano seja real, atual e certo, dentro de um julgamento de probabilidade, e não a partir da sua possibilidade. Logo, o dano potencial e incerto, no âmbito da responsabilidade civil, em regra, não é indenizável. 53 Nesta unidade, você teve a oportunidade de: • compreender que, em responsabilidade civil, a indenização pressupõe a existência de ato ilícito que tenha causado danos, prejuízo; • aprender que os danos podem ser de natureza patrimonial, econômica/material; ou de natureza extrapatrimonial, moral; • compreender que as perdas e danos abrangem tanto os danos emergentes quanto os lucros cessantes; • analisar como se dá a fixação da indenização por dano material e moral. PARA RESUMIR FIUZA, C. Direito Civil [livro eletrônico]: curso completo. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. GONÇALVES, C. R. Direito das obrigações, parte especial, tomo II responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. STOCO, R. Tratado de Responsabilidade Civil, 6ª ed., São Paulo: RT, 2004, p. 545. TARTUCE, F. Manual de direito civil: volume único. 6. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS UNIDADE 4 Responsabilidade civil – situações específicas Você está na unidade Responsabilidade Civil – Situações Específicas. Você estudará situações específicas em que a responsabilidade civil é apurada, em conformidade com disposições legais, doutrina e jurisprudência. Bons estudos! Introdução 57 1. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO O nosso ordenamento jurídico assumiu como regra a teoria da responsabilidade civil subjetiva, em que é necessária a existência e comprovação do elemento subjetivo culpa pela pessoa que foi lesada e pretende ver seu patrimônio jurídico reparado. Nossa legislação previu ainda, de forma expressa, as exceções a esta regra como nos casos em que deverá ser adotada a teoria da culpa presumida ou a teoria da responsabilidade objetiva, por meio do risco administrativo ou risco integral, e nas atividades perigosas. Uma dessas exceções é em relação à responsabilidade civil do Estado. Verifica-se que ela está atrelada à responsabilidade objetiva – ou seja, independente de dolo ou culpa do agente –; e à teoria da responsabilidade subjetiva do Estado, quando a prestação de serviços públicos – como o de saúde, por exemplo –, não funciona, funciona mal ou tardiamente, teoria conhecida como “falta do serviço”. A Constituição de 1988 dispôs sobre a responsabilidade civil do Estado pelos danos causados a terceiros, consubstanciando a responsabilidade na modalidade objetiva (BRASIL, 1988): “Art. 37 § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. Por sua vez, o Código Civil Brasileiro de 2020 dispôs que as pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que, nessa qualidade, causem danos a terceiros. Portanto, sob a perspectiva da responsabilidade civil do Estado, são requisitos ensejadores do dever de indenizar a ocorrência de conduta,dano e nexo causal. Em relação à “teoria da falta do serviço”, ela está relacionada à prática de conduta omissiva por agentes da Administração que ocasionem dano a outrem, evidentemente, em razão do nexo de causalidade. Trata, principalmente, de situações em que os agentes públicos diretamente envolvidos na prestação de serviços públicos à população deixam de praticar alguma ação que seria devida – ou seja, omitem-se – causando danos à esfera jurídica do usuário do serviço. Para resumir a teoria, é utilizada a expressão de ocorrência de dano quando o serviço público não funciona, funciona mal ou funciona tardiamente. No âmbito da responsabilidade civil do Estado, por omissão, abarcada pela “teoria da falta do serviço”, é exigida a presença do requisito subjetivo do dolo ou culpa por parte do agente público omisso, aquele que deveria ter agido. Tal caracterização de dolo ou culpa também deve ser objeto de prova em processos e procedimentos que visem à responsabilização dos médicos, por exemplo. Por fim, é importante destacar que na abordagem da responsabilidade civil do Estado não haverá que se falar em aplicação do Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de entes da Administração Pública, que possuem regime jurídico administrativo – de direito público 58 –, e diferente, portanto, do regime jurídico civilista aplicável aos entes particulares. O Estado estará sujeito aos preceitos da responsabilidade civil contratual nos termos estabelecidos entre a Administração Pública e o particular que com ela contratar. Figura 1 - Palácio do Planalto em Brasília (DF) Fonte: R.M. Nunes, Shutterstock, 2020 Utilize o QR Code para assistir ao vídeo: 1.1 Teoria do Risco Administrativo A responsabilidade civil do Estado com base na teoria do risco administrativo tem origem no direito francês e tem natureza objetiva, ou seja, o Estado terá o dever de indenizar o particular independentemente da existência de culpa ou dolo do agente que causou o dano. Ela está consubstanciada no art. 37, §6º da Constituição da República de 1988. Veja a seguir os elementos 59 que o particular precisará comprovar para a reparação: Elementos que o particular lesado precisará comprovar para a reparação • Atuação de agente público, como tal; • Dano; • Nexo de causalidade entre a conduta praticada pelo agente público no exercício da fun- ção ou em razão dela e o dano sofrido pelo particular que pretende a reparação. Conforme a “teoria do risco integral”, há responsabilidade civil do Estado de forma objetiva, pelos danos causados aos particulares, em quaisquer circunstâncias. Essa teoria não admite qualquer modalidade de excludentes de responsabilidade, bastando apenas comprovação do nexo causal. Tal teoria não foi admitida pelo nosso ordenamento, embora alguns doutrinadores entendam que a responsabilidade por danos decorrentes de acidentes nucleares se enquadraria neta hipótese. 1.2 Casos especiais Inicialmente destacam-se como casos especiais de responsabilidade civil (NASCIMENTO, 2018) aqueles em que ela é objetiva, relacionada ao risco integral, no caso de danos decorrentes de acidentes nucleares – nos termos do art. 21, XXIII, d, da Constituição Federal –, e no caso de danos ambientais, com amparo no art. 14, §1º da Lei nº. 6.938/81. Outro caso especial de responsabilidade do Estado por obras públicas, em que são possíveis dois cenários: i. Dano causado pelo chamado “só fato da existência da obra”, de responsabilidade do Estado, no caso dos transtornos causados pelos administrados fixados na região da obra; ii. Dano causado pela má-execução, de responsabilidade pelo executor contratado, de forma subjetiva, e do Estado de forma subsidiária, se o executor não puder, pelos próprios meios, ressarcir a vítima. Importante mencionar também os danos decorrentes de atos legislativos em que, em regra, há irresponsabilidade pelos mesmos. As duas exceções pontuadas são as leis inconstitucionais, cuja reparação deve ser obtida por meio de controle de constitucionalidade; e as leis de efeitos concretos (muito semelhantes ao ato administrativo), cuja reparação se rege pela teoria do risco administrativo. No caso de atos jurisdicionais, a regra também será a irresponsabilidade do Estado. No entanto, conforme leciona Nascimento (2018), poderá existir responsabilidade do Estado por erro 60 do judiciário sobretudo na esfera criminal aplicando-se a teoria da responsabilidade objetiva na modalidade risco administrativo, exceto nas hipóteses do art. 603, §2º do Código de Processo Penal. 1.3 Excludentes de responsabilidade do Estado Da mesma forma que na responsabilidade civil entre particulares, o Estado pode vir a ser isentado do dever de indenizar caso esteja presente alguma causa excludente: culpa exclusiva da vítima, força maior ou fato exclusivo de terceiro. Tais excludentes são garantidos devido à adoção pelo nosso ordenamento da teoria do risco administrativo e não a do risco integral. Caberá ao Estado, no entanto, o dever de comprovar alguma hipótese de excludente de ilicitude, e não ao particular demonstrar que não houve. Em relação ao excludente da culpa exclusiva da vítima, caracteriza-se quando o dano é causa de conduta praticada pela própria vítima, caso em que o Estado não possuirá dever de indenizar. As outras hipóteses excludentes são apresentadas sob conceitos do Direito Administrativo: i. Caso fortuito, como evento interno à Administração Pública mas de natureza imprevisível e que acaba provocando dano a outrem; ii. Força maior, enquanto eventos externos à Administração Pública – sejam da natureza ou fatos jurídicos humanos, de terceiros – de natureza extraordinária, imprevisível ou de consequências imprevisíveis, ou de força irresistível. Nos casos de eventos externos à Administração, imprevisíveis, haveria rompimento do nexo de causalidade afastando o dever de indenizar. No caso dos eventos internos, se houver demonstração de nexo de causalidade, permanecerá o dever do Estado em reparar o particular. Por fim, será possível o atenuante de responsabilização do Estado nos casos de culpa concorrente do particular para a ocorrência do evento danoso. 2. RESPONSABILIDADE DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado será regida, de forma geral, podem ser de natureza contratual ou extracontratual e, normalmente, de forma subjetiva. 2.1 Código de Defesa do Consumidor A responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor é, via de regra, objetiva nos termos do art. 14, caput: fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação 61 dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. No caso, trata-se de responsabilidade objetiva e solidária dos fornecedores na relação de consumo por prestação de serviços, abarcada pelos art. 14, caput, e art. 25, §1º do Código de Defesa do Consumidor, que preveem, respectivamente (BRASIL,1990): Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores. § 1° Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores. 2.2 Concorrência desleal A Lei nº. 9.279/96, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, prevê em seu artigo 209 a possibilidade de reparação civil por concorrência desleal (BRASIL, 1996): Art. 209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados poratos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio. § 1º Poderá o juiz, nos autos da própria ação, para evitar dano irreparável ou de difícil reparação, determinar liminarmente a sustação da violação ou de ato que a enseje, antes da citação do réu, mediante, caso julgue necessário, caução em dinheiro ou garantia fidejussória. § 2º Nos casos de reprodução ou de imitação flagrante de marca registrada, o juiz poderá FIQUE DE OLHO Fato do produto/serviço é o mesmo que acidente de consumo. Haverá fato do produto ou do serviço sempre que o defeito, além de atingir a incolumidade econômica do consumidor, atinge sua incolumidade física ou psíquica. Nesse caso, haverá danos à saúde física ou psicológica do consumidor. Em outras palavras, o defeito exorbita a esfera do bem de consumo, passando a atingir o consumidor. Já Direito do Produto/Serviço refere-se aos casos quando o “defeito” atingir meramente a incolumidade econômica do consumidor, causando-lhe tão somente um prejuízo patrimonial. Nesse caso, o problema é intrínseco ao bem de consumo. 62 determinar a apreensão de todas as mercadorias, produtos, objetos, embalagens, etiquetas e outros que contenham a marca falsificada ou imitada. Logo, o Judiciário vem entendendo que qualquer modalidade de concorrência desleal (práticas ilícitas para angariar clientela) é passível de indenização por danos morais, como, por exemplo, a utilização de nome foneticamente semelhante a produto de concorrente, ou marca semelhante, ou desvio de clientela, além dos danos materiais que, nos termos da súmula 83 do Superior Tribunal de Justiça, que afirma que, na hipótese de concorrência desleal, os danos materiais se presumem, tendo em vista o desvio de clientela e a confusão entre as marcas, podendo ser apurados em liquidação de sentença. Utilize o QR Code para assistir ao vídeo: 2.3 Estabelecimentos hospitalares, seguros e planos de saúde Quanto à responsabilidade dos estabelecimentos hospitalares, seguros e planos de saúde, eles respondem por defeitos estruturais de forma objetiva. Pela conduta dos profissionais a ele relacionados, respondem de forma também objetiva após demonstrada a responsabilidade subjetiva do médico vinculado ao hospital, ou seja, apurada a culpa do profissional. Os cenários nos quais se configuram responsabilidade civil decorrente de fato do serviço da área de saúde são: Se o fato do serviço é causado por serviço do hospital como um todo, como limpeza, ministração de medicamento, alocação de ala etc., a responsabilidade é objetiva do hospital fornecedor (aplica-se apenas a regra do Código de Defesa do Consumidor quanto ao fornecedor); Se o fato é provocado por um médico que tem vínculo de subordinação com aquele hospital, a responsabilidade é subjetiva do médico, mas em solidariedade com o hospital, também subjetivamente (aplica-se a regra do Código de Defesa do Consumidor quanto aos profissionais 63 liberais, mas junto com a responsabilidade subjetiva do hospital); Se o fato é provocado por um médico que não tem vínculo de subordinação com o hospital, que apenas alugou ou de alguma forma utilizou a estrutura do hospital para aquele trabalho, a responsabilidade é subjetiva só do médico (aplica-se apenas a regra do CDC quanto aos profissionais liberais). Figura 2 - Médicos trabalhando no lobby de um hospital Fonte: Monkey Business Images, Shutterstock, 2020 2.4 Responsabilidade civil de profissionais liberais Os profissionais liberais – por exemplo, médicos e advogados –, respondem subjetiva e pessoalmente pelos danos causados, exigindo-se, como dito acima, a verificação da culpa. Vistas as nuances gerais sobre a reponsabilidade civil subjetiva, sobre a responsabilidade civil dos médicos, o doutrinador Ulderico Pires dos Santos explica que, como regra, o médico somente será responsabilizado caso reste comprovado que o evento danoso se deu em razão de negligência, imprudência, imperícia ou erro grosseiro de sua parte. Em suas palavras (SANTOS, 1984, p. 79), para responsabilizá-lo pelo dano causado a um paciente: “é necessário que resulte provado de modo concludente que o evento danoso se deu em razão de negligência, imprudência, imperícia ou erro grosseiro de sua parte”. A responsabilidade subjetiva do médico, conforme antecipado, também pode ser extraída do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990): “Art. 14 § 4º - A responsabilidade pessoal dos 64 profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”. Stoco (2004), ao comentar ao comentar acerca da responsabilidade civil do médico prevista no Código de Defesa do Consumidor, menciona a lição do renomado jurista Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, que é clara ao afirmar que a responsabilidade médica é alicerçada na culpa. Os médicos respondem subjetiva e pessoalmente pelos danos causados a seus pacientes quando não estão vinculados a hospitais. Quando estão vinculados a uma instituição hospitalar, respondem de forma subjetiva, mas o hospital responde objetivamente, ambos solidários; aquele em regresso a este. De modo geral, a não ocorrência de culpa (negligência, imprudência ou imperícia) por parte de um médico, por exemplo, impede que lhe seja atribuída qualquer responsabilidade, visto que a responsabilidade do profissional médico é subjetiva, na maioria dos casos, em razão do disposto no art. 14, §4º, do Código de Defesa do Consumidor. O estudo da responsabilidade civil dos médicos possui relevância na medida em que, nos últimos anos, cresceu em muito o número de ações ajuizadas contra médicos em sua maioria motivadas por “erros médicos”. Segundo Canal (2014), entre os anos de 2001 e 2011 houve um aumento de 302% nos processos éticos contra médicos e, no mesmo período, um aumento de mais de 500% nos processos judiciais indenizatório. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), este aumento foi de 1600% no período. Da mesma forma, a responsabilidade civil dos advogados, sendo também obrigação de meio e não de resultado, e embora sejam prestadores de serviços, foi excluída da responsabilidade civil objetiva disposta no Código de Defesa do Consumidor. Além disso, os advogados estão sujeitos especificamente ao art. 32 da Lei nº. 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) (BRASIL, 1994): Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa. Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria. De acordo com Stoco (2011), apenas será possível responsabilizar o advogado, quando, por dolo e intenção manifesta de prejudicar, cause prejuízos ao seu cliente, ou atue com extremada culpa, de modo tão insatisfatório, displicente e imperito que a relação casual entre esse agir e o resultado da causa fique evidente. Ainda, é preciso destacar que o art. 34, IX, do Estatuto da Advocacia prevê como infração disciplinar do advogado prejudicar, por culpa grave, interesse confiado ao seu patrocínio, o que reforçou a tese jurídica de que o advogado só pode ser responsabilizado por prejuízo ao cliente por erro grosseiro e indesculpável sobre matéria de direito ou de fato e inadequada subsunção a preceito de lei (BRASIL. 1994). 65 Figura 3 - Advogado no exercício da sua profissão Fonte: Roman Samborskyi, Shutterstock, 2020 2.5 Obrigações de meios e obrigações de resultado A distinção entre obrigação de meio e obrigação de resultado é de fundamental importância para definição da responsabilização dos profissionais liberais – médicos, sobretudo. Naturalmente, tem-se que a obrigação na relação médico-pacienteé de meio, e da natureza contratual, salvo em casos de cirurgias plásticas de natureza exclusivamente estética conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (REsp 819.008/PR), em que se compromete o médico com o efeito embelezador prometido. Santos (1984, p. 79) explica que, de maneira predominante, a obrigação do médico é de meio e não de resultado, assim, o médico assume a obrigação de atuar diligentemente, e não de curar o paciente: Sua responsabilidade decorre é de sua ação profissional manifestamente errônea, de sua omissão sobre o que deveria ser feito para evitar o mal e não o fez, porque a sua atuação não é de resultado e sim de meio, e também porque ao aceitar o cliente não assume com ele a obrigação de curá-lo, e sim de atuar com acerto e correção, ministrando-lhe o tratamento terapêutico ou operatório exigido pelo seu mal e indicado pela ciência médica Gonçalves (2003, p. 360) concorda que a obrigação do médico em geral é obrigação de meio e não de resultado: Portanto, para o cliente é limitada a vantagem da concepção contratual da responsabilidade médica, porque o fato de não obter a cura do doente não importa reconhecer que o médico foi 66 inadimplente. Isto porque a obrigação que tais profissionais assumem é uma obrigação de “meio” e não de “resultado”. O objeto do contrato médico não é a cura, obrigação de resultado, mas a prestação de cuidados conscienciosos, atentos, e, salvo circunstâncias excepcionais, de acordo com as aquisições da ciência. A jurisprudência também indica no sentido de que a natureza contratual do serviço médico é de meio e não de resultado, e, assim, não se pode presumir culpa do profissional, que para ser condenado deve restar comprovada a sua culpa. Gonçalves (2003) aponta que cabe ao suposto prejudicado provar que o médico agiu com culpa. Nesse sentido, Theodoro Júnior (1985, p. 120), explica sobre a necessidade daquele que pleiteia a indenização de provar a culpa do agente, no caso o médico: “no ato ilícito, não basta o dano, mas impõe-se provar também a culpa do agente, para se lhe atribuir a responsabilidade civil”. A doutrina e jurisprudência dominantes, portanto, indicam no sentido de que a indenização por dano moral e material decorrente de atuação médica está atrelada à prova de dolo ou culpa do médico, de modo que não se pode falar em dano moral em casos nos quais não há dolo ou culpa, nem mesmo nexo causal. 2.6 Cirurgião plástico Nos casos de cirurgias plásticas meramente estéticas, configura-se obrigação de resultado, comprometendo-se o médico com o efeito embelezador prometido. Embora a obrigação seja de resultado, a responsabilidade do médico no caso de cirurgia meramente estética permanece sendo subjetiva, no entanto, com inversão do ônus da prova, cabendo ao médico comprovar que os danos suportados pelo paciente advieram de fatores externos e alheios à sua atuação profissional. Trata-se, portanto, de responsabilidade subjetiva com culpa presumida, não sendo o caso de responsabilidade objetiva. FIQUE DE OLHO A responsabilidade contratual é aquela que decorrerá do descumprimento de alguma obrigação previamente estipulada em contrato entre as partes, sendo que haverá responsabilidade de indenizar perdas e danos, nos termos do art. 389 do Código Civil. 67 Este entendimento tem sido aplicado nos casos de intervenções médicas – cirúrgicas, em sua maioria – relacionadas à estética do paciente, em que o serviço ofertado está intrinsecamente relacionado à obtenção do resultado pretendido pelo paciente e não a uma questão de saúde. Destacam-se, neste aspecto, os procedimentos médicos relacionados à estética do paciente. Nesse sentido, é importante destacar que sobretudo as especialidades de ginecologia e obstetrícia, clínica médica, traumato-ortopedia, cirurgia geral e cirurgia plástica estão sujeitas à aplicação deste entendimento no caso concreto. Utilize o QR Code para assistir ao vídeo: 2.7 Consentimento informado O consentimento informado e esclarecido, instrumento muito utilizado pelos médicos para com seus pacientes, destina-se à tutela da autonomia da vontade para consentir ou recursar tratamento e intervenções médicas, sendo negócio jurídico que exige a capacidade do agente, objeto lícito, não proibido em lei. O termo é utilizado para informar ao paciente, de forma minudente e esclarecida, os riscos envolvidos no procedimento. Sobre o tema, adentrando à responsabilidade civil, o Código de Defesa do Consumidor e os preceitos nele contidos incentivaram o uso e o aprimoramento do consentimento informado, hoje entendido como livre e esclarecido, a fim de possibilitar aos pacientes um maior conhecimento sobre os procedimentos e tratamentos aos quais vai se submeter bem como os riscos e consequências – tanto do tratamento proposto, como de não o fazer. Por outro lado, a utilização do termo de consentimento informado, livre e esclarecido, pode auxiliar o profissional médico em eventual ação de responsabilidade civil, afigurando-se como medida preventiva que o socorrerá em matéria de prova em ações judiciais, desde que tenha meios de demonstrar o real esclarecimento de riscos ao paciente e a autonomia da vontade deste no momento do negócio jurídico. 68 Nesta unidade, você teve a oportunidade de: • analisar o caráter subjetivo da responsabilidade civil do Estado; • distinguir os casos em que a responsabilidade civil do Estado é objetiva perante o cidadão pelos danos causados por seus agentes, cabendo direito de regresso do Estado contra este se preenchidos os requisitos da responsabilidade subjetiva; • analisar a responsabilidade civil dos fornecedores de serviço; • discutir a responsabilidade civil dos profissionais liberais; • compreender as especificidades da discussão em torno da responsabilidade civil de médicos. PARA RESUMIR BRASIL. Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Brasília: Senado Federal, 1990. BRASIL, Lei nº 8.906 de 04 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Brasília: Senado Federal, 1994. BRASIL, Lei nº 9.279 de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Brasília: Senado Federal, 1996. CANAL, Raul. Erro Médico e Judicialização da Medicina. Brasília, DF, 2014, 284 páginas. CARVALHO FILHO, J. dos S. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2015. FIUZA, C. Direito Civil: curso completo. 11. Ed. Revista, atualizada e ampliada. Belo Horizonte: Del Rey, 2008 GONÇALVES, C. R. Responsabilidade Civil. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2003. KFOURI NETO, M. A responsabilidade Civil do Médico - Revista dos Tribunais 654/93, in Ajuris - Edição especial. NASCIMENTO, E. S. do. Direito administrativo. Niterói: Impetus, 2018. SANTOS, U. P. dos. A Responsabilidade Civil na Doutrina e na Jurisprudência. São Paulo: Forense, 1ª ed., 1984 STOCO, R. Tratado de Responsabilidade Civil, 6ª ed., São Paulo: RT, 200 THEODORO JÚNIOR, H. Responsabilidade Civil. São Paulo: Leud, 1986. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Neste livro, a autora se debruça sobre os temas relacionados à responsabilidade civil e apresenta: histórico e conceito da responsabilidade civil; responsabilidade civil e elementos caracterizadores; inexecução contratual e obrigação de indenizar; responsabilidade civil – situações específicas. Por meio de um texto didático e claro, serão abordados temas imprescindíveis para aprender mais a respeito da responsabilidade civil. Capa E-Book_Responsabilidade Civil_CENGAGE_V2 E-Book Completo_Responsabilidade Civil_CENGAGE_V2Serão abordadas as características da obrigação de indenizar, os tipos de indenização e sua valoração. As situações específicas em que a responsabilidade civil é apurada, em conformidade com disposições legais, doutrina e jurisprudência são assuntos da unidade 4. Será analisada também a responsabilidade civil dos fornecedores de serviços, bem como a dos profissionais liberais e dos médicos. PREFÁCIO UNIDADE 1 Histórico e conceito da responsabilidade civil Você está na unidade Histórico e conceito da responsabilidade civil. Nesta unidade, você vai aprender o que significa a expressão “responsabilidade civil”, bem como as subdivisões deste instituto jurídico que possuem interface com outros ramos do Direito, além do Direito Civil, como por exemplo: Direito Penal, Direito Constitucional e Direito Administrativo. Bons estudos! Introdução 11 1. HISTÓRICO E CONCEITO DA RESPONSABILIDADE CIVIL O conceito de responsabilidade civil atualmente adotado pelo Direito brasileiro se originou no Código Civil francês, outorgado por Napoleão em 1804. Ele está relacionado à existência de culpa de um agente por ter praticado algo ato danoso a alguém, que deverá ser reparado. O dispositivo pode ser facilmente traduzido pela expressão: aquele que causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo. Ao contrário do que acontece no Direito Penal, não há nesse caso a necessidade de que se estabeleça de forma prévia qual tipo de dano enseja reparação, e nem há medida de reparação previamente estabelecida. Veja a seguir os amparos da responsabilidade civil no Direito Romano: Amparos da responsabilidade civil no Direito Romano: • Viver honestamente (honestae vivere); • Dar a cada um o que é seu (suum cuique tribuere). Utilize o QR Code para assistir ao vídeo: Segundo Stoco (2011,p. 35), a responsabilidade civil é mais uma consequência do que uma obrigação original: A ninguém se permite lesar outra pessoa sem a consequência de imposição de sanção. No âmbito penal a sanção atende a um anseio da sociedade e busca resguardá-la. No âmbito civil o dever de reparar assegura que o lesado, enquanto pessoa individualizada, tenha o seu patrimônio – material ou moral – reconstituído ao statu quo ante, mediante a restitutiu in integrum. Para se caracterizar a responsabilidade civil, são necessários dois elementos de natureza fática (conduta do agente e o resultado danoso) e um elemento chamado de lógico-normativo que é o nexo causal. Dentre os elementos necessários para caracterizar a responsabilidade civil, podemos citar: 12 • Ato ilícito, omissivo ou comissivo, doloso ou culposo; • Dano; • Nexo de casualidade. Figura 1 - Justiça e danos materiais Fonte: Alexstr, Shutterstock, 2020 1.1 Responsabilidade civil subjetiva, objetiva e culpa presumida O conceito de responsabilidade civil predominante no nosso ordenamento jurídico foi diretamente influenciado pelo Código Napoleão, em que a responsabilização civil pelo ato ilícito está diretamente ligada à existência de culpa do agente que praticou a conduta (comissiva ou omissiva) antijurídica. Desse modo, a responsabilidade civil cujos elementos caracterizadores requerem a existência da culpa (esta identificada por meio da negligência, imprudência ou imperícia) caracteriza-se como subjetiva, pois, além dos elementos ato ilícito, dano, e nexo de causalidade, é necessário demonstrar e comprovar o elemento subjetivo do agente para que passe a existir a obrigação de reparação civil. A responsabilidade subjetiva no nosso ordenamento aparece, de certa forma, como regra, sendo que a responsabilidade objetiva (que independente de culpa) acontece somente em hipóteses legalmente previstas. No entanto, dentro da doutrina da responsabilidade subjetiva, constatou-se que na prática, e por vezes, a necessidade de que o lesado demonstrasse a existência de culpa do agente e o nexo de causalidade acabava por inviabilizar a reparação. Isso em decorrência de algum desequilíbrio na relação como, por exemplo, desigualdade econômico- financeira, níveis diferentes de organização empresarial. Tal situação em boa parte das vezes não se via resolvida nem por meio da inversão do ônus da prova, fazendo com que o lesado 13 permanecesse sem a devida reparação, embora tenha se reconhecido o dano sofrido em seu patrimônio jurídico. Diante desse quadro, muitos doutrinadores foram sentindo, ao longo dos anos, insuficiência da teoria da responsabilidade subjetiva – baseada na culpa –, para reparação dos danos o que levou ao paulatino alargamento da teoria da responsabilidade, como, por exemplo, através do desenvolvimento da chamada “teoria da culpa presumida”. Segundo Stoco (2011, 182): Utilize o QR Code para assistir ao vídeo: Trata-se de uma espécie de solução transacional ou escala intermédia, em que se considera não perder a culpa a condição de suporte da responsabilidade civil, embora aí já se deparem indícios de sua degradação como elemento etiológico fundamental da reparação e aflorem fatores de consideração da vítima como centro da estrutura ressarcitória, para atentar diretamente para as condições do lesado e a necessidade de ser indenizado Tratam-se, portanto, de casos em que se abandona a necessidade de que o lesado comprove a culpa do agente, para se passar ao paradigma de que tal culpa será presumida, cabendo ao agente provar a sua inocência para eximir-se do dever de indenizar. Tal presunção de culpa pode ser informada por disposição de lei ou também pelo posicionamento da jurisprudência. No entanto, o Código Civil brasileiro não adota a teoria da culpa presumida, assumindo como regra a responsabilidade subjetiva e informando expressamente a existência de responsabilidade objetiva nos casos em que a elegeu, como por exemplo: i. atividades perigosas, conforme art. 927, parágrafo único; ii. responsabilidade de menores inimputáveis, art. 928; iii. responsabilidade objetiva de pais, tutores e curadores, empregadores e donos de hotéis (art. 932); 14 iv. responsabilidade do dono ou detentor de animal (art. 936) v. e responsabilidade do habitante do prédio de onde caem ou são lançadas coisas (art. 938), conforme rol citado por Rui Stoco (2011). O desenvolvimento da “teoria da culpa presumida” foi um passo importante em direção à elaboração da “teoria da responsabilidade objetiva”. Em razão da insatisfação da doutrina e jurisprudência com a teoria da responsabilidade civil atrelada à culpa, que nem sempre atendia aos anseios da sociedade e restaurava a situação de justiça, foi-se caminhando para a construção da teoria da responsabilidade sem culpa, ou responsabilidade objetiva, que surge unicamente da ocorrência do fato danoso. Como aponta Eugenio Facchini Neto (apud STOCO, 2011), a teoria da responsabilidade atrelada à culpa funcionou bem durante o século XIX quando, ao final deste, viu surgir seu declínio. Uma das circunstâncias que favoreceram esse declínio e a necessidade de evolução das teorias decorreu justamente da Revolução Industrial, quando pessoas necessitadas de emprego e sustento passavam excessivas horas trabalhando nas fábricas e indústrias, sendo vítimas de danos que na maioria das vezes decorriam da atividade empresarial, na qual a vítima não teria condições de comprovar a culpa, mas também não poderia ficar desamparada, por não ter ela – vítima – também culpa pelo dano sofrido. Dessa forma, passa-se a admitir como indenizável o ato que gera dano a outrem, independentemente de que seja culpável. Passa-se a admitir, portanto, a responsabilidade civil é objetiva, que prescinde de culpa do agente. Figura 2 - Indústria têxtil no início do século XX Fonte: Everett Historical, Shutterstock, 2020 15 Um dos fundamentos da teoria da responsabilidade objetiva é a “teoria do risco”, pela qual o agente causador do dano indeniza o lesado em razão de ser proprietário do bem ou responsável pela atividade que causou o dano, e não por possuir culpa em si. Naspalavras de Carlos Roberto Gonçalves (2011): o “exercício de atividade que possa oferecer algum perigo representa um risco, que o agente assume, de ser obrigado a ressarcir os danos que venham resultar a terceiros dessa atividade”. A “teoria do risco” foi traduzida no nosso ordenamento jurídico através do art. 927 do Código Civil: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. São consideradas assim perigosas as atividades potencialmente danosas, além da normalidade, como, por exemplo, fabricação de explosivos e produtos químicos, produção de energia nuclear, substâncias, máquinas, aparelhos e instrumentos perigosos, etc. (GONÇALVES, 2011). 2. RESPONSABILIDADE CIVIL E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA O ordenamento jurídico brasileiro adotou, como regra, a teoria da responsabilidade subjetiva, elencando expressamente as hipóteses em que admitirá responsabilidade objetiva. Os principais dispositivos acerca da responsabilidade civil estão tratados no nosso ordenamento nos artigos 186 a 188, e entre os artigos 927 e 954 do Código Civil de 2002. Aos artigos 186 a 188, coube a definição legal dos atos ilícitos, não se dispensando o estudo da FIQUE DE OLHO A prática de atos lícitos também pode ensejar a reparação por responsabilidade civil. Segundo Stoco (2011, p. 188), nesses casos, “o que importa considerar é que o dano suportado seja ilegítimo, e não que a conduta que lhe deu causa o seja”. Carlos Roberto Gonçalves (2011) cita como exemplos: do dono do prédio encravado que exige passagem pelo prédio vizinho, mediante o pagamento de indenização cabal (art. 1.285); o do proprietário que penetra no imóvel vizinho para fazer limpeza, reformas e outros serviços considerados necessários (art. 1.313). 16 doutrina sobre tais conceitos. De acordo com o art. 186 do Código Civil brasileiro, aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Devemos apontar aqui uma crítica feita pela doutrina: na tentativa de definir o que seria o ato ilícito, o legislador o vinculou à existência de prejuízo ou danos a outrem o que, na verdade, não é elemento essencial caracterizador do ato ilícito. Mesmo o agente que não causa dano a ninguém, mas pratica conduta (ação omissiva ou comissiva) em contrariedade ao ordenamento jurídico comete ato ilícito. A adição do elemento do prejuízo causado a outrem, em razão desta conduta quando praticada com culpa, é necessário para caracterizar o instituto da responsabilidade civil e o dever de reparar o prejuízo, restaurando o lesado ao estado anterior. O artigo 187 informa que também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê- lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Trata-se da figura do abuso de direito, que pressupõe a existência de um direito anterior do agente que, no seu exercício, desbordou os limites da boa-fé, da função social, da função econômica ou dos bons costumes. Stoco (2011, p. 144), definiu a boa-fé como: cláusula geral que integra os pactos, serve como norma de intepretação e elemento limitador dos direitos subjetivos, com o objetivo de estabelecer os deveres de comportamento que as partes devem obedecer nas relações jurídicas. Com esse desiderato, essa cláusula de exigência de conduta ética deverá estar subentendida em todas as relações. Já a função social está relacionada à observância da finalidade para a qual o direito subjetivo legítimo que está sendo exercido (possivelmente, com abuso) foi assegurado pelo ordenamento jurídico. A função econômica, por sua vez, está relacionada ao equilíbrio entre a finalidade econômica do direito exercido em relação ao patrimônio jurídico de outrem. Significa dizer que a todos é legítimo buscar proveito econômico desde que isso não implique em manifesto e exacerbado prejuízo à outra parte no negócio. Por fim, a expressão bons costumes refere-se a um complexo de regras e princípios impostos pela moral, que traduzem a norma de conduta dos indivíduos em suas relações sociais contratuais. No Código Civil Brasileiro de 2002, entre os artigos 927 e 954, podemos encontrar disposições sobre o instituo que devem ser ora anunciadas. Inicialmente, dispõe o artigo 927 que aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Ou seja, o patrimônio do agente causador do dano deverá responder pela restituição do patrimônio jurídico do lesado ao estado anterior em que se encontrava, antes do ilício praticado. Dignos de nota também são os dispositivos do artigo 939 e do artigo 940. Pelo artigo 939, o credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida, fora dos casos em que a lei o 17 permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dobro. Pelo artigo 940, aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição, sendo que tais penas (dos artigos 939 e 940) não se aplicarão quando o autor desistir da ação antes de contestada a lide, salvo ao réu o direito de haver indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido. Devemos destacar que os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação, sendo solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas no art. 932 (pais, tutor, curador, empregador, etc.). Por fim, o direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la são transmitidos com a herança. 2.1 Responsabilidade civil contratual A responsabilidade civil contratual decorre da realização anterior de um contrato (na acepção jurídica da palavra) entre as partes, em que alguma das obrigações ali previstas não tenha sido cumprida por uma delas. O próprio instrumento contratual, caso o negócio jurídico tenha sido formal, pode prever especificamente as hipóteses de descumprimento e geração de responsabilidade bem como os parâmetros e formas de reparação a serem realizados. No entanto, como a noção de ilicitude está vinculada a um preceito jurídico anterior, tal cláusula também pode ser redigida com conteúdo genérico, sendo que a inexistência destas disposições não retira o direito à reparação civil, amparado pela Legislação. Também é possível inserir nos contratos a chamada cláusula limitativa ou restritiva do valor da indenização, que não se confunde com a cláusula de não indenizar. Esta última é vedada pelo nosso ordenamento jurídico. A cláusula limitativa consiste no estabelecimento pelas partes - pressupondo que negociaram livremente em atenção à autonomia da vontade -, de um limite para eventual indenização devida pelo descumprimento de obrigação ali estipulada. Veja a seguir alguns casos de responsabilidade civil no contrato de transporte: Transporte terrestre A responsabilidade é contratual e objetiva, sendo que o lesado que não chegue incólume ao seu destino em razão de dano sofrido no trajeto não precisa provar a culpa do transportador, que só será retirada se estiver presente alguma das excludentes; aplica-se o CDC naquilo que não contrariar o Código Civil; 18 Trasporte aéreo A responsabilidade objetiva, com aplicação do Código de Defesa do Consumidor; Transporte gratuito o transportador só será civilmenteresponsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave. As instituições bancárias possuem responsabilidade civil contratual em relação a seus clientes sendo importante destacar que é também objetiva, nos moldes do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor e das Súmulas 28 do Supremo Tribunal Federal (“O estabelecimento bancário é responsável pelo pagamento de cheque falso, ressalvadas as hipóteses de culpa exclusiva ou concorrente do correntista”) e súmula nº. 297 do Superior Tribunal de Justiça (“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”). Em relação aos construtores e incorporadores, eles possuem responsabilidade contratual - caso em que responderão por perdas e danos em caso de inexecução de alguma cláusula –, ou extracontratual no que diz respeito à solidez e segurança da obra. Concluída e entregue a obra, subsiste a responsabilidade do empreiteiro, durante 5 anos, pela solidez e segurança da construção (art. 618 do Código Civil). Utilize o QR Code para assistir ao vídeo: 2.2 Responsabilidade civil extracontratual A reponsabilidade civil extracontratual se baseia na violação ao dever de cumprimento da lei e do ordenamento jurídico como um todo, que exige que as pessoas têm o dever de não lesar as outras. Nos casos em que o ato ilícito é praticado por mais de uma pessoa, surge a solidariedade no dever de reparar, nos termos do artigo 942 do Código Civil. De modo geral, é imprescindível a 19 demonstração dos elementos da reponsabilidade civil: a conduta, o dano, a culpa e a relação de causalidade. Isso porque nosso ordenamento adotou como regra a responsabilidade subjetiva, cabendo à Legislação prever as exceções à regra. A responsabilidade civil extracontratual pode ser, além de decorrente de fato próprio, decorrente de fato de terceiros como no caso dos pais que respondem pelos atos ilícitos dos filhos menores independentemente de culpa; dos tutores e curadores pelos atos dos tutelados e curatelados; dos empregadores ou comitentes pelos atos de seus empregados e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir ou em razão dele; dos educadores (do Estado) pelos atos praticados pelos alunos em face de terceiros. Nesse sentido, os hoteleiros também respondem pelos prejuízos causados por seus hóspedes a terceiros ou a outros hóspedes, responsabilidade baseada no risco da atividade hoteleira. Há responsabilidade dos proprietários de coisas ou animais pelos danos causados a terceiros, conforme se extrai dos artigos 936 a 938 do Código Civil, por exemplo. Em relação à guarda de animais, a culpa do dono é presumida desde que o lesado comprove o dano e o nexo causal com o “fato do animal”, sendo possível ao dono afastar sua responsabilidade caso comprove culpa exclusiva da vítima ou força maior. Nos casos de desabamento de edifícios, em que parte da estrutura cai sobre outras propriedades ou pedestres, o dono do edifício possui responsabilidade objetiva nos termos do art. 937 do Código Civil, detendo direito de regresso contra o construtor. Nesse caso, a responsabilidade também é objetiva, cabendo ao ofendido comprovar somente o dano e o nexo de casualidade. 3 - Desabamento de edifício Fonte: Mazur Travel, Shutterstock, 2020 20 Os danos podem ser classificados em alguns tipos: • Morais; • Materiais, que incluem o dano emergente (que consiste no prejuízo sofrido pela vítima) e o lucro cessante (a expectativa frustrada de lucro que o lesado teria se não tivesse ocorri- do a ação danosa); • Ambiental e ecológico. Devemos destacar ainda a “teoria da perda de uma chance”. Inspirada na doutrina francesa, ela aponta que se alguém, praticando um ato ilícito, faz com que outra pessoa perca uma oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, esta conduta enseja indenização pelos danos causados. No Brasil, para aplicação desta teoria, o Superior Tribunal de Justiça exige que que o dano seja real, atual e certo, dentro de um juízo de probabilidade, e não mera possibilidade. Portanto, o dano potencial ou incerto, no espectro da responsabilidade civil, em regra, não é indenizável. Importante frisar que há, também, nos casos da responsabilidade extracontratual, a possibilidade de exclusão do dever de indenizar em decorrência dos seguintes fatores: estado de necessidade; legítima defesa, culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito e força maior. 3. RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL Da mesma forma que o ato antijurídico (ou ato ilício) que viola preceito cíveis de Direito Civil (e, por óbvio, Direito Constitucional, Administrativo, Tributário, Consumerista etc) ensejará para aquele que o praticou, por dolo ou culpa, e causou dano moral ou material a outrem, o dever de repará-lo, também o ato antijurídico que viola preceito de Direito Penal ensejará o dever de reparar. Assim, temos que os institutos da responsabilidade civil e da responsabilidade penal possuem semelhanças e diferenças. FIQUE DE OLHO Os tabeliães ou notários (titulares dos cartórios de notas) também possuem responsabilidade civil pela obrigação de resultado que assumem. Em caso de dano causado ao particular, este pode acionar o Estado em razão de a atividade cartorial ser exercida por delegação do poder público, com base na responsabilidade objetiva do art. 37, §6º da Constituição, ou pode acionar diretamente o notário ou o registrador, devendo neste caso ser provada a culpa ou dolo do agente. 21 3.1 Semelhanças entre responsabilidade civil e penal Segundo Stoco (2011), a responsabilidade significa o dever jurídico do indivíduo obrigar-se poro algo que fez ou deixou de fazer quando deveria agir. Logo, o agente deve responder pelos atos ilícitos ou previamente estabelecidos como crime na lei penal ou, não sendo o caso, por ter ofendido a legislação cível (não criminal), obrigando-se a reparar o dano moral ou patrimonial causado pela sua conduta. Dessa forma, para que haja responsabilização civil ou penal, é requisito necessário que o agente tenha praticado uma conduta eivada de ilicitude. 3.2 Diferenças entre responsabilidade civil e penal No ordenamento pátrio, o ilícito de natureza penal deve ser anteriormente previsto e tipificado, bem como conterá de forma prévia e abstrata o rol e a extensão das penas aplicáveis para cada tipo de ilícito. Já o ilícito de natureza cível não possui uma tipificação prévia e exaustiva das condutas humanas voluntárias que poderão ensejar a reparação em caso de dano moral ou material a outrem. A ilicitude da ação ou omissão é aferida comparando-se o ato praticado com as normas jurídicas estabelecidas previamente pela sociedade, como, por exemplo, o dever de boa-fé, o direito à propriedade, os direitos da personalidade, a vedação ao enriquecimento ilícito etc. De acordo com a responsabilidade penal, o o ato antijurídico afeta toda a coletividade, pois viola normas estabelecidas pela sociedade para a boa convivência. Ainda que atinja, em princípio, apenas uma pessoa ou vítima, a conduta criminosa afeta a paz social e a integridade do grupo. É por isso que o direito penal tem para si o princípio da legalidade no sentido de que não haverá crime sem legislação anterior e nem pena sem a prévia cominação legal. Isso porque, sendo o ilícito penal passível de ser repreendido por meio de penas gravosas (privativas de liberdade e restritivas de direitos), é preciso que a sociedade como um todo informe aos indivíduos que a compõem, de forma clara e objetivas, quais condutas são passíveis de repreensão com a retirada da liberdade, por exemplo. Assim, o agente poderá ter clareza dos limites entre as condutas que pode praticar sem ter sua esfera de direitos afetada e aquelas que, se praticadas, implicarão na retirada de determinados bens e direitos. Já no caso da responsabilidade civil, o dano normalmente é individualizado e causado a particular, sendo desnecessário que se verifique (para aferir o direito à reparação) se houve tambémum dano à sociedade ou à paz social (muitas vezes haverá). A responsabilidade civil, portanto, não está preocupada em devolver à sociedade o seu estado anterior, mas sim ao particular mediante a restituição daquilo (ou de indenização equivalente) que possuía anteriormente à conduta danosa. Segundo Stoco (2001), a responsabilidade envolve de antemão o dano, o prejuízo, o desequilíbrio ou a descompensação do patrimônio de alguém. Logo, pressupõe o dano. Na esfera 22 penal, o dano em si pode não ter acontecido ou pode ter sido de menor importância, o que não fará desaparecer necessariamente a responsabilidade penal do agente, que ainda assim terá cometido crime (caso sua conduta se enquadre no tipo penal, seja ilícita, e culpável). Como estudado no âmbito do direito penal, portanto, há crimes que não exigem para sua configuração que algum resultado tenha se apresentado no mundo exterior. Devemos destacar que há algumas condutas antijurídicas que ensejarão tanto a responsabilização penal do agente (como, por exemplo, aquele que praticou crime de calúnia) quanto a responsabilidade civil do mesmo, em razão do transtorno moral causado ao ofendido. Dessa forma, devemos destacar o princípio da independência das instâncias cível e criminal, que não é absoluto, conforme o art. 935 do Código Civil de 2002. Quando o juízo criminal não consegue chegar a tais conclusões (inexistência ou existência do crime, autoria ou não pelo réu), como quando, por exemplo, decide por insuficiência de provas ou pela atipicidade do fato, não haverá vinculação do juízo cível a esta decisão, devendo ser examinados no juízo cível os elementos necessários à caracterização da responsabilidade civil. FIQUE DE OLHO Nos termos do art. 932 do Código Civil, são também responsáveis pela reparação civil: os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; e os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. 23 Nesta unidade, você teve a oportunidade de: • aprender que a responsabilização e o dever de reparar do agente de conduta antijurídica pode ser civil ou penal; • compreender que a responsabilidade civil tem como requisito a ocorrência de dano à esfera jurídica de outrem; • distinguir se a conduta antijurídica de natureza civil foi subjetiva ou objetiva; • aprender que a responsabilidade civil subjetiva pode decorrer de dolo ou culpa do agente, e pode ser contratual ou extracontratual. PARA RESUMIR GONÇALVES, C. R. Direito das obrigações, parte especial, tomo II responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011 STOCO, R. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 8. ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS UNIDADE 2 Responsabilidade civil e elementos caracterizadores Você está na unidade Responsabilidade Civil e Elementos Caracterizadores. Abordaremos aqui os elementos caracterizadores do instituto da responsabilidade civil: o ato jurídico, o dano, o elemento subjetivo do agente e o nexo de causalidade. Também serão estudadas as hipóteses excludentes de reponsabilidade e a responsabilidade civil decorrente do descumprimento de obrigações contratuais. Bons estudos! Introdução 27 1. ELEMENTOS CARACTERIZADORES DA RESPONSABILIDADE CIVIL No ordenamento jurídico brasileiro, o instituto da responsabilidade civil é entendido como a atribuição do resultado de uma conduta antijurídica com a necessidade de que o agente responsável pela conduta indenize aquele titular de direito que teve uma repercussão negativa em sua esfera jurídica. Pereira (1999) define a responsabilidade civil como a obrigação de reparar o dano imposta aos indivíduos que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem. De modo geral, a responsabilidade civil no Direito Brasileiro está vinculada à perspectiva subjetiva, ou seja, está relacionada aos elementos de dolo ou culpa do agente na prática do ato ilício. Significa que o ato comissivo (positivo) ou omissivo (negativo) deve ter sido praticado com dolo - a intenção de provocar o resultado danoso – ou com culpa – situações de negligência, imprudência ou imperícia. Pereira (1999, p. 29), aponta que somente pode ser atribuída a responsabilidade subjetiva a alguém se for constatado que o seu comportamento contribuiu para o prejuízo sofrido: “A essência da responsabilidade subjetiva vai assentar, fundamentalmente, na pesquisa ou indagação de como o comportamento contribui para o prejuízo sofrido pela vítima”. Há algumas hipóteses de responsabilidade civil objetiva, entre elas a do Estado, que independe de dolo ou culpa - sobre a qual falaremos brevemente adiante – e a das clínicas e hospitais particulares, prestadores de serviço com relação à estrutura oferecida, por se configurar nesta hipótese relação de consumo nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. Assim, há que se aplicar sempre a regra geral do disposto nos artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002, que exige a ocorrência de dano e a culpa ou dolo por parte do agente, posto que ausentes os pressupostos da obrigação de indenizar censurável se mostra à pretensão daqueles que ajuízam ações pleiteando a indenização sem comprovar o cumprimento dos requisitos. Como dito anteriormente, a responsabilidade civil está associada ao elemento subjetivo, somente sendo cabível indenização quando comprovada a culpa ou dolo do agente. Sobre os conceitos de dolo e culpa, apontou Gonçalves (2003, p. 32): “O dolo consiste na vontade de cometer uma violação de direito e a culpa, na falta de diligência. Dolo, portanto, é a violação deliberada, consciente, intencional, do dever jurídico”. Segundo entendimento jurisprudencial consolidado, a ausência de ação ou omissão voluntária imputável ao agente, impede a sua responsabilidade civil, tendo em vista se tratar de um dos seus pressupostos. Monteiro (1969, p. 418) pontua que diante da ausência de ato culposo, inexiste a obrigação de reparar dano: “Em princípio, para que haja responsabilidade, é preciso que haja culpa; sem prova desta, inexiste obrigação de reparar o dano”. Portanto, no que tange ao entendimento genérico sobre o instituto jurídico da responsabilidade civil, aqueles 28 que praticarem atos ilícitos e, em razão disso, causarem dano a outrem, somente podem ser responsabilizados se tiverem agido, comprovadamente, com culpa ou dolo. 1.1 Ato ilícito: conceito e elementos De acordo com Gonçalves (2011), a violação do dever jurídico de não lesar outrem pressupõe que o agente tenha consciência da antijuridicidade do ato praticado. Nesse sentido, Pereira (2011) conceitua o ato ilícito – tanto civil como penal -, como a violação de um dever preexistente a imputação do resultado à consciência do agente. Segundo o autor, atos ilícitos são condutas humanas contravenientes à ordem jurídica, sendo impossível que gere uma situação em benefício do agente por ser “lesivo a direito de outrem”. Logo, Pereira (2011, p. 548) afirma que: Como categoria abstrata, o ato ilícito reúne, na sua etiologia, certos requisitos que podem ser sucintamente definidos: a) uma conduta, que se configura na realização intencional ou meramente previsível de um resultado exterior; b) a violação do ordenamento jurídico, caracterizada na contraposição do comportamento à determinação de uma norma; c) a imputabilidade, ou seja, a atribuição do resultado antijurídico à consciência do agente; d) a penetração da conduta na esfera jurídica alheia, pois, enquantopermanecer inócua, desmerece a atenção do direito. Veja a seguir os tipos de atos ilícitos: • Intencionais ou não; • Por comissão ou omissão; • Por descuido ou imprudência; • Por imperícia. Utilize o QR Code para assistir ao vídeo: 29 1.2 Dano: conceito e modalidades O elemento dano, essencial à caracterização da responsabilidade civil, como visto, caracteriza- se pelo prejuízo sofrido por alguém em razão da conduta de outrem, seja em sua esfera patrimonial seja em sua esfera extrapatrimonial (sem repercussão direta na esfera financeira daquele que sofreu o prejuízo). Em outras palavras, é a lesão a qualquer bem jurídico protegido Entretanto, não haverá dever de indenizar caso não tenha sido demonstrado o dano causado. É possível verificar, no nosso ordenamento, duas exceções: i. art. 416, caput, do Código Civil: “Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo”; ii. art. 940 do Código Civil: “Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição. ” Para ser indenizável, ainda, é preciso que o dano experimentado seja “atual e certo”. Com relação às modalidades de danos que podem ser causados, Gonçalves (2011) define, em resumo, as possibilidades: i. danos materiais, em que o bem jurídico protegido possui natureza patrimonial e está relacionado ao patrimônio do lesado; ii. danos morais, em que o bem jurídico ofendido possui natureza extrapatrimonial, ofendendo o ser humano, não produzindo este dano efeito patrimonial direto. Os danos materiais, como dito, possuem repercussão direta no patrimônio do ofendido, e são compostos em regra pelo dano emergente e lucro cessante. Os chamados “danos emergentes” são compostos por todas as despesas realizadas pelo ofendido para restauração de seu patrimônio, ou seja, a efetiva diminuição patrimonial sofrida pela vítima, que pode ser comprovada mediante recibos, notas fiscais, orçamentos, etc. Já os chamados “lucros cessantes” correspondem àquilo que o ofendido deixou de ganhar em razão do evento danoso, sendo a sua prova um pouco mais complicada. Significa que o lesado terá de fazer prova de tudo aquilo teria ganho se o evento danoso não tivesse ocorrido. A jurisprudência exige, para que se configure tanto, a existência de probabilidade objetiva de que aqueles ganhos ou lucros aconteceriam, e não a mera possibilidade. Sobre a indenização por danos materiais deverá incidir, também, a correção monetária desde a data do evento danoso, via de regra, nos termos do artigo 389 do Código Civil, interpretado em conjunto com a Súmula nº. 43 do Supremo Tribunal Federal. Incidem, ainda, juros legais nos 30 termos dos artigos 406 e 407 do Código Civil. Ainda em relação aos danos materiais, é possível que seja fixada pensão mensal ao ofendido para custeio de sua sobrevivência ou de seu tratamento, sendo que esta forma de indenização – de natureza civil – não sofre dedução da pensão paga pelo órgão previdenciário oficial. Já o dano moral, possui caráter extrapatrimonial e não repercute no patrimônio econômico financeiro do ofendido, mas em seus direitos da personalidade, extraídos do art. 1º, III, e art. 5º V e X da Constituição da República de 1988. Tais direitos são: honra, dignidade, intimidade imagem, dentre outros. A ofensa a eles gera comumente sentimentos de vergonha, humilhação, dor, sofrimento e tristeza. Mesmo não tendo repercussão direta no patrimônio da vítima, busca-se por meio do pagamento da indenização em dinheiro uma espécie de compensação ao tormento sofrido, inexistindo atualmente no ordenamento jurídico pátrio um critério objetivo para fixação deste quantum. Mesmo não tendo repercussão direta no patrimônio da vítima, busca-se por meio do pagamento da indenização em dinheiro uma espécie de compensação ao tormento sofrido, inexistindo atualmente no ordenamento jurídico pátrio um critério objetivo para fixação deste quantum. Comum é a distinção, na análise de casos concretos, entre o dano moral e o mero aborrecimento, especialmente se considerarmos o aumento vertiginoso de ações pleiteando danos morais que tramitam nos juizados especiais do país, desde a instituição deste foro em 1995 (lei nº. 9.099). Assim, tendo em vista que nenhuma indenização deve ter o fito de enriquecer o lesado às custas do empobrecimento do ofendido, mas também considerando que deve ter o caráter reparatório à vítima e desmotivador ao agente, foi-se ao longo dos anos estabelecendo a separação do tratamento dos fatos concretos. Caracterizam-se como mero aborrecimento (a depender da confirmação no caso concreto) hipóteses quotidianas cujo sofrimento causado não tende a permanecer no tempo como, por exemplo, o exame de bagagens de passageiros na alfândega de um aeroporto ou rodoviária. O fundamento jurídico para reparação pelo dano moral pode ser extraído diretamente da Constituição de 1988, em seu artigo 5, sem maiores controvérsias (BRASIL, 1988): V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; A doutrina também menciona a existência do dano estético, normalmente associado às condutas de lesão corporal de natureza grave, em que a deformidade física geral tristeza, vexame e humilhação, gerando o direito à indenização. O dano estético não se confunde com o dano moral e com o dano material mas pode gerar repercussões nas duas esferas, ou seja, de ressarcimento 31 das despesas incorridas em tratamentos e medicamentos, assim como lucros cessantes, caso o ofendido dependa de sua aparência para trabalhar – dano material – e de reparação pela ofensa a seus direitos de personalidade – dano moral. Nos últimos anos, tem-se falado também nos “danos sociais” que não se enquadram como dano material, moral ou estético. De igual forma, o chamado dano social não é sinônimo de dano moral coletivo. Os danos sociais são lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição na qualidade de vida e podem ser causa, de indenização por dolo ou culpa grave especialmente se causam redução coletiva de segurança ou trazem uma diminuição do índice de qualidade de vida da população. Alguns exemplos de danos sociais fornecidos pela doutrina são: o pedestre que joga papel no chão, o passageiro que atende ao celular no avião, o pai que solta balão com seu filho. Tais condutas socialmente reprováveis podem gerar danos como o entupimento de bueiros em dias de chuva, problemas de comunicação do avião causando um acidente aéreo, o incêndio de casas ou de florestas por conta da queda do balão etc. Figura 1 - Lixo jogado no mar, um exemplo de dano social Fonte: chaiyapruek youprasert, Shutterstock, 2020 Diante da prática dessas condutas socialmente reprováveis, o juiz deverá condenar o agente a pagar uma indenização de caráter punitivo, dissuasório ou didático, a título de dano social. O valor da indenização é destinado à coletividade (e não à “vítima” imediata). Conforme explica Tartuce (2013), os danos sociais são difusos e a sua indenização deve ser destinada não para a vítima, mas sim para um fundo de proteção ao consumidor, ao meio ambiente etc., ou mesmo para uma instituição de caridade, a critério do juiz. 1.3 Nexo de Casualidade O nexo de casualidade é um dos elementos da responsabilidade civil porquanto deve-se poder concluir que, sem a conduta antijurídica, não haveria dano por parte do ofendido. O artigo 186 do Código Civil exige, para configuração do dever de indenizar, que a conduta ilícita tenha32 causado o dano experimentado. Para identificar este elemento, que possui natureza lógico- jurídica, é preciso que exista relação de causa e efeito direta e imediata entre a conduta e o dano, nos termos do art. 403 do Código Civil. É a chamada “teoria dos danos diretos e imediatos”, em que o agente que praticou o ato ilícito responde diretamente (de forma imediata) pelos danos causados por sua ação ou omissão. 1.4 Culpa lato sensu: dolo e culpa A presença do elemento culpa, enquanto elemento de consciência do sujeito (elemento subjetivo), é requisito para a configuração da responsabilidade no âmbito da teoria subjetiva, majoritariamente adotada pelo nosso ordenamento jurídico. Partindo desse pressuposto, tem-se o instituto da culpa definido no art. 186 do nosso Código Civil caracterizado pela ação ou omissão voluntária, negligência e imperícia. Nesse sentido, segundo Gonçalves (2011, p. 68): Agir com culpa significa atuar o agente em termos de, pessoalmente, merecer a censura ou reprovação do direito — o que só pode ocorrer quando, em face das circunstâncias concretas da situação, caiba afirmar que ele podia e devia ter agido de outro modo. O critério para aferição da diligência exigível do agente, e, portanto, para caracterização da culpa, é o da comparação de seu comportamento com o do homo medius, do homem ideal, que diligentemente prevê o mal e precavidamente evita o perigo. A chamada culpa em sentido amplo pode ser identificada com o dolo, ou seja, situação em que a conduta foi deliberadamente (voluntária e intencionalmente) adotada pelo agente no intuito de causar dano a outrem. Já a culpa em sentido estrito é aquele em que o dano decorre do comportamento negligente ou imprudente do agente. Já as três situações de cometimento de ato ilícito que vimos anteriormente – negligência, imprudência e imperícia –, compõem o que se chama de culpa em sentido estrito, no sentido de violação a um dever pré-existente sem consciência e intenção de causar dano. O Código Civil, no entanto, não faz distinção alguma entre dolo e culpa, nem entre os graus de culpa, para fins de reparação civil dos danos. Os tipos de culpa são: • Contratual ou extracontratual; • culpa própria ou culpa de terceiro. 33 2. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE CIVIL Há hipótese legais em que, mesmo presentes uma conduta antijurídica e um prejuízo a outrem, não haverá o dever de indenizar em razão de configurada alguma causa excludente da responsabilidade civil. Dentre elas, estão o estado de necessidade e a legítima defesa. O estado de necessidade está previsto no nosso Código Civil nos artigos 188, II, 929 e 930. O artigo 188, inciso II dispõe que não constitui ato ilícito a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. O parágrafo único do mesmo artigo informa que nesse caso o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo. Já o artigo 929 do Código Civil dispõe que mesmo nestes casos o prejuízo causado deve ser reparado, ressalvado pelo art. 930 o direito de regresso daquele de indenizará em face daquele que criou a situação de perigo. A legítima defesa está abarcada no art. 188, I, do Código Civil. Segundo Gonçalves (2011, p. 146): Se o ato foi praticado contra o próprio agressor, não pode o agente ser responsabilizado civilmente pelos danos provocados. Entretanto, se, por erro de pontaria, terceira pessoa foi atingida, deve o agente reparar o dano. Mas terá ação regressiva contra o agressor, para se ressarcir da importância desembolsada (art. 930, parágrafo único). A legítima defesa putativa também não exime o réu de indenizar o dano, pois somente exclui a culpabilidade e não a antijuridicidade do ato. Assim, somente a legítima defesa real, e praticada contra o agressor, deixa de ser ato ilícito, apesar do dano causado. 2.1 Fato de terceiro O fato de terceiro pode gerar a exclusão de responsabilidade civil quando se assemelhar às situações de caso fortuito, que possuem a característica de serem imprevisíveis e inevitáveis. Nestas hipóteses não haverá dever de indenizar em razão do rompimento do nexo de causalidade. FIQUE DE OLHO O dano social é uma nova espécie de dano reparável, que não se confunde com os danos materiais, morais e estéticos, e que decorre de comportamentos socialmente reprováveis, que diminuem o nível social de tranquilidade. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a condenação por danos sociais somente pode ocorrer em demandas de natureza coletiva, e, portanto, apenas os legitimados para a propositura de ações coletivas poderiam pleitear danos sociais 34 Segundo Gonçalves, no caso de dois motoristas que colidem no trânsito (2011, p. 139): “Dessa maneira, o causador direto do dano tem a obrigação de repará-lo, ficando com direito à ação regressiva contra o terceiro, de quem partiu a manobra inicial e ensejadora da colisão”. De acordo com o autor, o causador direto do dano só deixará de ter a obrigação de indenizar se sua ação for equiparável ao caso fortuito. 2.2 Culpa exclusiva da vítima A hipótese de culpa exclusiva da vítima ocorre quando somente o comportamento desta pode ser atribuído como causa do dano sofrido. Assim, rompe-se o nexo de causalidade, elemento necessário à configuração da responsabilidade civil, pelo que não haverá dever de indenizar. Em caso de culpa concorrente da vítima, ou seja, concomitância entre a culpa da vítima e a culpa do agente, a indenização deverá ser reduzida nos termos do art. 945 do Código Civil. 2.3 Caso fortuito e força maior O caso fortuito, previsto no art. 393 do Código Civil, normalmente é associado a ato ou fato alheio à vontade das partes e a força maior a acontecimentos naturais. Ambos são, portanto, inevitáveis e rompem o nexo de causalidade excluindo o dever de indenizar por falta deste elemento essencial. 2.4 Da cláusula de não indenizar A cláusula de não indenizar é o acordo estabelecido entre as partes, com observância da autonomia da vontade, de que a inexecução do contrato não gerará dever de indenizar para nenhuma das partes. Nos contratos em geral, segundo Gonçalves (2011) a validade desta cláusula estará vinculada à autonomia da vontade, inexistência de vícios de consentimento, não violação à ordem pública, igualdade e equilíbrio na negociação entre as partes e; inexistência do escopo de eximir o dolo ou a culpa grave do estipulante e ausência da intenção de afastar a obrigação inerente à função. Nos contratos regidos pelo Direito do Consumidor, tal cláusula não é admitida por disposição expressa dos artigos 24 e 25 do diploma legal. 35 2.5 Teoria de imprevisão A chamada teoria da imprevisão retrata uma possibilidade de revisão de cláusulas contratuais – obrigatórias entre as partes –, nas hipóteses em que houver mudança nas circunstâncias em que as partes se encontravam quando celebraram o contrato. Ou seja, a situação das partes no momento da execução das obrigações contratuais modifica-se de modo que uma delas fica com obrigação desequilibrada em relação à outra. Tal situação também é conhecida pela expressão rebus sic stantibus, que significa dizer que as obrigações contratuais se mantem na medida em que as circunstâncias da celebração permaneçam as mesmas. Por meio da chamada cláusula rebus sic stantibus, as partes podem ajustar isto expressamente no contrato para fazer compreender que se houver situação imprevista os termos do contrato devem ser ajustados. Utilize o QR Code para assistir ao vídeo: 3. RESPONSABILIDADE CIVIL E CONTRATOS O instituto da responsabilidade civil, enquanto obrigação secundária nascida do descumprimento de uma obrigação primária pré-existente, está intimamente relacionado aos contratos, pois os FIQUE DE OLHO Outra hipótese em que pode deixar de haver a responsabilidade civil será a prescrição da pretensão da reparação dos danos, hipótesena qual não haverá direito a indenização. De modo geral a prescrição para reparação civil será de três anos, conforme estipulado no art. 206, §3º, V, do Código Civil de 2002. Nas relações de consumo, o artigo 27 do CDC determina que o prazo prescricional da pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prescreve em 5 anos, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria. 36 negócios jurídicos contratuais são uma das principais fontes de obrigações no direito brasileiro. Conforme já se sabe em razão do estudo da teoria dos contratos, são regidos principalmente pelos princípios da autonomia da vontade, bilateralidade, equilíbrio contratual e boa-fé. Utilize o QR Code para assistir ao vídeo: 3.1 Responsabilidade civil e contratos: responsabilidade pré-contratual Conforme demonstra Fiuza (2015) a responsabilidade civil pode aparecer tanto na fase pré-contratual quanto na fase pós-contratual, sendo a semelhança entre ambas que em tais momentos não há, propriamente, contrato. Assim, tanto a responsabilidade pré-contratual como a pós-contratual não há natureza de responsabilidade contratual em si, cabendo a cada uma sua peculiaridade. Na fase pré-contratual, objeto de estudo deste tópico, em que ainda não há contrato e as partes estão em fase de negociações preliminares, ainda assim é possível verificar a ocorrência de ato ilício que gere o dever de indenizar, como o abuso de direito, por exemplo. Um dos principais fundamentos da responsabilidade pré-contratual está no artigo 422 do Código Civil. Em certos tipos de contratos necessário se faz negociar determinadas cláusulas de forma preliminar (além das negociações preliminares, proposta e aceitação), o que já poderia causar danos, conforme aponta Fiuza (2015, p. 341): A responsabilidade pré-contratual tem natureza própria. Se, por um lado, ainda não há contrato, por outro, não se pode equiparar a situação pré-contratual à prática de um ato ilícito stricto sensu, como uma batida de veículos. Já existem tratativas pré-contratuais, e é com base nelas que uma das partes pode vir a responder junto à outra. O fundamento dessa responsabilidade nos dá o próprio Código Civil, ao consagrar o princípio da boa-fé (art. 422) e a responsabilidade pelo abuso de direito (art. 187). É por atentar contra o princípio da boa-fé e seus subprincípios, tais como a transparência, a lealdade, a probidade; é por exercer abusivamente o direito de se retirar, excedendo os limites impostos pela própria boa-fé, que a parte causadora do dano será obrigada a indenizar a outra. De 37 qualquer forma, a responsabilidade, nestes casos, não pode ser transposta para além dos limites do razoável, uma vez que não se pode comparar as negociações preliminares com o contrato em si. Veja a seguir os elementos que configuram a responsabilidade pré-contratual: • Existência da relação pré-contratual, ou seja, situação de negociações preliminares, pro- posta ou aceitação; • Conduta antijurídica por uma das partes, em violação a princípios do Direito; • Dano (moral ou material); • Dolo ou culpa por parte do agente; • Nexo de causalidade. 3.2 Responsabilidade civil e contratos: recusa de contratar A figura da recusa de contratar está intimamente relacionada com a responsabilidade civil pré-contratual e se apresenta quando uma das partes, após a fase das negociações preliminares (já nas fases de proposta e aceitação) se recusa a fornecer o serviço ou produto que viria a ser objeto do contrato. AA recusa de contratar está muito relacionada à figura do abuso de direito posto que, ainda inexistente o contrato, ainda inexistente a obrigação principal em si. Em outras palavras, a cláusula de não contratar impõe condições de contratações, como, por exemplo, empresas aéreas que não transportam animais. Importante destacar, portanto, que as cláusulas de não contratar devem conter licitude em seu objeto e não podem ser contrárias ao direito, não podendo ser discriminatórias (dentre outras possibilidades de ilicitude), sob pena inclusive de responsabilização civil e criminal. A cláusula de não contratar poderá ensejar responsabilidade civil (e até criminal) a depender de seu conteúdo antijurídico. Um especial cuidado deve ser tomado com as relações regidas pelo direito do consumidor. 38 Figura 2 - Exemplo de cláusula de não contratar: animais em empresas aéreas Fonte: Monika Wisniewska, Shutterstock, 2020 3.3 Responsabilidade civil e contratos: cláusula de indenizar Por se tratar de negócio jurídico bilateral, os contratos são também fortemente regidos pelo princípio da autonomia da vontade, sendo que as partes podem pactuar livremente as suas cláusulas desde que não haja violação ao ordenamento jurídico (objeto ilícito). Nesse sentido, as partes também pactuar expressamente cláusula de indenizar referente a todas ou a parte das obrigações contidas no instrumento, estabelecendo limitações em suas hipóteses de ocorrência e valores, como por exemplos os tipos de danos que poderão vir a ser objeto de indenização. Esta possibilidade só existe no caso de obrigações estipuladas por contrato, e não podem violar a ordem pública, a ordem econômica, a finalidade social dos contratos, a boa-fé objetiva, etc. Também não podem eliminar a indenização nos casos de descumprimento doloso do contrato (ou com culpa grave), nem afastar elementos essenciais da natureza do contrato. 3.4 Responsabilidade civil e contratos: responsabilidade pós-contratual A responsabilidade pós-contratual ocorre após a fase de execução do contrato. Nesta fase, o princípio da boa-fé (art. 422 do Código Civil) também é de fundamental importância. Na responsabilidade pós-contratual não há mais contrato – cujo objeto já fora exaurido. Há, na verdade, permanência de alguns deveres das partes decorrentes daquele objeto anterior, como, por exemplo, o dever de garantia de funcionamento de um produto já entregue, por determinado período de tempo. 39 Nesta unidade, você teve a oportunidade de: • aprender que os principais ensejadores da responsabilidade civil são os atos ilícitos, ou seja, atos jurídicos (humanos) e voluntários contrários ao direito; • compreender que a culpa é elemento subjetivo essencial á responsabilidade civil que foi adotada como regra pelo nosso ordenamento, podendo ser identificada na modalidade de dolo, ou culpa em sentido estrito (negligência, imprudência, imperí- cia); • entender que o dano é o prejuízo patrimonial (material) ou extrapatrimonial (moral) sofrido pelo lesado e passível de reparação, se houver culpa e nexo de causalidade em relação à conduta; • distinguir as hipóteses de excludentes de responsabilidade mais comuns - culpa exclusiva da vítima e caso fortuito ou força maior; • compreender que as partes devem guardar boa-fé objetiva tanto nas negociações preliminares, formação, quanto na execução dos contratos, mas também após sua conclusão, sob pena de responsabilização por abuso de direito inclusive nas fases pré e pós contratual. PARA RESUMIR GONÇALVES, C. R. Responsabilidade Civil. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 32. MONTEIRO, W. de B. Curso de Direito Civil - Direito das Coisas, 6ª ed., Saraiva, 1969, p. 418. PEREIRA. C. M. da S. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense. 2011. PEREIRA. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense. 1999. STOCO, R. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência.. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011 TARTUCE, F. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Método, 2013. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS UNIDADE 3 Inexecução contratual e obrigação de indenizar Introdução Você está na unidade Inexecução Contratual e Obrigação de Indenizar. Nesta unidade, daremos continuidade ao estudo a respeito da responsabilidade civil decorrente dos contratos, em razão da inexecução contratual e do cumprimento retardado do contrato. Também serão vistas as características da obrigaçãode indenizar, os tipos de indenização e sua valoração. Bons estudos! 43 1. INEXECUÇÃO CONTRATUAL No ordenamento jurídico brasileiro, o dever de indenizar decorre de ato jurídico ilícito desde que tenha sido culpável e danoso. A violação ao ordenamento se configura pelo descumprimento de um dever pré-existente, que pode ser um dever estabelecido em contrato, ou um dever estabelecido de forma geral pelas regras de convivência em sociedade estabelecidas pelo Estado Democrático de Direito. Diferentemente do que ocorre na responsabilidade extracontratual (também chamada de aquiliana), na responsabilidade contratual o simples descumprimento de obrigação pré- estabelecida ou dos princípios próprios da relação contratual leva a uma presunção de culpa do agente que está em inadimplência com as obrigações contratuais. Este terá, desse modo, o ônus de fazer prova contrária. A responsabilidade pelo inadimplemento das obrigações contratuais foi tratada, no nosso ordenamento, pelos artigos 389 do Código Civil de 2002. No artigo 389, verifica-se a previsão para o descumprimento das obrigações de dar e fazer e no artigo 390 das obrigações de não fazer. Já o artigo 391 consagra importante princípio atinente ao instituto da responsabilidade civil, que é o da responsabilidade patrimonial pelo que os bens do devedor (seu patrimônio) é que respondem pelos danos causados e não a sua pessoa. Também é importante frisar que há exceções dos bens protegidos por cláusula de impenhorabilidade, segundo o art. 833 do Código de Processo Civil e Súmula nº. 364 do Superior Tribunal de Justiça. Vale ressaltar que o conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas. O art. 393 do Código Civil isenta o devedor da obrigação da responsabilidade pelo caso fortuito ou força maior, a menos que tenha se obrigado – contratualmente – a responder pelos danos causados em tais hipóteses. Já as consequências da inexecução das obrigações na responsabilidade também estão previstas entre os artigos 395 e 401. De acordo com Fiuza (2015), as partes podem estabelecer em contrato – quer dizer, antes da ocorrência de qualquer inadimplemento –, uma quantia ou um parâmetro de valor que deverá ser pago a título de ressarcimento no caso de inexecução total ou parcial de obrigação. É a chamada cláusula penal, ou pena convencional. Sua função é a de pré-liquidar perdas e danos, pois as partes se antecipam a possíveis situações de prejuízo, como descumprimento do contrato, fixando previamente um valor indenizatório. Nos casos de inexecução total do contrato, a aplicação da cláusula pena requer que a o descumprimento de obrigação tenha ocorrido por meio de ato culpável e que a obrigação esteja vencida. Caso não haja vencimento da obrigação, aplicar-se-á o art. 397, parágrafo único do 44 Código Civil, pelo qual a mora se constituirá mediante interpelação judicial ou extrajudicial. Dessa forma, o credor deve provar a inexecução culpável do devedor – e, veja-se, não é necessário comprovar prejuízo – para que a pena previamente estipulada seja aplicada. A doutrina leciona que nos casos de obrigações de dar coisa infungível, será permitido ao credor escolher qual das reparações pretenderá: Se o cumprimento tardio da obrigação; Se o pagamento da pena convencionada pelo inadimplemento. Utilize o QR Code para assistir ao vídeo: 1.1 Inexecução Parcial Nos casos de inexecução parcial do contrato, admite-se que houve o cumprimento de uma determinada obrigação, porém outra delas foi descumprida. Neste caso, a cláusula penal assegurará apenas uma dessas obrigações, o que dependerá da natureza das obrigações estipuladas contratualmente. Fiuza (2015), explicar esse caso a partir do exemplo do contrato de locação em que, findo o prazo, o locatário devolve o imóvel, mas o entrega em mau estado de conservação, ou seja, descumpriu a obrigação de zelar, conservar e cuidar do imóvel. Logo, a cláusula penal será imposta para ressarcir o proprietário do imóvel pelos danos causados. Nessa hipótese, o locador poderá ainda optar por exigir o pagamento da pena ressarcitória ou que o locatário efetive os reparos e consertos ainda que tardiamente. 45 FIQUE DE OLHO Nos casos de inexecução parcial e inexecução total das obrigações contratuais, a cláusula penal tem função compensatória. Figura 1 - Locação de imóvel Fonte: Fizkes, Shutterstock, 2020 1.2 Cumprimento Retardado do Contrato O cumprimento retardado do contrato ocorre com o atraso culpável no cumprimento da obrigação por uma das partes, caso em que a cláusula penal tem função moratória, podendo ser o valor da indenização nela estipulado cobrado junto com a exigência de cumprimento da obrigação principal. O valor estabelecido em cláusula penal pode ser fixado livremente pelas partes e pode ser independente do valor do prejuízo que possa vir a ser suportado por uma delas, inexistindo valor mínimo. Por outro lado, deve-se estabelecer um limite máximo, pois o valor da indenização não pode suplantar o valor da obrigação principal. O Decreto nº. 22.626 de 1933, conhecido como lei da usura, estipulou que os contratos de empréstimo de dinheiro só podem ter como pena máxima o valor equivalente a 10% (dez por cento) do valor da obrigação. A cobrança em percentual maior configura, assim, crime de usura. Já o Código de Defesa do Consumidor determinou que as multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações não poderiam ser superiores a 2% (dois por cento) do valor da prestação. O Código Civil de 2002, no art. 416, legislou que a parte credora da obrigação que não 46 foi adimplida não poderia pleitear complementação de indenização nem mesmo se demonstrasse que seu prejuízo foi maior do que a medida do dano por ela coberta. No entanto, há que se lembrar do princípio da vedação do enriquecimento sem causa, ou do enriquecimento ilícito, pelo qual é vedado à uma parte enriquecer-se indevidamente às custas de prejuízo causada a outrem. Em razão deste princípio a aplicação da regra contida no art. 416 poderia ser mitigada. Utilize o QR Code para assistir ao vídeo: 2. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR A obrigação de indenizar decorre da violação a uma obrigação anterior – seja de natureza contratual ou extracontratual – provocada por ato jurídico humano, culpável, que tenha causado prejuízo a outrem (esta e a regra; relembremos as exceções estudadas dos casos em que é desnecessária a demonstração de culpa, ou em que o ato mesmo lícito pode gerar dever de indenizar). O Código Civil Brasileiro disciplinou a obrigação de indenizar entre os artigos 927 e 943. De acordo com o art. 927 do Código Civil, aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Esta previsão está relacionada à teoria subjetiva. Já o parágrafo único faz questão de esclarecer que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa (ou, de forma objetiva), nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Lembre-se de que as as pessoas responsáveis pelas pessoas incapazes (responsáveis legais, tutores e curadores) respondem pelos danos causados pelos incapazes. Estes também responderão pelos danos causados caso os responsáveis não tiverem obrigação legal de fazê-lo ou não possuírem meios suficientes a fazer frente à reparação. Nesta hipótese, de responsabilização do incapaz, a indenização deverá fixada de forma equitativa de modo a não privar o incapaz ou as pessoas que dele dependem daquilo que necessitam. 47 O artigo 931 determina que, ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação (à semelhança dos fornecedores, consoante o Código de Defesa do Consumidor). Veja a seguir os casos em que o indivíduo