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PARTE GERAL DO CÓDIGO PENAL Aulas-Resumo 5 Iter Criminis (continuação) Michelle Tonon @michelle.tonon Desistência voluntária e arrependimento eficaz • Art. 15 do CP: • “O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.” • Estes dois casos são denominados de tentativa abandonada. • A diferença entre tais institutos e a tentativa reside no sentido de que, na tentativa, o resultado não acontece por circunstâncias alheias à vontade do agente. Na tentativa abandonada, o resultado não ocorre pela vontade do agente, de forma voluntária ou por meio de arrependimento, o que impede a consumação do delito. • Existe discussão doutrinária sobre a natureza jurídica, porém prevalece o entendimento de que se trata de causa exclusão da tipicidade. • Na desistência voluntária, o indivíduo não termina os atos executórios, podendo prosseguir, mas não quer. • No arrependimento eficaz, após esgotados os atos executórios, o agente se arrepende, buscando o impedimento do resultado (exemplo: socorro eficaz após a agressão que objetivava a morte). • Tanto na desistência voluntária como no arrependimento eficaz, a lei criada a chamada ponte de ouro (von Liszt). Se o indivíduo estiver no caminho do ilícito, poderá tomar o caminho de ouro, da licitude. • A desistência voluntária e o arrependimento eficaz não precisam ser espontâneos, devendo apenas ser voluntários. Isto é, não precisa que a ideia parta do agente. • A voluntariedade não depende de um impulso moral positivo. Pode inclusive se pautar em motivo egoísta. • Exemplo: vítima que suplica pela vida. • Aplicação da Fórmula de Frank: • Na desistência voluntária, o indivíduo não termina os atos executórios, podendo prosseguir, mas não quer. “Posso prosseguir, mas não quero.” • Se quer prosseguir, mas não pode, tem-se a tentativa. “Quero prosseguir, mas não posso.” • Tanto na desistência voluntária quanto no arrependimento eficaz, o sujeito só responderá pelos atos até então praticados. •A desistência voluntária e o arrependimento eficaz são incompatíveis com o crime culposo, eis que o resultado é involuntário. Na desistência voluntária e o arrependimento eficaz, no começo, o indivíduo quer chegar ao resultado, mas após o indivíduo abandona, enquanto no crime culposo o indivíduo nunca quis o resultado. Arrependimento posterior • Art. 16 do CP • Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços. • Pressupõe um crime consumado. • Não há alteração da tipicidade. • Trata-se de causa geral e obrigatória de diminuição de pena (terceira fase da dosimetria) ou minorante. • Política criminal. Incentivo ao arrependimento, à reparação do dano em prol da vítima. • Oferecimento da denúncia x recebimento da denúncia • Circunstância de caráter objetivo, que se comunica aos corréus (art. 30 do CP). • Reparação do dano após o recebimento da denúncia: possibilidade de aplicação da atenuante prevista no art. 65, III, b, segunda parte: “procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano;” • É cabível no furto, ainda que qualificado. • É cabível no dano, desde que não seja qualificado pelo emprego de violência ou grave ameaça à pessoa. • Segundo o STJ, não se aplica ao homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302 do CTB), pois o delito de homicídio não tem caráter patrimonial. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ARREPENDIMENTO POSTERIOR. INAPLICABILIDADE. DECISÃO MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. 1. Esta Corte possui firme entendimento de que, para que seja possível aplicar a causa de diminuição de pena prevista no art. 16 do Código Penal, faz-se necessário que o crime praticado seja patrimonial ou possua efeitos patrimoniais. Precedentes. 2. Inviável o reconhecimento do arrependimento posterior na hipótese de homicídio culposo na direção de veículo automotor, uma vez que o delito do art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro não pode ser encarado como crime patrimonial ou de efeito patrimonial. Na espécie, a tutela penal abrange o bem jurídico mais importante do ordenamento jurídico, a vida, que, uma vez ceifada, jamais poderá ser restituída, reparada. Precedente. 3. Em sede de habeas corpus vigora a proibição da reformatio in pejus, princípio imanente ao processo penal (HC 126869/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, 23.6.2015 - Informativo 791 do STF). 4. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 510.052/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 04/02/2020) Crime impossível • Art. 17 do CP. Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime. • Também chamado de tentativa inidônea, quase-crime, tentativa impossível, crime oco, tentativa irreal. • O agente inicia seu plano criminoso, mas não alcança a consumação, que nunca poderá ocorrer. • O agente se vale de meios absolutamente ineficazes ou volta-se contra objetos absolutamente impróprios, tornando irrealizável a consumação do crime. • A ineficácia ou impropriedade devem ser absolutas. Se relativas, haverá tentativa. Adoção da teoria objetiva temperada ou moderada. • Causa de exclusão da tipicidade. • Meio: é tudo aquilo utilizado pelo agente capaz de ajudá-lo a produzir o resultado por ele pretendido (Rogério Greco). Faca, revólver, veneno. • Exemplo de ineficácia absoluta do meio: tentativa de saque com cartão bancário já bloqueado; tentativa de envenenar a vítima com substância inofensiva, tentar matar com revólver desmuniciado. • Verificação da idoneidade do meio é feita no caso concreto • Súmula 567 do STJ: Sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior de estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível a configuração do crime de furto. • Objeto: tudo aquilo contra o qual se dirige a conduta do agente (Rógério Greco). Pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta do agente. • Exemplo de ineficácia absoluta do objeto material do crime: disparos com intenção de matar em indivíduo já morto; mulher que, supondo gravidez, ingere remédio abortivo, mas na realidade não existe gravidez. Art. 18 - Diz-se o crime: Crime doloso I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; Crime culposo II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. Classificação dos crimes •Doloso, culposo e preterdoloso •Doloso: o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo •Culposo: o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia •Preterdoloso ou preterintencional: o resultado total é mais gravoso do que o pretendido pelo agente Crime doloso • Dolo: nos termos da teoria finalista, trata-se da vontade e consciência de realizar os elementos do tipo penal. Integra o tipo penal. • A consciência é a decisão da ação (momento/elemento intelectual). O agente deve saber exatamente aquilo que faz para que seja possível atribuir o resultado a título de dolo. Exemplos: no homicídio, deve saber que mata outra pessoa. No roubo, deve saber que subtrai coisa alheia móvel. • A vontade é a decisão de querer/aceitar realizar (momento/elemento volitivo). A coação física afasta a vontade e, portanto, a conduta. • Elemento psicológico do tipo penal. • Para a teoria finalista, o dolo é natural, isto é, não é normativo. A consciência da ilicitude situa-se no campo da culpabilidade. Art. 18 Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém podeser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. Todo crime é doloso. A punição pela prática de conduta culposa deve estar expressamente prevista em lei. Dolo é a regra. Culpa é a exceção. Exemplo: no CP, o dano, previsto no art. 163, somente é punido a título de dolo. O dano culposo é um ilícito civil. • Teorias adotadas pelo CP: • Teoria da vontade quanto ao dolo direto, evidenciada pela expressão “quis o resultado” • O dolo é a vontade livre e consciente de querer levar a efeito a conduta prevista no tipo incriminador. • Teoria do assentimento, do consentimento ou da assunção quanto ao dolo eventual, no que se refere à expressão “assumiu o risco de produzi-lo”. O agente não quer o resultado diretamente, mas o entende como possível e o aceita. • Espécies de dolo: • Dolo direto: determinado, incondicional. A vontade do agente é direcionada a determinado resultado. Conduta direta e finalisticamente dirigida ao resultado. Dolo por excelência. • Dolo indireto: a vontade do agente não está dirigida a um resultado determinado. Divide-se em alternativo e eventual. • Dolo indireto alternativo: o agente busca, indistintamente, um resultado ou outro, com igual intensidade. Exemplo: agente que atira para matar ou ferir. Responderá, conforme a teoria da vontade, pelo crime mais grave, ainda que tentado. • Dolo indireto eventual: o agente prevê uma pluralidade de resultados, mas sua intenção se dirige a um, aceitando, porém o outro. O agente considera seriamente como possível a realização do tipo legal e se conforma com ela. Ex: quero ferir, mas aceito matar. • Critério prático para identificação do dolo eventual: formulado por Frank • “Seja assim ou de outra maneira, suceda isto ou aquilo, em qualquer caso agirei” • O agente aceita o resultado como possível ou provável • Tendência jurisprudencial de identificar dolo eventual em crimes graves de trânsito (ex: ‘racha’ ou ‘pega’) Crime culposoArt. 18 - Diz-se o crime: II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. Culpa é elemento normativo da conduta. Valoração no caso concreto. Em regra, são tipos penais abertos. A lei não diz expressamente no que consiste o comportamento culposo. Não há uma definição típica completa e precisa, cabendo ao magistrado aferir e completar no caso concreto. Exemplo: art. 121, § 3º diz, simplesmente: “Se o homicídio é culposo” Definição de crime culposo em tipo penal fechado: art. 180, § 3º (receptação culposa; único crime patrimonial culposo). Legislador indica as formas de culpa: “§ 3º Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso.” •Não há violação ao princípio da legalidade, vez que a própria natureza dos crimes culposos impede a descrição exata de todos os comportamentos suscetíveis de ocorrência. •Conduta voluntária (ação ou omissão) que produz um resultado ilícito não desejado pelo agente, mas que foi por ele previsto ou lhe era previsível. •O resultado poderia ser evitado, com a devida atenção, caso o agente não tivesse agido com imprudência, negligência ou imperícia (inobservância de um dever objetivo de cuidado). •O dever objetivo de cuidado é dirigido a todos, que devemos nos atentar para as regras de convivência social, ainda que não expressas ou escritas, a fim de que haja harmonia. •Modalidades de culpa: • Imprudência: agente atua de forma afoita, intempestiva, irrefletida, sem a observância das cautelas necessárias. Modalidade positiva de culpa. Prática de um ato perigoso, sem os cuidados que o caso requer. •Desenvolve-se junto à ação. Exemplo: direção em excesso de velocidade, limpeza de uma arma municiada. •Negligência: ausência de precaução. Omissão de um agir cuidadoso. É deixar de fazer algo que a diligência normal impunha. Ocorre previamente à conduta. Exemplos: deixar arma ou medicamentos acessíveis a crianças, dirigir com pneus velhos, gastos. • Imperícia: falta de aptidão técnica, momentânea ou não, para o exercício de arte, profissão ou ofício. Também chamada de culpa profissional. Pode se caracterizar com médicos, motoristas profissionais. •A imperícia diferencia-se do erro profissional, o qual exclui a culpa, pois a falha é da ciência, e não do agente. Exemplo: avanço da ciência ainda limitado para a cura de certas doenças. •As modalidades de culpa podem coexistir no mesmo fato. Exemplo: pode haver negligência e imprudência (pessoa que dirige em alta velocidade seu carro na chuva, com pneus gastos). Elementos do crime culposo • Conduta voluntária, comissiva ou omissiva A vontade do agente se limita à realização da conduta perigosa, e não à produção do resultado naturalístico) • Violação do dever objetivo de cuidado Imprudência, negligência ou imperícia. Regras básicas para o convívio social. A desaprovação jurídica recai sobre a forma de realização da ação ou da seleção dos meios para realizá-la (desvalor da ação). • Resultado naturalístico involuntário (não querido, nem assumido pelo agente) Em regra, o crime culposo é material, isto é, modifica o mundo dos fatos. Exemplo: deixar um vaso pesado e grande no parapeito de apartamento do 13º andar (Rogério Greco). • Nexo causal Relação de causa e efeito entre a conduta voluntária perigosa e o resultado involuntário (art. 13 do CP – conditio sine qua non) • Tipicidade Subsunção do fato ao modelo previsto em lei. Na conduta culposa, os meios escolhidos e empregados pelo agente para atingir a finalidade lícita são inadequados ou mal utilizados. O crime culposo deve estar previsto legalmente. • Previsibilidade objetiva Previsibilidade objetiva • No crime culposo, o agente não prevê aquilo que lhe era previsível. • É a possibilidade do homem médio (pessoa comum), segundo a experiência geral, prever o resultado. O agente tem possibilidade de conhecer o perigo que a sua conduta gera a um determinado bem jurídico. • O que é o homem médio (homo medius, standard)? Pessoa comum, com inteligência mediana, com diligência e perspicácia normais à generalidade das pessoas. Nem gênio, nem desleixado. • Nelson Hungria: “previsível é o fato cuja possível superveniência não escapa à perspicácia comum.” • A culpa é elemento normativo do tipo penal, isto é, caberá ao magistrado fazer um juízo de valor, inserindo o homem médio naquele contexto em específico, para então concluir se o resultado era previsível ou não. • A previsibilidade é objetiva, pois considera o fato e o conceito de homem médio. Não se analisa as condições pessoais do agente. • O fato é típico e ilícito. O perfil individual do agente é aferido e valorado na culpabilidade • Exemplo: agente que dirige em alta velocidade nas proximidades de escola no horário de saída das crianças, atropelando uma delas (Rogério Greco). • Se o homem médio tivesse agido de forma diferente naquelas circunstâncias, a fim de evitar o resultado, é sinal de que este era previsível. • Não incorrerá em culpa, por outro lado, quando a previsibilidade escapar ao homem médio. Exemplo: lancha e náufrago em alto-mar (Rogério Sanches). • Ausência de previsão: em regra, nos crimes culposos, o agente não prevê um resultado objetivamente previsível pelo homem médio. Nesse caso, tem-se a culpa inconsciente ou comum. • Todavia, pode ocorrer a previsão do resultado, quando se fala da culpa consciente. • Culpa consciente é aquela em que o agente, embora prevendo o resultado, não deixa de praticar a conduta, acreditando, sinceramente, que este resultado não vai ocorrer. O resultado, embora previsto, não é assumido, nem aceito pelo agente, que confia na sua não ocorrência. Espécies de culpa • Culpa inconsciente ou comum: sem previsão. O agente não prevê o resultado objetivamente previsível. • Culpa consciente: o agente prevê o resultado objetivamente previsível, porém realiza a conduta acreditando sinceramente que o resultado não ocorrerá. Estágio mais avançado da culpa.Aproxima-se do dolo eventual, mas com ele não se confunde. • Culpa consciente x Dolo eventual • Na culpa, o agente não quer o resultado, nem assume o risco de produzi-lo. Sabe ser possível o resultado, mas acredita sinceramente ser capaz de evitá-lo. • No dolo eventual, o agente atua com indiferença. Prevê o resultado como possível e aceita a sua ocorrência. • Crimes de trânsito • Embriaguez ao volante = dolo eventual (?) • No dolo eventual, o agente antevê como possível o resultado e o aceita, não se importando realmente com a sua ocorrência. • Exemplos: indivíduo que se embriaga em sua festa de aniversário; motorista atrasado em alta velocidade que confiou no pedestre, que se desviaria a tempo. • A distinção entre culpa consciente e dolo eventual é bastante tênue e somente poderá ser feita no caso concreto. • STF: diante da impossibilidade de se adentrar na psique do agente, deve- se analisar todas as circunstâncias objetivas do caso concreto. • Importante: • Para fins de aplicação da pena, o CP não diferencia a culpa consciente da inconsciente. • Não há compensação de culpas no Direito Penal. Cada um responde pelo resultado a que deu causa. O comportamento da vítima pode ser valorado na primeira fase de dosimetria da pena (art. 59 CP, circunstâncias judiciais). Somente a culpa exclusiva da vítima irá excluir a culpa do agente. • Existe algum ponto de semelhança entre as condutas praticadas com culpa consciente e com dolo eventual? • A) Sim, pois tanto na culpa consciente quanto no dolo eventual há aceitação do resultado • B) Não, pois não há ponto de semelhança nas condutas em questão • C) Sim, pois em ambas o elemento subjetivo é o dolo • D) Não, pois a aceitação do resultado na culpa consciente é elemento normativo da conduta • E) Sim, pois tanto na culpa consciente quanto no dolo eventual, o agente prevê o resultadodo.