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2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO A FISIOLOGIA GERAL .................................................................................................. 5 1.1 A CÉLULA E SEU FUNCIONAMENTO .................................................................................................... 5 1.2 O TRANSPORTE POR MEIO DA MEMBRANA CELULAR ..................................................................... 5 2 FISIOLOGIA DOS MÚSCULOS E DOS NERVOS .................................................................................. 8 2.1 POTENCIAIS DE MEMBRANA E POTENCIAIS DE AÇÃO ..................................................................... 8 2.2 CONTRAÇÃO DO MUSCULOESTRIADO E CONTRAÇÃO DO MUSCULO LISO ................... 13 3 FISIOLOGIA DO CORAÇÃO .................................................................................................................. 18 3.1 CARACTERÍSTICAS DO MÚSCULOCARDÍACO ................................................................................... 19 3.2 O RITMO CARDÍACO ............................................................................................................................. 20 4 ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DO ELETROCARDIOGRAMA ............................................ 27 5 FISIOLOGIA DA CIRCULAÇÃO ............................................................................................................. 29 5.1 FUNÇÕES ESPECIAIS DAS ARTÉRIAS ................................................................................................ 30 5.2 FUNÇÕES ESPECIAIS DAS VEIAS ....................................................................................................... 33 5.3 FUNÇÕES ESPECIAIS DOS CAPILARES ............................................................................................. 35 5.4 O PAPEL DA REGULAÇÃO HUMORAL ................................................................................................. 38 5.5 O PAPEL DOS RINS NA REGULAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL ......................................... 40 6 FISIOLOGIA DOS RINS.......................................................................................................................... 45 6.1 LÍQUIDOS EXTRACELULAR E INTRACELULAR .................................................................................. 45 6.2 FORMAÇÃO DA URINA .......................................................................................................................... 53 6.3 FUNCIONAMENTO DA MICÇÃO ............................................................................................................ 56 7 FISIOLOGIA DO SANGUE ..................................................................................................................... 64 7.1 HEMÁCIAS E LEUCÓCITOS .................................................................................................................. 64 7.2 GRUPOS SANGUÍNEOS ........................................................................................................................ 67 7.3 COAGULAÇÃO DO SANGUE ................................................................................................................. 69 3 8 FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA ................................................................................................................ 72 8.1 A VENTILAÇÃO E A CIRCULAÇÃO PULMONAR .................................................................................. 72 8.2 O TRANSPORTE DE OXIGÊNIO E DIÓXIDO DE CARBONO ............................................................... 77 8.3 A REGULAÇÃO RESPIRATÓRIA ........................................................................................................... 86 9 NEUROFISIOLOGIA ............................................................................................................................... 90 9.1 FUNÇÕES BÁSICAS DAS SINAPSES E DOS NEUROTRANSMISSORES .......................................... 90 9.2 FISIOLOGIA DA DOR ............................................................................................................................. 93 9.3 NEUROFISIOLOGIA DA VISÃO ............................................................................................................. 98 9.4 NEUROFISIOLOGIA DAS SENSAÇÕES TÉRMICAS ........................................................................... 105 9.5 NEUROFISIOLOGIA DA AUDIÇÃO ....................................................................................................... 106 9.6 NEUROFISIOLOGIA DA OLFAÇÃO ...................................................................................................... 110 9.7 REFLEXOS DA MEDULA ESPINHAL .................................................................................................... 113 9.8 SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO ....................................................................................................... 116 9.9 CÓRTEX CEREBRAL ............................................................................................................................ 119 10 FISIOLOGIA DO TRATO GASTROINTESTINAL .................................................................................. 122 10.1 CONTROLE NERVOSO DO TRATO GASTROINTESTINAL ................................................................ 122 10.2 DIGESTÃO E ABSORÇÃO NO TRATO GASTROINTESTINAL ............................................................ 123 11 FISIOLOGIA DOS HORMÔNIOS ........................................................................................................... 125 11.1 HORMÔNIOS DA HIPÓFISE ................................................................................................................. 125 11.2 HORMÔNIOS DA TIREOIDE ................................................................................................................. 128 11.3 HORMÔNIOS CORTIÇO SUPRARRENAIS .......................................................................................... 131 11.4 HORMÔNIOS DO PÂNCREAS .............................................................................................................. 133 11.5 HORMÔNIOS DA PARATIREOIDE ....................................................................................................... 136 12 FISIOLOGIA DA REPRODUÇÃO .......................................................................................................... 137 4 12.1 HORMÔNIOS MASCULINOS ................................................................................................................ 137 12.2 HORMÔNIOS FEMININOS .................................................................................................................... 138 13 FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO ................................................................................................................ 141 13.1 SISTEMA ANAERÓBIO ALÁTICO ......................................................................................................... 141 13.2 SISTEMA ANAERÓBIO LÁTICO ............................................................................................................ 142 13.3S ISTEMA AERÓBIO ................................................................................................................................. 143 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................................ 145 5 1 INTRODUÇÃO A FISIOLOGIA GERAL 1.1 A CÉLULA E SEU FUNCIONAMENTO Não há vida sem as células, esses pequenos compartimentos limitados por uma membrana e preenchidos por uma substância aquosa repleta de compostos químicos (o citoplasma), que desempenham em miniatura todas as funções vitais. A célula move-se, cresce, reage a estímulos, defende-se e se reproduz. Para manter rotina tão variada,O sódio é o cátion predominante do líquido extracelular, enquanto o potássio é o cátion predominante no líquido intracelular. Aproximadamente 95% do potássio existente no organismo estão situados no interior das células. A distribuição do magnésio, como o potássio, também é predominantemente intracelular. Os principais eletrólitos celulares são o potássio, magnésio, fosfato, sulfato, bicarbonato e quantidades menores de sódio, cloreto e cálcio. O líquido intracelular possui 49 grande quantidade de potássio e pequena quantidade de sódio e de cloreto. As grandes proteínas e alguns tipos de ácidos orgânicos ionizáveis existem exclusivamente no líquido intracelular; não existem no plasma e no líquido intersticial. As diferenças de composição entre os líquidos intracelular e extracelular são muito importantes para o desempenho adequado das funções celulares. O líquido extracelular inclui ainda a linfa, o liquor, o líquido ocular e outros líquidos especiais do organismo, menos importantes em relação à regulação hídrica e eletrolítica. O plasma e o líquido intersticial são os grandes responsáveis pela regulação da água do organismo; a sua composição eletrolítica é praticamente a mesma, exceto pela presença das proteínas no plasma. Os íons presentes nos líquidos orgânicos desempenham funções essenciais à manutenção do perfeito equilíbrio funcional celular. O sódio é o cátion mais abundante no líquido extracelular; é fundamental na manutenção do equilíbrio hídrico. A perda de sódio causa redução da pressão osmótica do líquido extracelular, que resulta na migração de água para o interior das células. O aumento da concentração do sódio no líquido extracelular, ao contrário, aumenta a sua pressão osmótica e favorece o acúmulo de água no interstício, produzindo edema. O sódio também é importante na produção do impulso para a condução cardíaca e para a contração muscular. Um mecanismo especial chamado de bomba de sódio controla o fluxo de sódio e potássio por meio da membrana celular, mantendo o sódio no exterior e o potássio no interior das células. A concentração do sódio é controlada pelos rins, pela secreção de aldosterona e pela secreção do hormônio antidiurético. O potássio é o cátion intracelular mais importante; é transportado para o interior das células pelo mecanismo da bomba de sódio e tem ação fundamental na condução do impulso elétrico e na contração muscular. O acúmulo excessivo de potássio no líquido extracelular (hiperpotassemia) pode causar redução da condução elétrica e da potência da contração miocárdica, levando à parada cardíaca em assistolia. Esse efeito do potássio é o princípio fundamental da sua utilização nas soluções cardioplégicas. O cálcio é essencial na formação dos dentes, dos ossos e diversos outros tecidos. É também um fator importante na coagulação do sangue. A presença de pequenas quantidades de cálcio é essencial à manutenção do tônus e da contração muscular, inclusive miocárdica; a deficiência do cálcio (hipocalcemia) pode produzir efeitos semelhantes aos do excesso de potássio. 50 O magnésio é um íon importante na função de numerosas enzimas e participa ativamente no metabolismo da glicose, de diversos outros hidratos de carbono e das proteínas. Participa também, ativamente, nos processos da contração e irritabilidade neuromuscular; o seu excesso (hipermagnesemia) pode produzir relaxamento muscular, inclusive miocárdico, além de alterações da condução elétrica cardíaca. O ânion cloro (cloreto) é predominante no líquido extracelular; sua função principal é a manutenção do equilíbrio químico com os cátions presentes. O cloro participa ainda nos efeitos tampão do sangue em intercâmbio com o bicarbonato. A função mais importante do íon bicarbonato é a regulação do equilíbrio acidobásico, em que participa com o ácido carbônico (dióxido de carbono + água), formando o principal sistema tampão do organismo. Para que ocorra o intercâmbio de água por osmose através da membrana capilar ou celular, é necessário que haja diferença na concentração total de solutos nos dois lados da membrana. As membranas celulares e capilares são permeáveis à água e aos solutos dos líquidos orgânicos e não são permeáveis às proteínas. Um soluto é uma substância, como o cloreto de sódio, cloreto de potássio, glicose, ou proteína, que pode ser dissolvida em um solvente para formar uma solução. A solução salina, por exemplo, tem o cloreto de sódio como soluto e a água como o solvente. Na prática, as soluções podem ser classificadas conforme o tamanho das partículas do soluto ou conforme a sua natureza. Uma solução cristaloide é aquela que contém partículas homogeneamente dispersas no solvente até que ocorra a passagem de uma corrente elétrica ou a sua mistura com outra solução. Os solutos das soluções cristaloides, ou simplesmente cristaloides, são pequenos íons, ácidos e bases simples, aminoácidos, pequenas moléculas orgânicas, como glicose e frutose, pequenas moléculas nitrogenadas, como ureia e creatinina ou pequenas cadeias de polipeptídeos. O limite superior para o tamanho das partículas cristaloides está em torno de 50.000 Dalton. Uma solução coloidal ou, simplesmente, coloide, contém partículas que, quando deixadas em repouso por um tempo prolongado, tendem a depositar, perdendo a homogeneidade. O processo de deposição pode ser acelerado por centrifugação e outros meios físico-químicos. As partículas que formam as soluções coloidais têm peso molecular maior do que os solutos cristaloides acima de 50.000 Daltons. As membranas biológicas, membrana capilar e membrana celular não permitem a passagem dos coloides, mas permitem a livre passagem de água e dos cristaloides. Se 51 colocarmos uma solução de cloreto de sódio (NaCl) em um lado de uma membrana permeável à água e ao sal e colocarmos água pura no outro lado da membrana, as moléculas de sódio, cloro e água passarão livremente através dos dois lados da membrana até que a concentração de sódio e cloro nos dois lados seja a mesma. A passagem da água e dos eletrólitos Na+ e Cl - para o lado da membrana, onde a sua concentração é menor, ocorre pelo fenômeno da osmose. A pressão osmótica corresponde à exercida pelas partículas ou íons de soluto em uma determinada solução. A pressão osmótica é medida em osmol ou miliosmol (mOsm). Uma molécula de cloreto de sódio, por exemplo, dissocia-se em dois íons, Na+ e Cl-; portanto, a solução de uma molécula de cloreto de sódio exercerá uma pressão osmótica de 2osmol/litro de água ou por kg de água (1litro de água = 1 kg). O intercâmbio de água entre os diferentes compartimentos é governado pela osmose. As membranas celulares e capilares são muito permeáveis à água e o intercâmbio diário é enorme entre os compartimentos líquidos do organismo. Quando a pressão osmótica se altera, a água move-se através das membranas para restabelecer o equilíbrio e manter o estado isosmótico. A tonicidade compara as diferentes soluções em termos da pressão osmótica que exercem. Duas soluções com o mesmo número de partículas dissolvidas por unidade de volume têm a mesma pressão osmótica e são chamadas soluções isotônicas. Quando uma solução tem um número maior de partículas é dita hipertônica em relação à outra e, finalmente, se o número de partículas de uma solução é menor que a solução de comparação, diz-se que ela é hipotônica. O padrão de comparação que nos interessa é o plasma sanguíneo. As soluções que serão misturadas ao plasma devem ser isotônicas a fim de evitar alterações significativas da pressão osmótica. As soluções hipertônicas, se necessário, podem apenas ser administradas em pequenos volumes para corrigir déficits de algum eletrólito específico. As moléculas de coloides, em geral, são adicionadas às soluções para acrescentar pressão oncótica. As soluções coloidais são o plasma sanguíneo, as soluções dealbumina. A pressão osmótica de uma solução depende do número de partículas ou moléculas na solução. Quanto menor o peso da molécula de uma substância, mais moléculas existirão em um determinado peso da substância. Dessa forma, 1 grama de cloreto de sódio conterá um número infinitamente maior de moléculas do que 1 grama de albumina; o peso da molécula de cloreto de sódio é 58,5 enquanto da molécula de albumina é 80.000. Podemos, portanto, afirmar que 1 grama de cloreto de sódio exerce uma pressão osmótica muito maior que 1 grama de 52 albumina. Quando em uma solução adicionamos um soluto como à albumina, cuja molécula é de elevado peso, confinada por uma membrana impermeável à albumina, esta exercerá uma grande pressão oncótica (ou coloido-osmótica). A adição de grandes moléculas, como albumina, dextran. Outras aumentam a pressão oncótica da solução. Contudo, como o número de moléculas na solução é pequeno, o seu efeito sobre a pressão osmótica é negligível. A pressão oncótica é expressa em milímetros de mercúrio (mmHg) e tem grande importância na manutenção da água do plasma e na captação da água do líquido intersticial. Quando a pressão oncótica do plasma está reduzida, a água tende a migrar para o líquido intersticial. O organismo normal mantém o equilíbrio entre o ganho e a perda diária de água, regulando a diurese, o suor e as perdas insensíveis. Qualquer interferência nos mecanismos normais da regulação pode gerar distúrbios do equilíbrio dos líquidos e de eletrólitos. Durante a circulação extracorpórea, a oferta excessiva de líquidos ou de eletrólitos por meio do perfusato pode romper aquele equilíbrio e produzir complicações. A perda diária de água corresponde à eliminação pela urina, pelas fezes, pela evaporação nos pulmões, durante a respiração (perda insensível), e pela formação do suor, dependendo da temperatura ambiente e do grau de atividade física. A perda total diária de um indivíduo adulto é de aproximadamente 2.400 a 2.900 m FIGURA 34 – PERDAS DIÁRIAS DE ÁGUA DE UM ADULTO, PELAS DIVERSAS VIAS DE ELIMINAÇÃO O adequado equilíbrio da água e dos eletrólitos do organismo deve ser lembrado na preparação da perfusão, na escolha dos componentes do perfusato e nos volumes necessários ao procedimento. As soluções para o perfusato devem ter a composição química e a pressão 53 osmótica idênticas ao plasma para minimizar a possibilidade de produzir distúrbios hídricos e eletrolíticos. A liberação de radicais livres e de numerosas citoquinas e outros agentes pró- inflamatórios durante a circulação extracorpórea altera a permeabilidade das membranas capilares e celulares e contribui substancialmente para alterar os volumes de água contidos nos diferentes compartimentos do organismo. Esse processo é parte importante da reação inflamatória sistêmica do organismo e, quando intenso, pode produzir complicações difíceis de controlar ou reverter. 6.2 FORMAÇÃO DA URINA O sistema urinário é responsável pela formação da urina, ou seja, pela eliminação de grande quantidade de excretas e também do excesso de água e de outras substâncias do organismo. É composto por: rins, ureteres, bexiga urinária e uretra. Os rins são órgãos com formato de grão de feijão com aproximadamente 10 cm de comprimento localizados na parte posterior da cavidade abdominal de ambos os lados da coluna vertebral. São órgãos filtradores do sangue e formadores da urina; o sangue chega aos rins pela artéria renal e sai dos mesmos pelas veias renais, que despejam o sangue, já filtrado, na veia cava; a urina formada segue para os ureteres. Os rins podem excretar diariamente cerca de 50mEq.de íons hidrogênio (H+) e reabsorver 5.000 mEq. de íon bicarbonato (HCO3-). Os rins eliminam material não volátil que os pulmões não têm capacidade de eliminar. A eliminação renal é de início mais lento. Torna-se efetiva após algumas horas e demora alguns dias para compensar as alterações existentes. A eliminação de bases e seus cátions são feitas exclusivamente pelos rins. Os rins têm a capacidade de reabsorver o sódio (Na+) e o potássio (K+) filtrados para a urina, eliminando o íon hidrogênio (H+) em seu lugar; o sódio reabsorvido pode ser usado para produzir mais bicarbonato e reconstituir a reserva de bases do organismo. Além de influir na restauração do equilíbrio ácido-base, os rins reagem à desidratação, à hipotensão, aos distúrbios da 54 osmolaridade e eliminam ácidos fixos. Os rins desempenham fundamentalmente duas funções no organismo: a eliminação de produtos terminais do metabolismo, como ureia, creatinina e ácido úrico; e controle das concentrações da água e de outros constituintes dos líquidos do organismo, como: sódio, potássio, hidrogênio, cloro, bicarbonato e fosfatos. FIGURA 35 – VISTA EM CORTE LONGITUDINAL DO RIM ESQUERDO As vias urinárias são condutos por onde a urina segue após sair dos rins até ser eliminada. Os ureteres são dois tubos musculares que coletam a urina nos rins e a despejam na bexiga urinária, que é um órgão muscular em forma de bolsa onde desembocam os ureteres; sua função é armazenar a urina constantemente produzida nos rins para posterior eliminação. Por fim, temos a uretra, que é um canal muscular que conduz a urina ao meio externo. 55 FIGURA 36 – ILUSTRAÇÃO DO SISTEMA URINÁRIO HUMANO FIGURA 37 – VISTA ANTERIOR E LATERAL DE UM RIM 56 A formação da urina começa nos rins, nos néfrons, que são as unidades funcionais dos rins, onde a urina é realmente formada. Cada rim possui aproximadamente um milhão de néfron, que são formados por túbulos contorcidos e microscópicos. No processo de formação de urina, a arteríola aferente é um ramo da artéria renal em uma região envolvida pela cápsula de Bowman.Enrola-se, formando o glomérulo. Quando o sangue passa pelo glomérulo, uma parte do plasma extravasa através da cápsula de Bowman, ocorrendo o processo de filtração. O filtrado glomerular possui tanto substâncias úteis ao organismo, como glicose, água, sais minerais, aminoácidos e vitaminas, quanto excretas inúteis ao organismo. As substâncias úteis precisam ser reabsorvidas, ou seja, passar dos túbulos do néfron para os capilares que os envolvem por meio de mecanismos especiais que as células dos túbulos possuem, sendo o processo de reabsorção. Ao longo do trajeto pelos túbulos do néfron também ocorre a passagem de algumas substâncias dos capilares para os túbulos, que é o processo de secreção. Dessa maneira, pode-se dizer que na formação da urina fazem parte os processos de filtração, reabsorção e secreção de substâncias, e desses processos resta nos túbulos do néfron as excretas (principalmente ureia) e o excesso de sais minerais e de água. A urina segue para o túbulo coletor e deste sai dos rins por meio dos ureteres, sendo armazenada na bexiga urinária e eliminada para o meio exterior por meio da uretra. Existe um hormônio indispensável no processo de controle da urina, que é o hormônio antidiurético (ADH). O ADH é produzido no hipotálamo e atua no túbulo contorcido distal dos néfrons, estimulando a reabsorção passiva de água. Em outras palavras, diminui a quantidade de urina. O papel do ADH é importantíssimo; sem ele a diurese pode chegar a 20 litros, quando o normal está na faixa de 1,5 litros. A desidratação e a sede tornam-se intensa. A ingestão de bebidas alcoólicas inibe a produção de ADH, dessa maneira aumentando a diurese. 6.3FUNCIONAMENTO DA MICÇÃO As fisiologias, bem como a neurofisiologia da micção, não estão completamente compreendidas. O fenômeno simples e quase inconsciente da micção envolve complexos mecanismos e interações neurais que têm sido objeto de inúmeros estudos nas últimas décadas. 57 O desenvolvimento de técnicas histoquímicas especiais, estudos com estimulação elétricanervosa em raízes sacrais e principalmente a maior difusão e padronização de estudos urodinâmicos, têm permitido esclarecimentos de alguns pontos fundamentais para sua compreensão. A uretra e a bexiga mantêm entre si continuidade anatômica e guardam relação funcional bastante íntima. A parede vesical no corpo da bexiga é composta de musculatura lisa, que se distribui em todos os sentidos. Próximo ao colo vesical, organiza-se em três camadas anatomicamente distintas. A camada mais interna orienta-se no sentido longitudinal, prolongando-se com a camada longitudinal interna da uretra. A camada muscular média, mais espessa e evidente a esse nível, interrompe-se no colo vesical, não se prolongando até a uretra. A camada muscular externa tem sentido oblíquo nos mais variados graus de inclinação. Tem, de modo geral, orientação espiralada, continuando-se com a camada externa uretral. Existem fibras musculares estriadas que envolvem a uretra: nos homens, entre o verumontanum e uretra bulbar; nas mulheres, envolvem principalmente a porção média. A uretra posterior masculina (compreendendo a uretra prostática e a uretra membranosa) corresponde a praticamente toda uretra feminina, tendo a mesma origem embriológica. No homem adulto, o parênquima prostático localiza-se na porção supramontanal, envolvendo a uretra por todos os lados, o que dificulta a identificação das camadas musculares uretrais e leva a confundir suas fibras musculares lisas que envolvem os ácinos prostáticos com as da musculatura uretral. A musculatura vesicoureteral tem papel fundamental na função de armazenamento e esvaziamento vesical. Durante a fase de esvaziamento, é necessário não apenas que a musculatura vesical se contraia, mas também que a musculatura uretral se relaxe. A contração vesical ocorre basicamente por um estímulo parassimpático. Um arco reflexo poderia dar-nos uma ideia simplista do funcionamento vesical. Fibras sensitivas partindo dos proprioceptores da parede vesical atingem os nervos pré-sacrais (não existe um nervo sensitivo específico, mas sim um verdadeiro plexo nervoso que se localiza anteriormente ao sacro). Esse plexo organiza-se ao nível dos forames sacrais S2, S3 e S4, fazendo parte das raízes nervosas sacrais S2, S3 e S4, atingindo o clônus medular por meio de ramos da cauda equina, fazendo aí sinapse. Desse nível, partem fibras motoras parassimpáticas que, também por meio das raízes sacrais S2, S3 e 58 S4, passam pelas fibras do plexo pré-sacral e atingem a parede vesical, estabelecendo-se sinapse nos gânglios intramurais, partindo daí as fibras motoras vesicais pós-sinápticas. Esse arco reflexo também está sob influência direta cortical com mecanismos facilitatórios e inibidores. A sensibilidade da distensão vesical por meio da medula também é informada ao córtex cerebral, tomando-se consciência da situação da distensão vesical. São esses mecanismos que permitem ao indivíduo adulto urinar ou não ao ser informado pelos proprioceptores da situação de distensão vesical. Como já dissemos, para que ocorra a micção não basta que a contratação vesical ocorra, mas também a resistência uretral deve diminuir, ocorrendo relaxamento esfincteriano. A inervação da musculatura estriada periuretral é feita por fibras que também trafegam pelos ramos S2 a S4 e compõem o nervo pudendo. Impulsos nervosos contínuos, transportados pelo nervo pudendo, atingem o "esfíncter estriado" e o mantêm sob contração involuntária durante o enchimento vesical. O aumento involuntário dessa contração, acompanhando o enchimento vesical, é um fato normalmente observado. Quando ocorre a contração vesical, existe uma inibição reflexa desse tônus, o que, por sua vez, causa o relaxamento esfincteriano. É interessante observar que essa interação depende de mecanismos neurológicos mais altos situados ao nível da ponte (a conexão entre o encéfalo e a medula). Essa interação entre o clônus medular e a ponte é que permite também que o reflexo miccional ocorra até o completo esvaziamento vesical. Nos bebês, essa interação pontino medular está íntegra, não tendo as crianças controle por falta de integração cortical; em um paciente com lesão medular acima do cônus medular, interrompe-se essa via, deixando de haver essa interação. Têm, assim, muito frequentemente, contrações vesicais reflexas com contrações esfincterianas durante a contração vesical (a chamada dissinergiavesicoesfincteriana) e contrações vesicais de duração insuficiente. Apresentam, portanto, micção de alta pressão, com elevado volume de resíduo pós-miccional. A musculatura uretral, pelo seu tônus, exerce força constritiva sobre a luz uretral, ocluindo-a, mantendo os níveis pressóricos mais elevados na uretra do que na bexiga, não ocorrendo perda urinária. A atividade muscular uretral é composta de dois elementos básicos: o esfíncter muscular liso, aceito genericamente como esfíncter interno, distribuído por todo o comprimento da uretra feminina e pela uretra prostática masculina; e o esfíncter voluntário, estriado, de localização preferencial no terço médio da uretra feminina e próximo à uretra membranosa masculina. 59 A atividade do esfíncter voluntário e do esfíncter interno sobrepõe-se em razoável trajeto uretral. Se o indivíduo submete-se a um esforço, ocorre um aumento da pressão abdominal que se transmite à bexiga, e o mecanismo esfincteriano responde: em parte aumentando sua eficiência, por intermédio do reflexo neurológico que contrai a musculatura estriada; e em parte sofrendo transmissão direta da pressão abdominal. O gradiente de pressão uretral mantém-se maior doque a pressão vesical, não ocorrendo, portanto, perda de urina. Necessária e fundamental para a continência urinária é além da integridade dos mecanismos esfincterianos a acomodação vesical durante a fase de seu enchimento. A bexiga tem a capacidade de receber significativo volume de urina sem que se verifique expressiva elevação pressórica. Mesmo quando se atinge a capacidade vesical máxima e o desejo miccional se torna imperioso, os níveis pressóricos da bexiga mantêm-se baixos. Assim, mesmo em tais condições extremas, consegue-se inibir sua contração. Os baixos níveis pressóricos vesicais durante a fase de enchimento da bexiga são fundamentais para a continência. Pacientes nos quais esse fator não se verifique em decorrência de cirurgia ou por alteração da constituição da parede vesical apresentam-se com polaciúria intensa, comportando-se clinicamente incontinentes, ainda que o mecanismo esfincteriano mostre-se normal. Quando a distensão vesical atinge volume ao redor de 150 ml, começamos a sentir o desejo miccional que atinge seu máximo quando o volume acumulado se iguala à capacidade vesical máxima (cerca de 500 ml). A musculatura vesical constitui-se provavelmente no único músculo liso do corpo humano sujeito a algum controle voluntário cortical. Possuímos a capacidade voluntária de inibir e de iniciar a contração vesical. Imediatamente antes da contração vesical, ocorre relaxamento esfincteriano e do assoalho pélvico, o que permite a descida do colo vesical, sendo este um provável estímulo para a contratação vesical. A contração da musculatura longitudinal interna da uretra e concomitantemente com a da bexiga leva ao encurtamento uretral e ao afunilamento do colo vesical, contribuindo para o direcionamento da força vesical e a diminuição da resistência uretral. A micção ocorre com baixa resistência uretral, e a pressão dentro da bexiga mantém-se em níveis baixos (ao redor de 10 - 15 cm H2O). A pressão uretral mantém-se baixa durante toda a micção, permitindo um fluxo contínuo (da ordem de 15 - 25 ml/s), que varia com o volume urinado, o sexo e a idade. Somente ao término do esvaziamento da bexiga, a contração vesical cessa, e o tônus uretral volta aos níveis basais. Quando desejamos interromper voluntariamentea micção antes do total 60 esvaziamento vesical, realizamos (por meio do nervo pudendo) a contração tanto das fibras estriadas periuretrais, quanto da musculatura perineal, resultando no aumento da resistência uretral e na consequente interrupção do fluxo. A musculatura detrusora mantém-se contraída ainda por alguns poucos segundos, relaxando-se reflexamente a seguir. Portanto, não interrompemos diretamente o arco reflexo miccional, mas sim, de forma voluntária, o fluxo urinário interrompendo-se, reflexamente, a contração vesical. Sabe-se bastante sobre a ação simpática na continência, porém sua ação na micção é questionável. Alguns autores, por meio de técnicas histoquímicas mostram que a inervação do esfíncter estriado é feita por fibras simpáticas, parassimpáticas e somáticas. A ação simpática também é evidente na ejaculação. A estimulação simpática promove contração das fibras que envolvem os ácinos prostáticos, provocando a expulsão da secreção acumulada anteriormente para a luz uretral. A contração simultânea de todo o parênquima prostático, por sua localização preferencial entre o verumontanum e o colo vesical, traduzir-se-á por constrição mais acentuada dessa porção, não permitindo a ejaculação retrógrada. Receptores beta-adrenérgicos, que têm ação de relaxamento de fibras lisas, foram encontrados em grande número na parede vesical, sendo provavelmente sua ação de relaxamento, o que, atuando com a falta de ação parassimpática na fase de enchimento, permite que a acomodação vesical ocorra à baixa pressão. As disfunções neurológicas podem levar a alterações das funções vesicoureterais, sendo conhecidas como bexiga neurogênica. Disso pode resultar o comprometimento das fibras sensitivas vesicais, como acontece, por exemplo, no diabetes, situação na qual as fibras sensitivas, por serem as mais finas, são as primeiras acometidas. Como consequência desse acometimento, os pacientes passam inicialmente a apresentar o primeiro desejo somente com grandes distensões vesicais. Quando solicitado, o paciente consegue urinar e urina, então, grandes volumes, pois a capacidade vesical encontra-se bastante aumentada. Essa distensão vesical crônica acarreta lesão da própria musculatura detrusora, o que, por sua vez, impede o bom esvaziamento vesical; disso resulta a formação de resíduo pós-miccional, que progressivamente se acumula, levando à retenção urinária e a suas repercussões no trato urinário superior. Ao lado disto, a progressão da lesão neurológica causa interrupção do arco reflexo miccional. Quando a lesão compromete as fibras motoras, tem-se o quadro de bexiga neurogênica paralítico-motora, como o que se verifica na poliomielite e no trauma ou no tumor 61 medular. Nessa situação, a sensibilidade está preservada e o paciente percebe o grau de distensão vesical, porém não consegue desencadear o reflexo miccional. A bexiga neurogênica paralítico-motora é uma situação patológica bastante rara de encontrarmos na prática clínica. Quando há comprometimento tanto das fibras sensitivas quanto das motoras, ou ainda do próprio clônus medular, tem-se a chamada bexiga neurogênica autônoma. Por ser no clônus medular, como sabemos que ocorre o fechamento do arco reflexo vesical, lesões do clônus ou das vias aferentes e eferentes vesicoureterais levam à incapacidade de se obter reflexamente o arco reflexo. Como essas vias são também responsáveis por outros reflexos, o reflexo bulbo- cavernoso e o reflexo cutâneo anal estarão de iguais modos comprometidos. O grau de comprometimento do esfíncter vai estar relacionado com o grau de comprometimento neurológico e poderá haver pacientes que, apesar de não terem contração vesical, serão incontinentes por falta de atividade esfincteriana. Por outro lado, a retenção pode ser o achado clínico nesse tipo de lesão nos casos em que não existe contração vesical, porém o esfíncter é ativo. Devemos lembrar que um paciente retencionista pode apresentar incontinência clínica, pois à medida que vai ocorrendo o enchimento vesical, a pressão intravesical vai elevando-se até o momento que vence a resistência uretral, ocorrendo, a partir daí, perda constante de urina (é a chamada incontinência paradoxal). Portanto, para a correta avaliação se um paciente é retencionista ou incontinente, devemos verificar o grau de esvaziamento vesical, e não somente se o paciente apresenta saída involuntária de urina pela uretra. A bexiga autônoma pode ser encontrada em portadores de tumores medulares, trauma ou malformações congênitas, como mielomeningocele ou agenesia sacral. Quando a lesão ocorre acima do clônus medular, que no adulto está localizado ao nível "ósseo" T12 - L1, o arco reflexo está liberado, ocorrendo contração vesical reflexa à distensão vesical. A contração vesical é involuntária e sem sensibilidade. Como já foi dito anteriormente, nessa situação pode ocorrer contração esfincteriana simultânea à contração vesical e o paciente tem micções de altíssima pressão, levando a repercussões graves do trato urinário. É o tipo de comportamento vesical (bexiga neurogênica reflexa) encontrado no trauma medular, na mielomeningocele e na esclerose múltipla, dentre outras. Nessa situação, além do reflexo miccional, outros reflexos abaixo da lesão (como bulbo cavernoso e cutâneo anal) estão também liberados. Cabe registrar um aspecto frequentemente observado em lesões agudas, como as verificadas logo após o trauma medular: o fato de todos os reflexos abaixo da lesão encontrarem-se bloqueados. Esse "silêncio medular" abaixo da lesão 62 pode durar de horas a meses (fase de choque medular), evoluindo na situação crônica para a liberação dos reflexos. Outro tipo de comportamento vesical encontrado, como exemplo típico, está na Moléstia de Parkinson, em que o paciente apresenta o arco reflexo normal, com sensibilidade e relaxamento esfincteriano, porém as fibras responsáveis pela inibição do arco reflexo são as comprometidas. Nessa situação, o paciente apresenta incapacidade de inibir o arco reflexo, configurando-se um quadro clínico de urgência miccional com incontinência por urgência, ou seja, no momento em que tem o desejo miccional, ocorre o arco reflexo e o paciente é incapaz de inibir a micção. Basicamente o que ocorre é uma desconexão entre a córtex cerebral e a ponte, perdendo-se a capacidade de inibir o reflexo miccional. Preserva-se a função pontina, e a micção ocorre coordenada, sem dissinergia. Como vimos, as disfunções neurológicas podem levar a disfunções miccionais graves. Sabemos que o trato urinário mantém níveis pressóricos baixos - e que o armazenamento, o transporte e a eliminação da urina fazem-se com níveis pressóricos baixos. Elevações pressóricas intravesicais acima de 35 cm H2O causam dificuldade de drenagem do ureter, acarretando dilatações ureterais. Com o progressivo aumento da pressão intravesical, esta se transmite ao ureter, resultando em aumento da pressão intrapiélica e consequentemente às repercussões renais. Ao lado disso, dificuldade de drenagem vesical pode promover alterações da própria parede vesical, alterações anatômicas essas que podem resultar no aparecimento de refluxo vesicoureteral ou ainda levar diretamente a obstrução ureteral na passagem do ureter para a bexiga (Hiato Ureteral). Com as alterações da parede vesical persistindo da obstrução, a própria parede vesical (músculo Detrusor) entra em falência, propiciando o aparecimento do resíduo pós-miccional que causa infecção urinária de difícil controle. Assim os mecanismos que levam a disfunção vesical de causa neurológica a repercussões diretas da função renal são muitos; e pacientes com bexiga neurogênica requerem acompanhamento e tratamentos urológicos de longo prazo. 63 FIGURA 38 – A ILUSTRAÇÃO MOSTRA A INERVAÇÃO NO PROCESSO DE MICÇÃO64 7 FISIOLOGIA DO SANGUE Todas as células do nosso organismo têm necessidade para manter-se em vida e desempenhar as suas funções de receber oxigênio e materiais nutritivos. A tarefa de transportar a elas esses elementos cabe ao sangue, o qual, por sua vez, recebe das células as substâncias de rejeição. Para realizar esse refornecimento, o sangue tem necessidade de "circular" continuamente: o canal dentro dos quais o sangue circula são os vasos sanguíneos, enquanto o coração é a bomba que dá ao sangue o seu impulso para circulação. Coração e vasos constituem, no seu conjunto, o aparelho circulatório. O sangue humano é constituído por um líquido amarelado, o plasma, e por células e pedaços de células, genericamente denominados elementos figurados. 7.1 HEMÁCIAS E LEUCÓCITOS Os glóbulos vermelhos são células também conhecidas como eritrócitos, hemácias ou células vermelhas que estão presentes no sangue em número de cerca de5 milhões por milímetro cúbico em condições normais. São constituídas basicamente por globulina e hemoglobina, composta de 4 moléculas proteicas e 1 grupamento heme, que contém o ferro, e a sua função é transportar o oxigênio (principalmente) e o gás carbônico (em menor quantidade) aos tecidos. A cor vermelha deve-se à alta concentração da molécula de transporte de oxigênio dentro das células, a hemoglobina. Há cerca de 5 milhões de eritrócitos em um milímetro cúbico de sangue humano; eles são produzidos numa velocidade de 2 milhões por segundo por um tecido especial que se localiza na medula óssea, o tecido hematopoiético, e as células velhas são destruídas e removidas pelo baço.As baixas tensões de oxigênio nas grandes altitudes estimulam maior produção de hemácias para que o transporte de oxigênio seja facilitado. 65 Quando colocadas em solução hipotônica (menos concentrada), as hemácias sofrem hemólise, ou seja, rompem-se. Em meio hipertônico (mais concentrado), perdem água e murcham, ocorrendo plasmólise. Quando os eritrócitos rompem-se, liberam a hemoglobina, que é convertida em bilirrubina e eliminada pela vesícula biliar ao sistema gastrintestinal. Os leucócitos, também conhecidos por glóbulos brancos, são células sanguíneas com a função de defender o organismo de agressões externas por meio da fagocitose. Os leucócitos são divididos nos seguintes tipos: neutrófilos, basófilos, eosinófilos, que são granulócitos (divididos em lóbulos), apresentam grânulos em seu citoplasma, com núcleo arredondado e formados pelas células-mãe da medula óssea; linfócitos e monócitos, que são agranulócitos (não são divididos em lóbulos), não apresentam grânulos no seu citoplasma. Os neutrófilos e monócitos são responsáveis pela fagocitose, ou seja, envolvimento e digestão de corpos invasores, que penetram no nosso corpo como espinhos, cacos de vidro e bactérias. Os basófilos e os eosinófilos combatem processos alérgicos. FIGURA 39 – NEUTRÓFILOS GRANULÓCITOS 66 FIGURA 40 – EOSINÓFILOS GRANULÓCITOS FIGURA 41 – BASÓFILOS GRANULÓCITOS FIGURA 42 – LINFÓCITO AGRANULÓCITO 67 FIGURA 43 –MONÓCITO AGRANULÓCITO 7.2 GRUPOS SANGUÍNEOS Os tipos de grupos sanguíneos foram descobertos no início do século XX, quando o cientista austríaco Karl Landsteiner dedicou-se a comprovar que havia diferenças no sangue de diversos indivíduos. Ele colheu amostras de sangue de diversas pessoas, isolou os glóbulos vermelhos e fez diferentes combinações entre plasma e glóbulos vermelhos, tendo como resultado a aglutinação dos glóbulos em alguns casos, formando grânulos, e em outros não. Landsteiner explicou então porque algumas pessoas morriam depois de transfusões de sangue e outras não. Em 1930, ele ganhou o Prêmio Nobel por esse trabalho. Os resultados dos experimentos realizados por Landsteiner levaram-no a sugerir o Sistema ABO. Ele considerou que havia três tipos de sangue: A, B e O (doador universal). Outros cientistas identificaram um quarto tipo, nomeado AB (receptor universal). A diferença entre esse grupo de sangue deve-se à presença, nas hemácias, de uma substância chamada aglutinogênio A e B. Dependendo dessa substância na hemácia, existe no plasma uma substância chamada aglutinina, que pode ser Anti-A e Anti-B. Atualmente se sabe que existem outros antígenos na superfície das hemácias que também podem estar implicados em reações 68 hemolíticas transfusionais, exemplos destes são: Fator Rh, Antígeno Kell, Antígeno Duffy, Antígeno Kidd e o Antígeno Lewis. FIGURA 44 – A TABELA MOSTRA A COMPATIBILIDADE ENTRE OS TIPOS DE SANGUE A distribuição dos grupos sanguíneos na população humana não é uniforme. O grupo sanguíneo mais comum é O+, enquanto que o mais raro é o AB-. Em 1940, Karl Landsteiner e Alexander Solomon Wiener realizaram experiências com o sangue de macaco. Ao injetar sangue em cobaias, perceberam que elas produziam anticorpos, gradativamente. Concluíram que havia nas hemácias do sangue do macaco um antígeno que foi denominado de fator RH. O anticorpo produzido no sangue da cobaia foi denominado de anti- RH. Os indivíduos que apresentam o fator RH são conhecidos como RH+, apresentando os genótipos RR ou Rr. Os indivíduos que não apresentam o fator RH são denominados RH e apresentam o genótipo rr, sendo geneticamente recessivos. Quando se procede a uma transfusão sanguínea, é necessário verificar se o receptor tem RH-. Se assim for, o paciente só poderá receber sangue também RH-, já que se receber sangue RH+ o sistema imunológico poderá reagir, causando hemólise. O contrário, contudo, o paciente com RH+ pode receber sangue RH-, já que este último não traz consigo os antígenos que provocam a reação imunológica. 69 7.3 COAGULAÇÃO DO SANGUE O organismo conta com um mecanismo vital contra as perdas excessivas de sangue denominado coagulação que auxilia na interrupção das hemorragias, fechando os vasos sanguíneos abertos e, portanto, impedindo que o sangue extravase. Desde que os organismos estão sujeitos a sofrer traumatismos que podem romper vasos sanguíneos, o mecanismo de coagulação pode ser considerado como um fator de defesa natural. Por outro lado, quando ocorrem perturbações no mecanismo da coagulação, mesmo lesões pequenas como um corte superficial em um dedo ou uma simples extração dentária podem provocar sangramentos intensos que duram horas ou dias, chegando a comprometer seriamente a vida do indivíduo. Esses distúrbios no mecanismo de coagulação poderão ocorrer de forma inversa, ou seja, provocando coagulação anormal no interior dos vasos sanguíneos (trombose), fechando- os. Consequentemente, os tecidos servidos pelos vasos sanguíneos fechados sofrem falta de irrigação sanguínea e acabam por apresentar necrose tissular (morte do tecido). Outra possibilidade é a de o coágulo, ou parte dele, destacar-se do local de sua formação, indo obstruir vasos sanguíneos situados em regiões mais distantes do organismo (fenômeno que caracteriza a chamada embolia), provocando nesses locais distúrbios circulatórios que, frequentemente, levam o doente à morte. Normalmente, o sangue em circulação é líquido, coagulando-se somente quando transborda dos vasos sanguíneos. A fluidez do sangue no organismo depende das propriedades físicas especiais do endotélio vascular (camada celular que reveste o interior dos vasos), da velocidade do fluxo sanguíneo, do número de células sanguíneas e da presença de anticoagulantes naturais, como a heparina, por exemplo. Quando retirado do interior dos vasos, o sangue perde rapidamente sua fluidez, tornando-se inicialmente viscoso e adquirindo gradativamente consistência gelatinosa. Se uma 70 pequena quantidade de sangue extravasar, em pouco tempo haverá formação de um coágulo semissólido. De maneira simplificada, admite-seque o mecanismo de coagulação do sangue consiste em uma extensa reação em cadeia, na qual interferem diversas substâncias sanguíneas e celulares que agem umas sobre as outras, levando à formação de uma proteína especial, a fibrina, responsável final pelo processo de coagulação. Apesar de o mecanismo da coagulação não ser completamente conhecido, existe uma teoria bastante difundida que atribuem à coagulação a ação de doze fatores, indicados em algarismos romanos por convenção internacional. A fase final da coagulação é determinada pela formação de fibrina, que se deposita sob a forma de um emaranhado de fios microscópicos, os quais acabam por aprisionar completamente as células sanguíneas. Os fios recém-formados aderem uns aos outros, às células do sangue, aos tecidos e à superfície alterada do revestimento interno dos vasos, formando-se o coágulo. O sangue extravasado transforma-se em uma massa gelatinosa, interrompendo a hemorragia. No entanto, esse é o final do processo de coagulação, então para a formação de fibrina será necessário que todos os outros fatores tenham exercido sua atividade. A fibrina resulta da transformação do fibrinogênio, proteína diluída no plasma (parte líquida do sangue) sanguíneo. Mas para que o fibrinogênio transforme-se, é necessária a intervenção da tromba que, por sua vez, é o resultado da transformação da protrombina, uma proteína (globulina) formada no ligado. A responsável pela transformação da protrombina é a tromboplastina, substância presente nos tecidos e no interior das plaquetas (pequenos fragmentos celulares que se originam de grandes células da medula vermelha dos ossos, os megacariócitos). Quando a tromboplastina é liberada, inicia-se o processo de coagulação. Quando o sangue sai dos vasos sanguíneos, por meio de algum ferimento, as plaquetas aglutinam-se, libertando a tromboplastina. Por outro lado, quando os tecidos também são atingidos pelo traumatismo, liberam a mesma substância. Essa liberação de tromboplastina sofre a interferência do fator íons-cálcio, fator anti- hemofílico A e fator anti-hemofílico B. É o início da reação em cadeia. É por esse motivo que, quando se prende o dedo em uma porta, por exemplo, o sangue poderá coagular mesmo por baixo da pele. Os tecidos lesados liberam a tromboplastina, que vai agir sobre a protrombina e 71 assim por diante, desencadeando a coagulação do sangue. Como a formação de protrombina é realizada no fígado, quando esse órgão encontra-se lesado por alguma afecção grave, sua produção é reduzida. Além disso, sua formação depende de um suprimento e absorção adequados de vitamina K. Nos casos de doenças graves do fígado ou de carência de vitamina K, existe uma falta relativa de protrombina e, portanto, forte tendência a hemorragias. A transformação da protrombina em trombina pela tromboplastina depende basicamente da participação dos íons-cálcio e é acelerada pela presença do fator pró-acelerina (fator acelerador). FIGURA 45 – MECANISMO DE FORMAÇÃO DE UM COÁGULO 72 8 FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA 8.1 A VENTILAÇÃO E A CIRCULAÇÃO PULMONAR Nossas células necessitam, enquanto vivas e desempenhando suas funções, de um suprimento contínuo de oxigênio para que, num processo químico de respiração celular, possam gerar a energia necessária para seu perfeito funcionamento e produção de trabalho. Da mesma forma que um motor de automóvel necessita, para produzir seu trabalho mecânico, além da fonte de energia orgânica fornecida pelo combustível (gasolina, álcool ou diesel), de fornecimento constante de oxigênio; da mesma forma que uma chama num palito de fósforo, para permanecer acesa, necessita além da matéria orgânica presente na madeira do palito, também de oxigênio, nossas células também, para manterem seu perfeito funcionamento necessitam, além da fonte de energia proporcionada pelos diversos alimentos, de um fornecimento constante de oxigênio. O oxigênio existe em abundância em nossa atmosfera. E para captá-lo necessitamos de nosso aparelho respiratório. Por meio deste, parte do oxigênio da atmosfera difunde-se por meio de uma membrana respiratória e atinge a nossa corrente sanguínea, é transportado pelo nosso sangue e levado às diversas células presentes nos diversos tecidos. As células, após utilizarem o oxigênio, liberam gás carbônico que, após ser transportado pela mesma corrente sanguínea, é eliminado na atmosfera também pelo mesmo aparelho respiratório. Para que seja possível uma adequada difusão de gases por meio da membrana respiratória, oxigênio passando do interior dos alvéolos para o sangue presente nos capilares pulmonares e o gás carbônico difundindo-se em sentido contrário, é necessário um processo constante de ventilação pulmonar. A ventilação pulmonar consiste em uma renovação contínua do ar presente no interior dos alvéolos. Para que isso ocorra, é necessário que, durante o tempo todo, ocorram movimentos que proporcionem insuflação e desinsuflação de todos ou quase todos os alvéolos. 73 Isso provoca, no interior deles, uma pressão ligeiramente mais negativa, ora mais positiva, do que aquela presente na atmosfera. Durante a inspiração, em razão a uma pressão intra-alveolar de aproximadamente 3 mmHg mais negativa do que a atmosférica, uma certa quantidade de ar atmosférico é inalado pelo aparelho respiratório. Na expiração, em virtude de uma pressão intra-alveolar de aproximadamente 3 mmHg mais positiva do que a atmosférica, a mesma quantidade de ar é devolvida para a atmosfera. Para que possamos insuflar e desinsuflar nossos alvéolos, devemos inflar e desinflar nossos pulmões. Isso é possível por intermédio de movimentos que acarretem aumento e redução do volume no interior da nossa caixa torácica, onde nossos pulmões estão localizados. Podemos expandir o volume de nossa caixa torácica levantando nossas costelas e contraindo o nosso músculo diafragma. Para retrairmos o volume da caixa torácica, fazemos exatamente o contrário: rebaixamos nossas costelas enquanto relaxamos o nosso diafragma. A inspiração que promove a entrada de ar nos pulmões dá-se pela contração da musculatura do diafragma e dos músculos intercostais. O diafragma abaixa e as costelas elevam-se, promovendo o aumento da caixa torácica com consequente redução da pressão interna (em relação à externa), forçando o ar a entrar nos pulmões. A expiração, que promove a saída de ar dos pulmões, dá-se pelo relaxamento da musculatura do diafragma e dos musculosintercostais. O diafragma eleva-se e as costelas abaixam, o que diminui o volume da caixa torácica com consequente aumento da pressão interna, forçando o ar a sair dos pulmões. 74 FIGURA 46 – FISIOLOGIA DA MECÂNICA RESPIRATÓRIA Portanto temos diversos músculos que nos são bastante importantes durante nossa respiração. Os principais são: diafragma, esternocleidomastoideos, intercostais externos, escalenos e serráteis anteriores. Os músculos utilizados na expiração são intercostais internos, retos abdominais e demais músculos localizados na parede anterior do abdômen. 75 FIGURA 47 – ATUAÇÃO DOS MÚSCULOS EXPIRATÓRIOS E INSPIRATÓRIOS Durante a inspiração e durante a expiração, o ar passa por diversos e diferentes segmentos que fazem parte do aparelho respiratório: O nariz é o primeiro segmento por onde, de preferência, passa o ar durante a inspiração. Ao passar pelo nariz, o ar é filtrado, umidificado e aquecido. Na impossibilidade eventual da passagem do ar pelo nariz, tal passagem pode acontecer por um atalho: a boca. Mas infelizmente, quando isso acontece, o ar não sofre as importantes modificações descritas acima. Depois da passagem pelo nariz, antes de atingir a laringe, o ar deve passar pela faringe, segmento que também serve de passagem para os alimentos.A laringe, normalmente, permite apenas a passagem de ar. Durante a deglutição de algum alimento, uma pequena membrana (epiglote) obstrui a abertura da laringe, o que dificulta 76 a passagem de fragmentos que não sejam ar para as vias respiratórias inferiores. Na laringe, localizam-se também as cordas vocais, responsáveis para produção de nossa voz. A traqueia é um tubo cartilaginoso que liga as vias respiratórias superiores às inferiores, logo abaixo. Em seguida, a traqueia ramifica-se em brônquios que são numerosos e ramificam-se também numerosamente como galhos de árvore e permitem a passagem do ar em direção aos alvéolos. Os bronquíolos respiratórios e terminais estão entre os brônquios e os sacos alveolares, aonde saem os alvéolos. Por toda a mucosa respiratória, desde o nariz até os bronquíolos, existem numerosas células ciliadas, com cílios móveis, e grande produção de muco. Tudo isso ajuda bastante na constante limpeza do ar que flui por meio das vias respiratórias. FIGURA 48 – VISTA ANTERIOR DO SISTEMA RESPIRATÓRIO Os alvéolos apresentam certa tendência ao colabamento. Tal colabamento somente não ocorre normalmente em razão à pressão mais negativa presente no espaço pleural, o que força os pulmões a manterem-se expandidos. O grande fator responsável pela tendência de colabamento dos alvéolos é um fenômeno chamado tensão superficial, que ocorre no interior dos alvéolos em consequência da grande quantidade de moléculas de água ali presente e 77 revestindo, inclusive, toda a parede interna dos alvéolos. A tensão superficial, no interior dos alvéolos, certamente seria bem maior do que já é se não fosse a presença, nos líquidos que revestem os alvéolos, de uma substância chamada surfactante pulmonar. O surfactante pulmonar é formado basicamente de fosfolipídios (dipalmitoil lecitina) por células presentes no epitélio alveolar. A grande importância do surfactante pulmonar é sua capacidade de reduzir significativamente a tensão superficial dos líquidos que revestem o interior dos alvéolos e demais vias respiratórias. Quanto à circulação pulmonar, esta é chamada de pequena circulação. A artéria pulmonar parte do ventrículo direito se bifurca logo em artéria pulmonar direita e artéria pulmonar esquerda, que vão aos respectivos pulmões. Uma vez inseridas nos pulmões, ambas dividem-se em tantos ramos quantos são os lobos pulmonares. Depois uma ulterior subdivisão ao nível dos lóbulos pulmonares, estes se resolvem na rede pulmonar. As paredes dos capilares são delgadíssimas e os gases respiratórios podem atravessá-las facilmente: o oxigênio do ar pode assim passar dos ácinos pulmonares para o sangue; ao contrário, o anidrido carbônico abandona o sangue e entra nos ácinos pulmonares para ser depois lançado para fora. Aos capilares fazem seguimento às vênulas, que se reúnem entre si até formarem as veias pulmonares. Estas seguem o percurso das artérias e lançam-se na aurícula esquerda. A artéria pulmonar contém sangue escuro, sobrecarregado de anidrido carbônico (sangue venoso). As veias pulmonares contêm, contrariamente, sangue que abandonou o anidrido carbônico e carregou-se de oxigênio, tomando a cor vermelha (sangue arterial). 8.2 O TRANSPORTE DE OXIGÊNIO E DIÓXIDO DE CARBONO O termo "transporte do O2" engloba todos os processos envolvidos na mobilização do oxigênio desde o ar inspirado até a mitocôndria. Um fornecimento contínuo de oxigênio é necessário para a manutenção da integridade e função normal das diversas células do organismo. Esse oxigênio serve como aceptor final de 78 elétrons na cadeia respiratória mitocondrial, processo acoplado à fosforilação oxidativa que gera ATP. Essa é a principal via metabólica pela qual o organismo consome oxigênio. O movimento das moléculas de O2 da atmosfera às mitocôndrias requer o funcionamento integrado dos pulmões, coração, sangue e rede vascular que compõem um complexo sistema de transporte de massa capaz de suportar variações no consumo de oxigênio (VO2) tão grandes quanto 15 a 20 vezes. É por difusão que as moléculas de O2 movem-se do gás alveolar para o sangue que percorre os capilares pulmonares. É também por difusão que esse gás move-se do capilar sistêmico até as mitocôndrias nos diversos órgãos sistêmicos. O movimento do CO2 é no sentido oposto, mas também processa-se por difusão. Ambos os gases sofrem reações na corrente sanguínea no início e no fim de suas jornadas entre os pulmões e os tecidos periféricos. FIGURA 49 – O ESQUEMA MOSTRA O TRANSPORTE DA HEMOGLOBINA 79 A eficiência do processo de difusão simples pela membrana alvéolo-capilar é grandemente aumentada pela rápida renovação circulatória do sangue em contato com os capilares dos alvéolos pulmonares e dos tecidos pelas rápidas reações químicas que sofrem os gases respiratórios assim que atingem o sangue. As ligações químicas reversíveis da hemoglobina com o O2 e o CO2 são complementares e colaboram consideravelmente para a capacidade de transporte do sangue pela presença de enzimas específicas que aceleram a captação de O2 nas células transportadoras, bem como a combinação de CO2 com a água na corrente sanguínea e pela adequação da circulação sanguínea com o volume de ventilação alveolar em função de exigências metabólicas. Diariamente, cerca de 1 kg de cada um dos gases respiratórios é trocado pela atmosfera com os tecidos. A despeito da intensa troca gasosa, a composição do ar alveolar persiste admiravelmente constante, sem alterações bruscas na PaO2 ou PaCO2. Isso ocorre principalmente porque cerca de 10% do ar alveolar é renovado a cada ciclo respiratório, pois o volume corrente é adicionado a uma CRF (Capacidade Residual Funcional) quase dez vezes maior. A velocidade do fluxo aéreo decresce enormemente na medida em que nos aproximamos dos alvéolos, pois as sucessivas ramificações da árvore traqueobrônquica aumentam muito a área de secção transversal. Ao nível das unidades de trocas gasosas, não há fluxo mensurável, sendo a renovação do ar alveolar decorrente do processo de difusão molecular. Como a chegada de O2 é superior ao seu consumo pelo sangue venoso que se arterializa, essa difusão da fase gasosa não limita, em condições normais, a quantidade de O2 que atravessa a membrana e combina-se com a hemoglobina. A próxima fase é a difusão através da membrana alvéolo-capilar, onde o sangue venoso é exposto ao gás alveolar que contém mais O2 (PaO2 = 105 mmHg) e muito menos CO2 (PaCO2 = 40 mmHg) que ele próprio (PVO2 = 40 mmHg e PVCO2 = 45 mmHg). Em função dessas diferenças de pressão, o CO2 difunde-se do capilar para o alvéolo e o O2 difunde-se em sentido oposto. O equilíbrio entre as pressões dos gases alveolares e capilares é atingido tão rápido quanto em 0.25 s ou 1/3 do tempo de trânsito de cada hemácia (0.75 s). No exato momento em que as moléculas de O2 atravessam a membrana alvéolo- capilar e penetram no plasma, forma-se uma diferença de PO2 entre plasma e hemoglobina 80 contida no citoplasma da hemácia; isso desencadeia a "difusão na fase sanguínea" em que o O2 migra do plasma a hemoglobina. Embora a ligação de O2 seja extremamente rápida, ela constitui-se no fator limitante da difusão alvéolo-capilar. O O2 oferecido pelos alvéolos é captado pela hemoglobina, que, assim, se converte de seu estado reduzido para a forma oxigenada (oxidada). A oxi-hemoglobina é um ácido mais forte que a hemoglobina reduzida; passa a neutralizar radicais alcalinos antes neutralizados por outros ânions (Cl-, HCO3 -) presentes nos eritrócitos. Para equilibrar essa captação de cátions pela oxi-hemoglobina, um número correspondente de íons cloreto difunde-se para o exterior dos eritrócitos, enquanto que íons bicarbonato penetram nos eritrócitos em uma troca. Esse bicarbonato é convertido em CO2molecular e H2O numa reação acelerada pela anidrasecarbônica, presente no interior dos eritrócitos. O CO2, assim liberado, difunde-se para o plasma e daí para o ar alveolar. A oxidação da hemoglobina também provoca uma liberação de CO2 de grupos amínicos, com os quais o CO2 combina-se quando a molécula encontra-se reduzida. Os grupos amínicos são incapazes de manter esta combinação quando a molécula se torna mais ácida em virtude da oxigenação. Essa fração de CO2 também difunde para o plasma e em seguida para os alvéolos. À medida que o CO2 dissolvido no plasma difunde-se para o ar alveolar, a tensão de CO2 do plasma cai e quantidades adicionais de CO2 são liberadas de combinações químicas. A perda de CO2 do sangue torna-se mais alcalino, o que permite à hemoglobina combinar-se com mais oxigênio do que seria possível se a reação do sangue permanecesse inalterada. Assim, a captação de O2 expulsa CO2 do sangue, enquanto que a perda de CO2 permite ao sangue absorver mais O2. Nos tecidos, essa relação inverte-se completamente, o CO2 produzido pela engenharia metabólica dos diferentes tecidos reage com o sangue contido nos capilares sistêmicos, sendo transportados até os pulmões principalmente na forma de bicarbonato de sódio, onde se difunde para alvéolos pulmonares; o O2 presente no ar alveolar interage com a hemoglobina, após atravessar a membrana alvéolo-capilar, sendo transportado até a intimidade dos tecidos sistêmicos. Os tecidos requerem uma pressão de oxigênio surpreendentemente pequena para manter funcionando adequadamente suas mitocôndrias. Uma pressão de 5 mmHg no 81 citoplasma, e de apenas 1 mmHg na mitocôndria é mais do que suficiente para que as mitocôndrias trabalhem a plena carga. O sistema de transporte de oxigênio é capaz de fornecer todo o O2 necessário ao metabolismo celular em repouso e de aumentar esse fornecimento quando se elevam as demandas metabólicas, como se dá no exercício. Quando cessa o transporte de O2, como ocorre na parada cardíaca, a morte sobrevém em 3 a 10 minutos. Um adulto normal de 70 kg de peso corporal transporta aproximadamente 1050 ml de O2 por minuto, dos quais os tecidos consomem 250 ml/min (3 a5 ml/kg/min); para tanto, os pulmões movimentam cerca de 10.000 litros de ar e recebem cerca de 8 mil litros de sangue venoso para ser arterializado, diariamente, "quer chova ou faça sol". O ar contém oxigênio a uma pressão que é aproximadamente igual a 159 mmHg; desde o ar ambiente até a mitocôndria, o oxigênio passa de um compartimento para outro por diferença de pressão parcial; assim é que, no alvéolo, sua pressão é de 105 mmHg no sangue arterial em torno de 95 mmHg e no capilar sistêmico, próximo de 45 mmHg, difundindo-se daí em direção aos tecidos, onde a pressão é inferior a 10 mmHg. FIGURA 50 - ELIMINAÇÃO DE CO2 PELO ALVÉOLO 82 O transporte de gás carbônico pelo sangue tem em comum com o transporte de O2 o fato de que a maior parte ocorre após reações químicas reversíveis, envolvendo a hemoglobina, mais que dissolvido no plasma. O CO2 é produto do metabolismo celular tanto aeróbio quanto anaeróbio. Uma vez formado, difunde-se para o plasma sanguíneo obedecendo à diferença de concentração entre a célula e o capilar; 10% do CO2 produzido é transportado como gás dissolvido no plasma, enquanto os 90% restantes estão relacionados com a hemoglobina O transporte de gás carbônico está descrito como "relacionado à Hb" porque o CO2 que se liga quimicamente à hemoglobina forma carbamino-compostos, os quais correspondem a apenas 10 a 20% do total do transporte de gás carbônico. Entretanto o restante do transporte "viaja" na forma de bicarbonato também depende da hemoglobina para que se processe. Em células metabolicamente ativas, a PCO2 tecidual é muito mais elevada que a PCO2 do sangue que flui pelos capilares sistêmicos, permitindo sua difusão desde a mitocôndria (onde ocorrem as descarboxilações que geram CO2) até os capilares. O transporte do CO2 inicia-se no local de formação no interior da célula ativa ou da mitocôndria. Nesta altura, não existe fluxo de líquido para carregar o metabólito para fora e, além disso, a membrana celular impede a passagem de íons bicarbonato. Portanto, todo o CO2 produzido deve deixar a célula por difusão de moléculas gasosas dissolvidas sem carga elétrica, que se movimentam de regiões de PCO2 alta, no interior das células, para as regiões de pressões parciais inferiores, presentes nos capilares. As distâncias percorridas nesse processo de difusão são finitas, mas em virtude do alto coeficiente de difusão do CO2 nos tecidos (mais de 20 vezes que o observado para o O2) o gradiente de pCO2 de célula capilar não supera 1 a 2 mmHg. Assim que uma molécula de CO2 penetra em um capilar sanguíneo, o trabalho de transporte até os pulmões depende do coração. No entanto, a eficiência do transporte de CO2 depende de uma série de características importantes do próprio sangue, relacionando-se intimamente com a função de transporte de O2. Uma parte do gás carbônico presente no sangue venoso dissolve no plasma, e essa quantidade corresponde 10% do total transportado a qualquer instante. Outra quantidade verdadeiramente desprezível combina-se com a água formando ácido carbônico; entretanto essa reação processa-se muito lentamente, pois não há anidrase carbônica no plasma humano. Uma terceira parte gera carbamino-compostos, reagindo com o grupamento – NH2 de resíduos aminoácidos das proteínas plasmáticas. 83 Embora o gás carbônico seja 20 vezes mais solúvel no plasma que o O2, somente 10% do total produzido pode ser transportado dissolvido no plasma; somente 1,5 ml de CO2 estão dissolvidos em 100 ml de sangue. A maior parte de CO2 presente no plasma encontra-se combinado de três formas: compostos carbamínicos, ácido carbônico e bicarbonato. A combinação de CO2 com o grupamento amina das proteínas plasmáticas geram carbamino- compostos, que também ocorre em pequenas quantidades, contribuindo muito pouco para o transporte do CO2. O ácido carbônico resulta da hidratação do anidrido carbônico conforme a equação CO2 + H2O -------- H2CO3. Essa combinação entre CO2 e H2O é molecular. A reação processa-se para a direita, no sentido da hidratação, ao nível dos capilares teciduais, e para esquerda (de hidratação) nos capilares pulmonares. O ácido carbônico rapidamente sofre dissociação iônica, formando o bicarbonato: H2CO3----------H+ + HCO3 -. O ácido carbônico é fraco pouco dissociado, de modo que somente se forma uma quantidade muito pequena de bicarbonato. As proteínas plasmáticas e os fosfatos plasmáticos podem aceitar H+, permitindo pelo aumento na formação de HCO3 -. Entretanto a maior parte do bicarbonato presente no plasma é oriunda da hemácia. FIGURA 51 – FORMAÇÃO DE DIÓXIDO DE CARBONO A maior parte do CO2 retido nos tecidos é transportada até os alvéolos pulmonares, graças à hemoglobina contida nas hemácias. O CO2 interage com a hemoglobina de três maneiras: uma parte pequena permanece como CO2 dissolvido no citoplasma da hemácia; uma quantidade pouco maior reage com o grupamento amino dos resíduos aminoácidos da 84 hemoglobina formando carbamino-compostos: Trata-se de uma reação muito rápida que não requer catalisador especial. E a maior parte (80%) combina-se com água em decorrência da riqueza de anidrase carbônica, uma enzima que acelera a reação de hidratação do anidrido carbônico em até 100 000 vezes. O ácido carbônico formado dissocia liberando H+ e HCO3 -. O hidrogênio iônico é tamponado pela Hb, com alteração mínima no pH (reações isoídricas); tal reação é favorecida pela simultânea perda de oxigênio pela Hb, que assim torna-se um ácido mais fraco capaz de assimilar com mais facilidade o H+ oriundo do ácido carbônico. A membrana plasmática das hemácias é permeável aos ânions de pequeno pesomolecular, de modo que o bicarbonato difunde-se para fora da célula. A perda de carga negativa cria alteração no gradiente elétrico da célula, resultando na entrada de outras cargas negativas, que substituem o bicarbonato. Quem entra para compensar é o cloreto dado ao processo, esse constitui o "fenômeno de Hambúrguer". Portanto, para manter a neutralidade elétrica do plasma e a negatividade intracelular das hemácias, íons cloreto (Cl-) difundem-se para o interior das hemácias, fenômeno descrito por Hambúrguer como "troca de cloretos" ou "desvio de cloretos". Ao nível dos capilares pulmonares, ao invés de o sangue ser exposto a um ambiente rico em CO2, entra em contato com o ar alveolar, que tem pouco gás carbônico. Isso inverte o equilíbrio dessas reações bioquímicas que passam a processar-se no sentido oposto. Assim, embora o plasma contenha mais de 8% de todo o CO2 retirado dos tecidos, são as reações que ocorrem no interior da hemácia quem fornece praticamente todo o bicarbonato transportado no plasma. O carregamento de CO2 e o desgarramento de O2 são processos que auxiliam mutuamente; um aumento na pCO2 capilar (e decréscimo no pH) facilita a liberação de O2 (efeito Bohr), enquanto que a liberação de O2 facilita a captação de CO2 (efeito Haldane). A hemoglobina participa do transporte de CO2 exatamente nesse ponto na medida em que retira o H+, pois o tamponamento desse próton permite que a reação de hidratação do gás carbônico continue. Por intermédio do processo acima descrito, 90% do CO2 produzido são transportados dos tecidos até os alvéolos pulmonares e daí à atmosfera. Cada litro de sangue arterial (pH 7,40) que penetra nos tecidos já carrega cerca de 22 milimoles de CO2. A presença dessa quantidade de CO2 depende da existência no sangue de bases de efeitos tamponantes do H2CO2 e da pressão parcial de CO2 imposta ao sangue arterial pelo equilíbrio entre ventilação alveolar e velocidade de produção de CO2 85 No sangue arterial, o CO2 distribui-se de maneira desigual entre plasma e as hemácias. No estado de equilíbrio, o CO2 existe em três formas, tanto no plasma quanto nos eritrócitos: CO2 fisicamente dissolvido, compostos carbamino e íons bicarbonato. O plasma contém as maiores quantidades de CO2. A maior parte do CO2 plasmático apresenta-se na forma de íons bicarbonato de modo que a relação entre bicarbonato e CO2 fisicamente é em geral de 20:1. Uma parte do CO2 fisicamente dissolvido hidrata-se de acordo com a reação de equilíbrio CO2 + H2O ------------ H2CO3 na qual a proporção de CO2 molecular para H2CO3 é de aproximadamente 1000:1. No plasma, a hidratação do CO2 não é acelerada pela ação da anidrase carbônica, a exemplo do que ocorre no eritrócito onde essa enzima é encontrada. A quantidade de CO2 combinada com um grupo –NH2, de proteínas plasmáticas para formar complexo carbamino- proteico, é muito pequena. O O2 e o CO2ligam-se a pontos quimicamente distintos da molécula de hemoglobina. Entretanto, ao se ligarem, cada um influencia a reação de hemoglobina com o outro. A quantidade de CO2 presente na forma de íon bicarbonato no interior das hemácias é consideravelmente menor que aquela carregada na forma de bicarbonato no plasma arterial; a diferença depende da concentração da hemoglobina. As alterações produzidas no sangue em sua transição do estado arterial ao venoso ao passar pelos capilares tissulares dependem da quantidade de CO2 acrescentada a cada litro de sangue. Isso, por sua vez, depende de fluxo sanguíneo por unidade de tecido metabolicamente ativo e nível de atividade metabólica no tecido perfundido. Por esses motivos, a composição em CO2 do sangue venoso difere entre os tecidos. Alterações ao nível dos capilares tissulares O aparecimento de CO2 molecular no sangue capilar coincide com o aumento da taxa de difusão de O2 para os tecidos e, desse modo, com a desoxigenação de hemoglobina. Cerca de 2,0 mmol de CO2 penetram em 1 litro de sangue em sua passagem por meio dos capilares, elevando a PCO2 de 41 para 46 mmHg. Esse aumento de 5 mmHg na pCO2 representa uma elevação de apenas 0,1 mmol de CO2 fisicamente dissolvido, mas esse aumento tem grande significação fisiológica. Uma quantidade igualmente pequena de CO2, cerca de 0,1mmol, permanece no plasma na forma de íons bicarbonato formados no plasma e tamponados pelas proteínas plasmáticas. O restante passa para o interior da hemácia, onde têm lugar etapas adicionais de trocas gasosas intracapilares. Desse modo, aproximadamente 1,8/2,0 mmol, ou 90% do CO2 86 absorvido por um litro de sangue penetram nas hemácias e dependem de fatores intraeritrocitários para seu transporte. Quando a hemoglobina desoxigena-se nos tecidos, ela passa a fornecer dois mecanismos para o transporte de CO2. O primeiro é combinação do CO2 com os grupos amino das cadeias polipeptídicas da hemoglobina para formar carbamino-hemoglobina. O segundo mecanismo, que se desenrola rapidamente, envolve o papel da hemoglobina como tampão e como fator dominante no transporte de CO2. 8.3 A REGULAÇÃO RESPIRATÓRIA Durante uma situação de repouso, inspiramos e expiramos aproximadamente 500 ml de ar a cada ciclo. Em repouso, executamos aproximadamente 12 ciclos a cada minuto. Portanto, aproximadamente 6.000 ml de ar entram e saem de nossas vias aéreas durante 1 minuto. Quando executamos uma atividade física aumentada, nossas células produzem uma quantidade bem maior de gás carbônico e consomem também quantidade bem maior de oxigênio. Por isso devemos aumentar também bastante nossa ventilação pulmonar, pois caso isso não ocorra, teremos no nosso sangue uma situação de hipercapnia e hipóxia. Tanto a hipercapnia quanto a hipóxia podem nos levar a um estado de acidose. A acidose, se não tratada, pode nos levar a um estado de coma e, posteriormente, à morte. Tudo isso normalmente é evitado graças a um mecanismo automático que regula, a cada momento, nossa respiração, de acordo com a nossa necessidade a cada instante. No tronco cerebral, na base do cérebro, possuímos um conjunto de neurônios encarregados de controlar a cada instante a nossa respiração: Trata-se do centro respiratório, que é dividido em várias áreas ou zonas com funções específicas cada uma. 87 A zona inspiratória é a responsável por nossa inspiração. Apresenta células autoexcitáveis que, a cada 5 segundos aproximadamente, excitam-se e fazem com que, durante aproximadamente 2 segundos, inspiremo-nos. A partir dessa zona, parte um conjunto de fibras (via inspiratória) que descem através da medula e dirigem-se a diversos neurônios motores responsáveis pelo controle dos nossos diversos músculos da inspiração. A zona expiratória é a aquelaque, quando ativada, emite impulsos que descem por meio de via expiratória e que se dirigem a diversos neurônios motores responsáveis pelos nossos músculos da expiração. Por meio de um mecanismo de inibição recíproca, quando esta zona entra em atividade, a zona inspiratória entra em repouso, e vice-versa. Durante uma respiração em repouso, a zona expiratória permanece constantemente em repouso, mesmo durante a expiração. Acontece que, em repouso, não necessitamos utilizar nossos músculos da expiração, apenas relaxamos os músculos da inspiração e a expiração acontece passivamente. A zona pneumotáxica, constantemente em atividade, tem como função principal inibir (ou limitar) a inspiração. Emite impulsos inibitórios à zona inspiratória e, dessa forma, limita a duração da inspiração. Portanto, quando em atividade aumentada, a inspiração torna-se mais curta e a frequência respiratória, consequentemente, aumenta. A zona quimiossensível, situada entre as zonas inspiratória e expiratória, controla a atividade de ambas. Quanto maior a atividade da zona quimiossensível, maior será a ventilação pulmonar. Esta zona aumenta sua atividade especialmente quandocertas alterações gasométricas ocorrem: aumento de gás carbônico, de íons hidrogênio livres (redução de pH) e, em menor grau, redução de oxigênio. O fator que provoca maior excitação na zona quimiossensível, na verdade, é o aumento na concentração de íons hidrogênio livres no meio, isto é, uma situação de acidose. Mas acontece que, na prática, verificamos que um aumento de gás carbônico no sangue (hipercapnia) provoca muito mais o aumento na atividade da zona quimiossensível do que um aumento na concentração de hidrogênio em igual proporção no sangue. Isso ocorre porque o gás carbônico apresenta uma solubilidade muitas vezes maior do que a do hidrogênio e, com isso, atravessa a membrana das células nervosas com muito mais facilidade. No interior das células da zona quimiossensível, o gás carbônico reage com a água lá presente e, graças à enzima anidrase carbônica, rapidamente forma ácido carbônico. Este, então, se dissocia formando íon bicarbonato mais íon hidrogênio livre, sendo este último exatamente o que mais excita a zona quimiossensível. 88 FIGURA 52– REGULAÇÃO RESPIRATÓRIA DO PH A hipóxia também excita a zona quimiossensível, mas de outra maneira bem diferente: Na croça da aorta e nos seios carotídeos existem receptores muito sensíveis a uma queda na concentração de oxigênio no sangue: os quimioceptores (aórticos e carotídeos). Quando a concentração de oxigênio no sangue torna-se mais baixa do que a desejável, esses receptores excitam-se mais intensamente e enviam sinais à zona quimiossensível, aumentando a excitabilidade desta e, com isso, aumentando a ventilação pulmonar. Um aumento da atividade física também provoca aumento na ventilação pulmonar de outras formas. Impulsos provenientes da área motora cortical, responsável pelo comando consciente de nossa atividade motora, ao se dirigirem para baixo, em direção à medula, passam pelo tronco cerebral (além de outras áreas) e fazem conexões com alguns neurônios dessa região. Isso pode provocar aumento na ventilação pulmonar, muitas vezes mesmo antes que as alterações gasométricas (hipercapnia, hipóxia ou acidose) aconteçam. Movimentos passivos também podem aumentar a ventilação pulmonar.Na profundidade de nossos musculosesqueléticos, nos tendões e mesmo no interior de muitas das nossas cápsulas articulares, possuímos receptores que se excitam a cada movimento dessas estruturas. Ao se excitarem, enviam impulsos que se dirigem à medula e também, muitas vezes, 89 ao encéfalo, passando pelo tronco cerebral e fazendo conexões com neurônios do centro respiratório. A concentração de íons hidrogênio do sangue ou, em outras palavras, o pH do sangue, modifica a ventilação alveolar por intermédio do centro respiratório. Essa estrutura do sistema nervoso central comporta-se como um "sensor" do pH do sangue. Quando a concentração de íons hidrogênio do sangue está elevada (pH baixo) o centro respiratório aumenta a frequência dos estímulos respiratórios, produzindo taquipneia. Com o aumento da frequência respiratória, aumenta a eliminação do CO2 do sangue; a redução dos níveis sanguíneos do CO2 eleva o pH. A concentração de H+ no sangue é permanentemente acompanhada pelo centro respiratório, que regula seus estímulos de acordo com ela. Ao contrário, quando a concentração de íons hidrogênio (H+) está baixa (pH elevado), o centro respiratório diminui a frequência dos estímulos à respiração e ocorre bradipneia, que reduz a eliminação do CO2 tentando corrigir o pH do sangue. Na realidade, a regulação respiratória do pH, por estímulos do centro respiratório, não normaliza o pH do sangue, porque, à medida que a concentração do íon hidrogênio se aproxima do normal, o estímulo que modifica a atividade respiratória vai desaparecendo. Apesar disso, a compensação respiratória é extremamente eficaz para impedir grandes oscilações do pH. 90 9 NEUROFISIOLOGIA 9.1 FUNÇÕES BÁSICAS DAS SINAPSES E DOS NEUROTRANSMISSORES A expressão sinapse foi introduzida por Sherrington, no final do século XIX, para designar a região de aposição de neurônios, anteriormente descrita por Ramón y Cajal. A transmissão química foi descoberta em 1920, por Loewi.Cada neurônio recebe no corpo celular e nos dendritos algo em torno de 1000 sinapses. Como são 10¹¹ neurônios ao todo, são, em números aproximados, 1014 sinapses no sistema nervoso. Constituem a sinapse a terminação pré-sináptica a zona de aposição, ou fenda sináptica, e a membrana pós-sináptica. Quanto ao processo de transmissão de sinais, as sinapses podem ser químicas ou elétricas. FIGURA 53 – REPRESENTAÇÃO DE UM NEURÔNIO, AXÔNIOS E DENDRITOS 91 A maioria das sinapses dos mamíferos são químicas, mas existe uma forma simples de sinapse elétrica que permite a transferência direta da corrente iônica de uma célula para a célula seguinte. As sinapses elétricas ocorrem em locais especializados chamados junções. Elas formam canais que permitem que os íons passem diretamente do citoplasma de uma célula para o citoplasma da outra. A transmissão nas sinapses elétricas é muito rápida, assim um potencial de ação no neurônio pré-sináptico pode produzir quase que instantaneamente um potencial de ação no neurônio pós-sináptico. Sinapses elétricas no sistema nervoso central de mamíferos são encontradas principalmente em locais especiais onde funções normais exigem que a atividade dos neurônios vizinhos seja altamente sincronizada. Embora as junções sejam relativamente raras entre os neurônios de mamíferos adultos, eles são muito comuns em uma grande variedade de células não neurais, inclusive as células do musculo liso cardíaco, células epiteliais, algumas células glandulares, glia etc. Elas também são comuns em vários invertebrados. Na sinapse química, o sinal de entrada é transmitido quando um neurônio libera um neurotransmissor na fenda sináptica, o qual é detectado pelo segundo neurônio por meio da ativação de receptores situados do lado oposto ao sítio de liberação. Os neurotransmissores são substâncias químicas produzidas pelos neurônios e utilizadas por eles para transmitir sinais para outros neurônios ou para células não-neuronais (por exemplo, células do músculo esquelético, miocárdio, células da glândula pineal) que eles inervam. A ligação química do neurotransmissor aos receptores causa uma série de mudanças fisiológicas no segundo neurônio que constituem o sinal. Normalmente a liberação do primeiro neurônio (chamado pré-sináptico) é causada por uma série de eventos intracelulares evocados por uma despolarização de sua membrana, e quase que invariavelmente quando um potencial de ação é gerado. “Resumindo sinapse, podemos definir como um mecanismo que ocorre quando um impulso elétrico, ao viajar para a ‘cauda’ da célula, chamado axônio”, chega a seu término, disparando vesículas que contêm um neurotransmissor as quais se movem em direção à membrana terminal. As vesículas fundem-se com a membrana terminal para liberar seus conteúdos. Uma vez na fenda sináptica (o espaço entre dois neurônios) o neurotransmissor pode ligar-se aos receptores (proteínas específicas) na membrana de um neurônio vizinho. 92 FIGURA 54 – REPRESENTAÇÃO DE UMA SINAPSE QUÍMICA Existem dois tipos de sinapse química: sinapses inibitórias e sinapses excitatórias. As sinapses excitatórias causam uma mudança elétrica excitatória no potencial pós-sináptico (EPSP). Isso acontece quando o efeito líquido da liberação do transmissor é para despolarizar a membrana, levando-o a um valor mais próximo do limiar elétrico para disparar um potencial de ação. Esse efeito é tipicamente mediado pela abertura dos canais da membrana (tipos de poros que atravessam as membranas celulares para os íons cálcio e potássio. As sinapses inibitórias causam um potenciala célula eucariota utiliza-se de um conjunto bem-organizado de estruturas que lembram um pequeno complexo industrial. Cada estrutura, ou organela, tem funções definidas. 1.2 O TRANSPORTE ATRAVÉS DA MEMBRANA CELULAR Muitas das substâncias (gases, íons, açúcares etc.) dissolvidas em nosso compartimento intracelular ou extracelular podem atravessar a membrana celular e passar de um compartimento a outro. Existem várias formas por meio das quais as diversas substâncias podem atravessar a membrana celular. As principais e mais bem-conhecidas são: difusão simples, difusão facilitada e transporte ativo. Na difusão simples, a substância passa de um meio a outro (do intracelular para o extracelular ou do extracelular para o intracelular) simplesmente em razão ao movimento aleatório e contínuo da substância nos líquidos corporais, por uma energia cinética da própria matéria. Em tal meio de transporte, não ocorre gasto de ATP (adenosina trifosfato) intracelular nem ajuda de carreadores. 6 Podemos citar um exemplo de difusão simples: gases como oxigênio ou dióxido de carbono atravessam a membrana celular com grande facilidade, simplesmente dissolvendo-se na matriz lipídica dessa membrana (oxigênio e dióxido de carbono são lipossolúveis). Na difusão facilitada, a substância utiliza-se também de seus movimentos aleatórios e contínuos nos líquidos corporais e passa também de um lado a outro da membrana celular. Porém, por ser insolúvel na matriz lipídica (não lipossolúvel) e de tamanho molecular grande demais para passar através dos diminutos "poros" que se encontram na membrana celular, a substância apenas se dissolve e passa através da membrana celular ligada a uma proteína carreadora específica para tal substância, encontrada na membrana celular (Figura1). Em tal transporte, também não há gasto de ATP intracelular. Podemos citar um exemplo de difusão facilitada: A glicose é um importante monossacarídeo que atravessa a membrana celular de fora para dentro da célula (do meio de maior concentração para o meio de menor concentração de glicose) ligada a uma proteína carreadora específica para glicose. FIGURA 1 – DIFUSÃO SIMPLES E DIFUSÃO FACILITADA 7 No transporte ativo, a substância é levada de um meio a outro através da membrana celular por uma proteína carreadora que é capaz, inclusive, de transportar essa substância contra um gradiente de concentração, de pressão ou elétrico (a substância pode, por exemplo, ser transportada de um meio de baixa concentração para um meio de alta concentração da mesma). Para tanto, o carreador liga-se quimicamente à substância a ser transportada por intermédio da utilização de enzima específica, que catalizaria tal reação. Além disso, há um consumo de ATP intracelular para transportar a substância contra um gradiente de concentração. Podemos citar um exemplo de transporte ativo: Bomba de Sódio e Potássio que transporta constantemente, nas células excitáveis, através da membrana, íon sódio de dentro para fora e íon potássio de fora para dentro da célula. Ambos os íons são transportados contra um gradiente de concentração, isto é, de um meio menos concentrado para um mais concentrado do mesmo íon (Figura 2). FIGURA 2 – TRANSPORTE ATIVO 8 2 FISIOLOGIA DOS MÚSCULOS E DOS NERVOS 2.1 POTENCIAIS DE MEMBRANA E POTENCIAIS DE AÇÃO A eletricidade é um processo natural em nosso organismo e está envolvida na função específica de certas células especiais no cérebro e nos músculos estriados e lisos. Cada padrão de luz, som, calor, dor, cada piscar de olhos, estalar de dedos, cada pensamento traduz-se em uma sequência de pulsos elétricos. As células nervosas possuem propriedades similares às outras células em muitos aspectos: elas alimentam-se, respiram, passam por processos de difusão e osmose em suas membranas etc., mas diferem em um aspecto importante: elas processam informação. A habilidade das células nervosas processarem informação depende de propriedades especiais da membrana do neurônio, a qual controla o fluxo de substâncias ao lado interno da célula (íons sódio, cálcio, potássio etc.). Os neurônios não existem isoladamente: eles também se conectam uns aos outros, formando as chamadas cadeias neuronais, as quais transmitem informações a outros neurônios ou músculos. Por essas cadeias, caminham os impulsos nervosos. Dois tipos de fenômenos estão envolvidos no processamento do impulso nervoso: elétrico e químico. Os eventos elétricos propagam um sinal dentro de um neurônio, e o químico transmite o sinal de um neurônio a outro ou a uma célula muscular. O "engate" ou junção entre um neurônio e outro, é denominado sinapse. Um impulso nervoso é a transmissão de uma alteração elétrica ao longo da membrana do neurônio a partir do ponto em que ele foi estimulado. A direção normal do impulso no organismo é do corpo celular para o axônio. Esse impulso nervoso, ou potencial de ação, é uma alteração brusca e rápida da diferença de potencial transmembrana. Normalmente, a membrana do neurônio é polarizada em repouso, sendo que o potencial é negativo (-70 mV). O potencial de ação consiste de uma redução rápida da negatividade da membrana até 0 mV e inversão desse potencial até valores de cerca de +30 mV, seguido de um retorno também rápido até valores um pouco mais negativos que o potencial de repouso de -70mV. 9 O mais importante exemplo de transporte ativo presente na membrana das células excitáveis é a Bomba de Sódio e Potássio. Tal bomba transporta, ativa e constantemente, íons sódio de dentro para fora da célula e, ao mesmo tempo, íons potássio em sentido contrário, isto é, de fora para dentro das células. Mas os íons (sódio e potássio) não são transportados com a mesma velocidade: A Bomba de Sódio e Potássio transporta mais rapidamente íons Sódio (de dentro para fora) do que íons Potássio (de fora para dentro). Para cada cerca de três íons sódio transportados (para fora), dois íons potássios são transportados em sentido inverso (para dentro). Isso acaba criando uma diferença de cargas positivas entre o exterior e o interior da célula, pois ambos os íons transportados pela bomba (sódio e potássio) são cátions (com uma valência positiva), e a Bomba de Sódio e Potássio transporta, portanto, mais carga positiva de dentro para fora do que de fora para dentro da célula. Cria-se assim um gradiente elétrico na membrana celular: No seu lado externo, acaba formando-se um excesso de cargas positivas, enquanto que no seu lado interno ocorre o contrário, isto é, uma falta de cargas positivas faz com que o líquido intracelular fique com mais cargas negativas do que positivas. O gradiente elétrico então formado é conhecido como Potencial de Membrana Celular. Na maioria das células nervosas, tal potencial equivale a algo em torno de 90 mv. Quando a membrana de uma célula excitável realmente se excita, ocorrem sucessões de eventos fisiológicos através da membrana. Tais fenômenos, em conjunto, produzem aquilo que chamamos de Potencial de Ação. Geralmente a excitação ocorre no momento em que a membrana recebe um determinado estímulo. Alguns estímulos, como: calor, frio, solução salina hipertônica ou hipotônica, ácidos, bases, corrente elétrica, pressão etc. Algumas células desencadeiam o Potencial de Ação sem a necessidade de receberem estímulos em razão a uma alta excitabilidade que as mesmas apresentam. Tais células são denominadas autoexcitáveis, e os potenciais por elas gerados são denominados de potenciais espontâneos. Um típico potencial de ação em uma típica célula excitável dura apenas alguns poucos milésimos de segundo e pode ser dividido nas seguintes fases: despolarização e repolarização. A despolarização é a primeira fase do potencial de ação. Durante essa fase, ocorre umpós-sináptico inibitório (IPSP), porque o efeito líquido da liberação do transmissor é para hiperpolarizar a membrana, tornando mais difícil alcançar o potencial de limiar elétrico. Esse tipo de sinapse inibitória funciona graças à abertura de diferentes canais de íons nas membranas: tipicamente os canais cloreto (Cl-) ou potássio (K+). Quimicamente, os neurotransmissores são moléculas relativamente pequenas e simples. Diferentes tipos de células secretam diferentes neurotransmissores. Cada substância química cerebral funciona em áreas bastante espalhadas, mas muito específicas do cérebro e podem ter efeitos diferentes dependendo do local de ativação. Cerca de 60 neurotransmissores foram identificados e podem ser classificados, em geral, em uma das quatro categorias: colinas,das quais a acetilcolina é a mais importante;àsaminas biogênicas, destacando-se a 93 serotonina, a histamina, e as catecolaminas;os aminoácidos,como o glutamato e o aspartato, que são os transmissores excitatórios bem conhecidos, enquanto que o ácido gama- aminobutírico (GABA), a glicina e a taurine são neurotransmissores inibidores; eneuropeptídeos,que são formados por cadeias mais longas de aminoácidos (como uma pequena molécula de proteína). Sabe-se que mais de 50 deles ocorrem no cérebro e muitos dos quais têm sido implicados na modulação ou na transmissão de informação neural. 9.2 FISIOLOGIA DA DOR A dor nociceptiva ocorre como o resultado da ativação de nociceptores em tecidos cutâneos e profundos. Os receptores sensoriais, preferencialmente sensíveis a estímulos nocivos ou potencialmente nocivos, encontram-se na pele, músculos, tecidos conjuntivos e vísceras torácicas e abdominais. Essas unidades têm aparência morfológica bem definida à microscopia óptica e eletrônica e, fisiologicamente, caracterizam-se pelos seus padrões de reações a estímulos cutâneos, mecânicos, térmicos e químicos. Uma vez ativados, os nociceptores conduzem impulsos via fibras aferentes mielínicas finas A-delta, ou pelas fibras não-mielínicas C. Estudos fisiológicos têm demonstrado que os nociceptores não são ativos espontaneamente, mas podem ser sensibilizados, particularmente após o dano térmico da pele. A sensibilização manifesta-se como uma diminuição do limiar de ativação após o dano, intensidade aumentada da reação a um dano prejudicial ou pelo aparecimento de atividade espontânea. A sensibilização de nociceptores pode ocorrer dentro de minutos após um dano térmico e podem durar horas. Tem-se especulado que isso possa ser a relação fisiológica da hiperpatia, que ocorre depois de um dano térmico na pele, e, também, um mecanismo de dor persistente no homem. A sensibilização dos nociceptores pode ser decorrente de substâncias químicas, tais como o íon potássio, bradicinina e prostaglandinas liberadas como resultado de dano tecidual. 94 A ativação de nociceptores viscerais decorre da irritação das superfícies mucosa e serosa, torção ou tração do mesentério, distensão ou contração de uma víscera oca e resultado do impacto direto, tais como ocorre nos traumatismos. Estímulos similares são necessários para provocar dor na bexiga, ureter ou uretra. Os nociceptores gastrointestinais reagem mais intensamente à dilatação excessiva ou à contração do intestino e/ou torção do mesentério. Nociceptorespolimodais suprem o canal anal, que é sensível à dor em toda a sua extensão e tem inervação que se assemelha mais às estruturas cutâneas do que viscerais. A dor visceral é profunda, dolorosa, mal localizada e, frequentemente, relacionada a um ponto cutâneo, que pode ser sensível. Assim, afecções pancreáticas e endometriais podem provocar dor referida nas costas; hepatoma ou metástases no fígado podem gerar dor no ombro direito; neoplasias de próstata desencadeiam dor no abdome e coxa. O mecanismo da dor referida não é totalmente compreendido, mas pode ser relacionado, à convergência de impulso sensorial cutâneo e visceral em células do trato espinotalâmico na medula espinhal. A dor é relacionada à pele porque áreas encefálicas interpretam “mal” o impulso, ou porque algumas fibras aferentes inervam estruturas somáticas e viscerais. A dor nociceptiva, tal como ocorre na infiltração tumoral ou no processo inflamatório, promove a liberação associada de mediadores químicos algiogênicos ou pele, osso e vísceras, que ativam e sensibilizam os nociceptores. Esse fato gera atividade espontânea e sensibiliza fibras nociceptivas, resultando em dor. Os impulsos são conduzidos ao sistema nervoso central (SNC) através das fibras A-delta ou fibras C. Essas fibras penetram na medula, lateralmente na raiz dorsal, e fazem sinapse nas lâminas superficiais (I e II) e profundas (V) do corno posterior, onde ativam sistemas nociceptivos ascendentes, tais como o trato espinotalâmico, espinocervical e espinorreticular, podendo gerar a percepção consciente de dor. A integridade das vias nociceptivas no sistema nervoso periférico (SNP) e sistema nervoso central (SNC), bem como dos centros de processamento e de modulação da dor no SNC, é necessária para que o fenômeno nociceptivo se processe normalmente. Quando há lesão das fibras nervosas, surgem, imediatamente, potenciais de grande amplitude nos aferentes primários durante alguns segundos. Os cotos proximais dos axônios secionados são, a seguir, selados e a bainha de mielina adjacente, bem como os axônios degeneram na extensão de alguns milímetros. Após algum tempo, grupos de axônios emergem dos bulbos terminais e, sob condições adequadas, alcançam as terminações nervosas nos tecidos. As fibras nervosas em crescimento geram potenciais de ação espontaneamente e são 95 sensíveis a estímulos mecânicos e à ação da adrenalina. Após certo tempo, ocorre restauração da função normal dos receptores nociceptivos. Quando o crescimento do nervo é bloqueado, ocorre formação dos neuromas. Quando a lesão é parcial e a regeneração é bloqueada, a diferentes intervalos, surgem microneuromas. Foram registrados potenciais espontâneos oriundos dos neuromas nas fibras A-delta e C que alcançam o corno posterior da medula espinhal (CPME). A atividade ectópica surge alguns dias após a lesão, aumenta a primeira semana e decai progressivamente a seguir. Os potenciais ectópicos dos neuromas são mais abundantes quando há isquemia tecidual, elevação da concentração do potássio extracelular e acúmulo de peptídeos. A atividade ectópica dos neuromas das fibras mielinizadas reduz-se com o calor e eleva-se com o frio. Nas neuropatias periféricas, há regeneração e degeneração disseminadas ao longo das fibras, do que resulta a ocorrência frequente de dor espontânea. A atividade elétrica dos gânglios sensitivos aumenta em situações em que ocorre lesão do nervo periférico e constitui fonte adicional significante de potenciais anormais, que se somam àqueles produzidos pelos neuromas. O acúmulo de potássio e de outros íons na região do neuroma pode gerar despolarização nas fibras nervosas vizinhas. Correntes efáticas parecem ocorrer nos neuromas de amputação e nas fibras nervosas em degeneração. Potenciais ectópicos podem, também, surgir quando os potenciais de ação dos aferentes primários prolongam-se além do período refratário absoluto, gerando re-excitação da membrana neuronal. A lesão dos nervos periféricos gera modificações anatômicas nos núcleos das células ganglionares dos nervos sensitivos e nas projeções centrais das raízes nervosas. A hiperexcitabilidade neuronal é em razão ao surgimento de marca-passos nos nervos periféricos em regeneração e resulta da modificação da permeabilidade da membrana axonal e do número, distribuição e cinética dos canais de sódio, cálcio e potássio. Estudos microneurográficos demonstraram haver número excessivo de potenciais excitatórios nos nervos periféricos, associado à sensação de parestesias em seres humanos. Foiobservada hiperatividade neuronal na lâmina V do CPME, após rizotomia espinal e avulsão de raízes espinais; o mesmo ocorre no núcleo do trato espinal do nervo trigêmeo, após a rizotomiatrigeminal. Hiperatividade neuronal talâmica contralateral à lesão das raízes nervosas foi, também, observada tardiamente em animais de experimentação. A desinibição das vias nociceptivas e a excitação das sinapses centrais estão envolvidas no mecanismo de hiperatividade neuronal nas células do CPME. 96 Em casos de avulsão das raízes nervosas, o campo receptivo das células do CPME amplia-se em grau menor do que em casos de rizotomia, talvez em decorrência da lesão das estruturas do trato de Lissauer, que exercem atividade facilitatória sobre as unidades sensitivas da medula espinal. Observou-se que as unidades celulares, predominantemente excitadas por estímulos nociceptivos, passam a responder, também, a estímulos de baixa intensidade em casos de desaferentação. Os aferentes A-delta e C mantêm a capacidade de exitação das células do CPME, mas há redução do mecanismo inibitório segmentar, alteração do padrão de organização da chegada dos potenciais de ação ao CPME, aumento do número de potenciais ectópicos, degeneração das projeções centrais dos aferentes primários e, provavelmente, das células de origem dos tratos de projeção ascendentes, podendo modificar a quantidade de neurotransmissores liberados pelas terminações nervosas proximais. A lesão das raízes sensitivas espinais e trigeminais resultam em degeneração dos axônios e das suas projeções no SNC e, após alguns meses, em aumento da distribuição dos aferentados. Esse fenômeno é atribuído aos mecanismos de brotamento. As lesões do SNP acarretam alterações funcionais nos neurônios de segunda ordem do CPME. A lesão parcial do CPME resulta em hipersensibilidade neuronal, algumas horas após o traumatismo. Tardiamente, ocorrem anormalidades funcionais no tálamo. Após a rizotomia, há queda da concentração de substância P nas lâminas I, II e V, seguida de retorno aos níveis progressos em cerca de quatro semanas. Em casos de avulsão de raízes, ocorre redução da beta-encefalina e da substância P nas terminações das lâminas I e II e da somatostatina na lâmina II, fatos que se acentuam na semana subsequente, associadamente ao desaparecimento quase completo da substância P nas lâminas I e V, mas não da encefalina nas lâminas I, II e V. Esses achados sugerem que a atividade excitatória da substância P e a ausências da atividade inibitória da encefalina, que atuam pré-sinapticamente nas lâminas I e II e pós-sinapticamente na lâmina do CPME, aliadas à queda da atividade da somatostatina, com ação inibitória nas lâminas II e V, causam hiperatividade por desenervação observada nas lâminas I, II e V ao CPME, de onde emergem as fibras dos tratos de projeção suprassegmentares. As alterações nas concentrações dos neurotransmissores do CPME são, em parte, revertidas pela aplicação do fator de regeneração nervosa na extremidade proximal da estrutura nervosa secionada. Em casos de ganglietomia, a atividade da colecistoquimina e da substância P recupera-se, não sendo, o mesmo, observado em relação à somatostatina. 97 Há evidências de que a hiperatividade neuronal das células do CPME seja reduzida pela hiperatividade da estimulação da cápsula interna, núcleos talâmicos do complexo vetrobasal e do córtex cerebral. Observou-se que, em casos de secção transversal da medula espinal, ocorre expansão dos campos receptivos e hiperatividade das células do CPME. Nessa eventualidade, existe maior influência de aferências inibitórias contralaterais, sejam influenciadas por vias descendentes. As lesões dos funículos posteriores provocam surtos de atividades espontâneas no núcleo grácil e a lesão desses núcleos resulta em aumento do campo receptivo das unidades celulares desaferentadas do complexo ventrobasal do tálamo. As zonas de gatilho, que se observam em doentes com paraplegia e avulsão de raízes, parecem ser em virtude ao aumento da atividade excitatória prolongada, originada em áreas distantes com inervação normal. Esse fato pode indicar que existem reorganização e aumento da área de projeção dos aferentes nociceptivos nessas unidades neuronais. No ser humano, a síndrome de dor por desaferentação é conhecida há várias décadas. Segundo Tasker e Emmers, dor por desaferentação é aquela resultante das lesões de estruturas nervosas. É descrita como queimação, pontada, dormência, formigamento ou sensações bizarras e é, geralmente, de início tardio. Como a dor não se manifesta em todos os doentes com lesões similares, admite-se que haja fatores genéticos envolvidos na sua ocorrência. A fisiopatologia da dor por desaferentação ainda não foi completamente esclarecida. A função dos neurônios das vias sensitivas é de codificar, conduzir e transferir informações aos diferentes níveis do SNC, envolvendo alto grau de especialização regional. As terminações nervosas são especializadas em codificar a informação sensitiva e em veicular informações sensitivas até o CPME, sem modificações qualitativas e qualificativas. As propriedades funcionais dos axônios e das unidades centrais precisam ser mantidas íntegras para que o processamento da informação sensitiva ocorra de modo adequado. Havendo modificações na função das terminações nervosas periféricas, troncos nervosos periféricos ou das vias de condução e de processamento central da informação nociceptiva, dor espontânea ou gerada por estímulos não-nóxicos costuma manifestar-se. A sensibilização dos receptores, a ocorrência de focos ectópicos de potencial de ação nas fibras nervosas periféricas e nas vias centrais, bem como a atividade anormal das unidades de processamento central das aferências sensitivas são, seguramente, os mecanismos mais importantes na gênese da dor por desaferentação. 98 Na dor rápida, a dor é sentida em cerca de 0,1s depois que o estímulo doloroso é aplicado. Esse tipo de dor é sentido frente a um traumatismo agudo, geralmente térmico ou mecânico. Na dor lenta, a dor é sentida após 1s ou mais, e aumenta lentamente durante muitos segundos até minutos. Esse tipo de dor está geralmente associado à destruição de tecidos, podendo ser um estímulo químico, físico ou mecânico. Pode levar a um sofrimento insuportável e prolongado. Pode ocorrer tanto na pele como nos tecidos mais profundos do corpo. 9.3NEUROFISIOLOGIA DA VISÃO Desde os rudimentares fotorreceptores de certos organismos unicelulares ao complexo olho humano, a evolução percorreu um longo caminho para dotar os seres vivos de instrumentos eficazes para a percepção dos objetos e a experiência do espaço, em grande parte, aos órgãos da visão. Visão é o processo fisiológico por meio do qual se distinguem as formas e as cores dos objetos. Em linhas gerais, o olho funciona como uma câmara fotográfica que projeta uma imagem invertida do mundo exterior em sua porção interna posterior, em que existe um revestimento fotossensível, a retina, que envia informações codificadas ao sistema nervoso central, dando ao indivíduo a sensação da visão. A visão produz-se em nível molecular graças a substâncias fotossensíveis, os fotopigmentos, que sofrem transformações químicas sob a ação da luz. Essas transformações produzem estímulos em células e fibras sensoriais, que são transmitidos aos centros nervosos correspondentes. Entre os vertebrados, o olho mais perfeito e desenvolvido é o dos mamíferos, que corresponde, em linhas gerais, à configuração do olho humano. No homem, os dois globos oculares estão alojados no interior das cavidades orbitárias e unem-se às paredes ósseas graças aos chamados musculosextrínsecos, de natureza estriada e contração voluntária, responsáveis pela movimentação dos olhos. Os músculos, reto, superior, inferior, externo e 99 interno possibilitama movimentação do globo ocular para cima, para baixo, para a direita e para a esquerda. Outros dois, o oblíquo maior e menor, permite ao olho deslocar-se em todas as direções. O olho humano é constituído de três camadas. A mais externa, fibrosa, tem função protetora e é chamada esclerótica. Em sua porção anterior, a esclerótica é transparente e recebe o nome de córnea. Na parte posterior e lateral, é opaca. A camada intermediária é abundante em vasos sanguíneos e formada pela coroide, pelo corpo ciliar e pela íris. A camada interna é a retina, onde se localizam as células fotorreceptoras. A córnea é recoberta pela conjuntiva, fina membrana que se estende também pela face interna das pálpebras. Chama-se trato uveal o conjunto de coroide, corpo ciliar e íris. Muito vascularizada, a coroide abastece de nutrientes e oxigênio os tecidos oculares. Nela situam-se também células pigmentares, cuja função é absorver luz, como a pintura preta do interior das câmaras fotográficas para evitar que reflexos prejudiquem a qualidade da imagem projetada na retina. FIGURA 55 – ESTRUTURA DE UM GLOBO OCULAR 100 O corpo ciliar é o prolongamento anterior da coroide, formado pelos chamados processos ciliares e pelo músculo ciliar. Os processos ciliares são ligamentos que unem ao músculo ciliar o cristalino, estrutura transparente, com forma de lente biconvexa, que permite focalizar os objetos situados a diversas distâncias. O músculo ciliar, cuja contração é produzida pelo sistema parassimpático, controla o grau de curvatura do cristalino e permite ajustar o foco. Na porção anterior do cristalino, a íris controla, como um diafragma, a quantidade de luz que atinge a retina. Pigmentos na íris lhe dão cor característica, que varia do negro ao azul. As musculaturas lisas, radial e circular da íris, abrem e fecham seu orifício central, a pupila. O espaço entre a córnea e o cristalino, dita câmara anterior, é preenchido pelo humor aquoso, que mantém constante a pressão interna do globo ocular. Já a cavidade entre o cristalino e a retina, a câmara posterior, contém uma substância gelatinosa chamada como humor vítreo. FIGURA 56 – ESTRUTURAS RESPONSÁVEIS PELO FUNCIONAMENTO DA VISÃO 101 Na retina, estão situadas as células encarregadas de registrar as impressões luminosas e transmiti-las ao cérebro por intermédio do nervo óptico, que sai da parte posterior do globo ocular. As células fotorreceptoras são chamadas cones e bastonetes, em virtude da forma de seus prolongamentos. Os cones dispõem-se na região central da retina e são responsáveis pela visão colorida, enquanto os bastonetes, mais abundantes nas regiões periféricas, processam uma visão de contornos, de contraste claro-escuro, em condições de baixa luminosidade. A região de onde parte o nervo óptico é chamada ponto cego, por ser insensível à luz. Já a região chamada fóvea, composta apenas de cones e situada acima do ponto cego, é a área da retina onde a visão é mais nítida. Alguns órgãos anexos ou acessórios protegem o globo ocular: as pálpebras, dobras de pele que recobrem a parte anterior do olho de forma a impedir seu ressecamento, movem-se em consequência da ação dos músculos palpebrais (elevador, para abrir, e orbicular, para fechar). As sobrancelhas, aglomeração cutâneo-muscular coberta de pelos, estão localizadas acima de cada olho e evitam que neles penetre o suor; os cílios são conjuntos de pelos que nascem nas bordas das pálpebras e protegem os olhos contra a entrada de pó e de outras partículas; e o aparelho lacrimal produz as lágrimas (líquido aquoso e salino que também contém lisozimas, moléculas que destroem microrganismos). Para a formação da imagem do mundo exterior sobre a retina, o olho dispõe de um conjunto de elementos refratores, constituídos pela córnea, humor aquoso, cristalino e humor vítreo. As propriedades ópticas das superfícies refratoras estão relacionadas com seu grau de curvatura e com o índice de refração dos meios que ela separa. A unidade empregada para se medir o poder de refração é a dioptria, que é a recíproca da distância focal, tomada em metros. A face anterior da córnea é a principal superfície refratora do olho: pequenas irregularidades que nela se verifiquem podem redundar em graves problemas para a visão perfeita. A principal função do cristalino, segundo elemento refrator de importância no sistema óptico do olho, está relacionada com sua capacidade de acomodação, ou seja, com a propriedade de, mudando de forma (graças à contração e ao relaxamento da musculatura ciliar), variar seu poder refrator. O cristalino permite, dessa maneira, uma focalização perfeita da imagem sobre a fóvea, funcionando como o ajuste de foco de uma máquina fotográfica. 102 Distinguem-se na retina três camadas de células, em que os corpos celulares dos neurônios agrupam-se densamente, separadas por duas camadas sinápticas em que se misturam prolongamentos de dendritos e axônios. A primeira camada é formada pelas células fotorreceptoras, os cones e bastonetes. Os axônios da primeira camada fazem sinapse com dendritos de células da segunda camada, as células bipolares. Os axônios da segunda camada, por sua vez, fazem sinapse com os dendritos das células ganglionares, da terceira camada celular. Uma vez formada a imagem sobre a retina, essa luz estimulará os cones e os bastonetes, da mesma forma que sensibilizaria a emulsão de um filme ou os elementos fotossensíveis de uma câmara de televisão. Os elementos fotossensíveis da retina contêm um pigmento, que, no caso dos bastonetes, é a rodopsina, proteína dotada de um grupamento cromatóforo. Estimulada pela luz, essa substância desencadeia um complexo de reações químicas que culminará com a despolarização da célula receptora, a ativação das células bipolares e ganglionares e o aparecimento de uma informação, no nervo óptico, sob a forma de impulso nervoso. Os campos visuais de cada olho são diferentes, mas se superpõem em parte. A retina divide-se em zonas, a interna (nasal) e a externa (temporal), em função do trajeto das vias ópticas que se dirigem para o córtex cerebral. As fibras nervosas das duas zonas temporais (olhos direito e esquerdo) passam para o córtex cerebral do hemisfério correspondente, enquanto as das regiões nasais cruzam-se no quiasma óptico, indo para o córtex cerebral do hemisfério oposto. A luz que emana de um objeto visualizado atinge a zona temporal de um globo ocular e a zona nasal do outro. Em função da disposição das vias ópticas, a atividade nervosa resultante vai para o mesmo hemisfério cerebral. A superposição de campos visuais permite ao cérebro uma interpretação estereoscópica, com percepção de altura, largura e profundidade. A capacidade de discriminação de cores pelo olho está relacionada com a existência de três tipos de cones caracterizados pela presença de três diferentes fotopigmentos. Ao que parecem, esses fotopigmentos são sensíveis principalmente aos comprimentos de luz azul, verde e vermelha. A teoria de Young-Helmholtz da visão em cores explica a sensação das diversas cores como uma decorrência do fato de que cada um desses pigmentos seria estimulado de forma diferente pela radiação luminosa e que suas mensagens seriam interpretadas no cérebro de forma combinada. Uma luz amarela, por exemplo, estimularia os 103 receptores de vermelho e verde, mas exerceria pouca influência no de azul. A sensação combinada seria, portanto, a do amarelo. No estudo da fisiologia da visão, é importante o conceito de acuidade visual, que consiste na capacidade do olho de reconhecer dois pontos no espaço, medida pelo ângulo formado pelos dois pontos e o olho do observador. Dois pontos situados em um ângulo menor do que certo limite aparecerá ao observador como um ponto único no espaço. Normalmente, considera-se como valor médio da acuidade visualno homem um ângulo de um minuto. O fenômeno é complexo e dele participam inúmeros fatores, entre os quais: fatores ópticos, fatores retinianos (como o estado dos cones) e fatores relacionados com o estímulo, como brilho, iluminação de fundo, duração etc. Sempre que as imagens se formam corretamente na mancha amarela, a visão é nítida, e o olho é considerado emetrope ou normal. Quando isso não ocorre, dizemos que há defeito de visão. Dentre esses defeitos, destacam-se a miopia, a hipermetropia, o astigmatismo, o estrabismo e a presbiopia. Outros problemas de visão são o daltonismo, a catarata e a conjuntivite. Na miopia, a formação da imagem ocorre antes da retina, porque o olho é anormalmente longo; os míopes enxergam mal de longe. Corrige-se esse defeito com o uso de lentes (óculos ou lentes de contato) divergentes. Atualmente, há tratamento cirúrgico para míopes. FIGURA 57 – FORMAÇÃO DE UMA IMAGEM NA MIOPIA 104 Na hipermetropia, a formação da imagem ocorre, teoricamente, atrás da retina, porque o olho é curto demais. Os hipermétropes enxergam mal de perto. O defeito é corrigido com lentes convergentes. FIGURA 58 – FORMAÇÃO DE UMA IMAGEM NA HIPERMETROPIA. O astigmatismo consiste em defeito na curvatura da córnea e, mais raramente, do cristalino. Em consequência, o olho não é capaz de distinguir, ao mesmo tempo, com a mesma nitidez, linhas verticais e horizontais. Essa anomalia pode se somar à miopia ou à hipermetropia. FIGURA 59 – FORMAÇÃO DE UMA IMAGEM POR ASTIGMATISMO 105 9.4 NEUROFISIOLOGIA DAS SENSAÇÕES TÉRMICAS Em repouso, a exposição ao frio provoca duas respostas fisiológicas essenciais que contribuem para a manutenção do equilíbrio térmico. Essas respostas são a termogênese e a vasoconstrição periférica: estas levam ao aumento da produção de calor e à diminuição da perda de calor, respectivamente. O aumento da termogênese durante a exposição a baixas temperaturas é resultante do tremor, resposta fisiológica que aumenta significativamente a taxa metabólica. Toda energia despendida pelo tremor é convertida em calor. O tremor pode aumentar a taxa metabólica em três vezes ou mais que o nível em repouso. A resposta do tremor ao frio é controlada pelo centro termorregulador, localizado no hipotálamo. Termorreceptores situados na pele, na medula espinhal e no cérebro respondem a quedas tanto de temperatura cutânea como da interna e transmitem essas informações ao hipotálamo que, por sua vez, emite a resposta apropriada. Em seres humanos, a queda da temperatura central estimula muito mais o tremor que a queda da temperatura cutânea. A diminuição na temperatura cutânea e interna também é responsável pela vasoconstrição periférica, outra importante resposta do organismo ao frio. A constrição dos vasos sanguíneos cutâneos provoca uma diminuição no seu fluxo à pele, reduzindo o envio de calor para a pele e aumentando o efeito isolante dos tecidos corporais. Além disso, o desvio de sangue para tecidos mais profundos ajuda a conservar o calor, uma vez que as veias mais profundas dos membros estão próximas e paralelas às artérias. Este é chamado "mecanismo contracorrente de troca de calor", que ajuda a conservar o calor, pois esse calor do sangue arterial mais quente é transferido ao sangue venoso mais frio que está retornando à circulação central. É interessante notar que a vasoconstrição periférica ocorre na maioria das partes do corpo, mas não nos vasos superficiais da cabeça. Isso significa que grande parte do calor dissipado para o ambiente durante a exposição ao frio é perdida por meio da cabeça, talvez 25% da perda total de calor. As alterações fisiológicas que permitem aclimatarmo-nos ao frio costumam não ser tão bem-compreendidas como as alterações que acompanham exposição ao calor e a grandes altitudes. Um exemplo da capacidade de aclimatação dos seres humanos à exposição prolongada ao frio é a assim chamada "aclimatação isolante", observada nos aborígenes australianos. Tornaram-se mais tolerantes ao dormirem nus ao relento, aumentando a 106 capacidade de vasoconstrição periférica muito mais de que pessoas não aclimatadas, levando à queda da temperatura cutânea. Outro exemplo de aclimatação ao frio é um maior isolamento secundário em razão a um espessamento da pele. Além disso, pode ocorrer uma "aclimatação metabólica" em que a produção de calor eleva-se após exposição prolongada ao frio. Isso pode ser causado por um aumento na liberação de hormônios da tiroide e/ou sensibilidade mais acentuada dos tecidos à norepinefrina; esses dois tipos de hormônio elevam o consumo de oxigênio mitocondrial e a produção de calor. Por último, sabe-se que roedores são capazes de aumentar a produção de calor por meio de uma termogênese sem tremor, em que o tecido adiposo marrom, ao ser estimulado pela norepinefrina, gera uma alta taxa de calor. Entretanto, não há provas concretas que confirmem esse mecanismo em seres humanos adultos. 9.5NEUROFISIOLOGIA DA AUDIÇÃO O som é produzido por ondas de compressão e descompressão alternadas do ar. As ondas sonoras propagam-se por meio do ar exatamente da mesma forma que as ondas propagam-se na superfície da água. Assim, a compressão do ar adjacente de uma corda de violino cria uma pressão extra nessa região, e isso, por sua vez, faz com que o ar um pouco mais afastado torne-se pressionado também. A pressão nessa segunda região comprime o ar ainda mais distante, e esse processo repete-se continuamente até que a onda alcance a orelha. A orelha humana é um órgão altamente sensível que nos capacita a perceber e interpretar ondas sonoras em uma gama muito ampla de frequências (16 a 20.000 Hz - Hertz ou ondas por segundo). A captação do som até sua percepção e interpretação é uma sequência de transformações de energia, iniciando pela sonora, passando pela mecânica, hidráulica e finalizando com a energia elétrica dos impulsos nervosos que chegam ao cérebro. O pavilhão auditivo capta e canaliza as ondas para o canal auditivo e para o tímpano. Já o canal auditivo serve como proteção e como amplificador de pressão 107 Quando se choca com a membrana timpânica, a pressão e a descompressão alternadas do ar adjacente à membrana provocam o deslocamento do tímpano para trás e para frente. O centro da membrana timpânica conecta-se com o cabo do martelo. Este, por sua vez, conecta-se com a bigorna, e a bigorna com o estribo. Essas estruturas, como já mencionado anteriormente (anatomia da orelha média), encontram-se suspensas por ligamentos, razão pela qual oscilam para trás e para frente. A movimentação do cabo do martelo determina também, no estribo, um movimento de vaivém, de encontro à janela oval da cóclea, transmitindo assim o som para o líquido coclear. Dessa forma, a energia mecânica é convertida em energia hidráulica. FIGURA 60 – ESTRUTURAS QUE PARTICIPAM DO MECANISMO DA AUDIÇÃO 108 Os ossículos funcionam como alavancas, aumentando a força das vibrações mecânicas e por isso, agindo como amplificadores das vibrações da onda sonora. Se as ondas sonoras dessem diretamente na janela oval, não teriam pressão suficiente para mover o líquido coclear para frente e para trás, a fim de produzir a audição adequada, pois o líquido possui inércia muito maior que o ar, e uma intensidade maior de pressão seriam necessária para movimentá-lo. A membrana timpânica e o sistema ossicular convertem a pressão das ondas sonoras em uma forma útil, da seguinte maneira: as ondas sonoras são coletadas pelo tímpano, cuja área é 22 vezes maior que a área da janela oval. Portanto, uma energia 22 vezes maior do que aquela que a janela oval coletaria sozinha é captada e transmitida, por meio dos ossículos, à janela oval. Da mesma forma, a pressão de movimento da base do estribo apresenta-se 22 vezes maior do queaquela que seria obtida aplicando-se ondas sonoras diretamente à janela oval. Essa pressão é, então, suficiente para mover o líquido coclear para frente e para trás. À medida que cada vibração sonora penetra na cóclea, a janela oval move-se para dentro, lançando o líquido da escala vestibular numa profundidade maior dentro da cóclea. A pressão aumentada na escala vestibular desloca a membrana basilar para dentro da escala timpânica. Isso faz com que o líquido dessa câmara seja empurrado na direção da janela oval, provocando, por sua vez, o arqueamento dela para fora. Assim, quando as vibrações sonoras provocam a movimentação do estribo para trás, o processo é invertido, e o líquido, então, move- se na direção oposta pelo do mesmo caminho, e a membrana basilar desloca-se para dentro da escala vestibular. FIGURA 61 – MOVIMENTO DE LÍQUIDO NA CÓCLEA 109 A vibração da membrana basilar faz com que as células ciliares do órgão de Corti agitem-se para frente e para trás; isso flexiona os cílios nos pontos de contato com a membrana tectórica (tectorial). A flexão dos cílios excita as células sensoriais e gera impulsos nas pequenas terminações nervosas filamentares da cóclea que enlaçam essas células. Esses impulsos são então transmitidos por meio do nervo coclear até os centros auditivos do tronco encefálico e córtex cerebral. Dessa forma, a energia hidráulica é convertida em energia elétrica. A flexão dos cílios nos pontos de contato com a membrana tectórica excita as células sensoriais, gerando impulsos nervosos nas pequenas terminações nervosas filamentares da cóclea que enlaçam essas células. Um fenômeno chamado ressonância ocorre na cóclea para permitir que cada frequência sonora faça vibrar uma secção diferente da membrana basilar. Essas vibrações são semelhantes àquelas que ocorrem em instrumentos musicais de corda. Quando a corda de um violino, por exemplo, é puxada para um lado, fica um pouco mais esticada do que o normal e esse estiramento faz com que se mova de volta na direção oposta, o que faz com que a corda se torne esticada mais uma vez, mas agora na direção oposta, voltando então à primeira posição. Esse ciclo repete-se várias vezes, razão pela qual uma vez que a corda começa a vibrar, assim permanece por algum tempo. FIGURA 62 – PERCEPÇÃO DA ALTURA DE UM SOM 110 Quando sons de alta frequência penetram na janela oval, sua propagação faz-se apenas num pequeno trecho da membrana basilar, antes que um ponto de ressonância seja alcançado. Como resultado, a membrana move-se forçosamente nesse ponto, enquanto o movimento de vibração é mínimo por toda a membrana. Quando uma frequência média sonora penetra na janela oval, a onda propaga-se em uma maior extensão ao longo da membrana basilar antes da área de ressonância ser atingida. Finalmente, uma baixa frequência sonora propaga-se ao longo de quase toda a membrana antes de atingir seu ponto de ressonância. Dessa forma, quando as células ciliares próximas à base da cóclea são estimuladas, o cérebro interpreta o som como sendo de alta frequência (agudo). Quando as células da porção média da cóclea são estimuladas, o cérebro interpreta o som como de altura intermediária, e a estimulação da porção superior da cóclea é interpretada como som grave. 9.6NEUROFISIOLOGIA DA OLFAÇÃO O olfato humano é pouco desenvolvido se comparado ao de outros mamíferos. O epitélio olfativo humano contém cerca de 20 milhões de células sensoriais, cada qual com seis pelos sensoriais (um cachorro tem mais de 100 milhões de células sensoriais, cada qual com pelo menos 100 pelos sensoriais). Os receptores olfativos são neurônios genuínos, com receptores próprios que penetram no sistema nervoso central. A cavidade nasal, que começa a partir das janelas do nariz, está situada em cima da boca e debaixo da caixa craniana. Contém os órgãos do sentido do olfato e é forrada por um epitélio secretor de muco. Ao circular pela cavidade nasal, o ar purifica-se, umedece e esquenta. O órgão olfativo é a mucosa que forra a parte superior das fossas nasais, chamada mucosa olfativa ou amarela, para distingui-la da vermelha, que cobre a parte inferior. 111 FIGURA 63 – ESTRUTURA RESPONSÁVEL PELO OLFATO HUMANO A mucosa vermelha é dessa cor por ser muito rica em vasos sanguíneos, e contém glândulas que secretam muco, o que mantém úmida a região. Se os capilares dilatam-se e o muco é secretado em excesso, o nariz fica obstruído, sintoma característico do resfriado. A mucosa amarela é muito rica em terminações nervosas do nervo olfativo. Os dendritos das células olfativas possuem prolongamentos sensíveis (pelos olfativos), que ficam mergulhados na camada de muco que recobre as cavidades nasais. Os produtos voláteis ou de gases perfumados ou ainda de substâncias lipossolúveis que se desprendem das diversas substâncias, ao serem inspirados, entram nas fossas nasais e dissolvem-se no muco que impregna a mucosa amarela, atingindo os prolongamentos sensoriais. Dessa forma, geram impulsos nervosos, que são conduzidos até o corpo celular das células olfativas, onde atingem os axônios, os quais comunicam-se com o bulbo olfativo. Os axônios agrupam-se de 10-100 e penetram no osso etmoide para chegar ao bulbo olfatório, onde convergem para formar estruturas sinápticas chamadas glomérulos. Estas conectam-se em grupos que convergem para as células mitrais. Fisiologicamente essa convergência aumenta a sensibilidade olfatória que é enviada ao Sistema Nervoso Central (SNC), onde o processo de sinalização é interpretado e decodificado. 112 Admite-se a hipótese de que existem alguns tipos básicos de células do olfato, cada uma com receptores para um tipo de odor. Os milhares de tipos diferentes de cheiros que uma pessoa consegue distinguir resultariam da integração de impulsos gerados por uns cinquenta estímulos básicos, no máximo. A integração desses estímulos seria feita em uma região localizada em áreas laterais do córtex cerebral, que constituem o centro olfativo. FIGURA 64 – REGIÃO OLFATÓRIA A mucosa olfativa é tão sensível que poucas moléculas são suficientes para estimulá- la, produzindo a sensação de odor. A sensação será tanto mais intensa quanto maior for à quantidade de receptores estimulados, o que depende da concentração da substância odorífera no ar. O olfato tem importante papel na distinção dos alimentos. Enquanto mastigamos, sentimos simultaneamente o paladar e o cheiro. Do ponto de vista adaptativo, o olfato tem uma nítida vantagem em relação ao paladar: não necessita do contato direto com o objeto percebido para que haja a excitação, conferindo maior segurança e menor exposição a estímulos lesivos. 113 O olfato, como a visão, possui uma enorme capacidade adaptativa. No início da exposição a um odor muito forte, a sensação olfativa pode ser bastante forte também, mas, após um minuto, aproximadamente, o odor será quase imperceptível. Porém, ao contrário da visão, capaz de perceber um grande número de cores ao mesmo tempo, o sistema olfativo detecta a sensação de um único odor de cada vez. Contudo, um odor percebido pode ser a combinação de vários outros diferentes. Se tanto um odor pútrido quanto um aroma doce estão presentes no ar, o dominante será aquele que for mais intenso, ou, se ambos forem da mesma intensidade, a sensação olfativa será entre doce e pútrida. FIGURA 65 – ESTRUTURA DA INERVAÇÃO DO OLFATO 9.7 REFLEXOS DA MEDULA ESPINHAL Nossa medula espinhal tem a forma de um cordão com aproximadamente 40 cm de comprimento. Ocupa o canal vertebral desde a região do atlas - primeira vértebra - até o nível da 114 segunda vértebra lombar. A medula funciona como centro nervoso de atos involuntários e, também, como veículo condutor de impulsos nervosos. Damedula partem 31 pares de nervos raquidianos que se ramificam. Por meio dessa rede de nervos, a medula conecta-se com as várias partes do corpo, recebendo mensagens e vários pontos, enviando-as para o cérebro e recebendo mensagens do cérebro, o qual transmite para as várias partes do corpo. A medula possui dois sistemas de neurônios: o sistema descendente controla funções motoras dos músculos, regula funções como pressão e temperatura e transporta sinais originados no cérebro até seu destino; o sistema ascendente transporta sinais sensoriais das extremidades do corpo até a medula e de lá para o cérebro. FIGURA 66 – ESTRUTURA DA MEDULA ESPINHAL NO CANAL VERTEBRAL Os corpos celulares dos neurônios concentram-se no cerne da medula – na massa cinzenta. Os axônios ascendentes e descendentes, na área adjacente – a massa branca. As duas regiões também abrigam células da Glia. Dessa forma, na medula espinhal a massa cinzenta localiza-se internamente e a massa branca, externamente (o contrário do que se observa no encéfalo). 115 FIGURA 67 – SUBSTÂNCIA BRANCA E SUBSTÂNCIA CINZENTA Durante uma fratura ou deslocamento da coluna, as vértebras que normalmente protegem a medula podem matar ou danificar as células. Teoricamente, se o dano for confinado à massa cinzenta, os distúrbios musculares e sensoriais poderão estar apenas nos tecidos que recebem e mandam sinais aos neurônios “residentes” no nível da fratura. Por exemplo, se a massa cinzenta do segmento da medula onde os nervos rotulados C8 for lesada, o paciente só sofrerá paralisia das mãos, sem perder a capacidade de andar ou o controle sobre as funções intestinais e urinárias. Nesse caso, os axônios levando sinais para “cima e para baixo” através da área branca adjacente continuariam trabalhando. Em comparação, se a área branca for lesada, o trânsito dos sinais será interrompido até o ponto da fratura. Infelizmente, a lesão original é só o começo. Os danos mecânicos promovem rompimento de pequenos vasos sanguíneos, impedindo a entrega de oxigênio e nutrientes para as células não afetadas diretamente, que acabam morrendo; as células lesadas extravasam componentes citoplasmáticos e tóxicos, que afetam células vizinhas, antes intactas; células do 116 sistema imunológico iniciam um quadro inflamatório no local da lesão; células da Glia proliferam criando grumos e uma espécie de cicatriz, que impedem os axônios lesados de crescerem e reconectarem. O vírus da poliomielite causa lesões na raiz ventral dos nervos espinhais, o que leva à paralisia e atrofia dos músculos. 9.8 SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO O conjunto de nervos cranianos e raquidianos forma o sistema nervoso periférico. Com base na sua estrutura e função, o sistema nervoso periférico pode subdividir-se em duas partes: o sistema nervoso somático e o sistema nervoso autônomo ou de vida vegetativa. As ações voluntárias resultam da contração de musculosestriados esqueléticos, que estão sob o controle do sistema nervoso periférico voluntário ou somático. Já as ações involuntárias resultam da contração das musculaturas lisa e cardíaca, controladas pelo sistema nervoso periférico autônomo, também chamado involuntário ou visceral. O SNP Voluntário ou Somático tem por função reagir a estímulos provenientes do ambiente externo. Ele é constituído por fibras motoras que conduzem impulsos do sistema nervoso central aos músculos esqueléticos. O corpo celular de uma fibra motora do SNP voluntário fica localizado dentro do SNC, e o axônio vai diretamente do encéfalo ou da medula até o órgão que inerva. O SNP Autônomo ou Visceral, como o próprio nome diz, funciona independentemente de nossa vontade e tem por função regular o ambiente interno do corpo, controlando a atividade dos sistemas digestório, cardiovascular, excretor e endócrino. Ele contém fibras nervosas que conduzem impulsos do sistema nervoso central aos músculos lisos das vísceras e à musculatura do coração. Um nervo motor do SNP autônomo difere de um nervo motor do SNP voluntário pelo fato de conter dois tipos de neurônios: um neurônio pré-ganglionar e outro pós-ganglionar. O corpo celular do neurônio pré-ganglionar fica localizado dentro do SNC e seu axônio vai até um gânglio, onde o impulso nervoso é transmitido sinapticamente ao neurônio pós-ganglionar. O 117 corpo celular do neurônio pós-ganglionar fica no interior do gânglio nervoso e seu axônio conduz o estímulo nervoso até o órgão efetuador, que pode ser um músculo liso ou cardíaco. O Sistema Nervoso Autônomo (SNA) é composto por duas porções distintas: Simpático e Parassimpático, cujas ações são antagônicas. Essas duas vertentes atuam normalmente em simultâneo, sendo do equilíbrio entre a força de ação de cada uma delas (tônus) que nasce a extrema capacidade regulatória do SNA; essas ações estendem-se a diversos domínios biofisiológicos do nosso organismo, incluindo o débito sanguíneo pelos tecidos. FIGURA 68 – SISTEMA NERVOSO SIMPÁTICO E PARASSIMPÁTICO O sistema nervoso autônomo divide-se em: sistema nervoso simpático e sistema nervoso parassimpático. De modo geral, esses dois sistemas têm funções contrárias (antagônicas). Um corrige os excessos do outro. Por exemplo, se o sistema simpático acelera demasiadamente as batidas do coração, o sistema parassimpático entra em ação, diminuindo o ritmo cardíaco. Se o sistema simpático acelera o trabalho do estômago e dos intestinos, o parassimpático entra em ação para diminuir as contrações desses órgãos. 118 FIGURA 69 – COMUNICAÇÃO DAS FIBRAS SIMPÁTICAS E PARASSIMPÁTICAS COM O SISTEMA NERVOSO CENTRAL O SN autônomo simpático, de modo geral, estimula ações que mobilizam energia, permitindo ao organismo responder a situações de estresse. Por exemplo, o sistema simpático é responsável pela aceleração dos batimentos cardíacos, pelo aumento da pressão arterial, da concentração de açúcar no sangue e pela ativação do metabolismo geral do corpo. O simpático tem ação essencialmente vasoconstritora, mediante a libertação do neurotransmissor norepinefrina (vasoconstritor) pelos seus botões terminais, ao contrário do parassimpático. Já o SN autônomo parassimpático estimula principalmente atividades relaxantes, como as reduções do ritmo cardíaco e da pressão arterial, entre outras do parassimpático, que tem ação vasodilatadora mediante a libertação de acetilcolina. 119 9.9CÓRTEX CEREBRAL A palavra córtex vem do latim para "casca". Isso porque o córtex é a camada mais externa do cérebro. A espessura do córtex cerebral varia de 2 a 6 mm. O lado esquerdo e direito do córtex cerebral são ligados por um feixe grosso de fibras nervosas chamado de corpo caloso. Em mamíferos superiores (como humanos, primatas e cetáceos), o cérebro tem uma superfície irregular, cheia de áreas mais protuberantes (chamadas de giros), intercaladas com pequenos vales (chamados de sulcos) e que dão à aparência de "enrugado" ao cérebro. O cérebro de mamíferos menos desenvolvidos como camundongos e ratos tem poucos giros e sulcos, sendo a superfície cerebral mais lisa. As principais funções são: pensamento, movimento voluntário, linguagem, julgamento e percepção. FIGURA 70 – VISTA EM CORTE TRANSVERSO DO CÓRTEX CEREBRAL O córtex cerebral, parte externa dos hemisférios, com somente poucos milímetros de espessura, é composto de substância cinzenta, em contraste com o interior do encéfalo, constituído parcialmente de substância branca. A substância cinzenta é formada principalmente dos corpos das células nervosas e gliais,enquanto a substância branca consiste predominantemente dos processos ou fibras dessas células. 120 O interior dos hemisférios cerebrais, incluindo o diencéfalo, contém não somente substância branca, mas também massas bem delimitadasde substância cinzenta, coletivamente conhecidas como gânglios da base. Os mais destacados são os núcleos caudado e lentiforme, e os tálamos. O interior do encéfalo encerra também cavidades denominadas ventrículos, repletas de líquido cerebrospinal. FIGURA 71 – VISTA EXTERNA E INTERNA DO CÓRTEX CEREBRAL A substância cinzenta da superfície de cada hemisfério é denominada córtex cerebral. Ela encontra-se pregueada ou convolucionada em giros, que estão separados uns dos outros pelos sulcos. O padrão é variável, e é necessário remover a pia-aracnoide para a identificação individual dos giros e sulcos. Uma porção do córtex cerebral denominada ínsula localiza-se profundamente ao sulco lateral. A área do córtex imediatamente anterior ao sulco central é conhecida como área motora e está relacionada com a atividade muscular, sobretudo a metade oposta do corpo. O controle 121 contralateral pode ser demonstrado por estimulação artificial dessa área, particularmente da região conhecida como giro pré-central ou área 4, tendo como resultado movimentos na metade oposta do corpo. Além disso, o corpo está representado numa posição invertida na área motora, isto é, a estimulação da parte superior da área motora dá origem, predominantemente, a movimentos do membro superior, enquanto a estimulação da parte inferior dá origem a movimentos do membro inferior oposto e à estimulação da parte média, a movimentos da cabeça e pescoço. A área do córtex imediatamente atrás do sulco central (o giro pós-central) é uma área receptiva primária importante, para a qual se projetam vias aferentes por meio de sinapses no tálamo. O córtex de cada hemisfério cerebral está dividido arbitrariamente em lobos frontal, parietal, occipital e temporal. 122 10 FISIOLOGIA DO TRATO GASTROINTESTINAL 10.1 CONTROLE NERVOSO DO TRATO GASTROINTESTINAL O sistema digestivo inferior consiste do intestino delgado, do intestino grosso, do reto, dos esfíncteres anais interno e externo e do canal anal. O intestino grosso armazena o material residual. Em intervalos regulares, não controlados, esse resíduo é empurrado do intestino grosso para o reto por uma série de ondas e contrações conhecidas como movimentos peristálticos. O esfíncter anal interno, que é o músculo localizado abaixo do reto, abre-se automaticamente quando sente que existem fezes no reto. Nervos localizados no canal anal mandam uma mensagem para o cérebro, indicando que devemos evacuar. FIGURA 72 – REPRESENTAÇÃO DO SISTEMA DIGESTIVO 123 O ato de defecar não ocorre naquele momento particular por causa do esfíncter externo, um músculo que geralmente aprendemos a controlar entre as idades de um e três anos. Quando é conveniente (por exemplo, quando estamos sentados no vaso sanitário), esse músculo relaxa-se e uma combinação de contrações do reto e revezamento dos músculos do estômago empurra as fezes para fora do corpo. Em um sistema digestivo inferior que funciona normalmente, o esfíncter externo contrai-se quando o reto está cheio e retém as fezes no canal anal. No entanto, algumas patologias como espinha bífida, uma vez que existe pouco ou nenhum controle sobre o esfíncter anal externo, as fezes com frequência saem em ocasiões inadequadas. Sensibilidade limitada afeta a capacidade de perceber quando o reto está cheio e nervos danificados impedem o cérebro de receber a mensagem para esvaziar o intestino. Se não é percebido que o intestino está cheio e não existe controle do esfíncter externo, então o sistema digestivo inferior pode abrir-se quando menos se espera. 10.2 DIGESTÃO E ABSORÇÃO NO TRATO GASTROINTESTINAL O epitélio de revestimento do trato gastrointestinal é uma das interfaces do organismo que, delimitando o meio externo do meio interno, permite intercâmbios seletivos ao longo de toda sua extensão. No intestino, essas trocas processam-se por meio do seu epitélio transportador, através de fluxos resultantes de água e de solutos nos dois sentidos: da luz intestinal (meio externo) para interstício e vasos (meio interno) e vice-versa. Os primeiros denominam-se fluxos absortivos, os segundos, secretores. O delgado absorve os produtos da digestão proteica, glicídica e lipídica, além de vitaminas. A absorção e secreção de água e íons são geralmente acopladas aos processos de absorção dos nutrientes orgânicos nesse segmento intestinal. A digestão das proteínas começa 124 no estômago pela ação das pepsinas. As proteases pancreáticas rapidamente clivam as proteínas no duodeno e jejuno para oligopeptídeos. As enzimas clivadoras de peptídeos da borda-em-escova da membrana reduzem oligopeptídeos para aminoácidos individuais e para dipeptídeos e tripeptídeos. Os aminoácidos são levados para o enterócito por um conjunto de proteínas transportadoras de aminoácidos na borda-em-escova da membrana. Dipeptídeos e tripeptídeos são captados por uma proteína de transporte de peptídeos da borda-em-escova, com ampla especificação. As α-amilases da saliva e do suco pancreático clivam o amido ramificado em maltose, maltotriose e dextrinas α-limite. Esses produtos da digestão são então reduzidos a moléculas de glicose por glicoamilase e isomaltase, enzimas que ingerem carboidrato na borda-em-escova da membrana plasmática. A borda-em-escova também contém as dissacaridasessucrase e lactase, que clivam sucrose e lactose em monossacarídeos. Estes podem ser transportados para os enterócitos pelas proteínas de transporte de monossacarídeos da borda-em-escova da membrana. Um humano típico ingere 2 litros de água por dia, e cerca de 7 litros entram no aparelho gastrintestinal nas secreções gastrintestinais. Cerca de 99% da água introduzida no aparelho gastrintestinal são absorvidos; aproximadamente 100 ml de água escapam nas fezes por dia. A absorção de água é potenciada pela absorção de íons e nutrientes, predominantemente no intestino delgado. As células epiteliais maduras nas pontas das vilosidades do intestino delgado são ativas na absorção de água e eletrólitos. A absorção efetiva que normalmente ocorre no intestino delgado é o resultado de fluxos secretórios e absortivos muito maiores 125 11 FISIOLOGIA DOS HORMÔNIOS Dá-se o nome de sistema endócrino ao conjunto de órgãos que apresentam como atividade característica a produção de secreções denominadas hormônios, que são lançados na corrente sanguínea e irão atuar em outra parte do organismo, controlando ou auxiliando o controle de sua função. Os órgãos que têm sua função controlada e/ou regulada pelos hormônios são denominados órgãos-alvo. Os tecidos epiteliais de secreção ou epitélios glandulares formam as glândulas, que podem ser uni ou pluricelulares. As glândulas pluricelulares não são apenas aglomeradas de células que desempenham as mesmas funções básicas e têm a mesma morfologia geral e origem embrionária - o que caracteriza um tecido. São na verdade órgãos definidos com arquitetura ordenada. Elas estão envolvidas por uma cápsula conjuntiva que emite septos, dividindo-as em lobos. Vasos sanguíneos e nervos penetram nas glândulas, fornecendo alimento e estímulo nervoso para as suas funções. Os hormônios influenciam praticamente todas as funções dos demais sistemas corporais. Frequentemente o sistema endócrino interage com o sistema nervoso, formando mecanismos reguladores bastante precisos. O sistema nervoso pode fornecer ao endócrino a informação sobre o meio externo, ao passo que o sistema endócrino regula a resposta interna do organismo a essa informação. Dessa forma, o sistema endócrino, juntamente com o sistema nervoso, atuam na coordenação e regulação das funções corporais. 11.1HORMÔNIOS DA HIPÓFISE Situa-se na base do encéfalo, em uma cavidade do osso esfenoide chamada telatúrcica. Nos seres humanos tem o tamanho aproximado de um grão de ervilha e possui duas partes: o lobo anterior (ou adeno-hipófise) e o lobo posterior (ou neuro-hipófise). 126 Além de exercerem efeitos sobre órgãos não-endócrinos, alguns hormônios, produzidos pela hipófise são denominados trópicos (ou tróficos) porque atuam sobre outras glândulas endócrinas, comandando a secreção de outros hormônios. São eles: . Tireotrópicos: atuam sobre a glândula endócrina tireoide; . Adrenocorticotrópicos: atuam sobre o córtex da glândula endócrina adrenal (suprarrenal); . Gonadotrópicos: atuam sobre as gônadas masculinas e femininas; . Somatotrófico: atua no crescimento, promovendo o alongamento dos ossos, estimulando a síntese de proteínas e o desenvolvimento da massa muscular. Também aumenta a utilização de gorduras e inibe a captação de glicose plasmática pelas células, aumentando a concentração de glicose no sangue (inibe a produção de insulina pelo pâncreas, predispondo ao diabetes). Localizado no cérebro diretamente acima da hipófise, o hipotálamo é conhecido por exercer controle sobre ela por meios de conexões neurais e substâncias semelhantes a hormônios chamados fatores desencadeadores (ou de liberação), o meio pelo qual o sistema nervoso controla o comportamento sexual via sistema endócrino. O hipotálamo estimula a glândula hipófise a liberar os hormônios gonadotróficos (FSH e LH), que atuam sobre as gônadas, estimulando a liberação de hormônios gonadais na corrente sanguínea. Na mulher a glândula-alvo do hormônio gonadotrófico é o ovário; no homem, são os testículos. Os hormônios gonadais são detectados pela pituitária e pelo hipotálamo, inibindo a liberação de mais hormônio pituitário, por feedback. 127 FIGURA 73 – CONTROLE DO HIPOTÁLAMO SOBRE A HIPÓFISE Como a hipófise secreta hormônios que controlam outras glândulas e está subordinada, por sua vez, ao sistema nervoso, pode-se dizer que o sistema endócrino é subordinado ao nervoso e que o hipotálamo é o mediador entre esses dois sistemas. 128 FIGURA 74 – CONTROLE HORMONAL NO ORGANISMO O hipotálamo também produz outros fatores de liberação que atuam sobre a adeno- hipófise, estimulando ou inibindo suas secreções. Produz também os hormônios ocitocina e ADH (antidiurético), armazenados e secretados pela neuro-hipófise. 11.2 HORMÔNIOS DA TIREOIDE Localiza-se no pescoço, estando apoiada sobre as cartilagens da laringe e da traqueia. Seus dois hormônios, tri-iodotironina (T3) e tiroxina (T4), aumentam a velocidade dos processos de oxidação e de liberação de energia nas células do corpo, elevando a taxa metabólica e a geração de calor. Estimulam ainda a produção de RNA e a síntese de proteínas, estando relacionados ao crescimento, maturação e desenvolvimento. A calcitonina, outro hormônio 129 secretado pela tireoide, participa do controle da concentração sanguínea de cálcio, inibindo a remoção do cálcio dos ossos e a saída dele para o plasma sanguíneo, estimulando sua incorporação pelos ossos. As células foliculares tireoideanas sintetizam, durante todo o tempo, uma proteína, na qual se formam e armazenam os hormônios tireoideanos. Essa proteína chama-setireoglobulina e é formada por uma cadeia de aminoácidos tirosina. Mas para que se formem os hormônios tireoideanos, não basta uma normal produção de tireoglobulina. Também é de fundamental importância uma captação de íon iodeto, necessário à formação dos hormônios. A captação de iodeto faz-se por meio de um transporte ativo (bomba de iodeto), que bombeia constantemente esses íons do exterior para o interior das células foliculares, armazenando uma concentração cerca de 40 vezes maior no líquido intracelular. Mas os íons iodetos devem ser transformados na forma elementar de iodo no interior das células, para que possam ser utilizados na formação dos hormônios. Isso se faz com a importante ajuda de uma enzima denominada peroxidase. Na medida em que as moléculas de tireoglobulina vão sendo produzidas, moléculas de iodo vão se ligando quimicamente aos radicais, tirosina das proteínas. Mas para que as moléculas de iodo liguem-se com a devida rapidez e em quantidade satisfatória, faz-se necessário a presença de uma enzima, a iodinase, que cataliza a reação do iodo com os radicais, tirosina das tireoglobulinas. As moléculas de tireoglobulina, conforme vão sendo produzidas, vão saindo da célula e armazenando-se no interior dos folículos, submersas num líquido gelatinoso denominado coloide. Cada molécula de tireoglobulina carrega, portanto, vários radicais, tirosina impregnados com molécula de iodo, dois radicais tirosina, ligados entre si, com dois íons iodetos em cada uma de suas moléculas, reagem-se entre si, formando uma molécula de tiroxina (T4); dois radicais tirosinas ligados entre si, sendo um com dois íons iodeto e outro com apenas um íon iodeto, reagem-se também entre si formando uma molécula de tri-iodotironina (T3). Diante do exposto acima, podemos então imaginar que cada molécula de tireoglobulina carrega vários hormônios tireoideanos (a maioria T4) em sua fórmula. Portanto, podemos dizer que os hormônios tireoideanos armazenam-se no interior dos folículos tireoideanos na forma de tireoglobulina. 130 FIGURA 75 – INFLUÊNCIA DO HIPOTÁLAMO SOBRE OS HORMÔNIOS DA TIREOIDE A face voltada para o interior do folículo, da célula folicular tireoideana, faz constantemente o processo de pinocitose. Por meio da pinocitose, constantemente, diversas moléculas de tireoglobulina acabam retornando para o citoplasma da célula, dessa vez carregando diversas moléculas de hormônio tireoideano em sua estrutura. No interior da célula, a tireoglobulina sofre ação de enzimas proteolíticas. Como consequência, a tireoglobulina fragmenta-se em numerosos pedaços pequenos, liberando os hormônios tireoideanos (T3 e T4) na circulação, por intermédio da outra face celular. Os hormônios, então, ligam-se a proteínas plasmáticas e assim circulam em nossa rede vascular, atingindo quase todas as células de nosso corpo. 131 São raros os tecidos que não sofrem uma ação direta ou mesmo indireta dos hormônios tireoideanos. Sob seu estímulo, as células aumentam seu trabalho, sintetizam mais proteínas, consomem mais nutrientes e oxigênio, produz mais gás carbônico etc. 11.3 HORMÔNIOS CÓRTICO SUPRARRENAIS São duas glândulas localizadas sobre os rins, divididas em duas partes independentes, medula e córtex, secretoras de hormônios diferentes, comportando-se como duas glândulas. O córtex secreta três tipos de hormônios: os glicocorticoides, os mineralocorticoides e os androgênicos. FIGURA 76 – LOCALIZAÇÃO DA GLÂNDULA ADRENAL A suprarrenal (ou adrenal), localizada acima de cada rim, com dimensões aproximadas de 5 cm. por 1 cm., apresenta dois tecidos histologica e fisiologicamente bem distintos: medula e 132 córtex. A medula secreta adrenalina e noradrenalina e faz parte do sistema nervoso autônomo (simpático). Já a córtex, importante glândula endócrina, produz e secreta dezenas de hormônios. Todos os hormônios secretados por esse tecido são sintetizados a partir do colesterol e pertencem, portanto, ao grupo dos hormônios esteroides. Os diversos hormônios produzidos pela córtex da adrenal, de acordo com seus efeitos, são divididos em grupos: Mineralocorticoides: atuam no metabolismo de minerais, principalmente no controle dos íons sódio e potássio. O principal mineralocorticoide, responsável por pelo menos 95% da função mineralocorticoide da suprarrenal, é o hormônio aldosterona. Outros mineralocorticoides bem menos importantes são: desoxicorticosterona e corticosterona. Glicocorticoides: atuam no metabolismo dos carboidratos, proteínas e gorduras.O principal hormônio desse grupo é o cortisol. Androgênios: produzem efeitos masculinizantes, semelhantes àqueles produzidos pela testosterona, secretada em grande quantidade pelas gônadas masculinas. A córtex da adrenal é dividida em três camadas: zona glomerulosa, zona fasciculada e zona reticular. A aldosterona é produzida na zona glomerulosa; as zonas fasciculadas e reticulares produzem cortisol e androgênios. É o principal mineralocorticoide, controla os níveis plasmáticos dos íons sódio e potássio. Exerce seu efeito no túbulo contornado distal e no ducto coletor do néfron, aumentando a reabsorção de sódio e a excreção de potássio. Como esse transporte é mais efetivo ao sódio do que ao potássio, mais cátions são reabsorvidos do que excretados nesses segmentos distais do néfron. A reabsorção de sódio provoca, por atração iônica, reabsorção também de cloretos. A reabsorção de sal (NaCl), por sua vez, reabsorve água (por osmose). Portanto, um aumento na secreção de aldosterona, pela suprarrenal, promove nos túbulos renais um aumento na reabsorção de sal e água. Um aumento na reabsorção de sal e água promove como consequência, um aumento no volume do líquido no compartimento extracelular. Isso faz com que ocorra um aumento no volume sanguíneo e no débito cardíaco. Como consequência, ocorre também um aumento na pressão arterial. Existem diversos fatores que influenciam a secreção da aldosterona. Os principais são: 133 Potássio:um aumento no nível plasmático deste íon estimula a zona glomerulosa a aumentar a secreção de aldosterona; Angiotensina:também exerce um importante efeito estimulante na secreção de aldosterona; Sódio:quanto menor sua concentração no líquido extracelular, maior é a secreção de aldosterona; ACTH:estimula principalmente a secreção de cortisol, mas exerce também um pequeno efeito estimulador de aldosterona. O cortisol exerce importantes efeitos no metabolismo dos carboidratos, proteínas e gorduras. Além disso, estabiliza membrana de lisossomos, reduz a utilização da glicose pelas células, reduz a glicogênese e aumenta a glicogenólise. Como consequência aumenta a glicemia. O cortisol faz com que as células, de um modo geral, reduzam a síntese de proteínas e aumentem a lise das mesmas. Isso promove uma redução das proteínas e um aumento na quantidade de aminoácidos circulantes. No fígado, ocorre o contrário: aumento na síntese e redução na lise proteica. Como consequência, aumento na quantidade de proteínas plasmáticas. O cortisol aumenta a mobilização de ácidos graxos dos tecidos adiposos e a utilização das gorduras pelas células para produção de energia e estabiliza a membrana dos lisossomas, dificultando seu rompimento durante uma lesão tecidual. Os hormônios androgênicos são bastante semelhantes ao hormônio masculino testosterona e são secretados, felizmente, em quantidades bastante baixas. Quando ocorre uma hipersecreção anormal desses hormônios em crianças ou em mulheres, efeitos masculinizantes como puberdade precoce, pilificação, calvície em pessoas hereditariamente predispostas, voz mais grave, aumento nas dimensões do pênis ou clitóris, além de outras alterações podem ser observadas. 11.4 HORMÔNIOS DO PÂNCREAS O pâncreas é uma glândula mista ou anfícrina – apresenta determinadas regiões endócrinas e determinadas regiões exócrinas (da porção secretora partem dutos que lançam as 134 secreções para o interior da cavidade intestinal) ao mesmo tempo. As chamadas ilhotas de Langerhans é a porção endócrina, onde estão as células que secretam os dois hormônios: insulina e glucagon, que atuam no metabolismo da glicose. FIGURA 77 – METABOLISMO DO PÂNCREAS A insulina é o hormônio responsável pela redução da glicemia (taxa de glicose no sangue), ao promover o ingresso de glicose nas células. Ela também é essencial no consumo de carboidratos, na síntese de proteínas e no armazenamento de lipídios (gorduras). É produzida nas ilhotas de Langerhans, células do pâncreasendócrino. Ela age em uma grande parte das células do organismo, como as células presentes em músculos e no tecido adiposo, apesar de não agir em células particulares como as células nervosas. http://pt.wikipedia.org/wiki/Horm%C3%B4nio http://pt.wikipedia.org/wiki/Glicemia http://pt.wikipedia.org/wiki/Glicose http://pt.wikipedia.org/wiki/Sangue http://pt.wikipedia.org/wiki/Carboidrato http://pt.wikipedia.org/wiki/Prote%C3%ADna http://pt.wikipedia.org/wiki/Lip%C3%ADdios http://pt.wikipedia.org/wiki/Ilhotas_de_Langerhans http://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%A2ncreas http://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%A2ncreas http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A9lulas http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%BAsculo http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A9lula_adiposa http://pt.wikipedia.org/wiki/Neur%C3%B4nio 135 Quando a produção de insulina é deficiente, a glicose acumula-se no sangue e na urina, matando as células de fome: é a diabetes mellitus. Para pacientes nessa condição, a insulina é provida por meio de injeções, ou bombas de insulina. Recentemente foi aprovado o uso de insulina inalada. Ancia de saúde britânica não recomenda seu uso. A insulina é um polipeptídeo de estrutura química plenamente conhecida, e pode ser sintetizada a partir de diversos animais. Mais recentemente, surgiram os medicamentos análogos de insulina, que não são propriamente a insulina em si, mas moléculas de insulina modificadas em laboratório A insulina é sintetizada nos humanos e em outros mamíferos dentro das células-beta das ilhotas de Langerhans, no pâncreas. Um a três milhões de ilhotas de Langerhans formam a parte endócrina do pâncreas, que é principalmente uma glândula exócrina. A parte endócrina totaliza apenas 2% da massa total do órgão. Dentro das ilhotas de Langerhans, as células-beta constituem 60-80% do todo.As ações da insulina no metabolismo humano como um todo incluem: controle da quantidade de certas substâncias que entra nas células, principalmente glicose nos tecidos muscular e adiposo (que são aproximadamente 2/3 das células do organismo); aumento da replicação de DNA e de síntese de proteínas via controle de fornecimento de aminoácidos; e modificação da atividade de inúmeras enzimas (controle alostérico). O Glucagon é um hormôniopolipeptídeo produzido nas células alfa das ilhotas de Langerhans do pâncreas e também em células espalhadas pelo trato gastrointestinal. São conhecidas inúmeras formas de glucagon, sendo que a forma biologicamente ativa tem 29 aminoácidos. A palavra glucagon deriva de gluco, glucose (glicose) e agon, agonista, ou agonista para a glicose. Sua ação mais conhecida é aumentar a glicemia, contrapondo-se aos efeitos da insulina. O glucagon age na conversão do ATP (trifosfato de adenosina) a AMP-cíclico, composto importante na iniciação da glicogenólise, com imediata produção e liberação de glicose pelo fígado. Em condições normais, a ingestão de glicose suprime a secreção de glucagon. Há aumento dos níveis séricos de glucagon durante o jejum. A secreção de glucagon é estimulada por aminoácidos e alguns peptídeos gastrointestinais; sua secreção é inibida pela somatostatina e por ácidos graxos livres. http://pt.wikipedia.org/wiki/Sangue http://pt.wikipedia.org/wiki/Urina http://pt.wikipedia.org/wiki/Diabetes_mellitus http://pt.wikipedia.org/wiki/Polipept%C3%ADdeo http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=An%C3%A1logos_de_insulina&action=edit http://pt.wikipedia.org/wiki/Mam%C3%ADferos http://pt.wikipedia.org/wiki/Ilhotas_de_Langerhans http://pt.wikipedia.org/wiki/Ilhotas_de_Langerhans http://pt.wikipedia.org/wiki/Sistema_end%C3%B3crino http://pt.wikipedia.org/wiki/Ex%C3%B3crina http://pt.wikipedia.org/wiki/Glicose http://pt.wikipedia.org/wiki/DNA http://pt.wikipedia.org/wiki/Prote%C3%ADnas http://pt.wikipedia.org/wiki/Amino%C3%A1cidos http://pt.wikipedia.org/wiki/Enzimas http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Controle_alost%C3%A9rico&action=edithttp://pt.wikipedia.org/wiki/Horm%C3%B4nio http://pt.wikipedia.org/wiki/Horm%C3%B4nio http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=C%C3%A9lulas_alfa&action=edit http://pt.wikipedia.org/wiki/Ilhotas_de_Langerhans http://pt.wikipedia.org/wiki/Ilhotas_de_Langerhans http://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%A2ncreas http://pt.wikipedia.org/wiki/Amino%C3%A1cido http://pt.wikipedia.org/wiki/Glicose http://pt.wikipedia.org/wiki/Glicemia http://pt.wikipedia.org/wiki/Insulina http://pt.wikipedia.org/wiki/Adenosina_tri-fosfato http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=AMP-c%C3%ADclico&action=edit http://pt.wikipedia.org/wiki/Glicogen%C3%B3lise http://pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%ADgado http://pt.wikipedia.org/wiki/Somatostatina http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=%C3%81cidos_graxos_livres&action=edit 136 11.5 HORMÔNIOS DA PARATIREOIDE São pequenas glândulas, geralmente em número de quatro, localizadas na região posterior da tireoide, as quais secretam o paratormônio, que estimula a remoção de cálcio da matriz óssea (que passa para o plasma sanguíneo), a absorção de cálcio dos alimentos pelo intestino e a reabsorção de cálcio pelos túbulos renais, aumentando a concentração de cálcio no sangue. Nesse contexto, o cálcio é importante na contração muscular, na coagulação sanguínea e na excitabilidade das células nervosas. O paratormônio é o hormônio da paratireoide que regula a taxa de cálcio, a absorção de cálcio dos alimentos pelo intestino e a reabsorção de cálcio pelos túbulos renais, aumentando a concentração de cálcio no plasma. FIGURA 78 – METABOLISMO DA TIREOIDE E PARATIREOIDE 137 12 FISIOLOGIA DA REPRODUÇÃO 12.1 HORMÔNIOS MASCULINOS Os testículos da criança permanecem inativos até que são estimulados entre 10 e 14 anos pelos hormônios gonadotróficos da glândula hipófise (pituitária). O Hipotálamo libera fatores liberadores dos hormônios gonadotróficos, que fazem a hipófise liberar FSH (hormônio folículo estimulante) e LH (hormônio luteinizante). O FSH estimula a espermatogênese pelas células dos túbulos seminíferos e o LH estimula a produção de testosterona pelas células intersticiais dos testículos, e esta é responsável pelas características sexuais secundárias, elevação do desejo sexual. A testosterona faz com que os testículos cresçam. Ela deve estar presente, também, junto com o folículo estimulante, antes que a espermatogênese se complete. Depois que um feto começa a desenvolver-se no útero materno, seus testículos começam a secretar testosterona, quando possui poucas semanas de vida apenas. Essa testosterona, então, auxilia o feto a desenvolver órgãos sexuais masculinos e características secundárias masculinas. Isto é, acelera a formação do pênis, da bolsa escrotal, da próstata, das vesículas seminais, dos ductos deferentes e dos outros órgãos sexuais masculinos. Além disso, a testosterona faz com que os testículos desçam da cavidade abdominal para a bolsa escrotal; se a produção de testosterona pelo feto é insuficiente, os testículos não conseguem descer, permanecem na cavidade abdominal. A secreção da testosterona pelos testículos fetais é estimulada por um hormônio chamado gonadotrofina coriônica, formado na placenta, durante a gravidez. Imediatamente após o nascimento da criança, a perda de conexão com a placenta remove esse feito estimulador, de modo que os testículos deixam de secretar testosterona. Em consequência, as características sexuais interrompem seu desenvolvimento desde o nascimento até a puberdade. Na puberdade, o reaparecimento da secreção de testosterona induz os órgãos sexuais masculinos a retomar o 138 crescimento. Os testículos, a bolsa escrotal e o pênis crescem aproximadamente mais dez vezes. Além dos efeitos sobre os órgãos genitais, a testosterona exerce outros efeitos gerais por todo o organismo para dar ao homem adulto suas características distintivas. Faz com que os pelos cresçam na face, ao longo da linha média do abdome, no púbis e no tórax. Origina, porém, a calvície nos homens que tenham predisposição hereditária para ela. Estimula o crescimento da laringe, de maneira que o homem, após a puberdade, fica com a voz mais grave. Estimula um aumento na deposição de proteína nos músculos, pele, ossos e em outras partes do corpo, de maneira que o adolescente do sexo masculino torna-se geralmente maior e mais musculoso do que a mulher, nessa fase. Algumas vezes, a testosterona também promove uma secreção anormal das glândulas sebáceas da pele, fazendo com que se desenvolva a acne pós- puberdade na face. Na ausência de testosterona, as características sexuais secundárias não se desenvolvem e o indivíduo mantém um aspecto sexualmente infantil. 12.2 HORMÔNIOS FEMININOS A pituitária (hipófise) anterior das meninas, como a dos meninos, não secreta praticamente nenhum hormônio gonadotrópico até a idade de 10 a 14 anos. Entretanto, por essa época, começa a secretar dois hormônios gonadotrópicos. No início, secreta principalmente o hormônio folículo-estimulante (FSH), que inicia a vida sexual na menina em crescimento. Mais tarde, secreta o harmônio luteinizante (LH), que auxilia no controle do ciclo menstrual. O Hormônio Folículo-Estimulante causa a proliferação das células foliculares ovarianas e estimula a secreção de estrógeno, levando as cavidades foliculares a desenvolverem-se e a crescer. Já o Hormônio Luteinizante aumenta ainda mais a secreção das células foliculares, estimulando a ovulação. Os dois hormônios ovarianos, o estrogênio e a progesterona, são responsáveis pelo desenvolvimento sexual da mulher e pelo ciclo menstrual. Esses hormônios, como os hormônios 139 adrenocorticais e o hormônio masculino testosterona, são ambos compostos esteroides, formados, principalmente, de um lipídio, o colesterol. Os estrogênios são, realmente, vários hormônios diferentes chamados estradiol, estriol e estrona, mas que têm funções idênticas e estruturas químicas muito semelhantes. Por esse motivo, são considerados juntos, como um único hormônio. O estrogênio induz as células de muitos locais do organismo a proliferar, isto é, a aumentar em número. Por exemplo, a musculatura lisa do útero aumenta tanto que o órgão, após a puberdade, chega a duplicar ou, mesmo, a triplicar de tamanho. O estrogênio também provoca o aumento da vagina e o desenvolvimento dos lábios que a circundam, faz o púbis cobrir-se de pelos, os quadris se alargarem e o estreito pélvico assumir a forma ovoide, em vez de afunilada como no homem; provoca o desenvolvimento das mamas e a proliferação dos seus elementos glandulares, e, finalmente, leva o tecido adiposo a concentrarem-se, na mulher, em áreas como os quadris e coxas, dando-lhes o arredondamento típico do sexo. Em resumo, todas as características que distinguem a mulher do homem são em virtude ao estrogênio e, a razão básica para o desenvolvimento dessas características é o estímulo à proliferação dos elementos celulares em certas regiões do corpo. O estrogênio também estimula o crescimento de todos os ossos logo após a puberdade, mas promove rápida calcificação óssea, fazendo com que as partes dos ossos que crescem se "extingam" dentro de poucos anos, de forma que o crescimento pare. A mulher, nessa fase, cresce mais rapidamente que o homem, mas interrompe após os primeiros anos da puberdade; já o homem tem um crescimento menos rápido, porém mais prolongado, de modo que ele assume uma estatura maior que a da mulher, e, nesse ponto, também se diferenciam os dois sexos. O estrogênio tem, igualmente, efeitos muito importantes no revestimento interno do útero, o endométrio, no ciclo menstrual. A progesterona tem pouca relação com o desenvolvimento dos caracteres sexuais femininos; está principalmente relacionada com a preparação do útero para a aceitação do embrião e à preparação das mamas para a secreçãosignificativo aumento na permeabilidade aos íons sódio na membrana celular. Isso propicia um grande fluxo de íons sódio de fora para dentro da célula através de sua membrana por um processo de difusão simples. 10 Como resultado do fenômeno citado acima, o líquido intracelular passa a apresentar uma grande quantidade de íons de carga positiva (cátions) e a membrana celular passa a apresentar agora um potencial inverso daquele encontrado nas condições de repouso da célula: Mais cargas positivas no interior da célula e mais cargas negativas no seu exterior. O potencial de membrana nesse período passa a ser, portanto, positivo (algo em torno de +45 mv). A repolarização é a segunda fase do potencial de ação e ocorre logo em seguida à despolarização. Durante este curtíssimo período, a permeabilidade na membrana celular aos íons sódio retorna ao normal e, simultaneamente, ocorre agora um significativo aumento na permeabilidade aos íons potássio. Isso provoca um grande fluxo de íons potássio de dentro para fora da célula (em consequência ao excesso de cargas positivas encontradas nesse período no interior da célula e à maior concentração de potássio dentro do que fora da célula). Enquanto isso, os íons sódio (cátions) que estavam em grande quantidade no interior da célula vão sendo transportados ativamente para o exterior da mesma, pela bomba de sódio-potássio. Tudo isso faz com que o potencial na membrana celular volte a ser negativo (mais cargas negativas no interior da célula e mais cargas positivas no exterior da mesma). O potencial de membrana, nesse período, passa a ser algo em torno de -95 mV. (ligeiramente mais negativo do que o potencial, membrana em estado de repouso da célula). O repouso é a terceira e a última fase desse processo. É o retorno às condições normais de repouso encontradas na membrana celular antes da mesma ser excitada e despolarizada. Nessa fase, a permeabilidade aos íons potássio retorna ao normal e a célula rapidamente retorna às suas condições normais. O potencial de membrana celular retorna ao seu valor de repouso (cerca de -90 mV.). Todo o processo descrito acima dura, aproximadamente, dois a três milésimos de segundo na grande maioria das células excitáveis encontradas em nosso corpo. Mas algumas células excitáveis apresentam um potencial bem mais longo do que o descrito acima. As células musculares cardíacas, por exemplo, apresentam potenciais de ação que chegam a durar 0,15 a 0,3 segundos (e não alguns milésimos de segundo, como nas outras células). Tais potenciais, mais longos, apresentam um período durante o qual a membrana celular permanece despolarizada por um grande período. Esses potenciais são denominados Potenciais em Platô. 11 FIGURA 3 – O GRÁFICO MOSTRA O COMPORTAMENTO DO POTENCIAL DE AÇÃO NA CÉLULA Na letra A, da figura, mostra uma visão esquemática do potencial de ação idealizado. Ilustra as suas várias fases à medida que ele percorre um único ponto da membrana plasmática. Na letra B do esquema, mostramos registros reais de potenciais de ação que são comumente distorcidos em comparação às visões esquemáticas por variações nas técnicas eletrofisiológicas de registro. A velocidade de propagação do potencial de ação pode ser variada ao se variar o tempo de duração de alguma das duas fases da propagação. Contudo, a fase ativa costuma ser constante nas células, durando em torno de 4 ms. Desse modo, a célula varia a duração da fase passiva, havendo dois modos básicos: 12 Aumento ou diminuição do calibre do axônio ou célula; Maior ou menor isolamento da membrana (ao variar a espessura da mielina, se houver). O aumento do calibre do axônio ou célula provoca um aumento da velocidade de propagação do potencial de ação, pois há diminuição da resistência longitudinal, provocada por uma maior área de secção transversal. Em alguns axônios do polvo Atlântico, a velocidade de propagação do potencial de ação alcança velocidades superiores a 100 m/s, em consequência do calibre elevado e da mielina espessa. Outro fator fundamental para desencadear um potencial de ação é o tipo de bainha de mielina. A bainha de mielina é uma membrana lipídica modificada e espessada. Ela pode ser sintetizada por duas células: oligodendrócitos, no sistema nervoso central, e células de Schwann, no sistema nervoso periférico. A espessura da bainha de mielina é de acordo com o número de voltas que a membrana das células de Schwann ou dos oligodendrócitosdão em torno do axônio. Em axônios de calibre pequeno não há mielina envolvendo, já em axônios de calibre grande, a mielina é mais espessada do que os outros menores que a possuem. A bainha de mielina fornece um aumento do isolamento celular (aumento da resistência de membrana) em virtude de não haver canais de vazamento de membrana em que há mielina. Desse modo, a fase passiva perde menos íons, o que aumenta a chance do potencial de ação ter sucesso. Além de não haver canais de vazamento de membrana, não há também praticamente nenhum tipo de canal de membrana quando há bainha de mielina (ex.: bombas de sódio e potássio), o que provoca para a célula uma menor necessidade de síntese proteica, ou seja, menos gasto energético. A bainha de mielina permite uma maior velocidade da fase passiva da propagação do potencial de ação (diminui a capacitância de membrana e aumenta a resistência de membrana). Além disso, diminui o número de fases ativas da propagação do potencial de ação, tornando a propagação mais veloz ainda. As fases ativas da propagação ocorrem em máculas da bainha de mielina, os nódulos da Ranvier. Neles, diferentemente da zona cercada por bainha de mielina, há abundância de canais de íon sódio voltagem-dependentes (densidade até quatro ordens de magnitude a mais que nas membranas amielínicas), o que permite a ocorrência do potencial de ação, que corresponde à fase ativa da propagação do potencial de ação. A distância entre os nódulos de Ranvier deve ser muito bem calculada pelas células, de modo que o potencial passivo chegue com íons suficientes para provocar o potencial de ação. 13 A consequência da bainha de mielina queimar etapas na propagação, ao diminuir o número de potenciais ativos, está nos movimentos saltatórios, que possuem esse nome em razão de haver a impressão de que os potenciais de ação saltam de nódulo em nódulo. FIGURA 4 – ESTRUTURA E CONDUÇÃO NA BAINHA DE MIELINA De acordo com a figura acima, os cátions à esquerda, dentro da célula, são conseguidos a partir de um potencial de ação. Passivamente, eles se difundem para outro nódulo de Ranvier, onde gerarão um novo potencial de ação. 2.2 CONTRAÇÃO DO MUSCULOESTRIADO E CONTRAÇÃO DO MUSCULOLISO Para que um músculo esquelético ou visceral ponha-se em ação, isto é, contraia-se, deve ser excitado. Experimentalmente o músculo responde a diversos tipos de excitação: Excitações mecânicas, como são as determinadas por uma pancada, uma picada, um esmagamento etc.; Excitações térmicas, como o aumento de temperatura; Excitações elétricas: esse tipo de excitação é o ideal porque o experimentador pode fazer variar a intensidade e o grau de excitabilidade do próprio músculo. No ser vivo, a excitação chega ao músculo por meio dos nervos motores. O músculo 14 excitado responde ao estímulo contraindo-se. A contratibilidade é a característica essencial do músculo. O músculo excitado deforma-se, encolhe-se, aumenta de espessura, mas o seu volume total não muda. Diversas são as contrações nos músculos estriados e nos músculos lisos. Os primeiros se contraem mais rapidamente do que os segundos. Uma vez contraído, o músculo se afrouxa, voltando à sua forma primitiva. O músculo é, portanto, dotado de elasticidade. Isso se pode constatar distendendo um músculo pelas suas extremidades: observa-seláctea. Em geral, a progesterona aumenta o grau da atividade secretória das glândulas mamárias e, também, das células que revestem a parede uterina, acentuando o espessamento do endométrio e fazendo com que ele seja intensamente invadido por vasos sanguíneos; determina, ainda, o surgimento de numerosas 140 glândulas produtoras de glicogênio. Finalmente, a progesterona inibe as contrações do útero e impede a expulsão do embrião que se está implantando ou do feto em desenvolvimento. O ciclo menstrual na mulher é causado pela secreção alternada dos hormônios folículo-estimulante e luteinizante, pela pituitária (hipófise) anterior (adenohipófise), e dos estrogênios e progesterona, pelos ovários. O ciclo de fenômenos que induzem essa alternância tem a seguinte explicação: 1. No começo do ciclo menstrual, isto é, quando a menstruação se inicia, a pituitária anterior secreta maiores quantidades de hormônio folículo-estimulante juntamente com pequenas quantidades de hormônio luteinizante. Juntos, esses hormônios promovem o crescimento de diversos folículos nos ovários e acarretam uma secreção considerável de estrogênio (estrógeno); 2. Acredita-se que o estrogênio tenha, então, dois efeitos sequenciais sobre a secreção da pituitária anterior. Primeiro, inibiria a secreção dos hormônios folículo-estimulante e luteinizante, fazendo com que suas taxas declinassem a um mínimo por volta do décimo dia do ciclo. Depois, subitamente a pituitária anterior começaria a secretar quantidades muito elevadas de ambos os hormônios, mas principalmente do hormônio luteinizante. É essa fase de aumento súbito da secreção que provoca o rápido desenvolvimento final de um dos folículos ovarianos e a sua ruptura dentro de cerca de dois dias; 3. O processo de ovulação, que ocorre por volta do décimo quarto dia de um ciclo normal de 28 dias, conduz ao desenvolvimento do corpo lúteo ou corpo amarelo, que secreta quantidade elevada de progesterona e quantidades consideráveis de estrogênio; 4. O estrogênio e a progesterona secretados pelo corpo lúteo inibem novamente a pituitária anterior, diminuindo a taxa de secreção dos hormônios folículo-estimulante e luteinizante. Sem esses hormônios para estimulá-lo, o corpo lúteo involui, de modo que a secreção de estrogênio e progesterona cai para níveis muito baixos. É nesse momento que a menstruação se inicia, provocada por esse súbito declínio na secreção de ambos os hormônios; 5. Nessa ocasião, a pituitária anterior, que estava inibida pelo estrogênio e pela progesterona, começa a secretar outra vez grandes quantidades de hormônio folículo- estimulante, iniciando um novo ciclo. Esse processo continua durante toda a vida reprodutiva da mulher. 141 13 FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO 13.1 SISTEMA ANAERÓBIO ALÁTICO O sistema anaeróbioalático, também conhecido como sistema fosfagênio ou sistema ATP-CP, representa uma fonte imediata de energia para o músculo ativo. Atividades que exigem altos índices de energia durante breve período de tempo dependem basicamente da geração de ATP a partir das reações enzimáticas do sistema. O ATP necessário à contração do músculo está disponível tão rapidamente, porque esse processo de geração de energia requer poucas reações químicas, não requer oxigênio e o ATP e o PC estão armazenados e disponíveis no músculo. Esse é o processo menos complicado de gerar ATP. A fosfocreatina (PC) tem uma cadeia de fosfato de alta energia, como a do ATP, que também é chamada fosfagênio (daí o nome "sistema fosfagênio"). A PC decompõe-se na presença da enzima creatina fosfoquinase e a energia liberada é utilizada para formar o ATP, a partir do ADP. PC ------------------ C + P + Energia P + Energia + ADP------------ ATP Essa reação enzimática "ligada bioquimicamente" continuará até que se esgotem os depósitos de fosfocreatina do músculo. O sistema ATP-CP fornece energia para as contrações durante os primeiros segundos do exercício. 142 13.2 SISTEMA ANAERÓBIO LÁTICO Esse sistema metabólico gera o ATP para necessidades energéticas intermediárias; ou seja, as que duram de 45 -90 segundos, tendo como exemplo atividades tipo: corridas de 400- 800 m, provas de natação de 100-200 m, também proporcionando energia para piques de alta intensidade no futebol, róquei no gelo, basquetebol, voleibol, tênis, badmington e outros esportes. O denominador comum dessas atividades é a sustentação de esforço de alta intensidade e não ultrapassam os dois minutos. A glicólise anaeróbica, assim como o sistema ATP-CP, não requer oxigênio e envolve a quebra incompleta do carboidrato em ácido lático. O corpo transforma os carboidratos em açúcares simples, a "glicose", usada imediatamente ou depositada no fígado e no músculo, como glicogênio. A glicose anaeróbia refere-se à quebra do glicogênio na ausência do oxigênio. Esse processo é mais complicado quimicamente do que o sistema ATP-CP e requer uma série mais longa de reações químicas. O sistema ácido lático talvez seja bem mais lento do que o sistema fosfagênio, porém produz quantidades mais altas de ATP (3 contra 1 do sistema fosfagênio), com a formação do ácido lático, produto desse sistema, a produção pode nem chegar a 3. Quando o ácido lático chega ao músculo e ao sangue, provoca a fadiga ou, até, uma falência muscular. O sistema de ácido lático, ou glicose anaeróbia, não requer oxigênio; gera como subproduto o ácido lático, que causa fadiga muscular; usa somente carboidratos e libera aproximadamente duas vezes mais ATP do que o sistema fosfagênico. O sistema ácido lático também proporciona uma fonte rápida de energia, a glicose. Ele é a primeira fonte para sustentar exercícios de alta intensidade. O principal fator limitante na capacidade do sistema não é a depleção de energia, mas o acúmulo de lactato no sangue. A maior capacidade de resistência ao ácido lático de um indivíduo é determinada pela habilidade de tolerar esse ácido. A principal fonte de energia desse sistema é o carboidrato. 143 13.3 SISTEMA AERÓBIO Esse sistema fornece uma quantidade substancial de ATP, utiliza o oxigênio para gerar o ATP e é ativado para produzir energia, durante períodos mais longos do exercício. Fornece energia para exercícios de intensidade baixa para moderada. Atividades como dormir, descansar, sentar, andar e outros. Quando a atividade vai tornando-se o um pouco mais intensa, a produção de ATP fica por parte do sistema ácido lático e ATP-CP. Atividades mais intensas como caminhada, ciclismo, fazer compras e trabalho em escritório também são supridas em parte pelo sistema aeróbico, até que a intensidade atinja o nível moderado-alto (acima de 75%- 85% da Frequência Cardíaca Máxima), depois é recrutado para suprir energia suplementar. Os melhores exemplos de exercícios que recrutam o sistema aeróbio são: aulas de aeróbica e hidroginástica de 40-60 min., corridas mais longas do que 5.000 m., natação (mais que 1.500 m.), ciclismo (mais que 10 km.), caminhada e triathlon. Qualquer atividade sustentada continuamente em um mínimo de 5 min pode ser considerada aeróbia. O ATP liberado da quebra da glicose e/ou dos ácidos graxos, em presença de O², custa centenas de reações químicas complexas, que envolvem centenas de enzimas. A quebra ocorre num compartimento especializado da célula muscular, a mitocôndria. As mitocôndrias são consideradas as "usinas energéticas" da célula e são capazes de fornecer grandes quantidades de ATP para alimentar as contrações musculares. O sistema aeróbio possui três fases. A quebra do glicogênio na presença do O², ou glicólise anaeróbia, discutida acima, e a glicólise aeróbia é que o O² evita o acúmulo de ácido lático. O glicogênio e os ácidos graxos são duas principais fontes de combustível utilizadas no sistema metabólico aeróbio. Ocasionalmente a proteína pode ser tambémusada como fonte de combustível metabólico, mas ocorre quando o corpo está fisiologicamente desgastado por excessos, por dietas ou por níveis extremamente baixos de gordura e glicogênio. Em suma, o O² ou sistema metabólico aeróbio requer grande quantidade de O² para converter o glicogênio em 39 moléculas de ATP e os ácidos graxos, em 130 moléculas de ATP. O ácido graxo ou glicogênio são quebrados e preparados para o ciclo de Krebs e o transporte de elétrons e, como resultados do processo têm CO², H²O e energia. O CO² evapora, a água é 144 eliminada por meio da evaporação e da radiação; e a energia é usada na segunda parte da reação ligada, para sintetizar o ATP. 145 REFERÊNCIAS ANTHONY, C.P.; Thibodeau, G.A.Textbook of Anatomy and Physiology.C.V. MosbyCo. St. Louis,1979. ASSUMPÇÃO, C. R.Súmula de Anátomo-Fisiologia. Coração, sangue e pulmões. Introdução à Circulação Extracorpórea. Módulo Teórico n. 1. SBCEC: Rio de Janeiro, 1985. BERGER, E. C. Whatissequestration? J. Can. Society of Extracorporeal Technology.3, 20- 25, 1974. BERGER, E.C. The physiology of Adequate Perfusion.The C.V. Mosby Co., St. Louis, 1979. BEST, C. H.Best and Taylor’s Phyisiological Basis of Medical Practice.Williams & Wilkins, Baltimore, 1979. DE WALL, R.A. et al.Hemodilution perfusions for open-heart surgery.N. Engl. J. Med. 266, 1078-1084, 1962. DE WALL, R. 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Grant’s Atlas of Anatomy.5th. edition.que o músculo retorna ao seu primitivo comprimento uma vez cessado a tração, com a condição de que esta não tenha sido muito forte ou muito violenta. A elasticidade do músculo é indispensável. O músculo deve, na verdade, voltar à sua forma primitiva para poder contrair-se de novo. Além disso, nos músculos considerados antagônicos, isto é, que desempenham funções opostas, têm lugar, contemporaneamente, dois fenômenos contrários: quando um deles se contrai, o outro se afrouxa. Assim, quando dobramos o antebraço sobre o braço, temos a contração do bíceps e, ao mesmo tempo, o afrouxamento do tríceps, o músculo antagônico. Contraindo-se, os músculos esqueléticos agem sobre os ossos, que constituem verdadeiras "alavancas". Quando levantamos um peso com a mão, dobrando o cotovelo, o antebraço constitui a alavanca, a articulação do cotovelo é o ponto de apoio, a força desenvolvida pelos bíceps constitui a força motora e o peso a resistência. Os músculos realizam sempre um "trabalho". Em física, define-se o "trabalho" como o produto de uma força pelo deslocamento do ponto de aplicação dessa força. Mas os músculos realizam um trabalho mesmo sem deslocamento das alavancas ósseas. Para manter na respectiva posição a cabeça, o tronco e os membros, é necessária uma harmônica contração de diversos grupos musculares. A manutenção da posição ereta é, sobesse ponto de vista, qualquer coisa de maravilhoso, porque a base da figura constituída pelo corpo humano é muito pequena e o centro de gravidade está situado muito no alto. O corpo tende a cair ora para diante e ora para trás, tanto para a direita quanto para a esquerda; apesar da nossa aparente imobilidade, somos constrangidos para evitar a queda, a contrair, de momento a momento e no tempo oportuno, diversos grupos musculares. Que tudo impõe trabalho muscular fica demonstrado pelo fato que basta perder, mesmo por um único instante, a consciência, para cair no chão. O trabalho necessário para manter o equilíbrio chama-se "trabalho estático" e é comparado ao trabalho fornecido pelo músculo para manter um peso a uma determinada altura. Para entendermos as características particulares da contração cardíaca, é relevante recordarmos os mecanismos responsáveis pela capacidade contrátil do músculo estriado. No 15 sarcômero, unidade contrátil do músculo,encontram-se filamentos grossos e finos intercalados e dispostos como mostrado a seguir: FIGURA 5 – FILAMENTOS FINOS E FILAMENTOS GROSSOS O filamento grosso é composto por aproximadamente duzentas moléculas de miosina. Esta é uma proteína formada por duas cadeias polipeptídicas pesadas e quatro leves; as cadeias pesadas possuem uma estrutura globular em suas extremidades denominada cabeça da miosina, e as duas cadeias pesadas formam uma dupla hélice, deixando as cabeças livres na extremidade. As quatro cadeias leves localizam-se na cabeça da miosina, duas em cada cabeça. Os corpos das moléculas de miosina formam a cauda do filamento grosso e dela saem proeminências da porção helicoidal da molécula, mantendo a cabeça longe do corpo: é o braço da molécula. O conjunto formado chama-se ponte cruzada. FIGURA 6 – PONTE CRUZADA 16 O filamento fino é composto por três proteínas: a actina, a troponina e a tropomiosina. A actina é a molécula central, que polimeralizada forma uma dupla hélice, contendo os sítios de ligação com a miosina. A tropomiosina é uma molécula presa à actina de forma espiralada sobre a dupla hélice. A tropomiosina impede a ligação actina/miosina, bloqueando o sítio de ligação. A troponina fica presa à molécula de tropomiosina e possui três subunidades: uma com afinidade à actina, outra a tropomiosina, e uma última ao Ca2+; a troponina regula o bloqueio do sítio de ligação feito pela tropomiosina. FIGURA 7 – ESTRUTURA DA ACTINA, TROPONINA E TROPOMIOSINA Os filamentos de actina e miosina têm uma grande afinidade e ligam-se facilmente sem a presença do complexo troponina/tropomiosina. Nota-se que esse complexo impede a ligação na ausência de Ca2+.O mecanismo de liberação do sítio de ligação actina/miosina começa com a chegada do potencial de ação à membrana do músculo, promovendo a entrada maciça de íons Ca2+. Esses íons ligam-se à troponina C, causando uma mudança conformacional da mesma que se reflete na molécula de tropomiosina, que libera, então, os sítios da actina que estavam bloqueados. A interação actina/miosina dá-se imediatamente desde que haja ATP e magnésio (ambos os presentes em condições normais). A contração ocorre à medida que os filamentos finos deslizam sobre os grossos, encurtando o sarcômero: A cabeça da miosina possui um sítio em que se liga uma molécula de ATP a ser hidrolisada em ADP e Pi, que permanecem fixos à cabeça, ocupando o sítio. Esse estado permite que a cabeça estenda-se em direção ao filamento fino; Assim que o Ca2+ se liga à troponina C e o complexo troponina-tropomiosina libera o sítio de ligação actina/miosina, a ligação entre os filamentos ocorre; 17 Segue-se então o chamado movimento de tensão, que ocorre como decorrência da energia acumulada na mudança conformacional da cabeça da miosina em direção ao filamento de actina e da nova alteração conformacional da cabeça que se curva em direção do braço da miosina; Esse movimento provoca o deslizamento do filamento fino sobre o filamento grosso e permite a liberação do ADP e do Pi armazenados na cabeça da miosina; O sítio é, então, ocupado por uma nova molécula de ATP e a cabeça solta-se do filamento de actina; lembremo-nos que a cabeça só se ligou à actina em razão à hidrólise do ATP e à mudança conformacional. Com a entrada de um ATP, a molécula retorna à sua conformação original e promove a quebra do ATP em ADP e Pi para recomeçar o ciclo. No músculo estriado/esquelético, a força da contração é determinada não só pela quantidade de Ca2+ disponível, como também pela quantidade de fibras motoras ativadas. Cada fibra muscular é inervada por um neurônio, porém um mesmo neurônio inerva mais do que uma fibra. Esse conjunto (neurônio + fibras por ele inervadas) é denominado unidade motora. A relação fibras/neurônio varia em cada tipo de músculo. Em músculos cujos movimentos devem ser precisos, a relação chega a ser de duas a três fibras por neurônio. Já em músculos cuja precisão não é tão necessária, a relação é de centenas de fibras inervada por cada neurônio. A força da contração cardíaca não se deve à quantidade de fibras ativadas. Primeiramente porque o coração não recebe inervação motora do sistema nervoso central, pois possui um sistema especializado de excitabilidade e condutibilidade: a fibra cardíaca é formada por muitas células individuais separadas entre si por discos intercalares que possuem uma resistência elétrica muito baixa em relação à membrana sarcoplasmática normal. A baixa resistência elétrica permite que o músculo cardíaco comporte-se como um sincício em que as células são interligadas, o que implica na chamada lei do tudo ou nada. Essa lei determina que uma vez que tenha chegado à membrana de uma miocélula um potencial de ação que se propaga por todas as demais, e logo todas irão se contrair quase que ao mesmo tempo e com mesma intensidade. O coração contrai de uma só vez ou simplesmente não contrai. http://www.virtual.epm.br/material/tis/curr-bio/trab2000/cardiovasc/excitab.htm 18 3 FISIOLOGIA DO CORAÇÃO O coração é um órgão oco e musculoso, especializado em bombear sangue para os pulmões, órgãos e tecidos. Localiza-se anatomicamente um pouco à esquerda do centro do tórax no sentido ântero-posterior, sendo que o ápice do coração é acentuadamente deslocado para a esquerda. A bomba cardíaca é, na realidade, formada por duas bombas distintas: o coração direito e esquerdo. Ou seja, constituiuma bomba muscular dupla e autorreguladora. Cada uma dessas partes, as quais impelem sangue para os pulmões e para os tecidos, é formada por um átrio e um ventrículo. O átrio, segundo Guytonet al. (1997), funciona como uma bomba de escorva para o ventrículo. Esse, por sua vez, é o grande responsável por impulsionar o sangue para a circulação pulmonar e sistêmica. O átrio direito recebe sangue venoso (carregado de dióxido de carbono CO2), pelas veias cavas superiores e inferior. Deve-se observar que a denominação “veia” corresponde a todo vaso cujo sangue chega ao coração, proveniente da circulação sistêmica. Normalmente, 75% do sangue que chega ao átrio direito fluem diretamente para o ventrículo direito, mesmo antes que o átrio se contraia. Portanto, apenas um quarto do sangue é bombeado para o ventrículo pela contração atrial, sendo, por isso, os átrios considerados como bomba de escorva. O ventrículo direito, então, bombeia o sangue venoso por meio da artéria pulmonar. Deve-se observar que a denominação é “artéria”, ainda que contenha sangue venoso. FIGURA 8 – VISTA ANTERIOR DO CORAÇÃO 19 FIGURA 9 – Vista lateral do coração. 3.1 CARACTERÍSTICAS DO MÚSCULOCARDÍACO O músculo cardíaco é encontrado nas paredes do tubo cardíaco embrionário e no coração do adulto e é derivado de uma massa restrita do mesênquima esplâncnico. As fibras são longas, ramificadas e apresentam um ou dois núcleos localizados centralmente na célula. O sarcoplasma próximo aos polos nucleares contém muitas mitocôndrias que se localizam em cadeias entre os miofilamentos e os grânulos de glicogênio. A disposição dos miofilamentos forma estriações semelhantes as do músculo esquelético. O retículo sarcoplasmático no músculo cardíaco é menos organizado que o do músculo esquelético. Os túbulos T cardíacos ocorrem ao nível da linha Z. Na maioria das células, os túbulos T associam-se com uma cisterna única e expandida do retículo sarcoplasmático, formando díades ao invés de tríades. As células musculares cardíacas formam áreas juncionais altamente especializadas nas extremidades celulares, conhecidas como discos intercalares. Eles favorecem o acoplamento elétrico entre fibras musculares cardíacas adjacentes e transmitem o estímulo para a contração de célula a célula. Há dois tipos de fibras musculares cardíacas. As fibras musculares cardíacas atriais são pequenas e possuem menos túbulos T que as fibras ventriculares. Elas contêm pequenos grânulos com um precursor do fator natriurético atrial, um hormônio secretado em resposta ao 20 aumento do volume sanguíneo e que atua sobre os rins, causando perda de sódio e água. As fibras musculares cardíacas ventriculares são maiores, contém mais túbulos T e não apresentam grânulos. As fibras musculares cardíacas contraem-se espontaneamente com um ritmo intrínseco. O coração recebe inervação autônoma por meio de axônios que terminam próximos às fibras, mas nunca formam sinapses com as células musculares cardíacas. Os estímulos autônomos não podem iniciar a contração, mas podem acelerar ou retardar os batimentos intrínsecos. O estímulo que inicia a contração é gerado por um conjunto de células musculares cardíacas especializadas localizadas no nódulo sinoatrial e conduzido por outras células especializadas denominadas células de Purkinje para outras células musculares cardíacas. O estímulo é passado entre células adjacentes por meio de junções gap que estabelecem uma continuidade iônica entre fibras musculares cardíacas e que permite que elas trabalhem juntas como se fosse um sincício funcional. 3.2 O RITMO CARDÍACO Há mais de 200 anos, Guyton et al.(1997) demonstraram que fenômenos elétricos estavam intimamente ligados às contrações rítmicas e espontâneas do coração. De fato, as células cardíacas são altamente excitáveis, ou seja, são capazes de gerar rapidamente, em suas membranas, variações nos impulsos eletroquímicos, os quais podem ser utilizados para a transmissão de sinais ao longo das membranas dessas células. Em condições normais, os potenciais de ação só podem ser conduzidos do sincício atrial para o sincício ventricular por meio de um sistema especializado de condução, o feixe atrioventricular (feixe AV), que é um feixe de fibras condutoras especializadas. A bomba cardíaca é dotada de um sistema especializado em gerar e conduzir impulsos elétricos, que compreendem desde os nodos, os quais são responsáveis pela origem desses impulsos, capazes de promover a contração de forma rítmica do músculo cardíaco, até feixes e vias, os quais, por sua vez, são especializados em conduzir os impulsos para todo o coração. 21 O sistema rítmico e condutor do coração pode ser lesado em doenças cardíacas, em especial pela isquemia dos tecidos cardíacos, resultante do fluxo sanguíneo coronário insuficiente, o chamado infarto do miocárdio. A maioria das fibras cardíacas é dotada da capacidade de autoexcitação, processo que pode provocar descarga e contrações automáticas e rítmicas. Todavia, o nodo sinusal (NSA) é o responsável por controlar, normalmente, a frequência de batimento de todo o coração, por possuir uma autoexcitação em maior grau, e, portanto, gerar os impulsos elétricos que ocasionam toda a excitabilidade do coração. O nodo sinusal, segundo Guyton et al.(1997), é uma estrutura pequena, formada por músculo especializado em forma de elipse, com cerca de 3 mm de largura, 15 mm de comprimento e 1 mm de espessura. O NSA está situado na parede lateral superior do átrio direito, imediatamente abaixo ou quase ao lado do orifício da veia cava superior. FIGURA 10 – VISTA LATERAL DO VENTRÍCULO ESQUERDO As fibras do nodo sinusal possuem seu diâmetro, em média, três ou quatro vezes menores que as das fibras atriais circundantes, as quais estão conectadas diretamente às fibras sinusais. Assim sendo, qualquer impulso elétrico gerado pelo NSA propaga-se imediatamente 22 para todas as regiões dos átrios em uma velocidade de aproximadamente 1m/s. Uma via especial, a faixa miocárdica interatrial anterior, conduz o impulso do NSA diretamente para o átrio esquerdo. A onda de impulsos elétricos, responsáveis pela excitação, que se prossegue inferiormente através do átrio direito, finalmente alcança, por meio da viasinternodais, o nodo atrioventricular (NVA), considerada normalmente a única via de condução entre os átrios e os ventrículos. FIGURA 11 – VISTA LATERAL DO ATRIO ESQUERDO Já o nodo atrioventricular, segundo Berne et al.(2000), possui comprimento de aproximadamente 22 mm, 10 mm de largura e espessura de 3 mm. Esse nodo situa-se posteriormente na face direita do septo interatrial, próximo ao óstio do seio coronário. Também mostra os intervalos de tempos, em frações de segundo, desde a geração do impulso cardíaco no NSA até sua passagem pelo septo ventricular. Nota-se um retardo de tempo na passagem do impulso dos átrios para os ventrículos, permitindo que os átrios esvaziem seu conteúdo 23 sanguíneo nos ventrículos antes que comece a contração rítmica ventricular. O NVA continua como feixe de His, que dá origem a um ramo esquerdo no ápice do septo interventricular e continua como ramo direito. O ramo direito divide-se em fascículos anterior e posterior. Cada ramo divide-se progressivamente em ramos cada vez mais finos, os quais cursam pelas paredes internas das cavidades ventriculares, retornado em direção à base do coração. Os terminais dessa complexa rede, que se espalham pelas superfícies subendocárdicas de ambos os ventrículos, são chamados de fibras de Purkinje, cujas fibras disseminam-se por todas as regiões do miocárdio ventricular. FIGURA 12 – ESQUEMA DO SISTEMA DE CONDUÇÃO CARDÍACA Segundo Berne et al., 2000, as fibras de Purkinje são as células mais largas docoração, tendo diâmetro de 70 a 80 micrômetros, o que lhes permitem condução rápida dos impulsos cardíacos, chegando a uma velocidade de condução de até 4 m/s. Essa alta velocidade permite a ativação rápida de toda a superfície endocárdica dos ventrículos. A Figura mostra a representação esquemática do potencial de ação cardíaca. Nela pode-se observar a presença dos platôs, tanto no músculo atrial, quanto no músculo ventricular, o que permite que a contração muscular seja mais prolongada. Durante o platô, a permeabilidade ao potássio é reduzida em razão ao influxo excessivo do cálcio pelos canais específicos desse íon, retardando dessa maneira a volta do 24 potencial ao seu valor de repouso. Quando os canais lentos de cálcio e sódio terminam por se fechar, ocorre o aumento instantâneo e rápido da permeabilidade da membrana ao potássio. A perda rápida de potássio pela fibra faz com que o potencial de membrana retorne ao seu valor de repouso, e é, assim, finalizado o potencial de ação. FIGURA 13– ESQUEMA DE UM POTENCIAL DE AÇÃO Em termos do sistema cardiovascular, existem dois tipos principais de potenciais de ação: os potenciais de ação rápida e de ação lenta. O potencial de resposta rápida, que também se inicia com grande velocidade a partir do valor mais negativo de polarização da célula, é característico de células musculares atriais e ventriculares normais e das fibras de Purkinje. Nessas fibras, o potencial de membrana em repouso é entre –80 a –90 mV, sendo a velocidade de ascensão do potencial de ação em torno de 150 mV/s e uma velocidade de condução muito rápida. A rápida despolarização celular até o ponto de potencial limiar deve-se, basicamente, pelo aumento extremamente rápido da permeabilidade de íons sódio (Na+) para o interior celular. Essa permeabilidade é resultado da abertura abrupta das comportas iônicas na membrana, que é representada pelo movimento através dos canais rápidos de sódio. Nesse período, também ocorre a redução espontânea e rápida de íons potássio (K+). O potencial de ação lento é característico das células nodais sinusais e atrioventriculares normais, nas quais o potencial de repouso é de –40 a –70 mV, a velocidade de 25 ascensão do potencial de ação é no máximo de 10 V/s e a velocidade de condução do impulso é muito baixa. A despolarização lenta dessas células é em virtude às correntes lentas de influxo de Na+ e Ca++. A velocidade de despolarização é em torno de 5 mV/s. FIGURA 14 – SISTEMA DE CONDUÇÃO DO CORAÇÃO E OS POTENCIAIS DE AÇÃO Sabe-se que, normalmente, o impulso cardíaco origina-se no NSA. As fibras do nodo atrioventricular, quando não são estimuladas por alguma fonte externa, apresentam atividade rítmica na frequência intrínseca de 40 a 60 batimentos/minuto (bat/min) e as fibras de Purkinje apresentam ritmicidade entre 10 a 40 bat/min. Essas frequências contrastam com a frequência normal do nodo sinusal, que é de 70 a 80 bat/min. Isso se deve ao fato de que quando o NSA gera um impulso elétrico, a frequência da descarga é bem maior que a do NAV ou das fibras de Purkinje. Cada vez que o NSA entra em atividade, seu impulso é conduzido para o NAV e para as fibras de Purkinje, descarregando suas membranas excitáveis. O NSA, o NAV e as fibras de Purkinje recuperam-se do potencial de ação, ficando hiperpolarizados quase que ao mesmo tempo. Mas o NSA despolariza-se, liberando sua carga muito mais rapidamente do que qualquer das outras duas estruturas mencionadas. Dessa maneira, o nodo sinusal produz um novo 26 impulso cardíaco antes que o nodo atrioventricular ou as fibras de Purkinje possam atingir seus limiares para autoexcitação. Esse ciclo continua indefinidamente durante todo funcionamento do coração, com o nodo sinusal sempre excitando esses outros tecidos, potencialmente autoexcitáveis. FIGURA 15 – ESTRUTURAS RESPONSÁVEIS PELA HARMONIA DO RITMO CARDÍACO 27 4 ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DO ELETROCARDIOGRAMA O coração apresenta atividade elétrica por variação na quantidade relativa de íonspresentes dentro e fora das células do miocárdio. Essa variação cíclica gera diferença de concentração dos referidos íons na periferia do corpo. Eletrodos sensíveis colocados em pontos específicos do corpo registram essa diferença elétrica. Eletrocardiograma (ECG) é o registro dos fenômenos elétricos que se originam durante a atividade cardíaca, auxiliar valioso no diagnóstico de grande número de cardiopatias e outras condições patológicas (ex.:distúrbios hidroeletrolíticos), ressalvando-se que algumas anomalias cardíacas não alteram o ECG. Eletrocardiograma (ECG) é o registro dos fenômenos elétricos que se originam durante a atividade cardíaca, auxiliar valioso no diagnóstico de grande número de cardiopatias e outras condições patológicas, ressalvando-se que algumas anomalias cardíacas não alteram o ECG. Esse registro é realizado por meio de um aparelho denominado eletrocardiógrafo. O eletrocardiógrafo nada mais é do que um galvanômetro (aparelho que mede a diferença de potencial entre dois pontos) que mede pequenas intensidades de corrente que recolhe a partir de dois eletrodos (pequenas placas de metal conectadas a um fio condutor) dispostos em determinados pontos do corpo humano. O eletrocardiograma normal é composto por uma onda P, um complexo QRS e uma onda T. O complexo QRS é comumente formado por três ondas distintas, a onda Q, a onda R e a onda S. A onda P é produzida por potenciais elétricos gerados à medida que os átrios despolarizam-se, antes de contrair-se. O complexo QRS deve-se aos potenciais gerados quando os ventrículos despolarizam-se, antes de contrair-se, isto é, conforme a onda de despolarização,propaga-se por meio dos ventrículos. Assim tanto a onda P quanto os componentes do complexo QRS são ondas de despolarização. A onda T é em razão aos potenciais gerados durante a recuperação dos ventrículos do estado de despolarização. Esse processo normalmente ocorre no musculoventricular em 0,25 a 0,30 segundo após a despolarização, sendo após a despolarização, essa onda conhecida como onda de repolarização. 28 FIGURA 16 – ESQUEMA DAS ONDAS ELETROCARDIOGRÁFICAS FIGURA 17 – VARIAÇÕES DO COMPLEXO QRS 29 5 FISIOLOGIA DA CIRCULAÇÃO Os vasos sanguíneos são responsáveis pelo transporte do sangue, os quais contêm gases, nutrientes e resíduos. Na circulação sanguínea, o coração lança o sangue a pressões elevadas por meio das artérias e ele é transportado até chegar ao nível de capilares, onde ocorrem as trocas de substâncias. O leito capilar vai ser drenado por elementos venosos que fazem com que o sangue retorne ao coração. Os vasos sanguíneos são constituídos por três camadas de tecidos: túnica íntima, túnica média e túnica adventícia. Estas camadas são mais definidas nas artérias e são ausentes nos capilares, onde se distingue apenas um endotélio. A túnica íntima é constituída de células endoteliais pavimentosas simples que revestem a luz do vaso e um tecido conjuntivo subendotelial. A túnica média é composta por células musculares lisas de disposição circular e de tecido conjuntivo fibroelástico. A túnica média é mais proeminente nas artérias e pouco distinta nas veias. A túnica adventícia é a camada mais externa, sendo constituída de tecido conjuntivo e pode conter músculo liso. É a camada mais desenvolvida nas veias. FIGURA 18 – O ESQUEMA MOSTRA AS TÚNICAS DAS VEIAS E ARTÉRIAS 30 FIGURA 19 – REPRESENTAÇÃO DO LÚMEN E TÚNICAS ÍNTIMA, MÉDIA E ADVENTÍCIA 5.1 FUNÇÕES ESPECIAIS DAS ARTÉRIAS As artérias são os vasos que, partindo dos ventrículos cardíacos, levam o sangue do coração a todas as partesdo nosso corpo, dividindo-se em vasos mais finos, os capilares. A camada interna das artérias possui o nome de endotélio ou túnica interna. As paredes das artérias, ao contrário das veias, têm alguma resistência, fazendo com que, mesmo quando não contêm sangue, mantêm a forma tubular. O calibre (tamanho) das artérias pode ser maior ou menor, e a sua constituição também varia. 31 No entanto, as artérias grossas e internas possuem fibras elásticas, como a aorta, que é a artéria mais grossa de todo o corpo. As artérias finas e superficiais têm uma quantidade menor de fibras elásticas, tendo assim maior quantidade de fibras de tipo muscular. Em consequência à elasticidade das artérias e ao bombeamento propulsor efetuado pelo coração que o sangue circula continuamente. Em razão a esse fator, consegue-se determinar o número exato de pulsações por unidade de tempo. FIGURA 20 – ESTRUTURA DAS ARTÉRIAS 32 FIGURA 21 – TIPOS DE CAMADAS ARTERIAIS FIGURA 22 – IMAGEM GERADA, O MICROSCÓPIO DE UMA ARTÉRIA 33 5.2 FUNÇÕES ESPECIAIS DAS VEIAS Ao contrário das artérias, as veias são os vasos que levam o sangue de todas as partes do corpo até ao coração, chegando à aurícula direita. Em outras palavras, veia é a designação genérica dos vasos sanguíneos que conduzem ao coração o sangue distribuído pelas artérias em todas as partes do corpo. Contêm paredes delgadas que aumentam gradativamente de calibre até formar os grossos troncos que terminam no coração. As paredes das veias são menos resistentes e mais delgadas do que as das artérias, embora apresentem três camadas,visto que possuem uma quantidade menor de fibras elásticas e musculares. No entanto, quando não transportam sangue perdem, a sua forma de cilindro. Mas a superfície interna das veias possui uma série de pregas duplas que agem como verdadeiras válvulas que controlam, conforme o fecho e a abertura, para que o sangue no interior da veia siga a direção certa. FIGURA 23 – ESTRUTURA DAS VEIAS 34 As veias levam o sangue de todos os órgãos até ao coração. Os problemas principais das veias são a inflamação, a coagulação e os defeitos que conduzem à dilatação e às varizes. Os membros inferiores contêm dois grupos principais de veias: as superficiais, localizadas na camada gorda por debaixo da pele, e as profundas, localizadas nos músculos. Existem veias curtas que ligam as superficiais com as profundas. Normalmente, a pressão do sangue em todas as veias é baixa; e nos membros inferiores, essa pressão baixa pode representar um problema. Quando uma pessoa está de pé, o sangue deve circular das veias dos membros inferiores para cima até chegar ao coração. As veias profundas desempenham um papel crucial na propulsão do sangue para cima, uma vez que ao estarem localizadas dentro dos poderosos músculos da panturrilha, essas veias são profundamente comprimidas em cada passada. Essas veias transportam 90% ou mais do sangue que vai dos membros inferiores para o coração. FIGURA 24 – VÁLVULAS UNIDIRECIONAIS NAS VEIAS 35 FIGURA 25 –IMAGEM MICROSCÓPICA DAS CAMADAS DAS VEIAS 5.3 FUNÇÕES ESPECIAIS DOS CAPILARES Os capilares sanguíneos, ou vasos capilares, são órgãos do sistema circulatório com forma de tubos de pequeníssimo calibre (tamanho). Constituem a rede de distribuição e recolhimento do sangue nas células. Esses vasos estão em comunicação, por um lado, com ramificações originárias das artérias e, por outro lado, com as veias de menor dimensão. Os capilares existem em grande quantidade no nosso corpo. Podem deformar-se com muita facilidade, impedindo assim a passagem de glóbulos vermelhos. A parede dos capilares é constituída por uma única camada de células, que é a túnica interna das artérias. É nas paredes dos capilares que ocorrem as trocas dos gases. As artérias, chegando à periferia do corpo humano, isto é, nos músculos, na pele e em todos os órgãos, dividem-se em artérias sempre menores (arteríolas) até que seu calibre torna- se microscópico. Nesse nível ocorrem as trocas entre sangue e células. Esses vasos 36 microscópicos chamam-se capilares e formam-se nos órgãos e nos tecidos uma vasta rede. Os capilares confluem para pequenas veias (vênulas), que aos poucos se vão unindo umas às outras, tornam-se veias verdadeiras e trazem de volta o sangue ao coração. Do coração, partem duas grandes artérias: a artéria pulmonar e a artéria aorta. FIGURA 26 – REPRESENTAÇÃO DA ESTRUTURA CAPILAR SANGUÍNEA 37 FIGURA 27 – A FIGURA MOSTRA A ESTRUTURA DOS CAPILARES SANGUÍNEOS FIGURA 28 – ESTRUTURA CAPILAR 38 5.4O PAPEL DA REGULAÇÃO HUMORAL A regulação humoral da circulação significa a regulação por substâncias secretadas ou absorvidas para os líquidos corporais como hormônios, íons e assim por diante. Algumas dessas substâncias são formadas por glândulas especiais e, então, transportadas no sangue por todo o corpo. Outras são formadas em áreas localizadas de tecido em resposta a condições locais ou são liberadas por nervos excitados. Causam então efeitos circulatórios locais. Entre os fatores humorais mais importantes que afetam a função circulatória estão os seguintes: agentes vasoconstritores e agentes vasodilatadores. Os agentes vasoconstritores mais conhecidos são: norepinefrina, epinefrina, angiotensina, vasopressina e a endotelina. A norepinefrina é um hormônio vasoconstritor especialmente poderoso. A epinefrina é menos e, em algumas instâncias, até causa discreta vasodilatação. Quando o sistema nervoso simpático é estimulado durante o estresse ou o exercício, as terminações nervosas simpáticas liberam norepinefrina, que excita o coração, as veias e as arteríolas. Os nervos também fazem com que as medulas adrenais secretem tanto norepinefrina quanto epinefrina no sangue. Esses hormônios então circulam no sangue e causam quase os mesmos efeitos excitatórios sobre a circulação que a estimulação simpática direta, fornecendo assim um duplo sistema de controle. A angiotensina é uma das substâncias vasoconstritoras mais poderosas das que são conhecidas. Uma quantidade tão pequena como um milionésimo de grama pode aumentar a pressão arterial (PA) de uma pessoa por até 50 ou mais mmHg. O efeito da angiotensina é provocar constrição muito intensa das pequenas arteríolas. A verdadeira importância da angiotensina no sangue é que ela normalmente atua de forma simultânea sobre todas as arteríolas do corpo para aumentar a resistência periférica total, aumentando assim a pressão arterial. Por causa disso e de vários efeitos estimulatórios renais e adrenocorticais da angiotensina, esse hormônio desempenha um papel integral na regulação da PA. A vasopressina, também chamada de hormônio antidiurético, é formada no hipotálamo, mas é transportada para baixo, ao longo do centro de axônios nervosos, para a glândula hipófise posterior, onde é finalmente secretada no sangue. A vasopressina é ainda mais poderosa que a angiotensina como vasoconstritor, que talvez a torne assim a substância constritora mais potente do corpo. Normalmente apenas quantidades muito diminutas de vasopressina são secretadas. 39 Entretanto, após a hemorragia grave que cause uma grande baixa da PA, a concentração de vasopressina pode subir o suficiente para aumentar a PA até 60 mmHg. Em muitos casos, isso pode, por si só, trazer a PA quase de volta ao normal. A endotelina é um grande peptídeo com 21 aminoácidos que, com pequenas quantidades, pode causar uma vasoconstrição poderosa. Essa substância está presente nas células endoteliais de todos ou quase todos os vasos sanguíneos do corpo. O estímulo usual para a liberação é a lesão do endotélio, como a causada pelo esmagamento dos tecidosou pela injeção de uma substância química traumatizante dentro do vaso sanguíneo. Após lesão grave do vaso sanguíneo, são provavelmente a liberação de endotelina local e a vasoconstrição subsequente que impedem o sangramento profuso das artérias de até 5 mm de diâmetro, que foram abertas para lesão do esmagamento. Os agentes vasodilatadores mais importantes na regulação humoral são: bradicinina, histamina e prostaglandinas. Várias substâncias chamadas de cininas, que podem causar vasodilatação potente, são formadas no sangue e nos líquidos teciduais de alguns órgãos. Uma dessas substâncias é a bradicinina. As cininas são pequenos clivados por enzimas proteolíticas a partir de globulina alfa 2 no plasma ou nos líquidos teciduais. Uma enzima proteolítica de particular importância é a calicreína, que está presente no sangue e nos líquidos teciduais em uma forma inativa. A calicreína é ativada pela maceração do sangue, pela inflamação do tecido e outros efeitos químicos e físicos semelhantes sobre o sangue ou os tecidos. Quando a calicreína é ativada, atua imediatamente sobre a globulina alfa 2 para liberar uma cinina chamada calidina, que é então convertida pelas enzimas dos tecidos em bradicinina. Uma vez formada, a bradicinina persiste por apenas alguns minutos porque é inativada pela enzima carboxipeptidase ou pela enzima de conversão, uma enzima que também desempenha um papel essencial na ativação da angiotensina. A bradicinina causa dilatação arteriolar muito potente e também permeabilidade capilar aumentada. A injeção, por exemplo, de 1 micrograma de bradicinina na artéria braquial de uma pessoa, aumenta o fluxo sanguíneo do braço até seis vezes, e mesmo pequenas quantidades ainda menores, injetadas localmente nos tecidos, podem causar edema acentuado por causa do aumento do tamanho dos poros dos capilares. Há razões para se acreditar que as cininas desempenhem papéis especiais na regulação do fluxo sanguíneo e no vazamento capilar de líquidos nos tecidos inflamados. Acredita-se também que a bradicinina participa da regulação do fluxo sanguíneo na pele e nas glândulas salivares e gastrointestinais. A histamina é liberada essencialmente em cada tecido do corpo quando este é lesado, 40 inflamado ou sujeito a uma reação alérgica. A maior parte da histamina é derivada dos mastócitos nos tecidos acometidos e dos basófilos no sangue. A histamina tem poderoso efeito vasodilatador sobre as arteríolas e, como a bradicinina, também tem a capacidade de aumentar muito a porosidade capilar, permitindo o extravasamento tanto de líquido quanto de proteínas plasmáticas para dentro dos tecidos. Em muitas condições patológicas, a intensa dilatação arteriolar e a porosidade capilar aumentada, causadas pela histamina, motivam o vazamento de tremendas quantidades de líquidos para fora da circulação e para dentro dos tecidos, induzindo ao edema. Os efeitos vasodilatadores e produtores de edema locais da histamina são especialmente proeminentes nas reações alérgicas. Quase todos os tecidos do corpo contêm quantidades pequenas a moderada de várias substâncias químicas aparentadas chamadas de prostaglandinas. Essas substâncias têm efeitos intracelulares especialmente importantes, mas, além disso, algumas delas também são liberadas nos líquidos teciduais locais e no sangue circulante em condições fisiológicas e patológicas. Apesar de algumas prostaglandinas causarem vasoconstrição, as mais importantes parecem ser, sobretudo, das agentes vasodilatadores. 5.5 O PAPEL DOS RINS NA REGULAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL A elevação da pressão nas artérias pode ocorrer de várias maneiras. Por exemplo, o coração pode bombear com mais força, ejetando mais sangue a cada minuto. Outra possibilidade são as artérias de maior calibre perderem sua flexibilidade normal e tornarem-se rígidas, de modo que não consigam expandir para permitir a passagem do sangue bombeado pelo coração. Assim, o sangue ejetado em cada batimento cardíaco é forçado por um espaço menor que o normal, aumentando a pressão arterial. É isso o que ocorre em pessoas idosas cujas paredes arteriais tornaram-se espessadas e rígidas por causa da arteriosclerose. De modo similar, a pressão arterial eleva em casos de vasoconstrição, quando artérias muito finas (arteríolas) contraem-se temporariamente em razão à estimulação nervosa ou por hormônios presentes no sangue. Uma terceira forma de elevação da pressão arterial é por meio do aumento do aporte líquido ao sistema. Isso ocorre quando os rins funcionam mal e são incapazes de remover a quantidade adequada de sal e água do organismo. O volume de sangue no corpo aumenta e a 41 pressão arterial também. Por outro lado, se a função de bombeamento de sangue do coração diminui, se as artérias dilatarem ou se houver perda de líquido do sistema, a pressão arterial é reduzida. Os ajustes desses fatores são regidos por alterações da função renal e do sistema nervoso autônomo (parte do sistema nervoso que regula automaticamente muitas funções do organismo). O sistema nervoso simpático, o qual faz parte do sistema nervoso autônomo, aumenta temporariamente a pressão arterial durante a resposta de “luta ou fuga” (reação física diante de uma ameaça). O sistema nervoso simpático aumenta tanto a frequência quanto a força dos batimentos cardíacos. Ele também produz uma contração da maioria das arteríolas, mas expande as arteríolas de determinadas áreas, como na musculatura esquelética, onde é necessária uma maior irrigação sanguínea. Além disso, o sistema nervoso simpático diminui a excreção renal de sal e água, aumentando assim o volume sanguíneo do corpo. O sistema nervoso simpático também libera os hormônios epinefrina (adrenalina) e norepinefrina (noradrenalina), os quais estimulam o coração e os vasos sanguíneos. Os rins controlam a pressão arterial de vários modos. Se a pressão aumenta, os rins aumentam a excreção de sal e água, o que reduz o volume sanguíneo e faz a pressão retornar ao normal. Por outro lado, se a pressão cai, os rins diminuem a excreção de sal e água e, consequentemente, o volume sanguíneo aumenta e a pressão retorna ao normal. Os rins também podem elevar a pressão arterial secretando a enzima renina, a qual estimula a produção do hormônio angiotensina, o qual, por sua vez, desencadeia a liberação do hormônio aldosterona. Em razão ao importante papel dos rins no controle da pressão arterial, muitas doenças e anomalias renais podem causar o aumento da pressão arterial. Por exemplo, o estreitamento da artéria que irriga um dos rins (estenose da artéria renal) pode causar hipertensão. Da mesma forma, inflamações renais de diversos tipos e à lesão renal uni ou bilateral também podem provocar aumento da pressão arterial. Sempre que uma alteração provoca a elevação da pressão arterial, é desencadeado um mecanismo de compensação que procura compensar esse aumento e manter a pressão em níveis normais. Assim, um aumento no volume do sangue bombeado pelo coração, o qual tende a aumentar a pressão arterial, faz com que os vasos sanguíneos dilatem e que os rins aumentem a excreção de sal e água, o que tende a reduzir a pressão arterial. Entretanto, a arteriosclerose produz enrijecimento das artérias, impedindo sua dilatação, a qual auxiliaria na redução da pressão arterial aos seus níveis normais. Alterações arterioscleróticas renais podem comprometer a capacidade dos rins de excretar sal e água, o que contribui para a elevação da 42 pressão arterial. Uma queda na pressão arterial (1) provoca a liberação de renina, uma enzima renal. Por sua vez, a renina (2) ativa a angiotensina (3), um hormônio que provoca contração das paredes musculares das pequenas artérias (arteríolas), aumentando a pressão arterial. A angiotensina também desencadeia a liberação do hormônio aldosterona pelas glândulas adrenais(4), provocando a retenção de sal (sódio) e a excreção de potássio. O sódio promove a retenção de água e, dessa forma, provoca a expansão do volume sanguíneo e o aumento da pressão arterial. FIGURA 28 – ESQUEMA DO CONTROLE DA PRESSÃO ARTERIAL 43 FIGURA 29 – METABOLISMO E REGULAÇÃO DOS AGENTES VASOCONSTRITORES E VASODILATADORES ------FIM MÓDULO II ----- FONTE: arquivo do autor. FIGURA 30 – METABOLISMO DA ANGIOTENSINA E A INFLUÊNCIA NA EXCREÇÃO DE ÁGUA E SÓDIO 44 FIGURA 31 – CICLO DA REGULAÇÃO DA PA DESDE A PRÓ-RENINA ATÉ ANGIOTENSINA II 45 6 FISIOLOGIA DOS RINS 6.1LÍQUIDOS EXTRACELULAR E INTRACELULAR A troca de nutrientes e dejetos entre o sangue e os tecidos é realizada por uma extensão de capilares, equivalente a aproximadamente 700 metros quadrados. Aquelas trocas requerem a presença da água, como o meio nobre em que as células vivem e realizam as suas funções; a permanência da água nos diferentes compartimentos do organismo depende da presença de um teor adequado de diversos eletrólitos. As alterações da distribuição da água e dos eletrólitos são bastante comuns e podem levar a complicações de extrema gravidade, ou mesmo determinar a morte do indivíduo. A circulação extracorpórea pode produzir distúrbios da composição hídrica e eletrolítica do organismo, capazes de gerar numerosas complicações. O reconhecimento das principais funções desempenhadas pela água e pelos eletrólitos é fundamental para a prevenção das complicações e suas sequelas. A água corresponde à maior parte do peso dos indivíduos. Em um neonato, a água corresponde acerca de 75 a 80% do peso. Aos 12 meses de idade, o teor de água do organismo é de 65% e na adolescência alcança o valor de 60% no sexo masculino e 55% no feminino, que se mantém na vida adulta. Essa pequena diferença deve-se à maior quantidade de tecido gorduroso no organismo feminino. O tecido gorduroso tem um baixo teor de água em relação aos músculos e aos órgãos internos. A água do organismo está distribuída em dois grandes compartimentos: o intracelular e o extracelular. A água do interior das células (líquido ou compartimento intracelular) corresponde acerca de 40% do total do peso do indivíduo, enquanto a água do líquido extracelular corresponde a 20%. O compartimento extracelular corresponde à água do plasma sanguíneo (4%) e à água do líquido intersticial (16%). 46 FIGURA 32 - TEOR DE ÁGUA DOS DIVERSOS COMPARTIMENTOS DO ORGANISMO E O VOLUME TOTAL A água desloca-se ativa e continuamente entre os diferentes compartimentos do organismo, regulando a sua composição. O fator determinante da movimentação da água entre os diversos compartimentos líquidos é o gradiente osmótico; a tendência natural da água é determinar o equilíbrio osmótico. O plasma e o espaço intersticial trocam água através das membranas capilares; o interstício e o interior das células trocam água através das membranas celulares. As proteínas do plasma são um importante regulador da quantidade e da distribuição de água, em virtude da pressão oncótica exercida pelas suas macromoléculas. O volume de um compartimento líquido do organismo, por exemplo, o líquido intersticial, pode ser medido, pela introdução de substâncias que se dispersam uniformemente pelo compartimento. O grau de diluição da substância permite calcular o volume total do compartimento. Dentre as substâncias usadas com aquela finalidade, destacam-se a ureia, a antipirina, a tioureia e outras marcadas com radioisótopos, como o deutério e a albumina. A água do organismo provém de duas fontes principais. A ingestão de líquidos e a água contida nos alimentos contribuem com cerca de 2.100 ml/dia para os líquidos do organismo, enquanto a oxidação dos carboidratos libera cerca de 200 ml/dia. As necessidades de água dos indivíduos variam de acordo com as taxas metabólicas e com a eliminação hídrica. As crianças de baixo peso necessitam demais água em relação aos adultos em virtude do metabolismo mais acelerado que apresentam. De modo geral, as necessidades de água de um 47 indivíduo podem ser estimadas com base nas calorias metabolizadas, na superfície corporal ou em relação ao peso. O organismo humano necessita, diariamente, de 1.800 ml de água por cada metro quadrado de superfície corporal. As necessidades de água dos diferentes indivíduos estão relacionadas na tabela 7.2, conforme o peso corporal. Aqueles valores referem-se a indivíduos sadios, sem disfunção renal, cardiovascular ou metabólica e, portanto, sem restrições à ingestão normal de água. As alterações da água consistem, principalmente, de desidratação, quando há perda excessiva de líquidos do organismo ou, ao contrário, hiperidratação, quando há oferta excessiva de líquidos ao organismo. FIGURA 33 - INTERCÂMBIO LÍQUIDO ENTRE OS DIFERENTES COMPARTIMENTOS DO ORGANISMO Na circulação extracorpórea, principalmente em crianças, não é rara a ocorrência de hiperidratação causada pelo excesso de soluções cristaloides no perfusato. Devemos considerar que, durante um procedimento cirúrgico, a administração de água e eletrólitos é feita pelo perfusionistapor meio do perfusato; pelo anestesista, por meio das soluções venosas administradas, durante a operação; e pelo cirurgião, por intermédio da administração das soluções cardioplégicas, principalmente a cardioplegia cristaloide. Sem controle adequado, a soma dos volumes infundidos pode ultrapassar em muito as necessidades diárias dos pacientes que, além de tudo, receberão mais líquidos no pós-operatório imediato. 48 A hiperidratação pode também ocorrer em pacientes com quantidades de proteínas abaixo do normal. A pressão oncótica do plasma fica reduzida e permite o extravasamento de líquidos do plasma para o espaço intersticial, especialmente se a oferta líquida não for adequadamente dimensionada. Quando há perda excessiva ou insuficiente administração de sódio, também pode ocorrer hiperidratação. A causa é a redução da pressão osmótica do líquido extracelular em relação ao interior das células. A água passa do interstício para o líquido intracelular para refazer o equilíbrio osmótico. O paciente hiperidratado pode apresentar edema de face ou generalizado, ascite, derrame pleural, insuficiência respiratória, astenia, desorientação, delírio e convulsões ou outras manifestações neurológicas. A migração da água entre os diferentes compartimentos depende da concentração dos eletrólitos para que o equilíbrio hídrico do organismo seja mantido. Os eletrólitos, quando em uma solução aquosa, comportam-se como íons. Os íons são a menor porção de um elemento químico que conserva as suas propriedades. Os cátions são os íons que têm carga elétrica positiva, como o sódio (Na+) e o potássio (K+). Os ânions são os íons que têm carga elétrica negativa, como o cloro (Cl-) ou o bicarbonato (HCO2). O equilíbrio químico de uma solução significa a existência de igual número de cátions e ânions. Os eletrólitos são quantificados em miliequivalentes, que correspondem à milésima parte de um equivalente grama, ou simplesmente equivalente. O equivalente de uma substância é a menor porção da substância, capaz de reagir quimicamente e corresponde ao peso atômico ou ao peso moleculardividido pela valência. Em geral, nos líquidos do organismo, os eletrólitos são considerados em termos de miliequivalentes por litro (mEq/l). Os líquidos orgânicos têm uma composição semelhante, sob o ponto de vista da atividade química e das pressões osmóticas. A natureza dos íons, contudo, difere entre os compartimentos intra e extracelular. O líquido extracelular inclui o líquido intersticial e o plasma sanguíneo e possui grandes quantidades de sódio e cloreto.